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Arquitetura e

Urbanismo Modernista
Material Teórico
A Modernidade na América Latina

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Franklin Ferreira

Revisão Textual:
Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento
A Modernidade na América Latina

• A Modernidade na América Latina;


• Brasil;
• Argentina e Uruguai;
• México;
• Venezuela e Colômbia.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Apresentar alguns dos principais arquitetos latino-americanos que exploraram as premis-
sas do Movimento Moderno em suas obras;
• Chamar a atenção para o fato desses arquitetos pertencerem a gerações posteriores a dos
mestres da modernidade, como Le Corbusier e Wright, da mesma forma que, em alguns
países tanto da América Central quanto da América do Sul, o Movimento Moderno se esta-
belece tardiamente já em meados do século passado;
• Compreender como a estética modernista se adequa a condições geográficas, culturais, polí-
ticas e econômicas distintas do contexto do velho continente. Para tal, serão analisadas obras
de arquitetos de diferentes nacionalidades, incluindo desde o México até a Argentina.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE A Modernidade na América Latina

A Modernidade na América Latina


Ao considerar a Revolução Industrial como um evento que suscita uma condição
oportuna para o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas construtivas, ten-
do em vista o emprego do ferro e posteriormente do vidro e do concreto armado
na construção civil, implicando consequentemente em novas soluções estéticas que
desencadeiam uma série de experimentos arquitetônicos ao longo do século XIX,
compreende-se a influência que a indústria tem ao oferecer a possibilidade de se
conceber novas formas de habitar.

O Movimento Moderno, decorrente das ideias progressistas que norteiam parte


da produção arquitetônica do século XIX, potencializa a discussão de uma nova
arquitetura que é introduzida no continente europeu nas primeiras décadas do sé-
culo seguinte. Portanto, observa-se que a modernidade está intimamente vinculada
a alguns países europeus, tendo em vista a Revolução Industrial como gênese de
parte de seu ideário. Curtis (2008, p.491) analisa que:
Em seus anos formativos, o movimento moderno dificilmente pode ser
considerado um fenômeno mundial; era propriedade intelectual de alguns
países da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e de alguns países da
União Soviética. Em retrospectiva, isto pouco nos surpreende, uma vez
que a própria concepção de arquitetura moderna estava ligada à existên-
cia de vanguardas que buscavam a autenticidade nas (ditas) sociedades
industriais “avançadas”.

Por outro lado, a modernidade se alastra paulatinamente para outros países em


decorrência de uma série de fatores, como o período entre guerras, que provoca
o deslocamento de arquitetos europeus para outras partes do globo, incluindo as
Américas e os continentes asiático e oceânico.

Outro fator que impulsiona a difusão do discurso moderno ao redor do mundo


são os próprios Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), que
conta com a participação massiva dos arquitetos europeus, entretanto, há também
a contribuição de arquitetos de outras nacionalidades, como o próprio Affonso
Eduardo Reidy, que ainda que tenha nascido na capital francesa, tem o seu legado
concentrado em grande parte no Rio de Janeiro, onde viveu.

Acontecimentos pontuais como a Revolução Russa (1917), que elevaria as ten-


sões acerca da busca por uma nova estética baseada na vanguarda modernista de-
nominada construtivismo russo, enquanto que no Brasil, a Semana de Arte Moder-
na de 1922, que ocorre na capital paulista pode ser considerada a porta de entrada
para o debate moderno em contraposição a uma estética conservadora, também
alimentam o discurso modernista.

Ainda na década de 1920, é fundada a Asociación de los Amigos del Arte, em


Buenos Aires, cujo objetivo é o de fomentar as reflexões acerca do pensamento e
da estética modernistas através de palestras, debates, exposições. Le Corbusier

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oferece uma contribuição ímpar à associação ao ministrar uma série de palestras
em uma de suas passagens pela América do Sul no ano de 1929.

Porém, a difusão da modernidade alcança o seu ápice no final da década de


1950, no pós-guerra. A retomada do desenvolvimento econômico, a rápida indus-
trialização e a disseminação das ideias progressistas ocidentais exercem um papel
fundamental para a manutenção dos paradigmas da modernidade em outras partes
do mundo.

