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Aracy A. Amaral

ARTES PLÁSTICAS
NA SEMANA DE 22
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Copyright © Editora 34 Ltda., 1998 5 , ..e o\ '
Artes plásticas na Semana de 22 © Aracy A. Amaral, 1970/1998J._ ' dv
É vedado o uso de qualquer item da pesquisa iconográfica deste livro sem a
prévia autorização por escrito da autora.

A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL, E CONFIGURA UMA


APROPRIAÇÃ O INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR.

Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica:


Brach er & Malta Produção Gráfica
Imagem da capa:
Emiliano Di Cavalcanti, Capa do programa da Semana de Arte Moderna,
São Paulo, 1922 (detalhe)
ARTES P.LÁSTICAS
Imagem da 4• capa:
Logo tip o da revista Klaxon, São Paulo, 1922
NA SEMANA DE 22
Revisão:
;I Alex andre Barbosa de Souza

1• Edição - 1970; 2• Edição- 1972; 3" Edição- 1976; 4• Edição- 1979


(Perspectiva, São Paulo); Edição especial- 1992 (BOVESPA, São Paulo)
5" Edição- 1998

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro


(Fundação Biblioteca Nacional, RJ, Brasil)
Amaral , Aracy A.
A485a Artes plásticas na Semana de 22/ Aracy A.
Am aral; 5' edição revista e ampliada, -São Paulo:
Ed _ 34, 1998 A Sérgio Milliet
336 P-
in memoriam
ISBN 85-7326-117-X

Inclui bi bliografia. A Mário da Silva Brito


1. Sem ana de Arte Moderna (1922: São e Antonio Candido de Mello e Souza
Pau lo) _ 2_M odernização (Arte) - Brasil. I. Título.

CDD- 709 .81 com admiração


2
4
E. Di Cavalcanti, op. cit., pp. 114-5. S.
25 A EXPOSIÇÃO
Depoimento à Autora, a 13 de novembro de 1967.
26 Op. cit., p. 115.
27 Di Cavalcanti alude à sua difícil situação financeira no mesmo trecho,
contando que "minha exposição não deu nada, nem a assinatura dos Fantoches
da meia-noite. Tinha que voltar ao Rio, onde faria ilustrações para viver ou então
receberia alguma coisa para trabalhar pela Semana". Nas reuniões seguintes, com
"[ ... ]E não veja a Arte Moderna na
simplicidade, Paulo pôs-se "à minha disposição, e nunca mais desde esse inciden-
insuficiência dos nossos recursos de cidade de
te deixou de ser meu amigo até morrer". Op. cit., pp. 116-7.
província, mas sinta como todos nós sentimos, o
28 Carta de Vicente do Rêgo Monteiro à Autora, datada de Brasília, 6 de
sopro vivificador que há nessas tentativas modesta s
setembro de 1968. Na mesma carta, Rêgo Monteiro nos esclarece que, quanto a de renovação e liberdade."
Brecheret, conhecera-o "em São Paulo em 1920".
Pau lo Prado 1
29 Oswald de Andrade, "O triunfo de uma revolução" ,jornal do Commercio
(Ed. de São Paulo), 8 de fevereiro de 1922.
30 Idem. A 29 de janeiro de 1922, o Correio Paulistano anunciava o acon-
31 Mário de Andrade, "Notas de Arte", "Pró", in A Gazeta, São Paulo, 13 tecimento em preparo sob o título "Semana de Arte":
de fevereiro de 1922. "Diversos intelectuais de São Paulo e do Rio, devido à iniciativa
32 Idem. Mas Mário explica logo que essa reivindicação justa de vanguar-
do escritor Graça Aranha, resolveram organizar uma semana de arte
dismo não implica separatismo: "J. Ribeiro, se me lesse, gritaria: 'É isso! São Pau-
moderna dando ao nosso públicC!_~erf~ita de.!!!Q_l}Stração do que há
lo quer separar-se do Brasil!' É mentira. São Paulo, que ofertou à faixa litorânea
brasileira essa mão espalmada de riquezas que é o nosso interior, quer-se unido em nosso m~ _esculturª,_P-in_tur~, .-ªJlluit~1Y.ta., música e literatura
ao Brasil. Brilhantes espíritos do Rio vieram nos auxiliar. Mas que nos seja reco- sob o ponto de vista rigorosamente atual.
nhecido nosso lugar escoteiro". A Comissão que patrocina esta iniciativa está assim organiza-
33 In Correio Paulistano, São Paulo, "Teatros", 25 de fevereiro de 1922. da: Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, Numa de Oli-
34 In Correio Paulistano, São Paulo, 24 de janeiro de 1922. veira, Alberto Penteado, René Thiollier, Antônio Prado Júnior, José
!
35 A Gazeta, São Paulo, 13 de fevereiro de 1922. I Carlos Macedo Soares, Martinho Prado, Armando Penteado e Edgar
36 Jornal do Commercio (Ed. de São Paulo), seção "Registro" sob o título Conceição.
de "Enterro de vivos", São Paulo, 18 de fevereiro de 1922. Acrescenta ainda o co-
mentarista que: "Esta, sim, é a verdadeira escola do futuro, pois fornece ao ho-
I· Assim, será aberto o Teatro Municipal durante a semana de 11 a
18 de fevereiro próximo, instalando-se aí uma curiosa e importante
mem um meio tão eficaz para lutar contra a crescente carestia da vida. A verdade, exposição, para a qual cpncorrem os nossos melhores artistas modernos.
portanto, consiste, par~ mim, em que esse paciente jejuador, 'enterrado' no seu con- Os programas até agora contam com os seguintes nomes:
fortável caixão, pode considerar-se um futurista 'enfoncé'. F.". Deve-se esclarecer
Música- Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Paulina D'Ambrósio,
que a façanha do jejuador Urbano, divulgada em grandes espaços na imprensa,
era nada mais nada menos que um reclame da Companhia Antárctica Paulista. Se- Ernani Braga, Alfredo Gomes, Frutuoso, Lucília Villa-Lobos.
gundo Paulo Duarte, a seção "Registro" do jornal do Commercio (Ed. de São Paulo) Literatura - Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Álvaro
estava, na época, a cargo de Raul de Sá Pinto . Moreyra, Elysio de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia,
Í'
Renato de Almeida, Luiz Aranha, Ribeiro Couto, Deabreu, Agenor Bar-
bosa, Rodrigues de Almeida, Afonso Schrnidt, Sérgio Milliet, Guilherme
de Almeida, Plínio Salgado.
Escultura- Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso, H a ar berg.
Pintura - Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita,
J.r
I
I
135
Artes Plásticas na Semana de 22
134 Aracy A. Amaral
Martins Ribeiro, Oswaldo Goeldi, Regina Graz, John Graz, Castello
e outros.
Arquitetura -A. Moya e Georg Przyrembel.
A parte literária e musical será dividida em três espetáculos, con-
ta!1do com o prestígio de Graça Aranha, que fará uma conferência inau-
gurando a semana de arte moderna. A parte musical, além de apresentar
a São Paulo o extraordinário compositor brasileiro Villa-Lobos, que
traz do Rio o seu quinteto, tem o apoio da gloriosa intérprete que é
Guiomar Novaes."

Em toda batalha travada pela imprensa durante aquele tumul-


tuado mês, devemos observar que, se a cobertura dos modernistas foi
poderosa, contando com articulistas nos jornais mais influentes do
tempo, nem por isso deixaram de faltar vigorosos combatentes d~ suas
idéias renovadoras. 2
Esse é o caso de Maria Bello, que, antes mesmo da abertura da
Semana, publicara em O Jornal, do Rio, artigo sobre "o movimento
literário de São Paulo e a literatura nacional", e ao qual respondeu Me-
notti, dizendo que as fontes do autor foram insuficientes (Urupês, de
Monteiro Lobato,Juca Mulato, de Menotti del Picchia, Dialeto caipira,
de Amadeu Amaral). Afirmava ainda que por um "lapso natural de ·.1
memória" deixava de lembrar Caboclos, de Waldomiro Silveira- e
lembra que o regionalismo, "que tem assegurado a hegemonia literá-
ria de São Paulo no país", "não era ele uma derivante sincera do nosso
meio, senão um artifício quase cabotinamente jacobino, destinado a
dedilhar as atrofiadas cordas sentimentais de uma raça que se transfor- ·i
ma, dia a dia, numa estirpe decidida e máscula ... " . Acrescenta "Hé-
lios " , pseudônimo de Menotti, "que o cérebro paulista não se ankilo-
I
saria no fatalismo da jeremiada, nem pararia fulminado, como a mulher
de Ló, a contemplar as ruínas das últimas taperas sob as quais agoniza-
vam os últimos Jéca". Ao contrário: refere-se ao homem novo de São
Paulo "caldeado sob este sol de trópico, com o sangue de cem raças
radicadas à terra dadivosa em que nasceu" como sendo "um homem I
de ação, pragmatista ativo .. . ".
E "foi assim que surgiu em São Paulo um grupo reacionário de
I
novos, mal etiqueta dos com o rótulo de 'futuristas', os quais deram Emiliano Di Cavalcanti, capa do catálogo da exposição da
um novo caminho às coisas de arte, em todos os seus ramos " . Mas os Semana de Arte Moderna, 1922, Arquivo Anita Malfatti,
Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.
moços de São Paulo refletem um anseio que extravasa as nossas fron-
teiras: "Acompanhando o ritmo universal das novas correntes estéti-
cas post bel/um, a mentalidade daqui enfileirou-se entre os mais ou-
sados reformadores, quebrando, com violência, os moldes anacrôni-
1
li cos em que encarceravam a Beleza ... " 3 . r;

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Ao mesmo tempo, Hélios anuncia a Semana, como a "primeira : ARC}I!TlECTURA
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aparição oficial" do movimento, "a realizar-se daqui a alguns dias, no ··( ~E.att.dp_ ,dt~-~:
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Municipal, sob os auspícios do que São Paulo tem de mais represen- 2""T....,t.. •.
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O aspecto social da Semana, o "acontecimento", seria anos de- '1&-T...,oló.
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pois deplorado tanto por Mário, como por Di Cavalcanti. Menotti 1q _::__ T •pe;;~, U pf.IA a:railtle cM..QU"tt; -~' ;~~.u). :. ~ ~ -4~0 <JI~

[lli colocava a Semana, pelo lado social, como o "maior acontecimento · r:Sc0L~TúRA . :.: ··,, . . . ~ .sw-!f.~~ullirr de ubclk>. mdu.
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mundano da temporada", depois do baile dos Campos Elísios e antes ~:·;~" -~~~~·~::~!·
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do baile da Hípica. O amparo dado à manifestação por·grandes figu- I
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ras da aristocracia paulista fez com que ela se tornasse "a coqueluche"
do nosso grand monde. 5 .
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Para Di, entretanto, o grande responsável foi Graça Aranha, com f 'F" ---. ,. ..... .. -
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sua figura festejada, que imprimiu ao·movimento de 22 "um tom festivo w ' ' ' "' .
t·: ~. I. J;~f_aiprtu.lo, c!ivtt!OAM~. MARTiNS RIBE1R._O
irreconciliável talvez com o sentido de transformação social que para f,;
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u-A.mlraj~.:, . ' 41-T•dio·

mim deveria estar no fundo de nossa revolução artística e literária" 6 . r-f 16'.:... Bihi.rw.· '
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~ ZINA AlTA
Faca de dois gumes, foi justamente este grupo de alta projeção 19 - S. . Scb.,.Uio.
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social que possibilitou aos modernistas a onda promocional que lhes • DI.'CAVALCANTI
-47- p,.,.._.aan decoratiYt.
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21-Ao pi ·dt. eru&-pticw:J pu~ tàpan,. ...·· 49-Aqu~oriual\.
abriria as portas dos jornais como do Teatro Municipal: 22-0 Hornua do Mar-1920, 50 --f'~. ~
51 - Pa;.l deeontiYo.
i 21-C.Cé tureo-1917.
"A Semana de Arte Moderna, que constará de três noitadas lite- H. -~s· ·~

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24- .... . - 1921.
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rárias e musicais e de uma grande e complexa exposição de escultura,
25. - R.él!l.ttl.
26~A Duvida.
27 - l ~imidadc.
S3- Doit dàenbo..
j , f, DE ALMEIDA PRADO

FE.HR ICNAC
i 26- " "' 5-4 - NatiU'aa · d~daiMa.
jl l pintura e arquitetura, revelará o que São Paulo possui de mais culto, 29 - 11Ju1.111çae. pua um Ji-o·ro:
30 - Coqucteri.a. . ·VICENTE Rgco MONTEJRO
J I - BonnWos.. H - Rrualo ck ROMkl de Cunlho.
de mais sensacional em arte; realizar-se-á no teatro máximo da cida- 56-~alo.

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)2- A ~cL.~ da iao:rtc.
57-Retrato.
~8 - C.bcçt.l dt Nt,ru.
de, como disse, sob os auspícios da elite paulistana, devendo a ela com- J. CRAZ s9...:..c...br.ç. Verde.
60- Baile • A...,no.
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parecer nosso mundo oficial" 7 . n-Mi-na no lwnulo.
.H - S. r,.~ faUudo •o ~UUot.
61 - Uoda Bre.Wlein .
62 -l..t.odt. Brulkir-..
JS- Rorllato do Minft!rtt C. 63-C..r,;....
A pecha de futuristas continuava sendo dada aos moderriistas 8 . 36- N•twua morta.
37- ....
6<-Cubi,ooo.
li Mário em vão tentou desfazer o equívoco: "A erronia, é verdade, come-
38-P•)'taCml &.P.a,
39-PaJ»&emc.k E..p.llâa.
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:I çou por nós. Oswald de Andrade chamou-nos futuristas um dia. Mas o
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'!lj largo sentido em que tomava a palavra foi bastante explicado mais tar-
., de por ele mesmo e luminosamente em seguida, numa crônica de Hélios, Páginas internas do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna,
por Menotti dei Picchia. E no Jornal do Commercio, de 6 de junho pas- com relação de artistas e obras, São Paulo, 1922.
sado, assinei um artigo em que me excluía do futurismo. E Buarque de
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Hollanda parece ter dito qualquer coisa também pelas revistas do Rio" 9 .
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~li 138 Aracy A. Amaral
r-

e inteligentes, para o estabelecimento afinal de uma corrente de apoio '•


- ~--- -- - - e carinho entre os intelectuais isolados e a gente que os circunda. A
esse grupo de pessoas acatadas por todos os motivos, competia de fato

I pôr paradeiro à apreciação desenfreada da ignorância local que preten-


dia fazer de um movimento de reação intelectual uma grosseira atroada

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n 'I de cabotinismo" 10 .

