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Filosofia

Material Teórico
Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Aspectos da Filosofia
Contemporânea do Século XIX

• Introdução
• Quadro Histórico
• Características do Pensamento do Século XIX
• O Nascimento das Ciências Humanas
• O Positivismo de Comte
• O Idealismo de Hegel
• O Materialismo de Marx

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Tratar do tema “Filosofia Contemporânea do século XIX”.
· Perceber que a Filosofia se entrelaça com a Ciência, passando de sua
aliada à sua crítica.
· Analisar o lugar habitado pela Filosofia Contemporânea e perceber
que ela ainda é a nossa Filosofia.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
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Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Introdução
A Filosofia Contemporânea do século XIX é uma Filosofia que se entrelaça
com as teorias científicas e com o desenvolvimento das Ciências em geral. Então,
podemos dizer que a Ciência adquiriu um significado filosófico.

Muitas vezes, a Filosofia exaltou exageradamente a Ciência, procurando adequar


os seus princípios e métodos à ela. Só que Filosofia não é Ciência. No século XX,
vimos muitos horrores causados pelo desenvolvimento científico, como a bomba
atômica, as armas químicas e bacteriológicas, a destruição ecológica etc. A Filosofia
torna-se, desse modo, crítica da Ciência.

O lugar habitado por essa Filosofia Contemporânea é o mundo industrial, em


que se tornam cada vez mais evidentes as conquistas científicas. A microbiologia,
por exemplo, debelou as doenças infecciosas e se ampliaram as aplicações da
eletricidade, do telefone, do rádio, do radar etc.

Podemos ver, portanto, que essa Filosofia ainda é a nossa.

Quadro Histórico
O Capitalismo já era uma realidade no século XIX. Na segunda metade do
século XVIII, ocorreu a “Era das revoluções” burguesas. A partir de 1760, ocor-
reu na Inglaterra a 1ª. Revolução Industrial, que transformou radicalmente o
modo de produzir as mercadorias, criou as fábricas e também o proletariado
moderno (operário).
Com a Revolução Francesa de 1789, a burguesia tomou o poder e criou um
mundo à sua imagem e semelhança, proclamando aos quatro cantos do mundo o
seu lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”. A Revolução Francesa inaugura um novo período histórico
chamado História Contemporânea, que se estende até os dias atuais.
As principais características desse período, segundo Arruda (1974) são:
• Industrialização da Europa;
• Crescimento das cidades (urbanização);
• Importância crescente da Ciência para a sociedade e para o pensamento;
• Expansão do trabalho assalariado;
• Lutas econômicas e políticas entre a burguesia e o proletariado;
• Nascimento da ideologia socialista, que se opõe à sociedade capitalista;
• Grande imigração de europeus para a América.

É nesse contexto histórico que vai surgir e se desenvolver a Filosofia Contempo-


rânea do século XIX.

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Características do Pensamento
do Século XIX
O elemento mais importante e que condicionou o pensamento e a Filosofia do
século XIX foi o desenvolvimento das Ciências. Para demonstrar a sua eficácia,
a Ciência e a Técnica tornam-se aliadas e provocaram grandes transformações
na sociedade.

A exaltação desse novo saber levou à ideologia do Cientificismo, segundo o


qual a Ciência é considerada o único conhecimento verdadeiro e o método das
Ciências Naturais o único válido, devendo ser estendido a todos os campos do
pensamento e da atividade humana. O Cientificismo procurou também romper
com as explicações abstratas e metafísicas dos fenômenos e tinha a convicção
de que a Ciência e a técnica poderiam resolver os problemas da humanidade
(ARANHA; MARTINS, 2007). A principal corrente cientificista foi o positivismo
de Auguste Comte (ver a seguir). Essa postura vai ser criticada no século XX com
o desenvolvimento das Ciências Humanas.

O progresso da Ciência não se faz de maneira linear. O avanço se faz pela


descoberta de novos problemas e de novas maneiras de solucionar os antigos. A
astronomia, por exemplo, permaneceu basicamente newtoniana.

O século XIX foi o ponto de partida radical em alguns campos do pensamento,


como na Matemática; do despertar de Ciências até então pouco desenvolvidas,
como a Química; da criação de novas Ciências, como a Geologia e de desen-
volvimento de ideias revolucionárias nos campos da Sociologia e da Biologia
(HOBSBAWM, 1979).

