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História da Palestina:

Século I
Material Teórico
Messias ou bandidos!

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Edgar Silva Gomes
Prof. Ms. André Valva

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Messias ou bandidos!

• Contextualização
• Introdução
• A Política Opressora e as Revoltas Sociais na Palestina
• O “Banditismo” Social
• A Tradição Messiânica e a Esperança de Salvação para o Povo Oprimido

OBJETIVO DE APRENDIZADO
··Aprender sobre um importante tema: messias ou bandidos.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Messias ou bandidos!

Contextualização
Seja bem-vindo(a) às nossas discussões sobre a história da Palestina: século I –
messias ou bandidos!

Saiba que esta Disciplina tem como propósito apresentar um panorama histórico
do contexto da atuação de Jesus com as discussões mais recentes dessa área; além
de lhe proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre
os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com a sua formação continuada
e trajetória profissional.

Esta Disciplina está organizada em seis unidades, cujo eixo principal será a
história da Palestina no século I, quanto à ideia de messias ou bandidos, ou seja,
que dê conta de conhecer, definir, classificar e conceituar Jesus e seu tempo como
campo de pesquisas, estudos, formação acadêmica e profissional, é o que você
encontrará nas próximas unidades.

Ademais, perceba que a Disciplina em Educação a Distância pode ser realizada


em qualquer lugar que você tenha acesso à internet e em qualquer horário.
Dessa forma, normalmente com a correria do dia a dia não nos organizamos e
deixamos para o último momento o acesso ao estudo, o que implicará no não
aprofundamento do material trabalhado, ou ainda na perda dos prazos para o
lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo,
você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário
todos ou alguns dias e determinar como o “momento do estudo”.

No material de cada Unidade há videoaulas e leituras indicadas, assim como


sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão a sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em


fóruns de discussão, assim como realize as atividades de sistematização, estas que
lhe ajudarão a verificar o quanto absorveu do conteúdo: são questões objetivas que
lhe pedirão resoluções coerentes ao apresentado no material da respectiva Unidade
para, então, prepará-lo(a) à realização das respectivas avaliações. Tratando-se de
atividades avaliativas, se houver dúvidas sobre a correta resposta, volte a consultar
as videoaulas e leituras indicadas para sanar tais incertezas.

Importante! Importante!

Lembre-se, você é responsável pelo seu processo de estudo. Por isso, aproveite ao
máximo esta vivência digital!

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Introdução
A partir deste momento contextualizaremos a Palestina no tempo de Jesus em
seus aspectos político, econômico, religioso e social, em suas disputas e conflitos,
em uma sociedade onde Jesus de Nazaré se fez homem, viveu e conviveu, sujeito
às leis e à cultura de seu tempo, ou seja, entenderemos a prática de Jesus e de
seus contemporâneos que pregavam a justiça social e que eram constantemente
taxados de bandidos pela elite de seu tempo, ou de messias por aqueles que os
seguiam e criam em sua pregação. Assim, nesta Unidade trataremos dos seguintes
temas: a política opressora e as revoltas sociais na Palestina; o “banditismo” social;
a tradição messiânica e a esperança de salvação para o povo oprimido.

A Política Opressora e as Revoltas


Sociais na Palestina
A Palestina dos séculos I a.C. e I d.C. era uma pequena região espremida entre
a África e a Ásia, com aproximadamente 34.000 km², situada em um corredor
que gerou inúmeras disputas políticas e econômicas desde o século VIII a.C.,
onde foi sendo invadida e espoliada por alguns reinos poderosos ao longo de sua
história, até que no “tempo de Jesus” ocorreram as resistências mais sistemáticas
aos abusos políticos, econômicos e religiosos por parte dos dominadores. Porém,
entre a elite judaica, desde o início da dominação, muitos foram os que ficaram ao
lado dos dominadores, criminalizando qualquer forma de resistência por parte do
povo oprimido.

Acerca dos problemas mais graves entre o povo pobre e oprimido e os


dominadores estava a questão cultural-religiosa e esta situação era a “pedra de
toque” que norteou as resistências ora pacíficas, ora mais violentas dos grupos que
viviam e conviviam no contexto da pregação de Jesus para o povo de Israel e que
esteve sob o governo da dinastia herodiana. A questão política é complexa, difícil
mesmo de ser entendida, pois essa região que chamamos de “Palestina no tempo
de Jesus” estava subdividida em várias partes, com muitos avanços e recuos nas
alianças dessas regiões – entre as elites dominadas e os dominadores. Segundo
Rocha (2004, p. 239), “[...] mais que uma guerra contra os romanos, o que se
vislumbra é uma crise interna profunda envolvendo diferentes interesses de grupos
judaicos alinhados ou distantes do poder do ‘inimigo’”.

Um quadro político geral sobre esse contexto é mais ou menos o seguinte:


nesse período as formas de governo e administração eram distintas. Os romanos
dominaram a região em aproximadamente 63 a.C., favorecidos pelas crises
internas que minavam a administração da dinastia asmoneia. Os romanos estavam
sob o governo de Júlio Cesar que, ao dominar a Palestina em 63 a.C., foi eleito
pontifex maximus e pretor urbano; o avanço em direção à Palestina se deu sob

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UNIDADE Messias ou bandidos!

o comando do general Pompeu, quem conseguiu tomar Jerusalém e colocar


Hircano, descendente de Simão Macabeu, no cargo de sumo sacerdote, “[...] desse
momento em diante devendo se reportar aos romanos para prestar contas de suas
funções administrativas [...]” (ROSSI, 2015, p. 3); no cargo de procurador foi
escolhido Antípater, um idumeu que deu origem a uma nova dinastia de governantes
judeus, principalmente na pessoa de seu filho, Herodes, este que conseguiu certa
independência para a região durante algum tempo.

Você Sabia? Importante!

Que o Oriente Médio – particularmente a Palestina – exerceu permanente atração de


diferentes dominadores ao longo da história? Ora por motivos econômicos, ora políticos
ou apenas estratégicos, assírios (733 a.C.), babilônios (588 a.C.), persas (539 a.C.),
ptolomeus (323 a.C.) e selêucidas (198 a.C.) se assenhoraram, depredaram e deixaram
suas marcas na Palestina. Mas nada se igualou às consequências da dominação romana
e às dimensões de resistência desencadeadas contra esse império, documentadas por
Flávio Josefo (37-100 d.C.), em sua obra A guerra judaica (ROCHA, 2004, p. 239).

