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Teorias da Arquitetura,

do Urbanismo e
do Paisagismo
Material Teórico
Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Franklin Roberto Ferreira de Paula

Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
Teorias para um Paisagismo:
Do Renascimento à Modernidade

• Introdução;
• Os Tratados Franceses para a Jardinagem:
O Jardim Racional como Arte;
• A Proposta Inglesa para os Jardins: Em Busca
de um Desenho Orgânico;
• A Concepção do Jardim Inglês a Partir de 1750;
• Burle Marx, o Paisagismo na Modernidade Brasileira:
Traços Biográficos;
• Diálogos Entre o Paisagismo e a Arquitetura Modernos.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Compreender o jardim desde os primeiros tratados que abordam, sobretudo, seus
aspectos estéticos, até a ideia do projeto de paisagismo como intermediador da edi-
ficação com a cidade dentro da composição de uma paisagem urbana.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

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as redes sociais.

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Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

Introdução
Como visto nas unidades anteriores, os primeiros registros de teorias da ar-
quitetura datam da Antiguidade. Considera-se que os dez livros de arquitetura de
Vitrúvio, escritos no século I a.C., sejam o primeiro tratado capaz de abordar a
complexidade da disciplina.
Muito importante, o documento escrito por Vitrúvio resiste aos tempos e influen-
cia as teorias da arquitetura desde o Renascimento. Ainda que Vitrúvio reconheça
a importância da natureza para a arquitetura, sobretudo quando ele dedica um dos
livros à água, há um distanciamento muito grande da compreensão da paisagem
como extensão do edifício.
Esta Unidade pretende, portanto, resgatar a importância da jardinagem e do
paisagismo como componentes do projeto arquitetônico e expor a sua autonomia
em relação à edificação. Para tal, a trajetória indicada tem como pressupostos os
tratados de paisagismo que datam do século XVIII, período de grandes transforma-
ções ideológicas, culturais, tecnológicas e econômicas.
Os jardins franceses e ingleses servem como referências para a compreensão das
estéticas adotadas no paisagismo, definindo a sua essência. O jardim francês, bem
como o italiano, busca a estética absolutista baseada na racionalidade da forma.
Os teóricos franceses compreendem a submissão do jardim ao projeto arquitetônico
de modo que a paisagem externa significasse a extensão dos ambientes internos.
Em contrapartida, os primeiros esboços do jardim inglês, tendo como fundamen-
tos o jardim chinês, explora uma atmosfera mais bucólica, traduzindo a paisagem
natural em uma proposta mais irregular. Sendo assim, é assumido um contraste entre
a edificação de caráter racionalista e o paisagismo dentro de uma concepção mais or-
gânica. Por conta disso, o jardim inglês denota autonomia em relação à construção.
Por fim, assumindo um salto temporal e um deslocamento continental, o paisagismo
modernista sob a ótica do brasileiro Roberto Burle Marx, permite-nos compreender a
materialização das estratégias modernas no âmbito das áreas externas. Para tal, uma
noção da vida e do pensamento do arquiteto-paisagista e uma aproximação de sua obra
será de grande importância para entendermos a interface da natureza com a arquitetura
moderna na construção da paisagem brasileira na primeira metade do século XX.

Os Tratados Franceses para a Jardinagem:


O Jardim Racional como Arte
Concomitantemente à revisão do tratado de Vitrúvio e à elaboração de novos
documentos que fossem capazes de ampliar a discussão da arquitetura dentro de
um novo contexto, no século XVI, já surgem algumas manifestações e tratados
isolados revelando a importância da jardinagem.
Tratados de jardinagem isolados – como o de Jacques Boyceau (1638) –
dão a entender, em virtude da escolha dos termos, que se compreendia

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amplamente o jardim como continuidade do espaço interno do edifício;
formas internas como salas, corredores, enfiladas, janelas, portas, cúpu-
las, etc. são descritas como elementos da arquitetura de jardins. (KRUFT,
2016, p. 554)

Enfiladas (em português, enfileiradas): em arquitetura, é um conjunto de dormitórios


Explor

(ou recintos, no caso de galerias de exposição ou museus) alinhados uns com os outros ao
longo de um eixo de circulação (corredor). Tal estratégia espacial é adotada desde o período
do barroco, ainda que alguns exemplos datem de tempos anteriores.