As transformações provocadas pelo desenvolvimento das Ciências começaram


a destruir a compreensão do universo como uma máquina (Descartes), uma sólida
construção teórica baseada na estrutura de causa e efeito ligando os fenômenos
(HOBSBAWM, 1988). Esse modelo mecânico de Universo começou a ruir no final
do século XIX.

Com o desenvolvimento de uma nova imagem do Universo, cada vez mais é


necessário descartar a intuição e o bom senso como fundamentos da Ciência. De
certa forma, a natureza tornou-se menos natural e mais incompreensível.
“O silêncio desses espaços infinitos me apavora”. PASCAL, Blaise.
Pensamentos. Aforismo 206. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 95.
(Coleção Os Pensadores).

O processo de separação entre a Ciência e a intuição pode ser ilustrado por


meio da Matemática. Na Geometria, apareceram novas formas de fenômenos com
o desenvolvimento da geometria não euclidiana (Lobachewski e Riemann) que deu
um golpe na intuição e a sua pretensão de fundamentar axiomas e postulados.

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Uma solução começou a ser adotada, que era libertar a Matemática de qualquer
ligação com o mundo real e transformá-la na elaboração de postulados, que
deveriam ser definidos de modo preciso e obrigados a não ser contraditórios entre
si (HOBSBAWM, 1988). Essa separação entre Ciência e intuição vai se agravar
com a Física relativista de Einstein, no século XX.

O Nascimento das Ciências Humanas


No século XIX, o homem (objeto de conhecimento quase exclusivo da Filosofia)
tornou-se objeto da Ciência. Surgiram, então, as Ciências Humanas: a Sociolo-
gia, a Psicologia e a Antropologia. As razões do desenvolvimento de explicações
científicas para a atividade humana estavam em parte nos problemas sociais que
a sociedade europeia enfrentava, trazidos pela industrialização, pela urbanização
e pela expansão imperialista no mundo. Tais razões estavam também na grande
aceitação do pensamento científico no mundo ocidental. Se a Ciência tinha grande
credibilidade, por que não utilizá-la para o conheci­mento do homem? O resultado
foi um desenvolvimento extraordinário dessas Ciências, de seus métodos e de suas
teorias (COSTA, 1998).

Dificuldades no Estabelecimento do Método das


Ciências Humanas
Enquanto as Ciências da Natureza têm como objeto algo que é externo ao
indivíduo que conhece, as Ciências Humanas têm como objeto o próprio sujeito
cognoscente. Assim, podemos supor as grandes dificuldades encontradas pela
Sociologia, Psicologia e Antropologia para estudar com imparcialidade aquilo que
diz respeito ao próprio sujeito (ARANHA & MARTINS, 2007).

Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelas Ciências Humanas para


estabelecer o seu método:

1) A complexidade inerente aos fenômenos humanos1 (psíquicos, sociais ou


econômicos), que resistem às tentativas de simplificação; 2) Outra dificuldade da
metodologia das Ciências Humanas encontra-se na experimentação2. Não que
isso seja impossível, mas é difícil identificar e controlar os diversos aspectos que
influenciam os atos humanos; 3) Outra questão refere-se à matematização3. Após
o nascimento da Física de Galileu, supunha-se que a Ciência seria mais rigorosa
quanto mais fosse matematizável. Esse ideal é problemático com relação às
Ciências Humanas, cujos fenômenos são essencialmente qualitativos; 4) Temos,

1 Principalmente se considerarmos que o comportamento humano depende de múltiplas variáveis, tais como:
hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória, bem como da ação da consciência e da vontade.
2 Há de se considerar que na experimentação pode ocorrer o falseamento dos resultados.
3 Há de se considerar que quando é possível aplicar a Matemática, são utilizadas técnicas estatísticas, com resultados
sempre aproximativos e sujeitos a interpretação.

