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Religiões Africanas
e Orientais
Material Teórico
Religiões “Tradicionais” Africanas
Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina F. Moreira
Religiões “Tradicionais” Africanas
• Introdução;
• Dificuldades ao Estudar as Religiões Tradicionais;
• Aspectos das Religiões “Tradicionais” Africanas;
• Distribuição das Religiões no Continente Africano;
• Características Gerais das Religiões Tradicionais Africanas;
• Noção de Deus;
• Características das Religiões dos Complexos Banto e Sudanês.
OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Apresentar um panorama das religiões “tradicionais” africanas, seus
principais aspectos cosmológicos, teológicos e rituais.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.
Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.
Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.
Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Introdução
O objetivo central desta Unidade é apresentar um panorama das religiões “tradi-
cionais” africanas, seus principais aspectos cosmológicos, teológicos e rituais. Nesse
sentido, a primeira coisa que nos vêm à mente é: o que, ou quais são as religiões
tradicionais africanas?
Por que será que, na vida cotidiana, continuamos a usar topônimos para classificar gru-
Explor
pos de regiões como se o espaço por si só fosse capaz de determinar os aspectos de uma
cosmologia religiosa?
Dividimos, portanto, este material em três partes: na primeira delas, vamos refletir
sobre os aspectos sóciogeográficos do universo religioso africano e os principais pon-
tos em comum da sua cosmologia; na segunda, apresentaremos algumas caracterís-
ticas dessas religiões e, por fim, na terceira, nos fixaremos nos dois grandes grupos
que influenciaram diretamente a configuração das religiões afro-americanas a partir
do século XVI: os Bantos e os Sudaneses.
Quando estiver pronto, podemos começar nossa viagem à África e seu univer-
so religioso.
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escritos, os pesquisadores têm dificuldades em acessar o conteúdo das crenças e de
retraçar suas origens. Ao lado disso, Louis-Vicent Thomas e René Luneau (1995)
acrescentam dois outros obstáculos: o caráter esotérico dessas religiões e a longevi-
dade do ciclo ritual.
Vejamos mais de perto esses aspectos e como eles podem ser contornados.
Oralidade
Diferente das religiões monoteístas (cristianismo, islã e judaísmo) e algumas religiões
de origem oriental, que possuem um livro sagrado ou um conjunto de textos escritos
que explicitam o conteúdo da crença e, em certa medida, organizam e orientam a prá-
tica religiosa, isso não é observado no contexto religioso negro-africano.
William Bascom compilou o conjunto de poemas míticos que compõem o complexo jogo
Explor
divinatório de Ifá, usado em muitas religiões do complexo iorubá. No Brasil, Pierre Verger
recolheu um conjunto de mitos dos orixás no livro 1991.
Tem-se, portanto, as narrativas míticas como uma grande fonte de informação so-
bre as religiões africanas. Ao lado delas, o conjunto de informações coletadas pelos
europeus que entraram em contato com esses grupos: funcionários públicos, membros
das expedições militares, viajantes, comerciantes e missionários religiosos. Claro que as
informações coletadas por esses sujeitos, ao serem acolhidas pelos estudiosos, passaram
por depurações a fim de eliminarem alguns traços preconceituosos e interpretações
enviesadas. Infelizmente, parte dos preconceitos que se observa sobre as cosmologias
africanas advém de tais interpretações de suas crenças.
Somente a partir das missões antropológicas (na virada do século XIX para o XX)
é que se começou a coletar informações mais fidedignas sobre as religiões africanas,
seguindo critérios científicos mais confiáveis. Isso infelizmente não impediu que ain-
da fossem cometidos alguns equívocos.
Um bom exemplo do trabalho dos antropólogos sobre as religiões africanas pode ser en-
Explor
contrado na obra Oráculo, bruxaria e magia entre os Azande, escrito pelo etnólogo
inglês E. E. Evans-Pritchard (2004).
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Esoterismo
Importante! Importante!
