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Hans Beltin g
,
O FI M DA HISTORIA DA ARTE
um a revisã o dez anos depois
COSACNAIFY
f.:18LICT .... CAPE. ALBERTO ANTÕNiA LI'
8ELO HORIZONTE
7 PREFACIO
~s 1 BIBLIOGRAFIA
P ET 1' 1 <1
dizer, e nrudo, algo sob re a gêne e do antigo e do n vo ensaio. Qua nto
mai o novo en aio avançava, mai me vi obrigado a reescrever o an -
tigo. diferença reside em qut: no texto antig permaneço no quadr
do argumento anr ri r , mas o preencho de maneira diferente e não
oloco mais a ciência da arte n centro. Certas coisas que queria dizer
naq uela época, só hoje consigo fundamentar de maneira sa tisfatór ia.
No novo texto, ao contrário, trata-se de novas experi ências e novos re-
mas, rai como nente e cidenre, o museu atual e as mídia , as qua is
conheci mais de perto em Karlsru he. O diálogo interno que mantenho
comigo mesmo como hi toriad r da arte e como cont mp râ neo to-
mou a forma de texto nos doi ensaios.
A segunda modifi cação sofrida por esta edição está na parte ico-
nográ fi ca, que não xi tia na ed ição anrig . Ela e. ib o tema num
caos de imagens que querem fal ar por si me ma na ão de tina -
das somente a ilustrar o t x to. Sua miscelânea é o reverso exa ro de
uma história da arte o rente , justam nr p r i o, repr entati va
do e ta do de oisa . 'f; lv z re ulte às vezes mais convincen te do que o
próprio texto, em todo caso de man eira m ais intu itiva, já que o texto
se encont r::1 se mp re na c ntradição entre um discurso a adêmico e
um mundo em mudança q u não ·e deixa reprodu zir verdadeiramen-
te nesse discur -o . qui deparei subitamente com um d ilema q ue não
consiste a penas na coexistência da ciência da arte da arte atual, mas
mostra o ·tad da n cultura ci ntífica, q ue con fer al idade a i
med iante teses e rac iocínios num mundo sobr o qu al já não tem mais
nenhum poder. As ciências sempre procuraram oferecer ao espírito do
tempo a fórmulas ade quadas nas q uai le deve se reencontrar e to-
ma r con ciência de si. Toda via , se formos honestos o célebre di scu r-
o acadêmico satisfa z apenas a i me mo. Ou será que esse discurso
não quer onv ncer in i rentemente mundo não-acadêmi o qu este
d pend e dele, embora a rea li dade pareça diferente? Do fingimenro
acad ~ rn i o, a cultura d massa e o mundo da míd ia as imila m apenas
pa lavras i olada p ra consu mi-la ra pida mente como informaçõe
cu lturai em busca de sua própria cliente la. No ca o a art , o di -
ur o ultrapa a de J.ntemão ce n , rio ac dê mico, motivo pelo qua l o
tem tem resistido ultimamente à ordem de u m método científico.
IO
O rext reescrit começa com um ba lanço do débitos e crédito a par-
tir do qual compreendo a situação p resente m total contraste com a
a sim chamad a modernidade. Nele consigo hoje formular a tese do fi m
da hi tória ma is cl ramente do q ue há dez ano , depois q ue tran ur-
o de uma evolução, que naq uela época apena se in iciava, se deixou
ver melhor em seu conjunto. Desde então surgiu também uma di cu são
sobre e sa te e à q ual posso agora r tornar (em diálogo, por exemplo,
com Arth ur Danto). O papel do comentário obr a · rt , qu ca iu nas
mão dos críticos de arte e dos artistas, apresenta a melhor oportuni -
dade para diferenciá-lo da forma narrativa da história da a rte de elho
tipo. A lembrança do es tilo e da histór ia tem o sent ido de pe(seguir a
ciência da arte até as idéias e as ideologias da modern idade cláss ica
que essa ciência ainda preserva co mo artigo de fé. A period ização qu
tenho m m nt co m a denominação " uho tardio d modernidade '
move-se conscientemente fo ra da evolu ão interna da arte, pois fora m
data exteriores, como o fim da guerra, q ue modelara m a consciência
da icuaçã o da arte do and amento da históri da arte.
No centro do n vo texto está uma trilogia de grandes temas qu não
ão propriamente temas da história da art e não obsta nte, alt raram a
história da arte e continua rão a alt rá-la. Somente dur nte a redação é qa
tornei consciencia do nexo interno do texto. Cronologicamente, começo
com o tema da arte o idental, depois qu o tado Unido a urniram a
ondução do c nário arrístico no pó -guerra, ao pa o que hoj e ad ta
ali ada vez mais uma atitude de distância em relação à uropa. A Europa,
contudo, por meio da temática recém-surgida sobre Oriente e Ocidente
- para a qual ainda não xiste uma resposta da hi tória da arte-, repen-
tinamente está mai uma vez referida a i mesma, depois que pareceu
ter escapado · essa divisão na "parceria do Ocident ". A arte un ive ai
emerge finalme nte como a qui m ra de LLma cultura global pela qu 1 a
hi tória d arte é desafiada como um produto da cultura européia. Em
contrapartida, as minorias r clamam sua parti ipação numa história da
arte de identidade coletiva m qu não se vêem re resentadas.