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ainda, a dificuldade decorrente da subjetividade. As Ciências da Natureza aspiram
à objetividade, que consiste na separação radical entre o sujeito e o objeto no
processo de conhecimento; na capacidade de lançar hipóteses testáveis por todos e
no não envolvimento emocional e intelectual do cientista com o seu objeto. Mas, se
o sujeito que conhece é da mesma natureza do objeto conhecido, parece ser muito
difícil evitar a subjetividade; 5) Finalmente, se as leis das Ciências da Natureza
supõem o determinismo (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos), como
fica a questão da liberdade humana? Por haver regularidades na natureza é possível
estabelecer leis e por meio delas prever a incidência de um acontecimento. Como
isso seria possível nas Ciências Humanas se admitirmos a existência da liberdade
humana? (ARANHA & MARTINS, 2007).

O Positivismo de Comte
No ambiente cientificista da Europa do século XIX, desenvolve-se o Positivismo,
cujo principal representante foi o pensador francês Auguste Comte (1798-1857).

O Positivismo representou um amplo movimento do pensamento que dominou


grande parte da cultura europeia (em suas manifestações filosóficas, políticas,
pedagógicas e literárias), de 1840 até as vésperas da Primeira Guerra Mundial
(REALE & ANTISERI, 2003).

Nessa época, a Europa transformou-se rapidamente numa sociedade industrial e


foram muitos os efeitos dessa revolução sobre a vida social: o emprego das desco-
bertas científicas transformou o modo econômico de produção; as grandes cidades
se multiplicaram; rompeu-se o antigo equilíbrio entre a cidade e o campo; aumen-
tou a produção e a riqueza; a Medicina dominou as doenças infecciosas. Houve
muito entusiasmo em torno da ideia de progresso humano e social, já que, de agora
em diante, possuíam-se os instrumentos para a solução de todos os problemas.
Para o pensamento da época, esses instrumentos eram a Ciência e suas aplicações
na indústria, o livre comércio e a educação (REALE & ANTISERI, 2003).

O processo de industrialização e o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia


constituem as bases do meio sociocultural que o Positivismo interpreta e exalta.
É bem verdade que os grandes problemas da sociedade industrial vão logo surgir
– desequilíbrios sociais, lutas pela conquista de mercados, condição de miséria do
proletariado, exploração do trabalho do menor etc. O positivismo não ignorava
esses problemas, mas pensava que eles logo desapareceriam com o crescimento do
saber, da educação popular e da riqueza (REALE & ANTISERI, 2003).

Segundo Giovanni Reale e Dario Antiseri, o Positivismo apresenta alguns traços


comuns que nos permitem a sua identificação como movimento de pensamento:
1. O Positivismo defende a supremacia da Ciência: nós conhecemos
somente aquilo que as Ciências nos dão a conhecer, pois o único método
de conhecimento é o das Ciências Naturais. Assim sendo, desconsideram-

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

se todas as outras formas do conhecimento humano que não possam ser


comprovadas cientificamente. Tudo aquilo que não puder ser provado pela
Ciência é considerado como pertencente ao domínio teológico-metafísico.;
2. O método das Ciências naturais (identificação das leis de causa e efeito)
não vale somente para o es­tudo da natureza, mas também para o estudo
da sociedade;
3. O Positivismo não apenas afirma a unidade do método científico e a supe-
rioridade desse método para o conhecimento, mas também coloca a Ciên-
cia como o único instrumento em condições de resolver todos os proble-
mas humanos e sociais que até então haviam atormentado a humanidade;
4. O Positivismo é uma Filosofia otimista que nasce da crença no progresso
humano e social, rumo ao bem estar generalizado em uma sociedade
pacífica e solidária;
5. A positividade da Ciência leva o Positivismo a combater as concepções
idealistas e espiritualistas da realidade, concepções que os positivistas
rotulavam como metafísicas (2003).

A Lei dos Três Estados


Comte diz na sua obra Curso de Filosofia positiva (1830-1842): “Estudando
o desenvolvimento da inteligência humana (...) creio ter des­coberto uma grande
lei fundamental (...). Essa lei consiste no seguinte: cada uma das nossas principais
concepções e cada ramo dos nossos conheci­mentos passam, necessariamente, por
três estágios teóricos diferentes, o estado teológico ou fictício, o estado metafísico
ou abstrato e o estado positivo ou científico” (Apud REALE & ANTISERI, 2003,
p. 299). Além disso, a lei dos três estados é uma Filosofia da História que se
apresenta como o esquema de evolução de toda a humanidade.