Em seu governo, que durou de 37 a 4 a.C., esteve sob sua jurisdição os


territórios da Galileia, Judeia, Samaria, Indumeia e Pereia. Após a sua morte, essa
região foi dividida entre seus herdeiros que se mantiveram fiéis ao dominador.
Herodes Arquelau herdou a Judeia, Samaria e Indumeia – governou de 4 a.C. a
4 d.C. –; Herodes Antipas herdou as regiões da Galileia e Pereia – governou de 4
a.C. a 39 d.C. As regiões da Judeia, Samaria e Indumeia foram governadas por
procuradores romanos, do ano de 6 d.C. a 41 d.C.; após, um neto de Herodes,
Agripa I, governou essa região entre os anos de 41 a 44 d.C., e após esse curto
espaço de tempo as regiões voltaram às mãos dos procuradores romanos.

Tal conquista/dominação durou alguns séculos e o controle romano causou


inúmeros atritos, “[...] uma conquista que fará com que a Palestina permaneça
subjugada à águia romana e cujo domínio alimentaria o ódio do povo por muitos
séculos. A Palestina era, portanto, um conjunto de cidades dominadas e submetidas
ao poder romano” (ROSSI, 2015, p. 4). Segundo Horsley (1987 apud ROSSI,
2015), “[...] é possível afirmar que a maior parte da história judaica na Palestina (e
as províncias da Galiléia, Samaria e Judéia) do primeiro século envolveu protesto e
resistência contra as provocações e opressão romana”. A grande opressão foi, sem
sombra de dúvida, sobre a população pobre e camponesa.

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As principais vítimas da política expansionista romana eram
justamente os camponeses. Para eles, a dominação romana significava
fundamentalmente uma pesada tributação e, mais do que isso, uma séria
ameaça a sua existência, haja vista que muitos deles foram expulsos
de suas terras (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 43). Não é possível
minimizar o período da dominação romana. Nela encontramos o cenário
apropriado para a emergência de lutas, guerrilhas e sublevações populares
contínuas. A Palestina poderia ser descrita como um dos maiores focos
de rebeldia contra a expansão imperial romana. Poderíamos ainda
acrescentar que na Palestina do primeiro século a situação econômica da
população encontrava-se em queda vertiginosa, refletindo na deterioração
da qualidade de vida. As pessoas mais vulneráveis viviam cercadas pela
instabilidade e pela penúria (ROSSI, 2015, p. 3-4).

Muitos membros da elite judaica se postaram ao lado dos dominadores por causa
da política imperial de Roma que, ideologicamente, defendia seus amigos e aliados
e penalizava os rebeldes e traidores. Portanto, para seus inimigos, a violência do
império romano era institucionalizada e a base de suas conquistas, impondo respeito
e lealdade por meio do terror. Segundo seus preceitos, os romanos pretendiam
levar a “civilização e a paz” para o resto do mundo, para todos – fosse de forma
pacífica para os aliados, ou imposta pela violência para os resistentes.
Através destas políticas, a Galileia viu crescer o número de enfermos, de
desempregados e de agricultores sem-terra. Jesus fala e age, portanto,
numa situação de injustiça sistêmica e de maldade estrutural em que uma
grande porcentagem de pessoas sacrificadas era a responsável em tornar
o processo de construção do império possível. Jesus nasceu e viveu no
contexto social do século I d.C., um período em que a importância do
império romano é incontestável e determinante. Na Cidade de Nazaré,
por exemplo, a presença exploradora do império romano se manifestava
duplamente, seja pela cobrança de impostos, seja pela presença do
exército (ROSSI, 2015, p. 4).

Os procuradores romanos alocados na Palestina eram provenientes da ordem


dos cavaleiros, bem remunerados, estavam subordinados diretamente ao governo
romano da Síria. As funções dos procuradores eram múltiplas e detinham poderes
civis, militares e jurídicos; residiam na Cesareia, mas possuíam residências, em
geral luxuosas, em Jerusalém para os momentos de festas, épocas em que a Cidade
ficava fervilhando de fiéis.

A conquista romana se deu, inicialmente, sob a forma de aliança com as elites


judaicas, implica dizer que as estruturas de poder dessa elite, por certo período de
tempo, permaneceram intactas e eram exercidas por meio do sinédrio, um tribunal
político-religioso presidido por um sumo sacerdote e formado por mais 71 mem-
bros judeus, entre os quais, anciões, sacerdotes dos partidos saduceus e fariseus;
sua sede era em Jerusalém, porém, nas pequenas aldeias judaicas existiam siné-
drios menores e locais, portanto, no tempo de Jesus e de dominação do império
romano, a elite judaica se fazia presente com seu poder e opressão em todo o terri-

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UNIDADE Messias ou bandidos!

tório dominado. Todavia, ao longo do tempo o império romano, apesar de manter


as estruturas locais funcionando, foi, aos poucos, “romanizando” as estruturas e
aumentando a carga tributária na Palestina, com impostos diretos e indiretos.

A população de pobres e camponeses era taxada nas estradas e até mesmo no


caso de transporte de mercadorias de uma região para outra, de modo que a
situação ficava cada dia mais insuportável, pois não se tratava apenas de uma
questão cultural ou política, mas interferia na própria sobrevivência dessa camada
da sociedade – já bastante espoliada por todos os poderosos de seu tempo. A
ocupação romana era, do ponto de vista do camponês, quase impossível de ser
revertida de forma organizada por toda a sociedade judaica, haja vista que grande
parte da elite local vivia muito bem e sob a benção do império de Roma.

A resistência dessa época deveria,


Lc. 13:1 – Nesse momento, vieram algu- então, reviver a formula de “Davi e
mas pessoas que lhe contaram o que Golias”, ou seja, com pequenos movi-
acontecera com os galileus, cujo sangue
Pilatos havia misturado com o das suas mentos de resistência armada como,
vítimas. por exemplo, os zelotas; mas a situação
não se resolveu, porém, houve muitas
At. 5:36-37 – Antes destes nossos dias
surgiu Teúdas, que pretendia ser alguém, resistências de “davis” contra os roma-
e ao qual aderiram cerca de quatrocentos nos, quem invariavelmente os reprimiu
homens. Mas foi morto, e todos os que violentamente. No Novo Testamento
lhe deram crédito se dissolveram e foram
reduzidos a nada. Depois dele veio Judas, temos testemunhos dessas resistências
o Galileu, na época do recenseamento, e da repressão violenta, ocorridas nos
atraindo o povo atrás de si. Pereceu ele “tempos de Jesus” e que apesar de se-
também, e todos os que lhe obedeciam
foram dispersos.
rem pontuais, não passaram desperce-
bidas pela história.

