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O homem
ao quadrado
Nota do digitalizador: O autor usa como recurso humorístico a
forma errada de se escrever alguma palavras e a própria
diagramação do livro, que procurei respeitar na medida do
possível.
HUMORISMO é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros. Há
duas espécies de humorismo: o trágico e o cômico. O trágico é o que
não consegue fazer rir; o cômico é o que é verdadeiramente trágico
para se fazer.
LEON ELIACHAR
OBRAS DO AUTOR
1922 — POR QUE NASCI — Inédito
1923 — MEUS PRIMEIROS PASSOS — Inédito
1924 — COMO FAZER AMIGOS SEM SUJAR AS FRALDAS —
Inédito
1925 — COMO FAZER FRALDAS SEM SUJAR OS AMIGOS —
Inédito
1926 — MINHA MAMADEIRA, MINHA ALMA — Inédito
1927 — MENINO PRÉ-COICE — Inédito
1928 — ÉRAMOS UM — Inédito
1929 — AS NEVES QUE TE MANJARAM — Inédito
1930/45 — MEUS QUINZE ANOS DE SILÊNCIO — Censurado
1946 — O MAR FOI MINHA RUÍNA — Inédito
1947 — SANGUE, SUOR E RISOS — Inédito
1948 — MEU ENCONTRO COM BB — Inédito
1949 — MINHA LUTA COM CC — Inédito
1950 — UM INCERTO SORRISO — Inédito
1951 — DR. CHICAGO — Inédito
1952 — MAR VIVO — Inédito
1953 — VINHAS DO IRÃ — Inédito
1954 — A VELHA E O LAR — Inédito
1955 — BOM DIA, ALEGRIA — Inédito
1956 — PELE, BOLA E CANELA — Inédito
1957 — EM BUSCA DO TEMPO RECUPERADO — Inédito
1958 — GUERRA E PÁS — Inédito
1959 — OS IRMÃOS CARA-OU-COROA — Inédito
1960 — O HOMEM AO QUADRADO — Editado (até que enfim!)
PÁGINA PARA DEDICATÓRIA
À MINHA MÃE
a que primeiro me viu chorar
e a quem primeiro fiz rir
AGRADECIMENTO
PRE...FAÇO
A gente nasce, cresce um pouquinho, vai brincar de esconder com
os meninos da rua, quebra vidraça do vizinho, mamãe chega e põe a
gente de castigo, não dá sobremesa durante uma semana, papai
suspende a matinal do cinema e se a gente facilita ainda vai pra um
colégio interno.
Depois a gente cresce mais um pouquinho, já está na escola
aprendendo uma porção de coisas que a gente não sabia como era nem
por que era, mas acaba sabendo só "como", já que o "por que" a gente
nunca aprende. Isso não se faz, aquilo é muito feio, veja o exemplo de
fulano, que é um homem direito e respeitável. Aí a gente resolve
também ser um "homem direito e respeitável". E acaba sendo
humorista.
Foi assim que abri a porta de casa e saí. Nunca mais voltei. Lá
fora, me diziam uma coisa, eu via outra. Nada importava: já não
precisava das notas mensais para passar de ano. Agora os anos
passariam por mim. Eu só olhava.
Este livro é o meu mundo e o seu mundo — mas como eu o vejo.
Você é até capaz de rir: ou de mim, ou do mundo.
O Autor
SUMÁRIO
De trás para diante, porque
ri melhor quem ri por último
A MÁQUINA
Diante do gigante de aço, um homem gesticulava:
— Como o senhor está vendo, esta máquina faz tudo ao mesmo
tempo. Este tubo aqui exala um ar quente que, em contato com o
monóxido de carbono que passa por esse outro tubo, impulsiona
esse pequeno gancho que fricciona essa pedrinha aqui, provocando a
faísca que inflama o combustível. Este desce por esse cano e vai
impulsionar os motores que giram a uma velocidade de 3 728 rotações
por segundo. Estes pratos provocam um calor que movimenta estes
motores que funcionam a jato, enquanto que este dínamo gera
eletricidade própria. Tudo funcionando normalmente, produz um
resultado consideravelmente satisfatório, pois essa máquina fabrica
1100 pães de forma por minuto, 350 mostradores de relógios, 810
alfinetes de cabeça, 25 máquinas de escrever, 986 cabos de vassoura,
além de pequenos pares de peças para aviões bimotores.
O visitante ficou boquiaberto:
— Mas isso é fantástico! E como é que se faz funcionar essa
máquina?
O inventor esfregou as mãos de contente e respondeu:
— Muito simples. Basta apertar esse botãozinho aqui.
O visitante, cheio de curiosidade, quase que implorando:
— Então, o senhor podia me dar uma demonstraçãozinha?
O inventor, mudando a fisionomia, completamente triste:
— Infelizmente ainda não descobri como fazer funcionar este
maldito botão.
A DÚVIDA
O marido já não acreditava mais naquela história de dentista.
Primeiro, era uma vez por semana, depois passou a três e agora era
todo dia.
A desculpa não variava nunca:
— Querido, hoje vou ao dentista.
Foi por isso que resolveu tirar tudo a limpo. Quando a esposa se
arrumou e saiu, ele resolveu segui-la. Meia hora depois entrava num
prédio, pegava um elevador e entrava num consultório de dentista. Foi
aí que ele passou a dormir calmamente e a viver tranqüilo. E foi aí que
ela passou a ter mais liberdade de traí-lo com o dentista.
