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" J.

Hans Beltin g
,
O FI M DA HISTORIA DA ARTE
um a revisã o dez anos depois

Tradução Rodne i Nascimento

COSACNAIFY
f.:18LICT .... CAPE. ALBERTO ANTÕNiA LI'
8ELO HORIZONTE
7 PREFACIO

PARTE 1 A MODERNIDADE NO ESPELHO DO PRESENTE -


SOBRE MIDIAS. TEORIAS E MUSEUS

17 Epilogo da arte ou da história da arte?

i.3 O fim da história da erte e a cultura atua l

35 O comentãno de arte como problema da h1stór1a da arte

4r A herança 1ndese1ada da modernidade: estilo e história

5r O culto tardio d modernidade : Documenta e Arte Oc1dental

5~ Arte ocidental: a intervenção dos Estados Unidos na modernidade do pós-guerra

85 Europa Ocidente e Oriente na divisão da história da arte


95 Arte universa l minorias: uma nova geografia da história da arte

105 No espelho da cultura de massas: a rebelião da arte contra a história da ar te

117 O tempo na arte multimídia e o tempo da história

i 5 A história da arte no no o museu a busca por uma f1s1onom1a própria

PART E li O FI DA HISTÓRIA DA ARTE?"

r71 E per1ência artística atual e pesquisa h1stónca da arte


i 75 A história da arte na arte atual: despedidas e encontros
1 81 A história da arte como esqu ema narrattvo
187 Vasari e Hegel. início e fim da velha historiograh da arte

1<5 C1ênc1a da ar te e vanguarda

20 1 Antigos e novos métodos da pesquisa em arte : regras de uma disciplina

1. r5 História da arte ou obra de arte ?

.q 1 H1stôna das m1d1as e história da arte

24 ' A "h1stôna " da arte moderna como invenção


Lj Modernidade e presente na pós- história
i.73 ·os Livros de Próspero ..

~s 1 BIBLIOGRAFIA

>07 SOB RE O AUTOR


3 11 FONTE DAS IMAGENS
31 > ÍN DIC C ONOMÁ l ICO
PREFÁCIO Ha ns Be lting

O fim da história da arte não é mai apaz de impr ionar quem 1a e


habituou à quesrão do fim da arte e, além do mais coru;tata o sucesso
com que no, último t mpo a hi. tória da arte, tanto como objeto cu l-
tural quanto como di cipl ina acad~mica foi di serninada mesmo entre
camadas popula res isso sem mencionar o boom das expo ições de arte.
Com igual razão, podería mos fa lar também de urna "vitória da hi tória
da ane", em dúviJ a uma vitória à maneira de Pirro, q ue, assim como
toda a utoridade longamente estabelecida conferi u a ela cerro dogma-
tismo. O que se mostrou é que um apego científico à ordem não está
preparado justam nte para a arre caótica do sécuJo xx e que o pretenso
universalismo da história da arte é um equívoco ocidenta l. O ambiente
atual, no qual a imagens técnicas instituem um nova confu ão, altera
a imagem da hi tó ria da arte, urgida em d ter inado momento para
uma finalidade preci amente del imitada. Por isso, não é absolutam nte
um inal de e. travagância querer fazer um balanço e eleger um p to de
observação para examinar fim de u m mod de pensamento em prá ti-
ca não apenas na ciência esp cializada como também na arte.
O di curso so bre o fim de algo é certamente uma fo rma oportuna
de introduzi r hoj e um argumenro que, com r::il ressalva , est:í p roregido
contra . cu pró prio p itlm ·. As im, es e d' cur o é ta mbém uma m:rn ira
Jc fa lar qu1.: isa aproximar-se du uhjero e c:ran. for má-lu nu m problema.
Di to de o utro modo, a re t rição presente no fim da história da ar te
oferece a desejada oportun idade de tra tar da histó ria da arte com cer-
ro distan ciamento e sob o segui nte lema: 'O rei está morto, viva o
rei!". N enta nt , já o pequeno núm ero de historia dores da a rte o fe-
rece uma garantia suficiente de q ue tema q ue ele tran formara m em
profi são não terá fi m, e isso é semelha nte nas demais ciências h uma -
nas. Ainda as im vejo mo ti vo suficient para -:o nceder importâ ncia ao
pro bl ma, e leva rmos a ério a id ' ia originária q ue tá presente no
concei to de um a "história da a rte" : a idé ia, a saber, de restituir uma
hi stó ria efetiva e trazer à luz o seu entido. No conceito e tá presen-
te tanto o significado de uma imagem como a co mpreens ão de um
enq uadra mento: o acontecimento artístico, como im agem, no enq ua-
dramento apresentado pela história crita da arte. A arte se ajustou
ao enq uad ra mento da história da arte tanto q uanto e ta e adequou a
ela. Hoje poderíamos, portanto em vez do fi m, falar de wna perda de
enquad rame nto, que tem como con eq üência di sol ução da imagem,
vi to que la não é ma i delim ita da pelo eu en qu adramento. dis-
curso do " fi m" não significa que tudo aca bou ", mas exorta a uma
mudança no discm so, já q ue o objeto mudou e não se aju ta mais aos
eu a ntigo enquadramento .
Há muito tornou-se moda empreender uma arq ueologia da pró-
pria disciplin a e dos seus métodos Ili tóricos - e essa bistorização da
própria rporação mostra que alcança mos condições alexandrinas,
nas quais ela é reunida e exami nada. A apr ximação do fi m do sécu lo
foi uma porrun idade para um novo exame d arte e também de todas
as narrativa com q u descrevem s. Ma nem mes mo e esperou e a
data colocando-se há muito tem po em circulação palavras de ordem
sobre o fim e de id indo-se o fim da m demidade apenas pa ra poder
e meçar lgo novo mais uma vez e poder dar um nome à imag m mo-
dificada d histó ria. Me mo a lembrança do últi mo fin de siecle, com
emelhante fogos d arti.fício d id ' ias ga tas, in da nã está ,:ufi ien-
temente apagada ara combater temor de uma r p tição. As im, tam-
bém e recorre esporadicamcnt a fórmu las sonoras vazias acerc do
fim do écu lo, e mo se nii. falta e ao p n amenr m dem o xara men-
te a capacidade de 1 mbrar d tal período e o lhar rerro pectivamcnte
para além da borda da mod~m i dade. N enta nto, a d!! laração de qu
o nosso conceito de arre ' um produto do tem po modernos deveria
inibir o prazer em for mular lugares-comuns precipitadamente. O fim per-
manente p rtence ao ritm de acel ra ão do br ve ciclo da as im hamada
m dernidade. Talvez, di fer ntem nte d que e pen , eja apenai, o fim
de um epi ódio no turno tranqüilo de um percurso histórico mais longo.
autor ue se atreveu a ir tão lo nge parec cair ag r na armadi-
lha do título de seu próprio li ro . Por isso, por precauçã , eja fei ta a
ob ervaÇ o de que fa lo do fim de determinado artefa to, cha mado histó-
ria da arte, no sentido do fi m de regras do jogo, m. s tomo por premis ·a
que o j go pros eguirá de o utra maneLra. D . qualquer maneira, o tema
não p de er trntado de modo conclusivo e com o auxíl io de demon tra-
çõcs triunfa ntes, pois se encontra m proc ontínuo de tr ansformação
interna e externa. Assim também me torno arq ueólogo do m u próprio
bjeto, na medida em que parto d uma rev - ão do meu precário en aio
dos anos inicia is q ue pas ei em Muniqu . Tratava-se então de umJ a ula
inaugura l q ue empreendi num gesto de revolta contr< tradições faJ am n-
te gerida . O título prov ou ma l-entendido , razão pela qual a re centei
na edição italiana o subtítulo Liberdade da arte a saber, em opo ição
a um história da arte li neaL A des rição da disciplin também c:n1 ou
irrita ão poi nã o era meu objetiv , agora meno do que antes, uma
crítica abra ngeme da ci'ncia ou do m ' todo. Ho je meu intere e crítico
cultural encontra-se ma i nas co ndiç-e que f mrnm a oci dade a
in tituiçõe . D iga m a inda d outro modo: o título do li vro oferece
ap na um mote q ue rn dá a liberdade de formular reflexões totalmen-
te pe ai sobre a iruação da hi tória da arte e da a rte q ue de modo
algum tratam ap na da q uestão do fim.

modificação que primeir a lta à vi ta nesta nova v r ão é a upre ão


<l ·in· 1 de imerrogaçã q ue a nteriormente ha via u rítulo. O q ue na-
quela époc< era a inda ui a pergunta tornou-se certeza para m im nos l.'.u-
rimos ano . leitor apre ado p rguntará agora p ir que e exigirá, a i, m
di ·o, um pu nhado de novas tese que diferenciem a presente revi ão do
texto antigo. Ma dev aqui pecl ir-lbe paciência e, e a tiver, rem tê-lo
ao novo texto que foi redigido para e ta ediçã . Não e trata de a lgwnas
palavras d' o rdem onvincem , ma de juízo e ob ervaçõe que preci-
sam de e paço onde se desenvolver e ue, alem dis o, são tão provi ·á-
ria <=•>mo, afina l é rovisóri rudo o qu · hoi' vem à bniL1. 'º t. ria J

