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Julia Bonasorte de Oliveira

N° USP 11283592
Cultura Árabe II

Eugene Rogan. Os Árabes. Rio de Janeiro: Zahar, 2021, cap. 6.

O texto aborda o surgimento do nacionalismo nas províncias árabes do Império Otomano no


início do século XX. Após quase quatro séculos de domínio otomano, a concepção de um
Estado separado era desafiadora para os povos árabes. Os primeiros nacionalistas enfrentaram
dilemas sobre a forma ideal de um Estado árabe, variando desde um reino centrado na
Península Arábica até a aspiração por soberania em regiões distintas como a Grande Síria ou o
Iraque. Esses pioneiros, inicialmente marginalizados, enfrentaram repressão otomana e, em
muitos casos, foram forçados ao exílio. Alguns buscaram refúgio em Paris, onde suas ideias
foram nutridas por nacionalistas europeus, enquanto outros viajaram para o Cairo, inspirados
por reformistas islâmicos e nacionalistas laicos em oposição ao domínio britânico.

pp. 212-212 O desencanto com o domínio otomano cresceu após a Revolução dos Jovens
Turcos em 1908. Embora inicialmente apoiados pelos árabes, os Jovens Turcos buscaram
fortalecer seu controle sobre as províncias árabes de maneira mais rigorosa, promovendo
medidas centralizadoras, como a imposição do turco como língua oficial. Essas políticas,
destinadas a fortalecer os laços com o império, inadvertidamente incentivaram um movimento
nacionalista emergente. Na década de 1910, intelectuais e oficiais do exército formaram
sociedades nacionalistas secretas, buscando a independência árabe do domínio otomano.
Enfrentando desafios quase intransponíveis devido à repressão otomana, esses nacionalistas
buscaram apoio externo através dos consulados europeus. A Primeira Guerra Mundial se
tornaria o cataclismo necessário para abalar o domínio otomano no mundo árabe.

pp. 213-216 O Império Otomano ingressou na Primeira Guerra Mundial em aliança com a
Alemanha em novembro de 1914, apesar de preferir evitar o conflito devido ao cansaço
resultante de conflitos anteriores. O governo otomano inicialmente buscava uma postura
defensiva em relação à Grã-Bretanha ou à França, mas as potências da Entente não estavam
dispostas a compromissos vinculantes, especialmente devido às preocupações com as
ambições territoriais russas. Enver Paxá, líder dos Jovens Turcos, admirador da Alemanha,
liderou negociações secretas e assinou um tratado de aliança em agosto de 1914. Os alemães
esperavam usar o papel titular do sultão como califa para fomentar uma jihad contra
Grã-Bretanha e França. Embora o chamado à jihad tenha tido impacto limitado
internacionalmente, gerou preocupações em Paris e Londres.

Durante a guerra, as autoridades otomanas reprimiram brutalmente suspeitos de separatismo,


especialmente os nacionalistas árabes. Cemal Paxá liderou a repressão na Grande Síria,
acusando de alta traição e condenando à forca dezenas de sírios e libaneses. Essas medidas
draconianas alimentaram o desejo de independência do Império Otomano entre os árabes.
Os anos de guerra afetaram todas as províncias árabes, resultando em recrutamento militar
forçado, punições severas, e uma terrível fome que ceifou muitas vidas. Surpreendentemente,
os otomanos se mostraram resilientes em várias frentes de batalha, derrotando forças aliadas
em Galípoli, Mesopotâmia e contendo uma revolta árabe ao longo da linha do Hejaz.

No entanto, após a guerra, o esforço de guerra otomano entrou em colapso, e as forças


britânicas completaram a conquista da Mesopotâmia, Palestina e Síria. As últimas tropas
turcas se retiraram para a Anatólia, encerrando abruptamente quatro séculos de domínio
otomano. A derrota otomana foi, em geral, pouco lamentada, marcando o início de um
período de intensa atividade política entre os povos árabes, que almejavam uma era
independente e unificada, ao mesmo tempo em que enfrentavam as ameaças do imperialismo
europeu.

pp. 216-220 Após os otomanos entrarem na Primeira Guerra Mundial ao lado da Alemanha,
os países da Entente começaram a planejar a divisão do Império Otomano no pós-guerra. Os
russos propuseram anexar Istambul e os estreitos ligando o mar Negro e o Mediterrâneo. A
França planejava anexar a Cilícia e a Grande Síria, incluindo a Palestina. A Grã-Bretanha, ao
considerar suas próprias estratégias, formou o Comitê de Bunsen para analisar as vantagens
pós-guerra, resultando no desejo de manter o golfo Pérsico e controlar toda a Mesopotâmia.
Durante a guerra, os britânicos negociaram acordos separados para a divisão dos territórios
árabes otomanos, incluindo um reino árabe independente, a partilha da Síria e Mesopotâmia
com a França e a promessa de um Estado judeu na Palestina. A diplomacia britânica
pós-guerra enfrentou o desafio de cumprir promessas contraditórias.