O ENCONTRO
O telefone tocou, ele atendeu, marcaram encontro. Fez a barba,
tomou banho, vestiu-se. Há uma semana que não via a noiva e hoje
era domingo, dia de ir ao cinema com ela. Apertou o botão, esperou o
elevador, desceu, alcançou a rua e foi esperar o ônibus. Fez baldeação
e chegou lá duas horas depois. Meyer. Ainda teve de esperar quarenta
minutos para que ela acabasse de se arrumar. Sua futura sogra serviu-
lhe um cafezinho na varanda, seu futuro sogro conversou com ele
sobre a situação internacional, depois leu um jornal, depois ela
apareceu. Saíram apressados. O cinema era logo ali na esquina. Foram
correndo. Ele entrou na fila e ela ficou esperando perto da portaria.
Trinta e oito minutos depois ele apareceu com os ingressos na mão.
Entraram. No salão escuro o vagalume indicou: "um lugar". Ela então
correu e sentou.
A MULHER EXEMPLAR
Antes de tudo, linda. Esbelta. Elegante. Um olhar inteligente.
Lábios frescos, bem vermelhos. Pele rosada. Cabelos castanho-claros.
Jóias caríssimas. Não fumava. Não bebia. Não jogava. Centenas de
pessoas paravam para admirá-la. Era discutida. Na maioria das vezes
elogiada. Enaltecida. Permanecia impassível. Indiferente. Seus olhos
azuis pareciam brilhar de orgulho. Incapaz de dar um sorriso para
quem quer que a fitasse. Era um quadro.
VIOLÊNCIA
Segurou a moça pelo braço e fê-la deitar-se. Depois deu-lhe vários
puxões no pescoço. Ela gritou. Ele não teve a menor reação. Passou a
dar-lhe tapas no rosto. Ela tentou retirar-se, mas ele segurou-a
violentamente e colocou-a de costas. Puxou-lhe as pernas, os braços, e
começou a dar-lhe socos nas costas. Depois de algum tempo, disse
apenas:
— Agora pode ir.
Era massagista.
O LADRÃO
O PODEROSO
A OPERAÇÃO
Quando me deitei na maça que me conduziu à sala de operações,
confesso que tremia de medo. Eram 12 horas e 45 minutos e a
operação estava marcada para as 12 e 50. O médico se aproximou de
mim e me garantiu que era uma coisa muito simples, que não tivesse
receio.
Quando recebi a primeira injeção de anestesia, senti o peito
adormecer. Foi então que o médico me explicou que era a primeira
vez que fazia uma operação no coração com anestesia local. Dessa
experiência poderiam resultar grandes benefícios para a cirurgia. Suei
frio.
Quando o médico passou com o bisturi por cima do meu rosto,
tive a impressão de estar vendo um assassino com um punhal na mão.
Tive vontade de impedir o seu gesto, lhe dizer que estava arrependido
de tudo. Eu estava completamente tonto.
Quando um dos assistentes arregalou os olhos para mim, tremi de
medo. Haviam mandado chamar outro médico e os três se reuniram
num canto da sala. Folhearam um livro, todos com as mãos trêmulas,
e um deles marcou uma página, largou os outros de lado, pegou o
bisturi e partiu furioso para mim. Fechei os olhos, fingi que estava
dormindo. Talvez eles ficassem com pena. Foi então que o meu
coração enfraqueceu até sumir.
Quando acordei, os três médicos haviam tirado as máscaras. Uma
enfermeira loura sorria para mim. Cobriu-me com um lençol, percebi
então que o teto estava andando. Tentei levantar-me, ela me acariciou
o rosto, fez-me engolir uma pílula, disse-me que devia repousar.
Depois chegou um enfermeiro mal-encarado, colocou-me numa
cama de ferro, fez anotações numa ficha. Olhou para um sujeito
barbudo que estava sentado numa cadeira e disse claramente: "Acho
que escapa".
Daí em diante, não me lembro de mais nada, São Pedro!
A MOSCA
Isto é um quadro que custa os olhos da cara ou uma cara que custa
os olhos do quadro?
QUEM MATOU O MILIONÁRIO?
Quando o detetive John High chegou ao local do crime, olhou
rapidamente o quarto desarrumado e chegou a uma conclusão. No
centro do quarto, sobre um tapete verde, o corpo do milionário
Shmiler estava estendido, com um punhal cravado nas costas. Não
havia o menor indício de luta. Apenas o pickup continuava em
movimento no fim de um disco que continuava girando. Ao lado da
vitrola, sobre o aparelho de televisão, havia um retrato com uma
dedicatória: "Para o meu único amor, Wilma". Não tinha data. Sobre
uma cadeira, havia um pedaço de papel e uma caderneta de telefones
aberta na letra "L": Lionel, Lipton, Lamberg, Livingston, Lerner,
Lindade, Lawerson, Lawrence. O detetive segurou o caderno com
um lenço.
Examinou os nomes e
exclamou: "quem ma-
tou o milionário foi
Lawrence". E
realmente, dias depois,
a polícia prendia
Lawrence. Pergunta-se:
você sabe por que o
detetive John High
chegou a esta
conclusão tão rápida?
DE UM HUMORISTA
Aqui jaz uma gargalhada cercada de choro por todos os lados.
DE UM CHOFER DE PRAÇA
Sua única corrida sem cobrar a volta.
DE UM CAÇADOR
Foi o dia da caça.
DE UM MOCINHO DE CINEMA
Fora da tela bastou um tiro.
DE UM PREFEITO
Este foi o único buraco que ele não fez.