Um dos pontos a serem analisados é que nos anos de formatação da arquite-


tura moderna, 1920-30, há um caráter universal que molda a sua estética. Tanto
no Brasil quanto no Japão, há, sobretudo, um desdobramento daquilo que Le
Corbusier investiga ainda na década de 1920. Contudo, as décadas de 1950 e
1960 implicam em uma valorização do regional. Segundo Curtis (2008, p.492):
Em contraste, as duas décadas após a Segunda Guerra Mundial se carac-
terizam por uma diversidade muito maior no movimento modernos nos
seus centros de origem e por uma valorização do nativo, do variável e do
regional. A planaridade do Estilo Internacional deu lugar a uma forma de
expressão mais escultural e robusta, em que tijolos à vista e concreto, fa-
chadas texturizadas e densidade das paredes desempenharam um papel
mais importante.

Naturalmente, essa dicotomia do universal em contraponto ao regional deve


ser considerada com cautela. Ainda que os mestres da vanguarda exploram uma
arquitetura aparentemente destituída de características locais, tanto Le Corbusier
quanto o próprio Mies van der Rohe insinuam certo regionalismo através de pro-
postas feitas pelo arquiteto franco-suíço para o mediterrâneo e de casas com pátio
investigadas pelo arquiteto alemão. Isso indica, de certa forma, que a arquitetura
moderna, em sua fase inicial, apesar de assumir uma tendência universalizante,
possuí e oferece respostas regionais em função de condicionantes locais, como o
clima e a cultura.

Nesse aspecto, compreender a manifestação da modernidade e suas especifici-


dades no eixo norte-sul, sobretudo na América Latina, é reconhecer a adequação
dos preceitos modernistas a condições culturais, climáticas, econômicas, políticas,
tecnológicas, bem distintas do eixo leste-oeste, composto por Estados Unidos,
Europa e Japão. Evidentemente que uma análise atenta à arquitetura latino-ame-
ricana implica na distinção de como a modernidade acontece em países como o
México, de herança antiga visível, ou em países como o Brasil, sem evidências tão
claras de um passado longínquo.

A esse fenômeno, Kenneth Frampton analisa como regionalismo crítico. Ainda


que alguns arquitetos da segunda ou terceira gerações, a partir do pós-guerra,
incorporem características regionais num discurso progressista, há a tendência da
elaboração de uma arquitetura genuinamente regional. De acordo com o autor, há
atitudes que sintetizam a ideia do regionalismo crítico, como:

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UNIDADE A Modernidade na América Latina

O regionalismo crítico deve ser entendido como uma prática marginal que,
embora crítica acerca da modernização, ainda assim se recusa a abandonar
os aspectos emancipatórios e progressistas do legado moderno. [...]

[...] manifesta-se como uma arquitetura conscientemente delimitada que,


em vez de enfatizar a construção como um objeto independente, faz a
ênfase incidir sobre o território a ser estabelecido pela estrutura erguida
no lugar. [...]

O Regionalismo crítico favorece a realização da arquitetura como um fato


tectônico, e não como a redução do ambiente construído a uma série de
episódios cenográficos desordenados.

[...] enfatiza certos fatores específicos do lugar, que variam desde a topo-
grafia, vista como uma matriz tridimensional à qual a estrutura se amolda
até o jogo variado da luz local que sobre ela incide. [..] Tende a tratar todas
as aberturas como zonas delicadas de transição com capacidade de reagir
às condições específicas impostas pelo lugar, pelo clima e pela luz.

[...] enfatiza tanto o tátil quanto o visual. [...] É sensível a percepções com-
plementares como os níveis variáveis de iluminação, as sensações de ca-
lor, frio, umidade e deslocamento dos aromas e sons produzidos pelos
materiais diferentes em diferentes volumes, e até mesmo às sensações
variadas induzidas pelos acabamentos de pisos [...]

[..] em certos momentos, o Regionalismo crítico vai inserir elementos ver-


náculos reinterpretados como episódios disjuntivos dentro do todo.

O Regionalismo crítico tende a florescer naqueles interstícios culturais


que, de um modo ou de outro, são capazes de fugir ao cerco da investida
otimizadora da civilização universal. (FRAMPTON, 2003, p. 396)

Algumas dessas estratégias serão vistas nas obras a seguir, oriundas de diferen-
tes países, o que reafirma a ideia de um modernismo regionalista.

