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TEXTO DE APOIO
4º Ano
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Introdução geral.
Caro estudante!
Você tem o módulo de História de Moçambique do Século XIX ao século XXI em suas
mãos. Este módulo foi elaborado tendo em consideração que o estudante possui informação
suficiente para compreender a história dos últimos dois séculos e meio da história de
Moçambique. A complexidade do assunto dificultou a escolha do conteúdo que deveria fazer
parte deste módulo. No entanto, o que foi colocado reflecte a tendência actual da
historiografia de Moçambique. Dada a disponibilidade mais recente de uma extensa
bibliografia e fontes primárias que nos permitem revisitar o passado e perscrutar o futuro sob
novos prismas, privilegiamos colocar a informação que não está ao alcance de todos. De facto,
antes de proceder à compilação do manual, foi necessário responder à pergunta o quê e
porque deveríamos reescrever a história de Moçambique. Reescrever para evitar a repetição
do que já havia sido amplamente divulgado e estudado.
A história sempre traz suas novidades com o passar do tempo. Por exemplo, ao ler o
conteúdo aqui apresentado, irá descobrir que a Ilha de Moçambique não foi a primeira capital
do país que seria conhecido como Moçambique. Compreenderá também melhor que antes
de 1962 (ano oficial da fundação da Frente de Libertação de Moçambique) já existia uma
Frelimo e que este partido não veio da fusão de três movimentos como prega a historiografia
oficial. No entanto, tais novidades não significam que o que foi escrito até agora esteja errado.
Assim acontece porque no momento dos acontecimentos, os protagonistas só veem o que
está próximo e os demais elementos que compõem o acontecimento são ignorados. Às vezes,
o consenso do grupo também é responsável pela compilação do que se pretende com a
história do grupo.
A esse respeito, um autor observou que “Quando nos encontramos num vale entre
montanhas ou colinas, apenas podemos ver a vizinhança mais imediata, enquanto os
elementos afastados do terreno e a sua ligação num todo escapam ao nosso olhar. Basta-nos
subir ao cume de uma montanha para que a paisagem mude, revelando-nos aspectos do vale
até aqui invisíveis e desconhecidos. Quanto mais alto for o cume, mais se alarga o nosso
horizonte e melhor nos apercebemos do conjunto. O autor acrescenta que “É claro que isto
é apenas uma comparação, mas ajuda a compreender melhor estes problemas. Basta
substituir os parâmetros espaciais por parâmetros temporais. Quanto mais afastados no
tempo estivermos de um dado acontecimento, mais vasta e profunda é a nossa percepção
deste, como no caso de uma paisagem vista de cumes cada vez mais elevados”. Porquê?
Porque na história estamos sempre em presença de processos, de transformações, e que é
extremamente difícil, senão impossível, prever antecipadamente não apenas os pormenores,
mas ainda a orientação geral dos acontecimentos (Schaff, 1991).
Boa leitura!
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“As exigências práticas que suportam todo julgamento histórico dá a toda história o
caráter de ‘história contemporânea’, porque, mesmo que os eventos assim recontados
possam parecer remotos no tempo, a história na verdade refere-se a necessidades presentes
e situações presentes, onde aqueles acontecimentos vibram (Carr, 1982).” O foco principal
desta unidade temática é a presença colonial portuguesa em Moçambique, com destaque
para o processo de partilha e ocupação efectiva da África na conferência de Berlim. De início,
deve-se mencionar que a Conferência de Berlim não decidiu sobre a divisão da África, pois
esse processo iniciara antes, mais de 400 anos antes de 1884/85 e durou até 1930. No
entanto, antes de prosseguirmos com o estudo da Conferência de Berlim propriamente dita,
decidimos incluir um tema que serve como uma retrospectiva do que já foi explorado em
níveis anteriores de como os portugueses se instalaram em Moçambique. Em seguida, são
discutidas as formas de pacificação do país e todo o processo de ocupação efectiva,
destacando o papel das companhias majestáticas, o tempo de ocupação, as concessões e suas
áreas de ocupação.
Como sabemos, a partir da Conferência de Berlim foram definidas novas formas de
relacionamento entre potências europeias e áreas colonizadas, que em Moçambique
conduziram à demarcação de fronteiras e à ocupação militar, administrativa e económica. No
entanto, houve um acontecimento de maior importância que determinou a demarcação
definitiva das fronteiras de Moçambique. É o ultimato britânico de 1890 seguido da
demarcação das fronteiras, processo iniciado em Junho de 1891.
A implantação colonial na era imperialista deu-se primeiro através da conquista militar
do território moçambicano, a que as autoridades coloniais chamaram de campanhas de
pacificação. Apesar da superioridade armada dos colonialistas, este processo durou mais de
duas décadas (1886-1918) visto que havia forte resistência em diferentes partes do território
moçambicano.
Nesta secção, apresentaremos, portanto, os antecedentes históricos das mudanças
que foram decisivas para os eventos da década de 1890. Em primeiro lugar, voltaremos ao
passado para nos concentrarmos em como o país agora conhecido como Moçambique foi
historicamente construído, os principais eventos históricos do século XIX e o significado
desses eventos para aquela época e nas décadas seguintes.
Embora nem todos os problemas actuais sejam explicados pelo passado colonial,
continua a ser importante ter esta memória como ponto de partida para compreender as
complexidades da própria realidade histórica, para questionar e avaliar objectivamente o
rumo do actual processo político (Mazula, 1995). A historiografia eurocêntrica há muito
argumenta que a África é um continente sem história (Hegel, 2001).
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Objectivos
para fazer comércio com o Oriente, chegando finalmente ao chamado “Novo Mundo” - o
continente americano.
Com o desenvolvimento dos estudos marítimos (Escola de Sagres), os portugueses
tornaram-se grandes comerciantes, prosperando e produzindo novos navios e formando
grandes navegadores. Portugal tornou-se um dos armazéns comerciais mais importantes
durante a Grande Navegação Marítima.
Extracto 1
“O descubrimento da India deu á história portuguesa a sua mais bella pagina. A audacia dos que o
tentaram e conseguiram através de innumeraveis riscos e padecimentos, se a compararmos com os
meios que então offerecia a arte de navegar e com os terrores que defendiam esses mares ignotos, é
a mais illustre prova da robustez dos antigos corações portugueses. As revoluções de três seculos, no
augmento e decadência dos povos da Europa; o sceptro dos mares passando rapidamente de Veneza
e Genova para Portugal, de Portugal para Hespanha, d’Hespanha para a Hollanda, da Hollanda para
a Inglaterra; e todos estes successos ligados com a conquista da India, tornam o seu descubrimento
um facto europeu, um facto a que se vae prender a moderna historia de todos estes povos, que lhe
deveram o seu engrandecimento e os seus males. Desde o Adriatico até o mar das Hebridas a palavra
India soa como um grito de recordações dolorosas, de gloria e de remorsos. Com effeito, quantos
crimes gerou esse Oriente tão cubiçado, e por quantas lagrimas se tem comprado os seus aromas, as
suas especiarias, e o seu ouro! Que nação se pode gabar de haver senhoreado o Indostão sem o seu
titulo de posse apparecer manchado de traições, de perjurios e de barbaridades! Portugal pagou com
mais de dous seculos de opprobrio e de amargura oitenta annos de crimes, e a sua conta saldou-se
perante Deus e os homens. As conquistas da Asia passaram a mãos estranhas, e a gloria
desassombrada e pura é o que nos cumpre receber da herança de nossos maiores. Assim tudo o que
servir para recordar as façanhas delles no Oriente será bom serviço da pátria traze-lo a lume: nós
cremos, portanto, ser uteis publicando o presente Roteiro”.
In Velho’ Alvarao. Roteiro da viagem de Vasco da Gama em MCCCCXCVII.
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Barcos particulares foram enviados ao mar e sabe-se que antes da viagem de Vasco da
Gama, Pêro da Covilhã (1450-1530) terá chegado a Sofala (em 1490) disfarçado de um mercador
muçulmano no âmbito de reconhecimento da expansão marítima. Foi Pero da Covilhã quem
registou que uma vez no fim de África (Cabo das Tormentas), bastaria chegar a Sofala ou
Malinde e Calicute será facilmente alcançado. Será com base nesta nota que Vasco da Gama
decidirá atravessar o Oceano Índico directamente para Calicute, na sua expedição marítima
pioneira à Índia. Diogo Cão também fizera duas viagens (1482-1485) a Angola que revelaram
existir milhares de quilómetros até a costa e em 1489, Bartolomeu Dias, embora tivesse
descoberto o caminho passado pelo Cabo de Boa Esperança, foi forçado pelo motim de
homens seus a voltar a Portugal.
Em 1494 inicia a partilha do mundo entre a Espanha e Portugal naquilo que se chamou
de Tratado de Tordesilhas. Em 8 de Julho de 1497 os quatro barcos de Vasco da Gama foram
lançados ao mar fora de Portugal até chegar a costa do Natal a 25 de Dezembro, tendo
entrado na costa moçambicana na tarde do mesmo dia. Como não tivessem água doce
abordo, decidiram desembarcar a 6 de Janeiro do ano seguinte e, acabaram por pisar a terra
moçambicana (Inhambane), tendo denominado aquela terra por “terra de boa gente”. No dia
11 de Janeiro de 1498 seguiram com a viagem pelo rio Qua Qua (Inharrime).
Onze dias depois, a 22 de Janeiro a frota avistou terra baixa e de arvoredos muito baixo
e junto era a costa de delta do Zambeze. Em 24 de Janeiro o Berrio, um dos navios, entrou
num rio seguido dos outros navios um dias depois, a noite. Era o rio de Quelimane, a que os
navegadores chamaram de “Rio de Bons Sinais”. Quelimane a norte de Sofala era terra
islamizada, e dois ou três dias depois da chegada da frota apareceram dois mouros “senhores
desta terra” e um deles usava uma touca com vivos lavrados de seda, outro uma carapuça de
cetim verde e acompanhados por um mancebo que era de outra terra e já vira navios como
o dos portugueses. Foram estes os bons sinais que ali acharam da Índia.
A frota esteve em Quelimane trinta e dois dias, tempo suficiente que se gastou em
reparação dos navios. Só em 24 de Fevereiro a frota fez-se ao mar avistando na tarde do dia
seguinte três pequenas ilhas sendo duas delas grandes – Ilha de Moçambique com arvoredos
e outra “calva” e mais pequena.
De Moçambique rumaram a Mombaça e Melinde onde depois de o sultão ter tido
conhecimento da sua chegada pediu a audiência com o chefe da tripulação -Vasco da Gama–
o qual negou, pedindo que a mesma se realizasse dentro do barco. Feita a audiência
conseguiu importantes informações do piloto árabe que lhes foi cedido pelo sultão dirigente
a fim de lhes acompanhar - Ahmed Ibn Magid - um famoso navegador árabe e autor de várias
informações sobre o Oceano Pacífico. Esta viagem dos portugueses era rumo a Índia. As
quatro embarcações eram São Gabriel, uma nau de 27 metros de comprimento e 178
toneladas, construída especialmente para esta viagem, comandada pelo próprio Vasco da
Gama;
São Rafael, de dimensões semelhantes à São Gabriel, também construída
especialmente para esta viagem, comandada por Paulo da Gama, seu irmão. No regresso,
com a tripulação diminuída, foi abatida em Melinde, prosseguindo na Bérrio e São Gabriel;
Bérrio, uma nau ligeiramente menor que as anteriores, oferecida por D. Manuel de
Bérrio, seu proprietário, sob o comando de Nicolau Coelho; e
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São Miguel, uma nau para transporte de mantimentos, sob o comando de Gonçalo
Nunes, que viria a ser queimada na ida, perto da baía de São Brás, na costa oriental africana.
Em 1499, Vasco da Gama voltou a Portugal. Depois do regresso de Vasco da Gama,
Pedro Alvares Cabral fez a quarta viagem portuguesa passando pelo norte da qual resultaram
importantíssimas informações geográficas. Foram essas viagens que contribuíram para o
conhecimento geográfico que possuímos hoje.
Viagem de Vasco da Gama (a preto) e as viagens anteriores de Pero da Covilhã (laranja) e Afonso de Paiva (azul),
com o caminho percorrido antes de se separarem (a verde).
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1Feitoria – lugar ou estabelecimento (fortificado ou não) geralmente situado num porto, destinado a trocas comerciais
com os indígenas dessa região ou com mercadores que ai se trocam.
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O Império Português.
A primeira viagem de Vasco da Gama teve como destino final a Índia. No início, os
portugueses começaram ocupando a zona costeira que ficou conhecida como África Oriental
portuguesa. Assim, a primeira capital a responder por esta costa africana foi Quilua (1505-
1512) seguida de Sofala (1512-1554), Ilha de Moçambique (1554-1898) e Lourenço Marques
(1898-1976), respectivamente. O Império Português da África Oriental era constituído pelas
seguintes regiões:
1. Zanzibar - conquistado em 1503, mas perdido para o Sultanato de Omã em 1652.
2. Kilwa - conquistado em 1505, foi abandonado em 1512, quando a capital mudou-
se para Sofala. Parece que a ocupação de Kilwa teve a ver com a intenção portuguesa de
controlar as rotas comerciais para a Índia. Em 1505, Sofala foi conquistada por Gonçalo Vaz
de Góes, que mandou construir uma fortaleza para servir de guarnição. O objectivo era estar
perto das rotas que conduziam às nascentes das minas de ouro do interior.
3. Mombaça - Conquistada em 1505 e perdida para o Sultanato de Omã em 1698. Foi
reconquistada por Portugal em 1728. Pouco tempo depois, ficou sob o domínio do Sultanato
de Omã em 1729 até ser libertada em 1824 pelos portugueses. Três anos depois, em 1827,
definitivamente caiu das mãos dos portugueses. Estritamente ocupada em 1545, a Ilha de
Moçambique seria a Capital da África Oriental Portuguesa a partir de 1554.
4. Moçambique. Os documentos escritos no século XIX quando falam de Moçambique
referem-se aos territórios em redor da Ilha de Moçambique. Saber isso é importante para a
reconstituição da história. Por exemplo, no processo de nomeação de alguns locais pós-
independência, a cidade de Lourenço Marques foi alterada para Maputo. O Maputo que pode
ser encontrado em documentos anteriores a 1976 refere-se ao régulo que no tempo colonial
respondia por aquele nome. Outras cidades cujos nomes foram alterados neste processo
estão listadas no quadro abaixo.
Cidades e vilas
Nome anterior a 1976 Nome novo (desde 1976)
Aldeia da Madragoa Chilembene
Aldeia de Sta. Comba Mahalazene
António Ennes Angoche
Augusto Cardoso Metangula (ou M’Tangula)
Bairro Choupal Bairro 25 de Junho
Belém Mitande
Benfica Bairro Jorge Dimitrov
João Belo XaiXai.
Lourenço Marques Maputo
Malvérnia Chicualacuala
Miranda Macaloge
Nova Freixo Cuamba
Nova Lusitânia Búzi
Olivença Lipilichi
Porto Amélia Pemba
Salazar Matola
S. Martinho do Bilene Bilene
Trigo de Morais Chokwé
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Valadim Mavago
Vila Alferes Chamusca Guijá
Vila Cabral Lichinga (ou Litchinga)
Vila Caldas Xavier Cambulaze (ou Cambulatze, Cambulatsitsi)
Vila Coutinho Ulongué (ou Ulongwé)
Vila Fontes Caia
Vila Gomes da Costa Alto Changane
Vila Gouveia Catandica (ou Katandica)
Vila Junqueiro Gurué
Vila Machado Nhamatanda
Vila Paiva de Andrada Vila de Gorongosa
Vila Pery Chimoio
Vila Pinto Teixeira Mabalane
Vila Vasco da Gama Chiputo/Chibuto
A Construção de Moçambique.
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português como resultado de seu apoio militar. Existem muitos exemplos de apoio militar
português a reis locais para enfrentar revoltas internas. Em 1861, houve uma guerra contra
o rei Maweva na área de Lourenço Marques, que usurpou o governo de seu irmão Muzila.
Muzila entrou em colapso e teve que pedir ajuda ao governo português. Com este apoio
militar dos portugueses, ele se estabeleceu no reino punindo Maweva. Ciente do apoio dado,
Muzila assinou um tratado com Paiva Raposo, em que reconhecia a soberania portuguesa em
1862. Em Inhambane, o Rei Inhamurubya procurou ajuda portuguesa para enfrentar
Mahunja, que se rebelou.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, os portugueses ocuparam o território do vasto vale
do Zambeze. Esses latifundiários, que governavam certas regiões em nome da coroa
portuguesa, tornaram-se verdadeiros senhores feudais e devido à distância e isolamento de
Portugal quiseram ser independentes porque o rei se preocupava mais com o Brasil do que a
África. Mas depois da independência do Brasil em 1822, o interesse pela África cresceu e a
monarquia portuguesa queria que Moçambique e Angola se tornassem o novo Brasil.
Segundo (Morineau, 1980), o ano de 1492 começou com a vitória cristã sobre os
muçulmanos. A conquista de Granada provocou uma alegria extraordinária em Roma. Isabel
de Castela e Fernando de Aragão haviam entendido o equilíbrio a favor dos cristãos pela
primeira vez em muito tempo. A Terra Santa e Jerusalém estavam no horizonte de Carlos VIII.
Os espanhóis conquistaram países muçulmanos no norte da África. Nos anos que se seguiram,
os europeus tiveram que lutar contra muçulmanos e turcos várias vezes para ganhar o
controle da Itália.
Quando os europeus vieram para a África, influenciados por factores políticos,
econômicos, sociais e religiosos, ocuparam várias regiões africanas. O comércio de ouro, o
comércio de marfim e o comércio de escravos foram essencialmente a exploração econômica
inicial. Naquela época, a soberania do Mediterrâneo perdeu seu antigo significado, com
ferozes lutas pela partilha entre cristãos e estados islâmicos. Espanha, Portugal, Grã-
Bretanha, França e Holanda estabeleceram impérios coloniais de onde importavam
especiarias, café, açúcar, algodão e seda. A conquista e a influência de Portugal assentavam
sobretudo em três pilares: o militar, o mercador e o missionário, ou seja, 3M. Este último era
um compromisso e moderava a aspereza de um e o ganho do outro.
Comércio, cristianização e poder militar português foram as primeiras ferramentas
ideológicas da ocidentalização moçambicana. Mas, acima de tudo, foi o poder militar
português que obrigou os reis africanos locais a aceitar a integração a medida em que os
perdedores se reduziam a uma insignificância. A aceleração da ocupação do solo em África é
facilitada pelo desenvolvimento das ligações de transporte entre Portugal e as suas colónias;
desenvolvimento de drogas que permitem a colonização branca de áreas afetadas pela
malária e outras doenças tropicais; desenvolvimento de equipamento militar; melhoria das
condições internas na África, onde pequenas unidades políticas têm dificuldade em manter o
equilíbrio de poder, etc. Embora Portugal tenha utilizado mercadores e missionários durante
a invasão, as campanhas militares foram o meio mais importante de todos para a colonização
efectiva. Mas, as tropas controladas por Portugal eram essencialmente compostas de
africanos. As autoridades locais rebeldes eram abolidas e substituídas por cidadãos leais a
Portugal. Economicamente, uma nova classe média capitalista emergiu, buscando riqueza
fora de Portugal, enquanto os missionários começaram a espalhar o cristianismo entre os
pagãos.
Antes da Conferência de Berlim em 1884-1885, os governos portugueses seguiram
uma política de aquisição de terras na África para gerar benefícios econômicos diretos para a
metrópole. Em Moçambique, houve várias fontes de conflito em relação a diferentes actores.
Esses conflitos não eram apenas europeus contra africanos. Forças autoritárias divisivas que
queriam defender seus direitos também faziam surgir conflitos entre africanos. As
consequências desses conflitos fizeram com que os grupos derrotados se tornassem escravos
dos povos conquistadores. Assim, as tribos subjugadas guardavam rancor contra os
conquistadores e, quando os portugueses chegavam, os derrotados eram os primeiros a
apoiar suas ações contra os tidos de opressores africanos. Quando os poderosos reis eram
derrotados, os novos chefes apoiados pelos portugueses davam aos colonos liberdade em
todos os territórios. Existem documentos que denunciam a presença de conselheiros
portugueses nos reinos africanos.
Umas vezes, os conflitos resultavam da necessidade de diferentes potências coloniais
dominarem alguns dos territórios do interior. Nestes casos, a resolução diplomática de
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Estágios de dominação.
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expulsar os mercadores árabes suaíli de seu país e conceder missionários dominicanos para
pregar o Evangelho.
Mamvura foi obrigado a suprimir o "imposto sobre a curva" pago pelos portugueses
aos chefes Mutapa desde meados do século XVI. Além disso, Mamvura e sua esposa foram
baptizados e chamados de Domingos e Luiza, respectivamente. Após a assinatura do acordo,
cada vez mais mercadores e aventureiros portugueses chegaram às terras de Mutapa. O
tratado de 1629 incentivou os aventureiros portugueses a apreenderem terras que mais
tarde foram reconhecidas pela coroa portuguesa nos termos (territórios da Coroa). Foi nestas
terras, na década de 1890, que a monarquia portuguesa enfrentou grandes dificuldades
durante a pacificação de Moçambique. Por um lado, se as terras da Coroa permitem que a
Coroa portuguesa se expanda como justificativa para a presença real perante os países
europeus, por outro, contribuiria também para o fim da Monarquia portuguesa.
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Comércio de escravos.
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2 J. F. Ade Ajayi, General History of Africa-VI, Africa in the Nineteenth Century Until the 1880s, University of California Press,
Berkeley-California, 1989, p. 211.
3 Heinrich Selon Klose: Le Togo sous Drapeau Allemand (1894-1897), Universite du Benin-Orstom, HAHO, Lome, 1992, p. 84.
4 Albert Adu Boahen, General History of Africa, VII: Africa Under Colonial Domination, 1880-1935, UNESCO; California-
Lorena em favor da Alemanha, na década de 1870, os olhos se voltaram para a África. Alguns
países europeus assinavam apressadamente acordos com líderes africanos locais, acordos
que poderiam ser enviados ao seu governo e influenciar o futuro e a partilha eminente da
África.
5 Angela Guimarães, “A İdeologia Colonialista em Portugal no Último Quartel do Século XIX”, in Ler História, n, ° 1,
Janeiro/Abril 1983, p. 69-79.
6 Eduardo Sousa Ferreira, O Fim de uma Era - O Colonialismo Português em África, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1977,
p. 30-31.
7 Rodrigues, José Damião ve Rodrigues, Casimiro, Representações de África e dos Africanos na História e Cultura – Séculos
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debates da década de 1830 já caminhavam nessa direção. Eles eram portugueses vendendo
Portugal! Em leilão!”9
Vender Moçambique foi sempre uma das opções dos políticos portugueses que
desconheciam o continente africano e de vez em quando o tema aparecia na opinião pública
portuguesa. Em 1897, o conflito anglo-luso voltou a reacender-se em torno da construção da
linha de caminho-de-ferro em Moçambique, assunto este habilmente aproveitado pela
oposição republicana. No mesmo ano, o periódico A Ilha, anunciava em coluna de primeira
página, a propagação dos boatos de venda de Lourenço Marques à Inglaterra,
insistentemente apregoados na imprensa deste país.10
Enquanto a nova descoberta defendia a tese de que a região ainda era inexplorada, a
verdade é que no século XV, o rei do Congo se converteu voluntariamente ao catolicismo por
influência de viajantes portugueses.15 O navegador português Diogo Cão já tinha estado
9 Beatriz Berrini, Eça Queirós e A Ilustre Casa de Ramires, História e Crítica, EDUC Editora, São Paulo, 2000, p. 14-15.
10 “Boatos de venda de Lourenço Marques”, A Ilha, n.º 20, 17 de Abril de 1897.
11 “A Venda de Lourenço Marques”, O Repórter, n.º 28, 13 de Junho de 1897.
12 Ilídio do Amaral, “O Papel da Sociedade de Geografia de Lisboa na Delimitação das Fronteiras das Antigas Colónias
Portuguesas em África e de Timor”, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 133 – Sayı 1-12, 2015, p. 33-60.
13 Júnior, As Possessões, p. 5-26.
14 Conde de Penha Garcia, A partilha da África: Conferência Realisada na Sociedade de Geographia de Lisboa, em 2 de Março,
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nestas terras em 1482.16 400 anos colocavam Stanley separado de Diogo. Stanley entrou no
Congo, onde assinou acordos com líderes tribais em nome da Bélgica até a fundação de
Leopoldville (hoje Kinshasa) em 1882. O Congo, um dos países da África com rica riqueza
subterrânea e aérea, foi invadido e colonizado pela Bélgica em 1885, suas terras foram
transformadas em propriedade privada do rei Leopoldo da Bélgica e seu povo foi escravizado.