Segundo Scardelai (1998): “Teúdas foi figura exótica no contexto dos


acontecimentos que antecederam a Grande Guerra judaica. Ele foi preso e executado
por Fado, entre os anos 44 e 46 d.C.” O motivo, porém, não foi exótico, haja vista
que Teúdas estava entre os que ficaram revoltados com a opressão do dominador
estrangeiro e do silêncio da elite judaica, “[...] alega-se que entre as causas de sua
morte esteja o seu envolvimento em tumultos sociais causados no meio popular,
além da colaboração para a propaganda de expectativas redentoras” (SCARDELAI,
1998, p. 191). Esses personagens, tratados como falsos profetas samaritanos,
ou mesmo dos chamados nacionalistas, que pregavam um conteúdo para além
da libertação profética de Israel da dominação romana, eram perseguidos pelo
império e esmagados junto a seus seguidores.

Contudo, para quem esses personagens eram “falsos”? Para o povo oprimido,
ou para o império, este que precisava se livrar dos discursos de libertação que
saiam das bocas desses personagens históricos e que incomodavam também a elite
de seu povo? Pilatos, figura central que ligava o império romano à fé cristã, agia
sempre com violência contra esses discursos de libertação, seja por um enunciado
político engajado, seja pela pregação de homens de fé. Na Samaria, a esperada
restauração profética era uma realidade. O povo judeu, de todas as regiões, estava

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farto das opressões política e econômica impostas por Roma, e pior, o império
não compreendia a dimensão da religião sobre a cultura do povo judaico, quem
encontrava razão em sua fé para combater o opressor.

Para entender a plataforma ideológica da ideia de redenção no final do período do Segundo


Explor

Templo, de modo especial em relação aos samaritanos: primeiro, as motivações religiosas,


nascidas da inclinação natural do povo e da cultura judaica à valorização de forte elo entre
transcendência divina e as demandas da vida humana cotidiana. A aguçada sensibilidade
religiosa, presente até em camponeses galileus semianalfabetos e pouco familiarizados
com formulações doutrinárias e teológicas, não esconde a alta estima que tinham pelas
antigas tradições bíblicas. Ademais, os preceitos e costumes religiosos exerciam impacto
efetivo nas demandas sociais, na vida ordinária e demais diretrizes da vida nacional judaica
(SCARDELAI, 1998, p. 189-190).

Os romanos muitas vezes faziam chacota do sentimento religioso e da cultura


judaica, aspectos que são imbricados na vida dos judeus como um todo e, por
isso, não compreendiam a resistência da população dominada em relação a alguns
detalhes político-administrativos sobre o “humor” dos judeus, de modo que certas
interferências administrativas eram recebidas como forte provocação à cultura do
oprimido; “[...] as interferências políticas e administrativas de governantes romanos
na província da Judéia significavam, automaticamente, uma interferência de alcance
religioso” (SCARDELAI, 1998, p. 189).

Figura 1
fonte: Wikimedia Commons

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Com isso, “[...] os governantes provocavam constantes protestos e comoções


sociais [...]”, de modo que o Pilatos sensato dos evangelhos não condiz com a figu-
ra fria e calculista dos acontecimentos históricos de seu governo: era um homem
autoritário e enérgico em suas decisões político-administrativas, alienado que era
da realidade da Judeia, “[...] demonstrou toda impiedade e ódio aos judeus, tor-
nando-o distante daquele personagem narrado em Mateus (27: 17-19). Longe de
querer ‘salvar’ qualquer suspeito de rebeldia [...]”; em sua realidade cotidiana como
governante, Pilatos “[...] estava mesmo ansioso por se livrar o mais rápido possível
de um líder político e potencialmente problemático. Ele reprime violentamente o
movimento samaritano no monte Garizim, cf. Ant. XVIII, 85-7” (SCARDELAI,
1998, p. 190).

Entre os judeus crentes, existiam os denominados “falsos profetas”, mas o que


devemos levar em consideração é a tentativa de o povo judeu ligar a sua vida on-
tológica à promessa divina de salvação e entender que essa salvação se daria tam-
bém na concretude da vida – e vida em abundância –, vendo que fora prometida
por Deus em Sua aliança com seu povo eleito. Com isso, nos tempos de Jesus os
judeus se apegavam, em segundo lugar, à promessa mosaica. Dito de outra forma,
naqueles tempos o povo se agarrava às promessas de líderes que diziam estar pres-
tes a se “[...] efetivar uma grande promessa do passado. Portanto, a tendência do
movimento era profética em sua natureza, enquanto derivada da tradição mosaica,
e também messiânica pelo seu caráter de expectativa na redenção” (SCARDELAI,
1998, 190).

Contudo, como saber quem era o profeta que haveria de trazer a redenção para o
povo oprimido? Em meio a tanta opressão, o povo simples não sabia distinguir o que
era verdadeiro ou falso profeta, afinal, o que desejavam era se livrar do fardo imposto
pelo império romano; queriam combatê-lo para ter uma vida melhor em sua terra.
Assim, Teúdas era tido por alguns de seus contemporâneos como falso profeta – mas
como saber? Lucas, em seus escritos, tenta demonstrar como identificá-los:
O modo como Lucas escreve esse relato deixa transparecer que o autor
pretende algo mais do que o simples desejo de reprovação de líderes
como Teúdas. Suspeita-se de que o dócil e pouco comprometedor parecer
de Gamaliel tivesse o objetivo não transparente através do texto. Ele traz
em seu bojo o toque sutil do estilo lucano que pretende nos dizer que, ao
contrário de falsos profetas, como Teúdas, o novo movimento de Jesus e
seus seguidores “vem de Deus” e, por isso, nenhuma força poderá destruí-
lo (SCARDELAI, 1998, p. 192).

O importante é que, corroborando com os relatos históricos existentes, nos


tempos de Jesus a opressão do império romano e da elite judaica fez com que
aflorassem diversos movimentos populares de repulsa à opressão sofrida pelo povo
pobre e pelos camponeses daqueles momentos difíceis em que Jesus fez parte:
antes, durante e depois de sua morte – nos séculos I a.C. e I d.C. Em contrapartida,
outro líder da Palestina no século I d.C. foi Judas, uma figura nacionalista e que
lutou contra o império romano. Ademais, as perspectivas de discurso e cronologia

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de suas vidas chama a atenção para o fato de que seus enunciados eram diferentes,
de modo que “[...] seria improvável que um protótipo de liderança nacionalista, da
qualidade de Judas, pudesse compartilhar de ideias carismáticas exacerbadas que
fossem compatíveis com Teúdas” (SCARDELAI, 1998, p. 194).
Há relatos afirmando que os revolucionários não teriam sido dispersos
apesar de terem seu líder fundador, Judas Galileu, sido executado pelos
romanos. Em relação a Teúdas, não existe nenhuma evidência que mostre
com clareza que o movimento por ele iniciado tivesse prosseguido após a
sua morte. Ao contrário, seus seguidores, amedrontados, foram dispersos
e o líder caiu no esquecimento tão logo ficou patente a malsucedida
proposta libertadora. Não é possível conciliar Judas e Teúdas como dois
aspirantes imbuídos dos mesmos critérios messiânicos, como Atos parece
sugerir (RHOADS apud SCARDELAI, 1998, p. 194).