Brasil
No Brasil, os primeiros sinais da modernidade começam a se estabelecer nos
primeiros anos da década de 1920, com a Semana de Arte Moderna. Mesmo não
exercendo influência direta na arquitetura, a Semana de 1922 estrutura um territó-
rio propício para a exploração de uma nova estética que se contrapõe à linguagem
conservadora da Escola de Belas Artes.

Um dos arquitetos responsáveis pela adequação da linguagem moderna na


arquitetura na capital paulista é o russo Gregori Warchavchik (Odessa, 1896 –
São Paulo, 1972) que explora uma vertente corbusiana. Por outro lado, no Rio de
Janeiro, Lucio Costa (Toulon, 1902 – Rio de Janeiro, 1998) pode ser considerado
um dos precursores da modernidade na capital carioca.

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Entende-se que o eixo São Paulo – Rio de Janeiro é de extrema importância
para a implantação da linguagem moderna no território brasileiro. Na escola
carioca de arquitetura, arquitetos como Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy
ao lado da engenheira Carmen Portinho, os irmãos Roberto, entre outros, irão
deixar um legado ímpar tanto na capital carioca quanto em outras cidades brasi-
leiras e até internacionais.

Niemeyer, tendo passado pelo escritório de Costa, brevemente começa a se


destacar como uma espécie de arquiteto prodígio. Após participar de importantes
projetos em parceria com Costa como o Ministério da Educação e Saúde (Rio de
Janeiro, 1936-45), obra de grande importância tanto para o Estado quanto para
a arquitetura mundial, Niemeyer, já na década de 1940, elabora Pampulha em
Belo Horizonte.

Desse momento em diante, a obra de Niemeyer começa a incorporar uma lin-


guagem moderna mais brasileira ao empregar um certo lirismo em “edificações
com estrutura independente ou transparências ativadas por curvaturas complexas
na planta e na circulação”. (CURTIS, 2008, p.498).

Essas características podem ser apreendidas na casa do arquiteto. Localizada na


estrada das Canoas em São Conrado, Rio de Janeiro, a Casa das Canoas (1950-54)
sintetiza os ideais de Niemeyer já postos à prova tanto no Pavilhão Brasileiro para
a Exposição de Nova York (1939) quanto no conjunto da Pampulha.

Figura 1 – Pavilhão Brasileiro (Nova York, 1939). Oscar Niemeyer


Fonte: Archdaily
Explor

Vista aérea da Casa do Baile. (Belo Horizonte, 1942-44), Oscar Niemeyer: http://bit.ly/2NjieLM

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UNIDADE A Modernidade na América Latina

Figura 2 – Detalhe da marquise do cassino (Belo Horizonte, 1942-44), Oscar Niemeyer


Fonte: portal.iphan.gov.br

Num terreno bastante acidentado localizado numa encosta voltada para o ocea-
no, Niemeyer organiza a casa em dois níveis, sendo o térreo sinalizado sutilmente
por uma laje de concreto plana e sinuosa que repousa leve e livremente sobre a
superfície. O arquiteto oferece todos os indícios necessários para que a casa possa
ser lida de tal maneira que há clareza da relação do espaço construído com a na-
tureza circundante. Esse vínculo se estabelece a partir do momento que Niemeyer
reconhece uma grande rocha no terreno que é incorporada à casa.

Figura 3 – Casa das Canoas, Oscar Niemeyer, Rio de Janeiro, 1950-54


Fonte: Frank van Leersum

Uma das estratégias adotadas por Niemeyer para a Casa das Canoas é a inser-
ção de uma laje de concreto plana e sinuosa que se insere sutilmente na paisagem
natural. Natureza e construção se tornam protagonistas numa relação compositiva
bastante harmoniosa tendo em vista a curva como elemento estético fundamental.

A leveza da cobertura é enfatizada pela superfície sinuosa de vidro que suge-


re continuidade do espaço interno para o interno e vice-versa, além dos esbeltos

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pilares que sustentam parte desta. Nesse nível de acesso à casa, estão localizados
os ambientes sociais, como salas de estar e jantar, cozinha e lavabo, além de uma
área externa coberta, resultando em um vazio que complementa o interior da cons-
trução. As áreas íntimas localizadas no nível inferior usufruem da paisagem da
mesma forma que o pavimento térreo.