No estado teológico, os fenômenos são vistos como produtos da ação direta


de seres ou forças sobrenaturais (fetichismo, politeísmo, monoteísmo); no estado
metafísico, são explicados em função de essências, ideias ou forças abstratas;
finalmente, no estado positivo ou científico, as ilusões são superadas pelo
conhecimento das leis invariáveis que regem os fenômenos (REALE & ANTISERI,
2003). Para Comte, o estado positivo corres­ ponde à maturidade do espírito
humano e da humanidade.

Em comunidades tribais, por exem­plo, a queda dos corpos é atribuída à ação dos
deuses. O metafísico Aristóteles explica a queda pela es­sência dos corpos pesados,
cuja natureza os faz tender para baixo. Galileu, espírito positivo, não indaga o
porquê, não procura as causas, mas se contenta em descrever como o fenômeno
ocorre. Se­gundo Comte, “todos os bons espíritos repetem, desde Bacon, que
somente são reais os conheci­mentos que repousam sobre fatos observados” (Apud
ARANHA & MARTINS, 2007, p. 140).

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A Sociologia
Comte achava que a Europa do século XIX já estava no estágio positivo. Os
métodos teológicos e metafísicos não eram mais empregados por ninguém na
área da Ciência, exceto no campo dos fenômenos sociais. Por isso, ele dizia que
a Filosofia positiva deveria submeter a sociedade à rigorosa pesquisa científica
(REALE & ANTISERI, 2003). Comte inventou a palavra Sociologia.

Para Comte, não se podem resolver crises sociais e políticas sem o devido
conhecimento dos fatos sociais e políticos. E é por essa razão que ele vê como
tarefa urgente o desenvolvimento do que ele chamou de Física Social Para o autor,
a Sociologia é pensada de maneira semelhante às outras Ciências, como uma
Ciência de observação, e recebe a denominação de Física Social, justamente por
lidar com fatos que têm origem no mundo social.

A Ciência para Comte tem como objetivo a pesquisa das leis invariáveis
dos fenômenos. O conhecimento dessas leis é necessário para prever e a
previsão é necessária para orientar a ação do homem sobre a realidade (REALE
& ANTISERI, 2003).

Para passar de uma sociedade em crise para a ordem social, há necessidade do


conhecimento. Esse conhecimento é feito de leis elaboradas com base nos fatos.
Desse modo, é preciso encontrar as leis da sociedade se quisermos resolver suas
crises. Diz Comte: “É na previsibilidade racional do desenvolvimento futuro da
convivência social que se pode resumir o espírito fundamental da política positiva”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 301).

Comte, divide a Sociologia em estática social e dinâmica social4. A estática


social estuda as condições de existência comuns a todas as sociedades em todos os
tempos, a família, a divisão do trabalho etc. Ele também chama a estática de ordem.
Por seu turno, a dinâmica social consiste no estudo das leis de desenvolvimento
da sociedade. Ele chama a dinâmica de progresso e sua lei fundamental é a dos
três estados. O estado teológico é o da supremacia do poder militar (é o caso do
Feudalismo, por exemplo); o estado metafísico começa com a Reforma Protestante
e termina com a Revolução Francesa; o estado positivo corresponde à sociedade
industrial (REALE & ANTISERI, 2003). O positivismo teve grande influência
também no Brasil, inspirando vários pensadores. Uma prova contundente desta
influência são As palavras ordem e progresso expostas na bandeira nacional,
inegavelmente de inspiração positivista.

4 Nas palavras de um de seus admiradores ilustres, John Stuart Mill, “Enquanto as leis derivadas da Estática Social são
estabelecidas pela análise e comparação dos diferentes estados de sociedade sem levar em conta a ordem de sua
sucessão, a consideração dessa ordem é, ao contrário, predominante no estudo da dinâmica social, cujo propósito é
observar e explicar as seqüências dos estados sociais.” MILL, John Stuart. A Lógica das Ciências morais. Tradução
de Alexandre Braga Massella. São Paulo: Iluminuras, 1999.

