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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Marcel Franco Lopes 1

Curitiba
2020

1
Nascido em 18 de novembro de 1987, em Curitiba. É casado, graduado
bacharel (2014) e licenciado (2018) em História pela Universidade Tuiuti do
Paraná. Autor do e-book: O plano imperfeito (2020).

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

LOPES, Marcel Franco. Árvore: uma


perspectiva historiográfica. Curitiba, 2020.
Pgs. 80.
1. Linha do tempo
2. Origem versus contextualização
3. Escola dos Annales
4. Aumento da produção historiográfica
5. Conclusão
6. Referências.

Agradeço à Deus, primeiramente, por cada momento e


pela capacidade de discernir e poder transformar
realidades. À minha família pelo apoio incondicional e
à minha esposa pelos conselhos e companheirismo de
sempre.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Sumário
Sobre o autor ..................................................................... 06
Apresentação ..................................................................... 07
1. Linha do tempo................................................................09
2. Origem versus contextualização ...................................... 36
3. Escola dos Annales .......................................................... 43
4. Aumento da produção historiográfica .............................. 63
5. Conclusão ......................................................................... 78
6. Referências ....................................................................... 79

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Sobre o autor

Marcel Franco Lopes

Nascido em 18 de novembro de 1987, em Curitiba. Formou-


se bacharel (2014) e licenciado (2018) em História pela
Universidade Tuiuti do Paraná. Produziu alguns artigos e iniciou
alguns livros sobre temáticas históricas: “A grande História- uma
análise historiográfica da história de cada um dos seres humanos”
(2018); “Ruptura (s): A História dos processos de transição ao
longo do tempo (sec. V ao XII; XIV ao XVI, até o sec. XXI)
(2019); “Historicizando: o ‘diagnóstico’ da compreensão do
contexto histórico” (2019); “Histórias: a multidisciplinaridade
do homem e o tempo” (2019), entre outros. E na área de
educação, o artigo: “A poesia de ‘Gabriela Mistral’ e a
pedagogia de Célestine Freinet” (2018).

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Apresentação
Na perspectiva pedagógica, o ensino de História costuma
ser esquematizado por uma linha do tempo. Embora apresente de
maneira adequada a disposição dos acontecimentos através da
linearidade, na perspectiva historiográfica no que tange ao
contexto factual, fica omissa. Nesse sentido, a árvore e sua ampla
relação com a terra, apresenta, mediante suas raízes, as múltiplas
facetas relacionadas ao contexto histórico.
De maneira semelhante, embora em consonância com a
linha do tempo, seu tronco apresenta a linearidade cronológica,
no que tange à disposição constante dos fatos como produtos e
fatores determinantes para novos fatos.
Suas ramificações superiores, os galhos, dizem respeito às
consequências dos eventos, também sob a ótica interdisciplinar
produto do movimento dos Annales, precisamente sua terceira
geração.
O papel do exercício do historiador também pode ser
explicado por essa analogia. Trata-se do fluxo de “mão dupla”
que contrapõem, mas não divergem, a cronologia da posição

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

empática, isto é, da postura de compreensão, do colocar-se no


lugar do outro, que o historiador precisa para não cometer
anacronismo.
Embora apresente uma perspectiva mais adequada à
metodologia historiográfica, a árvore deve estar limitada à
compreensão do historiador ou do acadêmico de história. Se
aplicada à escola, esta analogia complicará a compreensão dos
alunos, além de obstruir o fluxo multidisciplinar necessário para
o processo de educação escolar.
Portanto, esta obra está direcionada à historiadores,
bacharéis e licenciados e acadêmicos da área.
Mesmo assim, ainda não contempla a teoria definitiva,
tratando-se, portanto, de um esboço metodológico a fim de
melhorar as formas de compreender a complexidade histórica.

O autor.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

1. Linha do tempo
Por muitos anos ela tem representado a cronologia dos
eventos históricos que se deve compreender, a fim de que se
possa entender a história do mundo. No entanto, embora a
linearidade faça referência à continuidade dos eventos e do
próprio mecanismo da vida, não se pode considerar como
metodologia sólida no que tange à compreensão historiográfica.
Enquanto estava vigente o positivismo, no século XIX, o
objeto histórico era o próprio tempo, como se fosse o responsável
pelo que acontecia ao redor do mundo ao longo da história.
No entanto, alguns aspectos que, hoje, nos parecem
essenciais para compreendermos nossa própria história, ficavam
à mercê do esquecimento científico. Vale lembrar, nesse sentido,
que a história passou a ser considerada como ciência nesse
período, anteriormente, não se atribuía a credibilidade necessária
para estuda-la a fundo.
Mesmo assim, a linha do tempo foi empregada como
portadora da explicação mais científica a respeito de como se
deve compreender a história. Por outro lado, não entra no mérito

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da origem dos eventos, não contextualiza, como se deve, cada


fato.
Por muitos anos, em virtude da historiografia positivista,
restringiu-se à compreensão histórica ao passado. Basicamente,
uma maneira grosseira de compreendê-la. Até o século XIX, os
estudos historiográficos priorizavam a temporalidade como
característica fundamental para se compreender determinado
evento, uma espécie de “factualidade”.
Não se tinha como objetivo compreender as razões que
formaram os eventos históricos, estudava-se sempre
relacionando ao tempo histórico, como eventos isolados
cronologicamente. Nessa perspectiva, a linha do tempo traz a
vaga concepção brevemente mencionada no tópico anterior, isto
é, de que se trata de uma metodologia vaga para se compreender
o fato histórico em virtude de suas múltiplas características de
origem e “finalidade” presentes.
Mas, a partir da Escola dos Annales, na década de 1920,
passou-se a uma nova maneira de compreender a História.
Deixou-se a temporalidade enquanto “motor” responsável
pela compreensão, passou-se à compreensão da

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interdisciplinaridade e do homem, e não mais o tempo, enquanto


agente histórico.
Por essa razão, não se fala em “linearidade” histórica quanto
à origem ou finalidade dos eventos históricos. Por outro lado,
para se compreender a importância de cada evento, já incluso
seus subprodutos factuais, é preciso estar ciente da presença da
“linearidade” histórica. Cada momento é produto do passado,
mesmo que, aparentemente, nada tenha a ver com nossa
realidade, são, na verdade, fortes indicadores das constantes
transformações que sofremos na Contemporaneidade.
De maneira linear, compara-se a uma “corda” que, à medida
em que se passam os dias, mais tensionada fica, isto é, mais se
sente o impacto das escolhas que fazemos enquanto sociedade,
para impactar diretamente em um futuro próximo.
À medida em que se compreende o homem como agente
histórico, se passa a perceber que, conforme se passam as
décadas, mais influentes se tornam as decisões políticas tomadas
por pessoas que estão “infinitamente” distantes, mas próximas o
suficiente para transformar diretamente nossa própria realidade.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Portanto, a linearidade presente na linha do tempo deve ser


compreendida como um processo de continuidade, à medida em
que representa as influências diretas e abrangentes das escolhas
feitas ao longo do tempo.
A temporalidade empregada enquanto metodologia de
ensino: “Pré-História”, “História Antiga”, História Medieval”,
“História Moderna” e “História Contemporânea”, nada mais são
do que classificações didáticas para que se possa compreender as
transformações ao longo do tempo.
O estudo historiográfico hoje vai além da aplicação de uma
linha do tempo para compreender os fatos históricos e seus
contextos. Embora, já há algum tempo, a História deixou de ser
positivista, ou seja, de estar simplesmente vinculada à datação
cronológica, passando a estudar o antecedente dos fatos, hoje em
dia, tal estudo pode ser ainda mais aprofundado na medida em
que ,se levarmos em conta a área neurológica da medicina, e nela,
estudarmos a estrutura do sistema nervoso, é possível fazermos
uma analogia teórica com a própria estrutura dos fatos históricos,
além de podermos nos fundamentar na memória, já estudada por
nós, historiadores.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Assisto de maneira fidedigna o canal “History Channel” e seu


complementar “H2”, recentemente, vi um documentário
chamado “A Grande História” que traz uma noção, pelo menos
teórica, de que, na verdade, os acontecimentos históricos podem
ser distribuídos em uma imensa rede que se interliga, levando-se
em conta não só os fatos em si, mas suas consequências, da
mesma forma como o sistema nervoso humano funciona. Assim,
não seria mais plausível procurar entender a história de cada um,
antes de se construir uma história social?
É por meio da externalização do conhecimento que se faz
possível compreender o desenvolvimento da História desde os
primórdios. Cada um de nós traz consigo um “emaranhado” de
fatos que compõem nossa própria história. Nessa perspectiva, a
memória torna-se uma das principais ferramentas que auxiliam
na (re) construção dos fatos. Embora esteja sujeita ao
esquecimento, ela ainda traz da maneira mais próxima possível,
a releitura do fato.
Outro aspecto é que sempre se constrói uma análise pessoal,
particular e, por assim dizer, sempre passível de uma releitura,

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anulando, quase que por inteiro, rotulações de “errado” e “certo”.