A Palestina dos tempos de Jesus viveu sob o pesado jugo de um grande império
que dominava a região, aliava-se às elites locais e oprimia a população pobre – a
parte mais espoliada nesse jogo de interesses político-econômicos –, onde a questão
social não fazia parte das prioridades das elites no difícil cotidiano do pobre. Segundo
Scardelai (1998, p. 111), “[...] o presente cenário composto de incertezas e de insta-
bilidade político-social em Israel, que transcorre de Judas Galileu até Bar Kokeba (6-
135 d.C.), fez emergir uma longa sequência de movimentos populares revolucioná-
rios [...]”, acrescentando importante comentário sobre o contexto da vinda do
Messias: “[...] os dados históricos paralelos presentes na narrativa do nascimento de
Jesus de Nazaré [...] dão mostras de que uma pesada atmosfera de instabilidade social
pairava sobre a nação judaica [...]” (SCARDELAI, 1998, p. 110).

Assim, Jesus, o Messias


Naqueles dias apareceu um edito de Cesar Augusto, da nova, definitiva e eter-
ordenando o recenseamento de todo o mundo ha- na aliança entre Deus e os
bitado. Esse recenseamento foi o primeiro enquanto
homens, conheceu em seu
Quirino era governador da Síria. E todos iam se alistar,
cada um na sua própria cidade. José também subiu contexto histórico alguns
da Cidade de Nazar, na Galileia, para a Judeia, na Ci- movimentos de repúdio à
dade de Davi, chamada de Belém, por ser da casa e opressão do império romano
da família de Davi, para se inscrever com Maria, sua
mulher, que estava grávida. Enquanto lá estavam, a seu povo, e como veio para
completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz salvar todos os oprimidos,
o seu filho primogênito, envolvendo-o com faixas e Jesus não ficou indiferente
reclinou-o em uma manjedoura, porque não havia
um lugar para eles na sala (Lc. 2, 1-7).
às questões políticas e sociais
que os oprimiam.

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UNIDADE Messias ou bandidos!

O “Banditismo” Social
Segundo Horsley e Hanson (1995), nos tempos de Jesus ocorreram dois fatos
muito importantes na Palestina, a saber: vida e morte do próprio Jesus e a Revolta
Judaica dos anos 60 do século I. No caso de Jesus, em meio a dominação do impé-
rio romano, surgia “[...] um profeta judeu da longínqua região da Galiléia, tornou-
-se a figura central do que veio a ser o cristianismo e se tornou a fé e a instituição
religiosa estabelecida predominante do Ocidente [...]”; e não muito tempo depois
da morte desse Personagem, que se tornaria parte importantíssima da história
humana, “[...] o povo judeu irrompeu numa revolta maciça contra a dominação
romana, que levou mais de quatro anos para ser debelada [...]” (HORSLEY; HAN-
SON, 1995, p. 7).

A Rebelião dos Judeus durante a dominação romana na Palestina, levou o im-


pério a praticamente devastar o território, e muito pior, para um povo apegado à
tradição religiosa, “pedra de toque” de sua cultura, onde o Templo de Jerusalém
é até à contemporaneidade um monumento de forte apelo sentimental para esse
povo, foi totalmente destruído. Tal fato, porém:
Resultou num grande ponto de virada tanto para a tradição religiosa judaica
como para a cristã. Em reação contra o espírito apocalíptico e o ímpeto
revolucionário, sábios fariseus moderados lançaram os fundamentos não
só da sociedade judaica reconstruída, mas também daquilo que veio a ser
o judaísmo rabínico. Além disso, em consequência da supressão romana
da revolta judaica, o movimento cristão nascente afastou-se de Jerusalém
e do templo como centro geográfico e simbólico (HORSLEY; HANSON,
1995, p. 7).

A atuação de Jesus, em sua maior parte, deu-se fora de Jerusalém, o Salvador


percorreu toda a região, perambulando de uma aldeia a outra durante toda a Sua
vida, “[...] na forma mais característica do seu ensino, as parábolas, tira analogias
das experiências da vida camponesa na Galiléia”.

Os camponeses que Jesus citava insistentemente como exemplos em seus


ensinamentos, corresponderam ao material humano preponderante nas revoltas
contra os dominadores romanos dos séculos I a.C. e I d.C., “[...] em ambos os
eventos os camponeses judeus foram a força dinâmica, a fonte original da mudança
histórica e das suas ramificações [...] foram os camponeses que forneceram a imensa
maioria daqueles que originalmente expulsaram os romanos”, e foi essa camada
social que resistiu à reconquista da Palestina pelos romanos durante muito tempo,
foram esses os protagonistas de sua história, e como em qualquer história, os
movimentos sociais que resistem à dominação das elites que controlam os modos
de produção, são criminalizados e taxados de bandidos, assim como nos dias atuais
e em toda parte.

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Os movimentos messiânicos na região da Palestina antecederam, sobreviveram
e sucederam a Jesus; o camponês oprimido foi lutar pela sua sobrevivência, mesmo
colocando em risco a própria vida para dar uma existência digna ao seu povo. Esses
pobres judeus “[...] uniam-se em certos tipos de grupos e movimentos, conforme
sabemos pelo historiador judeu Josefo, pela tradição cristã dos evangelhos e outros
relatos fragmentários [...]” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 8).

Os movimentos na Palestina eram, em suas bases, contrários à dominação


romana e à elite judaica aliada aos opressores estrangeiros. Para Horsley e Hanson
(1995) existem semelhanças e diferenças significativas entre os vários grupos que
lutavam pela libertação do povo judeu em relação ao movimento liderado por
Jesus, “[...] a oposição ao domínio romano na Palestina judaica pode ter sido bem
mais difundida e espontânea, embora talvez politicamente menos consciente do
que se imaginava [...]”, isso porque, anteriormente, os estudos acadêmicos sobre
os movimentos sociais na Palestina levavam muito em consideração as ações de
zelotas, sobrevalorizando tal movimento, “[...] que supostamente queria provocar
a revolução sessenta anos antes do seu acontecimento efetivo [...]” (HORSLEY;
HANSON, 1995, p. 8).