O termo esotérico, nesse contexto, refere-se ao caráter secreto das religiões, isto é, ao
fato de que o acesso ao conhecimento a determinados elementos rituais, cosmológicos
e doutrinários só é acessível aos fiéis por meio do processo iniciático sendo, portanto,
vedado aos que não pertencem à religião.
Os Fula (Peuls, em francês) são um povo localizado, sobretudo, na África Central, do norte
Explor
africano até o Sudão e na região sudanesa, presentes em cerca de quinze países. Etnia
nômade, versada no pastoreio, atualmente conta com uma população estimada entre 35
e 40 milhões, sendo que a maioria professa a fé islâmica, mas realizam também rituais das
religiões tradicionais. Consulte LOPES, Nei. Dicionário de História da África – séculos XII-XVI.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
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Ciclo Ritual
Aliado ao aspecto esotérico (secreto) dessas religiões está o caráter ritual de suas prá-
ticas. Como fora dito acima, o fiel adquire maior conhecimento sobre a sua crença na
medida em que vai ultrapassando os vários graus de iniciação e pertencimento. Fato é
que essas etapas podem chegar a oitenta anos, em alguns casos (Thomas e Luneau,
1995, p.7), de modo que é quase impossível para um indivíduo vivenciar em sua própria
trajetória todos os rituais. É preciso ter em mente que tais ritos variam de acordo com o
gênero, a idade e ao status social do indivíduo. Assim, em algumas sociedades, raramen-
te um homem terá conhecimento dos rituais pelos quais passa uma mulher, e o contrário.
Tendo em conta essas dificuldades, Thomas e Luneau advertem que é preciso “des-
confiar das hipóteses fáceis” (1995), isto é, explicações que tentam dar conta da to-
talidade de cada uma das religiões tradicionais africanas sem considerar suas especifi-
cidades. Claro que, a partir do conhecimento acumulado sobre esse tema, podemos
enunciar algumas hipóteses mais gerais (como veremos mais abaixo), significando que,
ao afirmarmos que nessas religiões o culto aos antepassados ocupa e encontra uma
posição central, estamos considerando que, embora os modelos rituais possam variar,
os ancestrais participam da vida social dos vivos.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Por vezes, chegamos a relacionar o islã aos árabes (sobretudo, devido à língua ritual
ser o árabe), ou o catolicismo à Europa (uma vez que a sede da Igreja Católica se en-
contra nesse continente, na Cidade-Estado do Vaticano), ou ainda, podemos identificar
os judeus com os semitas e os conflitos entre Israel e Palestina. Entretanto, em nenhum
desses casos pensamos essas religiões como étnicas, isto é, pertencentes a um grupo
específico, tal como fazemos com os grupos ameríndios, africanos e orientais. Em par-
te, isso se explica pelo fato de que os primeiros estudiosos do fenômeno religioso eram
europeus (e boa parte deles cristãos), que passaram a analisar as outras cosmologias a
partir da experiência cristã. Desse modo, enquanto o estudo das religiões abraâmicas
estava reservado à produção de uma teologia, nos demais casos discutia-se se aquelas
crenças, rituais e liturgias constituíam uma “religião verdadeira” tal como o catolicismo.
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Em síntese, como sublinha Gaarder e Hellern e Notaker (2005, p. 98)
[...] ao agrupar as religiões africanas sob um só rótulo, deve-se ter em mente
que seu número equivale ao de povos existentes na África. Cada uma tem
seu próprio Deus, seus próprios rituais de culto, suas idiossincrasias. Por
outro lado, elas apresentam também muitos traços em comum, pois os
africanos não viveram uma existência estática, isolada. Sua história fala
de diversas migrações, dos contatos que cruzaram as divisões tribais e da
formação de grandes Estados. É necessário notar ainda que a maioria dos
africanos não urbanos são agricultores e criadores de gado. Há apenas
alguns grupos de caçadores-coletores.