Seus agentes frequentemente exploravam os recursos naturais de forma implacável, levando
a um acordo em que o rei Leopoldo II foi aceito como proprietário da margem esquerda do
Congo. Para a produção de marfim e borracha, sujeitaram os indígenas à agricultura e à caça,
por trabalhos forçados. Como os refratários eram numerosos, os colonos respondiam a todas
as desobediências com crueldade e comportamento desumano. Em 1904, Edmund Morel,
membro da Royal Company, renunciou à Sociedade e fundou a Congo Reform Association
para alertar a Europa e protestar violentamente contra a barbárie infligida aos nativos. Em 15
de Novembro de 1908, o rei belga entregou o Congo a Bélgica, que governaria a região até
30 de Junho de 1960, quando se tornou independente.
16 António Vermelho do Corral, “A Sociedade de Geografia de Lisboa e as Ciências Sociais”, Boletim da Sociedade de
Geografia de Lisboa, Sérıe 133 – Sayı 1-12, 2015, p. 82-119, p. 83.
17 Cfr.. Hermenegildo Carlos Brito Capello ve Roberto Ivens, De Angola á Contra-Costa: Descripção de Uma Viagem Atravez
Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 133 - Sayı 1-12, 2015, p. 61-81, p. 75.
19 Cfr.. Ferreria Ribeiro Manuel, As Conferências e o Itinerário do Viajante Serpa Pinto Atravez das Terras da Africa Austral no
Limites das Provincias de Angola e Moçambique, Typographia Nova Minerva, Lisboa, 1879.
20 Major Serpa-Pinto, How I Crossed Africa, Philadelphia, Pennsylvania: J. B. Lippincott & Co, 1881.
21 Esteves Pereira ve Guilherme Rodrigues, Portugal: Diccionário Histórico, Chorographico, Heraldico, Biographico,
político forte e eficaz, a autoridade colonial não deveria ter direitos legais sobre essas terras.
A Grã-Bretanha, que possuía grandes terras no continente, preocupava-se em proteger essas
áreas, minimizando suas responsabilidades e custos administrativos.
terras. A província de Nampula e o território a sul do rio Save (Maputo, Gaza e Inhambane)
estavam sob administração direta do Estado português. Tal como a acumulação de capital,
em Portugal baseava-se em grande medida no comércio e a economia era pouco
industrializada, não existiam grandes excedentes de capital para investimento produtivo no
estrangeiro. Daí a penetração de capitais não portugueses em todas as regiões de
Moçambique, incluindo nas companhias majestáticas. A implementação do sistema
administrativo colonial ocorreu em diferentes fases em diferentes partes do país. Por
exemplo, em zonas de resistência mais prolongada ou de difícil acesso, a primeira fase
decorreu através de uma ocupação militar quase permanente (capitanias na província de
Nampula e partes do Zambeze, comando militar em Gaza). Noutros locais, por exemplo na
província de Maputo em 1896, o governo colonial procedeu directamente à divisão do
território em distritos civis que, em geral, deram origem aos actuais distritos.
Nestas divisões foram instalados os administradores e chefes de posto portugueses,
bem como régulos africanos, escolhidos pelo regime colonial, em substituição dos antigos
chefes. A partir de 1907, este sistema substituiu gradualmente a administração militar em
Gaza, Zambézia e Nampula. O objectivo principal do colonialismo no período imperialista era
aproveitar a força de trabalho africana de uma maneira mais directa e permanente que no
período anterior. As modalidades desta exploração variam desde a aplicação de mão-de-obra
nas plantações à comercialização de produtos camponeses e à venda de vinhos, têxteis e
outros produtos portugueses a moçambicanos. Vários métodos alcançaram esse objectivo.
O imposto sobre a palhota era usado para forçar as pessoas a ganhar dinheiro
vendendo seus produtos a empresas rurais ou vendendo seu trabalho. Metade do mussoco
(o imposto a pagar no Zambeze) era cobrado sobre o trabalho a partir de 1890. A cobrança
de impostos era uma das principais tarefas do administrador e dos seus subordinados. O
dinheiro arrecadado contribuía amplamente para as despesas da nova rede administrativa
colonial (salários, edifícios, estradas, etc.).
A diferença de níveis de desenvolvimento entre as potências européias reflectia-se
em suas colônias, principalmente na competição pelo uso da mão-de-obra. Apesar das más
condições de trabalho nas plantações, minas e obras públicas na África do Sul, Rodésia,
Niassalândia, Tanganhica e Zanzibar, houve um fluxo significativo de migrantes
moçambicanos para estes territórios. Isso ocorre porque os salários são relativamente mais
elevados nesses territórios, um corolário do nível relativamente mais alto de capitalização,
gestão, aplicação de tecnologia e produtividade. Em contraste, as mercadorias
(especialmente têxteis) vendidas nesses territórios eram de melhor qualidade e mais baratas.
Colocado em desvantagem em relação a outras potências coloniais da região no
recrutamento de trabalhadores, o estado colonial de Moçambique recorreu, mais do que os
estados coloniais vizinhos, ao sistema de trabalho forçado, cuja tutela era mais uma das
principais tarefas do administrador. Desta forma, o colonialismo português pretendia
compensar o baixo nível de investimento. Foi por meio desse novo sistema político-
administrativo, cuja acção se fez sentir em termos do uso da força de trabalho, que a
economia colonial foi implantada no período 1885-1930.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Impacto do Ultmatum
Em 11 de Janeiro de 1890, o Reino Unido lança um ultimato a Portugal, exigindo a retirada militar dos territórios
entre Angola e Moçambique, sob a ameaça do rompimento de relações entre as duas nações europeias.
Extracto 3
“O governo de Sua Magestade não póde acceitar como satisfactorias ou sufficientes, as
seguranças dadas pelo governo portuguez taes como ele as interpreta. O consul interino de Sua
Magestade em Moçambique telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava
ainda occupando o Chire, e que Katunga e outros logares mais no territorio dos makololos íam ser
fortificados e receberiam guarnições. O que o governo de Sua Magestade deseja e em que insiste é no
seguinte: Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas immediatas, para
que todas e quaesquer forças militares portuguezas actualmente no Chire e nos paizes dos makololos
e machonas se retirem. O governo de sua Magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo
governo portuguez são illusorias. Mr. Petre ver-sehá obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar
immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfactoria á
precedente intimação não for por elle recebida esta tarde; e o navio de Sua Magestade Enchantress
está em Vigo esperando as suas ordens.”
cederia, porque cedia à força, contra a qual não há resistência. A nação portuguesa tem que
ceder à força, mas não pode nem deve ceder ao medo.”
António José de Almeida, jovem estudante em Coimbra, escreve nas páginas d’ O Ultimatum,
de 23 de Março de 1890, o artigo “Bragança, o último”, que o levaria a ser condenado a três
meses de prisão:
“A 11 de Janeiro, o Ultimatum do inglês; e o rei que até aí era um simples larápio, passou a
ser, na boca das folhas revolucionárias, um grande gatuno; ele que até aí possuía uma
inteligência medíocre, passou a ser simplesmente um bruto; ele que até aí exibia, no seu
descoco de pedante, uma educação deficiente, passou a ser um pacóvio (…)”.
Os ingleses tornaram-se alvo de perseguição, com a imprensa a incentivar o ódio pela Grã-
Bretanha. “Nas lojas de Lisboa, não se vendia a ingleses; nos alfaiates, não se costuravam
figurinos ingleses; nas docas, não se descarregavam barcos ingleses; nos hotéis, não havia
quartos para ingleses. A revista High Life foi rebatizada ‘portuguêsmente’ Alta Sociedade, ao
mesmo tempo que a palavra ‘inglesada’ passou a ser sinónimo de ‘roubo’”22- Alfredo Keil e
Henrique Lopes de Mendonça compõem A Portuguesa, um manifesto de nacionalismo e de
resistência aos britânicos, que será adotado como Hino Nacional após a Revolução
Republicana de 5 de Outubro de 1910.A crise do Ultimato terminaria, formalmente, em 1891,
com a ratificação pelo Parlamento de um tratado anglo-luso, mas marcaria o final do regime
monárquico em Portugal e a emergência do movimento republicano.
Para alguma opinião pública nacional, mais valia perder Moçambique, que não
podíamos desenvolver, nem colonizar, do que hipotecar as nossas boas relações de paz com
a Inglaterra. Posição contrária manifestou logo O Repórter, jornal de pendor republicano, que
veio a terreiro contestar a presunção de venda de Lourenço Marques, ainda que as notícias
não fossem dadas como certas. A Monarquia podia tentar, mas decerto não teria o arrojo de
o levar a cabo. Contudo, quando, anos mais tarde, ecoam notícias de que o Conde de Burnay
estaria em Paris a preparar terreno para a venda de Lourenço Marques – assunto grave que
o governo não desmentia – o editorial de A Ilha revela um intransigente patriotismo, tomando
mesmo uma posição de anunciado protesto contra qualquer governo que, por inviabilização
de aumento de impostos ou de obtenção de empréstimos, procurasse alienar “as nossas
melhores colónias africanas”.
Uma coisa era o constante sobressalto com a ideia de perda; outra era a possibilidade
concreta de perda eminente, afigurando-se que os maiores inimigos da pátria se
encontravam no seio dela, dispostos a delapidar a herança de nossos avós, entregando-a à
pilhagem inglesa como única forma de saldar as nossas dívidas. “Vender! Triste paliativo para
uma doença que se reproduziria amanhã”. Assumindo uma posição de clara contestação às
posições inglesas relativamente ao domínio português em África, os responsáveis pelo jornal
A Ilha enalteceram as declarações de Mouzinho de Albuquerque, perante os alemães, ao
insistir que o único objectivo do governo português era “o de manter em toda a plenitude o
nosso domínio na África”. Na mesma linha de pensamento, os redactores do dito jornal
repudiaram as tentativas de aproximação e restauro da aliança luso-britânica, bem como as
consequências, para Moçambique, do conflito anglo-boer, tomando parte na corrente
nacional que as consideravam lesivas aos nossos interesses e dignidade, lamentando, por fim,
22Sardica, José Miguel, “Ultimato britânico”. Dicionário de História da República e do Republicanismo. Volume 3, Lisboa,
Assembleia da República, 2014, p. 1029-1030.
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23Emygdio de Oliveira, Á Caça do Leopardo: Portugal e a Inglaterra Perante o Trafico Escravos, A. A. Aranha, Lisboa, 1883, p.
12.
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Assim, uma vez que as várias formas de propriedade da terra por africanos não eram
consideradas propriedade privada, isso significava que praticamente todas as terras
possuídas e cultivadas por africanos passaram a ser controladas pelo governo. Durante essa
fase inicial do desenvolvimento da colônia, a agricultura e a demanda por minério tiveram
relativamente poucos lucros. Mas havia um recurso que poderia ser explorado com lucro: a
mão-de-obra. É no mercado de trabalho que todas as outras empresas foram fundadas; a
exploração do trabalho é essencial para o desenvolvimento geral da colônia.
Bibliografia
Ferreira, E. d. (1977). O Fim de uma Era - O Colonialismo Português em África. Lisboa: Livraria Sá da
Costa Editora.
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Introdução
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Objectivos
24 Mattoso, J. (1994) (Dir.). História de Portugal. O Estado Novo (1926-1974). Lisboa. Editorial Estampa.
25 Saraiva, J. H. (1993). História de Portugal. Mem Martinp. Publicações Europa América.
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Tal como sustenta Braga da Cruz (1988) o levantamento militar do 28 de Maio fez-se
mais contra um estado de coisas, com uma intenção sobretudo negativa, do que pela
instauração de um programa único previamente concebido. A insurreição não foi feita por
um partido ou movimento político, com propósitos ideológicos e políticos forjados na luta do
parlamentarismo democrático, mas antes pelas forças armadas, sem ideário homogéneo,
caldeando no seu interior intenções ambíguas e projectos contraditórios.26
Unia-as apenas o protesto contra a partidocracia, a ineficácia parlamentar, a
instabilidade governativa, o descrédito das instituições e a agitação social. O conjunto de
forças que apoiou e desencadeou o 28 de Maio dividia-se em dois grupos. O primeiro, mais
radical e onde se incluíam nomes como Filomeno da Câmara, Raul Esteves e Sinel de Cordes,
era antiparlamentarista e determinado a acabar com o domínio dos políticos, alegadamente
responsável por todos os males. Por outro lado, a facção chefiada por Mendes Cabeçadas era
a mais heterogénea e compreendia personalidades que defendiam abertamente a ditadura,
ao lado de outros que preconizavam uma democracia forte apoiada num parlamento
constituído por dois blocos, como via para a recuperação da sua eficácia.27 Pelo exposto, e
perante a indefinição ideológica e programática do movimento militar, os primeiros dias após
o golpe despoletaram divergências internas entre os revoltosos, confrontos de propósitos e
atitudes, bem como tentativas de apropriação e controle político do movimento, ou de
instrumentalização da sua vitória para diferentes desígnios políticos.
Durante a fase de clarificação após o 28 de Maio, o primeiro conflito surgiu em torno
da alternativa “reforma ou revolução”, traduzida pelo dilema “continuidade ou ruptura” do
sistema e da Constituição, personificado nos dois movimentos militares e respectivos chefes:
o que se forjou em Lisboa, em torno da Junta Revolucionária liderada pelo comandante
Mendes Cabeçadas, partidário da primeira alternativa, e o que partiu de Braga comandado
pelo General Gomes da Costa, inclinado para a segunda hipótese. Após a renúncia de
Bernardino Machado do cargo de Presidente da República, a transmissão dos seus poderes
recaiu em Mendes Cabeçadas, que viu dessa forma legitimado constitucionalmente o seu
papel como chefe nominal do movimento. No entanto, entre pressões e acusações crescentes
de dificultar e obstaculizar a marcha regeneradora da revolução e rumores generalizados do
seu afastamento iminente, este viu-se, ainda, confrontado com a entrada triunfante de
Gomes da Costa em Lisboa, comandando mais de uma dezena de milhar de soldados.
Como defende Saraiva (1993), o significado dessa grande exibição militar era o de
deixar bem claro que o verdadeiro chefe militar da revolução era Gomes da Costa, ao passo
que Cabeçadas representava o compromisso com anteriores situações políticas, e, em 17 de
Junho, este abandonou o Governo. O comandante fora chefe de Governo durante 14 dias.
Gomes da Costa que recebera, por decreto de 26 de Junho, as prerrogativas de Presidente da
República em acumulação com as de chefe de governo, mudou-se assim para o Palácio de
Belém e inaugurou um breve interlúdio de surrealismo político, vivendo na ilusão de mandar.
Os principais comandos do Exército, acompanhados de Sinel de Cordes e Raul Esteves,
manifestaram-se contra a governação do general e na madrugada do dia 9 de Julho foi
decidida a sua demissão, tendo sido designado para presidente do ministério o General Óscar
Carmona, figura consensual entre as Forças Armadas, pelo seu apego à unidade da instituição
militar, a sua prudência, o seu espírito conciliador e, sobretudo, a ausência de excessivas
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Entre Julho de 1932 e Dezembro de 1937, o Ministério das Colónias português pagou,
por cada quilograma de fibra de algodão de qualidade exportado para Lisboa, um prémio
equivalente à diferença entre 8 escudos metropolitanos e os preços praticados no mercado
de Nova Orleães (EUA). Na prática, tal significava que as concessionárias tinham garantido,
durante este período, o preço de 8 escudos (para algodão de qualidade) em Lisboa, contra o
preço de cerca de 5 escudos no mercado mundial. O total dos prémios pagos durante o
regime, até 1937, ascendia a pelo menos 25.000 contos; isto só foi possível porque se tratava
de um gasto em escudos e não em divisas. Esse conjunto de medidas teve efeitos imediatos.
Portugal tornar-se-ia, pela primeira vez, o principal fornecedor de Moçambique, com cerca
de 25 por cento das importações totais em 1933 e cerca de 30 por cento em 1937. Em 1933,
Portugal passou a fornecer quase todas as enxadas e um terço dos tecidos, a proporção que
aumentou para 45 por cento em 1935.
A não participação na guerra e a posição ambígua face aos blocos em conflito vão
reforçar a posição de Portugal no comércio externo, com base na utilização de matérias-
primas de Moçambique e de outras colónias.
Preços baixos e golpes nos mercados de algodão têm provocado constante resistência
dos produtores. De facto, a partir de 1938, o cultivo do algodão em concessões reorganizadas
desencadeou uma longa luta entre produtores camponeses de um lado, e companhias e
administradores de outro lado, que se deu em uma primeira fase até 1942, e durante a qual
se elaboraram os mecanismos de um sistema de cultivo forçado. Inicialmente, em 1939, o
JEAC tentou promover o aumento do cultivo de algodão por meio de publicidade e persuasão.
Em reuniões nos regulamentos escolhidos para a promoção da cultura, administradores,
chefes de posto, agentes da junta e missionários propagavam que o cultivo do algodão seria
de grande benefício para o povo, e que eles se beneficiariam com o dinheiro da produção e
roupas baratas, que seriam produzidos e vendidos localmente. Além disso, supondo que seja
uma cultura que aumentaria o bem-estar material do campesinato, deveria ser cultivada nos
melhores solos e ocupar a maior parte do tempo de trabalho do camponês.
No primeiro ano, os camponeses que não tinham experiência com algodão aceitaram
os argumentos apresentados a eles e começaram a fazer experiências com a nova safra
quando as sementes foram distribuídas. No entanto, algumas das desvantagens para os
produtores de algodão rapidamente se tornaram aparentes logo após o início do cultivo.
Excepto quando cultivado em solos particularmente adequados, como alguns em Cabo
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Delgado, Nampula, norte da Zambézia, norte de Manica e Sofala (Chemba), o rendimento por
hectare era baixo. Mesmo o preço então oferecido pelos compradores era inferior ao
praticado em 1937. Enquanto a produção de algodão obtida pelo produtor, nas zonas
geograficamente favorecidas, atingia 140 escudos, nas outras áreas era de apenas 5 a 8
escudos. Em 1939, o rendimento médio de todo o país rondava os 85 escudos por produtor.
Essa era uma má recompensa para uma safra como o algodão, que exigia atenção constante
- geralmente em torno de 150 dias úteis por safra. Além disso, os produtores só podiam
vender algodão para uma concessionária. Proibidos de transportar sua produção para outro
lugar, eram submetidos a práticas fraudulentas por parte de funcionários das empresas. Essas
práticas iam desde a pesagem errônea até a classificação de produtos de qualidade inferior,
justificando a aplicação de preços mais baixos.
Essa rentabilidade fora já evidente nas plantações de chá de Lugella, Milange. Aqui,
na expectativa de estimular o mercado interno de chá e de açúcar, a partir de 1929, a empresa
Sena Sugar Estates financiou a expansão da Companhia de Lugella. Técnicas para aumentar a
produtividade semelhantes às adoptadas nas restantes plantações, reduzindo os custos de
produção de cada quilograma de chá, produziram avultados lucros, apesar da crise económica
mundial.
Quanto ao algodão, o preço passou a ser garantido a um nível relativamente alto pelo
governo português, o que, considerando a diminuição dos preços dos outros produtos e as
más condições de trabalho e reduzidas salários nas plantações, significou que a sua produção
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viria a ser mais atraente para o camponês do que no período anterior. Foram feitas mais
concessões às companhias e a produção começou, lentamente, a aumentar no interior da
Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. A reacção inicial dos países industriais à crise mundial e,
em particular, ao desemprego generalizado, foi aumentar o grau de protecção das suas
indústrias contra a concorrência estrangeira, proibindo importações de artigos
manufacturados ou onerando-os com direitos alfandegários pesados e favorecendo, cada vez
mais, as importações de matérias-primas das suas próprias colónias. Em Portugal, a crise
mundial de 1929-1934 reforçou a estratégia, esboçada desde 1926, de valorização dos
recursos de Moçambique no interesse da burguesia portuguesa, através da exploração
directa e mais intensa da população moçambicana, reduzindo ao indispensável o uso de
capitais nacionais e estrangeiros. É importante realçar que a estratégia colonial do Estado
Novo não foi adoptada, facilmente, de um dia para outro. Alguns elementos dessa estratégia,
como por exemplo a produção de algodão pelo campesinato moçambicano, resultaram da
análise das experiências anteriores. A plena implementação da nova estratégia durou pelo
menos uma década. A década de 30 representou, de facto, um momento de transição, em
que algumas das bases do 'nacionalismo económico' português se estabeleceram
seguramente em Moçambique.
Neste período, o algodão continuou a ser considerado, pelo Estado colonial, de longe
o maior foco de desenvolvimento, reflectindo a importância da indústria têxtil para a
industrialização de Portugal. No entanto, embora bem-sucedido, no sentido de fornecer
grandes quantidades de algodão à metrópole, o sistema sofreu algumas mudanças
superficiais. O sistema implicava algumas fraquezas graves:
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
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O Trabalho Migratório
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Muitos países da região viam esse sistema como um método adicional de obtenção de
divisas e aumento da receita do governo. O envio de salários é visto como um complemento
aos rendimentos geralmente baixos das famílias de trabalhadores migrantes, especialmente
durante os períodos de colheita insuficiente. Além disso, eles viram no sistema de migração
uma oportunidade para os trabalhadores se especializarem enquanto são treinados como
força de trabalho para realizar as tarefas necessárias ao desenvolvimento de seu país.
O sistema pode ser justificado pela criação de empregos, supondo que, de outra forma,
o trabalhador estaria inativo ou subempregado se a possibilidade de ir para a África do Sul
não existisse. O factor de movimento pode substituir efectivamente o comércio de
coexistência, mesmo que se tenha que assumir que a teoria neoclássica explica corretamente
a situação e que nem todos os ganhos do comércio estão nas mãos de uma das partes.
Por fim, a África do Sul desponta como um factor vital de produção, que deve aumentar
seu potencial produtivo em um modo de dependência mútua. A economia dos países vizinhos
da África do Sul, por sua vez, deve se beneficiar dessa produção crescente.
Menores brancos eram recrutados na Europa e na América. Como ainda faltava mão-
de-obra nas minas, iniciou-se um movimento para trazer trabalhadores chineses de Hong
Kong, prática que foi imediatamente abandonada devido aos custos de aquisição e transporte
dessa mão-de-obra. No entanto, os proprietários de plantações logo perceberam que o sul
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Grande parte da região da Baixa Savana tem um clima muito propenso à seca e consiste
em solos pobres que não são muito produtivos mesmo em anos bons. A emigração sempre
foi uma das opções de sobrevivência em tempos difíceis. Na década de 1850, os proprietários
de terras colonialistas em Natal começaram a buscar trabalho adicional em outras áreas mais
remotas. Uma das regiões era a baía de Delagoa, muito próxima e de fácil acesso por terra e
mar. Os chefes da região tiveram, durante várias décadas, ligações com o comércio exterior,
na época os comerciantes asiáticos se estabeleceram como residentes e intermediários dos
produtos europeus no interior. No entanto, os comerciantes de marfim ingleses baseados em
Durban começaram a frequentar a região sul de Moçambique desde 1824. Estes
comerciantes, que eram ambos caçadores, conheciam as terras baixas da costa e tinham
contacto com chefes africanos, o fazem desde 1850, respondendo ao a procura de mão-de-
obra, tornando-se eles próprios recrutadores e intermediários para os comerciantes asiáticos.
Os europeus de Natal, por sua vez, assinaram contratos com chefes africanos para o
abastecimento e passagem de trabalhadores que cruzam as terras de Maputo e Zululândia
para Natal. A partir de 1865, os trabalhadores eram transportados de barco para Durban. A
organização dos grupos de trabalhadores migrantes permaneceu nas mãos dos líderes locais
em grande escala, enquanto a importação de produtos estrangeiros era realizada sob o
controle e direção de comerciantes asiáticos. Os reis Zulu e Maputo, por exemplo, passaram
a receber homenagens de todos aqueles que cruzaram as suas terras. Nessa época, o controle
que a aristocracia e os demais chefes subordinados exerciam sobre o valor da indenização
matrimonial (lobolo), passou a proporcionar-lhes, no trabalho migratório, o acréscimo do
valor recebido, seja em gado, seja em produtos. em dinheiro, onde quer que tivessem
vantagens em mandar mão-de-obra para o Natal.