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Era o reconhecimento de uma situação de fato, pois"[ ... ] já não

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se dirá, depois do veredito de Graça Aranha, que a poesia de Mário

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de Andrade, a pintura de Di Cavalcanti, a escultura de Brecheret e a
\ música de Villa-Lobos são casos de excepcionalidade mórbida ou recla-
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. ~-·--·~--·-.--....- mista. E a semana de arte moderna virá mostrar como esses espíritos
de vanguarda são apenas os guias de um movimento tão sério que é

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Municipal de São
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i.

Distribuição das obras na exposição de 1922, no saguão do


Tea tro Municipal de São Paulo, num esboço feito para a Autora,
em outubro de 1969, por Yan de Almeida Prado.

Oswald de Andrade, de certa forma, dias antes da abertura do


M unicipal, explica a presença da alta sociedade no patrocínio da ma-
nifestação: " ... Terra incerta, de formação heterogênea e recente, sem
a organização das velhas sociedades que sempre tiveram em alta estima
o talento dos seus artistas, aqui se impunha a palavra de homens cultos

LI e o r H LI LI~ o e o J ArtP< Pl~otiro .< no Sf'm•n • de 22 141


capaz de educar o Brasil e curá-lo do analfabetismo letrado em que Além da relação que reproduzimos acima, do Correio Paulistano
lentamente vai para trás" 11 • (e à qual fazemos reservas, pois não participou da exposição Enrico
Mário diria, anos depois, em sua significativa conferência "O mo- Castello, nem Regina Graz, conforme depoimento pessoal dà própria
vimento modernista", de 1942, que o espírito destrutivo da Semana artista, e a presença de Oswaldo Goeldi, como já mencionamos, é
impusera a fusão de três princípios fundamentais: o direito permanente improvável, embora não tenhamos tido a possibilidade de obter con-
à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a firmação, nem por meio dos numerosos depoimentos colhidos nem por
estabilização de uma consciência criadora nacional, não numa base in- meio de menções, como vimos, raras, pela imprensa), temos ainda em
dividualista, mas coletiva. Diante da radicação na terra, que, a seu ver, mãos três relações sobre os expositores da Semana.
representava mais uma academia, uma nova, de espírito de conformação, Segundo Renê Thiollier em seu livro A Semana de Arte Moder-
o movimento modernista, segundo Mário, foi um preparador de clima, na (depoimento inédito), figuraram na exposição obras, além das aci-
mesmo embora não sendo, "na sua fase verdadeiramente modernista"~ ma citadas, de J. F. de Almeida Prado (Yan) e Rêgo Monteiro, omi-
o "fator das mudanças político-sociais posteriores a ele no Brasil". tindo o autor a presença de Enrico Castello (que aparece, entretanto ,
Oswald também se refere ao desejo de muitos em permanecer na relação de Di Cavalcanti em suas Memórias), e que, por sua vez,
atados a esse passado estagnado: "[ ... ]Futuristas, apenas porque ten- não consta do catálogo geral da mostra. Este catálogo, contudo, não
díamos para um futuro construtor, em oposição à decadência melo- é registro definitivo da exposição, pois que Anita Malfatti, em depoi-
dramática do passado de que não queríamos depender" 12 . mento pessoal posterior a Paulo Mendes de Almeida, diria que nem
E é bastante violento ao dizer, de maneira conclusiva: "Denomi-
nar-nos pois ainda de futuristas é renunciar à crítica pelo coice, à dis- ~ ·I todos os artistas ali estavam representados.
A Semana, com os três festivais realizados nas noites de 13 e 17
cussão pela cretinagem peluda" 13 .
'I e na tarde de 15 de fevereiro, realizou-se no Teatro Municipal, aluga-
do por 84 7 mil-réis pelo "empresário" da Semana, René Thiollier, a

A EXPOSIÇÃO I quem Paulo Prado solicitara colaboração, tendo a exposição sido ins-
talada no saguão do Teatro, "aberto durante oito dias". Os artistas
expositores, que se diziam "vanguardistas" 16 , se apresentavam, segun-
Pelos jornais falou-se muito nas idéias nebulosas expostas pelos do descrição de Yan de Almeida Prado, à esquerda e à direita da esca-
conferencistas no decorrer dos três festivais (sendo as conferências de daria, estando neste último local "relevos de Brecheret, fortemente
Graça Aranha e de Menotti dei Picchia transcritas nos diários de São influenciado por Mestrovic". "No meio do saguão havia outros tra-
Paulo), bem como sobre os programas e músicas executadas no de- balhos seus e a maquete de projeto da casa na Praia Grande do arqui-
correr da Semana. E as artes plásticas? Devemos confessar que, fora ~ . teto polonês Georg Przyrembel" 17 .
as menções feitas às obras por Sérgio Milliet, Graça Aranha, Menotti Mas, "no saguão do teatro apinhado e rumorejante ... (É verda-
e Mário, e além das defesas de Oswald em relação aos artistas presentes de que o teatro se apinhou à noite inesperadamente!) .. . no saguão do
em geral; não possuímos outros comentários sobre a exposição. Embo- teatro, onde fôra instalada a exposição de quadros e escultura- não
ra nos jornais, ao pé da coluna que noticiava os eventos da Semana, havia quem se não deixasse tomar de pavor e êxtase, ao defrontar com
constasse sempre uma nota como: "No saguão do Municipal estarão os horrores épicos da senhorinha Anita Malfatti. E não a poupavam!
expostas, desde às 20 e meia hora, esculturas e pinturas futuristas" 14 . Era com requinte que se punham a gozar o epigramazinho em que se
Comentários detalhados não surgiram. Assim como não há uma desabotoavam, estilantes de veneno".
relação que se possa considerar exata sobre os artistas participantes. Assim foi, narra Renê Thiollier, "que ouvi dizer a muita gente,
Por outro lado, esse silêncio da imprensa sobre a exposição indica sobre o seu O homem amarelo, que ela se havia inspirado na clínica
I.
também indiferença total do meio ambiente intelectual em relação às dos irmãos Revoredo, onde, pela manhã, num assalto de enjôo, em
obras expostas ou pelo objeto artístico em si 15 . lamentável postura, de cabeça pendida, agoniados de suores frios, se

142 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 143


vêem dúzias de indivíduos a babarem por um canudo, enquanto se lhes nós a revolução heróica e forcemos o andar lerdo dos intelectuais bra-
vai procedendo à lavagem do estômago". . sileiros que ainda acreditam na atualidade de Zola e LeComte.
Mas Anita não foi a única visada. Nem Brecheret escapou, "em Para isso, temos à nossa frente a figura extraordinariamente
virtude da sua cavalhada apocalíptica em O regresso-, do Gênio, que nova de Graça Aranha e esse intelectual Paulo Prado que vem hon-·
ele procriara nas desmedidas proporções de um Memnon colosso" 18 . rando a ilustre família a que pertence com a continuada tradição do
Em 1951 Anita Malfatti descreveria a exposição, baseada em sua me- grande Eduardo. São eles, não só inteligências esplêndidas, como
mória e no catálogo da mesma 19 . homens feitos no contato das poderosas civilizações e das sérias
culturas, que vêm dizer ao país, que nós, os comovidos iniciadores
da batalha dos renovarnentos, não perdemos o nosso tempo. São
As TENDÊNCIAS EXPOSTAS Paulo tem de fato uma geração de extraordinarios artistas: chamam-
se eles Victor Breci;J.eret, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac,
Com exceção da "futurista", várias eram as tendências que po- Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Cân-
deríamos assinalar nos trabalhos expostos na Semana de 1922, do neo- dido Motta Filho, Luiz Aranha. Segue-os um pugilo inquieto de es-
impressionismo pontilhista às estilizações pronunciadas de Btech~ret píritos esplêndidos.
em seus trabalhos realizados em São Paulo, do expressionismo trans-
figurado de John Graz ao "falso moderno" confessado de Yan de Al-
No Rio, Villa-Lobos, Ronald de Carvalho, Zina Aita, Álvaro
Moreyra iniciaram a reação gloriosa e benéfica ... " 22 :1 ~
'i.:
meida Prado e Paim Vieira. Às telas vigorosas de Anita (muitas das
quais tinham sido expostas em 1917), onde o expressionismo de seus
O entusiasmo e o ânimo de luta substituíam a definição de um
grupo. Essa apareceria depois.
~I
ifj
mestres alemães dava a nota forte, se contrapunha a escultura de blo- Mas nas colunas de A Gazeta, Mário continuava em polêmica
co, sintética e arcaizante de Haarberg. com Cândido, que insistia em prosseguir no preparo do público para
O objetivo era deliberadamente chocar. Não havia diretrizes, nem a semana anunciada, escrevendo sobre pintura e escultura futuristas.
certezas, ao contrário, as oscilações eram muitas. Mas, em apresen- Em vão, como vimos, Mário provou-lhe nada termos em comum com .!

~
tando trabalhos que contradiziam aquilo que as expGsições regular- a escola de Marinetti. No dia 7 de feve~eiro, vai mais longe: analisa
mente mostravam na São P;ulo pacata, o objetivo estava alcançado. um a um os principais expoentes do grupo moço, mostrando as con-
Tentando explicar essa ausência de unidade, Mário, em sua polêmica
("Pró" e "Contra") diária com Cândido Motta Filho em A Gazeta,
reporta-se ao conhecido grupo "dos Seis", d~ músicos: "São moços de
tradições que suas obras apresentam com o verdadeiro futurismo, e,
ao contrário, suas afinidades com os poetas e romancistas de Paris, ou
com o expressionismo alemão, no caso de Malfatti:
I
(•
li
11
tendências múltiplas, às vezes contrárias, moços apenas iguais pela "Anita Malfatti: pintora. Estudou na Alemanha e nos Estados i;
liberdade com que usam das possibilidades técnicas da música. Reu- Unidos. A orientação de Munique reflete-se nas suas melhores obras.
niram-se apenas porque união é força, e nestes tempos de sindicalismo, Victor Brecheret: em Roma filiou-se a ... Mestrovic. Para aperfei-
li
·i
o ente solitário dispersa-se e empobrece. Assim somos os rapazes da çoar-se escolheu Paris.
Semana de Arte Moderna" 20 . O importante, como disse Paulo Prado, Di Cavalcanti: arlequim menino de roupa multicor. Lautrec e
era estar presente. Era mostrar um movimento de reação contra o aca- ·Rackam. Só não tem a cor do futurismo".
demismo, "a imitação servil, a cópia sem coragem e sem talento que Depois de mencionar Villa-Lobos ("Creio que nunca viu música
forma os nossos destinos, faz as nossas reputações, cria as nossas gló- de Pratella ou Russolo. Seguiu Debussy. Hoje aparenta-se com o grupo
rias de praça pública" , como diria Oswald, e contra o que se levan- dos Seis"), finaliza dizendo que nem "Cândido Motta Filho, dono das
tou "o chamado futurismo paulista" 21 . filosofias, nem Deabreu, nem Barbosa, Afonso Schmidt, Rodrigues de
"Já que Monteiro Lobato não quis continuar a sua atitude inicial, Almeida, a senhora Graz, ou Ferrignac refletem o futurismo. Falei só
que foi um estouro nos arraiais bambos da estética paulista, façamos de brasileiros. Corno se vê, pode haver falta de ensaios entre as Juve-

144 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 145


n
•LUMiffiE.
Oydanal'aTOni<unart, etildoit
LES ARTS PLASTIQUES ~tlll: •I bcau, ct •i jeune. que Yrai si
~ctuellcment" no~ i W..Õn• - notro
--- ---- qu'ya~eren•i~=~ 'v~~DO~~nGOGrt"
Une semaine d'art modeme Vous dire que !e public a accepté .les théOries
à São Paulo. que voua connaissez aur .la peinture, la poésie
Marthc, mon amie, j~ ne sais ai vaus vous et la musique ~t faux. 11 a iifBe et plua
· souvenez des mola cruels que j'avaio jaclia pour encore, i! a chanté; hurlé, . manife&té, tout !e
J'art bréoilien, l'année ·dernm encoze, et pour . long de la 11<1~- Leo éludi&nta ~ danales
nos artistes, leur prudence, -leur friWiité. goL;rieo du ~grand · ~~ ont e~t~pkhé eouvent
I ,Aujourd'hui je~ o~~ D!"~#r le _~:. ~·~~: . ~ il fã~tcii'!ea~
d en rahaltle. je m e~e dano le ~~ de ·. .'!.'!" Celll!.,a llcql,Uescall'P1"'8!1~ tou)OUl8
tu;SOMMAIRE: II· r:FZ~:E~co~~;~~i1:t~- -~~·ú~EZi!rE·~~~:~R~
taclle·

ROGER AVf:RMACTC
LC.ON IIAZALGCTI~ Leo-.jowá.esui~í... La'P.u-n~aurait...;.. ~et.~u~~sê~parleurO:,urase
JOSEI>H BII.LIET miem; dit ~ i~~ ~. ~' ·. caryet~~foi; '
LOUL<; IIOUOUET ame, il faut méditero' de. ternPCI , en tempo '..,:. . · ,· C<:dut_, ~e ~ de p_~emim d'Hemani
JAN CANTRé cette vérité connue. ' · · , -~t. enle.,!e.-~o .de Ancliàde le poete
L.. CtJARLI:S·IIAUDOUIN de ··la -' « J>aiilicb..,·desVairada • .et ,.Rcmàld de
808 CLAESSf:NS
Hf:NRY Df:I<IEUX
11 y a A peme une année, A S&oPanlo, qud- Cal-Valho: . t'iiu~: âe' ~' ~· fuxeot
LOUIS l'..lill:
tii:NRI GUILBEAUX
AR.'-IAND i'II!NNEUSE
ateliers et des chambrcs ieolées. conocienta
ques artistea trav8illaient dano le_calme eles
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PHI!.i'!AS l.EB!!SGUE nombre de leur adveruaires le jour ou ilo au- ....,...,_ les ,tMôries' del'aiúnodeme et allir-
GEORGE LINZC
-FRANS MASEREf.l
·i raient osé paraitre. ~~ d;uné- ..oii~&u,~ ·de huées •les
I
MARCEL MlllET Quelqueo artistes 1 ~ :mourroiit,t~ ~ ; le aecond .qxm.
SI:RGE MllliCT Et voici que tout d'un coup eeo artistes font clant avec elplit et pOiiteo.e, en aristoaate de la
HENRIC1TE SAURET un appel aux autres méconnue du Bzé.il et que, ~ aux quolibeu ·de; l'asoiatanee.
RODO THAMER
à force de courage et de ~ce. ils réus-
HENRI VAN STRATEN
sissent cette chose étonnante : donner à SAo P~~ns .ensem~ i:l,.;.sle hall du Grand
Paulo, la' ville du café, la ville nouoeau rlch~. ~ et achiiiiôno'un peu-eette ezposition.
i des soirées d'art moderne. v~. de_púdie à #i,te,/ohn' c;,u, ancien

~
Et tous les arts y oont rq>réeentéo, Marthe, diociPle de-l-'liídler,.qui.iiOua pz61ente.des toiles
sculpture, peinture, muaique, ~ture et d'un ooiQria ,.;g.,._.,. et· d';m aymboliame
jusqu'à l'architecture. m,-atique Oim'p)e'et chír et. nalf. • La descent<>
Ahl mon amie, ce pays est atraordinaire. de la aQix • en eát lé uieilleur eD:mple. Dano
les arts ae cléveloppont avec la m&ne vigueur et les pa~ et ~ Jeá natures mortes eette
la m!me mpidité que leo grande ubreo """ ~ - ~,!'~qui est un des
tronco tordus des foréta -.-.crgeo. Et que de hien ~ de· Hodbr. P~ d'Espegne est
jc:voue en dirais encore ai je ne voulaie pueel' une bélle tcilé. ·
rapidement en :revue cette spleadide :mauifea. Zbttl .AU.. :de Rio de j...eiro, bizane pluwt
tation. qu'........ .m.aDt la coaiCar- et"""'
eM:.- - m cela ·car ·elle a.,...léun ._.

