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você querer imprimir o Livro. Há pessoas que gostam de imprimir as
páginas, então o PDF é um arquivo melhor para fazer isso. Você
pode imprimir em A4 sem problemas.

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também está no seu Link de Downloads. O ePub permite uma leitura
mais confortável em Smartfones, Tablets e até mesmo no computador.

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como você deve fazer para abrir o arquivo ‘’ePub’’ no seu dispositivo.
Provavelmente você precisará instalar um software/aplicativo para poder
ler o arquivo. Mas é rápido, garanto que em poucos minutos você já
começará a leitura.

Qualquer dúvida, por favor entre em contato com:

suporte@magicaonline.com.br

Forte abraço e bom proveito!


Quero te pedir uma coisa.

Antes de você começar a leitura, queria te pedir um favor: por gentileza, não
compartilhe esse arquivo com outras pessoas.

Eu quei dois anos da minha vida escrevendo este livro mesmo sabendo
que os brasileiros não se interessam muito por este tipo de literatura.

É muito mais cômodo assistir um DVD de Mágica do que ler um livro de


Mágica. E é muito mais fácil gravar um DVD do que escrever um livro.
Então se as pessoas preverem DVDs e seria mais fácil gravar um DVD do
que escrever um livro, então por que eu decidi escrever esta obra? Porque
eu amo a Mágica. Eu tinha as ideias na minha cabeça e sabia que tinha
que compartilhar isso. Passar para frente.

Se você gostar da leitura, eu adoraria que você compartilhasse com seus


colegas. Mas por favor, não envie o arquivo do Livro pra eles. Faça
melhor: mande o link do site! www.LivroDeMagica.com.br

Você vai me ajudar muito se você enviar o link do site para as pessoas.
E vai me ajudar mais ainda se você se comprometer em não repassar o
arquivo do livro para outras pessoas.

Posso contar com você? Obrigado :)

Te desejo uma boa leitura e todo o sucesso do mundo!

Guilherme Ávila.
A Arte Mágica: a Percepção em Perspectiva

Autor
Guilherme Ávila
Projeto Gráco e Editoração Eletrônica
Guilherme Ávila
Criação e Editoração Eletrônica da Capa
Edson Santos de Souza
Editora Kiron

Impressão e Acabamento
Editora Kiron
(61) 3563.5048 / www.editorakiron.com.br
A Eduardo, meu pai,

que tanto me ajudou desde o início de minha carreira,

e a Rita, minha mãe,

que além de ser a pessoa mais incrível que já conheci,

foi mais importante do que ela imagina

em tudo que já z na vida.

Eu quase que nada não sei, mas descono de muita coisa.


Grande Sertão: Veredas
Agradecimentos
Escrever este livro não foi um projeto ligeiro. Gostaria de agradecer a
todos que me ajudaram e incentivaram, de qualquer forma, a concretizá-
lo. Não poderia deixar de agradecer especialmente a:

• Henry Vargas, por ter gentilmente contribuído não apenas com o


prefácio, mas também com ideias expostas na seção 9.4;

• Ozcar Zancopé e Juan Araújo, pela leitura prévia do livro e pelos


valiosos comentários;

• Irene Lage, pela cautelosa revisão de todo o texto e pelos fantásti-


cos insights ;
• Eliana Ávila e Rita Ávila, pelas sugestões e comentários preciosos;

• Lisieux Amaral, pelo companheirismo e por toda paciência e com-


preensão com minha dedicação à Mágica;

• Gabriel Ávila, meu irmão mais velho;

• Meus verdadeiros amigos, que tornam minha vida muito mais feliz
(não vou citar nomes, pois eles sabem quem são);

• Meu falecido avô Geraldo Ávila, que mostrou-me que com esforço
e dedicação é possível escrever livros sobre nossos sonhos;

• Todos os mágicos do Brasil que valorizam e respeitam a Arte Má-


gica e me fazem ter orgulho de ser mágico brasileiro.

Obrigado a cada um de vocês!


Conteúdo

Prefácio, por Henry Vargas ix

Introdução 1

I O Mágico e sua Arte 5


1 Arte cientíca ou ciência artística? 7

2 A trilha da ilusão 11

3 Mágica e truque 15
3.1 O efeito mágico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2 Mágica ou truque? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3 Habilidade técnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.4 Por que truques? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.5 Floreios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

4 Técnica e teoria 25
4.1 Denições essenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.2 Ação conjunta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.3 O raciocínio teórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

5 O mágico 29
5.1 Um ator . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5.2 Convencer e acreditar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
O papel fundamental do mágico . . . . . . . . . . . . . . . 32
5.3 Eu no palco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
5.4 Mágico por coração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5.4.1 Los Siete Velos Mágicos . . . . . . . . . . . . . . . 36
5.5 O mágico e a plateia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

iii
iv CONTEÚDO

5.5.1 Pressuposto indesejado . . . . . . . . . . . . . . . . 40


5.5.2 Apresentando para apenas uma pessoa . . . . . . . 41
5.6 Plágio e originalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

II Por Dentro do Número de Mágica 49


Antes, algumas palavras 51

6 A ótica interna 53
6.1 Fragmentando um número de mágica . . . . . . . . . . . . 53
6.2 Os elementos do efeito mágico . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2.1 Personagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2.2 Fenômeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.2.3 Propósito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.2.4 Prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.3 Interação entre os elementos . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
6.4 Perspectiva prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

7 Estratégias de maximização 69
7.1 Participação da plateia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
7.2 Armações distorcidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
7.3 Lapso temporal e intervalo de importância . . . . . . . . . 78
7.3.1 Forward Time Displacement e Backward Time Dis-
placement . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
7.3.2 Ausência do lapso temporal . . . . . . . . . . . . . 85
7.4 Gradação de interesse e Clímax . . . . . . . . . . . . . . . 86
O excesso no impacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
7.5 Surpresa antecipada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
7.6 Momentos simbólicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

8 Técnicas não mecânicas 109


8.1 Controle da atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Fonte de informação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Centro de interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
8.1.1 Concentração da atenção . . . . . . . . . . . . . . 112
8.1.2 Relaxamento da atenção . . . . . . . . . . . . . . . 114
Monotonicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
8.2 Misdirection . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
8.2.1 Misdirection físico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
8.2.2 Misdirection verbal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
CONTEÚDO v

Ricochet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

8.2.3 Misdirection de intensidade . . . . . . . . . . . . . 124

8.2.4 Misdirection temporal . . . . . . . . . . . . . . . . 125

8.2.5 Misdirection mental . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

8.3 Naturalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Espelhamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

8.4 Estrutura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

8.5 Timing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

III Por Fora do Número de Mágica 135


9 Apresentação de um número 137
9.1 O Processo de comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

9.2 O Processo de comunicação na Arte Mágica . . . . . . . . 138

9.3 Usando scripts . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

9.3.1 O Script silencioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

9.4 A Pirâmide Mágica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

A Regra de Ascanio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

Um segundo modelo de pirâmide . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

10 Selecionando o repertório 151


10.1 Números ruins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

10.2 Pensamento de um economista . . . . . . . . . . . . . . . 153

10.3 Simplicidade e facilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

Um problema na cartomagia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

11 O processo de treinamento 157


11.1 Praticando técnicas mecânicas . . . . . . . . . . . . . . . . 157

11.2 As técnicas não mecânicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158

11.3 Praticando um número de mágica . . . . . . . . . . . . . . 159

Automatização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

Incluindo um número novo no show . . . . . . . . . . . . . . . . 160

Feedback audiovisual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

11.4 Praticando o script . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161

11.5 Nota para cartomagos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162

11.6 Treinamento mental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162

11.7 A prática é inevitável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163


vi CONTEÚDO

IV Apêndices 165
A Categorias de efeitos mágicos de Dariel Fitzkee 167

B Scripts 169
B.1 A Mágica da Vida (página 65) . . . . . . . . . . . . . . . . 170
B.2 A Vida, As Cartas (página 105) . . . . . . . . . . . . . . . 174
B.3 Another Quick Coincidence (página 105) . . . . . . . . . . 178
B.4 Número Pensado (página 84) . . . . . . . . . . . . . . . . 180
B.5 Um Pouco de Você (página 74) . . . . . . . . . . . . . . . 182

Bibliograa comentada 187

Índice Remissivo 202


Lista de Figuras
3.1 Diferença esquemática entre um truque e um número de
mágica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

6.1 Por dentro de um número de mágica. . . . . . . . . . . . . 54


6.2 Como que os elementos de um número de mágica (gura
6.1) estão interligados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

7.1 Forward Time Displacement. . . . . . . . . . . . . . . . . 82


7.2 Backward Time Displacement. . . . . . . . . . . . . . . . . 83
7.3 Análise do nível de interesse. . . . . . . . . . . . . . . . . 87
7.4 Pontos de clímax e o nível de interesse. . . . . . . . . . . 88
7.5 Formato não desejado da curva de interesse. . . . . . . . . 89

9.1 O processo de comunicação. . . . . . . . . . . . . . . . . . 138


9.2 O processo de comunicação no caso especíco da Arte Má-
gica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
9.3 Os cinco pisos da Pirâmide Mágica, segundo Juan Tamariz. 147
9.4 O modelo de pirâmide mágica segundo Henry Vargas. . . . 150

vii
Prefácio (Henry Vargas)
Confesso que quei muito feliz e entusiasmado quando recebi o con-
vite de meu grande amigo e autor desta obra para introduzir seus pen-
samentos com este prefácio. O entusiasmo vem, certamente, de dois
motivos: o primeiro deles é a oportunidade de cooperar com este pro-
jeto, que almeja, acima de tudo, contribuir com o crescimento da Arte
Mágica no Brasil; o segundo está no tema central desta obra: Teoria apli-
cada à Mágica, assunto infelizmente ainda é pouco discutido, estudado
e respeitada em nosso País, embora seja de extrema importância.

Lembro-me de que há alguns anos tive meu primeiro contato com um


livro de mágica, que não explicava nenhum "truque". Hoje em dia talvez
o considere um dos melhores livros que já li dentro da literatura sobre
mágica. Primeiro, porque foi a partir dele que comecei a mudar minha
concepção sobre a arte que praticamos. Em segundo lugar, porque ao
terminar a leitura, percebi que, embora não tenha aprendido nenhum
número, tinha a convicta certeza de que havia me tornado um melhor
artista, por haver compreendido e aprendido os complexos atos que en-
volvem a Arte Mágica para poder aplicá-los a meu processo criativo.

Depois de alguns anos de estudo, estou convencido da importância


de se estudar Teoria e Filosoa dentro da Mágica. Poucos ainda com-
preendem a complexidade dos limites e das dimensões da Arte Mágica.
Mas só nos tornaremos melhores artistas se compreendermos o que deve
ser compreendido e não somente reproduzirmos efeitos sem embasamento
teórico e losóco. Como diria um dos maiores gênios da Mágica, Tommy
Wonder, no primeiro livro de sua obra, a teoria é o instrumento neces-
sário para se polir um diamante encontrado em cada artista: o talento.
Quanto mais se conhece, com maior maestria se consegue polir e retirar
as impurezas e, consequentemente, com maior vigor e brilho se destacará
o diamante.

O que está por vir neste livro talvez seja uma compilação dos maio-
res segredos para polir e deixar com mais brilho ainda o talento de cada

ix
x LISTA DE FIGURAS

leitor. Aproveite a oportunidade da leitura e abra sua mente para co-


nhecer o pensamento de grandes teóricos da Arte Mágica, traduzido e
comentado por um excelente artista brasileiro que nos brinda com este
grande projeto. Tenha a certeza de que a leitura será ao menos produ-
tiva por um motivo: aprenderemos a aprender, como já dizia o mestre
René Lavand em suas obras: "A primeira coisa que devemos aprender é
a aprender. Discernir sobre as coisas que valem a pena e desconsiderar,
algumas vezes até depreciar, aquilo que não vale a pena".
Ensine-nos, meu prezado amigo e autor, a Aprender a Aprender com
esta leitura. Este é o segredo para se construir grandes artistas!

Henry Vargas
Belo Horizonte, dezembro de 2011
Introdução
Aos doze anos, apaixonei-me pela Arte Mágica. Os assuntos teóricos e
psicológicos da mágica sempre me atraíram. Não apenas porque eles são,
em si, fascinantes, mas porque descobri que estão intimamente ligados à
prática.

Os maiores gênios da mágica possuem ou possuíam embasamento


teórico forte. Percebi, assim, que a teoria era um meio pelo qual seria
possível melhorar a prática, a performance. A losoa budista diz que
se nosso pensamento está confuso, nossas ações serão confusas. Então
como exigir uma melhor performance se não temos clareza mental do
que fazemos? Se não temos um pensamento correto sustentando nossas
ações?