A historiografia não trabalha com esse tipo de julgamento, uma
vez que é uma análise pessoal, e temporal, transformando-se ao
longo do tempo.
Mesmo assim, “A Grande História” procurou mostrar uma
leitura “comum” à todas as épocas da humanidade, tal como, por
exemplo, as de cunho político, cujo prevalecimento de uma
característica semelhante por um longo tempo pouco transformou
as características da sociedade.
A historiografia tradicionalmente passada para nós é a
europeia, ou seja, a dominante, a vencedora. Por isso mesmo, a
História será sempre permeada por uma análise sob determinado
aspecto e cuja mudança de ponto de vista, altera uma análise
teórica. Portanto, jamais se verá uma “história definitiva”,
enquanto houver, muitas vezes, interesse, ela estará sujeita à
reescrita.
Em relação à história de cada um de nós, a
interdisciplinaridade com o jornalismo, porque trata-se de um
conjunto de relatos que queremos “recuperar” no tempo, a
biografia dá conta não só de nos apresentar uma história pessoal,
mas o contexto histórico vivido pelo personagem histórico. Cada

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um de nós somos responsáveis pela construção da história, seja


da nossa própria, seja da humanidade. Mesmo que, em grande
parte dos fatos, não sejamos personagens influentes no seu curso,
somos contemporâneos a eles. Ou seja, sofremos, seja direta ou
indiretamente, suas consequências, por isso, é de relevada
importância que participemos, mesmo que seja como
conhecedores de suas repercussões, para que não fiquemos
alheios àquilo que nos permeia e nos direciona no modo de viver.
Nesse sentido, os fatos históricos em si, são complexas estruturas
históricas, cuja importância está assinalada em suas
consequências ao longo da História. São como os neurônios,
cujas diversas ligações, os canais transmissores dos impulsos
nervosos, são como o contexto histórico necessário para se
compreender os fatos.
Uma “rede” interligada

Esta análise proposta pela série “A Grande História” do canal


pago The History Channel pressupõe os acontecimentos
interligados por meio de uma imensa rede conectada a um ponto

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em comum sendo este, como não poderia ser diferente, um


aspecto essencialmente característico de nossa sociedade:
econômico, social, cultural, político, etnográfico, entre outros.
Por isso, temos sempre de ter o cuidado ao analisarmos as fontes,
porque elas sempre contemplam o ponto de vista daqueles que
estão contando a história, mas que, não é fundamentalmente, “os
donos da verdade”. Nesse sentido, esta rede interligada amplia-
se a cada dia em razão da diversidade de acontecimentos que, só
temos conhecimento, graças ao trabalho jornalístico e da
proliferação da internet enquanto rede de distribuição das
notícias a nível mundial. Mas, que apesar disso, sempre terá
aquilo que estará perdido ou esquecido, assim como o
esquecimento ao qual está sujeito a memória.
Assim, a memória, tal como acontece com algumas
transmissões que se perdem no sistema nervoso, falha nos
momentos de armazenar e relembrar os fatos, tais como
aconteceram. Isso se deve não só pela falha da memória, mas pela
impossibilidade de estarmos presentes em todos os fatos e pela
particularidade de nossas observações, tornando a (re) escrita da
História sempre necessária e a diversidade de temas cada vez
mais ampla. Por isso, tal analogia com o sistema nervoso é ainda

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mais adequada, uma vez que tal infinidade de temas são como as
infinitas ligações ocorridas no sistema nervoso. Essencialmente,
cada um de nós é incompreensível, por carregar em nossa
genética uma infinidade de combinações, possibilitando-nos não
só evoluirmos material e sociologicamente mas continuarmos
ainda mais ávidos pelo conhecimento, que se revela inesgotável.
Mesmo assim, é fundamental que se deixe a “linha do tempo”
como uma metodologia para trazer uma análise superficial. Pois,
a nível científico, é fundamental a compreensão da História como
ela realmente acontece, profunda e velozmente transformadora
de nossa realidade mundial.
Essa análise não se aplica somente ao sistema nervoso, mas à
fisiologia do ser humano, como um todo. Levando-se em
consideração cada tecido do corpo, compara-se à cada tema
histórico, ou seja, são pequenas ligações que são fundamentais
para se compreender a História como um todo.
A era digital na Pós-Modernidade
Vivemos, atualmente, na era pós-moderna, período pelo qual
passamos inúmeras transformações tecnológicas, de modo a,

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pelo menos teoricamente, depender e/ou escravizar a mão de obra


humana. Questões temporais, tais como a “noção de tempo”,
estão cada vez mais sujeitas à rapidez com que o tempo passa,
tendo a nítida sensação de que os dias estão cada vez mais curtos.
Embora isso não ocorra na prática, o volume de atividades
exercidas pela sociedade está cada vez mais acentuado, uma vez
isto acontecendo, a tendência é que nos tornemos escravos de
nossa própria rotina, motivados pela “positividade” dos
resultados, mais em quantidade do que em qualidade. Mas por
que? É possível enumerar duas grandes razões:
A primeira diz respeito ao barateamento da mão de obra,
necessária para que não se deixe de investir nas novas tecnologias
e no melhoramento da produção. Segundo é o barateamento do
material utilizado, isso já vem ocorrendo desde, pelo menos, os
anos 80. Por exemplo, a fabricação de veículos automotores
anteriormente, utilizava materiais mais resistentes, tais como
ferro, na confecção de sua lataria, motores menos potentes, mas
de maior durabilidade, ou seja, a manutenção era menos
necessária.
Outro exemplo está nos eletrodomésticos, também
anteriormente fabricados com a utilização de ferro e/ou

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derivados, para maior durabilidade, seja em relação ao uso, seja


em relação ao tempo. Mas a lei de produção e consumo em vigor,
exige que se aumente o volume produzido para saciar um
mercado cada vez mais em ascensão, para, entre outras coisas,
reduzir a desigualdade entre as classes. Por isso, investiu-se mais
em menor custo/benefício e mais produtos em menor tempo, para
conseguir sempre atingir e superar a meta, atingindo com
frequência, o excedente de produção. Isto ocorre porque, ao invés
de reaproximar as classes, economicamente falando, a pós-
modernidade salientou ainda mais as diferenças, uma vez que
estamos diante de um mercado de trabalho cada vez mais
afunilado, ou seja, menos vagas e mais qualificação profissional.
Desse processo, surge outro grande embaraço, e quanto aos
jovens que buscam o primeiro emprego? Em relação a esse
mercado, abriram-se cursos técnicos e profissionalizantes e
reduziu-se o investimento pessoal e profissional nas
universidades, novamente em razão do tempo. Àqueles,
preparam de maneira suficiente em bem menor tempo e, o que é
mais interessante para os jovens, custam bem menos,

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

dependendo do curso escolhido em comparação ao curso


universitário.
Acompanhando a essas transformações, as novas
tecnologias NTIC’S, proporcionam conforto e facilidade quando
se busca empregos nas diversas áreas, e também a nível
estudantil, com a diversidade de sites utilizados para pesquisa.
Além da internet, outros meios tecnológicos utilizados na
comunicação, como celulares, telefones fixos, entre outros,
também se modernizaram. Está no fluxo constante e inovador, o
fato de se inovar sem repetir investimentos passados, que a
Modernidade se torna sempre uma novidade e, por isso, adorada
e admirada, principalmente entre os mais jovens.
No entanto, ao mesmo tempo em que ela é encantadora, é
também destruidora. Pois, à medida em que a tecnologia
aproxima as pessoas, inovando a lista de contatos e, em alguns
casos, construindo famílias inspiradas à distância, antigas
tradições familiares, como “apresentar o (a) cônjuge aos pais dele
(a) antes do namoro e, estruturar-se devidamente antes do
casamento” estão cada vez mais rareando em nossa sociedade.
Mais uma vez, não se tem mais tempo para honrar tradições
culturais, é preciso remodelar os modos de se construir relações

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duradouras e “sadias”. Por isso, tradições como “batismo” e


“casamento” têm a tendência de serem influenciados em curto
prazo por esse “lapso” de transformação globalizado e
avassalador.

A interdisciplinaridade como tendência acadêmica


Embora seja uma metodologia recente, a interdisciplinaridade
contribuiu, consideravelmente, para a inovação científica. Em
relação à História, por exemplo, já não se produz historiografia
olhando-se apenas com “olhar histórico”.
Tal análise tem uma “multifacetada” conjuntura de análises
teóricas que, embora se divirjam da História enquanto área do
conhecimento, estão intimamente relacionadas, uma vez que seu
agente transformador é o mesmo, ou seja, o homem.
Deste modo, é cada vez mais corriqueira a produção de
análises historiográficas feitas por profissionais que não
estudaram História na universidade, mas não deixam de ser
profundamente apaixonados por ela. Não cabe enumerar, mesmo
que em poucos exemplos, os autores ou as obras que ilustram este
exemplo. Mesmo assim, é importante que estas visões de outras

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perspectivas dialoguem com a História para que a enriqueça


enquanto ciência produtora da compreensão das transformações
que causamos ao longo do tempo.
Embora cada vez mais comum, eis uma prática
estritamente “popular” no ambiente acadêmico, mas
disponibilizada para além deste meio na internet no Google, no
subitem de pesquisa Google scholar, devido à globalização
cibernética. Assim, a interdisciplinaridade é a perspectiva
transformadora tanto do conhecimento científico quanto de sua
difusão ao redor do mundo.
Portanto, não é a melhor maneira nos referirmos à esta
área do conhecimento no singular, mas no plural, “Histórias”,
pois, abrange em sua totalidade os objetivos de seus estudos, seus
olhares, suas metodologias e seu público-alvo.

Mas por que, nunca se falou em “Histórias” no ambiente


escolar?

No que diz respeito à escola, enquanto instituição


formadora de cidadãos e responsável pela alfabetização de
crianças e jovens da sociedade, o ensino da História sempre
privilegiou a versão da cultura predominante. É bem verdade que,
ao longo do tempo, os encontros, cruzamentos e choques

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culturais, foram em sua totalidade, tentativas, muitas vezes


planejadas, outras motivadas por ambições específicas, para uma
dominação cultural. Em grande parte das vezes, houve apenas a
proliferação da cultura vencedora, se quer absorvendo traços
culturais “básicos” da dominada. Em outros, houve uma
apropriação cultural, como na “descoberta” da América. Nesse
caso, a cultura dominante absorve algumas características
culturais da dominada, mas não deixa de impor-se culturalmente,
ou seja, sem que não force aos dominados absorver seus
costumes e esquecer seus costumes tradicionais. Muitas vezes, a
cultura dominada não tinha meios de difundir seus traços
culturais o que colaborou para sua rápida extinção. Outras, houve
uma limpeza cultural por meio da queima de seus registros e
contou-se que tal povo não tinha escrita.
Dessa maneira, a historiografia trabalhada no ensino
consolidou a visão europeia do processo de desenvolvimento
humano enquanto cultura dominante, embora não sem uso da
força. Assim, a verdadeira concepção, que deveria fazer menção
às várias histórias, relembrando a diversidade cultural existente

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

no mundo, é, tanto na prática, como na teoria, algo que não deve


acontecer tão logo.
Didaticamente falando, o fato de se ter “uma única”
versão para toda História do homem, permite uma melhor
compreensão dos fatos e suas consequências, no entanto, não dá
a capacidade para o jovem se interessar a ponto de querer saber
mais sobre o passado. Por isso, este é mais um motivo que torna,
do ponto de vista científico, a singularização histórica, algo
bastante equivocado.
No entanto, embora não se tenha rotulações de “certo” ou
“errado”, a própria historiografia se encarrega de mostrar que
suas análises se transformam com o passar do tempo, à medida
em que novas teorias, novos registros são encontrados, muitas
vezes, dando “brecha” para novos questionamentos e
“reviravoltas” naquilo em que já conhecíamos a respeito de nosso
passado.
Por essa razão, ao fazermos referência à “História”,
facilitamos a compreensão do aluno, pois, o objetivo das aulas
curriculares é a aprendizagem e, é pouco provável que sucessivos
questionamentos a respeito de um fato, tragam ao aluno,

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conhecimento o suficiente para não ter sua formação escolar


básica comprometida.