Capa da revista Lumiere, editada em Antuérpia, na Bélgica, Primeira página do artigo "Uma semana de arte moderna e~ São Paulo",
ano 3, n° 7, 15 de abril de 1922. de Sérgio Milliet, publicado em Lumiere, 15 de abril de 1922.
nilidades Auriverdes; mas é certo que elas bandeirantemente recusam cimento no Brasil no curioso Mulher em círculos (192,1), onde a di-
a batuta de Marinetti". nâmica que caracteriza as obras desse movimento está visível no re-
O desejo de épater foi plenamente conseguido. Mas a grita da- trato tratado- mas não construído, daí o seu pseudofuturismo:....... com
queles que se consideraram insultados não foi menos forte. Do Rio, sobreposições de figuras geométricas 25 .
Oscar Guanabarino, crítico de arte segundo Menotti, refere-se como É possível que os modernistas de então rejeitassem Belmiro de
"mambembe" à "embaixada de arte moderna" enviada do Rio para Almeida por terem sido essas obras simples exemplos de virtuosismo
São Paulo, sem "o menor vislumbre de autoridade artística". Acres- e não representarem uma adesão às novas idéias. Porém, parece-me
centa que tudo isso não "passa de uma patacoada, procurando imitar antes que provavelmente não pudesse ser seu nome cogitado ou por
um grupo de desequilibrados, que, capitaneados por Mallarmé em Pa- desconhecimento desses trabalhos ou por sua relação com a Escola
ris, criaram a escola do absurdo com a pretensão de dcsbancar a arte Nacional de Belas-Artes. O certo, contudo, é que havia alguns exem-
que vem sendo aperfeiçoada através dos séculos" 23 . Depois de citar plos de tentativas de "modernidade" em certas obras de artistas liga~
Blaise Cendrars como "nada mais cômico em literatura", na impossi- dos à arte da Academia, muito embora elas fossem esporádicas e tal-
bilidade de acreditar em qualquer sinceridadr em alguma ânsia de vez desvestidas daquela juventude que os novos desejavam (ou mes-
renovação ("essa nova arte, que tem por basda- ausência de arte, in- mo efeito de excitação, como foi o caso de Artur Timóteo, que fale-
vadiu a música, a pintura e a escultura sob diversas denominações, mas I

I
ceu em asilo para doentes mentais).
sem nenhuma novidade, nem interesse, a não ser para os psiquiatras"), Mas, pelo grupo que compôs a Semana, o desejo era realmente
I
finaliza dando um "exemplo": "Tivemos aqui um futurista: o sr. Mi- apresentar um grupo novo, sem relações com o passado. Aqui tam-
·I
lhaud, que foi vaiado em Paris; temos agora o sr. Villa-Lobos, que ouviu bém o rompimento se nota. No Rio, a participação se articularia em
assobios e gaitadas em São Paulo" 24 .
I torno a Di Cavalcanti e Ronald de Carvalho, tendo vindo, além de
I Vicente do Rêgo Monteiro, Zina Aita, Hildegardo Leão Velloso e Mar-
I tins Ribeiro. Em depoimento, Di Cavalcanti, Paim Vieira e John Graz
Os ARTISTAS E O CATÁLOGO recordam-se de Goeldi, mas nenhum pôde peremptoriamente confir-
·l· mar a presença do gravador paraense na exposição do MunicipaF 6 .
'
A escolha das obras e os convites aos artistas não podem ser Todavia, se aqui esteve presente, terá sido com desenhos, pois Goeldi
definidos segundo um critério, a não ser que consideremos como um se iniciaria na gravura somente a partir de 192427 .
princípio o fato de serem convidados os artistas jovens que seguiam Como veremos na tentativa de estudo das obras presentes na
ou tentavam outra orientação que não a da Academia. Este aspecto, exposição da Semana de 1922, o alarido foi bem maior que o escân-
"artistas jovens", parece-nos digno de ser acentuado, posto que Artur dalo que os trabalhos mostraram. Contudo, as artes visuais não se
I
Timóteo (Rio de Janeiro, 1882- Rio de Janeiro, 1923), um verda- apresentaram sós, e a fúria dos passadistas se ergueu contra o movi-
deiro fauve em sua última fase, em 1922, não foi incluído no grupo. mento em si e pelo conjunto das dissonâncias que assinalou em rela- :l
Mesmo que tivesse impedimento físico de comparecer à exposição, po- ção às manifestações artísticas consagradas até então, fosse música, :I:I
:I
deria ter tido obras suas representando-o, tal qual Brecheret ou Rêgo fosse pintura, escultura ou poesia.
Monteiro, então na Europa. Outro caso seria o de Belmiro de Almei- A programação visual da Semana esteve a cargo de Di Cavalcanti, I.

da (Cerro, MG, 1858 -Paris, 1935); o autor do precioso realismo indubitavelmente um de seus mais entusiastas organizadores. A ele
do pequeno quadro Arrufos, do Museu Nacional de Belas-Artes, fizera, coube o planejamento gráfico do programa da Semana 28 , de grande
nos anos que antecederam à Semana, incursões experimentais e sua- simplicidade: em vermelho e negro os dizeres "Semana de Arte Mo-
ves pelo divisionismo de Signac e Seurat, tanto na técnica pontilhista derna", sendo que a primeira e a última letras em vermelho encimam,
como na composição desses neo-impressionistas; bem como uma cla- em caixa alta, o desenho representando um tenro arbusto cujas raízes
ra e única experimentação de aparência futurista de que temos conhe- começam a se aprofundar no solo. Sob a ilustração, os dizeres "São

i
148 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 149
)
Paulo 1922 ", com apenas a data em vermelho: Esse programa inclui- ! Deve-se observar que, sob a catalogação de "Pintura", estavam
ria, no seu interior, as datas dos festivais com os acontecimentos, mu- f
.I incluídos pastéis, óleos, colagens, gravuras e desenhos, indiferen temen-
sicais e literários, bem como as conferências a serem realizadas de 13 te. Percebe-se igualmente que não houve qualquer preocupação de pre-
a 17 de fevereiro. I
paro de um catálogo mais cuidado. Inexistem, assim, indicações so-
O catálogo da exposição foi preparado como literatura à parte: J· bre técnica, dimensões, bem como datação de obras; a não ser em casos
era ele também de forma retangular e de capa i.S'ualmente desenhada excepcionais, como datação de algumas obras do próprio Di Caval-
por Di, com os dizeres "Semana de Arte Moderna- Catálogo da Ex- canti, e de Haarberg, onde o material, madeira, de suas obras, está
posição- São Paulo- 1922", em caixa alta, no mesmo tipo dele- indicado.
tra do programa anteriormente descrito, sob ilustração ocupando a par-
te mais ampla da capa: uma figura, nu feminino, no centro, linear e
sem qualquer preocupação de modelado, traço negro sobre branco, ARQUITETURA: MOYA E PRZYREMBEL
rodeada de intensa vegetação, sem dúvida relacionada à exuberância
dos trópicos. Unindo os diversos planos da vegetação os traços rítmi- Antônio Garcia Moya foi "o arquiteto da., ana" para os mo-
cos paralelos, breves: "Era moderno e era uma moda", como nos di- dernistas, declarou-nos em depoimento o ttet ,.,J;)~{ís Saia. Nave~­
ria Paim Vieira, sobre esse recurso usado pelos novos 29 • dade, se examinarmos os projetos;~~ ~t<; ·. • "'~:i!fs· ~~is arquitetos
Sob a figura, colocada como em pedestal, as iniciais "D.C. ".Em ·i Moya e Przyrembel, veremos que/a mve. '· " a de poettca de Moya
nanquim preto sobre papel, esse desenho fôra primeiramente conce- I
' J. ressalta diante do projeto do arquit5~9)?_jf nês. Em seus projetos apre-
bido por Di Cavalcanti para ser realizado em linoleogravura. Mas, dada sentad~s na ~em~na, Moya.' "o~~;;~da ~edra", como o chamava
a premência de tempo, foi feito clichê do originaP 0 • I
Menott1 del Ptcchta, tomou hberdãJ:I·es maudttas, talvez por partu mes-
O estilo dessa capa, muito mais consistente dentro de uma con- l mo da impraticabilidade das ~d~ias com que sonhava. O momento real
cepção moderna (com o entrosamento da figura no primeiro plano com
o fundo, sem preocupação de volume, de composição muito mais cons-
[ da arquitetura, mesmo para·aqueks qué então se consideravam ousa-
dos, era o do neocolonial ~maneirado, prontamente consagrado pela
truída), reflete a contínua alteração por que passava Di.Cavalcanti nessa
fase, sobretudo se a compararmos com os trabalhos de época diversa l oficialidade. Declarou-nos o engenheiro Guilherme Malfatti, de quem
anos depois Moya seria sócio por longo tempo, que "nenhum de se us
(de 1917 a 1922) presentes na exposição da Semana. É bem feliz, ao projetos da Semana foi construído pois naquela época tudo era ima-
mesmo tempo, que tenha cabido a Di Cavalcanti, fruto da mais jovem I ginação, o importante era propor algo contrário ao que se fazia. Daí
geração brasileira, a realização da capa deste catálogo histórico, pois I 'por que Moya fez para a Semana algo que mais se coadunava com o
este artista é tipicamente produto de nosso meio ambiente de então, espírito do movimento, embora não correspondesse à realidade". No
insatisfeito com o academismo, e lançando-se em buscas, tão indepen- campo da arquitetura eram aqueles anos "de transição, procurava-se
dentes quanto indefinidas como orientação, mas que tão bem assina- dar uma tendência moderna, restabelecer o colonial brasileiro" 31 .
lam sua inquietação. Realmente, Di Cavalcanti somente viajaria para Todavia, ao mesmo tempo em que crescia em prestígio o neo-
a França em 1923, contrariamente à maior parte dos demais exposi- colonial, curioso como aos modernistas não tenha tocado, ou estra-
tores, formados no estrangeiro, como Przyrembel, Brecheret, Haarberg, nho que a eles não tenha chegado a informação da conferência pro-
Anita, Yan, Zina Aita, Rêgo Monteiro e John Graz. nunciada por Vicente Licínio Cardoso na Escola Politécnica do Rio,
O interior do catálogo, sem qualquer introdução ou prefácio, sobre a "Arquitetura norte-americana", realizada em 1916. Pela pri-
apresenta uma relação das obras expostas, se bem que, segundo depoi- meira vez em nosso país alguém indicava um caminho, nas artes, que
mento citado de Anita Malfatti, é bem possível que outras obras estives- não o da Europa. Baseando-se em Viollet Le Duc, segundo o qual a
sem presentes sem, contudo, constar do catálogo. É o caso, por exem- arquitetura é a mais social das artes, e, por essa mesma razão, a de
plo, de Hildegardo Leão Velloso, do Rio, que não consta da relação. maior estabilidade ou menor capacidade de evolução, o autor da Filo-

150 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 151


l.

derna: Mário da Silva Brito relata que a "descoberta" de Moya pelo


I~ grupo modernista data de 1921, tendo Menotti se referi~o a ele como
"bizarro, original, cheio de talento, sonhando e realizando coisàs enor-
mes" . Em artigo intitulado "Um arquiteto", Menotti acrescenta que
"sua tortura de criar desborda, de fato, no desejo iluminado da cria-
ção nova, dando então aos seus projetos um alto senso subjetivo, fa-
zendo que se reflita nos blocos do conjunto, nos detalhes mínimos, a
significação do prédio, dando-lhe assim uma alma, um sentido que se
percebe pela impressão que a mó arquitetônica nos causa. Ultimamente,
os estudos de Moya, o jovem e brilhante arquiteto paulista, procuram
resolver o problema capital de harmonizar a escultura com a arquite-
tura, fundidas ambas numa harmonia integral e íntima, de modo que
uma resulte de outra naturalmente, sem acusar o aplicado, o postiço,
o artificioso, o fútil. Essas preocupações bem demonstram o alto e
profundo conceito que Moya tem da sua arte. Nela não é apenas um
mero construtor; é um criador e como tal um poeta da arquitetura" 34 •
E como eram os trabalhos apresentados por Moya na Semana? I
Algo oposto ao art nouveau, ou deste adaptado ao neoclássico. Nos

r:-•.;K.
I J' .
~(
~- ,.
Antônio Garcia Moya, Pantheon, c. 1919, lápis e crayon s/ papel,
33 x 37,9 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo.

sofia da arte refere-se ao vaticínio da crítica européia, há meio século,


segundo ele, de que nos Estados Unidos se daria um "novo estilo arqui-
tetônico peculiar à época". E acrescenta que "agora falta, pois ape-
nas, que a Europa 'descubra' arquitetonicamente os Estados Unidos ... ".
.~
Referia-se, evidentemente, ao novo tipo de habitação coletiva-
ao skyscraper, arranha-céu- e ao bangalô, os quais, "cada um na sua
esfera , constituem, em verdade, os símbolos de uma democracia" 32 . As
inovações arquitetônicas observadas por Vicente Licínio Cardoso, em
sua viagem-prêmio aos Estados Unidos em 1912, procedem da intensa
vibração de uma sociedade em desenvolvimento. Na Europa, pelo con-
trário, não havia nada de novo no movimento arquitetônico "porque
as sociedades ali não apresentam necessidades novas que o exijam" 33 .
Em nosso país, entretanto, a rejeição dos estilos revividos, repre- Antônio Garcia Moya, Monumento (ou Templo), s.d., lápis e crayon s/ papel,
sentada por Moya, se faz pela via da fantasia, na Semana de Arte Mo- 25,6 x 25,2 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo .

152 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 153


iI
lização e à linearidade nesses anos em que aqui trabalhou e antes, por-
tanto, de seu · retorno a Paris. Muito receptivo, não parece difícil ter
.,'11
!I Brecheret se interessado pelos trabalhos de Moya. b contato e"r·l tre os
li' '
·' dois foi efetivo, tendo Moya realizado a parte arquitetônica do proje-
to do Monumento às Bandeiras de Brecheret, ocasião que teria pos-
sibilitado evidente troca de opinião e conhecimento mútuo. Nesse ín-
dio está bem patente a estilização que seria mais tarde definida como
tipicamente de Brecheret, por este utilizada em vários trabalhos, mas
de maneira específica no projeto definitivo do Monumento às Ban-
deiras inaugurado em 1954: o modelado majestoso do tórax da figu-
ra, está, sem dúvida, bem próxima do Brecheret do Monumento de
Antônio Garcia Moya, Estudo para um mercado, s.d ., lápis, nanquim, aquarela 54, assim como distante das figuras musculosas e plenas de jogos de
e crayon s/ papel, 22,2 x 46,8 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo.
luz e sombra do primeiro projeto recusado 35 . Um outro desenho , ao
que tudo indica dessa mesma fase, parece ter sido realizado por Moya,
sem que tivéssemos podidq localizá-lo. Trata-se de uma Cabeça de
projetos apresentados em 1922 e que pudemos observar, nem o colo- índio, desenho citado por Menotti del Picchia na homenagem póstu-
nial transparece como influência da moda, a não ser no projeto de ma a Moya, e que João de Deus Cardoso descreve como "'uma cabe-
Residência, datado de 1921, de evidente caráter mediterrâneo ou neo- ça de índio', de estrutura linear harmoniosa, porém, com aparência
hispânico. Este projeto deve ter sido provavelmente revolucionário para rígida e feição rude, grafite, 1920" 36 . Tudo leva a crer, pela descrição,
o meio ambiente brasileiro, pela sua simplificação nos detalhes e por
ser até então conhecido apenas o colonial luso-brasileiro, dos estilos
de procedência ibérica.
Nos projetos de Moya para Mausoléu e Templo na época da
Semana, assinalamos as linhas retas, as estruturas geométricas maciças,
fincadas ao solo, e nelas se nota um forte relacionamento com as gran-
des edificações palacianas ou religiosas da Antigüidade no Oriente
Médio, ou com templos pré-colombianos no México. Daí por que, sem
possuir especificações sobre o material a ser utilizado (concreto ou pe-
dra?), esses desenhos nos sugerem mais o material primitivo, com suas
portas e janelas em arcos ou em estreitas formas retangulares verticais,
sem a presença aparente de vidros ou persianas.
Extremamente bem desenhados, um mestre no nanquim, dentre
os trabalhos que conhecemos de Antônio Garcia Moya, um há que nos
intriga em particular. Trata-se de um Túmulo, de linhas modernas em
seu despojamento e síntese, encimado pelo busto de um índio hercúleo.
Já nos referimos, em outra parte, à possibilidade da influência de Moya
sobre Brecheret, tendo o escultor ítalo-brasileiro alterado bastante seu
estilo na sua estada em São Paulo, de volta de Roma. O suave ex-
Antônio Garcia Moya, Mausoléu, 1920, lápis e nanquim s/ papel,
pressionismo muscular de Brecheret, com efeito, cederia lugar à esti- 22,6 x 34,3 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo .

154 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 155


que deve assemelhar-se às linhas que imprimem caráter ao personagem
desse Túmulo.
Entretanto, por circunstâncias várias, Moya, se bem que ein 1926
ainda apresentasse trabalhDs de algum interesse, em projetos de residên-
cia, presente ainda a inspiração pré-colombiana, sobretudo como ele-
mento decorativo, em outros trabalhos seu "espanholismo" se acentua
nas arcadas e pátios, na decoração cenográfica, o elemento geométri-
co passando também a inspirar-se em estilizações de motivos indíge-
nas. Simultaneamente, as figuras sugeridas por alguns de seus desenhos
dessa época lembram estilizações à la mode, em adulcoramento exces-
Antônio Garcia Moya, Residência (Fachada), 1921, lápis, nanquim e sivo. Por seu traço talentoso, Moya tornar-se-ia um arquiteto pro-
aquarela s/ papel, 15,1 x 38 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo. curado em São Paulo sobretudo nas décadas de 30 e 40, com a intro-
dução de modismos em residências em estilos vários: autor da casa re-
presentativa do ecletismo, à avenida Paulista esquina da rua Padre João
Manuel, recebeu também prêmio da Prefeitura de São Paulo pela cons-
trução da casa em estilo normando, na praça do Estádio, à rua ltápolis,
no Pacaembu. ·
De qualquer forma, naquele momento histórico, na Semana de
22, Moya foi, indubitavelmente, o elemento destruidor na seção de
Arquitetura, com seus projetos plenos de atmosfera, revolucionários
como concepção por seu caráter de rompimento com a convenção.

Antônio Garcia Moya, Residência (Palácio ), s.d., lápis, nanquim e aguada


Antônio Garcia Moya, Túmulo. s/ papel, 32,3 x 49,3 em, co!. Regina Ferreira da Silva, São Paulo.

Artes Plásticas na Semana de 22 157


"' dado por meses a fio, em Minas, o barroco mineiro, realizand o vários
projetos de residências no novo estilo festejado . O projeto da "Ta-
perinha", de um neocolonial bastante afrancesado, ou estilo francês
com detalhes coloniais, apresenta uma versão pessoal do estilo em voga.
Datado o desenho "Fev. 22", devia ser, portanto, um dos últ imos
projetos de Przyrembel antes da Semana.
Data de 1916, contudo, o projeto da casa do dr. Odon Cardo-
so, para a rua Monte Alegre, em nítida preocupação de reviver o co-
lonial brasileiro, residência para classe média e que já comentamos
anteriormente neste trabalho, assim como a da Praia Grande (do dr.
Heládio Capote Valente), e o projeto irrealizado da estação de San-
tos, este de agosto de 1922.

Georg Przyrembel, projeto para "Taperinha na Praia Grande",


fev. 1922, co!. família Przyrembel.

Tal não foi a contribuição de Przyrembel na Semana, embora em


época anterior a ela, dentro do movimento neocolonial, tivesse sido autor
de projetos, como dissemos, bastante novos dentro do estilo revisto, e
agora em termos de atualização num contexto urbano moderno.
Segundo depoimento de Yan de Almeida Prado 37 , no meio do
saguão do Teatro estava a "maquete de projetada casa na Praia Gran-
de do arquiteto polonês Georg Przyrembel, sítio deserto naqueles pri-
mórdios, que dava à construção uns ares de pioneirismo". Essa casa,
hoje derrubada, era residência particular de veraneio da família Przy- ,Th\;
-~~'
rembel e situava-se em amplo lote, depois dividido, e que tinha ori- ~-
ginalmente 500 metros de frente. Em estilo francês, com alguns de-
talhes do colonial, com telhas de canal, era uma construção em pe-
dra e que nos faz lembrar, por esses detalhes, as construções deDu-
bugras realizadas no alto da Serra, no caminho para Santos, mais ou ·
il, menos na mesma época.
Przyrembel, desde sua chegada ao Brasil (por volta de 1912-13), Georg Przyrembel, projeto para "Taperinha na Praia Grande",
11: fev. 1922, co!. família Przyrembel.
se dedicara ao estudo de nosso colonial, tendo mesmo viajado e estu-
·il:
1:I
Artes Plásticas na Semana de 22 159
158 Aracy A. Amaral
j!
'- "'-
Não conseguimos apurar os contatos que levaram o arquiteto Leão Velloso e Haarberg
Przyrembel a participar da Semana, posto que o mesmo (como seria No decorrer da Semana, Hildegardo Leão Velloso cumpria exa-
também o caso do escultor Leão Velloso) pouca ou nenhuma relação tamente 23 anos. Idade bastante jovem para um escultor, embora ig-
manteria, após o acontecimento, com as hastes modernistas, nem tam- noremos se a essa altura freqüentasse ainda o ateliê dos irmãos Ber-
pouco, em 1924, após a chegada de Warchavchik, iniciador da arqui- nardelli, com os quais estudara. Entretanto, não se afastara muito da
tetura modernista entre nós. orientação oficial pelo que conhecemos de seus trabalhos posteriores.
Não sabendo quais as obras que teria enviado para a Semana de
Arte Moderna, conseguimos apenas apurar que ele teria "participado
A ESCULTURA NA SEMANA da Semana talvez por instigação de Ronald de Carvalho" 41 . Uma ci-
tação do autor de Estudos brasileiros, em que menciona a jovem ge-
Três escultores se apresentaram na Semana de Arte Moderna ração brasileira nas artes, parece confirmar ter sido de sua parte a
segundo relação dos jornais: Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg e relação com Leão Velloso, quando o nomeia, ao lado de Brecheret, os
Hildegardo Leão Velloso. dois únicos nomes na escultura 42 .
Este último, do Rio, não consta do catálogo, sendo pro\javelmente Wilhelm Haarberg, segundo o catálogo da exposição, apresen-
uma participação tardiamente decidida, não se sabendo, por essa mes- tou quatro peças em madeira', conforme assinalado, sendo o "quin-
ma razão, o número de trabalhos ou qual a tendência exata de obras to" trabalho bastante impropriamente denominado sob o título Peque-
presentes na exposição. Em sua obra posterior nada transpira de in- nas esculturas decorativas.
quietações em relação às novas tendências, tendo sido escultor bastante Somente uma peça de Haarberg permanece entre nós como do-
convencional, fiel à orientação acadêmica. cumento escultórico desse artista alemão que viveu em São Paulo du-
A seção de escultura- com a de pintura- na Semana possibi- rante alguns anos: Mãe e filho. Em madeira, de 32 centímetros de
lita ao observador concluir sobre a heterogeneidade das obras presentes, altura, esta peça, como se vê pela reprodução, tal o "museu imagi-
tanto do ponto de vista qualitativo como de tendência 38 . O importante nário" de Malraux, tem a imponência de um grande monumento por
era fazer algo diferente daquÜo que a Academia ensinava, ou desejar sua concentração de massa. De inspiração pré-colombiana ou meso-
fazê-lo, mesmo que a informação fosse parca 39 e a 'dificuldade gran- potâmica - a escultura egípcia, de bloco, nos vem imediatamente à
de. É exatamente essa ausência de critério que notamos nas obras mente diante da peça-, Haarberg é fiel, entretanto, à madeira, seja
expostas, bem como a diversidade de tendências num mesmo artista, na forma do entalhe e polimento que guarda a rusticidade do mate-
como no caso de Di Cavalcanti, e é assim que se explica a presença de rial trabalhado pelo artesão e não nos aparece como um artista preo-
dois trabalhos de Yan de Almeida Prado, que nos confessou, franca- . cupado com o acabado perfeito. Por outro lado, se os jogos de luz
mente, ter participado "só por troça". sobre as formas desta peça nos podem revelar certa afinidade com o
Nosso objetivo neste estudo é exatamente levantar alguns véus expressionismo alemão, também não está Haarberg desvinculado,
da obscuridade que envolve a exposição da Semana. Esta já é um mo- pela forma de talhar a madeira e pelo seu teor arcaizante, da arte de
mento histórico. E não foi a ausência de grandes obras ou de artistas Gauguin que influenciaria os Nabis, como no caso de um Georges La-
seguros que podem alijar o evento de importância. Paulo Prado daria combe. Inclusive a ênfase dada por Haarberg às peças decorativas
mais uma vez provas de sua visão excepcional em diálogo relembrado
por Cândido Motta Filho:
I poderia ser igualmente indicativa de gênero tão cultivado por esse
grupo de fins do século.
"Guardo um diálogo entre Paulo Prado e Ronald de Carvalho: 1: O primeiro depoimento que pudemos colher sobre o artista e que
-Mas esta reunião modernista está cheia de passadistas! nos abriria, a seguir, outras pistas, foi de Menotti del Picchia, que, por
Paulo Prado: nós indagado, respondeu que "Haarberg era um escultor de pequenas
- Isto não tem importância. O que é importante é a reunião!" .4 0 figuras, alemão que o Mário descobrira ... " 43 . Aliás, foi provavelmen-

160 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 161


I~, '
li.,
""
te a convite de Mário que Haarberg expôs na Semana, não se tendo
ligado por relações de amizade aos demais artistas participantes. A não ·
ser o mesmo Mário de Andrade que ainda acompanharia com inte- ~

resse o seu trabalho, em geral mais conhecido dentro do círculo da


colônia alemã em São Paulo 44 .
Quando em janeiro de 1923 (onze meses, portanto, após a Se-
mana) foi aberta em São Paulo uma exposição dos "artistas alemães
domiciliados no Brasil", Mário comentaria em artigo ser essa mostra
"a mais atraente, mais artística, mais fecunda em muitos assuntos para
Ulj'l
um cronista. As outras repetiam-me enfadonhamente verdades estéti-
.I cas de que estou farto. E eram uniformes" 45 • Depois de nesse comen-
I tário mencionar Zimmermann, Papf e Emma Voss, Gerschow e Jorge
Munch, outros expositores, acrescenta Mário: "Mas - é regra de ··r,·
Ii interesse- o melhor guarda-se para o fim. E o melhor da Exposição
I Alemã são os trabalhos do escultor Haarberg. Wilhelm Haarberg é
I inegavelmente um dos melhores artistas de São Paulo. Sobre a base
I duma técnica riquíssima constrói a verdadeira escultura". Faz Mário,
I
a seguir, menção às tendências de Haarberg: "Todas as suas obras têm
I! aquela feição de monumentalidade, diretamente arquitetônica, adqui-
I
I rida pela moderna escultura, depois de ter compreendido a lição dos
I
~ egípcios e dos negros. Mas o sr. Haarberg não arcaíza propositada-
I mente como um Millés ou um Bourdelle. Nem se aproxima no exces-