Desde o início de meus estudos, no entanto, tive que recorrer a livros


estrangeiros, pois não havia nenhum livro no Brasil que tratasse a mágica
de uma perspectiva desvinculada do aspecto mecânico da arte. Os livros
de mágica brasileiros se preocupam em ensinar números, nada mais. E
mesmo esses são poucos. Em 2006, Eduardo Peres quebrou o padrão
e lançou um ensaio a respeito da originalidade na Arte Mágica. Pela
primeira vez, pude ler uma abordagem diferente escrita por um amigo e
mágico brasileiro. Que orgulho!

O maior propósito deste livro é contribuir com a literatura mágica


brasileira. É impressionante que no Brasil existam mágicos excelentes,
mas ao mesmo tempo uma literatura mágica tão escassa. É claro que
não pretendo esgotar o assunto, mas sim apenas despertar interesse para
esse tipo de raciocínio, que parece ser esquecido, ainda, no meio mágico.

Infelizmente, o conhecimento comum sugere que esses temas são de


importância menor. Poucos são os mágicos que leem livros para aprender
sobre mágica, e não para aprender números de mágica. Poucos são os
mágicos que leem visando à qualidade e não à quantidade.

Confesso que quando comecei a escrever este livro, pensei que haveria
poucos leitores. Verdade ou não, segui meu coração e escrevi. Escrevi,

1
2 LISTA DE FIGURAS

porque sei que existem interessados no assunto. Mágicos com os quais,


para minha felicidade, tenho ou já tive o prazer de conviver. Pessoas que
podem ou não viver pela mágica, mas que, com certeza, vivem para a
mágica.

Este livro é fruto da minha paixão pela Arte Mágica e destinado a


todas as pessoas e mágicos, prossionais e amadores, que dão a ela o
valor merecido. Escrevê-lo não foi apenas mais um projeto na minha
carreira. Foi a realização de um sonho.

Teoria e intuição

Eugene Burger costuma fazer uma analogia entre a teoria e uma canoa.
Uma canoa serve para atravessar o rio. Uma vez que se chega ao outro
lado, nós a atracamos à margem; já atingimos nosso objetivo. Uma
canoa, em si, não possui utilidade alguma. Ela é um meio pelo qual é
possível se atingir um m. Na mágica, pode-se pensar da mesma forma.
É preciso investir em teoria não para saber sobre teoria. Não! É
preciso investir em teoria para obter uma melhor prática. A teoria é um
meio pelo qual é possível se obter melhores performances.

Não obstante, é importante falar sobre outro fator essencial, além


da teoria: a intuição. Com certeza deve existir aquele que, fazendo uso
apenas da própria intuição, consegue deixar de lado as regras teóricas e
acertar na mosca, apresentando um ato fantástico. Eu nunca presenciei
tal exceção. Todos os mágicos que conheço e desenvolvem atos fenome-
nais zeram um estudo minucioso de cada movimento, de cada frase, de
cada ação. Mas mesmo assim, a intuição conta muito para desenvolver
uma boa performance. O problema é que, para você começar a intuir,
é preciso tempo e experiência. Mágicos experientes conseguem ver um
número e saber o que está faltando para aumentar seu impacto. Con-
seguem assistir a uma performance de outro mágico e fazer uma boa
aproximação de quais números poderiam incluir em seu repertório pes-
soal ou se realmente determinada performance não tem nada a ver com
seu estilo. Para fazer essas aproximações, é preciso se conhecer; conhecer
o próprio estilo de fazer mágica. Somente assim é possível saber o que
pode funcionar e o que pode se transformar em fracasso total.

Eduardo Peres, na página 38 de seu ensaio Pensamento Original


em Arte Mágica , cita um episódio interessante que ocorreu entre Tom
Jobim e Chico Buarque:
LISTA DE FIGURAS 3

Tom Jobim, certa vez, disse ao ainda garoto de vinte e poucos


anos, mas já brilhante compositor, Chico Buarque:  estude
teoria musical sim, mas não deixe que lhe levem essa certa
ignorância que lhe permite intuir .
Siga sua intuição, seu sexto sentido. Muitas vezes você estará cor-
reto, mas não deixe de valorizar os estudos teóricos. Eles nunca vão
prejudicá-lo.
Neste livro, vou enfocar a teoria e outros aspectos além da parte
apenas mecância da Arte Mágica. Por um motivo apenas: intuição não se
ensina, desenvolve-se. Quanto mais estudo e mais tempo de performance
você tiver, melhor vai ser sua intuição a respeito de sua mágica.

Nomenclatura técnica

Ao longo do livro, o leitor notará o uso frequente de alguns termos técni-


cos em inglês. Confesso que nunca preferi vocabulário estrangeiro quando
existem opções semanticamente idêntica em nossa primeira língua. Po-
rém, quando se trata de termos técnicos, a maioria foi publicada e conso-
lidada em inglês. Justamente por isso, optei por mantê-los dessa forma.
Deixo claro, portanto, que minha escolha em utilizar vocábulos em inglês
não teve a pretensão de conceder à obra um caráter mais intelectualizado.
Foi uma questão de necessidade, apenas.

Ideias e opiniões pessoais

Este livro, como todos os outros que analisam alguma forma de arte, é,
na verdade, uma exposição de ideias. Cabe ao leitor concordar com elas
ou não. Peço, por gentileza, que não leia tudo que escrevi como se fosse
uma verdade absoluta. O maior aprendizado advém de se questionar
o que lhe é oferecido como verdade. Aliás, o questionamento é a força
motriz por trás de todas as mudanças e revoluções. É, também, a força
que me motiva a escrever este livro.

Guilherme Ávila
Brasília, setembro de 2011
Parte I

O Mágico e sua Arte

5
Capítulo 1

Arte cientíca ou ciência


artística?
A mágica é muitas vezes categorizada como uma forma de arte.1 Fre-
quentemente, nós, mágicos, nos referirmos a ela como a Arte Mágica
ou até mesmo como a Rainha das Artes. Mas existem quem acredite
que a mágica é ciência e não arte. O mágico Dariel Fizkee, na introdução
de seu livro The Trick Brain, diz as seguintes palavras:2
(...) Cada ciência tem seu próprio manual. E eu sou da opi-
nião que a mágica é mais ciência do que arte. (...) Uma
vez que a arte é, na verdade, a habilidade na performance,
eu prero pensar a habilidade na performance como entrete-
nimento, diversão. Assim [eu acredito que] a mágica é uma
ciência, uma ciência na qual o conhecimento acumulado pode
ser sistematizado e formulado com referência a verdades ge-
rais ou a operação de leis gerais (...)
3

1
A Arte Mágica, tal como é concebida nos dias de hoje, não é muito antiga. Apesar
de existirem registros de números de prestidigitação milênios atrás, alguns inclusive
em papiros, provavelmente o primeiro livro que consta sobre números de mágica foi
De Viribus Quantitatis , escrito em italiano entre 1496 e 1508 por Luca Bartolomeo
de Pacioli, um monge franciscano e matemático, com a ajuda de Leonardo da Vinci.
Apenas no século XIX, pela inuência do mágico francês Jean Eugène Robert-Houdin,
considera-se o início da Mágica Moderna.
2
Esse comentário feito por Fitzkee gerou grandes controvérsias no meio mágico.
Apesar de toda a trilogia escrita por Fitzkee ser, ao meu ver, de grande valor, o
volume 2  The Trick Brain  é injustamente negligenciado por alguns mágicos,
pelo fato do autor ter negado o caráter artístico da mágica.
3
Tradução minha do livro The Trick Brain de Dariel Fitzkee, edição de 2009,
página 1.

7
8 CAPÍTULO 1: ARTE CIENTÍFICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?

Confesso que quando começei a ler pela primeira vez esse livro, aos 18
anos, quei espantado com a certeza e a conança inspiradas pelas pa-
lavras do Fitzkee. Há anos eu ouvia, sistematicamente, mágicos de todo
o mundo dizerem que a mágica é uma arte. Para mim, isso já era fato, e
inquestionável. Como pode o Fitzkee ter tanta certeza em sua armação,
ao recategorizar a mágica como uma ciência? É possível entender mais
sobre o porquê desse ponto de vista, ao ler o livro por completo.
Esse livro procura mostrar um campo inexplorado da mágica até a
época: a criação. Que os mágicos devem ser criativos, todos sabem. Mas
como atingir esse objetivo? Como chegar lá? Bem, o Fitzkee propõe um
revolucionário sistema denominado The Trick Brain (curiosamente, o
mesmo nome do livro). Resumidamente, é um sistema baseado em quatro
etapas que, a partir da categorização dos efeitos mágicos,
4 dos fatores

essenciais necessários a cada efeito, dos objetos possíveis de utilização e


dos métodos básicos para atingir cada efeito, permite a criação de novos
números de mágica. É um processo que estimula a imaginação para a
criar novos números e novas combinações a partir de efeitos e métodos
já conhecidos. Esse é, segundo o próprio autor, o objetivo de seu livro.
Há várias denições de ciência, e creio que seja utópico querer impor
uma denição exata e correta, até porque elas não são imutáveis no
tempo. Uma possível denição é

Ciência é o conhecimento claro e evidente de algo, fundado


quer sobre princípios evidentes e demonstrações, quer sobre
raciocínios experimentais, ou ainda sobre a análise das soci-
edades e dos fatos humanos.
5

No entanto, grande parte das denições são baseadas em três sentidos:

1. O saber, o conhecimento de certas coisas, que serve à condução da


vida ou à dos negócios;

2. Conjunto dos conhecimentos adquiridos pelo estudo ou pela prá-


tica;

3. Hierarquização, organização e síntese dos conhecimentos através de


princípios gerais (teorias e etc.).

Com base no terceiro ponto, a tentativa pioneira


6 de Fitzkee de isolar

a parte mística do efeito mágico, de sistematizar o conhecimento a partir

4
Ver apêndice A.
5
Essa frase é do pesquisador e autor Michel Blay.
6
Pioneira no sentido da mágica moderna. De acordo com a análise de Marcel
Mauss, em Esquisse d'une théorie générale de la magie, um processo distinto ocorrera
9

de processos racionais e de inferir, daí, princípios e teorias, pode ser


considerada uma cientização da mágica.
Porém não creio que apenas uma maior organização do raciocínio
de determinada coisa seja suciente para considerar essa coisa uma
ciência. Ora, um fotógrafo possui estratégias de cores, de distância, de
luz e de foco para tirar uma fotograa melhor. Uma escola de teatro
ensina técnicas e teorias sistematizadas para que os alunos apresentem
uma peça mais atraente ao público. Então um fotógrafo é um cientista?
O teatro é uma ciência?
Voltando a Fitzkee, devo dizer que não concordo com sua arma-
ção de que (...)a arte é, na verdade, habilidade em performance (...).
Acredito que a habilidade demonstrada no ato mágico
7 não é arte, nem

ciência, obviamente. É o que em inglês é chamado de craft : uma ha-


bilidade técnica, um ofício. Por curiosidade, procurei o signicado mais
exato de craft e encontrei o seguinte:

Descrever algo como craft equivale a percebê-lo em um estado


intermediário de arte (que exige talento) e de ciência (que
requer conhecimento).
8

É exatamente isso!
Vou dar mais um exemplo. Vamos analisar o caso de um pintor.
A mistura e homogeneização das tintas possuem base cientíca, correto?
Mas a atividade de misturar tintas é uma mera habilidade, um ofício;
é o que denimos no parágrafo anterior como craft. Porém, se essa
mistura de tintas na tela provoca uma conexão entre o pintor e quem
a vê, isto é, se por meio dessa mistura o pintor consegue transmitir
suas ideias e seu modo de enxergar o mundo às pessoas que veem a tela,
então ele conseguiu fazer arte. Como disse o dramaturgo irlandês George
Bernard Shaw,

Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte para ver a


alma.

na Grécia centenas de anos atrás. Nesse período, constata-se que a mágica  pela
forma como era entendida na época  proporcionou o desenvolvimento de vários
ramos da ciência de hoje. Os mágicos, entendidos por Mauss como os alquimistas,
astrólogos e médicos da Grécia e da Índia, desenvolviam atividades que contribuíram
com a astronomia, a física e a ciência farmacêutica, como hoje conhecemos. Nesse
contexto, foram nessas escolas de mágica que se desenvolveu a tradição cientíca e
os métodos racionais utilizados ainda hoje.
7
Rero-me a um ato mágico como uma parte de um show que pode, ou não,
englobar mais de um número de mágica. Por exemplo, o show do Lance Burton possui
vários atos: o ato da vela, o ato da gaiola do pássaro, o ato da cabine telefônica, etc.
8
Traduzido por mim da wikipedia. Texto original em inglês.
10 CAPÍTULO 1: ARTE CIENTÍFICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?

