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Marturinhas
Marta Oliveira
Sobre a autora
Sobre a autora i
Sobre o livro ii
1 Vítimas do Destino 1
1.1 Parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Parte II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Parte III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.4 PARTE IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.5 PARTE V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.6 PARTE VI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.7 PARTE VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.8 PARTE VIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.9 PARTE IX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.10 PARTE X . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.11 PARTE FINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 O Segredo de Richard 26
3 Por um Triz 32
5 Contando de Mim 45
5.1 Lista de Quadrigêmeos Fraternos . . . . . . . . . . . 45
O Mundo Particular de Marturinhas
iv
Sumário
5.36 Esoterismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
5.37 Para Gabriel Bandeira . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.38 Sociedade Digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
5.39 Subdiagnóstico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.40 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.41 Legião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.42 Eu TRANScendo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.43 436- Memórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
5.44 Gênero Neutro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.45 Pais e Filhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.46 Os 2/3 (ou 2/4) restantes da Legião Urbana . . . . . . . 80
5.47 De nome de santo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
5.48 Alice Casimiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.49 Dezoito em 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.50 Falo demais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
5.51 Motivações desnorteadas . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.52 Momentos de Luto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.53 A grande depressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5.54 É um mistério, sou menina, mas devia ser moleque . . 86
5.55 Catarina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
5.56 Ecolia Musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
5.57 Minhas Orações (feitas para Sol em Virgem) . . . . . . 88
5.58 2022’s Lessons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
v
1
Vítimas do Destino
1.1 Parte I
Quarto silencioso. Dentro dele só havia Rafaela com uma fone de ouvido
escutando música. Olhar vidrado para cômoda. Lembra-se de um CD
que gostava muito de ouvir. Procura ele, não acha. Nesse momento per-
gunta à sua madrasta, Henriquieta, sobre a empregada, que geralmente
arrumava as coisas.
HENRIQUIETA: Ela foi despedida pelo seu pai. Ele não tem condi-
ções de pagá-la, agora sou eu que estou fazendo tudo aqui...(pausa). Eu
já falei pra você não me dirigir a palavra com essa sua voz horrível, irri-
tante. Dá estresse escutá-la. Com uma voz dessa era melhor ficar muda
de vez. Iria desestressar menos seus ouvintes. Certo, Maria Gagagá?
música era quase perfeito. Quem ouvisse Rafaela cantando, jamais ima-
ginaria seu problema. Aos poucos agarrada com uma fotografia de sua
mãe adormece. Porém as lembranças dos insultos de Henriquieta e de
muitos outros que já ouvira, são tão fortes, que lhe tira o sono. E lá se vai
mais uma noite, como muitas anteriores, mal dormida.
HENRIQUIETA: Continua...
VICENTE: E tive que fazer sociedade com uma senhora, Nicole Bar-
retos. Seu advogado já organizou as papeladas e assinei o contrato. Nos
conheceremos amanhã às 8:00 h.
1.2 Parte II
Do outro lado da história se encontra Nicole, na sua velha companheira,
a cadeira-de-rodas. Muito feliz com o acordo que acabara de fazer fala
com sua irmã Norma sobre seus projetos.
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Vítimas do Destino
VICENTE: Porque não! Porque você é uma inválida e jamais fará algo
de bom para o cinema. Como o nome já diz, inválida, não vale para meu
negócio, nem para sociedade.
3
1.4
1.4 PARTE IV
As horas passam. Vicente continua rejeitando Nicole. Cecília, a moça que
falara com ambos, é amiga de Rafaela, ao fim do expediente vai visitá-la
e tenta convence-la de fazer uma terapia para que volte a falar normal,
porém seu esforço vai em vão:
RAFAELA: Eu não consigo. Toda vez que falo alguma coisa riem de
mim. Não suporto isso. Não consigo nem dormir pensando nisso (ga-
guejando).
CECÍLIA: Mas porque não faz uma terapia? Tenta, vai. Já te falei que
isso vai te ajudar.
RAFAELA: Se eu for pra rua e for falar algo vão rirem (gaguejando).
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Vítimas do Destino
1.5 PARTE V
O tempo passa. Nicole tenta conviver com Vicente, o que é uma tarefa
quase impossível. Ele não perde a oportunidade de insultá-la.
VICENTE: Meia mulher, meio filme. Você acha que tem condições
físicas para fazer um bom filme?
5
1.6
1.6 PARTE VI
Até que houve um dia de um grande lançamento em Várias Expressões,
o filme A aventura do pianista perdido e Nicole se rejeitava a prestigiar o
evento. Sua irmã insistira e a jovem decide ir em sua companhia:
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Vítimas do Destino
ELIAS: Claro!
CECÍLIA: Obrigada!
7
1.7
"Um dia qualquer acordará em seu quarto. Não verá sua cadeira-de-rodas.
Sairá água do teto e do chão. Ela te afogará. Não terás mais vida Kkkk."
O filme acaba. Cada pessoa volta para sua respectiva casa. Nicole ao
chegar na dela rapidamente vai para o quarto, pega um caderno recheado
de histórias, como muitos outros, e começa a escrever.
