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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA

TEXTO DE APOIO

HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

4º Ano

Elaborado por: O Prof. Dr. Eusébio André Pedro Gwembe

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Introdução geral.

Caro estudante!

Você tem o módulo de História de Moçambique do Século XIX ao século XXI em suas
mãos. Este módulo foi elaborado tendo em consideração que o estudante possui informação
suficiente para compreender a história dos últimos dois séculos e meio da história de
Moçambique. A complexidade do assunto dificultou a escolha do conteúdo que deveria fazer
parte deste módulo. No entanto, o que foi colocado reflecte a tendência actual da
historiografia de Moçambique. Dada a disponibilidade mais recente de uma extensa
bibliografia e fontes primárias que nos permitem revisitar o passado e perscrutar o futuro sob
novos prismas, privilegiamos colocar a informação que não está ao alcance de todos. De facto,
antes de proceder à compilação do manual, foi necessário responder à pergunta o quê e
porque deveríamos reescrever a história de Moçambique. Reescrever para evitar a repetição
do que já havia sido amplamente divulgado e estudado.

A história sempre traz suas novidades com o passar do tempo. Por exemplo, ao ler o
conteúdo aqui apresentado, irá descobrir que a Ilha de Moçambique não foi a primeira capital
do país que seria conhecido como Moçambique. Compreenderá também melhor que antes
de 1962 (ano oficial da fundação da Frente de Libertação de Moçambique) já existia uma
Frelimo e que este partido não veio da fusão de três movimentos como prega a historiografia
oficial. No entanto, tais novidades não significam que o que foi escrito até agora esteja errado.
Assim acontece porque no momento dos acontecimentos, os protagonistas só veem o que
está próximo e os demais elementos que compõem o acontecimento são ignorados. Às vezes,
o consenso do grupo também é responsável pela compilação do que se pretende com a
história do grupo.

A esse respeito, um autor observou que “Quando nos encontramos num vale entre
montanhas ou colinas, apenas podemos ver a vizinhança mais imediata, enquanto os
elementos afastados do terreno e a sua ligação num todo escapam ao nosso olhar. Basta-nos
subir ao cume de uma montanha para que a paisagem mude, revelando-nos aspectos do vale
até aqui invisíveis e desconhecidos. Quanto mais alto for o cume, mais se alarga o nosso
horizonte e melhor nos apercebemos do conjunto. O autor acrescenta que “É claro que isto
é apenas uma comparação, mas ajuda a compreender melhor estes problemas. Basta
substituir os parâmetros espaciais por parâmetros temporais. Quanto mais afastados no
tempo estivermos de um dado acontecimento, mais vasta e profunda é a nossa percepção
deste, como no caso de uma paisagem vista de cumes cada vez mais elevados”. Porquê?
Porque na história estamos sempre em presença de processos, de transformações, e que é
extremamente difícil, senão impossível, prever antecipadamente não apenas os pormenores,
mas ainda a orientação geral dos acontecimentos (Schaff, 1991).

A história deve ser reescrita de tempos em tempos, não pela descoberta de


numerosos factos até então desconhecidos, mas do nascimento de opiniões novas, do facto
de que o companheiro do tempo que corre para a foz chega a pontos de vista de onde pode
deitar um olhar novo sobre o passado. Portanto, a história é perpetuamente variável e
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reescrevemo-la constantemente; não apenas porque descobrimos factos novos, mas


também porque a nossa perspectiva sobre o que é um facto histórico muda. Com efeito, a
emergência no presente dos efeitos dos acontecimentos passados permite-nos melhor
distinguir-lhes os antecedentes, a orientação e o desenvolvimento, etc.

É o presente quem decide o que se considera como importante e, portanto, fornece


os critérios de selecção. Estamos a pensar em Carr quando afirmou que “A relação do homem
com seu meio é a relação do historiador com seu tema. O historiador não é um escravo
humilde nem um senhor tirânico de seus factos. A relação entre o historiador e seus factos é
de igualdade e de reciprocidade. Como qualquer historiador ativo sabe, se ele pára para
avaliar o que está fazendo enquanto pensa e escreve, o historiador entra num processo
contínuo de moldar seus factos segundo sua interpretação e sua interpretação segundo seus
factos. É impossível determinar a primazia de um sobre o outro. O historiador começa com
uma seleção provisória de factos e uma interpretação também provisória, a partir da qual a
seleção foi feita - tanto pelos outros quanto por ele mesmo. Enquanto trabalha, tanto a
interpretação e a seleção quanto a ordenação de factos passam por mudanças subtis e talvez
parcialmente inconscientes, através da acção recíproca de uma ou da outra” (Carr, 1982).

A reinterpretação constante da história de que fizemos esforço de apresentar neste


manual é um pequeno passo. Quando a cultura muda, as concepções dominantes em uma
dada cultura mudam igualmente. Surgem então necessariamente novos pontos de vista que
servem para a apreensão, a apreciação e a coordenação dos dados. Nesse momento
reescreve-se a história. Ou seja, a história é reescrita quando emergem perspectivas novas
que nos permitem perceber o significado de certos acontecimentos do passado, que havia
escapado à atenção dos contemporâneos. Estes acontecimentos inserem-se nos modelos de
continuidade incluindo os acontecimentos que constituíam o futuro para os que viviam no
passado. Do mesmo modo, os nossos descendentes compreenderão melhor o nosso século
do que o compreendemos hoje, porque serão capazes de ver as consequências de
acontecimentos que ignoramos actualmente e que constituem as premissas de tendências
importantes que darão os seus frutos quando já não existirmos.

Ou seja, só os efeitos futuros dos acontecimentos presentes, só a realização do futuro


permitem compreender o passado; mas os efeitos novos, o novo futuro, desenham uma nova
imagem do passado. O historiador nunca vê os factos como os contemporâneos os viram. No
seu trabalho ele não parte dos factos, mas dos materiais históricos, das fontes, no sentido
mais extenso deste termo, com a ajuda dos quais constrói o que chamamos factos históricos.
Constrói-os na medida em que seleciona os materiais disponíveis em função de um certo
critério de valor, como na medida em que os articula, conferindo-lhes a forma de
acontecimentos históricos. Assim, os factos históricos não são um ponto de partida, mas um
fim. Por conseguinte, não há nada de espantoso em que os mesmos materiais sirvam para
construções diferentes (Schaff, 1991). Os homens se parecem mais com sua época do que
com seus pais. Eis portanto o historiador chamado a prestar contas. Só se arriscará a isso com
certo estremecimento interior: que artesão envelhecido no ofício não se perguntou algum
dia, com um aperto no coração, se fez de sua vida um uso sensato? (Bloch, 2013). Ao terminar
o estudo deste módulo o estudante deverá ser capaz de analisar a trajectória histórica da
construção de Moçambique desde à presença colonial portuguesa ao presente.

Boa leitura!
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UNIDADE TEMÁTICA I: MOÇAMBIQUE E A PRESENÇA


COLONIAL PORTUGUESA
Introdução

“As exigências práticas que suportam todo julgamento histórico dá a toda história o
caráter de ‘história contemporânea’, porque, mesmo que os eventos assim recontados
possam parecer remotos no tempo, a história na verdade refere-se a necessidades presentes
e situações presentes, onde aqueles acontecimentos vibram (Carr, 1982).” O foco principal
desta unidade temática é a presença colonial portuguesa em Moçambique, com destaque
para o processo de partilha e ocupação efectiva da África na conferência de Berlim. De início,
deve-se mencionar que a Conferência de Berlim não decidiu sobre a divisão da África, pois
esse processo iniciara antes, mais de 400 anos antes de 1884/85 e durou até 1930. No
entanto, antes de prosseguirmos com o estudo da Conferência de Berlim propriamente dita,
decidimos incluir um tema que serve como uma retrospectiva do que já foi explorado em
níveis anteriores de como os portugueses se instalaram em Moçambique. Em seguida, são
discutidas as formas de pacificação do país e todo o processo de ocupação efectiva,
destacando o papel das companhias majestáticas, o tempo de ocupação, as concessões e suas
áreas de ocupação.
Como sabemos, a partir da Conferência de Berlim foram definidas novas formas de
relacionamento entre potências europeias e áreas colonizadas, que em Moçambique
conduziram à demarcação de fronteiras e à ocupação militar, administrativa e económica. No
entanto, houve um acontecimento de maior importância que determinou a demarcação
definitiva das fronteiras de Moçambique. É o ultimato britânico de 1890 seguido da
demarcação das fronteiras, processo iniciado em Junho de 1891.
A implantação colonial na era imperialista deu-se primeiro através da conquista militar
do território moçambicano, a que as autoridades coloniais chamaram de campanhas de
pacificação. Apesar da superioridade armada dos colonialistas, este processo durou mais de
duas décadas (1886-1918) visto que havia forte resistência em diferentes partes do território
moçambicano.
Nesta secção, apresentaremos, portanto, os antecedentes históricos das mudanças
que foram decisivas para os eventos da década de 1890. Em primeiro lugar, voltaremos ao
passado para nos concentrarmos em como o país agora conhecido como Moçambique foi
historicamente construído, os principais eventos históricos do século XIX e o significado
desses eventos para aquela época e nas décadas seguintes.
Embora nem todos os problemas actuais sejam explicados pelo passado colonial,
continua a ser importante ter esta memória como ponto de partida para compreender as
complexidades da própria realidade histórica, para questionar e avaliar objectivamente o
rumo do actual processo político (Mazula, 1995). A historiografia eurocêntrica há muito
argumenta que a África é um continente sem história (Hegel, 2001).

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Objectivos

 1.1. Descrever o processo de expansão portuguesa


 1.2. Possuir Breve Informação Sobre a Conquista da África Oriental Portuguesa
 1.3. Analisar o processo de Construção de Moçambique.
 1.4. Contextualizar a Expansão Portuguesa.
 1.5. Descrever os Estágios de dominação de Moçambique
 1.6. Avaliar o alcance do Sistema de Prazo e seu declinio.
 1.7. Rever sobre o Comércio de escravos.
 1.8. Interpretar como a Conferência de Berlim teve repercursoes em Moçambique.
 1.9. Apresentar as decisões da conferência de Berlim e a presença colonial em Africa;
 1.10. Discutir as formas de ocupação efectiva em Moçambique e a montagem do
sistema administrativo.

O PROCESSO DE EXPANSÃO PORTUGUESA


A expansão marítima portuguesa foi a primeira em toda a Europa. Para os
portugueses, a navegação foi o meio encontrado para o comércio com diferentes partes do
mundo. Os portugueses foram os primeiros europeus a entrar no mar durante o período da
Grande Navegação Marítima dos séculos XV e XVI.
Além da pobreza de que falaremos adiante, o motivo que levou os portugueses ao
empreendimento das Grandes Navegações foi a progressiva participação portuguesa no
comércio europeu no século XV, devido ao surgimento de uma burguesia enriquecida que
investia na navegação para o comércio com diferentes partes do mundo.
A centralização monárquica portuguesa ocorreu no século XIV com a Revolução de
Avis. Portugal foi considerado o primeiro reino europeu unificado, ou seja, o primeiro estado
nacional da história europeia. Para além da unificação portuguesa, a Revolução de Avis
consolidou a força da burguesia mercantil que, como vimos acima, investiu fortemente nas
Grandes Navegações.
Especialistas que analisaram Portugal nos séculos XV e XVI afirmaram também que os
portos de boa qualidade que existiam no país tiveram uma grande influência no processo de
pioneirismo português. Outro motivo não menos fundamental que os outros apresentados,
que auxiliaram no processo da empresa portuguesa, foi o estudo náutico efectuado na escola
de Sagres, sob o comando do astuto menino D. Henrique, o navegador (1394-1460).
A escola de Sagres consolidou-se na residência de D. Henrique e tornou-se uma
referência para estudiosos como cosmógrafos, cartógrafos, mercadores, aventureiros, entre
outros. Iniciando o processo de conquista pelos mares, os portugueses governaram em 1415
Ceuta, considerada a primeira conquista dos europeus durante a expansão marítima.
O principal objectivo que os marinheiros portugueses queriam alcançar era dar a volta
ao continente africano, ou seja, dar a volta à África. Desta forma, Portugal ganhou várias
concessões em África. Em 1488, Bartolomeu Dias, navegador português, conseguiu chegar ao
Cabo da Boa Esperança, provando ao mundo que havia passagem para outro oceano.
Finalmente, em 1498, o navegador português Vasco da Gama chegou às Índias; em 1500,
outro navegador português, Pedro Álvares Cabral, viajava com uma grande frota de navios
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para fazer comércio com o Oriente, chegando finalmente ao chamado “Novo Mundo” - o
continente americano.
Com o desenvolvimento dos estudos marítimos (Escola de Sagres), os portugueses
tornaram-se grandes comerciantes, prosperando e produzindo novos navios e formando
grandes navegadores. Portugal tornou-se um dos armazéns comerciais mais importantes
durante a Grande Navegação Marítima.
Extracto 1
“O descubrimento da India deu á história portuguesa a sua mais bella pagina. A audacia dos que o
tentaram e conseguiram através de innumeraveis riscos e padecimentos, se a compararmos com os
meios que então offerecia a arte de navegar e com os terrores que defendiam esses mares ignotos, é
a mais illustre prova da robustez dos antigos corações portugueses. As revoluções de três seculos, no
augmento e decadência dos povos da Europa; o sceptro dos mares passando rapidamente de Veneza
e Genova para Portugal, de Portugal para Hespanha, d’Hespanha para a Hollanda, da Hollanda para
a Inglaterra; e todos estes successos ligados com a conquista da India, tornam o seu descubrimento
um facto europeu, um facto a que se vae prender a moderna historia de todos estes povos, que lhe
deveram o seu engrandecimento e os seus males. Desde o Adriatico até o mar das Hebridas a palavra
India soa como um grito de recordações dolorosas, de gloria e de remorsos. Com effeito, quantos
crimes gerou esse Oriente tão cubiçado, e por quantas lagrimas se tem comprado os seus aromas, as
suas especiarias, e o seu ouro! Que nação se pode gabar de haver senhoreado o Indostão sem o seu
titulo de posse apparecer manchado de traições, de perjurios e de barbaridades! Portugal pagou com
mais de dous seculos de opprobrio e de amargura oitenta annos de crimes, e a sua conta saldou-se
perante Deus e os homens. As conquistas da Asia passaram a mãos estranhas, e a gloria
desassombrada e pura é o que nos cumpre receber da herança de nossos maiores. Assim tudo o que
servir para recordar as façanhas delles no Oriente será bom serviço da pátria traze-lo a lume: nós
cremos, portanto, ser uteis publicando o presente Roteiro”.
In Velho’ Alvarao. Roteiro da viagem de Vasco da Gama em MCCCCXCVII.

Breve Informação Sobre a Conquista da África Oriental Portuguesa.

Antes da colonização portuguesa, havia residentes no território do actual Moçambique


que diferiam na língua, costumes, armas, hábitos alimentares e unidades políticas. Alguns
dependiam do comércio exterior, vendendo ouro, marfim e escravos em troca de tecidos,
contas e armas de fogo. Havia áreas onde era possível encontrar unidades políticas
organizadas de tal modo que os primeiros exploradores europeus confirmaram a existência
de "reis" africanos ou mesmo de "imperadores".
Os sistemas matrilinear a norte (Maconde, Yao e Macua-Lomué) e patrilinear a sul
(Shona Tonga Chope e Ngoni) já se faziam sentir no Zambeze, que era mais ou menos visto
como uma fronteira. Para além desses sistemas apareciam povos de sistemas mistos como
Chuabo, Sena, Nyungwe, com empréstimos culturais de outros povos como é o caso dos
asiáticos que já precederam os europeus.
A expansão marítima de Portugal foi o resultado da sua pobreza. Portugal, produtor de
vinho na Idade Média, não conseguia suprir as necessidades da sua população. Em 1411,
quando a guerra finalmente chegou ao fim e o Tratado de Ayllón foi assinado entre o Reino
de Portugal e o Reino de Castela, os governantes portugueses deram uma olhada em novas
aventuras que encorajaram seus homens a atacar e criar entrepostos e cidades portuárias.

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Barcos particulares foram enviados ao mar e sabe-se que antes da viagem de Vasco da
Gama, Pêro da Covilhã (1450-1530) terá chegado a Sofala (em 1490) disfarçado de um mercador
muçulmano no âmbito de reconhecimento da expansão marítima. Foi Pero da Covilhã quem
registou que uma vez no fim de África (Cabo das Tormentas), bastaria chegar a Sofala ou
Malinde e Calicute será facilmente alcançado. Será com base nesta nota que Vasco da Gama
decidirá atravessar o Oceano Índico directamente para Calicute, na sua expedição marítima
pioneira à Índia. Diogo Cão também fizera duas viagens (1482-1485) a Angola que revelaram
existir milhares de quilómetros até a costa e em 1489, Bartolomeu Dias, embora tivesse
descoberto o caminho passado pelo Cabo de Boa Esperança, foi forçado pelo motim de
homens seus a voltar a Portugal.
Em 1494 inicia a partilha do mundo entre a Espanha e Portugal naquilo que se chamou
de Tratado de Tordesilhas. Em 8 de Julho de 1497 os quatro barcos de Vasco da Gama foram
lançados ao mar fora de Portugal até chegar a costa do Natal a 25 de Dezembro, tendo
entrado na costa moçambicana na tarde do mesmo dia. Como não tivessem água doce
abordo, decidiram desembarcar a 6 de Janeiro do ano seguinte e, acabaram por pisar a terra
moçambicana (Inhambane), tendo denominado aquela terra por “terra de boa gente”. No dia
11 de Janeiro de 1498 seguiram com a viagem pelo rio Qua Qua (Inharrime).
Onze dias depois, a 22 de Janeiro a frota avistou terra baixa e de arvoredos muito baixo
e junto era a costa de delta do Zambeze. Em 24 de Janeiro o Berrio, um dos navios, entrou
num rio seguido dos outros navios um dias depois, a noite. Era o rio de Quelimane, a que os
navegadores chamaram de “Rio de Bons Sinais”. Quelimane a norte de Sofala era terra
islamizada, e dois ou três dias depois da chegada da frota apareceram dois mouros “senhores
desta terra” e um deles usava uma touca com vivos lavrados de seda, outro uma carapuça de
cetim verde e acompanhados por um mancebo que era de outra terra e já vira navios como
o dos portugueses. Foram estes os bons sinais que ali acharam da Índia.
A frota esteve em Quelimane trinta e dois dias, tempo suficiente que se gastou em
reparação dos navios. Só em 24 de Fevereiro a frota fez-se ao mar avistando na tarde do dia
seguinte três pequenas ilhas sendo duas delas grandes – Ilha de Moçambique com arvoredos
e outra “calva” e mais pequena.
De Moçambique rumaram a Mombaça e Melinde onde depois de o sultão ter tido
conhecimento da sua chegada pediu a audiência com o chefe da tripulação -Vasco da Gama–
o qual negou, pedindo que a mesma se realizasse dentro do barco. Feita a audiência
conseguiu importantes informações do piloto árabe que lhes foi cedido pelo sultão dirigente
a fim de lhes acompanhar - Ahmed Ibn Magid - um famoso navegador árabe e autor de várias
informações sobre o Oceano Pacífico. Esta viagem dos portugueses era rumo a Índia. As
quatro embarcações eram São Gabriel, uma nau de 27 metros de comprimento e 178
toneladas, construída especialmente para esta viagem, comandada pelo próprio Vasco da
Gama;
São Rafael, de dimensões semelhantes à São Gabriel, também construída
especialmente para esta viagem, comandada por Paulo da Gama, seu irmão. No regresso,
com a tripulação diminuída, foi abatida em Melinde, prosseguindo na Bérrio e São Gabriel;
Bérrio, uma nau ligeiramente menor que as anteriores, oferecida por D. Manuel de
Bérrio, seu proprietário, sob o comando de Nicolau Coelho; e

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São Miguel, uma nau para transporte de mantimentos, sob o comando de Gonçalo
Nunes, que viria a ser queimada na ida, perto da baía de São Brás, na costa oriental africana.
Em 1499, Vasco da Gama voltou a Portugal. Depois do regresso de Vasco da Gama,
Pedro Alvares Cabral fez a quarta viagem portuguesa passando pelo norte da qual resultaram
importantíssimas informações geográficas. Foram essas viagens que contribuíram para o
conhecimento geográfico que possuímos hoje.

Viagem de Vasco da Gama (a preto) e as viagens anteriores de Pero da Covilhã (laranja) e Afonso de Paiva (azul),
com o caminho percorrido antes de se separarem (a verde).

Os cronistas portugueses do século XVI identificaram quatro tipos de barcos


característicos da região. Mas os grandes navios adequados para viagens em águas marinhas
eram chamados de zambucos (d'Avila, 1898). A maioria desses navios teria sido construída na
Índia ou no Golfo, mas alguns poderiam ter sido construídos em grandes centros de
construção na África Oriental, como Ilha de Moçambique ou Comores. Os barcos maiores
eram conhecidos como Pangaios (Lupi, 1907) e faziam a viagem de mercadorias ao longo da
costa, podendo também sair do mar para Madagáscar. Esses barcos tinham painéis montados
e selados com borracha; a estrutura superior feita de cana e velas. Além desses barcos, havia
também Luzios e Almadias (AAVV, 1975). Os Luzios eram navios de convés nos estuários e
canais que penetravam no interior e estendiam seu uso ao sul até a Baía de Delagoa. Eles
podiam navegar através de velas e às vezes tinham uma cabine no convés. As Almadias eram
canoas feitas de troncos ocos e árvores e predominavam nas áreas costeiras do norte das
Comores e Madagáscar, equipadas com remos e seus suportes.

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No primeiro século da presença portuguesa em Moçambique, houve a construção de


feitorias1 e a expansão das esferas de influência. A cronologia das feitorias realizadas e
algumas realizações apontam para o seguinte:

1505 – Fundação da Feitoria em Sofala


1507 – Fundação da Feitoria da Ilha de Moçambique
1522 – conquista das Ilhas das Quirimbas
1530 – fundação das feitorias de Sena, Tete, penetrando pelo Zambeze
1544 – fundação da feitoria de Quelimane e chegada de portugueses a baía de Maputo
Segundo Ferreri “Foi Sofala o primeiro porto da província de Moçambique, onde os
portugueses estabeleceram colonização. Não foi na primeira viagem em que os grandes
navegadores dobraram o Gabo Tormentório buscando o caminho para a índia que isto se
realizou, nem em 1502, quando Vasco da Gama voltando novamente á índia, visitou o porto
de Sofala e se demorou pouco tempo n'estas paragens.
Em 1505 é que definitivamente se deu princípio á colonização portuguesa na África
oriental. Foi Gonçalo Vaz de Góes que, fazendo parte da expedição a Mombaça, a qual
acabava de ser incendiada pelo primeiro vice-rei da índia, D. Francisco d' Almeida, partiu com
fazendas para o resgate de Sofala. A História porém não diz se Vaz Góes se demorou ou não
n'esta terra, mas unicamente nos refere ter sido Pêro d'Anhaya ou Pêro de Nhaya o primeiro
capitão da colónia. Foi elle que deu começo á fortaleza de S. Caetano de que ainda restavam
vestígios no século XX, trabalho que não chegou a concluir por ter falecido em consequência
das febres que o acometeram depois de ter sido gravemente ferido por uma azagaia inimiga.
O feitor Manuel Fernandes, que acompanhara Pêro d'Anhaya, continuou a obra
encetada por este, mas não teve tempo de a finalizar. As intrigas movidas contra o velho feitor
deram azo a que o vice-rei o mandasse substituir na capitania-mor por Nuno Vaz Pereira. O
governo de Vaz Pereira não foi longo porque apenas em Portugal constou a morte de Pêro
d'Anhaya foi nomeado capitão de Sofala e Moçambique Vasco Gomes d'Abreu.

1Feitoria – lugar ou estabelecimento (fortificado ou não) geralmente situado num porto, destinado a trocas comerciais
com os indígenas dessa região ou com mercadores que ai se trocam.
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Vestígios da Fortaleza de Sofala em 1903.


Damos um ligeiro resumo do estabelecimento portuguez n'este districto,
estabelecimento que pouca duração teve, porque já no governo de Vasco Gomes d' Abreu,
se tratava de edificar uma fortaleza em Moçambique (Ilha de), o que se levou a efeito, não
no local escolhido por Abreu, mas no extremo N. da ilha. Foi esta nova fortaleza principiada
em 1558 sendo governador d'esta capitania Sebastião de Sá. A posição geográfica de
Moçambique, o seu esplêndido porto, e outras vantagens que os nossos antepassados
encontraram, tudo contribuiu para que Sofala fosse a pouco e pouco abandonada,
concentrando-se todos os esforços no desenvolvimento e progresso da primeira. E d'esta
sorte á medida que Moçambique se desenvolvia, Sofala ia decaindo do seu prestígio. Verdade
é que essa prosperidade se foi efémera, deveu-se á ambição que então predominava em
todas as classes. Sofala continuou pois abandonada fraca e pobre. Dissipada a febre da
conquista das minas acabou a importância d'esta valiosa parte da nossa província”. (Ferreri,
1886).
É consensual afirmar que Portugal teve três momentos imperiais, o primeiro dos quais
se deu no século XVI. Aqui, os olhos dos portugueses voltavam-se para o Leste Asiático (Goa,
Damão, Diu, Dadrá, Nagar-Aveli, Ilha Angediva, Ilha de Timor, Índias Orientais e Macau); o
segundo império ocuparia os séculos XVII e XVIII, quando o Brasil se tornou uma terra
dourada. Nesse período, o papel das terras africanas era garantir a travessia das rotas
marítimas. O terceiro e último império formou-se justamente na África do século XIX, pois
com a independência do Brasil em 1822 e o crescimento do movimento internacional contra

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o tráfico de escravos, a presença de Portugal lá deixou de ser uma prioridade evidente.


(Macqueen, 1998).
O Império Português consistia nas seguintes regiões: Brasil (22 de Abril de 1500 - 7 de
Setembro de 1822); Guiné-Bisau; Ilhas de Cabo Verde (1456 - 5 de Julho de 1975); São Tomé
e Príncipe; Castelo de São Jorge da Mina-Gana; Congo; Angola (1575 - 11 de Novembro de
1975); Moçambique (2 de Março de 1498 - 25 de Junho de 1975); Mombaça-Quênia (1589-
1698); Kochi-Kerala-Índia (1502-1663); Colombo-Sri Lanka (1518-1656); Melaka-Malásia -
(1511-1641); Ternate-Indonésia (1522-1622); Timor Leste (-1975); Goa-Índia (1510-1961);
Calcutá-Índia (1511-1657); Muscat-Omã (1508-1650); O Estreito de Ormuz - que separa o Irã
da Península Arábica - (1515-1622); Diu-Índia (1535-1961); Mumbai-Índia (1535-1661);
Macau-China (1553-1999); Nagasaki-Japão (1571-1638); Ceuta-Marrocos (1415-1668); Ilha
da Madeira (1419); Ilhas dos Açores (1427) (Pedro, 2019).
Extracto 2
Sancho de Tovar, o Primeiro Governador de Moçambique
Sancho de Tovar (Cevico de la Torre, c. 1470 — Lisboa, 1545) foi um nobre da corte em Castela, e depois na corte
portuguesa. Destacou-se como navegador e explorador à época dos descobrimentos portugueses. Foi um dos capitães da
Armada que descobriu o Brasil em 1500 e, mais tarde, foi nomeado governador de Sofala, na costa leste da África, por
Manuel I de Portugal (1495-1521). Sancho de Tovar teria recebido, no início do ano de 1500, a informação de que o pai fora
morto em Castela. Sancho teria então partido para Castela, onde teria matado o Regedor que executara seu pai. Regressou
a Portugal e foi nomeado, por D. Manuel, segundo comandante da Armada da Índia, comandada por Pedro Alvares Cabral,
que se fez ao mar em Março de 1500. Ao comando da nau El-Rei avistou o Brasil em 22 de Abril. Sancho foi o primeiro dos
capitães a pisar terras brasileiras. Trouxe para a sua nau, a El-Rei, dois índios Tupiniquim aos quais dará vinho, e ficando
surpreendido por eles não o apreciarem. Quando a armada chegou à Índia, seu destino inicial, Tovar assumiu o comando da
esquadra e protegeu Cabral dos ataques. Em 5 de Fevereiro de 1501, no regresso da Índia, quando Sancho andava a explorar
a costa e as origens do “ouro de Sofala”, a nau El-Rei encalhou na costa de Moçambique. As mercadorias e as pessoas foram
transferidas para a nau de Luís Pires, que Sancho passou a comandar. A nau El-Rei foi incendiada para não cair nas mãos dos
muçulmanos. Em 1504 foi agraciado pelo Rei D. Manuel com a doação “de uma terra cercada de valados, no termo de
Palmela, chamada Barra Cheia e lugares comarcãos – Azeitão, Barreiro, Coina e Mouta – com seus pinhais, fontes, terras,
matos rotos e por romper e todas as outras pertenças como a El-Rei inteiramente pertenciam, para ele e todos seus
descendentes” Voltou a Sofala como governador por volta de 1504, onde esteve até 1505 deixando a fortaleza concluída.
Regressou a Moçambique em 1512, onde exerceu novamente o cargo de Governador até 1515, altura em que regressou a
Portugal.
In https://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_de_Tovar

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O Império Português.

A primeira viagem de Vasco da Gama teve como destino final a Índia. No início, os
portugueses começaram ocupando a zona costeira que ficou conhecida como África Oriental
portuguesa. Assim, a primeira capital a responder por esta costa africana foi Quilua (1505-
1512) seguida de Sofala (1512-1554), Ilha de Moçambique (1554-1898) e Lourenço Marques
(1898-1976), respectivamente. O Império Português da África Oriental era constituído pelas
seguintes regiões:
1. Zanzibar - conquistado em 1503, mas perdido para o Sultanato de Omã em 1652.
2. Kilwa - conquistado em 1505, foi abandonado em 1512, quando a capital mudou-
se para Sofala. Parece que a ocupação de Kilwa teve a ver com a intenção portuguesa de
controlar as rotas comerciais para a Índia. Em 1505, Sofala foi conquistada por Gonçalo Vaz
de Góes, que mandou construir uma fortaleza para servir de guarnição. O objectivo era estar
perto das rotas que conduziam às nascentes das minas de ouro do interior.
3. Mombaça - Conquistada em 1505 e perdida para o Sultanato de Omã em 1698. Foi
reconquistada por Portugal em 1728. Pouco tempo depois, ficou sob o domínio do Sultanato
de Omã em 1729 até ser libertada em 1824 pelos portugueses. Três anos depois, em 1827,
definitivamente caiu das mãos dos portugueses. Estritamente ocupada em 1545, a Ilha de
Moçambique seria a Capital da África Oriental Portuguesa a partir de 1554.
4. Moçambique. Os documentos escritos no século XIX quando falam de Moçambique
referem-se aos territórios em redor da Ilha de Moçambique. Saber isso é importante para a
reconstituição da história. Por exemplo, no processo de nomeação de alguns locais pós-
independência, a cidade de Lourenço Marques foi alterada para Maputo. O Maputo que pode
ser encontrado em documentos anteriores a 1976 refere-se ao régulo que no tempo colonial
respondia por aquele nome. Outras cidades cujos nomes foram alterados neste processo
estão listadas no quadro abaixo.

Cidades e vilas
Nome anterior a 1976 Nome novo (desde 1976)
Aldeia da Madragoa Chilembene
Aldeia de Sta. Comba Mahalazene
António Ennes Angoche
Augusto Cardoso Metangula (ou M’Tangula)
Bairro Choupal Bairro 25 de Junho
Belém Mitande
Benfica Bairro Jorge Dimitrov
João Belo XaiXai.
Lourenço Marques Maputo
Malvérnia Chicualacuala
Miranda Macaloge
Nova Freixo Cuamba
Nova Lusitânia Búzi
Olivença Lipilichi
Porto Amélia Pemba
Salazar Matola
S. Martinho do Bilene Bilene
Trigo de Morais Chokwé

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Valadim Mavago
Vila Alferes Chamusca Guijá
Vila Cabral Lichinga (ou Litchinga)
Vila Caldas Xavier Cambulaze (ou Cambulatze, Cambulatsitsi)
Vila Coutinho Ulongué (ou Ulongwé)
Vila Fontes Caia
Vila Gomes da Costa Alto Changane
Vila Gouveia Catandica (ou Katandica)
Vila Junqueiro Gurué
Vila Machado Nhamatanda
Vila Paiva de Andrada Vila de Gorongosa
Vila Pery Chimoio
Vila Pinto Teixeira Mabalane
Vila Vasco da Gama Chiputo/Chibuto

A Construção de Moçambique.

A construção do estado moçambicano teve duas forças antagónicas. Por um lado


estavam os integracionistas representados por portugueses desde os quatro pontos em que
estavam colocados e, por outro lado, as forças segregacionistas representadas pelas
lideranças tradicionais que temiam perder o seu poder a favor dos primeiros. Havia quatro
pontos principais onde as comunidades ou comerciantes portugueses moravam: Sofala, (Ilha
de) Moçambique, Lourenço Marques e Quelimane. A partir desses pontos principais, os
portugueses conseguiram conquistar os reis do interior, ampliando sua esfera de influência.
À medida que a influência portuguesa crescia, a dos asiáticos diminuía, pois entre os séculos
VII e XIII os moçambicanos mantinham relações comerciais com povos asiáticos como
paquistaneses, indianos, afegãos e árabes.
Nessa altura, a população local vivia sob o domínio de pequenos reinos de acordo com
suas próprias organizações. Na vasta região centro de Moçambique, os portugueses
encontraram na parte ocidental do rio Zambeze os dois grandes reinos que dominavam esta
parte de África, nomeadamente Monomutapa e Monoyemugi ou Undi, na margem direita do
mesmo rio. Esses reinos estavam divididos em pequenas unidades administrativas chefiadas
pelo mambo. Essas pequenas unidades administrativas também estavam divididas em aldeias
regulares dirigidas pelos Pfumos, que eram responsáveis pela arrecadação de impostos
enviados ao mambo. Era o Mambo quem levava o imposto ao Monomutapa.
A conquista portuguesa teve auxílio de duas rotas: negociações e guerra. Através de
negociações, os portugueses contactavam os chefes tradicionais com quem assinavam
acordos de cooperação bilateral. No entanto, como os líderes africanos eram analfabetos,
acabavam por assinar tratados cujo conteúdo era-lhes desconhecido. Esses documentos,
assinados por líderes africanos, poderiam ser mostrados a outras potências coloniais em caso
de conflito e poderiam servir de base para as reivindicações de Portugal como aconteceu ao
apoiar o princípio dos direitos históricos na Conferência de Berlim de 1884 a 1885.
Missionários e comerciantes também participavam de negociações favoráveis sobre a
aquisição de terras para Portugal estabelecendo assentamentos para eles.
Na rota militar, Portugal apoiou as pequenas tribos contra os poderosos reinos. Após
a vitória, os portugueses eram vistos como seus guardiões. Por exemplo, em 1607, Sua
Majestade, Gatsi Rusere (o rei governante na época) entregou todos os poderes ao reino

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

português como resultado de seu apoio militar. Existem muitos exemplos de apoio militar
português a reis locais para enfrentar revoltas internas. Em 1861, houve uma guerra contra
o rei Maweva na área de Lourenço Marques, que usurpou o governo de seu irmão Muzila.
Muzila entrou em colapso e teve que pedir ajuda ao governo português. Com este apoio
militar dos portugueses, ele se estabeleceu no reino punindo Maweva. Ciente do apoio dado,
Muzila assinou um tratado com Paiva Raposo, em que reconhecia a soberania portuguesa em
1862. Em Inhambane, o Rei Inhamurubya procurou ajuda portuguesa para enfrentar
Mahunja, que se rebelou.

Ao longo dos séculos XVI e XVII, os portugueses ocuparam o território do vasto vale
do Zambeze. Esses latifundiários, que governavam certas regiões em nome da coroa
portuguesa, tornaram-se verdadeiros senhores feudais e devido à distância e isolamento de
Portugal quiseram ser independentes porque o rei se preocupava mais com o Brasil do que a
África. Mas depois da independência do Brasil em 1822, o interesse pela África cresceu e a
monarquia portuguesa queria que Moçambique e Angola se tornassem o novo Brasil.

Contexto da Expansão Portuguesa.

No século XVI, as nações da Europa não tinham contornos específicos. As fronteiras


das nações de hoje ainda não tinham sido delineadas. Vários povos ainda estavam lutando
com a pressão dos bárbaros que queriam se estabelecer na Europa: os tartaros na Crimeia e
na Ucrânia, os mongóis no leste e os turcos no sul.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Segundo (Morineau, 1980), o ano de 1492 começou com a vitória cristã sobre os
muçulmanos. A conquista de Granada provocou uma alegria extraordinária em Roma. Isabel
de Castela e Fernando de Aragão haviam entendido o equilíbrio a favor dos cristãos pela
primeira vez em muito tempo. A Terra Santa e Jerusalém estavam no horizonte de Carlos VIII.
Os espanhóis conquistaram países muçulmanos no norte da África. Nos anos que se seguiram,
os europeus tiveram que lutar contra muçulmanos e turcos várias vezes para ganhar o
controle da Itália.
Quando os europeus vieram para a África, influenciados por factores políticos,
econômicos, sociais e religiosos, ocuparam várias regiões africanas. O comércio de ouro, o
comércio de marfim e o comércio de escravos foram essencialmente a exploração econômica
inicial. Naquela época, a soberania do Mediterrâneo perdeu seu antigo significado, com
ferozes lutas pela partilha entre cristãos e estados islâmicos. Espanha, Portugal, Grã-
Bretanha, França e Holanda estabeleceram impérios coloniais de onde importavam
especiarias, café, açúcar, algodão e seda. A conquista e a influência de Portugal assentavam
sobretudo em três pilares: o militar, o mercador e o missionário, ou seja, 3M. Este último era
um compromisso e moderava a aspereza de um e o ganho do outro.
Comércio, cristianização e poder militar português foram as primeiras ferramentas
ideológicas da ocidentalização moçambicana. Mas, acima de tudo, foi o poder militar
português que obrigou os reis africanos locais a aceitar a integração a medida em que os
perdedores se reduziam a uma insignificância. A aceleração da ocupação do solo em África é
facilitada pelo desenvolvimento das ligações de transporte entre Portugal e as suas colónias;
desenvolvimento de drogas que permitem a colonização branca de áreas afetadas pela
malária e outras doenças tropicais; desenvolvimento de equipamento militar; melhoria das
condições internas na África, onde pequenas unidades políticas têm dificuldade em manter o
equilíbrio de poder, etc. Embora Portugal tenha utilizado mercadores e missionários durante
a invasão, as campanhas militares foram o meio mais importante de todos para a colonização
efectiva. Mas, as tropas controladas por Portugal eram essencialmente compostas de
africanos. As autoridades locais rebeldes eram abolidas e substituídas por cidadãos leais a
Portugal. Economicamente, uma nova classe média capitalista emergiu, buscando riqueza
fora de Portugal, enquanto os missionários começaram a espalhar o cristianismo entre os
pagãos.
Antes da Conferência de Berlim em 1884-1885, os governos portugueses seguiram
uma política de aquisição de terras na África para gerar benefícios econômicos diretos para a
metrópole. Em Moçambique, houve várias fontes de conflito em relação a diferentes actores.
Esses conflitos não eram apenas europeus contra africanos. Forças autoritárias divisivas que
queriam defender seus direitos também faziam surgir conflitos entre africanos. As
consequências desses conflitos fizeram com que os grupos derrotados se tornassem escravos
dos povos conquistadores. Assim, as tribos subjugadas guardavam rancor contra os
conquistadores e, quando os portugueses chegavam, os derrotados eram os primeiros a
apoiar suas ações contra os tidos de opressores africanos. Quando os poderosos reis eram
derrotados, os novos chefes apoiados pelos portugueses davam aos colonos liberdade em
todos os territórios. Existem documentos que denunciam a presença de conselheiros
portugueses nos reinos africanos.
Umas vezes, os conflitos resultavam da necessidade de diferentes potências coloniais
dominarem alguns dos territórios do interior. Nestes casos, a resolução diplomática de

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

conflitos exigia o envolvimento de terceiros, como aconteceu com a baia de Lourenço


Marques pela arbitragem de 2M (Mac Mahon). Outras vezes, o conflito envolvia
colonizadores contra as autoridades metropolitanas de Lisboa, como aconteceu com os
prazeiros do vale do Zambeze de que Bonga foi a expressão simbólica. Esses colonos queriam
melhores condições de vida para eles. No entanto, durante o primeiro período colonial, as
mudanças para a melhoria de vida não ocorriam dependendo do tipo de colonos enviados
para Moçambique, incluindo vagabundos, criminosos e aventureiros. (Boxer, 1969) O envio
de criminosos para a África não era específico do regime português da época. O
estabelecimento de colônias por pessoas condenadas e inúteis era uma política praticada por
quase todas as potências colonizadoras europeias. O envio de condenados e outros
criminosos britânicos para a Austrália ainda se repetiu até 1868. Ao contrário da Grã-
Bretanha, Portugal não mandava mulheres criminosas para suas colônias, o que incentivou
os casamentos mistos entre imigrantes portugueses e mulheres africanas.

Estágios de dominação.

Em 1498, os primeiros portugueses chegaram a Moçambique e sete anos depois


construíram um forte militar. Entre 1505 e 1544, eles estavam a 700 quilômetros do interior.
Entre 1511 e 1513, António Fernandes fez duas viagens ao longo do rio Zambeze para ser
perdoado pelo Rei e veio para o Reino de Monomotapa. Lá, ele foi reverenciado pelos chefes
locais e também recebeu informações valiosas sobre os rios locais, feiras e comércio local.
Nos anos seguintes, outros exploradores como Baltazar Camacho, António Caiado e Gonçalo
da Silveira, o mártir, seguiram os passos de Fernandes. Tal como aconteceu com as minas de
prata no México, Portugal esperava encontrar prata e ouro no Zambeze e Kambambe.
Com isso em mente, em Abril de 1569, o rei Sebastião (1554-1578) organizou uma
expedição militar para conquistar o reino Monomutapa. Entre 1569 e 1572, António Moniz
Barreto, Francisco Barreto, Vasco Fernandes Homem e Lourenço Carvalho realizaram ataques
massivos ao reino Monomotapa com cerca de 1.000 guerrilheiros. Porém, devido ao clima e
à malária, a maior parte do exército foi destruída. Decepcionado com o incidente, Barreto
culpou os locais islamizados pela tragédia e ordenou seu massacre.
Naquela época, o rei Monomutapa havia procurado ajuda militar de Barreto em face
da revolta do rei Mongar. Com a superioridade portuguesa, este rei rebelde foi forçado a
pedir uma trégua. Após a trégua, Barreto abandonou os seus homens e regressou à Ilha de
Moçambique, onde António Pereira Brandão, exilado em África, causava terríveis
perturbações. Este homem de 85 anos tinha um comportamento primitivo de qualquer
ambicioso. Barreto confiou-o à fortaleza da Ilha de Moçambique mas Brandão tentou tornar-
se senhor do castelo, chamando a atenção para o Rei de Portugal, com cartas caluniosas
contra Barreto. Barreto era amigo pessoal do padre Gonçalo da Silveira, morto a mando de
Monomotapa, em 1561. Em 1573, ao regressar a Sena para receber reforços, Barreto
adoeceu e morreu de malária, tal como os seus homens. Vasco Fernandes, que acompanhava
a expedição malsucedida, ocupou seu lugar. Fernandes entrou em Manica e cruzou o rio
Zambeze para entrar em Sena.
Além de ajudar na organização de feiras, essas invasões permitiram o reconhecimento
gradual dessa região geográfica e a criação de novas perspectivas científicas para futuros
cartógrafos e exploradores. As feiras mais importantes eram Masapa, Bokuto, Luanze Zumbo
e Tete. As feiras eram importantes para a circulação de pessoas e bens e para a
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

implementação do regime de monopólio comercial, que viria a beneficiar a expansão do


colonialismo português nos séculos seguintes. Em 1580, Kiteve, região rica em metais
preciosos e marfim, foi doada a Portugal, permitindo a colonos portugueses aí se
estabelecerem e instalarem entrepostos comerciais. Entre 1592-1607, foi feito um esforço
para ligar Angola e Moçambique. Este projecto contará com a participação de missionários
jesuítas e dominicanos, separados de autores como João dos Santos, António Gomes, Manuel
Godinho, Manuel Barreto, Sisnando Dias Baião e António Lobo da Silva. Naquela época, José
Pinto Pereira e Salvador Correia de Sá e Benevides prepararam o plano de assentamento para
500 casais e 400 soldados no diminuto vale do Zambeze.
No que diz respeito à ocidentalização por meio de povoamentos, o Conselho
Ultramarino propôs ao Rei D. João IV a preparação de três navios, cada um com 200 pares de
casais voluntários, de Portugal para África. Esses casais iriam se juntar a 400 angolanos para
se estabelecerem na costa do Zambeze. Durante a viagem, tentariam construir vários quartéis
militares ao longo do caminho. Para liderar a campanha, o Conselho Ultramarino escolheu
André Vidal de Negreiros, que ganhou fama na guerra contra os holandeses. Porém, João IV
morreu antes de implantar o projecto, o que ocasionou a sua interrupção.
Embora o assentamento português em Sofala tenha sido construído em 1506, eles
somente tentaram conquistar o Reino de Mutapa entre 1550 e 1630. Em 1540, o comércio
entre os portugueses e o reino de Mutapa não era oficial. Desde esse ano, as relações
comerciais entre mercadores portugueses, reis de Mutapas e vassalos foram formalizadas
com a abertura de uma missão diplomática no Palácio Real. O representante português vivia
na corte real, onde apresentava a preocupação dos mercadores portugueses e devolvia os
dizeres do rei aos seus cidadãos. Os motins que eclodiram entre 1590 e 1607 deram aos
portugueses a oportunidade de entrar na complexidade da política Mutapa. Gatsi Rusere, um
líder Mutapa, visitou os portugueses e assinou com eles um acordo de ajuda militar. Por sua
vez, ele prometeu desistir de todas as minas de ouro, cobre, ferro, chumbo e estanho. Claro
que o tratado deu aos portugueses o prestígio da propriedade, mas faltavam os trabalhadores
e conhecimentos técnicos necessários para explorar os metais.
Foi por isso que este tratado não importou muito porque os portugueses permitiram
que Gatsi Rusere enfrentasse a guerra civil que não parou até sua morte em 1624. King Gatsi
Rusere é visto como um exemplo dos vendedores da pátria, um fenômeno antigo que ocorre
em quase todos os lugares do mundo até hoje. O filho de Rusere, Nyambu Kapranzina,
assumiu o lugar do pai, mas sua legitimidade não foi reconhecida por seu tio Mamvura. Na
guerra entre os dois rivais, Mamvura procurou ajuda militar portuguesa. Depois de receber
um certo número de palavras prometedoras de Mamvura, os portugueses ajudaram-no
contra o Kapranzina. Essas promessas, em particular, incluíam um pacto de submissão e a
alienação das minas de ouro e prata.
Em 1631, Kapranzina foi derrotada de forma decisiva pelo Capitão Diogo de Sousa
Meneses, que durante muitos anos abriu as portas do Cristianismo ao Monomutapa. Desde
então, convidados pelos chefes africanos, comerciantes portugueses quase se transformaram
em proprietários de terras. Mas sua individualidade e desrespeito às leis locais criavam um
período de turbulência e anarquia. Como Gatsi Rusere em 1607, Mamvura subiu ao trono
com o apoio militar dos portugueses. O acordo com eles não obrigava os mercadores
portugueses a obter consentimento para circular livremente em todo o Império, exigindo

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

expulsar os mercadores árabes suaíli de seu país e conceder missionários dominicanos para
pregar o Evangelho.
Mamvura foi obrigado a suprimir o "imposto sobre a curva" pago pelos portugueses
aos chefes Mutapa desde meados do século XVI. Além disso, Mamvura e sua esposa foram
baptizados e chamados de Domingos e Luiza, respectivamente. Após a assinatura do acordo,
cada vez mais mercadores e aventureiros portugueses chegaram às terras de Mutapa. O
tratado de 1629 incentivou os aventureiros portugueses a apreenderem terras que mais
tarde foram reconhecidas pela coroa portuguesa nos termos (territórios da Coroa). Foi nestas
terras, na década de 1890, que a monarquia portuguesa enfrentou grandes dificuldades
durante a pacificação de Moçambique. Por um lado, se as terras da Coroa permitem que a
Coroa portuguesa se expanda como justificativa para a presença real perante os países
europeus, por outro, contribuiria também para o fim da Monarquia portuguesa.

O Sistema de Prazo e seu declínio.

Os Prazos nasceram com a penetração portuguesa no vale do rio Zambeze a partir de


1530 e foram inicialmente constituídos por terras conquistadas por aventureiros, soldados e
mercadores de contas e tecidos baratos, ou por terras que os chefes locais ofereciam aos
portugueses em troca de saguates ou ajuda militar contra chefes rivais. Os prazeiros se
dedicavam ao escoamento de ouro e marfim na primeira fase e de escravos posteriormente,
quando o tráfico de escravos ultrapassou o de ouro e marfim. O Estado português considerou-
se malsucedido em alguns casos, porque vários proprietários raramente pagavam as custas
judiciais. A terra pertencia a coroa e o senhor prazeiro a cultivava ou a habitava em regime
de aluguel. Decorrido o prazo, as terras voltariam à coroa portuguesa, porém, a família
herdeira poderia continuar a possuir a terra por um novo período de três vidas, como novo
foro, desde que as terras tivessem sido do Sistema a Prazo convenientemente administrada
e a sucessão era feita por linha feminina, filha mais velha ou neta, e também, sob a condição
de se casar com português nascido em Portugal, para garantir o processo contínuo de
apuramento da raça, na perspectiva do colonizador. O vice-rei português na Índia era quem
cedia terras aos moçambicanos em nome do rei de Portugal, concessões que Lisboa depois
confirmava.
O declínio dos Prazos ocorre na segunda metade do século XVIII. O processo de
desagregação dos Prazos deu origem ao surgimento de Estados, que mantiveram muitas das
características dos prazos, mas que eram territorialmente mais extensos. As brigas entre
estados vizinhos eram frequentes para se apoderar de plantações, mulheres e ainda
aprisionar homens, que costumavam ser reduzidos a escravos.
Os Prazos foram formalmente extintos em 1832 pela Coroa portuguesa. Em 1838, um
decreto real determinou que nenhuma carta de aprovação deveria ser emitida a qualquer
candidato para o uso dos Prazos. Em 1854, um novo decreto os extinguiu, pela segunda vez,
sem efeitos práticos, visto que continuavam a existir reestruturados. Anteriormente, em
1820, surgiram poderosas famílias de escravos luso-afro-indianos, que dominavam o vale do
Zambéze. Praticamente toda a margem direita do rio Zambéze, desde Tete até à foz, era
dominada pelo Estado de Massangano, controlado pela família Cruz, e pelo Estado da
Gorongoza chefiado por Manuel António de Sousa.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A margem esquerda do rio pertencia ao Estado de Maganja, à família Caetano Pereira


e ao Estado de Massingire governado pela família Vaz dos Anjos, que dominava uma extensa
área que ia do rio Chire ao território do Estado Undi em Tete. A região a oeste de Tete,
estendendo-se de Chicoa à Zâmbia, estavam os feudos de José do Rosário Andrade, José de
Araújo Lobo, Firmino Luís Germano, entre outros. Na Maganja reinou João Bonifácio da Silva,
traficante de escravos por excelência.

Comércio de escravos.

Todos os novos proprietários de terras estavam no comércio de escravos. Tal acordo


contribuiu para a ruína dos prazos, em decorrência da abolição da escravidão, porém é
provável que a continuidade da prosperidade do comércio de escravos tenha a ver com a
africanização das dinastias, diluída entre invasores estrangeiros e súditos locais que manteve
o negócio depois da abolição da escravatura, com o benefício para o governo.
Ao longo do século XIX, a paisagem política e econômica do norte de Moçambique
era completamente dominada pela captura, transporte, comércio e exportação de escravos.
A população de origem Macúa-Lómué foi quem sofreu o principal sacrifício. Dezenas de
milhares deles foram exportados para Mascarenhas, Madagascar, Zanzibar, Golfo Pérsico,
Brasil e Cuba.
Até cerca de 1850, Cuba era o principal mercado para os escravos que saíam da
Zambézia, apesar do facto de o tráfico oficial ter sido proibido em 1836 e a proibição ter sido
reforçada em 1842, devido a um novo dispositivo legal que impedia o exercício dessa
actividade. No entanto, com resultados mistos, desde que as dinastias reinantes nos Estados
emergentes, constituíram a força que normalmente representava a presença portuguesa no
vale do rio Zambéze, só aceitavam a soberania portuguesa se o governo português garantisse
e não penalizasse o tráfico de escravos.
Os moçambicanos até então submetidos pelos portugueses entraram em
revolta. Alguns líderes de prestígio da resistência moçambicana contra os portugueses foram
Maueua, Musila, Gungunhana, Zixaxa, Komala, Kuphula, Marave, Molid-Volay e Mataca, que
se opuseram aos militares portugueses, liderados por Mouzinho de Alburquerque, Caldas
Xavier, Paiva Couceiro, entre outros, que vieram derrotar os indígenas nas batalhas de
Marracuene, Magude, Coolela e Chaimite ao sul do território. Combate de Marracuene, ou
Gwaza Muthine, foi um combate que se travou a 2 de Fevereiro de 1895, nas proximidades
de Marracuene, Moçambique, entre as forças rongas comandadas pelo jovem príncipe Zixaxa
e forças portuguesas comandadas pelo major Alfredo Augusto Caldas Xavier. A batalha,
ocorreu no contexto das operações de ocupação colonial portuguesa, ao tempo referidas
como as Campanhas de Conquista e Pacificação.
Alguns dos sobreviventes do combate do Marracuene, junto do obelisco dos
combatentes. [identificados no álbum:] António Júlio Martins; tenente Joaquim Gonçalves
Cardoso; Sargento Anastácio Duarte; Coronel Virgílio Santos; Alferes António José Rodrigues;
Domingos Nunes; Manuel Henriques; Vicente Coelho.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O norte de Moçambique só foi dominado militarmente por volta de 1900 e a


chamada pacificação de Moçambique pelos portugueses só aconteceu no século XX.

CONFERÊNCIA DE BERLIM SOBRE A ÁFRICA OCIDENTAL E O PRINCÍPIO DA OCUPAÇÃO EFECTIVA


A pedido de Portugal, uma Conferência Africana foi realizada em Berlim de 15 de
Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, definindo uma nova estratégia colonial e
imperialista. A conferência foi organizada por Otto von Bismarck, o primeiro chanceler
alemão a mediar o conflito entre as potências coloniais da Europa. A Alemanha também
deveria ter colônias na África porque, nas palavras de seu líder, “os alemães no coração da
Europa estavam estendendo suas antenas econômicas em todas as direções”. Com a
unificação da Itália (1861) e da Alemanha (1870), esses novos países passaram a reivindicar
também o direito de possuir colônias.2

Assim, os italianos conseguiram adquirir a Eritreia (1886), Somália (1889), Tientsin


(1901), Líbia, Dodecaneso, ilhas gregas tomadas do Império Otomano e Etiópia (1935). A
Alemanha tomou para si a Namíbia, a Tanzânia, o Togo3 e os Camarões.4 As possessões alemãs
- Namíbia e Tanzânia - eram vizinhas das colônias portuguesas de Angola e Moçambique, o
que faziam com que os políticos portugueses desconfiassem da Alemanha. À medida que os
conflitos entre europeus se intensificavam após a derrota dos franceses na Alsácia e na

2 J. F. Ade Ajayi, General History of Africa-VI, Africa in the Nineteenth Century Until the 1880s, University of California Press,
Berkeley-California, 1989, p. 211.
3 Heinrich Selon Klose: Le Togo sous Drapeau Allemand (1894-1897), Universite du Benin-Orstom, HAHO, Lome, 1992, p. 84.
4 Albert Adu Boahen, General History of Africa, VII: Africa Under Colonial Domination, 1880-1935, UNESCO; California-

London, 1985, p. 21.


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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Lorena em favor da Alemanha, na década de 1870, os olhos se voltaram para a África. Alguns
países europeus assinavam apressadamente acordos com líderes africanos locais, acordos
que poderiam ser enviados ao seu governo e influenciar o futuro e a partilha eminente da
África.

Exploradores como David Livingstone (1813-1873), Verni Lovett Cameron (1844-


1894), James August Grant (1827-1892) e Richard Francis Burton (1821-1890) representaram
a Inglaterra. Henry Morton Stanley (1841-1904) respondeu em nome da Bélgica. Pierre
Sauvorne de Brazza (1852-1905) e Antoine Thomson d'Abbadi (1810-1897) foram nomes de
primeira linha para a França. Edward Moore (1828-1876), Gustav Nachtigal (1834-1885),
Adolf Lüderitz (1834-1886), Karl Peters (1856-1918), Karl Moch (1837-1875) e Hermann von
Wismann (1853-1905) combateram pela Alemanha. Hermenegildo Carlos de Brito Capello
(1841-1917), Alexandre Alberto da Rocha Serpa-Pinto (1846-1900) e Roberto Ivens (1850-
1898) representavam os interesses expansionistas de Portugal.

Esses exploradores e outros informavam o mundo sobre suas pesquisas na África.


Portugal ocupava posições de antídoto diplomático durante a divisão e até fornecia proteção
geográfica contra as aspirações periódicas anglo-germânicas de partilha entre Angola e
Moçambique e mais tarde protegê-lo-ia das críticas internacionais. No entanto, a
desconfiança mútua entre as duas grandes potências imperialistas - Inglaterra e Alemanha -
garantiu a sobrevivência de Portugal em África. Isso não significa que Portugal permanecia
passivo. Havia necessidade de evitar armadilhas jurídicas e financeiras que tornariam mais
fácil dividir seus territórios ultramarinos até que os projectos imperiais mais ambiciosos
fossem eliminados.