“Histórias” de cada um de nós


Indo no sentido contrário à historiografia, cada um de nós
é um emaranhado de acontecimentos. Nesse sentido, o
conhecimento das características de cada um de nós dificilmente
retrata, de fato, quem realmente somos. Ou seja, uma pessoa não
conhece outra pelo simples fato de conviver por anos, porque a
convivência se baseia em momentos e, estes, nada mais são do
que recortes temporais de um instante, mas que não condiz com
as características de personalidade de qualquer pessoa. Por isso,
nós sabemos da existência dos outros, mas não os conhecemos.
Ao longo do tempo, o homem evoluiu, adquirindo habilidades,
desenvolvendo novas características para se adaptar ao meio.
Deixou de ser caçador/coletor, influenciado pelas condições do
meio, para se tornar transformador do próprio meio. No entanto,
esta é uma posição perigosa, inclusive para si próprio. Pois, ao
mesmo tempo em que evoluiu biologicamente, adaptando-se ao

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

meio, perdeu de maneira significativa, a capacidade de viver em


grupo, de formar uma sociedade.
Ou seja, o quadro social, ao longo da História, apresenta
os dois extremos da situação econômica: o do proletário, que se
beneficia das benfeitorias de sua própria produção e o burguês,
trabalhador, que precisa se submeter, muitas vezes, a condições
bastante desleais para tentar sobreviver a essa “queda de braço”
social na qual já é considerado derrotado.
Hoje em dia há a classe média, que, do ponto de vista
social, ocupa uma posição de que esse cenário pode melhorar, ou
seja, que o burguês pode melhorar de vida. Mesmo assim,
sobretudo no Brasil, na menos dura das hipóteses, essa
“respirada” é, no máximo, momentânea.

Porém, esta análise social coletiva produzida não só pela


historiografia, precisa de um apoio antropológico, responsável
pelo estudo do homem, individualmente, para então compreender
sua posição social.
Como dito anteriormente, cada um de nós é uma
infinidade de histórias, sozinhos, já proporcionaríamos diversos
estudos. Por isso, a interdisciplinaridade é fundamental, para que
seja possível aprofundar, sem extrapolar, no estudo do homem,

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

enquanto indivíduo. Assim, a antropologia é a área do


conhecimento responsável pelo estudo do homem enquanto
indivíduo. Tomando como base a obra “Fundamentos de
Antropologia: um ideal de excelência humana” 2
escrita por
Ricardo Yepes Stork3 e Javier Aranguren Echevarría 4, é possível
aprofundar o conhecimento do homem, enquanto indivíduo, uma
vez que, a obra é um estudo bastante aprofundado sobre o
mesmo. Ela se divide em 17 capítulos 5, cada um dedicado a um
aspecto do ser humano. Mesmo que se trate de ideias base, o livro
traz um apanhado bastante interessante a respeito do estudo do

2
Publicada em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência, Raimundo
Lúlio.
3
Ver http://www.leonardopolo.net/docs/RYepesInmemoriam.pdf. Acesso em:
4
Javier Aranguren Echevarría (Madrid, 1969) es doctor en Filosofía y
profesor de Fundamentos de Antropología en la Universidad de Navarra.
Subdirector del Instituto de Antropología y Ética de esa misma Universidad.
http://www.compartelibros.com/autor/javier-aranguren-echevarria/1 acesso
em: 11/05/2017 às 8h42.
5
Além da introdução, o capítulo 1 “A vida sensível” com oito subcapítulos;
o capítulo 2 “O intelectual e o sentimental” com seis; o capítulo 3 “A
pessoa”com cinco; o seguinte com oito(...)” Ver: STORK, Ricardo Y;
ECHEVARRÍA, Javier A. 2005, pgs. 09-14.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

homem. Fazendo uma análise de alguns capítulos do livro, o


primeiro trabalha com os agentes que sensibilizam a vida, tais
como a semântica do que é “ser vivo”, o princípio intelectual da
conduta humana, o corpo enquanto sistema, conceitos de
dualismo e dualidade, o conceito de alma enquanto princípio vital
e de forma, a sensibilidade e suas funções, as de ordem apetitivas
e a origem do homem. Já no segundo, os autores trabalham os
lados intelectual e sentimental, subdivididos em: pensamento e
linguagem, características do pensamento, a vontade, emoções e
sentimentos, reflexões sobre os mesmos e a dinâmica afetiva e
harmonia psíquica. No terceiro, trabalha-se a questão da pessoa,
as marcas que a definem; a questão da intimidade, o interior; a
manifestação do corpo; o diálogo intersubjetivo; o dar e a
liberdade; a aparição de um problema; a pessoa como fim em si
mesma; a pessoa como fim em si mesma; o homem temporal; o
homem enquanto ser capaz de ser e ter e a natureza humana 6.
No seguinte, a técnica e o mundo humano. 7

6
Este subitem ainda se divide em quatro: a teologia natural; dificuldades do
conceito natureza humana; os fins da natureza humana e a natureza humana e
a ética. Idem.
7
Este estuda os instrumentos técnicos; o homem enquanto trabalhador e
produtor; o homem habitante; o lar enquanto primeira propriedade; a

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Mesmo assim, há muito ainda a ser estudado em relação


ao comportamento humano, por exemplo e, nesse sentido, a
interdisciplinaridade entre História, Antropologia e Psicologia
pode ser bastante positiva enquanto ferramenta de estudo para
compreender a questão comportamental do indivíduo ao longo da
História, para que se possa compreender “a origem” 8 das atitudes
que moldaram as sociedades e construíram a História. Embora
aprofundar-se no estudo individual, mas detalhado de cada
capítulo demande tempo, conhecimento aprofundado e, o mais
coerente, obras específicas que tratem a respeito das temáticas, é
de fundamental importância tanto para a ampliação do
conhecimento como para “conhecer-se melhor a si mesmo”. Por
isso, abrirei mão de um estudo aprofundado da obra, pois

tecnologia e o problema ecológico; a tecnocracia e valores ecológicos; a


benevolência como atitude diante da natureza e os seres vivos e o sentido das
coisas e sua negação. Entre outros, cuja objetividade é a mesma, aprofundar-
se no conhecimento do homem enquanto indivíduo. Idem.
8
Aqui, é possível resumir o sentido dessa palavra em uma “História do
pensamento humano”.

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Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

desviaria o foco principal do trabalho. Em relação à


historiografia, sua renovação a partir da contribuição dos
historiadores da Escola dos Annales, aproximou a positivista
essência da historiografia, ou seja, transformou a factualidade
histórica implantada até o século XIX, passando a analisar o
antecedente histórico, quais fatores contribuíram para o
desencadeamento dos fatos e, além disso, suas consequências, o
que tais fatos trouxeram como transformações. Basicamente, à
primeira vista, tem-se o fato histórico enquanto agente modelador
da história, o que, de fato, não é absurdo.

Esta transformação é a essência da própria História,


enquanto sucessão de fatos que tem uma sequência cronológica,
uma importância social (de qualquer ordem), isto é, que
transformem a realidade corrente inserindo novas características,
mesmo que sejam produto da “reciclagem” de antigas
características sociais.
A História, embora seja escrita a cada dia, não deixa de
ser, de certa maneira, uma reprodução de fatos passados, mesmo
que adaptados às características da sociedade atual. Um dos
exemplos clássicos desse processo é a guerra. Uma maneira de
expor sua forma de resolver conflitos sociais com interesse de, a

[ 29 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

qualquer custo, subjugar a cultura “oponente”, destruindo seu


padrão comportamental e a inserindo como reprodutora de sua
própria. Por isso, em boa parte das vezes, não há novidade, mas
reciclagem, readequação, e, na menos rígida das condutas,
reaproveitamento cultural.
Por isso, é possível dizer que, na verdade, a história se
repete, mas, levando sempre em consideração as características
de cada tempo. Nesse sentido, a especificidade do termo
cotidiano “momento” torna-se bastante enriquecedor, uma vez
que, está nele a fundamentação para compreender o ciclo linear
da História.
No entanto, embora a linearidade histórica seja verdade,
ela não é absoluta, uma vez que, as transformações mudam a
característica das sociedades ao longo do tempo, trazendo à tona
novas necessidades, novas dificuldades, novos modos de agir.
Mas, a importância do passado, onde fica? Segundo a crença
popular das culturas nativas, o que é feito no passado fica
lapidado no tempo como forma de servir de lição para as gerações
futuras. Por isso, o ensinamento entre elas se passava pela

[ 30 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

oralidade, a palavra falada tinha maior valor do que a escrita,


devido à posição hierárquica que os mais velhos ocupavam
dentro da sociedade. É em razão dessa linearidade que, a linha do
tempo, consolidou-se como metodologia de ensino de História
nas escolas.
No entanto, esta análise busca fundamentação científica,
por isso, a contraposição à utilização da tão usada linha do tempo,
ela traz uma análise bem “superficial”, de modo à apenas
apresentar os fatos aos estudantes, pouco explorando seus
contextos. Já a nova metodologia trazida à luz científica
“popular” pelo canal History Channel, apresenta análises mais
específicas, com maior teor filosófico, histórico e embasamento.
Reescrevendo a História
A historiografia passa por importantes transformações à
medida em que a História vem sendo reescrita. De qualquer
forma, eis um processo que demanda cuidadosa análise. Para
melhor compreender a relação entre a estrutura do sistema
nervoso e as diversas “ramificações “ que constroem o fato
histórico, é necessário se aprofundar na análise dos contextos,
não descartar teorias que se confrontem, ter uma atividade de
“detetive “, pois, como bem definiu o historiador Marc Bloch “o