Um ponto crucial foi a correspondência entre o xarife de Meca, Hussein ibn Ali, e Sir Henry
McMahon, que prometeu o reconhecimento britânico de um reino árabe independente se
liderasse uma revolta árabe contra os otomanos. As negociações envolveram limites
territoriais, com McMahon concordando com as demandas do xarife, com algumas ressalvas.
Em 1916, a revolta árabe começou, liderada pelo filho de Hussein, o emir Faisal. T. E.
Lawrence desempenhou um papel significativo sabotando a ferrovia otomana. Embora a
revolta árabe tenha alcançado muitos objetivos, a lealdade dividida e a resistência otomana
em algumas áreas apresentaram desafios. A conquista de Damasco em 1918, porém,
assegurou a maior ambição da revolta árabe, aguardando agora o cumprimento das promessas
britânicas.

220- 227 No momento decisivo de dezembro de 1917, a Grã-Bretanha se viu confrontada com
suas promessas contraditórias. A Declaração Balfour, discutida abertamente, e o Acordo
Sykes-Picot, secreto, delinearam os objetivos britânicos nos territórios árabes. Para acalmar os
aliados árabes, os britânicos e franceses emitiram uma declaração pública em novembro de
1918, enfatizando a emancipação dos povos oprimidos pelos turcos e a formação de governos
locais por escolha das populações. No entanto, essas declarações tiveram pouco impacto nos
acordos imperiais anglo-franceses.
Entre janeiro e junho de 1919, na Conferência de Paz de Paris, líderes da Entente, como Lloyd
George e Clemenceau, buscaram redefinir o mapa do mundo árabe e cumprir seus objetivos
imperiais. O presidente americano Wilson, com ideais idealistas, falou sobre
autodeterminação para as populações colonizadas. Faisal, líder da revolta árabe, apresentou
suas aspirações na conferência, buscando independência imediata para a Grande Síria e o
Hejaz, aceitando intervenções na Palestina e Mesopotâmia. Mesmo com concessões, ele
mantinha a visão de uma eventual união sob um governo soberano.

pp. 227-234 A Comissão King-Crane, liderada por americanos, revelou-se uma missão
enganosa devido à recusa britânica e francesa em nomear representantes, transformando-a em
uma delegação americana unilateral. Apesar disso, o Relatório King-Crane oferece uma
análise precisa das opiniões políticas na Síria em 1919. Nomeados por Wilson, Henry King e
Charles Crane, com amplo conhecimento do Oriente Médio, partiram em maio de 1919 para
avaliar as aspirações dos povos árabes na região.

O Congresso Geral da Síria, improvisado por Faisal, apresentou uma resolução de dez pontos
à Comissão, expressando a opinião do povo sírio e do governo de Faisal. Demandavam
completa independência política, estabeleciam fronteiras geográficas e rejeitavam o mandato
da Liga das Nações. O relatório de King e Crane, baseado nessa resolução, recomendou a
criação de um Estado sírio único sob a monarquia constitucional de Faisal, com um mandato
limitado, preferencialmente pelos EUA ou pela Grã-Bretanha.

A Comissão também solicitou modificações ao projeto sionista, destacando a


irreconciliabilidade das promessas da Declaração Balfour. Encontraram forte oposição à
imigração judaica na Palestina, com 90% da população não judaica e 72% das petições na
Grande Síria sendo contra o sionismo.

O relatório, entregue à delegação americana em Paris em agosto de 1919, foi arquivado sem
consulta pública. Somente três anos depois foi tornado público, quando a divisão do mundo
árabe entre Grã-Bretanha e França já estava concluída. O emir Faisal, sem conhecimento do
conteúdo, esperava que o relatório beneficiasse as aspirações árabes.

pp. 234-238 Em 1º de novembro de 1919, a Grã-Bretanha anunciou a retirada das tropas da


Síria e do Líbano, transferindo o controle para os militares franceses. O Congresso Geral da
Síria, diante da iminente ocupação francesa, emitiu uma declaração de independência baseada
na resolução apresentada à Comissão King-Crane. Faisal foi proclamado rei da Síria,
incluindo Palestina e Líbano.