Mesmo nos países em que o Islã foi declarado religião oficial do estado (aplicando ou
não a sharia), como Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia, Somália, Ilhas Comores e Mau-
ritânia, não é possível observar que a população seja integralmente, ou quase integral-
mente muçulmana. O Egito, por exemplo, que é majoritariamente muçulmano, abriga
uma importante minoria cristã (os católicos coptas), responsável por menos de 10% da
população, proporção semelhante àquela apresentada no Senegal (católicos romanos).
Em muitos países, a proporção da repartição numérica entre cristianismo e islã constitui
um desafio político relevante, como no Sudão, na Etiópia, no Chade, na Nigéria, em
Camarões e na Tanzânia. Alguns destes países declaram oficialmente em sua Constitui-
ção que o Estado é, no tocante à religião, “neutro” (TSHIBANGU, 2010, p. 608), isto
é, não possui uma religião oficial.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
MAURITÂNIA
Nouakchott MALI
D
ak Ban Biss
SENEGAL
GÂMBIA -FASSO Cartum JIBUTI
Niamei Lago Chade
GUINÉ- Bamako
SUDÃO Jibuti
Conakry -BISSAU Uagadugu
TOGO Jamena
Freetown GUINÉ
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Monróvia Lagos AR REPÚBLICA
ETIÓPIA
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COSTA DO MARFIM
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GABÃO RUANDA
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Kigali Nairóbi
Brazzaville
OCEANO BURUNDI
Kinshasa Bujumbura Lago Victoria
Cabinda
ATLÂNTICO Lago
ZANZIBAR
TANZÂNIA
Tanganyika Dar es-Salaam
Luanda
L. Malawi
ANGOLA MALAWI
ZÂMBIA
Lusaka Lilongwe
UE
Q
Antananarivo
BI
Harare
M
ÇA
NAMÍBIA ZIMBÁBUE
O
MADAGASCAR
M
BOTSUANA
Windhoek
Gaborone
Maputo
Pretória
Nenhuma tradição que atinja 50% Mbabane
SUAZILÂNDIA
Maseru
Islã: mais de 50% LESOTO
ÁFRICA
DO SUL OCEANO ÍNDICO
Cristianismo: mais de 50%
0 800 1 600 km
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Por esse motivo, sem hesitar, etnógrafos e historiadores tendem a afirmar que
na África negra a religião penetra tudo e o africano pode ser definido como um ser
“incuravelmente religioso”.
Importante! Importante!
ANIMISMO
CULTO AOS
NATURISMO ANCESTRAIS
Figura 2
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Animismo
Em linhas gerais, o termo animismo designa a crença de que o mundo está povoado
por espíritos (do latim anima, daí animismo) que regem os animais, a natureza e o pró-
prio homem. O etnólogo inglês E. B. Taylor (1832-1917) foi um dos primeiros estudio-
sos a considerar o animismo como sendo a primeira forma de religião experimentada
pelo homem. Nesse sentido, ela pressupõe dois dogmas: “a crença na alma e na vida
futura e, correlativamente, a crença nos deuses tutelares e nos espíritos intermediários”
(LE MOAL, 2013, 3ª ed., p. 72. minha tradução).
Por muito tempo, o termo foi utilizado para se referir de maneira genérica (e, por
vezes, pejorativamente) às religiões tradicionais africanas e, no Brasil, às religiões afro-
-brasileiras (GAARDER, 2005, p. 24). Atualmente, o termo não tem mais pretensão
de designar um sistema religioso, mas
[...] exprime a especialização da vida em figuras e poderes (donde a existên-
cia de almas, gênios, espíritos, ancestrais divinizados, deidades associadas,
derivadas ou intermediárias entre deus e o homem, que animam o universo
e povoam os panteões tradicionais). (THOMAS; LUVEAU, 1995, p. 5.
minha tradução).