Carlos Serra, admite que outros factores, como a grande seca e a fome de 1860-61,
ainda não eram levados em consideração. Tal calamidade causada pela seca e fome foi, sem
dúvida, um incentivo para obter, aonde quer que ela fosse, produtos que não estavam
disponíveis localmente. Patrick Harries até menciona que há evidências suficientes de que as
tentativas de anexar o sul da Baía de Delagoa e a Ilha de Inhaca a Natal pelos britânicos no
início da década de 1860 eram fortemente motivadas pelo desejo de garantir uma estação
segura para o embarque de mão-de-obra migrante para as plantações de açúcar de Natal e
as minas de Kimberley. O limite de idade para empreendedores era entre 15 e 50 anos, a
maioria (65%) entre 20 e 35 anos. Os mineiros não tinham permissão para sair, excepto em
alguns casos em que podiam fazer compras em algumas cidades próximas. Lobolo passou a
ser pago em bens de consumo ou até em dinheiro. Neste caso, os salários ganhos no Natal e
nas minas de Kimberley desencadearam uma revolução social e política no sul.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Marques. A migração forçada para a África do Sul, introduziu a libra esterlina dos salários dos
trabalhadores migrantes na baía de Lourenço Marques e no “sertão”, o que permitiu a
monetização da economia, modificando assim alguns modelos culturais tradicionais e
símbolos do poder tradicional, quer de prestígio econômico ou social. Esta monetização
também levou a uma mudança no sistema de tributação (que antes dizia respeito a aluguéis,
mão-de-obra e produtos agrícolas e de caça), e a libra começou a ser introduzida. A par destas
consequências, os dirigentes africanos, no sentido de aumentarem os seus rendimentos,
passaram a aliar as suas actividades à contratação de trabalhadores para Natal e Cabo, uma
rápida expansão da rede comercial no sul de Moçambique e a emigração serviu como meio
de passagem e penetração da língua inglesa, roupas e outros elementos europeus ao sul de
Moçambique.
A medida, no nível humanitário, acaba com os profundos conflitos entre as capitais pela
obtenção de mão-de-obra. O chamado argumento de saúde de que os trabalhadores nos
"trópicos" eram incapazes de se adaptar à altitude e ao clima do Rand. No entanto, a
verdadeira razão era evitar a concorrência laboral entre as minas e as companhias
majestáticas e plantações em Moçambique.
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Chibalo substituiu a escravatura durante quase um século, tendo sido abolido apenas
uma década e meia antes do final dos cinco séculos que abrangem o Império Português. No
entanto, enfrentou forte oposição desde o final do século XiX por parte dos colonialistas e
empresários portugueses. O trabalho forçado durante a dominação colonial portuguesa teve
“consequências terríveis” para o desenvolvimento dos países africanos de língua portuguesa.
A política de trabalho forçado como “instrumento de civilização” levou ao desconhecimento
de aspectos como a educação, algo que as autoridades coloniais apenas tentaram remediar.
O trabalho forçado é o resultado daquilo que foi a pedra angular e fundamental no
surgimento e consolidação do império português em África, nomeadamente a “racialização”
do mundo colonial.
“Racialização” serve para descrever a forma como, dentro de uma dada sociedade, as
populações são categorizadas do ponto de vista racial. É também a forma como as instituições
“nomeadamente o Estado colabora neste processo” e, no caso português, as categorias
raciais foram utilizadas para organizar o império. O racismo, “tem muito mais a ver com
práticas de distinção e diferenciação e discriminação racial enquanto a racialização é um
processo mais global”, embora “sejam questões associadas”. O trabalho forçado “era uma
constante” do império colonial português em África, que só foi oficialmente abolido em
1961/62 “já muito perto do fim do império”.
“É uma visão racializada e claramente racista que está na origem de uma determinada
missão civilizadora que teria o trabalho forçado como instrumento fundamental”. Essa visão
também está associada à perspectiva do império como "um espaço de exploração
econômica". Essas duas perspectivas “sempre estiveram juntas” e seria um erro tentar
separá-las. “É impossível pensar um sem se associar ao outro”. A aplicação do trabalho
forçado era feita por meio de instrumentos como o “imposto de cabana”, a “punição por
vadiagem (muito utilizada e bastante arbitrária). Havia muitos métodos diretos e indiretos
para forçar os africanos a trabalhar para o estado ou para empresas privadas”.
Freqüentemente, o trabalho forçado era “apenas um mecanismo indireto do Estado colonial
português para fornecer mão-de-obra a empresas privadas”. O impacto desta política foi
“muito negativo” uma vez que “o que se apostou num mercado de trabalho forçado não foi
apostar, por exemplo, no desenvolvimento da educação”.
Dada a emigração em grande escala para as minas e os baixos salários pagos a mão-
de-obra não qualificada no sul de Moçambique, havia muito poucos trabalhadores
"voluntários" contratados para além das necessidades económicas, sem pressão
administrativa e policial. A política geral do governo colonial era limitar severamente o
crescimento de um proletariado africano a Lourenco Marques. Sempre que possível, o
trabalho especializado e semiqualificado era realizado na cidade por uma pequena classe de
trabalhadores africanos, asiáticos e até europeus que residiam permanentemente na cidade.
Os contratos normalmente duravam seis meses. Os custos de reprodução da força de
trabalho - moradia permanente, auxílio-idade, despesas familiares - tiveram de ser
suportados pela família do trabalhador que permaneceu no campo.
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A fuga das condições de chibalo para pagamentos mais elevados e melhor organização
nas minas foi uma consequência normal do colonialismo no sul de Moçambique. Agora, as
vantagens da emigração permanente para a África do Sul aparecem com mais frequência em
face dos aumentos de impostos. Outra consequência da institucionalização do chibalo, além
da exportação de mão-de-obra, foi a persistente ausência de armas masculinas, que colocou
o principal fardo da produção agrícola sobre os ombros das mulheres, crianças e idosos que
permanecem nas aldeias.
Pagamento diferido
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Principais acordos
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do Instituto do Trabalho, que tinha sido criado em 1961 para tratar, entre outros, dos
assuntos relacionados com o recrutamento de trabalhadores. O período de contrato
manteve-se em 12 meses extensíveis até ao máximo de 18 meses e em relação ao trabalho
deferido estabelecia que depois de 6 meses, 60% dos salários referentes ao restante período
depositado pelas minas (através da WENELA) num Banco designado por Moçambique,
através do Instituto do Trabalho.
Acordo de 1965: A característica mais interessante deste acordo era autorizar o
estabelecimento de outras empresas recrutadoras. Como consequência disto, viriam a
constituírem-se outras três agências de recrutamento: ATAS, ALGOS e a CAMON, que
iniciaram a sua actividade em 1967, recrutando trabalhadores para as minas não filiadas na
Câmara das Minas e para agricultura da África do Sul. (Fontes: (ADAM, Yussuf, História de
Moçambique, 1983; “ COVANE, Luís António, 2001”, e CEA, 1979)
Muitos países que exportam mão-de-obra barata para a África do Sul estão cada vez
mais dependentes dessa opção de encontrar locais de trabalho para uma população
crescente. Essa opção reduziu a propensão das populações rurais a migrar para áreas
urbanas. Em muitos países, a política trabalhista é elaborada de tal forma que não dá aos
trabalhadores outra possibilidade senão migrar para as minas. No sistema colonial de
Moçambique em particular, esta política baseava-se na coerção física, visto que aqueles que
não conseguiam encontrar emprego no sector urbano enfrentavam a emigração ou prisão
como perdidos e parasitas. Há um grande número de causas de subdesenvolvimento nos
países exportadores de mão-de-obra, que decorrem dos sistemas de emigração de mão-de-
obra como um todo:
- Modelos de prorrogação e renovação de contratos;
- O facto da maioria dos empresários ter entre 20 e 35 anos, é óbvio que a ausência
deste sector populacional mais vigoroso e produtivo, atrasa o desenvolvimento dos seus
países, em particular nas zonas rurais de onde eles vir.
Devido à emigração de mão-de-obra, muitos povos não estão em suas terras para
realizar as tarefas rotineiras da vida tribal e, como resultado, a economia doméstica e a
agricultura sofreram. Em alguns casos, a terra não é arada simplesmente porque não há
ninguém para arar.
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As Vias de Comunicação
Até 1930, Moçambique esteve submetido à exploração levada a cabo pelo capital
estrangeiro não português. O capitalismo implantou-se no país, concretamente através da
penetração nos sectores da produção agrícola para exportação, da emigração da mão-de-
obra e, ainda, no sector dos transportes, que passaram a desempenhar um preponderante
na economia de Moçambique.
Ao longo do período, foram construídos e apetrechados os principais portos e
caminhos-de-ferro moçambicanos, que tiveram, a função quase exclusiva de servir o trânsito
de mercadorias de e para as ricas regiões mineiras do Transval e das então colónias inglesas
da Rodésia do Sul, Rodésia do Norte e do Niassalândia.
Principais Vias de Comunicação
Em 1887, iniciou-se a construção do caminho-de-ferro de Lourenço Marques, cuja
ligação com o Transval se começou a utilizar em 1894, ao mesmo temo que se procedia ao
alargamento e aperfeiçoamento do porto de Lourenço Marques;
Em 1897, entrou em funcionamento o caminho-de-ferro Beira- Umtali.
Paralelamente, desenvolveu-se o porto da Beira, cuja utilização já se vinha a fazer desde 1892,
ambos sob a administração da Companhia de Moçambique;
O caminho-de-ferro Trans-Zambézia, que começou a funcionar em 1922 e
estabeleceu a ligação entre o porto da Beira e a fronteira do Niassalândia.
Vias de Comunicação de Menor Extensão
A construção do troço ferroviário Moamba-Xinavane, subsidiário do caminho-de-ferro
e porto de Lourenço Marques, que entrou em funcionamento em Outubro de 1914. Permitiu
o desenvolvimento das plantações de Açúcar de Xinavane, facilitou o movimento dos
trabalhadores migrantes e garantiu a circulação de pequenas quantidades de cereais
produzidas pelos camponeses;
Em 1908, foi construída uma linha férrea a partir do porto de Inhambane, com ligação
a Inharrime, com o objectivo de servir o desenvolvimento das plantações de açúcar de
Mutamba;
Em 1912, entrou em funcionamento o primeiro troço do caminho-de-ferro do
Limpopo, a partir do pequeno porto fluvial do Xai-Xai na província de Gaza, estabelecendo a
ligação com Goba, perto da fronteira com a Suazilândia, com objectivo de fazer uma ligação
com os ricos jazigos mineiros daquele território, principalmente de carvão e de ferro;
Em 1922, entrou em funcionamento uma linha com extensão de 145 quilómetros, que
tinha por fim transportar trabalhadores e géneros alimentares para as companhias
estabelecidas na Baixa Zambézia, fazendo a ligação entre Quelimane e Mocuba;
Em 1924, foi aberta a linha do Norte, ligando o porto do Lumbo ao interior da actual
província de Nampula;
Ainda em 1924, foi aberta a linha férrea Lourenço Marques-Marracuene, em via
reduzida, para servir a região agrícola do vale de Incomati;
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Com esses dados, verificou-se que de 1930 a 1939 a educação rudimentar nas mãos da
Igreja Católica se espalhou para mais lugares, dando assim às crianças africanas
oportunidades e facilidades para frequentar a escola. Escola (embora tenha sido uma relativa
facilidade desde então, para entrar eram cobradas taxas escolares que, em muitos casos,
excediam as capacidades dos camponeses). No entanto, o apoio do Estado à Igreja Católica
representava uma ameaça à educação protestante, que ao mesmo tempo foi perdendo
espaço gradativamente em detrimento da católica. A legislação de 1929-1930 que impedia a
educação moçambicana nas línguas nacionais era um grande obstáculo à expansão da
educação protestante rudimentar que usava as línguas bantu nos primeiros anos de
escolaridade.
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O ensino nas escolas rudimentares com um professor semiqualificado em cada uma era
de muito baixo padrão, e particularmente no norte de Moçambique onde as escolas católicas
não iam além da fase de construção. De modo geral, no período 1930-1939, o número de
escolas rudimentares aumentou. No entanto, o aumento da qualidade não acompanhou esse
aumento do número de escolas, devido ao alto índice de reprovações, conteúdos
descontextualizados e superficiais que eram ministrados nessas escolas. O uso da língua
portuguesa é outro entrave à melhoria da qualidade do ensino. Dada a baixa qualidade da
educação, o governo colonial e a Igreja Católica nada fizeram para mudar a situação.
Como os dados da tabela ilustram, a situação era terrível, pois menos de 1% dos que
iniciaram a primeira série em escolas católicas rudimentares conseguiram chegar à terceira
série com resultados positivos. A taxa de reprovação foi de 1 em 40, ou seja, de 40 alunos
matriculados, apenas um obtém sucesso após três anos. Assim, mesmo com o aumento
gradual do número de escolas, o nativo permaneceu ignorante e, embora frequentasse a
escola, não conseguiu terminar os estudos a tempo de continuar nos níveis seguintes. Nesse
período, as escolas também se desenvolveram gradativamente, conforme quadro a seguir.
Anos Número de escolas
1951-1952 1122
1952-1953 1419
1953-1954 1626
1954-1955 2041
1955-1956 2563
Entre 1952 e 1953, Moçambique teve a maior taxa de analfabetismo de África. Na
época, havia 1.419 escolas rudimentares, das quais 1.356 eram católicas; com 1.620
professores, incluindo 1.543 em escolas católicas e 183.092 alunos, incluindo 172.213 em
escolas católicas. A acreditar nestas estatísticas, conclui-se que somando todas as escolas do
ensino básico rudimentar, havia em média uma escola para uma área de cerca de 499 km2 e
para 3494 habitantes, tendo cada escola em média 1,27 professores. A distância entre a
escola e a casa, a falta de vagas nas escolas, o limite máximo de idade, aliados ao trabalho
forçado e aos altos pagamentos, impediram os africanos de frequentar escolas rudimentares,
mesmo que quisessem.
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publicar um pequeno jornal, intitulado Djambu de África (Sol de África) em língua ronga e sob
a responsabilidade de João Tomaz Chembeni e Benjamim Augusto Moniz.
A iniciativa teve uma curta duração, tendo o jornal cessado a sua publicação em 1922.
Chembeni emigrou para a África do Sul, e os restantes juntaram-se novamente ao GALM,
resumindo a sua colaboração nas sessões ronga e zulo do jornal "O Brado Africano" ".
Na década de 1930, O Brado Africano, anunciou que estava a preparar-se a organização
denominada Liga da Juventude Africana - LMA, uma iniciativa de jovens ligados à GALM para
todas as indicações, que tinha como objectivos promover o estudo, a ajuda e a protecção. A
LMA teve existência legal em 1932, ano em que foram aprovados os estatutos da nova
associação. Acima de tudo, as diferenças culturais e raciais estiveram na origem da formação
da Liga da Juventude Africana, mas não é possível excluir um fosso entre gerações que opunha
uma ala jovem mais radical a uma liderança cada vez mais acomodada e subserviente. Pouco
mais se sabe da ação e da vida desta associação, exceto que ainda existia em 1935, e naquele
ano foi eleita uma Comissão Administrativa para dirigir seus destinos. Em 1932, diferenças
insolúveis produziram uma profunda cisão no grupo fundador da GALM, levando à formação
de uma nova associação de africanos. O Instituto Negrófilo de Lourenço Marques -INLM- foi
fundado no início do ano de 1932. Este grupo viu os seus estatutos aprovados em março do
mesmo ano. Nos estatutos desta instituição, pode ler-se que os seus objectivos eram
promover o desenvolvimento material, intelectual e moral dos seus membros e, em geral, de
todos os negros portugueses. Foram aceitos negros de ambos os sexos, embora nascidos fora
da colônia de Moçambique, e indivíduos descendentes de pai ou mãe negra. Mas, na verdade,
o grupo dissidente era formado exclusivamente por negros assimilados, e a formação do
INLM consagrou a separação da comunidade nativa em dois grupos, negros e mulatos.
É importante mencionar que devido à divisão entre mulatos e negros, e diante de quem
mais essa divisão poderia se aproveitar, acredita-se que as dificuldades para manter a unidade
dos indígenas foram fomentadas, ou pelo menos exploradas, pelos colonizadores.
autoridades, especialmente os povos indígenas de Serviços às Empresas. Alguns membros da
Guilda Africana estavam cientes de que a separação poderia ocorrer a qualquer momento e
os efeitos negativos que qualquer movimento nessa direção teria em toda a comunidade
africana.
Na verdade, pode-se dizer que a história das relações entre os dois grupos. Também faz
parte do concurso de representactividade da comunidade indígena moçambicana. No
entanto, esta competição não escondeu, mas enfatizou um ambiente caracterizado pela
intriga, desconfiança e claro também a origem racial e formação religiosa. Um ano depois de
sua fundação, o INLM foi afetado por divergências que resultaram da diferença de
perspectivas entre seus membros, com um vasto setor censurando as lideranças por sua
preferência em promover a assimilação aos hábitos culturais dos brancos. Uma nova cisão
parece ter ocorrido em 1936, quando foi anunciada a formação de outra organização
africana, a União dos Negros Lusitanos da Colônia de Moçambique.
Em certas áreas e em determinados momentos essas atitudes, enraizadas na cultura
popular, geraram outro tipo de reação, os mais velhos acabaram discutindo mesmo os nossos
problemas. Um exemplo disso é um movimento cooperativo que surgiu no norte na década
de 1950. Na fase inicial, esse movimento foi mais construtivo do que contestatório. Vários
camponeses, incluindo Lázaro Kavandame, organizaram-se em cooperativas na tentativa de
apoiar a produção e a venda de produtos agrícolas e, assim, melhorar sua situação
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Em 1949, alunos do ensino secundário, liderados por um pequeno grupo que tinha
estudado na África do Sul, criaram o Núcleo de Alunos Secundários Africanos de Moçambique
(NESAM), que estava ligado ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique e também, de
abrangência social e actividades culturais, conduziu uma campanha política entre os jovens
para divulgar a ideia de independência nacional e estimular a resistência à sujeição cultural
imposta pelos portugueses.
A eficácia do NESAM, assim como de todas as organizações nesse período inicial, era
bastante limitada devido ao pequeno número de membros, naquela época limitado a alunos
negros do ensino médio. Mas pelo menos fez três contribuições importantes para a
revolução. Ele espalhou ideias nacionalistas entre jovens negros educados. Conseguiu fazer
uma certa revalorização da cultura nacional, que neutralizou as tentativas dos portugueses
de fazer os estudantes africanos desprezarem e abandonarem o seu próprio povo - o NESAM
foi uma oportunidade única de estudar e discutir Moçambique como entidade própria e não
como apêndice de Portugal. Por último, mas talvez o mais importante contributo, ao cimentar
os contactos pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que abrangia
não só os antigos membros, mas também os que ainda frequentavam a escola e que poderia
ser utilizada em futuras acções clandestinas.
Lista de membros do Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique
(NESAM).
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Bibliografia
BELCHOIR, Manuel Dias. Evolução política do ensino em Moçambique. [Sl]: Instituto Superior
de Ciências Sociais e politica ultramarina, 1966. p.645.
CEA. 1979. O mineiro moçambicano: Um estudo sobre a exportação de mão-de-obra.
Maputo. UEM. (Obra pessoal)
GASPAR, Napoleão. (2006) “The reduction of Mozambican workers in South África mines,
1975- 1992: a case study of the consequences for Gaza Province- District of Chibuto”.
GOMEZ, Miguel. Educação moçambicana: história de um processo. Maputo: Livraria
universitária, 1999. p. 65.
HEDGES, David, CHILUNDO, A., ROCHA, A. et al., 1999, História de Moçambique: Moçambique
no auge do colonialismo, 1930-1961, vol. 2, 2ª ed, Livraria Universitária, Maputo.
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Introdução
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28 Cfr. Caramelo, Agostinho. Fabricantes do Inferno. Vila do Conde: Edição do Autor, 1968, p. 119.
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Objectivos
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Mmole. Outro grupo era o "Tanganyika Mozambique Makonde Union (TMMU)" de Zanzibar,
liderado por Ali Madebe, mais tarde com Tiago Mula Mulombe como Presidente, Joaquim
Felix como Vice-Presidente, Thomaz Nyayaula como Secretário, Faustino Vanomba como
Tesoureiro. O terceiro grupo foi a Tanganyika Mozambique Makonde Association (TMMA),
sob a liderança de Kiribite Diwane e mais tarde com Samuly Diankali. Passara a usar a sigla
TMMU apos o seu registo ter sido rejeitado.
Enquanto MANU buscava a independência por meios pacíficos para conseguir justiça
em Moçambique, a UDENAMO buscava a independência pela força. Enquanto isso, Matthew
M'mole e Lawrence Mallinga Millinga foram para o Movimento de Liberdade Pan-Africano do
Leste e Centro-Africano (Pan-African Freedom Movement of East and Central Africa –
PAFMECA) em Addis Abeba. Em Adis Abeba, eles pediram ao "comitê dos sete da ONU" que
viessem à Tanzânia e discutissem os problemas dos refugiados africanos que lá viviam. Na
Tanzânia, os membros deste comitê da ONU convidaram representantes de MANU e
UDENAMO para lhes dizer o que fariam se Portugal se recusasse a conceder a
independência. Gwambe disse que usaria a via armada como forma de pressionar Portugal a
fim de conquista-la. M'mole disse que iria pressionar por outras formas, como uso de
instituições internacionais. Em 14 de Maio de 1962, M'mole e Millinga (por MANU)
apresentaram uma declaração ao comitê dos sete da ONU, que foi lida diante dos 300
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imigrantes presentes. Para M'mole, a MANU deve ter uma visão que leve Tanganica a
respeitá-la e Moçambique a estar em paz. Eis o teor da carta de M’mole.
[...] Meus amigos, apesar de eu estar tão longe, por causa de muitos assuntos que eu não vou
parar de falar; para isso exponho aqui minhas palavras:
1. O Sr. Gwambe deve lembrar que Independência não é guerra. Pessoas que querem
independência não exigem guerra. O significado de Independência em poucas palavras é, os
proprietários [donos, mwenyewe] devem governar. Imagine só, como as pessoas podem pedir
independência enquanto estão morrendo. MANU quer independência, mas não mortes;
2. Devemos lembrar que o PAFMECA é a União Africana que exige independência, não
podemos pedir apoio em material militar, enquanto exigimos independência. A independência deve
ser solicitada verbalmente e o dinheiro fornecido não deve ser usado para comprar equipamentos
militares. A guerra trará grandes contratempos;
3. Pode ser uma ideia errada se Sua Excelência Kwame Nkrumah prestar ajuda em termos de
material militar, o que será um grande perigo para Moçambique, uma vez que o Gana é membro do
PAFMECA. O PAFMECA não é um sindicato que promove guerras. Se o Sr. Gwambe não consegue
exigir a Independência por meios pacíficos é melhor para ele regressar a Moçambique;
4. Não vejo até hoje a razão pela qual o Sr. Gwambe continua a ficar aqui em Tanganica,
porque ele pode criar as condições para a destruição da África. O que penso junto com os membros
do MANU que não devemos acolher pessoas que contribuem para fomentar a guerra em
Moçambique. Além disso, Tanganica não é uma oficina que cria as condições para uma guerra contra
os portugueses em Moçambique e para destruir a boa unidade entre os africanos.
5. Concluo dizendo que sou de opinião que a Comissão deve submeter este assunto a Sua
Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros [Kambona] com a maior urgência Presidente do
Conselho dos membros da Coordenação para a Liberdade.
M. M. Mmole.
Este documento final reflecte os conflitos e suspeitas que a liderança da MANU tinha
contra Adelino Gwambe, o líder da UDENAMO. Em geral, Julius Nyerere não confiava em
Gwambe, embora tivesse um bom e forte apoio de Kwame Nkrumah e exposição política
internacional. De facto, Gwambe foi expulso de Tanganica e acusado de ser uma pessoa
ingrata que, ao declarar guerra a Portugal a partir de Tanganica, prejudicaria os movimentos
nacionalistas e colocaria em perigo a segurança de Tanganica. Embora Gwambe tenha
tentado mudar a sede da UDENAMO para a Somália, isso nunca aconteceu, devido à oposição
de outros membros seniores da UDENAMO. Os depoimentos acima mostram que MANU não
era a favor da guerra, mas sim de uma luta conduzida por meios não violentos. Não está claro
se MANU manteve essa posição ou se subseqüentemente se afastou dela; mais tarde alguns
ex-membros da MANU parecem ter se juntado à UDENAMO porque ela tinha uma liderança
mais determinada.
Millinga e Mmole disseram que não iriam mandar os portugueses embora porque
queriam um país multiétnico que respeitasse as diferenças. Num Moçambique independente,
M'mole e Millinga queriam que Portugal continuasse a desenvolver o país numa parceria
mutuamente benéfica, enviando professores, enfermeiras, agricultores e profissionais de
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outras áreas de desenvolvimento. Depois que o comitê de sete deixou Tanganica, Gwambe
foi ao governo exigir a unificação dos dois partidos porque diferiam nos métodos para
alcançar a independência. No entanto, Gwambe foi considerado uma ameaça e foi expulso
porque continuou a insistir no uso da força. Sua saída levou com ele os colegas Jaime Rivaz
Sigauke, Tengazi Macalica Marapende, Patrick Maiaze, Aurélio Jaime Bucuane e Anibal
Chilengue para Gana e o Ministro do Interior disse que não poderiam retornar a Tanganica
novamente. No entanto, regressaram ao país em 1962, através da CONCP-Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.
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O Caminho da Unificacao
Em 24 de Maio de 1962, o ministro Oscar Salathiel Kambona ligou para M'mole,
presidente da MANU, e Makaba atendeu ao telefone. Ele os convidou para irem ao seu
escritório com Millinga e Asala Madaia. O ministro fez o mesmo com os representantes da
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UDENAMO repatriados. Gwambe convidou Tengazi, John Mawenda, Daudi Atupari, Frazer
Potani e Paulo Joseph Gumane. Kambona disse que todos os lutadores pela liberdade se
reuniriam, e era bom que pensassem em como ter um único partido para mostrar o que
querem. M'mole pediu tempo, mas Gwambe disse que a decisão tinha que ser tomada
naquele momento.
