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Semiótica

Material Teórico
Crítica de Imagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Bruno Fischer Dimarch

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Crítica de Imagem

• Introdução;
• Gutenberg e Benjamim;
• Segunda Realidade;
• As Imagens Vivem mais que os Humanos;
• A Presença de uma Ausência;
• Uma História da Imagem;
• A Era da Iconofagia;
• Mídia e Pânico.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer a Semiótica da Cultura e da Mídia sob as óticas alemã e brasileira;
• Fundamentar os conceitos de imagem, segunda realidade e iconofagia;
• Compreender o processo iconofágico;
• Identificar contribuições da crítica de imagem para a produção fotográfica.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Crítica de Imagem

Introdução
O ciclo de estudos de Semiótica para o curso de Fotografia se encerra nesta uni-
dade. O percurso que traçamos procurou trazer em linhas muito gerais conceitos
das principais referências dessa nova ciência. Ressaltamos o caráter introdutório
deste estudo, pois a Semiótica tem crescido muito e ocupado cada vez mais espaço
nas universidades e pesquisas acadêmicas.

Apresentaremos agora uma linha que muito se conecta ao estudo da fotografia,


a crítica de imagem. Ela se desenvolve no âmbito da Semiótica da Cultura, mas
com foco na Alemanha (Ivan Bystrina) e no Brasil (Norval Baitello Jr.); também se
desdobra na Semiótica da Mídia (da qual destacamos Harry Pross, lá, e Malena
Segura Contrera, aqui).

Os pensadores dessa vertente privilegiam o ensaio, o pensamento que se es-


trutura mais livre e poético. Essa forma de pensar se faz atitude política, postura
crítica e rebelde, esquivando-se das amarras da norma.

Gutenberg e Benjamim
Os registros de grande parte de nossa história provêm de documentos únicos ou
escassos. Certas informações foram registradas em apenas um suporte. A criação
de cópias era um processo trabalhoso e por isso não era algo regular no mundo
pré-moderno.

A igreja católica, por exemplo, precisou de monges copistas, que dedicavam


suas vidas à cópia das escrituras, garantindo sua preservação e propagação.

Então, Johannes Gutenberg (c.1400-1468) desenvolve uma máquina capaz de


imprimir páginas de texto (não a primeira, mas a mais definitiva para a revolução da
imprensa). Ele faz cópias de imagens de santos e da Bíblia em volume e velocidade
muito superiores do que os monges copistas mais dedicados pudessem vislumbrar.
É o início do processo de produção de massa, da possibilidade de reprodução por
meio de máquinas, é o início da era da reprodutibilidade técnica.

O termo foi cunhado por Walter Benjamim (1892-1940) na obra “A obra de arte
na era de sua reprodutibilidade técnica” (BENJAMIM, 2018), escrita na década de
1930, e marca o início de uma nova era. Benjamim percebeu que a circulação de
informações (e signos dos mais variados tipos) era completamente diferente de toda
história humana pregressa. O público com o qual as imagens reproduzidas tecnica-
mente estabeleciam relação era a massa, ou seja, um público geral não homogêneo
– veja mais em Miguel, (2018), nos Materiais Complementares.

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Após Gutenberg, projetos de alfabetização da população começam a surgir1.
Assistimos o nascimento do jornal, do mercado editorial, da fotografia, do cinema,
do rádio, da publicidade... uma explosão de novos meios para a comunicação.
A palavra “meio” deriva do latim “medium”, cujo plural é “media”. A língua inglesa
utiliza a palavra “media” para se referir aos meios de comunicação e sua sonoridade
se desdobrará na palavra aportuguesada “mídia”.

A era da reprodutibilidade técnica inaugura também uma nova etapa na história


das imagens caracterizada por um tipo novo que passa a povoar largamente a se-
gunda realidade: a imagem midiática.

Segunda Realidade
A história da imagem é quase tão antiga quanto a cultura humana. Mas, afinal, o
que é “cultura”? A palavra se refere a cultivo, por isso dizemos a cultura da batata,
a cultura do feijão, a rizicultura (do arroz) etc.

Figura 1 – Fotografia de rizicultura feita em terraços na China


Fonte: Getty Images

Para além de garantir suas necessidades básicas de sobrevivência, o ser humano


passa a cultivar algo que não se reporta apenas às necessidades do corpo animal,
e sim do espírito. Ao cultivo do espírito (no sentido filosófico do termo) damos o
nome de cultura.