O certo mesmo é afirmar que quase todos os movimentos/eventos populares da


Palestina nos tempos de Jesus “[...] tinham orientação anti-romana. Especialmente
os movimentos mais organizados, liderados por profetas ou messias populares,
que buscavam conscientemente um tipo particular de libertação [...]”, afinal, eram
também movimentos que combatiam a elite judaica que se deixava dominar pelas
vantagens político-econômicas oferecidas pelos romanos. Ou seja, atrelados aos
dominadores pelos benefícios particulares oferecidos, a elite local deixava de cum-
prir sua função social em relação ao camponês e ao pobre de Israel. Por fim, para
a nossa análise do banditismo social na Palestina, “[...] a situação da sociedade ju-
daica era claramente mais complexa do que se imaginava com a idéia de um único
movimento organizado de resistência [...]” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 8).

Na Palestina judaica, para além da dominação romana, o povo que formou


a nação israelita foi se constituindo historicamente em duas classes sociais e tais
grupos viveram em tensão, “[...] pois tal estrutura, quando mais de 90 por cento
são camponeses dominados por uma pequena minoria, está sujeita a tensões
quase inevitáveis que são um fator maior no seu desenvolvimento histórico [...]”
(HORSLEY; HANSON, 1995, p. 23). O povo que esteve sob a liderança de
Javé, Moisés e outros líderes anteriores à institucionalização da religião judaica
no Templo, formavam uma nação independente e livre da dominação de classes
hierarquicamente constituídas, “[...] mas também formaram uma aliança com Javé
e entre si para manter esta liberdade [...]” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 24).

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Observe que para o judeu, a sua aliança com Deus era mais importante que
qualquer institucionalização religiosa:
Através da memória coletiva do povo, finalmente fixada na forma dos
relatos bíblicos, essas circunstâncias dos camponeses, livres de senhores
e reis, independentes de dominação estrangeira, vivendo sob o governo
de Deus numa sociedade justa e igualitária, tornaram-se um ponto de
referência para as gerações subsequentes um ideal utópico com que
comparavam a sujeição posterior a reis e impérios estrangeiros e julgavam
contrárias à vontade de Deus (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 24-25).

Essa liberdade, fator importantíssimo para a sociedade judaica, considerava que


a aliança realizada com Deus, por meio de Moisés e depois renovada sob a liderança
de Josué, em Siquém, funcionava para essa sociedade como uma constituição não
escrita no Israel Antigo – quem garantia essa lealdade era o próprio Deus, sem
culto estabelecido em um Templo.

Sob a dominação estrangeira, contudo, o povo de Israel já estava calejado


de viver, mas nunca se conformou com tal situação, haja vista o que acabamos
de verificar sobre a constituição desse povo sob o ideal de liberdade e igualdade
social. Para as elites, fossem nacionais ou estrangeiras, a reação do pobre oprimido
sempre era taxada como algo anômalo, vingativo, de um povo que não reconhecia
as “bondades” que lhe eram oferecidas como de pai para filho – as elites, em
geral, eram paternalistas. Contudo, o povo explorado, inconformado com a
própria condição, em certas ocasiões da história humana, reagiu – e muitas vezes
com violência – contra as truculências que lhes eram aplicadas, de modo que o
banditismo social, segundo relatam Horsley e Hanson (1995, p. 57), “surge em
sociedades agrárias tradicionais, em que camponeses são explorados por governos
e proprietários de terras, particularmente em situações nas quais os camponeses
são economicamente vulneráveis [...] e os governos ineficientes”.

O banditismo social não é um fenômeno premeditado contra as elites; surge em


contextos de exploração e “[...] pode aumentar em épocas de crise econômica,
incitado pela fome ou elevada tributação, por exemplo, bem como em períodos de
desintegração social, talvez resultante da imposição de um novo sistema político ou
econômico-social”. Em seus estudos, Eric Hobsbawm (apud HORSLEY; HANSON,
1995, p. 57-58) acreditava que os bandidos que se tornaram lendas populares,
foram-no por fazerem justiça para o povo simples, “[...] muitas vezes funcionam
como campeões da justiça para o povo simples e geralmente gozam de apoio dos
camponeses locais [...] em vez de ajudar as autoridades a capturar bandidos, o povo
poderá protegê-los”.

Esses “bandidos” são, às vezes, a única forma de justiça que prevalece entre o
camponês e o pobre de Israel, “[...] emergem de incidentes e circunstâncias em
que aquilo que é imposto pelo Estado ou pelos governantes locais é percebido
como injusto e intolerável [...]” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 58). O que é
interessante observar aqui é o fenômeno rural da situação, ou seja, é justamente

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esse o contexto histórico de Jesus, onde o “banditismo social” é observado, ou
seja, “[...] é encontrado universalmente em sociedades baseadas na agricultura, e
compõe-se predominantemente de camponeses e trabalhadores rurais sem-terra,
dominados, oprimidos e explorados por outros, proprietários, cidades, governos”
(HOBSBAWM apud HORSLEY; HANSON, 1995, p. 58).

Na Palestina, a condição socioeconômica dos judeus nos tempos de Jesus era


calamitosa, de modo que não foi surpresa o ressurgimento do que chamamos
aqui de “banditismo social”, afinal, nessa situação “[...] os camponeses que não
conseguem acompanhar os crescentes impostos ou arrendamentos são excluídos
da terra e se tornam sujeitos às exações dos proprietários e governantes [...],
forçando-os a procurar outro meio de vida [...]” (HORSLEY; HANSON, 1995, p.
58). Tal situação de miséria dos camponeses, em muitos casos por não disporem
de outra opção, acabava por levá-los a seguir algum tipo de profeta ou messias que
clamasse pela libertação de seu povo do pesado jugo enfrentado pela dominação
estrangeira e pela exploração das elites, de modo que esses camponeses, às vezes,
rebelavam-se contra o sistema de opressão, atacando-o não apenas com palavras,
mas com ações concretas.

Em comum às revoltas capitaneadas pelo “banditismo social”, há semelhança às


condições socioeconômicas do camponês empobrecido, que segue seu profeta no
deserto, ou é levado a “[...] levantar-se em rebeliões contra seus senhores judeus
e romanos, quando era dado o sinal por algum ‘rei’ carismático, ou fugir para as
montanhas, juntando-se a algum bando de salteadores” (HORSLEY; HANSON,
1995, p. 59).

Assim, nos tempos de Jesus, o camponês se inquietava com a falta do que comer
e vestir, ou seja, estava insatisfeito com a própria situação de vida e incomodava-
se com os excessos dos governantes, com a falta de caráter, a ilegitimidade e o
comportamento das elites dominantes, porque era do suor do camponês que saia o
sustento dos excessos desses governantes; “[...] naturalmente, a maneira como os
camponeses judeus reagiam tinha muito que ver com o modo como eles pensavam
que tais relações deviam ser [...]”, como se desenvolviam na realidade, “[...] e os
camponeses não eram ingênuos e enxergavam os abusos cometidos contra eles”
(HORSLEY; HANSON, 1995, p. 61).