I I
so dos negros, como Wildt. É expressionista e vem da, gloriosa Munich
anterior à Guerra. É um amante do volume; e consegue tirar deste varia-
díssimas expressões, capazes de nos transmitir todos os estados de seu
~
eu interior".
I•
Nessa mesma mostra de janeiro de 1923, Haarberg exporia Mãe
e filho (Mutter und Kind), que vemos no catálogo da Semana como
~li , título de duas peças. Mário de Andrade teria uma dessas peças in-
tegrando sua coleção particular (possivelmente uma aquisição, pois
Wilhelm Haarberg, Mãe e filho (Mutter und Kind), s.d., madeira,
31,5 x 14,7 x 14,7 em, Coleção Mário de Andrade,
!li. i'
Mário gostava de adquirir, mesmo com sacrifício), hoje no Instituto Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.
;I fi de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo:"[ ... ] calmo e pos-
'I sante em Mutter und Kind, é sereno e piedoso na Heilige Madonna.
1 O seu David é um símbolo ao mesmo tempo que uma ironia quase sar- Como se vê, a realização da Semana não alteraria subitamente a
:'1
,.1
1
cástica, de veemente dor. Salienta-se ainda a Granada de mão, admi- fisionomia das exposições de São Paulo e esse registro de Mário não
:1,! rável nu, elástico e vigoroso, dum ritmo impressionante. Pouca gente deixa de ser uma alusão ao nítido avanço, como abertura, desse pu-
!. . estilizará a criança com mais verdade sintética e amor que o sr. Haar- nhado de expositores de origem germânica, em relação à maioria dos
li
li berg. A cabecinha de Anne Marie, chorando, é porventura o melhor artistas brasileiros. E refere-se ainda, nesse mesmo texto, à tarefa de
I,
i' trabalho do escultor" 46 . Haarberg como professor de arte na Escola Alemã de São Paulo (hoje
ill'I
il 162 Aracy A ..Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 163
...li li
Colégio Porto Seguro): "Além de artista o sr. Haarberg é excelente ...
professor. Imprimiu uma orientação clarividente ao seu curso de plás-
tica na Escola Alemã, e os trabalhos expostos, de seus pequeninos alu-
,1
nos, deram à exposição uma de suas mais vivas atrações" 47 .

1! Brecheret na Semana
Como projeção, a grande presença em escultura na Semana se-
ria indiscutivelmente o conjunto de doze peças deixadas por Brecheret !,.t

quando de seu retorno à Europa em 1921 com o pensionato do Esta-


do. Fez parte este artista, com Anita Malfatti e Di Cavalcanti, da "trin-
ca" que encarnaria o modernismo para os visitantes da exposição do
Municipal.
Mas, no caso de Brecheret - o que não se passaria com Anita,
arregimentadora do movimento, nem com Di-, ocorreria uma exal-
tação impressionante deste modernista, inclusive da parte de Oswald,
mas, sobretudo, por parte de Menotti. Menotti incensou Brecheret nes-
sa época, imprimindo-lhe uma aura perante o público, que somente
as circunstâncias do momento poderiam explicar. Além de terem fei-
to dele personagem em dois romances de 1922 (Os condenados e O
homem e a morte, o primeiro de Oswald e o segundo de Menotti del
Picchia), desde a apresentação da maquete do Monumento às Bandei-
ras, por Brecheret, em julho de 1920, como no famoso banquete do
Trianon (homenagem a Menotti del Picchia pela edição de luxo de seu
livro As máscaras, ilustrado por Paim), com o discurso de Oswald, e
na exposição de Eva em abril de 1921, Brecheret parecia encarnar o
espírito do movimento modernista. Também para Sérgio Milliet, que Victor Brecheret, Eva, c. 1919-20, mármore, 82 x 117,5 x 59 em,
Prefeitura Municipal de São Paulo.
publicaria em Lumiere, na Bélgica, crônica sobre os artistas da Sema-
na. A tal ponto se exaltava Brecheret que, lendo as crônicas de Me-
notti, que se assinava Hélios, no Correio Paulistano, contagiados pelo O ~scultor arredio e trabalhador era, pouco depois de sua che-
autor, cresce em nós o entusiasmo pelo escultor. Longe, porém, das gada, portanto, erigido a artista do momento, caracterizado por um
obras trazidas pelo estudante de Dazzi, que apreendera as lições clás- nacionalismo de formação e emergente de sua obra, aos olhos de Me- .
sicas da arte de esculpir e que se interessara por Mestrovic. Já setor- notti, bem entendido, e de que talvez nem o escultor suspeitasse ou pre-
nou lugar-comum citá-lo nessa primeira fase de Brecheret e na época tendesse. Somente aquele momento de exaltação, como dissemos, pode~
da Semana, embora dificilmente possamos crer que alguém, no Bra- explicar tal distorção de enfoque do jovem artista ítalo-brasileiro, de
sil, além de Brecheret, conhecesse a obra do escultor citado, que ia formação européia, e que trazia, tal como Anita, algumas experiên-
fr eqüentemente a Roma no decorrer da Primeira Guerra Mundial. cias em seu trabalho que expressavam, de certa forma, a inquietação
Nos dois anos que aqui passou (de 1919 a 1921), Brecheret se vigente na Europa nos meios artísticos.
iniciaria numa estilização que desenvolveria depois em Paris a partir Mário da Silva Brito, em seu longo capítulo sobre Brecheret, cita
de 1921 como pensionista do Estado de São Paulo. trechos de artigo de Menotti que ilustra o que acabamos de dizer:

,~:
164 Aracy A.. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 165 .
.I _.-<'
I
~
"Brecheret é brasileiro, paulista, fruto de uma amálgama de raças
:I caldeadas no nosso clima profundamente tocado pelas forças a m bien-
tes. Daí sua arte, mesmo no profundo misticismo em que se 'e nevoa,
I conservar algo de visceralmente nosso, tropical e indígena ... " 48 . Mes-
mo reconhecendo em Brecheret o discípulo de Dazzi e o admir ad or de
Mestrovic (que é sempré citado.:.), Menotti afirma que em nosso es-
l j cultor sente-se'bem "o autóctone brasileiro que se projeta nos zigomas
I:
das suas máscaras, nas proeminências da fronte e na audácia d os lá-
bios carnosos e sensuais". E acrescenta: "Ajuda essa impressão a es-
tilização do cabelo" 49 . Nada mais impreciso. Europeu, como menta-
lidade e formação, Brecheret pode ter-se contagiado, pelos amigos, da
euforia do momento e, às vésperas das comemorações do Centenário
da Independência, ter criado a sua proposta maquete ao Monumento
às Bandeiras, que só seria por ele terminado às vésperas do IV Cente-
nário de São Paulo.
Para todos os seus companheiros de então, Brecheret "é genial"
e, comparado a Bourdelle, considerado "o Rodin brasileiro", admi-
rado até por Monteiro Lobato, o que, para Menotti, chegou a pare-
cer uma espécie de desagravo por parte do autor de Urupês por sua
injustiça cometida contra Anita Malfatti. Segundo narra Mário da Silva
Brito, Menotti chegou a sugerir-lhe fazer "justiça à vibrante criadora
de uma arte moderna, forte, livre, penitenciando-se do mal que, com
tanta injustiça e irreflexão, fez" 50 .
Segundo depoimento pessoal de Vicente do Rêgo Monteiro, foi
ele o defensor de Victor Brecheret junto a Monteiro Lobato, quando
esteve em São Paulo em 1920, pois Lobato "o combatia por simples
política literária e antagonismo jornalístico paulistano ... Sei que o
Lobato tornou-se um defensor do V.B. após a minha estada em São
Paulo (1920)" 51 .
A obra conhecida como tendo sido realizada em Roma, Eva, ho-
je da Municipalidade de São Paulo, trabalho trazido em sua bagagem
ao aqui chegar em 1919 52 , se caracteriza por um naturalismo já com
tendências para o impressionismo, sobretudo no aproveitamento dos
efeitos de luz e sombra. O problema da luz não mais abandonaria Bre-
cheret, constituindo sempre elemento essencial em suas obras. Em
trabalho realizado a seguir em São Paulo, a cabeça de Daisy (c. 1920),
I observa-se uma exacerbação nesse sentido, se bem que aqui puxan-
!'
Victor Brecheret, Soror dolorosa, c. 1919-20, bronze, 58 x 16 x 40 em, com a do mais para o expressionismo, no dramático dos jogos de luz, na ten-
base, Governo do Estado de São Paulo, Casa Guilherme de Almeida. são dos músculos e nervos que imprimem uma dinâmica espacial,

Artes Plásticas na Semana de 22 167


_,<'

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I

l
Victor Brecheret, Cabeça de Cristo, c. 1919-20, bronze, 32 x 14 x 24,2 em,
Coleção Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros,
Universidade de São Paulo.

através dos planos com que joga o escultor na superfície polida do


mármore.
As peças de Brecheret presentes na Semana pertencem a esse pe-
ríodo de transição - os dois anos de Brasil- durante o qual se mo-
dernizaria, tal como aconteceria com Tarsila em 1922, predispondo-
o a absorver, já em plano de contemporaneidade, a arte que se fazia
em Paris ao lá chegar em 1921. E, da mesma forma como aconteceria
à nossa pintora "pau brasil", essa modernização teria lugar impul-
Victor Brecheret, Vitória, c. 1919-21, bronze, 72,2 x 12 x 15,4 em,
Coleção Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, sionada pelo entusiasmo existente em São Paulo por tudo o que hou-
Universidade de São Paulo. vesse de novo. Assim, diversas peças dessa fase, presentes no saguão

Artes Plásticas na Semana de 22 169


.--4

descrita por Menotti em fevereiro de 1920: "Um Cristo esquelético,


já divinizado na fluidez das suas formas gráceis, repousa sustido pela
Virgem Dolorosa. Trespassa essas figuras a espada de uma dor indi-
zível, tão estraçoante que nos alcança o peito". E termina o comentá-
rio dizendo que talvez a peça "choque o nosso meio". E o comp ara a
Rodin: "O mesmo acon.teceu com seu Balzac ... " 55 .
Na Semana está presente também O ído lo, uma movimentação
de grande beleza que cederia lugar, de então em diante, ao volume ,
sem maior preocupação com as relações forma-espaço. Músculos e
nervos à flor da pele, como Eva e Daisy, o ídolo apresenta, no t rata-
mento da cabeça, um indício da estilização inspirada numa tendência
internacionalista, e que também se vê em Mestrovic 56 . A angulosidade
deliberada de Daisy, por outro lado, já cede lugar, em obra quase da
mesma época, Sarar dolorosa, um bronze polido, de marcada esti-
J lização, assim como O fauno, que lembram Bourdelle (nos baix os-
·~i relevos do Teatro de Marselha), que poderia ter inspirado Brecheret.
~I As figuras passam a surgir como inclusas num espaço geométrico de-
terminado a partir da base, como em Sarar do lorosa, e passa a ser
1'. contida cada vez mais a expansão espacial das formas.
Essas estilizações, presentes nessas obras da Semana, abririam
uma longa fase no desenvolvimento de seus trabalhos a serem reali-
zados em Paris, depois de seus contatos com Brancusi, e imprimiriam
uma certa doçura em suas obras, à medida que perderiam a tensão que
registramos na cabeça de Daisy e em Eva 57 .

PINWRA: "TUDO ERA REVOLUCIONÁRIO, TUDO DIFERENTE."

Quando Anita Malfatti fez sua conferência na Pinacoteca do Esta-


1~1 Victor Brecheret, Cabeça de mulher, c. 1919-21, do sobre "A chegada da arte moderna ao Brasil", em 1951, encerrou
mármore, co!. particular, São Paulo. seu comentário sobre a exposição do Municipal com a frase: "No
saguão do Teatro, tudo era revolucionário, tudo diferente". Naquele
momento realmente, para os artistas expositores, "revolucionário " era
do Municipal, já estavam prontas em fevereiro de 1920, conforme men- sinônimo de "diferente", pressupondo-se, em rejeitando os velhos pa-
ção de Menotti, como O ídolo, Cabeça de Cristo, Pietà, Torso, O gê- drões aceitos e consagrados da arte acadêmica, que estava implícita
nio, Vitória, entre outras 53 . Além dessas peças, na Semana seriam exi- uma atitude estética revolucionária.
bidos O regresso -que René Thiollier chama de "cavalhada apo- Isso não significa, em absoluto, que as obras presentes na Sema-
calíptica", além de fazer menção ao Gênio, "que ele procriara nas na fossem exemplificativas do que se passava em Paris, nos movimentos
desmedidas proporções de um Memnon colosso" 54 . Quanto à Pietà, é de vanguarda.

lj
"'i'l 171
lil 170 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22
IlM.
Sem qualquer dúvida, às indecisões do jovem Di Cavalcanti se
opunham obras de plena maturidade de Anita Malfatti e John Graz,
aos quais seguia de perto o neo-impressionista Vicente do Rêgo Mon-
teiro. Quanto a Martins Ribeiro, que, segundo depoimento de Yan de
Almeida Prado, veio pessoalmente a São Paulo para a Semana, não nos
foi possível acesso a quaisquer trabalhos seus presentes na mostra. No
catálogo estão registrados quatro trabalhos de sua autoria. Segundo
Di Cavalcanti, "Martins Ribeiro fazia uns retratos, desenhos de ca-
beça, de im.aginação" 5 8.