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

A Religião da Humanidade
Em sua última grande obra, o Sistema de política posi­ tiva (1851-1854),
o objetivo de Comte de regenerar a sociedade com base no conhecimento das
leis sociais assume a forma de religião, na qual Deus é substituído pelo amor à
Humanidade. A Humanidade é o ser que transcende os indivíduos. Ela é composta
por todos os indivíduos vivos, pelos mortos e pelos que ainda não nasceram (REALE
& ANTISERI, 2003).

Comte sustenta que a religião da Humanidade deve ser uma cópia da estrutura
religiosa católica. São dois os dogmas da nova religião: a Filosofia positiva e as leis
científicas. Os ritos, os sacramentos, o calendário e o sacerdócio são necessários
para a divulgação da nova religião. Há um batismo secular, uma crisma secular
e uma extrema-unção secular. O anjo da guarda da religião da Humanidade é a
mulher (isso se deve à idealização de Comte de sua amada Clotilde de Vaux). Os
meses terão nomes significativos na religião positiva (por exemplo, Prometeu) e os
dias da semana serão consagrados a cada uma das sete Ciências. Serão construídas
templos laicos (institutos científicos). Um papa posi­tivo exercerá a sua autoridade
sobre os membros da religião que irão se ocupar do desenvolvimento das indústrias
e da utilização prática das descobertas científicas. Na sociedade positiva, os jovens
serão submetidos aos anciãos e o divórcio será proibido. A mulher torna-­se a
protetora e fonte da vida sentimental da Humanidade. A Humanidade é o “Grande
Ser”; o espaço o Grande Ambiente e a terra o Grande Fetiche. Essa é a trindade
da religião positiva (REALE & ANTISERI, 2003). Foram criadas várias igrejas
positivistas no mundo todo.

Figura 1
Fonte: Wikimedia/Commons

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O Idealismo de Hegel
O alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi o principal represen-
tante do idealismo moderno.

O ponto de partida para entender Hegel é a sua afirmação de que a realidade


não é substância (coisa), mas sim sujeito, ou seja, pensamento, espírito. Ele afirma
isso no seu livro Fenomenologia do espírito: “segundo o meu modo de ver (...)
tudo depende de entender e expressar o verdadeiro não como ‘substância’, mas sim
de entender e expressar o verdadeiro como ‘Sujeito’” (Apud REALE & ANTISERI,
2003, p. 101). Por isso Hegel é considerado um filósofo idealista. Dizer que a
realidade não é substância e sim sujeito e espírito, significa dizer que é atividade,
que é processo, que é movimento.

A Dialética Idealista
Dialética, substantivo feminino. Em sentido bastante genérico, oposição, conflito
originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos. A
ideia central da dialética é que a realidade é movimento. Tudo o que existe contém
em si mesmo o princípio da sua destruição e posterior transformação em algo
diferente. Para Hegel, a dialética é uma lei que caracteriza a realidade como um
movimento incessante e contraditório, que pode ser expresso por três momentos
sucessivos (tese, antítese e síntese) que se manifestam simultaneamente em todos
os pensamentos humanos e em todos os fenômenos do mundo material.

Como ponto de partida da dialética, Hegel encontra a Ideia pura (tese). Esta,
para se desenvolver, cria um objeto oposto a si, a Natureza (antítese), que é a
Ideia alienada, o mundo desprovido de consciência. Da luta desses dois princípios
opostos nasce a síntese, o Espírito, ao mesmo tempo pensamento e matéria,
isto é, a Ideia que toma consciência de si por meio da Natureza. (ARANHA &
MARTINS, 2007).

Hegel destaca que a dialética não é privilégio do pensamento filosófico, mas


está presente em toda realidade: “Ora, por mais que o intelecto comumente solicite
a dialética, não se deve pensar de modo algum que a dialética seja algo presente
somente na consciência filosófica: ao contrário, o procedimento dialético pode se
encontrar em toda outra forma de consciência e na experiência geral. Tudo aquilo
que nos circunda pode ser pensado como exemplo da dialética” (Apud REALE
& ANTISERI, 2003, p. 108). Por exemplo, a semente deve transformar-se no seu
oposto para tornar-se uma árvore, ou seja, deve “morrer” como semente.

