Você está na página 1de 20

Praticas Pastorais II

Material Teórico
Ações Pastorais Extraeclesiais

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Me. Elizabete Guilherme

Revisão Textual:
Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento
Ações Pastorais Extraeclesiais

• Considerações Iniciais;
• Os Direitos Humanos e Pastoral;
• A Igreja e os Direitos Humanos;
• As Pastorais Sociais no Campo.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer a origem das ações sociais na pastoral do Brasil;
• Perceber os conflitos no campo e a importância da ação pastoral;
• Destacar os desafios da ação pastoral na realidade urbana.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

Considerações Iniciais
As Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano foram importantes ins-
trumentos para a promoção e organização de ações pastorais articuladas nas Igre-
jas do Continente. Nesses encontros do episcopado foram analisadas a realidade
concreta, as circunstâncias históricas do continente, a situação eclesial e o contexto
internacional. E, nas conclusões, foram indicadas pistas de ação que permitiram a
criação de novas pastorais e o fortalecimento de iniciativas já em andamento nos
diferentes países.

Assim como acontece com todas as Instituições, a Igreja apresenta momentos


de avanço e de inflexões para, olhando suas opções, avaliar a caminhada, rever
metas e propor mudanças. O CELAM foi responsável por auxiliar as Igrejas latinas
na organização e implementação de ações pastorais conforme as circunstâncias e
a realidade dos países latino-americanos.

Seguindo uma linha de ação que reflete o histórico da Igreja no Continente,


cada conferência chamou a atenção para um aspecto social que merecia especial
atenção e, mais precisamente, concreta atuação por parte da Igreja, o que não
impediu que, em alguns momentos, a preocupação do episcopado se voltasse
para as ações intraeclesiais, como na primeira conferência episcopal realizada,
em 1955, na cidade do Rio de Janeiro, que manifestou preocupação para com
a escassez de clero no continente, ou, então, em Santo Domingo, que propunha
uma nova evangelização.

A contribuição da teologia pastoral para a Igreja se dará principalmente em


sua inserção na ação social da complexa e plural realidade do continente. As re-
flexões e a tomada de consciência da realidade que foram objetos dos trabalhos
em Medellín e Puebla, retomados e atualizados em Aparecida, são fundamentais
para compreender a presença e atuação da Igreja na defesa dos direitos dos mais
fracos, da dignidade da pessoa e da certeza que somente com a libertação inte-
gral do homem é que será possível construir uma sociedade mais justa, solidária
e pacífica para todos.

Os Direitos Humanos e Pastoral


A evolução da ideia dos direitos
A expressão “direitos humanos” nasceu no século XVII, mas somente na me-
tade do século XX se deu forma a uma “Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos”. Em 1948, a Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) teve
como pano de fundo os dois conflitos mundiais do século XX e que, diante das
atrocidades registradas nos campos de concentração, manifestaram total desres-
peito à pessoa humana.

8
Figura 1 – “Cilindro de Ciro” Alguns estudiosos afirmam que é de Ciro, o Grande rei da Pérsia,
o primeiro registro de uma declaração de direitos humanos, datado de 590 a.C
Fonte: Wikimedia Commons

O que se percebe, porém, é que desde a Antiguidade existem registros de códigos


e sistemas de proteção em relação à pessoa humana, sobretudo aquela em situa-
ção de maior vulnerabilidade social, econômica ou política. Como importantes regis-
tros dessa defesa da pessoa, foram preservados Códigos como de Hamurabi (rei da
Babilônia e Assíria – XX a.C.) ou o Código de Manú, da Índia (II a.C. – II d.C.), assim
como os códigos do Antigo Testamento (da Aliança, do Deuteronômio, do Levítico),
que são exemplos da preocupação para com os elos mais frágeis da sociedade. A re-
ferência bíblica se baseia na dignidade da pessoa e na justiça das relações.

A maioria dos estudos aponta que a evolução em torno dos direitos humanos e
da necessidade de defesa da pessoa pode ser vista em 03 gerações: direitos indivi-
duais ou civis; direitos coletivos e sociais; e direitos da solidariedade ou dos povos.