Era praticado todo tipo de abuso contra os pobres, havia a dupla taxação e
outros tipos de exploração, “[...] muitas vezes os exércitos romanos devastavam
as aldeias e suas populações [...]”; em certa ocasião, Gofna, Emaús, Lida e Tamna
estavam com os “impostos especiais”, pedidos por Cássio, atrasados e, por esta
razão, foram escravizados pelo governador dessas regiões. Ademais, para não nos
restringirmos aos abusos do império romano ao fator político-econômico, em outra
ocasião, especificamente na região de Emaús, “[...] um general romano, Maqueras,
irritado com líderes judeus rivais, matou todos os judeus que encontrou na sua
retirada de Jerusalém a Emaús” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 64).

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UNIDADE Messias ou bandidos!

Ainda segundo esses autores, “[...] em condições tão difíceis para os camponeses
judeus, não surpreendem os surtos de banditismo [...]”, e também “[...] não causa
nenhuma surpresa o crescimento do banditismo no rastro desse período de guerra
civil e lutas político-econômicas”. Muitos líderes surgiram para se revoltarem contra
essa situação de extrema opressão, entre os quais, Ezequias, “[...] um líder salteador
com um bando muito grande, estava assolando a região da fronteira síria [...] os
galileus que aderiram ao bando de
Pensando na opressão exercida pelo salteadores liderados por Ezequias
império romano, não deixe de refletir provavelmente eram vítimas e fugitivos
sobre as palavras de Jesus e relacioná-las da situação social e política [...]”, e dessa
ao Evangelho de João de forma concreta
naquela história que, para além dos falsos
feita não foi da opressão estrangeira,
profetas, havia também as opressões mas “[...] do poder, recentemente
política e econômica de um dominador adquirido, da nobreza local que Herodes,
cruel, que roubava a liberdade e a vida delegado pelo seu pai, Antípatro, para
dos camponeses e pobres nos tempos
de Jesus, este que se preocupava com governar a Galiléia, quem logo capturou
a concretude da vida. “O ladrão vem só e matou Ezequias e numerosos dos seus
para roubar, matar e destruir. Eu vim para salteadores, para a grande satisfação
que todos tenham vida e a tenham em
abundância” (Jo, 10:10). dos sírios” (HORSLEY; HANSON,
1995, p. 69-70).

Os “bandidos” eram para os camponeses uma forma de justiça divina que jamais
encontrariam naquela sociedade hierarquizada, já bastante distante e deformada
da antiga aliança com Javé e Sua Lei. Aliança realizada com Javé, sob a liderança
de Moisés e que depois foi renovada por meio de Josué, em Siquém. Esse povo
oprimido precisava de algum tipo de justiça e consolo, e naqueles dias não tinham
outra alternativa senão a de depositar sua confiança nesses “bandidos” que viveram
nos tempos de Jesus, do século I a.C. até quase o final do século I d.C.
Em resumo, contra o regime injusto e opressor da elite local ou de um
governo distante, o povo simples protege seus parentes e amigos que se
meteram em dificuldades com a lei e a ordem oficial, por intransigência ou
má sorte. O salteador social é considerado um herói da justiça e um sím-
bolo da esperança do povo pela restauração de uma ordem mais justa [...].
Ezequias e seus seguidores, quase um século antes, ofereceram o exemplo
mais claro de salteadores como heróis inocentes, vítimas da Lei e da or-
dem imposta pelo jovem Herodes (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 75).

A revolta camponesa não é consequência do banditismo social, mas pode ser


insuflada por este. Segundo Horsley e Hanson (1995, p. 80), “[...] a maioria dos
bandidos atua apenas alguns anos até ser presa ou morta [...] há casos [...] em que
a difusão do banditismo levou a amplas revoltas populares ou foi acompanhado
por elas”, uma ocorrência desse imbricamento pode ser encontrada onde “[...]
as forças dos salteadores das cavernas de 38 a.C. estavam ligadas com outras
formas de contínua resistência popular à conquista da Galiléia por Herodes [...], o
banditismo judaico periodicamente ameaçava desencadear grandes perturbações”.

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Nos tempos de Jesus, as insurreições camponesas foram combustível para uma
oposição ativa contra a ordem estabelecida, ou seja, formavam as condições neces-
sárias para o povo oprimido se fazer notar pela elite dominante, pois era uma for-
ma de demonstração de que as coisas estavam muito erradas na sociedade judaica.

Os salteadores, durante a Revolta Judaica de 66 d.C., formaram importante


contingente de resistência aos abusos dos dominadores estrangeiros, “[...] a cavalaria
romana devastou a região, matando grande número de pessoas, saqueando suas
propriedades e incendiando suas aldeias”; porém, a resistência ao império romano
já estava articulada e “[...] já havia diversos grandes grupos de salteadores ativos na
Galiléia [...], estas ações típicas para esmagar a rebelião só serviram para multiplicar
o número de salteadores” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 81).

Os salteadores multiplicavam as suas atividades contra o dominador estrangei-


ro durante a Revolta Judaica, causando temporariamente a dispersão do exército
romano. Apesar da posterior derrota, os camponeses foram se juntando aos salte-
adores, pois por onde o exército romano passava ficava um grande deserto; “[...] a
julgar pela narrativa geral de Josefo, parece que esses camponeses transformados
em bandidos constituíam as forças principais da rebelião na zona rural da Judéia”
(HORSLEY; HANSON, 1995, p. 84). Enquanto as autoridades tinham o forte
propósito de exterminar o “banditismo social”, os camponeses, na contramão da
ordem estabelecida, em muitas ocasiões arriscavam suas vidas para os proteger.
Quando o seu senso de justiça era ofendido pelas ações ou falta de
ações, das autoridades, os camponeses não hesitavam em apelar para
os salteadores, que como na lenda de Robin Hood, podem bem ter sido
heróis da justiça e também símbolos da injustiça, para ajudá-la a tomar
vingança e assim fazer justiça (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 84).

A Tradição Messiânica e a Esperança de


Salvação para o Povo Oprimido
Entre os judeus, havia a esperança de que pudesse vir um salvador/libertador
e isto se deve à tradição bíblica. Essa “certeza” se tornou muito forte no primeiro
século da Era Cristã e uma razão para isso está na opressão vivida pelo povo judeu,
que estava a várias décadas sob o domínio estrangeiro. Como vimos, não se tratava
de novidade para esse povo, o qual já havia passado por diversas provações ao
longo de sua história, porém, estava cada vez mais difícil suportar a tirania dos
romanos, fosse por meio das pesadas taxas pagas pelos pobres e camponeses,
fosse pela forma como o exército estrangeiro reprimia com violência a resistência
à dominação romana.