DE UM JOGADOR
Foi pegado com cinco ases na mão.
DE UM LOCUTOR
E agora passemos a outro programa.
DE UM TOUREIRO
O touro correu mais.
DE UM AÇOUGUEIRO
A carne é fraca.
DE UM COVEIRO
Chegou a minha vez.
O HOMEM QUE VIVEU POR PROCURAÇÃO
A ARTE DE VOAR
Santos Dumont não fez nenhuma vantagem; vantagem fazem os
nossos pilotos que levantam vôo com certos aviões.
— Isto é rapidez! A gente entra no avião, o avião decola e a gente
sai no jornal.
O passageiro do lado quer sempre dar a impressão de que não tem
medo de viajar de avião. Mas não esqueça de que você também é o
passageiro do lado.
A carreira de um piloto é paradoxal: quanto melhor ele desce,
mais sobe.
Alguns aviões são disciplinados: vêm cair justamente no
aeroporto.
Em qualquer meio de transporte o menor ruído começa a
incomodar;, no avião, só incomoda quando o ruído
I
Quando o avião decola e os passageiros apertam o cinto, a
aeromoça deve apertar a cinta.
II
A aeromoça tem obrigação de nos fazer esquecer a viagem, mas
não a ponto de esquecermos a própria esposa.
III
O sorriso da aeromoça é tão importante que^ quando o avião
estiver caindo, ela deve sorrir até o último centímetro.
IV
Em caso de estar funcionando apenas um motor, aeromoça deve
repetir sempre: "NÃO É NADA", "NÃO NADA", "NÃO É NADA", "NÃO É
NADA", "NÃO É NA,. . .
V
Em caso de incêndio, a aeromoça deve distrair a atenção dos
passageiros, contando uma anedota. De preferência bem curta, senão
não dá tempo de acabar.
8
CONSULTÓRIO SENTIMENTAL
CARTA: Meu marido gosta de dormir com a luz acesa e eu com a
luz apagada. O resultado é que passamos as noites discutindo. O
senhor pode me ajudar? (Sonolenta — Macaé)
RESPOSTA: Em primeiro lugar lhe aconselho a não discutir, em
hipótese alguma, pois da discussão (à noite), nasce a luz (da
madrugada). O jeito mesmo é a senhora trocar as lâmpadas ou trocar
de quarto. Em último caso, troque mesmo de marido. De preferência
por um de 60 watts, que é mais fraquinho e não se queima com
facilidade.
diante do espelho
resfriado
no tombadilho
homenageando G.B.S.
com falta de ar
no hipódromo
às pressas
no fim do mês .
no túmulo
emocionado
no testamento
no escuro
nos contratos .
com tosse
homenagem a Soraya
no álbum de discos
por baixo
na correspondência
com desconto
na polícia
pelos amigos
dedicado ao Lion's
só para mulheres
dando autógrafos
no Maracanã
de perfil
se despedindo
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A VERDADE É UMA SÓ:
TODO MUNDO MENTE
— Corta, corta! Corta o jacaré, imbecil, que a cena já foi cortada há mais de dez
minutos!
— Vá andando na frente, mulher: se alguém mexer com você te dou mil pratas.
— Cochilei com o cigarro na mão, quando acordei tinha fumado até o cotovelo.
— Leve minha filha, se quiser, mas se voltar no próximo episódio, juro que te
mato!
— O que me preocupa é só uma coisa: se o tiro falhar, minha vítima virá aqui, pessoalmente,
trocar este revólver.
— Inclua no envelope a cópia de carbono; faço questão que ele leia esta carta duas vezes.
— Dexas experiênxas nunca max eu faxo: veja xó como ficou a minha boca!
TIPOS
Há dois tipos de bebidas: a que a gente traz pra casa e a que traz a
gente.
Há dois tipos de discos: o que a gente só ouve de um lado e o que
a gente só ouve do outro.
Há dois tipos de esposas: a que arruma a casa e a que se arruma.
Há dois tipos de restaurantes: o em que a gente come e depois vai
deitar e o em que a gente come e deita lá mesmo.
Há dois tipos de políticos: o que é eleito e o que se elege.
Há dois tipos de fotografias: a que sai como a gente é e a que sai
como a gente gostaria de ser.
Há dois tipos de gravatas: a que a gente compra e a que a gente
ganha no aniversário.
Há dois tipos de bêbedos: o que vê dobrado e o que não vê nada.
Há dois tipos de conquistadores: o que namora e depois não casa
e o que casa e depois namora.
Há dois tipos de cinzeiros: o que a gente apanha na casa dos
outros e o que os outros apanham na casa da gente.
Há dois tipos de mulheres: a nossa e a dos outros.
Há dois tipos de televisão: a que a gente só vê e a que a gente só
ouve.
Há dois tipos de filme brasileiro: o que acaba mal e o que mal
acaba.
O FIM
PIADINHAS À MINUTA
Casada para outra: "Não sei o que fazer. Meu marido deu pra
chegar pontualmente em casa".
Adolescente para a namorada: "Você não tem nada pra fazer hoje?
Então não vamos fazer nada juntos".
Agiota para a esposa: "Viajarei 880 000 cruzeiros e só voltarei 5%
mais tarde".
Tarzan de Hollywood gritando para o diretor: "Vou desistir do
cinema; estou farto de trabalhar com animais".
Padre chileno para casal chileno numa igreja do Chile: "Até que o
terremoto vos separe. . ."
Senhora advertida pelo guarda, depois de avançar o sinal: "Vi o
sinal, sim senhor; o que não vi foi o senhor".