P ET 1' 1 <1
dizer, e nrudo, algo sob re a gêne e do antigo e do n vo ensaio. Qua nto
mai o novo en aio avançava, mai me vi obrigado a reescrever o an -
tigo. diferença reside em qut: no texto antig permaneço no quadr
do argumento anr ri r , mas o preencho de maneira diferente e não
oloco mais a ciência da arte n centro. Certas coisas que queria dizer
naq uela época, só hoje consigo fundamentar de maneira sa tisfatór ia.
No novo texto, ao contrário, trata-se de novas experi ências e novos re-
mas, rai como nente e cidenre, o museu atual e as mídia , as qua is
conheci mais de perto em Karlsru he. O diálogo interno que mantenho
comigo mesmo como hi toriad r da arte e como cont mp râ neo to-
mou a forma de texto nos doi ensaios.
A segunda modifi cação sofrida por esta edição está na parte ico-
nográ fi ca, que não xi tia na ed ição anrig . Ela e. ib o tema num
caos de imagens que querem fal ar por si me ma na ão de tina -
das somente a ilustrar o t x to. Sua miscelânea é o reverso exa ro de
uma história da arte o rente , justam nr p r i o, repr entati va
do e ta do de oisa . 'f; lv z re ulte às vezes mais convincen te do que o
próprio texto, em todo caso de man eira m ais intu itiva, já que o texto
se encont r::1 se mp re na c ntradição entre um discurso a adêmico e
um mundo em mudança q u não ·e deixa reprodu zir verdadeiramen-
te nesse discur -o . qui deparei subitamente com um d ilema q ue não
consiste a penas na coexistência da ciência da arte da arte atual, mas
mostra o ·tad da n cultura ci ntífica, q ue con fer al idade a i
med iante teses e rac iocínios num mundo sobr o qu al já não tem mais
nenhum poder. As ciências sempre procuraram oferecer ao espírito do
tempo a fórmulas ade quadas nas q uai le deve se reencontrar e to-
ma r con ciência de si. Toda via , se formos honestos o célebre di scu r-
o acadêmico satisfa z apenas a i me mo. Ou será que esse discurso
não quer onv ncer in i rentemente mundo não-acadêmi o qu este
d pend e dele, embora a rea li dade pareça diferente? Do fingimenro
acad ~ rn i o, a cultura d massa e o mundo da míd ia as imila m apenas
pa lavras i olada p ra consu mi-la ra pida mente como informaçõe
cu lturai em busca de sua própria cliente la. No ca o a art , o di -
ur o ultrapa a de J.ntemão ce n , rio ac dê mico, motivo pelo qua l o
tem tem resistido ultimamente à ordem de u m método científico.

IO
O rext reescrit começa com um ba lanço do débitos e crédito a par-
tir do qual compreendo a situação p resente m total contraste com a
a sim chamad a modernidade. Nele consigo hoje formular a tese do fi m
da hi tória ma is cl ramente do q ue há dez ano , depois q ue tran ur-
o de uma evolução, que naq uela época apena se in iciava, se deixou
ver melhor em seu conjunto. Desde então surgiu também uma di cu são
sobre e sa te e à q ual posso agora r tornar (em diálogo, por exemplo,
com Arth ur Danto). O papel do comentário obr a · rt , qu ca iu nas
mão dos críticos de arte e dos artistas, apresenta a melhor oportuni -
dade para diferenciá-lo da forma narrativa da história da a rte de elho
tipo. A lembrança do es tilo e da histór ia tem o sent ido de pe(seguir a
ciência da arte até as idéias e as ideologias da modern idade cláss ica
que essa ciência ainda preserva co mo artigo de fé. A period ização qu
tenho m m nt co m a denominação " uho tardio d modernidade '
move-se conscientemente fo ra da evolu ão interna da arte, pois fora m
data exteriores, como o fim da guerra, q ue modelara m a consciência
da icuaçã o da arte do and amento da históri da arte.
No centro do n vo texto está uma trilogia de grandes temas qu não
ão propriamente temas da história da art e não obsta nte, alt raram a
história da arte e continua rão a alt rá-la. Somente dur nte a redação é qa
tornei consciencia do nexo interno do texto. Cronologicamente, começo
com o tema da arte o idental, depois qu o tado Unido a urniram a
ondução do c nário arrístico no pó -guerra, ao pa o que hoj e ad ta
ali ada vez mais uma atitude de distância em relação à uropa. A Europa,
contudo, por meio da temática recém-surgida sobre Oriente e Ocidente
- para a qual ainda não xiste uma resposta da hi tória da arte-, repen-
tinamente está mai uma vez referida a i mesma, depois que pareceu
ter escapado · essa divisão na "parceria do Ocident ". A arte un ive ai
emerge finalme nte como a qui m ra de LLma cultura global pela qu 1 a
hi tória d arte é desafiada como um produto da cultura européia. Em
contrapartida, as minorias r clamam sua parti ipação numa história da
arte de identidade coletiva m qu não se vêem re resentadas.
A c nclusã de te n vo texto é formada, por ua ez, por três outros
tcnn s cuj o sentido , conhecido d todo . A pro blemática do high and
lou1 conduz a entro da nossa siruação cultural depois que a histór ia
da arte, como t:radi ão, tornou- e aqui não o imb 1 , mas a imagem ne-
gativa d atividade artística. A arte multim ídia, seja como instalação se ja

f'I FÁCIO 1 11
como vídeo, suscita questões int ira m nte novas com as suas estruturas
material e temporal qu não estã mais no horizonte do discurso habitual
da história da arte. s m useus de a rte c ntemp orânea transformam-se,
como instituições, cada vez ma is em palco para e petáculos artís ticos
inusitados e o ferecem por i s o m lhor discernimento do p roce o in ter-
no da cultura que descrevi há dez anos corno " fim da história da arte".
O texto antigo não foi apenas compl tamente reescrito, mas também
ampliado com um novo capít ulo em que as teses anteriores são desenvol-
vidas. Este começa com a m iragem experimentada pela idéia de história
da arte na arte atual e reconduz essa idéia , num passo seguinte, aos seus
primórdios. Após H::.gel a histó ria da arte despr ndeu-se des as origens
p ara seu próprio prejuízo e com isso provocou imediatamente a reação
dos se us críticos, dentre os quais Quatremere de Q uincy que, em minha
opin ião, desempenhou um papel hoje de conhecido . O tema da ciênci a
da arte e da vanguar a, cuja coexi tência comporta traço decididamente
paradoxa is, também propicia que se conquiste, a partir de uma visão re-
trospectiva da história, a liberdade de uma nova posição sobre a história
da arte. Por isso, e do mesmo modo, o exa me que as regras do jogo de
uma disci plina experimentam não é vi sto como exercício obrigatório da
história da ci ên ia, mas como proposta de des mascara r nos int ' rprete
da história da arte o pro l mas temporalmente c ndicionados e não
confun di-los po r mais tempo com artigo de fé ind isp nsáveis.
A rea lidade da o bra de ·1rte, que encontra u lugar no centro de -
te segundo texto, é po uco a feta da pel o tema do fim da história da arte,
pois o bra de arte e história da arte encon tra m-se n uma co ntradição
insolúvel. Mas como o conceito de o bra está dispon ível na arte atua l,
segue- e conseqüentemente uma c n id ração sobre a história da s mí-
dias e da h istóri a da arre, as quais por enquanto têm d iferent s tema s
constituem <li.ferente d iscip linas, o que hoje, depois de m inha ex -
periências em Karl.-ru he, po o ver m lh or do q ue a nte , quand in-
troduzi a comparação. Os capítulos concl usivo constituem um novo
entro de gravidade, poi rela ionam d i· logica mente wna com a outra
a modernidade e a pó -h' tória a tual e as concebem, cada uma e m ua
e pecificidade, do ponto de vista da histó ri a da arte. A pó -hi tória
do artis ta, a im q uero concl uir, começou m ai ced o e d sen lveu-se
de maneira mais criativ do que a pós- histór ia do pen ·ador da a rre.
A coaclu ão lógica é representad· p r um film e de Peter G ree naway,

1.2
que d uran te a ela b oração de te texto d esco bri, cad a vez m ais, como
meu in terloc uto r imaginário. Nele encontrei nova men te a te1m1tica d o
en quad ramen to e d a imagem, já apli cada po r m im à relação entre a
história da arte e a arte. É a fi n al uma espéci e p a rticular de alegoria
que u m texro pu blicado na ve rd ad em 198 3, o u iniciado a ntes, trate
de um fil me de 1991 [Prosp ero's Books] em q ue e r fl etem ine pera -
damente muitos dos meus pensamentos daquel a época .
Re ta-me a pen as o de ejo de agn d er a todos a g u les qu e volun-
tária ou involuntariamente estimul ram meus pen amen tos e incentiva-
ra m tanto o tex to anterior como o atual. Naquela época foi o editor de
Muniq ue M ichael Meier que, para poder ed itar " fi na lmente um texto
em r p roduçõe ", p rsuad iu -me amigavel m ente a publicar minha aula
inaugural de Munique, em cuj o tema meus co legas do instituto não te -
ria m vi to senão uma extra va â ncia supérflua. Ar o nanc ia ai ançada
no ext rior pel o p queno e rito on tra ngi -me empre a fazer interv n-
ções e co rreções nas difer nres traduções - com exceção da edição j:ipo-
ne a, que tive de entregar à sua própria sorte. Com isso cr scia mi nl1:1
in ati fação em relação à ver ão a nterior do t xto , que c n, istira apenas
nu m pnmeira tentativa. Então ceitei agradecid o , apó. he itação ini-
cial, a oferta da ed itora C. H . Beck par lidar ma· wna vez c m o tema,
1á que e gotara havia muito tempo a ediçã o alemã. Os estud ntes
<la Hochschule für Gesta!tung [Esc la Su perior d a Forma] de Karlsruhe,
na Lta l m e encontro n ovam nt nas discipli nas recém-inaugurad a de
ciênc ia da arte e teoria da m íd ias co nsti ruí.ra m um fóru m com disposi -
ão crítica inesper da, d ia nt ci o q ual eu dev ia explica r o que afin a l é a
história da arte. Aq ui também encontrei a juda , no nti do práti .o, no
estud antes Barbara Fil er e Joach im Homann, que cuidaram paciente-
mente da bibliografia exp loratóri a. Helga Immer amparou-me n a luta
contra a ' muita v rsõe do texto, domadas por ela no compu tador. Os
amigo da Beck Verlag, obretud Karin Ileth e Ernst-Peter Wieckenberg,
<lemon traram m:ii uma vez a assi tência ta ntas veze com provada no
caminho incerto da co mpo ição d texto. Agradeço a P t r Gr' naway
P >r permiri r a reprodução de ]ano q u gua rda a entrad do meu ensa io .

