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SINOPSE:

Uma jovem estudante de Matemática, hiperfocada em Apocalipse, vê-se diante da realização de


suas conspirações. Presa a uma quarentena mundial, nossa sonhadora conseguirá se ver livre das
amarras ilusórias do mundo em que habita?

O título da crônica é uma paráfrase da música Um Minuto para o Fim do Mundo do CPM22.

MINIBIO:

Marta de Fátima Severiano de Oliveira ou Marturinhas, como pretende ser conhecida, nasceu no dia
02.09.1997 em Arapiraca-AL, mas sua cidade de coração é a qual viveu até os 16 anos, Coité do
Noia-AL.

Caçula de quatro irmãos, Marturinhas sempre foi uma pessoa distinta, mas acreditava que seu
mundo de fantasias acabaria na adolescência ou fase adulta. Ledo engano. Essa é sua energia.
Marturinhas é muito virginiana: tem Sol, Lua, Mercúrio, Nodo Norte e Lilith em Virgem. Ah, o
ascendente é em Áries.

Graduada em Matemática desde de 10.03.2020 (mas só colou grau simbolicamente em 05.06.2020).


Mais uma sofredora cruzeirense.

Amo as estrelas.
UM MINUTO PARA O NOVO MUNDO

Eu não sabia pelo que esperar para depois do dia 20 de julho de 2019, mas definitivamente
estava esperando por algo. Me tornei obcecadamente focada no tema Apocalipse nos meados de
2019 e poderia dizer que a culpa desse meu hiperfoco adveio das pesquisas para Sol em Virgem.
Poderia dizer, mas estaria me igualando em hipocrisia à humanidade que tanto critico. Os esforços,
milagrosamente, não foram vãos: uma parte ínfima do que aprendi sobre a temática foi colocada no
meu primeiro livro oficial, outro infinitésimo se converteu em música e a grande maioria está sendo
aplicada às técnicas de sobrevivência para 2020. Continuava encantada pelo tema quando soube das
primeiras notícias do vírus na China. Isso só fez minha cabeça guiada pelo realismo fantástico achar
que o próprio Apocalipse estava se concretizando. Veja bem, eu tinha meus motivos: Irã e Estados
Unidos estavam em conflito e isto poderia ser o estopim de uma Terceira Guerra Mundial.
Felizmente, nos próximos dias em que se seguiram, fui obrigada a me concentrar em outra coisa
além do meu hiperfoco favorito.

O meu trabalho de conclusão de curso era mais que uma conquista acadêmica. Vejam, seria o
primeiro trabalho que levaria meu nome na bibliografia; seria a vitória sobre três psicoses e uma
pesquisa forjada ao hiato; o fim de um ciclo que impôs feições dramáticas à utopia de me tornar
uma grande matemática. Não me culpem. Quem não se encantaria com aqueles heróis tão reais,
eternizados pelas descobertas na Rainha das Ciências? Mesmo com a expectativa latente, que tinha
como aliada a nova aprovação para o mestrado em Matemática, não pude deixar de me questionar
se aquele era o melhor caminho para mim. E se eu simplesmente devesse esquecer os devaneios
daqueles seis anos e me entregasse ao amor pela escrita, movedor de toda e qualquer montanha de
minha alma?

Seguiram-se os dias e seus acontecimentos. Foi e ainda é impossível de esquecer os dias


anteriores à Quarentena. Todas as minhas genialidades e loucuras mais íntimas haviam se
manifestado naquele período de graduação. A partir do nono dia de março seguiu-se o choro, a luta,
o alívio e o aborrecimento. O meu mestrado, a pesquisadora em que sonhei ser, estava prestes a se
tornar uma realidade, em menos de duas semanas. Porém era notável a sincronia dos
acontecimentos, o atraso das notas e do diploma. Como eu me dedicaria ao mestrado sem algum dia
de folga? Vejam bem: apesar de eu ter uma certa consciência sobre o que estava acontecendo no
mundo, não imaginava que aquilo tudo me atingiria tão rápido. Eu só queria trilhar minha
independência e carregar o diploma como um troféu. Sim, em meio a todo aquele caos e mesmo
com casos do novo coronavírus em meu estado, eu flertava com a ideia de receber minha
recompensa no fim do mês. Ledo engano.
No dia 16 de março começara oficialmente o período 2020.1 na Universidade Federal de
Alagoas. Dali, em uma semana, começaria o meu novo caminho. Vi a universidade, que também era
minha casa, ser invadida por cerca de 30 mil pessoas, banhadas de sonhos e expectativas para o
futuro. Muitos tinham aquele como o primeiro dia como universitário. Lembrei-me de minha versão
de 16 anos e rezei, silenciosamente, para que a academia não destruísse o sonhador que cada jovem
ali era. Em poucas horas, as minhas expectativas e de milhares de jovens foram quebradas: as aulas
foram encerradas, sem estimativa de retorno, na noite daquela segunda de março.