O projecto colonial português foi assumido como um “dever nacional e civilizador”5"


pelos ideólogos da Sociedade de Geografia de Lisboa como Luciano Cordeiro e Andrade
Corvo. Quando começou a partilha de África, 400 anos antes da Conferência de Berlim, a
influência portuguesa na África podia ser questionada em termos de região e população. Mas
o jogo político de Lisboa deu-lhe vantagens adicionais em termos de terras. Na década de
1870, a Grã-Bretanha apoiou Portugal no Congo contra a Bélgica. Como árbitro, o Presidente
da França (Mac Mahon) decidiu a favor de Portugal contra as reivindicações britânicas nas
áreas a sul da baía de Lourenço Marques. Antes do ultimato britânico de 11 de Janeiro de
1890, o futuro Ministro da Marinha e Ministro do Ultramar, José Bento Ferreira de Almeida
(1847-1902), apresentou ao Parlamento uma proposta de venda de Moçambique como
forma de resolver os problemas financeiros de Portugal.6 Ele disse que é "inútil lutar contra
nações que querem se aproveitar de algumas colônias subutilizadas".7 Segundo aquele
parecer, “A venda de Lourenço Marques aos ingleses pode ser o primeiro passo! Se os
britânicos não podem aceitar isso, barganhas podem ser feitas com os franceses, italianos e
alemães.8 Os intelectuais da época reagiram a essa afirmação, mas isso não era novo. Os

5 Angela Guimarães, “A İdeologia Colonialista em Portugal no Último Quartel do Século XIX”, in Ler História, n, ° 1,
Janeiro/Abril 1983, p. 69-79.
6 Eduardo Sousa Ferreira, O Fim de uma Era - O Colonialismo Português em África, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1977,

p. 30-31.
7 Rodrigues, José Damião ve Rodrigues, Casimiro, Representações de África e dos Africanos na História e Cultura – Séculos

XV-XXI, Centro de História de Além-Mar, Ponta Delgada, 2011, p. 62.


8 “Venda de Moçambique”, A Persuasão, n.º 1.502, 29 de Outubro de 1890.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

debates da década de 1830 já caminhavam nessa direção. Eles eram portugueses vendendo
Portugal! Em leilão!”9

Vender Moçambique foi sempre uma das opções dos políticos portugueses que
desconheciam o continente africano e de vez em quando o tema aparecia na opinião pública
portuguesa. Em 1897, o conflito anglo-luso voltou a reacender-se em torno da construção da
linha de caminho-de-ferro em Moçambique, assunto este habilmente aproveitado pela
oposição republicana. No mesmo ano, o periódico A Ilha, anunciava em coluna de primeira
página, a propagação dos boatos de venda de Lourenço Marques à Inglaterra,
insistentemente apregoados na imprensa deste país.10

Cientes das dificuldades financeiras de Portugal e da valiosa posição deste porto


moçambicano, os ingleses pareciam perscrutar a opinião pública nacional e, neste desiderato,
alguma imprensa micaelense mostrava um conformismo fatalista testemunhado nos
seguintes termos: “ o que a este respeito, na realidade se passa, não o sabemos. A integridade
do território, o destino da nação, estão nas mãos do desconhecido. De um dia para o outro,
podemos perder tudo. É talvez isto o que esperamos para salvar o resto”11. Propostas
idênticas já provinham de 1890, aquando do ultimatum.

Atitude do Rei Belga

O antecedente histórico da conferência de Berlim teve início em 1876, quando o rei


da Bélgica, Leopoldo II (1835-1909), realizou uma conferência geográfica para a África, com
a presença de 30 sábios europeus, excepto os portugueses.12 Em sua primeira declaração em
12 de Setembro, o rei da Bélgica declarou que o objectivo do encontro era "abrir uma única
parte de nosso mundo, onde a civilização ainda não penetrou". Portugal resistiu à exclusão
que sofreu por desconhecer o significado da atitude de um rei que não tinha colonias em
África. O rei da Bélgica, que derrubou seu pai em 1865, sonhava em assumir uma colônia para
a Bélgica.13 Em 19 de Setembro de 1876, esta conferência decidiu criar a "União Internacional
para o Descobrimento e Civilização da África Central", conhecida como "Associação
Internacional Africana".14 Em 23 de Novembro de 1876, Leopold II formou um comitê de
trabalho do Alto Congo em nome da associação e assinou um contrato de cinco anos com o
famoso jornalista anglo-americano Henry Morton Stanley (1841-1904) para explorar a Bacia
do Congo.

Enquanto a nova descoberta defendia a tese de que a região ainda era inexplorada, a
verdade é que no século XV, o rei do Congo se converteu voluntariamente ao catolicismo por
influência de viajantes portugueses.15 O navegador português Diogo Cão já tinha estado

9 Beatriz Berrini, Eça Queirós e A Ilustre Casa de Ramires, História e Crítica, EDUC Editora, São Paulo, 2000, p. 14-15.
10 “Boatos de venda de Lourenço Marques”, A Ilha, n.º 20, 17 de Abril de 1897.
11 “A Venda de Lourenço Marques”, O Repórter, n.º 28, 13 de Junho de 1897.
12 Ilídio do Amaral, “O Papel da Sociedade de Geografia de Lisboa na Delimitação das Fronteiras das Antigas Colónias

Portuguesas em África e de Timor”, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 133 – Sayı 1-12, 2015, p. 33-60.
13 Júnior, As Possessões, p. 5-26.
14 Conde de Penha Garcia, A partilha da África: Conferência Realisada na Sociedade de Geographia de Lisboa, em 2 de Março,

Typographia Industrial Portugueza, Lisboa, 1901, p. 21.


15 Altındiş, İhlal Karneleri, p. 58.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

nestas terras em 1482.16 400 anos colocavam Stanley separado de Diogo. Stanley entrou no
Congo, onde assinou acordos com líderes tribais em nome da Bélgica até a fundação de
Leopoldville (hoje Kinshasa) em 1882. O Congo, um dos países da África com rica riqueza
subterrânea e aérea, foi invadido e colonizado pela Bélgica em 1885, suas terras foram
transformadas em propriedade privada do rei Leopoldo da Bélgica e seu povo foi escravizado.
Seus agentes frequentemente exploravam os recursos naturais de forma implacável, levando
a um acordo em que o rei Leopoldo II foi aceito como proprietário da margem esquerda do
Congo. Para a produção de marfim e borracha, sujeitaram os indígenas à agricultura e à caça,
por trabalhos forçados. Como os refratários eram numerosos, os colonos respondiam a todas
as desobediências com crueldade e comportamento desumano. Em 1904, Edmund Morel,
membro da Royal Company, renunciou à Sociedade e fundou a Congo Reform Association
para alertar a Europa e protestar violentamente contra a barbárie infligida aos nativos. Em 15
de Novembro de 1908, o rei belga entregou o Congo a Bélgica, que governaria a região até
30 de Junho de 1960, quando se tornou independente.

As Descobertas de Serpa Pinto, Capello e Ivens

Em carta-lei de 12 de Abril de 1877, o governo tinha autoridade para organizar e


apoiar uma expedição científica para estudar as regiões entre Angola e Moçambique. No dia
11 de Maio do mesmo ano, Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto, Hermenegildo Carlos
de Brito Capelo e Roberto Ivens foram comissionados para fazerem parte desta expedição.
Capello e Ivens concordaram em viajar a Paris para organizar material para servir à
expedição.17 Após 19 dias de preparação, os três investigadores deixaram Portugal no navio
do Zaire e entraram em Angola, na África, a 7 de Junho.18 Aqui Serpa Pinto deixou os dois
amigos e foi para Pretória, onde chegou a 12 de Fevereiro de 1879, depois de fazer uma das
famosas viagens faladas na história. Deu boas notícias de Pretória que suscitaram o mais vivo
entusiasmo em Portugal e na Europa. Serpa Pinto tornou-se o nome mundialmente
conhecido a convite das sociedades geográficas de Paris e Londres para dar palestras sobre o
que viu em áreas praticamente desconhecidas dos europeus.19 Serpa Pinto fez uma obra em
dois volumes intitulada "How I Crossed Africa" em 1881.20 Este oficial militar já se encontrava
em Moçambique em 1869 durante a campanha militar contra o rebelde Bonga. Em maio,
Serpa Pinto colocou-se à disposição no quadro de uma expedição militar comandada pelo
General Tavares de Almeida, que atacou a costa do Zambeze na capital de Bonga.

Durante a Conferência de Berlim, os 14 signatários concordaram com a livre circulação


na Bacia do Congo, Lago Niassa e Rio Níger, e um princípio de ocupação de facto foi
estabelecido em vez do princípio dos direitos históricos, defendido por Portugal.21 Novos no
continente africano, os alemães argumentaram que, enquanto não exercesse um controle

16 António Vermelho do Corral, “A Sociedade de Geografia de Lisboa e as Ciências Sociais”, Boletim da Sociedade de
Geografia de Lisboa, Sérıe 133 – Sayı 1-12, 2015, p. 82-119, p. 83.
17 Cfr.. Hermenegildo Carlos Brito Capello ve Roberto Ivens, De Angola á Contra-Costa: Descripção de Uma Viagem Atravez

do Continente Africano, Imprensa Nacional, Lisboa, 1886.


18 João Abel da Fonseca, “A Sociedade de Geografia de Lisboa e As Explorações Geográficas de Angola à Contra Costa”,

Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 133 - Sayı 1-12, 2015, p. 61-81, p. 75.
19 Cfr.. Ferreria Ribeiro Manuel, As Conferências e o Itinerário do Viajante Serpa Pinto Atravez das Terras da Africa Austral no

Limites das Provincias de Angola e Moçambique, Typographia Nova Minerva, Lisboa, 1879.
20 Major Serpa-Pinto, How I Crossed Africa, Philadelphia, Pennsylvania: J. B. Lippincott & Co, 1881.
21 Esteves Pereira ve Guilherme Rodrigues, Portugal: Diccionário Histórico, Chorographico, Heraldico, Biographico,

Bibliographico, Numismatico e Artistico, J. Romano Torres, Lisboa, 1904, p. 832-834.


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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

político forte e eficaz, a autoridade colonial não deveria ter direitos legais sobre essas terras.
A Grã-Bretanha, que possuía grandes terras no continente, preocupava-se em proteger essas
áreas, minimizando suas responsabilidades e custos administrativos.

Segundo o princípio de ocupação efectiva, todas as potências europeias tinham o


direito de ter uma colônia legal na África se celebrassem tratados com líderes locais; se eles
pudessem estabelecer uma administração europeia e força policial suficiente para governar
a região. Em outras palavras, uma terra na África não seria possuída a menos que fosse
realmente ocupada. As potências coloniais podiam usar economicamente suas colônias em
seu benefício. Este princípio ganhou importância ao definir as fronteiras dos atuais países
africanos. A ocupação efectiva serviu, em alguns casos, como critério para resolver conflitos
de fronteira entre potências coloniais europeias.

Como resultado, a conferência acelerou a divisão da África entre as potências


europeias; removeu as formas existentes de governo e expandiu as actividades de exploração
e desenvolvimento em favor dos poderes colonizadores. Antes desta conferência, com
algumas excepções no campo do comércio, os europeus não teriam dominado a África de
forma eficaz. A História Eficaz da Ocupação em Moçambique começou antes da Conferência
de Berlim.

Implicações práticas da conferência de Berlim

A revolução industrial na Europa, carente de novos mercados para as matérias-


primas, em quantidades crescentes para atender às crescentes necessidades de sua indústria
e proteger os escoamentos de seus produtos manufaturados, determinou a divisão do
continente africano entre as grandes potências europeias. A Conferência de Berlim, realizada
em 1884/85, reuniu, além da Alemanha (anfitriã), Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca,
Estados Unidos, França, Espanha, Inglaterra, Itália, Holanda, Portugal, Rússia, Suécia, Noruega
e A Turquia, definiu a ocupação militar, administrativa, económica e a delimitação das
fronteiras dos territórios controlados pelas potências coloniais, de forma a evitar futuros
conflitos armados, entre as várias potências concorrentes. O atraso económico de Portugal
no século XIX não lhe permitiu levar a cabo o seu projecto colonial.
Após a Conferência de Berlim, foram definidas novas formas de relações entre as
potências europeias e os territórios colonizados, o que, em Moçambique, resultou na
demarcação das fronteiras e na ocupação militar, administrativa e económica. A implantação
colonial no período imperialista foi inicialmente conseguida através da conquista militar do
território moçambicano. Apesar da superioridade armamentista dos colonialistas, esse
processo perdurou por mais de duas décadas (1886-1918), devido à forte resistência em
diferentes partes do território. Com o objectivo de reduzir os custos directos da ocupação
militar e administrativa, Portugal optou por atribuir as actuais províncias de Niassa e Cabo
Delgado à Companhia do Niassa, uma companhia majestática, que, para além da sua função
económica, tinha poderes militares e administrativos.
Da mesma forma, as províncias de Manica e Sofala passaram a ser geridas pela
Companhia de Moçambique. As províncias de Tete e Zambézia estavam sujeitas à
administração conjunta do Estado português e de empresas que arrendavam as antigas
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

terras. A província de Nampula e o território a sul do rio Save (Maputo, Gaza e Inhambane)
estavam sob administração direta do Estado português. Tal como a acumulação de capital,
em Portugal baseava-se em grande medida no comércio e a economia era pouco
industrializada, não existiam grandes excedentes de capital para investimento produtivo no
estrangeiro. Daí a penetração de capitais não portugueses em todas as regiões de
Moçambique, incluindo nas companhias majestáticas. A implementação do sistema
administrativo colonial ocorreu em diferentes fases em diferentes partes do país. Por
exemplo, em zonas de resistência mais prolongada ou de difícil acesso, a primeira fase
decorreu através de uma ocupação militar quase permanente (capitanias na província de
Nampula e partes do Zambeze, comando militar em Gaza). Noutros locais, por exemplo na
província de Maputo em 1896, o governo colonial procedeu directamente à divisão do
território em distritos civis que, em geral, deram origem aos actuais distritos.
Nestas divisões foram instalados os administradores e chefes de posto portugueses,
bem como régulos africanos, escolhidos pelo regime colonial, em substituição dos antigos
chefes. A partir de 1907, este sistema substituiu gradualmente a administração militar em
Gaza, Zambézia e Nampula. O objectivo principal do colonialismo no período imperialista era
aproveitar a força de trabalho africana de uma maneira mais directa e permanente que no
período anterior. As modalidades desta exploração variam desde a aplicação de mão-de-obra
nas plantações à comercialização de produtos camponeses e à venda de vinhos, têxteis e
outros produtos portugueses a moçambicanos. Vários métodos alcançaram esse objectivo.
O imposto sobre a palhota era usado para forçar as pessoas a ganhar dinheiro
vendendo seus produtos a empresas rurais ou vendendo seu trabalho. Metade do mussoco
(o imposto a pagar no Zambeze) era cobrado sobre o trabalho a partir de 1890. A cobrança
de impostos era uma das principais tarefas do administrador e dos seus subordinados. O
dinheiro arrecadado contribuía amplamente para as despesas da nova rede administrativa
colonial (salários, edifícios, estradas, etc.).
A diferença de níveis de desenvolvimento entre as potências européias reflectia-se
em suas colônias, principalmente na competição pelo uso da mão-de-obra. Apesar das más
condições de trabalho nas plantações, minas e obras públicas na África do Sul, Rodésia,
Niassalândia, Tanganhica e Zanzibar, houve um fluxo significativo de migrantes
moçambicanos para estes territórios. Isso ocorre porque os salários são relativamente mais
elevados nesses territórios, um corolário do nível relativamente mais alto de capitalização,
gestão, aplicação de tecnologia e produtividade. Em contraste, as mercadorias
(especialmente têxteis) vendidas nesses territórios eram de melhor qualidade e mais baratas.
Colocado em desvantagem em relação a outras potências coloniais da região no
recrutamento de trabalhadores, o estado colonial de Moçambique recorreu, mais do que os
estados coloniais vizinhos, ao sistema de trabalho forçado, cuja tutela era mais uma das
principais tarefas do administrador. Desta forma, o colonialismo português pretendia
compensar o baixo nível de investimento. Foi por meio desse novo sistema político-
administrativo, cuja acção se fez sentir em termos do uso da força de trabalho, que a
economia colonial foi implantada no período 1885-1930.

27
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Impacto do Ultmatum

O Ultimato britânico de 1890 contra as pretensões portuguesas em África provocou um movimento


social e político de exaltação patriótica e de contestação da Monarquia. Marcava o fim do pretendido “mapa
cor-de-rosa”, que uniria Angola e Moçambique, sob a soberania de Portugal.
No final do século XIX, os países europeus disputam o continente africano, fonte importante de
matérias-primas e riqueza. A Conferência de Berlim, em 1884, reúne as principais potências com interesses em
África, determinando a ocupação efectiva como critério para a posse dos territórios. Portugal intensifica a
realização de viagens exploratórias e operações militares, visando a conquista dos territórios entre Angola e
Moçambique, com base no plano do “mapa cor-de-rosa”. Alemanha e França comprometem-se a não intervir
naquela área, mas o Reino Unido opõe-se ao projecto, pois pretendia levar a cabo uma ligação ferroviária entre
a África do Sul e o Cairo.

Em 11 de Janeiro de 1890, o Reino Unido lança um ultimato a Portugal, exigindo a retirada militar dos territórios
entre Angola e Moçambique, sob a ameaça do rompimento de relações entre as duas nações europeias.

Extracto 3
“O governo de Sua Magestade não póde acceitar como satisfactorias ou sufficientes, as
seguranças dadas pelo governo portuguez taes como ele as interpreta. O consul interino de Sua
Magestade em Moçambique telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava
ainda occupando o Chire, e que Katunga e outros logares mais no territorio dos makololos íam ser
fortificados e receberiam guarnições. O que o governo de Sua Magestade deseja e em que insiste é no
seguinte: Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas immediatas, para
que todas e quaesquer forças militares portuguezas actualmente no Chire e nos paizes dos makololos
e machonas se retirem. O governo de sua Magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo
governo portuguez são illusorias. Mr. Petre ver-sehá obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar
immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfactoria á
precedente intimação não for por elle recebida esta tarde; e o navio de Sua Magestade Enchantress
está em Vigo esperando as suas ordens.”

Do Ultimatum Britânico de 1890


O Governo português, com o apoio do rei D. Carlos, cede de imediato ao Ultimato, gerando
reações nacionalistas e antibritânicas, assim como um movimento de contestação à
Monarquia. No Parlamento, as respostas à acção do Governo, que entretanto se demitira,
multiplicam-se. Na sessão de 15 de Janeiro, o Deputado Dias Ferreira declara:
“Se eu fosse membro do governo, só depois da esquadra inglesa entrar de morrões acesos
nas águas do Tejo, e intimar o bombardeamento de Lisboa, ou depois de ocupar
violentamente S. Vicente, Lourenço Marques ou qualquer outra região portuguesa, é que
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

cederia, porque cedia à força, contra a qual não há resistência. A nação portuguesa tem que
ceder à força, mas não pode nem deve ceder ao medo.”
António José de Almeida, jovem estudante em Coimbra, escreve nas páginas d’ O Ultimatum,
de 23 de Março de 1890, o artigo “Bragança, o último”, que o levaria a ser condenado a três
meses de prisão:
“A 11 de Janeiro, o Ultimatum do inglês; e o rei que até aí era um simples larápio, passou a
ser, na boca das folhas revolucionárias, um grande gatuno; ele que até aí possuía uma
inteligência medíocre, passou a ser simplesmente um bruto; ele que até aí exibia, no seu
descoco de pedante, uma educação deficiente, passou a ser um pacóvio (…)”.
Os ingleses tornaram-se alvo de perseguição, com a imprensa a incentivar o ódio pela Grã-
Bretanha. “Nas lojas de Lisboa, não se vendia a ingleses; nos alfaiates, não se costuravam
figurinos ingleses; nas docas, não se descarregavam barcos ingleses; nos hotéis, não havia
quartos para ingleses. A revista High Life foi rebatizada ‘portuguêsmente’ Alta Sociedade, ao
mesmo tempo que a palavra ‘inglesada’ passou a ser sinónimo de ‘roubo’”22- Alfredo Keil e
Henrique Lopes de Mendonça compõem A Portuguesa, um manifesto de nacionalismo e de
resistência aos britânicos, que será adotado como Hino Nacional após a Revolução
Republicana de 5 de Outubro de 1910.A crise do Ultimato terminaria, formalmente, em 1891,
com a ratificação pelo Parlamento de um tratado anglo-luso, mas marcaria o final do regime
monárquico em Portugal e a emergência do movimento republicano.
Para alguma opinião pública nacional, mais valia perder Moçambique, que não
podíamos desenvolver, nem colonizar, do que hipotecar as nossas boas relações de paz com
a Inglaterra. Posição contrária manifestou logo O Repórter, jornal de pendor republicano, que
veio a terreiro contestar a presunção de venda de Lourenço Marques, ainda que as notícias
não fossem dadas como certas. A Monarquia podia tentar, mas decerto não teria o arrojo de
o levar a cabo. Contudo, quando, anos mais tarde, ecoam notícias de que o Conde de Burnay
estaria em Paris a preparar terreno para a venda de Lourenço Marques – assunto grave que
o governo não desmentia – o editorial de A Ilha revela um intransigente patriotismo, tomando
mesmo uma posição de anunciado protesto contra qualquer governo que, por inviabilização
de aumento de impostos ou de obtenção de empréstimos, procurasse alienar “as nossas
melhores colónias africanas”.

Uma coisa era o constante sobressalto com a ideia de perda; outra era a possibilidade
concreta de perda eminente, afigurando-se que os maiores inimigos da pátria se
encontravam no seio dela, dispostos a delapidar a herança de nossos avós, entregando-a à
pilhagem inglesa como única forma de saldar as nossas dívidas. “Vender! Triste paliativo para
uma doença que se reproduziria amanhã”. Assumindo uma posição de clara contestação às
posições inglesas relativamente ao domínio português em África, os responsáveis pelo jornal
A Ilha enalteceram as declarações de Mouzinho de Albuquerque, perante os alemães, ao
insistir que o único objectivo do governo português era “o de manter em toda a plenitude o
nosso domínio na África”. Na mesma linha de pensamento, os redactores do dito jornal
repudiaram as tentativas de aproximação e restauro da aliança luso-britânica, bem como as
consequências, para Moçambique, do conflito anglo-boer, tomando parte na corrente
nacional que as consideravam lesivas aos nossos interesses e dignidade, lamentando, por fim,

22Sardica, José Miguel, “Ultimato britânico”. Dicionário de História da República e do Republicanismo. Volume 3, Lisboa,
Assembleia da República, 2014, p. 1029-1030.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

a profunda apatia do povo português, em geral, e acima de tudo, dos parlamentares, em


particular.

Da Ocupação Efectiva de Moçambique ao Estado Novo

Entre 1848 e 1887, exploradores britânicos assinaram secretamente treze tratados


com chefes locais de Angola, causando inquietação entre os políticos europeus.23 Para
frustrar a ambição do rei belga, os britânicos encorajaram Portugal a controlar a parte sul do
estuário do rio Congo. Por outro lado, a França, que ocupava a margem norte do mesmo rio,
prometeu ao Leopold II ser neutra em caso de disputa com Portugal. Antes desse conflito, o
chanceler alemão Bismarck se ofereceu para acalmar a hostilidade. Os serviços secretos
franceses descobriram os planos do rei Leopold II que ameaçam os interesses da França na
região. Em 1881, o oficial naval francês Pierre de Brazza foi enviado para a Bacia do Congo,
onde içou a bandeira francesa na área hoje conhecida como Congo Brazzaville. Se Brazza
tivesse tido sucesso nesta localização estratégica, Portugal poderia ter que pedir autorização
à França para entrar no território angolano. Assim, o governo português defendeu
fortemente os antigos tratados para afirmar seus direitos históricos aos reinos locais.

Após a divisão da África na conferência de Berlim em 1884-1885, Portugal teve de


capturar e controlar os territórios que lhe tinham sido atribuídos. Para tanto, os portugueses
utilizaram todos os meios conhecidos na história da conquista colonial. Sempre que possível,
a infiltração era feita por mercadores portugueses, que se disfarçavam de simples
empresários interessados na troca de mercadorias entre iguais; mas posteriormente, depois
de espionar e inspecionar uma área, eles enviavam forças militares para destruir qualquer
resistência dos chefes locais.
Às vezes, os portugueses usavam colonos brancos, que afirmavam precisar de terras
para a agricultura, mas que, após serem servidos por governantes indígenas tradicionais,
reivindicaram a propriedade de terras comunais e escravizaram seus anfitriões africanos.
Às vezes, até mesmo missionários portugueses eram usados como 'pacificadores' dos
nativos, oferecendo a fé cristã como uma canção de ninar, enquanto as forças militares
portuguesas ocupavam a terra e controlavam o povo. Onde a autoridade tradicional era forte,
onde a máquina militar era adequada, oferecendo resistência séria à conquista européia, os
portugueses eram mais cautelosos, utilizando meios de contacto inicial mais amigáveis.
Para iniciar contactos com Estados africanos fortes, estiveram sempre dispostos a
estabelecer relações diplomáticas, enviando “embaixadores” portugueses aos cortes dos
governantes tradicionais mais importantes. E depois de ter ouvido suficientemente as forças
e fraquezas do governo, prosseguiam com o ataque, usando as habituais desculpas de
"provocação" ou "protecção dos colonos brancos ou missionários".
Assim, a guerra contra Gaza, o último dos impérios tradicionais de Moçambique, era
justificada. Iniciado em 1895, terminou três anos depois com a morte em acção do General
Magigwane e a captura e deportação do Imperador Gungunhana para Portugal, onde faleceu
alguns anos depois. No início do século XX, os portugueses começaram a organizar o seu
sistema administrativo, embora só na década de 1920 a resistência armada fosse esmagada

23Emygdio de Oliveira, Á Caça do Leopardo: Portugal e a Inglaterra Perante o Trafico Escravos, A. A. Aranha, Lisboa, 1883, p.
12.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

em todas as áreas do território. Os homens encarregados desta campanha de pacificação


estabeleceram o modelo da futura política colonial, formando, no alvorecer da conquista, um
sistema de administração.
Só entre 1890 e 1900 o governo português conseguiu ter poder suficiente em África
para desenvolver uma política colonial com alguns efeitos práticos. António Ennes foi o mais
influente dos que orientaram a pacificação. Real Comissário de Moçambique de 1894 a 1895,
esteve rodeado por um grupo de militares, muitos dos quais o seguiram na carreira
administrativa. Entre estes estava Mouzinho de Albuquerque, festejado em Lisboa como
herói colonial pela sua campanha contra Gungunhana e que sucedeu a António Ennes como
comissário real; Esses homens eram todos militares, patriotas portugueses dedicados, com
pouco tempo para as considerações liberais mais amplas.
Reagiam com indignação às humilhações impostas a Portugal pelas outras potências
coloniais. A atitude de António Ennes era firme e prática: as colónias deviam ser úteis, dando
lucro e prestígio a Portugal. Tudo isso significava que a conquista deveria ser completada, um
sistema administrativo estabelecido para consolidar as conquistas, e então uma exploração
econômica vigorosa. A ideia principal seria utilidade para Portugal; o conceito de missão
poderia ser deixado para teóricos e apóstolos. A Ennes tinha ideias claras sobre o papel que
os africanos deviam desempenhar: deviam estar orientados para os objectivos portugueses.
A pedra angular da estrutura administrativa era o Governador-Geral, que primeiro
exerceu o poder a partir da capital de Moçambique, ao norte, e depois de Lourenço Marques,
ao sul. Sob o governador geral estavam os vários governadores distritais; seguiam os
mordomos distritais, que dirigiram e supervisionaram os chefes dos postos; estes, por sua
vez, tinham o dever de supervisionar o trabalho dos líderes tradicionais, cada um dos quais
controlava a vida diária de milhares de africanos.
Para facilitar o trabalho dos administradores e chefes de posto, o governo português
restaurou uma autoridade tradicional limitada para alguns líderes africanos. Mas, para que
nenhum destes adquirisse poderes suficientes para desafiar o homem branco, o governo
português dividiu os vários regulados em pequenos territórios de alguns milhares de
habitantes. Todos os líderes africanos prestavam contas diretamente ao administrador
distrital ou ao chefe de posto. A tudo isto junta-se o facto de o poder do chefe não provir de
um conceito de legitimidade na sociedade tradicional, mas sim do conceito arbitrário do
direito português.
O chefe não era mais o chefe de sua comunidade, mas o representante de uma
autoridade colonial hierárquica dentro dessa comunidade. Os antigos laços entre as várias
comunidades africanas foram rompidos e substituídos pelo poder dos portugueses. Tendo
estabelecido um completo controlo político e administrativo, tendo confiado à Igreja Católica
a responsabilidade da "pacificação" espiritual do povo, o governo português procedeu à
distribuição dos recursos naturais do país aos diversos sectores económicos interessados que
o pretendiam explorá-los. Esses recursos naturais incluem terras aráveis; os portos naturais
da Beira, Lourenço Marques e Nacala; os cinco maiores rios da África Oriental, todos com
estuários em Moçambique; todos os tipos de madeira, plantas de borracha, palmeiras,
animais selvagens para peles e chifres; pesca e, acima de tudo, uma grande força de trabalho.
O Governo Português cedeu vastas terras a empresas estrangeiras, que não só adquiriram
direitos sobre os recursos naturais, mas também o direito de controlar directamente a vida
de todos os africanos que viviam nessas áreas. Como resultado, grandes áreas nas regiões

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

centro e norte de Moçambique logo se viram em uma justaposição de governos: a autoridade


colonial portuguesa, representada por governadores, administradores e chefes de posto; e
os concessionários locais, que tinham ampla autoridade para forçar todos os homens
saudáveis, e às vezes também mulheres e crianças, a trabalhar em suas plantações por uma
pequena taxa.
No início eram três grandes empresas: a de Moçambique, a do Niassa e a da Zambézia.
Todos contaram com a bênção e o incentivo do governo português, sendo que os dois
primeiros tiveram contrato de concessão. Cada um tinha uma enorme porção de território,
de onde podiam extrair e explorar os recursos minerais e agrícolas e estabelecer os meios de
comunicação necessários. Na área a ela atribuída, cada empresa detinha o monopólio do
comércio, mineração, construção, serviços postais e o direito de transferência de
propriedade. Ele também tinha o direito exclusivo de arrecadar impostos, e isso se baseava
em seu poder sobre a população local e seus meios de obter trabalho. De facto, o capital
destas empresas, parte portuguesas, mas maioritariamente estrangeiras, era muito reduzido
face às áreas concedidas, o que demonstra que o objectivo era a exploração e não o
desenvolvimento, e que não era necessária qualquer consideração em contruir hospitais ou
escolas, ou qualquer iniciativa para o bem-estar da população, se fosse o caso.
A Companhia de Moçambique recebeu 62.000 milhas quadradas no distrito de Manica
e Sofala; A Companhia do Niassa ocupou a vasta região a norte do rio Lúrio; e a Companhia
da Zambézia recebeu a rica região de Quelimane e Tete, embora neste caso sem direitos
administrativos. De facto, foi esta empresa que mais prosperou, enquanto as outras viram na
tarefa administrativa, levada a cabo sem competência e orientada principalmente para os
seus próprios interesses, um fardo pesado. As empresas não geraram os grandes lucros
esperados, mas estabeleceram um padrão para o futuro; uso em larga escala da concessão,
cooperação entre empresas e gestão com os mesmos objectivos de lucro para as empresas e
submissão das populações locais.
Ao mesmo tempo, uma série de pequenas empresas - a maioria das quais total ou
parcialmente propriedade de estrangeiros - entraram em cena para construir portos e
ferrovias e explorar minérios no sul. Essas actividades transformaram a face da colônia, os
efeitos não vão muito longe. Aqui, novamente, os benefícios esperados não se concretizaram
e as grandes capitais internacionais perderam todo o interesse. Os imensos recursos minerais
de Moçambique ainda não haviam sido descobertos e a vizinha África do Sul, com sua
abundância de ouro e outros metais, era uma proposta muito mais atraente.
A principal fonte de lucro continua sendo a terra. Na época da expansão portuguesa,
quase todas as terras em Moçambique pertenciam às várias populações africanas que viviam
na região, com raras exceções, especialmente no Vale do Zambeze, onde as terras já tinham
sido desapropriadas pelos senhores prazeiros. No final da década de 1890, as Três Grandes
Companhias realizaram extensas expropriações, transformando as terras principalmente em
plantações e grandes fazendas para safras lucrativas como açúcar, sisal e algodão. A
colonização foi outra forma de alienação de terras. As autoridades foram incentivadas a ficar
na província e foram feitos esforços para importar colonos diretamente de Portugal. Para
realizar esses projectos, mais terras foram tomadas de proprietários africanos. Uma política
fundiária começou em 1901, na qual todas as propriedades não privadas se tornaram
propriedade do Estado.

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Assim, uma vez que as várias formas de propriedade da terra por africanos não eram
consideradas propriedade privada, isso significava que praticamente todas as terras
possuídas e cultivadas por africanos passaram a ser controladas pelo governo. Durante essa
fase inicial do desenvolvimento da colônia, a agricultura e a demanda por minério tiveram
relativamente poucos lucros. Mas havia um recurso que poderia ser explorado com lucro: a
mão-de-obra. É no mercado de trabalho que todas as outras empresas foram fundadas; a
exploração do trabalho é essencial para o desenvolvimento geral da colônia.

Bibliografia

Ferreira, A. A. (2007). Moçambique, 1489-1975. Lisboa: Prefácio.

Ferreira, A. R. (1982). Fixação Portuguesa e História Pré-Colonial De Moçambique, Estudos, Ensaios


e Documentos N.º 142. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical/ Junta de
Investigações Científicas do Ultramar.

Ferreira, E. d. (1977). O Fim de uma Era - O Colonialismo Português em África. Lisboa: Livraria Sá da
Costa Editora.

Hedges, D. (1999). Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1961. Maputo: Editora


Universitária (UEM).

Mondlane, E. (1977). Lutar por Moçambique. Maputo: Centro de Estudos Africanos.

Newitt, M. (1997). História de Moçambique. Lisboa: Publicações Europa-América.

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UNIDADE TEMÁTICA II: O DESENVOLVIMENTO DO COLONIALISMO PORTUGUÊS:


MOÇAMBIQUE E O ESTADO NOVO

Introdução

A pergunta sobre o que vem primeiro - a sociedade ou o indivíduo - é como a pergunta


sobre o ovo e a galinha. Quer se considere a pergunta do ponto de vista lógico ou histórico,
quer não, o facto é que nada se pode afirmar, de uma maneira ou de outra, sem que logo
surja um ponto de vista oposto e igualmente parcial. A sociedade e o indivíduo são
inseparáveis; eles são necessários e complementares um ao outro e não opostos. Salazar
moldou a sociedade portuguesa embora também fosse o resultado da mesma sociedade. E
sua influência estendeu-se, como era de se esperar, às colônias, principalmente com a
proclamação do Acto Colonial de 1930, em pleno Estado Novo.

O Estado Novo surgiu como plataforma das várias correntes antiliberais e


anticomunistas e dos diversos grupos sociais dominantes em torno de um projecto mínimo
de “ordem” política e financeira, capaz de enquadrar, salvaguardar e compor interesses e
estratégias contraditórias. De facto, esta capacidade de estruturar e arbitrar com autoridade
os equilíbrios fundamentais entre as elites políticas e os interesses dominantes, mas
contraditórios, marcou a essência da peculiaridade do Estado Novo e do fascismo português.
Tudo começou com a ascensão do regime salazarista. O Estado Novo, resultante do golpe de
Estado de Maio de 1926 em Portugal, ganhou importância a partir de 1930 e solidificou-se a
partir de 1932, com a coroação de Salazar, Ministro das Finanças entre 1928 e 1932, para a
Presidência do Conselho.

O governo de Salazar emergiu com um componente agrário muito forte, tendo-se


estabelecido como um o de compromisso e arbitragem, de aliança entre uma burguesia fraca
mas em ascensão e os grandes proprietários de terras estabelecidos. A sua função era criar
as condições para a consolidação da burguesia portuguesa e acelerar a acumulação de capital,
principalmente através da repressão dos trabalhadores e da intensificação da exploração
colonial. Com a criação do Estado Novo, Salazar cercou-se de poderes excepcionais. As
liberdades civis foram suspensas, o Parlamento foi dissolvido, os partidos políticos
desapareceram. O comunismo se tornou o inimigo público número um do regime e a
repressão policial se espalhou por toda parte. Mas, além da repressão violenta, o regime
adotou uma série de medidas que trariam mudanças substanciais no país e nas colônias.

Nesta seção, consideraremos o período de 1930 à independência nacional. Neste


período, será analisada a evolução do sistema colonial e a implementação da legislação
administrativa, mas também será discutida a evolução da economia por meio do investimento
no comércio agrícola. De uma forma muito específica, examinaremos os assuntos de
imigração para países vizinhos, sua contribuição para a economia moçambicana, suas
consequências e os actores envolvidos na contratação de trabalhadores.

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Objectivos

• Estudar a evolução da economia durante o período de 1926 / 30-1974

• Perceber a contribuição do trabalho migratório para a economia colonial, olhando


para todos os actores do processo;

• Compreender a evolução do sistema educacional moçambicano durante a era


colonial e suas vicissitudes;

• Conhecer o papel dos movimentos nacionalistas e sua contribuição para a libertação


colonial.

O GOLPE MILITAR, SALAZAR, PROTECCIONISMO E O NOVO REGIME POLÍTICO-ADMINISTRATIVO.


A 28 de Maio de 1926, a partir de Braga mas com ramificações em várias cidades de
Portugal, ergueu-se um pronunciamento militar, liderado pelo Marechal Gomes da Costa,
cujo objectivo era o derrube do regime parlamentar emergente da implantação da República
a 5 de Outubro de 1910. Era o resultado da grave crise política, económica e social em que o
país se encontrava mergulhado, a par de um descrédito popular cada vez mais evidente face
às fórmulas protagonizadas pelos sucessivos governos daquela que se designaria por Primeira
República.
A agitação social e os actos de terrorismo levados a cabo por movimentos que
escapavam ao controlo das instituições políticas bloqueavam o país, lançando-o num longo
período marcado por sucessivas convulsões, das quais se destaca o assassinato, em 1918, do
Presidente da República, Sidónio Pais e, em 1921, de algumas das principais figuras políticas
de então, António Granjo, Machado de Castro e Manuel da Maia, por um grupo de
marinheiros amotinados e que passou à história como a “noite sangrenta”.24
Como advoga Saraiva (1993) as instituições republicanas não estavam mais
prestigiadas em 1926 do que as instituições da monarquia o tinham estado em 1910. De
alguns sectores da sociedade pedia-se um período de suspensão da normalidade
constitucional, para se poder implementar as bases de uma vida política “corrigida” e
“regenerada”. Sintoma desta situação era o facto de apenas entre 1921 e 1926 terem sido
desencadeadas dez tentativas de golpes de Estado, em que o denominador comum era a
exigência da dissolução do Congresso e a demissão do Governo.25 Este clima caótico em que
caíra o poder político e perante a sua incapacidade para superar os graves problemas
económicos, sociais e políticos em que o país mergulhara, acabaria por abrir espaço à plena
assunção das Forças Armadas, quer por largos sectores da opinião pública, quer por elas
próprias, enquanto tal, como instrumento derradeiro da “salvação nacional” e referência
última da legitimidade do Estado e das virtudes pátrias. As Forças Armadas, “reserva moral
da nação”, surgiam assim como o braço armado, o intérprete militar, de um tão amplo como
equívoco “consenso nacional” em torno da necessidade de regenerar a pátria através do
afastamento dos homens do Partido Republicano Português do Poder.

24 Mattoso, J. (1994) (Dir.). História de Portugal. O Estado Novo (1926-1974). Lisboa. Editorial Estampa.
25 Saraiva, J. H. (1993). História de Portugal. Mem Martinp. Publicações Europa América.
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Tal como sustenta Braga da Cruz (1988) o levantamento militar do 28 de Maio fez-se
mais contra um estado de coisas, com uma intenção sobretudo negativa, do que pela
instauração de um programa único previamente concebido. A insurreição não foi feita por
um partido ou movimento político, com propósitos ideológicos e políticos forjados na luta do
parlamentarismo democrático, mas antes pelas forças armadas, sem ideário homogéneo,
caldeando no seu interior intenções ambíguas e projectos contraditórios.26
Unia-as apenas o protesto contra a partidocracia, a ineficácia parlamentar, a
instabilidade governativa, o descrédito das instituições e a agitação social. O conjunto de
forças que apoiou e desencadeou o 28 de Maio dividia-se em dois grupos. O primeiro, mais
radical e onde se incluíam nomes como Filomeno da Câmara, Raul Esteves e Sinel de Cordes,
era antiparlamentarista e determinado a acabar com o domínio dos políticos, alegadamente
responsável por todos os males. Por outro lado, a facção chefiada por Mendes Cabeçadas era
a mais heterogénea e compreendia personalidades que defendiam abertamente a ditadura,
ao lado de outros que preconizavam uma democracia forte apoiada num parlamento
constituído por dois blocos, como via para a recuperação da sua eficácia.27 Pelo exposto, e
perante a indefinição ideológica e programática do movimento militar, os primeiros dias após
o golpe despoletaram divergências internas entre os revoltosos, confrontos de propósitos e
atitudes, bem como tentativas de apropriação e controle político do movimento, ou de
instrumentalização da sua vitória para diferentes desígnios políticos.
Durante a fase de clarificação após o 28 de Maio, o primeiro conflito surgiu em torno
da alternativa “reforma ou revolução”, traduzida pelo dilema “continuidade ou ruptura” do
sistema e da Constituição, personificado nos dois movimentos militares e respectivos chefes:
o que se forjou em Lisboa, em torno da Junta Revolucionária liderada pelo comandante
Mendes Cabeçadas, partidário da primeira alternativa, e o que partiu de Braga comandado
pelo General Gomes da Costa, inclinado para a segunda hipótese. Após a renúncia de
Bernardino Machado do cargo de Presidente da República, a transmissão dos seus poderes
recaiu em Mendes Cabeçadas, que viu dessa forma legitimado constitucionalmente o seu
papel como chefe nominal do movimento. No entanto, entre pressões e acusações crescentes
de dificultar e obstaculizar a marcha regeneradora da revolução e rumores generalizados do
seu afastamento iminente, este viu-se, ainda, confrontado com a entrada triunfante de
Gomes da Costa em Lisboa, comandando mais de uma dezena de milhar de soldados.
Como defende Saraiva (1993), o significado dessa grande exibição militar era o de
deixar bem claro que o verdadeiro chefe militar da revolução era Gomes da Costa, ao passo
que Cabeçadas representava o compromisso com anteriores situações políticas, e, em 17 de
Junho, este abandonou o Governo. O comandante fora chefe de Governo durante 14 dias.
Gomes da Costa que recebera, por decreto de 26 de Junho, as prerrogativas de Presidente da
República em acumulação com as de chefe de governo, mudou-se assim para o Palácio de
Belém e inaugurou um breve interlúdio de surrealismo político, vivendo na ilusão de mandar.
Os principais comandos do Exército, acompanhados de Sinel de Cordes e Raul Esteves,
manifestaram-se contra a governação do general e na madrugada do dia 9 de Julho foi
decidida a sua demissão, tendo sido designado para presidente do ministério o General Óscar
Carmona, figura consensual entre as Forças Armadas, pelo seu apego à unidade da instituição
militar, a sua prudência, o seu espírito conciliador e, sobretudo, a ausência de excessivas

26 Braga da Cruz, M. (1988). O Partido e o Estado no Salazarismo. Lisboa. Editorial Presença.


27 Castilho, J. M. T. (2008). A Assembleia Nacional (1934-1974). Lisboa, Departamento de História do ISCTE.
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ambições de mando. Assim, e segundo Mattoso (1994), afastado o velho republicanismo


partidário da área do Poder, com Mendes Cabeçadas, irradiada a ameaça hegemónica da
direita radical, com a queda de Gomes da Costa, o Governo estava, finalmente, nas mãos do
bloco militar conservador. Começava, em certo sentido, a verdadeira ditadura militar, mas
cuja clarificação política ainda continuava por decidir.
Tal como acima mencionado, a indefinição ideológica e programática do 28 de Maio,
também se reflectiu no desenho político-institucional que deveria suceder ao condenado
quadro parlamentarista. Para além da consensual oposição ao regresso a um sistema
constitucional permissivo da hegemonia e do cacicado dos homens de António Maria da Silva,
tudo o resto variava ao sabor das concepções e dos objectivos das diversas forças políticas
que integraram o movimento agrupado para derrubar o regime.
Entre os ataques e pressões da esquerda e da direita, partilhando o poder num
equilíbrio instável e numa luta contínua, encontravam-se as duas principais correntes
estruturantes do bloco político-militar conservador no Poder após 9 de Julho: o sector
republicano- conservador e a corrente de apoio a Salazar.

A Renovação da Procura por matérias-primas

A reação inicial dos países industrializados à crise mundial de 1929 e, em particular, ao


desemprego generalizado, foi aumentar o grau de proteção de suas indústrias contra a
concorrência estrangeira, proibindo a importação de produtos manufaturados ou exigindo-
lhes elevados direitos alfandegários favorecendo, cada vez mais, a importação de matérias-
primas de suas próprias colônias. Em Portugal, a crise mundial de 1929-1934 veio reforçar a
estratégia, traçada desde 1926, de valorizar os recursos de Moçambique no interesse da
burguesia portuguesa, através da exploração directa e mais intensa da população
moçambicana, reduzindo o uso de nacionais e estrangeiros.
A política do governo era evitar grandes obras de desenvolvimento e onerosa
colonização e aumentar o número de camponeses. E melhor no trabalho constante da terra.
É importante notar que a estratégia colonial do Estado Novo não foi facilmente adotada da
noite para o dia. Alguns elementos desta estratégia, como a produção de algodão pelo
campesinato moçambicano, resultam da análise de experiências anteriores. A
implementação total da nova estratégia levou pelo menos uma década. A década de 1930 foi,
de facto, uma época de transição, durante a qual alguns dos alicerces do “nacionalismo
económico português” foram certamente implantados em Moçambique.
A verdadeira expressão do “nacionalismo económico” português manifestou-se no
Acto Colonial e na carta orgânica do império colonial português de 1930, que desenvolveu
com rigor os princípios já delineados em 1926. Esta legislação marcou o fim da autonomia
formal de Portugal. Província. Moçambique, que acabou chamando de "colônia". Mais
especificamente, o “nacionalismo económico” centralizou os poderes legislativo e financeiro
nas mãos do Ministro das Colónias e visou dar a conhecer a Portugal as outras potências
colonizadoras, nomeadamente no que se refere à sua capacidade de dominar a exploração
dos territórios ultramarinos. No âmbito da reforma administrativa ultramarina de 1933, a
administração local ficou sujeita ao mandato efectivo de Lisboa, garantindo assim os
interesses da burguesia portuguesa. As normas e práticas administrativas a serem adotadas
foram estritamente detalhadas no regulamento. Houve instituição, pela primeira vez, de um

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regime de fiscalização administrativa, cuja principal missão era verificar o grau de


cumprimento da regulamentação. Nas décadas seguintes, as informações recolhidas pelas
fiscalizações administrativas permitiram ao Ministro das Colónias controlar a actividade dos
administradores e tomar as novas medidas necessárias à administração local.
Até cerca de 1930, as relações económicas entre Portugal e Moçambique eram
reduzidas, sendo os investimentos portugueses muito insignificantes. Após o golpe militar de
1926, o novo regime instaurado em Portugal tinha como um dos principais objectivos da sua
política a alteração desta postura. Trata-se do período em que Portugal estabeleceu em
Moçambique alguns dos alicerces do seu “nacionalismo económico”, a sua tentativa de
colocar verdadeiramente a economia moçambicana ao seu serviço. Outras acções incluíram
centralização administrativa e política, redução de direitos de empresas não portuguesas,
criação de uma zona monetária portuguesa e promoção da cultura do algodão.
Assim, os anos 1930 a 1937 foram basicamente um período de transição, o que já
indicava a plena implementação do “nacionalismo económico” português nos períodos
seguintes. No entanto, foi a crise económica mundial de 1929-1934 que influenciou o carácter
da nova política portuguesa, bem como as circunstâncias socioeconómicas em que esta
política foi implementada em Moçambique. A conjugação da crise e do novo rigor do sistema
colonial português teve graves repercussões em algumas zonas rurais e agravou os conflitos
sociais que então surgiram.
A origem da crise foi o aumento da produção em quase todos os países desenvolvidos
após a Primeira Guerra Mundial, principalmente entre 1922 e 1928. A produção superou o
consumo e, conseqüentemente, os preços das commodities, começaram a baixar. O sistema
financeiro, que até então se voltava para o aumento da produção, começou a sofrer a
redução do crédito, o que provocou uma reação em cadeia no sistema econômico. As fábricas
foram fechadas e a produção diminuiu, levando ao desemprego de milhões de trabalhadores
em todos os países industrializados. Os piores anos da crise foram 1932 e 1933. Depois, a
situação melhorou lentamente. As colónias de todos os países capitalistas foram duramente
atingidas pela quebra da procura de matérias-primas, cujos preços caíram geralmente para
metade em relação a 1928. No caso de Moçambique, os preços do amendoim, milho, copra,
açúcar e sisal caíram significativamente. Apenas o caju e o algodão mantiveram ou mesmo
aumentaram seus preços. Para lidar com a crise, os proprietários de plantações tiveram que
tomar uma série de medidas:
• Cortar custos abandonando actividades caras, dispensando funcionários (incluindo europeus)
e fechando fábricas menos lucrativas. Por exemplo, a companhia Boror abandonou algumas
plantações de sisal, fazendas experimentais, e fechou suas salinas e alguns armazéns rurais.
Entre 1931 e 1935, a Sena Sugar Estates encerrou as suas antigas plantações e fábricas em
Caia e Mopeia, e reduziu ligeiramente a produção nas fábricas de Marromeu e Luabo;
• Produtos como o coco passaram a ser adquiridos dos agricultores a preços mais baixos;
• As empresas também recorreram a cortes salariais;
• Algumas plantações introduziram novos métodos para aumentar a produtividade, como o
uso de animais de tração em vez de trabalho manual e esterco como fertilizante.
 Desse conjunto de medidas, é importante destacar que, apesar da queda do número de
trabalhadores nas lavouras e dos preços de compra aos camponeses, a agroindústria como
um todo manteve o volume de exportações igual ao do período, levando à crise. Embora os

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rendimentos mundiais tenham diminuído, as medidas tomadas permitiram restaurar um nível


razoável de lucros após a alta dos preços no mercado mundial no final da década de 1930.

Entre Julho de 1932 e Dezembro de 1937, o Ministério das Colónias português pagou,
por cada quilograma de fibra de algodão de qualidade exportado para Lisboa, um prémio
equivalente à diferença entre 8 escudos metropolitanos e os preços praticados no mercado
de Nova Orleães (EUA). Na prática, tal significava que as concessionárias tinham garantido,
durante este período, o preço de 8 escudos (para algodão de qualidade) em Lisboa, contra o
preço de cerca de 5 escudos no mercado mundial. O total dos prémios pagos durante o
regime, até 1937, ascendia a pelo menos 25.000 contos; isto só foi possível porque se tratava
de um gasto em escudos e não em divisas. Esse conjunto de medidas teve efeitos imediatos.
Portugal tornar-se-ia, pela primeira vez, o principal fornecedor de Moçambique, com cerca
de 25 por cento das importações totais em 1933 e cerca de 30 por cento em 1937. Em 1933,
Portugal passou a fornecer quase todas as enxadas e um terço dos tecidos, a proporção que
aumentou para 45 por cento em 1935.

No que se refere às exportações de Moçambique, entre 1932 e 1937, Portugal


aumentou consideravelmente as suas compras, tornando-se o principal comprador, com
cerca de 31 por cento do total. Refira-se que estes aumentos apenas indicam o
estabelecimento de um controlo efectivo do comércio moçambicano a partir de Lisboa, e que
a origem ou destino de uma parte considerável das mercadorias são ainda países altamente
industrializados. Para tirar o máximo partido do novo sistema comercial, a indústria
portuguesa exigiu protecção activa. Refira-se que as dificuldades de instalação e
desenvolvimento de uma indústria têxtil em Moçambique datam de anos atrás, devido à
oposição sistemática das associações da indústria têxtil portuguesa.

Em 1938, o estado português começou a desenvolver métodos novos e mais eficientes


de aumentar a produção de algodão nas colônias. Embora a produção em Moçambique tenha
aumentado, entre 1931 e 1937 representou apenas cerca de 20 por cento das necessidades
da indústria têxtil portuguesa. Com o aumento da demanda global, o preço do algodão no
mercado internacional aumentou. Foi nesta altura que a indústria têxtil portuguesa recebeu
um forte impulso para o seu desenvolvimento graças ao acesso ao mercado têxtil em
Espanha, cujas fábricas reduziram a produção durante a prolongada guerra civil que assolou
este país europeu (1936-1939). Pressionado pelos donos da indústria têxtil, o governo de
Salazar modificou o antigo sistema de bonificações financeiras e criou instrumentos
administrativos capazes de promover direta e mais efectivamente o cultivo e a
comercialização do algodão. O objectivo era garantir a autossuficiência em algodão, a preços
baixos, dentro do chamado "Império Português".

O governo português, através de legislação para o efeito, conseguiu controlar, a partir


de Lisboa, todos os aspectos da produção e comercialização do algodão nas colónias. Em
1938, foi criada a Junta de Exportação do Algodão Colonial (JEAC), com sede em Lisboa. Através
deste órgão, o governo pretendia estabelecer um maior controlo sobre as companhias
concessionárias em Moçambique. O sistema de produção camponesa foi mantido e as
empresas se obrigaram a desenvolver mais ativamente o cultivo do algodão em extensas
concessões. Todas as exportações deveriam ser aprovadas pelo JEAC, caso contrário
perderiam suas concessões. Além da crescente procura de algodão, a Segunda Guerra
Mundial, que durou de Setembro de 1939 a Setembro de 1945, e que envolveu todos os
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países industrializados, causou graves perturbações no comércio mundial de matérias-


primas, tendo naturalmente afetado a economia de Moçambique. O país fornece esses
recursos. Desenvolveu-se uma guerra marítima em grande escala, na qual cada beligerante
buscou estabelecer o controle exclusivo sobre as rotas comerciais, garantindo assim o
fornecimento de matérias-primas para garantir o aumento da produção da guerra industrial.
Por outro lado, cada um dos blocos em conflito pretendeu impedir que o seu adversário
tivesse acesso às fontes dessas matérias-primas, como forma de enfraquecer a respetiva
indústria. As enormes perdas de recursos causadas pela guerra (por exemplo, navios
naufragados) e a alta produção industrial levaram ao aumento dos preços das commodities.
A Grã-Bretanha, em particular, pagou altos preços por suas importações de alimentos. A
mudança no comércio marítimo e nos mercados mundiais reforçou a estratégia da burguesia
portuguesa de obter, tanto quanto possível, matérias-primas de suas próprias colônias,
incluindo o algodão. Além disso, Portugal, aproveitando a crescente procura internacional de
matérias-primas, foi um importante fornecedor de mercadorias das suas colónias aos blocos
em guerra. Portugal utilizou a sua neutralidade de forma muito lucrativa e em benefício da
sua própria acumulação. Os dirigentes colonialistas portugueses apresentaram a guerra como
um "flagelo necessário", a ser carregado por todas as partes da "Nação". Foi a `` economia de
guerra '', de 1939 a 1945, que pode ser resumida da seguinte forma:

i) um processo de acumulação massiva de capital, centralizado, pelos mecanismos do Estado


corporativo, na grande burguesia industrial e bancária portuguesa com as suas ramificações
coloniais;

ii) ii) um processo de acumulação baseado na sobre-exploração dos trabalhadores e na


pilhagem colonial.

A não participação na guerra e a posição ambígua face aos blocos em conflito vão
reforçar a posição de Portugal no comércio externo, com base na utilização de matérias-
primas de Moçambique e de outras colónias.

Preços baixos e golpes nos mercados de algodão têm provocado constante resistência
dos produtores. De facto, a partir de 1938, o cultivo do algodão em concessões reorganizadas
desencadeou uma longa luta entre produtores camponeses de um lado, e companhias e
administradores de outro lado, que se deu em uma primeira fase até 1942, e durante a qual
se elaboraram os mecanismos de um sistema de cultivo forçado. Inicialmente, em 1939, o
JEAC tentou promover o aumento do cultivo de algodão por meio de publicidade e persuasão.
Em reuniões nos regulamentos escolhidos para a promoção da cultura, administradores,
chefes de posto, agentes da junta e missionários propagavam que o cultivo do algodão seria
de grande benefício para o povo, e que eles se beneficiariam com o dinheiro da produção e
roupas baratas, que seriam produzidos e vendidos localmente. Além disso, supondo que seja
uma cultura que aumentaria o bem-estar material do campesinato, deveria ser cultivada nos
melhores solos e ocupar a maior parte do tempo de trabalho do camponês.

No primeiro ano, os camponeses que não tinham experiência com algodão aceitaram
os argumentos apresentados a eles e começaram a fazer experiências com a nova safra
quando as sementes foram distribuídas. No entanto, algumas das desvantagens para os
produtores de algodão rapidamente se tornaram aparentes logo após o início do cultivo.
Excepto quando cultivado em solos particularmente adequados, como alguns em Cabo
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Delgado, Nampula, norte da Zambézia, norte de Manica e Sofala (Chemba), o rendimento por
hectare era baixo. Mesmo o preço então oferecido pelos compradores era inferior ao
praticado em 1937. Enquanto a produção de algodão obtida pelo produtor, nas zonas
geograficamente favorecidas, atingia 140 escudos, nas outras áreas era de apenas 5 a 8
escudos. Em 1939, o rendimento médio de todo o país rondava os 85 escudos por produtor.
Essa era uma má recompensa para uma safra como o algodão, que exigia atenção constante
- geralmente em torno de 150 dias úteis por safra. Além disso, os produtores só podiam
vender algodão para uma concessionária. Proibidos de transportar sua produção para outro
lugar, eram submetidos a práticas fraudulentas por parte de funcionários das empresas. Essas
práticas iam desde a pesagem errônea até a classificação de produtos de qualidade inferior,
justificando a aplicação de preços mais baixos.

Na Zambézia, as condições económicas e administrativas da década de 1930 levaram


à expansão das plantações de chá. Em primeiro lugar, o fim do sistema dos prazos e a
instalação de circunscrições administrativas em toda a província, a codificação laboral
promulgada no Regulamento do Trabalho Indígena de 1930 e a diminuição do número de
trabalhadores empregados nas outras plantações, deram novas perspectivas de ajuda estatal
no fornecimento de uma força de trabalho barata e rigorosamente controlada. Em segundo
lugar, em 1933, o Acordo Internacional de Chá, que limitou a expansão de produção entre os
principais produtores mundiais (Índia, Ceilão e Índia Oriental Holandesa) estabilizou o preço
mundial, assegurando, assim, aos pequenos produtores (como Moçambique) a rentabilidade
dos capitais investidos.

Essa rentabilidade fora já evidente nas plantações de chá de Lugella, Milange. Aqui,
na expectativa de estimular o mercado interno de chá e de açúcar, a partir de 1929, a empresa
Sena Sugar Estates financiou a expansão da Companhia de Lugella. Técnicas para aumentar a
produtividade semelhantes às adoptadas nas restantes plantações, reduzindo os custos de
produção de cada quilograma de chá, produziram avultados lucros, apesar da crise económica
mundial.