Karl ruJ1e. ago to d· 1994

Pl<i 1 1 1l
PARTE 1 A MODERNIDAD E NO ESPELHO DO PR SENTE -
SOBRE MÍDIAS. TEORIAS E MU SEUS
1 EPÍLOGO DA ARTE OU DA HISTÓRIA DA ARTE?

Quem h oje se maniiesta a re. peito da arte e da hjs tór ia da arte vê


t da tese q ue gostaria de apresentar a um leito r ta lvez ainda ex isten te
invalidada de antemão por muitas outras teses . N ã é mais possível
assumir absolu tamente nenhum ponto de vista que já não tenha sido
defendido d uma forma ou de outra. O m lbor ' perseverar no pró-
prio ponto de vista pelo qual se decidiu e já contar com o fato de que
os oturos ou o cons idera m falso ou, caso concordem, tenham-no com-
preendido de manei ra equ ivocada. É o tempo do monólogo, não do
dtálogo. Natura lmente, ainda há temas comuns nos quais permanece
em ab rto o q ue têm em men te aq ueles que se agru pam por de trás
deles. O epilogas estão incluíd o ente es es temas. Eles entraram
em moda há muito tempo, de maneira que se poderia escre ver antes
obre um epílo o do tempo dos epílogos. Não é importa nte o q ue os
epílogos ele ign am, se fi m da história, o fim da mode rn idade o u o
fim da pintura. importante é somente a necessidade de pílogo. qu
caracteriza uma época . Onde não se desco bre nada de novo e o velh o
não é mais o vel ho, em pr supõ o epílogo.
O epíl go, contudo, ta m bé m é hoje uma máscara em q ue e deixa
rapidam ente anunc ia r uma reserva contr as própria te e· para não
de ga ta r a tolerância do lei tor ou ci o o uv inte. Q uer se fal e de arte"
ou d "cul tura", q uer de " história" ou de " uto pia " , todo conceito é

17
colocado entre asp as para poder levá-lo aind a ma is long na d úvida
indicada. Já de antemão, tam bém leva-se em o nta um a o utra com-
pr eensão, distinta, mas em todo ca o não m a is um consenso. A cada
cone ito está ane 'ado um ca rtão de visitas que apr enta aqu ele que
f z u o de le, a fim de delimitar des e mo do o conceito geral a u ma
compree nsã o individual. Q uem fala de c ul tura logo é instruíd o de
que is o propriamente não existe, e de que desse preâ mbu lo estão
excl uídas a penas a economia e as míd ias . Os conceitos e as te es ão
hoje alcançados pelo mesmo desti no que há muito tempo já atingiu
a a rt : eles só podem legitimar a si mesmos com ressalvas acerca da
própria declaração. Naturalmente, muitos ganham o pão com a mu-
da nça daquele discurso que os sustenta. Porém, a consciência hoje, do
q ue quer que se preste contas, em todos os temas e registros da língua,
é de epílogo, assim como uma vez, no romper da modernidade, foi
de prólo go , m ilitantemente maníaca pelo futuro e intolera nte diante
do passado. O utrora se queria combater a história q ue hoje se teme
perder, visto que agora a história é justamenr ml!sma modernidade
que ou trora era esperada.
Um epílogo d algo pelo qual n os ori enta mos certa vez mede o
presente segundo modelo . que o presente não pode sa tisfa zer. Em nos-
so caso esse epílogo é a cultura da modern ida de, com a q ua l nos iden-
tificamos tão en faticamen te co mo nossos a nt pa . ados identificaram-
s com a religião e a nação . Essa pátria espiritua l não se encontra num
lugar m as antes em um tempo de rupt ura e de utopi as em q ue todos
os o lhares estavam voltados p ara um fu turo idea l. A perda de urna tal
perspectiv , contudo, não sign ifica p or certo o fim da modern idade,
mas antes a im possibilidade de enc rrá-la, já que nã o possuímos ne-
nh uma a lternati va pa.ra ela, a menos q ue a tratemos de man ira mais
crítica ou q ue se jamos obrigados a a ltera r os seus li mites.
A mode rn id ade se tra nsform a em mil fi guras acerca da s q uais
d i ·cutimo ntão se ela a inda obrevive nela o u se já as aba ndonou.
Mes mo a hi tóri a, que há mui to tem po foi a nun ciada co mo morta
o m base em razõ · con istente , em todo m undo toma a pa lavra no-
vamente de maneir a mbaraçosa e inco nveniente. E, por fim as artes
clá sicas, das q uais nos desped imos camas vezes de rna n ira solene e
definitiva, .:on tiuuam a exi tir, por · si m dizer, o ntra todas as expec-
tativa e criam a partir disso precisa m m e um a nova liberdade e força.

1H 1 PAtfl
1 so n-o significa, no en tanto, que ainda convivemos com as vel has
tarefas e possib ilidades que certa vez poss uiu a modern idade clássica.
Todo olhar sobre essa modernidade só pode ser um retros pecto q ue
hoje nos elucida ainda mais sobre a si tu ação modificad e a o va ex-
periê ncia cultural. Por isso, torno u-se há muito supérflua a polêmica
sobre o presente onservar o u não se velho perfil da a im chamada
moderni dade. Estamos prest s a ampliar o conceito d m dernidade,
assim como ,~ empre amp liamos o conceito de arte qu and o q uisemo
estender a sua aplicação.
A arte multimídia surg ida recentemente, para dar a penas um
exemplo, reage ao mundo da mídia que sabidamente não existia na
modern idade clássica. Desde a sua origem as mídias sã o globais, s u-
primindo com isso qualq uer experiência cultura l regional o u indi-
vidua l. Elas alcançam todas as pessoas e se ajustam a qual quer um,
razão pela qual o consumo de informação e entretenimento num alto
nível téc rüco e de baixo conteúdo tornou-se a sua princi pal fi nalida de.
Ni so rebate o conceito corrente de arte. Todos sabem q ue a arte e
di solveu num espectro de fe nômenos opostos que há m uito tempo
aceitamos como arte , antes mesmo de termos formado um co ncei to a
eu resp ito . Ex tamente a perda de um conceito de arte conciliató rio
impede- nos de adotar uma posição fund amentada em relação à a rte
multimídia, para permanecer no meu exemplo. A ques rão não é se as
mídias são apta para a arte, mas s os a rtista , ainda q uerem fa zer
arte com as novas técnicas.
A arte e tá ligada de modo reniten te a um artista que se expres-
sa pessoalmente nela e a um ob ervador que se deix a impres ionar
pessoalmente por ela. Assim, ela é secreta mente rival da técnica, cujo
entido precípuo co nsiste em que ela fun ciona ao ser usada e cujas in-
formações contudo dizem re p ito não a um criador, mas a um usuá-
rio. Por isso, desde o início reside na técnica uma indiferença diante de
qualquer imagem humana o u imagem do mundo, tal como sempre se
refletira m na arte. A técnica, di to de modo _ tremo, não int rpr ra o
rnund q ue encontra à sua freme, mas produz um mundo técnico que
hoje, sob retud o nas mídias, ' muito con eq üentemente um mundo da
aparência, no qual qu alquer realidade corporal e espaci 1 ~s u prim ida.
Ela dramatiza de se modo a crise da ind ividua li dade que irr mpeu na
moderni dade desde o esgotamento da culrura burgu .sa. s filósofos