O corpo, nossa mídia primária, habitante de uma realidade biótica (e abiótica) foi
capaz de criar uma segunda realidade:

1
Destaca-se o movimento de alfabetização organizado na Suécia protestante do século XVII. Apesar do direciona-
mento dos alfabetizadores europeus para a leitura das sagradas escrituras, uma vez aprendendo a arte da leitura, a
população passou a procurar outros textos fora do contexto religioso (BURKE, 2002).

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UNIDADE Crítica de Imagem

Este campo amplo recebe as contribuições e descobertas de cada indiví-


duo, de cada grupo social, de cada época, e as perpetua, transmitindo
as informações de geração a geração, de grupo para grupo, de época a
época. Suas criações têm normas próprias e independentes (e é por esta
razão que ela consegue contrariar até as normas mais rígidas da vida)
constituindo uma “segunda realidade”. Dela fazem parte o vestir, os ges-
tos, as artes, as danças, os rituais, a literatura, os mitos, o morar e suas
formas individuais e sociais, os hábitos (ao comer, ao beber, ao cumpri-
mentar, ao relacionar-se), as religiões, os sistemas políticos e ideológicos,
os jogos e os brinquedos. Assim é que a cultura se organiza como um
complexo sistema comunicativo, portanto semiótico, que coordena todas
estas atividades. (BAITELLO JUNIOR, 1999, p. 20)

Já nos primórdios da segunda realidade emergem as imagens e todo um acervo


semiótico que não apenas têm um caráter funcional2 (como a comunicação e o
culto), mas atende a um profundo anseio humano: sobreviver à morte.

As Imagens Vivem mais que os Humanos


O título deste capítulo parafraseia a afirmação de Harry Pross “os símbolos vivem
mais longamente que os homens” (BAITELLO JUNIOR, 1999, p. 108; BAITELLO
JUNIOR et al., 2006) e aponta para um importante aspecto do estudo crítico da
imagem, em específico, e da segunda realidade, em geral. A vida do corpo humano
é limitada, mas uma imagem desse mesmo corpo pode viver muitíssimo mais, des-
de que exista outro corpo (ponto de partida e chegada na vida das imagens) tenha
contato com ela. A imagem do faraó Tutankamon (c.1.341 a.C. - c. 1.323 a.C.)
possibilita-nos, por exemplo, mais de 3.000 anos após sua morte, vislumbramos a
face do jovem rei da Antiguidade.

Figura 2 – Máscara mortuária do faraó Tutankamon, descoberta


em 1922 e atualmente exposta no Museu Egípcio do Cairo
Fonte: Getty Images

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A religião, por exemplo, nas sociedades arcaicas.

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A Presença de uma Ausência
A palavra “imagem” tem sua origem na palavra latina “imago” e aponta para
a imagem de uma pessoa falecida (imago mortis). Temos nessa relação a ambiva-
lente característica da imagem em ser a presença de uma ausência (e a ausência
de uma presença).

Na imagem, a “coisa real”, física, não está presente, mas representada. É o que
nos mostra René Magritte em sua obra “A traição das imagens” (1929), na qual a
pintura de um cachimbo vem acompanhada da frase “isto não é um cachimbo”.

Por essa razão, as imagens apenas têm vida (enquanto imagens) na segunda reali-
dade, o que levou Aby Warburg (1866-1929) a teorizar sobre a pós-vida (Nachleben,
no original em alemão) das imagens. As ausências presentes em uma imagem
apontam para o arcaico, aos primórdios da cultura, ao mesmo tempo em que se
reporta ao passado, no presente, aponta um futuro (BAITELLO JUNIOR, 2010,
pp. 69-80).

Uma História da Imagem


A história da imagem tem sido contada sob o ponto de vista da arte. Entretanto,
Walter Benjamim, Aby Warburg, Hans Belting e Norval Baitello Jr. propuseram
novas formas de pensá-las. As imagens teriam sua primeira fase como imagens de
culto. Veremos que a imagem arcaica está carregada de uma relação com o sagra-
do, com os deuses, divindades, ao que pertence ao universo mágico ou que, em
analogia, pode ser cultuado.