8
Vítimas do Destino
NICOLE: Sim.
NORMA: Não?
NICOLE: Não!
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1.7
ELIAS: Leia.
10
Vítimas do Destino
RAFAELA: Eu vou contar tudo isso pro meu pai e ele vai te dá umas
broncas (gaguejando).
RAFAELA: Não fale isso, não fale (pausa)! Eu vou contar pro meu pai
de qualquer jeito. Eu vou...
11
1.8
Rafaela vai para o quarto. Desesperada liga para Cecília, que ainda
não está em seu expediente de trabalho. Cecília vai para a casa da menina
e juntas saem para a lanchonete.(As duas tomam sorvete)
CECÍLIA: Horrível o que ela fez contigo! A sua madrasta é uma sínica.
Porque você tá olhando para trás?
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Vítimas do Destino
CECÍLIA: Não, ele não vai rir de você. Tenho certeza que ele vai te
convencer a fazer uma terapia.
RAFAELA: Marque(gaguejando)!
1.9 PARTE IX
No mesmo dia Norma convence Nicole a se consultar com Elias. No outro
dia psicólogo e paciente se encontram e têm uma conversa esclarecedora.
ELIAS: Bem, Nicole eu quero que você se desenhe e desenhe seu am-
biente de trabalho.
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1.9
14
Vítimas do Destino
NORMA: Eu a convenço.
1.10 PARTE X
Tudo preparado para a estreia de "Meia noite e as estrelas". Comparecerem
Vicente, Henriquieta, Norma, Nicole, Elias e Marcelo, entre outros. Elias
não perde a chance de apresentar o amigo para Nicole.
NORMA: Vamos!
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1.10
VICENTE: Apagão! Apagão! Por que isso agora? Vou perder minha
clientela, que vai achar que aqui não é um lugar seguro... Ah! Tudo culpa
dessa aleijadinha da Nicole... Dela não que é uma pobre coitada, sim da
sociedade, que insiste no mais singular erro que uma sem futuro daquela
pode ser incluída nela. E ilude sua cabeça.
Nicole abre a bolsa e retira uma faca que estava dentro dela. Há dias
andara com ela: quando sentisse a necessidade de matar a angústia a
usaria. Não suportava mais aquelas lembranças que lhe vinham a cabeça,
não suportava mais se achar um estofo para quem estava ao seu redor...
Precisava matar tal angústia e só achara uma forma disso ser feito: colo-
cou a faca contra o peito. Sangue saia do seu coração, tudo no seu corpo
se desligava e caiu da cadeira-de-rodas de tanta dor. Uma lágrima de
alívio escorrida de seus olhos era se último ato.
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Vítimas do Destino
MARCELO: Tem sim! Você pode entrar em nossa luta com a gente.
Tiremos da tristeza e do desespero pessoas que sofrem bullying e depres-
são através da música.
ELIAS: Rafaela!
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1.10
ELIAS: Quando eu andava com ela, meus amigos riam de mim. Ela e
eu éramos motivos de deboche. Passaram a insultá-la frequentemente
nos corredores. Na hora que eu ia apresentar meus trabalhos, debocha-
vam de mim, falando que eu namorava uma gaga. Isso me fez com notas
vermelhas e perdi muitas conquistas.
Rafaela sai correndo, paga o primeiro táxi que passa. Cecilia, deses-
perada, segue a moça em outro táxi que pegara. O congestionamento
atrapalha e Cecília não consegue acompanhar Rafaela, que retorna à casa
dela. Entra em seu caderno, abre um potinho com veneno e toma seu
conteúdo. Sua amiga ao chegar no local encontra a garota desmaiada
no chão. Cecília, aflita, chama uma ambulância. Era desesperador ver
a amiga saindo naquela maca, entre a vida e a morte, voltando para o
mesmo hospital do qual saíra.
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Vítimas do Destino
19
1.11
HENRIQUIETA: O seu Baleia fala pra tua mamãe que não podemos
ir lá às 10:00 h.
GAROTO: Eu vou contar pra minha mãe o que vocês estão falando
comigo.
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Vítimas do Destino
suicídio.
21
1.11
ELIAS: Eu sei que já passemos altos e baixos, que já nos amemos, nos
odiemos, nos reconciliemos e recuperemos o carinho que sentíamos um
pelo outro. Agora, pelo menos de minha parte, percebi o erro que cometi
indo pela cabeça dos outros, pois realmente vejo a pessoa maravilhosa
que tu és. Quero lhe pedir uma chance para recomeçarmos.
22
Vítimas do Destino
fazer de sua dor uma motivação para não deixar outras famílias passar
pelo o que ela passou. Rafaela encontrou em seus sonhos a porta de saída
para a superação. Por fim, Nicole soube fazer de sua história uma lição de
vida, para que através de seu exemplo outras pessoas tivessem outro final.