As reflexões sobre a arquitetura da paisagem se difundem e ganham maior espa-


ço apenas dois séculos depois, quando se estabelece uma teoria autônoma da arte
da jardinagem. Os franceses assumem o protagonismo no discurso em defesa do
jardim formal, defendido e ensaiado por André Le Nôtre (Paris, 1613-1700) nos
jardins do Palácio de Versalhes e do castelo de Vaux-le-Vicompte e endossado por
Antoine-Joseph Dezallier d’Argenville (Paris, 1680-1765).

Figura 1 – Vista perspectiva dos jardins do Castelo de Vaux-Le-Vicompte


de André Le Nôstre, Maincy, 1661
Fonte: vaux-le-vicomte.com

André Le Nôtre é um importante paisagista francês que viveu no século XVII. Filho de jardi-
Explor

neiro, Le Nôtre é responsável pelos projetos dos jardins do Palácio de Versalhes, do castelo
de Vaux-le-Vicompte e da Champs-Élysées, entre outros. Le Nôtre pode ser considerado o
responsável pela elaboração do jardim francês durante o barroco em que a racionalização da
composição revela o caráter desse estilo. Para saber mais sobre o arquiteto paisagista, visite
o link: https://goo.gl/1Pf2XW

D’Argenville publica em 1709 aquele que viria a se tornar o tratado de jardi-


nagem mais influente durante o século XVIII: Teoria e prática da jardinagem
[Théorie et la pratique du jardinagem]. Em acordo com a teoria da arquitetura de
sua época, o escritor compreende a necessidade de dispor as partes de maneira
ordenada objetivando a uma bela proporção. Isso implica em um uso coerente,

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UNIDADE Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

com as devidas adequações ao terreno, visando sempre à economia para atingir a


grandeza de um belo jardim. De acordo com D’Argenville:
Pode-se distinguir quatro máximas fundamentais para bem-dispor um jar-
dim: a primeira, fazer ceder a arte à natureza; a segunda, não ofuscar um
jardim em demasia; a terceira, não descobrir em excesso; e a quarta, fazê-
-lo sempre parecer maior do que é efetivamente. (D’ARGENVILLE apud
KRUFT, 2016, p. 554)

O abade Noël-Antoine Pluche (Reims, 1688 – Saint-Maur-des-Fossés, 1761),


ao publicar o seu tratado O espetáculo da natureza [Le spetacle de la nature],
assume que a natureza deve usufruir da arte para se justificar, logo, compreende a
jardinagem como arte, indo de acordo com aquilo que Le Nôtre e D’Argenville de-
fendem em seus projetos e tratado, respectivamente. Pluche (apud KRUFT, 2016,
p. 554) afirma que “um jardim é menos uma imitação da natureza do que a própria
natureza trazida para perto de nossos olhos e ordenada com arte [...]”.

Como dito, em essência, as premissas do jardim francês se equiparam às do


jardim italiano dos séculos XVI e XVII. Ambos os estilos admitem a racionali-
dade das edificações nos jardins, de modo que são transpostas as concepções
dos espaços internos para os externos. Logo, os dois estilos usufruem de um
desenho rigorosamente clássico e funcional ao buscar formas geométricas pu-
ras e simetria perfeita.

Características do jardim francês Características do jardim italiano


• Considerado o mais rígido e formal, traduzindo-se • Desenho clássico e funcional;
em formas geométricas pura e simetria perfeita; • Algumas características semelhantes ao jardim
• Demonstra o domínio do homem sobre a natu- francês, mas adequadas ao clima mediterrâneo;
reza e valoriza a grandiosidade das construções; • Inclusão poética e quebra da formalidade excessiva;
• Os caminhos são largos e bem definidos com cer- • Utilização da árvores frutíferas, flores sendo que
cas vivas, arbustos compactos, verdes e perfeita- cercas vivas delimitam caminhos estreitos que
mente topiados; conduzem a áreas de contemplação;
• Roseiras, tulipas e azaleias são utilizadas em can- • Estátuas, fontes, chafarizes, espelhos d’água, são
teiros bem desenhados ou em vazos e jardineiras; normlmente o ponto central dos jardins;
• Lagos, bancos, colunas, caramachões, luminárias, • Elementos como vasos cerâmicos, pergolados, ar-
esculturas, etc. também fazem parte desse jar- cos, pontes e bancos compõem esse tipo de jardim.
dim desde que se integram ao estilo.