Figura 3 – Fotografia do Ashmolean Museu, considerado o primeiro


museu público do mundo, inaugurado em 6 de junho de 1683
Fonte: Wikimedia Commons

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UNIDADE Crítica de Imagem

O período do Renascimento é emblemático para pensarmos a nova era da ima-


gem, a era da imagem de exposição, da imagem pensada enquanto belas artes.
Se, no primeiro momento, os ambientes das imagens são as igrejas, templos e lo-
cais de culto, no seguinte, as imagens passam a impelir a estruturação de espaços
para sua exposição: museus, galerias e outros ambientes expositivos.

Com a reprodutibilidade técnica, temos outra era da imagem. O que está em


jogo agora não é mais nem o valor sagrado, nem a aura artística da obra, mas seu
caráter midiático.
As repetidas declarações de morte da arte, desde as vanguardas históri-
cas dos princípios do século XX, nunca fizeram tanto sentido quanto nos
momentos em que elementos, materiais, processos e produtos midiáticos
começaram a ocupar os espaços museológicos e de exposições. Concer-
tos para aparelhos de rádio sintonizados em ondas curtas, instalações
videográficas, montagens, colagens e assemblages a partir de jornais,
revistas, cartazes etc. oferecem a evidência de que a produção de ima-
gens deslocou-se do âmbito artístico para o midiático [...] Comparada
com a produção de imagens artísticas, a quantidade de imagens produ-
zidas pelos media contemporâneos (cinema, jornais e revistas, televisão,
acrescidos de novos potentes meios de conservação e distribuição como
vídeo, CD, DVD, Internet, www, Youtube, blogs e fotologs) talvez so-
mente possa ser designada como oceânica: não é possível nem ao menos
quantificá-la, nem mesmo por estimativa. (BAITELLO JUNIOR, 2010,
pp. 87-88)

Esta ultraproliferação de imagens, única na história humana, está no cerne da


era da imagem midiática. É interessante notar que uma nova era da imagem é uma
camada que se sobrepõe à antiga, sem, contudo, apagá-la. Afinal, na era da ima-
gem de exposição encontrávamos obras pensadas como belas artes, mas também
para o culto. Podemos acessar por meio digital imagens produzidas atualmente
com pensamento artístico-expositivo ou mesmo religioso/cultual.

A Era da Iconofagia
“Como imagens os homens seriam imortais, sem imagens talvez pudessem ser
mortais” (KAMPER, 2002, p. 10).

É preciso refletir em que medida a desenfreada produção e circulação de ima-


gens impacta na sociedade contemporânea. Norval Baitello Junior (2005) descreve
criticamente esta fase histórica das imagens como “era da iconofagia”.

A iconofagia não é um processo exclusivo da modernidade. Uma vez que os


códigos culturais são feitos para perdurar, “imagens desgastadas são devoradas por
novas imagens que as reciclam” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 17). O que ocorre

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é uma mudança de status iconofágico, isto é, da devoração das imagens e pelas
imagens. Com o avanço da reprodutibilidade técnica, mais acentuadamente pela
atual proliferação digital de imagens, passamos a viver em um mundo não apenas
povoado de imagens, mas comandado por elas. As imagens não mais devoram a si
mesmas, mas também os corpos que as geram e nos quais transitam3.

Figura 4 – A ultrapoliferação e circulação de imagens não se dá apenas em aparelhos


digitais, mas também nos ambientes, invadindo a percepção e o imaginário
Fonte: Getty Images

Os seres humanos criaram os deuses que


criam os humanos. Fizemos imagens para nos
servir, para escaparmos da morte, mas esta-
ríamos nós servindo mais a elas do que elas
a nós?

Essa fotografia permite-nos perceber um as-


pecto da iconofagia atual. O corpo real é impe-
lido a atender certos valores éticos e estéticos
que entram no imaginário por força da repeti-
ção exaustiva de imagens4. Não se pode dizer
que a fotografia acima seja de um tipo muito
diferente daquela encontrada em revistas, jor-
nais, propagandas e nos meios digitais no que
se refere à saúde e beleza. Os corpos são cha-
mados a atender ao chamado da imagem e se
adaptar da melhor forma possível a ela. A idea-
lização de saúde e beleza dessa imagem é uma Figura 5 – Jovem com roupas de ginástica
construção social, uma norma mítica, que não segurando uma maçã e uma balança
se reporta à verdade (e variedade) dos corpos. Fonte: Getty Images

3
É interessante notar como, pelo viés da biologia, Richard Dawkins estabelecerá as bases de uma crítica cultural por
meio do conceito de “meme”, palavra atualmente popular, mas distorcida de seu significado original. Veja mais, em
Dimarch (2012), nos Materiais Complementares.
4
Há também a associação de sentimentos como prazer, felicidade e poder por meio da visualidade como sedução
do imaginário e da vontade.