A c nclusã de te n vo texto é formada, por ua ez, por três outros
tcnn s cuj o sentido , conhecido d todo . A pro blemática do high and
lou1 conduz a entro da nossa siruação cultural depois que a histór ia
da arte, como t:radi ão, tornou- e aqui não o imb 1 , mas a imagem ne-
gativa d atividade artística. A arte multim ídia, seja como instalação se ja
f'I FÁCIO 1 11
como vídeo, suscita questões int ira m nte novas com as suas estruturas
material e temporal qu não estã mais no horizonte do discurso habitual
da história da arte. s m useus de a rte c ntemp orânea transformam-se,
como instituições, cada vez ma is em palco para e petáculos artís ticos
inusitados e o ferecem por i s o m lhor discernimento do p roce o in ter-
no da cultura que descrevi há dez anos corno " fim da história da arte".
O texto antigo não foi apenas compl tamente reescrito, mas também
ampliado com um novo capít ulo em que as teses anteriores são desenvol-
vidas. Este começa com a m iragem experimentada pela idéia de história
da arte na arte atual e reconduz essa idéia , num passo seguinte, aos seus
primórdios. Após H::.gel a histó ria da arte despr ndeu-se des as origens
p ara seu próprio prejuízo e com isso provocou imediatamente a reação
dos se us críticos, dentre os quais Quatremere de Q uincy que, em minha
opin ião, desempenhou um papel hoje de conhecido . O tema da ciênci a
da arte e da vanguar a, cuja coexi tência comporta traço decididamente
paradoxa is, também propicia que se conquiste, a partir de uma visão re-
trospectiva da história, a liberdade de uma nova posição sobre a história
da arte. Por isso, e do mesmo modo, o exa me que as regras do jogo de
uma disci plina experimentam não é vi sto como exercício obrigatório da
história da ci ên ia, mas como proposta de des mascara r nos int ' rprete
da história da arte o pro l mas temporalmente c ndicionados e não
confun di-los po r mais tempo com artigo de fé ind isp nsáveis.
A rea lidade da o bra de ·1rte, que encontra u lugar no centro de -
te segundo texto, é po uco a feta da pel o tema do fim da história da arte,
pois o bra de arte e história da arte encon tra m-se n uma co ntradição
insolúvel. Mas como o conceito de o bra está dispon ível na arte atua l,
segue- e conseqüentemente uma c n id ração sobre a história da s mí-
dias e da h istóri a da arre, as quais por enquanto têm d iferent s tema s
constituem <li.ferente d iscip linas, o que hoje, depois de m inha ex -
periências em Karl.-ru he, po o ver m lh or do q ue a nte , quand in-
troduzi a comparação. Os capítulos concl usivo constituem um novo
entro de gravidade, poi rela ionam d i· logica mente wna com a outra
a modernidade e a pó -h' tória a tual e as concebem, cada uma e m ua
e pecificidade, do ponto de vista da histó ri a da arte. A pó -hi tória
do artis ta, a im q uero concl uir, começou m ai ced o e d sen lveu-se
de maneira mais criativ do que a pós- histór ia do pen ·ador da a rre.
A coaclu ão lógica é representad· p r um film e de Peter G ree naway,
1.2
que d uran te a ela b oração de te texto d esco bri, cad a vez m ais, como
meu in terloc uto r imaginário. Nele encontrei nova men te a te1m1tica d o
en quad ramen to e d a imagem, já apli cada po r m im à relação entre a
história da arte e a arte. É a fi n al uma espéci e p a rticular de alegoria
que u m texro pu blicado na ve rd ad em 198 3, o u iniciado a ntes, trate
de um fil me de 1991 [Prosp ero's Books] em q ue e r fl etem ine pera -
damente muitos dos meus pensamentos daquel a época .
Re ta-me a pen as o de ejo de agn d er a todos a g u les qu e volun-
tária ou involuntariamente estimul ram meus pen amen tos e incentiva-
ra m tanto o tex to anterior como o atual. Naquela época foi o editor de
Muniq ue M ichael Meier que, para poder ed itar " fi na lmente um texto
em r p roduçõe ", p rsuad iu -me amigavel m ente a publicar minha aula
inaugural de Munique, em cuj o tema meus co legas do instituto não te -
ria m vi to senão uma extra va â ncia supérflua. Ar o nanc ia ai ançada
no ext rior pel o p queno e rito on tra ngi -me empre a fazer interv n-
ções e co rreções nas difer nres traduções - com exceção da edição j:ipo-
ne a, que tive de entregar à sua própria sorte. Com isso cr scia mi nl1:1
in ati fação em relação à ver ão a nterior do t xto , que c n, istira apenas
nu m pnmeira tentativa. Então ceitei agradecid o , apó. he itação ini-
cial, a oferta da ed itora C. H . Beck par lidar ma· wna vez c m o tema,
1á que e gotara havia muito tempo a ediçã o alemã. Os estud ntes
<la Hochschule für Gesta!tung [Esc la Su perior d a Forma] de Karlsruhe,
na Lta l m e encontro n ovam nt nas discipli nas recém-inaugurad a de
ciênc ia da arte e teoria da m íd ias co nsti ruí.ra m um fóru m com disposi -
ão crítica inesper da, d ia nt ci o q ual eu dev ia explica r o que afin a l é a
história da arte. Aq ui também encontrei a juda , no nti do práti .o, no
estud antes Barbara Fil er e Joach im Homann, que cuidaram paciente-
mente da bibliografia exp loratóri a. Helga Immer amparou-me n a luta
contra a ' muita v rsõe do texto, domadas por ela no compu tador. Os
amigo da Beck Verlag, obretud Karin Ileth e Ernst-Peter Wieckenberg,
<lemon traram m:ii uma vez a assi tência ta ntas veze com provada no
caminho incerto da co mpo ição d texto. Agradeço a P t r Gr' naway
P >r permiri r a reprodução de ]ano q u gua rda a entrad do meu ensa io .