Primeira geração
O século XVIII consagrou os direitos individuais ou civis por meio de duas decla-
rações, uma na França e outra nos Estados Unidos. A mais antiga, de 12/07/1776,
é a Declaração dos Direitos da Virgínia, EUA. Em 26/08/1789, na França, é publi-
cada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ambas têm em comum
o objetivo de evitar o arbítrio dos governantes e são frutos do pensamento liberal.

Leia, na íntegra, a Declaração dos Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776.


Explor

Disponível em: https://bit.ly/1LWMAgI

A distância entre o direito declarado e a dura realidade dos trabalhadores, sobre-


tudo no século XX, incentivou a luta operária e popular que questionava a efetiva-
ção desses direitos declarados. Se a lei é para todos, que esta igualdade de direitos
fosse garantida materialmente para todos, portanto, é dever do Estado não se opor
a esses direitos que independem da origem ou da condição social.

9
9
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

Segunda geração
Os efeitos da Primeira Guerra Mundial despertam a necessidade de incluir uma nova
noção de direitos do homem: os direitos sociais. Esses direitos foram proclamados para
delimitar a ação do Estado, definindo o que o cidadão pode e deve esperar da socieda-
de. Nesse caso, trata-se não apenas de incluir os direitos em textos constitucionais, mas,
também, prever os mecanismos adequados para a viabilização das suas condições de
satisfação. O Estado passa a ser um agente promotor das garantias e direitos sociais.
O fim da Segunda Guerra revelou ao mundo uma das facetas mais obscuras e cru-
éis do ser humano. A perseguição e o extermínio de judeus nos campos de concentra-
ção e de extermínio obrigaram os organismos internacionais a tipificar os principais
direitos, os quais não podiam e nem deviam ser violados sob nenhuma circunstância.
O respeito e a defesa dos direitos humanos são uma das obrigações da Humanidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi declarada em 10/12/1948 e assinada por 48
Explor

países signatários da Organização das Nações Unidas, inclusive o Brasil.

Terceira geração
Os efeitos das guerras também motivaram uma terceira geração de direitos que
ficou conhecida como “direitos dos povos” ou “direitos da solidariedade”.

O conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, a descolonização da África e


da Ásia, assim como o crescimento das multinacionais que minavam os recursos natu-
rais de todas as regiões do mundo, deixaram clara a necessidade de garantir direitos que
fossem válidos para todos os povos: direito à paz, ao desenvolvimento, à autodetermi-
nação e à soberania dos povos. Também são direitos dos povos um ambiente saudável
e ecologicamente equilibrado e a utilização do patrimônio comum da humanidade.

A Igreja e os Direitos Humanos


A dignidade da pessoa sempre foi o pilar da Igreja para a defesa dos direitos
humanos. O processo para ampliar tal compreensão e promover ações concretas
nessa defesa alternou, assim como a história, períodos de avanço e de retrocesso.
Não poucas vezes, entretanto, a escolha do lado esteve errada e a Instituição se
uniu aos que em nada promoviam ou defendiam os direitos humanos.

Por ocasião da publicação de Encíclica de Leão XIII (1810-1903), a Rerum Novarum


(1891), a Igreja se posicionou publicamente, pela primeira vez e de forma oficial, sobre
uma questão social. A exploração desumana da força de trabalho de homens e mu-
lheres nas indústrias, a desigualdade na remuneração, o uso de mão de obra infantil e
o exorbitante lucro dos industriários que contrastavam com a extrema miséria na qual
viviam os operários foram os responsáveis pelo grito profético do Papa.