Arrancarei coragem
E força de vontade
Para conseguir lutar
Aparência é embalagem
Obstáculos são dificuldades
Que preciso superar
Enfim eu decidi
Que hoje eu vou ouvir
A voz do meu coração
Fazer da vida uma conquista
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1.11
24
Vítimas do Destino
25
2
O Segredo de Richard
Richard dá uma saidinha de casa, vai andando de leve com uma chave na
mãe, e tenta abrir seu salão tão misterioso. Mirelli, sua paquera, segue-o,
querendo descobre de qualquer forma seu segredo. Esperto, Richard
olha para trás e vê a garota.
MIRELLI: Quero saber que segredo guarda no salão, cuja chave está
na sua mão!
RICHARD: Não!
RICHARD: Não!
O Segredo de Richard
RICHARD: Cadê a chave? Vou dizer a verdade. Mas temos que abrir
o salão juntos. Não contarei nada antes disso.
RICHARD: Temos que procurar por lá. Para isso temos que fingir
que estamos comprando alguma coisa. Façamos assim: Você distrai e eu
procuro.
MIRELLI: Bom dia senhor! Gostaria de olhar suas colchas. Elas são
lindas! Você mesmo é quem faz?
27
2.0
Heloísa.
MIRELLI: A culpa é toda sua, Richard. Você não sabe disfarçar nada.
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O Segredo de Richard
ANA: Estou aqui por roubo. Sou artesã. Faço crochê, bordado e algu-
mas costuras, como cortinas, tapetes, jogos de banheiro e de almofada.
Às vezes eu fazia essas coisas para pessoas que me trapacearam. Fiquei
sem lucro. Roubei, então, alguns materiais necessários para o meu tra-
balho: linha norma, crea e princesinha, bico de casso, acrilon e bastidor.
Mas, enfim, me pegaram e eu estou aqui. Por que essa chave é tão im-
portante assim?
RICHARD: Não vem não, que não sou nada disso do que está pen-
sando.
RICHARD: Não!
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2.0
que o mistério de Richard está no salão de seu tio e só uma chave abre o
salão. Só darei então, a chave se abrirem o salão na minha presença.
RICHARD: Eu vestia essas roupas sim, mas não sou gay. Eu gosto de
moças, eu gosto de Mirelli.
RICHARD: Elas são minhas. Eu que as fiz. Não vou mentir: usava-as
em shows, em casas noturnas, para conseguir dinheiro para fazer meus
modelos. Eu era travesti, mas não gay. Tinha medo do preconceito por
isso nada contei antes. Eu morria de medo de todos vocês me olharem
como olham agora.
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O Segredo de Richard
ISADORA: Não chore, artista! Suas obras são lindas. E, eu, como
empresária de peças artesanais e de modelos inovadores, como este, te
contrato. Ao vir aqui para comprar na feira artesanal, nunca pensei em
encontrar tamanho talento! Gostaria de pedir aos pais do rapaz a autori-
zação para produzirmos a carreira do jovem!
ISADORA: E aí?
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3
Por um Triz
Talvez ela fosse louca mesmo. Não era a primeira vez que Tris tinha
"pressentimentos"religiosos equivocados. Uma vez se pegou falando
com a própria Lilith. Coisas de sua cabeça. Mas, uma coisa tinha que
ser deixada clara: uma coisa era seus surtos, outras suas histórias. Suas
histórias nunca foram atestado de loucura. Era só um atestado que ela
vivia em outro mundo mesmo, um mundo entre o mundo das fantasias
e o real.
***
Deck mexia com as pernas, olhava para os lados, depois voltava com
exatamente aquilo que o professor estava se batendo para explicar aos
demais alunos. Deck era um gênio.
***
33
3.0
O jogo Brasil x Peru já ia começar. Teria que fazer aquele texto assis-
tindo aquela final. Com todas suas forças.
– O Peru não pode ir pra cima! Não pode. – Gritou Tris, relembrando
o seu maior inferno.
Inferno interior: o pior dos infernos. O pior inferno de todos está dentro de si
mesmo. Ele certamente é incomparável com o inferno cristão ou com o grego, pois é
bem pior. Eu nunca fui para nenhum desses infernos, nem tenho certeza se eles
existem, mas o inferno interior é o pior de todos. A sensação de não se conhecer ou
de se conhecer até demais...
FLASHBACK
***
34
Por um Triz
– Do Cebolinha.
FLASHBACK
– Poderia contá-las?
– Você não olha nos olhos, tem um jeito desconfiado e contou histó-
rias difíceis de acreditar. Você é esquizofrênica ...
***
Aquele não era meu diagnóstico. Não podia ser. Assim eu chorei na cama,
porque na minha ganância de ser a maior escritora do mundo e eu afirmei a um
dos meus amigos que aceitaria ficar louca em troca da glória eterna.
– Isso não foi pênalti. Estão roubando o Brasil e ainda Lionel Messi
disse que ele é quem foi roubado. Não foi e não vou defendê-lo mesmo
que ele seja tão introvertido quanto eu.
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3.0
O autismo não é como a maioria das pessoas imaginam: uma pessoa autista
não era só aquela reservada lá no canto da sala, aquela muda ou surda, o completo
retardado mental. Havia boatos que Lionel Messi era autista. Não era bem assim.
A família negava e nem sempre o autismo é associado à genialidade.