Mais do que classificar regimes de crenças distintos, o caráter animista está presente
em todas as religiões tradicionais africanas, na medida em que todas elas dialogam com
o fato de que a existência dos seres é animada por espíritos, os quais colocam todos em
relação. Portando, dizer que uma religião possui elementos animistas passou a ser um
ponto de partida para a investigação, e não mais o resultado da análise. É preciso levar
em consideração que, em alguma medida, algumas religiões orientais e ameríndias
também possuem aspectos do animismo.
Totemismo
Se E. B. Tylor considerou o animismo como a “religião primitiva” dos homens, o
sociólogo Émile Durkheim localiza no totemismo a forma elementar da vida religio-
sa. Gozando de uma longa tradição nos estudos antropológicos da religião, o termo
totem foi emprestado dos Ojibwa, habitantes da região dos Grandes Lagos norte-
-americanos, que o utilizavam para exprimir ligações de parentesco entre sujeitos e
o pertencimento a determinado grupo clânico (cujo nome normalmente derivava de
alguma espécie animal ou vegetal).
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homem passou a se auto classificar em clãs, tribos e fratrias (adotando espécies ani-
mais e vegetais como totem, isto é, como símbolo distintivo que organiza a vida social),
Lévi-Strauss (1962) inverte a sentença: foi justamente porque os seres humanos se
perceberam diferentes que começaram a classificar a natureza dividindo-a em grupos:
[...] os fenômenos chamados de totêmicos não se traduzem, segundo ele, con-
forme a interpenetração da cultura e da natureza, mas ao contrário, uma fissura
entre essas duas ordens é o que permite sua interpretação. A identificação
nominal ou ritual (interdito alimentar), essa comparação de grupos sociais ou
de indivíduos com espécies animais ou vegetais distintos, resulta de um duplo
movimento do intelecto: perceber a diferenciação das espécies na ordem da
natureza e se servir das parcelas percebidas para se dar conta de uma dife-
renciação no seio da ordem social (DÉSVEAUX, E. Totémisme. In: BONTE,
Pierre; IZARD, Michael. Dictionnaire de l’ethnologie et de l’anthropologie.
Paris: Puf, 2013, 3ª ed., p. 710. Minha tradução).
O pai da psicanálise, Sigmund Freud também estudou sobre o totemismo, pois localizou
Explor
ali a gêneses do tabu do incesto. Suas conclusões foram contestadas por Lévi-Strauss. Esse
rico debate foi sintetizado por Ángel B. Espina Barrio em Freud e Lévi-Strauss: influências,
contribuições e insuficiências das antropologias dinâmica e estrutural, publicado no Brasil
pela Fundação Joaquim Nabuco, em 2008.
Mais do que render homenagens àqueles que já morreram, nas religiões tradicio-
nais africanas, podemos observar que a pessoa continua participando do mundo dos
vivos de diversas formas. Essa diferenciação implica também no modo como os gru-
pos percebem a morte e a vida.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
é preciso ter em conta a distinção entre os vários tipos de ancestrais: aqueles que
representam uma família ou um clã (ou todo um grupo étnico). Essa posição pode ser
definida por uma relação genealógica real ou mais ou menos fictícia.
Por exemplo, entre os Sudaneses, sobretudo, os Yoruba, muitos dos deuses tutela-
res são ancestrais divinizados fundadores e guardiões de cidades, como Xangô que teria
sido rei de Oyó, ou Oxóssi, que fora rei de Ketu (SILVA, 2005).
também ocupa um lugar importante. No Brasil, por exemplo, há um feriado nacional reser-
vado para que sejam prestadas homenagens aos defuntos. A celebração de finados assume,
portanto, vários significados nas mais variadas crenças. Quais rituais de reverência aos mortos
você consegue identificar nas várias religiões presentes em nossa sociedade?