Novas plantações e respectivas fábricas de tratamento foram construídas,


principalmente pela Companhia da Zambézia e M.S. Junqueiro no distrito de Gurué, onde as
montanhas de Namuli reuniam as condições climáticas e geológicas favoráveis à cultura do
chá. Estas iniciativas representaram o primeiro passo na expansão de uma agroindústria
baseada em capitais portugueses, acumulados na colónia, nomeadamente, nos antigos
prazos e no comércio da província. Desta forma, a produção de chá da Zambézia aumentou.

A diminuição dos preços de milho e amendoim, aliada às iniciativas da administração


colonial e de alguns comerciantes, levou ao aumento das culturas que mantinham altas
cotações, como o cajú e o algodão. Nas zonas do litoral, especialmente em Nampula e Cabo
Delgado, milhares de camponeses, incentivados, muitas vezes, pelos proprietários das terras,
optaram pela cultura do cajueiro, cujo fruto passou a ser muito procurado na India, de onde
era reexportado depois de descasque. A exportação do cajú aumentou de 6.530 toneladas
em 1930, para 25.744 em 1938.

Quanto ao algodão, o preço passou a ser garantido a um nível relativamente alto pelo
governo português, o que, considerando a diminuição dos preços dos outros produtos e as
más condições de trabalho e reduzidas salários nas plantações, significou que a sua produção
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

viria a ser mais atraente para o camponês do que no período anterior. Foram feitas mais
concessões às companhias e a produção começou, lentamente, a aumentar no interior da
Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. A reacção inicial dos países industriais à crise mundial e,
em particular, ao desemprego generalizado, foi aumentar o grau de protecção das suas
indústrias contra a concorrência estrangeira, proibindo importações de artigos
manufacturados ou onerando-os com direitos alfandegários pesados e favorecendo, cada vez
mais, as importações de matérias-primas das suas próprias colónias. Em Portugal, a crise
mundial de 1929-1934 reforçou a estratégia, esboçada desde 1926, de valorização dos
recursos de Moçambique no interesse da burguesia portuguesa, através da exploração
directa e mais intensa da população moçambicana, reduzindo ao indispensável o uso de
capitais nacionais e estrangeiros. É importante realçar que a estratégia colonial do Estado
Novo não foi adoptada, facilmente, de um dia para outro. Alguns elementos dessa estratégia,
como por exemplo a produção de algodão pelo campesinato moçambicano, resultaram da
análise das experiências anteriores. A plena implementação da nova estratégia durou pelo
menos uma década. A década de 30 representou, de facto, um momento de transição, em
que algumas das bases do 'nacionalismo económico' português se estabeleceram
seguramente em Moçambique.

A expressão real do 'nacionalismo económico' português manifestou-se no Acto


Colonial e na Carta Orgânica do Império Colonial Português de 1930, que desenvolveram
rigorosamente os princípios já delineados em 1926. Essa legislação marcou o fim da
autonomia formal da província de Moçambique, que passou a designar-se 'colónia'.
Concretamente, o ‘nacionalismo económico' centralizou os poderes legislativos e financeiros
nas mãos do Ministro das Colónias, e visava colocar Portugal a par das restantes potências
colonizadoras, nomeadamente, em termos de capacidade de dominar a exploração dos
territórios ultramarinos.

Pela Reforma Administrativa Ultramarina de 1933, a administração local ficou sujeita


ao mandato efectivo de Lisboa, assegurando-se assim os interesses da burguesia portuguesa.
As normas e práticas administrativas a adoptar estavam rigorosamente detalhadas no
regulamento. É de destacar o estabelecimento, pela primeira vez, de um regime de
Inspecções administrativas, cuja tarefa principal era verificar o grau de cumprimento dos
regulamentos vigentes. Nas décadas seguintes, as informações recolhidas pelas inspecções
administrativas proporcionaram ao Ministro das Colónias o controle da actividade dos
administradores e a tomada de novas medidas necessárias à administração local. No período
anterior, ao contrário do que acontecia com as outras potências colonizadoras, as relações
económicas entre Portugal e as suas colónias eram muito fracas. O proteccionismo e a mais
rigorosa exploração das colónias requeriam a modificação dessa situação em prol da
economia metropolitana. Nessa perspectiva, foram promulgadas, medidas que tinham como
objectivo estruturar o comércio externo das colónias em benefício de Portugal, e que
marcaram, assim, um passo importante para a criação de uma 'zona do escudo'. Para esse
efeito, uma lei de 1932 impôs:

 Um sistema de licenças de importação e exportação em relação às trocas com


outros países e as suas colónias;

 A proibição do uso de moedas doutros países nas operações internas da


colónia;
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

 A centralização de todas as divisas nos cofres do Estado.

Foi ainda estabelecido um Fundo Cambial, sob o controle do Governador-Geral, para


a entrada e distribuição de divisas segundo prioridades rigorosamente estabelecidas. Com
efeito, a partir de 1932, as companhias exportadoras de Moçambique ficaram autorizadas a
reter apenas 20 por cento das divisas provenientes das suas exportações. Os restantes 80 por
cento entraram no Fundo Cambial que, compensando as companhias exportadoras em
escudos da colónia, autorizou a utilização das divisas no sentido de aumentar as importações
oriundas da metrópole. Paralelamente, o Estado português promoveu uma campanha de
propaganda, o chamado movimento 'comprar português', cujo ponto mais alto em
Moçambique foi a realização do Congresso Comercial e de uma feira de mercadorias
portuguesas em Lourenço Marques, em Agosto de 1932. No mesmo ano, o Estado português
começou a estimular, nas suas colónias, a produção de algodão, a matéria-prima mais
procurada pela indústria portuguesa. Passou a incentivar, financeiramente, as
concessionárias algodoeiras (que exportavam das colónias), contrabalançando a baixa no
preço mundial, que se verificou a partir de 1927, para que as companhias incrementassem a
comercialização do algodão produzido pelo campesinato.

As Características gerais deste período marcou o apogeu do colonialismo português


em Moçambique no sentido de ser aquele em que a exploração colonial mais se desenvolveu
em benefício do capital metropolitano A produção agrícola de exportação aumentou
consideravelmente através da utilização intensiva dos meios já estabelecidos de coerção e
exploração da força de trabalho, nomeadamente, em sistemas de cultivo e trabalho forçados.
Novos investimentos em infraestruturas garantiram maior eficiência da economia colonial, e
o fomento de investimento controlado permitiu um avanço gradual na indústria de
transformação. Paralelamente, aumentou a população colona, que ocupava um crescente
número de postos de trabalho que exigiam especialização, e cuja situação económica e social
privilegiada veio a ser reforçada por barreiras raciais cada vez mais marcadas, principalmente,
sob a capa da sindicalização dos trabalhadores brancos.

Por outro lado, a maioria da população continuou a ser sujeita a um sistema de


educação que, de facto, funcionava como uma barreira considerável a qualquer avanço
significativo na sua formação geral, e ao seu acesso aos postos de emprego que requeriam
qualificação técnico profissional. O sistema de repressão, erguido pelo colonialismo, baseava-
se cada vez mais na recuperação e promoção dos régulos que, na sua maioria, passaram a ser
os auxiliares directos da autoridade administrativa, utilizando a estrutura tradicional,
ideológica e sociocultural, para garantir a tranquilidade, na medida do possível, da população
rural. No entanto, no período 1945-1961, em resposta a esta experiência, e por influência da
luta anticolonial regional e mundial, se procedeu uma clarificação progressiva dos objectivos
do movimento anticolonial moçambicano, estabelecendo-se, assim, um movimento
verdadeiramente nacionalista.

Neste período, o algodão continuou a ser considerado, pelo Estado colonial, de longe
o maior foco de desenvolvimento, reflectindo a importância da indústria têxtil para a
industrialização de Portugal. No entanto, embora bem-sucedido, no sentido de fornecer
grandes quantidades de algodão à metrópole, o sistema sofreu algumas mudanças
superficiais. O sistema implicava algumas fraquezas graves:

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

 Provocou a forte resistência do campesinato, em especial as fugas que, difíceis


de controlar, resultaram na diminuição do recurso principal da colónia, a sua força de
trabalho;
 O declínio da produção de culturas alimentares e o enfraquecimento da
capacidade do campesinato em se reproduzir;
 A reduzida rentabilidade por hectare e por cultivador em áreas geográficas
muito extensas, implicando um esforço bastante dispendioso na propaganda e na fiscalização
da maioria dos produtores, que estavam pouco motivados para a cultura do algodão, para
além das grandes despesas relacionadas com o transporte (camiões, construção de estradas
e pontes, etc.).

Acto Colonial 1930

O Acto Colonial é o primeiro documento constitucional do Estado Novo, promulgado a


8 de julho de 1930, pelo decreto n.º 18 570, numa altura em que Oliveira Salazar assumia as
funções de ministro Interino das Colónias. É um documento composto por 47 artigos,
repartidos por quarto títulos: o I trata "das garantias gerais", o II "dos indígenas", o III "do
regime político", e o IV "das garantias económicas e financeiras".
O núcleo principal deste diploma consiste nas normas regulamentares do sistema de
órgãos do poder colonial. Contudo, este documento referia igualmente provisões
regulamentares, até então não muito claras nas "Bases Orgânicas de Administração Colonial",
e artigos relativos ao conteúdo do programa.
Em finais de abril de 1930, o Acto Colonial era apenas um esboço, intimamente
relacionado com uma revolta que surgira em março desse ano em Angola, um episódio onde
entraram em confronto os funcionários civis e militares de mais alta patente e que atentou
contra a autoridade do poder central.
O projeto era também justificado por outro tipo de factores. Recentemente, a
Sociedade das Nações expressara a vontade de ilegalizar o trabalho forçado nas colónias, um
facto considerado como uma ingerência na política interna e uma ameaça ao império, pelo
abalo que essa determinação provocava nos seus fundamentos.
A publicação deste documento significou pois um passo em frente na estratégia de
ascensão ao poder desenhada por Oliveira Salazar, que se assumiu como o defensor do
império colonial, uma causa que os grupos elitistas portugueses consideravam ser sua
também. Outro dos pontos fundamentais deste texto constitucional é o seu forte carácter
nacionalista, evidente nas disposições respeitantes à defesa dos interesses portugueses
contra as perturbações estrangeiras.
O Acto Colonial marca também uma alteração no direito público colonial português,
bem patente nas alterações operadas na terminologia. Nas constituições de 1822 a 1911, os
territórios portugueses na África e na Ásia são chamados "províncias ultramarinas", fruto de
uma política de assimilação. A partir deste momento, passam a ser designados "colónias".
O Estado Novo criticava o assimilacionismo oitocentista, reconhecendo direitos e
garantias aos povos considerados primitivos e selvagens pelas ideologias racistas do
"darwinismo social" do século XIX. A versão do Acto Colonial "é uma versão mitigada desta

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

conceção", a distinção entre "civilizado" e "indígena" estava já expressa em alguma legislação


avulsa, mas a sua inserção neste texto conferia-lhe um carácter permanente.
O Estado pretendia criar uma posição que não fosse contestada, numa altura em que a
Sociedade das Nações e a Organização Internacional de Trabalho vigiavam Portugal e
pressionavam o país para que acabasse com o trabalho forçado nas colónias.
Na conceção rácica do negro típica do Estado Novo, este era um "precioso reservatório
de energia", uma conceção oficial que chocava com os textos legais. A cultura forçada do
algodão, regulamentada em 1926, imposta na década de 30, era um reflexo da eficácia do
aparelho de Estado e da exploração desta mão-de-obra.
O Estado Novo criticava o centralismo da política colonial do século XIX; a ideia de
descentralização administrativa do império colonial surgiu primeiro entre as próprias colónias
para depois se tornar lei.
No Acto Colonial chegou-se a uma posição de compromisso entre duas formas de
administração distintas: se, por um lado, se garantia a descentralização administrativa, por
outro concedia-se a autonomia financeira destes territórios, sob a fiscalização da metrópole.
Mas apesar de toda esta legislação, no fundo, o Acto Colonial traduziu-se numa centralização
do poder concentrada no ministro das Colónias, em detrimento da ação da Assembleia
Nacional e dos governos coloniais.
Este documento é um instrumento para a criação de uma nova mentalidade colonial,
que só veio a ser preterida depois da Segunda Guerra Mundial, com o fim do imperialismo,
que precipitou o fim do Acto Colonial , revogado na revisão da Constituição de 1933 feita em
1951.

O Trabalho Migratório

Um pouco antes do período recomendando, encontramos vários factores que


caracterizam o trabalho migratório no sul, onde constatamos que em 1880 os estados do sul
de Moçambique, eram politicamente independentes do colonialismo português dos quais se
destacaram: Moamba a leste, Gaza a Norte, Maputo a Sul e Matola. Desses os mais
dominantes eram:
 O estado de Gaza, com a sua capital em Mossurize dominava as actuais províncias de
Gaza e Inhambane;
 O estado de Maputo a sul da baia de Lourenço Marques, dominava a zona entre os
montes Libombos e a costa, incluindo algumas chefaturas de Tembe.
Antes da conquista colonial, estes estados estavam ligados ao capital asiático e europeu
através de pequenos estabelecimentos portugueses em Inhambane e Lourenço Marques e
indianos situados na costa e no interior. Os contactos estabelecidos com os mercadores
assentavam-se essencialmente nas seguintes actividades:
 Caça do elefante – com o marfim podiam participar no mercado internacional que
assegurava o acesso aos bens que localmente ainda não eram produzidos como é o caso de
enxadas de ferro, tecidos missangas de vidro, armas de fogo, etc.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

 Produção de oleaginosas, (amendoim, gergelim e milho) que ganhou uma importância


quando o comércio de marfim começou a declinar na década de 1870, o que era antes
adquirido pela troca de marfim passou a ser adquirido pela comercialização de oleaginosas.
Com o desenvolvimento das plantações de açúcar no Natal, com que as populações
locais não dessem resposta à grande necessidade de mão-de-obra daí que, que houve
necessidade de procurá-la fora da África do Sul. Portanto, o sul de Moçambique era uma
região próspera para o recrutamento de mão-de-obra, aliado a outros factores:
 A região sul de Moçambique tem um clima propenso à seca com solos pobres, dai que
a emigração sempre foi solução para a sobrevivência;
 A ascensão do Estado de Gaza foi acompanhada por extorsões regulares e
sistemáticas através da cobrança de impostos e pilhagem, o que fez com que as populações
preferissem emigrar;
 Depois da morte de Sochangana em 1858, eclodiu uma guerra civil que obrigava as
populações a emigrar à procura de protecção que acabavam trabalhando nas plantações.
A partir da segunda metade do século XIX, a economia do Sul de Moçambique começou
a ser profundamente influenciada pela expansão da economia capitalista que se verificava
nas colónias britânicas do Natal e da Cabo e nas Republicas Boers do Transvaal e Orange Free
State (Estado Livre de Orange). A necessidade de fontes de mão-de-obra abundante e barata
para as minas e plantações sul-africanas, combinada com as dificuldades económicas então
experimentadas pelas principais formações políticas do Sul de Moçambique, concorreu para
a transformação das actuais províncias de Maputo, Gaza e Inhambane em reserva de mão-
de-obra. (COVANE, 1989).
António Covane admite que a rápida transformação da economia caçadora e comercial
de Natal de 1849 para a das plantações, envolvendo, numa primeira fase, cerca de 5.000
colonos ingleses exigiu a procura de mão-de-obra farta e barata. Parte considerável dos
africanos das formações vizinhas nas áreas de plantio, em parte incentivados pelos
missionários, tornaram-se produtores de grãos e fornecedores de alimentos para os
principais centros de concentração da população, dificultando sua contratação como peões.
Esta circunstância foi agravada pela relutância das populações locais em cumprir
contratos de 2 a 3 anos nas plantações, optando por períodos que deixassem margem de
tempo suficiente para poderem cuidar dos seus campos e do gado. A década de 1850 viu o
rápido desenvolvimento do cultivo de açúcar no Natal e um forte aumento na demanda de
mão-de-obra e a população local não conseguiu atender a demanda.
Newitt admite que a Grã-Bretanha fez um carregamento de escravos libertos que foram
contratados e pagos para trabalhar. Em 1860, autorizou a importação de mão-de-obra
indiana mediante contrato.
Covane conta que nas décadas de 1950/60 do século XIX, muito antes da própria
instauração da administração colonial, os homens migraram da Baía Delagoa para os canaviais
de Natal.
Carlos Serra, diz que entre 1840-1870, na colônia de Natal, dada a fraca potência para
obrigar os africanos a venderem sua força de trabalho, ainda por cima não faltaram terras no
Natal, não houve grande pressão sobre a população africana da colônia para abandonar suas
próprias terras e ir trabalhar em empresas capitalistas.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Os sul-africanos têm evitado trabalhar nas minas devido à falta de segurança e


condições de trabalho, bem como salários muito mais baixos do que em outros setores
industriais. As minas sul-africanas são conhecidas por sua segurança precária e más condições
de trabalho. Em 1964, o percentual de mortes por acidentes de trabalho era oficialmente de
2,25 por mil, o que significa que dos 348.294 empregados naquele ano, 784 mineiros
morreram em acidentes. As condições sanitárias também são deploráveis. A silicose e outras
doenças pulmonares incapacitaram muitos trabalhadores. Assim que foi detectada uma
doença, o trabalhador foi repatriado com um prêmio miserável. Para Amélia Souto, a
transformação da economia natalina em economia de plantation exigiu a segurança do
fornecimento de mão-de-obra barata e abundante. A maioria dos africanos das formações
sociais vizinhas às plantações estava envolvida na produção de cereais para os principais
centros de concentração da população, pelo que lhes era difícil concentrar-se como
trabalhadores assalariados. Assim, a solução estará na contratação de mão-de-obra fora de
suas fronteiras.

Base em que assentava o trabalho migratório

Muitos países da região viam esse sistema como um método adicional de obtenção de
divisas e aumento da receita do governo. O envio de salários é visto como um complemento
aos rendimentos geralmente baixos das famílias de trabalhadores migrantes, especialmente
durante os períodos de colheita insuficiente. Além disso, eles viram no sistema de migração
uma oportunidade para os trabalhadores se especializarem enquanto são treinados como
força de trabalho para realizar as tarefas necessárias ao desenvolvimento de seu país.

O sistema pode ser justificado pela criação de empregos, supondo que, de outra forma,
o trabalhador estaria inativo ou subempregado se a possibilidade de ir para a África do Sul
não existisse. O factor de movimento pode substituir efectivamente o comércio de
coexistência, mesmo que se tenha que assumir que a teoria neoclássica explica corretamente
a situação e que nem todos os ganhos do comércio estão nas mãos de uma das partes.

Os e outros benefícios do emprego na mineração poderiam ser vistos como provedores


de um “pólo de crescimento” para a economia periférica, em particular esses ganhos
poderiam fortalecer e expandir o mercado interno, levando às já conhecidas diretrizes de
expansão. A economia doméstica poderia, então, apoiar indústrias orientadas para bens
produtivos, etc.

Por fim, a África do Sul desponta como um factor vital de produção, que deve aumentar
seu potencial produtivo em um modo de dependência mútua. A economia dos países vizinhos
da África do Sul, por sua vez, deve se beneficiar dessa produção crescente.

O Sul de Moçambique como fonte de Trabalho

Menores brancos eram recrutados na Europa e na América. Como ainda faltava mão-
de-obra nas minas, iniciou-se um movimento para trazer trabalhadores chineses de Hong
Kong, prática que foi imediatamente abandonada devido aos custos de aquisição e transporte
dessa mão-de-obra. No entanto, os proprietários de plantações logo perceberam que o sul
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

de Moçambique era a região mais próspera para o recrutamento de trabalhadores. “As


regiões de Maputo, Gaza e Inhambane tornaram-se áreas de influência quase ilimitada sobre
os interesses económicos da África do Sul a partir de meados do século. XIX. Acima de tudo,
o desenvolvimento de Lourenço Marques "está organicamente ligado à prosperidade
económica da vizinha província sul-africana do Transvaal".

Grande parte da região da Baixa Savana tem um clima muito propenso à seca e consiste
em solos pobres que não são muito produtivos mesmo em anos bons. A emigração sempre
foi uma das opções de sobrevivência em tempos difíceis. Na década de 1850, os proprietários
de terras colonialistas em Natal começaram a buscar trabalho adicional em outras áreas mais
remotas. Uma das regiões era a baía de Delagoa, muito próxima e de fácil acesso por terra e
mar. Os chefes da região tiveram, durante várias décadas, ligações com o comércio exterior,
na época os comerciantes asiáticos se estabeleceram como residentes e intermediários dos
produtos europeus no interior. No entanto, os comerciantes de marfim ingleses baseados em
Durban começaram a frequentar a região sul de Moçambique desde 1824. Estes
comerciantes, que eram ambos caçadores, conheciam as terras baixas da costa e tinham
contacto com chefes africanos, o fazem desde 1850, respondendo ao a procura de mão-de-
obra, tornando-se eles próprios recrutadores e intermediários para os comerciantes asiáticos.

Os europeus de Natal, por sua vez, assinaram contratos com chefes africanos para o
abastecimento e passagem de trabalhadores que cruzam as terras de Maputo e Zululândia
para Natal. A partir de 1865, os trabalhadores eram transportados de barco para Durban. A
organização dos grupos de trabalhadores migrantes permaneceu nas mãos dos líderes locais
em grande escala, enquanto a importação de produtos estrangeiros era realizada sob o
controle e direção de comerciantes asiáticos. Os reis Zulu e Maputo, por exemplo, passaram
a receber homenagens de todos aqueles que cruzaram as suas terras. Nessa época, o controle
que a aristocracia e os demais chefes subordinados exerciam sobre o valor da indenização
matrimonial (lobolo), passou a proporcionar-lhes, no trabalho migratório, o acréscimo do
valor recebido, seja em gado, seja em produtos. em dinheiro, onde quer que tivessem
vantagens em mandar mão-de-obra para o Natal.

Carlos Serra, admite que outros factores, como a grande seca e a fome de 1860-61,
ainda não eram levados em consideração. Tal calamidade causada pela seca e fome foi, sem
dúvida, um incentivo para obter, aonde quer que ela fosse, produtos que não estavam
disponíveis localmente. Patrick Harries até menciona que há evidências suficientes de que as
tentativas de anexar o sul da Baía de Delagoa e a Ilha de Inhaca a Natal pelos britânicos no
início da década de 1860 eram fortemente motivadas pelo desejo de garantir uma estação
segura para o embarque de mão-de-obra migrante para as plantações de açúcar de Natal e
as minas de Kimberley. O limite de idade para empreendedores era entre 15 e 50 anos, a
maioria (65%) entre 20 e 35 anos. Os mineiros não tinham permissão para sair, excepto em
alguns casos em que podiam fazer compras em algumas cidades próximas. Lobolo passou a
ser pago em bens de consumo ou até em dinheiro. Neste caso, os salários ganhos no Natal e
nas minas de Kimberley desencadearam uma revolução social e política no sul.

As autoridades coloniais britânicas e portuguesas estavam empenhadas em


regulamentar essa oferta de mão-de-obra. Os portugueses nomearam um cônsul para Natal,
enquanto o governo de Natal enviou uma série de agentes, sendo o mais conhecido Vincent
Erskine, para negociar com Gaza, e a partir de 1875 manteve um agente em Lourenço

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Marques. A migração forçada para a África do Sul, introduziu a libra esterlina dos salários dos
trabalhadores migrantes na baía de Lourenço Marques e no “sertão”, o que permitiu a
monetização da economia, modificando assim alguns modelos culturais tradicionais e
símbolos do poder tradicional, quer de prestígio econômico ou social. Esta monetização
também levou a uma mudança no sistema de tributação (que antes dizia respeito a aluguéis,
mão-de-obra e produtos agrícolas e de caça), e a libra começou a ser introduzida. A par destas
consequências, os dirigentes africanos, no sentido de aumentarem os seus rendimentos,
passaram a aliar as suas actividades à contratação de trabalhadores para Natal e Cabo, uma
rápida expansão da rede comercial no sul de Moçambique e a emigração serviu como meio
de passagem e penetração da língua inglesa, roupas e outros elementos europeus ao sul de
Moçambique.

A Proibição do Recrutamento ao Norte do paralelo 22º (1913)

Se por um lado havia necessidade urgente de fixar um mínimo de mão-de-obra para o


sustento do estado colonial, ou para a realização do capital agrícola dos colonos, por outro
lado era necessária a garantia de exportação a entrada de receitas de divisas, a palhota, as
taxas de emigração e de recrutamento. A questão da migração laboral moçambicana levou,
em 1913, o governo da União, citando motivos de saúde para os moçambicanos recrutados
a norte do paralelo 22º sul, a proibir a WENELA de contratar trabalhadores desta zona. Esta
decisão foi também tomada pelo Governo português, embora nunca tenha manifestado
qualquer interesse a este respeito.

A medida, no nível humanitário, acaba com os profundos conflitos entre as capitais pela
obtenção de mão-de-obra. O chamado argumento de saúde de que os trabalhadores nos
"trópicos" eram incapazes de se adaptar à altitude e ao clima do Rand. No entanto, a
verdadeira razão era evitar a concorrência laboral entre as minas e as companhias
majestáticas e plantações em Moçambique.

"... Depois de 1913, a proibição não cancelou o alistamento de recrutas ao norte do


paralelo 22º, porque embora fosse proibido à WENELA recrutar para o norte, os homens
dessas regiões se deslocavam para o sul em busca de estações mais próximas de WENWLA.
Assim, a WENELA economizou em custos de recrutamento ... ”
Para Moçambique, o paralelo visava objectivos bem definidos: responder às
necessidades das plantações do Centro e Norte do país dominadas por capitais ingleses,
assistidas por complexos mineiros e agrícolas portugueses e rodesianos. Toda a operação de
recrutamento ficou comprometida quando as companhias de Moçambique e Niassa se
recusaram a deixar a WENELA operar nas suas concessões. Sob a liderança de Milner, os
proprietários da mina tentaram usar mão-de-obra chinesa.
Com a eleição de um novo governo no Transvaal em 1907, a questão da mão-de-obra
de Rand foi imediatamente levantada. Os políticos bôeres prometeram acabar com o trabalho
chinês e, depois de passar por uma dura greve dos mineiros brancos em 1907 a única solução
realista era recrutar ainda mais trabalhadores de Moçambique. No entanto, o norte de
Moçambique nunca se tornou uma mão-de-obra dependente do complexo industrial de
Rand, pois em 1913 o novo governo sindical decidiu proibir todo o recrutamento ao norte do
paralelo 22º.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O paralelo se tornaria uma espécie de fronteira econômica separando a região


dependente das minas sul-africanas ao sul da esfera dominada pelas plantações portuguesas
mais ao norte. Em 1937, minas em fase de expansão e com necessidade urgente de mão-de-
obra, foram novamente autorizadas a recrutar nas áreas ao norte do paralelo 22º,
supostamente após melhorias no campo da medicina preventiva, e em 1940, o limite máximo
de recrutamento foi novamente aumentado para 100.000 homens por ano.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CHIBALO, 1900-1930


Chibalo é o conceito de servidão por dívida ou trabalho forçado no Ultramar
Português (as províncias ultramarinas portuguesas na África e Ásia ), mais notadamente em
Angola e Portugal (ao contrário dos outros impérios europeus do século 20, as possessões
portuguesas não eram consideradas colônias, mas províncias de pleno direito do Estado
Português). Em 1869, os portugueses aboliram oficialmente a escravidão, mas, na prática,
continuaram assim mesmo. Chibalo foi usado para construir a infraestrutura das províncias
africanas, pois apenas colonos portugueses e assimilados recebiam educação e estavam
isentos deste trabalho forçado.

No regime do Estado Novo de António de Oliveira Salazar, o chibalo era usado em


Moçambique para a cultura do algodão. A Companhia do Niassa é um exemplo do tipo de
empresa que poderia florescer desde que tivesse acesso a mão-de-obra não remunerada. O
investimento estrangeiro nas províncias portuguesas ultramarinas foi proibido para que
Portugal pudesse se beneficiar diretamente. Todos os homens com idade adequada tinham
que trabalhar na plantação de algodão, não na produção de alimentos, causando fome e
desnutrição na região.

Chibalo substituiu a escravatura durante quase um século, tendo sido abolido apenas
uma década e meia antes do final dos cinco séculos que abrangem o Império Português. No
entanto, enfrentou forte oposição desde o final do século XiX por parte dos colonialistas e
empresários portugueses. O trabalho forçado durante a dominação colonial portuguesa teve
“consequências terríveis” para o desenvolvimento dos países africanos de língua portuguesa.
A política de trabalho forçado como “instrumento de civilização” levou ao desconhecimento
de aspectos como a educação, algo que as autoridades coloniais apenas tentaram remediar.
O trabalho forçado é o resultado daquilo que foi a pedra angular e fundamental no
surgimento e consolidação do império português em África, nomeadamente a “racialização”
do mundo colonial.

“Racialização” serve para descrever a forma como, dentro de uma dada sociedade, as
populações são categorizadas do ponto de vista racial. É também a forma como as instituições
“nomeadamente o Estado colabora neste processo” e, no caso português, as categorias
raciais foram utilizadas para organizar o império. O racismo, “tem muito mais a ver com
práticas de distinção e diferenciação e discriminação racial enquanto a racialização é um
processo mais global”, embora “sejam questões associadas”. O trabalho forçado “era uma
constante” do império colonial português em África, que só foi oficialmente abolido em
1961/62 “já muito perto do fim do império”.

A razão pela qual o trabalho forçado desempenhou um papel tão dominante na


política colonial portuguesa "tem muito a ver com a forma racializada" com que as
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

autoridades políticas portuguesas pensavam o império. “A forma como o trabalho forçado


era pensado como um instrumento de civilização tinha muito a ver com um certo conjunto
de pressupostos raciais que regiam o espírito e as leis das autoridades e do Estado
portugueses”. A “missão de civilização” do império português assentava essencialmente no
trabalho “como única forma de civilizar as populações autóctones”.

“É uma visão racializada e claramente racista que está na origem de uma determinada
missão civilizadora que teria o trabalho forçado como instrumento fundamental”. Essa visão
também está associada à perspectiva do império como "um espaço de exploração
econômica". Essas duas perspectivas “sempre estiveram juntas” e seria um erro tentar
separá-las. “É impossível pensar um sem se associar ao outro”. A aplicação do trabalho
forçado era feita por meio de instrumentos como o “imposto de cabana”, a “punição por
vadiagem (muito utilizada e bastante arbitrária). Havia muitos métodos diretos e indiretos
para forçar os africanos a trabalhar para o estado ou para empresas privadas”.
Freqüentemente, o trabalho forçado era “apenas um mecanismo indireto do Estado colonial
português para fornecer mão-de-obra a empresas privadas”. O impacto desta política foi
“muito negativo” uma vez que “o que se apostou num mercado de trabalho forçado não foi
apostar, por exemplo, no desenvolvimento da educação”.

“O desenvolvimento de um sistema escolar no império português está muito, muito


tarde”, e foi apenas na década de 1950 ou mais significativamente na década de 1960 que
isso aconteceu. “Isto tem consequências terríveis e contribuiu claramente para o
subdesenvolvimento dos países que outrora fizeram parte do império português”.

Dada a emigração em grande escala para as minas e os baixos salários pagos a mão-
de-obra não qualificada no sul de Moçambique, havia muito poucos trabalhadores
"voluntários" contratados para além das necessidades económicas, sem pressão
administrativa e policial. A política geral do governo colonial era limitar severamente o
crescimento de um proletariado africano a Lourenco Marques. Sempre que possível, o
trabalho especializado e semiqualificado era realizado na cidade por uma pequena classe de
trabalhadores africanos, asiáticos e até europeus que residiam permanentemente na cidade.
Os contratos normalmente duravam seis meses. Os custos de reprodução da força de
trabalho - moradia permanente, auxílio-idade, despesas familiares - tiveram de ser
suportados pela família do trabalhador que permaneceu no campo.

O sistema chibalo foi montado com base na pilhagem e no abuso do campesinato.


Carlos Serra admite que o pagamento de salários poderia ser diferido ou negligenciado por
longos períodos, a critério dos patrões. Alguns proprietários rurais têm adotado a tática de
maltratar os trabalhadores no último mês de trabalho para que, em caso de fuga, evitem
pagamentos de qualquer natureza. Na cidade, os trabalhadores que não conseguiam
emprego podiam ser presos como vagabundos e mandados para trabalhar nas estradas, sem
remuneração, assim como quem infringia a lei.

Outros abusos flagrantes acabaram sendo esse o caso; suprimento insuficiente de


alimentos, obrigação de cada trabalhador usar suas próprias ferramentas, como enxadas,
facões, etc. violência física e abuso sexual por parte de capatazes; falta de atendimento
médico; a falta de períodos de descanso para mães que amamentam, entre muitos outros.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A fuga das condições de chibalo para pagamentos mais elevados e melhor organização
nas minas foi uma consequência normal do colonialismo no sul de Moçambique. Agora, as
vantagens da emigração permanente para a África do Sul aparecem com mais frequência em
face dos aumentos de impostos. Outra consequência da institucionalização do chibalo, além
da exportação de mão-de-obra, foi a persistente ausência de armas masculinas, que colocou
o principal fardo da produção agrícola sobre os ombros das mulheres, crianças e idosos que
permanecem nas aldeias.

Pagamento diferido

Este pagamento contribui para a relativa estabilidade financeira da administração


colonial em moeda estrangeira. Em termos de mão-de-obra, os contingentes a serem
recrutados eram formados pela primeira vez para atender simultaneamente às necessidades
ou necessidades dos colonos do sul de Save e das minas e plantações da União da África do
Sul. 100.000 Trabalhadores seriam gradualmente reduzidos em uma proporção fixa de 5.000
por ano, até atingir o mínimo de 80.000 em 1933.
Pelo texto da convenção, pode-se ter a impressão de que os dois governos escolheram
seriamente seguir um caminho de cooperação mutuamente benéfica, sob todos os pontos
de vista. Pouco depois, a convenção começou a ser questionada devido a:
a) a crise da agricultura capitalista de 1930, obrigou o governo da União a pressionar a
Câmara de Minas para restringir o recrutamento de mão-de-obra moçambicana. Essa medida
protecionista reflecte a incapacidade da agricultura de absorver a mão-de-obra local em suas
actividades.
b) A singular indústria de mineração, que tinha uma boa taxa de crescimento, começou
a empregar trabalhadores sul-africanos nativos e um número crescente.
Em Moçambique, esta medida resultou na redução da mão-de-obra e no diferimento
de pagamentos, afetando a administração colonial portuguesa e o comércio em
Moçambique. Para a WENELA, esta circunstância tem contribuído para uma redução
substancial dos custos de recrutamento, principalmente no que se refere a salários pagos a
agentes de recrutamento e despesas com transporte, vestuário e alimentação para
trabalhadores estrangeiros moçambicanos.
Em Moçambique, a consequência mais directa foi o desrespeito das disposições do
acordo que previa a contratação de 85.000 trabalhadores em 1932 e não de 58.380, como
acontecia. Registou-se uma redução do diferimento de pagamentos, afectando as
autoridades portuguesas e o comércio em Moçambique.
Em 11 de Julho de 1934, as negociações começaram em Lourenço Marques, o que
resultou na introdução de mudanças significativas na convenção de 1928. Sua ideia fixa era
acabar com a área de jurisdição e a cota de tráfego, e reduzir o número a um mínimo de
produtos do solo e da indústria moçambicana que tinham entrada livre no país e sem limite
de trabalhadores nas minas.
Princípios:

acordo com o CFLM.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Lourenço Marques era o


porto natural de Tranvaal, teve que ter em consideração que os portos da União estavam
apetrechados para movimentar mais tráfego e, por isso, não queria discriminação a favor de
Lourenço Marques.
garantia de
tráfico a Lourenco Marques.
A proposta sul-africana impôs requisitos que Portugal foi parcialmente capaz de
cumprir. No que se refere ao porto, foi necessária a realização de acessos, farol, cais,
equipamentos de movimentação (gruas, vagões, etc.), armazenamento, manutenção e
modernização dos sistemas de controlo administrativo e despacho aduaneiro. Nas ferrovias,
teve que investir em ferrovias e material rodante. Tudo isto exigia capitais que, para Portugal,
eram de muito difícil acesso.
O projecto sul-africano visava fundamentalmente formalizar uma situação que
excluísse Portugal de qualquer possibilidade de protestar contra práticas que colocariam o
porto e os caminhos-de-ferro Lourenco Marques no fundo da política ferroviário-portuária.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o Estado já estava diretamente envolvido na economia
(...) através da estratégia protecionista e das indústrias nacionalizadas, bem como através da
aplicação de medidas repressivas ou privilégios à força de trabalho. A partir de 1040 tem
assumido um papel mais ativo na governação, incentivo e regulação da economia em geral,
estimulando a racionalização industrial, regulando as exportações, garantindo o investimento
estrangeiro e os empréstimos externos.
Com o início da guerra, o sindicato tomou medidas para reduzir as importações e criar
novas indústrias, então o governo permitiu que £ 6 milhões se aplicassem a essas novas
indústrias e reabilitasse as existentes. Além disso, a Segunda Guerra Mundial forçou o
sindicato, mobilizando muitos trabalhadores sul-africanos negros para indústrias
relacionadas à guerra. Além disso, a demanda por trabalhadores na indústria secundária
aumentou rapidamente. Desta forma, muitos empregos foram abandonados.
Em 1939, o tráfego continuou a registrar taxas encorajadoras. Como na Primeira Guerra
Mundial, os navios foram desviados do porto de Lourenco Marques a serviço dos países
envolvidos no conflito. Com a neutralidade de Portugal, o porto de Lourenco Marques perdeu
quase completamente o seu movimento a favor dos portos do Cabo e Natal. Para minimizar
os desequilíbrios decorrentes do conflito, os governos de Portugal e da União da África do Sul
assinaram um novo acordo (1940).

Principais acordos

A necessidade imperiosa de um instrumento legal com força suficiente e reconhecido


pelos interessados, levou ao governo português a negociar com as autoridades da Pretória,
nos seguintes termos:
 Acordo 1867: Os governos de Natal e de Portugal, estabeleceram um acordo que
permitia a saída voluntária de trabalhadores migrantes moçambicanos para o Natal. Este
acordo permitia os trabalhadores viajar a partir de Lourenço Marques, por mar. Este acordo

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

foi alargado em 1875 no sentido de permitir aos moçambicanos a trabalharem na Província


de Cabo;
 Acordo 1897: A fim de regularizar a emigração de mão-de-obra, os governos de
Pretória e de Moçambique, assinaram neste ano o primeiro Regulamento para o Engajamento
de Indígenas para RSA. Mouzinho de Albuquerque, pretendia regularizar a emigração e
garantir a entrada de dinheiro, solucionar a questão do porto de caminhos-de-ferro e do
comércio. Este estatuto estabelecia a pasta de Curador, cujo titular tinha como função dirigir
e controlar os “nativos” moçambicanos na África do Sul. Neste mesmo ano foi criado a
Witwatersrand Native Labour Association - WENELA
 Acordo 1901: O recrutamento de trabalhadores moçambicanos parou devido a guerra
Anglo-Boer (1899-1902). Depois da guerra a indústria foi reestruturada e a necessidade de
mão-de-obra continuou. Face a esta situação, esboçou-se um novo plano que condicionava a
assinatura do acordo à garantia do uso de porto e caminhos-de-ferro para a circulação de
mercadorias do Rand. O novo acordo foi chamado Modus Vivendi de 1901. Neste o período,
o contrato foi limitado em um ano. Foi também incluída uma cláusula que proibia à WENELA
o estabelecimento de estações de recrutamento a norte do paralelo 22º como forma de
salvaguardar os interesses do capital internacional a Norte do rio Save. No mesmo ano, a
WENELA, através de acordos secretos com as autoridades portuguesas, obteve o monopólio
de recrutamento no Sul de Moçambique.
 Acordo 1909: Nesta data foi assinada a primeira Convenção entre Moçambique e
Transval que estabelecia:
a) A manutenção de uma zona de competência de parte de Lourenço Marques
em relação à área do Rand; a garantia de 50% do tráfego dessa área passar pelo porto de
Lourenço Marques; o estabelecimento de uma comissão mista para a coordenação dos dois
sistemas ferroviários e o sistema de tarifas ferroviárias;
b) A formalização do acordo prévio que estabelecia o monopólio de
recrutamento da WENELA; um sistema de pagamento deferido de salários; a possibilidade de
o governo português poder cobrar os impostos nas minas; o direito a receber uma taxa por
cada mineiro recrutado, a ser paga pelas minas; os contratos continuariam a ser por 12
meses, mas renováveis.
 A Convenção de 1928: Este acordo, que devia vigorar durante dez anos incluía os
seguintes pontos principais:
a) Mantinha em vigor todos os acordos anteriores no que diz respeito ao porto
de Lourenço Marques, nomeadamente o que estabelecia que 50% das importações por mar,
dirigidas à “zona de competência” no Rand seriam feitas através de Lourenço Marques;
b) O período de contrato era de 12 meses, extensíveis por mais 6 meses e era
proibido voltar a empregar os trabalhadores antes de estes terem passado pelo menos 6
meses em Moçambique, depois de cada contrato;
c) Estabeleciam um sistema de pagamento deferido obrigatório, nos termos
de que uma parte dos salários eram entregues à Curadoria e pago aos trabalhadores depois
do seu regresso à Moçambique. Estes acordos foram revistos em 1934 e 1940.
 O Acordo de 1964: estabelecia mecanismos mais específicos e mais rigorosos. O
acordo estipulava que os trabalhadores só podiam ser empregados com o reconhecimento
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

do Instituto do Trabalho, que tinha sido criado em 1961 para tratar, entre outros, dos
assuntos relacionados com o recrutamento de trabalhadores. O período de contrato
manteve-se em 12 meses extensíveis até ao máximo de 18 meses e em relação ao trabalho
deferido estabelecia que depois de 6 meses, 60% dos salários referentes ao restante período
depositado pelas minas (através da WENELA) num Banco designado por Moçambique,
através do Instituto do Trabalho.
 Acordo de 1965: A característica mais interessante deste acordo era autorizar o
estabelecimento de outras empresas recrutadoras. Como consequência disto, viriam a
constituírem-se outras três agências de recrutamento: ATAS, ALGOS e a CAMON, que
iniciaram a sua actividade em 1967, recrutando trabalhadores para as minas não filiadas na
Câmara das Minas e para agricultura da África do Sul. (Fontes: (ADAM, Yussuf, História de
Moçambique, 1983; “ COVANE, Luís António, 2001”, e CEA, 1979)

O Impacto o Trabalho Migratório

Muitos países que exportam mão-de-obra barata para a África do Sul estão cada vez
mais dependentes dessa opção de encontrar locais de trabalho para uma população
crescente. Essa opção reduziu a propensão das populações rurais a migrar para áreas
urbanas. Em muitos países, a política trabalhista é elaborada de tal forma que não dá aos
trabalhadores outra possibilidade senão migrar para as minas. No sistema colonial de
Moçambique em particular, esta política baseava-se na coerção física, visto que aqueles que
não conseguiam encontrar emprego no sector urbano enfrentavam a emigração ou prisão
como perdidos e parasitas. Há um grande número de causas de subdesenvolvimento nos
países exportadores de mão-de-obra, que decorrem dos sistemas de emigração de mão-de-
obra como um todo:
- Modelos de prorrogação e renovação de contratos;
- O facto da maioria dos empresários ter entre 20 e 35 anos, é óbvio que a ausência
deste sector populacional mais vigoroso e produtivo, atrasa o desenvolvimento dos seus
países, em particular nas zonas rurais de onde eles vir.
Devido à emigração de mão-de-obra, muitos povos não estão em suas terras para
realizar as tarefas rotineiras da vida tribal e, como resultado, a economia doméstica e a
agricultura sofreram. Em alguns casos, a terra não é arada simplesmente porque não há
ninguém para arar.

CRONOLOGIA (Segundo Maria Souto).


ANO ACONTECIMENTO
1850- início da migração de trabalhadores para as plantações de cana de açúcar do Natal
1860
1867 descoberta das minas de Kimberley, dando início a uma emigração mais intensa para a
África do Sul
1875 estabelecimento em Lourenço Marques de um depósito temporário de escravos

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

1877 oficialização da emigração para Natal e Cabo


1885 o Governo português declarou livre e legal a emigração de trabalhadores contratados a
partir do porto de Inhambane
1886 a descoberta das minas de ouro de Witwatersrand, agundizando ainda a procura de mão-
de-obra
1888 o governo português autorizou a saída livre de emigrantes do distrito de Lourenço
Marques e Inhambane para Natal
1889 formada a câmara de minas no Transvaal
1891 instituição do uso de passaporte pelo governo português
1895 abertura da linha de caminho de ferro para Johannesburg
1896 o Governador Geral de Moçambique, Mouzinho de Albuquerque, autoriza a emigração
voluntária. A Câmara de Minas cria a Rand Native Labour Association
1897 estabelecimento dum regulamento para o engajamento de indígenas, com o objectivo de
regular a emigração
1899- a guerra anglo-boer paralizou a indústria mineira e como tal o recrutamento da mão-de-
1902 obra a partir de Moçambique
1900 Governo britânico tenta negociar com o governo português devido à grande necessidade
de mão-de-obra
1901 Assinatura de um modus vivendi e a WENELA obtém direitos exclusivos de recrutamento
1903 o governo português autorizou o recrutamento através do sistema de companhias
majestáticas e arrendatárias
1904 assinatura de um adiantamento ao modus vivendi
1907 criada a Secretaria dos Negócios Indígenas (SNI), que passou a supervisar o recrutamento
dos trabalhadores para as minas e para o uso interno
1010 criada a Intendência dos Negócios Indígenas e Emigração em Lourenço Marques
1913 proibido o recrutamento dos trabalhadores a norte do paralelo 22º
1921 com o governo de brito Camacho, Alto comissário em Moçambique, iniciam contactos
para a denúncia da convenção de 1909, por não se adaptar às novas circunstâncias,
criando tensões entre RSA e Moçambique entre 1922-1923
1923 assinado um novo modus vivendi com base na convenção de 1909
1928 convenção entre Portugal e África do Sul sobre trabalho migratório, propondo restrições
ao recrutamento

A implantação das relações de produção capitalista no país determinou o surgimento


de um sector de transportes – portos e caminhos-de-ferro – virado quase exclusivamente
para servir os interesses do capitalismo internacional, em particular na África Austral. Estas
vias de comunicação possibilitaram a entrada do Sul de Save à economia mundial, em
particular, e de todo país, em geral, o que facilitou a entrada e saída de mercadorias de vários
pontos de África e do mundo fora. (Fontes: COVANE, Luís António, 2001)

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

As Vias de Comunicação

Até 1930, Moçambique esteve submetido à exploração levada a cabo pelo capital
estrangeiro não português. O capitalismo implantou-se no país, concretamente através da
penetração nos sectores da produção agrícola para exportação, da emigração da mão-de-
obra e, ainda, no sector dos transportes, que passaram a desempenhar um preponderante
na economia de Moçambique.
Ao longo do período, foram construídos e apetrechados os principais portos e
caminhos-de-ferro moçambicanos, que tiveram, a função quase exclusiva de servir o trânsito
de mercadorias de e para as ricas regiões mineiras do Transval e das então colónias inglesas
da Rodésia do Sul, Rodésia do Norte e do Niassalândia.
Principais Vias de Comunicação
 Em 1887, iniciou-se a construção do caminho-de-ferro de Lourenço Marques, cuja
ligação com o Transval se começou a utilizar em 1894, ao mesmo temo que se procedia ao
alargamento e aperfeiçoamento do porto de Lourenço Marques;
 Em 1897, entrou em funcionamento o caminho-de-ferro Beira- Umtali.
Paralelamente, desenvolveu-se o porto da Beira, cuja utilização já se vinha a fazer desde 1892,
ambos sob a administração da Companhia de Moçambique;
 O caminho-de-ferro Trans-Zambézia, que começou a funcionar em 1922 e
estabeleceu a ligação entre o porto da Beira e a fronteira do Niassalândia.
Vias de Comunicação de Menor Extensão
 A construção do troço ferroviário Moamba-Xinavane, subsidiário do caminho-de-ferro
e porto de Lourenço Marques, que entrou em funcionamento em Outubro de 1914. Permitiu
o desenvolvimento das plantações de Açúcar de Xinavane, facilitou o movimento dos
trabalhadores migrantes e garantiu a circulação de pequenas quantidades de cereais
produzidas pelos camponeses;
 Em 1908, foi construída uma linha férrea a partir do porto de Inhambane, com ligação
a Inharrime, com o objectivo de servir o desenvolvimento das plantações de açúcar de
Mutamba;
 Em 1912, entrou em funcionamento o primeiro troço do caminho-de-ferro do
Limpopo, a partir do pequeno porto fluvial do Xai-Xai na província de Gaza, estabelecendo a
ligação com Goba, perto da fronteira com a Suazilândia, com objectivo de fazer uma ligação
com os ricos jazigos mineiros daquele território, principalmente de carvão e de ferro;
 Em 1922, entrou em funcionamento uma linha com extensão de 145 quilómetros, que
tinha por fim transportar trabalhadores e géneros alimentares para as companhias
estabelecidas na Baixa Zambézia, fazendo a ligação entre Quelimane e Mocuba;
 Em 1924, foi aberta a linha do Norte, ligando o porto do Lumbo ao interior da actual
província de Nampula;
 Ainda em 1924, foi aberta a linha férrea Lourenço Marques-Marracuene, em via
reduzida, para servir a região agrícola do vale de Incomati;

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Embora Moçambique possuísse, em 1930, um total de cerca de dois mil quilómetros de


vias-férreas, raras eram as que ligavam regiões diferentes do país, não existindo, mesmo,
ligação alguma entre norte, o centro e o sul. Eram precários os meios e vias de comunicação
rodoviários, com rede de estradas pouco transitáveis e com uma extensão de cerca de oito
mi quilómetros desigualmente distribuídos. As comunicações marítimas internas eram de
uma reduzida navegação fluvial, praticamente no rio Zambeze. As comunicações marítimas
com o exterior eram de certa importância especialmente com os portos de Lourenço
Marques e da Beira. A rede de ligação telegráfica era escassa e pouco segura, com apenas
dois quilowatts de potência. A realização de todos trabalhos de construção nos portos e
caminhos-de-ferro e nas estradas, foi possível com a utilização de grandes contingentes de
mão-de-obra barata. O funcionamento dessa força de trabalho era garantido pelo Estado
colonial português através de métodos diversos como as leis do trabalho obrigatório, o
chibalo, o imposto de palhota e o mussoco, muitas vezes com auxílio dos chefes locais.
(COVANE, Luís António, 2001)
Principais intervenientes no recrutamento de mão-de-obra
 Comerciantes ingleses (de Durban e Natal) Asiáticos (Baneanes), Chefaturas locais
(Maputo e Zulus).
 A WENELA (criada em 1897) e um órgão das Minas (instituída em 1887) que obteve o
monopólio de recrutamento da mão-de-obra em Moçambique, através de um acordo secreto
com o governo Português em 1901 e confirmado em 1909, data da 1ª Convenção entre
Moçambique e o Transvaal. (CEA.1979)

SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE


Durante o domínio português a educação foi tradicionalmente ministrada pela igreja
católica, sendo que nas suas escolas o ensino era na língua portuguesa ou da região aqui
pertencia a escola, mas nunca numa língua estrangeira e os livros necessitavam de aprovação.
Em 1913 o governo republicano substitui todas as missões católicas pelas chamadas missões
laicas que não eram financiadas nem organizadas pelo Estado, situação que permaneceu até
13 de Outubro, quando João Belo aboliu as missões laicas e repôs oficialmente a igreja
católica na sua função de provimento das educação missionaria.
Por volta de 1926, existiam em Moçambique cerca de 200 escolas rudimentares e 35
oficiais, o que significa que numa área de 3346Km existia em media uma escola para cerca de
16536 habitantes em idade escolar. Finalmente, em 1929 foram aprovados regulamentos que
dividiram o ensino primário em rudimentar (para os nativos) e o ensino elementar (para os
não indígenas). Em suma, antes de 1930 a educação indígena em Moçambique não seguia
um modelo rigorosamente planificado ou uniforme, devido a predominância de missões
protestantes não portuguesas na evangelização e educação, o que veio a mudar a partir de
1930.

Educação em Moçambique de 1930-1964

Depois de ter-se feito uma breve análise da situação da educação indígena em


Moçambique antes de 1930, torna-se necessário centrar-se mais no período em estudo, e
para melhor analisar a evolução da taxa de cobertura do subsistema de ensino indígena,
dividir-se-á este período em sub períodos como forma com características homogéneas,
59
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

como forma de entender a dinâmica da taxa de cobertura do ensino indígena em cada um


deles. O primeiro período antecede a assinatura da Concordata e vai de 1930 a 1939. Já o
segundo começa com a assinatura da Concordata em 1940 e termina em 1955 viso que no
ano seguinte o ensino rudimentar mudou de designação e passando a ser chamado ensino
de adaptação. Finalmente o terceiro período vai de 1956 até 1964 ano em que se realizou a
reforma educacional.

Evolução da cobertura do ensino indígena de 1930 - 1939

Depois de dividir a educação em educação rudimentar e elementar como resultado da


regulamentação de 1939, o ano de 1930 marcou o início de uma nova fase no
desenvolvimento da educação em Moçambique, com o governo colonial trazendo mudanças
no sistema educacional, passando assim ao controle em Moçambique. uma forma mais direta
de educação para os negros, como forma de tornar os “nativos” capazes de cumprir sua tarefa
de trabalhadores baratos na economia colonial. Essa nova forma de educação era obrigatória
para todas as crianças que residiam em um raio de 3 km de uma escola rudimentar. A nova
constituição portuguesa de 1933 reforçou a política definida no estatuto das missões católicas
portuguesas, em que o governo português expressou a sua intenção de garantir a protecção
das missões católicas portuguesas e auxílios estatais sob a forma de bolsas para a formação
de missionários em Portugal e a concessão de terras em Moçambique. Portanto, a expansão
da Igreja Católica neste período significou, em certa medida, a expansão da educação
rudimentar que era ministrada em suas missões. Entre 1930 e 1939, a Igreja Católica cresceu
em número de missões, missionários e auxiliares, graças ao apoio que gozou do Estado, o que
constituiu uma mais-valia para o Estado, pois 'com eles também as escolas rudimentares que
dependiam nele espalhar em quantidade.
A tabela abaixo é mais específica para entender a evolução da taxa de cobertura da
rede do Subsistema de Educação Nativa de 1930 a 1939, pois fornece o número de escolas
rudimentares que surgiram durante esse período. Vamos analisar:
Tabela 1: Escolas, professores e alunos do ensino rudimentar de 1930-1939
Ano Escolas Professores Alunos
1930 425 685 55715
1932 514 673 64958
1936 581 799 57625
1939 628 844 68135

Com esses dados, verificou-se que de 1930 a 1939 a educação rudimentar nas mãos da
Igreja Católica se espalhou para mais lugares, dando assim às crianças africanas
oportunidades e facilidades para frequentar a escola. Escola (embora tenha sido uma relativa
facilidade desde então, para entrar eram cobradas taxas escolares que, em muitos casos,
excediam as capacidades dos camponeses). No entanto, o apoio do Estado à Igreja Católica
representava uma ameaça à educação protestante, que ao mesmo tempo foi perdendo
espaço gradativamente em detrimento da católica. A legislação de 1929-1930 que impedia a
educação moçambicana nas línguas nacionais era um grande obstáculo à expansão da
educação protestante rudimentar que usava as línguas bantu nos primeiros anos de
escolaridade.
60
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O ensino nas escolas rudimentares com um professor semiqualificado em cada uma era
de muito baixo padrão, e particularmente no norte de Moçambique onde as escolas católicas
não iam além da fase de construção. De modo geral, no período 1930-1939, o número de
escolas rudimentares aumentou. No entanto, o aumento da qualidade não acompanhou esse
aumento do número de escolas, devido ao alto índice de reprovações, conteúdos
descontextualizados e superficiais que eram ministrados nessas escolas. O uso da língua
portuguesa é outro entrave à melhoria da qualidade do ensino. Dada a baixa qualidade da
educação, o governo colonial e a Igreja Católica nada fizeram para mudar a situação.

Política de expansão do ensino rudimentar de 1940 a 1955

Quando o Estatuto Missionário foi promulgado em Abril de 1941, a ocupação


missionária não garantia a possibilidade de oferecer educação a toda a população indígena
em idade escolar. Por isso, desde 1940, houve um aumento notável no número de escolas. A
expansão da Igreja Católica contribuiu para a redução do número de escolas protestantes, e
como a Igreja Católica assumiu as escolas oficiais estabelecidas há muito tempo, os filhos de
pais protestantes foram em muitos casos expulsos. Face a esta situação e à exploração sob a
forma de trabalhos forçados a que aqui foram submetidos os alunos, as escolas das missões
católicas continuaram a desenvolver-se em detrimento das escolas protestantes. Durante
este período, o surgimento de escolas católicas rudimentares também foi devido à
combinação progressiva de educação formal rudimentar e missionária. Porém, mesmo assim,
a qualidade do ensino permaneceu baixa e, ao longo dos três anos, o ensino consistiu
principalmente em aulas de língua portuguesa e catecismo. A questão da formação de
professores que pudessem acompanhar esse aumento no número de escolas está ligada à
expansão da rede escolar do subsistema indígena. Esta questão não tem sido devidamente
acompanhada, o que demonstra o desinteresse do Estado colonial em melhorar a qualidade
do ensino, relegando esta responsabilidade à Igreja Católica.
Até 1940, havia apenas uma escola pública para a formação de professores do ensino
primário rudimentar. Esta escola, que começou a funcionar em 1930 com cerca de 73 alunos,
foi encerrada em 1940 na sequência da Concordata Missionária que transferiu a
responsabilidade pela educação para a Igreja Católica, a ser reaberta em 1945 nas mesmas
instalações. Em 1954, existiam 4 escolas normais católicas de formação de professores com
441 alunos dirigidos por padres portugueses e os candidatos deviam ter concluído o ensino
primário.A baixa qualidade da educação indígena, a incapacidade de treinar professores e a
maior ênfase ou atenção dada ao catecismo em detrimento do conhecimento científico se
reflectem no pequeno número de alunos que concluíram com êxito a 3ª série. A tabela a
seguir apresenta dados sobre o desempenho docente no período analisado, a fim de avaliar
a qualidade do ensino.
Tabela 2: Aproveitamento nas escolas rudimentares
Matriculados Aprovados % dos aprovados
Ano
Católico Outros Católico Outros Católico Outros
1940 52238 - - - - -
1945 99477 9639 853 346 0,85% 2,55%
1950 232923 6484 1844 325 0,79% 5,01%
Fonte: Hedges, 1999, p. 121.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Como os dados da tabela ilustram, a situação era terrível, pois menos de 1% dos que
iniciaram a primeira série em escolas católicas rudimentares conseguiram chegar à terceira
série com resultados positivos. A taxa de reprovação foi de 1 em 40, ou seja, de 40 alunos
matriculados, apenas um obtém sucesso após três anos. Assim, mesmo com o aumento
gradual do número de escolas, o nativo permaneceu ignorante e, embora frequentasse a
escola, não conseguiu terminar os estudos a tempo de continuar nos níveis seguintes. Nesse
período, as escolas também se desenvolveram gradativamente, conforme quadro a seguir.
Anos Número de escolas
1951-1952 1122
1952-1953 1419
1953-1954 1626
1954-1955 2041
1955-1956 2563
Entre 1952 e 1953, Moçambique teve a maior taxa de analfabetismo de África. Na
época, havia 1.419 escolas rudimentares, das quais 1.356 eram católicas; com 1.620
professores, incluindo 1.543 em escolas católicas e 183.092 alunos, incluindo 172.213 em
escolas católicas. A acreditar nestas estatísticas, conclui-se que somando todas as escolas do
ensino básico rudimentar, havia em média uma escola para uma área de cerca de 499 km2 e
para 3494 habitantes, tendo cada escola em média 1,27 professores. A distância entre a
escola e a casa, a falta de vagas nas escolas, o limite máximo de idade, aliados ao trabalho
forçado e aos altos pagamentos, impediram os africanos de frequentar escolas rudimentares,
mesmo que quisessem.