Enquanto isso, Kambona deixou o assunto para Koinange. O então secretário do
PAFMECA, Peter Mbiyu Koinange, disse que os membros de ambos os partidos políticos
deveriam ser informados sobre a evolução desse desejo. No final do dia, Makaba, Simango,
Gwambe e alguns jornalistas foram ao escritório de Koinange, o homem que estava com o
arquivo em mãos. Ele perguntou se eles aceitariam uma proposta de fusão, como o Ministro
do Interior Oscar Kambona havia dito antes. Gwambe disse que queria a fusão a fim de lutar
e conquistar a independência o mais rápido possível. Ele disse que uma vez alcançada a
independência, os partidos seriam separados novamente se fosse necessário que cada um
seguisse sua ideologia. Simone Aly Makaba, representante da MANU, disse que as duas partes
não estão em posição de decidir devido às profundas diferenças que têm para alcançar a
independência. Ele disse que Gwambe deveria falar abertamente com Mmole como
presidente do movimento, e que ambos deveriam ir a Gana para decidir o caminho a seguir.
Na ausência de Mmole, Gwambe tratou da questão da fusão dos dois partidos com Millinga,
que era o vice-presidente da MANU. Ambos concordaram que os membros restantes seriam
notificados assim que retornassem de Gana. Em 25 de Maio, a imprensa de Tanganhika
anunciou que em breve os dois movimentos se uniriam. Membros influentes de ambos os
lados ficaram indignados por não terem sido consultados e tomarem conhecimento disso pela
imprensa. No entanto, eles esperaram pelo resultado da conferência de Accra. No mesmo
dia, membros da UDENAMO como Adelino Gwambe, John Mawenda, Paulo Gumane e David
Mabunda foram para Accra. No dia seguinte, membros do MANU como Mathew M'mole,
Lowrence Mallinga Millinga, Assala Madaia, Nhoca e Magdalene Jacob também foram para
Accra. As despesas de viagem e estadia foram pagas pelo presidente de Gana, Kwame
Nkrumah (1909-1972).
A chegada de Mondlane
Marcelino dos Santos, que se articulava com Mondlane sobre a altura certa para
chegar a Dar-es-Salaam, assim que soube da viagem dos representantes dos dois partidos,
comunicou a Mondlane com cujas relações e ideias de independência vinham compartilhado
desde 1950. Veja a nota abaixo, escrita por Mondlane em 1965, recapitulando o que
acontecera 15 anos antes. Trata-se de Bilhete manuscrito de Eduardo (Mondlane) para Mário
Pinto de Andrade, trocado (presumivelmente) durante a II Conferência da CONCP, em Dar-Es-
Salam. Satisfação por continuarem juntos na luta (Mário de Andrade, Marcelino dos Santos,
Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Eduardo Mondlane), como nos anos 1950.
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guerra contra Khrumah pela hegemonia da África ao Sul, tudo foi feito por Julius
Nyerere. Nyerere se reuniu com Mondlane nas Nações Unidas como representante do comitê
de descolonização e sugeriu que ele voltasse para casa para salvar seu país, porque os vários
grupos nacionalistas que viviam em Tanganica não se entendiam. Outros dizem que foi
convidado por Marcelino dos Santos, de quem Mondlane era amigo de longa data. Ao mesmo
tempo que mantinha contacto com Marcelino dos Santos Mondlane, recebeu informação de
Chagonga, que o informou do que se passava em Tanganica. Por isso mesmo sabendo que a
Frelimo era fruto de dois movimentos, acabou por incluir um terceiro movimento que, nas
suas palavras, seria expressivo. Na verdade, foi Mondlane quem inventou a história de que a
Frelimo era fruto de três movimentos mas que no início não sabia qual era o terceiro. Para
ele, na sua missiva secreta enviada à União Africana em 1963, “havia três principais partidos
políticos que se encontravam no exílio e que estiveram directamente envolvidos na
negociação que culminou na constituição da FRELIMO, a saber: União Nacional Africana de
Moçambique (MANU), A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) e um
grupo pequeno mas significativo com sede na Niassalândia. Veja a nota abaixo.
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sua tribo. Fanuel Gideon Mahluza disse que convidou Mondlane para vir e dirigir a
guerra. Leia-se o artigo do Savana mais adiante em A mentira não faz História de uma Nação.
Entre 23 á 28 de Setembro de 1962 realizou-se I Congresso da FRELIMO, em Dar es
Salaam na Tanzânia. Foram definidos os objectivos do movimento:
Estes objectivos podiam ser resumidos em: consolidação e mobilização; preparação para a
guerra; educação e diplomacia. Mas certamente foram discutidos dois (2) pontos principais:
A questão da unidade
A luta pela independência nacional
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Tal como Gwambe estivera, a FRELIMO, estava convencida na altura do I Congresso que
qualquer tentativa para o alcance da independência por meios pacíficos redundaria num
fracasso por vários motivos que logo a seguir apresentaremos. (Mondlane 1995: 102-106)
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Em 1961, duas conclusões eram evidentes. Em primeiro lugar, Portugal não admitiria
nunca o princípio de autodeterminação e independência, nem permitiria qualquer
desenvolvimento democrático sob a sua administração, embora fosse claro nessa altura que
as próprias soluções “portuguesas” para a condição de oprimidos, tais como a assimilação
através de colonatos multirraciais, escolas multirraciais, eleições locais, tivessem provado ser
uma fraude sem sentido. Em segundo lugar a acção política moderada como as greves,
manifestações e petições, trariam como único resultado a destruição dos que nela tomassem
parte. Restavam apenas duas alternativas: continuar indefinivelmente a viver debaixo de um
regime imperial repreensivo ou encontrar uma forma de empregar a força contra Portugal
que fosse suficientemente eficaz para prejudicar Portugal sem provocar a nossa própria ruína.
(Mondlane 1995: 102-106)
O regime colonial tinha identificado alguns homens tidos como «entusiastas da guerra»: Uria
T. Simango, Marcelino dos Santos, Leo Milas e Filipe Magaia. Foram estes que se esforçaram
a incutir nos restantes nacionalistas a ideia de uma luta armada. Há informações de que antes
da primeira leva (Janeiro de 1963), pequenos grupos iam para diversos países onde faziam
treinos militares, sem causar alarme para o regime colonial, embora soubesse destas
movimentações. «Todavia, quando a seguir a partida para o Cairo de um dos últimos
pequenos grupos (Dezembro de 1962), se anunciou a futura ida de contingentes em massa,
convenceram-se muitos de que afinal se não tratava já de brincadeiras, para alimentar o fogo
sagrado da propaganda e da política, mas sim de coisa a sério». A Constituição do Primeiro
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Grupo da Frelimo que recebeu Treino Militar na Argélia (Janeiro - Julho de 1963) era composta
por 50 indivíduos dos quais 37 (74%) instruendos de Cabo Delgado; 7 (14%) de Gaza, 3 (6%)
de Sofala e igual número de Maputo. Dos 50 instruendos, foi retido um grupo dos primeiros
quinze da lista abaixo, a fim de se especializar em transmissões e muito especialmente em
rádio-comunicações. Os 35 seguiram para o aeroporto, aonde tomaram o avião «Comet» da
East African Airways, fretado pela Frelimo e que fez percurso Argel-Nairobi na noite de 14
para 15 de Julho de 1963. Este mesmo avião no percurso de regresso conduziu o segundo
grupo da Frelimo que foi treinar na Argélia, composto de 70 indivíduos (na realidade 68) que
não teve contacto com os do primeiro grupo.
Constituição do Primeiro Grupo da Frelimo que recebeu Treino na Argélia (Janeiro - Julho de
1963): Nome e Proveniência
---------------------------------------------------------------------------------------
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1964- Outro grupo de combatentes foi enviado para a Academia Militar de Naquim, na
China, destacando-se Paulo Samuel Kankhomba, Sebastião Marcos Mabote, José Moiane,
José Macamo, etc;
A história oficial diz que foi nestes campos que começaram a surgir acusações de que
as elites da FRELIMO eram constituídas por elementos de Mueda e do Sul, acentuando as
diferenças culturais e linguísticas.
Nos primeiros dois anos da FRELIMO, depois do 1.º congresso, é claro, a luta vai
desenvolver-se entre, por um lado, um grupo de patriotas que lutou pela implementação das
medidas adoptadas, bem como por uma ligação mais íntima com as massas e, por outro lado,
a velha guarda dos políticos das organizações regionais, agindo com base em pequenas
intrigas e calúnias, mas cujo prestígio foi cada vez mais fragilizado pela falta de ligação
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popular, pela prática da desvio de fundos, ambição e até mesmo colaboração com a PIDE.
Muitos deles se dedicavam a atacar a FRELIMO formando partidos sem programa ou base
popular.
Ao mesmo tempo que o Comité Central nomeava Samora Machel e Marcelino dos Santos
respectivamente presidente e vice-presidente, o exército colonial desencadeou uma das
maiores operações militares do exército português na guerra colonial.
A essa operação, que teve lugar em Cabo Delgado, Kaulza de Arriaga deu o nome de Nó
Górdio, ao preparar esta operação militar Arriaga pretendia de um golpe só e de uma vez por
todas acabar com aquilo a que chamava guerra subversiva. Importa referir que Kaulza de
Arriaga tomou posse como comandante de Moçambique em 31 de Março de 1970.
A área escolhida para o desencadeamento da operação foi Cabo Delgado. A razão de ser desta
escolha segundo Kaulza de Arriaga é que a situação militar tinha certa gravidade,
caracterizando-se por grande liberdade de acção da FRELIMO, na travessia da fronteira do
Rovuma, pelas suas bases estarem enraizadas no terreno, bem organizadas e com guarnições
numerosas e pelo facto de ter sido lançada uma ofensiva da FRELIMO de progressão para sul,
com paralela paralisação das forças portuguesas através de uma utilização maciça de minas.
Na verdade a operação Nó Górdio não foi uma ofensiva do exército colonial, mas uma contra-
ofensiva que pretendia acabar com o avanço militar da FRELIMO, conduzido por Samora
Machel, após a resolução da crise.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Existiram também outras questões de ordem interna do exército português que contribuíram
para realização da contra-ofensiva. Entre elas, o sentimento de guerra morna que se vivia nas
zonas de guerra, onde os soldados se limitavam a controlar as vias de acesso e
reabastecimento aos quartéis da periferia, recuando sempre que não conseguiam manter a
posição. Um outro aspecto era o desinteresse do governo português em Lisboa face á guerra
em Moçambique, pois Lisboa era vítima da sua própria propaganda e acreditava que a guerra
estava sobe controlo do exército colonial. Um último relaciona-se com a população
portuguesa das cidades de Lourenço Marques e Beira, que não conhecia nem se preocupava
em conhecer a guerra, o que fazia com que o exército português se sentisse estrangeiro,
sobretudo entre os portugueses das duas maiores cidades de Moçambique.
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Fases da operação
Primeira fase
Da Base Beira, as tropas portuguesas seguiram para Base Limpopo onde novamente não
encontraram nem guerrilheiros nem material. Ali também destruíram tudo o que existia:
habitações, escola, hospital e machambas. A ocupação foi melhor preparada neste caso,
tendo o exercito colonial organizado uma linha de defesa em redor da base, como forma de
prevenção do cerco já preparado pela FRELIMO. Como o combate frontal, nestas condições,
não era favorável aos guerrilheiros, estes optaram pelas emboscadas e ataques as colunas de
tropas coloniais que faziam a ligação entre estas duas bases, entre Mocimboa do Rovuma e a
Base Limpopo e, ainda, na estrada Mueda-Sikalanga, de forma a impedir a vinda de reforço
por terra. Ao mesmo tempo, por diversas vezes o posto móvel do comando do exército
colonial foi atacado e obrigado a deslocar-se constantemente, dificultando-se assim o seu
controlo sobre as operações.
Segunda fase
A segunda fase da operação foi orientada para o Segundo Sector da actuação da FRELIMO.
Basicamente foi utilizado o mesmo método: bombardeamento intenso durante mais de uma
semana, desembarque de tropas helitransportadas protegidas por caças a Jacto e
bombardeiros. Nesta fase que teve início no dia 20 de Junho de 1970, a táctica da operação
foi melhorada e houve maior concentração de esforços dos portugueses na abertura de
picadas assim como maior utilização das forças de artilharia.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Desta forma com o decorrer da operação o exército colonial tinha conseguido destruir a
actividade produtiva da população e obrigaram a deslocar-se das suas zonas. Usaram o
terrorismo contra a população e reforçaram significativamente o seu controlo sobre o rio
Rovuma.
Contudo em termos estratégicos, dois objectivos principais que eram concentrar a população
nos aldeamentos ou faze-las fugir para a Tanzânia e aniquilar os combatentes num confronto
directo não foram alcançados. A população, ao contrário do que acontecera em Setembro de
1964, altura que em 10 dias chegaram 15 mil refugiados à Tanzânia, manteve-se agora nas
zonas libertadas sob direcção da FRELIMO, apesar de o inimigo ter atacado com muito mais
material e homens do que então. Os combatentes por seu turno, não aceitaram o confronto
directo e fizeram uma retirada estratégica, medida planificada por um exercício que deve
fazer face a um adversário de força superior, cuja ofensiva o primeiro não é capaz de romper
de imediato e que tem como fim preservar as próprias forças e esperar o momento oportuno
para passar à ofensiva.
A partir de fins de Junho a guerra era estratégica. O exército colonial interessava manter as
suas posições no interior das zonas libertadas e persuadir, pelo terrorismo e pela propaganda,
a população a abandonar as áreas sob controlo da FRELIMO. Para esta por seu turno, era
importante passar à contraofensiva.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
A primeira linha referia-se à elevação do nível político dos camponeses, dos combatentes e
dos quadros, de forma e incrementar a sua capacidade organizacional, determinação e
iniciativa criadora.
A segunda estava relacionada com um dos objectivos do inimigo que era destruir a actividade
produtiva. A FRELIMO determinou que se mantivesse o processo de produção, houve zonas
onde a população, aproveitando da terra lavrada pelas máquinas do exército colonial, que
procuravam abrir picadas lançou a semente.
Na terceira linha preconiza a distribuição de maior quantidade de armamento possível pela
população, com o fim de reforçar a sua capacidade de defesa do inimigo;
Na quarta linha de orientação estipulava-se a dispersão das forças da FRELIMO, de maneira a
não deixar rasto, tomando ao mesmo tempo vantagem do rasto deixado pelo inimigo;
A última linha definia a intensificação das operações atrás e no interior das linhas do inimigo,
para a forçar a lutar no terreno escolhido pelos combatentes e para lhes cortar o
reabastecimento.
Fanuel Guidion Mahluza, o homem que deu o nome “FRELIMO” ao movimento de libertação
de Moçambique
Tema da semana
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“A mentira não faz História de uma Nação” Fanuel Guidion Mahluza, o homem que deu o
nome “FRELIMO” ao movimento de libertação de Moçambique
O cidadão que aqui vou entrevistar é natural de Lhovukazi, distrito de Xai-Xai, província
de Gaza. Tem 68 anos de idade, dos quais 40 foram passados fora de Moçambique, onde
pertenceu a diversos movimentos de libertação nacional. Foi um dos fundadores e vice-
presidente da UDENAMO, em 1960 em Bulawayo, foi a pessoa que sugeriu o nome “FRELIMO”
ao movimento resultante da união entre UDENAMO e MANU, em 1962 em Acra, e foi adjunto
de Marcelino dos Santos na chefia das Relações Exteriores da Frelimo, em Dar-es-Salaam, em
Junho de 1962, foi secretário da Defesa do COREMO e foi secretário de Relações Exteriores da
Renamo, já nos anos 80. Esteve em várias cadeias, incluindo na de Moçambique “D”, em Cabo
Delgado, onde diversos compatriotas nossos foram executados nos anos 70 e 80.
Hoje, ele é um simples cidadão que nem casa tem para albergar a sua família, apesar de a sua
cabeça transportar muita informação sobre a história deste País. As autoridades deste País
são sempre assim: São capazes de dar casa a quem complicou a vida do País e negar a
habitação a quem criou condições para a libertação nacional.
Trata-se de um homem que faz muitas revelações curiosas e tem posições firmes sobre factos
históricos destorcidos e que se dão “por toma lá dá cá” ao consumo público nacional e
internacional.
“Dizem que Eduardo Mondlane é que uniu os três movimentos antes da fundação da FRELIMO,
o que é mentira. Eduardo Mondlane foi convidado por nós para vir a Dar-es-Salaam
testemunhar a integração dos três movimentos de libertação, pois já tínhamos fundado a
FRELIMO. Eduardo Mondlane não é o fundador da FRELIMO, ele é o primeiro presidente da
FRELIMO”.
Diz ainda que Urias Simango nunca foi reaccionário, apenas foi vítima da “demagogia dos
tsongas” que nunca aceitaram que um ndau os governasse por causa de contradições
históricas existentes entre esses dois grupos filhos de Soshangane. Sobre essas questões,
apenas na próxima edição é que vamos desenvolver, isto é, vamos contar como é que os dois
filhos de Soshangane, Ndawe e Tsonga, se conflituaram até criar um complexo histórico entre
tsongas e ndaus, que perdura até hoje.
Conversar com Fanuel Guidion Mahluza equivale a abrir um livro que nunca mais acaba sobre
a história nacional. Nós fizemos mais de 16 horas de conversa com ele e gravámos meia dúzia
de cassetes sobre o que ele sabe de Moçambique.
Excertos da conversa gravada:
Senhor Fanuel Mahluza, você é considerado por muitos moçambicanos um dos pioneiros da
revolução moçambicana e conhecedor da sua História. Conte-nos lá como é que tudo
começou até à fundação da Frelimo..
- Os moçambicanos encontraram-se na Rodésia. Cada qual fugiu para lá pelos próprios
meios e pela sua vez. Eu, como Mahluza, fugi por minha vez e nem sabia de que havia
moçambicanos lá. Fugi no dia10 de Junho de 1960, dia de Portugal e Dia de Camões.
Eu fui ajudado por um primo meu que era chefe da estação dos Caminhos-de-ferro de
Mapai, de nome Gomes Tchambale. Foi em casa de quem fiquei durante uns dois dias.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Ele tinha um seu amigo na fronteira, a quem me manda ter com ele munido de uma carta,
facto que permitiu que no dia 10 de Junho ele me fizesse atravessar em segurança a
fronteira.
É verdade que nessa altura as coisas não eram ainda assim tão complicadas, mas o certo é
que ninguém podia atravessar a fronteira assim de qualquer maneira.
Então, atravessada a fronteira, chego em Bulawayo para onde viajei de comboio. Quando
cheguei a Bulawayo levava comigo uma carta para Calvino Zaqueu Mahlayeye que é meu
familiar e também família de Gomes Tchambale. Então, Zaqueu recebe-me e me hospeda
em sua casa.
Acontece que um ou dois meses depois de chegar a Bulawayo eclode uma greve na Rodésia
dos africanos pertencentes ao partido de Joshua Nkomo. E nós, como jovens, entrámos sem
convite de ninguém nessa coisa da greve dos zimbabweanos. Andámos a lançar pedras aos
carros do governo, dos brancos, etc..
Fundação da UDENAMO em Bulawayo
E uma semana depois desse acontecimento, houve um comício onde nós os moçambicanos
começámos a ver o branco a ser insultado e convidado a ir embora para a sua terra e deixar
a terra dos negros para ser por estes governada.
E começámos a entender que afinal o branco também pode ser insultado e ainda por cima
por homens negros.
E isso fez-nos começar a pensar na nossa terra, Moçambique.
Um mês depois viria a conhecer Adelino Chitofo Guambe, moçambicano natural de
Massinga, província de Inhambane, que vivia em Bulawayo. Ele estava acompanhado de
Aurélio Bucuane, outro compatriota nosso.
Então, estes dois, por causa do facto de todos os moçambicanos que tinham assistido ao
comício terem passado a conversar abertamente sobre a situação no país, chamaram-nos a
todos para nos reunirmos com eles.
No primeiro encontro estivemos a falar de coisas banais que aconteciam no País, tomando
coca-cola e depois disso nos separámos. Passados dois meses, voltámos a ser convidados
para um segundo encontro.
Nesse segundo encontro começava a se notar a mudança de atmosfera e algo parecia estar
a tomar forma, embora houvesse ainda algo no ar porque não sabíamos quem era quem
naquele encontro. Se de entre nós haviam homens honestos ou não, pois a PIDE estava
infiltrada no seio dos moçambicanos na Rodésia.
Então, um moçambicano de nome Lourenço Matsolo levanta-se nesse segundo encontro e
diz: “meus amigos, estivemos há dois meses no primeiro encontro e agora estamos a ter o
segundo, mas não vejo nada de concreto”.
Era um fulano muito agressivo que parecia ser impaciente e que queria coisas concretas em
pouco tempo.
E ele pergunta se os dois encontros teriam alguma coisa a ver com a formação de um
partido político.
Naturalmente, os nossos hospedeiros ficaram intrigados e começaram a olharem-se um ao
outro e Adelino Guambe levanta-se e diz: “ sim, estes dois encontros têm a ver com a
formação de um partido político”.
Os nossos hospedeiros eram todos iguais, mas Aurélio Bucuane era um indivíduo que tinha
o 2º Ano do Alvor, feito na Manhiça. Por isso, era um indivíduo que falava melhor português
do que Adelino Guambe, que tinha apenas a 4ª classe do ensino primário. Mas, mesmo
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assim, Guambe era um indivíduo com quem se podia contar. Quanto a mim, nessa altura eu
tinha o 4º Ano mal feito do ensino técnico que compreendia a Escola Industrial e Comercial.
Bucuane, porque se considerava muito instruído, era muito orgulhoso. Até eu que tinha o 4º
Ano do ensino técnico, não passava por nada diante do nosso amigo Bucuane.
Mas, como tenho o complexo de igualdade, deixava-me calar quando ele assim se
pavoneava, mesmo embora sabendo que eu tinha mais instrução e mais informação e
formação que ele.
Repare que qualquer pessoa que aparecia diante de Bucuane ele tratava de chamá-lo de
analfabeto. Falava o português dos Lusíadas feitos no Alvor, na Manhiça.
Todavia, Guambe não tinha muita instrução. Tinha apenas a 4ª classe. Mas penso que tinha
o complexo de igualdade, pelo menos pela maneira como se comportava perante outros
homens. E acima de tudo, apesar da sua 4ª classe era um homem muito inteligente e muito
novo. Em 1960, quando nos conhecemos em Bulawayo eu tinha 28 anos e Guambe tinha
apenas19 anos. Mas muito inteligente.
Então, Guambe, quando ouviu dizer que nós, os amigos, apoiávamos a ele como quem
pudesse ser o nosso líder entre os dois nossos hospedeiros, aconteceu que num certo
sábado, dia 18 de Outubro de 1960 reúne-nos a todos nós seus amigos em casa de um
senhor chamado Mandlate que era nosso conselheiro e Guambe nos diz que todas as
colónias portuguesas têm partidos políticos e que nós, os moçambicanos, não tínhamos
nada. Insinuou que talvez nós não fôssemos tão homens como eram os outros...
Foi assim que um jovem dos seus 19 anos e com apenas 4ª classe se dirigiu a outros doze ou
catorze compatriotas mais escolarizados e mais velhos que ele.
Considero isto muito interessante.
E, de facto, era só Moçambique. Toda a África tinha já movimentos de libertação nacional
ou partidos políticos, à excepção de Moçambique.
E todos, naturalmente, respondemos em coro dizendo que nós também éramos homens
iguais aos das outras colónias portuguesas que já tinham formado os respectivos
movimentos de libertação nacional.
E como que para nos provar que o mais macho de entre todos nós ali presentes era ele,
Adelino Guambe disse o seguinte: “Se vocês dizem que somos homens, então, eu declaro
hoje, dia 18 de Outubro de 1960, a fundação da União Democrática Nacional de
Moçambique (UDENAMO)”.
E assim ficaria registado para sempre na História da revolução moçambicana que Adelino
Guambe, com a sua juventude e sem nenhuma escolarização avançada, declarava naquele
dia para todo o mundo a criação do primeiro movimento de libertação de Moçambique.
É interessante isto. Um rapaz de dezanove anos de idade, com apenas 4ª classe do ensino
primário, desafiando a seus compatriotas ali presentes, mais escolarizados e ainda por cima
alguns dos quais, como eu, muito mais velhos a levantarem a cabeça e seguirem o exemplo
do que ia acontecendo em todo o continente africano.