Naturismo
Assim como a noção de animismo, o termo naturismo também foi utilizado por
estudiosos evolucionistas para definir as “religiões primitivas”. Trata-se, neste caso,
da crença de que a natureza é animada por almas ou espíritos. Com a crítica às te-
orias evolucionistas, esse modo de interpretação foi desconstruído. Atualmente, se
entende que
[...] longe de reduzir à adoração da natureza, como se acreditou outrora, o natu-
rismo corresponde mais à atitude cosmomórfica, isto é, a percepção do mundo
como um conjunto de significados, como linguagem viva, como um tecido de
mensagens divinas a serem interpretadas. (THOMAS; LUNEAU, 2010, p. 6).
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Importante! Importante!
Não confundir com o naturalismo ou o modo de vida naturista! No primeiro caso, trata-
-se de um movimento literário desenvolvido no final do século XIX por artistas como
Émile Zola. Já a filosofia de vida naturista pressupõe uma unidade do homem com a
natureza, buscando sempre a harmonia entre os seres (vida ao ar livre, consumo de
alimentos naturais, prática do nudismo, etc.)
O Evolucionismo social ou cultural foi uma teoria difundida por estudiosos como Edward
Explor
Burnett Tylor, Lewis Henry Morgan e Herbert Spencer, os quais se inspiraram nas teorias da
biologia evolucionistas para explicar as transformações e a diversidade sociocultural da hu-
manidade. Tendo a sociedade europeia do século XIX como paradigma de civilização e desen-
volvimento, os demais povos eram classificados a partir de seu “grau de desenvolvimento”,
nos vários campos do social: parentesco, economia, etc. No caso da religião, o menor nível era
o naturismo, passando pelo animismo, fetichismo, politeísmo, até chegar ao monoteísmo.
Andressa Nunes Soilo apresenta um resumo interessante sobre esse tema. Acesse: SOILO,
Andressa Nunes. Do evolucionismo clássico ao particularismo histórico na antropolo-
gia: principais ideias. Tessituras, Pelotas, v. 2, n. 1, p. 251-261, jan. /jun. 2014.
https://goo.gl/nxZVbV
Fetichismo
Termo bastante controverso, em muitos casos, é utilizado como uma categoria depre-
ciativa das práticas religiosas de origem africana e ameríndia. Nesse sentido, afirma-se
que o fetichismo seria uma forma degenerada da prática religiosa, uma vez que o fiel
estaria “desviando” a sua crença e os atos litúrgicos para seres materiais inanimados, ao
invés de dirigi-los às realidades divinas imateriais, isto é, substituindo a coisa simbolizada
pelo símbolo, ou ainda, a transferência do poder divino para coisas materiais como amu-
letos ou talismãs; designa ainda atitudes “supersticiosas”.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Explor
As religiões afro-brasileiras foram classificadas como “animistas-fetichistas” pelos primeiros
estudiosos que se inspiraram nas teorias evolucionistas para analisar o complexo religioso
negro-brasileiro. O médico baiano Raimundo Nina Rodrigues, que foi o primeiro a realizar
uma pesquisa “etnográfica” em terreiros de candomblé, assim nomeou seu livro: O animismo
fetichista dos negros baianos (2006).
Entendemos, portanto, que o fetiche não diz respeito às supostas religiões primi-
tivas, ou a incapacidade dos fiéis em distinguir entre o suporte material da deidade
e sua realidade divina. Bruno Latour (2002), ao refletir sobre o culto moderno aos
deuses fetiches, a partir da relação entre os colonizadores europeus e os africanos
(sobretudo, com relação à acusação de que as sociedades africanas seriam fetichistas,
ao contrário dos cristãos vindos da Europa), afirma que
[...] longe de ser esvaziado de sua eficácia, mesmo entre os modernos, o feti-
che parece agir constantemente para deslocar, confundir, inverter, perturbar
a origem da crença e a certeza de um domínio possível. A força que se quer
retirar ao fetiche, ele a recupera no mesmo instante. Ninguém acredita. Os
brancos não são mais antifetichistas do que os negros são fetichistas. Acontece
que, somente os brancos estabelecem ídolos por toda a parte, entre os outros
para em seguida destruí-los, multiplicando por toda parte, entre eles mesmos,
os operadores que disseminam a origem da ação. (LATOUR, 2002, p. 29).