Ainda que a relação da casa com a paisagem seja notória, a Casa das Canoas
também foi objeto de duras críticas. Tanto Ernesto Nathan Rogers quanto Max Bill
reconhecem o projeto de Niemeyer como fruto de grande ousadia. Bill alega “que
a forma livre só se justificava se era funcional”, vendo na Casa das Canoas “apenas
um capricho” (BRUAND, 2003, p.164).

De toda forma, apesar das críticas, a Casa das Canoas é, sem dúvida, ao lado da
Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright, da Villa Savoye de Le Corbusier e da Casa
Farnsworth de Mies van der Rohe, uma das obras mais importantes do século vinte.

Por outro lado, em São Paulo, a influência de Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi é fundamental
Explor

para a formatação da Escola Paulista de arquitetura. Ainda que Artigas, à época, se destacava
com os seus projetos de residências particulares e grandes obras públicas como as suas escolas e
também o estádio do Morumbi, Lina Bo Bardi vai ganhando espaço com obras de extrema sen-
sibilidade em que a arquiteta estabelece um vínculo entre o novo e o antigo. Casos emblemáti-
cos como o SESC Pompéia em São Paulo ou o Solar do Unhão em Salvador são duas dentre várias
referências da arquiteta que recuperam e mantém a memória de outras épocas em diálogo com
o contemporâneo dentro de uma linguagem exclusivamente moderna.

Argentina e Uruguai
Dentre o cone sul do continente, vale a pena destacar a produção arquitetônica
da Argentina e do Uruguai.

Na Argentina, cuja influência do modernismo se dá logo nas primeiras décadas


da formação do movimento e conta com a influência de Le Corbusier ainda na dé-
cada de 1920 com as suas conferências na Asociación de los Amigos del Arte, um
dos arquitetos que podem ser destacados é Amancio Williams.

As conferências de Le Corbusier na Asociación de los Amigos del Arte estão transcritas no livro
Explor

LE CORBUSIER. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo.


São Paulo: Cosac Naify, 2004.

Colaborador do arquiteto franco-suíço no projeto para a Casa Curutchet em La


Plata, Williams explora a tecnologia do concreto armado em suas estruturas do tipo
ponte durante a década de 1940.

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A Casa da Ponte (1943-45) é um dos exemplos construídos em parceria com a


arquiteta Delfina Gálvez de Williams. Localizada num terreno em Mar del Plata, a
casa projetada para o seu pai, o compositor Alberto Williams, encontra-se implan-
tada sobre o arroio Las Chacras em meio a área arborizada.

Figura 4 – Casa da Ponte, Amancio Williams, Mar del Plata, 1943-45


Fonte: Wikimedia Commons

Há uma nítida relação entre a construção e a paisagem circundante tendo em


vista como o arquiteto usufrui dos planos de vidro e também da laje de cobertura
que acaba assumindo a função de um mirante.

De acordo com a imagem, a casa se torna uma evidência construída da relação


da tectônica dada pela estrutura de concreto, oriunda da racionalidade moderna,
com o entorno composto por uma paisagem natural, a seu modo, bucólica.

Basicamente, a casa é constituída por um arco catenário que representa o ele-


mento principal de sustentação da construção associado a elementos verticais que
o unem à laje do nível principal. Nas extremidades do arco, encontram-se dois volu-
mes que abrigam a circulação vertical e garantem o acesso aos ambientes internos.

O programa de necessidades é, portanto, organizado em uma estrutura pavi-


lhonar, de modo que em um dos lados, observa-se a ala íntima, compartimentada,
e no outro, a ala social usufruindo da planta livre. Ambas as fachadas principais
são vedadas por longas janelas corrediças com o intuito de se usufruir da paisagem
natural. O piso da cobertura constituída por uma laje plana funciona como uma
espécie de mirante.

Planta da Casa da Ponte, Amancio Williams, Mar del Plata, 1943-45: http://bit.ly/2pTBYx8
Explor

Corte da Casa da Ponte, Amancio Williams, Mar del Plata, 1943-45: http://bit.ly/2WfsXL9

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No Uruguai, a contribuição do engenheiro Eladio Dieste é fundamental para a
produção de uma arquitetura moderna genuinamente regional. Diferentemente de
Williams na Argentina, Dieste explora um sistema misto em que “associa tijolos e
concreto para criar obras de intensa qualidade escultórica graças à sua maestria de
geometria estrutural” (COHEN, 2016, p.373).