E diz ele mais adiante:nós sabemos que quando temos um movimento temos à nossa volta a
morte e todo o tipo de ciladas. A PIDE estará à nossa volta procurando impedir as nossas
acções. Portanto, vamos aceitar qualquer coisa que possa aparecer diante de nós, daqui
para frente. Podemos morrer amanhã, ou depois de amanhã, ou ainda podemos conseguir
alcançar o que estamos a pensar.
Quem quer ir comigo nessa aventura de vida ou morte?
Depois desta pergunta, eu, Mahlayeye e mais o Sigaúque nos levantámos. Naturalmente
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que não deixaria de haver alguns que pensavam duas vezes, os que têm cobardia e outros
que pensam que eu casei ontem, porque tenho família, porque tenho isto ou aquilo.
Mas nós os três dissemos logo imediatamente ao Guambe que estávamos prontos para tudo
o que ele está a dizer.
Automaticamente, ele era o presidente da União Democrática Nacional de Moçambique
(UDENAMO), por mérito próprio, porque ele é que estava a anunciar a existência do mesmo
pela primeira vez naquela reunião.
Levanta o dedo após o anúncio da nossa aderência e diz o seguinte: Mahluza, estou a
apontar a você como vice-presidente
e em seguida aponta o mesmo dedo na direcção do Mahlayeye a quem nomeia como
secretário-geral do movimento.
Repare que Mahlayeye era amigo pessoal de Guambe e eram da mesma idade, pois
Mahlayeye tinha também 19 anos de idade.
E depois disso, o mesmo dedo indica Sigaúque como secretário da organização do
movimento. Por isso, nós os três aceitámos unirmo-nos com Guambe, morrer com o
Guambe como o haviam feito séculos antes os Doze Apóstolos de Cristo.
Por isso, nós os três, contrariando os restantes companheiros que estavam naquela histórica
reunião, aceitámos ir para onde fosse necessário ir com Guambe e a partir daquele
momento, o movimento passou a ter quatro oficiais no dia 18 de Outubro de 1960.
Joshua Nkomo aconselha e apoia fuga para Tanganyika
Tivemos, naturalmente, muitas dificuldades, porque a PIDE estava à nossa procura depois
de ter ouvido isto.
Porque entretanto, houve um fulano, natural de Sena, de nome Fernando Chunga que
esteve connosco no dia da fundação da UDENAMO e que trabalhava no Consulado de
Portugal em Bulawayo, o qual, mal se concretizou a fundação do movimento foi transmitir a
informação ao Consulado.
Então, nós, os oficiais da UDENAMO, passámos maus bocados. Vivíamos nos túneis e à noite
é que podíamos ir aos nossos familiares buscar comida. Desde aquela data até finais de
Janeiro de 1961a nossa vida era assim, porque a PIDE e a Polícia Política da Rodésia estavam
permanentemente à nossa procura.
Entretanto, em Março de 1961, fomos a Salisbúria, hoje Harare, ter com Joshua Nkomo, a
quem comunicámos que tínhamos formado um movimento político moçambicano, e como
já tinha antes ouvido falar da nossa existência de surpresa confirmou a nossa presença.
E então, ele disse que havia membros do seu partido que estavam a trabalhar como homens
da segurança do governo rodesiano. E ele acrescentou que nós éramos procurados como
agulha no palheiro pela segurança rodesiana.
Dito isso, Nkomo meteu a mão no bolso e dele extraiu uma boa soma em dinheiro e nos
entregou dizendo-nos para sairmos imediatamente da Rodésia com destino ao Tanganyika,
onde existia um governo de Transição em preparação do país para a proclamação da sua
independência.
“É exactamente aí onde vocês podem viver e não aqui”, explicou-nos Joshua Nkomo.
Mas, naquelas circunstâncias, em virtude de os nossos nomes já estarem espalhados pelas
fronteiras, não podíamos partir em grupo, porque assim corríamos o risco de sermos todos
presos e desmoronarmos por completo a ideia da existência do partido.
Assim, Guambe ofereceu-se como voluntário para seguir em frente como líder do
movimento, explicando que mal conseguisse chegar transmitir-nos-ia instruções para o que
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Tanganyika.
Por isso, dito isto a alguém do lado do Tanganyika que mal conhecia em detalhe o nosso
País, ficava muito satisfeito.
E quando nos abordavam sobre esta mesma questão da possível união depois da
Independência, nós dizíamos que o nosso mandato se resumia à libertação da pátria e que
acerca da união é algo que requereria uma ampla discussão com os outros sectores de
opinião. Já nessa altura tínhamos uma pequena visão sobre esta situação de uniões.
E dissemos que só se podia discutir essa possibilidade quando os dois países tivessem
alcançado a Independência e não naquele preciso momento.
Assim eles entenderam que vocês eram mesmo portugueses, não é verdade?
- Exactamente, e a partir daí começaram a fazer chantagem connosco. Sem qualquer aviso
prévio fomos escorraçados da casa que habitávamos e sem lugar fixo para nos instalarmos
espalhámo-nos pelas casas de pessoas amigas como forma de garantir a nossa
sobrevivência.
Entretanto, a UDENAMO, depois da Conferência da CONCP já tinha ganho uma projecção
internacional o que de certa forma lhe trouxe algum apoio.
Com efeito, depois de regressar de Casablanca com Marcelino dos Santos, Guambe, pouco
tempo depois partiria para Helsínquia, na Finlândia, participar numa conferência de jovens,
razão que leva a que as suspeitas dos tanzanianos sobre o facto de sermos ou não
portugueses cresçam e assim pensam em pegar nos nossos compatriotas ali radicados e
formam uma outra organização com idênticos objectivos que os nossos. Só que estes
moçambicanos não falavam português e nem inglês. Somente se expressavam em
shimakonde e kiswahili. Mas, mesmo com estas limitações, estavam talhados à medida
desejada pelos tanzanianos que sonhavam com a união dos dois países.
É assim que nasce a MOZAMBIQUE AFRICAN NATIONAL UNION, ou seja MANU, que é
formada pela mão dos nossos hospedeiros tanzanianos.
Portanto, este era o movimento que na sua génese contava que logo que libertasse
Moçambique do colonialismo português iria uni-lo ao Tanganyika, formando assim uma
única Nação.
Assim, a UDENAMO com esta evolução dos acontecimentos, começou a perder toda a base
de apoio no Tanganyika.
Entretanto, a UDENAMO já sabia que a luta de Moçambique não é a luta do Tanganyika,
exactamente porque, contrariamente ao colonialismo britânico, os portugueses tinham
vindo a Moçambique para ficar. E nós já tínhamos na ideia que a luta armada era a única
coisa que podia salvar Moçambique. Isto começou a amadurecer nas nossas cabeças ainda
quando estávamos na Rodésia.
Como antecedentes tínhamos o exemplo do Mau Mau no Quénia do Jomo Khenyata, onde a
gente aprendeu que, afinal, o branco podia ser morto como qualquer outra pessoa.
Por isso, a ideia da inevitabilidade do desencadeamento da luta armada para a libertação de
Moçambique, já vinha com a UDENAMO.
E a UNAMI de que tanto se fala estava onde?
- Espera aí, que ainda vamos percorrer alguma distância para falarmos disso.
O que é que acontece? Com estes acontecimentos que acabei de relatar, no Tanganyika, e
com o nascimento da MANU e seus ideais de união com aquele país, nós, da UDENAMO,
deixámos de ter campo de manobra e terreno para desenvolver as nossas actividades
políticas naquele país vizinho.
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Sim, no Tanganyika.
Qual era o primeiro nome do Tchambale?
- David Tchambale.
Qual era o relacionamento entre vocês que já se encontravam no Tanganyika e esse grupo
que tinha permanecido na Rodésia?
Era de suspeita mútua.
Mas nós segregávamos aqueles dois nossos compatriotas pela maneira como antes de
deixarmos Bulawayo se tinham comportado.
Primeiro, porque ao escolhermos Guambe para presidente do movimento estávamos a
contrariar claramente os intentos do Bucuane que julgava que tendo o 2º Ano do Alvor, na
Manhiça, reunia excelentes condições para ser líder, o que claramente rejeitámos.
Portanto, as nossas relações com Bucuane já não estavam boas desde então, pior quando
suspeitámos que ele tivesse algumas ligações com a PIDE.
Nisto, acontece que Bucuane vai pedir emprego no Consulado português no Tanganyika,
antes que o respectivo cônsul fosse expulso.
E ele consegue ali empregar-se. Só que mal ele consegue uma colocação no Consulado de
Portugal em Dar-es-Salaam ele já não regressa à residência comum para dormir. Começa a
passar noites noutro lugar, que entretanto nós não sabíamos aonde.
Por outro lado, o David Tchambale, amigo de peito do Bucuane também não o deixámos ir
até ao escritório da UDENAMO e mal acorda vai directamente ao Consulado ter com
Bucuane.
Nestas circunstâncias, a dupla Bucuane-Tchambale traça um plano secreto de roubar
documentos secretos da UDENAMO.
No dia planeado para executarem a operação, quando eu e o Mahlayeye regressámos para
o dormitório pusemo-nos a dormir. Eis que regressa David Tchambale que dormia connosco,
acompanhado do Bucuane e do Cônsul português no Tanganyika, os quais ficam do lado de
fora, deixando que David se introduzisse dentro da residência.
Como ambos nos encontrássemos a dormir, Tchambale introduz a mão no bolso das calças
do Mahlayeye, o Secretário-Geral da UDENAMO, e saca as chaves do escritório e retira-se
indo se juntar ao grupo lá fora com quem entra no carro do cônsul e conduzido por este e
dirigem-se para o escritório da UDENAMO, donde retiram toda a correspondência enviada e
recebida e entregam ao cônsul português.
De regresso depois desta façanha, Tchambale regressa ao nosso encontro e apanha-nos
profundamente adormecidos e devolve as chaves para o bolso das calças do Mahlayeye e
dorme também.
Foi de facto uma operação bem urdida, não restam quaisquer dúvidas.
De manhã, quando chegámos ao escritório e abrimos as portas tudo estava conforme,
menos os documentos que tinham desaparecido miraculosamente e sem deixar rasto.
Quem é o autor desta façanha?, eis a pergunta que cada um de nós se fez, mas sem lograr
obter resposta.
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considerou que FRELIMO soava melhor do que FREDEMO. E então, a nova organização que
resultaria daquela união se chamaria FRELIMO.
Esta decisão foi tomada no dia 2 de Junho de 1962. Sublinho isto porque tem havido muita
distorção da História afirmando-se que a Frelimo foi inventada doutra maneira.
Temos já a FRELIMO a partir daquele dia, resultado de uma reunião de sete moçambicanos
na capital do Gana, Acra.
E nessa noite, tentámos escrever um discurso que seria enviado à imprensa, no dia seguinte
para declarar o nascimento da FRELIMO.
e facto, o anúncio desta decisão viria ao conhecimento da opinião pública no dia 3 de Junho
de 1962, pela voz de Adelino Guambe, portanto, Adelino Guambe é o primeiro
moçambicano a falar publicamente do nascimento da Frelimo.
Então, naquela noite vocês decidem mandar à imprensa um comunicado?
- Sim. Nós decidimos mandar um documento para a imprensa para ser publicado no dia 3.
Então, no dia 3 fomos à imprensa e Adelino Guambe, que é o chefe de tudo, vai ler à
imprensa o nascimento de um novo movimento, de uma nova frente decidida a lutar de
forma unida pela Independência de Moçambique. Acabava de nascer para Moçambique e
para o mundo a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique.
Portanto, toda aquela Conferência apoiou o moçambicano porque os angolanos tinham dois
movimentos, que não se quiseram unir\; os zimbabweanos tinham dois movimentos que
também não quiseram unir-se\; a África do Sul tinha dois movimentos e não havia nada.
Só o moçambicano é que tinha conseguido uma união. Os angolanos tinham dois
movimentos, UPA e MPLA e não quiseram unir-se, mas os moçambicanos uniram-se e a
FRELIMO teve um grande apoio.
Havia o problema de Tanganyika agora, em que a UDENAMO devia sair. Mas tendo
conseguido constituir um único movimento, uma única frente, as autoridades de Tanganyika
não podiam dizer que não, não nos apoiam. O que foi anunciado no Gana já não era
UDENAMO e MANU, era a FRELIMO.
Então, a partir de então o quê que ficava? Era naturalmente, a integração dos dois
movimentos, os membros e as propriedades deveriam vir para a FRELIMO. Com uma
urgência marcámos para o dia 23 de Junho, como o dia da integração dos dois movimentos,
o dia em que iríamos fazer uma cerimónia para integrarmos as propriedades e os membros
dos dois movimentos.
Foi o dia marcado para não demorarmos, para não dar mais chance ao Tanganyika de nos
dividir mais.
Portanto, voltámos para Dar-es-Salaam o que deve ter acontecido entre os dias cinco ou
seis. Quando chegámos em Dar-es-Salaam encontrámos o senhor Baltazar Chagonga ou
melhor, José Baltazar Chagonga de seu nome completo, que disse ter um movimento
chamado UNAMI (União Nacional de Moçambique Independente).
Onde é que estava este senhor?
- Este senhor Baltazar Chagonga estava, na altura, no Malawi. Mas, nessa altura, o Malawi
não estava independente. Portanto, o movimento dele estava no bolso, porque não se podia
anunciar. Por isso, ele sai do Malawi quando ouve a notícia da união entre a UDENAMO e
MANU nascendo a FRELIMO.
Então ele sai do Malawi e vem para Dar-es-Salaam.
Então a FRELIMO não é produto da fusão de três movimentos como se diz por aí?M
- Oiça de mim. Eu estou a dizer aquilo que de facto aconteceu e porque eu estava presente.
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Gumane para sair daquele país e vir juntar-se a nós, porque ele era moçambicano. E Urias
Simango também conseguiu se deslocar naquele mesmo mês que me parece ter sido em
Dezembro de 1961, para a cidade de Dar-es-Salaam, capital do então Tanganyika. Então, o
grupo do Simango chega acompanhado de Filipe Samuel Magaia, Silvério Nungo, Machava e
mais este Gundana, o Feliciano Gundana.
Este foi o grupo que veio juntar-se a nós em Dar-es-Salaam trazido por Urias Simango, e é
um grupo que grosso modo saía da Escola Comercial da Beira, um pouco intelectual, porque
a maioria dos seus membros já tinha o 2º Ano.
E Filipe Samuel Magaia saía dessa escola, também?
- Saía dessa escola, depois de ter sido um soldado colonial.
então, o quê acontece aqui? Guambe tinha 21 anos de idade nessa altura, Simango tinha 27
anos e ele tinha um curso teológico e já era um padre e ignora Guambe que já nessa altura
era um membro da liderança. Guambe era um rapaz pequenino que muitos ignoravam que
pudesse estar à frente do movimento. E ele estava a viver com um grupo de semi-
intelectuais que o apoiavam e que, por consequência disso mesmo, reputava-se como bom
grupo.
Mondlane não é arquitecto da unidade entre os três movimentos
Agora Urias Simango sente que tem de levar a liderança da Frelimo porque Guambe não
tem escolarização suficiente nem idade para ser líder, segundo o pensamento de Simango e
seu grupo.
É aqui onde se revela, pela primeira vez no movimento de libertação, o problema entre
changane ndawe e changane tsonga. É aqui que o grupo de Guambe se opõe
instintivamente à possível liderança de Urias Simango, um changane ndawe. O grupo de
Guambe era maioritariamente dominado por changanes tsonga. É aqui que nasce o
problema de Mondlane.
Eu e Mahlayeye decidimos escrever a um outro mutsonga, Mondlane, com o pensamento
de que mesmo que ele não viesse a ser um líder do movimento de libertação, mas que pelo
menos viesse participar na integração oficial dos movimentos. Então, uma carta em tsonga é
escrita a Eduardo Mondlane por nós, convidando-o a vir a Dar-es- Salaam para assistir à
cerimónia de integração dos três movimentos, marcada para o dia 23 de Junho. Não posso
esconder isto.
E porque é que escreveram em tsonga?
- Para ele compreender melhor o nosso pensamento. Porque queríamos que ele entendesse
a essência cultural do problema que lhe colocávamos. Trata-se da afirmação de um grupo
sobre o outro. Tratava-se já de luta pelo poder. É o mesmo conflito que houve séculos atrás
entre os filhos de Soshangane: Ndawe e Tsonga e que deram origem aos ndaus e tsongas,
sendo ambos os grupos filhos de Soshangane.
Esta era a essência da nossa mensagem, partindo do princípio histórico do relacionamento
entre o tsonga e o ndau.
Então, Mondlane, no dia 16 de Junho de 1962 chega a Dar-es-Salaam a convite da
UDENAMO. Exactamente porque nessa altura ainda não havia a integração formal dos
movimentos que viriam a constituir a Frente de Libertação de Moçambique, porque como
disse esta estava marcada para o dia 23 de Junho de 1962.
Portanto, no dia 17 de Junho daquele ano, a Mondlane é dado um cartão de membro da
UDENAMO, para poder participar na reunião da integração dos três movimentos, como
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- Olha, Guambe, aos 19 anos, levanta a cabeça e forma um movimento. Este devia ser o Pai
da Nação. Não tenho medo de dizer isto. Escreva isso.
Guambe é o pai desta Nação. Não é o Dr. Mondlane o Pai desta Nação. Eu respeito o Dr.
Eduardo Mondlane como um grande estadista, mas não que se lhe atribua o título de Pai
desta Nação.
O outro herói, antes de muitos heróis e heroínas, e começando por Guambe, o outro herói
deste País é Marcelino dos Santos que escreve os estatutos do primeiro movimento que dá
a este país a promessa de se vir a libertar, que é a UDENAMO. Quem escreve isso foi
Marcelino dos Santos.
Nós fundámos a UDENAMO e sabíamos que era difícil escrever os seus estatutos. Marcelino
dos Santos, quando entra na UDENAMO e constata que o movimento não tinha estatutos,
escreve os seus estatutos, os Estatutos da UDENAMO.
Portanto, Guambe e Marcelino dos Santos são os primeiros heróis do nosso País. Mas
quando você olha para aqui, nem há uma estrada de sete metros que se chame Adelino
Guambe e outra de cinco metros com o nome de Marcelino dos Santos.
Fomos ensinados que Adelino Guambe foi um dos reaccionários do processo revolucionário.
Que mal é que ele fez à FRELIMO?
- É como Urias Simango, é reaccionário porquê? Simango não é nenhum reaccionário.
Simango só pode ser visto como reaccionário devido à demagogia do tsonga. Mas eu vou ter
que chegar até aí.
Vamos, então, fechar o capítulo Mondlane?
- Mondlane assume a presidência da FRELIMO como candidato da UDENAMO. A UDENAMO
candidata para a presidência da FRELIMO três homens, nomeadamente Eduardo Mondlane,
Urias Simango e Gumane, enquanto os outros candidatam outras personalidades. Mas são
os candidatos propostos pela UDENAMO que ganham a presidência e a vice-presidência da
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Bibliografia
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Objectivos
INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE
29
Marçal de Menezes Paredes, A construção da identidade nacional moçambicana no pósindependência: sua
complexidade e alguns problemas de pesquisa, Anos 90, Porto Alegre, v. 21, n. 40, p. 131-161, dez. 2014
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
para libertar o pais e reafirmar uma vez mais os princípios que tinha guiado a luta e as
condições que poderiam trazer uma solução pacífica para a guerra de 10 anos.
Foi nesta fase que a Zâmbia começou a desempenhar um importante papel. As guerras
coloniais de Portugal tinham provocado sérias consequências na economia zambiana: o seu
cobre era escoado com grandes dificuldades através de linhas férreas que passavam através
de zonas de guerra para os portos de Lobito, em Angola, e Beira, em Moçambique. O
Presidente Kenneth Kaunda tinha tentado em vão chegar a um acordo com Caetano sobre
uma solução negociada para as guerras de libertação nacional.
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Os cofres de estado colonial estavam praticamente vazios. Não era possível pagar as
importações, os preços dos produtos e serviços subiram em flecha e Portugal reconhecia que
a guerra não podia ser vencida através de meios militares. Uma delegação maior dirigida pelo
major Melo Antunes, Mário Soares, Almeida Santos seguiu-se para Dar-es-Salaam de 14 a 17
de Agosto e conseguiram lançar os alicerces para as negociações finais do acordo de
transferência do poder entre o governo Português e a FRELIMO.
Extracto 4
As Nacionalizações30
Vladimir Borodin, num artigo publicado pela Imprensa moçambicana pouco após a
Independência — com todo o destaque devido a um colunista soviético — diz que ainda antes da
30
Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977
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Samora Machel põe em prática, sem organização, sem estruturas económicas, sem quadros,
as realizações de Lenine no princípio do século. Alheando-se às realidades moçambicanas, plagia
todo o processo comunista de nacionalizações sem medir as consequências, sem verificar que a
fuga do povo moçambicano para a Europa e para outros países africanos se devia à não
concordância com a sua política. E, não se contentando com a nacionalização das grandes
empresas, com a luta contra o capitalismo, a média e a baixa burguesia, faz mais pobre a pobreza,
freando o desenvolvimento económico sob um controlo estatal arcaico. Os primeiros meses de
Independência caracterizam-se pela progressiva agudi-zação da situação social. As ajudas
estrangeiras não resolvem o problema, pois os empréstimos não fazem mais do que incrementar
o déficit. As nacionalizações, repentinas e sem estudo prévio, agravam ainda mais a situação
económica e financeira. Imprevistas, as nacionalizações vieram imediatamente a seguir a um
discurso do Presidente Samora, e o povo não recebeu de bom grado mais essa prova de ditadura.
Foram nacionalizadas as terras, porque apenas o Estado, que é popular, pode ser senhor de
propriedades. Foram nacionalizados os edifícios, porque as casas são do povo. Foi nacionalizada
a medicina, porque a saúde é um direito do homem. Foram nacionalizadas as agências funerárias,
porque é crime negociar com a morte. Foi nacionalizada a advocacia, porque a Justiça é popular.
Foi nacionalizado o ensino, porque todo o homem tem o direito de saber. Filosoficamente,
definindo a situação, afirmar-se-ia que tudo quanto existe em Moçambique passou a ser do povo.
Mas será assim? Vejamos, uma a uma, as medidas de nacionalizações e as concretas conse-
quências imediatas:
AS TERRAS
Moçambique, com uma área de cerca de 790 mil quilómetros quadrados, tem grande parte
das suas terras produtivas por aproveitar. As que de maior importância foram até agora
agricultadas deixaram de o ser ao passarem para o Estado, porque pertenciam a particulares que
se viram despojados do que lhes pertencia e abandonaram o país. O Estado não possuía quadros
técnicos para os substituir.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
OS EDIFÍCIOS
Serviu a nacionalização dos edifícios para uma melhoria de vida das populações? Em princípio
cuidou-se que esta iniciativa do Governo moçambicano, que tanto prejudicou a colónia portuguesa,
viria solucionar o problema habitacional das massas menos favorecidas economicamente,
proporcionando a grande parte das famílias um lar. No dia 3 de Fevereiro de 1975 Samora Machel
expressa-se neste sentido:
«Agora vocês não vão levar para os edifícios que eram dos colonizadores, para aqueles andares
todos, para aquelas casas que foram vocês com o vosso trabalho que os construíram, com o vosso
trabalho forçado e desumano, não vão levar para lá as vossas galinhas, os vossos cães, os vossos
cabritos, os vossos porcos. Ë ou não é?...»
E apreensivo:
«...Nem vão levar para lá o pilão. Não vão levar para lá o pilão e bater com o pilão lá em cima.
É ou não é?... Vocês a bater no pilão as casas vinham todas cair cá em baixo. Ë ou não é?...»
Eram, pois, para o povo as casas nacionalizadas sem qualquer indemnização aos antigos
proprietários (falou-se nela, é verdade!), e assim pensou o povo, ainda pouco acostumado às
manobras políticas do Partido. A Imprensa, na sua boa fé fez-se eco dessa opinião, e o «Notícias da
Beira», em preâmbulo a uma espécie do inquérito público, publicou o seguinte:
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daquela decisão governamental liquidar o racismo, a discriminação racial e social que ainda existem
na nossa sociedade, acabar com a divisão para criar uma verdadeira unidade de todo o povo sem
distinções de espécie alguma e permitir ao povo tomar a cidade, vivendo nela, deixando esta de ser
propriedade de um certo número de exploradores que desprezam os trabalhadores.
Cerca de um ano volvido, as rendas continuam elevadas, algumas até subiram de custo, e os
edifícios vagos continuam sem inquilinos para os habitar. Apenas mudou o senhorio, que agora é
o Governo da República Popular de Moçambique, por intermédio de uma nova repartição que
ofereceu lugares optimamente remunerados a um grupo de protegidos do Partido — na maioria
familiares dos membros do Comité Central — e que foi denominada Administração dos Prédios
do Parque Habitacional do Estado, embora efectivamente a administração seja exercida pelo
Montepio de Moçambique ... umas das estruturas colonialistas.