10
Está inaugurada, pela Encíclica, a Doutrina Social da Igreja que tinha como pre-
ocupação a atuação eclesial num determinado e concreto contexto social. Beozzo
(1996) afirma que:
Centrada sobre a “questão operária”, a doutrina social da Igreja tinha
tido como horizonte as transformações da Europa Ocidental provocadas
pelo capitalismo industrial e que se difundiam, no momento da Rerum
Novarum (1891), pelos Estados Unidos, Japão e Rússia.
Deixava de lado a questão social que afligiu todos os povos da periferia, sob
a forma do colonialismo europeu e norte-americano (conquista de Cuba,
Porto Rico, Filipinas, em 1898, canal do Panamá, em 1903), além da ex-
pansão japonesa em direção à China e à Coréia. (BEOZZO, 1996, p.42)

Era responsabilidade da Igreja não apenas denunciar, mas agir nas realidades
onde houvesse um grupo de pessoas em situação de exploração. À luz da Palavra
de Deus, partindo da análise crítica da realidade, a Igreja deveria propor ações e
atuar para que tal realidade fosse transformada. Era preciso, de fato, proteger a
dignidade da pessoa, sobretudo de grupos que por questões histórias e decisões
políticas estivessem em situação de desamparo e exploração.

Interessante notar que, no Brasil, a publicação da Rerum Novarum teve pouca


repercussão. O país ainda não conhecia uma classe que pudesse ser chamada de
operária. A escravidão havia sido abolida há poucos anos e os primeiros imigrantes
tinham no campo seu principal local de trabalho, em substituição a mão de obra
africana e afro-brasileira que havia sido, até 1888, explorada como escrava. E nes-
sa perspectiva, Beozzo (1996) chama a atenção para o fato que:
Por toda a América Latina, indígenas e pequenos camponeses viam suas
terras expropriadas e eram forçados a abandonar suas culturas de subsis-
tência para trabalharem como peões, colonos e empregados nas novas
plantações de algodão, café, cana-de-açúcar para exportação. Por toda
parte os ingleses, e logo os norte-americanos, construíam ferrovias e por-
tos para escoar esta produção para o mercado europeu. Para a Argen-
tina, Uruguai, sul do Brasil, foram encaminhados milhões de imigrantes
europeus para criar esta nova agricultura destinada a abastecer de trigo,
carne, lã e café o mercado internacional. Estabelece-se também uma in-
tensa exploração de matérias-primas para o setor industrial: borracha da
Amazônia brasileira, boliviana e peruana; salitre e cobre do Chile; esta-
nho da Bolívia; petróleo da Venezuela. (BEOZZO, 1996, p. 42)

Nesse sentido, compreende-se porque os conflitos no campo, envolvendo ques-


tões da terra, de latifúndio, de exploração do trabalhador rural e das lutas dos
indígenas, dos pequenos proprietários e camponeses, foram os primeiros a exigir
ações concretas, mesmo que tímidas e isoladamente, de membros da Igreja. E isso
será contemplado na Encíclica de João XXIII (1881-1963), que terá um grande
impacto e repercussão na América Latina e no Brasil, a Mater et Magistra (1961),
chamada de a “Carta Magna da Agricultura”, por tratar, explicitamente, pela pri-
meira vez, da temática da questão agrária.

11
11
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

Os temas da questão agrária e do subdesenvolvimento estavam no centro do mo-


mento histórico brasileiro e a publicação da Encíclica gerou polêmicas e divisões na
sociedade e na própria Igreja. Porém, ela recebeu a calorosa e entusiasta acolhida
de muitos setores da Igreja, exigindo iniciativas e ações do governo e da sociedade.
Diferente do que acontecia até então com documentos da Igreja, a Encíclica foi
amplamente divulgada e distribuída, inclusive com a publicação por editoras não
católicas. Movimentos de trabalhadores rurais montavam acampamentos e em suas
faixas faziam referências de maneira explícita ao Papa João XXIII e ao direito à terra.
As posições do episcopado em relação à Encíclica tornaram-se públicas, reve-
lando as tensões e conflitos internos entre grupos contrários e favoráveis à reforma
agrária no Brasil. Porém, não há dúvidas de que a Mater et Magistra deu um pode-
roso e importante impulso ao compromisso social da Igreja no Brasil.