[ 31 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

historiador é como o ogro da lenda, onde fareja carne humana


sabe que ali está sua caça.”. Por isso, a função do historiador é
reescrever a história, trabalhando com as pistas encontradas pelos
arqueólogos, sempre preparado para mudar a forma como
compreendemos nossa história. Diferente do detetive, o
historiador jamais resolverá as dúvidas deixadas pelos
acontecimentos esquecidos no tempo, como já dito
anteriormente, a memória, mesmo que seja uma ferramenta
valiosa, é falha e a análise é individual e jamais conterrânea à
época a qual pertence o fato.
O sistema nervoso funciona de forma semelhante, a transmissão
dos impulsos elétricos que constroem os pensamentos e
movimentam as ações, também podem estar sujeitas às falhas,
tais como as que acontecem com a memória. Dessa maneira, os
fatos históricos, tais como acontecem, estão sujeitos a se
perderem no tempo, ao não serem armazenados na memória. A
História é constantemente reescrita, à medida em que novas
evidências são descobertas e mudam tudo o que se sabia a
respeito do fato. Os homens são agentes da História, a constroem,

[ 32 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

participam e são influenciados por ela, são também vítimas das


consequências que as suas próprias ações provocam, seja
enquanto sociedade, seja enquanto indivíduo.
Reescrever a História a mantém pertencente ao próprio
homem, a mantém atualizada e nos ensina que nossas próprias
ações fazem nosso destino, somos nós mesmos que construímos
nosso passado, nosso presente e nosso futuro. O sistema nervoso
é fundamental não apenas por nos fornecer o raciocínio lógico,
mas por coordenar nossas operações motoras, nossas emoções e
nossos sentidos, sendo os principais responsáveis pela construção
de nossa história.
Ao longo da História, teorias evolucionistas, tais como a
de Charles Darwin, falam em espécies de primatas que
evoluíram, adquirindo qualidades biológicas, tais como a
habilidade de caçar e de montar o raciocínio lógico, até chegar à
nós, homo sapiens.
Essa multidisciplinariedade é fundamental
para compreendermos de maneira mais clara, como se
construiu a história do ser humano, a habilidade de se conviver
em sociedade, o nascimento do individualismo que, aliás, é
anterior à própria existência do homo sapiens, sapiens, uma vez

[ 33 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

que a sobrevivência diária exigia táticas de preservar a própria


vida, assim como acontece ainda hoje, de maneira ainda mais
clara na própria natureza.
Embora seja possível fazer uma análise bastante
aprofundada da história do indivíduo humano, é mais válido
estuda-lo enquanto sociedade, uma vez que viver em contato com
outros semelhantes, é uma das características que, no início, nos
possibilitou o desenvolvimento de grandes centros urbanos,
dando início ao florescimento de poderosas sociedades.
Viver em sociedade, garantiu ao homem o
desenvolvimento da preocupação com o próximo, com o que
mais tarde, ficou conhecido como trabalho em equipe. Por outro
lado, também desenvolveu a ambição pelo poder, pela riqueza,
uma vez que a divisão hierárquica da sociedade determinava
como seria a vida de cada um segundo a classe a qual seus pais e
antecessores pertenceram.
Assim, ao longo do tempo, houve o desenvolvimento de diversos
grupos étnicos consanguíneos, ou seja, com o mesmo tipo de
sangue, que prevaleceram enquanto dominantes diante de outros

[ 34 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

que lutavam por se estabelecer. Em cada região, houve


etnocentrismos que é o domínio de um povo sobre o outro, com
imposição cultural e esquecimento dos costumes “maternos”.
Está na vida em sociedade o surgimento, mesmo que não dos
conceitos, de popular, povo, entre outros, para se referir a um
grupo específico com os mesmos interesses.

[ 35 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

2. Origem versus contextualização


Trata-se da compreensão da história como um todo, ou seja,
desde o contexto histórico que possibilitou o “boom” até as
consequências que transformaram a realidade social no
transcorrer do tempo.

Quando se fala em “origem” dos acontecimentos, faz-se


referência aos elementos que, interligados ou transformados em
algo novo, impeliram as condições necessárias para que o fato
acontecesse. Embora essa linha de raciocínio possa transcorrer
uma volta ao positivismo histórico, em que se tem o tempo como
agente histórico, trata-se de explanar sobre as consequências das
ações humanas, normalmente de cunho social, mas pode se
relacionar ao pessoal também, que transformaram a sociedade
contemporânea.
Esta posição dialoga diretamente com as áreas médicas,
principalmente no que diz respeito à psicologia. Sabe-se, por
experiência ao longo da história, que determinadas medidas
extremas podem transformar o comportamento do indivíduo.
Nesse sentido, o extremismo apresenta-se como uma posição

[ 36 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

ideológica “dura”. Qualquer transformação demanda uma análise


detalhada, o que pode ser traduzido como conhecimento das
possíveis “sequelas” sociais decorrentes.
Por outro lado, os fatores externos como, pressão político-
partidária, tomada de decisões arriscadas, assumir riscos em
defesa de um possível avanço econômico, entre outros, podem
contribuir para tais medidas.
No que diz respeito às duas maiores forças extremistas do
século XX, nazismo e fascismo, em poucas palavras, é possível
encontrar alguns fatores-comuns à essa relação exposta acima.
Entre elas, na perspectiva nazista, por exemplo, a exaltação da
raça ariana, isto é, dos alemães puros, que descendem de outros
alemães, como raça superior, detentora dos privilégios
econômicos, políticos e sociais. Em contrapartida, os judeus que
foram renegados, impedidos, portanto, de se misturarem entre os
alemães, de alçarem perspectivas sociais mais favoráveis. No
fim, eles acabaram perseguidos, mortos e extintos da sociedade
alemã da metade do século XX, no contexto da Segunda Grande
Guerra.
No que tange ao fascismo, medidas políticas extremas como
assumir o controle político da Europa, espalhando o fascismo

[ 37 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

como regime de governo, exaltando a raça italiana perante o


indivíduo e governado pelo ditador Benito Mussolini, são as
principais características.
Por esses dois exemplos é possível compreender, mediante
seus desfechos históricos, que foram medidas que, embora
pudessem beneficiar um grupo, exaltando o sentimento de nação,
de união e parceria, renegava, denegria, humilhava e assassinava
brutalmente o direito básico de convivência entre os povos,
sobretudo porque não faziam parte de sua cultura, desde o
nascimento. Em outras palavras, foram duas medidas extremas
que repudiavam toda e qualquer forma de assimilação cultural,
mesmo que eles continuassem como dominantes. Trazendo para
o contexto atual, é basicamente um repúdio às práticas
intercambiais independente da finalidade.
Embora constem como contrapontos no título, origem e
consequências não são, necessariamente, opostos, mas
complementares. Mais uma vez, apoio-me na ideia transmitida
pela linearidade presente na linha do tempo, uma vez que
emprega o conceito de continuidade, eventos que estão

[ 38 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

diretamente relacionados entre si e que não só podem, como


sofrem as influências positivas e negativas decorrentes das ações
humanas.
A História precisa ser compreendida como um todo, mas, não
necessariamente, com o intuito de esgotá-la. Pelo contrário, a
compreensão de todo processo histórico ao invés da análise
exclusivamente factual, possibilita a compreensão do porque o
homem é o agente histórico, e não o tempo.
A linearidade proposta pela linha do tempo precisa ser
aperfeiçoada metodologicamente, de modo a conseguir
representar as múltiplas conexões científicas presentes no campo
histórico. Todas as áreas que são objeto de atividade humana são
instrumentos de análise históricos, uma vez que, constam como
produto de nossa intervenção.
Dessa forma, estende-se, para muito além do passado ou do
presente, ou até do futuro, especificamente, o recorte temporal de
nossa análise. É preciso construir uma ligação, uma relação direta
entre aquilo que aconteceu no passado, incluindo-se, obviamente,
seu pretexto, com os efeitos no presente e, somente com base
nestes, projetar possíveis efeitos no futuro. Isso não significa, no
entanto, que somos profetas.

[ 39 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Nossa análise precisa ser saudável, e assim será, somente se


tiver fundamentação científica, por isso, a linearidade de nossa
argumentação precisa estar bem construída ou nós mesmos
acabamos por desconstruir nossas teorias.
Constantemente se reescreve a história à medida em que
novas teorias que, comprovadas por achados arqueológicos,
refutam e renovam o conhecimento histórico, transmitem novos
conhecimentos.
Em síntese, portanto, a metodologia deve ser linear,
embasada cientificamente, mas o campo de estudo não precisa
estar limitado ao campo histórico.
Como veremos no próximo tópico, a Escola dos Annales
(1929-89) trouxe importante renovação historiográfica,
constituindo, sobretudo, uma ruptura na historiografia
positivista, até então, corrente, desde o século XIX.

“Extrapolou-se” o campo de atuação do historiador a partir


dos Annales, mediante a interdisciplinaridade com outras áreas
do conhecimento como: a Filosofia, a Sociologia, a Geografia, a
Química e a Biologia, por exemplo. Novas ramificações desse

[ 40 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

diálogo surgiram como, a Geo-história, a Paleontologia, a


Antropologia e a Arqueologia, entre outras.
Mediante a contribuição desta, por exemplo, foi possível
aprofundar os conhecimentos da Era pré-histórica (anterior ao
surgimento da escrita), por exemplo, uma vez que os achados
arqueológicos ajudam a contar a história dos antepassados que
habitaram a região.
A linha do tempo traz uma noção metodológica no sentido de
que, ao empregar a linearidade, demonstra a homogeneidade no
contexto, necessária para caracterizar a História enquanto
ciência.
A árvore diz respeito à origem dos vários aspectos
característicos das ciências humanas, ou seja, a
interdisciplinaridade.
Este dualismo deve ser compreendido como os dois aspectos
essenciais na compreensão da teoria da História. Em
contrapartida ao positivismo histórico, a partir do momento em
que se caracteriza a ciência histórica, tem-se a renovação de sua
metodologia, não mais centralizando no tempo como “motor”
dos acontecimentos históricos, mas no homem.

[ 41 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Além disso, tem-se a abrangência da compreensão histórica


como resultado, não mais cabendo a uma “História pura” a
salvaguarda do estudo dos eventos cronológicos.
A ampla gama de novas abordagens advindas dessa
renovação historiográfica, será melhor abordada no tópico
seguinte desse livro, A Escola dos Annales (1929-1989).