Os atrasos nos pagamentos de rendas são punidos com multas, e, sendo o senhorio apenas
uma entidade, as bichas nos dias de pagamento ocupam quilómetros de artérias citadinas. O povo
foi traído pela demagogia governamental e continua a viver onde sempre viveu, sentindo nos
bolsos a mesma ausência de dinheiro para habitar a residência que deseja. O direito ao
alojamento continua a ser comprado ao capitalista, só que o capitalista agora è o Estado, que
baseia a cobrança das rendas no seguinte:
Os antigos proprietários devem aos bancos estatais? Mas que bancos estatais? Não passaram
eles para o Estado sem que este investisse na sua aquisição?
E onde estão os capitalistas, se o próprio Governo reconhece que os imóveis, por ele
nacionalizados sem dispender qualquer indemnização, pertenciam a pessoas que para os
adquirirem, ou para os construírem, necessitaram de apoio da banca? Que capitalistas eram
então? Sabe-se que os revolucionários moçambicanos desprezam a bagagem embaraçante da
interrogação do povo, de que se dizem parte integrante, mas o povo moçambicano, sabendo que
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
não houve na revolução do seu país um revolucionário que soubesse prever as consequências,
até ao pormenor, da revolução que dirige, continua a perguntar:
Noventa por cento dos proprietários perderam o fruto do esforço dispendido durante grande
parte da existência. O que o Estado abocanhou era o produto de economias trabalhosamente
adquiridas. Assim, à luz da opinião generalizada, não deveria o Governo de Moçambique reavaliar
os seus actos, cingindo-se aos princípios de justiça tão apregoados pelo socialismo? ...
A MEDICINA
O país possui cerca de nove milhões de habitantes espalhados pelos seus quase 800 mil
quilómetros quadrados. Ao serviço do povo ficaram, depois da nacionalização da medicina, menos
de duas dezenas de clínicos, o que dá, na melhor das hipóteses, um médico para 450 mil pessoas.
Como todos eles habitam cidades é fácil de estimar, «à priori», o número de habitantes desprezado
pela assistência médica.
As bichas de doentes nos hospitais têm início às primeiras horas do dia e prolongam-se pela noite
adiante, levando muitos doentes à morte antes de receberem a marcação da consulta. A consulta,
porém, apenas é conseguida entre três e quatro meses depois de marcada, mesmo para os casos
mais graves. Muitos doentes desistem e aguardam calmamente a morte, ou recorrem às
manigâncias dos curandeiros e dos feiticeiros.
Entre os poucos doentes felizes, que à altura da consulta lhes é facultada hospitalização,
aumentou de forma assustadora a percentagem de mortalidade. Em Julho de 1976 o número de
doentes hospitalizados, que tinham baixa para os cemitérios, havia aumentado de 2,4 por cento
(Janeiro de 1976) para 41,6 por cento, números que retratam o descrédito em que caiu, para não
mais se erguer, o serviço hospitalar do país, que passou a estar nas mãos de para-médicos
chineses, coreanos e cubanos que cumprem escrupuloso horário de trabalho como o mais vulgar
manga de alpaca burocrático.
Para onde foram os médicos de Moçambique? Claro que regressaram à Europa, pois eles
próprios foram vítimas de perseguições e o povo passou a recorrer à Rodésia até ao encerramento
das fronteiras. Samora Machel sabia isso ao rigorosamente cumprir as instruções de Moscovo,
mas, mesmo assim, condenou à morte grande parte do seu povo.
A solução de emergência encontrada por Samora Machel foi atrair ao país médicos coreanos,
chineses e cubanos que não falam a língua, e que na prática têm demonstrado serem possuidores
de pequena experiência de enfermagem e de socorros. E é sintomático ver-se que nenhum
membro do Governo recorre ao serviço destes clínicos; vai ao estrangeiro em busca de medicação,
podendo-se assinalar, para já, a saída dos ministros Joaquim Cabaço e Graça Simbine, em busca
de medicina estrangeira, recurso que não pode ser seguido pelo povo moçambicano.
A afirmação de Samora Machel de que o povo passou a ter ao seu serviço uma medicina
verdadeiramente popular é desmentida pela negra realidade: O povo sabe que deixou de contar
com a medicina.
128
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AS AGÊNCIAS FUNERÁRIAS
Passou o Estado a ser o enterrador mas não baixou os preços dos funerais. As tabelas
anteriores são respeitadas, no que se refere aos enterramentos populares, e ao povo de menores
recursos económicos foi retirada a possibilidade de recorrer aos carpinteiros de «biscate». Nestes,
o povo pagava uma bagatela por um caixão, mas essa actividade passou a ser considerada
criminosa por ser concorrente a uma receita estatal.
A ADVOCACIA
O povo deixou de ter direito à defesa experiente de um advogado. Mas para que o queria, se
a Justiça é praticada pela Frelimo, por intermédio dos seus agentes de confiança?
Algum dos prisioneiros portugueses que enchem as cadeias do país, foi presente a
julgamento? E o povo necessita de quem o defenda com base na lei, se a única lei em vigor são as
determinações do Partido, quantas vezes em contraste com quanto se encontra legislado?
A EDUCAÇÃO
Da janela da minha casa via-o no terreiro antes de entrar nas aulas, formado em regime
militar com outras crianças da sua idade. Eram centenas de miúdos de todas as raças. Em correcta
posição de «sentido» entoavam, durante cerca de meia hora, canções revolucionárias que não
entendiam, mas que lhes iam ficando grudadas aos pequenos cérebros. Davam «vivas» à Frelimo e
a Samora Machel, faziam muitos «abaixos» e só depois começavam as lições sem livros, sob
rigorosas instruções do Partido. As lições eram políticas e o tema principal era a vigilância. Ou
melhor: A denúncia. O meu pequeno filho chegou a afirmar, sem entender a maldade que pra-
ticava:
Era isso, exactamente, o que ele aprendia. E era isso, exactamente, o que mais vezes lhe
ensinaram. E isso continuarão ensinando até a criança entrar na adolescência e dela passar à
maturidade. Nenhum dos futuros homens novos terá a possibilidade de escolher a sua carreira,
fazer a vontade aos pais, ou seguir uma vocação. O seu futuro é marcado, desde o início, pelo
Partido, até à sua formatura. E os protegidos, tão condenados pêlos revolucionários extremistas,
passam a existir, mas como protegidos pela Frelimo.
O leitor pode pensar que eu dramatizo a situação, que também contribuiu para o afastamento
de Moçambique de muitos portugueses. Em defesa da minha a mação transcrevo, sem
comentários, uma entrevista concedida por Samora Machel ao «Tercer Mundo»: «Tercer Mundo»
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
— Quais são as relações actuais e o projecto de relações futuras, da Universidade com a Frelimo?
Conhece certamente as dificuldades que têm surgido em muitos países revolucionários do Terceiro
Mundo com a Universidade?
Samora Machel — Já temos a nossa política a esse respeito. A Universidade será dirigida pelo
Partido. De futuro os que irão para a Universidade serão indicados pelo Partido. Estudarão para ter
capacidade de realizar as tarefas que a nação exigir.
Samora Machel — Não, não absolutamente. E isso não o escondemos. Dize-mo-lo. É o que temos
feito ao longo dos treze anos de experiência da Frelimo. O Partido é que indicava quem devia
prosseguir os seus estudos na Tanzânia. E chegámos a um ponto de desenvolvimento em que os
próprios colegas era quem decidia quem devia prosseguir os estudos. Cremos que esse método
deve continuar. E esse método democrático, assinalámo-lo, existe também a nível militar.
É pois esta a Educação que espera a juventude moçambicana. Samora Machel tenta justificar
a sua teoria absurda num moralismo hipocritamente democrático, ao colocar a Universidade — e
toda a Educação — não ao serviço das ciências mas unicamente da política, fazendo dela o
espelho de uma sociedade escravizada, composta por homens de carregar no botão, de cães de
guarda de uma ideologia importada.
Esta é uma apreciação realista da situação das nacionalizações em Moçambique que contribuiu
para a queda da Frelimo no crédito popular. Vistas assim, em retrospectiva, fazem ver claro as
dádivas do Céu que caíram sobre o povo moçambicano e sobre os estrangeiros que confiaram na
linha política do Partido, naquela linha que foi mostrada nos dias que antecederam a
Independência e nas palavras encorajantes que partiram dos membros do Governo de Portugal,
que acusaram de cépticos e de pessimistas quantos, a tempo, passaram as fronteiras, levando
consigo ainda alguma coisa de seu. E é nos que regressam agora, transportando histórias tristes,
que os governantes portugueses sentem as consequências da sua atitude.
31Marinela, Cledy. «Apenas três mil pessoas com cancro sobrevivem anualmente no país.» Jornal O País, 13 de Outubro de
2018, p. 1.
130
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
à desnutrição crónica.32 O seu ranking internacional é revelador. Em 2015, era o 8º dos 188;33
em 2014 estava no 10º lugar;34 em 2013 estava em 3º lugar entre países mais pobres.35
32 Arante, Edson. «Moçambique perde anualmente cerca de USD 1.6 bilião devido à desnutrição crónica.» Jornal O País, 15
de Outubro 2018: 3
33 Caleiro, João Pedro. Exame. 13 Set 2016. https://exame.Abril.com.br/economia/os-10-paises-mais-pobres-do-mundo/
002/mo%C3%A7ambique-em-antepen%C3%BAltimo-no-relat%C3%B3rio-da-onu-sobre-desenvolvimento-humano/a-
16678138 (cedido em Out, 9, 2018)
36 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 75.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Na tabela abaixo, Castel-Branco observa que esse período foi marcado por crises e
reconstrução, mas a recuperação não colocou o país em estágio anterior à crise.37
132
Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
Os patrões saíram e ficaram entre zambezianos, sem capital para investir nesses
monstros, nem o conhecimento para dar continuidade a esses projectos. Tudo foi à falência.
A avalanche de jovens desempregados na Zambézia tornou a classe vulnerável. Muitos se
revoltaram contra a Frelimo, que mandou embora seus patrões sem conseguir emprega-los.
Tantos jovens se juntaram às fileiras da Renamo e foram para a batalha. Consequentemente,
a guerra trouxe retrocessos ainda maiores para a província, aumentando a pobreza. A
Zambézia, outrora centro de atracção e detentora de serviços, adormeceu. O desemprego
atingiu níveis alarmantes e a juventude continuou frustrada. E o "culpado" de tudo isto era "a
Frelimo que mandou o patrão embora". Desde a independência até à data não existem
projectos na Zambézia que superem aqueles do tempo colonial e que empreguem muitos
jovens, os quais vão a Nampula como empregados domésticos.
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
A desestruturação das autoridades tradicionais cujo poder e sua relação com o Estado
tem tido crescente interesse, isto é, aquelas cuja legitimidade é garantida por aqueles que
governam segundo normas que não as do Estado moderno39 e dos poderes clericais, ao
mesmo tempo em que evitou o fortalecimento do poder paralelo, no confronto entre o novo
e o velho, contribuiu para o enfraquecimento do espaço de debate sobre questões
importantes. As igrejas e o poder tradicional eram fundamentais na promoção dos valores
democráticos. Em 2005, Chissano deixou o poder enquanto os efeitos da guerra e das
inundações de 2000 ainda eram visíveis, tendo sido substituído por Armando Guebuza, que
foi o último líder da geração de libertadores.
Mas no seu conjunto, a governação dos “antigos combatentes” como gostavam de ser
chamados, foi um fracasso. A urbanização projectada com os campos de reeducação e aldeias
comunais não se efectivou. Os traçados de estradas e muitos edifícios governamentais ainda
em uso foram desenhados e deixados pelos colonialistas. Hoje assiste-se à uma luta pela
posse de espaço em cidades herdadas do colono. O PPI e o PRE/PRES através da
“colectivização do campo, industrialização e formação”40 fracassaram. Igualmente
fracassaram o Proagri, enquanto Política Agrária e Estratégia de Implementação elaborada
38 Samajo, José Augusto, Administração Local do Estado (1975 - 2002) – Processo de Articulação dos Órgãos Locais do Estado
com as Autoridades Comunitárias no Âmbito do Decreto n.º 15/2000 de 20 de Junho (Caso do Distrito de Chinde), Maputo:
UEM (Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais), 2002, p. 18.
39 Meneses, Maria Paula. «Poderes, direitos e cidadania: O ‘retorno’ das autoridades tradicionais em Moçambique.» Revista
em 199541, o Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA 2000-2004; 2006-
2009) e o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP 2011-2014).42
Entre 2008 e 2010, a fome piorou e houve, em resposta, revoltas devido ao aumento
dos custos de vida que foram prontamente reprimidas. A geração 25 de Setembro já deixou
o poder para a nova geração sem materializar o objectivo de tornar Moçambique um país
desenvolvido. A questão simples pode ser a de procurar saber o que falhou nas políticas para
Moçambique continuar pobre. Como é que um partido que tem instituições funcionais e que
controla a máquina do Estado não consegue fazer com que o Estado também tenha
instituições funcionais?
41 Lundin, Iraê Baptista. Uma Visão Sobre o Proagri: Uma Análise do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD). Maputo: GMD,
2004, p. 19.
42 Brito, Luís de. Pobreza, “Parpas” e Governação Desafios para Moçambique . Maputo: IESE, 2012.
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econômica e financeiramente da ajuda externa dos países ocidentais. Quanto mais ajuda o
país recebia mais dependente dela se tornava uma vez que a ajuda não se destinava a
construção infraestruturas que emancipariam o país da condição de pobreza.
Apesar do declínio econômico, no período de 1985-1990 ter apresentado uma reversão,
o ajustamento estrutural ocorrido em Moçambique teve consequências perversas. As classes
mais pobres, sobretudo das cidades, sentiram o efeito mais cruel do ajustamento estrutural.
Os funcionários públicos viram os seus salários diminuídos, reduzindo o seu poder de compra,
sem poder levar os seus filhos à escola e cobrir as despesas hospitalares; a economia do país
passou a depender do capital estrangeiro35 e a corrupção, a dilapidação do patrimônio
público passaram a caracterizar o comportamento da burocracia governamental.
Apesar do Ajustamento Estrutural ter provocado mais desgraças do que benefícios à
sociedade moçambicana, alguns benefícios ocorreram:
O Programa de Reabilitação Econômica inverteu a tendência do declínio econômico.
Aumentou o fluxo de ajuda alimentar e cooperação internacional, reduzindo as
consequências da fome, a incapacidade por endividamento do país e amorteceu o colapso do
sector externo; a negociação da dívida nos clubes de Paris e Londres e a abertura a novas
acessibilidades de financiamentos externos, resultaram diretamente da decisão de adesão de
Moçambique ao FMI e ao BM e da aplicação do Programa de Reabilitação Econômica.
Os mercados e as lojas começaram a ter bens para a venda e muitos produtos que,
até então apenas existiam no mercado paralelo, passaram a ser vendidos.
Os preços dos mercados paralelos e oficial aproximaram-se (incluindo no mercado de
divisas).
O Programa de Reabilitação Econômica, juntamente com outras medidas políticas e
diplomáticas, facilitaram o isolamento da República Sul-africana (RAS) e da Resistência
Nacional de Moçambique (Renamo), o que abriu caminho para a paz em Moçambique e na
região (MOSCA 2005, p. 346)
A realidade resultante do Programa de Reabilitação Econômica (PRE) levou à redução
da intervenção do Estado em setores sociais e à liberalização do mercado econômico e
financeiro. O resultado atingido por esse Programa foi o desemprego, o declínio do poder de
compra, a diminuição da frequência de crianças nas escolas; os serviços de saúde tornaram-
se relativamente inacessíveis aos mais pobres; a corrupção dos membros do governo e a
aprovação de políticas que permitiram a entrada dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED)
abriram espaço para a instalação de corporações multinacionais, que pouco beneficiariam o
país. O aumento da dívida externa do país atingiu níveis elevados. “Os créditos concedidos
pela ajuda externa faziam crer que as crianças de hoje e os seus futuros neto serão
prisioneiros da dívida ou dependentes dos créditos. Terão que permitir às corporações
transnacionais que delapidem os seus recursos naturais e ignorar a educação, saúde e outros
sectores sociais para pagar a dívida” (PARKINS 2004, p.48).
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intervenção social. (OPPENHEIMER 1994, p.202) e (HERMELE 1988, p. 268), citados Por
(MOSCA 2005, p. 318 e 343)
Os quadros mais qualificados e competentes do Estado passaram a colaborar com as
Organizações Não Governamentais (ONGs), corporações multinacionais e Instituições
Financeiras Internacionais (IFI) que pagavam 10 vezes mais. “O Estado continua a perder os
seus quadros formados para os outros setores da economia que oferecem melhores
remunerações em relação ao setor público”.
O salário mínimo do funcionário público, em 1988, um ano depois da implementação
do Programa de Reabilitação Econômica, era de 75 US$, apenas suficiente para a compra de
uma cesta básica de alimentos e o pagamento da habitação.
A implementação do Programa de Reabilitação Econômica (PRE) implicou na
privatização de empresas estatais. Para tanto foi necessária a criação de uma classe
empresarial nacional. Esta formou-se de forma selvagem, através da exploração do povo.
Enquanto o cidadão empobrecia, a burocracia enriquecia aceleradamente graças à corrupção
e aos negócios fraudulentos. O Programa de Reabilitação Econômica conduziu a uma
integração subordinada de Moçambique no âmbito da divisão internacional de trabalho e
facilitou a penetração do capital internacional na economia moçambicana. A formação do
setor privado doméstico resultou do desenvolvimento do capital local aliado aos interesses
do capital externo, formando uma tripla aliança IBW – capital externo – capital interno
(MOSCA 2003, p. 316).
Em Moçambique a corrupção resultou da forma de atuação das Instituições Financeiras
Internacionais e consentida pelas elites nacionais. A burguesia nacional formou-se com base
em mecanismos corruptos, que criaram condições para a implantação de uma nova forma de
capitalismo “selvagem” que beneficiou a burocracia partidária no poder.
A comunidade internacional criou condições – manteve a porta aberta – que permitiram
que os moçambicanos se tornassem corruptos. Os doadores estavam interessados em reduzir
o papel do governo mesmo que a corrupção fosse um efeito colateral. Os moçambicanos
tinham as mãos prontas para receber subornos e para tirar mel do pote da ajuda externa
(HANLON 2008, p. 230).
Para transformar administradores e generais em empresários emergentes, a
comunidade internacional deu-lhes um curso rápido de capitalismo. A lição que
transmitiulhes era que o capitalismo não visava apenas o sobre- lucro, mas favorecer os
investidores.
Os negócios eram privados e os empréstimos concedidos não precisavam ser repostos,
de acordo com as relações e simpatias com os doadores. O Banco Mundial concedeu
empréstimos que sabia que não seriam pagos. “O Programa de Reabilitação Econômica era
uma oportunidade para a Reabilitação Individual e a corrupção surgiu associada a alguns
níveis da nomenklatura” (MOSCA, 2005, p. 382-3).
A privatização dos dois bancos comerciais mais importantes (o Banco Comercial de
Moçambique e o Banco Popular de Desenvolvimento) resultou do apadrinhamento das
Instituições Financeiras Internacionais.
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Bibliografia
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Objectivos
43 Ndovi, Victor. «"Frelimo's Ruthless Enemies".» New African, London, 16 MAY 1979: 38-40.
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da utilização dos portos moçambicanos pela Rodésia, das exportações moçambicanas para
aquele país, e de outras ligações comerciais cortadas com o encerramento das fronteiras.
Desapontado, na esperança de contar com o apoio militar do bloco socialista de um tratado
que acabara de ser assinado, em 1977, o governo de Samora Machel proclamava o socialismo
como o caminho a ser seguido. O esperado apoio pela declaração formal do socialismo
também não se materializou, no entanto, Sérgio Vieira já havia garantido o apoio cubano ao
país, enquanto as negociações com a Tanzânia, Vietnã e Coréia do Norte estavam completas
para o apoio militar.
No mesmo ano, a resistência ao seu regime ganhou novos contornos com a entrada na
cena de André Matadi Matsangaissa, um ex-militar da Frelimo50 que tendo fugido do campo
de reeducação de Sacudzo na Gorongosa, onde passou mais de um ano entre 1975 e 1976,
retornou lá e libertou prisioneiros restantes do campo. Este jovem nascido em 1950, que
entre 1969 e 1972 parece ter trabalhado como agente secreto da Frelimo na construção da
Barragem de Cahora Bassa, antes de passar para o treino militar, acabara de ser escolhido
para substituir Padimbe Mohosa Kamati Andrea da liderança da Resistência Nacional
Moçambicana.51 Depois de uma luta de todos contra todos pelo poder, Matsangaissa seria
substituído52 em 1980, por Afonso Macacho Marceta Dhlakama, quando rumores de seu
desaparecimento físico, de Outubro de 1979, foram confirmados.
Os custos das sanções económicas à Rodesia seriam revelados por Joaquim Chissano,
numa carta de 30 de Março de 1979, depois que Matsangaissa mandou explodir os depósitos
de combustível da Munhava, na Beira, a 2353, causando incêndio de 37 horas que,
estranhamente, só foi extinto pela força rodesiana (a mesma que a luz do dia era acusada de
ser uma força agressora) a convite do governo moçambicano, portanto, o suposto agredido.
Nesta carta dirigida ao então Secretário-geral da ONU, Chissamo, na qualidade de Ministro
dos negócios Estrangeiros, pede apoio militar e exige que se implemente a resolução acima
citada, conjugada com as resoluções RES/31/43 (1976) e RES/32/95 (1977),54 “in order to give
material assistance to our country to face the enormous difficulties arsing (sic) from the
application of sanctions against the racist and criminal regime of Ian Smith, and constant
aggressions perpetrated by this regime”.
50 Ramanho, José. “Resistance fights for Freedom from Frelimo.” To the Point [Johannesburg], 19-08-1977, p. 57.
51 Redacção. «Nova Frente Contra a Ditadura de Machel.» Jornal O Diabo, 28 de Junho de 1977, p. 7.
52 Ramalho, José. «Mozambique: anti-Machel resistance movement is far from dead. .» To the Point [Johannesburg], vol. 9
United nations Addressed to the Secretary-General.» United Nationp. New York: UN, 21 Dec 1979.
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escapar para se juntar aos rebeldes, não contra os factores que os faziam fugir.56 As medidas
socialistas foram vistas como responsáveis pela deterioração da vida e largamente exploradas
pelos rebeldes que desde 1976 pintavam a sua rebeldia em uma “guerra pela liberdade e pela
democracia”.
56 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p.
57 Castel-Branco, Carlos Nuno. «Opções Económicas de Moçambique 1975-95: Problemas, Lições e Ideias Alternativas.» In
Brazão Mazula: Moçambique Eleições, Democracia e Desenvolvimento, 1995, pp. 581-636.
58 Mapote, William. «Moçambique: Mocumbi arrependido de ter seguido conselhos do Banco Mundial.» VOA, 28-03-2013.
59 Castel-Branco, Carlos Nuno. «Opções Económicas de Moçambique 1975-95: Problemas, Lições e Ideias Alternativas.» In
devido à influência de Paul Collier e sua perspectiva baseada na teoria da 'escolha racional',
um consenso razoável foi criado na literatura quantitativa em torno de causas internas, como
aquelas cujo desvelamento permitiria explicar as origens do conflito, e a economia como a
razão mais profunda para esta explicação. A guerra civil resultaria da decisão de uma
determinada parte da sociedade de se rebelar contra o estado do país, em uma lógica
dicotômica de buscar algum ganho material ou político, ou de manifestar um ressentimento
(a famosa formulação colleriana de 'ganância ou ressentimento'), sendo claramente motivado
mais pelo primeiro do que pelo segundo, e assim garantindo uma racionalidade econômica
de explicação (Collier & Hoeffler 2000). Esta localização interna das razões para o conflito
levanta imediatamente problemas em relação à narrativa elementar da guerra civil
moçambicana, visto que é geralmente construída a partir da abundante documentação
existente. De acordo com isto, a independência de Moçambique é parte de uma profunda
mudança na geopolítica da África Austral em meados da década de 1970, marcada pelo
desaparecimento do colonialismo na região, restando apenas os casos atípicos de 'apartheid'
e Rodésia. Para este último país, o Moçambique independente governado por um regime
directamente saído do movimento de libertação representava dois perigos fundamentais: por
um lado alargou a fronteira rodesiana exposta à infiltração da guerrilha nacionalista, e por
outro o acesso vital ao mar através do porto e do corredor da Beira foi seriamente ameaçado.
Assim, o novo contexto exigia respostas imediatas da Rodésia, tornadas mais urgentes pelo
apoio aberto das novas autoridades moçambicanas à guerrilha zimbabweana da ZANLA, e
pela adopção, em Março de 1976, das sanções obrigatórias das Nações Unidas contra a
Rodésia, que na prática isso significou um corte radical nas relações com aquele país. Uma
guerra clássica entre os dois estados se seguiu rapidamente.