A presença de Anita
A precursora do movimento abre, no catálogo, a seção de pin- I
tura, com a maior representação individual da exposição, ~:vidente
homenagem e reconhecimento por sua presença catalisadora: "Na l
pintura, aparece meu nome, Anita Malfatti, com doze telas a óleo e
oito peças entre gravuras e desenhos, alguns deles coloridos" 59 .
Algumas pinturas eram conhecidas em São Paulo pois tinham
sido exibidas em sua controvertida exposição de 1917 na rua Líbero
Badaró (como A estudante russa, O homem amarelo, O japonês), ao
passo que outros trabalhos já indicavam, pelo seu simples título, uma
alteração de caminho, que se confirmaria a partir de 1923 com sua
viagem a Paris (como Impressão divisionista). A falta de firmeza de
Anita, já sobejamente comentada, e seu conseqüente recuo após a crí-
tica de Monteiro Lobato, se refletiria em sua necessidade de apoio e
ambiente em fatos aparentemente irrelevantes: por ter freqüentado o '
(
ateliê de Pedro Alexandrino assim como o de Elpons, após seu retor-
no dos Estados Unidos, ambos de tendência oposta ao seu vibrante·
expressionismo (um, acadêmico, especialista em metais, discípulo de
Vollon, e o austríaco, com telas de espessa matéria). Ao mesmo tem-
po, a escolha do ateliê de Maurice Denis para trabalhar em Paris, Anita Malfatti, O homem amarelo, c. 1917, óleo s/ tela, 61 x 51 em,
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
quando de se u pensionato em 1923, seria também indicativa de in-
decisões quanto ao seu próprio trabalho: não ia Anita então desenvol-
ver as suas experiências, mas buscar outras definições ... Infelizmente, O que abalaria o público da Semana nas obras desta pintora se~-\
sua arte voltou bastante debilitada como expressão dessa longa estada riam, contudo, as mesmas características que estremeceram o ambiente
na Europa, tendo perdido todo o vigor que a caracterizara em 1917. de 1917 nas suas pinturas "mais Anita": a cor descompromissada, o
Embora não conheçamos grande parte dos trabalhos que Anita traço-pincelada gestual, o entrosamento do segundo com o primeiro
apresento u na Semana, não nos passa desapercebida a temática bra- plano numa valorização igualitária de ambos, os diversos planos da
sileira (como Baianas e Moemas) que passa a integrar seu envio, indi- figura simplificados conferindo um máximo vigor em su~ grafia, a dra-
cação evidente da preocupação nacional. maticidade de seu estilo numa exaltação emocional nunca antes vista

173 .
172 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22
São Paulo, pintava e escrevia poemas, era um típico fruto do a mbien-
te artístico modernista: inquieto, curioso, se encaminharia par a a luta
política- como, aliás, quase todos os modernistas depois de 1924 -,
mas já apresentou, na Semana, obras que dão idéia dessa "Bela Épo-
ca" que terminava ainda em nossa capital. Época romântica, que se
prolongaria até a revolução de 30, tempo da imagem voluptu osa do
apartamento onde não falta a vitrola onde geme um tango, "umas pol-
tronas macias, um abat-jour feito de pecados roxos, uma mulher alta,
magra e loura, loura ou morena ... " 60 .
Nesse tempo, Di Cavalcanti já era conhecido como ilustrador.
Seu nome é obrigatório em todos os fatos que antecedem a Semana, a
partir de 1917, em São Paulo: ilustrador de Manuel Bandeira em Car-
naval, em 1919, já era desenhista de humor, ilustrador e autor de ca-
pas de O Pirralho em 1917, além de colaborar assiduamente em 1918
em Panóplia, e na Fon Fon! em 1921, não apenas como ilustrador, mas
também como jornalista.
Apesar de sua estada irregular em São Paulo de 1917 a 1922,
como estudante-pintor-jornalista, expusera três vezes na capital pau-
lista61. Por ocasião da Semana estava em fase de lançamento o seu li-
vro Fantoches da meia-noite, uma sátira social por meio de figuras de
marionetes, prefaciado por Ribeiro Couto e editado por Monteiro
Lobato & Cia.
Nas revistas acima citadas, as suas ilustrações- e aliás nesta fase
são algumas confundíveis com as de Ferrignac - denunciam a nítida
inspiração em Beardsley, com a estilização característica do grande
artista gráfico inglês impregnado de orientalismo. Mas a alteração de
experimentação do jovem Di, pastel, nanquim, óleo, carvão, está pa-
tente nas suas colaborações nessas revistas. Assim é que um retrato do
,,
1'1 .
il dr. Caio Prado, em O Pirralho, em setembro de 1917, aponta uma
1:1, preocupação de geometrização construtiva, uma depuração que foge
~~Ii
I·q, Anita Malfatti, O japonês, 1915-16, óleo s/ tela, 61 x 51 em, Coleção Mário de à elegância mais fácil das demais ilustrações da época.
Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo. Se do ponto de vista artístico ainda não estava seguro, Di repre-
li. sentava, entretanto, a inquietação do momento. E fez-se representar
'I
11
entre nós e que fazem de telas como O farol e A boba, exemplares, com doze trabalhos, sendo que somente dois em ól'eo: Ao pé da cruz e
il
sem dúvida, da melhor pintura até hoje já realizada no Brasil. Retrato . Caracteriza este último o tom "penumbrista" tão ao gosto
da época, como o afirma o próprio Di, o rosto parcialmente ilumina-
O jovem Di do, emergindo de uma densa obscuridade. Todos os demais trabalhos
Idealizador da Semana, o jovem Di Cavalcanti, que se iniciara expostos na Semana, conforme depoimento do artista 62 , "são em de-
como ilustrador e caricaturista, e nos anos anteriores à Semana, em senho e pastel". O homem do mar, de 1920, foi da coleção de Mário

Artes Plásticas na Semana de 22 175


174 Aracy A. Amaral
1111
"

Emiliano Di Cavalcanti, Sem título (Figura), c. 1920, Emiliano Di Cavalcanti, Boêmios (Amigos ), c. 1921,
óleo s/ tela, 74,5 x 48,5 em, co!. Fanny Feffer, São Paulo. pastel s/ papel, 34 x 23 em, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
de Andrade, e trata-se de pastel. Quanto ao Café turco, foi apresenta-
do em duas versões, sendo a de 1917 um desenho em sépia e carvão
preto, e a de 1921, segundo o artista, "uma có'pia do primeiro porém
com técnicas mais avançadas, experiências cubistizantes". O roman- . ..:- ',
tismo de Di, nessa fase, está bem expresso nos títulos dos seus traba-
lhos em pastel A dúvida, Coqueteria, Boêmios e Intimidade. A obra
Boêmios, que integrou a coleção de Freitas Valle, já demonstra uma
técnica apurada no pastel, ao mesmo tempo em que a atmosfera bem
fim-de-século a que nos referimos, com os dois rostos em iluminação
penumbrosa, envoltos em névoa escura.
Além de uma penúltima obra, A piedade da inerte, ilustração, o
seu último conjunto de trabalhos: "Ilustrações para um Livro". T ra-
ta-se, segundo Di, das ilustrações para os Fantoches da meia~noite, ou
das ilustrações que fez para a Dança das horas, de Guilherme de Al-
meida, sendo difícil precisar exatamente qual, tantos anos passados.
Encerrada a Semana, Di partiu para o Rio, de onde embarcaria
em 1923 para Paris, lá permanecendo até 1925. Seria nessa estada que,
independente de estudos com mestres, mas guiado apenas por sua sen-
sibilidade, produziria os seus melhores desenhos, assim como se apli-
II.
caria ao exercício severo de técnicas, atendo-se à disciplina cubista,
numa depuração cujo resultado mais elevado seria, poucos anos de-
pois, a tela Cinco moças de Guaratinguetá. Já então, Di se centraliza
no seu assunto predileto, a mulher brasileira, que cultivaria em todo
o decorrer de sua carreira.

Pelo Rio: Zina Aita e Rêgo Monteiro


Além de Martins Ribeiro e Leão Velloso, cujas representações
permanecem de difícil levantamento nesta exposição, dois artistas vin-·
dos do Rio de Janeiro trouxeram um sopro fresco co.m sua pintura
distante do academismo ainda em voga: Zina Aita e Rêgo Monteiro.
A primeira, de família e formação italianas, nascida em Belo Ho-
rizonte, tendo estudado em Florença, de volta ao Brasil, no Rio de Ja-
neiro conheceu Ronald de Carvalho e Manuel Bandeira, que a indu-
ziram a participar da Semana. Sete trabalhos compõem seu envio. Co-
nhecemos de 1922 apenas um trabalho seu, o pastel Trabalhadores (ou
Petrópolis, que poderia ser também, pelo tema, A sombra, que cons- Zina Aita, Sem título, 1923, aquarela, 27 x 20,5 em,
ta no catálogo), adquirido em março de 1922 na exposição que a ar- co!. Oswaldo Ballarin, São Paulo.
tista faria na primeira semana desse mês na Livraria O Livro, de Ja-
cinto Silva, por Yan de Almeida Prado. Numa técnica pós-impres-

178 Aracy A. Amaral


sionista, a composição constante de manchas coloridas justapostas à
Vuillard, essa pequena obra parece-nos uma das' mais avançadas das
presentes na Semana. Exímia aquarelista, não deixa de causar surpre-
sa, contudo, em Zina Aita, alguns trabalhos nesta técnica realizados
em 1923, alguns de concepção bastante acadêmica para a autora de
trabalho como o precedente.
Todavia, a artista de certa forma permaneceria fiel ao seu mes-
tre Chini, de Florença, de quem herdou pendor para as artes decora-
tivas, às quais iria se dedicar durante grande parte de sua vida, após
seu retorno à Itália em 1924.
Em relação ao Brasil, entretanto, o seu contato com o nosso meio
artístico se limitou à sua participação histórica na Semana, e a admi-
ração que suas obras expostas suscitou em vários dos participantes.
Yan de Almeida Prado referiu-se a Zina Aita considerandó-a mesmo
como "o melhor da mostra em pintura".
Como Brecheret, Vicente do Rêgo Monteiro achava-se em Paris
em fevereiro de 1922, mas, diz ele, "participei por intermédio de RonaÍd
de Carvalho que foi o artífice da minha volta à Europa em setembro
Vicente do Rêgo Monteiro, Cabeças de negras, 1920,
óleo s/ tela, 41 x 50 em, co!. particular, Rio de Janeiro.

de 1921 " 63 . O pintor pernambucano, que regressara da França em


1914, realizaria, portanto, no Brasil, os dez trabalhos que faziam parte
da coleção de Ronald de Carvalho e que integraram seu envio à Semana
de Arte Moderna: três retratos (entre eles um de Ronald de Carvalho),
Cabeças de negras, Cabeça verde, Baile no Assyrio, além de quatro
·outros, sendo dois Lenda brasileira e dois Cubismo.
A curiosidade pelas novas tendências, já mencionada no caso de
Di Cavalcanti, também se aplica a Rêgo Monteiro, que registra os inte-
resses do momento: das experiências "cubistas" (ou à maneira cubista),
l
1
ao divisionismo presente na tela da coleção Mário de Andrade (e que
1' poderia talvez ser Lenda brasileira?) e em Cabeças de negras, aos "as- ,,1. 1'

suntos brasileiros populares e lendários" , como Anita Malfatti descre- f,


'i
veu a pintura desse artista pernambucano presente na Semana. ),

Aliás, Rêgo Monteiro seria um dos primeiros a trazer para sua


j
pintura os assuntos brasileiros, como vemos, desde 1920, data de Lenda l
Zina Aita, Trabalhadores (ou Petrópolis, ou A sombra), c. 1922, brasileira. Em 1923, em Paris, seu ateliê do n° 19, rue Gros (hoje de-
óleo s/ tela, 22 x 29 em, co!. particular. molido), tinha suas paredes forradas de "telas abstratas", conforme

"0(\
Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 181
Vicente do algo que correspondesse ao título Natureza dadaísta. Aqui, o adj eti-
Rêgo Monteiro, vo t;elacionado ao grupo niilista da Primeira Guerra Mundial, assim
Sem título como em exemplos anteriores já citados (como Impressão divisionista,
(Composição), de Anita, ou Cubismo, de Rêgo Monteiro), vigora no sentido de de-
1921, óleo s/
monstrar a informação sobre as diversas tendências mais recentes na
tela, 70 x 50 em,
Coleção Mário Europa, mesmo que a absorção e digestão do grupo em questão não
de Andrade, se tivesse realizado.
Instituto de Nem seria de supor que o ilustrador e caricaturista Ignácio da
Estudos Costa Ferreira, cujo traço rápido e expressivo fixou não poucos no fa -
Brasileiros,
Universidade de
São Paulo.
Ferrignac, Colombina, s.d., ·
nanquim, aquarela e colagem
s/ papel, 27,8 x 13,8 em,
Coleção Mário de Andrade,
Instituto de Estudos Brasileiros,
Universidade de São Paulo.

as descreve o próprio pintor, "de inspiração linear marajoara", de


acordo com pintura de Joaquim do Rêgo Monteiro retratando o ate-
liê do irmão.
Nesse mesmo ano, também em Paris, Tarsila pintava a sua Cai-
pirinha, bem como A negra, em plena irrupção do Brasil projetado
pictorialmente. Esse estudo dos motivos indígenas da Amazônia leva-
ria Rêgo Monteiro, ainda em 1923, a escolher e ilustrar um volume
sobre lendas brasileiras, publicado em Paris. 64

Ferrignac: o título era moderníssimo


Pelas obras de Ferrignac que tivemos oportunidade de conhecer,
seu único trabalho exposto na Semana nunca poderia ser realmente

Artes Plásticas na Semana de 22 183


182 Aracy A. Amaral
moso diário da garçonniere de Oswald de Andrade (de 1918 a 1919) 65 ,
pudesse ter o ânimo destruidor do movimento dadaísta . Embora sem
conhecermos seu trabalho exposto na Semana, o título leva-nos antes
a crer num trabalho reunindo o máximo de extravagância, com uma
certa dose do " moderno" mundano como era do gosto de Ferrignac e
conforme nos fornece alguma indicação a Co lombina, de sua autoria,
rea lizada em técnica mista e colagem.