Dieste se destaca com as obras públicas de usos diversos, entre elas numerosos
edifícios ligados ao transporte, mercados e edifícios institucionais. Entre eles, a
Igreja de Cristo Operário em Atlántida merece atenção.
A plasticidade da construção é resultado de um sistema construtivo bastante
arrojado que implica em uma série de abóbodas de concreto armado e tijolos apa-
rentes. Dessa forma, o tijolo constitui o módulo organizador de toda a estrutura.

Figura 5 – Igreja de Cristo Operário, Eladio Dieste, Atlántida, Uruguai, 1958-60


Fonte: Marcelo Donadussi

Indubitavelmente, Dieste demonstra grande ousadia com a utilização do tijolo


aparente como matéria prima essencial no projeto da igreja. De forma bastante
criativa, o engenheiro é capaz de elaborar não somente planos sinuosos como nas
duas grandes superfícies laterais que sustentam a cobertura também curva, mas
uma série de momentos em que o assentamento dos tijolos rompe com uma pos-
sível monotonia ao estabelecer um novo ritmo; além das aberturas irregulares que
levam luz através do clerestório.

México
A arquitetura moderna no México é colocada à prova nas primeiras décadas do
século XX. Entre os anos de 1920 e 1930, “desempenha um papel na reforma
pós-revolucionária, quando estética e idealismo social algumas vezes haviam sido
combinados” (CURTIS, 2008, p.493).

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Concomitantemente ao que ocorre no Brasil, o modernismo mexicano tenta


combater a tradição da Escola de Belas Artes ao introduzir uma nova estética. En-
tretanto, há uma tendência a emancipação da cultura visual de modelos europeus
e, consequentemente, uma absorção de elementos da cultura local.
[...] mas foi, em vez disso, absorvido no imaginário mexicano, como uma
força vagamente universalizante, relevante às causas de superação das
velhas divisões sociais, raciais e religiosas e de alcance de um rápido
“progresso” tecnológico. Isso contribuiu, portanto, para um estilo de au-
todefinição nacional que exigiu a integração de todas as culturas passadas
em um único ideal nacional unificante. (CURTIS, 2008, p.493)

Em suma, o que se percebe é que a linguagem moderna internacional é absor-


vida e reinterpretada em um contexto bastante distinto do europeu. A estratégia
adotada para a implantação do modernismo no território mexicano implica na tra-
dução das premissas de caráter universalizante a uma condição local, de modo que
há um resgate de memórias de tempos passados e uma sutil compatibilização com
o ideário progressista do Movimento Moderno.

Entre inúmeras contribuições dos mais diversos arquitetos e engenheiros mexi-


canos, o nome de Luis Barragán (Guadalajara, 1902 – Cidade do México, 1988)
merece destaque. A importância da obra de Barragán se dá pelo fato de o arquiteto
estabelecer em suas edificações esse diálogo entre inovação e tradição. Com o
emprego de cores vibrantes oriundas da arquitetura vernacular mexicana, Barragán
é capaz de reinventar a estética modernista ao torná-la enraizada em seu país. Há,
portanto, uma manutenção da memória coletiva introduzida em uma nova estética.

Há autores que abordam a importância do lugar como ferramenta para estabelecer as dire-
Explor

trizes de projeto para a concepção de uma construção. Dentre eles, o arquiteto italiano Aldo
Rossi quando recupera o conceito do “espírito do lugar”, estabelece um ponto de contato
com Christian Norberg-Schulz no texto “A fenomenologia do lugar.” Para compreender um
pouco mais sobre a relação lugar x construção, leia o artigo “O cenário como pretexto” de
Maribel Aliaga Fuentes no link a seguir.
Disponível em: http://bit.ly/3671nUU

No projeto para a sua própria casa (Tacubaya, 1947), Barragán já demonstra


grande maturidade ao manipular volumes cúbicos, pátios para contemplação, tex-
turas e cores nos planos verticais, terraços e o jardim. Em função de sua implanta-
ção e da maneira como o arquiteto articula a construção com a tessitura urbana, a
Casa Barragán se volta para si e desconecta-se do mundo exterior.
Explor