Ef 'IL OGO [1 1\ ARTE OU lJ A HISTÓRI•\ LlA ART E 1 1 l 'I


já declararam o homem como supérfluo ou ultrapassado e o novos
produtos artí~ ti co , numa relação complexa o b cur com o m und
do con umo e da publicidade mais ban l, ão ap reg ado com o hor-
dão " pó -hu mano", no q ua l se esconde o mais terrível e, espero, equi-
vocad slogan de epilogo da no a ép ca .
Ao mesmo tempo, todav ia, forma -se len ta mente um movimen-
to contrário qua ndo precis mente as míd ias da aparência , qu e ainda
vi vem da cren ça mode rn a numa no va tecnologia, desenca deiam um
apelo ao retorn para a reali dade pe a l e o rpo ral. O corp o con ti-
tui tema de eventos filosófi cos, e esse corpo humano experi menta a si
m smo - mo e m Gary Hill - em nov· s instalações , que faz em dele
um tema [fig. z. 3a-d.J. Cineastas co rn o Peter G r enaway a ba nd onam o
mu ndo do sucedâ neo , ta l como surgiu no cel ul ' ide, na fi ta de vídeo
e d iante do mon ito r e o rganizam exposições em q ue les envolvem
co rpora lmente o ohse rvad r. Ju tam nte o elho e bom tea tro, q ue
o utrora reserva va pa ra si apa rênci to rnou-se ho je o refúg io d a
realid ade perdida pois é mu ito mai re al do qu podem ser roda a
mídia ana lóg ica digitai .
Mas o problen a de c mo reagir i s nova s técnica s e a umJ. nova
est'ti a já acompa nha a d iscu s·- o d a m dern idade de de in íc io.
A d iscus ão padecia empre do fa r de que o m i n combatiam
a berta mente o ant igo e o utros o defendiam a todo custo. Am bo o
lados a pelavam para , fam osa lógica da história a fim de impor < se u
ponto de vi ta. A ím, a a náli es a umia m rapida mente o cará t r
de epílogo mas havia por assim dizer duas espécies de epíl ogo na
medida em que o prim eiro de p diam -se alegremente do a ntigo e
o outr o e o rtava m à s ua de fesa. Al iás, d de que exi te a cultura
burguesa isso foi sempre assim , pois ela precisava de uto-s ati fação e
no entan to, al imen tava - e com pad rõ · t irado d:i hi tória e ao quai
nã podia mai - corre ponder.
A 1 odcmidade vi via da o posição de dois modelos, q ue se vol-
tavam ora P< ra o futuro ora p~H:J. a tradição, t: por isso ern;ontr va
em i me ma uma re i tência nece ária o ntra a uas pr , pria. uto-
pia . Logo que a prática da cul tura se pol itizou, ela ei ou pr funJa
ferida n te ·éculo, de r ! maneira que em retro pe riva roda vitó -
ria parcl:e questionáve l, a -s im corn o rncb derrota parece justi fic ada.
Atualm..:ntc, a própria m dern iJadc tran f rmou- e.> rn rradição e

1!1
por i so, eus defen ore e dispõem de imedi to a resgatá-la pel me-
no num epílogo de vocação, ao pa o q ue seus opos.i tores anunciam
tanto mais rapidamente o fim da modernidade qu nunca e rima ram.
Quer se trate da 'perda da aura", que Walter B njamin via como
uma oportunidade hjsrórica para uma arte nova q uer da " perda de
eixo", lastimad por H ns Sed lmayr numa m dem idade que saiu dos
trilho , o epílogo estava rapidamente à disp osição. O m · m va le para
3 perda do conceito de obra, concl uída a pa rtir de a parições como o
Flu:xus ou a arte concei tuai. A obra ind ivid ua l, q ue com , lgo origin al
ocupava um lugar sólid o na consciAncia do pú blico parecia ubs ti-
tuída p r um e petáculo artí tico fu gaz no qu al havia apenas espec-
tador e ator. ma não ob ervador. Na arte mul timídia os videoteipe
empre desapare em depoi de exi ido , ou as instalaçõe , depoi de
desmontadas. Desse modo, a d uração que existia na pre enç da arte
é substituída po r im pre ões que se aju ta m ao caiáter fugaz da per-
cepção atua l. H' a lguma década a pre ão pela in vação na aite
aumentou na mesma med ida em q ue encolheram a po ibilidade de
inovação na artes clá ·si as. O ri tmo c m q ue urgem a . inven õe
artística acelera - e, mas a importância da s inovaçõ reduziu- e n
mesm:i medida em que elas não cri< m mais nen11llm estil o novo. Há
um Ion o tempo, de de que o pr gre -o não rcpre ent. mai a produ-
ção artísti a e desprende u-se do frívo lo e letárgico remake, tod o
~·Hilo são adrlliridos um ao lado do ourro e é deixado à esco lha de
i.:a<la arti ta o rjpo de arte que le quer faze r. Um clichê ainda recorda
J. culrura in titu ional da modernidade, que tinha o progre , o como

programa de identidade.
lhando retrospectivamenr para a mode rnidade dás ic , per-
cebemo , quando a med imo pela situação atua l, uma érie de m d i-
fkações fundamentais que escap am a qualqu er comparação simple
1.:omo já deixam clara a palavras ue e eguem . A pretensão de
1111i1•ersalidade reivindicad a pela m dernidade dem n tra-se, om
a distânci de hoje, co mo uma visão curocêntrica q ue jama is s-
rcvt:: vo ltada para uma ampliação gl ba l. A libertação em relaçã
.1os talms pela qua l a modernidade l uto u o ut rora perdeu eu va lor
desde ue a arte n; o provoca m i!> ninguém . A crença no ideal de
11 m mundo técnico da arte, 1.:omo um mundo vita l d. huma nidade,

remonta a ao medo Ja perda da natureza . prc i u 1c,1çã Ja ..:ult iu:i

f li 0 li ílA AlHf U (JI, H Tl 1 IA íJA A~T 1 .! I


burguesa por meio de uma vanguarda an tiburguesa, pela quaJ esta va
marcada a modernid ade, cessou na medida em que com a burguesia
a vangua rda tam bém perdeu seu ini migo. Essa disc ussão em torn o
d a imagem de uma cultura de elite recai no nível de uma cultura de
massas, em q ue cad a um pode fazer sua escol ha. A his tória, po r fim ,
como lugar da identidade ou da contradição, perdeu sua au toridade
na me ma medida em q ue se tornou onipresente e disponível. Cessa
tam bé m assim a história da arte como modelo de nossa cultura his-
tórica, com o que chegamos ao nosso tema.

12 1 PARlf:1
2 O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE E A CULTURA ATUAL

Quando há dez anos publiquei O fim da história da arte?, pareceu-


me que ta mbém eu participava da produção de píl ogo , embora não
fosse min ha intenção dedicar um necro lógio à a rte ou à his tór ia da
ane. Queria antes convidar a um momento de reflex ão e depo is inda-
gar se a arte e a narrativa acerca da arte ainda eram adequadas uma à
outra, ta l co mo estávamos acostumados. A oportunidade de p ublicar
hoje e e ensaio nu ma versão intei ramente reformulada, poré m no
quadro das antigas teses, convida-me a traçar um ba lan ço crítico e a
atualizar o ar gumen to , o que só é po ssível cm cada uma das etapas
de caciocírrío que desenvolvo nos diferen tes capítulos deste novo tex-
to. O re ultado da revisão, para abreviar as co isas, consiste em que
hoje o antigo ponto de interrogação do título não tem mais validade.
O fim d a hi stória da arte não significa que a arte e a ciência da arte
tenham alcançado o seu fi m, mas registra o fa to de q ue na arte, as sim
como no pensa mento da história da arte, delineia-se o fim de uma
tradição, que desde a modernidade se tornara o cânone na forma que
no foi con fi ad a.
A t se a firmava então que o modelo de uma história da arte com
lógica in tern a, que se de·crev ia a parti r do estilo de ' poca e de suas
Lran form açõe, , não fu nciona mais: qu anto mais se desintegrava a
unidade inte rna de uma história da arte autonomamente compr en-

__)"
)
dida, tanto mais la se dissolvia em todo o campo da cultura e da so-
ciedade em que pudesse ser incluída. A polêmica em torno do método
perdeu sua in tens idade e os intérpretes substitu íram essa história da
arte única e opressora por várias histórias da arte que, como métodos,
existiam uma ao lado das outras, sem conflitos, semelhante à maneira
como ocorre com as tendências artísticas contemporâ neas. Os artistas,
por sua vez, despediram-se de uma consciência histórica linea r que
lhes h avia constrangido a con ti nuar escrevend o a his tória da arte
no fut uro e ao mesmo tem po a com batê-la descompromissadamen-
te no prese nte. Libertava m-se ta nto do exemplo como da imagem
ini miga de história q ue enco ntravam na va ri ante históri a da arte e
abandonavam os velhos gê neros e meios nos quais as regras prescre-
via m incessan temente o progresso para manter o jogo em andamento.
A partir de então a arte não precisava ser sempre reinventada pelos
artistas, pois ela já havia se imposto instit ucional e comercia lmente:
com a confissão, ali ás, de que ela era e permanecia urna ficção, com
o que, a abe r, já respondia negativamente à questão so bre a sua re-
levâ ncia para a vida. Desse modo, os intér pretes de arte para ram de
escrever a história da a rte no vel ho sentido, e os artistas desisti ram
de fazer uma história da arte semelh ante. Soa assim o sinal de pausa
para a vel ha peça, q ua ndo não há m uito tempo está sendo execu tada
um a nova peça, que é acompan hada pelo pú blico seg undo o velho
programa e conseq üentemente é mal compreendid a.
O discurso acerc a do fim não pode ser confund ido com uma
inclinação apocalíptica, a menos que a pa la vra se ja en tend ida no
vel ho sentido de "descobri mento" ou de "desvenda mento" daquilo
que em nossa cult ur a se d istingue como mudança. N ão é poss í-
vel seguir outro camin ho sem a tentativa de recapitula r mais uma
vez de qual objeto se tra ta e quem estava envolvido no empreen-
dimento da história da arte. A arte - como esbocei no pre fá cio - é
entendida como imagem de um acontecimento que encontr ava na
h istória da arte o seu enquadramento adequado. O ideal co nti do
no conceito de história da arte era a narrativa vál ida do sentido
e do decurso de uma h istór ia universal da arte. A arte autônoma
buscava para si uma história da a rte autônoma que não estivesse
contaminada pe las outras histórias, mas q ue trouxesse em si mesma
o seu sentido. Quando a/imagem hoje é retirada do enquadramento,

.'.4 J PART
pois ele n; o é mai adequado, ai anço u- e então o fim ju tamente
d. q uela história da arte da qu a l fa lamos aq ui.