A França e a Grã-Bretanha se recusaram a reconhecer a independência síria, desencadeando a


ocupação. Faisal, isolado e incapaz de mobilizar apoio, confrontou o exército francês em
Maysalun em julho de 1920. A derrota marcou o início de uma ocupação colonial de 26 anos.
A Batalha de Maysalun simbolizou a traição das promessas de autodeterminação, revelando o
domínio francês e britânico sobre as aspirações árabes. No Egito, após 36 anos de domínio
britânico, a Primeira Guerra Mundial consolidou a presença imperial. Em 1914, o Egito foi
declarado protetorado britânico. Ao término da guerra, o apelo de autodeterminação de
Wilson encontrou eco no Egito. Em 1918, líderes egípcios, liderados por Saad Zaghloul,
exigiram independência, mas a recusa britânica e a prisão de Zaghloul em 1919
desencadearam uma revolta nacional, marcando o início da Revolução de 1919 no Egito.

pp. 234-243 A prisão de Saad Zaghloul e seus colegas desencadeou uma resposta pública
imediata e violenta no Egito em 1919. A população se revoltou em manifestações planejadas e
espontâneas que se estenderam por centros urbanos e áreas rurais, envolvendo diversos
setores da sociedade egípcia. A revolta iniciou-se em 9 de março de 1919, quando estudantes
vandalizaram infraestruturas associadas ao domínio britânico.

A antiga Universidade de al-Azhar tornou-se um centro organizador da revolta, com a


repressão britânica e a prisão de professores e estudantes alimentando ainda mais a agitação.
O chefe de segurança britânico, Joseph McPherson, visitou a universidade, testemunhando
discursos inflamados instigando a resistência à ocupação. A revolta abraçou várias classes
sociais e escalou com manifestações anti-britânicas e confrontos entre as forças imperiais e os
manifestantes.

A resposta feminina foi notável. Lideradas por figuras como Huda Shaarawi, mulheres
egípcias se envolveram ativamente na causa nacionalista. Em março de 1919, ocorreu a
primeira manifestação feminina, confrontando as tropas britânicas em busca do direito de
autodeterminação prometido por Woodrow Wilson. O enfrentamento simbólico encorajou
nacionalistas em todo o país, demonstrando o poder da resistência feminina.

Huda Shaarawi, uma figura proeminente, teve uma jornada significativa. Seu casamento
adolescente com um primo idoso a incomodava profundamente. Durante a separação,
Shaarawi se desenvolveu politicamente, organizando atividades públicas para mulheres e
estabelecendo a Associação Intelectual das Mulheres Egípcias em 1914. Esse período
preparatório culminou com a fundação do Comitê Central das Mulheres Wafdistas em 1919,
marcando a criação do primeiro organismo político feminino no mundo árabe.

O movimento feminino egípcio desafiou as barreiras de classe e se tornou uma força


unificadora. As mulheres, da elite à classe trabalhadora, mobilizaram-se em prol da
independência, participando ativamente em manifestações, comícios e protestos. A criação da
União Feminista Egípcia em 1923 representou uma continuidade das atividades políticas de
Huda Shaarawi. Em um ato marcante, ela e outras mulheres removeram publicamente o véu
na estação ferroviária do Cairo em 1923, desafiando as normas de confinamento feminino.

O movimento feminista egípcio, iniciado com ímpeto em 1919, continuou a impactar a


sociedade egípcia, demonstrando que as mulheres não apenas desempenharam um papel
crucial na resistência nacionalista, mas também moldaram o curso da história política e social
do Egito.
pp. 243-250 A luta do WAFD pela independência do Egito teve êxito parcial. Apesar da
permissão britânica para apresentar o caso na Conferência de Paz, a delegação americana
reconheceu o protetorado britânico sobre o Egito, frustrando as esperanças egípcias. As
negociações diretas em Londres resultaram em termos que limitavam a independência,
permitindo à Grã-Bretanha bases e influência nos assuntos egípcios.

Os eventos no Egito impactaram o Iraque, também sob ocupação britânica. A proteção do


golfo Pérsico era crucial para a Índia britânica. A resistência iraquiana, inspirada pela Revolta
Egípcia de 1919, culminou na Revolta Iraquiana de 1920. A brutal repressão britânica, com
tropas indianas, consolidou o controle, mas a revolta moldou a mitologia nacionalista
iraquiana.

A Revolução Egípcia de 1919 influenciou os árabes, mas a divisão imperial prevaleceu na


Conferência de Paz. Os Jovens Turcos fortaleceram laços otomanos antes do colapso em
1918. O período pós-guerra viu líderes árabes, iludidos pela Conferência de Paris e Woodrow
Wilson, enfrentarem a realidade do imperialismo europeu, moldando os Estados do Oriente
Médio, alimentando aspirações nacionalistas árabes em conflito com o colonialismo.

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