Ao explicar o movimento gerador da realidade, Hegel desenvolve uma dialética


idealista. No sistema hegeliano, a razão não é um modelo a ser seguido, mas é a
própria estrutura da realidade e do pensamento. Na Filosofia do Direito, Hegel
escreveu: “Tudo o que é real é racional e tudo o que é racional é real” (Apud
REALE & ANTISERI, 2003, p. 104).

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Na Filosofia posterior a Hegel, desenvolveu-se a ideia de que a razão é histórica


e se transforma a partir dos conflitos e contradições sociais. Algumas vezes, os
pensadores reafirmam o caráter determinante da razão e reforçam o idea­lismo;
outras vezes, criticam esse idealismo e enfatizam as contradições sociais e políticas
como determinantes do processo que provoca a mudança da própria razão
(ARANHA & MARTINS, 2007).

O Materialismo de Marx
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os criadores
de uma teoria da História, o materialismo histórico, e de uma Filosofia, o mate-
rialismo dialético. Marx foi um dos pensadores que mais influenciou o século XX
com a sua doutrina comunista e que foi adotada por vários países como Rússia,
China, Cuba etc.

O Materialismo Dialético
Para o materialismo dialético, o mundo material é anterior à consciência, ao
pensamento. A maté­ria é a origem da consciência e a consciência é um produto
da matéria. O movimento é a propriedade fundamental da matéria e exis­ te
independentemente da consciência humana. É uma visão oposta ao idealismo
(ARANHA & MARTINS, 2007). Marx defende que seu método não se assemelha
ao de Hegel, argumenta o seguinte:
“Meu método dialético não só é fundamentalmente diverso do método de
Hegel, mas é, em tudo e por tudo, o seu reverso. Para Hegel o processo
do pensamento que ele converte inclusive em sujeito com vida própria,
sob o nome de ideia, é o demiurgo (criador) do real e esse, a simples
forma externa em que toma corpo. Para mim, o ideal, ao contrário, não é
mais do que o material, traduzido e transposto para a cabeça do homem”
(Karl Marx, palavras finais da 2. ed. t. I de O Capital).
Online: <https://goo.gl/HTT1Yv>.

O mundo não é uma realidade estática e sim uma realidade dinâmica de


elementos que se interagem. O movimento dialético se faz pela contradição entre
elementos opostos que vai resultar na criação de um novo elemento. A consciência
humana, mesmo condicionada pela maté­ ria e pela História, não é passiva: o
conhecimento da realidade material possibilita a liberdade da ação humana sobre o
mun­do (ARANHA & MARTINS, 2007).

O Materialismo Histórico
Marx escreveu no Prefácio de Para uma crítica da economia política, que o
materialismo histórico parte da tese segundo a qual “não é a consciência dos homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua

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consciência” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 104). Isso o leva a estabelecer
a relação entre estrutura material da sociedade (economia) e o que ele chama de
superestrutura (as ideias morais, filosóficas, religiosas, o Estado e a política).
Marx diz que as diversas formas de consciência são condicionadas ou justificativas
da estrutura econômica da sociedade, de modo que, se muda a estrutura econômica,
haverá transformação correspondente na superestrutura ideológica. A história
humana pode ser dividida em períodos relativamente longos de acordo com a
estrutura do modo de produção: Comunismo Primitivo; Modo de produção asiático;
Escravidão Clássica; Feudalismo; Capitalismo e cada uma delas corresponde a uma
superestrutura diferente (REALE & ANTISERI, 2003).
Em A ideologia alemã, pode-se ler: “a produção das ideias, das representações,
da consciência (...) está diretamente entrelaçada à atividade material e às relações
materiais dos homens” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 194). Os homens
podem se diferenciar dos animais pela religião, pela consciência ou pelo que se
quiser, mas eles começaram a se distinguir dos animais quando começaram a
produzir os seus meios de subsistência. E aquilo que os indivíduos são depende
das condições materiais da produção econômica. A essência do homem, portanto,
está em sua atividade produtiva.
O materialismo histórico é a aplicação do materialismo dialético ao campo
da história, é a explicação da história por fatores materiais (econômicos
e técnicos). O senso comum procura explicar a história pela ação dos grandes
personagens (heróis), das grandes ideias e até pela intervenção divina. Marx inverte
esse processo: no lugar das ideias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a
luta de classes. Não nega, com isso, que o ser humano tenha ideias, mas as explica
pela estrutura material da sociedade (REALE & ANTISERI, 2003).