Pl<i 1 1 1l
PARTE 1 A MODERNIDAD E NO ESPELHO DO PR SENTE -
SOBRE MÍDIAS. TEORIAS E MU SEUS
1 EPÍLOGO DA ARTE OU DA HISTÓRIA DA ARTE?
17
colocado entre asp as para poder levá-lo aind a ma is long na d úvida
indicada. Já de antemão, tam bém leva-se em o nta um a o utra com-
pr eensão, distinta, mas em todo ca o não m a is um consenso. A cada
cone ito está ane 'ado um ca rtão de visitas que apr enta aqu ele que
f z u o de le, a fim de delimitar des e mo do o conceito geral a u ma
compree nsã o individual. Q uem fala de c ul tura logo é instruíd o de
que is o propriamente não existe, e de que desse preâ mbu lo estão
excl uídas a penas a economia e as míd ias . Os conceitos e as te es ão
hoje alcançados pelo mesmo desti no que há muito tempo já atingiu
a a rt : eles só podem legitimar a si mesmos com ressalvas acerca da
própria declaração. Naturalmente, muitos ganham o pão com a mu-
da nça daquele discurso que os sustenta. Porém, a consciência hoje, do
q ue quer que se preste contas, em todos os temas e registros da língua,
é de epílogo, assim como uma vez, no romper da modernidade, foi
de prólo go , m ilitantemente maníaca pelo futuro e intolera nte diante
do passado. O utrora se queria combater a história q ue hoje se teme
perder, visto que agora a história é justamenr ml!sma modernidade
que ou trora era esperada.
Um epílogo d algo pelo qual n os ori enta mos certa vez mede o
presente segundo modelo . que o presente não pode sa tisfa zer. Em nos-
so caso esse epílogo é a cultura da modern ida de, com a q ua l nos iden-
tificamos tão en faticamen te co mo nossos a nt pa . ados identificaram-
s com a religião e a nação . Essa pátria espiritua l não se encontra num
lugar m as antes em um tempo de rupt ura e de utopi as em q ue todos
os o lhares estavam voltados p ara um fu turo idea l. A perda de urna tal
perspectiv , contudo, não sign ifica p or certo o fim da modern idade,
mas antes a im possibilidade de enc rrá-la, já que nã o possuímos ne-
nh uma a lternati va pa.ra ela, a menos q ue a tratemos de man ira mais
crítica ou q ue se jamos obrigados a a ltera r os seus li mites.
A mode rn id ade se tra nsform a em mil fi guras acerca da s q uais
d i ·cutimo ntão se ela a inda obrevive nela o u se já as aba ndonou.
Mes mo a hi tóri a, que há mui to tem po foi a nun ciada co mo morta
o m base em razõ · con istente , em todo m undo toma a pa lavra no-
vamente de maneir a mbaraçosa e inco nveniente. E, por fim as artes
clá sicas, das q uais nos desped imos camas vezes de rna n ira solene e
definitiva, .:on tiuuam a exi tir, por · si m dizer, o ntra todas as expec-
tativa e criam a partir disso precisa m m e um a nova liberdade e força.
1H 1 PAtfl
1 so n-o significa, no en tanto, que ainda convivemos com as vel has
tarefas e possib ilidades que certa vez poss uiu a modern idade clássica.
Todo olhar sobre essa modernidade só pode ser um retros pecto q ue
hoje nos elucida ainda mais sobre a si tu ação modificad e a o va ex-
periê ncia cultural. Por isso, torno u-se há muito supérflua a polêmica
sobre o presente onservar o u não se velho perfil da a im chamada
moderni dade. Estamos prest s a ampliar o conceito d m dernidade,
assim como ,~ empre amp liamos o conceito de arte qu and o q uisemo
estender a sua aplicação.
A arte multimídia surg ida recentemente, para dar a penas um
exemplo, reage ao mundo da mídia que sabidamente não existia na
modern idade clássica. Desde a sua origem as mídias sã o globais, s u-
primindo com isso qualq uer experiência cultura l regional o u indi-
vidua l. Elas alcançam todas as pessoas e se ajustam a qual quer um,
razão pela qual o consumo de informação e entretenimento num alto
nível téc rüco e de baixo conteúdo tornou-se a sua princi pal fi nalida de.