Como re lização cultural, o enquadramento tinha uma importância tão


grande quanto a própria arte q u ele capturava. Somente o enquadra-
mento fundia m imagem tudo o que ela continha. omente a história
da arte emoldurava a arte legada na imagem em que a prendemos a vê-
b . omente o enquadrament in tfruía o n ' XO interno da imagem. Tudo
0 que nele encontrava lugar era privilegia do corno arte, m op 1çao a
rudo o que estava au ente dele, de modo m uito semelh an te ao museu,
onde era reun ida e expo ra apenas essa arte q ue já se in erira na história
da arte. A era da históri da art coi ncide com a era do mu eu.
A era da hi stória da arte? M ai um a vez é necessário um escla -
recimento dos onceitos. A idéi a de uma história un iver a i d a rte
afirmou - e, fora do · írculo treito do artista , omente no écu lo
x1x1 na medida em que a matér ia da qu al ela cada vez ma is e apro -
priava de cendia de todos o é ulos e milênio precedentes. igamo
dt o utro modo: a art já era produzid a h a via wn longo tempo, mas
sem a noção de quer a lizava uma história da arte e pecífica. Aqui se
oferece mais uma ez a compa ração · m museu. O museus ta m -
hl·m e erviam de uma rte q ue urgiu mu ito t mpo antes e em rela -
ão com essa instituição [fig. I ]. Desde então os arti stas também rêm
~onsci ência do mu eu e de ua relação, u o ntradição, com a idéia
de hist ' ria da arte. Podem distinguir uma era da hi tória da arte
de toda as épocas nre riores que aú1da não p ossuíam urn a image m
fec hada do cenário artístico, ou eja , nenhum enquadra ento. É es e
enq ua dramento que está em jogo n~ meu rgumento. É e mo e ao
"dcse nquadramen ro " da arte se seguisse uma nova era de abertura
de indeterminação, e também de um a incerteza que e r.rnn fere da
h1 tória da arte para a arre me ma .
Nes t: contexto é sintomático que há algum tempo os a rtistas
que iram abandonar, e mo 1 dizem, 'o quadros rígid s" do gêne-
3

ros artí ricos, pelo quais se semem cerceados . Acreditam q ue o pú-


blirn também é forçado a um "<> lhar rígiJ " pa ra um quadro ímóv l,
pnr maior que seja o movimento que aí tra nscorra, como no cinema.
Todo gênero < rtí ·rico mo era- e com um cnquadramcnr em ue foi

r JM DA Hl iR A DA .\!~ A C•JL.I URA AI UAL 1 2.'\'


decidido o que poderia tornar-se arte. M as o significado do enquadra-
mento, que mantém o observador a distância e o obriga a um compor-
t.~11ento passivo, estende-se além disso para a situação geral em que a
cultura como tal é experimentada.
Tem-se a impressão de que haveria no conceito de cultura, desde
o século XIX, a compreensão categórica de uma cultura histórica que
retrospectivamente poderia ser venerada e contemplada, mas também
combatida. A luta por "arte e vida" é reveladora a esse respeito, pois
significa que a arte não se encontrava na vida, mas, por assim di-
zer, em si mesma: no museu, na sala de concertos e no livro. O olhar
do amante da arte para uma pintura emoldurada era a metáfora da
postura do homem culto diante da cultura que ele descobria e que-
ria compreender, na medida em que a examinava, se assim se quiser,
em seus pensamentos, ou seja, quando a contemplava como um ideal.
Esse olhar era e permanecia sempre público, ao passo que o artista e
os filósofos "faziam" cultura ou a transmitiam de tal modo que a ob-
servação desembocava em conhecimento e compreensão.
Hoje, ao contrário, não mais se assimila cultura pela observa-
ção silenciosa como se olha uma imagem fixamente emoldurada, mas
numa apresentação interativa tal como um espetáculo coletivo. Podem
existir vários motivos para isso, como o de que produzimos cada vez
menos cultura própria, mas desenvolvemos técnicas cada vez melho-
res para reproduzir outra c~ltura. Com a formação desaparece tam-
bém a paciência para o exercício cultural obrigatório e surge o desejo
pela cultura como entretenimento, que deve causar surpresas em vez
de ensinar, que deve desencadear um espetáculo no qual participamos
de algo que não mais compreendemos. Os artistas ajustam-se a esse
desejo, segundo o "do it yourself' [faça-o você mesmo], e apresentam
inclusive a história da arte, segundo a palavra de ordem do remake,
tão jocosamente e sem respeito que desaparece aquela timidez surgida
diante da fis ionomia irrevogavelmente histórica dela. Em vez de repre-
sentar a cultura e a sua história de maneira rigorosa e irrepreensível,
a arte participa de rituai s de rememoração ou, conforme o n ível d
form ação do público, de revistas de entretenimento na qual a cultura
é sol icitada a entrar em cena novamente.
As novas idéias para exposições confirma m a ocorrência de um
desloca mento na relação entre cultura e arte que contribui com mais

26 1 PA RT E 1
um argumento a favor do "fim da história da arte" [figs. 28, 29]. Se
até então era evidente que as exposições mostravam somente arte e
erain organizadas apenas em virtude da história da arte, ou seja, se-
guiam o mandamento da arte autônoma, agora multiplicam-se proje-
tos de exposições que preparam a cultura (ou a história) sobre deter-
minado tema para o visitante curioso e não para o leitor de um livro.
o motivo para a organização de exposições reside então menos na
própria arte do que na cultura, que, para ainda ser convincente, tem
de ser apresentada de maneira visível por meio da arte. Na Bienal de
Veneza de 1995, Jean Clair planejou não uma retrospectiva sobre a
arte moderna do século desde que a Bienal existe, mas algo totalmente
diferente intitulado Identidade e o outro - uma sinopse das idéias so-
bre o homem e a sua natureza, na qual a arte deve oferecer o espelho
em que se delineia a mudança dramática da imagem do homem.
Como a arte sempre foi um subconceito privilegiado da cultura,
ela pôde desfrutar plena autonomia em seu próprio terreno e sentir-se
nele livre não apenas dos constrangimentos da sociedade como tam-
bém da obrigação de assumir outras tarefas ela cultura. Exatamente
1

nisso consistia o orgulho de uma cultura que se permitia tolerar uma


arte livre e que agia segundo os próprios interesses. Os abusos ocorre-
ram ma is ele fora, quando a arte foi ideologizada ou politizada. Hoje,
porém, crescem no interior da cultura reivindicações de posse sobre a
arte e não são em primeiro lugar de natureza ideológica ou política. A
cultura utiliza muito mais os últimos recursos para conferir validade a
si mesma e se encontra para o bem e para o mal no negócio da própria
mediação, onde ela também encarrega à arte a obrigação de assumir
o luga r ele testemunha.

Essas são até aqui observações gerais que não levam em consideração
quem participa da história ela arte e quem lucra com ela. Os artistas,
os histo riadores da arte e os críticos de arte não têm a mesma imagem
da história da arte, mas todos estão envolvidos nela de modo seme-
lhante. A aliança entre o artista e aqud e que escreve sobre arte, ambos
parti cipantes ela produção da história da arte, esteve submetida du-
rante longo tempo a uma prova duvidosa. O primeiro era responsável
pelo fu turo, o outro pelo passado. A história que clava (ou tirava) a

O rl ivi D/-1 HIS T CÍR IA DA A R ! F [ /-1 C: ULT lJ R/ 1 ATU/-1 L 1 27


razão a uns foi escrita pelos outros, o que também não é mais verdade,
desde que a estratégia mercadológica dos galeristas decide sobre o que,
na seqüência, se tornará história da arte. Por muito tempo a discussão
entre os historiadores e os artistas ocorria na porta do museu, o qual
defendia uns dos outros. Também isso mudou, desde que ambos os
partidos se superaram no esforço de garantir ao museu a última pa-
lavra e passaram a explorar justamente no templo da história a bolsa
de valores diária da arte. Museu e feira de arte dificilmente podem ser
diferenciados quando encontramos nas feiras de arte as mesmas obras
que já passaram pelos museus.
Por outro lado, os artistas que tanto queriam livrar-se da história
da arte eram também os seus cúmplices e beneficiários . Quanto me-
nos podiam ser definidos somente por meio de suas obras, tanto mais
invocavam uma história na qual sempre se encontrava o sentido da
arte. Eles mesmos faziam história quando produziam obras de arte,
e em compensação seguiam a história quando reproduziam a partir
dela seus modelos. Às vezes, o sentido de uma obra se deduz mais da
época a que se reporta do que daquela em que surge. Atualmente, os
artistas invocam a história da arte contra a low arte o gosto cotidia-
no, sob a forma de uma rememoração cultural, para manter de pé o
sentido da arte. Há muito tempo a arte já não é mais um assunto de
elite, mas assume em substituição todos os papéis da representação
de identidade cultural, os quais nesse meio tempo não têm mais lu-
gar nas instituições da sociedade. Quem fala sobre arte a encontra
em todas as funções possíveis por ela exercidas hoje. Em todo caso,
onde a arte entra em cena o especialista é requisitado apenas por
uma questão ritual e não mais para um esclarecimento sério. Onde a
arte não gera mais conflitos, mas garante um espaço livre no interior
da sociedade, ali desaparece o desejo de orientação que sempre esta-
va voltado para o especialista. Onde não existe mais esse desejo, ali
também deixa de existir o leigo.
Essas observações não são refutadas pelo fato conhecido de que
o cenário artístico e a ciência da arte alegram-se com um boom nun-
ca antes imaginado. Quando nos voltamos para os dados estatísticos,
percebemos então ter alcançado o auge de uma evolução em que o
número de artistas e de galerias de arte cresceu como uma avalan-
che. Em N ova York, bairros inteiros são restaurados quando artistas