Figura 2 – Características dos jardins francês e italiano


Fontes: chateauversailles.fr / Wikimedia Commons

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A Proposta Inglesa para os Jardins:
Em Busca de um Desenho Orgânico
Em contrapartida ao desenho preciso dos jardins francês e italiano, os ingle-
ses realizam uma crítica a essa concepção formal. O escritor, diplomata e po-
lítico Sir Henry Wotton (Boughton Malherbe, 1568 – Eton, 1639) publica em
1624 Elementos da arquitetura [Elements of architecture]. Em seu tratado,
Wotton “reivindicava o contraste entre edifícios regulares e jardins irregulares e
dava claro destaque ao papel do espectador” (WOTTON apud KRUFT, 2016,
p. 555).

Sir William Temple (Londres, 1628 – Moon Park, 1699), político e ensaísta
inglês, corrobora com Wolton no sentido de que o jardim inglês deve buscar na
irregularidade a sua forma de expressão. Muito se deve à visita que fez à China,
que resultou em seu ensaio Sobre os jardins de Epícuro [Upon the gardens of
Epicurus] de 1685. Nele, Temple reflete sobre a irregularidade do jardim chinês
em contraposição à regularidade do jardim barroco europeu.
Entre nós, a beleza do edifício e do plantio é colocada sobretudo em
determinadas proporções, simetrias ou uniformidades; nossas trilhas
e nossas árvores são dispostas de modo a responder uns aos outros
as distâncias exatas. Os chineses desprezam esse modo de plantar e
dizem que um menino capaz de contar até cem pode plantar árvores
em linhas retas e combiná-las entre si no comprimento e na extensão
que mais lhe agradem. Mas seu maior escopo de imaginação é em-
pregado em idear figuras em que a beleza será grande e agradará aos
olhos, mas sem nenhuma ordem ou disposição de partes que seriam
comumente e facilmente observadas, eles têm um modo particular de
expressá-la; e, onde a encontram, seus olhos reagem à primeira vista
e os Sharawadgi dizem que ele é bonito ou admirável, ou enunciam
qualquer outra expressão de estima. (TEMPLE apud KRUFT, 2016,
p. 555)

Para saber mais sobre a vida e obra de Epicuro, veja o vídeo O Jardim de Epicuro –
Explor

A felicidade no link a seguir: https://youtu.be/HvyvRkw_RYk

Através da percepção de Temple acerca do Sharawadgi, uma espécie de jardim


de origem asiática, em que linhas rígidas e simétricas são evitadas, dando espaço a
uma aparência naturalista e orgânica, o jardim chinês se torna a gênese do jardim
inglês no que diz respeito à irregularidade, buscando estabelecer pontos de vista
calculados do observador. Evidentemente que, ainda que o jardim chinês represen-
te a essência do jardim inglês, esse busca critérios estéticos próprios que o distin-
guem da paisagem oriental.

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UNIDADE Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

Para compreender mais sobre o universo do Sharawadgi, veja o artigo Japanese Art, Aesthetics,
Explor

and a European Discourse: Unraveling Sharawadgi [Arte japonesa, estética e o discurso europeu:
revelando o Sharawadgi] de Wybe Kuitert. Acesse: https://goo.gl/6QbmvE