Ni so rebate o conceito corrente de arte. Todos sabem q ue a arte e
di solveu num espectro de fe nômenos opostos que há m uito tempo
aceitamos como arte , antes mesmo de termos formado um co ncei to a
eu resp ito . Ex tamente a perda de um conceito de arte conciliató rio
impede- nos de adotar uma posição fund amentada em relação à a rte
multimídia, para permanecer no meu exemplo. A ques rão não é se as
mídias são apta para a arte, mas s os a rtista , ainda q uerem fa zer
arte com as novas técnicas.
A arte e tá ligada de modo reniten te a um artista que se expres-
sa pessoalmente nela e a um ob ervador que se deix a impres ionar
pessoalmente por ela. Assim, ela é secreta mente rival da técnica, cujo
entido precípuo co nsiste em que ela fun ciona ao ser usada e cujas in-
formações contudo dizem re p ito não a um criador, mas a um usuá-
rio. Por isso, desde o início reside na técnica uma indiferença diante de
qualquer imagem humana o u imagem do mundo, tal como sempre se
refletira m na arte. A técnica, di to de modo _ tremo, não int rpr ra o
rnund q ue encontra à sua freme, mas produz um mundo técnico que
hoje, sob retud o nas mídias, ' muito con eq üentemente um mundo da
aparência, no qual qu alquer realidade corporal e espaci 1 ~s u prim ida.
Ela dramatiza de se modo a crise da ind ividua li dade que irr mpeu na
moderni dade desde o esgotamento da culrura burgu .sa. s filósofos
1!1
por i so, eus defen ore e dispõem de imedi to a resgatá-la pel me-
no num epílogo de vocação, ao pa o q ue seus opos.i tores anunciam
tanto mais rapidamente o fim da modernidade qu nunca e rima ram.
Quer se trate da 'perda da aura", que Walter B njamin via como
uma oportunidade hjsrórica para uma arte nova q uer da " perda de
eixo", lastimad por H ns Sed lmayr numa m dem idade que saiu dos
trilho , o epílogo estava rapidamente à disp osição. O m · m va le para
3 perda do conceito de obra, concl uída a pa rtir de a parições como o
Flu:xus ou a arte concei tuai. A obra ind ivid ua l, q ue com , lgo origin al
ocupava um lugar sólid o na consciAncia do pú blico parecia ubs ti-
tuída p r um e petáculo artí tico fu gaz no qu al havia apenas espec-
tador e ator. ma não ob ervador. Na arte mul timídia os videoteipe
empre desapare em depoi de exi ido , ou as instalaçõe , depoi de
desmontadas. Desse modo, a d uração que existia na pre enç da arte
é substituída po r im pre ões que se aju ta m ao caiáter fugaz da per-
cepção atua l. H' a lguma década a pre ão pela in vação na aite
aumentou na mesma med ida em q ue encolheram a po ibilidade de
inovação na artes clá ·si as. O ri tmo c m q ue urgem a . inven õe
artística acelera - e, mas a importância da s inovaçõ reduziu- e n
mesm:i medida em que elas não cri< m mais nen11llm estil o novo. Há
um Ion o tempo, de de que o pr gre -o não rcpre ent. mai a produ-
ção artísti a e desprende u-se do frívo lo e letárgico remake, tod o
~·Hilo são adrlliridos um ao lado do ourro e é deixado à esco lha de
i.:a<la arti ta o rjpo de arte que le quer faze r. Um clichê ainda recorda
J. culrura in titu ional da modernidade, que tinha o progre , o como
programa de identidade.
lhando retrospectivamenr para a mode rnidade dás ic , per-
cebemo , quando a med imo pela situação atua l, uma érie de m d i-
fkações fundamentais que escap am a qualqu er comparação simple
1.:omo já deixam clara a palavras ue e eguem . A pretensão de
1111i1•ersalidade reivindicad a pela m dernidade dem n tra-se, om
a distânci de hoje, co mo uma visão curocêntrica q ue jama is s-
rcvt:: vo ltada para uma ampliação gl ba l. A libertação em relaçã
.1os talms pela qua l a modernidade l uto u o ut rora perdeu eu va lor
desde ue a arte n; o provoca m i!> ninguém . A crença no ideal de
11 m mundo técnico da arte, 1.:omo um mundo vita l d. huma nidade,
12 1 PARlf:1
2 O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE E A CULTURA ATUAL
__)"
)
dida, tanto mais la se dissolvia em todo o campo da cultura e da so-
ciedade em que pudesse ser incluída. A polêmica em torno do método
perdeu sua in tens idade e os intérpretes substitu íram essa história da
arte única e opressora por várias histórias da arte que, como métodos,
existiam uma ao lado das outras, sem conflitos, semelhante à maneira
como ocorre com as tendências artísticas contemporâ neas. Os artistas,
por sua vez, despediram-se de uma consciência histórica linea r que
lhes h avia constrangido a con ti nuar escrevend o a his tória da arte
no fut uro e ao mesmo tem po a com batê-la descompromissadamen-
te no prese nte. Libertava m-se ta nto do exemplo como da imagem
ini miga de história q ue enco ntravam na va ri ante históri a da arte e
abandonavam os velhos gê neros e meios nos quais as regras prescre-
via m incessan temente o progresso para manter o jogo em andamento.