28 1 PA RTE 1
e galerias se transferem para lá. O sucesso da arte, que também é cole-
cionada pelos bancos e pendurada nos gabinetes dos políticos (e trata-
se sempre de arte recente, de arte contemporânea), não é diminuído
pela queixa acerca do perfil perdido ou duvidoso. A caixa de Pandora
reserva a todos a sua parte, de tal modo que os intérpretes de arte são
substituídos no prestígio social pelo consultor de investimentos. O su-
ces o da arte depende de quem a coleciona e não de quem a faz.
A esse boom corresponde o boom da história da arte, e na Alema-
nha o número de estudantes universitários constitui um fator de mer-
cado no planejamento das editoras. O desenvolvimento internacional
da história da arte é evidenciado quando a editora Macmillan anuncia
um dicionário de arte que deverá conter, em 34 volumes, 533.000 en-
trad s sobre arte mundial. Diante do céu estrelado de uma pintura de
Ticiano, como se víssemos os nomes dos participantes de um filme que
se in icia, reluz a informação extraordinária de que "6.700 estudiosos
reun iram-se para transformar o mundo da história da arte" [fig. 3].
O círculo dos editores responsáveis consiste em apenas doze eruditos
conhecidos (dos quais um já falecido), embora a comunidade dos his-
toriadores da arte deva hoje ultra passar em muito 6. 700 colaborado-
res, pois não conheço ninguém, incluindo a mim mesmo, que colabore
nessa obra. O mundo da história da arte tornou-se muito grande, tão
grande que só pode ser entendido por meio de um dicionário, atingin-
do assim um estágio final provisório no qual se esmaece a lembrança
do sentido anterior e a norma cultural de uma história da arte única
e obrigatória.

Numa situação semelhante encontra-se hoje a teoria da arte. Em nossa


cultura compartimentada ela está distribuída em tantas especialidades e
grupos profissionais, que revela mais sobre a disciplina em que é exer-
cida do que sobre a arte da qual trata. Com a filosofia da arte acontece
a mesma coisa, desde que a estética .filosófica foi parar nas mãos de
e pecialistas que escrevem a sua história, mas não apresentam nenhum
projeto novo. Os poucos projetos que tiveram êxito em nosso século
- menciono apenas Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger e Theodor W.
Adorno - nasceram no quadro de uma filosofia pessoal e são compre-
en fveis somente no quadro dessa filosofia . Eles tampouco puderam

O FIM DA HIST(JRI A DA AR TE E t1 CUl.TURt1 AT\JJ\L 1 29


fundamentar uma teoria da arte vigente e de uma unidade interna. As
teorias dos artistas ocuparam o lugar da antiga teoria da arte. Onde
falta uma teoria geral da arte, ali os artistas reservam-se o direito a
uma teoria pessoal que expressam em sua obra.
Uma coletânea organizada em 1982 por Dieter Henrich e Wolfang
Iser chegou à conclusão de que uma teoria da arte integradora teria
desaparecido. Em seu lugar existiriam paralelamente muitas teorias
com responsabilidades restritas uma ao lado das outras, que também
separavam a obra de arte de sua unidade estética e a decompunham
numa "visão em perspectiva". Prefere-se às vezes discutir mais sobre
as funções da arte do que sobre a própria arte e já se vê a experiên-
cia estética como um problema que necessita de esclarecimento (Iser).
Alguns desses projetos harmonizavam-se surpreendentemente com as
"formas artísticas contemporâneas" que superavam na obra de arte
a "posição histórica de símbolo" e ligavam-na a funções particulares
"no processo social" (Henrich). É a falta de autonomia, portanto, que
aqui é lamentada quando a obra oscila entre a mera idéia de arte,
por um lado, e um mero objeto com uma forma cotidiana, por outro.
Se uma obra se transforma ela mesma em teoria ou se, inversamente,
nega a fisionomia estética, que sempre isolou a arte do mundo das
coisas, perde-se rapidamente o solo da teoria clássica da arte.
O problema, se é que ainda se trata de um problema, surge ape-
nas ali onde a filosofia da arte reivindica um monopólio que na mo-
dernidade pode ser tão pouco preservado quanto a idéia de uma histó-
ria da arte linear e unívoca. Por que deveria haver tantos tipos de arte,
todos absorvidos por uma única teoria? Teorias, obras e tendências
artísticas rivalizam-se entre si no mesmo nível, e o próprio pensamen-
to assume uma forma jocosa, polêmica e artística, tal como se estava
habituado antigamente somente pela prática escultórica. Uma nova
coletânea com mais der.roo páginas, que reúne a Art in Theory [Arte
em teoria] deste século numa seqüência ainda meramente cronológica,
iguala-se em sua colorida variedade à própria história da arte. Ela
traz um subtítulo apropriado: An Anthology of Changing Ideas [Uma
antologia de idéias em mutação).
Simultaneamente ao meu ensaio anterior, o filósofo Arthur Dan-
to publ icou, em 1984, suas teses sobre o fim da história da arte, nas
quais associava o argumento com uma tomada de posição em relação

30 1 PA RTE 1
à teoria da arte. Numa segunda versão, publicada em 1989 na revista
Grand Street, afirmou que a arte, desde que ela própria formulou a
questão filosófica sobre a sua essência, transforma-se em "filosofia
no medium da arte" (was doing philosophy) e desse modo abandona
a sua história. Já em sua publicação anterior Transfiguration of the
Common Place [A transfiguração do lugar-comum], Danto pergun-
tava-se o que significava o fato de que a arte se deixa definir apenas
nos termos de um ato filosófico, a partir do momento em q ue não se
distingue mais fenomenologicamente de uma forma banal. Referia-se
naturalmente a Hegel, como fazem todos os filósofos, quando então
explanava: "Na medida em que se tornou algo diferente, isto é, filo~
sofia, a arte chegou ao fim" . Desde então os artistas foram eximidos
da tarefa de definir a própria arte e com isso ficaram livres também
de sua história prévia, na qual tinham de demonstrar o que afinal os
filósofos podiam fazer por eles.
Devolvi a tese radicalizada, a fim de desvendar a imagem de um
filósofo q ue nela se esconde. Mas a questão que Danro formula já
acompanha a história da arte há muito tempo, talvez há tanto tempo
quanto se reflete sobre a arte. E há muito tempo encontra-se por trás
dessa pergunta a idéia de que ela poderia ser uma ficção. O "aterra-
menro" desse produto da imaginação ocorria sempre que eram colo-
cadas em primeiro plano as "artes", no plural de gêneros artísticos,
cuja história podia ser escrita. Por isso, Danto diz com acerto que um
fim da arte, no sentido de determinada narrative of the history of art
[narrativa da história da arte], seja concebível somente no quadro de
uma história interna, uma vez q ue fora do sistema não poderia ser
feito nenhum prognóstico, e portanto também não se poderia falar
de um fim .
Se a arte atinge seu objetivo no espelho de todos os gêneros em
que durante muito tempo ela foi realizada, agora é possível identificar
o que move os ânimos. Aqui o progresso, que sempre manteve as artes
particula res vivas no pró prio m edium, enfraquece como necessidade
no sentido que deteve até agora. O progresso é trocado pela palavra
de o rdem remake. Façamos novamente o que já fo i feito. A nova ver-
são não é melhor, mas também não é pior - e, em todo caso, é uma
reflexão sobre a antiga versão que ela (ainda) não poderia empregar.
Os gêneros, que sempre ofereceram o enquadramento sólido que a

O FIM DA HISTÓRIA DA A TE E A CULTUR A ATUAL 1 .> 1


arte necessitava, se dissolvem. A história da arte era um enquadra-
mento de outro tipo, que fora escolhido para ver em perspectiva o
acontecimento artístico. Por isso, o fim da história da arte é o fim de
uma narrativa: ou porque a narrativa se transformou ou porque não
há mais nada a narrar no sentido entendido até então.