Louco para outro louco: "Desconfio que o nosso médico já está
ficando bom".
Dom Juan para outro Dom Juan: "A qualidade que mais aprecio
nas mulheres é a infidelidade. Não fosse isso e eu estaria sempre
sozinho".
Freguês no restaurante: "Garção, leve este bife. Está tão mal
passado que mal lhe encosto a faca ele começa a gemer".
Noiva para o noivo, em Monte Cario: "Só casarei com você com
comunhão de fichas!"
12
A MESMA PIADA
PRA LER NO WC
Lotaç
FILA
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Anda
Para!
esgot
Para
Para
MA
ada
DE
ão
BRASÍLIA
JK JK
JK JK
JK JK
JK JK
JK JK
JX JK
JK JK
JK JK
JK JK Jato
JatÔ lá
CRUZEIRO
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$ cr$ cr$ cr$
cr$cr$ cr$ cr$
POEMA CONCRETO
(DESARMADO)
Pum
Pum Pum
Pum Pum
Pum
Acabaram as balas.
A INTELECTUAL
Só faz questão de uma coisa: afinidade. Topa qualquer parada,
desde um banho de mar à noite até uma viagem inesperada ao
Amazonas. Despreza as poltronas para sentar-se no chão, não tem
preconceito de espécie alguma, gosta de conversar pelo telefone, de
madrugada, sobre Proust, Kafka, Saint-Exupéry, Carlos Drummond.
Fale-lhe sempre por metáforas e lhe conquistará inteiramente o
espírito. No pouco que resta, seja objetivo, mas cuidado com a
colocação dos pronomes.
O BROTO
É sempre problema, quer seja para os pais, amigas, professores,
colegas. Broto que não é problema para ninguém é problema para si
mesmo. Gosta de matar aula, de mascar chicletes, de decorar letras de
kits, de ir à praia e freqüentar matinais de cinema. Adora passear de
carro, mas não vai; adora dormir tarde, mas não dorme. Tem hora
certa para chegar em casa, porque precisa acordar cedo para ir à aula.
Com jeito e muita persistência, você quebra esses tabus e consegue
levá-la a uma boate — mas ela leva também a mamãe.
A BALZAQUIANA
Tem quase sempre quarenta anos, mas insiste em não sair dos
trinta. Tem ar de mulher experiente e faz questão de frisar isso sob
qualquer pretexto, ou mesmo sem. Leva, semanalmente, a cabeça ao
cabeleireiro e, diariamente, o corpo a restaurantes. Come, fuma, joga e
bebe com desembaraço. Adora exibir os namorados, principalmente se
são maridos de suas ex-amigas. Mostra-se exigente nos mínimos
detalhes, mas a verdade é uma: o que vier, ela traça.
A FEIA
Sempre acha que é mais feia do que realmente o é, e, na maioria
das vezes, é mesmo. Mas se convence, sabe-se lá como, de que é mais
simpática, mais culta e mais desembaraçada que todas as mulheres.
Faz questão de dizer que a amizade é mais importante que o amor, e
está sempre cercada de amigos. Nunca participa de um concurso de
beleza, mas comparece a todos, para dar a sua opinião. De qualquer
forma, mulher feia é um perigo; a prova é que todas casam. Se você
facilita pode ser o marido, já pensou?
A GRÃ-FINA
Nem sempre é rica, mas nasceu pra ser. Tem automóvel e chofer;
quando não pode ter chofer, tem só o automóvel, e quando não tem
automóvel, não fica bem ter só o chofer — mas às vezes tem.
Freqüenta coquetéis, premières, macumbas e abertura de saison.
Gosta de exposições de pintura, mas só vai quando dizem que é
vernissage. Assiste a todos os desfiles de moda, mas raramente
compra. Fala mal dos colunistas sociais, mas freqüenta suas colunas e
é freqüentada por eles. Não faz fins de semana, só uiquendes. Se você
não está com a "bomba", desista; se está, cuidado, pode estourar.
A BONITA
Se faz de difícil, mas não existe mulher difícil; o que existe é
mulher que leva mais tempo ou menos tempo.
A bonita leva mais, porque está sempre rodeada de pretendentes,
nenhum acreditando que uma mulher tão bonita possa gostar dele. Há
vários processos de conquistas, mas está claro que, especialmente
neste caso, não vou ensinar todos. Um truque bom é namorar sua
amiga feia (e toda mulher bonita tem uma amiga feia). Ela se sentirá
tão rebaixada que dará tudo pra tomar você da amiga. Se não tomar,
azar o seu.
INTERVALO
14
DO DIÁRIO DE UM (QUASE) LOUCO
outros carros que lhe aumentavam cada vez mais o seu terrível
que tinha de tomar uma atitude: o que não podia era continuar
uns ao lado dos outros, sem haver espaço para que nenhum
fazer perguntas das quais ele não teria saída, ou melhor, teria
menos saída do que o seu carro. Ele não sabia explicar bem
PSICOTESTES
(Com muito mais psico do que testes)
CONHEÇA-SE A SI MESMO
VOCÊ É NERVOSO?
1 — Você buzina uma fração de segundo após abrir o sinal,
porque acha que o carro da frente não quer andar?
2 — Você acha que o sujeito de trás é um imbecil, quando se dá o
inverso: isto é, quando você está na frente e ele buzina atrás?
3 — Você tem vontade de sair do carro e massacrar o motorista
de cada táxi que lhe dá uma "fechada"?