A partir de então a arte não precisava ser sempre reinventada pelos
artistas, pois ela já havia se imposto instit ucional e comercia lmente:
com a confissão, ali ás, de que ela era e permanecia urna ficção, com
o que, a abe r, já respondia negativamente à questão so bre a sua re-
levâ ncia para a vida. Desse modo, os intér pretes de arte para ram de
escrever a história da a rte no vel ho sentido, e os artistas desisti ram
de fazer uma história da arte semelh ante. Soa assim o sinal de pausa
para a vel ha peça, q ua ndo não há m uito tempo está sendo execu tada
um a nova peça, que é acompan hada pelo pú blico seg undo o velho
programa e conseq üentemente é mal compreendid a.
O discurso acerc a do fim não pode ser confund ido com uma
inclinação apocalíptica, a menos que a pa la vra se ja en tend ida no
vel ho sentido de "descobri mento" ou de "desvenda mento" daquilo
que em nossa cult ur a se d istingue como mudança. N ão é poss í-
vel seguir outro camin ho sem a tentativa de recapitula r mais uma
vez de qual objeto se tra ta e quem estava envolvido no empreen-
dimento da história da arte. A arte - como esbocei no pre fá cio - é
entendida como imagem de um acontecimento que encontr ava na
h istória da arte o seu enquadramento adequado. O ideal co nti do
no conceito de história da arte era a narrativa vál ida do sentido
e do decurso de uma h istór ia universal da arte. A arte autônoma
buscava para si uma história da a rte autônoma que não estivesse
contaminada pe las outras histórias, mas q ue trouxesse em si mesma
o seu sentido. Quando a/imagem hoje é retirada do enquadramento,
.'.4 J PART
pois ele n; o é mai adequado, ai anço u- e então o fim ju tamente
d. q uela história da arte da qu a l fa lamos aq ui.
26 1 PA RT E 1
um argumento a favor do "fim da história da arte" [figs. 28, 29]. Se
até então era evidente que as exposições mostravam somente arte e
erain organizadas apenas em virtude da história da arte, ou seja, se-
guiam o mandamento da arte autônoma, agora multiplicam-se proje-
tos de exposições que preparam a cultura (ou a história) sobre deter-
minado tema para o visitante curioso e não para o leitor de um livro.
o motivo para a organização de exposições reside então menos na
própria arte do que na cultura, que, para ainda ser convincente, tem
de ser apresentada de maneira visível por meio da arte. Na Bienal de
Veneza de 1995, Jean Clair planejou não uma retrospectiva sobre a
arte moderna do século desde que a Bienal existe, mas algo totalmente
diferente intitulado Identidade e o outro - uma sinopse das idéias so-
bre o homem e a sua natureza, na qual a arte deve oferecer o espelho
em que se delineia a mudança dramática da imagem do homem.
Como a arte sempre foi um subconceito privilegiado da cultura,
ela pôde desfrutar plena autonomia em seu próprio terreno e sentir-se
nele livre não apenas dos constrangimentos da sociedade como tam-
bém da obrigação de assumir outras tarefas ela cultura. Exatamente
1
Essas são até aqui observações gerais que não levam em consideração
quem participa da história ela arte e quem lucra com ela. Os artistas,
os histo riadores da arte e os críticos de arte não têm a mesma imagem
da história da arte, mas todos estão envolvidos nela de modo seme-
lhante. A aliança entre o artista e aqud e que escreve sobre arte, ambos
parti cipantes ela produção da história da arte, esteve submetida du-
rante longo tempo a uma prova duvidosa. O primeiro era responsável
pelo fu turo, o outro pelo passado. A história que clava (ou tirava) a
28 1 PA RTE 1
e galerias se transferem para lá. O sucesso da arte, que também é cole-
cionada pelos bancos e pendurada nos gabinetes dos políticos (e trata-
se sempre de arte recente, de arte contemporânea), não é diminuído
pela queixa acerca do perfil perdido ou duvidoso. A caixa de Pandora
reserva a todos a sua parte, de tal modo que os intérpretes de arte são
substituídos no prestígio social pelo consultor de investimentos. O su-
ces o da arte depende de quem a coleciona e não de quem a faz.
A esse boom corresponde o boom da história da arte, e na Alema-
nha o número de estudantes universitários constitui um fator de mer-
cado no planejamento das editoras. O desenvolvimento internacional
da história da arte é evidenciado quando a editora Macmillan anuncia
um dicionário de arte que deverá conter, em 34 volumes, 533.000 en-
trad s sobre arte mundial. Diante do céu estrelado de uma pintura de
Ticiano, como se víssemos os nomes dos participantes de um filme que
se in icia, reluz a informação extraordinária de que "6.700 estudiosos
reun iram-se para transformar o mundo da história da arte" [fig. 3].