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UNIDADE Messias ou bandidos!

De acordo com Scardelai (1998, p. 5), “[...] existem provas significativas de que
a crença de cunho libertador foi o que, na verdade, motivou o aparecimento de
novas lideranças político-religiosas com o intuito de estabelecer a redenção de Israel
nos moldes de conhecidas tradições bíblicas”.

Nesse contexto histórico sugiram


Três títulos-chave foram especialmente alguns líderes que representaram o
delineados como matrizes sobre as quais ideal messiânico do povo de Israel – e
os critérios para a condição messiânica a situação era desesperadora para os
se deram na terra de Israel em luta por
liberdade: um era a expectativa de um judeus que, muitas vezes levados pelo
“rei Messias, filho de Davi”; outro a do desejo de restauração de sua pátria, não
“messias, filho de José”; o terceiro era a hesitaram em acreditar em aventureiros;
de um redentor “profeta”. por isso alguns estudos apontam para
certos “movimentos messiânicos”
durante os dois primeiros séculos da Era Cristã. Dentro dessa tradição se situa a
crença de que Jesus de Nazaré seja o messias que não foi reconhecido por todo
o seu povo, dado que “[...] a tradição cristã declarou frequentemente que Jesus
de Nazaré foi o messias enviado ao povo judeu, o mesmo povo que o rejeitou”
(SCARDELAI, 1998, p. 5-6).

Em um contexto conturbado, como o em que viveu Jesus de Nazaré, a ansiedade


para se alcançar a libertação do povo judeu, que era oprimido, mais uma vez era
muito grande; por isso devemos levar em consideração que muitos se deixaram
levar por diversas propostas libertadoras, por inúmeros “messias” que surgiram e
que tentaram levar o povo à liberdade; assim, “[...] não faltaram aqueles que, ávidos
pela libertação político-religiosa de Israel, se entregaram de corpo e alma à luta
por um ideal. Outros se consideravam, inclusive, legítimos defensores e supostos
salvadores do povo de Israel” (SCARDELAI, 1998, p. 6).

Importante! Importante!

Não podemos confundir o “peso” que uma palavra, um conceito, tem em cada
contexto histórico.

A palavra messias durante os tempos antigos era indistintamente aplicada a


qualquer pessoa que fosse “ungida com óleo”. Devido a esta consagração,
o ato de ungir colocava tanto o “sacerdote”, como o “rei” e o “profeta” no
mesmo nível de “ungido”. Noções desta tríplice função foram registradas
por Flávio Josefo como sendo os “três maiores privilégios” com os quais
um verdadeiro e honrado governador era investido de autoridade, a saber:
“governo da nação, ofício de sumo sacerdote e o dom da profecia” [...].
Deve ter havido uma forte influência desse costume que levou a moldar a
crença messiânica (SCARDELAI, 1998, p. 21-22).

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O povo de Israel esperava, dentro da tradição do que significou ser messias no
judaísmo: um líder eloquente, homem de caráter ilibado, profeta e sacerdote para
guiar seu povo rumo à libertação. E quem propunha um messias salvador era a
tradição “farisaico-rabínico” do judaísmo dos tempos de Jesus, na terra de Israel,
e Jesus foi um judeu praticante, de modo que o não reconhecimento de parte de
seu povo não tira a força de sua palavra de libertação. Muitos creram em Jesus em
meio a tantas propostas de libertação.

Lucas 2,21 – “Oito dias mais tarde, quando chegou o momento da circuncisão do menino,
Explor

chamaram-no com o nome de Jesus, como o anjo o chamara antes de ser concebido”. Para
saber mais sobre o seguimento de Jesus nas tradições judaicas, ler Jesus Judeu Praticante,
de Ephraïm, publicado pela Editora Paulinas, em 1998.

No primeiro século da Era Cristã, a complexa doutrina da redenção estava


ainda em formação e era muito fragmentada, segundo Scardelai (1998). Ou seja,
o ambiente judaico era muito conturbado e a esperança de salvação poderia levar
o povo a se apegar a diversas propostas desconexas, minimamente formuladas
por grupos ávidos por se libertar da dominação romana. Pelas palavras de Flávio
Josefo podemos perceber que “[...] a insistente reivindicação popular por reformas
sociais alcançava seu ápice em explosões de conflitos periódicos entre as forças
da classe dominante, composta por autoridades romanas com a colaboração de
dirigentes judeus e grupos camponeses” (SCARDELAI, 1998, p. 214).

Esse ambiente nos remete a pensar que o líder que libertaria o povo de Israel
não estava entre os dirigentes judeus, isso porque a elite judaica estava em aliança
espúria com os dominadores e o messias deveria ser um dirigente reto, temente à
palavra de Deus – e não alguém que se aliava ao dominador, que não professava
a mesma fé de seu povo. Entre os inúmeros pretendentes a messias, Jesus se
encaixava no protótipo do líder esperado pelos judeus: era descendente da casa de
Davi, não estava em aliança com os romanos e ainda exortava o povo à obediência
a Deus, um Deus para todo o povo de Israel – e não um Deus prisioneiro do
Templo e da Lei.

Jesus se distinguia dos movimentos messiânicos de seu tempo, o seu grupo


estava distante ideologicamente dos representados pelo “banditismo social”, dos
“salteadores” e de grupos com pretensões militares; tampouco poderíamos dizer
que as características dos cristãos se assemelhavam aos zelotas, “[...] nenhum dos
aspectos comprometedores de um revolucionário parecem ser sugeridos pela
narrativa de Josefo sobre Jesus”. Porém, assim como todos esses grupos que
estavam descontentes com a opressão imposta aos judeus, Jesus queria a libertação
de seu povo do jugo do dominador: “Jesus é um produto natural desse fértil solo
galileu [...], pode muito bem ser enquadrado dentro do judaísmo carismático da
Galiléia do primeiro século, tendo como referencial os paralelos com outras figuras
carismáticas” (SCARDELAI, 1998, p. 214-45).

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UNIDADE Messias ou bandidos!