A ciência geralmente possui regras mais rígidas: 1+2 resulta em


3. Se você mudar a ordem para 2 + 1, o resultado será o mesmo. Na
arte, 1 + 2 pode ter um resultado completamente diferente de 2 + 1, por-
que na arte você é livre para expressar seus sentimentos e suas emoções.
Dependendo da maneira como se faz isso, pode-se obter um resultado
completamente diferente, independente de qualquer regra e lógica pre-
estabelecida. Dostoevsky escreveu, em 1864:

Posso admitir que dois vezes dois dá quatro é algo excelente,


mas se formos dar a cada coisa seu valor merecido, dois vezes
dois dá cinco é talvez algo de muito charmoso também.
9

A evolução da ciência depende da organização social: em uma soci-


edade conservadora, é difícil se fazer uma revolução cientíca. A arte
não. Ela pode ser revolucionária independente da estrutura social na
qual está inserida.
Resumindo, muitas vezes os dois conceitos, ciência e arte, se confun-
dem ao enfrentar escrutínio. No caso particular da mágica, para alguns,
o aspecto cientíco dene os métodos escolhidos pelo mágico e as teorias
 muitas vezes psicológicas  utilizadas para renforçar o efeito mágico.
O lado artístico, por sua vez, remete à emoção sentida pelo espectador e
ao sentimento surreal e inexplicável que brota na plateia ao testemunhar
um fenômeno que vai contra qualquer lei da natureza. Dessa forma,
a mágica incorpora, simultaneamente, aspectos artísticos e cientícos.
Se estudarmos a mágica de uma perspectiva essencialmente cientíca,
deixaremos de analisar importantes aspectos artísticos e vice-versa.
Apesar disso, a mágica, pela forma como é percebida pela plateia,
possui um caráter artístico innitamente mais forte. Esse é o motivo
pelo qual usarei o termo Arte Mágica.
Em que posição você, leitor, ca nessa dicotomia entre arte e ciência
que envolve a mágica? Na verdade, não acho que seja preciso. Até mesmo
lósofos, antropólogos e sociólogos já desistiram de discutir dicotomias.
Acredito ser mais útil para mim, e creio que também para você, pensar
em como deixar nossa mágica mais apelativa e mais poderosa. Nossa
mágica artístico-cientíca.

9
Traduzido por mim de seu livro Notes from Underground, capítulo IX. O texto
em inglês soa melhor: "I admit that two times two makes four is an excellent thing,
but if we are to give everything its due, two times two makes ve is sometimes a very
charming thing too."
Capítulo 2

A trilha da ilusão
Antes de entrar a fundo no propósito maior do livro, gostaria de discorrer
um pouco sobre a arte da ilusão. São pensamentos que me vieram à
cabeça durante meu dia-a-dia e que têm tudo a ver com a Arte Mágica.
O mágico é um mestre na arte de iludir. A pergunta é: como iludir?
Como criar efeitos reais de falsas verdades? A cada dia, percebo que esse
processo é talvez mais complexo e, ao mesmo tempo, mais simples do
que parece.
A verdade é que as pessoas inventam a realidade. E não apenas
inventam, como também acreditam no que inventam. Deixe-me explicar
melhor.
Somos expostos apenas a uma parte de determinada realidade. In-
conscientemente, então, criamos o que falta, para sentir que temos uma
realidade completa. Isso ocorre diariamente, em nossos relacionamentos
pessoais e prossionais. Toda a nossa percepção do mundo não é e nunca
será completa. E justamente pelo fato de não estarmos cientes da reali-
dade como ela é, criamos modelos, teorias e losoas para tentar explicar
o todo, que, na verdade, tem uma parte escondida e completamente fora
de nosso alcance.
As pessoas percebem uma parte e criam um todo. Criam como? A
partir das percepções do mundo, adquiridas até então em sua vivência,
suas experiências passadas, e em seus relacionamentos passados. A forma
pela qual as pessoas supõem como as coisas são ou serão é baseada em
como as coisas foram. Poucas pessoas quebram essa linha de raciocínio.
Em economia, isso é chamado de expectativas adaptativas.
1

1
Muito utilizada nos anos 80, após a crise do petróleo, as expectativas adaptativas
são uma forma indutiva de explicar como os indivíduos e empresas formam expecta-
tivas do mundo. De acordo com essa teoria, indivíduos e empresas julgam o futuro

11
12 CAPÍTULO 2: A TRILHA DA ILUSÃO

Só fui perceber o quanto esse fenômeno está intimamente ligado à


mágica quando, uma vez, z um número de cartomagia e disse a um
espectador Para isso vou usar agora um baralho... e no mesmo instante
o espectador disse Hum, ok... 52 cartas. Na mesma hora, deu-me
um estalo na cabeça e pensei o quanto as pessoas fazem suposições e
criam uma realidade que pode muitas vezes ser falsa. Repare que uma
simples ação de colocar um baralho na mesa gera inúmeras suposições!
As pessoas assumem que:

1. O baralho é da mesma cor da caixa;

2. O baralho está completo, com 52 ou 54 cartas;

3. Não existem cartas repetidas;

4. As cartas possuem todas a mesma cor;

5. As cartas são todas feitas do mesmo material, geralmente papel;

6. O baralho pesa em torno de 100 gramas;

7. As cartas são todas impressas na face e no dorso;

8. etc...

E nenhum desses itens é necessariamente verdade. As pessoas em geral


assumem isso apenas porque nunca viram um baralho azul dentro de
uma caixa vermelha, um baralho com duas cartas idênticas, um baralho
com um peso de ferro em seu interior, um baralho com cartas de face
branca, etc.
Logo, as pessoas se autoiludem e fazem todo esse trabalho sozinhas!
Cabe a nós, mágicos, apenas mantê-las nesse mesmo rumo, na trilha
da ilusão. É justamente por isso que mágicos competentes sabem que
frases como Eu vou usar aqui um baralho normal, com 52 cartas, todas
vermelhas..., ou então, Tenho aqui uma moeda normal de 50 centavos,
não dão garantia ao espectador de que o baralho está completo e de que
a moeda é normal. Elas geram dúvidas onde existiam apenas certezas e
desviam a plateia da trilha da ilusão. Quando o mágico arma algo, é um
processo natural do espectador querer duvidar e vericar se tudo aquilo
é realmente verdade. Na arte da ilusão, omitir pode ter o mesmo valor
de armar. Gestos são, muitas vezes, mais poderosos do que palavras.

baseados no passado. Assim, se a inação foi alta no ano passado, a princípio ela de-
verá também ser alta no próximo ano. Esse processo gera um ciclo vicioso, a chamada
inércia inacionária.
13

Esse é, a meu ver, o motivo pelo qual um número de mágica funciona.


As pessoas criam uma realidade que é completamente falsa. Isso ocorre
constantemente durante um show de ilusionismo. Lembro que, em Las
Vegas, quando fui assistir ao show de Lance Burton, ele nalizou o es-
petáculo dentro de um carro, que saiu voando pelo palco. Esse efeito é
impactante justamente pelas suposições que fazemos do carro. A plateia
supõe que o carro possui quatro rodas de metal, motor, chassi de metal,
tanque de gasolina... e a verdade pode não ser essa. Um outro exemplo
que me vem à cabeça é a linha de garrafas Vanishing Bottles, lançada
pelo mágico norte-americano Norm Nielsen. Aqueles que já conhecem es-
sas garrafas sabem que a plateia vai supor muita coisa, equivocadamente,
a respeito delas. E são justamente essas suposições tidas como verda-
deiras, que permitem ao mágico aparentemente amassar uma garrafa de
vidro como se fosse uma bola de papel.
E justamente por esse processo ser espontâneo e intrínseco ao ser
humano, eu disse acima que a ilusão na Arte Mágica é mais simples do
que parece. Veja bem, eu disse simples. Isso não implica que seja fácil.
E como será visto ao longo do livro, não é.
Capítulo 3

Mágica e truque

3.1 O efeito mágico

Suponha que você esteja em outro planeta. Um planeta em que as pes-


soas não tenham sentimento. Como você explicaria aos habitantes desse
planeta o que é angústia? O que é tristeza? O que é alegria? O que é
amor? Seria impossível.

Quando era criança e alguma dor me incomodava, logo corria para


meus pais. Eles me perguntavam: Como é essa dor? Como é? Não
sabia como responder! Como explicar uma dor? Como explicar um
sentimento? É muito complicado denir o abstrato, denir uma sensação.

Estamos sentindo e sabemos como é a sensação dentro de nós, mas


somos incapazes de descrevê-la em palavras. Às vezes, as palavras são
pouco poderosas. Clarice Lispector escreveu uma coisa fantástica:

Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E


me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da
coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso,
não é isso!

Deparo-me com o mesmo problema ao tentar dizer o que é mágica.


Ok, então vou ser corajoso:

Para mim, mágica é álgo não concreto. Uma pessoa não pode carre-
gar uma mágica, não pode vender uma mágica, não pode comprar uma
mágica. É possível carregar um aparelho, um objeto  baralho, bolas,
lenço, moeda, pomba , mas não uma mágica.

A mágica acontece na mente de quem vê. Mágica só existe no


momento da performance.

15
16 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE

É a sensação de encanto, de maravilha, causada particularmente por


presenciar um fenômeno completamente distante do mundo real. Abrem-
se portas para um mundo completamente diferente, no qual não existem
leis nem regras, no qual as pessoas podem acreditar em qualquer coisa,
sem medo de ser criticadas. A mágica aproxima a mente de qualquer
pessoa da mente de possibilidades innitas de uma criança, que não
duvida do impossível e não procura explicação para o que não pode ser
explicado.
Felizmente, não estamos em um planeta imaginário no qual os outros
não sentem absolutamente nada. Todos já sentiram angústia, tristeza,
alegria e amor. E espero que todos sintam, algum dia, a mágica.

3.2 Mágica ou truque?

É muito comum, ainda mais entre leigos, o uso das palavras mágica e
truque como sinônimos. Nesse sentido, a palavra mágica seria apenas
uma valorização linguística da palavra truque, mas o signicado seria
o mesmo. Discordo disso. Para mim, existe uma grande diferença entre
um truque e um número de mágica. Usar o termo truque para se referir
a uma mágica é um tanto pejorativo.
De agora em diante, vou utilizar a palavra truque para me referir a
um efeito mágico, desprovido de qualquer fator que provoque emoção
e sentimento de encanto na plateia, isto é, o truque seria uma mágica
sem os aspectos artísticos dessa. Dessa forma, a palavra truque, indevi-
damente empregada, pode subvalorizar o conceito de mágica. A gura
3.1 mostra esse raciocínio de forma esquemática.
Em minha tentativa de dizer o que é mágica na seção anterior, es-
crevi que ela aproxima a mente de qualquer pessoa da mente de possibili-
dade innitas de uma criança, que não duvida do impossível e não pro-
cura explicação para o que não pode ser explicado. Isso é importante
para manter a ilusão da plateia. Um truque provoca no espectador a
vontade de descobrir o segredo. É como se fosse um quebra-cabeças, que
pede pelo amor de Deus para ser solucionado. Uma mágica não. Ela é
envolvida por uma atmosfera, uma atmosfera mágica,1 que abre portas
para um mundo completamente diferente do conhecido, um mundo em
que a imaginação se torna realidade e no qual as pessoas são convidadas
para entrar e simplesmente curtir.
Deixo claro aqui que um truque pode, sem sombra de dúvidas, ser
legal de se ver. Aliás, bons truques, se bem feitos, podem fazer você se

1
O termo muito utilizado por Arturo de Ascanio.
SEÇÃO 3.2: MÁGICA OU TRUQUE? 17

Figura 3.1: Diferença esquemática entre um truque e um número de


mágica.

. estudo da ótica interna;


. psicologia da plateia;
. pirâmide mágica;
. estudo da estrutura;
. estratégias de maximização;
...

{ { Fonte: elaboração própria.

tornar o centro das atenções em qualquer momento. É interessante ver o


truque A vermelhinha, em que o espectador deve seguir atentamente a
posição de uma carta vermelha entre outras duas pretas, e o truque dos
três copinhos, no qual uma bolinha é escondida em um dos três copos na
mesa, e o espectador deve adivinhar qual o copo que contém a bolinha.
Se você zer um bom truque, a reação nos espectadores será algo
como a expressão de surpresa Nossa! Você é rápido, hein? Não dá pra
ver como você faz!. Se você zer uma boa mágica, irá se deparar com
uma reação do tipo Foi uma das experiências mais incríveis por que já
passei! Um momento único. Obrigado!
Qual o problema, então, de se fazer um truque? Quer saber minha
resposta? Nenhum. A pergunta é: Qual é seu propósito? Você quer
que as pessoas se lembrem de suas mãos rápidas, passando bolinhas de
um copo para outro sem ninguém perceber ou que as pessoas se lembrem
do fenômeno único e do sentimento de encanto que jamais vão presenciar
novamente?
Neste livro, vou deixar os truques de lado e vou me preocupar com a
18 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE

mágica. O motivo é bastante simples: entretenimento não é exclusivo da


arte mágica; outras artes também podem entreter. Porém, apenas a arte
mágica cria o que Juan Tamariz chama de The Magical Experience. Cabe
a nós, mágicos, proporcionar esse sentimento de maravilha e encanto
porque se nós não o conseguirmos, ninguém mais conseguirá.
Antes de concluir esta seção, deixo claro que discordo das explicações
de alguns mágicos sobre truques e sobre mágica. Há autores que pos-
suem uma linha de raciocínio um tanto rígida sobre esse assunto. Eles
argumentam que um truque não possui propósito e não há sentido real
em se executar um truque. Então por que alguém com poderes mági-
cos iria perder tempo para fazer algo como uma assembléia de ases
2 ou

então cortar uma corda para depois reconstituí-la? Sou contra esse ra-
ciocínio. Primeiro, não são apenas truques que não possuem propósito.
Alguns números de mágica também não possuem propósito algum ao ser
executado. Segundo, não acho, de maneira alguma, que um mágico só
deva fazer o que tiver um propósito no mundo real. Na seção 6.2.3, falo
detalhadamente sobre o propósito como elemento de um efeito mágico,
e meu argumento cará mais claro.