Residência e estúdio, Luis Barragán, Tacubaya, México, 1947: http://bit.ly/2oelRtE

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Ainda que o projeto seja arrojado, a casa sugere continuidade estética com as
construções vizinhas, predominantemente de uso residencial unifamiliar e de carac-
terísticas locais. Externamente, a fachada voltada para a rua local mantém a sutileza
do seu entorno; por outro lado, a disposição interna e a fachada posterior, voltada
para o pátio, adotam cores vibrantes e uma composição baseada na intersecção de
primas cartesianas.

Figura 7 – Residência e estúdio, Luis Barragán, Tacubaya, México, 1947


Fonte: Wikimedia Commons

Figura 8 – Cor e luz no hall de entrada. Residência


e estúdio, Luis Barragán, Tacubaya, México, 1947
Fonte: Archdaily

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Figura 9 – Ateliê artístico. Residência e estúdio, Luis Barragán, Tacubaya, México, 1947
Fonte: Archdaily

Diferentemente da planta livre ou aberta do modernismo “acadêmico”, Barragán


se utiliza da compartimentação dos ambientes de modo a acomodar os espaços
dentro de uma escala compatível com a do espectador. Os ambientes compactos
possuem a luz como um elemento compositivo, ora zenital, ora através de abertu-
ras enquadrando os jardins do pátio localizado na face posterior. A conexão entre
alguns dos cômodos se dá através de escadas, resultando em uma articulação es-
truturada em meios-níveis.

Figura 10 – Planta pavimento Figura 11 – Planta pavimento Figura 12 – Planta cobertura, Luis
térreo, Luis Barragán, superior, Luis Barragán, Barragán, Tacubaya, México, 1947
Tacubaya, México, 1947 Tacubaya, México, 1947 Fonte: Archdaily
Fonte: Archdaily Fonte: Archdaily

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Figura 13 – Corte longitudinal, Luis Barragán, Figura 14 – Corte transversal, Luis Barragán,
Tacubaya, México, 1947 Tacubaya, México, 1947
Fonte: Archdaily Fonte: Archdaily

Venezuela e Colômbia
Além do México, outros países do Caribe que desfrutam de uma produção arqui-
tetônica moderna são Venezuela e Colômbia.

Discípulo indireto de Oscar Niemeyer e de Le Corbusier e tendo conhecido os


artistas Fernand Léger e Alexander Calder de quem se tornou amigo, o venezuela-
no Carlos Raúl Villanueva (Londres, 1900 – Caracas, 1975) possui uma trajetória
distinta, o que o permite explorar um território bastante fértil e promissor.

Com formação na École des Beaux-Arts na década de 1930, retorna para Cara-
cas e “tenta dar forma às energias sociais emergentes da Venezuela em uma síntese
das artes – uma fusão entre arquitetura, pintura, escultura e urbanismo modernos”
(CURTIS, 2008, p.502).

Villanueva investiga as possibilidades das estruturas de concreto em balanço,


além das cascas de espessuras esbeltas, sempre buscando um repertório formal
diverso, rico e adequado ao clima equatorial. Com a sua formação e criatividade,
introduz uma arquitetura compatível com a visão social progressista que tem para o
seu país, tendo em vista a exploração do petróleo entre as décadas de 1940 e 1950
que impulsiona a economia da Venezuela.

Além do clima e também do desenvolvimento econômico intenso pelo qual a


Venezuela passa em meados do século XX, Villanueva busca na arquitetura colonial
um repertório estético para aprender a lidar com o clima local. Logo, os anteparos
perfurados, beirais protetores e a transição fluida de espaços são estratégias incor-
poradas em alguns exemplos de sua obra, como no caso da Cidade Universitária
em Caracas.

Considerada uma de suas obras-primas, a Cidade Universitária (1950-59) se


utiliza de amplos quebra-sóis e outros elementos de sombreamento, gelosias, placas
coloridas além de volumes interconectados. Em função da escala desse projeto,
Villaneuva entende como estratégia a possibilidade de se recuperar a relação do
espaço urbano com a natureza.