Anthony Ashley-Cooper (Londres, 1671 – Nápoles, 1713), o 3º Conde de


Shaftesbury, político, escritor e filósofo inglês, estabelece uma crítica aos jardins
do Palácio de Versalhes quando evidencia o princípio mutilador da natureza for-
necido pelo absolutismo. Ainda que não determine nenhuma forma para o jardim
inglês, a composição estética desse estilo pode ser associada às ideias libertárias
de Shaftesbury.
O poeta e ensaísta inglês Joseph Addison (Milston, 1672 – Londres, 1719)
escreve em parceria com Richard Steele (Dublin, 1672 – Reino Unido, 1729), po-
lítico e dramaturgo irlandês, o ensaio Os prazeres da imaginação [The pleasures
of the imagination], de 1712, publicado na revista The Spectator.
Os autores compactuam com os ideais de Temple em relação à concepção dos
jardins. Em seu ensaio, Addison defende uma sobreposição de jardim e floresta em
que é possível usufruir espécies naturais e pontos de vista estéticos como contra-
ponto ao racionalismo barroco adotado pelos franceses e italianos.
O responsável por fazer a transição dos conceitos do jardim francês para o
jardim inglês através de uma análise responsável dos dois estilos é o paisagista e
escritor Stephen Switzer (Reino Unido, 1682-1745) com a publicação de Icnogra-
fia rústica, ou o lazer do nobre, do cavalheiro e do jardineiro [Ichnographia
rustica, or the nobleman, gentleman and gardener’s recreation], entre os anos
de 1715 e 1718. Switzer, teórico do jardim inglês, compreende a possibilidade de
se utilizar de ruínas como elementos compositivos da paisagem.
Batty Langley (Reino Unido, 1696-1751), também paisagista, publica o tratado
Novos princípios da jardinagem [New principles of gardening], em 1728, onde
indica a possibilidade de explorar a irregularidade da composição formal do jardim
com o emprego de labirintos. De acordo com Langley, o objetivo é apresentar no-
vos objetos que sejam capazes de entreter o usuário.
É importante destacar que, diferentemente dos demais teóricos que defendem
os jardins como extensão dos espaços internos de uma edificação, Langley com-
preende que edifício já não mais é o componente principal, ponto de partida para
a concepção de um projeto paisagístico. Pelo contrário, para o teórico e paisagista,
o edifício é parte do jardim.
O poeta e paisagista William Shenstone (Reino Unido, 1714-1763) compreende,
em sua publicação Pensamentos desconectados sobre jardinagem [Unconnected
thoughts of gardening], que o jardim é uma paisagem pictórica e que, portanto, o
pintor de paisagem alcança o êxito na concepção e composição de jardins. Shenstone
fundamenta a sua teoria com base nos princípios estéticos da sua época, tendo como
referência as obras de artistas plásticos como Burke, Hutchinso, Gerard, Hogarth.

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Um conceito importante vislumbrado por Shenstone é o equilíbrio (ballance).
O autor advoga que “um edifício, por exemplo, de um lado, contrastando com um
grupo de árvores, um grande carvalho ou uma colina do outro” (SHENSTONE
apud KRUFT, 2016, p. 558) gera um efeito associativo.

Outro conceito-chave para Shenstone é a variedade (variety). Sob esse aspecto,


a ruína é um elemento fundamental. De acordo com o autor, “as estruturas arrui-
nadas parecem derivar seu poder de agradar da irregularidade da superfície, que é
a variedade” (SHENSTONE apud KRUFT, 2016, p. 558).

A Concepção do Jardim Inglês a Partir de 1750


No entanto, há uma mudança de concepção do jardim inglês na segunda me-
tade do século XVIII. As bases literárias e alegóricas do jardim paisagístico já não
são predominantes em sua fundamentação. O arquiteto e paisagista Lancelot
“Capability” Brown baseia-se nas teorias de Burke e Hogarth, porém não funda-
mentando teoricamente sua concepção de jardinagem.

Figura 3 – Jardins e residência Ickworth, Lancelot Brown, Suffolk, 1795-1829


Fonte: Wikimedia Commons

Por outro lado, outros teóricos ocupam uma posição intermediária capaz de
dialogar com a alegoria do jardim de início do século com o distanciamento concei-
tual de Brown. Lord Kames, com Elementos da crítica [Elements of criticismo],
de 1762, e Thomas Wately, com Observações sobre a jardinagem moderna
[Observations on modern gardening], de 1770, abordam a teoria sensualista da
jardinagem, tendo como princípio estético a obra de Burke.

Para Wately, o jardim não é decorrente da pintura, pelo contrário, é superior


a essa arte. O jardim, diferentemente da pintura, torna-se sensual em função da
sua tridimensionalidade, desejabilidade e das condições cambiantes, como a luz.
O autor compreende que o conceito de utilidade (utility) como algo fundamental.

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UNIDADE Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

De maneira similar, o romancista Horace Walpole (Londres, 1717-1797) com-


preende, em seu ensaio Sobre a jardinagem moderna [On modern gardening],
de 1770, que o jardim inglês é um fenômeno histórico. Walpole afirma que esse
tipo de jardim tem como princípios a constituição inglesa, sendo que o jardim fran-
cês, para ele, fundamenta-se no absolutismo.

Influenciado pelos pensamentos de Whately e Walpole, William Mason (Reino


Unido, 1725-1797) publica um poema em 1772 chamado de O jardim inglês
[The english Garden], em que ele retoma o conceito da simplicidade inglesa como
o renascimento da liberdade grega. Sendo assim, a arquitetura e o jardim com-
põem uma unidade total.