Yan e Paim: "Por pura troça"


Constante sempre na relação dos participantes da Semana, pou-
cos sabem que Yan de Almeida Prado dela fez parte "por pura tro-
ça", conforme seu depoimento . Segundo o historiador, "muito pro-
vavelmente" o convite lhe fôra feito "por alguns dos que subscreve-
ram com somas a lista de patrocínio da Semana, como Alberto Pen-
tea do, Alfredo Pujol, René T hiollier ou Paulo Prado" 66 .
" A minha participação era mera procura de desfastio em modor-
renta cidade de província, com apenas quinhentos mil habitantes em
I,
1922, em extremo laboriosos (ainda são), os quais findo o trabalho
desapareciam para descanso . Ocorreu-me nela tomar parte à guisa de
divertimento. Nessa intenção recorri a Paim Vieira, ilustrador de quan-
tidade de livros da época- de Martins Fontes, Guilherme de Almeida,
Menotti del Picchia e outros", narrou certa vez Yan. E assim foi que
os trab alhos enviados em seu nome à Semana foram fe itos "a quatro
mãos com Paim Vieira", durante longo tempo um desconhecido par-
ticipante - por piada embora - da Semana.
D ado esporadicamente ao desenho, diz Yan que " poderia facil-
mente traçar ra biscos para a mostra (por mim cada vez mais conside- Yan de Almeida Prado, desenho publicado hors texte em
rada feira de tremendas vaidades pelo que me fôra dado presenciar nas Klaxon, no 6, 15 de outubro de 1922.
·I f
reuniões preparatórias), mas Paim já tinha tudo pronto, tintas, papel
crayon, verniz, até caixilhos, sorte a ser mais prático e cômodo en- uma figura com manchas e com riscos pretos, muito segundo a moda,
carregá-lo da tarefa. Em dois tempos a coisa estava feita, talvez com unindo os planos diversos. Conforme o gosto de Yan, risquei em ou-
um ou dois desenhos de minha autoria, tão informes e absurdos como tros, com branco, pequenos traços também paralelos" 68 • Eram collages,
os demais, e, lá fui dependurá-los no saguão do teatro, num vasto ta- e Paim Vieira confirma a intenção da dupla: "Entramos dentro daquele
bique à esquerda de quem sobe a escadaria" 67 . movimento com espírito de gozação, mal sabendo que o verdadeiro
E como eram esses dois trabalhos constantes do catálogo em nome espírito da escola era realmente o sense o f humour ... ". Sem convicções
de J.F. de Almeida Prado? Depõe o co-autor, Antônio Paim Vieira, em de ordem estética, portanto, a dupla terminou os trabalhos que am-
casa de quem Yan gostava de desenhar: "Utilizamos uns papéis ver- bos intitularam deLe faune rassacié, Une anglaise m'a dit, e Galpol-
melhos , de cor intensa, de superfície aveludada (eram importados, de linairé9. Segundo Paim Vieira, os títulos também foram inventados
excelente qualidade!), além de outros amarelos . Um dos trabalhos era para ir ao encontro da nova poesia, absurda a seu ver, que os moder-

184 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 185


Notícia sobre o Assim, ironicamente e sem mesmo terem compreendido o sen-
encerramento da tido do movimento, Yan de Almeida Prado e Paim Vieira passariam,
Semana de Arte a despeito de sua "gozação", à história da renovação das artes no Brasil
Moderna, por terem participado, num gesto de desfastio, como diz Yan, da ex-
publicada no posição que seria um marco na cultura brasileira ...
jornal A Gazeta,
23 de fevereiro de
1922, São Paulo. Da Suíça: ]ohn Graz
:LíGIA:Jnt·icasTúMES·--~ ~Z~EldAN:N D~~RTt):;r\'c·Oc·-f( 2 Além de Haarberg, que chegara ao Brasil pouco antes da Sema-

- DE-:S~NfQS(c:•:, -·. E; ;iJ::1t~i~qfÍ~lfol~:1;1if'1 na, o pintor suíço John Graz, recém-aportado, e casado com R egina

cousas.·: iiúí''lli~rliuenf.:'~· '":~,.JI-~iJI~{J;R!ª!-::P~'-.~~if71i. I Gomide Graz 7 1, rapidamente se integrou ao grupo modernista, apre-
sentando-se na Semana com oito quadros a óleo.
::~ ~;~i~!:~-~~;~~i::.a-:.= ~i!~:J~~~i~~~!~s .> - ~ , ::_~;:
llsqq-nt.__ , ll~i.':J_ J.b,& <::~4a4~,-.;tt~, m..UÍ'ftn&t• 1 -.-a ·:~--·~--·Ate ,tlrl4:-: »lu·
Ex-aluno de Gilliard e Vernet, da Escola de Belas-Artes de Gene-
1u~d~ , ~D(fa _a .. t..,tt.·:~d•~ -111:0~ -.,,_~é:: n&LII!lca., - -.o;::JituJi.ltlp~1~~--»~o bra, John Graz estudara durante dois anos com Moos, em Munique,
~ t~~~~;i.':JJ~::~::~=~~~ .:;~4-i;.~.~:_~~~~~~~:· ~~4: ~;~~:fôl
0 1

D.ltqaai--:;- ~ecll4&1:~~taa " • .·,Drati"'· ~ I_OI;·.HIMC'(SYW _- ~1Jil.lli:U.d.~ro,; ..... especialista em técnica de cartazes de publicidade. Depois de uma bolsa
»~I~. J~Uil~{· \f~ ,. ço'at_u~~-~ .-eqt; ff:t,"/::::~.~~'à.~~-~ii!:~!in~~~~- d~.
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m'aa ~r... ~_, aoU~;c14o.,"~•j•r•. t:ôm?~JtC:t~QtM -e..pou.çoa:. ~_nlf·ri-J~ V~Loo:- ·
de estudos de três meses na Espanha, chegou ao Brasil em 1920, já dono
rarJ_t~•4..-~ IJ."'<D:t•U•~·:Il.O :-.ID~l· n.;·A•r-m. .;,.nt~.Udo•- ·tq~~-· o• -:.Pprq ..
1 4o - •uu ·, tuoocGn:' d•(a~1J4•1..... 'P.l"'~-- · $-qif:,;,:a:et\IJt,ai:\a~- 4 ~ t1,.,1do de uma técnica amadurecida, e expôs em São Paulo nesse mesmo ano.
: ': :.:\ "· . ·;. · ,,._..:.. -.·,, ·/ PrJ A~pal=.~~-• ::: ••-• _;Ju·!ço'a_ · · ~aõ'Jõ_C!_..~
4~ulm: .A· q_U~ .- ~t . . · etpal~' rt4oa o_ qu_•::.._~":. Cl0~ 't_\•V.,' 4!_··'(1a ..
hiS . l'tllill- «t . lnaJa , eentrae)f , ,--e : hU:~·. .... ,~, __.~ ,_ -;cava·~~ ~~ qu.~ ;.~~-. ll~
du P~~ :- tam.a_U«a : dtcn••,d~. aü-n_:~:,,:f::!.~~··~ -~~ :i~~·!f ,_ ~~~·-
At;;:::t!;:,·~·;:.:~;~~;~b~~~ ~~~i=~-~-.~-=~~~J::,~:· :/:.:·~---~
lt••· :~~~· o ·. ueandat~.- •. ~~.:4•~- :...:po4Uí .qu.,..~:•.:.-~.-~r~~c.~a.. o..
l~_&D10,-_tp~:.ar-.T~_. Qlii~O'_.P~ •-& ·- ~~o>., -.!•·•:C~q':;.J)U: ~~ l:mo.~to~.·
tii\Q--~M
:LJ. 1 c ~
John Graz,

;~~~~ª~~~~.,;~~;_; 'j
Paisagem de
Espanha
(Ciprestes), c. 1920,
•lntti,IUILa IIIUO ''O.:"idludJ\I,o ·-poiJela,l X)QOClQC)OQràoQOopooot-OOOOOoá-,, ,-r • :· ~ - ••. ·,_
óleo s/ tela,
;,:·~·~\!~~~.{~::~:;.~:;~~!~::;~ · ~:~.;.~~:~,,~~~:1-:;~:~SJ:~f:;g.~~;:~::l - _ _.;:. 73 x 59 em,
co!. Gerda Brauen,
São Paulo.

nistas divulgavam. Perdidos os trabalhos apresentados, torna-se im-


possível comentá-los, embora possamos observar o primarismo mo-
dernizante do desenho de Yan de Almeida Prado, aparecido como J_
extra-texto em Klaxon, nesse mesmo ano de 1922, figura de evidente
inspiração da fase metafísica de Carlo Carrà de 1917, em seus ma-
nequins aparentemente costurados. Não comungando com as idéias
modernistas, nesta colaboração para Klaxon não se pode contudo afir-
mar desejo de gozação, posto que o autor do desenho preparou o ori-
ginal para a impressão. Quanto a Paim Vieira, excelente ilustrador,
forte estilização já caracterizava seus trabalhos de 1923-24 para are-
vista Arie[7°, por cuja direção artística ele respondia, e, sem dúvida,
cuidada e arrojada para o tempo em seu planejamento gráfico. Em-
bora não tenha feito carreira como gravador, Paim Vieira foi um dos
primeiros, senão o primeiro, a fazer xilogravura em São Paulo.

Artes Plásticas na Semana de 22 187


186 Aracy A. Amaral
manifestado interesse pelo jovem artista. Oswald de Andrade, por sua .-
vez, compra-lhe uma tela, A ceia, conforme depoimento do artista, e
não deixa de mencioná-lo no discurso do Trianon 72 .
Todos os quadros apresentados por John Graz na exposição do
Municipal tinham sido realizados ainda na Europa, em Genebra, sen-
do dois dentre eles (Paisagem de Espanha) feitos no decorrer de sua
bolsa de estudos. Uma certa transfiguração hodleriana transparece em '!
suas telas Retrato do ministro Gomide e, de maneira mais incisiva em
sua Paisagem suíça, onde é bem evidente o esquema de composição
baseado em linhas paralelas horizontais. Uma forte estruturação está
presente nas duas paisagens espanholas, sobretudo naquela que foca-
liza a ponte de Honda, onde a preocupação tectônica se casa com uma
sensível alteração cromática, que ganha em dramaticidade. Indiscuti-
velmente, ao lado de Anita Malfatti, qualitativamente John Graz se
colocava, nesta exposição, juntamente com Rêgo Monteiro, como um
dos pintores mais interessantes da Semana. Se sua obra não causou

John Graz, Paisagem de Espanha (Ponte de Honda), c. 1920,


óleo s/ tela, 73 x 58,4 em, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Fazendo a crítica dessa exposição, Geraldo Ferraz foi desfavo-


rável ao artista . Com efeito, Mário da Silva Brito transcreve trechos
de uma crítica publicada por ocasião da mostra no Jornal do Commer-
cio (Ed. de São Paulo), em que se afirma que seus temas "obedecem a
um desequilíbrio de linhas muito acentuado, próprio das primeiras John Graz, Retrato do ministro Gomide, c. 1920,
eras" ao mesmo tempo que cita ter Mário de Andrade, por outro lado, óleo s/ tela, 84,5 x 108,8 em, Museu de Arte de São Paulo.

188 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 189


15 Mário da Silva Brito em seu artigo "O estrangeiro e a Semana de Arte 28
Só a capa desse catálogo do programa geral da Semana nos chegou às mãos,
.
Moderna", in jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1972, conse- desvestido de seu miolo. Trata-se do original hoje na Coleção Mário de Andrade
guiu localizar no Fanfulla e Deutsche Zeitung, respectivamente de 21 de feverei- do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, proveniente do
ro de 1922 e no segundo nos dias 13 e 16 de fevereiro de 1922 artigos sobre a arquivo de nosso grande modernista.
arte moderna apresentada no Municipal. O jornal da colônia alemã em São Pau- 29
De evidente e distante influência da pincelada construtiva paralela de Paul
lo menciona explicitamente a exposição de arte "onde as pessoas, mesmo só um Cézanne.
pouco fam iliarizadas com as tendências artísticas da época atual, encontrarão em 30 Depoimento de Di Cavalcanti à Autora, a 25 de fevereiro de 1970.
abundância peças interessantes, embora nem tudo possa ser do agrado de todos",
31Depoimento telefônico de Guilherme Malfatti à Autora, a 29 de setem-
enfatizando a presença do expressionismo entre as obras apresentadas (vide nos-
sa nota 44, neste capítulo). bro de 1969.
32
!6René Thiollier, A Semana de Arte Moderna (Depoimento inédito}, São Vicente Licínio Cardoso, Filosofia da arte, 2• ed., Rio de Janeiro, José
Paulo, Cupolo, s.d., p. 35. Olympio, 1935, p. 275. Quanto aos bungalows o autor refere-se à inexistência da
17 decoração propriamente dita, o aspecto artístico obtido pelo conjunto dos próprios
"Novos depoimentos sobre a Semana de Arte Moderna", O Estado de S.
elementos construtivos, p. 302. Quanto ao skyscraper, Licínio Cardoso observa o
Paulo (S uplemento Literário), 14 de abril de 1962.
seu aspecto utilitário em Chicago e depois sua aceitação em Nova York com apro-
IS René Thiollier, op. cit., pp . 43-4 . veitamento da verticalidade dos edifícios com os elevadores elétricos de "inven-
19"A chegada da arte moderna ao Brasil", conferência de Anita Malfatti na ção igualmente americana".
Pinacoteca do Estado, São Paulo, a 25 do outubro de 1951. 33 Idem, p. 275. O desconhecimento da arquitetura norte-americana atual
20Mário de Andrade, "A semana futurista", "Pró" (Notas de Arte), in A (do seu tempo) pela Europa é atribuído, por Licínio Cardoso, à pequenez do espí-
Gazeta, 4 de fevereiro de 1922. rito crítico europeu (p. 267). Este autor, que fazia, aliás como Graça Aranha, sé-
21 Oswald de Andrade, "Semana do Arte Moderna" ,Jornal do Commercio rias restrições ao cubismo, não deixava, contraditoriamente, de ter uma posição
(Ed. de São Paulo), 11 de fevereiro de 1922. avançada, se não profética, e talvez em virtude justamente de seu conhecimento
22 Idem . da arte norte-americana. "[ ... ]o tempo da pintura passou, corno antes já passara
23
o da escultura que, aliás, ainda possui menores recursos de expressão" [... ] "Corno
Folhetim "Pelo mundo das artes" do jornal do Commercio (Ed. de São modos de expressão a nossa época possui recursos materiais ainda melhores e mais
Paulo), 22 de fevereiro de 1922. consoantes com as necessidades de nossa civilização, apesar do período primário
24 Como se sabe, Darius Milhaud viveu no Brasil durante a Primeira Guerra
que ainda atravessa a cinematografia. A delicadeza do assunto exige aqui cuida-
Mundial, tendo vindo ao Rio como secretário do Ministro de Negócios da Fran- dos duplos, mas quer nos parecer que os exemplos escolhidos esclarecem bem o
ça, Pau l Claudel. Em nosso país seria profundamente influenciado pela música que tínhamos em mente dizer." Op. cit., pp. 146-7.
brasileira de origem africana, editando, a seu retorno à França, a coletânea Sau- 34 Ver Mário da Silva Brito, op. cit., pp. 312-13. Trata-se de citação de ar-
dades do Brasil.
tigo de Hélios, "Um arquiteto", in Correio Paulistano, 20 de julho de 1921.
25 Tanto Dampierre (1912) como Mulher em círculos (1921) são da cole- 35 Ver foto-rnaquete, Monumento às Bandeiras, de Brecheret, in S. Paulo,
ção José Paulo Moreira da Fonseca, Rio de Janeiro. Outros nomes ligados à Aca-
no 2, São Paulo, fevereiro de 1936.
demia e que praticavam com moderação certas tendências impressionistas pode-
36In João de Deus Cardoso, "Antônio Garcia Moya, o poeta da pedra: vida
riam ser citados, como Georgina de Albuquerque e Carlos Ch.ambelland.
26 José Roberto Teixeira Leite, que colheu depoimento de Goeldi em 1949, e obra", monografia para a Cadeira de História da Arte e Estética da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, junho de 1965.
para trabalho posteriormente publicado em Gravura brasileira contemporânea,
37 "Novos depoimentos sobre a Semana de Arte Moderna" in O Estado de
não pôde, igualmente, nada esclarecer sobre este ponto nebuloso (depoimento à
Autora em 22 de março de 1970). Segundo Beatriz Raynal, "Goeldi sempre foi mui- S. Paulo, Suplemento Literário, São Paulo, 14 de abril de 1962.
to ligado aos modernistas", mas não se recorda do gravador se ter referido espe- 38 "Difícil é dizer qual das correntes européias mais influiu nos modernistas