Talvez uma pessoa autista viva o maior dos infernos ou a maior das glórias...
Querer provar o que eu era foi, de certeza, o meu pior inferno. Querer provar que
eu seria uma pessoa importante (que eu era), que eu tinha genialidade fora do
comum (pra criar histórias), que eu não era tão infantil assim, que eu não era tão
culpada, que o mundo não era tão ruim.
– Juiz ladrão. Não era cartão vermelho pro Jesus. – Disse Tris, vendo
o choro do jovem de 22 anos e relembrando como chorou ao descobrir que
seria impossível realizar seus sonhos, ainda mais com as notas péssimas
que havia tirado.
A história de Gênesis estava muito mal contada, eu sei. Mas com certeza tive
um surto ao ouvir aquela menina falando como se fosse Lilith, a primeira mulher
de Adão, a cobra do paraíso, que dirigiria o Homem ao inferno. Eu era feminista,
mas a primeira feminista não me representava, pois ela tirara Eva do paraíso,
sendo que Eva não fez nada contra ela. Adão, Lilith e Eva tiveram o acesso ao
paraíso, algo que foi tirado do primeiro casal bíblico. Agora, só os santos teriam o
Paraíso de Deus. E os autistas, os autistas de alto nível (os aspies) transitavam en-
tre céu e inferno (pode colocar os bipolares aí também). O céu que sua genialidade
trazia, o inferno de ter um meltdown...
FLASHBACK
"Consciência aberta, somas das forças externas é zero, por isso que o
céu é tão perto do inferno ...
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Por um Triz
"
– Cantava Triscilla tentando sair do fundo do poço da depressão.
***
***
37
4
Um Minuto para o Novo Mundo
Eu não sabia o que esperar para depois do dia 20 de julho de 2019, mas
definitivamente estava esperando por algo. Me tornei obcecadamente
focada no tema "Apocalipse"nos meados de 2019 e poderia dizer que a
culpa desse meu hiperfoco adveio das pesquisas para "Sol em Virgem".
Poderia dizer, mas estaria me igualando em hipocrisia à humanidade
que tanto critico. Os esforços, milagrosamente, não foram vãos: uma
parte ínfima do que aprendi sobre a temática foi colocada no meu pri-
meiro livro oficial, outro infinitésimo se converteu em música e a grande
maioria está sendo aplicada às técnicas de sobrevivência para 2020. Con-
tinuava encantada pelo tema quando soube das primeiras notícias do
vírus na China. Isso só fez minha cabeça guiada pelo realismo fantástico
achar que o próprio Apocalipse estava se concretizando. Veja bem, eu
tinha meus motivos: Irã e Estados Unidos estavam em conflito e isto
poderia ser o estopim de uma Terceira Guerra Mundial. Felizmente, nos
próximos dias em que se seguiram, fui obrigada a me concentrar em
outra coisa além do meu hiperfoco favorito.
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4.0
Não fui santa nem fui louca no início de meu exílio voluntário: fui um
pouco de ambas. Presa, literalmente, aos últimos seis anos de minha vida
reuni-me virtualmente aos conspiracionistas católicos do Apocalipse. Fui
feliz enquanto minhas pesquisas duraram: o tema foi o inspirador que
mais senti na pele em todos os sentidos, dando-me músicas maravilhosas
e respostas temporárias para meus inquietantes questionamentos teoló-
gicos. Tornei-me como um espírito serelepe da natureza, agradecendo
por todo dia vivido, louvando com sinais católicos a cada lua brilhante
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Um Minuto para o Novo Mundo
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4.0
42
Um Minuto para o Novo Mundo
de ter 1500 na minha conta ou por estar livre para escrever as palavras que
engrandeciam minha alma? Não me julguem, apenas tentem entender a
transformação que se iniciara em meu ser humano. Não foi em 2020 que
comecei a notar que nossa realidade era constituída de uma Matrix. Sim,
nascemos em uma sociedade com valores pré-definidos, com cartilhas
de sucesso e felicidade distribuídas por "pessoas de bem"ou altamente
religiosas. Como não me questionar que a realidade poderia ser bem
diferente do que é hoje? Eu sou escritora e manipulo os sentimentos
e destino de meus personagens de acordo com meus propósitos. Não
seríamos nós, também, personagens de uma realidade construída por
nossos ancestrais e fortalecida pelos que se acham donos do poder neste
planeta? Aquele Agosto, astrologicamente o Inferno Astral para a vir-
giniana que sou, foi necessário para romper com aqueles sonhos que
eu achara serem definitivos. Eu não sonhava em ser cantora e escritora
quando criança, então porque desisti tão fácil? Suportaria os mandos e
desmandos de mestres e doutores em busca de um conhecimento ilimi-
tado e, de uma certa forma, limitante? Eu amo Matemática e tudo que há
de poético nela. Eu amo a vida e a beleza que há nela e que os humanos
não conseguem enxergar. Foi preciso coragem e desprendimento para
encarar aqueles outros 2D no mestrado em Matemática. A dor de não
saber o caminho a seguir fora atenuada pelo meu propósito de ser bem
sucedida com minhas ideias. Eu seria uma boa jornalista científica? Uma
boa astrônoma ou quem sabe astrofísica? Deveria ser apenas professora
de Matemática do ensino básico e conseguir os conhecimentos pedagó-
gicos? Eram milhões de estradas. Senti-me culpada por brincar daquela
forma com meus personagens, mesmo sabendo que não eram reais. O
destino estava brincando comigo, rasgando o derradeiro véu de ilusão
que me fora imposto.