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UNIDADE Crítica de Imagem

A inadequação dos corpos aos ideais do imaginário contemporâneo tem impul-


sionado técnicas de manipulação de imagem. Se o corpo não puder se adequar à
imagem ideal pelos treinamentos físicos, pelas dietas e pelas cirurgias, que possa ao
menos parecer. O Photoshop e seus amigos são parceiros inestimáveis da iconofa-
gia e novos aplicativos deverão tornar cada vez mais acessíveis à edição de imagem.
Como expressou Hans Belting (apud BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 48), “hoje as
imagens convidam os vivos à fuga do corpo”.
As pessoas passam a ser ecos de imagens. E as próprias imagens, eco de outras
imagens. Como eco, temos uma repetição incompleta, apenas um trecho final do
signo original. Veremos, portanto, muitas imagens que são tão somente algo super-
ficial do conteúdo original5.
Observe cartazes de cinema. São a grande maioria cartazes novos sem nenhu-
ma novidade. “Es el eco, del eco, del eco”, como cantou Jorge Drexler.
A reprodutibilidade possibilitada pelos recursos técnicos obedece a uma
lógica do eco, da repetição das sílabas finais, dos sons finais, das impres-
sões finais e superficiais. Não há memória profunda, há apenas lembran-
ças epidérmicas. Assim também atuam as séries de imagens reproduzi-
das: repetem-se suas superfícies, sem memórias viscerais. (BAITELLO
JUNIOR, 2005, p. 52)

A iconofagia atinge o patamar do consumo em nossa época. Consumimos a


imagem das coisas, não as coisas em si (no episódio Queda Livre da série Black
Mirror há um belo retrato disso). Abrimos mão de usar a imagem como janela
para algo mais profundo. Olvida-se o tempo da experiência estética. Consome-se a
imagem como fast food. “Consumimos imagens em todas as suas formas: marcas,
modas, grifes, tendências, atributos, adjetivos, figuras, ídolos, símbolos, ícones, lo-
gomarcas” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 54).
No mundo do sempre igual, do eco, do eco, do eco, quais imagens você almeja
consumir? Quais imagens você almeja produzir?

Figura 6 – Fotografia discute a cópia, a imitação, o plágio, a repetição, em uma imagem


que, em si, é um eco de tantas outras fotografias com formas semelhantes
Fonte: Getty Images

5
Um fetichismo visual, no sentido de Massimo Canevacci, de uma parte que promete um outro, sem que se possa
identificar a origem. Veja mais nos Materiais Complementares.

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Mídia e Pânico
Encarramos esta unidade com o capítulo cujo título homônimo faz referência
aos estudos de Malena Segura Contrera (2008) no contexto da Semiótica da Mídia.

Um aspecto do deus grego Pan é causar o terror e a paralisia. A autora identi-


ficou o quanto à produção de imagens se utiliza do pânico (imagem arquetípica do
deus) no âmbito da comunicação de massa. Afinal, por meio das imagens, pode-
mos construir narrativas e influenciar sentimentos. Casos emblemáticos do pânico
na mídia foram a repetição exaustiva do segundo avião colidindo com o World
Trade Center em 11 de setembro de 2001 e a cobertura jornalística nacional, em
2006, dos ataques do PCC na capital paulista.

Notícias alarmantes acionam o alarme do medo, da paralisia. São criadas pola-


rizações: bem e mal, nós e eles, justos e corruptos. Amplifica-se o terror. Exalta-se
o trágico6. A mídia televisiva inaugura ainda um gênero não nominado, algo entre
o entretenimento e o jornalismo, cuja pauta permanente é o pânico. Programas
como Balanço Geral e Cidade Alerta sustentam por horas a fio a atenção da mas-
sa, entretêm com o tempero do pânico. E é preciso dar visualidade à ameaça.
“Eu quero imagens!”, “Me dá imagem!”, “Põe na tela!”, encena José Luiz Datena.