Burle Marx, o Paisagismo na Modernidade


Brasileira: Traços Biográficos
Creio que me movo em um espaço onde todos esses elementos estão
misturados. Não quero fazer um jardim que seja somente pintura. Mas
também não posso deixar de reconhecer que a pintura influiu muito em
minhas concepções de paisagismo. Trata-se de certos princípios, princí-
pios gerais de arte que estão indissoluvelmente ligados entre si. Essa é a
coisa mais importante. Saber estabelecer um contraste, como utilizar uma
vertical, a analogia de formas, de volumes, a sequência de certos valores.
São Princípios que podem aplicar à música, à poesia. Sem esses princí-
pios, creio que, simplesmente, não se pode praticar qualquer forma de
arte. (BURLE MARX apud XAVIER, 2003, p. 299)

Paisagista, arquiteto, desenhista, pintor, gravador, litógrafo, escultor, tapeceiro,


ceramista, designer de joias, decorador, Roberto Burle Marx (São Paulo, 1909 – Rio
de Janeiro, 1994) pode ser considerado um dos maiores paisagistas da modernidade.

Burle Marx vive a sua infância na capital carioca e aos dezenove anos de idade
vai com a sua família para a Alemanha. Lá, faz uma imersão completa na vida cul-
tural, além de estudar canto, frequenta teatros, óperas, museus e galerias de arte,
entrando em contato com obras de importantes pintores como Vincent van Gogh
(1853-1890), Pablo Picasso (1881-1973) e Paul Klee (1879-1940). Um ano após
a chegada à capital alemã, Burle Marx frequenta o ateliê de pintura de Degner
Klemn e, ao visitar os jardins e museus botânicos de Dahlen, entusiasma-se ao
encontrar exemplares da flora brasileira.
Fiz uma viagem à Alemanha em 1928, onde vivi um ano e meio em Berlim.
Essa viagem me influenciou muito. No Jardim Botânico de Dahlem, que
era um jardim extraordinário, vi pela primeira vez, uma grande quantidade
de plantas brasileiras, usadas pela primeira vez com objetivos paisagísticos.
Nós, brasileiros, não às usávamos, por considerá-las vulgares. Compreendi
então que, em meu país, a inspiração deveria se basear, sobretudo, nas
espécies autóctones. (MARX apud XAVIER, 2003, p. 306)

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Figura 4 – Jardim botânico de Dahlen, Berlim. Vista de uma das estufas
Fonte: bgbm.info

Ao retornar ao Brasil, Burle Marx cursa pintura e arquitetura na Escola Nacional de


Belas Artes no Rio de Janeiro entre os anos de 1930 e 1934. Ainda enquanto uni-
versitário, é convidado pelos arquitetos Lucio Costa (Toulon, 1902 – Rio de Janeiro,
1998) e Gregori Warchavchik (Odessa, 1896 – São Paulo, 1972) a realizar o projeto
paisagístico para o jardim da residência da família Schwartz no Rio de Janeiro.

Para compreender mais sobre a parceria e a contribuição que Burle Marx, Costa e Warchavchik
Explor

dão à arquitetura moderna brasileira, leia o artigo Lucio Costa, Gregori Warchavchik e
Roberto Burle Marx: síntese entre arquitetura e natureza tropical de Abílio Guerra.
Acesse no link: https://goo.gl/Bcbnvz

Figura 5 – Jardim e residência Alfredo Schwartz, Roberto Burle Marx (paisagismo),


Lucio Costa e Gregori Warchavchik (arquitetura), Rio de Janeiro, 1932
Fontes: enciclopedia.itaucultural.org.br / Adaptado de UFPB

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UNIDADE Teorias para um Paisagismo: Do Renascimento à Modernidade

Após se graduar, transfere-se para


Pernambuco, onde trabalha como dire-
tor de parques e jardins do Recife, entre
os anos de 1934 e 1937. Ainda assim,
Burle Marx visita a capital federal com
frequência e lá tem aulas com Candi-
do Portinari (de quem vira assistente
no ano de 1937) e Mario de Andrade
no Instituto de Arte da Universidade do
Distrito Federal.

Justamente na década de 1930, traba-


Figura 6 – Estrada de ferro, R. Burle Marx, 1938
lha, paralelamente, como pintor. Nessa Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br
época, explora a natureza-morta com
motivos da flora brasileira, representa figuras do povo, cenas de trabalho e favelas,
além de retratos que têm como referência a obra de Portinari e Di Cavalcanti.