O círculo dos editores responsáveis consiste em apenas doze eruditos
conhecidos (dos quais um já falecido), embora a comunidade dos his-
toriadores da arte deva hoje ultra passar em muito 6. 700 colaborado-
res, pois não conheço ninguém, incluindo a mim mesmo, que colabore
nessa obra. O mundo da história da arte tornou-se muito grande, tão
grande que só pode ser entendido por meio de um dicionário, atingin-
do assim um estágio final provisório no qual se esmaece a lembrança
do sentido anterior e a norma cultural de uma história da arte única
e obrigatória.
30 1 PA RTE 1
à teoria da arte. Numa segunda versão, publicada em 1989 na revista
Grand Street, afirmou que a arte, desde que ela própria formulou a
questão filosófica sobre a sua essência, transforma-se em "filosofia
no medium da arte" (was doing philosophy) e desse modo abandona
a sua história. Já em sua publicação anterior Transfiguration of the
Common Place [A transfiguração do lugar-comum], Danto pergun-
tava-se o que significava o fato de que a arte se deixa definir apenas
nos termos de um ato filosófico, a partir do momento em q ue não se
distingue mais fenomenologicamente de uma forma banal. Referia-se
naturalmente a Hegel, como fazem todos os filósofos, quando então
explanava: "Na medida em que se tornou algo diferente, isto é, filo~
sofia, a arte chegou ao fim" . Desde então os artistas foram eximidos
da tarefa de definir a própria arte e com isso ficaram livres também
de sua história prévia, na qual tinham de demonstrar o que afinal os
filósofos podiam fazer por eles.
Devolvi a tese radicalizada, a fim de desvendar a imagem de um
filósofo q ue nela se esconde. Mas a questão que Danro formula já
acompanha a história da arte há muito tempo, talvez há tanto tempo
quanto se reflete sobre a arte. E há muito tempo encontra-se por trás
dessa pergunta a idéia de que ela poderia ser uma ficção. O "aterra-
menro" desse produto da imaginação ocorria sempre que eram colo-
cadas em primeiro plano as "artes", no plural de gêneros artísticos,
cuja história podia ser escrita. Por isso, Danto diz com acerto que um
fim da arte, no sentido de determinada narrative of the history of art
[narrativa da história da arte], seja concebível somente no quadro de
uma história interna, uma vez q ue fora do sistema não poderia ser
feito nenhum prognóstico, e portanto também não se poderia falar
de um fim .
Se a arte atinge seu objetivo no espelho de todos os gêneros em
que durante muito tempo ela foi realizada, agora é possível identificar
o que move os ânimos. Aqui o progresso, que sempre manteve as artes
particula res vivas no pró prio m edium, enfraquece como necessidade
no sentido que deteve até agora. O progresso é trocado pela palavra
de o rdem remake. Façamos novamente o que já fo i feito. A nova ver-
são não é melhor, mas também não é pior - e, em todo caso, é uma
reflexão sobre a antiga versão que ela (ainda) não poderia empregar.
Os gêneros, que sempre ofereceram o enquadramento sólido que a
Não se pense, porém, que isso seja apenas um assunto das velhas
mídias, pois também as mídias técnicas hoje existentes caem na mes-
ma dificuldade quando são solicitadas a um espetáculo de arte e, de
maneira semelhante, tendem violentamente à dissolução do seu per-
fil comprovado. Numa entrevista concedida ao número de junho de
1994 de Film Bulletin, Peter Greenaway justifica-se por fazer cada
vez menos filmes e cada vez mais exposições. É portanto a situação
do cinema, com o seu rígido enquadramento, no qua l o observador
já estava fixado na pintura, que ele quer "superar". Por isso interessa-
lhe que alguns dos seus filmes sejam adaptados para peças de teatro,
embora também entenda o palco como limitação para a experiência
estética do público. Qualquer instante de ordem enche-o de inquieta-
ção. "Todas as regras e estruturas são unicamente construções", das
quais, contudo, só podemos nos livrar com muito esforço. Greena-
way, historiador da arte e artista numa única pessoa, estudou a sua
técnica de luz ou a sua organização da imagem freqüentemente em
antigos pintores, percorrendo os caminhos históricos sem pagar o
imposto alfandegário para os policiais fronteiriços da modernidade.
Para ele, a técnica é um meio de expressão e, por isso, uma condição
contínua e não restrita à arte moderna. Por um lado, como confessa
na entrevista, ele quer desencadear uma obra de arte barroca em seu
conjunto, na qual o público vivencie o seu entorno natural como um
filme, e, por outro lado, está fazendo atualmente um filme em preto e
branco, cujo "tema é o de que a história não existe, mas é construída
pelos historiadores".
Greena way compreende a si mesmo em tais declarações como
protagonista de uma cultura da pós-história, na qual o fim da histó-
ria da arte se cumpre ao mesmo tempo na sua presença espontânea.