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4.0
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5
Contando de Mim
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Contando de Mim
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5.3
estudando muita coisa. Deve amar ainda mais o fato de ser diferente e
daquelas aulas, em anos pandêmicos e apocalípticos, terem confirmado
que a sua intuição estava certa.
Chateei-me e xinguei horrores em um dia de maio de 2022, lembra?
Um dos professores daquelas videoaulas defendia que os alunos deveriam
chegar na hora certa da aula, estudarem o conteúdo antes das reuniões
e esquecerem do mundo quando entrassem em sala. Será que aquele
professor nunca conhecera um ser humano atípico, cuja a capacidade de
atenção lhe foge com qualquer barulho ou som? Ou nunca ouviu falar dos
pilares de suas famílias, que estudam e trabalham ao mesmo tempo? Ou
sobre as lotações que se atrasam ou das fortes chuvas que não permitiam
que os estudantes chegassem no horário combinado? Chateei-me, mas,
no dia seguinte, segui o seu conselho sobre o direito de estar presente.
Choquei minha orientadora ao dizer que queria desistir de meu mestrado.
Eu nunca estive presente (em corpo) lá e não deveria atrapalhar quem
estava. Eu deveria estar presente para mim, aquela mulher de 24 anos
que era também uma garotinha ferida.
Como deve se lembrar, você se permitiu desabar. Você tinha mais
motivos para sorrir do que para chorar, mas desabastes com a quebra de
suas expectativas. Não era aquelas aulas que tivestes online o modelo
britânico de universidade, aquele que você no fundo cultuava? Sua re-
clamação sobre disciplinas da UFAL não amadurecerem suas exigências
artísticas, culturais e filosóficas não foram finalmente findas? Você não
via a universidade como uma instituição profissionalizante, mas como
um meio de potencializar sua inteligência e intelectualidade. Defen-
sora interna da multidisciplinaridade você confirmou que sua alma era
grande demais para se especializar apenas em algoritmos e teoremas.
Bem, você ainda deve achar que todas as almas são pequenas demais
para passarem oito horas ou mais de suas vidas em trabalhos maquinais
e você deve estar muito feliz de contribuir para que isso não seja mais
uma realidade aí em 2060.
Falando em mudanças, com quais dessas você vibrou mais nos últi-
mos 38 anos? As escolas entenderam que o método antigo de ensino se
fazia precário e decidiu adotar a aprendizagem através da criatividade e
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Contando de Mim
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5.3
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Contando de Mim
5.4 Descrição
Não. Não espere que eu entenda algo pela descrição que você achar
mais fácil. A minha cabeça funciona de uma maneira diferente, logo
ela localizará os objetos no espaço de uma maneira distinta. Algo pode
ser mais óbvio para você do que para mim e vice-versa. Um exemplo
neurotípico: na Copa do Brasil do ano passado, quando meu time foi
eliminado, podiam me indicar: "Torcerá para o time rubro-negro?". E eu
responderia sim. Não, não seria o Flamengo e sim o Atlhetico Paranaense.
Tá vendo que nem sempre é óbvio? Você precisaria de uma descrição
a mais para identificar o time que eu torceria com sucesso. Assim sou
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5.6
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Contando de Mim
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5.9
poder, enfim, conversar normalmente sobre as coisas que sinto e vivo com
família e amigos. Fiquei espantada com a falta de flexibilidade e custo
proposta a mim. Ela não flexibilizou a forma de atendimento, mesmo eu
afirmando que mandaria áudios e fotos se assim fosse necessário. Minha
família não aceita minha suspeita e eu já disse isso pra ela. Além disso,
foi-me proposto R$600,00 por mês. Sim, eu tenho como desembolsar
esse dinheiro, mas não posso sumir com uma quantia dessas. Eu ganhava
R$1500,00 quando fazia mestrado, e se eu ainda estivesse nele, teria que
gastar esses R$600,00 mensais, fora o dinheiro de remédios, aluguel,
feira para a casa. Mas, eu não estou mais no mestrado e o dinheiro que
acumulei também serve para as necessidades da minha família.
Quanto será que custa a paz de espírito de uma pessoa, o tão aguar-
dado diagnóstico libertador? Todos os profissionais realmente se impor-
tam comigo ou com o lucro que posso lhe dar? Ficam os questionamentos.
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Contando de Mim
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5.12
56
Contando de Mim
Sempre tive meus problemas com minha voz ríspida e cantorias "mo-
norritmicas". Sim, era assim que eu chamava minhas músicas já que eu
as gravava no mesmo tom de voz.