A Luta de Classes
No Manifesto do partido comunista, Marx e Engels escrevem: “A história
de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes. [Homem] livre e
escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação
[Zunftbürger] e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante
oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta,
uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a
sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.”. O motor da história para
Marx é, portanto, a luta de classes. Opressores e oprimidos é o que Marx vê no
desenvolvimento da História humana. E a nossa época, a época do Capitalismo,
não eliminou a luta de classes, pelo contrário, simplificou, visto que toda a sociedade
vai se dividindo cada vez mais em dois grandes campos adversários: a burguesia e
o proletariado.
Por burguesia, Marx entende a classe dos capitalistas modernos, proprietários
dos meios de produção e empregadores de assalariados. Por proletariado, ele
entende a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios de produção
próprios, são obrigados a vender sua força de trabalho para viver (REALE &
ANTISERI, 2003).

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Para Marx, “a burguesia não apenas fabricou as armas que a levarão à morte,
mas também gerou os homens que empunharão aquelas armas: os operários
modernos, os proletários” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 199). Em lugar
de operários isolados e em concorrência, o desenvolvimento da grande indústria
cria organizações de operários conscientes de sua própria força. A burguesia,
portanto, produz os seus coveiros, a sua decadência e a vitória do proletariado são
processos inevitáveis.

O Comunismo
O Feudalismo produziu a burguesia. E a burguesia, em seu desenvolvimento,
produz o agente histórico que a levará à morte, isto é, o proletariado. Marx diz que,
fatalmente, a produção capitalista vai gerar a sua própria negação e, assim, teremos
a passagem da sociedade capitalista para o Comunismo, uma sociedade sem
propriedade privada e, portanto, sem classes, sem divisão do trabalho, sem
alienação e, sobretudo, sem Estado (REALE & ANTISERI, 2003).
Explor

Garotos Podres, A Internacional: https://youtu.be/vYHSHY0r1is

Marx não chega a desenvolver uma teoria


completa de como será a nova sociedade
comunista, só diz que será por etapas. No
início, ainda haverá certa desi­gualdade entre
os homens. Mas depois, quando desa­parecer
a divisão entre trabalho manual e trabalho
intelectual e quando o trabalho for uma
necessidade social e não meio de vida dos
indivíduos, então, a nova sociedade “poderá
inscrever sua bandeira: de cada qual segundo
a sua capacidade, a cada qual segundo as suas
necessidades” (Apud REALE & ANTISERI,
2003, p. 202), escreve Marx na Crítica ao
programa de Gotha.

A realização dessas medidas deveria ser a


fase intermediá­ria da transição da sociedade
burguesa para a sociedade comu­nista. Depois
haveria o “salto para a liberdade”: então, “à Figura 2
Fonte: Wikimedia/commons
velha sociedade burguesa, com suas classes e
antagonismos entre as classes, sucede uma associação em que o livre desenvol­
vimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos” (Apud
REALE & ANTISERI, 2003, p. 203).

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Karl Marx (1/3) - Clássicos da Sociologia
https://youtu.be/89LD2a1n8vA
Karl Marx (2/3) - Clássicos da Sociologia
https://youtu.be/JryegAZEi70
Karl Marx (3/3) - Clássicos da Sociologia do professor Cássio Diniz
https://youtu.be/yw08F6QVKMg

Leitura
A Ideologia Alemã
https://goo.gl/cuQFiP
Manifesto do Partido Comunista
https://goo.gl/2P4dJ3
Prefácio da Fenonemologia do Espírito
https://goo.gl/uBRw9z
Discurso Preliminar sobre o Espírito Positivo
https://goo.gl/q5jxjd

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à Filosofia, 3.ed. rev. São Paulo: Moderna, 2007.

ARRUDA, José Jobson de A. História Moderna e Contemporânea. São Paulo:


Ática, 1974.

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à Ciência da sociedade. 2.ed. São Paulo:


Moderna, 1998.

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1948), 2.ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1979.

______. A era dos impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até


nossos dias. 6.ed. São Paulo: Paulus, 2003, vol. 3.

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