As Pastorais Sociais no Campo


A Igreja da América Latina não ficou indiferente às iniciativas de ações eclesiais
no campo social iniciadas por Leão XIII e seguidas por seus sucessores. A segunda
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Medellín (1968), colocará
a questão indígena entre as principais preocupações dos países latinos. Embora
não indique nenhuma ação concreta, irá sugerir pistas de ação para a proteção
dessa parcela ameaçada da população.
No Brasil, o trabalho pastoral é articulado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil e ao Setor Pastoral Social estão vinculadas onze pastorais sociais: da terra; ope-
rária; da criança; do menor; da saúde; carcerária; do povo da rua; dos pescadores; dos
migrantes; da mulher marginalizada e dos nômades. Além delas, o Setor responde tam-
bém por três organismos: Cáritas Brasileira; IBRADES (Instituto Brasileiro de Desen-
volvimento Social) e CERIS (Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais).
As pastorais sociais, no plural são serviços específicos a categorias de
pessoas e/ou situações também específicas da realidade social. Cons-
tituem ações voltadas concretamente para os diferentes grupos ou dife-
rentes facetas da exclusão social, tais como, por exemplo, a realidade do
campo, da rua, do mundo do trabalho, da mobilidade humana, e assim
por diante. (CNBB, 2001, p.8)

O Setor Social, onde as pastorais estão inseridas, integra a dimensão sócio


transformadora, linha 6 da CNBB. Este setor, por sua vez, tem duplo caráter: “por
um lado, representa uma referência para toda a ação social da Igreja, em termos de
assessoria, elaboração de subsídios e reflexão teórica. Por outro lado, é um espaço
de articulação das Pastorais Sociais e Organismos que desenvolvem ações específi-
cas no campo sociopolítico” (CNBB, 2001, p.8).
O trabalho dessas pastorais é amplo e envolve vários setores e níveis de atua-
ção, além de parcerias com entidades e objetivos afins. A diversidade dos servi-
ços nos obriga a destacar apenas quatro pastorais sociais: o Conselho Indigenista

12
Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Pastoral Carcerária e a
Pastoral da Criança. A escolha dessas pastorais se deu primeiro pela peculiaridade
de suas atuações e, depois, pelo perfil de seu público alvo.

Conselho Indigenista Missionário


A partir das pistas de ação sugeridas nas Conferências, os países determinam
suas prioridades e elegem suas linhas de atuação pastoral. As questões indígenas
e da terra estão entre as principais preocupações do episcopado latino-americano.

A constatação do caráter continental deste tema fortalece no Brasil os grupos


que já prestavam assistências às comunidades indígenas. Após vários encontros
entre esses missionários e os indígenas, surge a proposta para a formação de um
grupo que articule as ações em defesa das questões indígenas e, em 1972, nasce o
Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

Como organismo de articulação dos trabalhos realizados com as comunidades


indígenas, sobretudo aquelas da região amazônica, o CIMI promoveu encontros
que resultaram nas Assembleias indígenas, que junto com a luta incansável pela
terra e pela sobrevivência do índio se configuraram “como meio indispensável de o
índio se tornar sujeito e ator de sua própria libertação”, afirma Beozzo (1996).
A ação pastoral do CIMI está voltada para o atendimento das necessidades dos
indígenas, apoiando suas demandas e oferecendo condições para que seus objeti-
vos sejam alcançados. A primeira dessas Assembleias que reunia as lideranças indí-
genas aconteceu, em 1975, na cidade de Goiânia e a partir dela o CIMI assumiu o
compromisso com as seguintes linhas de ação dentro da pastoral indigenista: terra,
cultura e autodeterminação dos índios (BEOZZO, 1996, p. 128).
Ao se reunirem, os indígenas perceberam que os problemas que os afligiam
eram os mesmos, de Norte a Sul do Brasil, e que a sobrevivência de suas culturas
passava pela luta e posse efetiva da terra, a demarcação das reservas e a recupe-
ração das terras perdidas. Essa articulação realizada pelo CMI e a visibilidade dada
aos problemas enfrentados pelos indígenas “conseguiu sensibilizar não só os índios,
e parte da Igreja, mas, também, uma parcela ponderável da sociedade civil no país”
(BEOZZO, 1996, p. 127).
A pastoral indigenista atua diretamente nas comunidades e, embora o CIMI seja
um organismo ligado a CNBB, sua responsabilidade é fazer dos indígenas os prota-
gonistas de sua libertação. A atuação do CIMI está em total sintonia com a proposta
de ação desenhada em Medellín e assumida pela Igreja da América Latina e, mais
especificamente, pela Igreja do Brasil.