É neste contexto que surge o MNR (Resistência Nacional de Moçambique), criado com
ajuda da Rhodesian Central Intelligence Office (CIO) como força auxiliar das suas tropas. Nesta
fase, o MNR tem o papel de combater as forças do Zimbabué baseadas em Moçambique e
desestabilizar a faixa central adjacente ao Corredor da Beira. Essa origem externa do
movimento rebelde coexiste com a perspectiva dominante da literatura quantitativa sobre as
causas da guerra civil, que, como já foi dito, é eminentemente interna. Se é verdade que a
presença de forças externas é reconhecida como uma variável que pode interferir de diversas
formas (financiamento do conflito, treinamento de forças rebeldes, compra de produtos de
saqueio, etc.), ela nunca é considerada como um elemento estrutural, pois o faria minou
diretamente o princípio da 'escolha racional' e complicaria demais a distinção entre conflito
entre Estados e guerra civil. Conseqüentemente, na literatura quantitativa, o arcabouço
nacional é quase sempre o arcabouço mais amplo, e tudo o que vai além dele é 'diminuído'
para caber apenas como mais um fator secundário e, portanto, tratado de forma rudimentar.
Evidentemente, por mais que a interpretação da origem rodesiana dessa fase do conflito seja
com evidências históricas, a ser tomada no sentido exclusivo deixaria de fora questões
importantes. Por mais intensa e militarmente eficaz que possa ter sido a ofensiva rodesiana,
por si só nunca explicaria a rápida adesão de um número significativo de moçambicanos ao
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
O próprio Sambanis (2003: 106) acaba sendo forçado a considerar que a relação entre
a pobreza e o início do conflito é mais complicada do que a sugerida pelo modelo CH,
concluindo, no 'refinamento' por ele proposto, que os primeiros recrutas da Renamo não
estariam desempregados, mas sim vítimas da repressão da Frelimo. A afirmação de Sambanis
deve ser analisada no contexto da segunda variável independente do modelo CH, que
considera que quanto mais cedo um conflito ocorre, maior o risco de surgimento ou
recorrência de guerra civil. Em outras palavras, trata-se do que podemos considerar como a
única porta aberta à possibilidade de ingerência na história. Mais especificamente, no caso
de Moçambique, estabelece-se uma relação entre a guerra colonial (que terminou em 1974)
e a nova guerra que começou um ou dois anos depois. O risco de ocorrência de conflito era,
no modelo CH, particularmente alto. Relativamente a Moçambique, o contingente do MNR
teria sido alimentado por dissidentes da Frelimo insatisfeitos com o domínio do aparelho por
‘gente do Sul’ e por vítimas da repressão desencadeada após a independência, que se
refugiaram na Rodésia. Este é um assunto muito delicado, sem dúvida, merecedor de muito
mais pesquisas. Estão aqui presentes pelo menos três grupos de actores possíveis,
nomeadamente os dissidentes históricos da Frelimo, os 'dissidentes' produzidos após a
independência e os moçambicanos comprometidos com o regime colonial. Quanto aos
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
sul'. Isso "teria causado dissidência regional no movimento de libertação que levou à eclosão
da guerra civil". Ou seja, surpreendido pela ausência de uma revolta armada de etnia Macua-
Lomwe, o que comprovaria a eficácia da variável, o modelo busca um caminho indireto que
vincule este, através da história do movimento de libertação, ao início do conflito. Muito mais
promissor seria explorar esta área a partir do conceito - mais vago mas ao mesmo tempo mais
abrangente - de identidade, para dar conta das tensões regionais que, sem dúvida, se
constituíram historicamente, integrando elementos étnico-linguísticos, mas também em
ritmos diferentes do desenvolvimento e distanciamentos distintos em relação ao poder,
articulados no novo contexto de construção da identidade nacional (Borges Coelho 2004); e
responder à questão central sobre porque o conflito moçambicano não foi baseado na etnia.
A última variável da literatura quantitativa, de alguma forma associada à primeira, diz respeito
à instabilidade política como causa da eclosão de guerras civis. Esta variável não aparece
explicitamente no modelo CH, mas pode ser associada a outra, secundária, chamada de
‘democracia’. No fundo, é formulado da seguinte forma: logo após a independência,
Moçambique caracterizava-se por um regime não democrático e o MNR originava-se em
grupos reprimidos por esse regime, embora fosse mais motivado pela procura de benefícios
materiais do que por ressentimentos. Sambanis considera esta leitura inconsistente,
afirmando que embora a repressão governamental tenha provocado ressentimentos, esta
pode não constituir uma motivação direta para a violência, mas eventualmente permanece
na perspetiva de melhoria das condições materiais de vida. Além disso, ele propõe uma nova
variável, não incluída no modelo CH, mas "de possível interesse para o início da guerra civil",
que ele chama de "incapacidade do estado de controlar todo o território". Segundo este
último, como movimento de libertação, a Frelimo mal tinha penetrado no território antes de
tomar o poder, o que significa que quando se tornou governo teve de preencher o vazio
deixado pelos portugueses sem, no entanto, poder gerir o território. Esta incapacidade teria
sido provavelmente ampliada pela repressão exercida sobre todos aqueles que tinham
ligações com o regime colonial, incluindo membros das forças de segurança coloniais 'que, se
tivessem sido recrutados, poderiam ter ajudado [a combater o MNR] (e de fato
provavelmente não teria havido guerra) ”(Sambanis 2003: 108). Sem dúvida, esta é uma das
questões mais complexas de se analisar. Sem dúvida, as dificuldades de gestão do país
(incluindo o território) devem ser tidas em conta num contexto de hostilidade regional, uma
retirada abrupta de quadros mais qualificados e uma profunda transformação e
vulnerabilidade da economia, em suma, repressão e internamento em campos da reeducação
de muitos grupos comprometidos com o regime colonial, dissidentes políticos, religiosos,
desempregados, vítimas de zelo persecutório derivado de uma perspectiva de pureza política
e ideológica, ou então da arbitragem de guerrilheiros despreparados. No entanto, esta
perspectiva ignora grosseiramente o grande capital da popularidade detido pelo novo regime
directamente após a guerra de libertação (Egerö 1987), e na sua leitura narrativa ignora o
papel complexo desempenhado neste contexto pelas relações Frelimo-Estado.
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Algumas explicações
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
acrescenta que em 1980, a Renamo mudou com grande parte do seu equipamento para África
do Sul (Operação mila) e recebeu instalações para treino e uma base militar no norte do
Transval.
O apoio da Rodésia do Sul à Renamo centrava as suas atenções no corredor da Beira e
nos locais onde se concentravam os nacionalistas zimbabweanos. A África de Sul fez um
investimento de grande vulto de modo que a Renamo expandisse para todo o país e para que
afirmasse progressivamente como movimento autónomo e com objectivos políticos próprios
(Coelho, s/d: 13). Os regimes minoritários da África do Sul e da Rodésia do Sul moveram
agressões militares contra infraestruturas económicas moçambicanas como forma de
desestabilizar a economia. Portugal, sob regime fascista de Salazar, estabeleceu relações
político-diplomáticas com a Rodésia do Sul e deu apoio económico e militar (Luís, idem),
Salazar almejava destruir o governo socialista de Moçambique para continuar com seus
interesses económicos coloniais, e constituir um escudo de regimes minoritários brancos e
racistas na sub-região austral do continente, juntamente com África do Sul e Rodésia do Sul.
Portanto, para além da África do Sul do Apartheid considerado o principal patrocinador, a
Renamo tinha apoio de grupos anticomunistas (da extrema direita e das igrejas) nos países
como Portugal, República Federal Alemã e dos EUA (Hanlon e Smart, 2008:9). Para além
destes apoios de grupos extremistas ocidentais, a Renamo contava igualmente com apoio do
vizinho Malawi e do Kenya (Newitt, 1997:487). No contexto internacional da Guerra Fria e o
endurecimento das posições americanas, sobretudo com a entrada de Ronald Reagan
(Minter, 1994 citado por Coelho, s/d: 12), juntamente com Irão, Afeganistão e o Corno de
África, a África Austral tornou-se, nesta altura, num cenário do confronto entre os dois blocos.
Durante a guerra civil, uma série de fatalidades caracterizou a vida dos moçambicanos,
para além da agressão militar da RAS e da Rodésia do Sul, cujos raids aéreos tinham alvos de
interesse económico, alegadamente porque as autoridades moçambicanas apoiavam e
alojavam os militantes do African National Congress (ANC) e da Zimbabwe African National
Union (ZANU). O país viveu momentos agónicos: sofreu o embate da crise de petróleo nos
finais dos anos 70, quedo de receitas ferro portuárias devido ao encerramento temporário da
Fronteira Moçambique-Zimbabwe; a produção agrícola-industrial baixou 50%; inflacção
aumentou. O PIB caiu num profundo precipício, muitas infraestruturas económicas e sociais
ficaram destruídas (campos agrícolas, indústria, estradas, pontes, linhas-férreas, rede de
telecomunicações, escolas, hospitais, lojas rurais etc.); abandono e/ou destruição das redes
escolar e sanitária; a ligação campo-cidade tornou-se impossível, a deslocação de pessoas e
bens parou profundamente. Acelerou-se o êxodo rural, o que agudizou a pobreza urbana nas
cidades, a taxa de desemprego disparou; milhões de deslocados, milhões de refugiados nos
países vizinhos; milhares de crianças órfãs, mais de um milhão de mortes. As exportações e
importações diminuíram drasticamente e outros indicadores macroeconómicos se revelaram
desfavoráveis para a vida económica nacional.
Castel-Branco (1994) citado por Coelho (s/d) afirma que à entrada de 1983 as
exportações nacionais haviam caído para metade, as importações haviam baixado em um
terço, sendo o valor das segundas cinco vezes mais que o das primeiras. Rosinha (2009: 94)
tentou quantificar os efeitos da guerra que, a partir de 1980, a guerra civil se agravou e se
alargou a quase todo o território, com consequências desastrosas para a população:
Moçambique chegou a ter quase 40% dos seus habitantes em situação de deslocados de
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
guerra) e para a economia (entre 1980 e 1986, o PIB decresceu mais de 30% e o crescimento
económico foi negativo durante 5 anos seguidos) e devastação das infraestruturas).
A dívida externa aumentou quase 500% e mais de 60% do Investimento Directo
Estrangeiro foi cancelado ou nem sequer iniciados. O efectivo de gado bovino, cerca de um
milhão e trezentas mil cabeças em 1980, ficou reduzido a cerca de 250 000 cabeças, em 1992,
em grande parte devido à guerra. Os indicadores da área da saúde, na sequência da
destruição de centros de saúde e assassínio de técnicos, sofreram um retrocesso de décadas.
Vines citado por Newitt (1997: 486 et seg.) lamenta que as actividades da Renamo consistiam
em técnicas de terror, homens, mulheres e crianças eram massacrados e mutilados, jovens
eram raptados e obrigados a cometerem crimes terríveis para beberem a mentalidade
criminosa dos bandos da Renamo. Mais de 100 mil pessoas foram mortas, 1/3 da população
refugiou-se, o país passou a depender de ajudas externas em 70% do seu PNB.
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Segundo a escola da dependencia, é quase impossível para um país pobre escapar desse
estado de pobreza porque isso não faz parte dos planos de estrutura econômica internacional.
Nesse sentido, segundo Macamo (2006), a dependência torna-se funcional para preservar o
poder dos líderes dos países pobres. Os governantes desses países precisam de recursos
externos para fortalecer sua força interna. Eles então se legitimam com base em sua
capacidade de atrair esses recursos externos para distribuição interna. Buscar ajuda no
exterior é uma estratégia de sobrevivência política interna voltada para a prestação de
serviços sociais aos cidadãos; entretanto, tem pouca orientação para acumulação,
crescimento, desenvolvimento e independência econômica.
A ajuda externa, que muitas vezes é oferecida como misericórdia, faz mais mal do que
bem, beneficia aqueles que dão mais do que aos compradores. Em outras palavras, a ajuda
externa parece ser a causa do problema e não a solução.
Com o Ajustamento Estrutural realizado, em 1987, Moçambique começou a receber
ajuda bi e multilateral de emergência de diversos países do mundo; de Instituições Financeiras
Internacionais; de Organizações Não Governamentais internacionais e de Agências das
Nações Unidas, pois, a partir de 1982 a União Soviética tinha deixado de ser o parceiro
estratégico para a solução das que Moçambique enfrentava – a guerra e a crise econômica.
O governo da Frelimo começou a aproximar-se do Ocidente e, em 1983 Moçambique
aceitou a proposta dos EUA de realizar um acordo com a República da África do Sul, em que
as duas partes se comprometiam a não apoiar acções contra outro país a partir do seu
território.
Em 1984 foi assinado o acordo de N´komati e, consequentemente, Moçambique pôde
ser membro do FMI e do BM, reduzindo suas relações com a União soviética (ABRAHAMSSON
& NILSSON, 2001, p. 180-1).
A necessidade urgente de ajuda alimentar internacional e de novos créditos
internacionais, juntamente com a necessidade de apoio internacional político e diplomático
para a luta contra o regime de minoria branca na África do Sul, fizeram com que Moçambique
alterasse as suas alianças internacionais. A juntar a isso veio o facto de Moçambique não ter
sido aceito como membro da organização de cooperação econômica dos países de Leste,
Concil of Mutual Economic Aid (COMECON).
Por essa razão, ficaram frustradas as possibilidades de uma cooperação aprofundada
com os países socialistas, como alternativa ao sistema de créditos ou ao apoio político dos
países ocidentais. As exigências do Ocidente eram inequívocas. A ajuda alimentar
internacional, assim como o aumento de acesso a créditos internacionais e a prorrogação do
prazo de pagamento das dívidas, exigiam a introdução de uma economia de mercado cuja
estabilidade pudesse ser aprovada pelo Fundo Monetário Internacional. Para além disso,
havia a exigência incondescendente de negociações de paz com a África do Sul e de cessação
de apoio de Moçambique ao Congresso Nacional Africano (ANC) (ABRAHAMSSON & NILSSON,
1994, p. 110).
Moçambique realizou uma série de reformas políticas e econômicas. Subscreveu-se ao
Programa de Ajustamento Estrutural e a constituição marxista-leninista de 1975 foi
substituída por uma constituição democrática. “Em 1991 a Frelimo deixou de ser um partido
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
impossível influenciar em seu recrutamento. Por isso, a CARE não foi capaz de desenvolver
um método de controle dos fretes e desalfandegamento dos produtos e de controle de peças
sobressalentes das viaturas usadas na distribuição dos bens (ABRAHAMSSON & NILSSON,
1994, p. 121).
Por outro lado, os doadores impuseram que a distribuição da ajuda de emergência fosse
gratuita. Por ser gratuita, também, atingiu populações que tinham poder de compra, das
áreas urbanas, por exemplo. Este facto, levou à diferenciação entre as populações urbanas e
rurais. As pessoas com poder de compra, passaram a revender os alimentos dando origem à
roubos e à corrupção. “Eles enriqueceram ainda mais e bloquearam a produção nacional de
alimentos. Esta situação fez com que a ajuda alimentar não fosse benéfica para Moçambique”
(ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 124).
Em segundo lugar, a crença de que o Estado seria o intérprete supremo dos anseios do
povo fez com que o acúmulo de capital se concentrasse no Estado, privando-o do povo o que,
por sua vez, fez com que o capital se acumulasse mais nas empresas estatais. Por causa da
guerra em curso, do campo, milhares de agricultores famintos buscavam proteção em cidades
onde os empregadores eram escassos, porque as indústrias estavam paralisadas ou eram
administradas por comissões administrativas inexperientes, que davam privilégios a seus
parentes e conhecidos. As avalanches desses deslocados internos, que se sentiam
desenraizados nas áreas de cimento, aumentavam o cenário da fome, que os levava a
enveredar os caminhos do crime. Os estrangeiros partiam para suas origens e os
moçambicanos que não podiam imitar-lhes fuga, atravessavam a fronteira para países
vizinhos. As empresas economicamente sólidas estavam enfraquecendo com as exigências
salariais e a construção civil, parcialmente amorfa desde a independência, foi forçada a cessar
completamente sua actividade com a nacionalização dos imóveis. Os bancos, que já haviam
60 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, p. 67.
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desertado no interior do país, não podiam conceder créditos por não ter uma carteira de
depósitos que justificasse uma actividade de crédito.
«Nas ruas do Maputo, a antiga e rica cidade de Lourenço Marques, vivem-se espectáculos
nunca presenciados. O povo passa horas, desde o nascer do sol, em longas bichas para
adquirir pão. A maioria destas pessoas é africana. Outras longas bichas, desta vez compostas
por gente de todas as raças, são assinaladas junto das empresas aéreas e das agências de
viagem, em busca de vagas nos aviões para abandonarem Moçambique. Embora estejamos
em Março, todas as passagens aéreas para Portugal estão esgotadas até fins de Julho.»61
O correspondente da B.B.C, foi expulso de Moçambique porque não era esta a imagem
que o mundo deveria colher do país, mas aquela oferecida pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Joaquim Chissano. Para o governo, no entanto, através da imprensa, a falta de
necessidades básicas que espalhavam a fome para aqueles que ainda tinham os meios
econômicos para reprimi-la não se devia às suas políticas.
61 Passos, Inácio de. Moçambique "A escalada do terror". Queluz: Edição Literal, 1977, pp. 70-71.
62 «Notícias da Beira» 12 de Março de 1976
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Disciplina/Módulo: HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE - SÉCULO XIX-XXI
«Será aberrante acreditar, porém, que esses auxílios venham solucionar o caos
económico do país sem um esforço interno e este não existe. A produção é nula e os salários
treparam, após reivindicações exageradas, cinco e seis vezes. A generosidade governamental
encaminhou dezenas de empresas à falência, causando maior número de desempregados.
Simultaneamente os técnicos, perseguidos, injuriados, regressavam a Portugal e os seus
lugares eram preenchidos por operários inexperientes a quem era proporcionada uma
reciclagem que, mesmo assim, não os preparou para tirar partido das máquinas
demasiadamente sofisticadas para os seus frágeis conhecimentos técnicos. Grandes
complexos industriais paralisaram temporária ou definitivamente a sua actividade, mas
mesmo dessa caótica situação o Governo moçambicano quis tirar partido político inventando
culposos».63
Por essa altura, a CIGOMO, que era uma importante empresa de transformação de sisal,
situada na zona industrial de Nacala, passou a ter um encargo de salários elevado, o que lhe
levou a paralisação. Mas o culpado encontrado foram os Estados Unidos da América que «na
presente fase, ainda não se mostraram interessados na compra do produto, por razões de
ordem política.»64 Na verdade, as demandas dos trabalhadores e a diminuição da produção
tinham criado dificuldades para a empresa em termos económico-financeiros, ressentidas no
preço do produto, colocando-o bem acima da oferta da concorrência internacional. No
mesmo período, a produção de açúcar caiu cerca de 60% na primeira safra depois da
Independência, e a imprensa disfarçou o fracasso acusando os agricultores estrangeiros de
sabotagem econômica. Líderes administrativos estrangeiros foram dispensados a custa de
membros dedicados do partido, mas a verdade tornou-se impossível de se camuflar por mais
tempo.
Samora, a 24 de Julho de 1975. A terra foi nacionalizada, porque somente o estado, que é
popular, pode ser o mestre das propriedades. Os edifícios foram nacionalizados, porque as
casas são do povo. A medicina foi nacionalizada porque a saúde é um direito humano.
Agências funerárias foram nacionalizadas porque é um crime negociar com a morte. A lei foi
nacionalizada porque a justiça é popular. A educação foi nacionalizada porque todo homem
tem o direito de saber. Mas a realidade de hoje mostra que os defensores das nacionalizações
de ontem são os principais detentores das coisas nacionalizadas, possuidores dos melhores
terrenos e quando veio a onda das privatizações, na década de 1980, também foram os
ocupantes dos lugares cimeiros.
Extracto 5
ONGD EM MOÇAMBIQUE65
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Giulia Mauri- Organizações Não Governamentais param o Desenvolvimento. Análise do trabalho de
algumas ONGD em Moçambique, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 2013.
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das estruturas privadas e portanto pouca abertura para organizações como as ONGD. Daí que
a percentagem de ONGD no país depois da independência fosse só de 14%.
Posteriormente, a guerra civil entre a FRELIMO e RENAMO e a consequente crise
económica, obrigaram o Estado, já a partir de meados dos anos de 1980, a permitir a entrada
no território de ONGD estrangeiras, fontes de ajuda não indiferente. Desse modo, durante o
período 1984-93 as ONGD aumentaram em Moçambique. A nível legislativos as ONGD
nacionais ainda não estavam legitimadas a operar no território;mas a necessidade de uma
ligação local para as ONGD estrangeiras e o nascimento da nova Constituição moçambicana
em 1990, da qual iremos falar mais em frente, permitiram o reconhecimento oficial também
das ONGD nacionais. Isso justifica o grande aumento das ONGD no território moçambicano
depois de 1993, até chegar a um 40%, como é mostrado no gráfico. A este respeito podemos
encontrar informação complementar em Oppenheimer (1994:177), que analisando o
crescimento dos fluxos de assistência externa para Moçambique distingue três fases:
A primeira, de 1976-83, coincide com a experiencia não infletida de desenvolvimento
socialista levada a cabo pelo país e caracterizado por uma ajuda bilateral de origem
escandinava e holandesa. A segunda fase, 1984-86, coincide com uma abertura ao mundo
ocidental, na parte bilateral e multilateral. Em fim a terceira fase, até 1991 é caracterizada
por um programa de ajustamento estrutural negociado com o Banco Mundial (Oppenheimer
1994:177-78).
Como se pode ver, 1984 é o ano de mudança na política moçambicana (Dionísio 1998).
Uma política que, destruída por uma guerra civil e por uma situação económica fraca
(consequência da guerra), mudou de rota e optou para uma ideologia ocidentalista de base
capitalista. Foi esta nova abertura ao ocidente que abriu as portas às ONGD estrangeiras e
que seilustra no gráfico cima apresentado.
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Apesar da lei 8/91 sobre a liberdade de associação existir apenas há pouco mais de
20 anos, a prática do associativismo é tão antiga em Moçambique como em qualquer outra
parte do mundo. Seguindo a terminologia de Sousa Santos (1997) podemos definir a
sociedade tradicional africana como uma sociedade providência, em que os grupos familiares
se baseiam no parentesco e nas relações familiares para estabelecer, entre eles, relações de
ajuda mútua, segundo uma lógica de reciprocidade. Ao longo dos tempos, estes
agrupamentos conseguiram sobreviver adaptando-se às exigências de cada período histórico.
Durante o século XX, para enfrentar o colonialismo, os moçambicanos juntaram-se para
salvaguardar a sua identidade cultural face à ingerência portuguesa. Após o período colonial,
foram estabelecidas as Organizações Democráticas de Massas (ODM), utilizadas como
instrumento para garantir uma sensibilização ativa da população para as tarefas da
reconstrução nacional. Mas entre a euforia geral, o governo centralizado e a defesa da
pátria, as novas organizações nascidas fora do Partido Único não tinham uma longa vida.
Contudo, tal não significa que não existissem, com efeito:
«A lei sobre a liberdade de associação só foi votada em 1991; no entanto, cerca de 15%
das OSC já tinham iniciado as suas atividades antes do reconhecimento desse direito. Com
exceção das instituições originariamente criadas pelo Partido (OTM, OMM…) […]» (Homerin
2005:22).
A situação mudou durante a década de 80 do século XX. Isto porque houve um período
de recessão, causado por uma série de calamidades naturais e por uma guerracivil intensa. O
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governo moçambicano, para sair desta crise, não encontrou outra solução senão aderir ao
Banco Mundial e ao FMI (Fundo Monetário Internacional), em 1984. É nesta altura que em
Moçambique começaram a aparecer as primeiras Organizações Não Governamentais
internacionais. Posteriormente, o pluralismo determinado pela Constituição de 1990,
oficializou as ONGD locais.
Houve Associações, segundo pudemos saber no terreno, que iniciaram a sua atividade
não oficialmente em 1986. Após a independência, como foi explicado durante a entrevista,
tudo o que era individual tornou-se a favor do coletivo. Os jovens, que formaram estas
organizações, eram estudantes com uma experiência anterior de associativismo, activismo e
luta, porque participaram na libertação do próprio país.
Em 1975, com a libertação do Estado da opressão colonial, estes estudantes foram
chamados, considerando a sua própria experiência, a gerir os trabalhos que antes eram
ocupados pelos portugueses. Desde 1975, houve o fenómeno dos retornados, onde, com a
independência, muitos portugueses que viviam no território moçambicano voltaram para a
metrópole. Mas na década 80 do século XX, as situações mudaram e assim essas associações
começaram a estabelecer as primeiras pedras na fundação do que viriam a ser
posteriormente algumas ONGD.
Não havendo possibilidade de se constituírem como ONGD privada até 1992, estas
associações trabalharam com base em encontros informais entre amigos nos quais se tentava
organizar planos para desenvolver o território.