A ciência da arte não pode lidar com esse tema com a mesma liberda-
de, poi:;; deve temer pela ~ma própria continuidade. Antes, ela se ocupa
12 1 PARTE 1
da alegoria de sua historiografia ou da arqueologia do saber acumu-
lado, ta l como se encontra num livro de Donald Preziosi, Rethinking
Art H istory [Repensando a história da arte], no qual sou citado numa
epígra fe , mas não apareço no texto. O livro deve ser compreendido
como uma "série de prolegômenos ligados entre si que se antecipam
a uma história que tem de ser escrita, se quisermos saber para onde
ela cami nha", um entendimento portanto sobre a verdadeira histó ria
da história da arte, tal como foi produzida pela literatura especia li-
zada. Um capítulo sobre "arte" paleolítica, que como se sabe n unca
foi objeto da disciplina, chega à conclusão paradoxal de que se não
houve arte, no sentido que a conhecemos, em tempos remotos, tam-
bém hoje é questionável se possuímos a correta compreensão da arte.
No últi mo capítulo, o autor faz um jogo de palavras possível apenas
em inglês, quando deixa a critério do leitor se quiser ler o títu lo como
"fim da história da arte" ou "propósito (ends) da história da arte".
O texto termina com uma descrição da acrópole de Atenas, que era
vista através do "enquadramento" do Propileu, do mesmo modo q ue
só se pode compreender a história da arte no enquadramento de sua
própria história. É o enquadramento que entra hoje novamente em
discussão, uma vez que, de repente, é visto em toda parte onde antes
nem seq uer era notado por nós. Em nosso caso, a descoberta de Pre-
ziosi segundo a qual toda história da arte era urna teoria da história,
é a de e berra do enquadramento.
O fi m da história da arte é praticado hoje numa grande quan-
tidade d e livros cujo assunto não é de modo algum tal fim. Eles são
coloridos, originais e desinibidos, no sentido de uma disciplina rígida
do sa ber e da demonstração. A própria cultura não é mais aí o severo
juiz diante do qual se respon de por sua ciência, mas o belo desco-
nhecido q ue se con hece no caminho da sedução. Di to de outro modo,
cada um procura seu p róprio caminho para se orientar no labirinto da
cultu ra histórica em q ue se rom peu o fio de Ariadne. Trata-se sempre
aqu i dos primórdios d aq uilo que se experimenta agora sob uma vaga
idéia de fim. Num livro p ubl icado em 1 994 sobre Winckelmann and
the O rigins of Art Histo ry [Winckelmann e as origens da história da
arte ], o inglês Alex Potts formula, simultaneamente, a questão inquie-
tante acerca da fascinação pel'os corpos de mármore nus ou, co mo
se lê no título, a questão acerca da Flesh mui the Ideal [A carne e o
34 1 PARTE 1
3 O COMEl\JTÁRIO DE ARTE COMO PROBLEMA DA HISTÓRIA DA ARTE
35
interpretação desejada ou, invcrs::imente, dominá-la impondo à obra
aquela interpretação que lhe é pessoalmente interessante. O problema
não se resolve com o fato de que o intérprete, por seu lado, toma
para si a liberdade do artista ou de que rivaliza com a arte na própria
arte de sua interpretação. Isso os poetas, que como se sabe foram os
primeiros intérpretes da arte, podem fazer melhor. Sempre esteve em
moda a boa e a velha écfrase, com a qual os poetas já na Antigüidade
recriavam uma obra de arte, de maneira a descrevê-la, mediante a
pintura de suas próprias palavras. Hoje, contudo, são os escritores ou
os filósofos que têm a palavra e não os especialistas da arte histórica.
Finalmente, os próprios artistas se apossaram da palavra conduzindo
para a interpretação que desejam em entrevistas concedidas com dili-
gência. Os outros, porém, descobriram na arte o último domínio que
ainda lhes revela um espaço livre para se alçarem, na sociedade atual,
à liberdade da grande visão e ao gesto de linguagem emancipatório.
A arte atua às vezes como um santuário do passado e a literatura como o
seu antigo ritual, o que vivenciamos novamente com tanto gosto.
A relação do comentário sobre arte com a obra de arte é abor-
dada no problema do método. O comentário sobre arte sempre quis
abolir a sua diferença com a obra e colocar a si mesmo no lugar dela,
ou seja, sempre aspirou a uma relação mimética com a obra - o co-
mentário como arte. A tentação intensificou-se à medida que a obra
de arte perdia sua forma acabada como obra e se deixava transmi-
tir tão-somente por um comentário, o qual rivalizava com si mesma.
A crítica de arte assumiu a tarefa da teoria da arte, desde qu e filósofos
e literatos assinaram os manifestos das associações de artistas: Filippo
Marinetti em nome dos futuristas e André Breton em nome dos sur-
realistas de que era porta-voz, para mencionar apenas os primeiros
de uma longa série. A produção contínua e crescente de novas teo-
rias reduzia cada teoria particular a uma palavra de o rdem, atrás da
qual um grupo de artistas reunia-se numa luta em comum e forçava
cada obra particular a seguir uma teoria em comum. Com isso a obra
fi cava vinculada, em princípio, às teorias que os futuros intérpretes
tinham de respeitar. A arte parecia restringir-se, no fundo, às zonas
livres e isol adas, cujas cercas eram demarcad as pelas teorias. Os his-
tori adores da arte tive ram uma participação reduzida nesse cenário
que já encontraram dado. Afinal seus métod os se rviam mais à prática
l6 [ PARTE 1
científica especializada do que tinham o sentido de tornar compn.:cn-
sível 0 próprio cenário artístico.