Evolução da cobertura escolar de 1956-1964


Durante os dois períodos anteriores aumentou o número de missões católicas e com
elas o número de escolas rudimentares e seus alunos. Durante este período, a situação não
mudou: o número de escolas rudimentares e os alunos que as frequentavam continuou a
aumentar, estendendo-se a mais províncias. No entanto, essa expansão ficou muito aquém
das necessidades da população indígena em idade escolar.
A partir de 1956, a educação rudimentar passou a ser chamada de educação de
adaptação, pela qual as crianças negras eram obrigadas a passar. No entanto, apesar da
mudança de designação, as características e gênese do ensino permaneceram as mesmas.
Belchoir analisa os números de frequência e aproveitamento escolar e faz uma descrição
detalhada do número de alunos e também das escolas para mostrar que houve um aumento
na taxa de cobertura da educação adaptativa. Vejamos a tabela abaixo:
Tabela 3: Número de alunos matriculados no ensino de adaptação de 1956-1957 a 1961-1962
Total de Ensino católico Outros ensinos
Ano lectivo
matriculados # Matriculados % # Matriculados %
1956-1957 341629 335228 98,1% 6401 1,9%
1957-1958 371525 364358 98,0% 7167 2,0%
1958-1959 392796 386248 98,3% 6548 1,7%
1959-1960 387657 380069 98,0% 7588 2,0%
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

1960-1961 385259 378157 98,1% 7102 1,9%


1961-1962 348265 341074 97,9% 7191 2,1%
BELCHOIR, Manuel Dias. Evolução política do ensino em Moçambique. [Sl]: Instituto Superior
de Ciências Sociais e política ultramarina, 1966. p.167.
Mais uma vez, os dados mostram um aumento no número de alunos. De 1956-1957 a
1961-1962, a educação para adaptação aumentou de 341.629 no primeiro ano escolar para
aproximadamente 348.265 no último ano. No entanto, o pico desse aumento não foi de 1961-
1962, mas de 1958-1959, quando 392.796 alunos se inscreveram. O declínio no número de
alunos que ocorreu entre 1958-1959 e 1961-1962 deveu-se à proliferação de escolas
primárias comuns, o que levou à evolução da população africana que passou por uma
educação adaptativa devido à falta de 'alternativas para ir para o ensino regular as escolas e
o abandono frequente das raparigas causado, entre outras coisas, pelos casamentos devido
a factores socioculturais, como os casamentos prematuros.
Dada a baixa qualidade da educação, as autoridades coloniais permaneceram
relutantes em não melhorar as condições de ensino e, por exemplo, o Plano de Fomento
1953-1958 não previa a alocação de fundos para a educação. Em 1961, Eduardo Mondlane
visitou Moçambique e constatou que o governo colonial colocava fortes obstáculos ao
desenvolvimento intelectual dos negros, após falar com duas pessoas ligadas à educação (o
director da educação de Moçambique e o reitor do Liceu Salazar) que não tinham interesse
em o sujeito. .
Nesse período, apesar do aumento do número de escolas e alunos matriculados, a
cobertura da rede escolar não atendia à população indígena em idade escolar, pois em muitos
casos as escolas permaneciam afastadas da população. O número de professores indígenas
também aumentou, mas também está longe de atender às necessidades das escolas e,
consequentemente, dos indígenas.
Quanto à qualidade, ela continua baixa e principalmente nas escolas das missões
católicas onde o índice de reprovação é muito alto. No entanto, o governo nada fez face à
incapacidade da Igreja de expandir as escolas e melhorar a qualidade do ensino, visto que a
situação acabou com a política colonial: manter os indígenas na ignorância.
Finalmente, no que se refere ao ano letivo 1963-1964, 42 1004 alunos estavam
matriculados no ensino rudimentar, para cerca de 6 249 professores e distribuídos em 4010
escolas. Porém, a partir de 1964 (decreto 45.908 de 10 de Setembro), o ensino primário
passou a ser ministrado segundo os mesmos programas e em estabelecimentos oficiais e / ou
privados. Essa reforma educacional marcou o fim do monopólio da Igreja Católica sobre a
educação, com o Estado assumindo um papel maior na educação.

O MOVIMENTO ASSOCIATIVO COM INTERESSES CULTURAIS E POLÍTICAS


Para falar do movimento associativo em Moçambique, com interesses culturais, sociais
e políticos antes da independência ou na época colonial, podemos datar o mesmo movimento
do início do século XX, como vimos nas aulas anteriores, com a criação do jornal O Africano
(1908) depois O Brado Africano (1918) e, ao mesmo tempo, surge um movimento
nacionalista, ou melhor, um movimento nativista que será o nosso ponto de partida para esta
aula.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A literatura considera o Grémio Africano de Lourenço Marques, (GMLM) como o


primeiro movimento nativista (nacionalista) da província de Moçambique, este movimento
deu origem à fundação do jornal O Brado Africano a 24 de Dezembro de 1918, tendo como
objectivos lutar por a justiça, igualdade e verdade, e em sua primeira edição, no editorial
subscrito por João Albazini, o primeiro desafio foi a portaria sobre o Assimilado publicada em
Janeiro de 1917 e graças a essa atitude de Brado em Janeiro de 1919, a lei da assimilação é
passando por várias mudanças agora, no entanto, muito do que estipulava a portaria anterior.
Para uma melhor intervenção no campo político, social e cultural, o movimento Grémio
Africano de Lourenço Marques publicou em Janeiro de 1919 um manifesto intitulado
(Memorial) contendo mais protestos contra as leis de emergência, em particular a portaria
assimilada.
Este manifesto foi também utilizado, pelo GALM, com o apoio da Liga Africana de Lisboa
para se candidatar às eleições legislativas de 1920, onde João Albazini se anunciou deputado
por Moçambique. A partir desse manifesto, foi desenvolvido um programa aplicativo no qual
também foram escritos os temas que mais preocupavam a guilda africana. Em 1920, a Liga
Africana foi criada em Lisboa. No início dos anos 1920, uma organização chamada Grémio
Africano surgiu em Moçambique e mais tarde se tornou a Associação Africana. Os colonos e
a administração ficaram alarmados com as vigorosas reivindicações africanas da associação
e, no início dos anos 1930, apoiados pelos movimentos fascistas que separavam Portugal,
lançaram uma campanha de intimidação e infiltração, tendo obtido o apoio de alguns
dirigentes para o sequestro da associação. .para uma linha mais conformista. Depois surgiu
uma ala mais radical, que se desfez e deu origem ao Instituto Negrófilo. Foi então forçado
pelo governo de Salazar a mudar o seu nome para Centro Associativo dos Negros de
Moçambique. Os mulatos tendiam a ingressar na Associação Africana, enquanto os negros se
concentravam no Centro da Associação.
A partir do programa GALM, avançaram-se as seguintes propostas de educação das
populações indígenas, nomeadamente a criação de escolas de artesanato em todos os
pela emigração portuguesa, que

escolas práticas de agricultura e pecuária a revogação imediata das leis de emergência e a


codificação das leis relativas aos indígenas segundo os bons costumes o estabelecimento de
meios de comunicação com o interior, principalmente estradas e caminhos-de-ferro, o estudo
e posterior aplicação das leis de concessão de terras, para efeito de venda especulativa, tanto
por indígenas como por estrangeiros.

Contradições, ambiguidades e conflitos no movimento nativista

Divergências entre negros e mulatos sempre existiram e se manifestaram


periodicamente até a década de 1940, assim como houve tensões e até conflitos entre
Macuas, Chopes, Rongas e Changanes ou entre protestantes e muçulmanos católicos, ou
mesmo entre nativos da região e migrantes de outras regiões .
Em 1921, ocorreu a primeira cisão dentro do Grêmio Africano de Lourenço Marques,
quando alguns membros fundadores, nomeadamente João Tomaz Chembeni, Samson
Chambala, Lindstrom Matite e Benjamim Augusto Moniz deixaram a associação para fundar
outro chamado Congresso Nacional Africano. Durante um curto período este grupo chegou a

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

publicar um pequeno jornal, intitulado Djambu de África (Sol de África) em língua ronga e sob
a responsabilidade de João Tomaz Chembeni e Benjamim Augusto Moniz.
A iniciativa teve uma curta duração, tendo o jornal cessado a sua publicação em 1922.
Chembeni emigrou para a África do Sul, e os restantes juntaram-se novamente ao GALM,
resumindo a sua colaboração nas sessões ronga e zulo do jornal "O Brado Africano" ".
Na década de 1930, O Brado Africano, anunciou que estava a preparar-se a organização
denominada Liga da Juventude Africana - LMA, uma iniciativa de jovens ligados à GALM para
todas as indicações, que tinha como objectivos promover o estudo, a ajuda e a protecção. A
LMA teve existência legal em 1932, ano em que foram aprovados os estatutos da nova
associação. Acima de tudo, as diferenças culturais e raciais estiveram na origem da formação
da Liga da Juventude Africana, mas não é possível excluir um fosso entre gerações que opunha
uma ala jovem mais radical a uma liderança cada vez mais acomodada e subserviente. Pouco
mais se sabe da ação e da vida desta associação, exceto que ainda existia em 1935, e naquele
ano foi eleita uma Comissão Administrativa para dirigir seus destinos. Em 1932, diferenças
insolúveis produziram uma profunda cisão no grupo fundador da GALM, levando à formação
de uma nova associação de africanos. O Instituto Negrófilo de Lourenço Marques -INLM- foi
fundado no início do ano de 1932. Este grupo viu os seus estatutos aprovados em março do
mesmo ano. Nos estatutos desta instituição, pode ler-se que os seus objectivos eram
promover o desenvolvimento material, intelectual e moral dos seus membros e, em geral, de
todos os negros portugueses. Foram aceitos negros de ambos os sexos, embora nascidos fora
da colônia de Moçambique, e indivíduos descendentes de pai ou mãe negra. Mas, na verdade,
o grupo dissidente era formado exclusivamente por negros assimilados, e a formação do
INLM consagrou a separação da comunidade nativa em dois grupos, negros e mulatos.
É importante mencionar que devido à divisão entre mulatos e negros, e diante de quem
mais essa divisão poderia se aproveitar, acredita-se que as dificuldades para manter a unidade
dos indígenas foram fomentadas, ou pelo menos exploradas, pelos colonizadores.
autoridades, especialmente os povos indígenas de Serviços às Empresas. Alguns membros da
Guilda Africana estavam cientes de que a separação poderia ocorrer a qualquer momento e
os efeitos negativos que qualquer movimento nessa direção teria em toda a comunidade
africana.
Na verdade, pode-se dizer que a história das relações entre os dois grupos. Também faz
parte do concurso de representactividade da comunidade indígena moçambicana. No
entanto, esta competição não escondeu, mas enfatizou um ambiente caracterizado pela
intriga, desconfiança e claro também a origem racial e formação religiosa. Um ano depois de
sua fundação, o INLM foi afetado por divergências que resultaram da diferença de
perspectivas entre seus membros, com um vasto setor censurando as lideranças por sua
preferência em promover a assimilação aos hábitos culturais dos brancos. Uma nova cisão
parece ter ocorrido em 1936, quando foi anunciada a formação de outra organização
africana, a União dos Negros Lusitanos da Colônia de Moçambique.
Em certas áreas e em determinados momentos essas atitudes, enraizadas na cultura
popular, geraram outro tipo de reação, os mais velhos acabaram discutindo mesmo os nossos
problemas. Um exemplo disso é um movimento cooperativo que surgiu no norte na década
de 1950. Na fase inicial, esse movimento foi mais construtivo do que contestatório. Vários
camponeses, incluindo Lázaro Kavandame, organizaram-se em cooperativas na tentativa de
apoiar a produção e a venda de produtos agrícolas e, assim, melhorar sua situação

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

econômica. As autoridades portuguesas, no entanto, levantaram severas restrições à


actividade desenvolvida pelas cooperativas, oneraram-nas com impostos e passaram a
acompanhar de perto as suas reuniões. Foi então que o movimento começou a assumir um
caráter mais político, tornando-se totalmente hostil às autoridades.
As condições estavam longe de ser favoráveis à disseminação das idéias nacionalistas
por todo o território. Devido à proibição de qualquer associação política, a necessidade de
sigilo que esta impôs a erosão da sociedade tradicional e a ausência de uma educação mais
moderna no meio rural, foi apenas entre uma pequena minoria que, num primeiro momento,
surgiu a ideia de Desenvolveu-se uma ação de abrangência nacional, em oposição às ações
locais. Essa minoria era predominantemente urbana, composta por intelectuais e
assalariados, indivíduos essencialmente distribuídos, em sua maioria africanos e mulatos
assimilados, ou seja, um pequeno setor marginal da população.
Estimulados pelo liberalismo da nova República em Portugal (1910-1926), esses grupos
criaram sociedades e passaram a publicar jornais através dos quais realizavam campanhas
contra os abusos do colonialismo, reivindicando direitos iguais, até que aos poucos
começaram a denunciar todo o colonialismo. Uma terceira organização foi formada, chamada
Associação dos Naturais de Moçambique. Foi originalmente concebido para defender os
direitos dos brancos nascidos em Moçambique. Todas essas organizações desenvolveram
ações políticas no âmbito de programas sociais, de ajuda mútua e de actividades culturais e
esportivas. E em paralelo a esses movimentos, surgiu uma imprensa de protesto, um exemplo
típico disso é o Grito Africano, fundada pela Associação Africana e dirigida pelos irmãos
Albasini. Esta imprensa foi silenciada em 1936 pelo sistema de censura do governo fascista,
mas até então constitui um porta-voz relativamente eficaz da revolta.
É verdade que a exigência de independência nacional ainda não havia sido formulada.
Nessa fase de denúncia, entretanto, as demandas por igualdade de direitos foram necessárias
para o desenvolvimento de uma consciência política que levasse à reivindicação de
independência. Só depois que essas demandas preliminares foram rejeitadas é que se poderia
passar para uma posição mais radical.
Só depois da Segunda Guerra Mundial e da derrota das grandes potências fascistas é
que foi possível retomar alguma actividade política. As mudanças na esfera de poder em todo
o mundo e o ressurgimento do nacionalismo, em particular em África, tiveram repercussões
nos territórios portugueses, apesar da continuação de um governo fascista em Lisboa e dos
esforços das autoridades portuguesas para proteger as suas áreas.
Em Moçambique surgiu uma nova geração de insurgentes, activos e determinados a
lutar pelos seus próprios meios e não dentro dos parâmetros impostos pelo governo colonial.
Eles estavam em posição de examinar os três aspectos essenciais de sua situação -
discriminação racial e exploração dentro do sistema colonial real a verdadeira fraqueza do

entre o surgimento de luta dos negros na África e na América e as mudanças de resistência


de seu próprio povo.
A nova resistência inspirou um movimento em todas as artes, que teve início na década
de 1940 e influenciou poetas, pintores e escritores de todas as colônias portuguesas. Em
Moçambique, os mais conhecidos são provavelmente Malangatana, Craveirinha, Luís
Bernardo Honwana, Noémia de Sousa e outros.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM)

Em 1949, alunos do ensino secundário, liderados por um pequeno grupo que tinha
estudado na África do Sul, criaram o Núcleo de Alunos Secundários Africanos de Moçambique
(NESAM), que estava ligado ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique e também, de
abrangência social e actividades culturais, conduziu uma campanha política entre os jovens
para divulgar a ideia de independência nacional e estimular a resistência à sujeição cultural
imposta pelos portugueses.
A eficácia do NESAM, assim como de todas as organizações nesse período inicial, era
bastante limitada devido ao pequeno número de membros, naquela época limitado a alunos
negros do ensino médio. Mas pelo menos fez três contribuições importantes para a
revolução. Ele espalhou ideias nacionalistas entre jovens negros educados. Conseguiu fazer
uma certa revalorização da cultura nacional, que neutralizou as tentativas dos portugueses
de fazer os estudantes africanos desprezarem e abandonarem o seu próprio povo - o NESAM
foi uma oportunidade única de estudar e discutir Moçambique como entidade própria e não
como apêndice de Portugal. Por último, mas talvez o mais importante contributo, ao cimentar
os contactos pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que abrangia
não só os antigos membros, mas também os que ainda frequentavam a escola e que poderia
ser utilizada em futuras acções clandestinas.
Lista de membros do Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique
(NESAM).

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

4. Filipe Samuel Magaia


1. Eduardo Mondlane 5. Herberto Stefan Matola
2. Sidónio L. R. Libombo 6. Georgete Libombo
3. Eulária Maximiano 7. César Augusto Matabel
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

8. Jorge Mabay Tembe 57. Novidade Alexandre Homuane


9. Inês Rosário Xavier 58. Amâncio da Costa Ferreira
10. Luisa Ceita 59. Caetano Filipe Jones
11. Estêvão Inhaca 60. Benjamim Bernardo Bene
12. Domingos Augusto Mabombo 61. Constância Baltazar da Costa
13. Aurélio Abel Chambal 62. Rosária da Conceição Inácio
14. Lúcia Lonete 63. Alberto Massavanhane
15. Inácio Sebastião Mabote 64. Arlinda Filipa Júnior
16. Abel José Matusse 65. Gabriel Simbine
17. Sebastião José Mangujo 66. Fernando David
18. Moisês David 67. Teófilo da Silva Comiche
19. Fernando Mangucho 68. Eneas Comiche
20. Zaqueu Saranga 69. Eugênio Amon Mutemba
21. Henrique Comiche 70. Henrique Gonçalves
22. Silvano dos Santos Zucula 71. Lourenço Mutaca
23. Cipriano Godinho 72. Joaquim Alberto Chissano
24. Caifas Muzumbe 73. Sidónio Alberto Mangujo
25. José Alberto Chissano 74. Mariano de Araújo Matsinhe
26. Alfeias Vilanculos 75. Camacho Checo
27. Jaime da Silva Mangujo 76. Ilforte Guilhovice
28. Isaac Zacarias Mapassi 77. Alfredo Mabombo
29. Guidione Vasconselos Matsinhe 78. Alberto Lucas da Fonseca
30. Lázaro António 79. Saraiva Pacelo
31. Leonardo Manuel 80. Samuel Dimande
32. Alberto Albino Dimas 81. Felicidade Henrique da Silva
33. Joâo Simão 82. Hagira Maria
34. Gabriel da Cunha Amaral 83. Rafael Manjate
35. Jorge do Rosário Xavier Júnior 84. Eugénio Joaquim
36. Armando José 85. Isabel Baltazar da Costa
37. Rafael Saúde Chambal 86. João Simião Inhaca
38. Constantino Sansão David 87. Judite Tembe
39. Isolina Porfia Manhiça 88. Albertina Maria Maximiano
40. Joana Nunes 89. Lina Francisca Magaia
41. Glória Comiche 90. Albano Comiche
42. José Nelson Machatine 91. Boaventura David
43. Arlindo David Pátria 92. Goodwin Paulo Mata
44. Daniel Pessane 93. Américo Gonzaga
45. Baptista David Tomás 94. Henrique Simango
46. Gustavo da Glória 95. Josué Argílio Mata
47. Sicandar Maliamad 96. Armindo Zinhongua Manhiça
48. Leopardo Fortunato Maximiano 97. Luisa Chadraga
49. Orlando Miguel Nunes 98. Adriano Fernandes Simbane
50. Manuel Samuel Magaia 99. Georgina Nomboro
51. Inocêncio António Matavel 100. Cristovão João Munguambe
52. Amílcar Guerra Charlé Mafumo 101. Elias David Mata
53. José Filipe Niacale 102. Armando Guebuza
54. António Manjate 103. Natália Maria de Lourdes Costa
55. Almeida Peniche 104. Levim Mabay Tembe
56. Luís Bernardo Manuel 105. Anselmo Lino Magaia

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Em 1963 alguns antigos membros do NESAM fundaram a UNEMO, União de Estudantes


Moçambicanos, que fez parte da Frelimo juntando jovens moçambicanos que estudavam sob
auspícios da Frelimo.
Casa dos Estudantes do Império (CEI)
Em Portugal, os poucos estudantes negros ou mulatos que conseguiram chegar ao ensino
superior juntaram-se na Casa dos Estudantes do Império (CEI), e estabeleceram também uma ligação,
através do Clube dos Marítimos, com marinheiros das colónias que vinham frequentemente a Lisboa.
Em 1951 os membros da CEI, criaram o Centro de Estudos Africanos, embora este não fizesse
parte da CEI. Apesar da actuação repressiva da polícia, a CEI contribui activamente, ate á sua
dissolução em 1965, para difundir nas colónias a ideia de independência nacional, para divulgar
informações sobre as colónias a nível mundial, e para fortalecer e consolidar as ideias nacionalistas no
seio da juventude.
Em 1961, um numeroso grupo destes estudantes, frustradas e por fim ameaçadas pela
persistência da acção policial, atravessou clandestinamente a fronteira e dirigiu-se a França e Suíça,
rompendo de forma pública e irreversível com o regime português. E muito desses estabeleceram
contactos com os respectivos movimentos nacionalistas (Frelimo).
As primeiras tentativas para criar, um movimento nacionalista a nível nacional foram feitas pelos
moçambicanos que trabalhavam nos países vizinhos, onde estavam fora do alcance imediato da PIDE.
No início, o velho problema de falta de comunicação levou a criação de três movimentos separados·.
UDENAMO – União Democrático Nacional de Moçambique, formada em 1960 em Salisbury –
Dirigido por Adelino Guambe
MANU – Mozambican African National Union, formada 1961, a partir de vários pequenos grupos
já existentes entre moçambicanos trabalhando no Tanganhica e Quénia, sendo um dos maiores o
Mozambican Makonde Union, dirigido por Matews Mmole
UNAMI – União Africana de Moçambique Independente, fundada por exilados da região de Tete
que viviam no Malawi. Dirigido por Baltazar Chagonga.
O acesso de varias antigas colónias á independência no final dos anos 50 e início de 60
influenciou a formação de movimentos de exilados, e a independência do Tanganhica em 1961, abria
novas perspectivas para Moçambique. Pouco tempo depois, estes três movimentos abriram
escritórios separados em Dar-es-Salam.

Bibliografia
 BELCHOIR, Manuel Dias. Evolução política do ensino em Moçambique. [Sl]: Instituto Superior
de Ciências Sociais e politica ultramarina, 1966. p.645.
 CEA. 1979. O mineiro moçambicano: Um estudo sobre a exportação de mão-de-obra.
Maputo. UEM. (Obra pessoal)
 GASPAR, Napoleão. (2006) “The reduction of Mozambican workers in South África mines,
1975- 1992: a case study of the consequences for Gaza Province- District of Chibuto”.
 GOMEZ, Miguel. Educação moçambicana: história de um processo. Maputo: Livraria
universitária, 1999. p. 65.
 HEDGES, David, CHILUNDO, A., ROCHA, A. et al., 1999, História de Moçambique: Moçambique
no auge do colonialismo, 1930-1961, vol. 2, 2ª ed, Livraria Universitária, Maputo.

71
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

 HISTÓRIA de Moçambique: Educação colonial de 1930-1974. Disponível em


http//www.wikipedia.org. Acessado em 06 mar 2009.
 MODLANE, Eduardo. 1975. Lutar por Moçambique. Maputo. Nosso chão
 NEWITT, Malyn, 1997, História de Moçambique, Publicações Europa-América, Mira-Sintra.
 O ENSINO rudimentar. In: Africana. Lisboa: Revista editada pelo centro de estudos africanos
da Universidade portugaliense. 15 de Setembro de 1987. No 1. p. 50.
 RITA-FERREIRA. António. 1989. A sobrevivência do mais fraco: Moçambique no 3º quartel do
séc. XIX. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical.
 ADAM, Yussuf. 2006. Escapar aos dentes de crocodilo e cair na boca de um leão. Maputo.
Promédia.
 COVANE, Luís António, 1989, As relações económicas entre Moçambique e a África do Sul
(1850 – 1964). Acordos e regulamentos principais, (Estudos 6), Arquivo Histórico de
Moçambique, Maputo.
 COVANE, Luís António, 2001, O trabalho migratório e agricultura no sul de Moçambique
(1920-1992). Promédia, Maputo.

72
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

UNIDADE TEMÁTICA III: LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO


NACIONAL (1962 - 1974)

Introdução

Após a independência de Gana, em 1957, vários movimentos nacionalistas visando a


independência de Moçambique surgiram, embora tenham começado a se camuflar no

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

associativismo na África do Sul, no Brasil, no Tanganyika, Rodésia do Sul, na Niassalândia, e


mesmo em Moçambique.

Primeiro em 2 de Fevereiro, depois em 24/5 de Maio de 1962, desses movimentos


políticos, apenas membros de dois: a União Democrática Nacional de Moçambique
(UDENAMO) de Hlomulo Chitofo (Adelino) Gwambe, Aurélio Jaime Bucuane,28 David
Chambale, Marcelino dos Santos, Lopes Tembe Ndirana, Absalão Baúle, Feliciano
Sangolipinde, João Brito Munguambe, Jaime Mauricio Khamba, Constâncio Stanislau, Calvino
Zaqueu Mahlayeye, Tangazi Makalika Marapende e a mulher, David José de Maurício
Mabunda, Fanuel Guidion Mahluza, Jaime Rivaz Sigaúke, e a União Nacional Africana de
Moçambique (MANU) de Mathew Michinji Mmole, Samly Diankali, Daud Atupali, Lucas
Mahussa, e Lawrence Mallinga Millinga, tomariam a iniciativa de fusão, anunciada à margem
da All Africa Freedom Fighters Conference de 25 de Maio de 1962, no The Kwame Nkrumah
Ideological Institute of Winneba, perto de Accra, uma união mais tarde formalizada em
Tanganyika a 25 de Junho, para formar uma frente comum que recebeu a designação de uma
organização clandestina criada em 1960 (Foto acima), rival do centro associativo dos negros
de Moçambique. Essa organização era conhecida como Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo).

Em 1963, outro grupo, a União Nacional de Moçambique Independente (UNAMI), cujo


presidente, José Baltazar da Costa Chagonga, estava exilado em Tanganica desde 1961,
concordou em se juntar à Frelimo, mas não abandonou sua identidade como partido.
Mondlane admitiu que seria apenas uma afiliada da Frelimo tendo nomeado José Chagonga
para assuntos Sociaisü em 1963 -, provavelmente para evitar um acordo entre a UNAMI e a

28 Cfr. Caramelo, Agostinho. Fabricantes do Inferno. Vila do Conde: Edição do Autor, 1968, p. 119.
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reemergente UDENAMO, o que poderia complicar as já tensas relações verificadas na Frelimo


desde 4 de Outubro de 1962 quando o seu primeiro Secretário-geral, David Mabunda,
abdicou. Segundo o Presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane, a inclusão deste partido seria
benéfica, uma vez que Baltazar Chagonga era um amigo pessoal de Hastings Kamuzu Banda,
então líder do futuro Malawi. Em particular, Banda seria persuadido, por Chagonga, a facilitar
o transporte de armas e recrutamento da Frelimo de Tanganica para Moçambique e vice-
versa por Niassalândia, em troca da sua neutralidade face ao grupo rebelde de Henry
Masauko Blasius Chipembere.

Nesta unidade temática vai se discutir os primórdios do nacionalismo moçambicano, a


criação de um movimento de revindicação da ocupação colonial e consequentemente a luta
armada de libertação nacional. Importa referir que em 1961, aumentou a repressão em todos
os territórios portugueses. As condições externas favoreceram a unidade. A Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas – CONCP – realizada em Casablanca em
1961 e na qual a UDENAMO participou, fez um apelo vigoroso à unidade dos movimentos
nacionalistas contra o colonialismo português. A conferência de todos os movimentos
nacionalistas, convocada pelo presidente do Ghana, Kwame Nkrumah, também apoiou a
formação de frentes unidas, e no Tanganhica, o presidente Nyerere exerceu uma influência
pessoal sobre os movimentos sediados naquele território com vista á sua unificação. Assim
em 25 de Junho 1962 os dois movimentos existentes em Dar-és-Salam materializaram o
desejo iniciado em Ghana formando a Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique – e
iniciaram preparativos para realização de uma conferência em Setembro do mesmo ano que
iria definir os objectivos da Frente e traçar um programa de acção.

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Objectivos

 Perceber a fundação da FRELIMO e os caminhos para o alcance da independência de


Moçambique;
 Identificar os actores envolvidos para a independência de Moçambique;
 Estudar os contornos da luta de libertação e a resposta do governo colonial.

DA FUNDAÇÃO DA MANU À FORMAÇÃO FRELIMO

A União Nacional Africana de Moçambique (MANU) foi formada em 1961 em


Mombasa, Quênia, como resultado de uma coalizão de grupos menores, sendo o mais
importante a União Nacional Africana Makonde. Já em 1956 havia união de produtores (de
algodão e sisal) e refugiados moçambicanos que viviam no Tanganyika. O grupo-chave foi a
"Associação Africana de Moçambique (MAA)" de Dar-es-Salaam, liderada por Matthew

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Mmole. Outro grupo era o "Tanganyika Mozambique Makonde Union (TMMU)" de Zanzibar,
liderado por Ali Madebe, mais tarde com Tiago Mula Mulombe como Presidente, Joaquim
Felix como Vice-Presidente, Thomaz Nyayaula como Secretário, Faustino Vanomba como
Tesoureiro. O terceiro grupo foi a Tanganyika Mozambique Makonde Association (TMMA),
sob a liderança de Kiribite Diwane e mais tarde com Samuly Diankali. Passara a usar a sigla
TMMU apos o seu registo ter sido rejeitado.

Em 1960, a TMMU transformou-se na União Nacional Africana de Moçambique


(MANU) com a oposição do MAA-SAM de Faustino Vanomba. O mesmo aconteceu com os
membros da União Zanzibar Makonde de Moçambique que adotaram a nova designação
passando a ser Z-MANU. A transição de TMMU para a nova MANU deu origem a novas
disputas pela liderança entre Félix Joaquim e Mathews Mmole, que acabou se tornando
presidente com Lawrence Malinga Millinga como secretário-geral. Os meses seguintes foram
marcados por disputas pela adesão entre as duas facções principais de MANU e MAA, com
MANU obtendo mais apoio da TANU e legitimando a sua representação da diáspora
moçambicana em Tanganica, incluindo as Ilhas e o Quénia. Com a independência de
Tanganica em Dezembro de 1961 e a chegada da UDENAMO a Dar es Salaam, a mobilização
política intensificou-se e MANU começou a articular um discurso nacionalista mais interétnico
e unitário disputando a adesão de Moçambique à UDENAMO de Adelino Gwambe. A fase final
da coalizão ocorreu em Janeiro de 1961. Esses grupos consistiam principalmente do grupo
étnico Makonde. Embora fosse fortemente representada pelo povo Makonde, a MANU
também integrou outros grupos étnicos do norte de Moçambique - como o povo Yao, Nyanja
e Makhuwa - que também trabalhavam e viviam em diferentes partes de Tanganica, Zanzibar
e Quénia.

Mais importante, os documentos mostram como MANU articulou um discurso político


que reivindica a unidade nacional. Defendendo a importância da unidade nacional e aceitando
outros grupos étnicos para além dos Makonde, MANU pretendia tornar-se um partido político
representativo de todos os moçambicanos; o seu discurso contra o colonialismo português
era a favor da libertação de Moçambique e não apenas do território Makonde. O Partido
também era favorável à participação das mulheres na luta política, assim como dava grande
importância à educação. Sua visão de libertação, embora ainda imatura, não deve ser
considerada meramente confinada à luta anticolonial; suas propostas previam algum grau de
transformação social e política (Tembe, 2013).

Enquanto MANU buscava a independência por meios pacíficos para conseguir justiça
em Moçambique, a UDENAMO buscava a independência pela força. Enquanto isso, Matthew
M'mole e Lawrence Mallinga Millinga foram para o Movimento de Liberdade Pan-Africano do
Leste e Centro-Africano (Pan-African Freedom Movement of East and Central Africa –
PAFMECA) em Addis Abeba. Em Adis Abeba, eles pediram ao "comitê dos sete da ONU" que
viessem à Tanzânia e discutissem os problemas dos refugiados africanos que lá viviam. Na
Tanzânia, os membros deste comitê da ONU convidaram representantes de MANU e
UDENAMO para lhes dizer o que fariam se Portugal se recusasse a conceder a
independência. Gwambe disse que usaria a via armada como forma de pressionar Portugal a
fim de conquista-la. M'mole disse que iria pressionar por outras formas, como uso de
instituições internacionais. Em 14 de Maio de 1962, M'mole e Millinga (por MANU)
apresentaram uma declaração ao comitê dos sete da ONU, que foi lida diante dos 300
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imigrantes presentes. Para M'mole, a MANU deve ter uma visão que leve Tanganica a
respeitá-la e Moçambique a estar em paz. Eis o teor da carta de M’mole.

[...] Meus amigos, apesar de eu estar tão longe, por causa de muitos assuntos que eu não vou
parar de falar; para isso exponho aqui minhas palavras:

1. O Sr. Gwambe deve lembrar que Independência não é guerra. Pessoas que querem
independência não exigem guerra. O significado de Independência em poucas palavras é, os
proprietários [donos, mwenyewe] devem governar. Imagine só, como as pessoas podem pedir
independência enquanto estão morrendo. MANU quer independência, mas não mortes;

2. Devemos lembrar que o PAFMECA é a União Africana que exige independência, não
podemos pedir apoio em material militar, enquanto exigimos independência. A independência deve
ser solicitada verbalmente e o dinheiro fornecido não deve ser usado para comprar equipamentos
militares. A guerra trará grandes contratempos;

3. Pode ser uma ideia errada se Sua Excelência Kwame Nkrumah prestar ajuda em termos de
material militar, o que será um grande perigo para Moçambique, uma vez que o Gana é membro do
PAFMECA. O PAFMECA não é um sindicato que promove guerras. Se o Sr. Gwambe não consegue
exigir a Independência por meios pacíficos é melhor para ele regressar a Moçambique;

4. Não vejo até hoje a razão pela qual o Sr. Gwambe continua a ficar aqui em Tanganica,
porque ele pode criar as condições para a destruição da África. O que penso junto com os membros
do MANU que não devemos acolher pessoas que contribuem para fomentar a guerra em
Moçambique. Além disso, Tanganica não é uma oficina que cria as condições para uma guerra contra
os portugueses em Moçambique e para destruir a boa unidade entre os africanos.

5. Concluo dizendo que sou de opinião que a Comissão deve submeter este assunto a Sua
Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros [Kambona] com a maior urgência Presidente do
Conselho dos membros da Coordenação para a Liberdade.

M. M. Mmole.

Este documento final reflecte os conflitos e suspeitas que a liderança da MANU tinha
contra Adelino Gwambe, o líder da UDENAMO. Em geral, Julius Nyerere não confiava em
Gwambe, embora tivesse um bom e forte apoio de Kwame Nkrumah e exposição política
internacional. De facto, Gwambe foi expulso de Tanganica e acusado de ser uma pessoa
ingrata que, ao declarar guerra a Portugal a partir de Tanganica, prejudicaria os movimentos
nacionalistas e colocaria em perigo a segurança de Tanganica. Embora Gwambe tenha
tentado mudar a sede da UDENAMO para a Somália, isso nunca aconteceu, devido à oposição
de outros membros seniores da UDENAMO. Os depoimentos acima mostram que MANU não
era a favor da guerra, mas sim de uma luta conduzida por meios não violentos. Não está claro
se MANU manteve essa posição ou se subseqüentemente se afastou dela; mais tarde alguns
ex-membros da MANU parecem ter se juntado à UDENAMO porque ela tinha uma liderança
mais determinada.

Millinga e Mmole disseram que não iriam mandar os portugueses embora porque
queriam um país multiétnico que respeitasse as diferenças. Num Moçambique independente,
M'mole e Millinga queriam que Portugal continuasse a desenvolver o país numa parceria
mutuamente benéfica, enviando professores, enfermeiras, agricultores e profissionais de
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outras áreas de desenvolvimento. Depois que o comitê de sete deixou Tanganica, Gwambe
foi ao governo exigir a unificação dos dois partidos porque diferiam nos métodos para
alcançar a independência. No entanto, Gwambe foi considerado uma ameaça e foi expulso
porque continuou a insistir no uso da força. Sua saída levou com ele os colegas Jaime Rivaz
Sigauke, Tengazi Macalica Marapende, Patrick Maiaze, Aurélio Jaime Bucuane e Anibal
Chilengue para Gana e o Ministro do Interior disse que não poderiam retornar a Tanganica
novamente. No entanto, regressaram ao país em 1962, através da CONCP-Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.

A carta a seguir, do Ministério da Administração Interna de Tanganika, aborda a


questão da oposição entre a MANU e a UDENAMO, justificando a expulsão de Adelino
Gwambe.

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O Caminho da Unificacao
Em 24 de Maio de 1962, o ministro Oscar Salathiel Kambona ligou para M'mole,
presidente da MANU, e Makaba atendeu ao telefone. Ele os convidou para irem ao seu
escritório com Millinga e Asala Madaia. O ministro fez o mesmo com os representantes da
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

UDENAMO repatriados. Gwambe convidou Tengazi, John Mawenda, Daudi Atupari, Frazer
Potani e Paulo Joseph Gumane. Kambona disse que todos os lutadores pela liberdade se
reuniriam, e era bom que pensassem em como ter um único partido para mostrar o que
querem. M'mole pediu tempo, mas Gwambe disse que a decisão tinha que ser tomada
naquele momento.
Enquanto isso, Kambona deixou o assunto para Koinange. O então secretário do
PAFMECA, Peter Mbiyu Koinange, disse que os membros de ambos os partidos políticos
deveriam ser informados sobre a evolução desse desejo. No final do dia, Makaba, Simango,
Gwambe e alguns jornalistas foram ao escritório de Koinange, o homem que estava com o
arquivo em mãos. Ele perguntou se eles aceitariam uma proposta de fusão, como o Ministro
do Interior Oscar Kambona havia dito antes. Gwambe disse que queria a fusão a fim de lutar
e conquistar a independência o mais rápido possível. Ele disse que uma vez alcançada a
independência, os partidos seriam separados novamente se fosse necessário que cada um
seguisse sua ideologia. Simone Aly Makaba, representante da MANU, disse que as duas partes
não estão em posição de decidir devido às profundas diferenças que têm para alcançar a
independência. Ele disse que Gwambe deveria falar abertamente com Mmole como
presidente do movimento, e que ambos deveriam ir a Gana para decidir o caminho a seguir.
Na ausência de Mmole, Gwambe tratou da questão da fusão dos dois partidos com Millinga,
que era o vice-presidente da MANU. Ambos concordaram que os membros restantes seriam
notificados assim que retornassem de Gana. Em 25 de Maio, a imprensa de Tanganhika
anunciou que em breve os dois movimentos se uniriam. Membros influentes de ambos os
lados ficaram indignados por não terem sido consultados e tomarem conhecimento disso pela
imprensa. No entanto, eles esperaram pelo resultado da conferência de Accra. No mesmo
dia, membros da UDENAMO como Adelino Gwambe, John Mawenda, Paulo Gumane e David
Mabunda foram para Accra. No dia seguinte, membros do MANU como Mathew M'mole,
Lowrence Mallinga Millinga, Assala Madaia, Nhoca e Magdalene Jacob também foram para
Accra. As despesas de viagem e estadia foram pagas pelo presidente de Gana, Kwame
Nkrumah (1909-1972).

A chegada de Mondlane
Marcelino dos Santos, que se articulava com Mondlane sobre a altura certa para
chegar a Dar-es-Salaam, assim que soube da viagem dos representantes dos dois partidos,
comunicou a Mondlane com cujas relações e ideias de independência vinham compartilhado
desde 1950. Veja a nota abaixo, escrita por Mondlane em 1965, recapitulando o que
acontecera 15 anos antes. Trata-se de Bilhete manuscrito de Eduardo (Mondlane) para Mário
Pinto de Andrade, trocado (presumivelmente) durante a II Conferência da CONCP, em Dar-Es-
Salam. Satisfação por continuarem juntos na luta (Mário de Andrade, Marcelino dos Santos,
Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Eduardo Mondlane), como nos anos 1950.

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O documento abaixo serviu-nos para conferir a autenticidade da assinatura de


Eduardo Mondlane. Trata-se de uma carta de Mondlane ao pai de Joaquim Chissano em
resposta a carta que este a ele tinha escrito, em 1954.

Enquanto os dois grupos estavam em Gana, Mondlane se viu indo ao escritório de


MANU e dizendo a Makaba que queria fundir os dois partidos. Existem muitos versos sobre a
chegada de Mondlane e a sua entrada na liderança da FRELIMO. Alguns dizem que em uma

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

guerra contra Khrumah pela hegemonia da África ao Sul, tudo foi feito por Julius
Nyerere. Nyerere se reuniu com Mondlane nas Nações Unidas como representante do comitê
de descolonização e sugeriu que ele voltasse para casa para salvar seu país, porque os vários
grupos nacionalistas que viviam em Tanganica não se entendiam. Outros dizem que foi
convidado por Marcelino dos Santos, de quem Mondlane era amigo de longa data. Ao mesmo
tempo que mantinha contacto com Marcelino dos Santos Mondlane, recebeu informação de
Chagonga, que o informou do que se passava em Tanganica. Por isso mesmo sabendo que a
Frelimo era fruto de dois movimentos, acabou por incluir um terceiro movimento que, nas
suas palavras, seria expressivo. Na verdade, foi Mondlane quem inventou a história de que a
Frelimo era fruto de três movimentos mas que no início não sabia qual era o terceiro. Para
ele, na sua missiva secreta enviada à União Africana em 1963, “havia três principais partidos
políticos que se encontravam no exílio e que estiveram directamente envolvidos na
negociação que culminou na constituição da FRELIMO, a saber: União Nacional Africana de
Moçambique (MANU), A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) e um
grupo pequeno mas significativo com sede na Niassalândia. Veja a nota abaixo.

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Entretanto, os primeiros documentos oficiais da FRELIMO não deixavam dúvidas porque na


sua margem esquerda aparecia sempre a origem da Frelimo como tendo partido da fusão de
dois partidos. Acresce que, na primeira composição de membros da Frelimo, não está
presente nenhum membro da UNAMI, o que demonstra que este partido não esteve presente
no grupo dos fundadores. A inclusão da UNAMI acontecerá em 1963, quando seu presidente
será nomeado para dirigir os assuntos sociais.

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Marcelino dos Santos era presidente da CONCP, com sede em Rabat-Marrocos. Em


1961, a pedido de Mondlane, Marcelino dos Santos visitou a Tanzânia e fez uma breve
declaração. Ele explorou em qual dos partidos existentes os dois poderiam ingressar. Sua
conclusão foi que deveria ser UDENAMO, onde supostamente havia mais gente do sul. A
terceira versão diz que Mondlane foi convidado por membros da UDENAMO pertencentes à

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sua tribo. Fanuel Gideon Mahluza disse que convidou Mondlane para vir e dirigir a
guerra. Leia-se o artigo do Savana mais adiante em A mentira não faz História de uma Nação.
Entre 23 á 28 de Setembro de 1962 realizou-se I Congresso da FRELIMO, em Dar es
Salaam na Tanzânia. Foram definidos os objectivos do movimento:

 Desenvolvimento e consolidação da estrutura da organização da FRELIMO


 Desenvolvimento da unidade entre os moçambicanos
 Utilização máxima das energias e faculdades de cada um e de todos os membros da FRELIMO
 Promover a formação acelerada de quadros
 Empregar todos esforços para promover o acesso rápido de Moçambique á independência
 Promover por todos os meios o desenvolvimento social e cultural da mulher moçambicana
 Promover desde já a alfabetização do povo moçambicano, criando escolas onde for possível
 Encorajar e apoiar a formação e consolidação das organizações sindicais, de estudantes, da
juventude e das mulheres
 Cooperação com organizações nacionalistas africanas e com movimentos nacionalistas de
todos os países
 Obtenção de fundos e meios junto das organizações internacionais para autodefesa para
manter e desenvolver a resistência do povo moçambicano
 Obtenção de ajuda diplomática, moral e material para a causa do povo moçambicano junto
dos estados africanos e de todos os estados amantes da paz e liberdade

Estes objectivos podiam ser resumidos em: consolidação e mobilização; preparação para a
guerra; educação e diplomacia. Mas certamente foram discutidos dois (2) pontos principais:

 A questão da unidade
 A luta pela independência nacional

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Necessidade da luta armada

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Tal como Gwambe estivera, a FRELIMO, estava convencida na altura do I Congresso que
qualquer tentativa para o alcance da independência por meios pacíficos redundaria num
fracasso por vários motivos que logo a seguir apresentaremos. (Mondlane 1995: 102-106)
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

 Dentro de Portugal, o governo nunca promoveu nem o desenvolvimento económico


sólido nem o bem-estar social, e gozava muito pouco respeito internacional e a posse das
colónias ajudou a camuflar estes fracassos: as colónias contribuíam para a economia;
aumentar o prestígio de Portugal, particularmente no mundo das finanças, o governo colonial
sabia que teria grandes prejuízos se perdesse as colónias;
 Na tentativa pacífica de exigir a autodeterminação pelos vários grupos nacionalistas
os esforços nunca foram recompensados com qualquer espécie de diálogo. A única reacção
foi a prisão, a censura e o fortalecimento da PIDE, a polícia secreta. O carácter da PIDE era em
si mesmo um factor importante. Tinha uma forte tradição de violência, os seus membros eram
treinados pela Gestapo e gozavam de uma considerável autonomia, que lhes permitia agir á
margem da lei.
 Esta a razão por que a actividade política em Moçambique teve de recorrer às técnicas
da acção clandestina, do segredo e do exílio;
 Desde 1961, a maior parte das potências ocidentais, incluindo Estados Unidos, não
apoiavam as resoluções das Nações Unidas que pressionassem Portugal a conceder o direito
de autodeterminação aos povos dos seus territórios não autónomos.

Em 1961, duas conclusões eram evidentes. Em primeiro lugar, Portugal não admitiria
nunca o princípio de autodeterminação e independência, nem permitiria qualquer
desenvolvimento democrático sob a sua administração, embora fosse claro nessa altura que
as próprias soluções “portuguesas” para a condição de oprimidos, tais como a assimilação
através de colonatos multirraciais, escolas multirraciais, eleições locais, tivessem provado ser
uma fraude sem sentido. Em segundo lugar a acção política moderada como as greves,
manifestações e petições, trariam como único resultado a destruição dos que nela tomassem
parte. Restavam apenas duas alternativas: continuar indefinivelmente a viver debaixo de um
regime imperial repreensivo ou encontrar uma forma de empregar a força contra Portugal
que fosse suficientemente eficaz para prejudicar Portugal sem provocar a nossa própria ruína.
(Mondlane 1995: 102-106)

Janeiro de 1963 - Segue para a Argélia o primeiro grupo de moçambicanos, chefiado


por Filipe Samuel Magaia (Secretário da Defesa e Segurança), destinado a receber treino
militar.

Os Primeiros Antigos Combatentes Colectivos ·

O regime colonial tinha identificado alguns homens tidos como «entusiastas da guerra»: Uria
T. Simango, Marcelino dos Santos, Leo Milas e Filipe Magaia. Foram estes que se esforçaram
a incutir nos restantes nacionalistas a ideia de uma luta armada. Há informações de que antes
da primeira leva (Janeiro de 1963), pequenos grupos iam para diversos países onde faziam
treinos militares, sem causar alarme para o regime colonial, embora soubesse destas
movimentações. «Todavia, quando a seguir a partida para o Cairo de um dos últimos
pequenos grupos (Dezembro de 1962), se anunciou a futura ida de contingentes em massa,
convenceram-se muitos de que afinal se não tratava já de brincadeiras, para alimentar o fogo
sagrado da propaganda e da política, mas sim de coisa a sério». A Constituição do Primeiro
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Grupo da Frelimo que recebeu Treino Militar na Argélia (Janeiro - Julho de 1963) era composta
por 50 indivíduos dos quais 37 (74%) instruendos de Cabo Delgado; 7 (14%) de Gaza, 3 (6%)
de Sofala e igual número de Maputo. Dos 50 instruendos, foi retido um grupo dos primeiros
quinze da lista abaixo, a fim de se especializar em transmissões e muito especialmente em
rádio-comunicações. Os 35 seguiram para o aeroporto, aonde tomaram o avião «Comet» da
East African Airways, fretado pela Frelimo e que fez percurso Argel-Nairobi na noite de 14
para 15 de Julho de 1963. Este mesmo avião no percurso de regresso conduziu o segundo
grupo da Frelimo que foi treinar na Argélia, composto de 70 indivíduos (na realidade 68) que
não teve contacto com os do primeiro grupo.

Eis a lista completa do grupo

Constituição do Primeiro Grupo da Frelimo que recebeu Treino na Argélia (Janeiro - Julho de
1963): Nome e Proveniência

1. Albino Estevão Anapyaila (Cabo Delgado)

2. Albino Tomas Macavaca (Cabo Delgado

3. Bartolomeu Carlos Mbalica (Cabo Delgado)

4. Feliciano Gundana (Sofala)

5. Jacinto Sithole (Sofala)

6. Jonas Rodrigues Chale (Gaza)

7. João Eugênio Mchocho Ncuemba (Cabo Delgado)

8. Ludovico Gaspar Tukawula (Cabo Delgado)

9. Luis Anastácio Nobre Chilambo (Cabo Delgado)

10. Lourenço Matola (Maputo)

11. Mário Fernando Navilani (Cabo Delgado)

12. Miguel Niquenti Sakoma (Cabo Delgado)

13. Milagre Mabote (Gaza)

14. Pedro Joaquim Sibindi (Sofala)

15 Rafael José Pedro Mwakala (Cabo Delgado)

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16. Ali Juma (Cabo Delgado)

17. Andre Mputa Walikalala Kulomba (Cabo Delgado)

18. Antonio Chalalangasi Chapasa (Cabo Delgado)

19. Baculu Simoni (Cabo Delgado)

20. Bombarda Tembe (Cabo Delgado)

21. Cartase Caetano Cumaco (Cabo Delgado)

22. Cassiano Alato Nchawya (Cabo Delgado)

23. Cristiano Pavão Damião Kunanengo (Cabo Delgado)

24. Cristovão Tiago Mula (Cabo Delgado)

25. Fernando Vasconcelos Mucavele (Gaza)

26. Francisco Ludovico (Cabo Delgado)

27. Frederico Antonio Almeida (Cabo Delgado)

28. Gabriel Simeão Zandamela (Gaza)

29. Hamisi Mohamed Ali (Cabo Delgado)

30. Henrique Mandlati (Gaza)

31. Hilario Candido Nekamwene Kwalembo (Cabo Delgado)

32. Ibrahimi Abdullah (Maputo)

33. Ibrahim Bakali (Cabo Delgado)

34. Jameson Said (Cabo Delgado)

35. João Alexandre Madunga (Cabo Delgado)

36. José Covane (Gaza)

37. José Frenando Napulula (Cabo Delgado)

38. Jose Kaindi Jacob (Cabo Delgado)

39. Lucas Elias Tiago (Cabo Delgado)

40. Luis Assiam Cassiano (Cabo Delgado)

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

41. Manuel Nagogo (Cabo Delgado)

42. Mateus Chipanda Mtabuliwa (Cabo Delgado)

43. Mulia Cristovão (Cabo Delgado)

44. Omari Sultan Maulana (Cabo Delgado)

45. Oreste Basilio Kalulu (Cabo Delgado)

46. Oreste Juliao Nandanga Changala (Cabo Delgado)

47. Tadeo Pascoal Muidumbe (Cabo Delgado)

48. Valentino Mtumwa Sakusasa (Cabo Delgado)

49. Vasco Musketo Matabele (Gaza)

50. Zacarias Halawe Twalibu (Cabo Delgado)

Veja o resto em http://repensand.blogspot.com.tr/…/primeiro-grupo-da-frelim

1964- Outro grupo de combatentes foi enviado para a Academia Militar de Naquim, na
China, destacando-se Paulo Samuel Kankhomba, Sebastião Marcos Mabote, José Moiane,
José Macamo, etc;

 Há outras acções de treino no Egipto e Israel;


 Começam a instalar-se campos de treino na Tanzânia, por ex: Bagamoyo, Songeia,
Nachinwgea, etc;

Assim que os primeiros grupos passaram pelos rigorosos treinos adicionais em


Bagamoyo regressaram secretamente a Moçambique, preparados para acção e para treinar
outros jovens. Em Maio de 1964 já estavam sendo introduzidas armas e reservas de munições
em Moçambique.

CONTRADIÇÕES NA LUTA DE LIBERTAÇÃO

A história oficial diz que foi nestes campos que começaram a surgir acusações de que
as elites da FRELIMO eram constituídas por elementos de Mueda e do Sul, acentuando as
diferenças culturais e linguísticas.

Nos primeiros dois anos da FRELIMO, depois do 1.º congresso, é claro, a luta vai
desenvolver-se entre, por um lado, um grupo de patriotas que lutou pela implementação das
medidas adoptadas, bem como por uma ligação mais íntima com as massas e, por outro lado,
a velha guarda dos políticos das organizações regionais, agindo com base em pequenas
intrigas e calúnias, mas cujo prestígio foi cada vez mais fragilizado pela falta de ligação
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

popular, pela prática da desvio de fundos, ambição e até mesmo colaboração com a PIDE.
Muitos deles se dedicavam a atacar a FRELIMO formando partidos sem programa ou base
popular.

Neste caso, temos a formação de várias organizações separatistas dentro da própria


FRELIMO. COSERU (Comitê Secreto de Restauração de UDENAMO) apareceu no início, o que
deu origem ao novo partido UDENAMO. Além disso, surgiu uma nova UNAMI, surgiu uma
nova MANU, os indivíduos que formavam esses grupos eram quase os mesmos. Depois, em
1964, formou-se um grupo denominado MORECO que mais tarde se tornou COREMO e sofreu
quase imediatamente novas perturbações, à medida que o presidente, o secretário-geral e o
secretário plenipotenciário se expulsavam. Estes movimentos separatistas não eram
suficientemente sérios para poderem interferir no trabalho no interior de Moçambique, uma
vez que a maioria deles não tinha mais do que um escritório e um pequeno grupo de apoio
constituído por exilados.

Operação nó Górdio e a Resposta da Frelimo

O período de 1964 - 1968 há uma profunda modificação na parte portuguesa que é a


substituição de Salazar por Marcelo Caetano do cargo de presidente do Conselho em 1968;
Há também uma grande modificação na forma do Estado colonial dirigir a Guerra porque até
1968 a guerra era dirigida de uma forma centralizada, a partir de Lisboa; Em Moçambique foi
mudado o General Augusto dos Santos por Kaúlza de Arriaga, em 1970; Portugal procura
desenvolver uma estratégia de contra guerrilha.

Ao mesmo tempo que o Comité Central nomeava Samora Machel e Marcelino dos Santos
respectivamente presidente e vice-presidente, o exército colonial desencadeou uma das
maiores operações militares do exército português na guerra colonial.

A essa operação, que teve lugar em Cabo Delgado, Kaulza de Arriaga deu o nome de Nó
Górdio, ao preparar esta operação militar Arriaga pretendia de um golpe só e de uma vez por
todas acabar com aquilo a que chamava guerra subversiva. Importa referir que Kaulza de
Arriaga tomou posse como comandante de Moçambique em 31 de Março de 1970.

A área escolhida para o desencadeamento da operação foi Cabo Delgado. A razão de ser desta
escolha segundo Kaulza de Arriaga é que a situação militar tinha certa gravidade,
caracterizando-se por grande liberdade de acção da FRELIMO, na travessia da fronteira do
Rovuma, pelas suas bases estarem enraizadas no terreno, bem organizadas e com guarnições
numerosas e pelo facto de ter sido lançada uma ofensiva da FRELIMO de progressão para sul,
com paralela paralisação das forças portuguesas através de uma utilização maciça de minas.

Na verdade a operação Nó Górdio não foi uma ofensiva do exército colonial, mas uma contra-
ofensiva que pretendia acabar com o avanço militar da FRELIMO, conduzido por Samora
Machel, após a resolução da crise.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Do ponto de vista dos generais do comando do Estado-Maior da 4ª Região Militar colonial,


era necessário deter a ofensiva da FRELIMO em alguns aspectos particulares. O mais
importante era constituído pela ligação entre os guerrilheiros e a população.

 O progresso da guerrilha da FRELIMO dependia essencialmente da sua ligação estreita com a


participação popular.
 O segundo aspecto que motivou a preparação da Operação Nó Górdio foi a grande mobilidade
da FRELIMO e sua ofensiva em direcção ao sul. A tropa colonial, em algumas zonas, estava
praticamente cercada nos quartéis e mesmo as deslocações dos aviões estavam a tornar-se
extremamente difíceis. Na perspectiva portuguesa, a contra-ofensiva deveria detectar e
destruir as bases, por um lado, e por outro cortar as linhas de abastecimento de armamento
para os combatentes.
Quando Lazaro Nkavandame e alguns desertores se entregaram ao governo colonial
informaram a localização das bases da FRELIMO e disseram que estas tinham sérios
problemas devido a falta de munições e de explosivos. A conjugação das informações
prestadas pelos traidores com a necessidade colonial de impedir a ligação guerrilheiro-povo,
assim como a inserção da FRELIMO em zonas operacionais avançadas de cabo delgado, além
do desenvolvimento da organização social e económica das zonas libertadas, determinaram
a preparação da contra-ofensiva.