Comissão Pastoral da Terra – A CPT


No Brasil, a relação com a terra sempre esteve marcada pela apropriação, pelo
latifúndio e por condições de trabalho subumanas. As capitanias hereditárias se
configuraram como o primeiro modelo de partilha e divisão de terras no Brasil.

13
13
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

A mudança nas relações de trabalho e nos modos de produção, rurais e urbanos,


apresentou uma nova realidade ao latifundiário/monocultor brasileiro e a questão
da posse e da propriedade da terra passaram a ser questionadas. A Igreja começou
a tomar consciência do tamanho do problema à medida que o trabalho do CIMI foi
sendo reconhecido e ampliado.
O indígena demonstrou que sua sobrevivência depende da sua relação com a
terra e o CIMI ampliou essa constatação para outros grupos que também depen-
diam dessa mesma fonte para sua existência: deserdados da terra, posseiros, peões,
arrendatários, parceiros, colonos, boias-frias... todos trabalhadores da terra que não
possuíam sequer um palmo dela.
Outro aspecto que exigiu uma maior atenção e zelo pastoral por parte da Igreja foi a
dos grandes latifundiários que, financiados pelo governo (SUDAM), ocupavam grandes
áreas na Amazônia e para se fixarem ali deslocavam comunidades indígenas inteiras,
expulsavam e assassinavam posseiros e exploravam os trabalhadores das fazendas. Um
terceiro aspecto que foi importante para que a Igreja se voltasse para os desafios das
questões com a terra foi, justamente, “a ação organizada de alguns prelados da Ama-
zônia que passaram a denunciar sistematicamente as violências e injustiças cometidas
contra seringueiros no Acre, peões no Mato Grosso” (BEOZZO, 1996, p. 129).

Para saber mais leia a criação e as atribuições da Superintendência do Desenvolvimento da


Explor

Amazônia – SUDAM acesse o link disponível em: https://bit.ly/2wb7Jlp

Por ocasião do Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia ocorrido em Goiânia


(GO) e do compromisso dos pastores da Amazônia para com a questão da terra,
mas sobretudo para com aqueles que dela dependem para sua sobrevivência, nas-
ceu em julho de 1975 a Comissão Pastoral da Terra. Desde o princípio, o objetivo
da CPT era claro: ser um serviço à causa dos trabalhadores e trabalhadoras do
campo e de ser um suporte para a sua organização. Os protagonistas e principais
agentes da pastoral são o homem e a mulher do campo.

O zelo pastoral para com as questões da terra e os que dela dependem para sobrevi-
ver pode ser constatado pela publicação de documentos da CNBB, especificamente
sobre o tema da terra. O primeiro e, talvez, mais importante de uma série de docu-
mentos foi a carta pastoral de Dom Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Félix do
Araguaia (MT), “Uma Igreja na Amazônia em luta contra o latifúndio e a margina-
lização social”, lançada em 10/10/1971, dia de sua sagração episcopal. Para Beozzo
(1996, p. 59), a carta do Prelado, “situa-se como um brado de alerta profético, num
momento de profundo silencia da Igreja”.

Da preocupação com os índios, acolhida inicialmente pelos trabalhadores da


região amazônica, a CPT logo se expandiu e sua área de atuação foi ampliada, a
comissão “foi descobrindo que a mesma estrutura de violência e injustiça preside

14
a posse e o uso da terra no conjunto do país” (BEOZZO, 1996, p. 129). Hoje, a
defesa da terra passa pela luta pela água e da garantia dos direitos dos atingidos
por barragens, pela luta dos remanescentes de quilombos para a manutenção da
posse e obtenção da propriedade da terra etc. A Comissão atua contra todo tipo de
latifúndio e defende o uso social da terra e não sua acumulação.