4 — Você acha realmente que todo pedestre que atravessa na
frente de seu carro é um idiota?
5 — Você tem vontade de abandonar o carro pro resto da vida,
quando fura um pneu no meio da estrada?
VOCÊ É MEDROSO?
1 — Quando alguém fica batendo com o pé na sua poltrona,
num cinema, você evita reclamar porque aí mesmo é que o sujeito
pode insistir?
2 — Quando o elevador enguiça entre dois andares e a campainha
de emergência não funciona, você grita por socorro ou senta
calmamente e espera que o porteiro descubra que o elevador
enguiçou?
3 — Quando o dono da casa abre a porta pra você entrar, você vai
logo perguntando se tem cachorro?
4 — Quando você está acompanhado de uma moça, evita passar
no meio de um grupo de rapazes, com receio que dêem piadinhas para
ela e você tenha de tomar uma atitude?
5 — Quando você vai à praia e vê, no posto, uma bandeirinha
vermelha, deixa de cair na água?
VOCÊ É DISTRAÍDO?
1 — Você costuma reparar quando sua mulher, noiva ou
namorada põe um vestido novo?
3 — Você costuma se lembrar, exatamente, em que pedaço do
filme chegou ou tem que ver mais um pedacinho?
5 — Você costuma, todo ano, cair no dia 1.° de abril?
2 — Você tem o hábito de atravessar a rua sem olhar para os dois
lados?
4 — Você costuma conversar com uma pessoa durante horas, sem
prestar atenção, tentando descobrir de onde é mesmo que você a
conhece?
CONCLUSÃO: Se você respondeu "sim" ou "não" a qualquer destas
perguntas, isso não tem a menor importância; mas se você não reparou
que a numeração deste último teste está completamente alterada, então
meu caro, você não é um distraído, é mais que isso: é um ceguinho. E
daí, vai bater?
5 — Seu marido não acha mais que você se parece com artista de
cinema?
(SIM/NÃO) — Sinal que é delicado. Já imaginou se ele continua
insistindo que você se parece com a Greta Garbo?
(N. do D. quando foi escrito esse livro Garbo estava viva e velha)
18 — Sua mulher fica sem falar com você vários dias seguidos,
depois de uma rusga?
SIM — Ah! entramos finalmente no capítulo do orgulho feminino.
Aproveite bastante, amigo, enquanto durar.
NÃO — Então me diga uma coisa: Freud já está superado, não
acha?
MAIS BARULHENTAS
1 __ Rádio do vizinho.
2 __ Despertador (de manhã).
3 __ Geladeira (de noite).
4 __ Feira livre.
5 .__ Batedor de presidente.
5 __ Grilo de automóvel.
7 __ Tosse no teatro.
8 — Fã-clube.
9 — Buzina de carro pequeno.
10 __ Filme em série.
MAIS RÁPIDAS
1 — Foguete espacial.
2 — Porta de trem.
3 — Boato.
4 — Inflação.
5 — Fim de mês.
6 — Férias.
7 — Mocidade.
8 — Desenho animado.
9 — Lua-de-mel.
10 — Terceiro homem.
MAIS OUVIDAS NUM BOTECO
1 — "Cafezinho pra quatro."
2 — "Posso telefonar?"
3 — "Média com pão e manteiga."
4 — "Dois dedos."
5 — "Um copo d'água."
6 — "Mineral ou natural?"
7 — "Liga pra radiopatrulha”
8 — "Me vê uma coalhada."
9 — "Vamos decidir no palitinho."
10 — "Primeira à direita."
MAIS DURAS
1 — Cadeira de dentista.
2 — Mala do carro da frente.
3 — Pára-choque do carro de trás.
4 — Bife com fritas.
5 — Poço de elevador.
6 — Janela de ônibus.
7 — Cinta de mulher.
8 — Calo.
9 — Milhar.
10 — Amigo do peito.
MAIS VAZIAS
1 — Câmara dos deputados.
2 — Bolso de rico.
3 — Pastel de botequim.
4 — Sapato de Natal.
5 — Cofre da prefeitura.
6 — Playboy.
7 — Guarda-roupa de corista.
8 — Caderno de estudante.
9 — Filme brasileiro.
10 — Pneu sobressalente.
MAIS RASGADAS
1 — Macacão de mecânico.
2 — Barriga de malandro.
3 — Poltrona de cinema.
4 — Guardanapo de restaurante.
5 — Jornal de ontem.
6 — Capota de conversível.
7 — Aviso de cobrança.
8 — Barraca de hotel.
9 — Meias de nylon.
10 — Poules de hipódromo.
MAIS IRRITANTES
1 — Porteiro.
3 __ Telefone ocupado.
4 — Fã.
5 - Bolo.
6 - Discurso.
7 — Patrão.
8 — Empregado.
9 __ Falta de botão.
10 __ Locutor de carnaval.
MAIS ENGUIÇADAS
1 — Máquina de escrever.
2 — Porta de táxi.
3 — Gaveta de armário.
4 — Relógio de automóvel.
5 — Persianas.
6 — Cortina de teatro.
7 — Microfone de clube.
8 — Revólver de mocinho.
9 — Isqueiro (dos outros).
10 — Televisão (nossa).
MAIS SUJAS
1 — Areia de praia.
2 — Toalha de restaurante.
3 — Pente de barbeiro.
4 — Nariz de criança.
5 — Toalete de cinema.
6 — Colarinho de galã.
7 — Debaixo do tapete.
8 — Banda branca.
9 — Açucareiro de hotel.