Existiram também outras questões de ordem interna do exército português que contribuíram
para realização da contra-ofensiva. Entre elas, o sentimento de guerra morna que se vivia nas
zonas de guerra, onde os soldados se limitavam a controlar as vias de acesso e
reabastecimento aos quartéis da periferia, recuando sempre que não conseguiam manter a
posição. Um outro aspecto era o desinteresse do governo português em Lisboa face á guerra
em Moçambique, pois Lisboa era vítima da sua própria propaganda e acreditava que a guerra
estava sobe controlo do exército colonial. Um último relaciona-se com a população
portuguesa das cidades de Lourenço Marques e Beira, que não conhecia nem se preocupava
em conhecer a guerra, o que fazia com que o exército português se sentisse estrangeiro,
sobretudo entre os portugueses das duas maiores cidades de Moçambique.

É nesse quadro militar e politico que os estado-militar da 4ª Região colonial traçou os


objectivos da Operação Nó Górdio.

 O primeiro objectivo consistia em desorganizar a vida da população das zonas libertadas


forçando-a a adoptar uma vida nómada através da destruição das machambas e não
permitindo a fixação à terra, necessária para actividade produtiva agrícola.
 O segundo objectivo consistia no emprego do terrorismo para obrigar a população a capitular
e a aceitar a entrada nos aldeamentos ou o exílio, impedindo assim que ela apoiasse os
combatentes.
 O terceiro objectivos consistia na ocupação da fronteira de forma a cortar as linhas de
reabastecimento vindas do exterior.
 Por último, pretendia o exército colonial compelir os combatentes a aceitar um confronto
directo, com as forças portuguesas concentradas e melhor equipadas de forma a aniquilar
mais rapidamente a FRELIMO.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Fases da operação

Primeira fase

A primeira fase da operação centrou-se no Primeiro Sector de operações da FRELIMO. Foram


concentradas tropas hilitransportadas entre Mueda e Mocimboa do Rovuma e formou-se um
pequeno posto de comando móvel para facilitar a infiltração na Base Beira ao mesmo tempo
que eram Bulldozers para abrir uma picada em direcção aquela base. Nos últimos dias de
Maio e primeiros de Junho de 1970 durante cerca de oito dias os aviões bombardearam sem
cessar a área da Base Beira. No dia 10 de Junho, centenas de soldados portugueses
transportados em oito helicópteros, sob protecção de caças a jacto, cobriam toda região em
redor a Base Beira, mas não encontraram nada nem ninguém.

Da Base Beira, as tropas portuguesas seguiram para Base Limpopo onde novamente não
encontraram nem guerrilheiros nem material. Ali também destruíram tudo o que existia:
habitações, escola, hospital e machambas. A ocupação foi melhor preparada neste caso,
tendo o exercito colonial organizado uma linha de defesa em redor da base, como forma de
prevenção do cerco já preparado pela FRELIMO. Como o combate frontal, nestas condições,
não era favorável aos guerrilheiros, estes optaram pelas emboscadas e ataques as colunas de
tropas coloniais que faziam a ligação entre estas duas bases, entre Mocimboa do Rovuma e a
Base Limpopo e, ainda, na estrada Mueda-Sikalanga, de forma a impedir a vinda de reforço
por terra. Ao mesmo tempo, por diversas vezes o posto móvel do comando do exército
colonial foi atacado e obrigado a deslocar-se constantemente, dificultando-se assim o seu
controlo sobre as operações.

Segunda fase

A segunda fase da operação foi orientada para o Segundo Sector da actuação da FRELIMO.
Basicamente foi utilizado o mesmo método: bombardeamento intenso durante mais de uma
semana, desembarque de tropas helitransportadas protegidas por caças a Jacto e
bombardeiros. Nesta fase que teve início no dia 20 de Junho de 1970, a táctica da operação
foi melhorada e houve maior concentração de esforços dos portugueses na abertura de
picadas assim como maior utilização das forças de artilharia.

Após o bombardeamento, as forças de infantaria avançaram de 500 em 500 metros. Ao


contrário do que aconteceu na Base da Beira e Base de Limpopo, o cerco dos guerrilheiros
não se pôde efectuar com a mesma facilidade, dadas as condições geográficas do terreno e a
rapidez com que decorreu o ataque. Os combatentes tiveram que recuar para zonas mais
afastadas, a fim de organizar a reocupação. Os soldados portugueses, por seu turno, passaram
ao ataque das aldeias, onde se preocuparam fundamentalmente com a destruição das
machambas e dos silos, com o fim de provocar a fome e obrigar a população a capitular.

Toda a campanha de carácter militar era acompanhada de uma intensa campanha de


propaganda. Os aviões e helicópteros lançavam centenas de milhares de panfletos onde
apelavam a população para se entregar em aldeamentos. Paralelamente eram transmitidos
de dia e de noite programas especiais de rádio através de altifalantes montados em aviões.

101
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Desta forma com o decorrer da operação o exército colonial tinha conseguido destruir a
actividade produtiva da população e obrigaram a deslocar-se das suas zonas. Usaram o
terrorismo contra a população e reforçaram significativamente o seu controlo sobre o rio
Rovuma.

Contudo em termos estratégicos, dois objectivos principais que eram concentrar a população
nos aldeamentos ou faze-las fugir para a Tanzânia e aniquilar os combatentes num confronto
directo não foram alcançados. A população, ao contrário do que acontecera em Setembro de
1964, altura que em 10 dias chegaram 15 mil refugiados à Tanzânia, manteve-se agora nas
zonas libertadas sob direcção da FRELIMO, apesar de o inimigo ter atacado com muito mais
material e homens do que então. Os combatentes por seu turno, não aceitaram o confronto
directo e fizeram uma retirada estratégica, medida planificada por um exercício que deve
fazer face a um adversário de força superior, cuja ofensiva o primeiro não é capaz de romper
de imediato e que tem como fim preservar as próprias forças e esperar o momento oportuno
para passar à ofensiva.

A PREPARAÇÃO DA CONTRA - OFENSIVA DA FRELIMO

A partir de fins de Junho a guerra era estratégica. O exército colonial interessava manter as
suas posições no interior das zonas libertadas e persuadir, pelo terrorismo e pela propaganda,
a população a abandonar as áreas sob controlo da FRELIMO. Para esta por seu turno, era
importante passar à contraofensiva.

Portanto a FRELIMO através do Estado-Maior das Forças Populares de Libertação de


Moçambique, dirigida por Samora Machel elaborou um plano com os baseados em seguintes
premissas:

Em primeiro lugar, o inimigo contribui para a mobilização da população; quando os


camponeses viram as suas machambas, escolas e hospitais, em vias de se perderem quando
viram o trabalho de vários anos na eminência de ser destruído e sua liberdade, uma vez mais
em vias de ser cortadas, pediram armas para defender as suas conquistas e acabar com
inimigo através de cercos, emboscadas. Trabalho conjunto entre as populações e os
combatentes.

Em segundo lugar, o exercício colonial estava interessado em capitular ou forçar a fugir o


maior número de camponeses, ou seja, tinha todo o interesse em concentrar a população em
pontos fixos. A resposta da FRELIMO consistiu na divisão da população em pequenos grupos
que se deveriam espalhar pelas zonas libertadas de forma a dispersar o ataque e a
enfraquecer o exército colonial. Por último, a FRELIMO, mandou deslocar as populações dos
pontos de abastecimento de água, para dar entender ao inimigo que existiam outras fontes
que eles desconheciam.

Estes três aspectos, participação activa da população, disseminação de pequenos grupos de


guerrilheiros e população, e abandono dos pontos de água conhecidos do inimigo, implicaram
um conhecimento profundo da geografia do terreno e um reconhecimento exacto de quando
devia iniciar e terminar a retirada.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A FRELIMO, passou então a contraofensiva obrigando o inimigo a defender-se e expulsando-


o não só das zonas libertadas mas também de muitos dos aquartelamentos que até então
ocupava nas zonas de Cabo Delgado e acompanhadas de ofensivas de Niassa e Tete.

Eram estes os princípios da guerrilha: continuar a guerra de movimento, ou seja encarar as


retiradas como estratégicas e não manter posições no terreno na ausência de condições para
confrontar o inimigo mais numeroso e poderoso; tomar decisões rápidas em qualquer acção
militar, utilizando a táctica do cerco e movimento torneante. Escolhendo posições boas no
terreno e golpeando o inimigo em marcha ou quando estacionado, mas ainda sem ter tido
tempo para consolidar a sua posição; e usar as forças numa serie de pequenas campanhas
isoladas de cerco e aniquilamento do inimigo que era a Operação Nó Górdio. A linha FRELIMO,
com base nestes princípios, definiu algumas linhas a serem seguidas na contraofensiva.

 A primeira linha referia-se à elevação do nível político dos camponeses, dos combatentes e
dos quadros, de forma e incrementar a sua capacidade organizacional, determinação e
iniciativa criadora.
 A segunda estava relacionada com um dos objectivos do inimigo que era destruir a actividade
produtiva. A FRELIMO determinou que se mantivesse o processo de produção, houve zonas
onde a população, aproveitando da terra lavrada pelas máquinas do exército colonial, que
procuravam abrir picadas lançou a semente.
 Na terceira linha preconiza a distribuição de maior quantidade de armamento possível pela
população, com o fim de reforçar a sua capacidade de defesa do inimigo;
 Na quarta linha de orientação estipulava-se a dispersão das forças da FRELIMO, de maneira a
não deixar rasto, tomando ao mesmo tempo vantagem do rasto deixado pelo inimigo;
 A última linha definia a intensificação das operações atrás e no interior das linhas do inimigo,
para a forçar a lutar no terreno escolhido pelos combatentes e para lhes cortar o
reabastecimento.

Com a contra-ofensiva em Cabo Delgado e as fases subsequentes da ofensivas da FRELIMO


em Niassa e Tete, a operação No Gordio revelou-se ter sido um fracasso, e a partir de 1971
passou a defensiva, tendo perdido por completo o controlo de guerra.

Para fechar: Leia a entrevista abaixo

SAVANA Maputo, Sexta-feira, 20.10.00, Ano VI Nº 353 - Editor: Salomão Moyana

Fanuel Guidion Mahluza, o homem que deu o nome “FRELIMO” ao movimento de libertação
de Moçambique
Tema da semana

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

“A mentira não faz História de uma Nação” Fanuel Guidion Mahluza, o homem que deu o
nome “FRELIMO” ao movimento de libertação de Moçambique

Por Salomão Moyana

O cidadão que aqui vou entrevistar é natural de Lhovukazi, distrito de Xai-Xai, província
de Gaza. Tem 68 anos de idade, dos quais 40 foram passados fora de Moçambique, onde
pertenceu a diversos movimentos de libertação nacional. Foi um dos fundadores e vice-
presidente da UDENAMO, em 1960 em Bulawayo, foi a pessoa que sugeriu o nome “FRELIMO”
ao movimento resultante da união entre UDENAMO e MANU, em 1962 em Acra, e foi adjunto
de Marcelino dos Santos na chefia das Relações Exteriores da Frelimo, em Dar-es-Salaam, em
Junho de 1962, foi secretário da Defesa do COREMO e foi secretário de Relações Exteriores da
Renamo, já nos anos 80. Esteve em várias cadeias, incluindo na de Moçambique “D”, em Cabo
Delgado, onde diversos compatriotas nossos foram executados nos anos 70 e 80.

Hoje, ele é um simples cidadão que nem casa tem para albergar a sua família, apesar de a sua
cabeça transportar muita informação sobre a história deste País. As autoridades deste País
são sempre assim: São capazes de dar casa a quem complicou a vida do País e negar a
habitação a quem criou condições para a libertação nacional.
Trata-se de um homem que faz muitas revelações curiosas e tem posições firmes sobre factos
históricos destorcidos e que se dão “por toma lá dá cá” ao consumo público nacional e
internacional.
“Dizem que Eduardo Mondlane é que uniu os três movimentos antes da fundação da FRELIMO,
o que é mentira. Eduardo Mondlane foi convidado por nós para vir a Dar-es-Salaam
testemunhar a integração dos três movimentos de libertação, pois já tínhamos fundado a
FRELIMO. Eduardo Mondlane não é o fundador da FRELIMO, ele é o primeiro presidente da
FRELIMO”.
Diz ainda que Urias Simango nunca foi reaccionário, apenas foi vítima da “demagogia dos
tsongas” que nunca aceitaram que um ndau os governasse por causa de contradições
históricas existentes entre esses dois grupos filhos de Soshangane. Sobre essas questões,
apenas na próxima edição é que vamos desenvolver, isto é, vamos contar como é que os dois
filhos de Soshangane, Ndawe e Tsonga, se conflituaram até criar um complexo histórico entre
tsongas e ndaus, que perdura até hoje.
Conversar com Fanuel Guidion Mahluza equivale a abrir um livro que nunca mais acaba sobre
a história nacional. Nós fizemos mais de 16 horas de conversa com ele e gravámos meia dúzia
de cassetes sobre o que ele sabe de Moçambique.
Excertos da conversa gravada:

Senhor Fanuel Mahluza, você é considerado por muitos moçambicanos um dos pioneiros da
revolução moçambicana e conhecedor da sua História. Conte-nos lá como é que tudo
começou até à fundação da Frelimo..
- Os moçambicanos encontraram-se na Rodésia. Cada qual fugiu para lá pelos próprios
meios e pela sua vez. Eu, como Mahluza, fugi por minha vez e nem sabia de que havia
moçambicanos lá. Fugi no dia10 de Junho de 1960, dia de Portugal e Dia de Camões.
Eu fui ajudado por um primo meu que era chefe da estação dos Caminhos-de-ferro de
Mapai, de nome Gomes Tchambale. Foi em casa de quem fiquei durante uns dois dias.
104
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Ele tinha um seu amigo na fronteira, a quem me manda ter com ele munido de uma carta,
facto que permitiu que no dia 10 de Junho ele me fizesse atravessar em segurança a
fronteira.
É verdade que nessa altura as coisas não eram ainda assim tão complicadas, mas o certo é
que ninguém podia atravessar a fronteira assim de qualquer maneira.
Então, atravessada a fronteira, chego em Bulawayo para onde viajei de comboio. Quando
cheguei a Bulawayo levava comigo uma carta para Calvino Zaqueu Mahlayeye que é meu
familiar e também família de Gomes Tchambale. Então, Zaqueu recebe-me e me hospeda
em sua casa.
Acontece que um ou dois meses depois de chegar a Bulawayo eclode uma greve na Rodésia
dos africanos pertencentes ao partido de Joshua Nkomo. E nós, como jovens, entrámos sem
convite de ninguém nessa coisa da greve dos zimbabweanos. Andámos a lançar pedras aos
carros do governo, dos brancos, etc..
Fundação da UDENAMO em Bulawayo
E uma semana depois desse acontecimento, houve um comício onde nós os moçambicanos
começámos a ver o branco a ser insultado e convidado a ir embora para a sua terra e deixar
a terra dos negros para ser por estes governada.
E começámos a entender que afinal o branco também pode ser insultado e ainda por cima
por homens negros.
E isso fez-nos começar a pensar na nossa terra, Moçambique.
Um mês depois viria a conhecer Adelino Chitofo Guambe, moçambicano natural de
Massinga, província de Inhambane, que vivia em Bulawayo. Ele estava acompanhado de
Aurélio Bucuane, outro compatriota nosso.
Então, estes dois, por causa do facto de todos os moçambicanos que tinham assistido ao
comício terem passado a conversar abertamente sobre a situação no país, chamaram-nos a
todos para nos reunirmos com eles.
No primeiro encontro estivemos a falar de coisas banais que aconteciam no País, tomando
coca-cola e depois disso nos separámos. Passados dois meses, voltámos a ser convidados
para um segundo encontro.
Nesse segundo encontro começava a se notar a mudança de atmosfera e algo parecia estar
a tomar forma, embora houvesse ainda algo no ar porque não sabíamos quem era quem
naquele encontro. Se de entre nós haviam homens honestos ou não, pois a PIDE estava
infiltrada no seio dos moçambicanos na Rodésia.
Então, um moçambicano de nome Lourenço Matsolo levanta-se nesse segundo encontro e
diz: “meus amigos, estivemos há dois meses no primeiro encontro e agora estamos a ter o
segundo, mas não vejo nada de concreto”.
Era um fulano muito agressivo que parecia ser impaciente e que queria coisas concretas em
pouco tempo.
E ele pergunta se os dois encontros teriam alguma coisa a ver com a formação de um
partido político.
Naturalmente, os nossos hospedeiros ficaram intrigados e começaram a olharem-se um ao
outro e Adelino Guambe levanta-se e diz: “ sim, estes dois encontros têm a ver com a
formação de um partido político”.
Os nossos hospedeiros eram todos iguais, mas Aurélio Bucuane era um indivíduo que tinha
o 2º Ano do Alvor, feito na Manhiça. Por isso, era um indivíduo que falava melhor português
do que Adelino Guambe, que tinha apenas a 4ª classe do ensino primário. Mas, mesmo

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

assim, Guambe era um indivíduo com quem se podia contar. Quanto a mim, nessa altura eu
tinha o 4º Ano mal feito do ensino técnico que compreendia a Escola Industrial e Comercial.
Bucuane, porque se considerava muito instruído, era muito orgulhoso. Até eu que tinha o 4º
Ano do ensino técnico, não passava por nada diante do nosso amigo Bucuane.
Mas, como tenho o complexo de igualdade, deixava-me calar quando ele assim se
pavoneava, mesmo embora sabendo que eu tinha mais instrução e mais informação e
formação que ele.
Repare que qualquer pessoa que aparecia diante de Bucuane ele tratava de chamá-lo de
analfabeto. Falava o português dos Lusíadas feitos no Alvor, na Manhiça.
Todavia, Guambe não tinha muita instrução. Tinha apenas a 4ª classe. Mas penso que tinha
o complexo de igualdade, pelo menos pela maneira como se comportava perante outros
homens. E acima de tudo, apesar da sua 4ª classe era um homem muito inteligente e muito
novo. Em 1960, quando nos conhecemos em Bulawayo eu tinha 28 anos e Guambe tinha
apenas19 anos. Mas muito inteligente.
Então, Guambe, quando ouviu dizer que nós, os amigos, apoiávamos a ele como quem
pudesse ser o nosso líder entre os dois nossos hospedeiros, aconteceu que num certo
sábado, dia 18 de Outubro de 1960 reúne-nos a todos nós seus amigos em casa de um
senhor chamado Mandlate que era nosso conselheiro e Guambe nos diz que todas as
colónias portuguesas têm partidos políticos e que nós, os moçambicanos, não tínhamos
nada. Insinuou que talvez nós não fôssemos tão homens como eram os outros...
Foi assim que um jovem dos seus 19 anos e com apenas 4ª classe se dirigiu a outros doze ou
catorze compatriotas mais escolarizados e mais velhos que ele.
Considero isto muito interessante.
E, de facto, era só Moçambique. Toda a África tinha já movimentos de libertação nacional
ou partidos políticos, à excepção de Moçambique.
E todos, naturalmente, respondemos em coro dizendo que nós também éramos homens
iguais aos das outras colónias portuguesas que já tinham formado os respectivos
movimentos de libertação nacional.
E como que para nos provar que o mais macho de entre todos nós ali presentes era ele,
Adelino Guambe disse o seguinte: “Se vocês dizem que somos homens, então, eu declaro
hoje, dia 18 de Outubro de 1960, a fundação da União Democrática Nacional de
Moçambique (UDENAMO)”.
E assim ficaria registado para sempre na História da revolução moçambicana que Adelino
Guambe, com a sua juventude e sem nenhuma escolarização avançada, declarava naquele
dia para todo o mundo a criação do primeiro movimento de libertação de Moçambique.
É interessante isto. Um rapaz de dezanove anos de idade, com apenas 4ª classe do ensino
primário, desafiando a seus compatriotas ali presentes, mais escolarizados e ainda por cima
alguns dos quais, como eu, muito mais velhos a levantarem a cabeça e seguirem o exemplo
do que ia acontecendo em todo o continente africano.
E diz ele mais adiante:nós sabemos que quando temos um movimento temos à nossa volta a
morte e todo o tipo de ciladas. A PIDE estará à nossa volta procurando impedir as nossas
acções. Portanto, vamos aceitar qualquer coisa que possa aparecer diante de nós, daqui
para frente. Podemos morrer amanhã, ou depois de amanhã, ou ainda podemos conseguir
alcançar o que estamos a pensar.
Quem quer ir comigo nessa aventura de vida ou morte?
Depois desta pergunta, eu, Mahlayeye e mais o Sigaúque nos levantámos. Naturalmente

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

que não deixaria de haver alguns que pensavam duas vezes, os que têm cobardia e outros
que pensam que eu casei ontem, porque tenho família, porque tenho isto ou aquilo.
Mas nós os três dissemos logo imediatamente ao Guambe que estávamos prontos para tudo
o que ele está a dizer.
Automaticamente, ele era o presidente da União Democrática Nacional de Moçambique
(UDENAMO), por mérito próprio, porque ele é que estava a anunciar a existência do mesmo
pela primeira vez naquela reunião.
Levanta o dedo após o anúncio da nossa aderência e diz o seguinte: Mahluza, estou a
apontar a você como vice-presidente
e em seguida aponta o mesmo dedo na direcção do Mahlayeye a quem nomeia como
secretário-geral do movimento.
Repare que Mahlayeye era amigo pessoal de Guambe e eram da mesma idade, pois
Mahlayeye tinha também 19 anos de idade.
E depois disso, o mesmo dedo indica Sigaúque como secretário da organização do
movimento. Por isso, nós os três aceitámos unirmo-nos com Guambe, morrer com o
Guambe como o haviam feito séculos antes os Doze Apóstolos de Cristo.
Por isso, nós os três, contrariando os restantes companheiros que estavam naquela histórica
reunião, aceitámos ir para onde fosse necessário ir com Guambe e a partir daquele
momento, o movimento passou a ter quatro oficiais no dia 18 de Outubro de 1960.
Joshua Nkomo aconselha e apoia fuga para Tanganyika
Tivemos, naturalmente, muitas dificuldades, porque a PIDE estava à nossa procura depois
de ter ouvido isto.
Porque entretanto, houve um fulano, natural de Sena, de nome Fernando Chunga que
esteve connosco no dia da fundação da UDENAMO e que trabalhava no Consulado de
Portugal em Bulawayo, o qual, mal se concretizou a fundação do movimento foi transmitir a
informação ao Consulado.
Então, nós, os oficiais da UDENAMO, passámos maus bocados. Vivíamos nos túneis e à noite
é que podíamos ir aos nossos familiares buscar comida. Desde aquela data até finais de
Janeiro de 1961a nossa vida era assim, porque a PIDE e a Polícia Política da Rodésia estavam
permanentemente à nossa procura.
Entretanto, em Março de 1961, fomos a Salisbúria, hoje Harare, ter com Joshua Nkomo, a
quem comunicámos que tínhamos formado um movimento político moçambicano, e como
já tinha antes ouvido falar da nossa existência de surpresa confirmou a nossa presença.
E então, ele disse que havia membros do seu partido que estavam a trabalhar como homens
da segurança do governo rodesiano. E ele acrescentou que nós éramos procurados como
agulha no palheiro pela segurança rodesiana.
Dito isso, Nkomo meteu a mão no bolso e dele extraiu uma boa soma em dinheiro e nos
entregou dizendo-nos para sairmos imediatamente da Rodésia com destino ao Tanganyika,
onde existia um governo de Transição em preparação do país para a proclamação da sua
independência.
“É exactamente aí onde vocês podem viver e não aqui”, explicou-nos Joshua Nkomo.
Mas, naquelas circunstâncias, em virtude de os nossos nomes já estarem espalhados pelas
fronteiras, não podíamos partir em grupo, porque assim corríamos o risco de sermos todos
presos e desmoronarmos por completo a ideia da existência do partido.
Assim, Guambe ofereceu-se como voluntário para seguir em frente como líder do
movimento, explicando que mal conseguisse chegar transmitir-nos-ia instruções para o que

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

se devia fazer em seguida.


E depois de distribuir o dinheiro necessário a cada um de nós para a viagem, meteu-se a
caminho rumo ao Tanganyika.
Deste modo, nós continuámos na Rodésia a viver nos túneis como vínhamos fazendo desde
Outubro.
Mesmo assim, Sigaúque, por vezes, ia trabalhar mas Mahlayeye e eu optámos por deixar de
trabalhar por temer o que nos poderia acontecer.
Decorridas duas semanas após a partida de Guambe, recebemos uma carta sua reportando-
nos ter viajado e chegado bem a Dar-es-Salaam e recomendando-nos o modo como
deveríamos seguir os seus passos rumo às terras tanzanianas.
Mas para sairmos da Rodésia tínhamos que encontrar uma forma de contornar o obstáculo
existente em Victória Falls na fronteira entre os actuais Zimbabwe e Zâmbia.
Como Sigaúque se encontrasse a trabalhar nos Caminhos-de-ferro conseguiu arranjar
cartões da sua companhia que nos identificavam como trabalhadores da mesma e nos
permitiam atravessar a fronteira comum das duas Rodésias sem complicações de maior com
a Polícia. E com esses cartões podíamos até ter possibilidades de ir até ao Malawi, antiga
Niassalândia.
Nos nossos passes estava escrito que íamos à Rodésia do Norte passar a semana santa com
as nossas famílias e de facto na fronteira comum daqueles dois países pudemos passar sem
dificuldades de maior.
Atravessada a fronteira chegámos a Lusaka. Esta era apenas a primeira etapa, porque ainda
estávamos no interior da Federação das Rodésias e Niassalândia.
A carta que nos fora enviada por Guambe indicava que chegados a Lusaka devíamo-nos
dirigir para Kampiri Post seguindo a linha férrea que vai para as minas de cobre de
Copperbelt.
Então, em Kampiri Post deixámos o comboio e apanhámos um autocarro duma companhia
cujo nome não me ocorre presentemente, o qual nos transportou até à fronteira de
Thunduma, entre Zâmbia e Tanganyika, viagem que durou dois dias.
Quando lá chegámos e porque ali éramos estranhos tivemos que fazer uma pausa para
pensar sobre o passo que íamos tomar a seguir de modo a evitar qualquer complicação com
a Polícia da fronteira. Eis que Sigaúque se recorda que na mala dele transportava consigo
uma Certidão de Baptismo. Extraiu da mala o documento e depois de uma curta reflexão
decidimos apresentar aquela Certidão aos oficiais da fronteira do lado zambiano, explicando
que nós éramos estudantes enviados pelos padres moçambicanos para Uganda, para a
Universidade de Makerere, para ali irmos continuar os nossos estudos e que aquele seria
apresentado como nosso documento de identificação.
E estava escrito em português?...
- Exactamente. E eles que não toscavam nem uma palavra de português, olharam para a
Certidão e para nós e, concluindo que fôssemos uns inocentes estudantes que nada tinham
a ver com política, eles carimbaram a Certidão e devolveram-nos desejando-nos boa
viagem.
Considero isso como milagre de Deus. Passámos aquela fronteira!
Não podiam ler aquilo porque estava em português, nem sequer descobriram que os nomes
dos três não figuravam da Certidão e nem sobre isso nos perguntaram. Por isso, só um
milagre de Deus é que nos podia tirar daquele aperto.
Do lado do Tanganyika já não escondemos a nossa identidade, mesmo perante os oficiais da

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

polícia de fronteira brancos, porque refugiados de Moçambique, embora poucos, não


éramos os primeiros e, ainda por cima, ali havia refugiados da África do Sul, da Namíbia e de
outros países da África Austral.
E como refugiados meteram-nos num comboio que nos transportou da fronteira até Dar-es-
Salaam onde encontrámos o Guambe à nossa espera. E ele ficou bastante satisfeito com a
nossa chegada e levou-nos imediatamente para a sede do partido TANU (Tanganyika African
National Union).
E nós éramos os primeiros refugiados políticos moçambicanos a chegarmos naquilo que
pouco tempo depois viria a ser a República do Tanganyika. E este acontecimento se deu no
dia 6 de Abril de 1961.
Recebemos as boas-vindas da TANU e nos ofereceu uma casa onde vivia já o Guambe. E
nessa casa compartilhávamos a habitação com refugiados ruandeses, por causa da língua,
pois pensavam que entre quem fala português e o que se expressa em francês se entendem
perfeitamente, o que não é verdade.
E no dia 14, depois de uma semana, fomos à imprensa porque a UDENAMO estava apenas
nas nossas algibeiras porque na Rodésia nada sobre a sua existência podia ser dito oficial e
publicamente.
Por isso, no dia 14 de Abril de 1961 convocámos uma conferência de imprensa onde pela
voz do nosso líder, Adelino Guambe, anunciámos o nascimento de um movimento de
libertação moçambicano.
A primeira reacção foi esta: os angolanos, os guineenses, os cabo-verdianos e são-tomenses
tinham sido aceites pelo Rei Hassan de Marrocos. Por isso, como as colónias portuguesas
não eram assim muito conhecidas, estava-se a organizar uma Conferência das Colónias
portuguesas conhecida pela sigla CONCP. De modo que a novidade da formação da
UDENAMO chega exactamente naquela altura aos organizadores da CONCP, onde o
moçambicano Marcelino dos Santos, natural de Nampula, era o secretário organizador da
CONCP mas sem partido político.
Portanto, o primeiro apoio nos vem da preparação da CONCP, porque a partir dali muitos
outros países e organizações anti-coloniais despertaram para a criação da UDENAMO.
E o Presidente do Gana, Kwame Krumah, que já de Bulawayo tinha correspondência com
Adelino Guambe, estava, naturalmente, a par, da existência da UDENAMO.
E então, a CONCP manda um telegrama e manda uma carta e uma passagem de avião,
porque, entretanto, a conferência estava prestes a realizar-se, para um membro da
UDENAMO deslocar-se à Casablanca a fim de ir participar naquela Conferência das Colónias
portuguesas.
É assim que Adelino Guambe, nosso presidente, vai para Casablanca. Voa pela primeira vez
na sua vida, onde vai se juntar, também pela primeira vez, com outro moçambicano que é
Marcelino dos Santos.
E como que por magia do destino, os dois moçambicanos representam o País naquela
Conferência.
Portanto, nesta conferência Moçambique é representado pela UDENAMO, cujos membros
são Adelino Guambe, presidente e Marcelino dos Santos, o qual a partir daquele momento é
nomeado por Guambe para as funções de secretário das Relações Exteriores da UDENAMO.
Desde então, de quatro membros fundadores da UDENAMO passámos para cinco líderes do
movimento com o envolvimento nele de Marcelino dos Santos.
E assim começámos a trabalhar forte aqui, acolá e em todo o lado, porque já éramos

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

reconhecidos como um movimento de libertação que pretendia lutar pela independência de


Moçambique, tal como ocorria noutras colónias africanas de Portugal.
Depois da Conferência, Adelino Guambe regressa a Dar-es-Salaam acompanhado por
Marcelino dos Santos para este vir se identificar diante dos restantes membros do
movimento.
Depois disso, Marcelino dos Santos retorna à Casablanca como representante do
movimento para os países árabes, representando, obviamente, a UDENAMO.
Como é que era o clima de trabalho para vocês nesse Tanganyika de então?
- Era uma coisa difícil. Nós fomos criados na Rodésia. os futuros governantes do Tanganyika
não estão nada satisfeitos com a nossa situação. Cada qual quer o seu satélite.
O que é que isso significa?
- Nós falávamos português e balbuciávamos, com dificuldade, o inglês. Agora, o quê que
acontece? No Tanganyika havia moçambicanos emigrantes que viviam em grande número
naquele país e que inclusivamente tinham tomado parte na luta empreendida pelo povo do
Tanganyika pela sua libertação, como membros efectivos da TANU e, consequentemente,
confiados pela TANU.
Tinham lutado lado a lado com a TANU e tinham feito tudo.
Por isso, um dia quando são consultados sobre a nossa identidade, os nossos compatriotas
radicados há muito no Tanganyika dizem simplesmente que nós somos laurentinos,
portugueses e somos do Sul.
E iam mais longe ao classificar-nos como sendo iguais a portugueses que colonizavam
Moçambique. Diziam ainda que assumíamos esta identidade porque muito embora
fôssemos negros vínhamos de Lourenço Marques onde estava estabelecido o poder central
português em Moçambique.
Havia ignorância nos nossos compatriotas sobre quem era de facto português e quem não
era. Ali estávamos perante a mesma ignorância que se assistia aqui em baixo quando se
falava de um cabo-verdiano. Quando víssemos aqui um cabo-verdiano a trabalhar e
ganhando como português considerávamo-lo igual ao nosso patrão colonizador.
Por isso, a nível do Norte do País, vivia-se naquele tempo esta ilusão. Isto porque no Sul
ficava a capital de Moçambique, donde partiam as boas coisas, quer em termos de
confecções do vestuário, objectos utilitários e acima de tudo a política de educação partia
daqui e se expandia por todo o território nacional.
ai reparar que os enfermeiros de origem africana, os professores e alguns outros
profissionais de profissões liberais iam para o Norte de Moçambique partindo da região Sul.
E quando os nossos compatriotas do Norte nos chamavam “mulandi” isso tinha a
significação essencial de português de pele negra.
Devido exactamente a esta ignorância que tinham os nossos compatriotas de origem
makonde que viviam no Tanganyika levou-lhes a que dissessem aos dirigentes políticos da
TANU que nós éramos portugueses tal e qual o nosso colonizador.
E diziam ainda que nós, somos povo moçambicano. E quando o nosso Moçambique ficar
independente - porque no seu entender Moçambique resumia-se apenas a uma certa parte
da província de Cabo Delgado, limitado a Sul pelo rio Messalo e a Norte pelo Rovuma.
Eles não tinham a dimensão real do nosso Moçambique, como um grande país. Para eles
Moçambique resumia-se àquilo a que já me referi.
Prosseguindo eles prometiam aos tanzanianos que quando Moçambique ficar independente
graças à vossa ajuda, nós iremos unir as duas pátrias e formarmos uma grande Nação com o

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Tanganyika.
Por isso, dito isto a alguém do lado do Tanganyika que mal conhecia em detalhe o nosso
País, ficava muito satisfeito.
E quando nos abordavam sobre esta mesma questão da possível união depois da
Independência, nós dizíamos que o nosso mandato se resumia à libertação da pátria e que
acerca da união é algo que requereria uma ampla discussão com os outros sectores de
opinião. Já nessa altura tínhamos uma pequena visão sobre esta situação de uniões.
E dissemos que só se podia discutir essa possibilidade quando os dois países tivessem
alcançado a Independência e não naquele preciso momento.
Assim eles entenderam que vocês eram mesmo portugueses, não é verdade?
- Exactamente, e a partir daí começaram a fazer chantagem connosco. Sem qualquer aviso
prévio fomos escorraçados da casa que habitávamos e sem lugar fixo para nos instalarmos
espalhámo-nos pelas casas de pessoas amigas como forma de garantir a nossa
sobrevivência.
Entretanto, a UDENAMO, depois da Conferência da CONCP já tinha ganho uma projecção
internacional o que de certa forma lhe trouxe algum apoio.
Com efeito, depois de regressar de Casablanca com Marcelino dos Santos, Guambe, pouco
tempo depois partiria para Helsínquia, na Finlândia, participar numa conferência de jovens,
razão que leva a que as suspeitas dos tanzanianos sobre o facto de sermos ou não
portugueses cresçam e assim pensam em pegar nos nossos compatriotas ali radicados e
formam uma outra organização com idênticos objectivos que os nossos. Só que estes
moçambicanos não falavam português e nem inglês. Somente se expressavam em
shimakonde e kiswahili. Mas, mesmo com estas limitações, estavam talhados à medida
desejada pelos tanzanianos que sonhavam com a união dos dois países.
É assim que nasce a MOZAMBIQUE AFRICAN NATIONAL UNION, ou seja MANU, que é
formada pela mão dos nossos hospedeiros tanzanianos.
Portanto, este era o movimento que na sua génese contava que logo que libertasse
Moçambique do colonialismo português iria uni-lo ao Tanganyika, formando assim uma
única Nação.
Assim, a UDENAMO com esta evolução dos acontecimentos, começou a perder toda a base
de apoio no Tanganyika.
Entretanto, a UDENAMO já sabia que a luta de Moçambique não é a luta do Tanganyika,
exactamente porque, contrariamente ao colonialismo britânico, os portugueses tinham
vindo a Moçambique para ficar. E nós já tínhamos na ideia que a luta armada era a única
coisa que podia salvar Moçambique. Isto começou a amadurecer nas nossas cabeças ainda
quando estávamos na Rodésia.
Como antecedentes tínhamos o exemplo do Mau Mau no Quénia do Jomo Khenyata, onde a
gente aprendeu que, afinal, o branco podia ser morto como qualquer outra pessoa.
Por isso, a ideia da inevitabilidade do desencadeamento da luta armada para a libertação de
Moçambique, já vinha com a UDENAMO.
E a UNAMI de que tanto se fala estava onde?
- Espera aí, que ainda vamos percorrer alguma distância para falarmos disso.
O que é que acontece? Com estes acontecimentos que acabei de relatar, no Tanganyika, e
com o nascimento da MANU e seus ideais de união com aquele país, nós, da UDENAMO,
deixámos de ter campo de manobra e terreno para desenvolver as nossas actividades
políticas naquele país vizinho.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O Adelino Guambe, na sua qualidade de presidente do movimento, é expulso do Tanganyika


e transfere-se para o Gana onde reestabelece a nossa sede.
A visão estratégica de Adelino Guambe
O Gana já tinha começado a disponibilizar fundos para a nossa organização, o Reino de
Marrocos, graças ao trabalho empreendido por Marcelino dos Santos, também nos dava um
significativo apoio material, moral e financeiro.
Mas mesmo assim, as nossas actividades no Tanganyika eram superiores, uma vez que a
MANU só dependia exclusivamente do apoio que obtinha da TANU.
Com a expulsão de Adelino Guambe do Tanganyika, a direcção provisória da UDENAMO no
Tanganyika ficou nas minhas mãos, na qualidade de vice-presidente da organização.
Daí verificámos que não havia um outro país independente na região que pudesse servir de
suporte efectivo à nossa luta de libertação, a não ser exactamente o Tanganyika que
caminhava nessa direcção.
E do Gana vem a resposta da estratégia que devíamos seguir, pela carta escrita por Adelino
Guambe para o movimento no Tanganyika. Guambe dizia que para continuarmos a contar
com o apoio do Tanganyika independente como retaguarda segura da nossa luta devíamos
tentar inverter a situação, conquistando para o nosso lado a MANU. Ele escreveu esta
directriz directamente do Gana para nós que tínhamos continuado a residir em Dar-es-
Salaam.
Que abordagem iriam fazer à MANU sem assustar os tanzanianos?
- Exactamente. Uma aproximação com a MANU para ver se podemos estabelecer uma
plataforma de união de modo a que pudéssemos continuar no Tanganyika. Isto porque não
poderíamos conduzir a luta a partir do Gana e nem sequer podíamos contar com a
colaboração do Malawi ou da Zâmbia porque aqueles países ainda não estavam
independentes.
Por isso, nós começámos a trabalhar nesse sentido visando atingir a directiva emanada do
nosso líder a partir do Gana.
Custou-nos, mas como tínhamos dinheiro no bolso arrepiámos o caminho, beneficiando do
facto de que a maior parte dos compatriotas a quem tínhamos que convencer eram
trabalhadores das plantações de sisal no Tanganyika e passavam muitas privações e tinham
necessidades em dinheiro.
Quando concluímos que a possibilidade de se realizar uma reunião com a direcção da MANU
estava assegurada, escrevemos para Marcelino dos Santos o qual veio a Dar-es-Salaam ao
nosso encontro com quem nos reunimos com a MANU, porque tendo Guambe sido expulso
do Tanganyika, em nenhuma circunstância ele podia vir.
É neste momento que chega Hélder Martins com a sua esposa a Tanganyika. Tratava-se de
um moçambicano branco que se vinha juntar ao movimento que pretendia lutar pela
libertação do País.
Só que custa-nos receber o Hélder Martins porque o cônsul português acabava de ser
expulso do Tanganyika.
E a chegada de Hélder Martins aumentou ainda mais a nossa dificuldade de nos
relacionarmos abertamente com a MANU para podermos continuar a ter a nossa sede em
Dar-es-Salaam porque, como disse antes, os membros da MANU nos consideravam iguais
aos colonos portugueses que subjugavam o nosso País.
Por isso, para amenizar um bocado a situação, decidimos mandar Hélder Martins com
Marcelino dos Santos para Marrocos, onde foi fixar a sua residência.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A traição começou cedo


Entretanto, antes da expulsão do cônsul português do Tanganyika, Aurélio Bucuane e
Tchambale que tinham continuado indecisos em aderir ao movimento aquando da sua
criação em Bulawayo vieram juntar-se a nós em Dar-es-Salaam.
Vieram ter convosco no Tanganyika?

Sim, no Tanganyika.
Qual era o primeiro nome do Tchambale?
- David Tchambale.
Qual era o relacionamento entre vocês que já se encontravam no Tanganyika e esse grupo
que tinha permanecido na Rodésia?
Era de suspeita mútua.
Mas nós segregávamos aqueles dois nossos compatriotas pela maneira como antes de
deixarmos Bulawayo se tinham comportado.
Primeiro, porque ao escolhermos Guambe para presidente do movimento estávamos a
contrariar claramente os intentos do Bucuane que julgava que tendo o 2º Ano do Alvor, na
Manhiça, reunia excelentes condições para ser líder, o que claramente rejeitámos.
Portanto, as nossas relações com Bucuane já não estavam boas desde então, pior quando
suspeitámos que ele tivesse algumas ligações com a PIDE.
Nisto, acontece que Bucuane vai pedir emprego no Consulado português no Tanganyika,
antes que o respectivo cônsul fosse expulso.
E ele consegue ali empregar-se. Só que mal ele consegue uma colocação no Consulado de
Portugal em Dar-es-Salaam ele já não regressa à residência comum para dormir. Começa a
passar noites noutro lugar, que entretanto nós não sabíamos aonde.
Por outro lado, o David Tchambale, amigo de peito do Bucuane também não o deixámos ir
até ao escritório da UDENAMO e mal acorda vai directamente ao Consulado ter com
Bucuane.
Nestas circunstâncias, a dupla Bucuane-Tchambale traça um plano secreto de roubar
documentos secretos da UDENAMO.
No dia planeado para executarem a operação, quando eu e o Mahlayeye regressámos para
o dormitório pusemo-nos a dormir. Eis que regressa David Tchambale que dormia connosco,
acompanhado do Bucuane e do Cônsul português no Tanganyika, os quais ficam do lado de
fora, deixando que David se introduzisse dentro da residência.
Como ambos nos encontrássemos a dormir, Tchambale introduz a mão no bolso das calças
do Mahlayeye, o Secretário-Geral da UDENAMO, e saca as chaves do escritório e retira-se
indo se juntar ao grupo lá fora com quem entra no carro do cônsul e conduzido por este e
dirigem-se para o escritório da UDENAMO, donde retiram toda a correspondência enviada e
recebida e entregam ao cônsul português.
De regresso depois desta façanha, Tchambale regressa ao nosso encontro e apanha-nos
profundamente adormecidos e devolve as chaves para o bolso das calças do Mahlayeye e
dorme também.
Foi de facto uma operação bem urdida, não restam quaisquer dúvidas.
De manhã, quando chegámos ao escritório e abrimos as portas tudo estava conforme,
menos os documentos que tinham desaparecido miraculosamente e sem deixar rasto.
Quem é o autor desta façanha?, eis a pergunta que cada um de nós se fez, mas sem lograr
obter resposta.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Naturalmente que eu logo comecei a suspeitar do Mahlayeye, porque as chaves todas do


escritório estavam sempre em seu poder.
Só que quando nós estávamos atrapalhados na tentativa de esclarecer este mistério, o
guarda do edifício apercebe-se da nossa aflição e aproxima-se para dizer que um de nós
havia lá estado no dia anterior à noite e abriu com as chaves a porta, entrou dentro e pouco
depois saiu com um embrulho e juntando-se a outros dois homens, um dos quais branco
retiraram-se.
Foi assim que começámos a suspeitar que tivesse sido de facto o Tchambale e fomos
imediatamente participar a ocorrência à Polícia.
Naquela noite e depois de terem sido notificados pela Polícia sobre o roubo, o cônsul pagou
caução e transportou o Tchambale e Bucuane para a fronteira de Mombassa e eles
apanharam no dia seguinte um barco e vieram para Moçambique. Isto em 1961 e fizeram
aqui uma grande festa de confraternização por terem desferido à UDENAMO este golpe tão
baixo.
De entre a correspondência recebida que nos foi roubada havia lá uma carta vinda do
Ministério das Relações Exteriores do Brasil, na qual aquele país nos garantia o seu apoio e
isso constituiu um rude golpe para nós e um forte trunfo para os portugueses.
Logo em seguida, Portugal condenava publicamente o Brasil, acusando-o de estar a ajudar
os rebeldes exibindo aquela carta assinada pelo ministro das Relações Exteriores, o que
valeu a demissão daquele governante como forma de o Brasil lavar a face.
B>É assim que, em 1961, Tchambale e Bucuane regressam para Moçambique?
- Exactamente. Tinham cumprido a sua missão de impedir a luta pela independência de
Moçambique.
Então, continuámos a trabalhar. Já tínhamos um magazine chamado “Combate” que se
publicava regularmente em Dar-es-Salaam, porque embora algumas figuras importantes da
TANU não nos quisessem ficava feio atirarem connosco dali para fora.
E isso é que fez com que o cônsul português fosse expulso?
- Creio que sim, embora uma das razões tivesse sido a missão de sabotagem que fizeram no
nosso escritório.
Continuámos a trabalhar e a tentar ganhar muitos membros do MANU para os nossos
ideais. Nessa altura, a UDENAMO já contava no seu seio com muitos membros do
movimento oriundos do Norte de Moçambique, principalmente makondes e nyanjas de
Cabo Delgado e Niassa, respectivamente.
Continuámos, entretanto, a enfrentar muitas dificuldades no Tanganyika porque o rótulo
que nos tinha sido posto de não alinharmos na ideia da união entre Moçambique e o
Tanganyika antes da libertação do País fazia com que as autoridades emergentes daquele
país vivessem sempre numa desconfiança.
Chegámos a ter mais de cinco reuniões com a MANU na presença dos representantes da
TANU em que as coisas que pretendíamos ver regularizadas eram sempre muito difíceis.
Quer dizer, a TANU não nos deixava falar com a MANU sozinha, sempre que marcássemos
um encontro com a MANU vinham também representantes da TANU para ouvir o que nós
queríamos dizer à MANU e para controlar como é que a MANU respondia às nossas
intenções.
Mas enquanto nos defrontávamos com estas dificuldades ao nível do Tanganyika, em
contrapartida, a nossa aceitação internacional ia crescendo cada dia que passava, razão
porque em todas as conferências internacionais das mais importantes nós éramos

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

convidados quando a MANU era sempre marginalizada.


Adelino Guambe, arquitecto da unidade nacional
Quando somos convidados a participar na “All Freedom fighters Conference” em Acra,
capital do Gana, que teria teria lugar a partir do dia 30 de Maio de 1962, já havíamos sofrido
muito com o Tanganyika.
Mas nessa ocasião, antes dessa Conferência de Acra, o Guambe escreve-nos e comunica
também a Marcelino dos Santos que aquela era a oportunidade que nós tínhamos de nos
fazer representar em Acra não como UDENAMO mas como representantes de todo o
Moçambique. Com isso ele queria dizer que na nossa delegação deviam estar representados
os membros da MANU. Ele explicava ainda que aquela situação iria nos dar a oportunidade
de conversar no Gana a sós, nós os moçambicanos, sem a interferência indesejável dos
membros do governo do Tanganyika e nem do partido TANU.
Ele orientou ainda que a UDENAMO devia levar quatro delegados para aquela conferência,
enquanto a MANU far-se-ia representar por três membros do seu movimento. E dizia que
no caso de não nos entendermos através das discussões, a decisão seria alcançada por meio
do voto, estando à partida garantida a vitória da UDENAMO na votação.
Por isso, com esta estratégia, no dia 30 de Maio de 1962 voámos rumo a Acra para irmos
tomar decisões que viriam a ser cruciais na vida da libertação deste País.
Em Acra, enquanto o período diurno de 1 e 2 de Junho estava plenamente dedicado aos
debates da Conferência, à noite desses mesmos dias nos encontrávamos como
representantes dos dois movimentos, UDENAMO e MANU, para discutir os nossos
problemas.
Começámos a discutir os nossos problemas de união sem a presença dos tanzanianos, sem a
interferência da TANU.
No primeiro dia não chegámos a nenhum entendimento. No dia seguinte, 2 de Junho,
depois da conferência internacional em que estávamos a participar, à noite voltámos a nos
encontrar.
Finalmente, naquela noite de 2 de Junho, concluímos com satisfação que um novo
movimento para libertar Moçambique tinha que aparecer.
Portanto, os delegados da UDENAMO foram os seguintes: Adelino Guambe, Fanuel Mahluza,
Calvino Mahlayeye e Marcelino dos Santos. Pela MANU estiveram Mateus Mhole, Samuli
Diankali e Daúd Atupale.
Foi no dia 2 de Junho que foi selado o acordo da união dos dois movimentos de libertação
nacional.
E então, dissemos o seguinte: “estamos todos satisfeitos porque conseguimos a nossa
união. Agora, vamos pensar o nome pelo qual será conhecido o nosso movimento. E o
Guambe como presidente, fez a sua proposta primeiro, sugerindo que o movimento se
chamasse “Frente Democrática de Moçambique, FREDEMO”.
Eu, Fanuel Guidion Mahluza, dei a seguinte sugestão: “Frente de Libertação de
Moçambique, FRELIMO”.
Marcelino dos Santos diz: Frelimo soa melhor. E todos concordámos que o novo movimento
se chamasse Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), isto na noite do dia 2 de Junho
de 1962, em Acra, capital do Gana, onde nos encontrávamos a participar na conferência de
todos os movimentos de libertação de África, convocada por Kwame Krumah.
Então, foi o senhor que deu nome à Frelimo?
- Não fui eu que dei o nome, mas fiz uma sugestão e depois Marcelino dos Santos

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

considerou que FRELIMO soava melhor do que FREDEMO. E então, a nova organização que
resultaria daquela união se chamaria FRELIMO.
Esta decisão foi tomada no dia 2 de Junho de 1962. Sublinho isto porque tem havido muita
distorção da História afirmando-se que a Frelimo foi inventada doutra maneira.
Temos já a FRELIMO a partir daquele dia, resultado de uma reunião de sete moçambicanos
na capital do Gana, Acra.
E nessa noite, tentámos escrever um discurso que seria enviado à imprensa, no dia seguinte
para declarar o nascimento da FRELIMO.
e facto, o anúncio desta decisão viria ao conhecimento da opinião pública no dia 3 de Junho
de 1962, pela voz de Adelino Guambe, portanto, Adelino Guambe é o primeiro
moçambicano a falar publicamente do nascimento da Frelimo.
Então, naquela noite vocês decidem mandar à imprensa um comunicado?
- Sim. Nós decidimos mandar um documento para a imprensa para ser publicado no dia 3.
Então, no dia 3 fomos à imprensa e Adelino Guambe, que é o chefe de tudo, vai ler à
imprensa o nascimento de um novo movimento, de uma nova frente decidida a lutar de
forma unida pela Independência de Moçambique. Acabava de nascer para Moçambique e
para o mundo a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique.
Portanto, toda aquela Conferência apoiou o moçambicano porque os angolanos tinham dois
movimentos, que não se quiseram unir\; os zimbabweanos tinham dois movimentos que
também não quiseram unir-se\; a África do Sul tinha dois movimentos e não havia nada.
Só o moçambicano é que tinha conseguido uma união. Os angolanos tinham dois
movimentos, UPA e MPLA e não quiseram unir-se, mas os moçambicanos uniram-se e a
FRELIMO teve um grande apoio.
Havia o problema de Tanganyika agora, em que a UDENAMO devia sair. Mas tendo
conseguido constituir um único movimento, uma única frente, as autoridades de Tanganyika
não podiam dizer que não, não nos apoiam. O que foi anunciado no Gana já não era
UDENAMO e MANU, era a FRELIMO.
Então, a partir de então o quê que ficava? Era naturalmente, a integração dos dois
movimentos, os membros e as propriedades deveriam vir para a FRELIMO. Com uma
urgência marcámos para o dia 23 de Junho, como o dia da integração dos dois movimentos,
o dia em que iríamos fazer uma cerimónia para integrarmos as propriedades e os membros
dos dois movimentos.
Foi o dia marcado para não demorarmos, para não dar mais chance ao Tanganyika de nos
dividir mais.
Portanto, voltámos para Dar-es-Salaam o que deve ter acontecido entre os dias cinco ou
seis. Quando chegámos em Dar-es-Salaam encontrámos o senhor Baltazar Chagonga ou
melhor, José Baltazar Chagonga de seu nome completo, que disse ter um movimento
chamado UNAMI (União Nacional de Moçambique Independente).
Onde é que estava este senhor?
- Este senhor Baltazar Chagonga estava, na altura, no Malawi. Mas, nessa altura, o Malawi
não estava independente. Portanto, o movimento dele estava no bolso, porque não se podia
anunciar. Por isso, ele sai do Malawi quando ouve a notícia da união entre a UDENAMO e
MANU nascendo a FRELIMO.
Então ele sai do Malawi e vem para Dar-es-Salaam.
Então a FRELIMO não é produto da fusão de três movimentos como se diz por aí?M
- Oiça de mim. Eu estou a dizer aquilo que de facto aconteceu e porque eu estava presente.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Eu era vice-presidente da UDENAMO.


Mas eu estava à espera de encontrar os três movimentos reunidos a fundar a FRELIMO sob a
direcção de Eduardo Mondlane...
- Calma aí! Quando chegámos em Dar-es-Salaam, encontrámos Chagonga com os elementos
que constituíam o seu movimento. E ele disse-nos que tinha ouvido a notícia da união dos
dois movimentos e que não queria que o seu movimento ficasse de fora da união.
E nós, grupo que já constituía a FRELIMO nessa altura, fomos reunir e concluímos que não
tínhamos outra alternativa senão deixar aquele homem vir assinar perante nós o
compromisso de que ele e os membros do seu movimento passavam a fazer parte da Frente
de Libertação de Moçambique, FRELIMO. Chamámos o senhor José Baltazar Chagonga e ele
assumiu por escrito o compromisso de se filiar, com os seus seguidores, na frente de
Libertação de Moçambique.
Foi a partir daí que a FRELIMO passou a ser constituída por três movimentos.
Eu não estou a sonhar. Estou a falar da História que ajudei a construir.
O senhor Moyana está a ter a História real do surgimento da Frente de Libertação de
Moçambique. E o livro que eu tenho está a dizer tudo isto que estamos aqui a falar.
Mas, então, onde é que está o Dr. Eduardo Mondlane quando vocês fundam a Frelimo?
- Quando nós fundámos a Frelimo o Dr. Mondlane estava nas Nações Unidas, como
funcionário sénior. E, já em 1961, estávamos em contacto, via correspondência, com o
Doutor Eduardo Mondlane. Quando veio para aqui, para a ex- Lourenço Marques, de férias
e voltou para os Estados Unidos ele nos disse: eu quero participar, mas sou funcionário das
Nações Unidas. Não posso estar nas Nações Unidas e ao mesmo tempo estar no movimento
de libertação nacional. Guardem o meu nome clandestino. Isso na UDENAMO e não no
MANU. Ele reiterou isso dizendo que guardem o meu nome clandestino porque ainda sou
funcionário das Nações Unidas. E então ficámos assim, porque nós queríamos o Dr.
Mondlane como um grande homem e um primeiro Doutor moçambicano.
Mas, então, nessa altura não podíamos fazer nada porque ele estava engajado em funções
nas Nações Unidas. É nisto que avançámos para a integração de todos os três movimentos
na criação da FRELIMO.
O quê acontece, Simango e o grupo dele de intelectuais já tinham chegado, nessa altura, a
Dar-es-Salaam.
Mas antes eles estavam onde?
- Estavam no Zimbabwe, mas já eram membros da UDENAMO. Só que quando no Bulawayo
forma-se a UDENAMO, Urias Simango era presidente de African Society, uma organização
mútua. Tinham muitos membros.
Portanto, nós entrámos em contacto depois da formação da UDENAMO com Urias Simango
e ele passa a ser um membro da UDENAMO clandestino, mas estando naquela associação e
ao mesmo tempo quadro.
Urias Simango e Paulo Gumane chegaram ao mesmo tempo a Dar-es-Salaam. Até porque
algumas reuniões que tivemos com os membros do MANU em Dar-es-Salaam já estiveram
presentes Urias Simango e Paulo Gumane..
Paulo Gumane vinha da Rodésia também?
- Não!... Ele vinha da África do Sul. Era membro de um movimento trabalhista da África do
Sul. Era um dos oficiais de um partido Trabalhista da África do Sul e membro do Pan African
Congress da África do Sul.
Mas quando ouviu da formação da UDENAMO, a Pan African Congress ajuda o Paulo

117
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Gumane para sair daquele país e vir juntar-se a nós, porque ele era moçambicano. E Urias
Simango também conseguiu se deslocar naquele mesmo mês que me parece ter sido em
Dezembro de 1961, para a cidade de Dar-es-Salaam, capital do então Tanganyika. Então, o
grupo do Simango chega acompanhado de Filipe Samuel Magaia, Silvério Nungo, Machava e
mais este Gundana, o Feliciano Gundana.
Este foi o grupo que veio juntar-se a nós em Dar-es-Salaam trazido por Urias Simango, e é
um grupo que grosso modo saía da Escola Comercial da Beira, um pouco intelectual, porque
a maioria dos seus membros já tinha o 2º Ano.
E Filipe Samuel Magaia saía dessa escola, também?
- Saía dessa escola, depois de ter sido um soldado colonial.
então, o quê acontece aqui? Guambe tinha 21 anos de idade nessa altura, Simango tinha 27
anos e ele tinha um curso teológico e já era um padre e ignora Guambe que já nessa altura
era um membro da liderança. Guambe era um rapaz pequenino que muitos ignoravam que
pudesse estar à frente do movimento. E ele estava a viver com um grupo de semi-
intelectuais que o apoiavam e que, por consequência disso mesmo, reputava-se como bom
grupo.
Mondlane não é arquitecto da unidade entre os três movimentos
Agora Urias Simango sente que tem de levar a liderança da Frelimo porque Guambe não
tem escolarização suficiente nem idade para ser líder, segundo o pensamento de Simango e
seu grupo.
É aqui onde se revela, pela primeira vez no movimento de libertação, o problema entre
changane ndawe e changane tsonga. É aqui que o grupo de Guambe se opõe
instintivamente à possível liderança de Urias Simango, um changane ndawe. O grupo de
Guambe era maioritariamente dominado por changanes tsonga. É aqui que nasce o
problema de Mondlane.
Eu e Mahlayeye decidimos escrever a um outro mutsonga, Mondlane, com o pensamento
de que mesmo que ele não viesse a ser um líder do movimento de libertação, mas que pelo
menos viesse participar na integração oficial dos movimentos. Então, uma carta em tsonga é
escrita a Eduardo Mondlane por nós, convidando-o a vir a Dar-es- Salaam para assistir à
cerimónia de integração dos três movimentos, marcada para o dia 23 de Junho. Não posso
esconder isto.
E porque é que escreveram em tsonga?
- Para ele compreender melhor o nosso pensamento. Porque queríamos que ele entendesse
a essência cultural do problema que lhe colocávamos. Trata-se da afirmação de um grupo
sobre o outro. Tratava-se já de luta pelo poder. É o mesmo conflito que houve séculos atrás
entre os filhos de Soshangane: Ndawe e Tsonga e que deram origem aos ndaus e tsongas,
sendo ambos os grupos filhos de Soshangane.
Esta era a essência da nossa mensagem, partindo do princípio histórico do relacionamento
entre o tsonga e o ndau.
Então, Mondlane, no dia 16 de Junho de 1962 chega a Dar-es-Salaam a convite da
UDENAMO. Exactamente porque nessa altura ainda não havia a integração formal dos
movimentos que viriam a constituir a Frente de Libertação de Moçambique, porque como
disse esta estava marcada para o dia 23 de Junho de 1962.
Portanto, no dia 17 de Junho daquele ano, a Mondlane é dado um cartão de membro da
UDENAMO, para poder participar na reunião da integração dos três movimentos, como

118
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

membro de um deles que era a UDENAMO.