Os seguidores de Jesus criam que era o libertador de Israel, dado que tal crença
não era à toa, pois em sua condenação à morte, uma das acusações foi a de que
era o “Rei dos judeus” (Mt. 27, 37), e para pensarmos que esse homem judeu
da Galileia era o messias esperado pelo povo judeu e que era a esperança para a
libertação, podemos situá-lo dentro da perspectiva redentora, “[...] presente nas
possíveis intenções de Jesus [...]”, para isso, torna-se necessário “situá-lo a partir
da sua descida da Galiléia até Jerusalém, na Judéia, na fase final de seu ministério,
num período-chave dos festejos religiosos judeus, a Páscoa” – trata-se de um
acontecimento cultural com carga político-religiosa muito forte para os judeus.

Dentro desse clima conturbado, Jesus se fez presente como portador da missão
redentora de seu povo, segundo os profetas do Antigo Testamento: “A Páscoa,
evidentemente, sempre foi o fio condutor do espírito salvífico judaico, presente
nas tradições antigas. A futura redenção de Israel, aliás, era esperada realizar-se no
tempo da Páscoa, tempo que Israel estaria se preparando para receber seu Rei” –
e não era qualquer rei, pois deveria ser da descendência de Davi “[...] para reinar
o destino da nação em que espelharia a Era Áurea da Monarquia” (SCARDELAI,
1998, p. 247).

Vários acontecimentos nesse contexto nos levam a crer que grande parte
do povo de Israel cria que Jesus era seu libertador e que estava envolvido na
libertação de seu povo, este que esperava por tal dia e por seu messias, afinal,
“[...] a calorosa recepção e a demonstração popular a Jesus quando adentrava a
Cidade é particularmente impressionante. A atribuição de ‘rei’ acentuou o aspecto
escatológico, herdada de antigo costume de saudar um soberano judeu”, saudação
que vai ao encontro das expectativas que esse povo tinha em relação a Jesus,
pois era “[...] aguardado para restaurar o reinado davídico em Judá, as marcas do
messianismo são claramente expostas: Hosana! Bendito o que vem em nome do
Senhor!” (SCARDELAI, 1998, p. 248).

Em suma, Jesus foi um líder carismático, que carregou em seu contexto histórico
a esperança de salvação para um povo oprimido, de modo que até hoje é tido
pelos cristãos como o verdadeiro messias, aquele que deu sua vida para salvar a
humanidade; em seu tempo, Jesus também foi reconhecido como o libertador por
uma grande parcela de seu povo oprimido pelos poderosos de seu tempo.
Ora, o ato de aclamar publicamente um rei detinha um significado simbólico
através do qual a população manifestava seu apoio em reconhecimento
ao legítimo rei de Israel. Ungir e eleger um rei, ainda que não oficializado
por celebrações e cerimônias, significou um gesto peculiar revolucionário,
incorporado posteriormente nas tradições messiânicas de Israel. Por isso,
os movimentos messiânicos do tempo de Jesus aparecem tão permeados
pelo espírito patriótico e político. Apesar de haver variações e acréscimos
quanto aos pormenores, a narrativa relativa à entrada solene de Jesus em
Jerusalém pode ser tomada como episódio parcialmente histórico que
tem caráter de demonstração messiânica espontânea, ocorrido nas ruas
da Cidade (SCARDELAI, 1998, p. 249).

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Jesus não foi reconhecido oficialmente pela elite de Israel e por parte de seu
povo, o judeu, que muitas vezes seguiu outros homens dentro da tradição messiânica
de Israel e deu fé desse povo na libertação vinda de um messias-rei; mas foi através
da tradição cristã que esse homem-deus se tornou o salvador da humanidade e
permanece vivo o seu nome e a sua história por mais de dois mil anos. A vida
de Jesus é contada e recontada através dos séculos por meio de uma história
teologizada, mas que ganha força de verdade para os que Nele creem e o seguem
até os tempos hodiernos. “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e
foi quem as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (Jo, 21, 24).

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UNIDADE Messias ou bandidos!

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
O essencial de Jesus
CROSSAN, J. D. O essencial de Jesus: frases originais e primeiras imagens. Belo
Horizonte, MG: Jardim dos Livros, 2008.
O nascimento do cristianismo
______. O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram à
execução de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004.
Jesus
______. Jesus: uma biografia revolucionária. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
O Jesus histórico
______. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu do Mediterrâneo. Rio de
Janeiro: Imago, 1994.
Paulo e o império
ELLIOT, N. A mensagem anti-imperial da cruz. In: HORSLEY, R. A. (Org.). Paulo e
o império: religião e poder na sociedade imperial romana. São Paulo: Paulus, 2004.
p. 169-184.

26
Referências
BRITO, J. G. de. A figura de Jesus Cristo no livro Jesus de Nazaré, de Joseph
Ratzinger. 2014. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Universidade Católica
Portuguesa, 2014.

GOODMAN, M. A classe dirigente da Judéia: as origens da Revolta Judaica


contra Roma, 66-70 d.C. Rio de Janeiro: Imago,1994.

HORSLEY, R. A. Paulo e o império: religião e poder na sociedade imperial


romana. São Paulo: Paulus, 2004a.

______. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São


Paulo: Paulus, 2004b.

______. Arqueologia, história e sociedade na Galiléia: o contexto social de


Jesus e dos rabis. São Paulo: Paulus, 2000.

______. Jesus and the spiral of violence. San Francisco: Harper & Row, 1987.

______.; HANSON, J. S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares


no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.

HORSLEY, R. A.; SILBERMAN, N. A. A mensagem e o reino: como Jesus e


Paulo deram início a uma revolução e transformaram o mundo antigo. v. 1. São
Paulo: Loyola, 2000.

LOHSE, E. O contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas,


2000.

MEIER, J. P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. Rio de Janeiro:


Imago, 1992.

NOLAN, A. Jesus antes do cristianismo. 4. ed. São Paulo: Paulus, 1987.

OVERMAN, J. A. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo. São Paulo:


Loyola, 1997.

ROCHA. I. E. Dominadores e dominados na Palestina do século I. História, São


Paulo, v. 23, n. 1-2, p. 239-258, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/his/v23n1-2/a12v2312.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017.

ROSSI, L. A. S. Perspectivas imperiais no primeiro século. In: CONGRESSO


ANPTECRE, 5., 2015. Anais... [S.l.: s.n.], 2015.

SAULNIER, C.; ROLLAND, B. A Palestina nos tempos de Jesus. São Paulo:


Paulus, 1983.

SCARDELAI, D. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros


messias. São Paulo: Paulus, 1998.

27
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UNIDADE Messias ou bandidos!

SILVA. R. M. dos S. A Judeia romana: política, poder e desagregação econômica.


[20--]. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/
praticas-discursivas/artigos/judeia.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017.

VIDAL, M. Um judeu chamado Jesus: uma leitura do Evangelho à luz da Torá.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

VOLKMANN, M. Jesus e o Templo. São Paulo: Sinodal-Paulinas, 1992.

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