10 — Teatro de revista.
MAIS MISTURADAS
1 — Baile de carnaval.
2 — Bolsa de mulher.
3 — Ortografia brasileira.
4 — Lojas de fazenda.
5 — Arroz amarelão.
6 — Areia de Copacabana.
7 — Leite.
8 — Saco de roupa suja.
9 — Uísque.
10 — Café Society
MAIS LENTAS
1 — Garção.
2 — Telegrama.
3 — Mulher se vestindo.
4 — Ambulância.
5 — Contínuo.
6 — Processo.
7 — Gripe.
8 — Alfaiate.
9 — Prefeitura.
10 — Féretro.
MAIS SEGUIDAS
1 — Moça bonita.
2 — Mau conselho.
3 — Carro-reboque.
4 — Devedor.
5 — Pulga.
6 — Ambulância.
7 — História em quadrinho.
8 — Novela.
9 — Pagador.
10 — Setas de trânsito.
NOTA: Estas últimas são seguidas em sentido contrário.
19
LIÇÕES DE ESTILO
Leu o jornal durante três passageiros que se sentaram ao lado.
20
NÁUFRAGOS
Salvamento bossa nova Abandono
Primeiro episódio
O ladrão de gado mata o xerife, quem leva a culpa é o mocinho,
um forasteiro que acaba de chegar à cidade e vai entrando no bar
local, enquanto o assassino continua jogando pôquer. A população
quer linchar o forasteiro.
Escapará?
Segundo episódio
O mocinho é pendurado na forca, um tiro certeiro arrebenta a
corda e o seu cavalo sai correndo, ele baixa a cabeça (o mocinho, não
o cavalo), para não bater na árvore, os bandidos saem atrás dele, o
mocinho passa pela cachoeira, os bandidos passam pela cachoeira, os
bandidos descem uma ribanceira, o mocinho entra num atalho, os
bandidos entram num atalho, o mocinho sobe o morro, os bandidos
sobem o morro, o cavalo do mocinho tropeça e ele pega o galho de
uma árvore, os bandidos passam, o galho começa a quebrar, tlic, tlic,
tlic, e quando o galho quebra o mocinho vê que está caindo no
precipício.
Escapará?
Terceiro episódio
O mocinho levanta, limpa o pó, encontra uma moça (foi ela que
deu o tiro na corda) que trata de seus ferimentos, diz que é perigoso
ficarem ali, leva uma flechada.
Escapará?
Quarto episódio
Agora quem trata da moça é o mocinho, leva ela para uma cabana,
dá um beijo nela e faz ela dormir, sai da cabana, é atacado por um
avião que solta uma bomba em cima da cabana, a cabana voa pelos
ares com mocinha e tudo.
Escapará?
Quinto episódio
O mocinho fica debaixo de uma pedra, a mocinha debaixo de um
toro de madeira, o mocinho sai de baixo da pedra, levanta o toro de
madeira e tira a mocinha, os bandidos chegam e prendem os dois,
jogam o mocinho no poço dos jacarés, levam a mocinha para a
caverna dos suplícios.
Escapará?
Sexto episódio
Os jacarés se aproximam do mocinho, os bandidos se aproximam
da mocinha, os jacarés estão pertinho do mocinho, os bandidos estão
pertinho da mocinha, os jacarés abrem a boca para engolir o mocinho,
os bandidos ficam de boca aberta porque um dos bandidos é o pai da
moça que estava disfarçado de bandido e disse mãos ao alto para todos
e, enquanto eles levantam os braços, o pai da moça pega o
calhambeque que estava dando sopa na beira da estrada e foge na
frente do pó que cobre a vista de todos eles, no momento em que o
avião volta e larga outra bomba. O chefe dos jacarés aproxima-se do
mocinho e trinca os dentes.
Escapará?
Sétimo episódio
A bomba explode na frente do Calhambeque, o pai da mocinha e a
própria rolam pela ribanceira e caem bem na boca de uma caverna,
entram com sua lanterninha de bolso e dão no poço de jacarés, vêem o
mocinho entre os dentes do jacaré, o pai da moça tira do bolso o Raio
Super-XCH32, fulmina o jacaré, tira o mocinho de dentro dele, saem
correndo enquanto o poço se desintegra sob a ação do Raio Super-
XCH32, chegam lá fora, sacodem o pó, fulminam o avião que cai em
cima dos bandidos e mata todos eles, a mocinha suspira, o pai da
mocinha suspira, o mocinho fica quietinho, pede a mão da moça, o pai
concede a mão e ela entrega a boca.
Escapará?
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RASCUNHO
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DEDICADO AOS PAIS
DICIONÁRIO INFANTIL
Algumas meninas puxam tanto à beleza das mães que pouco resta
para estas.
I
Habitualmente, o humorista comum quando se sente sem assunto,
ou melhor, sem capacidade para descobrir que um humorista nunca
fica sem assunto (o muito que pode acontecer é o assunto ficar sem
ele), decide assim mesmo fazer graça com a falta de assunto, de tão
explorado e gasto que está. O humorista só deve falar na falta de
assunto se conseguir descobrir um novo ângulo. Como neste caso.
II
III
IV
VI
A ampliação das fotografias (especialmente de mulher) é recurso
vulgar para encher espaço, com a clássica legenda de que "enche a
página e enche os olhos" (o humorista só não desconfia de que enche
também o leitor). Quando me falta "inspiração" (que em verdade é
mesmo "disposição"), nunca uso fotografia de ninguém; uso a minha,
que, em última instância, é uma promoção. Os outros humoristas
podem fazer o mesmo, isto é: podem usar também a minha fotografia.
