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CHARTIER, Roger.
A conservação e restauração de acervos em Por uma sociologia
histórica das práticas
culturais. In: A História
suporte de papel no Brasil: Cultural: entre práticas
e representações.
Lisboa: DIFEL, 1990. p.
uma abordagem à luz da História Cultural 14.
Esta comunicação tem por objetivo apontar investigações acerca da trajetória histó-
rica da conservação e restauração de acervos em papel no Brasil, tendo como recorte
cronológico a primeira década do século XX até os anos de 1990. Utilizando-se da
análise bibliográfica, documental e do exercício da história oral, esta pesquisa exami-
na os marcos teóricos, os paradigmas e as influências internacionais e as políticas que
alicerçaram a inserção e a construção dessa disciplina especializada no âmbito brasi-
leiro.
Palavras-chave:
Papel; Patrimônio Cultural; História da Conservação e Restauração; Práticas e narrati-
vas preservacionistas.
This paper has goal to investigate, based on Cultural History, the historical trajectory
of paper conservation-restoration in Brazil since the first decade of the 20th century
until the years 1990s. This research uses bibliographic, documental and oral history
analysis. It examines theoretical points, paradigmas, international influences and cul-
tural policy that are basic idea to the insertion and construction of this subject in
Brazilian context.
Introdução
Considerações finais
O exame das narrativas, práticas e repre- de muitas décadas, um lugar de primazia
sentações – demarcadas no campo da con- e hegemonia na arena preservacionista. No
servação e restauração de papel - encami- julgamento e na escolha dos bens dignos
nhou-se no sentido de compreender a gêne- de preservação, poder-se-ia dizer que, la-
se da construção cultural preservacionista, mentavelmente, o patrimônio sobre papel
forjada em meio à rede de trocas simbólicas ficou preterido por não apresentar os con-
dos múltiplos atores e instituições sociais. siderados apelos históricos, artísticos, es-
No que diz respeito aos critérios de téticos e econômicos capazes de atrair a
valoração do bem cultural e, atenção preservacionista. Onde fundou-se
consequentemente, das escolhas do essa valoração desigual? Seriam as obras
patrimônio a ser preservado por parte do de arte em suporte de papel categorizadas
Estado, os dados analisados nesta pesqui- como “artes menores”? Seriam os acervos
sa nos permitiram entrever que os acervos em papel desprovidos de representação sim-
bibliográficos, documentais e as obras de bólica no processo de construção das iden-
arte em suporte de papel - enquanto cate- tidades históricas e culturais da nação?
goria tipológica de bens culturais - não ocu- Desse modo, podemos concluir que, mui-
param, desde a criação do Decreto-Lei nº. to embora a preservação de algumas cate-
25 de 1937, posição relevante e merece- gorias de acervos em papel - como acervos
dora de preservação. Ao contrário, verifi- os bibliográficos de valor excepcional e os
camos - na noção de “excepcionalidade” manuscritos raros - tenha sido juridicamen-
que norteou historicamente a prática de te instaurada a partir do Decreto-Lei nº. 25
preservação do Estado brasileiro - que o de 1937, é somente a partir da década de
patrimônio edificado, os monumentos 1980 que a conservação-restauração de pa-
emblemáticos, as pinturas de cavalete, as pel alcança visibilidade no cenário
esculturas policromadas e demais objetos preservacionista brasileiro.
museológicos sempre detiveram, ao longo Com relação ao modelo educacional, cabe
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ressaltar que a inexistência de uma forma- portanto, nos conceitos estabelecidos pela
ção sistemática por meio da graduação aca- conservação preventiva. Tal constatação é
dêmica, na área de preservação de papel, evidenciada nas ementas das disciplinas de
constituiu-se num grave fator que compro- preservação de papel ministradas dos cur-
meteu, sobremaneira, o desenvolvimento da sos universitários e nas grades curriculares
disciplina no âmbito brasileiro. Conforme dos cursos de graduação e pós-graduação.
se pode analisar, foram as instituições de- Nesse sentido, observa-se a ampliação das
tentoras de acervos e outras iniciativas iso- atividades e da atuação do conservador-res-
ladas que, ao longo das últimas décadas, taurador de papel no Brasil, ou seja, muda-
por meio de um ensino informal, acabaram se o perfil do profissional outrora centrado
por oferecer treinamentos práticos, estágios numa ação de caráter micro, para o emergir
supervisionados e cursos de curta duração de um novo profissional pautado numa vi-
com vistas a suplantar a evidente lacuna são ampla, interdisciplinar, comprometida,
educacional. portanto, com aspectos culturais, científi-
Não obstante o discurso e metodologia cos, políticos, gerenciais e administrativos.
científica que se pretendeu implementar no Ao nos debruçarmos sobre a trajetória
Brasil, a conservação-restauração de acervos histórica da conservação e restauração de
em papel no Brasil foi interpretada, ao lon- papel no Brasil, por meio de diferentes fios
go das cinco últimas décadas do século narrativos, concluímos, à luz do pensamen-
passado, como uma prática curativa, pon- to bourdieusiano, os esforços empreendi-
tual e intervencionista, voltada para o bem dos pelos agentes sociais no sentido da
cultural deteriorado. O conservador-restau- “criação de campo simbólico”, da “inven-
rador de papel era concebido como um in- ção de uma categoria social” e “às lutas
divíduo paciente, meticuloso e dotado de por formas de classificação social”, forja-
habilidades manuais e artísticas – da em meio: à apropriação do conhecimen-
notadamente oriundo da formação acadê- to científico como base normativa da dis-
mica em Artes Plásticas - e sua atuação es- ciplina, à implantação de laboratórios e
tava caracterizada por um fazer operacional, de núcleos de conservação e restauração, à
bem como por um labor silencioso e isola- criação de associações de representação da
do em laboratórios de conservação e restau- classe, à elaboração de código de ética, à
ração. Esta prática reducionista deve ser ex- implantação da graduação universitária em
tinguida e atualmente pode-se constatar o conservação e restauração de bens cultu-
direcionamento para uma linha de menor rais e à luta pela regulamentação da pro-
intervenção, além do chamamento ao diá- fissão do conservador-restaurador de bens
logo no planejamento de trabalho norteado, culturais no País.
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