[ 42 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

3. A Escola dos Annales


Em sua primeira fase (1920-1945) a Escola dos Annales
apresentou-se como um movimento radical, pequeno e
subversivo, consistindo em uma guerra contra a historiografia
tradicional, a história política e a história dos eventos. Após a
Segunda Grande Guerra, inicia-se a segunda fase do movimento
em que os rebeldes transformaram-no em uma “escola” 8
,
aplicando novos conceitos, principalmente na estrutura e
conjuntura e novos métodos10, tendo o historiador Fernand
Braudel como principal articulador teórico.
Na terceira fase, os Annales recebem características de uma
identificação mais plural, a interdisciplinaridade, na qual
destacam-se vários pesquisadores, entre os quais: Jacques Le
Goff e Pierre Nora.
Na quarta fase, desenvolve-se uma História Cultural,
representada por nomes como Georges Duby e Jacques Revel.
Mas o legado deixado pelos Annales é enorme. Entre as
principais modificações estão: a apresentação de ritmos
diferentes para os acontecimentos, os estruturais e os

8
Idem. 10 (...especialmente a “história serial” das mudanças na longa duração).
Ibid, p. 11.

[ 43 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

conjunturais; a promoção da interdisciplinaridade, uma vez que


não se considera a História apenas como uma sequência de fatos,
outras fontes foram adotadas, como as arqueológicas. Em
semelhante caminho, no aspecto acadêmico, incorporaram-se
aspectos econômicos, sociais e psicológicos de mentalidades,
aproximando-a às Ciências Sociais, sobretudo à Sociologia.
Eis uma característica que continua em franca ascensão. Hoje
em dia, nota-se a interdisciplinaridade com várias outras áreas do
conhecimento, como, por exemplo, as Engenharias, a Biologia, a
Geografia, a Medicina.
Uma vez que o conhecimento que molda nossa sociedade é
um processo histórico e social de formação e afirmação do
homem enquanto espécie predominante na natureza, o estudo de
outras áreas do conhecimento é possível sobre a ótica dos
historiadores. Esta interdisciplinaridade vem no sentido de que se
possa compreender o desenvolvimento das capacidades
científicas como meio de afirmação e continuar se
desenvolvendo.

[ 44 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A própria “noção” de tempo passou pela transformação dos


Annales. É de praxe no ensino escolar, o uso da linha do tempo
como metodologia para aferir a História enquanto processo linear
e contínuo da história humana. Mesmo assim, desconsidera as
múltiplas facetas que podem ser encontradas à medida em que
nos aprofundamos na compreensão das características
específicas de cada sociedade.
É comum associar o estudo da História às sociedades, isto é,
o processo histórico restrito às características de determinada
sociedade, levando-se em conta suas divisões hierárquicas,
organização política, econômica e cultural.
Restrito, em grande parte, à Antropologia, a compreensão do
indivíduo é tão essencial para se compreender a História humana
como se compreender as diversas sociedades. Estas são produto
da interação daquele com outros, seja por afinidade cultural,
parentesco, seja por subjugação. O fato é que acrescenta ainda
mais conteúdo e aumento da necessidade de se compreender o
indivíduo, para se compreender a sociedade. Novamente, a
heterogeneidade, assim como a presente nas áreas do
conhecimento, se apresenta “volátil” em cada indivíduo.

[ 45 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Por isso, não se tem objetivo o esgotamento, mediante o


encontro com a “real” história da humanidade. Nota-se, portanto,
que é um conceito subjetivo, assim como a própria designação
“história”, uma vez que desconsidera as variações específicas de
cada indivíduo, grupo familiar ou sociedade, para se tentar
“amarrar” a uma versão definitiva.
A Escola dos Annales inovou o olhar histórico e a
metodologia de se fazer historiografia. A descentralização do
tempo enquanto fator responsável pela ocorrência dos fatos foi
fundamental para que se pudesse compreender a História.
A exploração factual para além do fato em si, compreendendo
seu ambiente, as características, as necessidades e demais fatores
que catalisaram sua ocorrência trouxe uma significativa análise
de que há dinamismo na história e que os reais objetos de estudo
são o próprio homem, suas atitudes ao longo do tempo.
Nota-se, portanto, que o tempo é apenas um demarcador
cronológico que embasa temporalmente a ocorrência das
transformações sociais, econômicas, culturais, tornando possível
a análise de suas influências.

[ 46 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Portanto, a Escola dos Annales assemelha-se a um manual


contemporâneo de como compreender, estudar, construir e
analisar a História enquanto conjunto de processos de vários
aspectos pertinentes ao nosso tempo. Permite também analisar os
fatos passados sem que se transforme suas condições temporais,
sem suposições, busca por (e se houvesse…), a História não
trabalha com suposição, como todas as outras ciências, ela é
construída com fatos e argumentos pertinentes à teorias e análises
fundamentadas em estudos contemporâneos ao evento estudado.
A Primeira fase: Marc Bloch e Lucien Febvre
Os historiadores fundadores do movimento, em 1929, Marc
Bloch e Lucien Febvre, fundaram uma revista Annales d’Histoire
Économique et Sociale na França, cuja proposta inicial era
superar a visão positivista da escrita da História, que vinha
dominando desde o final do século XIX ao início do XX. 9
Conforme a visão positivista, a História era relatada como uma
crônica ou até mesmo um diário pessoal, análises de curta
duração. Por positivismo histórico, compreende-se:

9
Idem.

[ 47 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

“(...)um tipo de visão do trabalho do historiador típico de uma


corrente histórica também francesa, dominante no século XIX.
Essa corrente entendia que ao historiador bastava expor as fontes
escritas, sem necessidade de interrogar os documentos, de
interpretá-los nas entrelinhas e de confrontá-los com outras fontes,
como vestígios materiais arqueológicos etc. O modo de abordagem
dos “annales”, ao contrário, passou a valorizar essas outras fontes,
além dos documentos escritos.”10

O novo modelo, portanto, vinha substituir por uma análise


de longa-duração (incluindo o contexto histórico) de modo que
fosse possível compreender melhor as civilizações e suas
maneiras de pensar.
Com uma metodologia muito mais rica, embasada, derruba a
antiga prática, apresentando novos e essenciais elementos para a
compreensão das sociedades.
Entre as modificações estão: “o tempo histórico apresenta
ritmos diferentes para os acontecimentos, os quais podem ser de

10
Disponível em:
https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/escolados-annales.htm acesso
02/07/2019.

[ 48 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

simples acontecimento, conjuntural ou estrutural. A obra de


Fernand Braudel, O Mediterrâneo, foi o grande símbolo da nova
concepção apresentada. Ao considerar a História não mais apenas
como uma sequência de acontecimentos, outros tipos de fontes,
como arqueológicas, foram adotadas para as pesquisas. Da
mesma forma, foram incorporados os domínios dos fatores
econômicos, da organização social e da psicologia das
mentalidades. Com todo esse enriquecimento, a outra grande
novidade da Escola dos Annales foi a promoção da
interdisciplinaridade que aproximou a História das demais
Ciências Sociais, sobretudo, da Sociologia. ” 11

Marc Bloch14

Foi um dos fundadores, ao lado de Lucien Febvre, da


revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, em 1929,
como referência para o desenvolvimento de novas Histórias
e novas mentalidades.
Apesar de dividir, durante parte de sua vida, sua carreira
como historiador com a de militar, tendo participado das duas
Grandes Guerras do século, Bloch conseguiu desenvolver

11
Ibidem.

[ 49 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

uma importante produção historiográfica para transformar o


modo de fazer História.
14
“Marc Bloch foi um renomado historiador francês que se destacou por ser
um dos fundadores da Escola dos Annales.
Nascido no dia 6 de julho de 1886, na cidade de Lyon, França, o judeu Marc
Léopold Benjamim Bloch era filho do Professor de História Antiga Gustave
Bloch.(...) Foi depois da Primeira Guerra Mundial que Marc Bloch começou
a desenvolver efetivamente sua carreira. Quando ingressou na Universidade
de Estrasburgo, conheceu Lucien Febvre, um colega com o qual conviveria
e juntos marcariam profundamente a historiografia. Os dois fundaram, em
1929, a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, que é um
referencial de influência para muitos Historiadores até hoje e foi fundamental
para o desenvolvimento das chamadas Nova História e História das
Mentalidades. Na década de 1930, Marc Bloch ocupou a cadeira de História
Economica na Sorbonne e a revista alcançou sucesso mundial, refletindo na
formação da chamada Escola dos Annales.” Disponível em:
https://www.infoescola.com/biografias/marc-bloch/ acesso em 03/07/2019.
Considerado por muitos, como o maior medievalista e
historiador de maior referência do século, sua revolucionária
metodologia historiográfica ampliou sua importância para a
historiografia contemporânea. Entre as muitas obras que
escreveu, analisarei uma que foi publicada postumamente,
Apologia da História (1949), de grande contribuição e
referência para historiadores e acadêmicos da área.

[ 50 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Apologia da História ou o Ofício do Historiador (1949)


Apologia da História ou o Ofício do Historiador é uma das
obras mais completas a respeito da metodologia historiográfica,
de “como se faz historiografia”. Uma das maiores referências da
academia, esta obra ensina, basicamente, o “passo a passo” da
pesquisa, desde a classificação das fontes 12 até a importância do
estudo histórico para as sociedades, algo muito além de se
“limitar ao passado”.

Inclusive, um dos conceitos mais presentes na obra é


resultado da proposta de Bloch e Febvre na fundação da Escola
dos Annales. Trata-se do real objetivo de se estudar História:
“(...) a história é uma arte, a história é literatura. Frisa: a história é
uma ciência, mas uma ciência que tem como uma de suas
características, o que pode significar sua fraqueza mas também sua
virtude, ser poética, pois não pode ser reduzida a abstrações, a leis,
a estruturas.”13

12
Estas podem ser primárias ou não. As primárias, são as consideradas
contemporâneas ao fato, se for objeto, por exemplo, teria pertencido a quem
sobre se está escrevendo as memórias; As outras, são registros derivados de
pesquisas já existentes a respeito do assunto. Atualmente, constituem
inúmeras, desde eletrônicas até livros já presentes no mercado.
13
Disponível em:
http://gephisnop.weebly.com/uploads/2/3/9/6/23969914/apologia_da_histria
. pdf acesso em: 04/07/2019.

[ 51 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A história é uma ciência que estuda as relações do homem no


tempo. Por isso, assimila profundamente a interdisciplinaridade
com outras áreas do conhecimento, especialmente com as
“coirmãs”, Antropologia, Filosofia e Sociologia.