VII
Mas o bom humorista, no duro, não precisa de dez pretextos para
não trabalhar, Bastam sete.
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MEIOS DE TRANSPORTE
O TÁXI
O táxi é o único veículo que não anda quilômetros: anda cruzeiros.
Mas cada cruzeiro que anda quer cobrar dois. Por isso, os passageiros
têm ódio do táxi — mas não tem importância, porque o ódio do táxi é
muito maior e o chofer leva mais vantagem, porque é um ódio que
vem de dentro para fora. O táxi está sempre em pé de guerra: quando
o motorista desce a bandeirinha, começa o conflito. É o veículo que
mais enguiça, mas raramente traz um macaco na mala — porque o
macaco do táxi anda sempre no volante.
O TREM
O trem é um transporte tão lento que quando sai de um lugar para
outro já chega velho. É também muito indisciplinado, porque está
sempre querendo sair da linha. A única coisa rápida no trem são as
portas: abrem e fecham com tanta velocidade que raramente não
espremem meia dúzia de passageiros. Há vários tipos de trens, mas o
mais valente de todos é o da Central: atravessa pontes, matas, rios,
túneis — e é raro o dia em que não atravessa outro trem.
A BARCA
A barca é a ponte do pobre, que faz o trajeto Rio— Niterói,
enquanto não fica pronta a ponte fixa. Nos dias de chuva, quando a
barca vem de Niterói, continua calmamente o seu trajeto até a Praça
da Bandeira — para aproveitar a enchente. A barca anda tão devagar
que dá a impressão que está parada, mas quando pára, balança tanto
que dá a impressão que está andando.
O BONDE
O bonde é o meio de transporte mais barato, porque é o único que
só aumenta depois da greve. É também o
mais velho, o mais lento e o mais chato — pois não anda e não
deixa ninguém andar. Ê proibido falar ao motor-neiro e fumar nos três
primeiros bancos, mas não se tem chance de se fazer nem uma coisa
nem outra — porque nunca se vê o motorneiro, e os três primeiros
bancos estão sempre cheios. O máximo que se consegue é empurrar
um montão de gente para cada lado e arranjar um cantinho para
colocar o pé no estribo. O esquerdo vai balançando e revezando com o
direito, de poste em poste. Apesar de tudo o bonde é o mais
privilegiado dos veículos — porque é o único que tem o direito de
escorar os automóveis na contramão. E por incrível que pareça, os
automóveis conseguiram acabar com os bondes.
O CARRO PARTICULAR
O carro particular é talvez a maior vítima do tráfego; passa o
tempo todo driblando pedestres, fugindo dos ônibus, saltando por
cima dos buracos para chegar ao seu destino — e quando chega não
tem lugar para estacionar. Aí começa o segundo ato do seu drama:
tenta entrar entre dois veículos e quando consegue, depois de muito
esforço, verifica que é garagem. Tenta parar um pouco à frente, mas é
ponto de táxi. Dá um pouco atrás, mas é ministério. Resolve voltar
para casa, leva uma batida — e só não discute para não levar outra.
Resultado: chama o reboque, manda levar para o lanterneiro — onde
felizmente não há problema de espaço. É aí exatamente onde o carro
estaciona mais tempo.
O LOTAÇÃO
Já se disse (e se ninguém disse eu digo agora) que em caso de
guerra o Brasil não deve usar tanques e sim lotações. O lotação não
respeita nada, destrói tudo que vem pela frente: automóveis, postes,
árvores e muros. Só tem medo de uma coisa: de outro lotação. Ainda
assim travam verdadeiros duelos pelas ruas: não um contra o outro,
absolutamente, mas os dois contra o mesmo pedestre — para ver
quem consegue pegá-lo primeiro. O lotação não faz uma viagem por
menos de quatro batidas: duas de propósito e duas sem querer.
Antigamente, era uma dificuldade pegar um lotação; hoje é
impossível, porque ele foi substituído pelo ônibus — que é a mesma
coisa, só que um pouco maior. E com uma vantagem: quando sobe na
calçada apanha muito mais gente.
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SITUAÇÕES DIFÍCEIS
AS FLORES
Pior que tudo é a liberdade que a gente vende dentro da própria
casa, em troca da chamada tranqüilidade de espírito. Por exemplo: a
gente recebe um ramo de flores, com um cartão sem assinatura, com o
nosso nome e endereço certos, portanto não pode ser engano, é pra
gente mesmo, pelo menos a gente pensa que é, menos a nossa mulher,
que não consegue compreender que alguém mande flores pra alguém
sem que esse alguém saiba quem é, e depois que a gente convence ela
que é pra gente mesmo, nunca mais consegue convencê-la que não
sabe quem mandou, pois se a gente tem tanta certeza que é pra gente
não adianta fingir que não sabe quem mandou porque sabe mesmo e
não quer dizer, aí o jeito é deturpar os fatos e passar a incriminá-la
pela brincadeira de mau gosto, ela pergunta que brincadeira, a gente
diz que a de mandar flores, ela pergunta que flores, e a gente diz essas
aí, ela diz essas aí??? ??? e começa tudo de novo, diz que a gente é
cínico, que a melhor coisa do mundo é a franqueza, que afinal de
contas ela sempre foi compreensiva e não vai ser por causa de umas
rosas muito michas que ela vai brigar com a gente e se a gente quer
esconder alguma coisa aí então é que a coisa fica mais grave porque se
não fosse tão grave não havia necessidade de esconder, a gente
procura fazê-la ver o ridículo de sua desconfiança, ela diz que prefere
o ridículo da desconfiança ao ridículo da ignorância, da
insensibilidade, da conformidade, isso assim como está é que não
pode continuar, o melhor é confessar tudo de uma vez, a gente chega a
sentir necessidade de confessar, mas confessar o que se a gente não
sabe quem mandou, o jeito é inventar um nome qualquer, mas ela vai
querer saber quem é, como é, quando foi e por quê. Mas por que o
quê, bolas?