Em Síntese Importante!
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Noção de Deus
Como você já percebeu, é possível considerar que há na África tantas religiões
tradicionais quanto grupos étnicos; comparativamente, poderíamos dizer que o nú-
mero de cosmologias ameríndias corresponde à quantidade de povos indígenas nas
Américas. Por isso, não estamos apresentando os vários modelos rituais e suas
crenças, mas estamos fazendo o esforço reflexivo de compreender quais são os
elementos estruturantes que perpassam todas as religiões tradicionais africanas. O
objetivo é que você possa ter uma visão geral desse universo, e, caso tenha maior
interesse, aprofunde-se no estudo de um ou outro modelo ritual. Acima de tudo,
estamos desconstruindo certos pré-conceitos ao mostrarmos que as categorias de
classificação empregadas nesse universo possuem conotações distintas, portanto, é
preciso tomar cuidado nas suas utilizações a fim de evitarmos, como no passado,
hierarquizações e valorações das religiões.
Com relação à noção de deus, em geral, essas religiões tradicionais concebem a exis-
tência de um ser supremo, associado à criação, ao céu e a fertilidade, e, por vezes, é
associado à terra e ao criador. Foi ele ainda
[...] o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes
a que a tribo tem o dever de obedecer. Com frequência, ele é também o
deus do destino, que governa a vida dos seres humanos e controla a boa
ou má fortuna [sorte/azar] da tribo” (GAARDER, 2005, p. 100).
Sendo responsável pela criação de tudo, o Deus Supremo, assume uma posição
distante e apartada dos homens, cujo acesso se dá por meio de demiurgos ou deuses
tutelares. Geralmente, os cultos que lhe são atribuídos são parciais ou indiretos, isto é,
em seu nome são imoladas as vítimas nos ritos sacrificiais.
A fim de conhecer a vontade dos deuses ou para acessar os destinos dos indivíduos
ou da comunidade, os sacerdotes fazem usos de sistemas divinatórios diversos. Tais
oráculos, normalmente, foram outorgados pelos deuses e guardam estreita relação
com a mitologia do grupo. Nesse sentido, para interpretar as mensagens divinas é
necessário que o adivinho possua grande conhecimento da cosmologia sagrada e da
sociedade, o que pressupõe vários graus de iniciação.
Alguns autores tendem a afirmar que as religiões tradicionais africanas são de fato
monoteístas, sendo que as deidades tutelares (ou intermediárias, ou ainda, suplemen-
tares) seriam extensão desse mesmo deus supremo. Nesse sentido, o politeísmo é
negado ou, mais especificamente, é entendido como sendo o modo pelo qual o deus
criador se manifesta.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Parece que essa forma de conceber o panteão africano tenta impor certa visão
eurocêntrica sobre as manifestações religiosas fora da África, revelando resquícios
do evolucionismo cultural que apresentava o monoteísmo como sendo uma crença
“superior” (ou mais “desenvolvida”) que o politeísmo.
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Por outro lado, e aqui retomamos a noção de totemismo, a organização cultu-
ral se deixa deduzir a partir da organização do panteão. Sem dúvida, Deus pode
ter seus próprios altares (por exemplo, Amma entre os Dogon), mas geralmente
os santuários são destinados às divindades secundárias (como o tempo de Oxum
em Oxogbó, na Nigéria, entre os Yorubas) e as entidades (espíritos e ancestrais)
encarregados de “conduzir” a oferenda para o Deus. Conforme dissemos acima, a
distribuição geográfica e funcional desses locais de culto pressupõe também uma re-
partição das funções sagradas e dos sacerdotes responsáveis por rituais específicos
(THOMAS; LUNEAU, 1995, p. 11).