A ONGD 3, por exemplo, nasceu em 1989, como organização regional feminista que
operava nos sete países da África Austral. Esta ONGD de Moçambique tinha uma ligação muito
estreita com o ensino superior, constituindo de facto um departamento na Universidade
Eduardo Mondlane. A estratégia adotada serviu para reduzir os constrangimentos na atuação
da organização, porque, como referido anteriormente, naquela altura o contexto político era
baseado num sistema monopartidário. Portanto,apenas durante o início da década de 2000,
devido a uma mudança nos objectivos dos doadores, esta ONGD regional se dividiu, e no que
se refere ao núcleo de Moçambique, tornou-se independente da Universidade Mondlane
adquirindo personalidade jurídica e reconhecimento oficial. Depois do registo como
associação, de acordo com a legislação moçambicana, constituiu os seus órgãos sociais em
Abril de 2003.
Para Tinie van Eys (2002:147), foram quatro os fatores que contribuíram para o
surgimento das ONGD nacionais em Moçambique:
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uma espécie de colete de salvação caso cesse a função pública do funcionário em questão. O
segundo objectivo, por sua vez, é o de estar presente nos debates conceptuais, ideológicos e
metodológicos que atravessam as ONGD, a fim não só de dominar o que acontece, mas
também para daí retirar conhecimentos e experiência úteis para a função pública que
exercem (Homerin 2005:55).
O problema é que a nível legislativo não existe uma infração do código e parece queo
princípio do conflito de interesses não seja um assunto abordado pela legislação
moçambicana. Isto significa que a nível oficial, esta conduta não é punível por lei.
Esta discussão necessitaria de um aprofundamento maior que arrastaria a discussão
para outros assuntos que por si, dariam campo a outra dissertação (eventualmente até a mais
do que uma).
O que aqui é importante é perceber o percurso oficial que uma ONGD tem de fazer para
ser regularizada em Moçambique, e relativamente uma ONGD tem de apresentar:
«- 10 Membros fundadores no mínimo
Cópia dos seus documentos de identidade e do registocriminal
Um exemplar dos estatutos
Autenticação dos referidos documentos e reconhecimento dasassinaturas em notário
Pedido de expedição de um certificado negativo pelo Ministério da Justiça indicando que o
nome escolhido para a associação ainda não está utilizado
Apresentação dos documentos e do certificado negativo para autorização do Ministro»
(Homerin 2005:27).
O processo não é complicado, mas infelizmente muito lento devido entre outros fatores
a dificuldades técnicas como por exemplo a falta, muitas vezes, de umsistema informatizado
fiável. Não sendo uma situação fácil de ultrapassar, acontece que muitas ONGD acabam por
trabalhar sem justificar a atividade. Isto porque, para que uma ONGD seja oficializada não é
necessária a publicação de estatutos, e sendo que a publicação é muito cara, é difícil
encontrar uma ONGD local que tenha um registo administrativo. Ademais, não existe nenhum
dispositivo de acompanhamento da evolução de uma ONGD, sendo portanto difícil perceber
quantas são atualmenteas ONGD locais efetivamente ativas no território.
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pelo regime socialista, que reconhece de ter necessidades de parceiros mas unicamente se
estes não puseram nada ou pouca coisa em causa.
Para alguns, existem efetivamente determinadas áreas que são de competência
unicamente do Estado e portanto vêem o envolvimento das ONGD nestes assuntos como uma
ingerência.
Quando se fala por exemplo de violência doméstica a relação com o Estado torna-se
muito complicada pois que o próprio Estado a justifica como aspetos culturais tradicionais
contra os quais não se pode andar (entrevista ONGD 3).
Em geral todavia a tendência das ONGD e Associações, no que respeita a esta matéria
da violência doméstica em concreto, a atitude aquando da nossa entrevista, foi a de evitarem
o assunto e contornar-lo, optando por falar dos seus outos projectos,dos resultados obtidos,
ou na melhor das hipóteses tratando o assunto em maneira vaga e geral.
Tinie van Eys (2002), analisando as ONGD em Moçambique afirma que os fundadores
das ONGD moçambicanas, pertencem geralmente à classe média da sociedade. São
estudantes universitários, técnicos de vários ramos ou funcionários deinstituições estatais, e
concentram-se nas zonas urbanas onde o estilo de vida é geralmente melhor (Tinie van Eys
2002: 149). Efectivamente a primeira OrganizaçãoNão Governamental que entrevistámos
(ONG 1), enquadra-se nestas linhas gerais:foi formada principalmente por intelectuais que
tinham estudado e lutado pela libertação do país, a sede da organização é em Maputo e,
apesar de alguns projetos terem sido desenvolvidos fora da capital, a maioria desenvolveu-se
em zonas centraise mais urbanizadas.
A ONGD 3, como vimos, apoiou-se na Universidade Mondlane e os seus operadores
eram professores universitários. Parece portanto que apenas uma parte da população
iluminada e com maior liberdade no campo político, conseguiu durante o período de política
absolutista manter uma certa liberdade de pensamento conseguindo construir ONGD não
oficiais.
Analisando as ONGD moçambicanas, a primeira característica que parece evidente é a
incapacidade de especificação das mesmas. (Van Eys 2002:150). Estas ONGD, desenvolvem
uma variedade de atividades, não se encontrando concentradas simplesmente num só
assunto. Após a guerra, como vimos, estas organizações envolveram-se na reabilitação das
infraestruturas sociais para se concentrarem mais tarde, como já referimos, nos projetos de
desenvolvimento em várias áreas, como o micro crédito, a alfabetização, a gestão dos
recursos naturais, etc. Parece ser difícil encontrar uma Organização Não Governamental que
se ocupe prevalentemente de uma só actividade. Terá isto a ver, como refere Hamerin
(2005:37), com o facto de:
A estrutura financeira de uma grande maioria das ONGD não assenta numa base estável
de fundos próprios ou de financiamentos regulares. Elas vivem na maioria das vezes dos
fundos concedidos dos doadores para projetos específicos […] as ONGD moçambicanas
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sofrem uma total dependência relativamente aos doadores. Essa situação induz alguns
comportamentos comercias da parte de alguma ONGD.
Os fundos vêm das agências internacionais e ONGD estrangeiras que têm as suas
próprias agendas e prioridades e que são frequentemente influenciadas por assuntos
sensíveis aos seus países de origem. E esse fato é um dado que merece a maior atenção (a
tratar eventualmente num estudo posterior).
Na verdade, em declaração à Newsweek Magazine, o ex-director da Oxfam chama isto
economia moral:
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«Call it the moral economy, if you like. There's a market for good works, and it's big business
» (Foroohar 2005).
Para que este mercado moral seja produtivo, as ONGD, através do anteriormente
chamado comportamento comercial e dos mesmos meios informativos, modificam a
realidade para torná-la mais apetecível, procurando conseguir a maioria de doações possível;
ou como diz Polman (2009:39)36 :
Le vittime sono universali e prive di tutto ciò che potrebbe respingere i donatori, come
convinzioni politiche e passati poco limpidi. […] per evitare che i donatori soffrano della
sindrome del deja vu, spesso gli operatori umanitari e i giornalisti tendono a calcare la mano.
As vítimas de um país do terceiro mundo são portanto pessoas “irreais” do ponto de
vista dos doadores, sem um passado e sem contradições, são identificadas apenas, como
populações com necessidade de receber socorros. As ONGD, claramente para não perderem
financiamentos, se não jogam diretamente, pelo menos não se retiram desta competição por
orçamentos.
Superando o facto de que existem situações de emergência humanitária, como a
eclosão de guerras, o princípio dos orçamentos é sempre o mesmo.
Sendo que as ONGD dependem das doações e sendo que as doações são voluntárias, o
jogo da solidariedade é facilmente compreendido. Pensando num exemplo a uma pequena
escala, o facto é que uma pessoa que tenha uma quantia de dinheiro para financiar uma boa
obra, claramente dará a sua parte onde considerar que possam existir mais necessidades.
Desta forma, quanto mais amplos os projetos, quer sejam eles mais necessários, ou em
maior número, maior orçamento é possível angariar. Temos de ter ainda emconta, que
as Organizações internacionais financiadoras de projetos são influenciadas pela opinião
pública, e esta é composta por todas as pessoas que querem fazer uma boa obra a favor dos
países em vias de desenvolvimento. Segundo Van Eys (2002:150): Os doadores dependem,
por sua vez, do seu público que deve ser convencido da necessidade de continuar a
disponibilizar, directamente ou através dos impostos, somas importantes para a ajuda ao
desenvolvimento.
Por este motivo, durante a entrevista com a ex-directora de uma das ONGD do nosso
estudo, à pergunta sobre os financiamentos, a uma resposta inicialmente muito vaga é
seguida uma explicação bastante simples: Existem diferentes fontes de orçamento para uma
ONGD. O dinheiro pode chegar do Estado, através de órgãos internacionais como o Banco
Mundial ou a União Europeia, secundariamente através doadores estrangeiros privados ou
através de Estados doadores.
Entrevista ONGD 1.
No caso desta ONGD, os financiamentos maiores provieram de uma organização
holandesa privada que, devido à notoriedade da associação e ao seu trabalho bem
desenvolvido no território moçambicano, deu praticamente carta-branca à ONGD,
permitindo-lhe desenvolver os seus projetos de modo independente.
No caso da ONGD 3, a relação com os financiadores parece ser mais complicada. Se num
primeiro momento os financiamentos provinham de uma única organização internacional, a
DANIDA37, posteriormente a mudança de objetivos da última, constringiu a ONGD 3 a
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desagregar-se de uma estrutura regional e a dividir-se pelos vários países nos quais operava
e portanto também a encontrar novos financiadores. Como foi afirmado durante a entrevista
isto não foi um facto totalmente negativo dado que manter uma relação de financiamento
apenas com um financiador pode ser muito limitativo e eventualmente arriscado.
O relacionamento entre as ONGD e os doadores como já vimos, acaba por ser uma
contratação contínua: por um lado as ONGD querem ter a sua independência e por outro os
financiadores querem monitorar os orçamentos. Os financiamentos nãocobrem totalmente
a despesa de um projeto, sendo que a ONGD tem de financiaruma parte, no caso de uma
das ONGD entrevistadas em Maputo, a percentagem é emtorno dos 20% a 25% o que não
deixa de ser substancial.
Danish International Development Agency. Uma ONGD que tem o papel de encontrar
financiamento para outras ONGD que se ocupam principalmente de direitos humanos.
Outro especto importante a ter em conta quando se fala de uma ONGD nacional
moçambicana é a tentativa por parte do Estado de criar uma rede de comunicação clara com
as várias ONGD locais no território. Um dos fóruns mais famosos é a LINK (Fórum das ONGD
do Moçambique). Este fórum foi oficialmente constituído em 1993, a pedido do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Norueguês para os
Refugiados, com o objetivo principal de ser uma task force para consultas regionais sobre os
refugiados e também para ser o ponto de encontro e referência das ONGD moçambicanas.
Inicialmente, a maioria das ONGD que participaram na LINK eram maioritariamente
estrangeiras, eram trinta e cinco (35) ONGD, contra a representação de apenas 7 locais.
O Fórum não foi interpretado como uma intromissão na vida das ONGD, pelocontrário,
como vimos, muitas ONGD estrangeiras estavam disponíveis para se constituir também um
suporte.
O primeiro projeto foi encorajar a cooperarão regional entre as ONGD que trabalhavam
com os moçambicanos refugiados nos países adjacentes e as ONGD que trabalham em
Moçambique. Este objetivo foi muito importante porque era:
«The first opportunity for LINK to present itself as a viable channel of information and
advocacy on NGO’s concerns» (Bennet 1995:78).
Desde o início, a LINK tentou uma clarificação entre as ONGD e as várias partes do
governo, incluindo a RENAMO e não excluiu parceiros estrangeiros como a ONU. Este foi um
factor muito importante porque permitiu à LINK ser uma voz autorizada durante o processo
de paz de1992.
Actualmente, a LINK congrega perto de 200 membros (Ngomane 2002), reagrupa
172 organizações nacionais e 51 internacionais, assim como uma dezena de
observadores, tais como agências nacionais de desenvolvimento, ONGD internacionais ou
agências da ONU (Homerin 2005:29).
Os seus maiores desafios são hoje o combate pela erradicação da pobreza; a luta contra
o VIH/SIDA; assegurar um melhor ambiente jurídico para a actividade das ONGD; a redução
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Pode discutir-se a partir daqui a possibilidade do fórum LINK não ser suficientemente
isento de modo a não permitir a ingerência do Estado.
Segundo Homerin (2005:29), globalmente estas redes são deficientes no seu papel de
coordenadores de acções coletivas, ou de plataforma de circulação de informação. Se por
vezes as redes desempenham o papel de “negociadores” na procura de financiamentos em
benefício de uma associação membro, as razões da escolha do projeto e/ou da ONGD que
suporta este último podem permanecer indefinidas. Mas a desconfiança das ONGD
moçambicanas entrevistadas não se limita a este fórum. Com efeito, foi confirmado, por parte
de algumas delas, um acontecimento que remonta a alguns anos atrás e que teve a ver com
um programa para financiar várias ONGD moçambicanas. Consta que, na altura, se criaram
algumas ONGD fictícias, onde nalgumas delas se envolveram indivíduos ligados ao Estado.
Estes testemunhos, levam a sublinhar a importância da falta de uma lei de conflito de
interesses.
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capacidades locais, como por exemplo as ONGD locais. Ademais, vista a incapacidade do
Estado de intervir no território e os reduzidos recursos, as ONGD estrangeiras viram-se, num
certo sentido, constrangidas a pedir um apoio privado para obter resultados satisfatórios.
Com efeito (…) «Nos anos 1989-90 as autoridades mostravam-se incapazes de coordenar e
supervisionar a execução dos projetos de ajuda, por falta dequalificação, meios e por vezes
vontade» (Armiño 1997:138).
Nesta altura, o peso social das medidas de reajustamento estrutural, a deterioração da
vida dos moçambicanos, a exiguidade dos recursos do Estado e a não motivação do sector
privado para investir em sectores não lucrativos, criaram ainda mais a necessidade para a
organização da sociedade civil. Este novo clima sociopolítico, aliado a experiencia negativas
de canalização de fundos através das estruturas governamentais fizeram surgir, entre
doadores e ONGDestrangeiras, o desejo de encontrar outros parceiros para a canalização
da ajuda epara o desenvolvimento de projetos e programas (Fumo 1995:58).
Perante este facto, as ONGD estrangeiras começaram a contratar pessoal moçambicano
para realização e acompanhamento de projetos, assumindo tarefas que anteriormente eram
dos funcionários públicos. Oficialmente esta situação era inaceitável, do que a nível legal era
proibido constituir associações privadas moçambicanas, mas no plano oficioso foi permitida
uma colaboração entre ONGD estrangeiras e pessoal moçambicano desde que fosse
tacitamente mantido o respeito pela legislação moçambicana.
Um dos exemplos desta atitude foi a substituição do apoio estatal no transporte de
produtos. A incapacidade pública foi tão forte que as ONGD se viram obrigadas a contactar
comerciantes privados para ganhar rapidez e diminuir as perdas (Armiño 1997:138).
As ONGD estrangeiras que operaram no território substituindo os canais oficiais,
permitiram o nascimento das ONGD locais apesar de estas serem reconhecidasoficialmente
apenas a partir de 1992, com a nova Constituição. No final dos anos 80, a situação económica
e, de seguida, a social começam a melhorar, devido também à adesão, em 1984, ao Banco
Mundial e ao Fundo Monetário Internacional.
Nesta altura, as ONGD de emergência são substituídas pelas de segunda geração, que
principalmente se ocupam da saúde e agricultura. Nestes anos foi assinado também o Acordo
de Paz entre a FRELIMO e a RENAMO, facto muito importante que permitiu a preparação de
uma nova Constituição, baseada, como vimos, nos conceitos de Estado democrático e
multipartidário. É portanto nesta altura que as ONGD nacionais são reconhecidas
oficialmente.
Com as eleições democráticas de 1994, iniciou-se a terceira fase, a fase do
desenvolvimento onde operaram as ONGD de terceira e quarta geração. É nesta altura que
a colaboração entre as duas tipologias de ONGD, estrangeiras e nacionais, é oficializada e
portanto mais produtiva. Segundo Kulipossa (1993) a presença das ONGD estrangeiras no
território moçambicanos foi justificada por motivos:
De ordem política e económica em Moçambique
De ordem política e económica nos países de proveniência destasorganizações
HumanitáriosReligiosos
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Como já foi mencionado, parece existir um interesse político e económico por detrás
das ONGD. Por um lado, o Estado moçambicano espera obter mais financiamentos e ajudas
internacionais mostrando, pelo menos oficialmente, uma abertura às ONGD internacionais.
Por outro lado, os doadores das ONGD internacionais têm uma linha política clara que muitas
vezes desemboca num paternalismo (Kulipossa 1993:33- 34).
Isto foi confirmado pela ONGD 2. Esta organização, falando da relação com o governo,
confirmou que as relações são muito complicadas. Geralmente, o governo tende a não se
intrometer e a manter indiferença, mas quando uma ONGD se demonstra perigosa, o Estado
torna-se restritivo, sobretudo com as ONGD locais. Tal significa concretamente para as ONGD
locais, corte no financiamento, obstrução, pressão psicológica e até física através de
complicações burocráticas, multas, etc.
No caso dos financiadores externos, é verdade que existem algumas linhas claras na
política de cooperação. Esta organização (ONGD 2), que é fundamentalmente financiada pela
UE, Ministério do Externo e NU, não tem uma grande dificuldade em entender as linhas de
pensamento destes financiadores dado que a nível macro as estratégias são claras.
É pois necessário um diálogo contínuo entre as ONGD e os financiadores, para tentar
obter um compromisso entre as expectativas das organizações supranacionais e as ONGD. O
diálogo existente traduz-se, muitas vezes, num jogo de forças onde a união de várias ONGD
é a única solução para obter vantagem. Deixamos este discurso aberto dado que um
aprofundamento, sem cair numa banalização, implicariatambém uma nova dissertação.
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Como já foi referido, os doadores são influenciados pela opinião pública e esta, por sua
vez, influência as ações com base nas informações obtidas através dos meios de comunicação.
Este mecanismo engloba o mundo das ONGD, internacionais e locais: quanto mais um projeto
resulta necessário e produtivo, mais financiamento obtém. Considera-se que estes aspetos
controversos relativamente às ONGD estrangeiras sãodevem a três causas principais:
A debilidade do Estado em África, neste caso em Moçambique, no pós-guerrae a
sua incapacidade de garantir serviços básicos;
As acusações de corrupção e ineficácia contra o Estado, que empurram as ONGD a
colaborarem mais no campo privado;
A atitude das ONGD de prestar contas às suas sedes centrais, aos governos doadores
e à opinião pública, sem contar diretamente com os governos dos países nos quais trabalham
(De Armiño 1997:136).
Em Moçambique, certas políticas de ajuda externa, tiveram como efeito não a criação
de uma rede de apoio paralela ao Estado, mas muitas vezes o enfraquecimento das próprias
estruturas nacionais.
Um outro aspeto controverso a considerar encontra-se naquilo a que poderíamos
chamar os relacionamentos ideológicos.
Quando uma ONGD estrangeira entra num território, leva consigo uma bagagem
cultural muito diferente. A diferença de idioma é apenas a ponta do icebergue, considerando-
se que a relação com as populações deve ser totalmente diferente.
Tomemos como exemplo, a conceção do tempo, do trabalho e mesmo das relações
interpessoais. As entrevistas que realizámos foram um exemplo flagrante desta diferença,
que notámos sobretudo em aspetos muito concretos, como as dificuldades de marcação
formal de entrevistas; os tempos de espera aquando da marcação das mesmas, etc. Naprática
revelaram-se sempre muito mais eficazes os contatos conseguidos em situações informais do
que os contatos que tentámos pela via formal.
Este discurso também é valido para argumentos mais importantes como, por exemplo,
a conceção do trabalho.
A ONG 2 confirmou:
Lo shock culturale è enorme, siamo proprio due culture diverse. Per esempio con gli
impegni lavorativi che non è quello europeo, la società mozambicana è virata su altrequestioni
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che non sono certo la realizzazione professionale o l’assiduità nel lavoro perché ci sono degli
obiettivi da raggiungere.47
Num discurso sobre desenvolvimento económico e social as ONGD estrangeiras não
podem partir do princípio que os códigos sociolinguísticos de uma outra cultura, sejam
idênticos aos seus de origem. Queremos com isto dizer que, no tocante, por exemplo, às
questões e representações, ou se quisermos, entendimentos locais, sobrea ideia de trabalho,
um campo em que notámos particulares diferenças, há que ter a consciência da necessidade
de um reposicionamento perspetivista. Sem isso a comunicação e o trabalho em si, podem
tornar-se questões difíceis, no sentido emque emissor e recetor, não conseguem comunicar.
O choque cultural pode ser enorme entre a cultura ocidental. Uma das organizações
que entrevistámos, reconheceu as dificuldades neste campo e a necessidade de se tera
sensibilidade para estabelecer um ponto de encontro/ comunicação entre ONGD estrangeiras
e as ONGD locais, quando as referências são tão diferentes. O modo de trabalhar é diferente;
os ocidentais têm comportamentos de trabalho estranho a muitos moçambicanos para quem
o trabalho não tem que ser sinónimo de realização profissional. Esta questão tem muitas
facetas interessantes que poderiam ser conteúdo para outra dissertação, não cabem contudo
na ambição da presente dissertação.
Interessante é ver como no decurso das últimas épocas as abordagens dos projectos
sociais mudaram de perspectiva, num confronto com a sociedade local.
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Interessante todavia seria pesquisar quanto este paradoxo possa influenciar cada projeto e
quanto uma ONGD se encontra disponível para deixar em total autonomia uma ONGD local.
Um argumento que merece ser aprofundado, na análise das ONGD estrangeiras, é a sua
relação com os governos, neste caso com o governo de Moçambique. Istoporque, além de
todas as consequências, até agora analisadas, sobre as intervenções externas, é de facto a
relação com o governo que determina de modo mais influente osucesso de uma operação
não-governamental.
Como vimos, foi durante o período de 1987-90 que o número de ONGD estrangeiras
aumentou vertiginosamente. Este aumento deveu-se à nova abertura política, onde parecia
ser o Estado a promover este fenómeno.
Podemos dizer que existe ainda nalgumas situações, segundo nos foi dado saber, por
meio das entrevistas realizadas, alguma desconfiança relativamente às ONGD estrangeiras,
que são vistas por muitos como uma ingerência ao aparelho social e, poroutros, como um
instrumento de atracão de dinheiro. Enquanto as ONGD trabalharem seguindo a linha do
poder político moçambicano, a relação funcionará, caso contrário, o Estado terá o poder de
fazer impedimento às ONGD. Isso foi confirmado por uma das ONGD entrevistadas:
A relação de parceira com o governo central não está muito aberta, governo central é
o coração da nação mas este não tem nada a ver com o governo do país. Aqui acontece que
o governo atento ao poder e as ONG tem que dizer sim, sim se querem ser registadas e
aprovada, ao contrário nos anos 80 as ONG faziam o que queriam, claramente a maioria das
ONG explicavam ao governos mas também os usos dos fundos e os seus resultados não eram
suficientemente comunicados, agora que trabalhamos nos distritos as pessoas há muita
mais abertura, são mais cocientes dos problemas do território e aceitam mais facilmente a
ajuda de uma ONG.
Com efeito, a nível legislativo, o Estado fixou os princípios que devem ser respeitados
na celebração de acordos com as ONGD. Estes princípios não podem ser objeto de negociação
entre o governo e as ONGD. Diz-nos Inácio (1995: 89) que:
A lei 8/91 das associações, diploma que a partir do seu artigo 11 trata das ONGD sob
a designação de associações de utilidade pública. O decreto procura definir melhor a
natureza, o posicionamento, as regras de funcionamento, as isenções e outros benefícios que
se julgam apropriados a sua condição de entidades humanitárias. As ONGD estrangeiras
podem ser autorizadas a prosseguir os seus fins no território nacional,desde que estas no
contrariem os princípios de ordem publica nacional o solicitem ao Governo, as citadas
declarações.
procedimentos, metodologias, etc., que deverão ser seguidos à risca pelo Terceiro Sector,
perdendo-se as grandes possibilidades de crescimento mútuo e interação democrática com a
sociedade.» (Teodosio 2002:247).
Esta situação foi-nos confirmada em todas as entrevistas. Se as ONGD nacionais se
referiram principalmente a uma terciarização, as ONGD estrangeiras fizeram um discurso
diferente. Relativamente às ONGD estrangeiras, o Estado interfere de modo forte, o que
significa que, por exemplo, as ONGD a cada dois anos têm de pedir uma autorização para
trabalhar, que pode não lhe ser concedida. Tal significa que, se uma ONGD não segue os
princípios políticos e sociais do Estado pode ser obrigada a sair do país. Oficialmente não
existe nada de punível, dado que tudo é concernente a uma falta de legalização. Esta situação
é conhecida na gíria por: 20-24, ou seja, 20 kg de bagagem e 24 horas para sair do país.
Bibliografia
Fevereiro de 2021
Tutor
178