A CARTA ANÔNIMA
Um belo dia a gente acorda e recebe uma carta, sem o nome do
remetente, abre o envelope, mais curioso pra saber de quem é do que
propriamente o que ela diz, verifica que não tem assinatura, começa a
ler logo nas primeiras linhas, conclui que deve ser uma dessas "cartas
anônimas" que a gente tanto ouve falar mas nunca espera receber uma
um dia, no princípio começa a achar graça, depois fica irritado, tem
vontade de rasgar, mas não rasga, não é por nada não, mas é só pra
saber até onde esse cretino quer chegar uma vez que ele (ou será ela?)
tem certeza que a gente vai ler até o finzinho, não uma, mas duas, três,
quatro, diversas vezes, não é por nada não, que a gente não vai dar
bola pra uma carta anônima, mas é só pra ver se a gente descobre
quem mandou, e só lá pela quinta ou sexta vez é que a gente começa a
ter certeza, não bem certeza mas quase, porque só uma pessoa podia
saber de tudo aquilo, mas essa pessoa seria incapaz de se sujeitar a um
papel triste desses, isto nunca, só se a pessoa contou pra outra, mas
que sordidez, que covardia, por que não assinou a carta pra gente ir
conferir pessoalmente todas aquelas acusações? pensando bem, tem
certas coisas tão secretas que só uma pessoa muito íntima poderia
saber, tem outras que são exageradas, mas tem outras que são mentira,
tudo mentira, não é possível, ou será que é? já que a pessoa sabe de
tantas coisas quem sabe ela sabe de muita coisa que nem a gente sabe,
afinal de contas dizem que o marido é o último a saber, e daí? ora, e
daí que pode ser verdade, e se há possibilidade da gente admitir que
pode ser verdade, está criada a dúvida, vai ver que o autor da carta
queria isso mesmo, criar a dúvida, portanto o melhor é não dar bola,
ridículo, dar carta anônima não quer dizer coisa alguma, não significa
nada, quer é causar pânico, quer criar intriga, mas desta vez não vai
conseguir nada, o melhor mesmo é a gente rasgar e jogar na cesta, mas
antes disso não custa nada mostrar a um amigo só pra gente se
divertir, pra mostrar que não liga pra essas coisas, que tem
mentalidade avançada, que tem segurança de si mesmo, que tem
personalidade, isso sempre conforta, encontrar alguém que sirva de
apoio à opinião da gente em relação à gente mesmo, está aí, isso não é
uma idéia muito recomendável mas a gente sempre faz, afinal de
contas só no amigo dizer pra gente que aquilo é ridículo, já conforta,
já dissipa a dúvida e é isso o que interessa. Mas vai a gente depois
tirar a dúvida da cabeça do amigo. ..
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O QUE É CERTO E O QUE É ERRADO
O HIPÓDROMO
Hipódromo é um gramado cheio de cavalos cercado de poules por
todos os lados.
No hipódromo existe uma cerca: de um lado, cavalos rasgam
distância, do outro, homens rasgam poules.
No hipódromo existem sete páreos e seis intervalos. Os intervalos
foram feitos para se "estudar" de que modo se deve perder no próximo
páreo.
Há gente que joga sem intenção de ganhar nem perder. Para isso é
que se fizeram os francos favoritos, que pagam sempre o preço da
poule.
A alma do hipódromo é o cavalo, a alma do cavalo é o jóquei, a
alma do jóquei é o stud, a alma do stud é a poule, a alma da poule é o
apostador e a alma do aposta-dor é o hipódromo. Donde se conclui
que o hipódromo, além de ser um círculo vicioso, é também um
círculo viciado.
O JÓQUEI
Há sujeitos que têm queda para jóquei. Mas só depois que montam
é que a queda se verifica.
O bom jóquei corre uma vez e passa o resto do tempo montado no
dinheiro.
Há jóqueis que, para terem sorte, penduram as ferraduras do
cavalo atrás da porta. Outros deveriam pendurar o próprio cavalo.
O turfe não é jogo de azar: a gente joga sabendo que vai perder.
A única maneira de um jóquei enriquecer é fazer a pista o mais
rápido possível.
Para o apostador não existem condições meteorológicas. Antes da
corrida ele se pendura no guarda-chuva e no binóculo. Depois pendura
o guarda-chuva e o binóculo.
O EQUIPAMENTO
Do turfman: dinheiro, binóculo e paciência.
Da turfwoman: binóculo, chapéu e marido.
VARIAÇÕES SOBRE O TURFE
Acumulada é essa série de apostas que quando não fura no início
fura no fim.
O turfe não é jogo de azar: a gente joga sabendo que vai perder.
A ARTE DE VENDER
DIVERSOS
CANETA-TINTEIRO — Vende-se uma com pequeno defeito na
bomba que já encheu o dono.
T-VENDO
TELEVISÃO — Vende-se uma inteiramente diferente. A imagem
não treme — o que treme é o aparelho.
THE END