3.3 Habilidade técnica

Um número de mágica deve ser muito mais que uma demonstração de


habilidade. Esconder o segredo é apenas uma parte do objetivo de um
mágico. Como disse Arturo de Ascanio,

Está na hora de acabar com o mito de que o único reque-


rimento para se tornar um bom mágico é ter destreza nas
mãos.3
No campeonato da Federação Internacional de Sociedades Mágicas
(FISM),
4 por exemplo, a comissão de jurados analisa seis aspectos da

performance do competidor:

2
Assembléia de ases é um efeito clássico da cartomagia, com innitas versões. O
mágico bota os quatro ases na mesa e três cartas, indiferentes, em cima de cada ás.
Três dos ases na mesa somem. Para a surpresa do espectador, as três cartas em cima
do quarto ás são os outros três ases que tinham desaparecido instantes antes.
3
Trecho traduzido por mim, do livro do Ascanio The Structural Conception of
Magic, página 55.
4
Os eventos da FISM ocorrem de três em três anos e é um dos maiores congressos
internacionais de mágica. Somente quem é premiado no FISM possui o título de
Campeão Mundial de Mágica.
SEÇÃO 3.3: HABILIDADE TÉCNICA 19

1. Habilidade técnica;

2. Showmanship / apresentação;

3. Entretenimento;

4. Rotina / valor artístico;

5. Originalidade;

6. Atmosfera mágica.

Como você acha que um competidor com apenas qualidade técnica seria
avaliado?
Não estou alegando que a técnica mecânica do número não seja im-
portante. De forma alguma! Ela é tão importante que deve ser executada
com perfeição. A técnica é condição necessária para a mágica, e não
condição suciente: um número de mágica não existe sem o método
mecânico, mas também não se pode armar com certeza que o número
vai existir com sua presença. O domínio apenas da parte técnica não
garante uma performance interessante para o público, não garante que
vai emocionar as pessoas.
A preocupação são os outros aspectos do número, que dicilmente es-
tão perfeitos. Aliás, o próprio Tim Ellis  talentoso mágico australiano
que já foi jurado do FISM mais de uma vez  disse que a comissão do
juri já parte do pressuposto de que a parte técnica está, no mínimo, boa.
Ninguém é insano ao ponto de ir competir no FISM com uma rotina de
cartomagia e não saber fazer um bom controle de carta ou apresentar
uma rotina de moeda e fazer um empalme ruim.
5 O juri quer ver mágica

e supõe que o competidor tenha, no mínimo, treinado a parte técnica de


seu ato.
Em uma conversa com meu amigo Henry Vargas, sobre sua expe-
riênica em se apresentar no Magic Castle
6 e atuar em Las Vegas, ele

me contou algo muito curioso. Disse que quando foi competir no World
Teen Champion of Magic, notou que um dos competidores possuía uma
incrível qualidade técnica. Sua rotina de manipulação estava tecnica-
mente impecável. Henry confessou, inclusive, ter cado intimidado com

5
Até porque a competição do FISM não é aberta a qualquer um. Para competir, é
necessário fazer parte de uma entidade liada ao FISM e uma autorização por escrito
do presidente dessa entidade autorizando a participação. Caso o competidor não seja
associado à nenhuma entidade liada ao FISM, é necessário a autorização por escrito
de presidentes de entidades liadas de três países diferentes.
6
O Magic Castle, em Hollywood, é a sede da Academy of Magical Arts. Apenas
mágicos convidados possuem a honra de se apresentar lá.
20 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE

a performance dele. Porém, foi o Henry quem se classicou em primeiro


lugar no campeonato, ganhando o Lance Burton Award - World Teen
Champion of Magic. O outro competidor não tinha carisma, não conta-
giou a plateia com sua performance. Ele apenas demonstrou habilidade
técnica, mas não criou arte, não emocionou.
Um número de mágica deve ser desenvolvido para que o espectador
se identique com o que o mágico está fazendo, como se aquilo fosse
uma metáfora, uma imagem de algo em sua realidade. Pablo Picasso, o
famoso artista espanhol, escreveu uma coisa que eu acho fantástica:

O artista deve surpreender na maneira de convencer o público


da inteira veracidade de suas mentiras.

E isso não pode ser feito apenas com habilidade técnica.


Sobre esse assunto, cito o exemplo de um número em particular: o
das garrafas multiplicadoras. O mágico possui um tubo em cada mão,
ambos vazios, e há uma garrafa e uma taça em cima da mesa. O mágico
cobre a garrafa com um tubo, cobre a taça com o outro e eles trocam de
lugar! No nal, vão saindo mais e mais garrafas de dentro dos tubos até
ter em torno de oito garrafas em cima da mesa.
Esse é um número que sempre me intrigou. Mas poucos mágicos que
o executam conseguem torná-lo encantador. Um deles merece destaque:
Lance Burton. Lembrei esse exemplo, porque vi um mágico executando
esse número ontem. Quem conhece o segredo sabe que a transposição
da garrafa com a taça é possível, porque na verdade o mágico trabalha
com duas garrafas, uma embaixo de cada tubo. E as garrafas não pos-
suem fundo, ou seja, dá para esconder uma taça dentro de cada garrafa.
Quando o mágico levanta o tubo, ele pode levantar junto a garrafa, mos-
trando à plateia a taça, ou pode largar a garrafa, que ca exposta para
a plateia. Resumindo, o mágico possui uma garrafa, sem fundo, dentro
de cada tubo, enquanto que dentro de cada garrafa, há uma taça.
Dessa forma, se o mágico quer criar a ilusão de que a garrafa trocou
de lugar com a taça, basta ele fazer com que a plateia veja, no tubo
esquerdo, a taça e, no tubo direito, a garrafa. Depois, com um passe
mágico, faz com que ela veja a garrafa no tubo esquerdo e a taça no
tubo direito. Simples.
Repare que isso só possui efeito se a plateia acreditar que há apenas
uma taça e uma garrafa. O mágico de ontem, depois de fazer a garrafa
e a taça trocarem de lugar, levantou os dois tubos e mostrou as duas
taças. A intenção dele era mostrar que, além de terem trocado de lugar,
a taça, que era apenas uma, virou duas. Para a plateia, isso destrói o
SEÇÃO 3.4: POR QUE TRUQUES? 21

efeito anterior. Inclusive, um amigo meu, leigo, que estava a meu lado,
comentou: Ah, ele tinha duas taças. O espectador não sabe como que
você fez a troca, mas sabe que existiam duas garrafas e duas taças.
7

Lance Burton não comete esses erros. Muito pelo ao contrário: após
demonstrar que a taça e a garrafa trocaram de lugar, ele pegou um lenço
amarelo e deu um nó em volta da garrafa. Mesmo assim, a troca aconte-
ceu. Não é apenas esse detalhe que é interessante na rotina do Lance. O
número é uma homenagem a Frank Sinatra, com um lindo fundo musical,
e no nal Lance faz um brinde a Sinatra, e Sinatra responde. Impossível
não se emocionar.

Por que existe essa diferença tão grande entre a rotina do Lance
Burton e a rotina que vi ontem, sendo que o truque é o mesmo? Porque
o Lance parou para pensar no que estava fazendo. Sua rotina possui
embasamento teórico forte. Ele não cou preso apenas ao truque, apenas
à técnica. Como veremos na seção 4.3, tudo foi planejado para causar o
máximo de impacto e comover a plateia.

3.4 Por que truques?

Se apresentar uma mágica é tão melhor do que apresentar um truque,


porque existem aqueles que apresentam truques? Vejo duas respostas
para essa pergunta. A primeira é: existem pessoas que não sabem como
fazer mágica. Estão completamente perdidas e não fazem a mínima ideia
do que fazer para reestruturar seus números. Muitas vezes, essas pessoas
mal sabem que o que fazem é, na realidade, truque. Nunca pararam para
questionar seus números. A segunda é que, em alguns casos, fazer truques
é, sim, uma melhor solução. Em shows infantis, é mais comum se ver
uma abordagem em torno de truque do que de mágica. Crianças preferem
truques. Como disse meu amigo Tio André, um dos melhores animadores
de festas infantis que conheço, criança gosta de brincar. Elas gostam de
se sentir familiarizadas com o mágico e de acreditar que pertencem ao
mundo dele. Um número apresentado em um contexto de mágica pode
acabar assustando as crianças (já aconteceu comigo).

Outro caso é quando a mágica é usada como estratégia de venda.


Mágicos que trabalham em feiras de produtos e se apresentam em stands
geralmente fazem truques e não mágica. Nesse caso, a presença do má-
gico é com único propósito de entretenimento. Ele foi contratado para

7
Esse caso é um exemplo perfeito do que chamo de exceder um efeito mágico. Vou
discutir isso mais a fundo na seção 7.4.
22 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE

entreter e fazer propaganda de determinado produto ou serviço. O fato


de ele ser mágico está em segundo plano.
Mágicos que fazem table-hopping,8 entretendo o público de mesa em
mesa com o estilo de mágica close-up , geralmente, não sempre, fazem
truques. Isso ocorre porque esse tipo de trabalho obriga o mágico a car
cerca de cinco minutos em cada mesa e é um tanto complicado criar uma
atmosfera mágica em tão pouco tempo. Dessa forma, muitas vezes, a
única solução para mágicos que atuam nessa área é resumir seu ato a
vários truques, visando, ao menos, entreter o público.
Eu também, muitas vezes, me deparo com situações semelhantes a
essas duas últimas. Várias vezes saí de uma apresentação e me perguntei
se o que z foi mágico para a plateia. Às vezes, condições exógenas ao
show não permitem a oportunidade do mágico se entrosar com a plateia
e criar um ambiente agradável, propício a números de mágica.

3.5 Floreios

Uma das coisas que mais detesto quando faço mágica  e que acontecia
com mais frequência em meus primeiros anos de experiência com a má-
gica  é quando o espectador fala Nossa, você é rápido!. Se foi rápido,
não foi encantador, não emocionou, não foi mágica.
Como disse Dai Vernon, uma das maiores lendas da mágica close-up
do século XX, com suas sábias palavras: Confusion is not magic. Para
que complicar?
9 Qual o intuito de pedir ao espectador para escolher uma

carta, devolvê-la no baralho e depois fazer um salto triplo carpado com


as cartas e mostrar que a carta está no topo? Sinceramente, eu não sei.
Um dos primeiros passos para entender o procedimento da ecácia de
um número de mágica é entender o que se passa na cabeça do espectador.
Quando uma carta é posta no meio do baralho, para o espectador, ela
está no meio. Quando o mágico faz umas rulas e uns cortes absurdos,
o espectador não sabe mais onde está a carta. Ela pode estar no
meio, pode estar perto do topo, pode estar perto da boca, ou pode estar
exatamente no topo. Se o mágico mostra, então, que a carta está no topo,
o que aconteceu? Qual o efeito disso na mente de quem vê? Vamos parar
para pensar. O efeito, na ótica do espectador, é que a carta foi posta

8
Table-hopping : Modalidade de mágica close-up, na qual o mágico vai de mesa
em mesa apresentando seus números para o público. Muito comum em restaurantes,
bares, coquetéis, e alguns tipos de eventos.
9
Na seção 7.4, será enfatizada com mais detalhes a importância da simplicidade
na Arte Mágica.
SEÇÃO 3.5: FLOREIOS 23

no meio do baralho e o mágico, com sua incrível habilidade e destreza,


fez uns cortes e conseguiu levá-la exatamente para o topo. Não foi nada
mágico; não foi uma coisa impossível. Foi uma coisa difícil. E eu
vejo uma grande diferença de signicado entre essas duas palavras. Uma
coisa impossível era o que você esperava atingir? Se é, tudo bem.