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As passarelas entre as principais instituições no campus foram definidas


por arcos de concreto curvos que pareciam suspensos no ar. Estas formas
flutuantes orientavam os fluxs, encorajavam a livre associação de pesso-
as, ofereciam contato com a vegetação viçosa e proteção contra o sol e a
chuva aos estudantes transeuntes. (CURTIS, 2008, p.502)
Explor

Cidade Universitária, Carlos Raúl Villanueva, Caracas, Venezuela, 1950-59: http://bit.ly/2BJrN0V

Figura 15 – Detalhe da rampa de acesso à Aula Magna.


Cidade Universitária, Carlos Raúl Villanueva, Caracas, Venezuela, 1950-59
Fonte: MoMA

Dentre as edificações no campus universitário, o auditório principal, denomi-


nado Aula Magna, é uma das que se destaca. Tanto Léger com os seus painéis
compondo as áreas sociais e dialogando com a vegetação entre as construções
quanto Calder com os seus painéis acústicos suspensos dentro do auditório ofere-
cem grande contribuição ao audacioso projeto. Neste último caso, arquitetura e arte
se fundem em uma harmonia necessária que configura um caráter único ao espaço
concebido pelo arquiteto em parceria com o artista.

Figura 16 – Aula Magna. Cidade Universitária, Carlos Raúl Villanueva, Caracas, Venezuela, 1950-59
Fonte: Wikimedia Commons

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Explor
Estudo para os painéis de Alexander Calder na Aula Magna. Cidade Universitária, Carlos Raúl
Villanueva, Caracas, Venezuela, 1950-59: http://bit.ly/2WbDjvy
Painéis de Alexander Calder na Aula Magna. Cidade Universitária, Carlos Raúl Villanueva,
Caracas, Venezuela, 1950-59: http://bit.ly/2BKXGX6

No país vizinho, o arquiteto colombiano Rogelio Salmona deixa um legado ím-


par. Nascido em Paris em 1929, a sua família imigra para a Colômbia em 1931
em função dos conflitos gerados pelo período entre as duas Grandes Guerras.
Depois de terem passado pela cidade de Barranquilla, instalam-se definitivamente
em Bogotá. Na maioridade, Salmona ingressa na Faculdade de Arquitetura da Uni-
versidade da Colômbia em 1945, onde tem aula com um ex-aluno da Bauhaus, o
alemão Leopoldo Rother, que tornaria um dos grandes mestres de Salmona.
Além da formação, outro episódio fundamental para a imersão de Salmona na
arquitetura é o contato que ele tem com Le Corbusier no ano de 1947. O arquite-
to franco-suíço visita Bogotá para a realização de um Plano Piloto para a cidade
e Salmona assume o papel de tradutor do arquiteto. O interesse de Le Corbusier
no jovem estudante de arquitetura é tamanho que, entre 1948 e 1954, Salmona
trabalha para o mestre da modernidade em seu ateliê à Rue de Sèvres na capital
francesa. Lá, acumula profundas experiências ao participar dos Planos Pilotos de
Bogotá e de Chandigarh, na Índia.
Ao retornar a Bogotá em 1957, Salmona conclui o último semestre do curso
numa condição de plena transformação em que as antigas quadras tradicionais
começam a ceder espaço para grandes avenidas para comportar os automóveis
que se multiplicam, bem como os edifícios dotados de uma linguagem internacional
disputam lugar com construções periféricas de características locais.
De maneira sagaz, Salmona incorpora uma linguagem tipicamente local e adap-
ta as premissas da modernidade no território caribenho. Essa postura pode ser
vislumbrada já nos seus primeiros esboços na década de 1950 em que começa a
explorar algumas estratégias de projetos que irão delinear a sua carreira nas próxi-
mas décadas.
Num momento de plena maturidade, Salmona projeta o Centro Cultural Univer-
sitário Rogelio Salmona para a Universidade de Caldas. Iniciado em 2003, o com-
plexo é composto por um grande teatro que serve a toda a cidade de Manizales,
biblioteca, conservatório, galeria de arte, sala de exposições, café e outros serviços.
Esse projeto pode ser compreendido na terceira fase (anos 1990 e 2000) do
arquiteto em que “as estratégias amplamente experimentadas no período anterior
(1970-1980) se consolidam e são difundidas em projetos bem variados” (OSSANI,
2017, p. 61). Nesse sentido, o pátio é utilizado como um organizador do espaço em
que todo o programa se desenvolve a partir dele e se adequa na parte mais plana
de uma região de topografia íngreme. O pátio se torna um elemento fundamental
para o projeto. Além de articulador do programa de necessidades, admite a função
de ponto de encontro.