Depois disso, no dia 23 do mesmo mês, começam as conversações da integração, na
presença de Eduardo Mondlane. No dia 24 as conversações prosseguiram e precisamente
no dia 25 tinha ficado estabelecido na agenda dos trabalhos que seria o dia da escolha de
novos líderes da FRELIMO.
Eduardo Mondlane era um dos candidatos da UDENAMO à liderança da FRELIMO. Urias
Simango e Paulo Gumana eram os outros dois candidatos da UDENAMO ao mesmo cargo.
O MANU apresentou como candidatos à liderança da Frelimo Mateus Mhole e um outro de
apelido Milingo.
ondlane, como intelectual, e como conhecido de todos nós e como primeiro Doutor
moçambicano de raça negra, ganha a presidência da FRELIMO, Urias Simango ganha a vice-
presidência, isto para não falar das posições alcançadas pelos outros, apenas para destacar
estes dois.
Entretanto, Eduardo Mondlane ainda tinha um contrato nas Nações Unidas, para além de
que não vinha para ficar, mas apenas para participar testemunhar a integração dos três
movimentos que deram origem à Frente de Libertação de Moçambique. Mas mesmo assim
é apanhado de surpresa pela escolha dos moçambicanos.
Entretanto, mesmo assim ele tinha que voltar aos Estados Unidos por um ano a fim de ir
terminar o seu contrato com as Nações Unidas, deixando Simango a presidir. Mas devido à
muita pressão da Frente, Mondlane acabou ficando nos Estados Unidos apenas seis meses e
cancelou o resto do contrato e veio para Dar-es-Salaam para presidir a FRELIMO.
Então, Mondlane não é arquitecto da unidade nacional, como se diz por cá desde há vários
anos? Quer dizer, pela sua explicação, não foi Mondlane que juntou os três movimentos para
formar a FRELIMO, ele encontrou os movimentos já unidos?
- É uma grande mentira que se propala por este País e se ensina a mesma mentira nas
escolas. Não sei o que é que custa dizer a verdade. É mentira, Mondlane não uniu nenhum
movimento. Mondlane foi convidado por nós da UDENAMO para vir testemunhar a
integração dos três movimentos, já unidos por nós na ausência de Mondlane. A união dos
movimentos foi um trabalho aturado de vários meses e Mondlane apenas chegou a Dar-es-
Salaam no dia 16 de Junho de 1962 para no dia 25 de Junho ser eleito presidente da
FRELIMO. O sr. acha que em uma semana que Mondlane esteve em Dar-es--Salaam é
possível unir algum movimento? Para já fomos nós que apresentámos Mondlane aos líderes
doutros movimentos que estavam para assinar o compromisso de integração a 23 de Junho.
É mentira dizer que Mondlane foi o fundador da Frelimo. É mentira. Ele foi apenas o
primeiro presidente da FRELIMO. Há diferença entre ser fundador e ser primeiro presidente
da Frelimo. É que nós, quando fundámos a FRELIMO, Mondlane ainda não estava em África,
estava nas Nações Unidas, em Noyva Iorque.
Estou a repetir três vezes que isso é mentira. E escreva isso mesmo: é mentira... Mondlane
não foi fundador da Frelimo, Mondlane foi o primeiro presidente da Frelimo, o que é bem
diferente.
Pergunte bem a Marcelino dos Santos, que ele, se quiser, lhe contará toda a verdade.
Eu estou a dizer isto com autoridade. Eduardo Mondlane não foi o fundador da FRELIMO.
Ele foi um convidado, mas devido à sua intelectualidade, nas eleições onde foi proposto por
nós veio a ganhar a presidência da Frente de Libertação de Moçambique.
Repare que quando ele veio nem vinha sabendo o que iria acontecer. Não esperava ser
presidente da FRELIMO.

119
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Eduardo Mondlane nem sequer funda a UDENAMO.


Portanto aqui, há um erro grande de nós moçambicanos de criar histórias inexistentes e
inventadas. Somos, por isso, uma nação muito chata, muito mentirosa que quer criar coisas
que não existem. É por isso que nós não somos uma boa nação.
Esta independência foi plantada numa pedra. Em cima da pedra onde dificilmente vamos
viver. Estamos a sobreviver, sim senhor, mas até aqui não existe mão do piloto que venha
publicamente dizer isto não está bom, isto não está bom, isto não pode continuar assim e
isto não quero neste país.
Precisamos muito desse piloto neste País.
Joaquim Chissano apareceu em Dar-es-Salaam, nos princípios de 1962, antes da fundação
da FRELIMO e veio identificar-se com a UDENAMO. Ele encontrou-nos a batalhar para
termos a FRELIMO. Ele estava a estudar na França e voltou para lá como membro da
UDENAMO e nomeado nosso representante para a Europa.
Pascoal Mocumbi não veio, foi representado por Chissano e esses dados estão neste livro de
que lhe falei.
Adelino Guambe e Marcelino dos Santos são heróis nacionais
Exacto, esse é um outro ponto importante. Quem são, afinal, os verdadeiros heróis da nossa
libertação?

- Olha, Guambe, aos 19 anos, levanta a cabeça e forma um movimento. Este devia ser o Pai
da Nação. Não tenho medo de dizer isto. Escreva isso.
Guambe é o pai desta Nação. Não é o Dr. Mondlane o Pai desta Nação. Eu respeito o Dr.
Eduardo Mondlane como um grande estadista, mas não que se lhe atribua o título de Pai
desta Nação.
O outro herói, antes de muitos heróis e heroínas, e começando por Guambe, o outro herói
deste País é Marcelino dos Santos que escreve os estatutos do primeiro movimento que dá
a este país a promessa de se vir a libertar, que é a UDENAMO. Quem escreve isso foi
Marcelino dos Santos.
Nós fundámos a UDENAMO e sabíamos que era difícil escrever os seus estatutos. Marcelino
dos Santos, quando entra na UDENAMO e constata que o movimento não tinha estatutos,
escreve os seus estatutos, os Estatutos da UDENAMO.

Portanto, Guambe e Marcelino dos Santos são os primeiros heróis do nosso País. Mas
quando você olha para aqui, nem há uma estrada de sete metros que se chame Adelino
Guambe e outra de cinco metros com o nome de Marcelino dos Santos.
Fomos ensinados que Adelino Guambe foi um dos reaccionários do processo revolucionário.
Que mal é que ele fez à FRELIMO?
- É como Urias Simango, é reaccionário porquê? Simango não é nenhum reaccionário.
Simango só pode ser visto como reaccionário devido à demagogia do tsonga. Mas eu vou ter
que chegar até aí.
Vamos, então, fechar o capítulo Mondlane?
- Mondlane assume a presidência da FRELIMO como candidato da UDENAMO. A UDENAMO
candidata para a presidência da FRELIMO três homens, nomeadamente Eduardo Mondlane,
Urias Simango e Gumane, enquanto os outros candidatam outras personalidades. Mas são
os candidatos propostos pela UDENAMO que ganham a presidência e a vice-presidência da

120
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

FRELIMO, nomeadamente Mondlane e Simango, ficando assim constituída a direcção da


Frente de Libertação de Moçambique, uma organização já criada e que nos dias 23, 24 e 25
de Junho de 1962 se tratava apenas da sua constituição oficial através da integração dos
três movimentos que lhe deram origem, designadamente, UDENAMO, MANU e UNAMO.
Esta é a história da fundação dos movimentos de libertação deste País.
Voltando ainda aos heróis nacionais, devo dizer que depois de Adelino Guambe e Marcelino
dos Santos entrámos na fase dos membros fundadores da Frente de Libertação de
Moçambique. Os que fundaram a FRELIMO deviam constituir a segunda etapa dos heróis
moçambicanos. E tais fundadores são Adelino Guambe, Mahluza, Mahlayeye, Marcelino dos
Santos, Mateus Mhole, Samuli Diankala e Daúd Abdala.
Portanto, esta, tirando os dois que já estão no primeiro grupo de heróis, ficam cinco que
constituem a segunda etapa dos heróis deste País...
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Bibliografia

 NEWITT, Malyn, 1997, História de Moçambique, Publicações Europa-América, Mira-Sintra.


 RITA-FERREIRA. António. 1989. A sobrevivência do mais fraco: Moçambique no 3º quartel do séc. XIX.
Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical.
 MODLANE, Eduardo. 1975. Lutar por Moçambique. Maputo. Nosso chão
 HEDGES, David, CHILUNDO, A., ROCHA, A. et al., 1999, História de Moçambique: Moçambique no auge
do colonialismo, 1930-1961, vol. 2, 2ª ed, Livraria Universitária, Maputo.
 HISTÓRIA de Moçambique: Educação colonial de 1930-1974. Disponível em http//www.wikipedia.org.
Acessado em 06 mar 2009.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

UNIDADE TEMÁTICA IV: MOÇAMBIQUE,


INDEPENDÊNCIA E PÓS INDEPENDÊNCIA
Introdução

Após o assassinato de Mondlane em 1969, ocorreram algumas alterações no perfil da


FRELIMO. A mais significativa dessas mudanças teria sido a luta interna pelo poder dentro de
suas fileiras, uma disputa que teria levado à expulsão de Uria Simango (um de seus
fundadores). É neste contexto que a FRELIMO será liderada por Samora Machel, em 1970. As
negociações para a transição política para a Independência Pós-Revolucionária dos Cravos em
Portugal (já sob os auspícios do MFA português - Movimento das Forças Armadas), os termos
do Acordo de Lusaka, Zâmbia de 1974, entre muitos outros momentos-chave da história de
Moçambique, decorreriam sob a sua liderança. 29

O processo da independência de Moçambique será o tema do debate nesta secção,


como foi visto anteriormente, a pressão armada levada a cabo pelo movimento da Frente de
Libertação de Moçambique e o contexto da guerra fria internacionalmente foram factores
que facilitaram o processo da negociação entre a FRELIMO e o Governo Português. Neste
sentido, nos meados da década 70 pôs-se fim de uma colonização efectiva que durava a quase
um seculo, era o princípio de uma nova era de Moçambique.

Objectivos

 Analisar o contexto e o processo da cedência da independência de Moçambique pelo governo


português;
 Perceber os intervenientes do processo da assinatura do Acordo de Lusaca.

INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE

Após 25 de Abril a primeira prioridade de Spínola era a consolidação do poder em


Portugal, os grandes partidos antifascistas – o Partido Socialista de Mário Soares e o Partido
Comunista de Álvaro Cunhal – não deferiam nesta altura, nas suas concepções gerais. O PCP
tinha desempenhado um papel central na criação de uma consciência antifascista em Portugal
antes do Golpe de Estado e, durante a maior parte do tempo, tinha lutado só. Num
comunicado conjunto publicado alguns meses antes de 25 de Abril, ambos os partidos
tomavam uma posição inequívoca sobre a questão colonial. Eles exigiam o fim da guerra
colonial e negociações para independência dos povos de Angola, Guiné e Moçambique.

Enquanto isso, a 3 de Maio de 1974, em Dar-Es-Salam, o Comité Executivo da FRELIMO,


reuniu-se para debater a nova situação em Portugal, e para continuar o esforço da guerra

29
Marçal de Menezes Paredes, A construção da identidade nacional moçambicana no pósindependência: sua
complexidade e alguns problemas de pesquisa, Anos 90, Porto Alegre, v. 21, n. 40, p. 131-161, dez. 2014
122
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

para libertar o pais e reafirmar uma vez mais os princípios que tinha guiado a luta e as
condições que poderiam trazer uma solução pacífica para a guerra de 10 anos.

Nessa reunião Samora Machel afirmou:

"A Independência não é negociável. É um direito inalienável do Povo moçambicano. No


entanto, nós estamos prontos para discutir as modalidades de transferência da soberania
para o Povo moçambicano do qual a FRELIMO é o único representante legítimo"

A 9 de Maio de 1974, o presidente do Comité de Descolonização das Nações Unidas, o


Tanzaniano Salim Ahmed Salim, recebeu o pedido formal por parte dos movimentos
nacionalistas da conferência das organizações Nacionalistas das colonias Portuguesas
(CONCP) a exigir a independência total e imediata das mesmas. E obrigava a entrada imediata
as negociações com os movimentos reconhecidos pela OUA para acabar com o colonialismo.

No dia 10 de Maio, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Tanzania, Congo, Zaire e


Zambia encontraram-se em Dar-es-Salaam com os movimentos nacionalistas reconhecidos
pela OUA, para estabelecerem uma posição comum em relação ao regime de Lisboa. Mas o
Chefe de Estado português não estava preparado para desistir e procurou o apoio de países
africanos no seio da OUA que pudessem apoiar a sua política de cessar-fogo imediato. Sem
esta condição não seria possível o processo de descolonização.

Na verdade Spínola pretendia quebrar o isolamento que tinha herdado do Portugal de


Caetano procurando afastar os aliados naturais dos movimentos nacionalistas da CONCP
forçando-os a negociar segundo suas condições. Spínola contava com apoio de Leopold
Senghor presidente de Senegal e com o presidente de Nigéria General Gowon.

Mas na cimeira de Mogadishu de 13 de Junho, o grupo moderado de Senghor e


companhia foram derrotados. Os líderes africanos, apoiando as posições da FRELIMO,
decidiram que a reabertura das relações diplomáticas com Portugal dependeria do
reconhecimento por parte de Portugal direito das suas independências. A OUA recusou as
propostas de Spínola.

Foi nesta fase que a Zâmbia começou a desempenhar um importante papel. As guerras
coloniais de Portugal tinham provocado sérias consequências na economia zambiana: o seu
cobre era escoado com grandes dificuldades através de linhas férreas que passavam através
de zonas de guerra para os portos de Lobito, em Angola, e Beira, em Moçambique. O
Presidente Kenneth Kaunda tinha tentado em vão chegar a um acordo com Caetano sobre
uma solução negociada para as guerras de libertação nacional.

Os líderes da FRELIMO aceitavam em princípio a necessidade de negociações. Quando


foram contactados pelas autoridades, eles concordaram em encontrar-se com portugueses
na Zâmbia, embora as propostas de Spínola não lhes merecesse grande consideração. Mário
Soares dirigiu a delegação portuguesa, que permaneceu entre 4 e 6 de Junho em Lusaka. Com
mandato de Fazer uma ideia geral da situação e, se possível chegar a um cessar-fogo.

123
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Para a FRELIMO, o cessar-fogo passaria necessariamente da independência total e


completa de Moçambique. Mário Soares compreendia, decerto, a linha de argumento de
Samora Machel. Talvez desejasse distanciar-se da posição de Spínola quando assinou um
comunicado conjunto com a FRELIMO no qual reconhecia que o estabelecimento de um
cessar-fogo esta condicionado a concordância de princípios básicos. A delegação portuguesa
regressou a Lisboa dividida e sem quaisquer resultados concretos para apresentar.

Em Moçambique, a guerra da guerrilha da FRELIMO, que já tinha atravessado o Rio


Zambeze, e haviam atingido a região centro sul com um apoio activo da população africana.
Os colonos que puderam, fugiram para Portugal aos milhares, enquanto outros procuravam
refúgio na Rodésia e na África do Sul.

Os cofres de estado colonial estavam praticamente vazios. Não era possível pagar as
importações, os preços dos produtos e serviços subiram em flecha e Portugal reconhecia que
a guerra não podia ser vencida através de meios militares. Uma delegação maior dirigida pelo
major Melo Antunes, Mário Soares, Almeida Santos seguiu-se para Dar-es-Salaam de 14 a 17
de Agosto e conseguiram lançar os alicerces para as negociações finais do acordo de
transferência do poder entre o governo Português e a FRELIMO.

A 7 de Setembro de 1974, o Governo português e a FRELIMO reuniram-se em Lusaka,


uma cidade da Zâmbia, para assinar o acordo que daria a independência de Moçambique. O
documento assinado ficou conhecido como “Acordos de Lusaka”, o qual detém os seguintes
pontos:

 O Estado português tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência,


aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre
o território a todos níveis;
 A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada a 25 de Junho de
1975, dia da fundação da FRELIMO;
 Formação de um Governo de transição nomeado por acordo de ambas partes com tarefa de
promover a transferência progressiva de poderes e preparar a independência, assegurar a
ordem pública, a função legislativa, promover a não descriminação racial, étnica, religiosa, ou
com base no sexo;
 FRELIMO e Portugal afirmam o seu propósito de estabelecer e desenvolver laços de amizade
e cooperação construtiva nos domínios cultural, técnico, económico e financeiro.

Extracto 4

As Nacionalizações30

Vladimir Borodin, num artigo publicado pela Imprensa moçambicana pouco após a
Independência — com todo o destaque devido a um colunista soviético — diz que ainda antes da

30
Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977
124
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

grande revolução de Outubro de 1917, Lenine frisava a necessidade da abolição de propriedades


privadas, fábricas, empresas, banca, caminhos-de-ferro, pois sem a sua transformação em
património nacional seria impossível liquidar o domínio da burguesia. E descrevia todo o processo
leninista. O povo moçambicano tomava, pois, conhecimento, por intermédio de Vladimir Borodin,
das instruções políticas recebidas por Samora Machel dos seus patrões moscovitas.

Samora Machel põe em prática, sem organização, sem estruturas económicas, sem quadros,
as realizações de Lenine no princípio do século. Alheando-se às realidades moçambicanas, plagia
todo o processo comunista de nacionalizações sem medir as consequências, sem verificar que a
fuga do povo moçambicano para a Europa e para outros países africanos se devia à não
concordância com a sua política. E, não se contentando com a nacionalização das grandes
empresas, com a luta contra o capitalismo, a média e a baixa burguesia, faz mais pobre a pobreza,
freando o desenvolvimento económico sob um controlo estatal arcaico. Os primeiros meses de
Independência caracterizam-se pela progressiva agudi-zação da situação social. As ajudas
estrangeiras não resolvem o problema, pois os empréstimos não fazem mais do que incrementar
o déficit. As nacionalizações, repentinas e sem estudo prévio, agravam ainda mais a situação
económica e financeira. Imprevistas, as nacionalizações vieram imediatamente a seguir a um
discurso do Presidente Samora, e o povo não recebeu de bom grado mais essa prova de ditadura.

Foram nacionalizadas as terras, porque apenas o Estado, que é popular, pode ser senhor de
propriedades. Foram nacionalizados os edifícios, porque as casas são do povo. Foi nacionalizada
a medicina, porque a saúde é um direito do homem. Foram nacionalizadas as agências funerárias,
porque é crime negociar com a morte. Foi nacionalizada a advocacia, porque a Justiça é popular.
Foi nacionalizado o ensino, porque todo o homem tem o direito de saber. Filosoficamente,
definindo a situação, afirmar-se-ia que tudo quanto existe em Moçambique passou a ser do povo.

Mas será assim? Vejamos, uma a uma, as medidas de nacionalizações e as concretas conse-
quências imediatas:

AS TERRAS

Moçambique, com uma área de cerca de 790 mil quilómetros quadrados, tem grande parte
das suas terras produtivas por aproveitar. As que de maior importância foram até agora
agricultadas deixaram de o ser ao passarem para o Estado, porque pertenciam a particulares que
se viram despojados do que lhes pertencia e abandonaram o país. O Estado não possuía quadros
técnicos para os substituir.

As produções, mesmo assim, reduzidas em proporção à capacidade produtora dos espaços


cultivados, são conseguidas em complexos agrícolas ainda organizados, a maioria multinacionais,
e não em iniciativas estatais ou do povo. Toda a produção de açúcar parte de grandes empresas,
nomeadamente da «Sena Sugar Estates», da «Açucareira de Moçambique» e da «Maragra».

Os plantadores particulares, localizados nos arrebaldes destas empresas de capital estrangeiro,


que auxiliavam a produção para que as fábricas laborassem em pleno, foram os primeiros a
abandonar os campos, forçados à desistência pela falta de mão-de-obra. O moçambicano menos
culto negou-se a trabalhar após o 25 de Junho, ou passou a exigir salários que nenhum empregador
podia satisfazer, transformando-se a mão-de-obra moçambicana numa das mais caras do mundo.

125
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Os mesmos problemas passaram a afectar a produção de chá, na mão de empresas do Gurué,


de Licungo e de Milange, nomeadamente os importantes complexos agro-fabris dos grupos
«Junqueiro», «Monteiro & Giro» e «Sena Sugar Estates». Todas estas empresas baixaram as
produções pelos motivos apontados, e os mesmos problemas tocaram as concessionárias de
algodão, de quenafe, de arroz, de caju, de tabaco e de copra, agriculturas exploradas, no tempo
português, por importantes colossos económicos, que caminharam com rapidez após a Indepen-
dência para o total abandono pelas entidades empresariais, não substituídas por competentes
administrações estatais mas por oportunistas Grupos de Trabalhadores que as atiraram para a
ruína.

As ricas terras moçambicanas voltavam a ser selva. Cobriam-se as ruínas e as dores do


desemprego e da fome com a bandeira marxista. Sob as bênçãos de Moscovo, Moçambique
afundava-se na mais confrangedora pobreza. O que restou? Apenas aquilo que o povo cultiva junto
ao casebre, produtos de consumo corrente, em quantidades muito inferiores às carências
nacionais. Moçambique, considerado oficialmente como um país de agricultores, passou a
importar todos os produtos agrícolas que consome. E, enquanto o povo se compenetra da real
ameaça soviética, o Governo segura-se à esperança das machambas colectivas, distribuídas por
comunas humanas. Mas o povo não apoia nem aceita essa tão apregoada técnica comunista.
Ninguém pode, de certeza, adivinhar o futuro, mas a miséria e a fome actual são já importantes
motivos de meditação.

OS EDIFÍCIOS

Serviu a nacionalização dos edifícios para uma melhoria de vida das populações? Em princípio
cuidou-se que esta iniciativa do Governo moçambicano, que tanto prejudicou a colónia portuguesa,
viria solucionar o problema habitacional das massas menos favorecidas economicamente,
proporcionando a grande parte das famílias um lar. No dia 3 de Fevereiro de 1975 Samora Machel
expressa-se neste sentido:

«Agora vocês não vão levar para os edifícios que eram dos colonizadores, para aqueles andares
todos, para aquelas casas que foram vocês com o vosso trabalho que os construíram, com o vosso
trabalho forçado e desumano, não vão levar para lá as vossas galinhas, os vossos cães, os vossos
cabritos, os vossos porcos. Ë ou não é?...»

E apreensivo:

«...Nem vão levar para lá o pilão. Não vão levar para lá o pilão e bater com o pilão lá em cima.
É ou não é?... Vocês a bater no pilão as casas vinham todas cair cá em baixo. Ë ou não é?...»

Eram, pois, para o povo as casas nacionalizadas sem qualquer indemnização aos antigos
proprietários (falou-se nela, é verdade!), e assim pensou o povo, ainda pouco acostumado às
manobras políticas do Partido. A Imprensa, na sua boa fé fez-se eco dessa opinião, e o «Notícias da
Beira», em preâmbulo a uma espécie do inquérito público, publicou o seguinte:

«O direito ao alojamento, que corresponde à satisfação duma necessidade essencial e elementar


de cada cidadão e da sua família, é objecto de uma especulação sem limites, que conduz ao
enriquecimento escandaloso de um certo sector da burguesia colonial, eis uma das razões da recente
nacionalização dos prédios de rendimento, expressa num comunicado oficial, no dia seguinte à
medida ter sido anunciada pelo camarada presidente. Por outro foram objectivos concretos

126
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

daquela decisão governamental liquidar o racismo, a discriminação racial e social que ainda existem
na nossa sociedade, acabar com a divisão para criar uma verdadeira unidade de todo o povo sem
distinções de espécie alguma e permitir ao povo tomar a cidade, vivendo nela, deixando esta de ser
propriedade de um certo número de exploradores que desprezam os trabalhadores.

Um outro objectivo da recente nacionalização, igualmente importante, é poder-se agora


organizar no seio da cidade uma verdadeira vida colectiva, isto é, organizar a democracia no seio da
cidade, de modo a que todos participem na discussão e resolução dos problemas da vida colectiva,
criando assim as bases para o exercício do poder popular democrático, o alicerce político da nossa
sociedade, tal como também vem expresso naquele comunicado da Presidência da República.»

É isso? ... Pois bem:

Cerca de um ano volvido, as rendas continuam elevadas, algumas até subiram de custo, e os
edifícios vagos continuam sem inquilinos para os habitar. Apenas mudou o senhorio, que agora é
o Governo da República Popular de Moçambique, por intermédio de uma nova repartição que
ofereceu lugares optimamente remunerados a um grupo de protegidos do Partido — na maioria
familiares dos membros do Comité Central — e que foi denominada Administração dos Prédios
do Parque Habitacional do Estado, embora efectivamente a administração seja exercida pelo
Montepio de Moçambique ... umas das estruturas colonialistas.

Mas não só:

Os atrasos nos pagamentos de rendas são punidos com multas, e, sendo o senhorio apenas
uma entidade, as bichas nos dias de pagamento ocupam quilómetros de artérias citadinas. O povo
foi traído pela demagogia governamental e continua a viver onde sempre viveu, sentindo nos
bolsos a mesma ausência de dinheiro para habitar a residência que deseja. O direito ao
alojamento continua a ser comprado ao capitalista, só que o capitalista agora è o Estado, que
baseia a cobrança das rendas no seguinte:

«Tornar possível recuperar parte do dinheiro aplicado na construção ou compra de prédios,


conseguidos através de empréstimos feitos pelos bancos estatais e que ainda estão por amortizar,
possibilitando, por outro lado, a construção de novas habitações, valer aos encargos das obras em
curso dos prédios em construção, que estão a ser levados a cabo sob a responsabilidade do Estado a
partir da estatização dos prédios de rendimento...»

Estas afirmações não podem em hipótese alguma responder às interrogações do povo


ludibriado.

Quanto gastou o Estado na aquisição dos imóveis? A resposta é: Nem um chavo!

Os antigos proprietários devem aos bancos estatais? Mas que bancos estatais? Não passaram
eles para o Estado sem que este investisse na sua aquisição?

E onde estão os capitalistas, se o próprio Governo reconhece que os imóveis, por ele
nacionalizados sem dispender qualquer indemnização, pertenciam a pessoas que para os
adquirirem, ou para os construírem, necessitaram de apoio da banca? Que capitalistas eram
então? Sabe-se que os revolucionários moçambicanos desprezam a bagagem embaraçante da
interrogação do povo, de que se dizem parte integrante, mas o povo moçambicano, sabendo que

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

não houve na revolução do seu país um revolucionário que soubesse prever as consequências,
até ao pormenor, da revolução que dirige, continua a perguntar:

Quais foram os capitalistas abrangidos pelas nacionalizações?

Noventa por cento dos proprietários perderam o fruto do esforço dispendido durante grande
parte da existência. O que o Estado abocanhou era o produto de economias trabalhosamente
adquiridas. Assim, à luz da opinião generalizada, não deveria o Governo de Moçambique reavaliar
os seus actos, cingindo-se aos princípios de justiça tão apregoados pelo socialismo? ...

Não deveria proceder a humanas indemnizações?

A MEDICINA

O país possui cerca de nove milhões de habitantes espalhados pelos seus quase 800 mil
quilómetros quadrados. Ao serviço do povo ficaram, depois da nacionalização da medicina, menos
de duas dezenas de clínicos, o que dá, na melhor das hipóteses, um médico para 450 mil pessoas.
Como todos eles habitam cidades é fácil de estimar, «à priori», o número de habitantes desprezado
pela assistência médica.

As bichas de doentes nos hospitais têm início às primeiras horas do dia e prolongam-se pela noite
adiante, levando muitos doentes à morte antes de receberem a marcação da consulta. A consulta,
porém, apenas é conseguida entre três e quatro meses depois de marcada, mesmo para os casos
mais graves. Muitos doentes desistem e aguardam calmamente a morte, ou recorrem às
manigâncias dos curandeiros e dos feiticeiros.

Entre os poucos doentes felizes, que à altura da consulta lhes é facultada hospitalização,
aumentou de forma assustadora a percentagem de mortalidade. Em Julho de 1976 o número de
doentes hospitalizados, que tinham baixa para os cemitérios, havia aumentado de 2,4 por cento
(Janeiro de 1976) para 41,6 por cento, números que retratam o descrédito em que caiu, para não
mais se erguer, o serviço hospitalar do país, que passou a estar nas mãos de para-médicos
chineses, coreanos e cubanos que cumprem escrupuloso horário de trabalho como o mais vulgar
manga de alpaca burocrático.

Para onde foram os médicos de Moçambique? Claro que regressaram à Europa, pois eles
próprios foram vítimas de perseguições e o povo passou a recorrer à Rodésia até ao encerramento
das fronteiras. Samora Machel sabia isso ao rigorosamente cumprir as instruções de Moscovo,
mas, mesmo assim, condenou à morte grande parte do seu povo.

A solução de emergência encontrada por Samora Machel foi atrair ao país médicos coreanos,
chineses e cubanos que não falam a língua, e que na prática têm demonstrado serem possuidores
de pequena experiência de enfermagem e de socorros. E é sintomático ver-se que nenhum
membro do Governo recorre ao serviço destes clínicos; vai ao estrangeiro em busca de medicação,
podendo-se assinalar, para já, a saída dos ministros Joaquim Cabaço e Graça Simbine, em busca
de medicina estrangeira, recurso que não pode ser seguido pelo povo moçambicano.

A afirmação de Samora Machel de que o povo passou a ter ao seu serviço uma medicina
verdadeiramente popular é desmentida pela negra realidade: O povo sabe que deixou de contar
com a medicina.

128
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

AS AGÊNCIAS FUNERÁRIAS

Passou o Estado a ser o enterrador mas não baixou os preços dos funerais. As tabelas
anteriores são respeitadas, no que se refere aos enterramentos populares, e ao povo de menores
recursos económicos foi retirada a possibilidade de recorrer aos carpinteiros de «biscate». Nestes,
o povo pagava uma bagatela por um caixão, mas essa actividade passou a ser considerada
criminosa por ser concorrente a uma receita estatal.

Morre-se, pois, mais, pelo mesmo preço.

A ADVOCACIA

O povo deixou de ter direito à defesa experiente de um advogado. Mas para que o queria, se
a Justiça é praticada pela Frelimo, por intermédio dos seus agentes de confiança?

E quem se defende? — E onde se pode defender?

Algum dos prisioneiros portugueses que enchem as cadeias do país, foi presente a
julgamento? E o povo necessita de quem o defenda com base na lei, se a única lei em vigor são as
determinações do Partido, quantas vezes em contraste com quanto se encontra legislado?

A EDUCAÇÃO

Também a educação é estatal. Mas como é ela processada? A resposta é simples: A


preocupação do Ensino é política. Ela tem por finalidade construir o homem novo. E como se
constrói esse homem? O meu filho, de cinco anos, frequentava a pré-primária. Ia todas as tardes
para a Escola, situada num edifício ao lado do que eu habitava, uma Escola do Povo, colégio
particular antes das nacionalizações.

Da janela da minha casa via-o no terreiro antes de entrar nas aulas, formado em regime
militar com outras crianças da sua idade. Eram centenas de miúdos de todas as raças. Em correcta
posição de «sentido» entoavam, durante cerca de meia hora, canções revolucionárias que não
entendiam, mas que lhes iam ficando grudadas aos pequenos cérebros. Davam «vivas» à Frelimo e
a Samora Machel, faziam muitos «abaixos» e só depois começavam as lições sem livros, sob
rigorosas instruções do Partido. As lições eram políticas e o tema principal era a vigilância. Ou
melhor: A denúncia. O meu pequeno filho chegou a afirmar, sem entender a maldade que pra-
ticava:

— Se falar mal da Frelimo eu vou dizer à Polícia.

Era isso, exactamente, o que ele aprendia. E era isso, exactamente, o que mais vezes lhe
ensinaram. E isso continuarão ensinando até a criança entrar na adolescência e dela passar à
maturidade. Nenhum dos futuros homens novos terá a possibilidade de escolher a sua carreira,
fazer a vontade aos pais, ou seguir uma vocação. O seu futuro é marcado, desde o início, pelo
Partido, até à sua formatura. E os protegidos, tão condenados pêlos revolucionários extremistas,
passam a existir, mas como protegidos pela Frelimo.

O leitor pode pensar que eu dramatizo a situação, que também contribuiu para o afastamento
de Moçambique de muitos portugueses. Em defesa da minha a mação transcrevo, sem
comentários, uma entrevista concedida por Samora Machel ao «Tercer Mundo»: «Tercer Mundo»
129
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

— Quais são as relações actuais e o projecto de relações futuras, da Universidade com a Frelimo?
Conhece certamente as dificuldades que têm surgido em muitos países revolucionários do Terceiro
Mundo com a Universidade?

Samora Machel — Já temos a nossa política a esse respeito. A Universidade será dirigida pelo
Partido. De futuro os que irão para a Universidade serão indicados pelo Partido. Estudarão para ter
capacidade de realizar as tarefas que a nação exigir.

«Tercer Mundo» — Não para realizar uma aspiração pessoal.

Samora Machel — Não, não absolutamente. E isso não o escondemos. Dize-mo-lo. É o que temos
feito ao longo dos treze anos de experiência da Frelimo. O Partido é que indicava quem devia
prosseguir os seus estudos na Tanzânia. E chegámos a um ponto de desenvolvimento em que os
próprios colegas era quem decidia quem devia prosseguir os estudos. Cremos que esse método
deve continuar. E esse método democrático, assinalámo-lo, existe também a nível militar.

É pois esta a Educação que espera a juventude moçambicana. Samora Machel tenta justificar
a sua teoria absurda num moralismo hipocritamente democrático, ao colocar a Universidade — e
toda a Educação — não ao serviço das ciências mas unicamente da política, fazendo dela o
espelho de uma sociedade escravizada, composta por homens de carregar no botão, de cães de
guarda de uma ideologia importada.

Esta é uma apreciação realista da situação das nacionalizações em Moçambique que contribuiu
para a queda da Frelimo no crédito popular. Vistas assim, em retrospectiva, fazem ver claro as
dádivas do Céu que caíram sobre o povo moçambicano e sobre os estrangeiros que confiaram na
linha política do Partido, naquela linha que foi mostrada nos dias que antecederam a
Independência e nas palavras encorajantes que partiram dos membros do Governo de Portugal,
que acusaram de cépticos e de pessimistas quantos, a tempo, passaram as fronteiras, levando
consigo ainda alguma coisa de seu. E é nos que regressam agora, transportando histórias tristes,
que os governantes portugueses sentem as consequências da sua atitude.

A problematização do subdesenvolvimento em números

Em Outubro de 1994 tiveram lugar as primeiras eleições multipartidárias em


Moçambique independente. Acreditava-se que com a mudança de sistema político, seria fácil
atingir o desenvolvimento. De lá a esta parte, vários estudos realizados mostram que
Moçambique, apesar de ter feito progressos significativos em algumas áreas, continua a ser
um dos países mais pobres do planeta. Dados mais recentes revelam que, anualmente, o país
regista cerca de 20 mil novos casos de diferentes tipos de cancro dos quais só perto de 3 mil
sobrevivem31 e, no mesmo intervalo de tempo, cerca de USD 1.6 biliões são perdidos devido

31Marinela, Cledy. «Apenas três mil pessoas com cancro sobrevivem anualmente no país.» Jornal O País, 13 de Outubro de
2018, p. 1.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

à desnutrição crónica.32 O seu ranking internacional é revelador. Em 2015, era o 8º dos 188;33
em 2014 estava no 10º lugar;34 em 2013 estava em 3º lugar entre países mais pobres.35

A herança do socialismo não deixava margem para dúvidas. Á nacionalização da saúde


fizera com que vinte médicos estivessem ao dispor de nove milhões de cidadãos, aumentando
a percentagem de mortalidade. De Janeiro a Julho de 1976, o número de doentes
hospitalizados, havia aumentado de 2,4% para 41,6%, quando o serviço hospitalar do país
passou a contar com para-médicos chineses, coreanos e cubanos.36 Ao longo dos primeiros
20 anos de independência, os indicadores econômicos do PIB do país haviam deteriorado, de
modo que, em 1994, haviam caído para 50% em relação ao nível de 1974; produção industrial
em 25%, produção agrícola em até 51% e receita de exportação em até 60%.

32 Arante, Edson. «Moçambique perde anualmente cerca de USD 1.6 bilião devido à desnutrição crónica.» Jornal O País, 15
de Outubro 2018: 3
33 Caleiro, João Pedro. Exame. 13 Set 2016. https://exame.Abril.com.br/economia/os-10-paises-mais-pobres-do-mundo/

(cedido em Out 09, 2018)


34 Redacção. «Moçambique está no “Top-10” dos Países Mais Pobres do Mundo.» @Verdade, 31-07- 2014, p. 1.
35 Riffel, Bettina, Helena Ferro de Gouveia, ve Renate Krieger. Deutsche Welle. 03 Março 2013. https://www.dw.com/pt-

002/mo%C3%A7ambique-em-antepen%C3%BAltimo-no-relat%C3%B3rio-da-onu-sobre-desenvolvimento-humano/a-
16678138 (cedido em Out, 9, 2018)
36 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 75.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Na tabela abaixo, Castel-Branco observa que esse período foi marcado por crises e
reconstrução, mas a recuperação não colocou o país em estágio anterior à crise.37
132
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O declínio deveu-se a vários factores, um não mencionado por Castel-Branco, na


Zambézia. Durante a pesquisa que fizemos na Zambézia, conseguimos construir um
pensamento lógico sobre como os zambezianos percebem o tema que pode ser apresentado
da seguinte maneira. Esta foi a província que mais perdeu com a descolonização. Desde 1890,
esta província contribuía anualmente em peso no Produto Interno Bruto de Moçambique,
uma situação que durou até os primeiros anos de independência, mas depois se deteriorou.
O que garantia esta força da Zambézia eram os grandes investimentos capitalistas: empresas
arrendatárias da Zambézia, Boror, Luabo, Societé du Madal, Empresa Agrícola do Lugela, Sena
Sugar Estates. etc., além das grandes plantações de Chá do Gurúè, Arroz de Nante, Algodão
em Mocuba, entre outras. Todos esses investimentos empregavam grande parte da força de
trabalho jovem, que depois foi para o desemprego em massa com a descolonização.

Os patrões saíram e ficaram entre zambezianos, sem capital para investir nesses
monstros, nem o conhecimento para dar continuidade a esses projectos. Tudo foi à falência.
A avalanche de jovens desempregados na Zambézia tornou a classe vulnerável. Muitos se
revoltaram contra a Frelimo, que mandou embora seus patrões sem conseguir emprega-los.
Tantos jovens se juntaram às fileiras da Renamo e foram para a batalha. Consequentemente,
a guerra trouxe retrocessos ainda maiores para a província, aumentando a pobreza. A
Zambézia, outrora centro de atracção e detentora de serviços, adormeceu. O desemprego
atingiu níveis alarmantes e a juventude continuou frustrada. E o "culpado" de tudo isto era "a
Frelimo que mandou o patrão embora". Desde a independência até à data não existem
projectos na Zambézia que superem aqueles do tempo colonial e que empreguem muitos
jovens, os quais vão a Nampula como empregados domésticos.

Uma análise cuidadosa sobre a transição do socialismo ao capitalismo em Nampula,


Cabo Delgado e Niassa também permitiu-nos criar uma interpretação histórico-antropológica.
Nas zonas norte e costeira, a Frelimo violou as estruturas mais básicas de organização social
da região. A autoridade tradicional dos xeques foi esvaziada, como aconteceu com os
governantes tradicionais no resto de Moçambique, acusados de terem sido colaboradores da

133
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

administração colonial.38 As comunidades locais arabizadas ficaram sem seus líderes,


substituídos por chefes de grupos dinamizadores escolhidos nas mais baixas castas da
população. Isso violou completamente o tecido antropológico local e criou feridas que não
foram curadas nem minimizadas quando, com a transição democrática do início da década de
1990, a Frelimo recuperou as chamadas "autoridades tradicionais".

A desestruturação das autoridades tradicionais cujo poder e sua relação com o Estado
tem tido crescente interesse, isto é, aquelas cuja legitimidade é garantida por aqueles que
governam segundo normas que não as do Estado moderno39 e dos poderes clericais, ao
mesmo tempo em que evitou o fortalecimento do poder paralelo, no confronto entre o novo
e o velho, contribuiu para o enfraquecimento do espaço de debate sobre questões
importantes. As igrejas e o poder tradicional eram fundamentais na promoção dos valores
democráticos. Em 2005, Chissano deixou o poder enquanto os efeitos da guerra e das
inundações de 2000 ainda eram visíveis, tendo sido substituído por Armando Guebuza, que
foi o último líder da geração de libertadores.

Guebuza foi o conceptor de projectos de distribuição da riqueza e com ele Moçambique


começou a afirmar-se no plano internacional numa altura em que uma pergunta, muitas vezes
repetida, era saber como se faz a redistribuição da riqueza. Guebuza compreendera que a
pobreza não é combatida com a oferta de dinheiro para as pessoas e que a fórmula mais eficaz
é tornar as pessoas mais contribuintes no sistema econômico do país. Este só seria feito
através de políticas governamentais que encorajassem o acesso a oportunidades de produção
individuais, para que as pessoas encontrassem oportunidades para serem mais
empreendedoras e trabalhadoras. Ao mesmo tempo, Guebuza estava consciente que as
relações “sempre internacionais” tinham suas exigências e que não bastava uma boa vontade
para as coisas acontecerem. Concebeu o projecto sete milhões por distrito com uma dupla
vantagem: os pobres teriam acesso ao dinheiro sem passar pela burocracia dos bancos e o
governo passaria a ter contribuintes. O que muitas pessoas condenam é a prática e não o
projecto em si.

Mas no seu conjunto, a governação dos “antigos combatentes” como gostavam de ser
chamados, foi um fracasso. A urbanização projectada com os campos de reeducação e aldeias
comunais não se efectivou. Os traçados de estradas e muitos edifícios governamentais ainda
em uso foram desenhados e deixados pelos colonialistas. Hoje assiste-se à uma luta pela
posse de espaço em cidades herdadas do colono. O PPI e o PRE/PRES através da
“colectivização do campo, industrialização e formação”40 fracassaram. Igualmente
fracassaram o Proagri, enquanto Política Agrária e Estratégia de Implementação elaborada

38 Samajo, José Augusto, Administração Local do Estado (1975 - 2002) – Processo de Articulação dos Órgãos Locais do Estado
com as Autoridades Comunitárias no Âmbito do Decreto n.º 15/2000 de 20 de Junho (Caso do Distrito de Chinde), Maputo:
UEM (Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais), 2002, p. 18.
39 Meneses, Maria Paula. «Poderes, direitos e cidadania: O ‘retorno’ das autoridades tradicionais em Moçambique.» Revista

Crítica de Ciências Sociais 87, Dezembro 2009: 9-42.


40 Castel-Branco, Carlos Nuno. «Opções Económicas de Moçambique 1975-95: Problemas, Lições e Ideias Alternativas.» In

Brazão Mazula: Moçambique Eleições, Democracia e Desenvolvimento, 1995: 581-636.


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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

em 199541, o Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA 2000-2004; 2006-
2009) e o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP 2011-2014).42

Desde 1994, quando começaram a ser apresentados sistematicamente os relatórios


sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, não há memória de Moçambique ter
ultrapassado a décima posição. Talvez alguém seja tentado invocar a guerra para justificar
isso, mas Moçambique não é o único país que teve guerra, com outros melhor colocados hoje,
aqueles com mais tempo de guerra e até genocídio. A preocupação permanece inalterável
quando se sabe que, durante todo este tempo, o país é governado pelo mesmo partido, por
sinal mais organizado do que o próprio Estado. A partir de 2005, o país entrou em um período
de forte crescimento econômico, alcançando um crescimento médio anual de 8 a 10%,
tornando-se uma das economias que mais cresciam na África e no mundo. Mas esse
crescimento econômico contínuo não se reflectiu no desenvolvimento econômico, nem
reduziu os níveis de pobreza que, pelo contrário, viram-se agravados. As infra-estruturas se
desenvolveram significativamente, mas a taxa de desemprego, harmonizada segundo os
critérios da Organização Mundial do Trabalho, continuou alta, mesmo entre os estratos
formados, o que pode estar criando condições para a explosão social.

Entre 2008 e 2010, a fome piorou e houve, em resposta, revoltas devido ao aumento
dos custos de vida que foram prontamente reprimidas. A geração 25 de Setembro já deixou
o poder para a nova geração sem materializar o objectivo de tornar Moçambique um país
desenvolvido. A questão simples pode ser a de procurar saber o que falhou nas políticas para
Moçambique continuar pobre. Como é que um partido que tem instituições funcionais e que
controla a máquina do Estado não consegue fazer com que o Estado também tenha
instituições funcionais?

Programa de Reabilitação Econômica em Moçambique


A guerra, a seca, a crise econômica dos anos 1980 e o isolamento diplomático haviam
piorado a situação econômica e social e aumentado as necessidades de apoio externo de
Moçambique. A guerra havia destruído as infraestruturas econômicas e sociais como escolas,
hospitais, vias férreas, indústrias e rodovias; a seca causou a escassez de alimentos; a crise
econômica agravou a dívida externa e o isolamento diplomático impedia o acesso à ajuda
internacional de emergência na área alimentar. As reformas neoliberais foram introduzidas
para garantir a concessão de ajuda de emergência por causa da fome, acabar com a guerra
de desestabilização (movida pela Renamo com suporte da África do Sul), negociar o
reescalonamento da dívida e acesso a novos créditos e romper o isolamento diplomático com
os países ocidentais.
O Programa de Reabilitação Econômica em Moçambique teve duas fases. O Programa
de Reabilitação Econômica (de 1987 a 1990) e o Programa de Reabilitação Econômica e Social
(PRES) de 1990 até aos anos 2000. A terapia de choque imposta pelo Fundo Monetário
Internacional, provocou cortes drásticos nas despesas públicas, a redução de salários e um

41 Lundin, Iraê Baptista. Uma Visão Sobre o Proagri: Uma Análise do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD). Maputo: GMD,
2004, p. 19.
42 Brito, Luís de. Pobreza, “Parpas” e Governação Desafios para Moçambique . Maputo: IESE, 2012.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

aceleradíssimo processo de privatizações de empresas estatais e bancos comerciais, o que


provocou graves e profundas manifestações sociais. Greves, mobilizações sociais, conflitos
sociais e degradação moral da sociedade caracterizaram esse processo. “A consequência de
inúmeras manifestações de descontentamento (greves e mobilização de cidadãos e
trabalhadores), levou em 1990, à transformação do Programa de Reabilitação Econômica em
Programa de Reabilitação Econômica e Social”. (MOSCA 2005, p. 350)
Em 1983 Moçambique vivia uma forte crise econômica causada pela seca, o
fechamento da fronteira com a Rodésia do Sul, o isolamento diplomático e a guerra de
desestabilização. Este estado das coisas agravou a dívida externa do país que chegou a “atingir
97%” e precisava ser escalonada (HERMELE 1990, p. 2). Para resolver o problema da fome e
as consequências da guerra, em 1981 Moçambique tentou, sem sucesso, filiar-se ao
COMECON para obter apoio, não só para enfrentar a fome como também para acabar com a
guerra de desestabilização. Diante da recusa, Moçambique encetou negociações com o
mundo ocidental, que condicionou a ajuda, o reescalonamento da dívida e novos
financiamentos, à assinatura de acordo de paz com a África do Sul e à adesão às Instituições
de Bretton Woods (IBW´s) – Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). As
IBW´s impuseram a Moçambique um conjunto de obrigações:
 Cortar as despesas do governo – diminuição de salários e serviços sociais.
 Acabar com o envolvimento do Estado na economia e, o acesso ao crédito só podia ser
 Determinado pelas forças de mercado.
 Privatizar serviços e empresas do Estado ou controladas pelo Estado.
 Acabar com subsídios e controlo de preços.
 Desvalorizar drasticamente a moeda.
 Abolir os regulamentos que restringiam as actividades das empresas privadas.
 Liberar o comércio internacional de barreiras e minimizar as taxas de importação e
 Exportação; a produção nacional não podia ser protegida.
 Encorajar o investimento e as exportações (HANLON, 2008 p. 39).
Moçambique iniciou um processo de reformas políticas e econômicas para atender às
condicionalidades impostas pelas IBW´s para conceder ajuda solicitada. Foram feitas reformas
na política interna e externa do país. A Frelimo deixou de ser um partido de vanguarda
marxista-leninista e deu início ao estabelecimento de alianças com os antigos poderes
comunitários.
Apesar de ter resgatado o país dos escombros da guerra e da fome que matava milhares
de pessoas, as reformas neoliberais, em Moçambique, tiveram consequências deletérias. O
desemprego, a dívida externa, a corrupção, fuga de quadros do setor público para o sector
privado; Organizações Não-governamentais e representações de Instituições Financeiras
Internacionais e a degradação da qualidade de vida dos cidadãos foram as consequências da
implementação das políticas reformistas.
As reformas mais do que aliviar o país da desastrosa situação em que se encontrava,
apoiaram os interesses políticos e econômicos dos países ocidentais e das grandes
corporações multinacionais. Moçambique precisava romper o isolamento diplomático para
se aproximar de países influentes como os EUA, a Comunidade Econômica Européia (CEE)
actual União Européia (EU) subscrevendo-se ao tratado de Lomé. A aproximação ao Ocidente
permitiria ao país receber ajuda para enfrentar a crise econômica, a guerra, filiar-se às
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Instituições Financeiras Internacionais (IFI) e receber investimentos privados através do


Investimento Estrangeiro Direto (IED) (ABRAHAMSSON & NILSSON, 2001, p. 180).

Factores que Levaram Moçambique a Aderir ao Programa de Ajustamento Estrutural (PAE)


Razões internas, regionais e globais estiveram na origem do Ajustamento Estrutural que
inspirou o Programa de Reabilitação Econômica (PRE) em Moçambique. A crise econômica
que assolou o país no período compreendido entre os anos 1982 e 1987, provocada pela
guerra de desestabilização econômica e política; a redução de receitas em divisas devido ao
fechamento da fronteira com a Rodésia do Sul e a redução do uso de infraestruturas de
transportes e comunicação (portos e caminhos-de-ferro) pela África do Sul; a necessidade de
ajuda dos países ocidentais em decorrência da recusa de apoio do COMECON e a crise
econômica que gerou a alta de preços de petróleo, são apontados como principais factores
que levaram Moçambique a aderir ao Programa de Ajustamento Estrutural (PAE) que em
Moçambique, foi denominado Programa de Reabilitação Econômica (PRE).
Moçambique tinha conseguido sair da crise econômica do período pós independência,
quando os colonos portugueses abandonaram o país e, entre 1980-81, a economia do país
havia crescido. Todavia, a guerra de desestabilização, o fechamento da fronteira com a
Rodésia do Sul, em 1976, o bloqueio diplomático do Ocidente, a diminuição do recrutamento
de mão-de-obra moçambicana para trabalhar nas minas da África do Sul, do tráfego sul-
africano na rede de transportes e comunicação de Moçambique e o cancelamento do acordo
de pagamento do trabalho de moçambicanos nas minas sul-africanas em diferido, resultaram
numa grave recessão econômica e no agravamento da dívida externa que acompanharam a
evolução político-econômica do país até 1987, quando foi criado o Programa de Reabilitação
Econômica (PRE).
Em 1976, em cumprimento à decisão da ONU de embargo ao governo ilegal de Ian
Smith, Moçambique encerrou a fronteira com a Rodésia do Sul. O encerramento da fronteira
com a Rodésia reduziu o tráfego internacional de mercadorias, uma das principais fontes de
divisas; os prejuízos decorrentes das sanções e de agressões da Rodésia do Sul foram
estimados em 16.500 mil contos. (CARDOSO 2000, p. 133)31 Citado por (MOSCA 2005, p.
147).
Em Abril de 1978, o Governo da África do Sul rescindiu unilateralmente o Acordo de
1928 assinado com o governo colonial, através do qual parte do salário dos trabalhadores
moçambicanos nas minas era utilizado para adquirir ouro ao preço fixo. Assim, receitas que
durante décadas financiavam a economia colonial, subitamente deixaram de fazer parte da
arrecadação de divisas para a nossa balança de pagamentos (RATILAL)
A produção industrial e agrícola haviam parado em decorrência da guerra e da
estiagem; as exportações haviam diminuído e a dívida externa aumentara. “ A produção
agrícola só podia satisfazer 10% das necessidades que o mercado tinha de bens alimentares.
A indústria trabalhava a cerca de 20-40% da sua capacidade instalada. Os preços do mercado
paralelo eram 20-40 vezes mais altos do que os preços oficiais. Entre 1980 e 1981 o Produto
Nacional Bruto (PNB) tinha diminuído 30%”. (ABRAHAMSSON & NILSSON 1994, p. 48).

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A crise do petróleo provocou o colapso econômico de Moçambique. Durante o período


dessa crise, nos anos de 1980, Moçambique recebeu petróleo da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), Argélia, Líbia e Angola. Da Líbia recebeu petróleo a crédito, até
1983 e de Angola recebeu 3 navios com 35000 toneladas de petróleo (RATILAL in jornal
SAVANA 07.05.2010) 33. A intensificação da guerra no início dos anos 1980; a queda das
exportações e a subida dos preços de petróleo e das taxas de juro resultaram na falta de
dinheiro para as importações. As exportações caíram abruptamente provocando um colapso
econômico em Moçambique. A fome e a guerra seguiam matando gente. As populações eram
obrigadas a deslocarem-se das suas áreas de residência para outras consideradas mais
seguras nos países vizinhos e/ou junto aos arredores das cidades; a estiagem devastava os
campos e, na URSS – principal aliado de Moçambique – estava em curso a Perestróica e a
glasnost34 que culminaram com o fim do bloco socialista que marcou o fim da Guerra- Fria
em 1990.
Em 1981, Moçambique tentou em vão obter o apoio da COMECON. Diante de um
quadro de sofrimento das populações afetadas pela fome, guerra e à visível gradual
decadência da URSS na década de 1980, Moçambique decidiu recorrer aos países ocidentais
e às Instituições de Bretton Woods (IBW´s) com o objectivo de obter recursos e
financiamentos para a recuperação econômica do país.
A economia foi reestruturada seguindo as regras do Consenso de Washington e das
políticas neoliberais. Foi criada a Unidade Técnica para a Reestruturação das Empresas
(UTRE). Foi aprovada a Lei nº 15/91, regulamentada pelo Decreto nº 28/91 que fixava normas
para a reestruturação e regulamentação do setor empresarial do Estado, incluindo a sua
privatização e, importantíssimos bancos comerciais (O Banco Comercial de Moçambique –
BCM e o Banco Popular de Desenvolvimento – BPD). Estes bancos tinham assegurado a
sobrevivência do Estado durante o crítico período da guerra.

Objectivos do Programa de Reabilitação Econômica


O Programa de Reabilitação Econômica tinha o objectivo de realizar reformas
econômicas no quadro do Ajustamento Estrutural do FMI e BM, que preparassem
Moçambique para receber Ajuda Externa ao Desenvolvimento:
1) Reverter o declínio da produção e restaurar um nível mínimo de consumo e
rendimento para toda a população, particularmente nas áreas rurais.
2) Reduzir substancialmente os desequilíbrios financeiros internos e reforçar as
contas externas e as reservas.
3) Aumentar a eficiência e estabelecer as condições para um regresso a níveis
mais altos de crescimento econômico logo que a situação de segurança e outras limitantes
exógenas tivessem melhorado.
4) Reintegrar os mercados oficiais e paralelos.
5) Restaurar a disciplina das relações financeiras com parceiros comerciais e
credores (HERMELE 1990, p. 14).
Apesar de a ajuda destinar-se a resolver os problemas econômicos e sociais que
assolavam o país, ela aumentou a pobreza e reduziu o poder do Estado sobre as corporações
multinacionais, que investiam no país. A dívida externa aumentou e o país passou a depender
138
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

econômica e financeiramente da ajuda externa dos países ocidentais. Quanto mais ajuda o
país recebia mais dependente dela se tornava uma vez que a ajuda não se destinava a
construção infraestruturas que emancipariam o país da condição de pobreza.
Apesar do declínio econômico, no período de 1985-1990 ter apresentado uma reversão,
o ajustamento estrutural ocorrido em Moçambique teve consequências perversas. As classes
mais pobres, sobretudo das cidades, sentiram o efeito mais cruel do ajustamento estrutural.
Os funcionários públicos viram os seus salários diminuídos, reduzindo o seu poder de compra,
sem poder levar os seus filhos à escola e cobrir as despesas hospitalares; a economia do país
passou a depender do capital estrangeiro35 e a corrupção, a dilapidação do patrimônio
público passaram a caracterizar o comportamento da burocracia governamental.
Apesar do Ajustamento Estrutural ter provocado mais desgraças do que benefícios à
sociedade moçambicana, alguns benefícios ocorreram:
 O Programa de Reabilitação Econômica inverteu a tendência do declínio econômico.
 Aumentou o fluxo de ajuda alimentar e cooperação internacional, reduzindo as
consequências da fome, a incapacidade por endividamento do país e amorteceu o colapso do
sector externo; a negociação da dívida nos clubes de Paris e Londres e a abertura a novas
acessibilidades de financiamentos externos, resultaram diretamente da decisão de adesão de
Moçambique ao FMI e ao BM e da aplicação do Programa de Reabilitação Econômica.
 Os mercados e as lojas começaram a ter bens para a venda e muitos produtos que,
até então apenas existiam no mercado paralelo, passaram a ser vendidos.
 Os preços dos mercados paralelos e oficial aproximaram-se (incluindo no mercado de
divisas).
O Programa de Reabilitação Econômica, juntamente com outras medidas políticas e
diplomáticas, facilitaram o isolamento da República Sul-africana (RAS) e da Resistência
Nacional de Moçambique (Renamo), o que abriu caminho para a paz em Moçambique e na
região (MOSCA 2005, p. 346)
A realidade resultante do Programa de Reabilitação Econômica (PRE) levou à redução
da intervenção do Estado em setores sociais e à liberalização do mercado econômico e
financeiro. O resultado atingido por esse Programa foi o desemprego, o declínio do poder de
compra, a diminuição da frequência de crianças nas escolas; os serviços de saúde tornaram-
se relativamente inacessíveis aos mais pobres; a corrupção dos membros do governo e a
aprovação de políticas que permitiram a entrada dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED)
abriram espaço para a instalação de corporações multinacionais, que pouco beneficiariam o
país. O aumento da dívida externa do país atingiu níveis elevados. “Os créditos concedidos
pela ajuda externa faziam crer que as crianças de hoje e os seus futuros neto serão
prisioneiros da dívida ou dependentes dos créditos. Terão que permitir às corporações
transnacionais que delapidem os seus recursos naturais e ignorar a educação, saúde e outros
sectores sociais para pagar a dívida” (PARKINS 2004, p.48).