A imagem, entretanto, não atesta verdades (não é garantia de retratar algo tal e
qual). “Dar a ver” por meio de uma imagem não necessariamente reduz distâncias
ou apaga ilusões. Antes as criam. As escolhas do plano, do enquadramento, do
close já falseiam a realidade, sem mencionar as múltiplas possibilidades de edição.

Para melhor eficácia dos efeitos midiáticos do pânico, é imprescindível simplifi-


car, varrer a complexidade para outro lugar. Por isso a polarização é tão desejável.
O inimigo é inimigo e ponto final. Sem alma, sem história, sem contexto, sem pro-
fundidade, sem complexidade. De modo igual, os meios de comunicação de massa
criam heróis sem incoerências, sem controvérsias.

O documentário “E aquele projeto ainda estará no ar” deflagra as investidas midiáticas do


Explor

pânico, a superficialização da cultura de massa e os projetos de resistência e superação des-


tas. Disponível em: https://vimeo.com/23758205.

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Certa vez, quando o noticiário noturno diário se viu alijado de “más notícias”, precisou recorrer ao arquivo da
emissora e “relembrar” aos telespectadores um trágico caso ocorrido três anos atrás.

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UNIDADE Crítica de Imagem

Em Síntese Importante!

Ora, se as imagens têm se sobreposto aos corpos e não exigem mais que se dirija até
elas, que as busque, dada a sua quase onipresença, é natural presenciarmos crises dos
corpos, dos movimentos e da presença. “Nós estamos criando um ambiente inóspito, de
vazios, de coisas que esquecemos no minuto seguinte. É preocupante. Há uma redução
de complexidade, e que significa uma redução na capacidade de pensar, também”, criti-
cou Norval Baitello Junior para a Revista E (link nos Materiais Complementares). Ao me-
nos duas das maiores redes sociais difundem imagens em frenética atualização vertical
(timeline) e horizontal (stories). É imperativo estar atualizado! Sinais de alerta, novidades,
propagandas, mais imagens, mais possibilidades, mais desejos, um imperativo do gozo
(SAFATLE in DUNKER e PRADO, 2005) distante apenas a um clique de sua vontade.
A consequência não haveria de ser outra que não a ansiedade, o único demônio que
Fausto não pôde vencer (DIMARCH, 2007, pp. 30-41). Não sendo possível digerir ou ao
menos engolir parte daquilo que está disponível para nós, teremos como um segun-
do da ansiedade a angústia e então a depressão. O corpo, cada vez mais destituído de
competências que lhe permitam resistir aos imperativos da atualidade, passa a desejar
a anestesia (CONTRERA, 2008). Não combatemos as causas da depressão, procuramos,
antes, anestesiá-la e assim manter o curso das coisas como estão. Até mesmo nosso pen-
samento está demasiadamente “sentado” (BAITELLO JUNIOR, 2012).
É preciso aproveitar o paradoxo da mídia e criticá-la também por meio dela. Se isso, por
um lado, pode fortalecê-la, por outro, pode impulsionar o corpo a resistir e sentir. O que
você, enquanto profissional da imagem, está criando? Quais valores e ideias estão enre-
dados em sua produção fotográfica? Quais oportunidades ela oferece ao público que está
tomando contato com elas? Afinal, a potencialidade da fotografia é ampla e pode tam-
bém impulsionar relações mais profundas, significativas e heterogêneas com o mundo.
Um feliz acontecimento no âmbito da educação básica brasileira foi certa dimensão do en-
sino de Arte chamada estesia. A Base Comum Curricular Nacional (BRASIL, 2018) colocou
essa como uma das diretrizes para o trabalho dos professores nas escolas. E o que é a este-
sia se não o oposto da anestesia? Parece-nos que a defesa de João-Francisco Duarte Junior
(2000) foi conhecida, sentida e afirmada. Nossa sociedade arrisca a perda dos sentidos,
arrisca a atrofia do corpo e a própria Arte é chamada a ativá-lo, a estimular a qualidade
do modo como vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos, saboreamos, nos movimentamos.
Um percurso pelo estudo do signo, na forma de diferentes linhas da Semiótica, haveria
de considerar, ao menos em parte, aspectos críticos. Eles estão presentes nos diferentes
estudos da Semiótica da Cultura (independentemente de seu local de origem e desen-
volvimento), da Mídia e das diferentes semióticas especiais (no sentido peirciano do ter-
mo). Aqui apresentamos uma pequena parte das muitas contribuições da Semiótica para
a crítica de imagem.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Mediosfera: Meios, Imaginário e Desencantamento do Mundo
CONTRERA, M. S. Mediosfera: meios, imaginário e desencantamento do mundo.
São Paulo: Annablume, 2010.