Nesse sentido, a transição do objeto de estudo da História


que, durante o século XIX, até o início do XX, foi o tempo, numa
tentativa de “cravar” as ações do homem a uma data específica,
caíram em desuso.
A partir dos Annales, passou-se ao questionamento, ao
diálogo com as fontes, à resposta de problemáticas,
cumprimento de objetivos e, principalmente, a profusão da
interdisciplinaridade para além das ciências humanas.
A ciência, enquanto produto da evolução do
conhecimento científico ao longo do tempo, é produto do
pensamento humano. Uma vez que é o homem, o objeto de
estudo da História, amplia-se a noção semântica da mesma
sobre as sociedades. Não se trata de fixar a uma tarefa

[ 52 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

específica o estudo historiográfico, uma vez que, é inviável


toda e qualquer tentativa de esgotá-lo.
Compara-se o estudo da História à construção de uma
casa em solo arenoso, cuja ação do tempo torna necessária as
ações de manutenção da mesma, de modo a preservá-la.
Nesse sentido, o historiador não cria, não parte dele a
existência de determinado fato, mas, nem por isso, reduz-se à
mero reprodutor de observações previamente estabelecidas.
Trata-se de um exercício de constante interpretação, instável,
cujas ações do espaço/tempo credenciam-no a interpretar e
renovar a história conhecida com base nos dados, agora,
confirmados. “O bom historiador se parece com o ogro da
lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua
caça.".”14
Bloch delimita, especificamente, o que se considera como
História, e, consequentemente, seu objeto de estudo, o
homem e suas relações no tempo.
Embora não tenha exercido seu ofício como gostaria, uma
vez que serviu ao exército francês nas duas Grandes Guerras,

14
Idem.

[ 53 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Bloch concentrou seu legado historiográfico no período entre


guerras, principalmente a partir da criação da Escola dos
Annales.

[ 54 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Lucien Febvre15
Destacou-se, assim como Marc Bloch, na revolução
historiográfica a partir da criação do movimento Escola dos
Annales, embora a pareceria tenha durado pouco tempo. No
período entre 1944-46, dirigiu a revista sozinho, transmitindo o
cargo para seu discípulo, Fernand Braudel. No ano seguinte,
Febvre fundou a VI Seção da École Pratique des Hautes Études
de onde se originou a EHESS 16 . Escreveu as obras: Martinho
Lutero, um destino (1928); O Problema da Incredulidade no
século XVI; A Religião de Rabelais (1942); Combates pela
História (1953);

15
Lucien Febvre nasceu em 1878, em Nancy. Estudou na École Normale
Supérieure, onde se formou em história e geografia. Em 1911, doutorou-se
com a tese Philippe II et la Franche-Comté: étude d"histoire politique,
religieuse et sociale. Oito anos mais tarde, tornou-se professor de história
moderna na Universidade de Estrasburgo (França). Publicou então La Terre
et l"évolution humaine (1922) e Martinho Lutero, um destino (1928). Em
1929, junto ao historiador Marc Bloch (1886-1944), fundou a revista Annales
d"histoire économique et sociale, que deu origem à corrente historiográfica
conhecida como Escola dos Annales. Febvre dirigiu a revista até sua morte,
em 1956. Algumas de suas principais obras traduzidas para o português são O
problema da incredulidade no século XVI (1942) e Combates pela
história(1952). Disponível em:
http://www.editora3estrelas.folha.uol.com.br/autores/7139lucienfebvre.shtm
l acesso em: 04/07/2019.
16
Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais, criada em 1975. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lucien_Febvre acesso em: 04/07/2019.

[ 55 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A Europa: Gênese de Uma Civilização; O Reno: Histórias,


Mitos e Realidades; Honra e Pátria e O Aparecimento do Livro. 17
O problema da Incredulidade no século XVI (1942)
Segundo as historiadoras Lucineide Demori Santos 18 e
Solange Ramos de Andrade19, esta obra:
“O Problema da Incredulidade no Século XVI em 1942, e partiu da
crítica feita a Abel Lefranc que ao introduzir seus estudos sobre o
literato François Rabelais o aponta como um ateu já no século XVI,
conforme a apresentação de Hilário Franco Jr. à edição brasileira
(FRANCO JR, 2009, p. 10)20

Assim, segundo elas, Febvre:


“(...) critica o conceito de incredulidade aplicado para o século XVI,
critica o anacronismo na História e expõe o método com o qual
trabalha, evidenciando a concepção de mentalidades expressa pelas
categorias religiosas e culturais produzidas pela sociedade”.
(DOSSE, 1992, p. 84-87)21

17
Idem.
18
DHI/LERR/PIBIC-FA–UEM. Disponível em:
http://www.erh2014.pr.anpuh.org/anais/2014/44.pdf acesso em: 04/07/2019.
19
DHI/PPH/ LERR –UEM. Idem.
20
Apud. FRANCO JR, 2009, p. 10. Idem.
21
Idem.

[ 56 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Para o historiador Hilário Franco Jr, citado no mesmo


artigo:
“(...) a história das idéias deve estar articulada a história social, e é
preciso levar em conta as condições da produção das idéias e as
modalidades de sua difusão e recepção. ” (FRANCO JR, 2009, p.
10)22

Trata-se de uma discussão à respeito das ideias do


historiador Abel Lefranc, adepto a uma “fé racionalista”,
ateu, em outras palavras. 23

Na obra, Febvre se apoia na teoria de Lefranc para


questionar a fé na perspectiva de um homem, Rabelais25, que
após abandonar o sacerdócio em 1530, dedicou-se à
medicina. Possuía uma mente aberta à novos conhecimentos,

22
Idem.
23
FEBVRE, Lucien. Apud. PROENÇA, Paulo Sérgio de. 2018, p.1. 25
“Nasceu provavelmente em 1483 em Chinon (França); morreu em 1553,
em Paris. É conhecido também por “Alcofribas Nasier”, anagrama de seu
nome. Os detalhes da vida de Rabelais não são muitos. Sabemos que foi
sacerdote, primeiro franciscano e depois beneditino, embora de pouco
convicta vocação. Como padre, viaja pelo interior da França e entra em
contato com as lendas e os costumes que influenciariam sua obra. Deixa a
vida religiosa em 1530 para estudar medicina em Montpellier. ” FEBVRE,
Lucien. 2009, p. 2.

[ 57 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

característica, aliás, bastante incomum àquela época,


causando alvoroço entre os intelectuais:
“Como escritor, provoca escândalo entre os intelectuais e teólogos
da época. Os heróis Pantagruel e seu pai Gargantua são gigantes de
apetite imenso. Rabelais descreve com detalhes o exercício das
funções fisiológicas naturais de seus personagens, pelo que é
considerado obsceno.”24

Ao analisarmos esta citação, o uso dos conhecimentos


medicinais para colocações detalhistas para os intelectuais de seu
tempo, coloca Rabelais em situação delicada.
Em resumo, ele foi um crítico da realidade social de seu
tempo. Sem se opor ao Evangelho, estimulou o livre pensamento
social, separando as pessoas da superstição. Para os católicos,
representou uma atitude herética, para os evangélicos, radical em
excesso.
Mesmo assim, sua obra teve merecido reconhecimento
póstumo. Trata-se, portanto, de uma síntese das manifestações

24 27
Ibid. p. 3. Ibid.
p. 5.

[ 58 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

religiosas inerentes ao homem medieval, cujo gigantismo de seus


personagens literários pode ser considerado representação.
Retomando a análise sobre a historiografia de Febvre, sua
obra representa o exercício interdisciplinar entre psicologia
coletiva e razão individual. 25
Embora se concentre na realidade de Rabelais, um homem do
século XVI, o objeto de estudo de Febvre é a psicologia coletiva,
uma vez que, através de sua obra, buscava-se compreender a
realidade daquele tempo.

Questiona-se a atribuição do conceito de “ateu”, atribuído à


Rabelais, uma vez que, naquele século XVI, não existia tal
conceito tal como é concebido atualmente. Em 1532, foi
considerado como um estimulador de heresias reformadas.
Embora, mediante a personalidade de seus gigantes, Rabelais
apresentava mais uma fé direcionada a uma religião erasmiana,
tal como um “filósofo de Cristo”27, em que se professava valores
mais humanistas: amor, alegria, bondade, paciência, fé e
modéstia, em corroboração à aceitação da “verdadeira fé”.

25
Idem.

[ 59 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Dessa maneira, Febvre trabalha dialogando com outras áreas


do conhecimento, uma vez que, tenta compreender, sob a
perspectiva da nova historiografia, as transformações ocorridas
no século XVI.
Diante da realidade daquele tempo, um período de transição
para a Idade Moderna, era pouco provável que o europeu do oeste
do continente, sucumbisse ao questionamento de sua própria fé.
Afinal, ela estava presente em todos os aspectos de sua vida,
desde as questões econômicas, pessoais, sociais, políticas, até
culturais, uma vez que era a religião que direcionava suas
escolhas.
Antes da Reforma Luterana, ocorrida por volta dessa época,
o europeu não questionava sua religiosidade, agia conforme
direcionamento espiritual, Deus interagia constantemente com
ele. Foi em nome Dele que, essencialmente, o europeu decidiu
por atravessar o “mar desconhecido” 26
para propagar a
verdadeira fé para além do velho mundo.

26
Atual Oceano Atlântico.

[ 60 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A obra de Febvre, essencialmente, trabalha com um princípio


de interdisciplinaridade, característica que será proposta na fase
seguinte dos Annales, uma vez que, através da religiosidade,
busca compreender a realidade do homem do século XVI.
Dessa maneira, a primeira fase dos Annales já pode ser
considerada uma “ruptura” essencial para a historiografia
contemporânea, à medida em que, ao propor o questionamento
de determinada realidade e, consequentemente, estimular o
estudo ao propor um objeto, isto é, uma temática a ser trabalhada
e uma problemática a ser respondida, inicia a fase científica da
historiografia, a credenciando como uma “ciência em
movimento”.
Uma vez que, tanto Marc Bloch, como Lucien Febvre,
propõem a problematização da História, a fase seguinte apresenta
um aumento significativo da produção historiográfica,
caracterizando, de antemão, o porquê se atribui a esse
movimento, a característica de “revolução”.
Este conceito, por si só, já apresenta uma nova ideia a ser
empregada, uma mudança, legítima transformação de
determinada realidade.

[ 61 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Em outras palavras, a partir da Escola dos Annales, é possível


considerar o “nascimento” da historiografia, uma vez que,
anteriormente, as fontes mais utilizadas para elaboração das
teorias positivistas, eram os objetos, que hoje constam como
objeto de estudo arqueológico.
Nesse sentido, antes do surgimento da escrita, tem-se o
estudo de uma História baseada em vestígios físicos
contemporâneos à época estudada. Mas, na falta da compreensão
da história como ciência, tinha-se a elevação do “herói”, uma
história individual, sem questionamento dos fatos, apenas
elevando a posição de determinado personagem ao heroísmo que,
de alguma forma, lhe dizia respeito. Atualmente, esta perspectiva
se aproxima bastante das biografias.
Mas, no que tange à problematização da História, ampliou-se
profundamente seu campo de estudo, uma vez que, questionou-
se determinada realidade a fim de compreendê-la.
Desde o princípio, os Annales trouxeram novas perspectivas
históricas que transformaram, profundamente, nosso
entendimento de como fazer e estudar História.