Diálogos Entre o Paisagismo


e a Arquitetura Modernos
No final da década de 1930, Burle Marx é novamente convidado a integrar
a equipe que Lucio Costa organizou para o projeto do Palácio Gustavo Capa-
nema, o Ministério da Educação e Saúde (MES), no Rio de Janeiro, entre 1938
e 1944. Enquanto os arquitetos assessorados por Le Corbusier desenvolvem a
proposta para a edificação, Burle Marx é responsável por realizar o projeto dos
jardins do terraço do volume mais baixo e do térreo, cujas empenas possuem
painéis de Portinari.

Figura 7 – Vista aérea dos jardins de Burle Marx para o Ministério da Educação e Saúde, Lucio Costa
e equipe, Rio de Janeiro, 1938-44. Pilotis e painel de azulejos de Portinari ao fundo
Fonte: Ministério da Educação e Saúde

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Ainda no Rio de Janeiro, participa dos projetos para o jardim do Museu de Arte
Moderna (1954-56), desenvolvido pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy em par-
ceria com a sua esposa, a engenheira civil Carmen Portinho, e para o parque do
Flamengo (1961-65), em parceria com a paisagista Lota de Macedo Soares, além
de Reidy.

Para conhecer parte da trajetória da paisagista Lota de Macedo Soares, assista ao filme Flores
Explor

Raras, de Bruno Barreto (2013). Assista ao trailer, disponível em: https://youtu.be/qJ1dLdd_uxQ.

Aterro do Flamengo, Affonso Eduardo Reidy, R. Burle Marx, Lota de Macedo Soares,
Explor

disponível em: https://goo.gl/KKCYzk.


Vista aérea com o Museu de Arte Moderna de Reidy, volume horizontal, e seus jardins no
primeiro plano no canto inferior esquerdo, disponível em: https://goo.gl/3LAfpy

Outra associação muito importante na carreira de Burle Marx é o projeto de


paisagismo para o complexo da Pampulha (Belo Horizonte, 1942-1945) de Oscar
Niemeyer. Nele é possível vislumbrar a maturidade de ambos os arquitetos, tanto
em Niemeyer, ao buscar a síntese da linha curva, quanto em Burle Marx, ao elabo-
rar um desenho capaz de dialogar com as edificações de maneira íntegra.

Figura 8 – Vista aérea da Casa do Baile e do antigo cassino, projetados por Niemeyer
Fontes: UFMG / UFRGS
Explor

Jardins de Burle Marx, disponível em: https://goo.gl/b5hXt1

Na década de 1960, a equipe formada por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Burle
Marx se repete em Brasília para o projeto da nova capital. De escala audaciosa, o
paisagista é responsável por elaborar as áreas verdes de acordo com as diretrizes
do projeto piloto de Costa e em consonância com as edificações de Niemeyer.

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Figura 9 - Vista aérea do eixo monumental de Brasília.


Lucio Costa, Oscar Niemeyer, R. Burle Marx
Fonte: Deimos Imaging

Ao analisar a obra de Burle Marx, nota-se a importância que ele dá às espécies


da flora brasileira. Muito se deve ao estudo da paisagem natural que o paisagista
desenvolve em suas viagens pelo país. Burle Marx incorpora o papel de botânico e
pesquisador e descobre, em suas excursões, espécies vegetais, incorpora as plantas
do cerrado, espécies amazônicas e do sertão nordestino em seus projetos.

Além disso, demonstra atenção às massas de cor obtidas pela disposição de


arbustos e árvores em grupos homogêneos e utiliza elementos artificiais, como
os painéis de azulejos e mosaicos, recuperando a tradição portuguesa de modo a
estabelecer uma relação harmoniosa dos seus jardins com a arquitetura, sem se
sobrepor a essa.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Fundamentos de paisagismo
WATERMAN, T. Fundamentos de paisagismo. São Paulo: Bookman, 2011. (e-book).

Vídeos
O Jardim de Epicuro – A felicidade
https://youtu.be/HvyvRkw_RYk

Filmes
Flores Raras
Flores Raras. Direção de Bruno Barreto. Brasil: Globo Filmes, 2013. 1 DVD
(118 min), son., color.
https://youtu.be/qJ1dLdd_uxQ

Leitura
Lucio Costa, Gregori Warchavchik e Roberto Burle Marx: síntese entre arquitetura e natureza tropical
https://goo.gl/Bcbnvz

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Referências
KRUFT, H. W. História da teoria da arquitetura. São Paulo: EDUSP, 2016.

VITRÚVIO. Tratado de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

XAVIER, A. Depoimentos de uma geração: arquitetura moderna brasileira. São


Paulo: Cosac Naify, 2003.

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