Na primeira semana de quarentena, até me diverti com as férias forçadas, assistindo filmes e me
livrando do estresse dos últimos meses de monografia. O êxodo começaria em 20 de março,
entregando todos residentes da UFAL a um misto de incertezas e medo. Pipocavam conhecidos de
uma pessoa ou outra que haviam se contaminado com o Coronavírus. Os superiores da universidade
enlouqueciam de frente a uma realidade utópica. A ordem era esvaziar a residência até, no máximo,
dia 25 e devolver todos os estudantes às suas casas. Hoje compreendo que aquela era a melhor
opção dos dirigentes, mas na época, onde não se sabia quase nada sobre o vírus, e meus planos
foram cortados abruptamente, me vi obrigada a ficar ao lado dos rebeldes.

Reuniões aconteciam com os universitários restantes de duas a três vezes por dia. Eu tinha o
privilégio de morar no mesmo estado que estudava, boa parte não. Ali, naqueles encontros,
confirmei minha suspeita que estava participando de algo grande, algo único na história recente da
humanidade. Minha mãe era inclinada a favor dos rebeldes, mas voltaria para casa se asseguram-se
que nós duas não já estivéssemos infectadas com o novo vírus. Boatos diziam que uma estudante
partira chorando com suspeita de COVID-19. A dúvida também pairava pela aglomeração de
pessoas de todas regiões que entraram na UFAL. Ah, vocês devem estar se perguntando o que
minha mãe fazia entre universitários. Respondo brevemente: minha saúde mental era a principal
responsável por isso.

Não fui santa nem fui louca no início de meu exílio voluntário: fui um pouco de ambas. Presa,
literalmente, aos últimos seis anos de minha vida reuni-me virtualmente aos conspiracionistas
católicos do Apocalipse. Fui feliz enquanto minhas pesquisas duraram: o tema foi o inspirador que
mais senti na pele em todos os sentidos, dando-me músicas maravilhosas e respostas temporárias
para meus inquietantes questionamentos teológicos. Tornei-me como um espírito serelepe da
natureza, agradecendo por todo dia vivido, louvando com sinais católicos a cada lua brilhante no
céu. Em abril, a paz restauradora advinda pelos capítulos decisivos concluídos em Sol em Virgem
encontrou companhia à confirmação de minha matrícula no mestrado e respectiva bolsa recebida.
Pelo menos naquele mês a esperança que a humanidade refletisse sobre suas ignorâncias, fraquezas
e forma maquinal de levar a vida eram latentes em mim. Eu estava liberta e com tempo
indeterminado para agradecer a um grande Deus Andrógino pelas realizações que me pareciam
impossíveis em alguns trechos da estrada. Estava disposta a venerar a vida, representada naquele
mês pelo nascimento de mais cinco gatinhos na Residência Universitária Alagoana.
No início de maio, alguns males afrontaram minha paz de espírito interior. Não, não vou citar
aqui a óbvia impaciência por não ter uma data marcada para o início do novo mestrado. Destaco,
porém, o sumiço dos filhos da gata Cidinha e minha humanidade questionada em meio à explosão
de casos de Coronavírus no Brasil. Lembrava da profecia de Padre Cícero Romão sobre as pessoas
não poderem ficar em suas casas e viverem em currais de gado. Questionei-me, também, se o País
do Evangelho, profetizado por Chico Xavier, seria um dos protagonistas de uma calamidade
mundial. Era o primeiro decanato de maio e o Brasil já atingira mais de 10 mil mortes pelo novo
vírus. A dor, por ver meu país ser um dos protagonistas de uma tragédia apocalíptica, era
intensificada pela negação de seus habitantes. Eu ainda não imaginava que a situação pioraria tanto
que, hoje, me alegraria se as mortes parassem apenas naquelas 10 mil. Os segundo e terceiro
decanatos de maio foram marcados pelo início virtual do meu mestrado. Estaria eu preparada para
enfrentar os monstros que me assombraram nos seis anos de graduação? Seria eu humilde o
suficiente para ver que minhas ideias escritas e cantadas sempre foram muito mais importantes para
mim do que um título de mestra, conferido pelos trabalhadores de uma matrix limitante? Aos
poucos, eu largava as Teorias de Conspirações cristãs, que condenavam a maioria dos humanos ao
Inferno, e me apegava ao significado grego da palavra: revelação.