Pela natureza de suas ações, a CPT é hoje um organismo ecumênico e aberto


ao diálogo com outras religiões, sobretudo quando a questão é a defesa da terra e
dos direitos humanos.
A Comissão Pastoral da Terra tem como objetivo de sua ação ser uma
presença solidária, profética, ecumênica, fraterna e afetiva, que presta um
serviço educativo e transformador junto aos povos da terra para estimular
e reforçar seu protagonismo em suas lutas pela reforma agrária e agrícola
e sempre na vontade de ser “fiel ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos
pobres da terra” engajando-se na construção do Projeto Popular para o
Brasil, sinal estratégico e libertador desta hora. (CNBB, 2001, p. 16)

Todo o trabalho da Comissão em defesa dos direitos humanos é registrado no


Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno e, anualmente, é publicado um
relatório com a atualização dos dados sobre a violência no campo.

As Pastorais Sociais em Realidades Urbanas


Pastoral Carcerária
“Estive preso e vieste me visitar” (Mt 25,36). Inspirados pelas palavras de Jesus, o
Bom Pastor, registradas no evangelho de Mateus, desde a década de 1960, a Igreja
no Brasil vem se preocupando com a situação especifica das pessoas privadas de
liberdade. E, com o objetivo de dar conforto àqueles que estavam nos presídios,
alguns agentes de pastoral começaram a realizar visitas aos presídios. Esse trabalho
que começou apenas como serviço de assistência religiosa foi pouco a pouco am-
pliando sua atuação para as condições (físicas, psicológicas, jurídicas etc.) em que
as penas estavam sendo aplicadas.

No princípio, as visitas dos agentes aos presídios eram espontâneas e atingiam


uma pequena parcela da população em situação de cárcere. A partir de 1985, as
atividades dentro dos presídios já estavam organizadas e a presença desses agentes
era como se a Igreja estive na cadeia, mas o reconhecimento das visitas como um
trabalho pastoral se deu em 1986, com reflexões bíblicas e momentos de celebra-
ção. Nesta ocasião, os membros da pastoral reunidos com a CNBB oficializaram as
atividades da pastoral carcerária. A partir desse encontro em 1986, outros foram
sendo realizados e os locais de atuação da pastoral carcerária foram sendo amplia-
dos e outros presídios passaram a receber a visita dos agentes da pastoral.

Assim como as demais pastorais sociais, a carcerária se inspirou nas orientações


de Puebla para o trabalho missionário e contra a violação dos direitos humanos.
Sua atuação se realiza em parceria com organizações não governamentais (ONGs)

15
15
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

nacionais e estrangeiras, com a OEA (Organização dos Estados Americanos) e a


CDH da ONU (Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas),
além de outras entidades que trabalham com populações encarceradas.
A pastoral tem por objetivos:
• acompanhar os presos em todas as circunstâncias e atender suas
necessidades pessoais e familiares;
• verificar as condições de vida e sobrevivência dos presos;
• priorizar a defesa intransigente da vida, bem como a integridade físi-
ca e moral dos presos;
• estar atenta e encaminhar as denúncias de torturas, maus-tratos, cor-
rupção, etc., praticados contra os presos;
• intermediar relações entre presos e familiares. (CNBB, 2001, p. 17)

Uma das atividades da pastoral carcerária que pode ser traduzida também
como um de seus maiores desafios é o de sensibilizar as comunidades sobre os
problemas da população em situação de privação da liberdade e a importância da
pastoral carcerária.

Conheça um pouco mais do trabalho desses agentes da pastoral carcerária e dos desafios
Explor

dessa ação pastoral extraeclesial. Disponível em: https://bit.ly/2WRzACR

Pastoral da Criança
Talvez, a Pastoral da Criança, entre as pasto-
rais sociais, seja uma das mais conhecidas e res-
peitadas pelos trabalhos desenvolvidos para com-
bater a fome e a desnutrição infantil. O trabalho
da Pastoral é reconhecido internacionalmente e
seus métodos são reproduzidos em vários países
do mundo. Ela tem como lema o versículo 10,
capítulo 10, do evangelho de João: “Eu vim para
que todos tenham vida, e vida em abundância”.