Importante! Importante!
Não cabe ao adivinho apenas “tirar a sorte” com os números ou outros métodos, mas
interpretar a respostas dos deuses e transmiti-la ao consulente. Se ele for também um
curandeiro, deverá consultar as entidades sobre qual terapêutica deve ser empregada
para resolver o problema ou garantir o sucesso da empreitada.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
O sacrifício ocupa um lugar central nas religiões, seja de modo simbólico, como no cristianismo,
Explor
ou com a imolação de animais (como no islã, no judaísmo e nas religiões de origem africanas),
ou de vegetais e minerais (como nas religiões de origens africanas e orientais), pois eles per-
mitem restabelecer a ordem e a energia do universo, dos deuses e dos homens. Marcel Mauss e
Hubert, no livro Sobre o Sacrifício (2005), analisam esse fenômeno religioso.
Em Síntese Importante!
“Os panteões africanos são sistemas orgânicos de símbolos, ponto sobre o qual os an-
tropólogos africanistas têm grande interesse em investigar. O pensamento simbólico
joga, portanto, sobre duas faces: a representação ou expressão, e com a intervenção. Ou
mais exatamente, ela tem quatro finalidades: a) senso econômico, pois ela resume, con-
densa e aproxima; b) uma função operatória, pois é um verdadeiro jogo de permutações
que torna possível a passagem da coisa simbolizada para os diversos elementos do
campo simbólico; c) um valor de uso, que lembre as regras de ação e mostra a união
da obrigação e do desejável; d) função de sugestão (ela quebra a imaginação) ou expli-
cação (é o índice mais seguro de correspondências e participações). Enquanto imagem,
ela é figurada; como hierofania, torna-se potência.” (THOMA; LENEAU, 1995, p. 31).
Explor
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Características das Religiões dos
Complexos Banto e Sudanês
Para além do que já dissemos anteriormente sobre as características rituais e cos-
mológicas das religiões tradicionais africanas, é importante ter em mente que os
aspectos geográficos e históricos também influenciam nas crenças e suas práticas.
Sem dúvidas, a cada grupo étnico uma língua, uma cultura e uma religião, apesar
dos aspectos estruturais em comum que apontamos aqui. Essa grande diversidade
cultural, social e religiosa africana, costuma ser agrupa pelos pesquisadores a partir
de um referencial: os troncos linguísticos.
Assim como é feito na Europa, em que podemos observar grandes grupos linguís-
ticos como as línguas “neolatinas” (francês, italiano, português, romeno, espanhol,
galego etc.), na África, os grupos foram organizados a partir das raízes comuns de suas
línguas. Nesse contexto, temos dois que se destacam, uma vez que foi a partir deles que
vieram, de maneira forçada para a América, os africanos em situação de escravidão:
Sudaneses e Bantos.
Para o Brasil, vieram os iorubás e os nagôs (ijexá, egbá, entre outros), jejes (ewe ou
fon), fanti-achantis e também muitos que praticavam o islã, além das religiões tradicio-
nais africanas: haussás, tapas, peuls, fulas e mandingas.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Continente Africano
Reinos, cidades e grupos étnicos pré-coloniais
Península
Ibérica Roma Constantinopla
Granada
Arq. dos Açores Turquia
Tânger Cartago
Ilha da Madeira Fez
Palestina
Arq. Canárias
Alexandria
Cairo Gol
Pérsia
fo P
Egito Medina
érs
ico
Cabo Bojador
Forte de Meca
Arguim Península Índia
Arquipélago de Gana Tombuctu Meroé Arábica
Cabo Verde Songai Núbia Axum
Gaó Canen
Bambuk Mali Senar
Jené Darfur en
Bure Bornu de Ád
Oyo Golfo
Daomé Etiópia
OCEANO Abomé Ifé
Benin
ATLÂNTICO Axante Alada
Golfo de Benin
São Tomé
Forte de e Príncipe
São Jorge
da Mina Loango Congo
Pinda
Ambiz Ambula Zanzibar
LEGENDA Luanda
Malamba Quiloa OCEANO
Sudaneses Cazembe Comores ÍNDICO
Lozi Moçambique
Bantos Angoche
Madagascar
Quelimane
Monomotapa Sofala
Inhambane
Com relação aos Bantos, eles compõem um dos maiores troncos linguísticos, reu-
nindo centenas de línguas e grupos. Localizados na África Central, estendem-se desde
o Golfo do Benin, ao sul do atual Camarões (limitados ao norte pelo Rio Nyong), até o
leste da África do Sul, compreendendo a oeste o arquipélago de São Tomé e Príncipe
e a leste, até Moçambique. Essa vasta extensão territorial forneceu a maior parte dos
africanos que foram trazidos para o Brasil. Entre congos, angolas e moçambiques,
vieram para o continente americano: angolas, caçanjes e benguelas.