Quando você faz oreios  e me rero a oreios como todo e qualquer


tipo desnecessário de manipulação incomum, que requer muito treino e
habilidade manual , o espectador logo pensa: Opa, esse cara é rápido.
Isso é muito comum em cartomagia e pode acabar com qualquer tentativa
de se criar um efeito mágico. Não é lamentável?

A maioria dos mágicos que necessitam constantemente demonstrar


oreios são iniciantes ou amadores. Justamente pela inexperiência e
pela imaturidade, não compreendem o problema teórico por trás de toda
aquela bela manipulação desnecessária. Quando eu estava iniciando mi-
nha jornada na Arte Mágica, também não conseguia enxergar o porquê
das críticas contra oreios. Lembro, inclusive, de um episódio que ocor-
reu em um fórum de discussão na Internet. O Andrély, mágico brasileiro
residente em Portugal, que na época já possuia anos de experiência, disse-
me que a prática de movimentos por mera demonstração de habilidade
era inexperiência da minha parte e que, eventualmente, mudaria meus
valores. O tempo passou, e eu mudei.

Mudei, mas ainda pratico oreios. Já estudei muitos movimentos


de gênios do oreio, como Jordan Lapping, Kevin Ho e os irmãos Dan e
Dave. Embora pareça contraditório em relação a meu pensamento, não é.
Não faço oreios quando faço mágica. Não misturo os dois, porque tenho
a convicção de que o oreio quebra, ou melhor, destrói um efeito mágico.
Pratico oreios simplesmente para melhorar minha técnica. Veja, o Je
McBride sabe executar o coin roll 10 com quatro moedas. Quatro! Mas,
em seu show, Je usa apenas uma. Ele sabe que ao praticar com quatro
moedas, vai sentir mais facilidade quando utilizar uma só.

Meu pensamento é o mesmo. Treino movimentos difíceis, cortes mi-


rabolantes, double lifts do centro do baralho, double lifts aéreos... e não
uso nada disso em minhas presentações. Nada. Garanto que se você
souber fazer n tipos de leques, quando você fôr abrir um leque simples,
com o indicador ou dedão, ele sairá muito melhor. Se você souber fazer
diversos tipos de double lifts, vai saber fazer um double lift simples com
mais naturalidade. Como falei antes, você vai adquirir mais intimidade

10
Floreio feito por grande parte dos mágicos e manipuladores de moeda, em que o
mágico passa uma moeda por cima de seus dedos, de um dedo para o outro, continu-
amente.
24 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE

com as cartas. Treinar movimentos difíceis facilita a execução de


movimentos fáceis. Funciona pra mim.
Como disse uma vez o saudoso Tommy Wonder, muitas artes fa-
zem coisas interessantes, muitas fazem coisas belas, muitas fazem coisas
difíceis, muitas fazem coisas curiosas. Mas apenas uma faz coisas impos-
síveis: a Arte Mágica. Se você é um daqueles que apenas faz oreios, que
pratica as complexas coreograas do Extream Card Manipulation (XCM)
que resumem tudo a cortes complicados e a movimentos confusos e difí-
ceis, tudo bem. Mas, por favor, não se promova a mágico.
Capítulo 4

Técnica e teoria

4.1 Denições essenciais

Aqui vai uma pergunta um tanto cruel: Em um efeito mágico, o que é
técnica e o que é teoria?. Pense primeiro e depois responda. Não leia
os parágrafos abaixo sem tentar desenvolver sua própria resposta.
Pronto? Já possui algo em mente?
Infelizmente, nunca me perguntaram isso até hoje. Acabei formu-
lando a pergunta por necessidade própria. Na verdade, a pergunta foi
formulada devido a minha discórdia em relação ao pensamento comum.
Frequentemente, mágicos falam em teoria mágica quando discutem te-
mas como desvio de atenção, sugestão de imagens, o-beat , timing, etc.
A meu ver, isso são técnicas. Não técnicas mecânicas, como um empalme
e um falso depósito, mas técnicas psicológicas. Relembre a gura 3.1 na
página 17.
Imagine um carrinho de brinquedo. Se você pegar um martelo e
quebrar o carrinho, será possível ver o que há por dentro, cada peça
essencial para a existência dele: rodas, motor, chassi, etc. Sem chassi,
não há formato de carro; sem motor, o carro não anda. Porém veja que
além dessas peças essenciais, existem outras, que deixam o carrinho mais
forte, mais resistente; deixam o carrinho mais bonito: a tecnologia dos
parafusos, os eixos, a cera que o fabricante usou para polir a pintura, a
tecnologia dos pneus, etc.
A metáfora do carrinho pode ser aplicada a um número de mágica.
Se esse número for constituído apenas de técnica, será como um carrinho,
com roda, chassi e motor. Se ele estiver à venda na vitrine de um mer-
cado, ninguém cará entusiasmado a comprá-lo. A teoria é justamente
as outras peças do carrinho. Ela faz o número ser mais apelativo, mais

25
26 CAPÍTULO 4: TÉCNICA E TEORIA

atraente, mais emocionante. Um estudo teórico aumenta o nível artístico


de um ato.
Com esse raciocínio, a técnica do misdirection não faz parte de um
pensamento teórico, mas de um pensamento técnico. Essa técnica faz
parte da mecânica psicológica do número; sem ela, o número não exis-
tiria. Se você precisa de misdirection para empalmar uma bola em sua
rotina de bolas excelsior
1 e não o executa, as pessoas vão ver a bola

sendo empalmada e não haverá efeito mágico algum. Seu número falhou.
Misdirection é como a roda de um carro: sem a roda, um carro perde sua
função. Sem o misdirection que seu número precisa, sua mágica deixa
de existir.
A teoria serve para juntar todos os componentes essenciais de um
número de mágica de forma harmônica. É como uma corda, que entrelaça
toras de bambú para formar uma jangada. Sem ela, as toras ainda
boiariam; seria possível atravessar o rio com elas, mas a travessia não
seria eciente como com uma jangada.
Enquanto a técnica determina a existência de um truque, os estu-
dos dos aspectos teóricos da mágica são necessários para ser um melhor
mágico e para ter uma melhor performance.
Você não precisa de teoria para que seu número exista. Sem ela, você
ainda consegue fazer um bom truque. Porém, sem ela, seria perda de
tempo tentar fazer uma mágica.

4.2 Ação conjunta

O que é mais importante, técnica ou teoria? Qual delas eu devo estudar


primeiro? Boas perguntas.
Ambas, técnica e teoria, devem fazer parte de um ato mágico. A
técnica é, apenas, a parte mecânica de um determinado número de
mágica, enquanto que o embasamento teórico de cada número desenvolve
os outros aspectos extremamente importantes (ver página 19) para a
consolidação do efeito mágico. Apesar de conceitos nada similares, elas
devem coexistir e dar suporte uma à outra.
No capítulo 1, foi discutido o aspecto artístico da mágica. Foi visto
que, se não houver conectividade entre a mágica e os espectadores, se a
mágica não criar emoção em quem a testemunha, ela pode, infelizmente,
ser resumida a apenas uma habilidade, um ofício que, por falta de uma
palavra mais apropriada no português, denimos como craft (página 9).

1
Um número clássico, em que o mágico faz uma bola aparecer e em seguida faz
diversas outras bolas aparecerem entre seus dedos, em pleno ar.
SEÇÃO 4.3: O RACIOCÍNIO TEÓRICO 27

Dessa forma, um estudo teórico prévio e detalhado tem como função


fazer a transição de um simples truque para um número de mágica. Em
outras palavras, é o que distingue um fazedor de truques de um
mágico.

4.3 O raciocínio teórico

Vimos que um pensamento teórico é essencial para o sucesso de um nú-


mero de mágica. Quando toco nesse assunto com alguns colegas mágicos,
percebo que ainda existe uma grande dúvida a respeito de como usar a
teoria nos números e sobre o caminho para utilizar um raciocínio teórico.
O primeiro passo para desenvolver um pensamento teórico é você
simplesmente parar para pensar sobre três coisas: sua mágica, seus
espectadores e você. O objetivo é que você seja um artista atraente,2
que sua mágica seja poderosa e que sua plateia se emocione.
Se um número é de forte impacto e consegue emocionar a plateia,
mas depois ela nem sequer lembra de você, então você criou um momento
mágico para seu público  e isso é muito bom , porém não deixou sua
imagem na memória deles. Isso é péssimo para sua carreira prossional!
Por uma óbvia estratégia de marketing, você precisa ser lembrado por
seu público. Por outro lado, se você tem um personagem interessante,
mas sua plateia não ca encantada com seus números, então você não é
mágico.
Quando desenvolvo um número, tenho como meta conectar essas três
coisas. Se faltar uma delas, há trabalho a fazer.
Praticar teoria é, com certeza, mais difícil que praticar técnicas. É um
processo um tanto mais abstrato. É necessário mais do que um esforço
mecânico, mais do que treinar as mãos. É preciso treinar a mente.

2
Atraente não na conotação estética. Atraente no sentido de interessante. Veja a
discussão sobre personagens na seção 5.3.
Capítulo 5

O mágico

5.1 Um ator

O público enxerga o mágico como uma pessoa que cria fenômenos im-
possíveis.
Robert Houdin, o pai do ilusionismo moderno, disse ainda no século
XIX:

Um mágico é um ator fazendo papel de mágico.

Essa frase dene muito bem como deve ser o comportamento do mágico
em cena: ele deve simular seus poderes ctícios. Ninguém possui poderes
paranormais,
1 ninguém consegue, de fato, burlar as leis da natureza.

Logo, um mágico é um ator. O mágico, como qualquer outro artista,


deve convencer a plateia de sua arte. É preciso, acima de tudo, acreditar
no que está fazendo. É preciso adquirir uma mente de possibilidades,
como a de uma criança, que realmente acredita no impossível. Nas sábias
palavras de Pablo Picasso:

Todas as crianças são artistas. O problema é como continuar


sendo artista depois que ela cresce.

Um dos principais problemas que eu reparo ao assistir à apresentação


de alguns mágicos é a incapacidade de convencer a plateia do que ele
está fazendo. Isso é ainda mais frequente com os mágicos amadores. A
apresentação não transmite segurança. Não digo segurança de falar em
público, mas segurança de que o que aquilo é sério. É preciso mostrar
seriedade. Mas não signica que sua rotina não pode ser cômica e que seu

1
Até hoje não há nada comprovado.

29
30 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

personagem deve possuir uma personalidade séria. Signica que, seja lá


que tipo de personagem você está assumindo e que tipo de apresentação
está utilizando, você deve valorizar seu papel.

Já vi muitos números de mágica apresentados como se fossem a coisa


mais boba do mundo, que o amiguinho da escola ensinou, quebrando toda
a atmosfera mágica impedindo que o número tenha sucesso. O primeiro
passo para valorizarem o que você faz é você mesmo dar o valor. Se zer
uma apresentação como uma coisa boba e trivial, seus espectadores vão
assumir que ela é boba e é trivial. Esse problema é ainda mais fácil de
se perceber quando o número é fácil, um número automático. Esqueça
o grau de diculdade do número. O poder da mágica não depende, de
forma alguma, de seu grau de diculdade de execução!

Eu já parei para pensar o porquê de alguns apresentarem números


de mágica como se fossem algo banal. Tudo me leva a crer que eles têm
medo de errar. Se demonstrarem a importância do que estão fazendo e
errarem, vão passar vergonha. Assim, é mais cômodo mostrar que não é
uma coisa tão importante assim.

Se esse for, de fato, o problema, a solução é apenas uma: praticar.


Conança é uma das coisas mais importantes para um mágico. A plateia
sente quando você está conante e quando você está inseguro. Suas
palavras, seus gestos, sua linguagem denuncia seu sentimento interior.
Conança só se adquire quando você se reconhece competente.2
Fazer coisas impossíveis é sempre um desao. Sua plateia não quer
assistir uma coisa difícil. Isso um malabarista, por exemplo, pode fazer.
Sua plateia quer ver coisas impossíveis. E existe uma grande diferença
entre essas duas denições.

Vou contar uma tática que venho usado há bastante tempo. Parece
simples, mas mudou minha forma de atuar. Sempre que vou fazer má-
gica, seja em um show prossional ou apenas em uma situação informal
para amigos, tento mostrar um milagre para quem está me assistindo.
Não um truque, uma mágica. Procuro mostrar, nem que seja por apenas
cinco minutos, uma coisa que eles jamais verão novamente. Tento fazer
daquele momento um momento único. Meu objetivo é que a pessoa che-
gue em casa e, antes de dormir, lembre o que ocorreu. Quando a situação
não é favorável para isso, deixo para uma próxima oportunidade.

Lembre que você está fazendo parte de um grupo pequeno de pessoas


que praticam a única arte que faz coisas impossíveis. Faça valer!