Com a introdução do Programa de Reabilitação Econômica diminuiu o poder do Estado,


a sua capacidade operacional e, o cidadão, perdeu o poder de compra. Com a fuga de quadros
técnicos para as Organizações Não Governamentais e para empresas de consultoria ou
empresas estrangeiras, o Estado perdeu grande parte da sua capacidade operacional e de

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

intervenção social. (OPPENHEIMER 1994, p.202) e (HERMELE 1988, p. 268), citados Por
(MOSCA 2005, p. 318 e 343)
Os quadros mais qualificados e competentes do Estado passaram a colaborar com as
Organizações Não Governamentais (ONGs), corporações multinacionais e Instituições
Financeiras Internacionais (IFI) que pagavam 10 vezes mais. “O Estado continua a perder os
seus quadros formados para os outros setores da economia que oferecem melhores
remunerações em relação ao setor público”.
O salário mínimo do funcionário público, em 1988, um ano depois da implementação
do Programa de Reabilitação Econômica, era de 75 US$, apenas suficiente para a compra de
uma cesta básica de alimentos e o pagamento da habitação.
A implementação do Programa de Reabilitação Econômica (PRE) implicou na
privatização de empresas estatais. Para tanto foi necessária a criação de uma classe
empresarial nacional. Esta formou-se de forma selvagem, através da exploração do povo.
Enquanto o cidadão empobrecia, a burocracia enriquecia aceleradamente graças à corrupção
e aos negócios fraudulentos. O Programa de Reabilitação Econômica conduziu a uma
integração subordinada de Moçambique no âmbito da divisão internacional de trabalho e
facilitou a penetração do capital internacional na economia moçambicana. A formação do
setor privado doméstico resultou do desenvolvimento do capital local aliado aos interesses
do capital externo, formando uma tripla aliança IBW – capital externo – capital interno
(MOSCA 2003, p. 316).
Em Moçambique a corrupção resultou da forma de atuação das Instituições Financeiras
Internacionais e consentida pelas elites nacionais. A burguesia nacional formou-se com base
em mecanismos corruptos, que criaram condições para a implantação de uma nova forma de
capitalismo “selvagem” que beneficiou a burocracia partidária no poder.
A comunidade internacional criou condições – manteve a porta aberta – que permitiram
que os moçambicanos se tornassem corruptos. Os doadores estavam interessados em reduzir
o papel do governo mesmo que a corrupção fosse um efeito colateral. Os moçambicanos
tinham as mãos prontas para receber subornos e para tirar mel do pote da ajuda externa
(HANLON 2008, p. 230).
Para transformar administradores e generais em empresários emergentes, a
comunidade internacional deu-lhes um curso rápido de capitalismo. A lição que
transmitiulhes era que o capitalismo não visava apenas o sobre- lucro, mas favorecer os
investidores.
Os negócios eram privados e os empréstimos concedidos não precisavam ser repostos,
de acordo com as relações e simpatias com os doadores. O Banco Mundial concedeu
empréstimos que sabia que não seriam pagos. “O Programa de Reabilitação Econômica era
uma oportunidade para a Reabilitação Individual e a corrupção surgiu associada a alguns
níveis da nomenklatura” (MOSCA, 2005, p. 382-3).
A privatização dos dois bancos comerciais mais importantes (o Banco Comercial de
Moçambique e o Banco Popular de Desenvolvimento) resultou do apadrinhamento das
Instituições Financeiras Internacionais.

140
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Bibliografia

 ANDRADE, Mário Pinto de. 1989. Proto-nacionalismo em Moçambique – Um estudo de Kamba


Simango (ca 1890-1967) In Arquivo 6 pp. 127-148
 BORGES COELHO, João Paulo. O inicio da Luta Armada em Tete, 1968-1969: a primeira fase
da guerra e a reacção colonial.
 CHILUNDO, Arlindo. Os primórdios do nacionalismo moçambicano. O movimento associativo
e a actividade sociopolítico nos anos 30 e 40. Arquivo, 21, pp 77-103
 CRUZ e SILVA, Teresa. Igrejas Protestantes no sul de Moçambique: no caso da Missao suíça
(1940-1974). Estudos moçambicanos, 10. Pp 19-39
 BRAGANÇA, Aquino de, Depelchin, Jacques. 1986. Da idealização da FRELIMO á compreensão
da história de Moçambique. Estudos moçambicanos, 5/6 Maputo. (Obra pessoal)
 BRAGANÇA, Aquino de. 1986. A independência sem descolonização: A transferência do poder
em Moçambique, 1974-1975. Notas sobre os seus antecedentes. Estudos Africanos, 5/6.
Maputo.

141
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

UNIDADE TEMÁTICA V: GUERRA CIVIL; OS ONG’S E


SOCIEDADE CIVIL
Introdução

Em 1975, a oposição política a Machel começou a se manifestar. Este foi o caso da


Frente de Libertação da Zambézia (ZLF), da Frente de Libertação de Cabo Delgado (CDLF) e da
Frente Unida de Moçambique (FUMO). Mas todos pareciam unidos apenas em seu ódio ao
governo do presidente Samora Machel. Os dois primeiros grupos foram sufocados.43 Aqueles
que conseguiram fugir foram para a Rodésia e se juntaram ao Movimento “Resistência
Nacional de Moçambique” que não restringiu as suas actividades na publicidade de rádio, mas
a formação de um exército guerrilheiro que viria a assumir a responsabilidade por ataques
armados a várias instalações vitais em Moçambique, bem como a morte de civis e militares.

Nesta secção tratar-se-á de dois fenómenos que marcaram a pós-independência de


Moçambique a Guerra Civil e o Programa de Reabilitação Económica. Lembrar que falar da
Guerra Civil Moçambicana (1976-1992), é falar de um violento conflito armado, isto reflecte
e responde ao nosso interesse de explorar a história pós-colonial de Moçambique. A guerra
civil constituiu período histórico mais conturbado que Moçambique viveu, como Estado, na
pós-independência. Este conflito não foi um acontecimento histórico e politicamente isolado.
Ela revestiu-se de motivações externas e internas que fortemente influenciaram para o seu
desencadeamento ao longo de pouco mais um decénio e meio.

Portanto as reformas neoliberais foram iniciadas em 1984 com a aceitação de


Moçambique como membro do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e introduzidas em 1987, com o Programa de Reabilitação Econômica (PRE). O PRE surgiu
no contexto do Programa de Ajustamento Estrutural (PAE) inspirado nas decisões do
Consenso de Washington. As reformas visavam substituir o modelo socialista de
desenvolvimento pelo capitalismo. Empresas do Estado foram privatizadas; reduziram-se os
gastos do Estado com educação e saúde e; em 1990 uma nova constituição foi aprovada com
o objectivo de acomodar a democracia multipartidária e propriedade privada.

Objectivos

 Compreender as causas, factores e intervenientes da Guerra Civil em Moçambique, entre


1976 e 1992 envolvendo a Renamo e o Governo;
 Perceber o processo da implementação dos programas de reajustamento estrutural em
Moçambique;.

43 Ndovi, Victor. «"Frelimo's Ruthless Enemies".» New African, London, 16 MAY 1979: 38-40.
142
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A Independência sob o fogo

A independência também foi precedida por um governo de transição (1974-1975),


durante o qual algumas pessoas foram forçadas a abandonar as cidades,44 medidas que
seriam continuadas no ano seguinte contra as testemunhas de Jeová.45 Estas medidas, nas
palavras de Samora Machel, em 1975, eram consideradas úteis para o projecto da sociedade
que a Frelimo pretendia implementar para a) Criação de uma sociedade nova e do Homem
Novo, com uma mentalidade livre da dependência ao estrangeiro; b) Formação de
uma nação e de um Estado novo, situados ao nível das nações modernas e c)
Desenvolvimento de uma economia baseada na agricultura e na indústria. Mazula46 diz que
este projecto, qualificado de «revolucionário», aparece ligado à utopia da modernização da
sociedade, quando enfatiza no: «queremos fazer de Moçambique um país moderno» e «em
conjunto e unidos marcharmos vitoriosamente para o progresso».

Mas, externa e internamente, havia um sentimento de descontentamento que obrigou


o presidente a deixar de pernoitar no palácio presidencial, “deslocando-se diariamente para
a Ilha de Inhaca, onde passa a noite, em helicóptero convenientemente protegido.47 A razão
para o pânico era o medo das tropas de Ian Smith, que, querendo destruir as bases da ZANU,
apoiada pelo governo moçambicano, estavam atacando supostos campos do movimento de
Robert Mugabe. Mas, como os factores externos não atuam sem contar com os factores
internos, eis que, em 17 de Novembro de 1975, há uma tentativa frustrada de golpe de
estado. Parte dos fugitivos encontrou abrigo na terra de Smith, líder que declarara
independência unilateral da Grã-Bretanha, em 1965.

Já em Fevereiro de 1976, uma voz estranha acompanhada pela música "Moçambique",


de João Maria Tudela48, começou a ser ouvida em receptores de rádio moçambicanos, em
diferentes momentos do dia. A tônica do locutor, Jacob Carlos Chinhara, era ridicularizar
Machel, 49 ao apresentar dados sobre o agravamento da miséria do povo. No mesmo ano,
diplomatas britânicos conseguiram persuadir a contraparte moçambicana a implementar a
resolução 386/1976/ONU contra a Rodésia do Sul, fechando-lhe as fronteiras, o que era um
suicídio econômico porque apesar de afectar a Rodésia, prejudicaria muito mais
Moçambique.

Os ingleses disseram-se preparados para recompensar as perdas com seu próprio


dinheiro e desempenhar o importante papel na colecta de fundos compensatórios para
Moçambique prometidos pela ONU. Tudo isso acabou revelando-se falso. Joaquim Chissano,
então ministro das relações exteriores, foi à O.N.U. e pediu um auxílio de urgência a
Moçambique da ordem dos 50 milhões de dólares destinados a fazer face à perda de receitas

44 Redacção. “Frelimo Cria Campos de Reeducação.” Jornal O Capital, 20 de Novembro de 1974: p. 8.


45 Point, To The. “Sect is trapped: Tens of thousands of Jehovah's Witnesses, most of them refugees from Malawi, now find
themselves trapped in Mozambique with no place to flee to from the wrath of Frelimo.” To the Point, 24 de Outubro de
1975, p. 79.
46 Mazula, Brazão. Educação, cultura e ideologia em Moçambique, 1975-1985: em busca de fundamentos filosófico-

antropológicop. Porto: Edições Afrontamento, 1995, p. 143.


47 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 94.
48 Tempo. «O Imperialismo e os Seus Lacaios: A "Voz da África Livre é a Voz do Jardim e do Arouca.» Revista Tempo (Maputo),

nr. 313, 03 Outubro 1976: 52-56.


49 Kaya, İbrahim, Social Theory and Later Modernities The Turkish Experience, Liverpool: LUP, 2004 p. 1-73

143
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

da utilização dos portos moçambicanos pela Rodésia, das exportações moçambicanas para
aquele país, e de outras ligações comerciais cortadas com o encerramento das fronteiras.
Desapontado, na esperança de contar com o apoio militar do bloco socialista de um tratado
que acabara de ser assinado, em 1977, o governo de Samora Machel proclamava o socialismo
como o caminho a ser seguido. O esperado apoio pela declaração formal do socialismo
também não se materializou, no entanto, Sérgio Vieira já havia garantido o apoio cubano ao
país, enquanto as negociações com a Tanzânia, Vietnã e Coréia do Norte estavam completas
para o apoio militar.

No mesmo ano, a resistência ao seu regime ganhou novos contornos com a entrada na
cena de André Matadi Matsangaissa, um ex-militar da Frelimo50 que tendo fugido do campo
de reeducação de Sacudzo na Gorongosa, onde passou mais de um ano entre 1975 e 1976,
retornou lá e libertou prisioneiros restantes do campo. Este jovem nascido em 1950, que
entre 1969 e 1972 parece ter trabalhado como agente secreto da Frelimo na construção da
Barragem de Cahora Bassa, antes de passar para o treino militar, acabara de ser escolhido
para substituir Padimbe Mohosa Kamati Andrea da liderança da Resistência Nacional
Moçambicana.51 Depois de uma luta de todos contra todos pelo poder, Matsangaissa seria
substituído52 em 1980, por Afonso Macacho Marceta Dhlakama, quando rumores de seu
desaparecimento físico, de Outubro de 1979, foram confirmados.

Os custos das sanções económicas à Rodesia seriam revelados por Joaquim Chissano,
numa carta de 30 de Março de 1979, depois que Matsangaissa mandou explodir os depósitos
de combustível da Munhava, na Beira, a 2353, causando incêndio de 37 horas que,
estranhamente, só foi extinto pela força rodesiana (a mesma que a luz do dia era acusada de
ser uma força agressora) a convite do governo moçambicano, portanto, o suposto agredido.
Nesta carta dirigida ao então Secretário-geral da ONU, Chissamo, na qualidade de Ministro
dos negócios Estrangeiros, pede apoio militar e exige que se implemente a resolução acima
citada, conjugada com as resoluções RES/31/43 (1976) e RES/32/95 (1977),54 “in order to give
material assistance to our country to face the enormous difficulties arsing (sic) from the
application of sanctions against the racist and criminal regime of Ian Smith, and constant
aggressions perpetrated by this regime”.

Em Dezembro de 1979, José Carlos Lobo, então Embaixador Extraordinário e


Plenipotenciário e Representante Permanente de Moçambique na ONU, remeteu o pedido
USD 336,874,000,00, numa nota em que listava os objectos destruídos pela guerra “de
agressão”.55 Dada a independência da Rodésia do Sul que se tornou o Zimbábue, a resistência
transferiu-se para o interior de Moçambique, nas províncias de Sofala e Manica e sua sede
logística para a República da África do Sul, sob o Apartheid. Samora Machel parecia apreensivo
e tentou dominar a situação. Mas sua preocupação era com os militares que tentavam

50 Ramanho, José. “Resistance fights for Freedom from Frelimo.” To the Point [Johannesburg], 19-08-1977, p. 57.
51 Redacção. «Nova Frente Contra a Ditadura de Machel.» Jornal O Diabo, 28 de Junho de 1977, p. 7.
52 Ramalho, José. «Mozambique: anti-Machel resistance movement is far from dead. .» To the Point [Johannesburg], vol. 9

no.18, 2 May 1980: p.19


53 Ndovi, Victor. «"Frelimo's Ruthless Enemies" op. cit.
54 Chissano, Joaquim Alberto. «Letter dated 30 March 1979 from the Minister for Foreign Affairs of Mozambique addressed

to the Secretary General.» United Nationp. Maputo: GPRM, 30 MAR 1979.


55 Lobo, José Carlop. «Note Verbale dated 21 December 1979 from the Permanent Representative of Mozambique to the

United nations Addressed to the Secretary-General.» United Nationp. New York: UN, 21 Dec 1979.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

escapar para se juntar aos rebeldes, não contra os factores que os faziam fugir.56 As medidas
socialistas foram vistas como responsáveis pela deterioração da vida e largamente exploradas
pelos rebeldes que desde 1976 pintavam a sua rebeldia em uma “guerra pela liberdade e pela
democracia”.

Jogavam a seu favor o descontentamento popular, mesmo dentro da máquina do


governo, especialmente depois que este não conseguiu mobilizar fundos para o ambicioso
Plano Prospectivo Indicativo (PPI), que “visava a eliminação do subdesenvolvimento, herdado
do colonialismo português, em apenas dez anos”.57 Sem ajuda do bloco socialista, a partir de
1984, o governo da então República Popular de Moçambique começou a se aproximar ao
Ocidente, e quanto mais dele se aproximava, mais se afastava do socialismo. Quando os
libertadores decidiram adoptar o capitalismo, a sua capacidade de negociar em pé de
igualdade como representantes de um Estado soberano era frágil, expostos a aceitar
contrapartidas prejudiciais, como a destruição da indústria têxtil e do caju.58

Com a morte de Machel em um acidente de aviação, em 19 de Outubro de 1986, um


golpe interno de baixa intensidade, com racismo à mistura, visou Marcelino dos Santos, o
sucessor legal de Machel, através de uma “carta dos combatentes” (de 24-10-1986)
supostamente dirigida a Chissano, Chipande, Guebuza e Matsinha. Nela, propunha-se o
emponderamento económico dos negros e Joaquim Chissano era proposto para assumir o
poder, o que veio a acontecer. Ele acelerou as reformas exigidas pelas instituições financeiras,
que incluíam a democratização multipartidárias e a privatização como condições para apoio
ao Plano de Reestruturação Económica (PRE) e, mais tarde, ao Plano de Reestruturação
Económica e Social (PRES) para “repor o equilíbrio macroeconómico e dar mais flexibilidade
e eficiência à economia, corrigindo os erros gerados pelo PPI”.59 Elaborou-se uma nova
constituição que entrou em vigor em 1990, num momento em que a mudança dos ventos era
boa no sul da África, com o fim do Apartheid na África do Sul e a desintegração da URSS, que
estavam ajudando militarmente a Renamo e Governo, respectivamente. Isso contribuiu para
o fim da guerra sem a vitória de ambos os lados e, um Acordo Geral de Paz (AGP) foi assinado
em Roma, em 4 de Outubro de 1992.

A GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE - 1976 – 1992

Origem e natureza da guerra civil


Por que uma guerra civil ocorre em uma determinada sociedade? Provavelmente, as
razões são tantas quanto as guerras civis e, portanto, a grande diversidade de explicações,
que por sua vez também se deve em grande parte à dificuldade que a literatura quantitativa
enfrenta em definir um conceito operativo de guerra civil. No entanto, em grande parte

56 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p.
57 Castel-Branco, Carlos Nuno. «Opções Económicas de Moçambique 1975-95: Problemas, Lições e Ideias Alternativas.» In
Brazão Mazula: Moçambique Eleições, Democracia e Desenvolvimento, 1995, pp. 581-636.
58 Mapote, William. «Moçambique: Mocumbi arrependido de ter seguido conselhos do Banco Mundial.» VOA, 28-03-2013.
59 Castel-Branco, Carlos Nuno. «Opções Económicas de Moçambique 1975-95: Problemas, Lições e Ideias Alternativas.» In

Brazão Mazula: Moçambique Eleições, Democracia e Desenvolvimento, 1995, pp. 581-636.


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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

devido à influência de Paul Collier e sua perspectiva baseada na teoria da 'escolha racional',
um consenso razoável foi criado na literatura quantitativa em torno de causas internas, como
aquelas cujo desvelamento permitiria explicar as origens do conflito, e a economia como a
razão mais profunda para esta explicação. A guerra civil resultaria da decisão de uma
determinada parte da sociedade de se rebelar contra o estado do país, em uma lógica
dicotômica de buscar algum ganho material ou político, ou de manifestar um ressentimento
(a famosa formulação colleriana de 'ganância ou ressentimento'), sendo claramente motivado
mais pelo primeiro do que pelo segundo, e assim garantindo uma racionalidade econômica
de explicação (Collier & Hoeffler 2000). Esta localização interna das razões para o conflito
levanta imediatamente problemas em relação à narrativa elementar da guerra civil
moçambicana, visto que é geralmente construída a partir da abundante documentação
existente. De acordo com isto, a independência de Moçambique é parte de uma profunda
mudança na geopolítica da África Austral em meados da década de 1970, marcada pelo
desaparecimento do colonialismo na região, restando apenas os casos atípicos de 'apartheid'
e Rodésia. Para este último país, o Moçambique independente governado por um regime
directamente saído do movimento de libertação representava dois perigos fundamentais: por
um lado alargou a fronteira rodesiana exposta à infiltração da guerrilha nacionalista, e por
outro o acesso vital ao mar através do porto e do corredor da Beira foi seriamente ameaçado.
Assim, o novo contexto exigia respostas imediatas da Rodésia, tornadas mais urgentes pelo
apoio aberto das novas autoridades moçambicanas à guerrilha zimbabweana da ZANLA, e
pela adopção, em Março de 1976, das sanções obrigatórias das Nações Unidas contra a
Rodésia, que na prática isso significou um corte radical nas relações com aquele país. Uma
guerra clássica entre os dois estados se seguiu rapidamente.

É neste contexto que surge o MNR (Resistência Nacional de Moçambique), criado com
ajuda da Rhodesian Central Intelligence Office (CIO) como força auxiliar das suas tropas. Nesta
fase, o MNR tem o papel de combater as forças do Zimbabué baseadas em Moçambique e
desestabilizar a faixa central adjacente ao Corredor da Beira. Essa origem externa do
movimento rebelde coexiste com a perspectiva dominante da literatura quantitativa sobre as
causas da guerra civil, que, como já foi dito, é eminentemente interna. Se é verdade que a
presença de forças externas é reconhecida como uma variável que pode interferir de diversas
formas (financiamento do conflito, treinamento de forças rebeldes, compra de produtos de
saqueio, etc.), ela nunca é considerada como um elemento estrutural, pois o faria minou
diretamente o princípio da 'escolha racional' e complicaria demais a distinção entre conflito
entre Estados e guerra civil. Conseqüentemente, na literatura quantitativa, o arcabouço
nacional é quase sempre o arcabouço mais amplo, e tudo o que vai além dele é 'diminuído'
para caber apenas como mais um fator secundário e, portanto, tratado de forma rudimentar.
Evidentemente, por mais que a interpretação da origem rodesiana dessa fase do conflito seja
com evidências históricas, a ser tomada no sentido exclusivo deixaria de fora questões
importantes. Por mais intensa e militarmente eficaz que possa ter sido a ofensiva rodesiana,
por si só nunca explicaria a rápida adesão de um número significativo de moçambicanos ao
146
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

contingente rebelde. Portanto, é necessário levar em consideração outros fatores. Segundo


Gates (2002), a literatura quantitativa considera as principais variáveis independentes
associadas ao risco de ocorrência de guerras civis, pobreza (falta de oportunidades
econômicas e baixo nível de desenvolvimento econômico), distância temporal em relação a
um conflito anterior, dominância instabilidade étnica e política. Relativamente à primeira
variável, o modelo Collier-Hoeffler (CH) considera para Moçambique um PIB 'ligeiramente
abaixo da média de outros países em guerra', num contexto agravado pela estratégia
económica da Frelimo, nomeadamente a colectivização da agricultura e a nacionalização da
comercialização, perdas com sanções contra a Rodésia e os limites à migração de mineiros
moçambicanos para a África do Sul. No entanto, uma análise cronológica mais rigorosa mostra
que, enquanto o êxodo da população portuguesa é certo que se acentuará desde o início, e
tenha um impacto direto e profundo na economia, por outro lado, as medidas económicas
tomadas pelo novo governo não podem ser assim relacionados com o início da insurgência na
medida em que só começam a sentir-se após o III Congresso da Frelimo, em fevereiro de 1977,
quando já era criado o MNR. O mesmo argumento vale para a diminuição do trabalho
migratório, visto que em 1975 o número de mineiros moçambicanos, ao contrário do que se
conclui, subiu para mais de 115.000, ao mesmo tempo que o preço do ouro triplicou e
Moçambique obteve rendimentos sem precedentes de £ 50 milhões, o que ajudou a
amortecer as turbulências da transição. Somente em 1976 a África do Sul embarcou em uma
política de redução progressiva do trabalho (Hanlon 1984: 51). Além disso, o alegado
ressentimento social causado pelo declínio da economia deve ser visto no contexto de
percepções opostas, entusiasmo popular pela independência e alta popularidade do capital
conquistado pelas anunciadas medidas igualitárias do movimento de libertação.

O próprio Sambanis (2003: 106) acaba sendo forçado a considerar que a relação entre
a pobreza e o início do conflito é mais complicada do que a sugerida pelo modelo CH,
concluindo, no 'refinamento' por ele proposto, que os primeiros recrutas da Renamo não
estariam desempregados, mas sim vítimas da repressão da Frelimo. A afirmação de Sambanis
deve ser analisada no contexto da segunda variável independente do modelo CH, que
considera que quanto mais cedo um conflito ocorre, maior o risco de surgimento ou
recorrência de guerra civil. Em outras palavras, trata-se do que podemos considerar como a
única porta aberta à possibilidade de ingerência na história. Mais especificamente, no caso
de Moçambique, estabelece-se uma relação entre a guerra colonial (que terminou em 1974)
e a nova guerra que começou um ou dois anos depois. O risco de ocorrência de conflito era,
no modelo CH, particularmente alto. Relativamente a Moçambique, o contingente do MNR
teria sido alimentado por dissidentes da Frelimo insatisfeitos com o domínio do aparelho por
‘gente do Sul’ e por vítimas da repressão desencadeada após a independência, que se
refugiaram na Rodésia. Este é um assunto muito delicado, sem dúvida, merecedor de muito
mais pesquisas. Estão aqui presentes pelo menos três grupos de actores possíveis,
nomeadamente os dissidentes históricos da Frelimo, os 'dissidentes' produzidos após a
independência e os moçambicanos comprometidos com o regime colonial. Quanto aos
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

primeiros, sua capacidade de formar um movimento armado em oposição ao novo regime é


menos provável, especialmente se levarmos em consideração que as tentativas de formar
movimentos políticos alternativos agora estão sendo neutralizadas pela prisão e
confinamento em campos. internamento de seus principais líderes. Quanto aos segundos, há
indícios de adesão de elementos à rebelião, sobretudo depois do seu desencadeamento,
nomeadamente na sequência de roubos e fugas aos campos de internamento da Frelimo. No
entanto, não dá para acreditar que esse componente tivesse peso e organização suficientes
para se constituir no núcleo da revolta. Sambanis, corrigindo a interpretação do modelo CH,
altera ligeiramente o argumento ao afirmar que muitos dos primeiros recrutas vieram da
diáspora moçambicana na Rodésia, concluindo que 'a diáspora pode agravar o risco de guerra
também por formar a base dos primeiros recrutas de uma organização rebelde. '(Sambanis
2003: 106). Mas, embora haja uma comunidade moçambicana tradicionalmente importante
na Rodésia, e uma das organizações nacionalistas mais fortes a inicialmente integrar a Frelimo
tenha nascido lá, é pouco plausível que dentro da diáspora rodesiana, e dentro do quadro do
actual regime, houvesse capacidade , e tão imediato, para organizar a ação armada. Assim, o
vínculo estrutural com o conflito anterior deve ser buscado principalmente no contexto que
a última fase da guerra colonial criou no centro do país, um contexto caracterizado pela
política colonial de africanização da guerra, pelas complexas relações de Moçambique com a
Rodésia e o Malawi, e por profundas experiências de engenharia social, reorganização
populacional e criação de tropas étnicas. De facto, em 1972, a guerrilha nacionalista
moçambicana, tendo atravessado o rio Zambeze em Tete, entrou em Manica e Sofala, no
centro do país, ameaçando directamente o Corredor da Beira. Daquela época até a
independência, o centro tornou-se assim o campo de batalha mais sensível de uma guerra
colonial em que, do lado português, havia mais de 40.000 africanos representando mais de
50% do contingente colonial (Wheeler 1976; Cann 1998; Borges Coelho 2003a).

A principal resposta militar portuguesa foi a criação de Grupos Especiais formados na


periferia da Beira, altamente treinados e móveis, formados quase exclusivamente por
africanos das regiões onde operavam. Em 1974, aquando do golpe de Estado em Portugal que
abriria caminho à independência, já existiam 83 empresas de Grupos Especiais e 12 de Grupos
Especiais Paraquedistas, num total de milhares de homens, a operar em toda esta região, em
especial na rota de infiltração entre o sul da província de Tete e o norte de Manica e Sofala,
que se tornaria a área inicial de atividade do MNR. As dificuldades de integração dessas forças
na nova ordem criada após a independência, sem dúvida, abriram a porta para o
recrutamento de parte delas no processo de criação do MNR. Relacionada à questão anterior
está a variável do modelo Collier-Hoeffler (CH) relacionada à dominância étnica, que manifesta
grandes dificuldades operacionais. É um assunto muito polêmico dentro da própria literatura
quantitativa e que respeita o potencial de revolta de grupos étnicos significativos sem acesso
ao poder. O modelo CH encontra uma correlação positiva entre esta variável e o início da
guerra com base no facto de o grupo do norte macua-lomwe ser numericamente superior
mas não ter acesso ao poder uma vez que a liderança da Frelimo é dominada por 'pessoas do
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

sul'. Isso "teria causado dissidência regional no movimento de libertação que levou à eclosão
da guerra civil". Ou seja, surpreendido pela ausência de uma revolta armada de etnia Macua-
Lomwe, o que comprovaria a eficácia da variável, o modelo busca um caminho indireto que
vincule este, através da história do movimento de libertação, ao início do conflito. Muito mais
promissor seria explorar esta área a partir do conceito - mais vago mas ao mesmo tempo mais
abrangente - de identidade, para dar conta das tensões regionais que, sem dúvida, se
constituíram historicamente, integrando elementos étnico-linguísticos, mas também em
ritmos diferentes do desenvolvimento e distanciamentos distintos em relação ao poder,
articulados no novo contexto de construção da identidade nacional (Borges Coelho 2004); e
responder à questão central sobre porque o conflito moçambicano não foi baseado na etnia.
A última variável da literatura quantitativa, de alguma forma associada à primeira, diz respeito
à instabilidade política como causa da eclosão de guerras civis. Esta variável não aparece
explicitamente no modelo CH, mas pode ser associada a outra, secundária, chamada de
‘democracia’. No fundo, é formulado da seguinte forma: logo após a independência,
Moçambique caracterizava-se por um regime não democrático e o MNR originava-se em
grupos reprimidos por esse regime, embora fosse mais motivado pela procura de benefícios
materiais do que por ressentimentos. Sambanis considera esta leitura inconsistente,
afirmando que embora a repressão governamental tenha provocado ressentimentos, esta
pode não constituir uma motivação direta para a violência, mas eventualmente permanece
na perspetiva de melhoria das condições materiais de vida. Além disso, ele propõe uma nova
variável, não incluída no modelo CH, mas "de possível interesse para o início da guerra civil",
que ele chama de "incapacidade do estado de controlar todo o território". Segundo este
último, como movimento de libertação, a Frelimo mal tinha penetrado no território antes de
tomar o poder, o que significa que quando se tornou governo teve de preencher o vazio
deixado pelos portugueses sem, no entanto, poder gerir o território. Esta incapacidade teria
sido provavelmente ampliada pela repressão exercida sobre todos aqueles que tinham
ligações com o regime colonial, incluindo membros das forças de segurança coloniais 'que, se
tivessem sido recrutados, poderiam ter ajudado [a combater o MNR] (e de fato
provavelmente não teria havido guerra) ”(Sambanis 2003: 108). Sem dúvida, esta é uma das
questões mais complexas de se analisar. Sem dúvida, as dificuldades de gestão do país
(incluindo o território) devem ser tidas em conta num contexto de hostilidade regional, uma
retirada abrupta de quadros mais qualificados e uma profunda transformação e
vulnerabilidade da economia, em suma, repressão e internamento em campos da reeducação
de muitos grupos comprometidos com o regime colonial, dissidentes políticos, religiosos,
desempregados, vítimas de zelo persecutório derivado de uma perspectiva de pureza política
e ideológica, ou então da arbitragem de guerrilheiros despreparados. No entanto, esta
perspectiva ignora grosseiramente o grande capital da popularidade detido pelo novo regime
directamente após a guerra de libertação (Egerö 1987), e na sua leitura narrativa ignora o
papel complexo desempenhado neste contexto pelas relações Frelimo-Estado.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

O desrespeito pelo contexto vai para a posição ingénua e conservadora de considerar


acriticamente que a possibilidade de incluir forças altamente preparadas pelo regime colonial
para combater as guerrilhas nacionalistas precisamente nas forças governamentais
moçambicanas, e isto num contexto regional altamente hostil, seria uma solução para evite a
guerra civil. Finalmente, não há dúvida de que a fraqueza do Estado pode estar associada à
sua incapacidade de responder em termos de repressão à guerrilha do MNR, visto que nos
primeiros anos de independência o novo regime experimentou graves dificuldades para
transformar sua força de guerrilha em um exército convencional eficaz, e sob o fogo direto da
Rodésia (Borges Coelho & Macaringue 2004). No entanto, é inegável que em 1979-1980 a
morte do líder do MNR André Matsangaiza, a independência do Zimbabué e as ofensivas
militares do governo na Gorongosa e Manica levaram o MNR à beira da aniquilação.
Relativamente ao ciclo do início da guerra (no caso de Moçambique particularmente claro,
entre 1976 e 1980), é portanto muito difícil constatar que a literatura quantitativa, e em
particular o modelo CH, tenha produzido perspectivas estimulantes. As grandes variáveis
independentes ignoram o contexto, ou são cronologicamente disléxicas (como é o caso do
impacto social do declínio econômico nesta fase), ou são reduzidas e de pouca consistência
(como é o caso de todas as análises relativas ao desempenho de o novo regime), ou mesmo
quase incompreensível (caso de dominação étnica); e quando a inferência parece certa, como
no caso da proximidade com o conflito anterior, é pelos motivos errados. Alguns autores da
área da literatura quantitativa procuram atenuar as dificuldades mais marcantes na aplicação
do modelo CH ao caso moçambicano. Sambanis (2003) propõe a diáspora como fonte de
recrutamento para o MNR, reduz o papel da Rodésia como fator substituto do saque interno
(pagando o preço por um grave erro metodológico de confusão voluntária de variáveis para
manter a fonte de conflito internalizado) e, por fim, propõe a introdução de novas variáveis
('atores externos', 'Guerra Fria', 'privação e repressão de beneficiários coloniais',
'incapacidade do Estado de controlar o território'). Weinstein & Francisco (2005) estão mais
atentos ao chamado fator externo e reconhecem que sem informações mais rigorosas é
impossível examinar sistematicamente muitas questões, embora no final integrem 'apoio
externo' no 'saque de bens' que a endogenia do modelo CH permanece preservada.

Algumas explicações

As causas de uma guerra subdividem-se em cinco categorias: ideológicas, económicas,


políticas, psicológicas e jurídicas. Mas, quando a guerra funciona como instrumento político,
estas categorias se enquadram em três níveis: individual, que reside nas decisões conscientes
e inconscientes; o de grupo (Estado), tem a ver com os subsistemas governativo, burocrático,
económico, legislativo, os grupos de pressão. Assim, como a natureza do próprio Estado sob
ponto de vista do carácter nacional e geográfico, e o sistema de grupos (sistema internacional)
para o balance of power.

150
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Geralmente, as guerras civis (dependendo do contexto de cada caso) têm objectivo de


tomar controlo do país; conquistar a independência de uma determinada região; mudar a
política do governo; manifestar havidez pelo poder; combater injustiças. Segundo (Bobbio,
Metteuci e Pasquino, 1983), sob ponto de vista histórico qualitativo, as guerras podem ser:
animal (em sentido psicológico); primitiva (em sentido sociológico); guerra entre grupos
civilizados (em sentido jurídico); e guerra actual (em sentido tecnològico). Mas, é importante
distinguir a guerra animal da guerra humana.
Desde a formação da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), preparação e
desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional (LALN) até aos sinais do colapso da
URSS nos meados dos anos 80, o povo moçambicano dirigido pela Frelimo, teve apoio dos
países do bloco socialista (De Renzio e Hanlon, 2007). Uma vez conquistada a independência
política do país, através do Acordo de Lusaka (1974), assinado na Zâmbia, como fruto da LALN
e da Revolução Portuguesa de 25 de Abril, que precipitou o que se apelidou da segunda
descolonização de África (Belluci, 2006:48).
Provavelmente, uma parte dos membros e simultaneamente freedom fighters da
Frelimo discordou com a linha ideológica que essa seguiu – O Socialismo, dentre outros
aspectos não consensuais no seio dos militantes da frente. Outros integrantes da Renamo (os
flechas) tinham sido recrutados e treinados pela Polícia de Defesa do Estado (PIDE) do
Governo Colonial Português, que era para lutar internamente contra a Frelimo (Fearon, 2005).
Existiam três grupos de dissidentes: dissidentes históricos da Frelimo, dissidentes produzidos
após a independência e moçambicanos comprometidos com o regime colonial.
O governo de Moçambique dirigido pela Frelimo, teve três razões que justificam a
adopção do sistema socialista e cooperou com a URSS porque: primeiro, acreditava-se que o
Socialismo era caminho fácil de vencer o subdesenvolvimento.
Segundo, alimentou-se a crença de que a ajuda soviética para países em vias do
desenvolvimento tinha objectivo de criar e consolidar o poder político e promover a
independência económica; e terceiro a URSS era contra o colonialismo, o racismo, o zionismo
e outras formas de exploração e descriminação (Cau, 2011:31). Enquanto a ajuda capitalista
do ocidente aumentaria a dependência económica. À semelhança de guerra civil em Angola,
o conflito, em Moçambique, também foi fortemente influenciado pela lógica bipolar, e pela
acção da potência regional da África Austral, a África do Sul. A diferença foi dos meio
envolvidos nos confrontos, que foram menores em Moçambique e no menor interesse
internacional que este pais despertava (Branco, 2003: 94).
Daí que, nove meses depois da proclamação da independência, eclodiu a guerra civil,
entre a Frelimo e Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), fundado por um dissidente
da Frelimo – André Matala Matsangaissa, em 1976, com apoio da Central Intelligence
Organisation (CIO), uma organização de inteligência chefiada por Ken Flower, ao serviço da
Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe) de Ian Smith (Luís, 2010;
Coelho, 2004). Até 1979 a Renamo não passava de uma unidade mercenária de um
exército colonial branco (Newitt, 1997:482). Em 1980, Zimbabwe tomou sua independencia
através do acordo de Lancaster House Agreement, seguido da eleição do Robert Mugabe, o
que marcou o fim do regime de Ian Smith. A partir desse momento, a Renamo passa ou a
receber ajuda financeira e material da África do Sul. Newitt (Ibidem, loc. Cit; Coelho, s/d:)
151
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

acrescenta que em 1980, a Renamo mudou com grande parte do seu equipamento para África
do Sul (Operação mila) e recebeu instalações para treino e uma base militar no norte do
Transval.
O apoio da Rodésia do Sul à Renamo centrava as suas atenções no corredor da Beira e
nos locais onde se concentravam os nacionalistas zimbabweanos. A África de Sul fez um
investimento de grande vulto de modo que a Renamo expandisse para todo o país e para que
afirmasse progressivamente como movimento autónomo e com objectivos políticos próprios
(Coelho, s/d: 13). Os regimes minoritários da África do Sul e da Rodésia do Sul moveram
agressões militares contra infraestruturas económicas moçambicanas como forma de
desestabilizar a economia. Portugal, sob regime fascista de Salazar, estabeleceu relações
político-diplomáticas com a Rodésia do Sul e deu apoio económico e militar (Luís, idem),
Salazar almejava destruir o governo socialista de Moçambique para continuar com seus
interesses económicos coloniais, e constituir um escudo de regimes minoritários brancos e
racistas na sub-região austral do continente, juntamente com África do Sul e Rodésia do Sul.
Portanto, para além da África do Sul do Apartheid considerado o principal patrocinador, a
Renamo tinha apoio de grupos anticomunistas (da extrema direita e das igrejas) nos países
como Portugal, República Federal Alemã e dos EUA (Hanlon e Smart, 2008:9). Para além
destes apoios de grupos extremistas ocidentais, a Renamo contava igualmente com apoio do
vizinho Malawi e do Kenya (Newitt, 1997:487). No contexto internacional da Guerra Fria e o
endurecimento das posições americanas, sobretudo com a entrada de Ronald Reagan
(Minter, 1994 citado por Coelho, s/d: 12), juntamente com Irão, Afeganistão e o Corno de
África, a África Austral tornou-se, nesta altura, num cenário do confronto entre os dois blocos.
Durante a guerra civil, uma série de fatalidades caracterizou a vida dos moçambicanos,
para além da agressão militar da RAS e da Rodésia do Sul, cujos raids aéreos tinham alvos de
interesse económico, alegadamente porque as autoridades moçambicanas apoiavam e
alojavam os militantes do African National Congress (ANC) e da Zimbabwe African National
Union (ZANU). O país viveu momentos agónicos: sofreu o embate da crise de petróleo nos
finais dos anos 70, quedo de receitas ferro portuárias devido ao encerramento temporário da
Fronteira Moçambique-Zimbabwe; a produção agrícola-industrial baixou 50%; inflacção
aumentou. O PIB caiu num profundo precipício, muitas infraestruturas económicas e sociais
ficaram destruídas (campos agrícolas, indústria, estradas, pontes, linhas-férreas, rede de
telecomunicações, escolas, hospitais, lojas rurais etc.); abandono e/ou destruição das redes
escolar e sanitária; a ligação campo-cidade tornou-se impossível, a deslocação de pessoas e
bens parou profundamente. Acelerou-se o êxodo rural, o que agudizou a pobreza urbana nas
cidades, a taxa de desemprego disparou; milhões de deslocados, milhões de refugiados nos
países vizinhos; milhares de crianças órfãs, mais de um milhão de mortes. As exportações e
importações diminuíram drasticamente e outros indicadores macroeconómicos se revelaram
desfavoráveis para a vida económica nacional.
Castel-Branco (1994) citado por Coelho (s/d) afirma que à entrada de 1983 as
exportações nacionais haviam caído para metade, as importações haviam baixado em um
terço, sendo o valor das segundas cinco vezes mais que o das primeiras. Rosinha (2009: 94)
tentou quantificar os efeitos da guerra que, a partir de 1980, a guerra civil se agravou e se
alargou a quase todo o território, com consequências desastrosas para a população:
Moçambique chegou a ter quase 40% dos seus habitantes em situação de deslocados de

152
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

guerra) e para a economia (entre 1980 e 1986, o PIB decresceu mais de 30% e o crescimento
económico foi negativo durante 5 anos seguidos) e devastação das infraestruturas).
A dívida externa aumentou quase 500% e mais de 60% do Investimento Directo
Estrangeiro foi cancelado ou nem sequer iniciados. O efectivo de gado bovino, cerca de um
milhão e trezentas mil cabeças em 1980, ficou reduzido a cerca de 250 000 cabeças, em 1992,
em grande parte devido à guerra. Os indicadores da área da saúde, na sequência da
destruição de centros de saúde e assassínio de técnicos, sofreram um retrocesso de décadas.
Vines citado por Newitt (1997: 486 et seg.) lamenta que as actividades da Renamo consistiam
em técnicas de terror, homens, mulheres e crianças eram massacrados e mutilados, jovens
eram raptados e obrigados a cometerem crimes terríveis para beberem a mentalidade
criminosa dos bandos da Renamo. Mais de 100 mil pessoas foram mortas, 1/3 da população
refugiou-se, o país passou a depender de ajudas externas em 70% do seu PNB.

Ajuda Externa em Moçambique e as Organização Não Governamentais

Conceito de Assistência Estrangeira


A ajuda externa é geralmente fornecida por um país ou organização internacional, para
outro país ou organização internacional, para promover o desenvolvimento econômico e
social, para melhorar a democracia e os direitos humanos, a igualdade social, para atender às
necessidades básicas em situações de emergência, etc. em forma de empréstimos. Durante
essa interacção, geralmente os países desenvolvidos são os países que fornecem ajuda,
enquanto os países em desenvolvimento são os países que recebem a ajuda. O conceito de
"ajuda externa" estrutura as relações entre os países. Atualmente, essas relações são
estruturadas de duas maneiras. Em primeiro lugar, a própria ajuda define a localização
daqueles que ajudam (países desenvolvidos), de um lado, e daqueles que recebem ajuda
(países menos desenvolvidos), do outro. Este conceito tem implicações profundas porque
aqueles que ajudam são considerados como tendo uma habilidade especial para lidar com o
mundo. Eles são considerados como tendo formas superiores de organização social, política
e econômica. Baseia-se no pressuposto de que o próprio sucesso está certo. Eles não estariam
em posição de ajudar os outros se seu estilo organizacional não fosse melhor. Por outro lado,
a capacidade de lidar com o mundo não é reconhecida por aqueles que ajudam. Suas formas
organizacionais são insuficientes. E sua situação de carência é prova dessa inadequação.
Assim, ser ajudado por outros é sinônimo de incapacidade para o trabalho.
O quadro acima mencionado resultou em um complexo de superioridade para alguns
dos doadores e de inferioridade para aqueles que se beneficiam de ajuda externa. Este último
está sujeito à humilhação e submissão, dada sua dependência. Mas como podemos entender
a história dessas posições desiguais na estrutura do sistema global? Por um lado, como é que
aqueles que ajudam os outros alcançam esse status? Por outro lado, por que os beneficiários
de ajuda estrangeira não podem criar projetos de bem-estar? Essas questões requerem uma
consciência histórica que foi ignorada na análise das relações entre doadores e receptores de
ajuda externa.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Segundo a escola da dependencia, é quase impossível para um país pobre escapar desse
estado de pobreza porque isso não faz parte dos planos de estrutura econômica internacional.
Nesse sentido, segundo Macamo (2006), a dependência torna-se funcional para preservar o
poder dos líderes dos países pobres. Os governantes desses países precisam de recursos
externos para fortalecer sua força interna. Eles então se legitimam com base em sua
capacidade de atrair esses recursos externos para distribuição interna. Buscar ajuda no
exterior é uma estratégia de sobrevivência política interna voltada para a prestação de
serviços sociais aos cidadãos; entretanto, tem pouca orientação para acumulação,
crescimento, desenvolvimento e independência econômica.
A ajuda externa, que muitas vezes é oferecida como misericórdia, faz mais mal do que
bem, beneficia aqueles que dão mais do que aos compradores. Em outras palavras, a ajuda
externa parece ser a causa do problema e não a solução.
Com o Ajustamento Estrutural realizado, em 1987, Moçambique começou a receber
ajuda bi e multilateral de emergência de diversos países do mundo; de Instituições Financeiras
Internacionais; de Organizações Não Governamentais internacionais e de Agências das
Nações Unidas, pois, a partir de 1982 a União Soviética tinha deixado de ser o parceiro
estratégico para a solução das que Moçambique enfrentava – a guerra e a crise econômica.
O governo da Frelimo começou a aproximar-se do Ocidente e, em 1983 Moçambique
aceitou a proposta dos EUA de realizar um acordo com a República da África do Sul, em que
as duas partes se comprometiam a não apoiar acções contra outro país a partir do seu
território.
Em 1984 foi assinado o acordo de N´komati e, consequentemente, Moçambique pôde
ser membro do FMI e do BM, reduzindo suas relações com a União soviética (ABRAHAMSSON
& NILSSON, 2001, p. 180-1).
A necessidade urgente de ajuda alimentar internacional e de novos créditos
internacionais, juntamente com a necessidade de apoio internacional político e diplomático
para a luta contra o regime de minoria branca na África do Sul, fizeram com que Moçambique
alterasse as suas alianças internacionais. A juntar a isso veio o facto de Moçambique não ter
sido aceito como membro da organização de cooperação econômica dos países de Leste,
Concil of Mutual Economic Aid (COMECON).
Por essa razão, ficaram frustradas as possibilidades de uma cooperação aprofundada
com os países socialistas, como alternativa ao sistema de créditos ou ao apoio político dos
países ocidentais. As exigências do Ocidente eram inequívocas. A ajuda alimentar
internacional, assim como o aumento de acesso a créditos internacionais e a prorrogação do
prazo de pagamento das dívidas, exigiam a introdução de uma economia de mercado cuja
estabilidade pudesse ser aprovada pelo Fundo Monetário Internacional. Para além disso,
havia a exigência incondescendente de negociações de paz com a África do Sul e de cessação
de apoio de Moçambique ao Congresso Nacional Africano (ANC) (ABRAHAMSSON & NILSSON,
1994, p. 110).
Moçambique realizou uma série de reformas políticas e econômicas. Subscreveu-se ao
Programa de Ajustamento Estrutural e a constituição marxista-leninista de 1975 foi
substituída por uma constituição democrática. “Em 1991 a Frelimo deixou de ser um partido

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

de vanguarda marxista-leninista e adotou uma constituição que introduziu o sistema


multipartidário. A economia deixou de ser planificada centralmente e passou a economia de
mercado mais liberal”. (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 106)
Moçambique começou, a partir de então, a receber ajuda bi e multilateral. Recebeu
ajuda humanitária de emergência de Organizações Não Governamentais ocidentais e norte
americanas. A ajuda vinha em resposta à calamidade natural que assolou o país entre 1982 e
1983 – a seca que provocou fome. Recebeu ajuda, financiamentos feitos diretamente ao
governo e/ou através de transferência de governos, dos EUA e de países europeu e de
Instituições Financeiras Internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial para o governo moçambicano. A ajuda que Moçambique recebeu serviu para pagar
as importações – petróleo, alimentos, medicamentos e etc. – não para reconstruir as
indústrias dos ramos de alimentação, vestuário, e processamento de produtos agrícolas que
tinham sido destruídas pela guerra, que iriam competir com as indústrias ocidentais. Foi
promovida a importação no lugar da promoção da produção doméstica.
A ajuda externa veio dos Estados Unidos da América, da Comissão Européia (Inglaterra,
Espanha, Alemanha, Portugal, Itália, França, Países Baixos, Dinamarca, Noruega, Suécia, Suíça
e outros). Essa ajuda destinava-se a apoiar projectos nas áreas de educação, fornecimento de
água e saneamento, governo e sociedade civil, direitos humanos, transportes e comunicação,
agricultura, energia, bancos e serviços financeiros, comércio, saúde e outras.
Também houve ajuda humanitária de agências das Nações Unidas: Food and Agriculture
Organization (FAO), Organização das Nações Unidas para o combate à Síndrome de Imune
Deficiência (SIDA) – (ONUSIDA), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), United Nations Educational, Scietific and Cultural Organization (UNESCO), Fundo das
Nações Unidas Para a População (FNUAP), Alto comissariado das Nações Unidas Para os
Refugiados (ACNUR), Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF), Programa Mundial
de Alimentação (PMA), Organização Mundial de Saúde (OMS), de Organizações Não
Governamentais (ONG´s) como a Care Internacional, United StatesAgency For International
Development (USAID). O PMA contribuiu com 30.000 toneladas de milho e a Suécia, através
da ASDI contribuiu com 30 caminhões para o transporte da ajuda até os pontos de
distribuição.
Apesar do elevado montante de ajuda humanitária em bens de alimentação e
financiamentos para o desenvolvimento que o país recebeu, a situação das populações não
melhorou substancialmente, como seria de se esperar. A ajuda alimentar americana era
política30 e visava pressionar o Governo de Moçambique a abandonar o socialismo.
Várias ONG´s internacionais como a CARE internacional, uma ONG norte americana, a
ASDI e instituições das NU como o PMA responsabilizaram-se pela distribuição da ajuda
alimentar.
A CARE assumiu o poder executivo dentro do DPCCN sem uma estrutura administrativa
competente para proceder ao transporte e distribuição dos bens destinados à ajuda
alimentar. Os técnicos estrangeiros não tinham competência técnica para a tarefa de
distribuição da ajuda. O pessoal da CARE era constituído por antigos membros do “peace
corps” sem qualquer experiência profissional sobre transporte e logística e as autoridades
moçambicanas não haviam recebido os curricula vitae dos técnicos estrangeiros, o que tornou
155
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

impossível influenciar em seu recrutamento. Por isso, a CARE não foi capaz de desenvolver
um método de controle dos fretes e desalfandegamento dos produtos e de controle de peças
sobressalentes das viaturas usadas na distribuição dos bens (ABRAHAMSSON & NILSSON,
1994, p. 121).
Por outro lado, os doadores impuseram que a distribuição da ajuda de emergência fosse
gratuita. Por ser gratuita, também, atingiu populações que tinham poder de compra, das
áreas urbanas, por exemplo. Este facto, levou à diferenciação entre as populações urbanas e
rurais. As pessoas com poder de compra, passaram a revender os alimentos dando origem à
roubos e à corrupção. “Eles enriqueceram ainda mais e bloquearam a produção nacional de
alimentos. Esta situação fez com que a ajuda alimentar não fosse benéfica para Moçambique”
(ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 124).

A modernização na experiência moçambicana

Tomando a teoria da modernização como um exemplo, a Frelimo falhou em muitos


aspectos em desenvolver Moçambique. Em primeiro lugar, fez um projecto de sociedade sem
levar em conta sua aplicabilidade no terreno, e quando encontrou resistência, em vez de
discuti-lo com as pessoas, quis forçá-lo. Ao criar as condições morais para afastar a burguesia
colonial que detinha a indústria, ela cometeu falhas que interfeririam na industrialização
encontrada sem mão-de-obra qualificada, o que promoveria o desemprego generalizado. As
pessoas encarregadas de administrar as indústrias as levarariam à falência depois de algum
tempo. Embora a estratégia comecasse a ser questionada, ao jornalista D. Martin, do
Observer, Samora Machel afirmava:

«Destruiremos a pobreza através de uma estratégia económica correcta, baseada nas


necessidades do povo. Sabemos o que o povo quer e o nosso problema central e destruir a
estrutura colonial que está profundamente arreigada. Por isso temos que libertar os espíritos
das pessoas, libertar a sua iniciativa criadora. Assim, definimos as aldeias comunais como
locais onde o povo está organizado, executará tarefas definidas, terá programas, e utilizará
correctamente as suas próprias forças. E o desenvolvimento começará no campo e será
apoiado pela indústria...»60

Em segundo lugar, a crença de que o Estado seria o intérprete supremo dos anseios do
povo fez com que o acúmulo de capital se concentrasse no Estado, privando-o do povo o que,
por sua vez, fez com que o capital se acumulasse mais nas empresas estatais. Por causa da
guerra em curso, do campo, milhares de agricultores famintos buscavam proteção em cidades
onde os empregadores eram escassos, porque as indústrias estavam paralisadas ou eram
administradas por comissões administrativas inexperientes, que davam privilégios a seus
parentes e conhecidos. As avalanches desses deslocados internos, que se sentiam
desenraizados nas áreas de cimento, aumentavam o cenário da fome, que os levava a
enveredar os caminhos do crime. Os estrangeiros partiam para suas origens e os
moçambicanos que não podiam imitar-lhes fuga, atravessavam a fronteira para países
vizinhos. As empresas economicamente sólidas estavam enfraquecendo com as exigências
salariais e a construção civil, parcialmente amorfa desde a independência, foi forçada a cessar
completamente sua actividade com a nacionalização dos imóveis. Os bancos, que já haviam

60 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 67.
156
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

desertado no interior do país, não podiam conceder créditos por não ter uma carteira de
depósitos que justificasse uma actividade de crédito.

Em terceiro lugar, o primeiro processo de modernização da Frelimo marginalizou a


economia familiar, concentrando recursos em empresas estatais que não conseguiram
dinamizar a economia. De facto, foi feito o oposto do que deveria ser feito de maneira que o
setor familiar energizasse a economia industrial. Não houve cadeia de valores. Em vez de
destruir a fome por meios locais, a Frelimo deu ao problema uma interpretação ideológica.
Os anseios do povo e suas tendências naturais passaram despercebidos ao mesmo tempo
que, como nas instituições financeiras internacionais, acreditava-se que os anseios do partido
eram os anseios do povo.

Em quarto lugar, não foi possível resolver os problemas conjunturais da economia


colonial e consolidar os problemas estruturais da economia nacional e, como as empresas de
cujo rápido crescimento Moçambique dependeria caiam em bancarrota, o colapso
econômico era inevitável devido aos erros de gestão macroeconómica que foi responsável
pelo desequilíbrio financeiro e estrutural. A experiência socialista resultou no caos económico
de Moçambique mas os dirigentes culpavam o colonialismo pelo abandono, quando na
prática este abandono fora encorajado a fim de se lhes apoderar bens deixados, o que aos
olhos dos observadores parecia um disfarce simplista e grosseiro. O correspondente da B.B.C,
reportou este caos, em curta notícia do seguinte teor:

«Nas ruas do Maputo, a antiga e rica cidade de Lourenço Marques, vivem-se espectáculos
nunca presenciados. O povo passa horas, desde o nascer do sol, em longas bichas para
adquirir pão. A maioria destas pessoas é africana. Outras longas bichas, desta vez compostas
por gente de todas as raças, são assinaladas junto das empresas aéreas e das agências de
viagem, em busca de vagas nos aviões para abandonarem Moçambique. Embora estejamos
em Março, todas as passagens aéreas para Portugal estão esgotadas até fins de Julho.»61

O correspondente da B.B.C, foi expulso de Moçambique porque não era esta a imagem
que o mundo deveria colher do país, mas aquela oferecida pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Joaquim Chissano. Para o governo, no entanto, através da imprensa, a falta de
necessidades básicas que espalhavam a fome para aqueles que ainda tinham os meios
econômicos para reprimi-la não se devia às suas políticas.