Sei falar baixo, principalmente quando entendo do assunto (ou quando
tenho tempo a pessoa e isso é válido também para olhar nos olhos). Mas
não me peguem na empolgação ou na surpresa. Eu grito. Grito e falo
com velocidade de 360 km/h. Já falo naturalmente alto, imagina na hora
de soltar da cuca minhas palavras. Minhas conexões cerebrais são dema-
siadamente ligeiras e meu corpo nem sempre é capaz de acompanhar.
Sim, exagero no tom em horas impróprias, o que é angustiante para
uma pessoa que passou a fase mais pura de sua vida querendo ser cantora.
Faço isso, não nego, mas não é por mal. Simplesmente sai. Entendo a
revolta, aliás sou bem grandinha e "cabeçuda"para saber como me portar.
Entendo, mas peço que entendam que não faço por mal.
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5.14
ideias errôneas do TEA. Eu, posso dizer sem me gabar, sou a única pessoa
que pode me conhecer por completo e a partir do momento que eu ouvi
relatos sobre, liguei os pontos e me descobri.
Pode gritar que eu sou irresponsável. Pode gritar que eu não faço
nada para ser uma pessoa multifacetada. Eu não sou como você era com
23 anos, né? Ninguém é obrigado a ser. Eu não tenho emprego algum,
né? Eu não cuido de uma casa inteira ou tenho filhos...
Então por que você opina tanto quando eu decido fazer ou me inscre-
ver no mestrado? Diz que uma pessoa que não consegue ler um livro não
é capaz de fazer um mestrado? Você está me limitando a uma disfunção
executiva que você nem sabe que existe? Essas minhas atitudes, facul-
dade terminada, procurar saber mais a fundo sobre espiritualidade, falar
sobre atração sexual genética em um livro (quase ninguém sabe disso)
não são sinais que eu sou e estou me tornando responsável, mas a meu
modo?
Eu tenho empatia sim. Eu tenho sentimentos. Infelizmente não
esqueci de quando você convenceu aos psicólogos que minhas caracte-
rísticas eram por causa do extremo cuidado da minha mãe. Sei lá, se
você tivesse menos ciúmes de mim, talvez eu já tivesse conseguido o
diagnóstico de autismo. Ou se você achasse, pelo menos, minha opinião
válida.
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Contando de Mim
mãe, que aceitou e confirmou que sentia que eu era diferente dos outros
três irmãos.
A maldição, porém, vem de quem a gente menos espera também.
Então, queridos psiquiatras não achem que vocês sabem sobre todos os
transtornos psiquiátricos. Mais respeito e empatia, por favor.
Ah, mas pra muitos de vocês quem não tem empatia são autistas né?
Feliz dia 02 de abril.
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5.18
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Contando de Mim
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5.22
Elas não querem uma Nova Terra e continuam achando que essa, que a
gente tá, é a única.
Assim, nem Jesus para salvar quem não se permite ser salvo. Eles
terão outra chance, pois nosso Deus é de infinita misericórdia e bondade.
Mas agora não.
Eles têm seu livre-arbítrio e cabe ao Mestre e a nós respeitá-lo.
5.21 Comparação
Por que custa acreditar que o que digo é a minha verdade, a minha es-
sência liberta e mostrada orgulhosamente ao mundo? Posso me rotular
como autista, índigo, cristal, porque assim sinto que eu sou e me en-
caixo nas características apresentadas. Sou o exemplo de um teorema e
o meu autismo é apenas um corolário da minha definição. Não sou eu
por completo, sabe? Mas é uma parte importante de mim.
É lógico que você aceita que meus jeitos e gestos não são comuns.
E para tudo isso que é tão diferente na minha pessoa tem um nome: é
autismo. Não é o mesmo da criança que ainda não fala ou da criança que
tem crises sensoriais diante o público, mas também é.
Ninguém é igual. Sou um ser das estrelas passando um tempo na
Terra e os nomes acima me definem, consolam e me fazem sentir humana
e parte de algo maior.
Não sou comum e não falo sobre o que sou para me sentir mais espe-
cial ou me gabar. Me assumir é apenas um reflexo da minha consciência
em libertação.
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Contando de Mim
5.23 Chocolate
Minha mãe deve ter autismo ou o Fenótipo Ampliado do Autismo. Ela não
é boa com interpretações de alguns termos que ela não tem conhecimento
prévio.
Por exemplo, quando uma amiga fez uma sátira nos stories referente
ao chocolate Diamante Negro, que já foi alvo de escândalo por conter
cacos de vidro em sua produção, ela questionou se a moça seria capaz de
dizer aos seus alunos. Os stories da moça dizia que "Chocolate e vidro
seria ideal numa refeição". Claro que ela sabe que o diamante é cortante,
é óbvio, mas ela não sabia o porquê daquilo ser algo interessante de se
colocar em um storie.
Bem, isso gerou uma confusão com meu irmão, quando eu em defesa
de minha mãe disse que nem todo mundo entende as coisas em seu sen-
tido conotativo... Ele se "defendeu"dizendo que eu não queria conselhos
(ele não fala com minha mãe por motivos fúteis).