2
No capítulo 11 será discutido melhor como treinar um número de mágica.
SEÇÃO 5.2: CONVENCER E ACREDITAR 31

5.2 Convencer e acreditar

Um conceito importante e muito mencionado em outros estudos teóricos


da Arte Mágica é a distinção entre alguém estar convencido e alguém
ter acreditado.
3 Penso que seja a base para a compreensão do papel

fundamental do mágico.

No vocabulário cotidiano, esses dois termos alguém estar conven-


cido e alguém ter acreditado provavelmente sejam quase sinônimos:
se você convenceu alguém de alguma coisa, você o fez acreditar em al-
guma coisa. Quando se trata de mágica, a semântica é distinta. Ao ler
minha explicação, parecerá uma diferença ínma, porém na prática ela
é enorme. Vou procurar ser o mais claro e objetivo possível.

Em 1969, Henning Nelms, em seu livro Magic and Showmanship,


trouxe para o campo da mágica um conceito importante da Teoria da Li-
teratura, introduzido no século XIX por Samuel Taylor Coleridge: Sus-
pension of Disbelief  . Traduzido ao pé da letra, seria algo como Sus-
pensão da Descrença. É tudo o que um efeito mágico precisa fazer. Não
se trata de fazer a plateia acreditar naquilo que viu, mas parar de desa-
creditar; parar de resistir, parar de se opor, para se deixar levar. Não
é que o espectador passe a acreditar que uma moeda sumiu e sim que
ele passe a se envolver a ponto de, naquele momento, se deixar levar e se
convencer de que viu a moeda sumir. Lembre que não estou usando a
palavra convencer como sinônimo de acreditar. Aqui, deixar-se conven-
cer signica permitir-se o envolvimento e deixar-se levar. A atmosfera
mágica é extremamente importante para criar essa condição.
Por outro lado, acreditar é bem diferente. O público acredita
no fenômeno quando ele realmente crê que o mágico é capaz de fazer
aquilo. Para ser mais claro, o público acredita na mágica quando crê,
incondicionalmente, que tudo que ele viu é real e que o mágico possui, de
fato, alguns poderes paranormais. Nesse sentido, alguém ter acreditado
é um estado mais forte do que alguém estar convencido.

Diversas artes  como o teatro, o cinema e a cção literária  se


baseiam em convencer sem fazer acreditar. Ao ler um poema ou um
romance, não estamos acreditando elmente na história que está se pas-
sando. Estamos apenas convencidos do enredo que o autor criou, isto é,
deixamos de desacreditar que aquilo é tudo falso e nos envolvemos na
história. Nenhum adulto acredita que o Homem Aranha existe. Ao ver
o lme, porém, estamos convencidos da existência do personagem. Es-

3
Em obras escritas em língua inglesa, os termos usados são  convince someone  e
 deceive someone  respectivamente.
32 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

tamos convencidos que o Homem-Aranha sobe paredes e lança teia pelas


mãos. Deixamos de desacreditar que o super-herói não existe (Suspen-
são da Descrença). Uma criança, por outro lado, facilmente confunde
esses conceitos e passa a acreditar que o Homem Aranha existe.
Se dizer ao público que os mágicos são paranormais e possuem pode-
res extrassensoriais é charlatanismo e antiético, então isso signica que
na Arte Mágica precisamos apenas do conceito de convencer e pode-
mos ignorar o conceito de acreditar? Na verdade, não. Os dois termos
devem ser cuidadosamente aplicados em um ato mágico.
Por um lado, o mágico deve fazer as pessoas acreditarem que não
existem mecanismos secretos; por outro, deve apenas convencê-las do
fenômeno de sua mágica. O espectador deve ter certeza incondicional de
que o mágico não está utilizando nenhuma aparelhagem secreta, nenhum
movimento falso, nenhum objeto especialmente fabricado. Essa é a parte
em que ele deve acreditar. Quanto ao fenômeno, ao efeito, o espectador
deve apenas se convencer e se deixar levar por ele. Assim, quando se
trata do segredo (que é o método), a plateia deve acreditar
que não existe nenhum. Quando se trata do fenômeno, ela deve
estar apenas convencida de sua exiência. Em outras palavras, o
mágico deve ser capaz de simular a inexistência total de qualquer artifício
secreto que possa provocar o fenômeno. Deve ser capaz de fazer a plateia
não duvidar do efeito e muito menos questionar sua falsidade. Porém, em
momento algum, a plateia deve crer na veracidade dos poderes simulados
e acreditar que o mágico é uma espécie de paranormal. Fazer a plateia
acreditar no fenômeno seria aproveitar-se da ignorância do público leigo
quanto às técnicas de ilusionismo.

O papel fundamental do mágico


Apesar da expressão alguém ter acreditado ser um estado mais forte do
que alguém estar convencido, o primeiro não é condição suciente para
o segundo, isto é, não é verdade que se a plateia tiver acreditado que
não existe método vai, necessariamente, estar convencida do fenômeno.
Podem ocorrer casos em que o método funciona, mas o efeito falha, e a
plateia simplesmente deduz como o mágico fez determinada coisa. Em
um exemplo simples, porém razoável, o mágico executa uma transferên-
cia falsa de uma moeda da mão direita para a mão esquerda. A plateia
pode acreditar que não houve nenhum movimento falso e que a moeda
está, de fato, na mão esquerda. Porém, no momento em que o mágico
abre a mão esquerda e revela a desaparição da moeda, a plateia pode
supor que, na verdade, a moeda está ainda na mão direita. A plateia
SEÇÃO 5.3: EU NO PALCO 33

não sabe como o mágico verdadeiramente fez  ela acreditou que o


mágico não fez uso de artifícios , mas deixa de estar convencida do
fenômeno por ter conseguido uma explicação alternativa.
Dessa forma, é função do mágico garantir que a plateia não saiba
como o fenômeno foi verdadeiramente executado e que não tenha outras
alternativas para explicar como aquilo pode ser executado. Ou seja, o
mágico deve fazer com que a plateia, sempre, não apenas acredite que
não foi utilizado um método, mas também se convença da veracidade
do fenômeno. Na página 129, retomo esse tema ao discorrer sobre a
estrutura de um número de mágica.

5.3 Eu no palco

Como foi dito, o mágico é um ator. Quando se está em cena, é preciso


assumir um personagem, alguém que a plateia veja e perceba como o
mágico. Uma das perguntas que iniciantes na Arte Mágica mais fazem
4
se refere à diferença entre a pessoa no palco e a pessoa na vida real. O
mágico deve possuir, no palco, as mesmas características que possui na
vida real? Até que ponto essa mudança na personalidade existe?
Bem, essa pergunta psicoanalítica é um tanto complicada. Existem
artistas que mudam sua personalidade, assumindo um estilo diferente do
seu no dia-a-dia. Outros já incorporam um estilo mais parecido com o
seu natural. A verdade é que nunca nos desvinculamos completamente
de nossa personalidade natural. Ocorre que escolhemos nosso persona-
gem para reetir as características que queremos que a plateia perceba,
enquanto escondemos outras. Tentamos transmitir o melhor de nós ao
público, mas não signica ser essa imagem que passamos.
Lembro muita bem de uma ocasião em que eu terminei um show e,
depois, algumas pessoas da plateia vieram falar comigo. Uma senhora
me disse que adorou o jeito como eu me comportava no palco e que eu
não parecia com aqueles tipos de mágicos com ar de superioridade; eu
tratava todos os contratempos, inclusive antes do show, com um sorriso
e uma alegria na postura.
Bem, na vida real, as coisas não são bem assim. Está certo que eu
sou, e sempre fui, uma pessoa que gosta muito de rir e tento inserir a
comédia e o prazer em tudo o que faço, até quando me apresento com
uma personalidade séria. Eu sou assim, é o meu jeito. Não obstante,

4
Utilizo o termo pessoa no palco para me referir a pessoa atuando como mágico,
mesmo que seja em situações que não envolvem o uso real de um palco, como uma
performance em proximidade com a plateia.
34 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

como todo ser humano, existem coisas que me irritam e me tiram o


sorriso do rosto. Mas, obviamente, eu não demonstro isso quando estou
no palco. Quando apresento, a plateia me acha a pessoa mais gentil do
mundo, de bem com tudo e com todos. Para os espectadores, é como
se eu não tivesse problemas nenhum na vida. Obviamente, isso não é
verdade, acredite.

Veja, então, que a forma como sou no palco é um tanto diferente da


forma como sou na vida real. Quando estou fazendo mágica, assumo um
personagem alegre, interessado nas pessoas, inteligente, simpático, bem
humorado e de espírito jovial e conante. Isso é apenas um lado  o
melhor lado  de mim na vida real, e o lado que interessa no palco.

O mágico deve ter um personagem atraente. Atraente não no sentido


de beleza, mas no sentido de interessante. Os espectadores precisam
gostar de você. Um perfeito exemplo disso é o admirável, incrível e
inacreditável mágico Juan Tamariz. Ele consegue contagiar o público
não apenas com sua mágica, mas também com a pessoa que ele é. Quem
sabe é por isso que quase sempre recebe aplausos em dobro.

Imagine só você fazendo coisas fantásticas, mas sendo repudiado por


todos por ser uma pessoa insuportável. Você simplesmente não teria pú-
blico! É o mesmo caso com a maioria dos palestrantes e de professores
universitários: muitos deles tem um enorme conhecimento, mas são pes-
soas extremamente entediantes de se ouvir. Sorte deles que não estão lá
para entreter ninguém. Caso contrário, dariam aula para as paredes.

Note que o modo como eu quero que a plateia me perceba é com-


patível com meu estilo de vida real. Levando em conta minha idade e
minha personalidade real, seria difícil assumir um personagem como o de
Eugene Burger ou convencer a plateia de que sou um mentalista sério,
como faz Max Maven.

Com esse raciocínio, minha recomendação é que você descubra quem


você é na vida real. Você é engraçado? Você é sério? Você é intros-
pectivo? Você gosta de que estilo musical? Tem talento para contar
piadas? Como é difícil fazer essa autoavaliação, comece a reparar como
as pessoas o percebem, como sua família e seu grupo de amigos enxerga
você. Às vezes, a forma como a pessoa acha que é não é a mesma como
outras pessoas a percebem.

Não existe personagem ruim e personagem bom; é tudo uma ques-


tão de estilo. O personagem deve se adequar ao indivíduo. Veja um
exemplo de dois mágicos com a mesma área de atuação, mas de estilos
completamente opostos: René Lavand e Bill Malone. Qual personagem
é melhor? Essa pergunta não se aplica ao caso! São apenas estilos dife-
SEÇÃO 5.4: MÁGICO POR CORAÇÃO 35

rentes, igualmente interessantes. Seria um desastre o Bill Malone tentar


ser como o René Lavand e vice-versa, pois eles são indivíduos diferentes,
com culturas, costumes e vivências diferentes. O indivíduo estabelece
linhas de fronteiras, nas quais o personagem deve se enquadrar.
Muitos iniciantes na mágica recebem conselhos como Seu persona-
gem pode ser o que sua imaginação decidir. Na realidade, não é bem
assim. Sim, você pode tentar ser o que você quiser, mas não pense
que basta copiar as frases de um mágico cômico para ter um ato tão
engraçado como o dele ou que basta fazer uma feição bizarra para ser
tão bizarro como é Dan Sperry. Sua personalidade deve grifar seu per-
sonagem.
Outro ponto importante é não limitar seu conhecimento em apenas
mágica. Lembre que, acima de tudo, você é um artista e precisa contagiar
seu público. Procure assistir a lmes, a peças de teatro e a outros tipos
de shows. Leia livros de histórias diferentes. Saiba mais sobre os artistas
que estão fazendo sucesso. Fique por dentro das atualidades. Existem
outras coisas na vida, além do conhecimento mágico em si, que também
compõe o perl de um mágico. A plateia percebe sua riqueza interior!

5.4 Mágico por coração

Muitos dos mágicos que estão hoje no mercado trabalham apenas por
motivos nanceiros. Isso acaba gerando uma quantidade signicativa
de prossionais ruins e de shows péssimos. Não gostaria de soar muito
clichê, mas vale relembrar a antiga máxima que diz Quem faz por amor
faz bem feito.
Ser mágico é difícil. É uma das poucas prossões em que erros são
inadmissíveis. Se um professor cometer um pequeno erro no que escreveu
ou no que falou, ele pode corrigir depois e tudo ca bem. Ele continua
sendo um bom professor. Se um músico cometer um pequeno erro em
alguma nota, tudo bem, erros são humanos. Ele continua sendo um bom
músico. Porém, se um mágico errar alguma coisa, por menor que seja,
ele deixa de ser um bom mágico. Quando uma pessoa se diz mágico, ela
está dizendo que consegue realizar fenômenos impossíveis. Todos param
o que estão fazendo e direcionam sua atenção para ele. Uma pequena
falha já tira o caráter de impossível e destrói toda a reputação do
mágico que cometeu o erro.
Se você não quer treinar e não quer se dedicar a apresentar um nú-
mero com perfeição, então nem pense em ser mágico. Para entreter
pessoas, existem outras formas mais exíveis em relação a falhas. Deixe
36 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

a mágica para quem quer se esforçar e tem coragem de assumir a res-


ponsabilidade da perfeição. Um mágico deve pensar e agir como um
atirador de elite: qualquer erro pode ser fatal.
O primeiro requisito para ser um mágico é ter determinação. É pre-
ciso determinar metas e trabalhar arduamente para atingi-las. A pressa
é seu pior inimigo nesse caso. Se você está apressado para conseguir fazer
shows e ganhar dinheiro, você realizar shows mal planejados, vai cobrar
um valor irrisório por eles, não vai agradar a seu público, vai destruir
sua reputação e a dos outros prossionais no ramo. Esse é um ponto
importante: um show ruim não só te prejudica mas prejudica, também,
a todos os outros colegas mágicos que tanto se dedicam para apresentar
uma mágica de qualidade. Não é injusto isso?