[ 62 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

4. Aumento da produção historiográfica


No período que sucedeu a Segunda Grande Guerra houve
significativo aumento da produção historiográfica.
Particularmente, não houve, como na Primeira fase, o surgimento
de uma nova metodologia que caracterizou esse período. Mas,
trata-se de uma extensão significativa dos conceitos empregados
por aquela.
Nesse período, a Europa ainda estava sob uma perspectiva de
incertezas políticas, uma vez que, recém-saída do maior conflito
político-militar da História, demoraria alguns anos para se
recompor. Nesse sentido, a nova historiografia aumentou, de
maneira significativa, sua produção, embasada nas teorias de
Marc Bloch e Lucien Febvre, fundadores do movimento.
As principais características que, segundo Porto 27:
A segunda geração, dirigida por Fernand Braudel, compreende o
período entre 1946 e 1968 e é marcada pelo tema das civilizações e
temas demográficos. Constitui-se como escola, ao aportar conceitos
(estrutura e conjuntura) e métodos (história serial das mudanças na
longa duração) definidos. O estudo das utensilagens mentais (ou
psicologia histórica dos anos 30), ao lado de fontes massivas,

27
Disponível em:
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/historia/aescolaannales-
segundageracao-fernand-braudel.htm acesso em: 25/07/2019.

[ 63 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

representativas e temporalmente comparáveis e com certa


regularidade, os leva a utilizar os conceitos de regularidades,
quantificação, séries, técnicas, abordagem estrutural, tendo como
centro de um projeto intelectual oferecer certa dinâmica às
estruturas trabalhadas pelas ciências sociais e ainda tentar articular
a longa duração como acontecimento.28

Apresenta-se, dessa maneira, alguns indícios, como por


exemplo, o diálogo com outras áreas do conhecimento, que serão
consolidados na próxima fase do movimento, a
interdisciplinaridade.
Além disso, caracteriza-se o emprego da História de
longa-duração, ou seja, fundamentada na compreensão do
contexto histórico e não mais exclusiva aos eventos, como
casualidades específicas.
Consolida-se, assim como na Primeira Fase, uma
característica que aprofunda e estende o campo de atuação do
historiador, possibilitando a compreensão do evento como um
todo, desde os “bastidores” até as consequências imediatas e

28
Idem. Apud. (PORTO, 2010, p. 133, grifos do autor).

[ 64 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

subsequentes de seu impacto social. Além disso, segundo Santos


Focchi e Silva29:
A segunda geração dos Annales dedicou-se a criticar a percepção de
tempo histórico que privilegiava o indivíduo e o acontecimento
(protestos, nascimento, morte, ato de casamento, formatura), que
por sua vez foi entendido como explosivo, ruidoso, nada mais que
fogo de palha, e que se caracterizaria por promover uma narração
dramática, precipitada e de pouco fôlego.30

Dessa maneira, assim como instituiu a análise


historiográfica de longa duração, esta fase também criticou o
individualismo enquanto objeto histórico, uma vez que não
considerava objeto relevante para a sociedade, mas relacionado à
exclusividade de cada grupo familiar.

Ainda segundo eles:


A revista, a partir da segunda geração do Annales, sofre mudanças de
nomenclatura e é intitulada de Annales: Économies, Societés,
Civilisations (Anais: Economia, Sociedade e Civilização); que ficou sob a
direção de Fernand Braudel (1902-1985), que se esforçou em levar adiante
os projetos da geração anterior dos Annales e contou com a colaboração dos
estudiosos Ernest Labrousse (1895-1988); Pierre Goubert (19152012);
Georges Duby 1919- 1996); Pierre Chaunu (1923- 2009) e Robert Mandrou
(1921-1984)31.

29
Idem.
30
Apud. SANTOS; FOCHI; SILVA. 2012. p. 95 e 96.
31
Apud. Ibid. p. 95.

[ 65 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Dessa maneira, embora tenha apresentado algumas


características novas, a Segunda Geração dos Annales não deixou
de ser uma continuidade dos projetos desenvolvidos pela geração
anterior. Conforme os mesmos teóricos:
Foi o momento em que os estudiosos lançam mão de conceitos,
abordagens e métodos oriundos da demografia, etnologia, história
regional, geografia, relações sociais, ciência política; visavam
recuperar a globalidade dos fenômenos humanos, numa perspectiva
de movimento rumo à totalidade do social.
Compreendiam que existia uma relação de reciprocidade e de
pertencimento entre as esferas da economia, da política, da cultura
e da sociedade (a cultura é economia, política, sociedade); se
utilizavam de tabulações e programas de computadores,
consolidava-se assim o método comparativo, que versou sobre o
tempo mais longo e maiores extensões de espaço, ou seja,
preconizavam a longa duração.32

Trata-se, portanto, de uma relação interdisciplinar, à


medida em que há diálogo com as várias esferas sociais,
aprofundando as perspectivas historiográficas, embasadas,
sobretudo, em estudos de longa duração.

32
Apud. SANTOS; FOCHI; SILVA. 2012. p. 97, Idem.

[ 66 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A transição para a presidência do historiador Fernand


Braudel, principal responsável pela continuidade do movimento
nesta fase, implicou no conceito de mudança dos processos,
mesmo que esta seja lenta, mas ocorre de maneira permanente.
A segunda geração dos Annales foi protagonizada por Fernand
Braudel que sucedeu Febvre como diretor efetivo da revista. Para
Braudel, a contribuição especial do historiador às ciências sociais é
a consciência de que todas as ‘estruturas’ estão sujeitas a mudanças,
mesmo que lentas. Ele desejava ver as coisas em sua inteireza, por
isso era impaciente com fronteiras, separassem elas regiões ou
ciências. Quando prisioneiro, durante a Segunda Guerra, Braudel
teve a oportunidade de escrever sua tese. Seus rascunhos eram
remetidos para Febvre, de quem recebeu forte influência que o
direcionaram para a geo-história. A obra com o título o
Mediterrâneo e Felipe II, de grande dimensão, era dividida em três
partes, cada uma exemplificando uma diferente forma de
abordagem do passado: primeiro, uma história ‘quase sem tempo’
da relação entre o ‘homem’ e o ambiente; segundo, a história
mutante da estrutura econômica, social e política e, terceiro, a
trepidante história dos acontecimentos (a parte mais tradicional),
corresponderia à idéia[sic] original de uma tese sobre a política
exterior de Felipe II. 33
Dessa maneira, tem-se a perspectiva de uma história em
movimento, mesmo que seja lenta, porém ocorre de maneira

33
Apud. OLIVEIRA; CASIMIRO, 2007 s/p.

[ 67 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

gradual. Trata-se, portanto, de uma característica que faz da


História uma ciência contemporânea, passível de reescrita à
medida em que se refutam teorias com embasamento em novas
que são confirmadas cientificamente.

[ 68 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Fernand Braudel
Segundo Junior34,
Nascido em Luméville-em-Ornois no dia 24 de agosto de 1902, o
francês Fernand Braudel se formou em História pela importante
Universidade de Sorbonne. Sua carreira profissional teve início no
continente africano, quando se mudou para Argélia e por lá residiu
durante dez anos. A partir de 1933, integrou o grupo de intelectuais
franceses que colaborou na organização da Universidade de São
Paulo, na qual exerceu o cargo de Professor entre os anos de 1935 e
1937. Voltou à Europa ao ser nomeado para a seção de ciências da
École Pratique des Hautes Études, na cidade de Paris. Acompanhou
de perto a crescente tensão antes da eclosão da Segunda Guerra
Mundial. Iniciada esta, foi mantido preso durante longos anos e,
mesmo impossibilitado de ter acesso a qualquer obra, escreveu sua
mais célebre tese. Utilizando apenas suas memórias para fazer as
referências. Com uma grande intensidade na escrita, redigiu todo o
texto em apenas um ano, sendo que a obra completa foi publicada
em três volumes.
Desde o início de sua carreira, Braudel buscou compreender
a história sob a perspectiva de culturas fora da Europa. Quando o
movimento dos Annales foi iniciado, ele estava lecionando na
Argélia, para onde tinha se mudado e por onde residiu por dez
anos.

34
(2006). Idem. Apud. Idem.

[ 69 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Segundo Burk35,
Quando os Annales foram criados em 1929, Braudel contava com
seus vinte e sete anos, lecionava história em uma escola da Argélia
e trabalhava em sua tese, que se iniciara como um ensaio de historia
diplomático, de caráter convencional, entretanto ambiciosa. Fora
projetada originalmente como um estudo sobre Felipe II e o
Mediterrâneo, ou em outras palavras uma analise da política externa
do soberano. Braudel durante quase dez anos (1923-1932), lecionou
na Argélia, experiência que na qual lhe permitiu abrir os horizontes.
Sendo seu primeiro importante artigo publicado durante esse
período, tinha por tema as presenças dos espanhóis ao Norte da
África, no século XVI.
Até hoje, o mais comum quando nos referimos à
historiadores, é associá-los à sala de aula enquanto escreviam
suas teses. Ainda conforme Burk:
Durante seu longo período de gestação, a tese ampliou
consideravelmente seu objetivo. Era e é normal para os
historiadores acadêmicos franceses lecionarem em escolas
enquanto escrevem suas teses. Lucien Febvre, por exemplo, ensinou
brevemente em Besançon; Braudel, durante dez anos, 1923-32,
lecionou na Argélia, experiência que lhe permitiu ampliar seus
horizontes.

35
(1991) Apud. Idem.