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5.25
5.25 Cansaço
Cansada de pedir por silêncio e não ser compreendida. Sabe o que eu
preciso quando sinto "choque nos ouvidos ou na cabeça"? Silêncio.
Cansada de explicar que eu não consigo dormir com a luz acesa.
Cansada de ouvir, também, que eu preciso de um exame na cabeça, sendo
que eu sei que tudo isso é fruto da TPS (Transtorno do Processamento
Sensorial).
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Contando de Mim
5.26 Decreto
Sim, pessoas deficientes precisam de adaptação na educação. Aliás, a
educação, como um todo, precisa de uma significativa mudança (mas
não venhamos ao caso). Qualquer criança, adolescente ou adulto com
deficiência DEVE tê-la. Mas o dever não está sendo cumprido; o dever,
sobretudo, está sendo ignorado.
"Joguem no lixo tudo aquilo que me dará um pouco de trabalho e
dedicação", dizem os engravatados. "Separe-os. Se eles ficarem juntos
por muito tempo perderemos nosso poder e conforto. Eles não podem
perceber e contar aos outros que não estamos nem aí para a educação,
saúde e o bem-estar deles", repetem os que querem ser deuses.
Eles querem começar pelos deficientes, para depois segregar os ne-
gros, os lgbts, os de espiritualidade livre e os pobres. Eles querem nos
separar e nos tornar marionetes. Eles querem, mas não vão conseguir.
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5.28
se sinta ofendido com o termo, eu tenho que parar e ouvir o que ele tem
a falar.
Não que eu não acredite que não tenhamos missões. Todos nós, nas-
cidos humanos, temos e a maior delas é ser feliz. Não somos "anjos"por
sermos autistas, somos se formos pessoas extremamente humanitárias.
Aí sim o termo anjo cai bem.
Somos neurodiversos e temos vontade de amar. Boa parte de nós
também quer formar uma família. Queremos alguém que nos apoie, nos
entenda e não tente nos moldar. Queremos fazer sexo, experimentar do
orgasmo... E não ter medo de dizer que somos autistas, tão humanos e
complexos como qualquer um.
Feliz dia do sexo!
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Contando de Mim
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5.31
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Contando de Mim
sim adjetivo. Eu, que já era adepta em pensar que é normal que os cé-
rebros funcionem em sistemas operacionais diferentes (neurodiversos
x neurotípicos), me vi tendo que confessar o meu antigo ego e própria
ignorância.
Sabe, a teoria das múltiplas inteligências? É mais uma que acredito
imensamente. Como explicar que atletas com Deficiência Intelectual
sejam tão bons (ou por que não dizer geniais) nos seus respectivos espor-
tes? Talvez seja claro: não é a dificuldade de aprender um conteúdo na
escola quem ditará quem você pode ser.
Eu, por exemplo, era uma ótima aluna na escola, provavelmente com
a inteligência superior em Matemática (e em criar/inventar estórias) .
E de que isso me adiantou quando me faltou a inteligência emocional?
Pouca coisa. Eu era mais uma menina frágil assustada com um mundo
horrendo. Eu era mais uma menina que teve que se prender em seus
devaneios para sobreviver por alguns meses.
Então, fica a dica: as inteligências são múltiplas, não-únicas. Cuide
bem de suas crianças sejam elas muito boas, medianas ou ruins na escola.
Elas estão dentro de uma ostra, sabe? E das ostras nascem pérolas.
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5.34
5.33 Partida
Quando o mundo carece de bons exemplos, de pessoas que sejam mais
lembradas por suas virtudes do que pelos seus defeitos, ele mesmo nos
tira as pessoas que, por si próprios, decidiram agir e ser os bons exemplos.
Ninguém nasce mau: todos nós nascemos com o potencial de despertar
a bondade nos outros, e se isso não é feito é por puro egoísmo nosso,
mesmo inconsciente.
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Contando de Mim
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5.35
5.35 Burrice
Eu pensei que não iria escrever nenhum textão hoje. Ledo engano. Então,
qual é o tema, Marturinhas? O poder da ofensa em chamar alguém de
burro.
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Contando de Mim
5.36 Esoterismo
Existe um lado do esoterismo que é bonito, bonito mesmo. Existe algo
sagrado no brilho da lua, na posição das estrelas, na gentileza das plantas
e animais. Existe algo divino no ar que respiro, na terra que piso, no
barulho da água serena que escuto escoar, no fogo que transmuta esta-
dos.... É, existe luz, mas também existem sombras. Infelizmente nós,
como humanidade, não aprendemos a controlá-las e isso inclui, claro,
quem se diz esotérico e sabe que em tudo que há e em qualquer pessoa
há uma fagulha de Deus.
Faço esse relato como uma pessoa que se tornou espírita, que não
acredita mais em inferno, que crê em reencarnação. Está sendo doloroso,
mas estou conseguindo encaixar e selecionar os ensinamentos/relatos
que procuro como o que meu coração diz. E sabe o que meu coração diz?
Que ser autista não é uma maldição. Sabe, se eu pudesse escolher entre
ser ou não ser autista de agora em diante, escolheria continuar sendo.