Uma vez, ouvi alguém dizer uma coisa muito parecida também com
o que eu penso: não fui eu que escolhi ser mágico. Foi a mágica que me
escolheu. Existem dias em que co o tempo todo ocupado com a mágica
e quando eu chego em casa eu ainda vou ensaiar, treinar outras rotinas
ou escrever minhas idéias. Eu sinto que a mágica tem alguma coisa que
me provoca, que me chama, que me apaixonou. Ela nunca signicou pra
mim um meio de exibição.

5.4.1 Los Siete Velos Mágicos

Em 2009, no Peru, participei de um seminário do Juan Tamariz deno-


minado El Arte de La Magia, em que ele comentou sobre sua teoria dos
Los Siete Velos Mágicos . Essa teoria descreve os sete mistérios mági-
cos, emoções sentidas pelo público, apesar de não se saber a origem
da verdadeira existência delas. Fiz várias anotações do que o Tamariz
falou e guardei as notas de conferência distribuídas aos participantes do
seminário, especicando mais o assunto. Como esse conteúdo nunca foi
publicado em nenhum livro do Tamariz, vou comentar brevemente cada
um de seus aspectos:

1. Mistério do amor ao que se faz

Uma pessoa que tem amor pela mágica conhece a história de sua arte,
estuda os aspectos teóricos, lê livros de outros mágicos, estuda outros
pontos de vista e ensaia até a perfeição. Quem tem amor pela mágica
sempre procura melhorar cada vez mais seu ato. Isso tudo é feito por
carinho, sem obrigação alguma.
SEÇÃO 5.4: MÁGICO POR CORAÇÃO 37

Esse carinho, essa dedicação e esse amor são percebidos pelo público.
De alguma forma, que não se sabe exatamente qual, a plateia percebe o
nível de importância que o mágico dedica a sua arte.

2. Mistério do esforço

O esforço que você emprega em cada número na hora de atuar é per-


cebido pela plateia. Um número que não requer esforço particular do
mágico, geralmente aparelhos comprados em que o mágico não fez alte-
ração nenhuma, não causa o mesmo efeito de outro, no qual o mágico
investiu mais de seu amor. Quanto mais de você tiver no que você faz,
mais de você é transmitido à plateia.

Um número deve ser minunciosamente estudado; cada técnica deve


ser ensaiada, o efeito deve sempre ser melhorado e aperfeiçoado. Esse
processo leva tempo; ele agrega esforço, amor, dedicação, carinho e pai-
xão ao número. Não se sabe o porquê, mas a plateia sente os números
em que você investiu mais esforço.

3. Mistério do conhecimento e da sabedoria

É importante saber sobre o que você está fazendo. Saiba o máximo


possível sobre seus números: quem inventou, variações anteriores, modi-
cações e contribuições de outros mágicos. O conhecimento e a sabedoria
que você possui vai dar conança a seus movimentos e a suas palavras.
A plateia percebe isso.

4. Mistério da energia

Tamariz fala da energia interior que o mágico emite. Não é causada


por expressões faciais, pelo ritmo das palavras, nem pelo tom da voz. É
a energia que surge de dentro do artista, de seu bem estar com o mundo,
de sua boa forma física, de sua mente tranquila e de seus pensamentos
positivos.

É importante estar bem alimentado, estar bem descansado e sentir-se


seguro com o que faz. Quanto mais alegre você estiver, quanto melhor
estiver sua autoestima, quanto mais satisfeito você estiver com o que
você faz, quanto mais feliz você estiver consigo mesmo, melhor vai ser
sua performance. Você vai transmitir uma energia interior forte, que o
público reconhece de forma positiva. Como a plateia percebe isso? São
sutilezas emanadas de sua presença.
38 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

5. Mistério da verdade

Segundo o próprio Tamariz, Na arte do engano, o mais essencial é a


verdade. Que bela frase! Um mágico deve ser autêntico. Suas emo-
ções devem ser reais. Não adianta ngir saber sobre um assunto, ngir
gostar do que está fazendo, ngir estar alegre diante da plateia, ngir o
conhecimento sobre seus números, enm, ngir ser quem você não é.

É preciso ser verdadeiro com seus números e com sua personalidade.


Não copie os outros, não faça plágios. A plateia sabe quando você possui
sinceridade interior.

6. Mistério do mundo interior

Como disse na seção 5.3, o mágico deve ampliar seus conhecimentos e


não car atrelado apenas à mágica. Em 2004, no Congresso Brasileiro
de Mágicos, assisti a uma conferência do mágico espanhol Juan Mayoral,
que disse uma coisa muito valiosa: muitos mágicos, a maioria iniciantes,
preocupam-se apenas com a mágica e esquecem outras coisas que tam-
bém compõem a vida. Essas pessoas acabam criando diculdade em ser
criativas, pois não adquirem outra base e nem outro conhecimento não
correlacionado à mágica.

O mágico deve diversicar seu conhecimento. A plateia percebe


quando ele possui pensamento próprio, riqueza interior, opiniões sobre
outros assuntos e outros temas. Conhecimento nunca é demais. De al-
guma forma desconhecida, o público sente quando você possui ou não
conhecimentos limitados e pensamentos estreitos.

7. Mistério do amor às pessoas

O público para de fazer qualquer coisa para assistir a um mágico em


cena. Ele devota sua atenção, seu tempo, seu carinho ao que o mágico
está fazendo. E o mágico deve retribuir isso, tendo não apenas respeito,
mas também amor a quem assiste a seu show. O mágico deve transmitir
esse carinho e essa atenção à plateia, já que, sem plateia, o efeito mágico
não existe. É preciso gostar verdadeiramente de seus espectadores. A
plateia percebe essa alegria.

É preciso também ter amor a seus números e ter amor próprio. Nas
palavras do Tamariz, Um ato de mágica é um ato de amor: amor ao
público, amor ao mistério e amor ao mágico.
SEÇÃO 5.5: O MÁGICO E A PLATEIA 39

5.5 O mágico e a plateia

Como foi dito na seção 3.1, mágica só existe no momento da performance.


Isso implica, obviamente, que o mágico depende de uma plateia para que
sua arte exista. Em outras palavras, nós, mágicos, dependemos de um
público, de pessoas que cedem parte de seu tempo para nós; pessoas que
podiam, simplesmente, levantar e ir embora. Esse é um argumento mais
que suciente para exigir que o mágico respeite a plateia.
Às vezes, não consigo compreender as atitudes de alguns mágicos.
Por que é tão comum a construção de números que exigem a presença
de uma pessoa no palco para ser ridicularizada diante da plateia? Não
consigo entender por que construir números com o objetivo único de
esculachar os espectadores. Por que denegrir a imagem de um espectador
que gentilmente se voluntariou para subir ao palco?
Sei que existem excelentes rotinas cômicas,
5 muitas delas realizadas

por mágicos mundialmente famosos, que fazem uso de humor com um


espectador com o intuito de fazer o restante da plateia rir. Não há
nenhum problema nisso. O humor é perfeitamente válido! O problema,
acredito eu, é quando o mágico ridiculariza o espectador, de forma que
ele desça do palco se sentindo pior do que quando subiu.
Em shows infantis, é muito comum o mágico acidentalmente fazer
a cueca de um dos meninos voluntariados no palco aparecer entre dois
lenços.
6 Em minha opinião, esse é o típico exemplo de um número que

ridiculariza o espectador. Qualquer pessoa que compreenda o mínimo


de psicologia de uma criança, saberia que aquilo pode desenvolver uma
total aversão da criança por shows de mágica. Ver todos os colegas rindo
de uma situação constrangedora pode ser traumático para uma pessoa
de 10 anos. Há tantos outros excelentes números para o público infantil,
que simplesmente não consigo compreender o porquê de escolher um que
ridiculariza uma das crianças.
Para mencionar um segundo exemplo, recordo-me de um congresso
de mágicos que ocorreu em Belo Horizonte em 2007, o Encontro Mundial
de Mágicos. Um mágico internacional, cuja identidade prero preservar,
convidou uma pessoa da plateia ao palco para auxiliá-lo em um número
de cartas. Não me recordo bem do efeito, mas lembro que, no nal,
o baralho era todo jogado para o ar e todas as cartas caiam no chão.

5
Como, por exemplo, o clássico número da Guilhotina, que o mágico coloca o
braço do espectador, ou a cabeça dele, em uma guilhotina. No nal, é claro, o
espectador sai intacto.
6
É claro que isso é apenas uma simulação. A cueca que aparece entre os dois lenços
não é a cueca verdadeira.
40 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

Parece mentira, mas o mágico, após encerrar o número, pediu para que
o espectador catasse as cartas do chão. O espectador obedeceu: catou
uma por uma. Lembro desse episódio não apenas porque foi uma atitude
insana, mas porque o espectador que foi chamado ao palco é um amigo
meu, que, aliás, cou bastante aborrecido com o que ocorreu. Será que
fazer a plateia toda rir compensa o preço de ridicularizar um espectador?
Em minha opinião, não.
Todos os espectadores devem sair do show se sentindo melhor do que
antes. Executar um número de mágica deveria ser como entregar um
presente: os espectadores devem se sentir beneciados e não prejudica-
dos. Ridicularizar uma pessoa para ganhar atenção das outras pode ser
uma estratégia comercial, mas não inteligente.

5.5.1 Pressuposto indesejado


A maioria das pessoas, ainda mais aquelas que não esperavam ver um
número de mágica, partem do pressuposto que o mágico quer enganá-
las, fazê-las de idiota. Infelizmente, isso é reforçado mais pela atitude de
alguns mágicos que, de fato, apresentam seus números como se fosse uma
batalha entre o mágico e a plateia, em que o mágico, obviamente, sempre
ganha. Esse pensamento torna impossível o sentimento de Suspensão da
Descrença (ver seção 5.2) e, como consequência, destrói completamente
a possibilidade de construir a atmosfera mágica.
Um dos maiores desaos que eu tenho quando apresento, seja um
show de uma hora ou um único número de um minuto, é tentar quebrar
esse raciocínio. Não quero aparentar um ar superior, de prepotência, de
arrogância. Pelo contrário, quero que a plateia goste não apenas do que
estou fazendo mas também de como estou fazendo e, principalmente, de
como eu sou. Quero ter a plateia a meu favor e não contra mim.
Para acabar com esse duelo, faço modicações em grande parte dos
meus números. Elimino de meu repertório todos os números cuja apre-
sentação implica que eu e a plateia sejamos adversários. Na maioria
dos casos, consigo modicar a apresentação e o script para evitar sa-
7

cricar completamente o número. Um exemplo perfeito e mundialmente


famoso em que isso ocorre é a versão do René Lavand do número Covi-
lhetes(página 95). René pegou a antiga ideia de Duas na Mão e Uma
no Bolso (veja o rodapé da página 71) e a modicou completamente,
criando uma belíssima composição que mescla uma linda história e uma
perfeita técnica. A conotação inicial do número, que é claramente o

7
Sobre o script, ver seção 9.3.
SEÇÃO 5.5: O MÁGICO E A PLATEIA 41

mágico desaando o espectador, foi completamente modicada. Nessa


versão, o mágico conta uma história para a plateia e, ao compartilhar
um momento de sua vida, executa um belíssimo número de mágica. A
técnica é praticamente a mesma, porém o efeito foi completamente mo-
dicado.
Faço também modicações necessárias para incluir uma maior parti-
cipação dos espectadores. Além disso, procuro sempre valorizar o papel
de cada espectador, de forma que a plateia se sinta uma peça fundamen-
tal  não apenas uma testemunha  para que o fenômeno impossível
ocorra.
Dessa forma, tento fazer, mesmo que seja uma apresentação de um
número apenas, a plateia curtir o momento mágico e deixar de pensar
que está em uma posição inferior a mim. Procuro sempre mostrar que o
momento da performance não é só meu, mas um momento nosso, meu e
dos espectadores.