Os trabalhos da pastoral tiveram início, em


1983, no município paranaense de Florestópolis,
com a preocupação de, a partir dos cuidados
com a criança, atingir toda a família e trans-
formar a sociedade. Assim, como as demais
pastorais sociais, também a pastoral da criança
nascida no seio da comunidade católica tem um
Figura 2 – A médica sanitarista Zilda Arns
caráter ecumênico e não faz nenhum tipo de
Neumann (25/08/1934 – 12/01/2010) é a
discriminação, de qualquer espécie, para realizar fundadora da Pastoral da Criança
seu atendimento. Fonte: Wikimedia Commons

16
A metodologia de trabalho da Pastoral da Criança utiliza três momentos para o
intercâmbio de informações e o fortalecimento da solidariedade: as visitas domicilia-
res mensais às famílias cadastradas pelas líderes da pastoral; o dia do peso quando a
comunidade se reúne para a pesagem das crianças acompanhadas e este dia se con-
verte em verdadeira celebração da vida; por fim, o encontro de formação das líderes.

Para transformar a sociedade, é preciso que os agentes de transformação sejam


os protagonistas de sua própria libertação. A pastoral da criança percebeu, desde
a sua origem, que nas realidades de pobreza e exploração as mulheres são peças
fundamentais para as mudanças. Por isso, as mulheres somam mais de 90% das
líderes da pastoral.

As ações desenvolvidas pela pastoral procuram promover melhores condições


de vida para a família e para a comunidade da criança assistida. As ações da pasto-
ral têm como escopo gerar igualdade de oportunidades, justiça e paz.

As realidades urbanas impõem grandes desafios às ações das pastorais sociais


com populações cuja situação não recebe das autoridades a atenção e o tratamento
esperados. Sob todos os aspectos, os objetivos dessas pastorais é criar condições
para que todos possam viver em uma sociedade mais justa e solidária. E, sobretudo,
que o respeito à dignidade das pessoas seja considerado independente de sua situa-
ção política, econômica ou social, ou, ainda, de sexo, cor, etnia ou credo.

As conferências do episcopado avançaram e auxiliaram cristãos de todas as


nações do continente sobre a necessária e urgente situação de pobreza e injustiça
a que estavam submetidas parcelas da população. Para além da assistência ou em
parceria com ele, a Igreja latino-americana entendeu que para criar uma sociedade
nova é preciso ir às causas da injustiça e da violência e unir-se na luta para a mu-
dança dessa realidade.

17
17
UNIDADE Ações Pastorais Extraeclesiais

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Comissão Pastoral da Terra
https://bit.ly/2vpNH7Y

Livros
Da Igreja da Cristandade a Igreja dos Pobres
BERNAL, S. CNBB. Da Igreja da Cristandade a Igreja dos Pobres. São Paulo: Edições
Loyola, 1989.

Filmes
Daens
CONINX, S. (direção) Daens. (1992, 138 min.)
Na cidade de Aalst, norte da Bélgica, um grupo de trabalhadores vive em condições
miseráveis, vítimas da exploração da indústria de tecidos onde estão empregados.
A situação começa a mudar quando um padre revolucionário é transferido para a
cidade e assume a igreja local.

Leitura
O que são Direitos Humanos?
https://bit.ly/2xDpQkY

18
Referências
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil. De João XXIII a João Paulo II – de Medellín a
Santo Domingo. 2. ed. Petrópolis: Vozes,1996.

CELAM. Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências do Rio de


Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004.

CNBB. O que é Pastoral Social? Cartilhas de Pastoral Social nº 01. Brasília/DF, 2001.
Disponível: <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dht/cartilha_pastoral_social.pdf>.

FERNANDES, J. C (org). A pastoral entre Puebla e Santo Domingo I. Tensões


e mudanças na década dos anos ‘80. Petrópolis: Vozes,1997.

IGREJA CATÓLICA. Documentos de João XXIII. São Paulo: Paulus, 1998.

IGREJA CATÓLICA. Documentos de Paulo VI. São Paulo: Paulus, 1997.

19
19

Você também pode gostar