cificamente à sua participação na Semana. Depoimento à Autora em 22 de março brasileiros. É certo, porém, que o futurismo terá sido o que menos pesou", escre-
de 1970 . veria Manuel Bandeira, e esse comentário se ajusta também às artes plásticas.
27
Segundo depoimento à Autora a 5 de fevereiro de 1970, Paim Vieira, por Manuel Bandeira, in op. cit., p. 132.
volta de 1924, esteve com Goeldi no Rio, "onde fazia umas gravuras minúsculas, 39 Na época da Semana, bem corno nos anos que a antecederam, a juventu-
quase cr-o tamanho de caixa de fósforos tiradas em papel de seda". de inquieta e curiosa, sem os canais de informação de nossos dias (TV, rádio, cinema,

192 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 193


r
['!
~: computador) se concentrava na literatura, na poesia, no teatro, nas artes plásti- classicismo pictórico em que se havia enfocado". A resposta de Loba to foi incluir
J,
~ cas: "Escreviam-se sonetos, as moças declamavam, desenhava-se. Havia, evidente- para sempre, em volume- nas Idéias de Jeca Tatu- o grosseiro artigo "Para-
~ mente, alguns cinemas em São Paulo, aos quais se ia, entretanto, esporadicamen- nóiá ou mistificação" (ver Mário da Silva Brito, op. cit., p. 114).
~ te. O teatro era diferente! Mas para os homens, o divertimento era mesmo futebol 51

~,
Carta de Rêgo Monteiro à Autora, de Brasília, datada de 6 de setembro
e artes". Depoimento de Paim Vieira à Autora, a 5 de fevereiro de 1970.
de 1968.
40
"Novos depoimentos sobre a Semana de Arte Moderna", in O Estado de 52 Embora estejam na escultura os dizeres "Roma 3-2-1920", com a inscri-
'j
S. Paulo (Suplemento Literário), 14 de abril de 1962.
~ 41
ção da assinatura. Mas é explicável pelo fato de talvez ter o artista assinado a peça
11
,, Depoimento de Mateus Fernandes, no Rio de Janeiro, à Autora, a 4 de somente em São Paulo, na data assinalada, 'registrando, porém, o local onde foi a
outubro de 1969.

1
\~I'

,
1
peça realizada.
1, 42 Ronald de Carvalho, op. cit., p. 162. 53 Mário da Silva Brito, op. cit., p. 117.
d
43
~
' 1 Depoimento de Menotti de! Picchia à Autora, a 12 de janeiro de 1968. 54
René Thiollier, op. cit., p. 44.
44
Aliás Mário diria, em Klaxon, em seu primeiro número, publicado com 55 Mário da Silva Brito, op. cit., p . 112.
1: data de 15 de maio de 1922, com certa amargura: "No Messager de S. Paulo de 8 56 Essa tendência adocicada de Brecheret o levaria, na década seguinte, a uma
!I de abril, o sr. Henri Mugnier assina um artigo sobre 'Modernismo' cheio de bom-
senso e reflexão. É curioso. Os únicos jornais que publicaram críticas independentes
aproximação de vários escultores da Europa como da América. Brecheret, em ver-
dade, foi para nós o que um Paul,Manship foi para os Estados Unidos em escultu-
~ sobre a Semana de Arte Moderna foram o Fanfulla, o Messager de S. Paulo, o
ra: "versão do 'moderno' internacional de atletas musculares heróis e supertra-
Deutsche Zeitung, a Revista Coloniale. Artigos assinados por estrangeiros ... ". Em
balhadores que.surgiram por toda a Europa e América durante essa década". Bar-
virtude dessa informação, procuramos encontrar exemplares da Revista Coloniale
bara Rose, American art since 1900, p. 246. Trad. da Autora .
(inexistente no Consulado da Itália em São Paulo), do Fanfulla (perdidos seus ar-
57 Em meio às polêmicas divulgadas pela imprensa na época da Semana,
quivos por ocasião de incêndio do jornal), e do Deutsche Zeitung (faltante no Ins-
tituto Hans Staden, de São Paulo, exatamente o mês correspondente à Semana, fe- Oswald repele, com justa fúria, nota de um anônimo em A Gazeta "contra os es-
vereiro de 1922). Posto que inexistentes essas coleções ou esses exemplares no Ar- critores e artistas que tomaram parte na Semana de Arte Moderna", na seção
quivo do Estado de São Paulo não pudemos, infelizmente, conhecer esses textos. "Publicações a Pedidos- Semana de Arte Moderna", no jornal do Commercio
Entretanto, durante a pesquisa para atualização desta edição, conseguimos locali- (Ed. de São Paulo), de 23 de fevereiro de 1922: "[ ... ]Não ignorando decerto que
zar no Instituto Italiano de Cultura (em São Paulo) exemplar microfilmado do sei me defender em qualquer terreno, ele envenenou a aquisição feita pela Prefei-
Fanfulla, datado de 21 de fevereiro de 1921, contendo um' artigo sobre a Semana, tura, da Eva, do imortal Brecheret, para ofender-me em casos personalíssimos que
artigo esse reproduzido no "Apêndice" deste volume. nada tem que ver com a literatura". Conta Oswald que Eva foi paga, da mesma
45 forma que a primeira prestação do monumento contratado a Francisca Júlia pelo
Mário de Andrade, "Folhas mortas" (Crônica de Arte), in Revista do Brasil.
Governo do Estado, ao capitalista e intelectual Armando Pamplona, a quem Bre-
São Paulo, no 86, fevereiro de 1923, pp. 139-40 . .
cheret dera procuração para "ambas as liquidações". Refere-se depois à entrega,
46
Idem, ibidem. pelo sr. Pamplona, das somas ao sr. Enrique Nanni, tio de Brecheret.
47
· ·~ I IIDI r Com efeito, Haarberg proporcionava aos mesmos, em suas aulas, liber- 58 Depoimento de Di Cavalcanti à Autora, a 5 de fevereiro de 1970.
' dade antiacadêmica. Dos trabalhos desses alunos, Mário de Andrade diria no 59 Segundo o catálogo da Exposição Comemorativa da Semana realizada
mesmo texto que procediam de meninos "educados na jus.ta noção de arte, capa-
no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1952, é possível ver que, além das
j zes de compreender a escultura como jogo da luz no volume", conceito esse bas-
12 telas, Anita Malfatti apresentou trabalhos nas seguintes técnicas, na Semana
11 1
tante avançado no tempo em nosso meio onde a modelagem estava restrita às leis
il
de 22: nanquim sobre papel, pastel, gravura (água-tinta) e carvão. Assim, lá se
:111•
acadêmicas da imitação da natureza, a temática superando os problemas de or-
acham discriminados como "óleo" telas que também constam da relação da Se-
I dem estrutural. ·
mana : A estudante russa, O homem amarelo, O japonês, A mulher de cabelos
48
Mário da Silva Brito, op. cit., p. 110. verdes, A ventania, Penhascos . Nanquim sobre papel: Casa de chá. Pastel: O
49 Idem, p. 111 . homem das sete cores, Moemas. Carvão: Cristo e São Sebastião. Água-tinta em
50
Idem, p. 113. Acrescenta, entretanto, o historiador do Modernismo que 3 cores: Arvores japonesas.
60
De entrevista de Brasil Gerson, crítico teatral, ao Diário de São Paulo, 24
os apelos de Menotti de! Picchia não encontraram ressonância em Lobato, que
jamais reformou a sua opinião, apesar de o famoso escritor, no dizer do poeta de de março de 1929.
]uca Mulato, ter alargado, então, "seu horizonte estético, saindo da cafurna do 61 Em sua edição de 20 de abril de 191 7, O Pirralho, revista dirigida por

194 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 195


Oswald de Andrade, registra a primeira exposição de Di Cavalcanti em São Pau- .,_
6.
lo, so b o título "Exposição de Caricaturas". Participando esse número da revista
AS IDÉIAS NO CONTEXTO DA SEMANA
em sua primeira página que o jovem artista passa a nela colaborar, diz o seguinte
a notícia sobre a mostra: "Inaugurou-se numa das salas da redação da Cigarra a
exposição de caricaturas do nosso companheiro de trabalh o Emiliano de Albu-
querque. Di, que reparte conosco a sua atividade, deve estar satisfeito com o êxito
da sua exposição que tem sido bastante apreciada", fazendo votos, a seguir, de pleno
sucesso em sua carreira artística. A aceitação de Di por O Pirralho foi imediata,
pois, no mês seguinte, o número de 12 de maio já estampa capa de sua autoria. "E sobretudo que se saiba que somos
62 Depoimento de Di Cavalcanti à Autora, a 25 de fevereiro de 1970. reacionários, porque nos domina e exalta uma
63 Carta do artista à Autora, datada de Brasília, 6 de setembro de 1968. grande aspiração de classicismo construtor.
64 Queremos mal ao academismo porque ele é o
Legendes, croyances et talismans des indiens de l'Amazonie, com apre-
sufocador de todas as aspirações joviais e de todas
sentação de P. L. Duchartre, ilustrações e capa de Vicente do Rêgo Monteiro, Paris,
as iniciativas possantes. Para vencê-lo destruímos.
Tolmer, 1923. Arquivo do artista .
Daí o nosso galhardo salto de sarcasmo, de
65 O diário-álbum intitula-se O perfeito cozinheiro das almas ... deste mun- violência e de força . Somos 'boxeurs' na arena.
do. C om contribuições de todos os freqüentadores da garçonniere éla rua Líbero Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade.
Badaró, Ferrignac deixou também caricaturas de Oswald, Deisi, Jeroly, Viviano, Essa virá quando vier a vitória e o futurismo de
Guilherme de Almeida, Vicente Rao e Leo Vaz. Ver, a respeito, de Mário da Silva hoje alcançar o seu ideal clássico."
Brito, "O perfeito cozinheiro das almas deste mundo", in O Estado de S. Paulo
Oswald de Andrade 1 ~·
(S up lemento Literário), 16 de março de 1968. '
; . 66

67
Depoimento à Autora, a 7 de outubro de 1969.
"Novos depoimentos sobre a Semana de Arte Moderna", in O Estado de A expressão "reacionários", usada por Oswald no texto que abre
S. Paulo (Suplemento Literário), 14 de abril de 1962. É bem típica do Brasil esta
este capítulo, significa, evidentemente, que os modernistas represen-
ausência de convicção, esta improvisação, esta fa lta de respeito cultura lmente fa-
lando, esta audácia de "também-entro-nesta-vamos-ver-no-que-dá", bem brasi-
tam uma reação contra o academismo. E embora possa causar estra-
leira. Denuncia também a inconsistência do nosso ambiente artístico e a ausência nheza em muitos que ele denomine de "classicismo" o movimento re-
de profissionalismo no mundo artístico daquela época. volucionário, isso nos dá contudo a certeza de que o desejado pelos
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Depoimento de Antônio Paim Vieira à Autora, a 5 de fevereiro de 1970.
Paim Vieira menciona três trabalhos feitos, porém no catálogo constam
modernistas não era apenas destruir, mas, numa segunda etapa, cons-
tituir uma nova escola, caracterizada, porém, por abertura, posto que
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apenas Dois desenhos. desvestida de dogmas. Quando Oswald se refere ao passadismo como
70 Ver "Nossas revistas de cultura", de Antônio Barreto do Amaral, in Re- "sufocador de todas as aspirações joviais e de todas as iniciativas pos-
vista do Arquivo Municipal, vol. CLXXIV, Ano XXXI, p. 156. Paim Vieira foi santes", está bem claro que o rejeitado é sobretudo a ausência de aber-
autor do extra-texto de Ariel, intitulado Ecce homo!, do número de abril de 1924. tura, e a estratificação de uma arte em função de um tempo que não
Elementos decorativos de inspiração indígena, bem como de vegetação tipicamente mais existe. Daí por que a declaração citada está banhada em tom
brasileira, eram motivos constantes nas vinhetas da revista.
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guerreiro: "Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade. Essa
Embora não participante da Semana na exposição do Municipal, ao cort-
virá quando vier a vitória", ou seja, passado o período de clímax revolu-
trário do que afirmaram René Thiollier e Di Cavalcanti, Regina Gomide Graz
desenvolveu intensa atividade no campo da renovação das artes decorativas em cionário, o movimento, tornado situação, se transformará em escola.
São Paulo. Ver em Mirante das Artes, o artigo de Aracy Amaral, "Os artistas da Para vencer o academismo, entretanto, é preciso usar de todas
Semana de Arte Moderna", março-abril, 1968. as armas, está-se em guerra: o sarcasmo que humilha, a violência demo-
72 Mário da Silva Brito, op. cit., pp. 163, 182. lidora como a força do ataque. E se pela imprensa os ataques já se su-
73 Di Cavalcanti, op . cit., p. 122. cediam havia dois anos, o confronto violento se daria na primeira gran-
de luta, que foi a Semana de 22. Curioso que, de certa forma, a !in-

196 Aracy A. Amaral Artes Plásticas na Semana de 22 197

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