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Com relação à religião, é importante destacar, como assinala Vagner Gonçalves
da Silva (2005, p. 29)
[...] os contatos ente as várias nações africanas e entre estas e os bran-
cos já eram frequentes em períodos anteriores à deportação dos grupos
negros para o Brasil. Devido às relações de aliança ou de dominação
entre os reinos africanos, era comum que cultos e divindades se di-
fundissem de uma região para outra, como a adoração pelos iorubás
de alguns deuses do Daomé e vice-versa. O islamismo, proveniente da
África Oriental, também já havia se estendido até a costa ocidental, e o
colonialismo europeu, a partir do século XVIII, intensificou o contato re-
ligioso entre brancos e negros. Pela ação da catequese religiosa, muitas
tradições étnicas foram transformadas.
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UNIDADE Religiões “Tradicionais” Africanas
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Vídeos
Os Mestres Loucos, 1995
https://youtu.be/z2jG3rQ0MNA
Leitura
Os Mestres Loucos
https://goo.gl/yKnp
De Africano a Afro-Brasileiro: Etnia, Identidade, Religião
PRANDI, Reginaldo. De Africano a Afro-Brasileiro: Etnia, Identidade, Religião. Revista Usp, São
Paulo, N.46, Junho/Agosto 2000. P. 52-65. Resumo: O artigo trata da presença negro-africana
no Brasil, ressaltando suas origens bantu e sudanesas.
https://goo.gl/3W1y5Y
História Geral da África - V: África do Século XVI ao XVIII
OGOT, Allan Bethwell (ed.). História geral da África, V: África do século XVI ao XVIII. Brasília:
UNESCO, 2010. Resumo: Esse volume da coleção História geral da África, descreve e analisa os
principais povos que compõe o continente africano, realçando aspectos históricos, econômicos e
sociais. Os capítulos 15 (Do delta do Níger aos Camarões: os fon e os iorubas, p. 519), 19 (O Reino
do Congo e seus vizinhos, p. 647) e 29 (A história das sociedades africanas de 1500 a 1800, p.
1057) são especialmente bons para aprofundar os conhecimentos sobre alguns grupos que foram
atraídos para o Brasil durante o período colonial brasileiro.
https://goo.gl/W5sdpv
Traços do Proprium Cultural Africano e sua relação com o Sagrado
CANTARELA, Antonio, Geraldo. Traços do proprium Cultural Africano e sua relação com o
Sagrado. Horizonte: revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, 2013, Vol.11(29),
pp.88-108. Resumo: O artigo reflete sobre o princípio do “sagrado” e sua relação com os demais
aspectos das culturas africanas.
https://goo.gl/iRi5EY
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Referências
ALAGOA, E.J. Do delta do Níger aos Camarões: os fon e os iorubas. In: OGOT,
Bethwell Allan. História geral da África, V: África do século XVI ao XVIII. Brasília:
UNESCO, 2010. p. 509.
LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru,
SP : EDUSC, 2002
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