«A falta de farinha de milho no mercado, alimento básico das populações de menores


recursos, deve-se à inexistência de milho, em virtude de uma avaria registada no desvio
ferroviário. A propósito da escassez de pão de trigo, neste aspecto não existe falta de matéria-
prima, mas as empresas lutam com falta de pessoal qualificado para obter não só o máximo
rendimento da linha de montagem em funcionamento, mas ainda para pôr em
funcionamento uma nova linha de montagem. O pão de trigo que tem aparecido nas últimas
semanas, para além de ser pequeno, é de fraca qualidade. O pão apresenta-se compacto e
isso deverá ser motivado pela falta de sal ou de levedura e ainda devido a misturas.»62

Como o povo não aceitou as justificações inventadas reclamou manifestando-se, sendo

61 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, pp. 70-71.
62 «Notícias da Beira» 12 de Março de 1976
157
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

necessário o uso da força policial em diversas bichas formadas em vários estabelecimentos


da Beira enquanto o jornal buscava acalmar os ânimos com promessa de que «o
carregamento do produto, vindo do Paquistão, já chegou, e a partir do início da corrente
semana começou a ser distribuído no mercado». Os jornalistas divertiam os leitores com
meias-verdades, dando-lhes esperanças infundadas, enquanto esperavam pacientemente
que os pedidos, feitos a nível internacional pelo Governo, levassem as pessoas a ter algo para
comer. Passos era pessimista quanto ao resultado final e afirmou que:

«Será aberrante acreditar, porém, que esses auxílios venham solucionar o caos
económico do país sem um esforço interno e este não existe. A produção é nula e os salários
treparam, após reivindicações exageradas, cinco e seis vezes. A generosidade governamental
encaminhou dezenas de empresas à falência, causando maior número de desempregados.
Simultaneamente os técnicos, perseguidos, injuriados, regressavam a Portugal e os seus
lugares eram preenchidos por operários inexperientes a quem era proporcionada uma
reciclagem que, mesmo assim, não os preparou para tirar partido das máquinas
demasiadamente sofisticadas para os seus frágeis conhecimentos técnicos. Grandes
complexos industriais paralisaram temporária ou definitivamente a sua actividade, mas
mesmo dessa caótica situação o Governo moçambicano quis tirar partido político inventando
culposos».63

Por essa altura, a CIGOMO, que era uma importante empresa de transformação de sisal,
situada na zona industrial de Nacala, passou a ter um encargo de salários elevado, o que lhe
levou a paralisação. Mas o culpado encontrado foram os Estados Unidos da América que «na
presente fase, ainda não se mostraram interessados na compra do produto, por razões de
ordem política.»64 Na verdade, as demandas dos trabalhadores e a diminuição da produção
tinham criado dificuldades para a empresa em termos económico-financeiros, ressentidas no
preço do produto, colocando-o bem acima da oferta da concorrência internacional. No
mesmo período, a produção de açúcar caiu cerca de 60% na primeira safra depois da
Independência, e a imprensa disfarçou o fracasso acusando os agricultores estrangeiros de
sabotagem econômica. Líderes administrativos estrangeiros foram dispensados a custa de
membros dedicados do partido, mas a verdade tornou-se impossível de se camuflar por mais
tempo.

As nacionalizações foram postas em prática, sem organização, sem estruturas


econômicas, sem quadros. Desrespeitando as realidades moçambicanas, todo o processo
comunista de nacionalização foi plagiado sem medir as consequências, sem verificar que a
fuga dos proprietários para outros países se devia à não conformidade com a sua política. E,
não contente com a nacionalização de grandes empresas, a Frelimo tornou a pobreza mais
pobre, debilitando o desenvolvimento económico sob o controlo estatal arcaico. Por isso, os
primeiros meses da Independência foram caracterizados pela progressiva piora da situação
social. A ajuda externa não resolveu o problema, pois os empréstimos apenas aumentaram o
déficit. As nacionalizações, repentinas e sem estudo prévio, agravaram ainda mais a situação
econômico-financeira.

Imprevistas, as nacionalizações vieram imediatamente após um discurso do Presidente


63 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 69.
64 Mário Ferro, «Notícias da Beira» 13 de Março de 1976
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Samora, a 24 de Julho de 1975. A terra foi nacionalizada, porque somente o estado, que é
popular, pode ser o mestre das propriedades. Os edifícios foram nacionalizados, porque as
casas são do povo. A medicina foi nacionalizada porque a saúde é um direito humano.
Agências funerárias foram nacionalizadas porque é um crime negociar com a morte. A lei foi
nacionalizada porque a justiça é popular. A educação foi nacionalizada porque todo homem
tem o direito de saber. Mas a realidade de hoje mostra que os defensores das nacionalizações
de ontem são os principais detentores das coisas nacionalizadas, possuidores dos melhores
terrenos e quando veio a onda das privatizações, na década de 1980, também foram os
ocupantes dos lugares cimeiros.

Extracto 5

ONGD EM MOÇAMBIQUE65

Segundo o Fórum das ONGD (LINK), em Moçambique, em 2001, eram seiscentas as


ONGD registadas neste Forum. De entre elas 465 eram nacionais e 145 eram estrangeiras
(Van Eys 2002: 145). Considerando os dados do INE 2006 as associações não governamentais
eram mais de 4000.Além do número é interessante ver como ao longo dos anos a
percentagem de ONGD aumentou ou diminui de acordo com contexto politico.
Tabela n° 1: As organizações não governamentais em Moçambique

Tabela n°2, Fonte: INE Moçambique 2006:98.

O gráfico monstra como antes da independência de Moçambique, a percentagem das ONGD


era superior ao período 1975-1983. Isto porque com a independência, a FRELIMO o partido
que subiu ao poder, conduziu uma política de cunho socialista, que implicou a nacionalização

65
Giulia Mauri- Organizações Não Governamentais param o Desenvolvimento. Análise do trabalho de
algumas ONGD em Moçambique, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 2013.
159
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

das estruturas privadas e portanto pouca abertura para organizações como as ONGD. Daí que
a percentagem de ONGD no país depois da independência fosse só de 14%.
Posteriormente, a guerra civil entre a FRELIMO e RENAMO e a consequente crise
económica, obrigaram o Estado, já a partir de meados dos anos de 1980, a permitir a entrada
no território de ONGD estrangeiras, fontes de ajuda não indiferente. Desse modo, durante o
período 1984-93 as ONGD aumentaram em Moçambique. A nível legislativos as ONGD
nacionais ainda não estavam legitimadas a operar no território;mas a necessidade de uma
ligação local para as ONGD estrangeiras e o nascimento da nova Constituição moçambicana
em 1990, da qual iremos falar mais em frente, permitiram o reconhecimento oficial também
das ONGD nacionais. Isso justifica o grande aumento das ONGD no território moçambicano
depois de 1993, até chegar a um 40%, como é mostrado no gráfico. A este respeito podemos
encontrar informação complementar em Oppenheimer (1994:177), que analisando o
crescimento dos fluxos de assistência externa para Moçambique distingue três fases:
A primeira, de 1976-83, coincide com a experiencia não infletida de desenvolvimento
socialista levada a cabo pelo país e caracterizado por uma ajuda bilateral de origem
escandinava e holandesa. A segunda fase, 1984-86, coincide com uma abertura ao mundo
ocidental, na parte bilateral e multilateral. Em fim a terceira fase, até 1991 é caracterizada
por um programa de ajustamento estrutural negociado com o Banco Mundial (Oppenheimer
1994:177-78).
Como se pode ver, 1984 é o ano de mudança na política moçambicana (Dionísio 1998).
Uma política que, destruída por uma guerra civil e por uma situação económica fraca
(consequência da guerra), mudou de rota e optou para uma ideologia ocidentalista de base
capitalista. Foi esta nova abertura ao ocidente que abriu as portas às ONGD estrangeiras e
que seilustra no gráfico cima apresentado.

Percurso histórico das ONGD moçambicanas.


Para alguns, a ONGD que no período pós-independência primeiro se começou a
destacar em Moçambique, foi a Cruz Vermelha, em 1981 (Ngomane 2002:17). A suaação na
altura foi muito dirigida ao socorro às vítimas de guerra. Posteriormente, chegaram outras
ONGD estrangeiras como a World Vision e a Save The Children.
No final da década de 80 do século XX, a acção das ONGD estrangeiras era tão intensa
que começaram a surgir pressões internas para que estas passassem a ter que trabalhar e/ou
colaborar com ONGD locais a fim de que a partir do seu trabalho se pudesse vir a obter um
resultado mais eficaz. Assim, nasceram as parcerias com organizações como a associação
Mulher Moçambicana e a União Geral das Cooperativas, por exemplo.
O período de 1984 a 1996 foi o mais fértil no que concerne o surgimento do grande
movimento das ONGD moçambicanas. Seguramente neste processo, teve grande
responsabilidade a aprovação da Constituição de 1990, que proclamou o multipartidarismo e
sobretudo a liberdade de expressão e associação.
«Isto representa um certo empoderamento dos cidadãos e maior oportunidade para a
intervenção na tomada de decisões eexigência de accountability em relação aos governantes»
(Francisco et al. 2007:48).

160
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Na realidade, a primeira Constituição da República Popular de Moçambique, foi


instituída em 1975. Esta constituição não falava de um governo livre, era baseada num partido
único, a FRELIMO, e oficializava um poder absolutista.
Isto foi justificado com o argumento de que só um partido único era o garante de
fidelidade e portanto de segurança da aplicação rigorosa do programa do governo (Chambule
2000:108). Foi como defender que um partido único pode manter o controlo e a tranquilidade
de um País, mas também que o governo quer assumir integralmente a responsabilidade e o
ónus da governação. Posteriormente, devido à abertura política e a um relaxamento na
política interna, na luta entre a FRELIMO e RENAMO, sobreveio a Constituição de 1990. Esta
Constituição, já reconhecia o multipartidarismo como base política da sociedade
moçambicana, e definia que os órgãos representativos do Estado podiam ser escolhidos
através eleições livres. Começou-se a falar de votação universal, direta, secreta e pessoal e
assim, na prática foram lançadas as bases para a construção de uma democracia.
Pode pois dizer-se que a Constituição de 1990 rompeu com o panorama anterior e
pôs termo a um regime político que, a partir de 25 de Julho de 1975, data da proclamação da
Independência Nacional, se tinha inspiração no modelo soviético. Ainda por meio da leitura
do articulado desta Constituição, se pode concluir que ela veio estabelecer as estruturas
fundamentais da democracia, da separação de poderes, da liberdade política em toda a sua
profundidade e extensão, bem como numa consagração mais efetiva dos direitos
fundamentais dos cidadãos (Chambule 2000:108). Em 2004, foi depois promulgada uma nova
Constituição que, contudo, mantém esses mesmos princípios.

ONGD nacionais e o Estado.

Apesar da lei 8/91 sobre a liberdade de associação existir apenas há pouco mais de
20 anos, a prática do associativismo é tão antiga em Moçambique como em qualquer outra
parte do mundo. Seguindo a terminologia de Sousa Santos (1997) podemos definir a
sociedade tradicional africana como uma sociedade providência, em que os grupos familiares
se baseiam no parentesco e nas relações familiares para estabelecer, entre eles, relações de
ajuda mútua, segundo uma lógica de reciprocidade. Ao longo dos tempos, estes
agrupamentos conseguiram sobreviver adaptando-se às exigências de cada período histórico.
Durante o século XX, para enfrentar o colonialismo, os moçambicanos juntaram-se para
salvaguardar a sua identidade cultural face à ingerência portuguesa. Após o período colonial,
foram estabelecidas as Organizações Democráticas de Massas (ODM), utilizadas como
instrumento para garantir uma sensibilização ativa da população para as tarefas da
reconstrução nacional. Mas entre a euforia geral, o governo centralizado e a defesa da
pátria, as novas organizações nascidas fora do Partido Único não tinham uma longa vida.
Contudo, tal não significa que não existissem, com efeito:
«A lei sobre a liberdade de associação só foi votada em 1991; no entanto, cerca de 15%
das OSC já tinham iniciado as suas atividades antes do reconhecimento desse direito. Com
exceção das instituições originariamente criadas pelo Partido (OTM, OMM…) […]» (Homerin
2005:22).
A situação mudou durante a década de 80 do século XX. Isto porque houve um período
de recessão, causado por uma série de calamidades naturais e por uma guerracivil intensa. O
161
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

governo moçambicano, para sair desta crise, não encontrou outra solução senão aderir ao
Banco Mundial e ao FMI (Fundo Monetário Internacional), em 1984. É nesta altura que em
Moçambique começaram a aparecer as primeiras Organizações Não Governamentais
internacionais. Posteriormente, o pluralismo determinado pela Constituição de 1990,
oficializou as ONGD locais.
Houve Associações, segundo pudemos saber no terreno, que iniciaram a sua atividade
não oficialmente em 1986. Após a independência, como foi explicado durante a entrevista,
tudo o que era individual tornou-se a favor do coletivo. Os jovens, que formaram estas
organizações, eram estudantes com uma experiência anterior de associativismo, activismo e
luta, porque participaram na libertação do próprio país.
Em 1975, com a libertação do Estado da opressão colonial, estes estudantes foram
chamados, considerando a sua própria experiência, a gerir os trabalhos que antes eram
ocupados pelos portugueses. Desde 1975, houve o fenómeno dos retornados, onde, com a
independência, muitos portugueses que viviam no território moçambicano voltaram para a
metrópole. Mas na década 80 do século XX, as situações mudaram e assim essas associações
começaram a estabelecer as primeiras pedras na fundação do que viriam a ser
posteriormente algumas ONGD.
Não havendo possibilidade de se constituírem como ONGD privada até 1992, estas
associações trabalharam com base em encontros informais entre amigos nos quais se tentava
organizar planos para desenvolver o território.
A ONGD 3, por exemplo, nasceu em 1989, como organização regional feminista que
operava nos sete países da África Austral. Esta ONGD de Moçambique tinha uma ligação muito
estreita com o ensino superior, constituindo de facto um departamento na Universidade
Eduardo Mondlane. A estratégia adotada serviu para reduzir os constrangimentos na atuação
da organização, porque, como referido anteriormente, naquela altura o contexto político era
baseado num sistema monopartidário. Portanto,apenas durante o início da década de 2000,
devido a uma mudança nos objectivos dos doadores, esta ONGD regional se dividiu, e no que
se refere ao núcleo de Moçambique, tornou-se independente da Universidade Mondlane
adquirindo personalidade jurídica e reconhecimento oficial. Depois do registo como
associação, de acordo com a legislação moçambicana, constituiu os seus órgãos sociais em
Abril de 2003.
Para Tinie van Eys (2002:147), foram quatro os fatores que contribuíram para o
surgimento das ONGD nacionais em Moçambique:

O Estado mostrou cada vez mais a sua incapacidade de promover e organizar o


desenvolvimento como ator único;
Sob a forte pressão dos doadores e já na onda das políticas neoliberais, o governo
viu-se obrigado a criar abertura e espaço para a existência de organizações moçambicanas
privadas que pudessem intervir no desenvolvimento económico-social do país;
Os doadores, tanto as agências multilaterais como as bilaterais, como as ONGD
internacionais, tendem a transferir o foco da sua ajuda das instituiçõesestatais para o sector
civil;

162
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

A existência de um grupo de cidadãos moçambicanos com vontade e disponibilidade


para se aventurar na criação de uma ONGD nacional.
Todos estes fatores permitiram portanto o nascimento e a oficialização das ONGD
nacionais. As ONGD moçambicanas têm o estatuto legal de associação. A lei, aprovada em
1991, utiliza o termo “associação” como forma única para os cidadãos exercerem o direito a
livre associação previsto na Constituição da República. Esta lei coloca na mesma posição as
ONGD, os clubes desportivos e, por exemplo, os grupos de ajuda mútua das aldeias, não
fazendo distinção entre Organizações NãoGovernamentais e organizações formadas por
funcionários. Com efeito, na Constituição de 1990, o artigo 52.º, sobre a liberdade de
associação,diz:
1. Os cidadãos gozam da liberdade de associação.
2. As organizações sociais e as associações têm direito de prosseguir os seus fins,
criar instituições destinadas a alcançar os seus objectivos específicos e possuir património
para a realização das suas actividades, nos termos da lei.
3. São proibidas as associações armadas de tipo militar ou paramilitar e as que
promovam a violência, o racismo, a xenofobia ou que prossigam fins contrários à lei.
Como se pode ver não é especificada ou oficializada a naturezadas ONGD enquanto
actores nacionais. Contudo, a lei nº 8/91 sobre a liberdade de associação continua a ser
atualmente a única base legal que permite a formalização de todas as formasde organização
não estatal (exceto as fundações). Esse texto não distingue entre ONGD, organizações
comunitárias de base,sindicatos, congregações religiosas ou associações que desenvolvam
projetos de carácter económico (Homerin 2005:26).
Como pudemos saber aquando da realização das entrevistas no terreno, existem ainda
outras questões a explorar. Não sendo especificada a natureza das ONGD e distinguida essa
sua natureza, das associações privadas de outra base, acaba-se por um lado por não se dar a
real importância ao trabalho de desenvolvimento que estas realizam. É dito que cada cidadão
pode participar e fundar uma organização. Mas, como foi notado em 2008 pelo Centro de
Integridade Publica (CIP), através de um contributo para a melhoria do quadro legal anti-
corrupção em Moçambique:
Não existe em Moçambique Lei específica que regula o conflito de interesses. A
legislação contém, de forma dispersa, aspectos ligados a esta matéria, estabelecendo
impedimentos para o envolvimento de altos funcionários do Estado em actividades
remuneradas dentro das suas áreas de responsabilidade ( Fael et altri 2008: 12).
Existem Organizações Não Governamentais locais que são formadas por funcionários
estatais e que portanto não respeitam um princípio ético de transparência mas são
influenciadas directamente pelo governo. Tal foi confirmado durante as entrevistas na
pesquisa de campo pelas duas ONGD locais. Como refere Homerin:
«Como em muitos outros países, Moçambique não escapa ao processo que consiste
para os responsáveis e/ou a elite política, em apoiar diretamente, ou pelas vias mais
dissimuladas, o nascimento de algumas ONGD» (Homerin 2005:54).
Esta prática, segundo aquele autor, responde a dois objetivos: o primeiro é o de se
instalar no terreno da ajuda ao desenvolvimento, estando sempre em primeira linha e tendo

163
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

uma espécie de colete de salvação caso cesse a função pública do funcionário em questão. O
segundo objectivo, por sua vez, é o de estar presente nos debates conceptuais, ideológicos e
metodológicos que atravessam as ONGD, a fim não só de dominar o que acontece, mas
também para daí retirar conhecimentos e experiência úteis para a função pública que
exercem (Homerin 2005:55).
O problema é que a nível legislativo não existe uma infração do código e parece queo
princípio do conflito de interesses não seja um assunto abordado pela legislação
moçambicana. Isto significa que a nível oficial, esta conduta não é punível por lei.
Esta discussão necessitaria de um aprofundamento maior que arrastaria a discussão
para outros assuntos que por si, dariam campo a outra dissertação (eventualmente até a mais
do que uma).
O que aqui é importante é perceber o percurso oficial que uma ONGD tem de fazer para
ser regularizada em Moçambique, e relativamente uma ONGD tem de apresentar:
«- 10 Membros fundadores no mínimo
Cópia dos seus documentos de identidade e do registocriminal
Um exemplar dos estatutos
Autenticação dos referidos documentos e reconhecimento dasassinaturas em notário
Pedido de expedição de um certificado negativo pelo Ministério da Justiça indicando que o
nome escolhido para a associação ainda não está utilizado
Apresentação dos documentos e do certificado negativo para autorização do Ministro»
(Homerin 2005:27).

O processo não é complicado, mas infelizmente muito lento devido entre outros fatores
a dificuldades técnicas como por exemplo a falta, muitas vezes, de umsistema informatizado
fiável. Não sendo uma situação fácil de ultrapassar, acontece que muitas ONGD acabam por
trabalhar sem justificar a atividade. Isto porque, para que uma ONGD seja oficializada não é
necessária a publicação de estatutos, e sendo que a publicação é muito cara, é difícil
encontrar uma ONGD local que tenha um registo administrativo. Ademais, não existe nenhum
dispositivo de acompanhamento da evolução de uma ONGD, sendo portanto difícil perceber
quantas são atualmenteas ONGD locais efetivamente ativas no território.

Superando a parte legislativa, é importante também abrir um pequeno parêntese sobre


a relação existente entre o Governo e as ONGD. Acontece muitas vezes que as relações não
são pacíficas e que o Estado tem a tendência a identificar as ONGD como portadoras de uma
ideologia de oposição. Esta sensação foi muito clara durantea entrevista com a ONGD 3. O
Estado, em geral, se não é interpelado, não intervém nas situações e mantém uma certa
distância das pesquisas das ONGD. Nos últimos anos, parece ser menos conservador,
sobretudo nos temas dos direitos das mulheres (claramente importantes presentemente em
termos de agenda política), mas em geral,a relação baseia-se numa indiferença geral.
Joanina Homerir (2005:45), tenta encontrar duas explicações para este facto. Segundo
a autora, por um lado, existe uma vontade, na esfera do poder, de implementar uma política
de difamação relativamente às ONGD que são suspeitas de por em causa uma posição
governamental e, por outro lado, há uma reminiscência da concepção paternalista deixada

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

pelo regime socialista, que reconhece de ter necessidades de parceiros mas unicamente se
estes não puseram nada ou pouca coisa em causa.
Para alguns, existem efetivamente determinadas áreas que são de competência
unicamente do Estado e portanto vêem o envolvimento das ONGD nestes assuntos como uma
ingerência.
Quando se fala por exemplo de violência doméstica a relação com o Estado torna-se
muito complicada pois que o próprio Estado a justifica como aspetos culturais tradicionais
contra os quais não se pode andar (entrevista ONGD 3).
Em geral todavia a tendência das ONGD e Associações, no que respeita a esta matéria
da violência doméstica em concreto, a atitude aquando da nossa entrevista, foi a de evitarem
o assunto e contornar-lo, optando por falar dos seus outos projectos,dos resultados obtidos,
ou na melhor das hipóteses tratando o assunto em maneira vaga e geral.

A natureza das ONGD locais moçambicanas

Tinie van Eys (2002), analisando as ONGD em Moçambique afirma que os fundadores
das ONGD moçambicanas, pertencem geralmente à classe média da sociedade. São
estudantes universitários, técnicos de vários ramos ou funcionários deinstituições estatais, e
concentram-se nas zonas urbanas onde o estilo de vida é geralmente melhor (Tinie van Eys
2002: 149). Efectivamente a primeira OrganizaçãoNão Governamental que entrevistámos
(ONG 1), enquadra-se nestas linhas gerais:foi formada principalmente por intelectuais que
tinham estudado e lutado pela libertação do país, a sede da organização é em Maputo e,
apesar de alguns projetos terem sido desenvolvidos fora da capital, a maioria desenvolveu-se
em zonas centraise mais urbanizadas.
A ONGD 3, como vimos, apoiou-se na Universidade Mondlane e os seus operadores
eram professores universitários. Parece portanto que apenas uma parte da população
iluminada e com maior liberdade no campo político, conseguiu durante o período de política
absolutista manter uma certa liberdade de pensamento conseguindo construir ONGD não
oficiais.
Analisando as ONGD moçambicanas, a primeira característica que parece evidente é a
incapacidade de especificação das mesmas. (Van Eys 2002:150). Estas ONGD, desenvolvem
uma variedade de atividades, não se encontrando concentradas simplesmente num só
assunto. Após a guerra, como vimos, estas organizações envolveram-se na reabilitação das
infraestruturas sociais para se concentrarem mais tarde, como já referimos, nos projetos de
desenvolvimento em várias áreas, como o micro crédito, a alfabetização, a gestão dos
recursos naturais, etc. Parece ser difícil encontrar uma Organização Não Governamental que
se ocupe prevalentemente de uma só actividade. Terá isto a ver, como refere Hamerin
(2005:37), com o facto de:
A estrutura financeira de uma grande maioria das ONGD não assenta numa base estável
de fundos próprios ou de financiamentos regulares. Elas vivem na maioria das vezes dos
fundos concedidos dos doadores para projetos específicos […] as ONGD moçambicanas

165
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

sofrem uma total dependência relativamente aos doadores. Essa situação induz alguns
comportamentos comercias da parte de alguma ONGD.

A grande dependência e fragilidade financeira não favorecem uma especialização


sectorial. Muitas vezes acontece que as ONGD procuram dinheiro para fazer sobreviver a
organização em vez de meios para implementar uma verdadeira estratégia de intervenção.
Logo, para subsistir entre um projeto e outro, muitasONGD adotam a solução de alargar o
leque das suas atividades para garantirem o máximo de oportunidades de receber fundos.
O que é afirmado acima, não foi contudo evidente durante a pesquisa de campo. Com
efeito, as organizações entrevistadas já referidas, tinham projetos específicos num
determinado campo: uma no caso no desenvolvimento urbano, e outra, na defesa dos direitos
das mulheres.
É verdade que cada ONGD, estas e as outras também entrevistadas, tinha vários
projetos desenvolvidos na mesma área mas não foi identificado um comportamento
comercial por parte destas ONGD. A ONG 2, falando estratégias de sobrevivência
economicamente afirmou:
Riusciamo a sopravvivere perché ci differenziamo inpiù campi è quindi abbiamo più
finanziatori. Attraversoun determinato progetto cerchiamo di mettere più obiettivi, in questo
modo possiamo trovare più finanziatori.
Em geral, podemos dizer que, sendo as ONGD dependentes, pelo menos em parte, dos
fundos dos doadores, o binómio que existe é bastante claro: mais projetossignificam mais
financiamentos. A este propósito a ONG 4 afirmou que:
Sim é verdade, tem mais poder de influência, de angariar fundos… então de um lado
crescer significa teracesso a mais fundos por outro lado, um trabalho muito especifico traz
mais-valias e responde a necessidade se calhar mais esquecidas no campo do
desenvolvimento. Não é um papel fácil, hoje em dia eu acho que háorganizações grandes que
estão conseguindo melhorar talvez não seu desempenho e os seus resultados na sua
intervenções mas sim a imagem global, a encontrar mais financiamentos, conseguem
trabalham mais envolvendo uma componente de advocacia com componentes operacionais,
uma das organizações que é sempre muito bem falada é Save The Children, mas algumas
pessoas que conheço que colaboraram com Save The Children assumem algumas dúvidas
sobreessa linearidade.

Os fundos vêm das agências internacionais e ONGD estrangeiras que têm as suas
próprias agendas e prioridades e que são frequentemente influenciadas por assuntos
sensíveis aos seus países de origem. E esse fato é um dado que merece a maior atenção (a
tratar eventualmente num estudo posterior).
Na verdade, em declaração à Newsweek Magazine, o ex-director da Oxfam chama isto
economia moral:

Conseguimos sobreviver porque somos diferenciados em várias áreas, assim temos


mais financiadores. Através de um determinado projeto tentamos definir um conjunto maior
de objetivos, desta maneira encontramos mais financiadores.

166
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

«Call it the moral economy, if you like. There's a market for good works, and it's big business
» (Foroohar 2005).
Para que este mercado moral seja produtivo, as ONGD, através do anteriormente
chamado comportamento comercial e dos mesmos meios informativos, modificam a
realidade para torná-la mais apetecível, procurando conseguir a maioria de doações possível;
ou como diz Polman (2009:39)36 :
Le vittime sono universali e prive di tutto ciò che potrebbe respingere i donatori, come
convinzioni politiche e passati poco limpidi. […] per evitare che i donatori soffrano della
sindrome del deja vu, spesso gli operatori umanitari e i giornalisti tendono a calcare la mano.
As vítimas de um país do terceiro mundo são portanto pessoas “irreais” do ponto de
vista dos doadores, sem um passado e sem contradições, são identificadas apenas, como
populações com necessidade de receber socorros. As ONGD, claramente para não perderem
financiamentos, se não jogam diretamente, pelo menos não se retiram desta competição por
orçamentos.
Superando o facto de que existem situações de emergência humanitária, como a
eclosão de guerras, o princípio dos orçamentos é sempre o mesmo.
Sendo que as ONGD dependem das doações e sendo que as doações são voluntárias, o
jogo da solidariedade é facilmente compreendido. Pensando num exemplo a uma pequena
escala, o facto é que uma pessoa que tenha uma quantia de dinheiro para financiar uma boa
obra, claramente dará a sua parte onde considerar que possam existir mais necessidades.
Desta forma, quanto mais amplos os projetos, quer sejam eles mais necessários, ou em
maior número, maior orçamento é possível angariar. Temos de ter ainda emconta, que
as Organizações internacionais financiadoras de projetos são influenciadas pela opinião
pública, e esta é composta por todas as pessoas que querem fazer uma boa obra a favor dos
países em vias de desenvolvimento. Segundo Van Eys (2002:150): Os doadores dependem,
por sua vez, do seu público que deve ser convencido da necessidade de continuar a
disponibilizar, directamente ou através dos impostos, somas importantes para a ajuda ao
desenvolvimento.

Por este motivo, durante a entrevista com a ex-directora de uma das ONGD do nosso
estudo, à pergunta sobre os financiamentos, a uma resposta inicialmente muito vaga é
seguida uma explicação bastante simples: Existem diferentes fontes de orçamento para uma
ONGD. O dinheiro pode chegar do Estado, através de órgãos internacionais como o Banco
Mundial ou a União Europeia, secundariamente através doadores estrangeiros privados ou
através de Estados doadores.
Entrevista ONGD 1.
No caso desta ONGD, os financiamentos maiores provieram de uma organização
holandesa privada que, devido à notoriedade da associação e ao seu trabalho bem
desenvolvido no território moçambicano, deu praticamente carta-branca à ONGD,
permitindo-lhe desenvolver os seus projetos de modo independente.
No caso da ONGD 3, a relação com os financiadores parece ser mais complicada. Se num
primeiro momento os financiamentos provinham de uma única organização internacional, a
DANIDA37, posteriormente a mudança de objetivos da última, constringiu a ONGD 3 a
167
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

desagregar-se de uma estrutura regional e a dividir-se pelos vários países nos quais operava
e portanto também a encontrar novos financiadores. Como foi afirmado durante a entrevista
isto não foi um facto totalmente negativo dado que manter uma relação de financiamento
apenas com um financiador pode ser muito limitativo e eventualmente arriscado.
O relacionamento entre as ONGD e os doadores como já vimos, acaba por ser uma
contratação contínua: por um lado as ONGD querem ter a sua independência e por outro os
financiadores querem monitorar os orçamentos. Os financiamentos nãocobrem totalmente
a despesa de um projeto, sendo que a ONGD tem de financiaruma parte, no caso de uma
das ONGD entrevistadas em Maputo, a percentagem é emtorno dos 20% a 25% o que não
deixa de ser substancial.
Danish International Development Agency. Uma ONGD que tem o papel de encontrar
financiamento para outras ONGD que se ocupam principalmente de direitos humanos.

ONGD moçambicanas e a LINK

Outro especto importante a ter em conta quando se fala de uma ONGD nacional
moçambicana é a tentativa por parte do Estado de criar uma rede de comunicação clara com
as várias ONGD locais no território. Um dos fóruns mais famosos é a LINK (Fórum das ONGD
do Moçambique). Este fórum foi oficialmente constituído em 1993, a pedido do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Norueguês para os
Refugiados, com o objetivo principal de ser uma task force para consultas regionais sobre os
refugiados e também para ser o ponto de encontro e referência das ONGD moçambicanas.
Inicialmente, a maioria das ONGD que participaram na LINK eram maioritariamente
estrangeiras, eram trinta e cinco (35) ONGD, contra a representação de apenas 7 locais.
O Fórum não foi interpretado como uma intromissão na vida das ONGD, pelocontrário,
como vimos, muitas ONGD estrangeiras estavam disponíveis para se constituir também um
suporte.
O primeiro projeto foi encorajar a cooperarão regional entre as ONGD que trabalhavam
com os moçambicanos refugiados nos países adjacentes e as ONGD que trabalham em
Moçambique. Este objetivo foi muito importante porque era:
«The first opportunity for LINK to present itself as a viable channel of information and
advocacy on NGO’s concerns» (Bennet 1995:78).
Desde o início, a LINK tentou uma clarificação entre as ONGD e as várias partes do
governo, incluindo a RENAMO e não excluiu parceiros estrangeiros como a ONU. Este foi um
factor muito importante porque permitiu à LINK ser uma voz autorizada durante o processo
de paz de1992.
Actualmente, a LINK congrega perto de 200 membros (Ngomane 2002), reagrupa
172 organizações nacionais e 51 internacionais, assim como uma dezena de
observadores, tais como agências nacionais de desenvolvimento, ONGD internacionais ou
agências da ONU (Homerin 2005:29).
Os seus maiores desafios são hoje o combate pela erradicação da pobreza; a luta contra
o VIH/SIDA; assegurar um melhor ambiente jurídico para a actividade das ONGD; a redução
168
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

da vulnerabilidade dos moçambicanos face aos desastres naturais e a promoção de uma


gestão comunitária e sustentável do ambiente.
Ngomane (2002: 3) afirma que a LINK (…) “Pretende ser, nesta perspetiva, promotora,
facilitadora e voz dos atores da sociedade civil, inventariando os anseios existentes e
procurando provocar uma discussão nacional no quadro da agenda 2025. Para concretizar a
Nova Plataforma da sociedade civil a LINK entende como sociedade civil as organizações
populares, associações voluntárias, clubes, grupos de interesse ou auto ajuda, entidades
religiosas, órgãos representativos das ONGD, fundações lideres espirituais, religiosos,
sindicalistas e movimentos sociais que podem ser formais ou informais, mas que não fazem
parte do Governo ou partidos políticos e não tem fins lucrativos.
Parece portanto que a existência deste fórum é um facto extremamente positivo,
contudo, pelas entrevistas aplicadas às ONGD moçambicanas, ficámos com a ideiade que a
perspetiva por parte delas parece ser diferente.
Uma das ONGD em concreto, não se referiu positivamente à LINK. Com efeito, nunca
fez parte do fórum e refere ainda que a LINK é uma plataforma utilizada oficialmente apenas
para trocar informações, sendo na verdade facilmente controlável pelo governo e que,
através do pretexto de transparência e abertura, quer passar informações ao Estado sobre os
projetos e financiamentos das várias ONGD membros. A este propósito a ONG 1 refere:
«Há uma coisa chamada LINK é uma grande confusão, não vale a pena.» Analisemos
então o artigo 8.º dos Estatutos da LINK de 30 Abril de 1996:
«Constituem deveres dos membros:

a) Pagar a quota de membro até ao último dia de Março de cada ano;


b) Exercer com dedicação os cargos dos órgãos para que forem eleitos;
c) Observar o cumprimento dos Estatutos e das decisões dos órgãos da LINK;
d) Fornecer informações gerais sobre planos, atividades, orçamentos
efinanciamentos, quando isso lhe for solicitado pelo Secretariado.»

Pode discutir-se a partir daqui a possibilidade do fórum LINK não ser suficientemente
isento de modo a não permitir a ingerência do Estado.
Segundo Homerin (2005:29), globalmente estas redes são deficientes no seu papel de
coordenadores de acções coletivas, ou de plataforma de circulação de informação. Se por
vezes as redes desempenham o papel de “negociadores” na procura de financiamentos em
benefício de uma associação membro, as razões da escolha do projeto e/ou da ONGD que
suporta este último podem permanecer indefinidas. Mas a desconfiança das ONGD
moçambicanas entrevistadas não se limita a este fórum. Com efeito, foi confirmado, por parte
de algumas delas, um acontecimento que remonta a alguns anos atrás e que teve a ver com
um programa para financiar várias ONGD moçambicanas. Consta que, na altura, se criaram
algumas ONGD fictícias, onde nalgumas delas se envolveram indivíduos ligados ao Estado.
Estes testemunhos, levam a sublinhar a importância da falta de uma lei de conflito de
interesses.
169
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

As ONGD estrangeiras em Moçambique: Percursos históricos

Como vimos na introdução, o poder autoritário da FRELIMO durante a década 80 do


século XX atingiu as ONGD estrangeiras e nacionais. Mas a diferença entre uma categoria e
outra, na verdade, é muito significativa. Se as ONGD nacionais foram oficialmente aceites
apenas depois da emanação da segunda Constituição de 1994, não podemos dizer o mesmo
das ONGD estrangeiras.
Após a independência o país foi dirigido por um regime de partido único e por uma
economia centralmente planificada e dirigida. O Estado e o partido foram os únicos
intervenientes de vulto na vida política, económica e social do país. Enquanto o Estado
assumia um papel de interveniente directo na economia, o Partido controlavae dirigia toda
a participação associativa, o que não estimulou muito o surgimento livre e espontâneo de
iniciativa auto-organizada da sociedade civil nos moldes doque hoje se chama de ONGD
(Fumo 1995:57).
De facto, a economia moçambicana, que já durante a década 70 do século XX, mais
precisamente no início do ano de 1977, se começou a centralizar devido a alguns fenómenos
naturais como uma forte seca e um choque petrolífero, permitiu às ONGD estrangeiras a
entrada no território.
Por exemplo, a ONGD 2, uma organização italiana, teve os primeiros contactos com
Moçambique através da ajuda de emergência aos refugiados do país no Zimbabué durante a
guerra civil. A primeira aproximação foi sobre um campo de acção diferente da competência
específica, sendo que a organização se ocupa principalmente de apoio ao desenvolvimento.
Posteriormente, através dos contactos estabelecidos no território e do processo de paz,
conseguiram entrar em Maputo e iniciar a colaboração com as ONGD locais para projetos de
educação e desenvolvimento.
A importância das ONGD está no facto de serem canalizadoras de ajudas bilaterais e
multilaterais. Por ajuda bilateral entende-se (…) «Aquela em que os governos doadores
mobilizam os seus fundos de cooperação para o desenvolvimento directamente para os
receptores da ajuda, sejam estes os governos dos países ou outras organizações» (Plataforma
Portuguesa 2004:4). Por ajuda multilateral (…) «Entende-se aquela em que os doadores
remetem os fundos para organizações multilaterais, para que estas os utilizem no
financiamento das suas actividades e do seu funcionamento. A gestão deste financiamento é
feita pelos estados doadores, diretamente» (Plataforma Portuguesa 2004:4).
Assim, as ONGD, através do seu trabalho e das características que as distinguem,
conseguem ser um instrumento de desenvolvimento do Estado no qual operam. A reduzida
burocracia, a relativa independência, os princípios humanitários e a flexibilidades permitem
às ONGD serem atores de referência para os doadores externos e por isso serem os
catalisadores das ajudas multilaterais e bilaterais. Em Moçambique, as ONGD estrangeiras
foram importantes neste sentido, ou seja, como meio de canalização das ajudas externas, mas
também devido às suas experiências foram fundamentais num outro aspeto. Estes atores
eram protagonistas privilegiados da sociedade moçambicanas (pelas características agora
enunciadas) e portanto conseguiram através da sua experiência apoiar o tecido cívico e as
170
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

capacidades locais, como por exemplo as ONGD locais. Ademais, vista a incapacidade do
Estado de intervir no território e os reduzidos recursos, as ONGD estrangeiras viram-se, num
certo sentido, constrangidas a pedir um apoio privado para obter resultados satisfatórios.
Com efeito (…) «Nos anos 1989-90 as autoridades mostravam-se incapazes de coordenar e
supervisionar a execução dos projetos de ajuda, por falta dequalificação, meios e por vezes
vontade» (Armiño 1997:138).
Nesta altura, o peso social das medidas de reajustamento estrutural, a deterioração da
vida dos moçambicanos, a exiguidade dos recursos do Estado e a não motivação do sector
privado para investir em sectores não lucrativos, criaram ainda mais a necessidade para a
organização da sociedade civil. Este novo clima sociopolítico, aliado a experiencia negativas
de canalização de fundos através das estruturas governamentais fizeram surgir, entre
doadores e ONGDestrangeiras, o desejo de encontrar outros parceiros para a canalização
da ajuda epara o desenvolvimento de projetos e programas (Fumo 1995:58).
Perante este facto, as ONGD estrangeiras começaram a contratar pessoal moçambicano
para realização e acompanhamento de projetos, assumindo tarefas que anteriormente eram
dos funcionários públicos. Oficialmente esta situação era inaceitável, do que a nível legal era
proibido constituir associações privadas moçambicanas, mas no plano oficioso foi permitida
uma colaboração entre ONGD estrangeiras e pessoal moçambicano desde que fosse
tacitamente mantido o respeito pela legislação moçambicana.
Um dos exemplos desta atitude foi a substituição do apoio estatal no transporte de
produtos. A incapacidade pública foi tão forte que as ONGD se viram obrigadas a contactar
comerciantes privados para ganhar rapidez e diminuir as perdas (Armiño 1997:138).
As ONGD estrangeiras que operaram no território substituindo os canais oficiais,
permitiram o nascimento das ONGD locais apesar de estas serem reconhecidasoficialmente
apenas a partir de 1992, com a nova Constituição. No final dos anos 80, a situação económica
e, de seguida, a social começam a melhorar, devido também à adesão, em 1984, ao Banco
Mundial e ao Fundo Monetário Internacional.
Nesta altura, as ONGD de emergência são substituídas pelas de segunda geração, que
principalmente se ocupam da saúde e agricultura. Nestes anos foi assinado também o Acordo
de Paz entre a FRELIMO e a RENAMO, facto muito importante que permitiu a preparação de
uma nova Constituição, baseada, como vimos, nos conceitos de Estado democrático e
multipartidário. É portanto nesta altura que as ONGD nacionais são reconhecidas
oficialmente.
Com as eleições democráticas de 1994, iniciou-se a terceira fase, a fase do
desenvolvimento onde operaram as ONGD de terceira e quarta geração. É nesta altura que
a colaboração entre as duas tipologias de ONGD, estrangeiras e nacionais, é oficializada e
portanto mais produtiva. Segundo Kulipossa (1993) a presença das ONGD estrangeiras no
território moçambicanos foi justificada por motivos:
De ordem política e económica em Moçambique
De ordem política e económica nos países de proveniência destasorganizações
HumanitáriosReligiosos

171
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Como já foi mencionado, parece existir um interesse político e económico por detrás
das ONGD. Por um lado, o Estado moçambicano espera obter mais financiamentos e ajudas
internacionais mostrando, pelo menos oficialmente, uma abertura às ONGD internacionais.
Por outro lado, os doadores das ONGD internacionais têm uma linha política clara que muitas
vezes desemboca num paternalismo (Kulipossa 1993:33- 34).
Isto foi confirmado pela ONGD 2. Esta organização, falando da relação com o governo,
confirmou que as relações são muito complicadas. Geralmente, o governo tende a não se
intrometer e a manter indiferença, mas quando uma ONGD se demonstra perigosa, o Estado
torna-se restritivo, sobretudo com as ONGD locais. Tal significa concretamente para as ONGD
locais, corte no financiamento, obstrução, pressão psicológica e até física através de
complicações burocráticas, multas, etc.
No caso dos financiadores externos, é verdade que existem algumas linhas claras na
política de cooperação. Esta organização (ONGD 2), que é fundamentalmente financiada pela
UE, Ministério do Externo e NU, não tem uma grande dificuldade em entender as linhas de
pensamento destes financiadores dado que a nível macro as estratégias são claras.
É pois necessário um diálogo contínuo entre as ONGD e os financiadores, para tentar
obter um compromisso entre as expectativas das organizações supranacionais e as ONGD. O
diálogo existente traduz-se, muitas vezes, num jogo de forças onde a união de várias ONGD
é a única solução para obter vantagem. Deixamos este discurso aberto dado que um
aprofundamento, sem cair numa banalização, implicariatambém uma nova dissertação.

Os aspectos positivos e negativos das ONGD estrangeiras

Como vimos no capítulo introdutório, as ONGD apresentam muitas virtudes na sua


qualidade de actores híbridos entre as esferas privada e pública.
Em particular, é importante lembrar que:

Maior proximidade ao cidadão: esta característica é mais evidente nas ONGDlocais,


que trabalham no próprio contexto social e têm uma sensibilidade e uma compreensão
maiores.
Maior agilidade e desburocratização: em Moçambique, as ONGD estrangeiras, mas
também as nacionais, são menos submetidas à estrutura pública, se bem que em verdade
sejam, por outros aspectos, mais influenciadas.
Desenvolvimento mais profundo da cidadania: as ONGD nacionais e envolvem, ou
pelo menos tentam envolver sempre a população, facto que implica um desenvolvimento
flexível e diferente das potencialidades sociais. Diferente do tradicional.
Valorização de soluções da própria comunidade: aspecto que claramente é o mais
válido para as ONGD locais, porque é sempre mais fácil para uma ONGD nacional perceber os
problemas do seu próprio Estado.
Geração de emprego e renda: as ONGD conseguem criar, através os próprios
projectos, lugares de trabalho e formar a população.

172
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Controle sobre o Estado: as ONGD, sobretudo as estrangeiras, através do poder de


independência e a ressonância da sua comunicação, conseguem manter sobre o Estado um
papel de controlo (Teodosio 2002:245).
A estas características positivas podem todavia associar-se outras controversas.
As intervenções das ONGD estrangeiras podem, por exemplo, constituir-se numa rede
de apoio ou de suporte paralela à do Estado.
Queremos com isto dizer que em alguns casos podem acabar por se substituir ao
próprio Estado no tocante à responsabilidade fundamentais, relativamente por exemplo à
garantia de funcionamento determinado tipo de serviços básicos, no campo da saúde ou da
educação, responsabilidades que teoricamente teriam de ser garantidos pelas instituições
públicas.
Diz-nos Doeleman (1991:40), que muitas vezes: «[…] Os poderes locais são
ultrapassados por doadores que determinam em que o seu dinheiro é gasto. Ou não setem
em conta as estruturas existentes, o que leva a que contentores cheios de comida apodreçam
no cais.»
Um outro risco que acontece com as intervenções de ajuda externa, é a criação de uma
dependência por parte do Estado relativamente às ONGD estrangeiras.
Um risco que pode surgir no âmbito da relação Estados ONGD, é o da incapacidade do
Estado para organizar a multiplicidade de ONGD no seu território, facto que podedar origem
à dispersão e também a alguma incoerência no alcance de objetivos. Por outro lado, importa
também frisar que nem todas as ONGD estrangeiras dispõem da competência necessária para
desenvolver um projecto global e completo. Por exemplo, algumas ONGD podem ser
especialistas no âmbito da emergência, mas encontrar-se posteriormente numa situação
onde é necessário um perfil mais adequado para a reabilitação e desenvolvimento. Não sendo
essa a sua vocação, pode por vezes acontecer que, o seu pessoal, muitas vezes jovem e
inexperiente e sem um adequado conhecimento do país (De Armiño 1997), não tenha o perfil
mais adequadopara agir noutro contexto.
Não ter fundos próprios, significa para uma ONGD estrangeira, ser dependente dos
contratos com os financiamentos externos e portanto não ter geralmente projetos a longo
prazo. O período máximo de instalação de um projeto é de dois a três anos e muitas vezes a
escassez de recursos financeiros não permite um planeamento adequado e uma correcta
passagem de responsabilidade de gestão das ONGD estrangeiras às locais.
A falta de financiamento pode criar também uma rivalidade entre as várias ONGD.
Lembrando o exemplo em Goma, (Polman 2009: 18) foi afirmado, falando das ONGD
estrangeiras: «Esserci in un símile evento umanitario, non è sufficiente. Bisogna far vedere di
essere presenti per non farsi mettere in ombra dalla concorrenza: questo per leorganizzazioni
umanitarie è altrettanto, se non più importante.»
Os financiamentos, como já vimos precedentemente, são também muito condicionados
(relativamente às áreas de questões para onde são mais canalizados) pelas correntes da
opinião pública - sobre as questões que esta valoriza – e por isso variam muito. Em sequência
disso, as ONGD, têm de se adaptar e moldar constantemente o seu caminho para poderem
continuar a aceder a financiamentos e a trabalhar.

173
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Para José Negrão (2003), um economista moçambicano e voz de referência nestas


matérias, este é uns dos pontos mais negativos. Diz o autor:
Os elevados custos encobertos e custos de transacção gastos nas sedes das
organizações nos seus países de origem eram assustadores. Os salários è pagos nos países de
origem, asviagens e ferias intercontinentais, as visitas de familiares, a habitação, o transporte
e o combustível e a alimentação eram debitados as respectivas organizações, enquanto que
às contrapartes nacionais tal não era permitido por não ser sustentável. O discurso da
sustentabilidade, tal como muitos outros, era unilateral, revelando-se uma relação de poder
desigual, o que levou a apelidá-las de “multinacionais da caridade” (Negrão 2003:3).

Como já foi referido, os doadores são influenciados pela opinião pública e esta, por sua
vez, influência as ações com base nas informações obtidas através dos meios de comunicação.
Este mecanismo engloba o mundo das ONGD, internacionais e locais: quanto mais um projeto
resulta necessário e produtivo, mais financiamento obtém. Considera-se que estes aspetos
controversos relativamente às ONGD estrangeiras sãodevem a três causas principais:
A debilidade do Estado em África, neste caso em Moçambique, no pós-guerrae a
sua incapacidade de garantir serviços básicos;
As acusações de corrupção e ineficácia contra o Estado, que empurram as ONGD a
colaborarem mais no campo privado;
A atitude das ONGD de prestar contas às suas sedes centrais, aos governos doadores
e à opinião pública, sem contar diretamente com os governos dos países nos quais trabalham
(De Armiño 1997:136).
Em Moçambique, certas políticas de ajuda externa, tiveram como efeito não a criação
de uma rede de apoio paralela ao Estado, mas muitas vezes o enfraquecimento das próprias
estruturas nacionais.
Um outro aspeto controverso a considerar encontra-se naquilo a que poderíamos
chamar os relacionamentos ideológicos.
Quando uma ONGD estrangeira entra num território, leva consigo uma bagagem
cultural muito diferente. A diferença de idioma é apenas a ponta do icebergue, considerando-
se que a relação com as populações deve ser totalmente diferente.
Tomemos como exemplo, a conceção do tempo, do trabalho e mesmo das relações
interpessoais. As entrevistas que realizámos foram um exemplo flagrante desta diferença,
que notámos sobretudo em aspetos muito concretos, como as dificuldades de marcação
formal de entrevistas; os tempos de espera aquando da marcação das mesmas, etc. Naprática
revelaram-se sempre muito mais eficazes os contatos conseguidos em situações informais do
que os contatos que tentámos pela via formal.
Este discurso também é valido para argumentos mais importantes como, por exemplo,
a conceção do trabalho.
A ONG 2 confirmou:
Lo shock culturale è enorme, siamo proprio due culture diverse. Per esempio con gli
impegni lavorativi che non è quello europeo, la società mozambicana è virata su altrequestioni
174
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

che non sono certo la realizzazione professionale o l’assiduità nel lavoro perché ci sono degli
obiettivi da raggiungere.47
Num discurso sobre desenvolvimento económico e social as ONGD estrangeiras não
podem partir do princípio que os códigos sociolinguísticos de uma outra cultura, sejam
idênticos aos seus de origem. Queremos com isto dizer que, no tocante, por exemplo, às
questões e representações, ou se quisermos, entendimentos locais, sobrea ideia de trabalho,
um campo em que notámos particulares diferenças, há que ter a consciência da necessidade
de um reposicionamento perspetivista. Sem isso a comunicação e o trabalho em si, podem
tornar-se questões difíceis, no sentido emque emissor e recetor, não conseguem comunicar.
O choque cultural pode ser enorme entre a cultura ocidental. Uma das organizações
que entrevistámos, reconheceu as dificuldades neste campo e a necessidade de se tera
sensibilidade para estabelecer um ponto de encontro/ comunicação entre ONGD estrangeiras
e as ONGD locais, quando as referências são tão diferentes. O modo de trabalhar é diferente;
os ocidentais têm comportamentos de trabalho estranho a muitos moçambicanos para quem
o trabalho não tem que ser sinónimo de realização profissional. Esta questão tem muitas
facetas interessantes que poderiam ser conteúdo para outra dissertação, não cabem contudo
na ambição da presente dissertação.

As abordagens das ONGD estrangeiras com a sociedade local

Interessante é ver como no decurso das últimas épocas as abordagens dos projectos
sociais mudaram de perspectiva, num confronto com a sociedade local.

Tabela n° 2: Evolução das ONGD estrangeira em relação com a sociedade local.

Itens do projecto Estratégia anterior Estratégia actual

Relação ONGD-comunidade Assistencialismo/paterna Parceria


lismo

Representações sobre Comunidade / indivíduo Activo, capaz e sujeito de


métodorelacional: da ajuda à dependente, incapaz e processo
parceria submisso

Soluções para o Via de mão-única da Via de mão-dupla entre


ONGD ONGD e
desenvolvimento da
sociedade para a comunidade comunidade: cooperação

175
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Sustentabilidade do Dependência Projectos auto-sustentáveis


projecto permanente da no
ONGD médio e lONGDo prazo
Capacidade de intervenção Apenas corporações Grandes, médias e pequenas
das grandes
ONGD e estatais
Retornos para a ONGD Restritos à imagem Ganhos externos e internos
institucional e relações (produtividade/competitividade)
coma clientela

Fonte: Teodosio 2002:253


Como se pode ver na tabela, a conceção antiga de assistencialismo foi amplamente
superada. Efetivamente, até à primeira metade do século XX, as ONGD que chegavam a um
território eram marcadas por uma profunda piedade e por uma visão moralizante das massas
trabalhadoras. Essa visão, consideramos, é possível notar ainda hoje (notamo-la durante a
nossa permanência em Maputo), embora seja algo muito discreto, muito tenuemente
perceptível. Se anteriormente os projectos eram guiados pelas ideias de caridade e
assistência, hoje tentam-se inserir abordagens nas quais os indivíduos ou populações a
“auxiliar”, ou melhor, com quem se prevê a cooperação, sejam sujeitos ativos do processo,
caminhando-se assim para a noção, presentemente mais procurada, de trabalho em parceria
com a comunidade.
Isto foi claro também com a ONGD 2, que evidenciou como os projetos apresentadosà
UE ou a outros financiadores são planificados com as organizações locais. Esta ONGD parece
portanto constituir-se como um instrumento de canalização dos financiamentos para a
realização dos projetos locais.
Os projetos são claramente o resultado de uma colaboração entre a experiência
internacional de cooperação da ONGD estrangeira e a experiência local das ONGD
autóctones.
O conceito de Parceria hoje é ligado à ideia de que uma colaboração activa com a
sociedade não só traria benefícios para a população, mas também poderia tornar a
organização mais produtiva.
Os projetos são assim idealizados em conjunto com a comunidade, partilhando as ideias
e as soluções. Desta forma, prevê-se que possa ser possível que os sujeitos auxiliados sejam
capacitados para um dia poderem substituir um funcionário externo.
Presentemente considera-se que os objetivos oficiais das ONGD estrangeiras impliquem
pois que se consiga ser um input para as ONGD locais e desenvolver o território.
Estes objetivos criam todavia um paradoxo, pois que se de facto uma ONGD trabalha
para desenvolver uma realidade, em conseguindo o seu objetivo não terá mais trabalho.
Este paradoxo pode ser superado facilmente considerando-se que os objetivos a
alcançar são tantos que é difícil que uma ONGD, que terminado um projeto, não possa
encontrar um outro aspeto ou fenómeno, outra realidade carente de intervenção.

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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI

Interessante todavia seria pesquisar quanto este paradoxo possa influenciar cada projeto e
quanto uma ONGD se encontra disponível para deixar em total autonomia uma ONGD local.

As ONGD estrangeiras e o Estado

Um argumento que merece ser aprofundado, na análise das ONGD estrangeiras, é a sua
relação com os governos, neste caso com o governo de Moçambique. Istoporque, além de
todas as consequências, até agora analisadas, sobre as intervenções externas, é de facto a
relação com o governo que determina de modo mais influente osucesso de uma operação
não-governamental.
Como vimos, foi durante o período de 1987-90 que o número de ONGD estrangeiras
aumentou vertiginosamente. Este aumento deveu-se à nova abertura política, onde parecia
ser o Estado a promover este fenómeno.
Podemos dizer que existe ainda nalgumas situações, segundo nos foi dado saber, por
meio das entrevistas realizadas, alguma desconfiança relativamente às ONGD estrangeiras,
que são vistas por muitos como uma ingerência ao aparelho social e, poroutros, como um
instrumento de atracão de dinheiro. Enquanto as ONGD trabalharem seguindo a linha do
poder político moçambicano, a relação funcionará, caso contrário, o Estado terá o poder de
fazer impedimento às ONGD. Isso foi confirmado por uma das ONGD entrevistadas:
A relação de parceira com o governo central não está muito aberta, governo central é
o coração da nação mas este não tem nada a ver com o governo do país. Aqui acontece que
o governo atento ao poder e as ONG tem que dizer sim, sim se querem ser registadas e
aprovada, ao contrário nos anos 80 as ONG faziam o que queriam, claramente a maioria das
ONG explicavam ao governos mas também os usos dos fundos e os seus resultados não eram
suficientemente comunicados, agora que trabalhamos nos distritos as pessoas há muita
mais abertura, são mais cocientes dos problemas do território e aceitam mais facilmente a
ajuda de uma ONG.
Com efeito, a nível legislativo, o Estado fixou os princípios que devem ser respeitados
na celebração de acordos com as ONGD. Estes princípios não podem ser objeto de negociação
entre o governo e as ONGD. Diz-nos Inácio (1995: 89) que:
A lei 8/91 das associações, diploma que a partir do seu artigo 11 trata das ONGD sob
a designação de associações de utilidade pública. O decreto procura definir melhor a
natureza, o posicionamento, as regras de funcionamento, as isenções e outros benefícios que
se julgam apropriados a sua condição de entidades humanitárias. As ONGD estrangeiras
podem ser autorizadas a prosseguir os seus fins no território nacional,desde que estas no
contrariem os princípios de ordem publica nacional o solicitem ao Governo, as citadas
declarações.

Analisando de modo mais preciso o relacionamento entre estes dois atores as


possibilidades de parceiras entre Estado ONGD geralmente são reduzidas a duas:
«A parceria com o Estado pode-se transformar emterciarização das políticas públicas,
ou seja, o governo se desonera da execução de seus programas sociais, esperandoque as
organizações do Terceiro Sector solucionem todos os problemas comunitários. Ou então, o
Estado, demonstrandopouca abertura a dialogar com os movimentos sociais, impõe regras,
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procedimentos, metodologias, etc., que deverão ser seguidos à risca pelo Terceiro Sector,
perdendo-se as grandes possibilidades de crescimento mútuo e interação democrática com a
sociedade.» (Teodosio 2002:247).
Esta situação foi-nos confirmada em todas as entrevistas. Se as ONGD nacionais se
referiram principalmente a uma terciarização, as ONGD estrangeiras fizeram um discurso
diferente. Relativamente às ONGD estrangeiras, o Estado interfere de modo forte, o que
significa que, por exemplo, as ONGD a cada dois anos têm de pedir uma autorização para
trabalhar, que pode não lhe ser concedida. Tal significa que, se uma ONGD não segue os
princípios políticos e sociais do Estado pode ser obrigada a sair do país. Oficialmente não
existe nada de punível, dado que tudo é concernente a uma falta de legalização. Esta situação
é conhecida na gíria por: 20-24, ou seja, 20 kg de bagagem e 24 horas para sair do país.

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Fevereiro de 2021

Tutor

O Prof. Dr. Eusébio André Pedro Gwembe

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