Não se pense, porém, que isso seja apenas um assunto das velhas
mídias, pois também as mídias técnicas hoje existentes caem na mes-
ma dificuldade quando são solicitadas a um espetáculo de arte e, de
maneira semelhante, tendem violentamente à dissolução do seu per-
fil comprovado. Numa entrevista concedida ao número de junho de
1994 de Film Bulletin, Peter Greenaway justifica-se por fazer cada
vez menos filmes e cada vez mais exposições. É portanto a situação
do cinema, com o seu rígido enquadramento, no qua l o observador
já estava fixado na pintura, que ele quer "superar". Por isso interessa-
lhe que alguns dos seus filmes sejam adaptados para peças de teatro,
embora também entenda o palco como limitação para a experiência
estética do público. Qualquer instante de ordem enche-o de inquieta-
ção. "Todas as regras e estruturas são unicamente construções", das
quais, contudo, só podemos nos livrar com muito esforço. Greena-
way, historiador da arte e artista numa única pessoa, estudou a sua
técnica de luz ou a sua organização da imagem freqüentemente em
antigos pintores, percorrendo os caminhos históricos sem pagar o
imposto alfandegário para os policiais fronteiriços da modernidade.
Para ele, a técnica é um meio de expressão e, por isso, uma condição
contínua e não restrita à arte moderna. Por um lado, como confessa
na entrevista, ele quer desencadear uma obra de arte barroca em seu
conjunto, na qual o público vivencie o seu entorno natural como um
filme, e, por outro lado, está fazendo atualmente um filme em preto e
branco, cujo "tema é o de que a história não existe, mas é construída
pelos historiadores".
Greena way compreende a si mesmo em tais declarações como
protagonista de uma cultura da pós-história, na qual o fim da histó-
ria da arte se cumpre ao mesmo tempo na sua presença espontânea.
A ciência da arte não pode lidar com esse tema com a mesma liberda-
de, poi:;; deve temer pela ~ma própria continuidade. Antes, ela se ocupa

12 1 PARTE 1
da alegoria de sua historiografia ou da arqueologia do saber acumu-
lado, ta l como se encontra num livro de Donald Preziosi, Rethinking
Art H istory [Repensando a história da arte], no qual sou citado numa
epígra fe , mas não apareço no texto. O livro deve ser compreendido
como uma "série de prolegômenos ligados entre si que se antecipam
a uma história que tem de ser escrita, se quisermos saber para onde
ela cami nha", um entendimento portanto sobre a verdadeira histó ria
da história da arte, tal como foi produzida pela literatura especia li-
zada. Um capítulo sobre "arte" paleolítica, que como se sabe n unca
foi objeto da disciplina, chega à conclusão paradoxal de que se não
houve arte, no sentido que a conhecemos, em tempos remotos, tam-
bém hoje é questionável se possuímos a correta compreensão da arte.
No últi mo capítulo, o autor faz um jogo de palavras possível apenas
em inglês, quando deixa a critério do leitor se quiser ler o títu lo como
"fim da história da arte" ou "propósito (ends) da história da arte".
O texto termina com uma descrição da acrópole de Atenas, que era
vista através do "enquadramento" do Propileu, do mesmo modo q ue
só se pode compreender a história da arte no enquadramento de sua
própria história. É o enquadramento que entra hoje novamente em
discussão, uma vez que, de repente, é visto em toda parte onde antes
nem seq uer era notado por nós. Em nosso caso, a descoberta de Pre-
ziosi segundo a qual toda história da arte era urna teoria da história,
é a de e berra do enquadramento.
O fi m da história da arte é praticado hoje numa grande quan-
tidade d e livros cujo assunto não é de modo algum tal fim. Eles são
coloridos, originais e desinibidos, no sentido de uma disciplina rígida
do sa ber e da demonstração. A própria cultura não é mais aí o severo
juiz diante do qual se respon de por sua ciência, mas o belo desco-
nhecido q ue se con hece no caminho da sedução. Di to de outro modo,
cada um procura seu p róprio caminho para se orientar no labirinto da
cultu ra histórica em q ue se rom peu o fio de Ariadne. Trata-se sempre
aqu i dos primórdios d aq uilo que se experimenta agora sob uma vaga
idéia de fim. Num livro p ubl icado em 1 994 sobre Winckelmann and
the O rigins of Art Histo ry [Winckelmann e as origens da história da
arte ], o inglês Alex Potts formula, simultaneamente, a questão inquie-
tante acerca da fascinação pel'os corpos de mármore nus ou, co mo
se lê no título, a questão acerca da Flesh mui the Ideal [A carne e o

11 ~IM OA HISTORIA 0 1\ MH[ E A CI ll l URA A 1UAL 1 >J


ideal]. Ela é respondida já na foto homoerótica em detalhe do corpo
de An tínoo no belvedere do Vaticano: aquele Antínoo que o impera-
dor Adriano deve ter amado uma vez. Mas a distância historiográfica
em relação ao autor homossexual Winckelmann e a sua arqueologia
é sutilmente mantida, até quando Walter Pater publica um ensaio so-
bre Winckelmann em 1867, na Inglaterra, onde toma a palavra para
se pronunciar acerca de uma "teoria sobre a auto-experiência sexual
perversa na formação e na crítica cultural'', como escrevia Pater, que
se espantava afinal com a "beleza assexuada das estátuas gregas". E
Potts prossegue: "Seria anacrônico supor que Pater estava investigan-
do uma identidade homossexual, mas o presenciamos no limiar de
uma autoconsciência moderna da sexualidade como um fator essen-
cial para as definições do eu" .

34 1 PARTE 1
3 O COMEl\JTÁRIO DE ARTE COMO PROBLEMA DA HISTÓRIA DA ARTE

Em nossa cultura o problema da imagem comprovada da história


mostrou-se já há muito tempo no trato da literatura sobre arre com
a modernidade. Os métodos da disciplina, aperfeiçoados no estudo
da arte antiga, prestavam-se muito pouco à exposição do perfil con-
traditório da arte moderna, com todas as crises e fraturas do mun-
do moderno. Sem dúvida, não faltaram tentativas nesse sentido, mas
a parti r delas a arte moderna resultava na 'maioria das vezes numa
forma tão modificada que podia ser facilmente adaptada ao modo
narrativo praticado pela história da arte, tornando-se, todavia, dife-
rente de si mesma. As necessidades da historiografia da arte e as suas
receitas garantidas venciam sem esforço todas as dúvidas. Já se pode
falar agora de uma "história da história da arte moderna " . É a histó-
ria escrita e não a história que aconteceu que aceitamos como nosso
padrão fixo de saber.
Se nessa época eu atribuía o problema de lidar com a arte con-
temporânea aos métodos insatisfatórios da disciplina, hoje, depois
que todos nós fizemos nossas experiência s com tantos métodos
quanto se queria, colocaria as coisas de outro modo. Além disso, o
idea l do método correto nunca se cumpre pa ra uma disciplina aca-
dêmica ocupada com a liberdade "selvagem" de uma obra artística.
O intérprete quer ou servir a uma obra oferecendo solícitamente a

35
interpretação desejada ou, invcrs::imente, dominá-la impondo à obra
aquela interpretação que lhe é pessoalmente interessante. O problema
não se resolve com o fato de que o intérprete, por seu lado, toma
para si a liberdade do artista ou de que rivaliza com a arte na própria
arte de sua interpretação. Isso os poetas, que como se sabe foram os
primeiros intérpretes da arte, podem fazer melhor. Sempre esteve em
moda a boa e a velha écfrase, com a qual os poetas já na Antigüidade
recriavam uma obra de arte, de maneira a descrevê-la, mediante a
pintura de suas próprias palavras. Hoje, contudo, são os escritores ou
os filósofos que têm a palavra e não os especialistas da arte histórica.
Finalmente, os próprios artistas se apossaram da palavra conduzindo
para a interpretação que desejam em entrevistas concedidas com dili-
gência. Os outros, porém, descobriram na arte o último domínio que
ainda lhes revela um espaço livre para se alçarem, na sociedade atual,
à liberdade da grande visão e ao gesto de linguagem emancipatório.
A arte atua às vezes como um santuário do passado e a literatura como o
seu antigo ritual, o que vivenciamos novamente com tanto gosto.
A relação do comentário sobre arte com a obra de arte é abor-
dada no problema do método. O comentário sobre arte sempre quis
abolir a sua diferença com a obra e colocar a si mesmo no lugar dela,
ou seja, sempre aspirou a uma relação mimética com a obra - o co-
mentário como arte. A tentação intensificou-se à medida que a obra
de arte perdia sua forma acabada como obra e se deixava transmi-
tir tão-somente por um comentário, o qual rivalizava com si mesma.
A crítica de arte assumiu a tarefa da teoria da arte, desde qu e filósofos
e literatos assinaram os manifestos das associações de artistas: Filippo
Marinetti em nome dos futuristas e André Breton em nome dos sur-
realistas de que era porta-voz, para mencionar apenas os primeiros
de uma longa série. A produção contínua e crescente de novas teo-
rias reduzia cada teoria particular a uma palavra de o rdem, atrás da
qual um grupo de artistas reunia-se numa luta em comum e forçava
cada obra particular a seguir uma teoria em comum. Com isso a obra
fi cava vinculada, em princípio, às teorias que os futuros intérpretes
tinham de respeitar. A arte parecia restringir-se, no fundo, às zonas
livres e isol adas, cujas cercas eram demarcad as pelas teorias. Os his-
tori adores da arte tive ram uma participação reduzida nesse cenário
que já encontraram dado. Afinal seus métod os se rviam mais à prática