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UNIDADE A Modernidade na América Latina

Figura 17 – Centro Cultural Universitário Figura 18 – Vista do pátio. Centro Cultural


da Universidade de Caldas Universitário da Universidade de Caldas
Fonte: Archdaily Fonte: Archdaily

Figura 19 – Vista do pátio. Centro Cultural Universitário da


Universidade de Caldas Rogelio Salmona, Manizales, Colômbia, 2003
Fonte: Archdaily

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Não obstante, ao considerar a região de topografia acidentada, o arquiteto ex-
plora as aberturas com a intenção de enquadrar a paisagem externa. Evidentemen-
te que as aberturas não permitem apenas o contato do interior com o exterior, mas
a presença do exterior nos ambientes internos através da luz natural é essencial
para a composição volumétrica do projeto.

A seguir confira série de imagens do Centro Cultural Universitário da Universi-


dade de Caldas, de Rogelio Salmona, Manizales, Colômbia, 2003:

Figura 20 Figura 21 – Relação do interior com


Fonte: Wikimedia Commons enquadramento da paisagem
Fonte: Archdaily

Figura 22 – Detalhe da iluminação Figura 23 – Detalhe da iluminação


zenital no grande átrio zenital no grande átrio
Fonte: Archdaily Fonte: Archdaily

Salmona desenvolve uma pesquisa junto às empresas de tijolos e concreto da


região com a finalidade de buscar cores mais quentes desses materiais, posto que
são predominantes no projeto. Como em outras obras ao longo de sua carreira,
Salmona explora a textura do tijolo como elemento essencial para a concepção
tectônica de seus edifícios. O resultado é um conjunto de arquiteturas arrojadas e
em consonância com a paisagem onde estão inseridas.

Leia o artigo Torres del Parque: A apropriação do lugar na obra de Rogelio Salmona, Taís
Explor

Ossani e conheça mais uma obra de Salmona em que o arquiteto explora a materialidade do
tijolo e a relação do ambiente construído com a paisagem local.
Disponível em: http://bit.ly/349R5S5

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UNIDADE A Modernidade na América Latina

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Em foco: Luis Barragan, Begoña Uribe
http://bit.ly/2JnsEsC
Clássicos da Arquitetura: Casa Luis Barragán / Luis Barragán
http://bit.ly/31NsvF4
Há algo de excepcional... Uma compreensão alternativa da modernidade brasileira, Marcio Cotrim
http://bit.ly/2Nbr3al
Clássicos da Arquitetura: Casa das Canoas / Oscar Niemeyer
http://bit.ly/2BLuUFy
Clássicos da Arquitetura: Casa sobre o arroio / Amancio Williams
http://bit.ly/2MM5jCG
O aparelhamento de tijolos da Igreja Cristo Obrero de Eladio Dieste, sob as lentes de Gonzalo Viramonte
http://bit.ly/2WfPlEb
Centro Cultural Universitário Rogelio Salmona, da Universidade de Caldas (Primeira Etapa) / Rogelio Salmona
http://bit.ly/2WiDup0
Villanueva. Modernidad y trópico
http://bit.ly/2p2tqnT
Rogelio Salmona (1)
http://bit.ly/368fNUQ
Ciudad Universitaria de Caracas: la construcción de una utopía moderna (1)
http://bit.ly/341NgOQ
O cenário como pretexto
http://bit.ly/3671nUU
Bogotá: Torres del Parque
http://bit.ly/2omZ92I

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Referências
COHEN, J. L. O futuro da arquitetura desde 1889: uma história mundial. São
Paulo: Cosac Naify, 2013.

CURTIS, W. J. R. Arquitetura Moderna desde 1900. Porto Alegre: Bookman, 2008.

FRAMPTON, K. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins


Fontes, 2003.

OSSANI, T. C. Rogelio Salmona: a espessura heterogênea de uma superfície


uniforme. 2017. (Dissertação) Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.

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