Vídeos
Entrelinhas – Fetiches Urbanos
Entrevista com Massimo Canevacci para o programa Entrelinhas, TV Cultura de
São Paulo.
https://bit.ly/2kk5RV4

Leitura
A Respeito dos Novos Fetichismos Visuais
Matéria de Cultura e Mercado sobre o filósofo italiano Massimo Canevacci publicada
em 10 de março de 2008.
https://bit.ly/2lQySZ4
Gutenberg: Primeiras Impressões
Matéria da revista Superinteressante publicada em 31 de outubro de 2016.
https://bit.ly/2Vlz9TX
Revista E – Norval Baitello Junior
Entrevista com Norval Baitello Junior para a Revista E, número 234.
https://bit.ly/2mkuku8
Problemas Causados por Gutenberg: A Explosão da Informação nos Primórdios da Europa Moderna
Estudos avançados, volume 16, número 44. São Paulo: IEA-USP, 2002.
https://bit.ly/2mhumCV
O Nascimento dos Memes: Quando a Biologia pensa a Cultura
Matéria para a editoria de Educação da TV Cultura de São Paulo.
https://bit.ly/2mhxVsN
O Corpo na Era da Reprodutibilidade Técnica
Kriterion volume 59, número 139. Belo Horizonte: UFMG, 2018.
https://bit.ly/2mkHgAc
O Corpo-Imagem na “Cultura Do Consumo”: Uma Análise Histórico-Social sobre a Supremacia da Aparência no
Capitalismo Avançado
Dissertação (mestrado). Marília: UNESP-FFC, 2008.
https://bit.ly/2lTtzbj

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UNIDADE Crítica de Imagem

Referências
BAITELLO JUNIOR, N. O animal que parou os relógios: ensaios sobre comuni-
cação, cultura e mídia. São Paulo: Annablume, 1999.

________. A era da iconofagia. Ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:


Hacker, 2005. (São Paulo: Paulus, 2014 em e-book)

________. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma Teoria da Mí-


dia. São Paulo: Paulus, 2010.

________. O pensamento sentado. Sobre glúteos, cadeiras e imagens. São


Leopoldo: Unisinos, 2012.

________. GUIMARÃES, L.; MENEZES, J. de O.; PAIERO, D. (orgs.). Os sím-


bolos vivem mais que os homens: ensaios de comunicação, cultura e mídia. São
Paulo: Annablume: CISC, 2006.

BENJAMIM, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto


Alegre: L&PM, 2018. Também disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/plu-
ginfile.php/1563569/mod_resource/content/1/A%20obra%20de%20arte%20
na%20era%20da%20sua%20reprodutibilidade%20técnica.pdf> (acesso em: 30 de
julho de 2019).

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:


MEC, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/> (acesso
em: 30 de julho de 2019).

CONTRERA, M. S. Mídia e Pânico: saturação da informação, violência e crise


cultural na mídia. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2008.

DIMARCH, B. F. O Gótico e as Sombras: comunicação não comunicada. Disser-


tação de mestrado em Comunicação e Semiótica. São Paulo: PUCSP, 2007.

DUARTE JUNIOR, J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Tese


de doutorado. Campinas: Unicamp, 2000. Disponível em: <http://repositorio.uni-
camp.br/jspui/handle/REPOSIP/253464> (acesso em: 30 de julho de 2019).

DUNKER, C. I. L.; PRADO, J. L. A. Žižek crítico: política e psicanálise na era do


multiculturalismo. São Paulo: Hacker, 2005.

KAMPER, D. Imagem. Texto extraído de Cosmo, Corpo, Cultura. Enciclopédia


Antropológica. Milão (Itália): Ed. Mondadori, 2002. Disponível em: <http://www.
cisc.org.br/portal/index.php/pt/biblioteca/viewdownload/3-kamper-dietmar/15-
-imagem.html> (acesso em: 30 de julho de 2019).

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