l6 [ PARTE 1
científica especializada do que tinham o sentido de tornar compn.:cn-
sível 0 próprio cenário artístico.
A relação entre comentário e obra foi deslocada, é verdade, com a
reivindicação crescente de uma crítica de arte teórica, mas, mais ainda,
a partir da aprovação de artistas com formação teórica. Seus textos,
que eles naturalmente sempre escreveram, ganharam uma nova quali-
dade com M arcel D uchamp, que refletia sua obra em textos que logo
não podiam mais ser diferenciados dela e produziam mais quebra-ca-
beças do que a própria obra. Assim escreveu os primeiros textos que
serviriam ma is tarde como comentário ao Grande vidro, já numa épo-
ca em que essa obra capital simplesmente não existia [fig . 4]. Joseph
Kosuth achava que D uchamp devolvera à arte sua verdadeira iden-
tidade ao " perguntar por sua .função" e descobrir que a " arte (nada
mais) é do que a definição de arte''.
Em meu ensaio sobre O grande vidro procurei revelar o comentá-
rio na obra e a obra no comentário de D uchamp, sem traçar a fronteira
que o próprio Duchamp não traçou. O Grande vidro limitou a priori
todo comentário que lhe foi dedicado posteriormente à possibilidade
única de ser um comentário sobre os comentários do artista, nos quais
ele enredou a obra : uma pos ibilidade da qual André Breton, q ue na
época nem sequer conhecia a obra, fez um uso ainda mais produtivo.
Duchamp simulava, por assim dizer, todas as variantes do comentário
sobre arte ao tornar pública sua própria obra e ao reinterpretá-la ao
longo de uma década sempre de maneira diferente, com o que deter-
minava a história da recepção por que passam todas as obras conhe-
cidas tanto q uanto a mistificava. De modo que o lugar do O grande
vidro na história da arre do seu século não pode ser diferenciado do
seu lugar (ou da sua retirada gradual} na história da recepção. Obra e
texto tornaram-se uma tautologia no curso desse processo. A ciência
da arte de tipo tradicional p ôde tirar pouco proveito de tal situação,
pois tinha de se lirnjrar a relatar o nascimento (e a consumação) da
obra, ou seja, a descrever eventos que nesse caso atuam de maneira
apenas secundária.

A. q uestã o sobre o papel do comentário modificou-se mais uma vez


quando os artistas conceituais entraram em cena e a arte, tal como era

O COMENTARIO DE ARTE COMO PROBLEMA DA HISTÓRIA DA 1• RTE / '7


conhecida, foi designada, de maneira muito simplificada, como "for-
malista". Não falavam mais senão de uma "arte conceituai", que ti-
nha como tema o conceito de arte como tal, e atribuíam às suas "pro-
postas" (propositions) o estatuto de obras. Como enfatizou em 1969
Joseph Kosuth no seu texto "Art After Philosophy", eles não queriam
mais criar obras, mas apenas formular questões. Fazer arte significava
para eles questionar a arte e produzir comentários que tratassem de
arte. O auge dessa campanha foi alcançado quando discutiram ainda
em 1969, em sua revista Art and Language, a questão sobre o perten-
cimento ou não do próprio editorial "à categoria de obra de arte" se
apenas se ampliasse o conceito de arte e se expusesse certa vez o texto
numa galeria. Ponderavam com toda seriedade se a sua arte conceituai
não tornava supérflua toda teoria tradicional da arte.
Numa instalação de 1965 que se tornou célebre, Kosuth expôs
uma única cadeira três vezes: a cadeira real, a imagem da cadeira e
a cadeira tal como é explicada no verbete do dicionário, a saber, a
cadeira como princípio [fig. 5]. A contraposição entre imagem e des-
crição é ardilosa, pois visa igualar imagem e texto e a nivelar a dife-
rença tradicionalmente reconhecida entre eles: também a imagem se
reduz aqui a uma mera definição. Visto como um todo, o comentário
prevalece sobre a obra, levando-a ao desaparecimento. Não obstante,
a solução da tarefa impossível não é realizada com facilidade. O texto
exposto, afixado na parede, ocupa o lugar de uma imagem que não
lhe pertence. A instalação de Kosuth era uma tese que podia ter sido
expressa em qualquer época, mesmo cem anos antes. Mas só poderia
se apresentar como arte apenas uma única vez nos anos 60 - e está
tão fortemente datada por esse ato que qualquer coisa semelhante
exposta hoje como arte depararia com esse acontecimento de 196 5.
Assim considerada, a história da arte passa de repente a funcionar
de maneira estranhamente incorpórea e arbitrária. Por isso deixei-me
convencer a reprod uzir a instalação de Kosuth, talvez inteiramente de
acordo com seu sentido, não numa "foto original", tal como parece-
ria se fosse montada hoje ou tal como parecia quando foi exposta pela
primeira vez. Ao contrário, ela foi reproduzida segundo uma cópia do
guia de arte de Ro bert Atkins, onde não designa mais a cadeira em
sua trindade, mas algo totalmente diferente, um chavão da história da
arte mais recente: a arte conceituai.

38 1 PA RTE 1
Poucos anos mais tarde, o crítico de arte Germano Celant abria
seu livro Arte povera com duas páginas de teses que invertiam a mira
e, em vez de reduzir a obra a um texto, como em Kosuth, transfor-
mava o texto, por assim dizer, numa obra [fig. 6]. Ali, onde anterior-
mente um grupo de artistas convergia em torno de um manifesto, ha-
via agora um crítico de arte que introduzia arbitrariamente toda uma
orientação artística com suas próprias teses. O livro no qual Celant
selecionou os artistas e as obras "não procura ser objetivo, porque a
consciência da objetividade é uma falsa consciência". O leitor poderia
perguntar em que consiste então a informação que deve esperar de
tal livro. Logo na frase seguinte, Celant questiona o criticism como
espelho da própria produção artística. Só há coerência ali quando o
autor se "recusa" (refuses) a comentar pela linguagem as fotos e as
obras nelas reproduzidas . O livro publicado, como ele diz, é destinado
ao consumo cultural, mas não pode substituir a visita à exposição; de
fato, já em sua forma é bastante distinto da "obra do artista". Certa-
meme trata-se de platitudes, mas são comunicadas de um modo tão
afetado e provocativo que o comentário sobre arte impõe a si mesmo
como produto artístico. Já na tipografia, e ainda mais na dicção, de-
nuncia-se a pretensão do texto de apresentar a si mesmo como arte.
De modo que também é totalmente coerente se o rival de Celant,
Achille Bonito Oliva, compreende os seus textos como prosa artística
que mai cumprem exigências literárias do que o dever de informar
sobre o cenário artístico. Em seu livro Il sogno dell'arte [O sonho da
arre], ele aparece na capa sorrindo para o leitor, em ilustração feita
por um dos "seus artistas", o qual aparece com ele no retrato como
cúmpli ce [fig. 7] . Portanto, quando os limites da crítica de arte se
de l ca m para a a rte, há nisso apenas um eco da transformação da
arte no o mentá ri >so bre si mesma do qual falávamos. A pintura de
John Ba ldessari, que descrevo detalhadamente mais adiante [fig. 3 2,
p . 25 7J, leva essa situação a um ponto em que não aparece senão
como suporte de um comentário de arte, e sim sob a forma de uma
obra d arte: a obra de arte corno medium do comentário sobre arte.
O comentário se encontra no breve epigrama: "Tudo foi eliminado
dessa rela, exceto a arte. Nenhuma idéia foi aceita nessa obra" .
Os comentários frívolos e brincalhões de que tratávamos agra-
dam-me, na verdade, muito mais cio que a tonelada de palavreados

O COME N TÁR IO IJ [ 1\ RH COMO F' RIJll l-E M A DA HISTÓl"< IA DA ARTE 1 3 9


monótonos sobre arte que sempre podem ser confundidos com infor-
mação pelo leitor. Mas não se trata de avaliar comentários sobre arte,
porém de percebê-los como problema de uma história da arte acadê-
mica. t~ que a história da arte, como modelo, é comentár io, a saber,
comentário histórico, por isso deve ser mencionado o problema de
como apresentar uma história da arte de comentários - a menos que
ela se transforme numa história de idéias. Talvez seja oportuna aqui
uma reminiscência de caráter geral. Comentários que acompanham o
acontecimento artístico perseguem um propósito diferente dos textos
históricos, que olham em retrospectiva para o acontecimento. Est~s
conferem ao acontecimento um sentido a~ual, ao passo que aqueles
um sentido histórico: são esses outros textos que querem assegurar
ao leitor que, o que quer que tenha acontecido, aconteceu exatamen-
te como eles o descrevem e teve o sentido daquilo que chamam de
história da arte.
Percebe-se aos poucos, de maneira particularmente divertida, que
as mesmas pessoas primeiro escrevem o comentário e depois - com
o devido distanciamento temporal - os textos históricos nos quais
utilizam os comentários daquela época ou, muito simplesmente, va-
lorizam suas próprias recordações como material da história da arte.
"Lembro-me de que era assim e não de outro modo." Fato, informa-
ção e interpretação tornam-se uma única coisa e os autores utilizam,
aliás, exatamente como os artistas, o seu próprio material de pesquisa.
Aqui já é impossível desenvolver certa tolerância, se, por sua vez, ou-
tros autores que não podem ser a sua própria fonte perderem o inte-
resse por relatórios históricos, por informações tout court e passarem
a inventar as suas teorias para continuar preservando a oportunidade
de uma aparição pessoal no estreito mercado da literatura sobre arte.
Em toda teoria esconde-se também uma parcela de agressão ou de de-
samparo - a não ser que se prescinda da sua utilidade para a própria
carreira acadêmica. Gostaríamos de saber muito mais, se fossemos
sinceros, como foi tudo e compreender nossa cultura, em vez de ouvir
espantados e hesitantes o concerto de teoria s que, no entanto, ainda
ca racterizam apenas o se u editor.

40 1 PARTE 1

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