Notei, em junho, avanços nos meus aprendizados matemáticos. Aproveitei o período de revisão
e decidi nivelar os meus capítulos iniciais aos últimos. Desculpe-me o pessimismo, mas eu não
podia esperar que ninguém entendesse, como eu, a grandiosidade de minha história com uma
narração tão fraca. Mesmo assim era necessário celebrar minha força de vontade: no dia 06 de
junho completava 01 ano que comecei Sol em Virgem. Decidi, enfim, matar um grande personagem
e dá feições de reviravolta à trama. E a minha vida, também teria direito a uma reviravolta?

A alegria de ter finalmente achado os filhotes da gata Cidinha foi substituída pela agonia do
despejo iminente de todos os gatos. Vejam: os residentes restantes não suportavam a bagunça dos
gatos, mas era extremamente cruel abandoná-los em meio a um mundo paralisado. A partir das
brigas de minha mãe com o grupo dominante da residência, a resolução plausível foi levar a gata
Jade e seus filhos para um bloco abandonado e interceder por Cidinha, que escondera as crias em
um dos quartos desocupados da residência por uma pequena janela.

Quando cessaria meu martírio? Era eu digna de receber 1500 reais enquanto me preocupava com
filosofias inúteis no olhar dos doutores acadêmicos? Por que não usei parte desse dinheiro para
consultar-me com a especialista em autismo que já tinha descoberto? O medo falaria mais alto mais
uma vez e usurparia para si o poder de minhas escolhas?

Antes de conta-lhes o que aconteceu, acalmou-os com uma boa notícia: a gata Jade e seus
filhotes voltaram. Destaque para um gato cinza chamado Jake e o filho mais velho da gata, cinza
mais claro que o primeiro, Luppi. Luppi é o xodó meu e de minha mãe e parecia trazer a sorte que
sua cor ditava.
Finalmente era chegado Agosto e com ele todas as angústias atingiam seu clímax: seria ou não
aprovada nas minhas disciplinas de mestrado? E se eu fosse aprovada, era aquilo mesmo que eu
queria? Comemoraria, em setembro, meu aniversário de 23 anos feliz por ter a garantia estendida de
ter 1500 na minha conta ou por estar livre para escrever as palavras que engrandeciam minha alma?
Não me julguem, apenas tentem entender a transformação que se iniciara em meu ser humano. Não
foi em 2020 que comecei a notar que nossa realidade era constituída de uma Matrix. Sim, nascemos
em uma sociedade com valores pré-definidos, com cartilhas de sucesso e felicidade, distribuídas por
pessoas de bem ou altamente religiosas. Como não me questionar que a realidade poderia ser bem
diferente do que é hoje? Eu sou escritora e manipulo os sentimentos e destino de meus personagens
de acordo com meus propósitos. Não seríamos nós, também, personagens de uma realidade
construída por nossos ancestrais e fortalecida pelos que se acham donos do poder neste planeta?
Aquele Agosto, astrologicamente o Inferno Astral para a virginiana que sou, foi necessário para
romper com aqueles sonhos que eu achara serem definitivos. Eu não sonhava em ser cantora e
escritora quando criança, então porque desisti tão fácil? Suportaria os mandos e desmandos de
mestres e doutores em busca de um conhecimento ilimitado e, de uma certa forma, limitante? Eu
amo Matemática e tudo que há de poético nela. Eu amo a vida e a beleza que há nela e que os
humanos não conseguem enxergar. Foi preciso coragem e desprendimento para encarar aqueles
outros 2D no mestrado em Matemática. A dor de não saber o caminho a seguir fora atenuada pelo
meu propósito de ser bem-sucedida com minhas ideias. Eu seria uma boa jornalista científica? Uma
boa astrônoma ou quem sabe astrofísica? Deveria ser apenas professora de Matemática do ensino
básico e conseguir os conhecimentos pedagógicos? Eram milhões de estradas. Senti-me culpada por
brincar daquela forma com meus personagens, mesmo sabendo que não eram reais. O destino estava
brincando comigo, rasgando o derradeiro véu de ilusão que me fora imposto.

Escrevo estas linhas em Outubro de 2020 e não poderia estar mais feliz do que agora. A
felicidade é algo interior, não necessitando das conquistas que o mundo oferece. Hoje, acredito em
reencarnação e em vidas em outros planetas. Hoje, estou prestes a começar duas disciplinas como
aluna especial no mestrado de Informática da UFAL. Hoje, assim como eu era quando criança, sinto
o amor incondicional ao olhar para o Céu e me sentir parte deste universo imenso. A vida é uma
experiência; a morte, encontrada tão facilmente esse ano, é apenas uma desculpa e uma fase que
devo passar, de novo. Não espero mais o Apocalipse trágico que aprendi a gostar, mas sim pelo fim
de um mundo cruel, egoísta e individualista. Não devemos combater a pessoas más e sim a maldade
que há nelas. Pretendo ser humana até o dia em que me for permitido.

Eu sou livre, enfim.

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