[ 70 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Seu primeiro artigo importante, publicado nesse período, tinha por


tema a presença dos espanhóis no Norte da África, no século XVI.
Esse estudo, cujas dimensões são a de um pequeno livro, merece ser
resgatado de seu imerecido esquecimento. Era, ao mesmo tempo,
uma crítica a seus predecessores no tema pela ênfase que haviam
atribuído aos grandes homens e às batalhas; uma discussão sobre a
‘vida diária’ das guarnições espanholas; e também uma
demonstração da estreita relação, embora invertida, entre a história
africana e europeia[sic], [...].
A pesquisa foi interrompida quando Braudel foi contratado para
lecionar na Universidade de São Paulo, 1935-1937, período
definido por ele, mais tarde, como o mais feliz de sua vida. Foi no
retorno de sua viagem ao Brasil que Braudel conheceu Lucien
Febvre, que o adotou como um filho intelectual. [...].36

Trata-se, portanto, de uma aproximação tanto intelectual


como pessoal entre Braudel e Febvre, assim que aquele chegou
ao Brasil na metade da década de 1930.
A contribuição de Braudel para a historiografia dos
Annales foi a mais importante de seu período.
Segundo Barros37:
Braudel além de ser um grande líder para os Annales entre 1956 e

36
BURK, 1991, p. 31, Apud. Idem.
37
Ibidem. Disponível em:
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/historia/aescola-
annalessegundageracao-fernand-braudel.htm acesso em: 25/07/2019.

[ 71 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

1969, ofereceu a mais brilhante contribuição historiográfica do


período. Os Annales da segunda geração se beneficiaram com um
líder carismático, um hábil executivo e um intelectual brilhante.
Stoianovich, um dos mais reconhecidos historiados do movimento,
considera Braudel como o verdadeiro fundador do que se poderia
chamar de ‘paradigmas dos Annales’, onde o conceito de longa
duração adquire sua forma mais bem-acabada [sic], para
transformar-se em um modelo que seria seguido por novos
historiadores, seja ela nas monografias regionais, ou seja, nos
trabalhos de recorte mais amplo.38

Constata-se, segundo Barros, a importância de Fernand


Braudel para os Annales, de modo que foi considerado o
verdadeiro fundador do movimento.
Ao analisar a obra Mediterrâneo de Fernand Braudel, o
tema é muito mais amplo do que apenas o espaço territorial no
qual se insere o Mediterrâneo. Segundo ele, a importância
político-econômica da região para o desenvolvimento da história
na região, a coloca como um importante “berço” da civilização.

38
Apud. Barros, 2012, p. 4.

[ 72 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Assim, ele trabalha a interdisciplinaridade entre geografia


e história, à medida em que as condições geográficas da região,
possibilitaram uma “proteção” natural.
“São do livro de 1949, as teses provocadoras e muito originais, que buscam
afirmar o papel de “centro do mundo” que teve o mar Mediterrâneo, em toda a
amplitude de uma história milenar, que recorre a toda história do velho mundo,
desde suas origens até a grande ruptura do século XVI. Grande ponto de
ruptura, marco histórico privilegiado, este “longo século XVI”, que se prolonga
entre 1450 e 1650, referente temporal eleito por Braudel, para a construção de
sua análise das civilizações mediterrâneas, cujas dinâmicas, procurou resgatar
ao longo de sua obra. ”39

Braudel, portanto, reconhece a importância da região por


um período, eleito por ele, de quase dois séculos, em que ele
teoriza se fundamentando em uma “história de longa duração”.
Terceira Geração dos Annales (1968)
Esta geração foi passível de grande transformação no seu
modo de viver, não somente por influência da transformação do
meio na qual vivia, mas na maneira como ela passou a
compreender o tempo.
Uma das poucas gerações que, assim como a que a
sucedeu, liderada por Braudel, que podem ser dignas de

39
Aguirre Rojas, Carlos Antonio. Londrina: Eduel, 2013.p. 15.

[ 73 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

vangloriar-se por tamanha influência que exerceu. Liderada por


historiadores como Jacques Le Goff, Jean Delumeau e François
Furet, essa geração manteve o alto volume de vendas que os
Annales vinham alcançando com as duas primeiras gerações.
Suas características constituem uma “ruptura” no
processo historiográfico dos Annales. Constitui a renovação da
historiografia no âmbito temático, isto é, trata-se de uma
inovação no campo de estudo histórico, uma vez que, se
privilegia a vida privada e a cultura. Em relação à vida privada,
passa-se à abordagem dos costumes, das vestimentas, da rotina
individual.
Há, por outro lado, uma transformação na concepção do
tempo. Mas, não no mesmo sentido empregado até então. Trata-
se, mais uma vez, de uma abordagem na perspectiva individual
do tempo, de como o homem aproveita seu tempo.
Tem-se, inclusive, o avanço na temporalidade, no sentido
de que há uma sistematização da “noção do tempo”, o conceito
de Modernidade Líquida, empregado pelo teórico Zygmunt
Bauman.

[ 74 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Nota-se, nesse sentido, a aliança entre ciência e técnica.


No sentido de investimento na ampliação do conhecimento
técnico-científico, o que leva à expansão da racionalidade. A
inovação da rotina contemporânea leva ao aumento da produção
científica.
A concepção de tempo passa a um segundo plano. Passa-
se, desde o princípio, isto é, da Primeira Geração, à centralização
do homem enquanto objeto histórico. A individualização do
estudo historiográfico constitui um aumento nesse foco.
Portanto, para quem não é familiarizado com a teoria
historiográfica, a partir do final dos anos sessenta, a associação
com os dias atuais passa a fazer mais sentido. Algumas
características parecem que se repetem. Basicamente, constitui a
prática de um “tempo cíclico”, conceito bastante trabalhado pelo
filósofo romeno Mircea Elíade. 40 Segundo Eliáde:

40
Professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno.
Autor de, entre outros livros, “Mito e realidade” e o “Sagrado e o Profano”.
Apud. LOPES, Marcel. O Peru e a Conquista Espanhola. In: A Colonização
Espanhola do Império Inca, 2014, p. 13.

[ 75 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

“(....) todo novo aparecimento – um animal, uma planta, uma instituição -, implica
a existência de um mundo. (...) todo mito de Ambos, principalmente àquele,
trabalham com esse conceito de tempo cíclico(...) origem conta e justifica uma
“situação nova” – nova no sentido de que não existia desde o início do Mundo. ”41
Basicamente, institui-se um ciclo temporal linear, cuja constância
de sua duração garante duração à longo prazo, tal como acontece
com o que se concebe como medições temporais de curta, média
e longa durações.
Trata-se da relação interdisciplinar entre Filosofia e
História, no que tange à concepção de tempo conforme podemos
apreciar desde a instituição do calendário romano, no que se
baseia nossa cronologia corrente.
Mesmo assim, embora linear, a concepção de tempo
relacionada à como concebemos em função de padronizar nossa
rotina, foi, ao longo do tempo, bastante modificada. “Abreviou-
se” a noção de horas, dias, semanas, meses, entre outras
denominações, no sentido de trazer a ideia de que o tempo está
passando mais depressa e os dias têm sido mais curtos.

41
Idem.

[ 76 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

Alterações no modo de vida da sociedade global, com a


instituição da economia capitalista, essencialmente, transformou
o modo como o ser humano moderno organizou a sua vida.
Essencialmente, desde a instituição do capitalismo, as múltiplas
funções produtivas e gerenciais, a adoção de padrões
mecanizados de produção e a extinção de funções repetitivas
elementares, tornou “padrão” a máxima econômica de garantir
“lucro” em razão de garantir a saúde financeira da empresa e do
indivíduo.
A adoção de práticas de investimentos em determinadas
organizações econômicas como, por exemplo, a Bolsa de
Valores, tem se mostrado como uma opção viável, embora
instável em virtude de estar submetido às nuances do mercado
financeiro. Apesar disso, a maioria da população brasileira não
arrisca, seja por desconhecimento de como funciona, seja por não
se sentir convencida o suficiente de que se trata de uma opção
segura, financeiramente.

[ 77 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

5. Conclusão
Ao longo do livro vimos quanto é ampla a perspectiva
historiográfica ao mesmo tempo em que se faz tão presente em
nosso cotidiano. Esclarecidas as ressalvas quanto à aplicabilidade
de uma perspectiva teórica mais alinhada com a historiografia
que se estuda na academia, no que diz respeito à escola, é
importante que os jovens tenham conhecimento de que o estudo
da História é muito mais complexo do que se faz presente no
currículo escolar.
Vimos também, a ampla influência do movimento da
Escola dos Annales, que, desde seu início, vem transformando e
ressaltando a importância de se conhecer o passado e sua
influência direta na posteridade.
A analogia com a árvore, surge no sentido de não limitar
à linha do tempo a metodologia do ensino da História, ao mesmo
tempo em que não a anula, mas a expande, de modo a, também
com intuito de dar continuidade, trazer à luz do saber, o “início”
e o “fim” dos acontecimentos em cada tempo histórico estudado.

[ 78 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

6. Referências
• STORK, Ricardo Yepes; ECHEVARRÍA, Javier
Aranguren. Fundamentos da Antropologia. Rio de
Janeiro, Instituto Raimundo Lulio, 2005, pp. 9-14.
• http://www.leonardopolo.net/docs/RYepesInmemori
am.pdf. Acesso em: 11/05/2017 às 8h35.
• https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/e
scolados-annales.htm acesso 02/07/2019.
• https://www.infoescola.com/biografias/marc-bloch/
acesso em 03/07/2019.
• http://gephisnop.weebly.com/uploads/2/3/9/6/23969
914/apologia_da_histria. pdf acesso em: 04/07/2019.
• http://www.editora3estrelas.folha.uol.com.br/autores
/ 7139-lucienfebvre.shtml acesso em: 04/07/2019.
• https://pt.wikipedia.org/wiki/Lucien_Febvre acesso
em: 04/07/2019.
• http://www.erh2014.pr.anpuh.org/anais/2014/44.pdf
acesso em: 04/07/2019.
• FRANCO JR, 2009, p. 10 Apud.
http://www.erh2014.pr.anpuh.org/anais/2014/44.pdf
acesso em: 04/07/2019.

[ 79 ]
Árvore: uma perspectiva historiográfica, por LOPES, Marcel Franco

A compreensão da historiografia contemporânea


tem, como característica principal, sua relação
metodológica com a Escola dos Annales.
Por essa razão, ela também é conhecida como a
Revolução da Historiografia Francesa. Desde sua
introdução, a História passou a ser analisada sob
perspectivas de movimento, desvinculadas da
temporalidade cronológica.
Assim como o desenvolvimento das plantas na
natureza, os Annales constituem semente e adubo
para a expansão teórica da História como uma ciência
em movimento. Trata-se de uma perspectiva humana,
enquanto tal, não se centraliza em uma base temporal,
mesmo que, em hipótese alguma, constitua teorias
totalizantes.

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