Eu me conheço assim e não há como voltar atrás quando você sabe o que
outros autistas podem passar e deseja, do fundo da sua alma, que o que
aconteceu com você nunca aconteça com eles.
Assim, da minha visão esotérica (que ainda está sendo moldada),
compreendo que minhas principais características (ser ruiva, ter a mãe
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5.37
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Contando de Mim
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5.40
5.39 Subdiagnóstico
É muito duro você saber que é autista e saber também que ninguém
vai acreditar em você. Ao mesmo tempo você se culpa pela sua falta de
socialização, hiperfocos fora de controle, devaneios excessivos, falta de
cuidado consigo...
Nem depois de três surtos psicóticos, planos idos ao chão e um recons-
trução profunda de si, o diagnóstico oficial saiu. Só uma fonaudióloga
notou que você é muito sensível ao sons e que "infelizmente"você é autista
adulta.
Infelizmente? Poder ser você e ter esse direito sem que ninguém te
questione ou invalide não é motivo para tristeza.
Eu não sou tão mentirosa apesar de criar tantos personagens de mim
ou de minhas estórias. Eu nunca mentiria em algo tão sério como isso...
Eu quero apenas manifestar o que já sou aqui dentro, mas as mura-
lhas são duras e o mundo dos homens é a invenção mais macabra deles
próprios.
5.40 Introdução
Eu tinha 15 anos quando peguei o "Introdução à história da Matemática",
do Howard Eves, na biblioteca da escola e comecei a ler um trecho ou
outro dele. É um calhamaço de mais de 800 páginas. É um livro bonito,
da capa bonita, com histórias bonitas.
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Contando de Mim
5.41 Legião
A incrível história da garota que se sente viva com as músicas de uma
banda "morta"há 25 anos.
Ontem eu escutei Clarisse completa mais uma vez. E não doeu. Não
deu vontade de morrer. Escutar "Clarisse"sem sofrer é a prova da minha
cura (não do Autismo, óbvio). Eu sou uma pessoa forte. Eu sou uma
pessoa incrível. E não estou mais trancada no banheiro chorando.
Sabe? Eu não consigo achar A Via Láctea triste. Não mais. Cada
estrela, se não for um sorriso, é uma lágrima de esperança, de gratidão.
Além disso, todo vento que sinto na cara, me faz lembrar que viver
pode ser bom e surpreendente. Sinto uma paixão insana por "Vento no
Litoral". Coloquei parte do meu coração nela e nas outras.
Hoje arranco os traumas do meu peito com as mãos inquietas. Não
dói mais. E é por isso que gosto tanto de Legião Urbana.
Clarisse tinha só 14 anos. Eu, 17. Uma Outra Estação, disco onde saiu
a gigante Clarisse, saiu em julho de 97. Eu nasci em setembro. Não há
coincidências.
5.42 Eu TRANScendo
Eu TRANScendo. Sim, não sou exatamente o oposto que designaram
quando eu nasci. Não, eu até gosto do meu corpo de menina, da minha
genitália, dos meus seios... Mas nunca, nunca mesmo, me encaixei na
caixinha de "mulher feminina".
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pela vida... Pela vida de Lua e de seus dois irmãos. Ser "presenteada"com
a morte quando se espera a vida é chocante.
Já perdi vários gatos e ainda perderei outros. Espero, desta vez, não
perder tão cedo e que, quando for a hora, eu lembre que a vida é uma
ilusão e a morte é uma farsa.
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5.55
aquele não era o caminho. Agradeço por ter tanta luz assim para ver,
superar e abraçar minhas sombras.
Com amor, da Martinha de quase 25, para os próximos "eus"de todas
outras vidas...
* Referência à música "Será?"da Legião Urbana.
5.55 Catarina
Eu não sabia, ainda, porque eu colocava os dedos em meus ouvidos diante
uma sala numerosa. Não sabia também porque me incomodava com
qualquer ruído quando estudava na biblioteca ou sala de ruídos.
Hoje sei que ainda estou com os ouvidos zumbindo por causa de um
carro de som de política, por causa da minha hipersensibilidade auditiva.
O incrível é que na questão olfativa é justamente o contrário: rara-
mente sinto cheiro. Nesse caso, acredito ser hiposensível. Tais caracte-
rísticas reforçam minha suspeita de ter Transtorno do Processamento
Sensorial .
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E foi por essa e por outras que ontem, dia 18 de julho de 2022, fui
pela primeira vez a uma neurologista. Claro, eu estava enganosamente
esperando o diagnóstico imediato de autismo e não tive. É óbvio que isso
seria injusto com tantos outros tantos autistas adultos que demoraram
tanto pra ter sua carta de libertação. Ontem comecei o meu caminho
para liberdade, liberdade de não ter medo de dizer que sou autista.
Dia ótimo tive(com alguns estresses), mas o melhor não foi a consulta
com a neurologista. A grande alegria se fez em forma de uma criança
pequena: Catarina. Catarina me viu, conversou e pediu para ver o meu
rosto. "Gostei do seu rosto", disse. No final me deu um abraço. Eu gosto
de abraços. Abraços em árvores e em pessoas como Catarina.
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