A relação entre comentário e obra foi deslocada, é verdade, com a
reivindicação crescente de uma crítica de arte teórica, mas, mais ainda,
a partir da aprovação de artistas com formação teórica. Seus textos,
que eles naturalmente sempre escreveram, ganharam uma nova quali-
dade com M arcel D uchamp, que refletia sua obra em textos que logo
não podiam mais ser diferenciados dela e produziam mais quebra-ca-
beças do que a própria obra. Assim escreveu os primeiros textos que
serviriam ma is tarde como comentário ao Grande vidro, já numa épo-
ca em que essa obra capital simplesmente não existia [fig . 4]. Joseph
Kosuth achava que D uchamp devolvera à arte sua verdadeira iden-
tidade ao " perguntar por sua .função" e descobrir que a " arte (nada
mais) é do que a definição de arte''.
Em meu ensaio sobre O grande vidro procurei revelar o comentá-
rio na obra e a obra no comentário de D uchamp, sem traçar a fronteira
que o próprio Duchamp não traçou. O Grande vidro limitou a priori
todo comentário que lhe foi dedicado posteriormente à possibilidade
única de ser um comentário sobre os comentários do artista, nos quais
ele enredou a obra : uma pos ibilidade da qual André Breton, q ue na
época nem sequer conhecia a obra, fez um uso ainda mais produtivo.
Duchamp simulava, por assim dizer, todas as variantes do comentário
sobre arte ao tornar pública sua própria obra e ao reinterpretá-la ao
longo de uma década sempre de maneira diferente, com o que deter-
minava a história da recepção por que passam todas as obras conhe-
cidas tanto q uanto a mistificava. De modo que o lugar do O grande
vidro na história da arre do seu século não pode ser diferenciado do
seu lugar (ou da sua retirada gradual} na história da recepção. Obra e
texto tornaram-se uma tautologia no curso desse processo. A ciência
da arte de tipo tradicional p ôde tirar pouco proveito de tal situação,
pois tinha de se lirnjrar a relatar o nascimento (e a consumação) da
obra, ou seja, a descrever eventos que nesse caso atuam de maneira
apenas secundária.
38 1 PA RTE 1
Poucos anos mais tarde, o crítico de arte Germano Celant abria
seu livro Arte povera com duas páginas de teses que invertiam a mira
e, em vez de reduzir a obra a um texto, como em Kosuth, transfor-
mava o texto, por assim dizer, numa obra [fig. 6]. Ali, onde anterior-
mente um grupo de artistas convergia em torno de um manifesto, ha-
via agora um crítico de arte que introduzia arbitrariamente toda uma
orientação artística com suas próprias teses. O livro no qual Celant
selecionou os artistas e as obras "não procura ser objetivo, porque a
consciência da objetividade é uma falsa consciência". O leitor poderia
perguntar em que consiste então a informação que deve esperar de
tal livro. Logo na frase seguinte, Celant questiona o criticism como
espelho da própria produção artística. Só há coerência ali quando o
autor se "recusa" (refuses) a comentar pela linguagem as fotos e as
obras nelas reproduzidas . O livro publicado, como ele diz, é destinado
ao consumo cultural, mas não pode substituir a visita à exposição; de
fato, já em sua forma é bastante distinto da "obra do artista". Certa-
meme trata-se de platitudes, mas são comunicadas de um modo tão
afetado e provocativo que o comentário sobre arte impõe a si mesmo
como produto artístico. Já na tipografia, e ainda mais na dicção, de-
nuncia-se a pretensão do texto de apresentar a si mesmo como arte.
De modo que também é totalmente coerente se o rival de Celant,
Achille Bonito Oliva, compreende os seus textos como prosa artística
que mai cumprem exigências literárias do que o dever de informar
sobre o cenário artístico. Em seu livro Il sogno dell'arte [O sonho da
arre], ele aparece na capa sorrindo para o leitor, em ilustração feita
por um dos "seus artistas", o qual aparece com ele no retrato como
cúmpli ce [fig. 7] . Portanto, quando os limites da crítica de arte se
de l ca m para a a rte, há nisso apenas um eco da transformação da
arte no o mentá ri >so bre si mesma do qual falávamos. A pintura de
John Ba ldessari, que descrevo detalhadamente mais adiante [fig. 3 2,
p . 25 7J, leva essa situação a um ponto em que não aparece senão
como suporte de um comentário de arte, e sim sob a forma de uma
obra d arte: a obra de arte corno medium do comentário sobre arte.
O comentário se encontra no breve epigrama: "Tudo foi eliminado
dessa rela, exceto a arte. Nenhuma idéia foi aceita nessa obra" .
Os comentários frívolos e brincalhões de que tratávamos agra-
dam-me, na verdade, muito mais cio que a tonelada de palavreados
40 1 PARTE 1