5.5.2 Apresentando para apenas uma pessoa


Fazer mágica para apenas uma pessoa é uma situação delicada. Creio que
todos os mágicos já passaram por essa experiência. Em raras excessões,
eu sempre recuso me apresentar apenas para uma pessoa.
Quando apresento um número de mágica para apenas uma pessoa,
sempre tenho a sensação de que está havendo um duelo entre mim e o
espectador. É como se eu quisesse, de fato, enganá-lo. O espectador
sente-se em um teste, no qual tem certeza que será enganado, que será
visto como inferior a mim. E isso é uma das coisas que eu mais evito nas
minhas apresentações.
Justamente por pensar que estou tentando enganá-lo, a percepção
crítica de um espectador sozinho é bem maior do que se ele estivesse em
uma plateia, com outras pessoas. Ele se sente tão intimidado, que pro-
cura fazer tudo para descobrir o segredo do número. A busca árdua pelo
segredo o impossibilita de presenciar um momento mágico, e a atmosfera
mágica é completamente destruída. Fica impossível atingir a Suspensão
da Descrença , como comentado na página 31. O espectador passa a
enxergar o número como um truque e não como uma mágica.
Como se não fosse o bastante, uma pessoa sozinha é innitamente
mais tímida do que quando inserida em um grupo. Uma pessoa apenas
não vai gerar os aplausos, o barulho, o sorriso, a emoção que uma plateia
normal geraria. E acredite, a energia do público é o combustível para o
motor do mágico funcionar. O resultado é que o número parece não ter
sido tão impactante quanto realmente foi.
42 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

Esse mesmo raciocínio pode ser utilizado para explicar a reação bi-
zarra que o homem de determinados casais possui, quando se depara com
um mágico apresentando um número apenas para os dois. Por motivos
culturais, o homem não quer se mostrar inferior a outro perante sua es-
posa ou namorada. Dessa forma, ele reluta em apreciar o efeito mágico
e, como se fosse regra, ca quase impossível fazer mágica para um casal
sozinho.
É necessário ter bastante experiência para lidar com essas situações.
Caso seja impossível evitá-las, é preciso saber escolher o repertório e
modicar a abordagem de forma que seja possível estabelecer um clima
de igualdade entre o mágico e o espectador e demonstrar que um número
de mágica não é, de forma alguma, uma batalha intelectual.

5.6 Plágio e originalidade

O plágio na Arte Mágica é comentado pela maioria como algo extrema-


mente maléco e antiético. Eu também não sou a favor. Porém, tenho
uma visão ligeiramente diferente. Primeiramente, gostaria de agradecer
ao Eduardo Peres por expor excelentes ideias em seu livro Pensamento
Original em Arte Mágica, que tanto contribuiu para a literatura mágica
brasileira.
De acordo com o Dicionário Michaelis, a denição de plágio é:

1. Cometer furto autoral, apresentando como sua uma ideia


ou obra, artística ou cientíca, de outrem.
2. Usar obra de outrem como fonte sem mencioná-la.

Partindo do pressuposto de que um mágico usa ideias para aplicar em


números e os apresenta com um determinado estilo de performance,
um mágico pode plagiar outro de três formas: pode plagiar ideias, plagiar
números e plagiar um estilo.
O autor de um novo número de mágica geralmente o publica em uma
revista, um livro ou um vídeo e passa a ser reconhecido como o criador
do número em questão. A comunidade mágica passa a ter conhecimento
do número e de seu autor.
O mesmo processo se aplica a novas ideias, apesar de ser um tanto
mais delicado. As ideias são detalhes muito sutis, que facilmente se
perdem do criador e passam a ser de domínio de todos.
Um exemplo disso é o caso do famoso número Baralho Invisível.
8

8
O efeito, a grandes rasgos, é que uma carta pensada pelo espectador aparece
virada no meio do baralho, sem nenhum movimento suspeito. Um milagre.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 43

Ele era apenas uma forma de apresentar o Ultra Mental Deck , variação
que um mágico chamado Joe Berg criou em 1936 a partir do Brainwave
Deck , o qual foi popularizado pelo famoso Dai Vernon. A ideia de apre-
sentar o Ultra Mental Deck usando um baralho imaginário foi populari-
zada por Don Alan. E foi uma ideia tão boa que o Ultra Mental Deck
passou a ser conhecido como Baralho Invisível apenas pela forma de
apresentação que todos passaram a usar. O incrível é que o crédito de
tudo isso vai muitas vezes para o próprio Don Alan, embora a ideia ori-
ginal da apresentação, a ideia de simular o uso de um baralho imaginário
exista desde 1942 e tenha sido de um mágico chamado Eddie Fields.

Para complicar ainda mais a história, o mágico Bill Abbot relata, em


um livro que escreveu em 2008, que viu uma apresentação muito similar à
do Baralho Invisível em um lme( Oliver the Eighth ) lançado em 1934.
Isso foi 8 anos antes do Eddie Fields ter sua ideia. Será que Fields plagiou
a ideia? Ou foram duas descobertas independentes? Ninguém sabe.

Felizmente, esse processo tem se tornado cada vez mais eciente com
o desenvolvimento da Internet e de diversos outros meios de comunica-
ção. Hoje em dia, um mágico consegue mais facilmente publicar um
número ou alguma ideia  geralmente variações de outro número  e
ser reconhecido por sua criatividade.

Quando se trata de estilo de performance, o caso é bem mais deli-


cado. É muito complicado efetuar um registro ocial dele. Na verdade, é
impossível. Felizmente, existe o bom senso que, apesar de ser um termo
desconhecido por alguns, permite que a comunidade mágica em geral re-
conheça os criadores de determinados estilos de performance. Não existe
nada registrado sobre o estilo de fazer mágica do Lance Burton. Porém,
se virmos pessoas com o mesmo estilo de apresentação do Lance, seá fácil
reconhecer o plágio e distinguir o plagiador do plagiado.

Leia novamente a denição de plágio e veja como é difícil aplicá-la


à Arte Mágica. Uma coisa é perceber quando um mágico copiou um
número criado por outro mágico; outra coisa é dizer quando um ato foi
plagiado. A mágica não é um objeto simples de avaliação que permite
dizer facilmente quando ocorreu plágio ou não. Qualquer variação de
um número, qualquer mudança innitamente pequena, é utilizada como
argumento de originalidade.

O plágio de estilo é muito comum entre os iniciantes na arte. Nesse


caso, eu vejo o plágio como um fator limitador, mas inevitável. Não po-
demos exigir que um iniciante na Arte Mágica possua números próprios,
ideias próprias e um estilo de apresentação próprio. Um amador tem um
ou vários ídolos e é natural que ele siga um caminho pelo qual acredita
44 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

que vai atingir o mesmo patamar de seu ídolo. Assim, o plágio do estilo
de performance acaba sendo inevitável, infelizmente. É natural que, com
o passar dos anos, o iniciante adquira experiência e descubra mais sobre
seu estilo particular, desprendendo-se paulatinamente de seu ídolo.
A grande crítica que eu faço aos defensores estritos da originalidade
é a consequência da pressão excessiva nos iniciantes a m de eles de-
senvolverem números próprios. Alguns iniciantes, seja pela pressão ou
por uma questão de ego, esforçam-se para seguir o caminho contrário e
fazem o máximo para ser originais e criar números novos. O reexo disso
são números mal estruturados, baseados em princípios fracos, que não
possuem um forte apelo perante o público.
O que eu vou falar agora é um tanto controverso, eu sei. Mas as-
suntos polêmicos sempre são construtivos. Em sua opinião, leitor, o que
é melhor para a Arte Mágica: mágicos executando números fortes de
outros mágicos ou mágicos executando números fracos, porém originais?
Acredito, elmente, que seja a primeira opção. Eu simplesmente não
vejo o porquê da preocupação excessiva de alguns mágicos em desen-
volver números originais. Acredito que o processo criativo, que leva à
originalidade, deve ser espontâneo e não forçado. O primeiro erro que se
pode cometer ao tentar ser original é impor a si a obrigação de sê-lo.
A preocupação em possuir um repertório completamente original
acaba por prejudicar a Arte Mágica na maioria dos casos. Não por causa
da originalidade, obviamente, mas porque os mágicos que procuram ori-
ginalidade muitas vezes procuram, apenas, originalidade e deixam de
pensar no outro lado da mesma moeda: o apelo ao público. Ao m, a
preocupação ca apenas em garantir que o determinado efeito ou método
nunca tenha sido publicado por nenhum outro artista.
Eu digo isso com total conança, porque é o que tenho observado já
há alguns anos. Essa ocorrência é muito frequente também com técnicas
mecânicas em cartomagia. Muitos mágicos fazem uso de técnicas que
são claramente piores e menos ecientes que outras, mas mesmo assim,
teimam em utilizá-las para honrar o mérito próprio. Quanta pretensão.
Não digo que originalidade é ruim, de forma alguma! Mas a busca por
originalidade deve sempre ser feita paralelamente à busca por impacto
mágico. De nada adianta ser autor de um número novo no mercado, mas
um número ruim.
9

Assim, vou fazer uma proposta diferente: vamos procurar ampliar


nosso conceito de originalidade, estendendo-o também, às ideias e às

9
Sobre a discussão a respeito de existir ou não números ruins, consulte a seção
10.1.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 45

apresentações, em vez de apenas aos números. Um mágico não se destaca


dos outros apenas pela originalidade de seus números. Há outros fatores
innitamente mais fortes que denem como o mágico faz e não o que
o mágico faz.
Veja o exemplo do Criss Angel, mágico que fez muito sucesso, prin-
cipalmente com o público leigo. Opiniões individuais à parte,
10 o Criss

Angel é, sem dúvida, um excelente artista; ele quebrou paradigmas. E


veja que seu sucesso não está exatamente na originalidade dos números,
até porque grande parte deles não são de sua própria autoria; seu su-
cesso está na originalidade em seu estilo de performance de suas ideias.
O mesmo raciocínio se aplica ao David Blaine.
A originalidade de um número de mágica é apenas um fator adicio-
nal à carreira acadêmica do mágico. Nada indica que a originalidade
de um número está ligada a seu impacto. Ser original é muito mais
importante para o sucesso perante a comunidade mágica do que para o
sucesso perante o público leigo. Primeiro, devemos nos preocupar em ser
um bom mágico e apresentar uma boa mágica, para depois ser um bom
mágico com números originais. O importante é que o número que você
escolher para executar, caso não seja criação sua, seja compatível com
seu personagem.
11

Um ponto que reforça esse argumento é a existência de diferentes


vocações. Existem mágicos que, claramente, possuem vocação para criar
números, ao passo que a vocação de outros pode ser apresentar números.
Veja o exemplo de dois mágicos conhecidos: Bill Malone e Kevin Parker.
Kevin Parker possui uma mente brilhante para criar números, porém
não possui igual talento para executá-los. Bill Malone, por outro lado,
consegue modicar o número de diversos outros mágicos  na maioria
números criados por Ed Marlo  e apresentá-los de uma forma única,
que mágico algum consegue fazer igual. São dois tipos de criatividade
distintos, cada um com seu valor. Outro exemplo disso, aqui no Brasil,
é meu grande amigo Rafael Titonelly, um artista nato. Quem já o viu
apresentando reconhece seu talento. Ocorre que a maioria dos números
que compõem seu show não foram criados por ele. A singularidade de seu
ato está na eloquência do personagem, na apresentação dos números, no
humor do script, na forma pela qual Titonelly adapta números já conhe-
cidos para encaixar com seu tipo de performance. Originalidade! Para

10
Nessa discussão, vou me abster da polêmica sobre o uso de recursos de video e
truques de camera.
11
Sobre a importância de ter um personagem original, Oscar Wilde, famoso escritor
irlandês, disse: "Be yourself. Everyone else is already taken". Traduzindo, a frase
teria o sentido de "Seja você mesmo. Todos os outros já foram escolhidos."
46 CAPÍTULO 5: O MÁGICO

citar mais um caso, lembro a incrível dupla brasileira Vik e Fabrini, com
seu ato mundialmente famoso. Grande parte dos números que compõem
o ato de 8 minutos são simples e não foram todos criados pela dupla. O
grande destaque, novamente, é na forma como os números são apresen-
tados e na forma como a dupla interage com cada efeito mágico. O ato
é tão surpreendente que, em 1988, Vik e Fabrini ganharam o primeiro
prêmio no campeonato do FISM, na categoria Magia Geral.
Não digo isso para que o leitor se sinta confortável em apresentar,
somente, números de outros mágicos em versões modicadas. Pretendo
apenas deixar claro que a apresentação, por ser uma forma de interpre-
tação, deve também ser contabilizada no balanço criativo de um mágico.
Como disse Ascanio, (...) a interpretação, portanto, é um ato de cria-
ção.
12 Agora, é claro, que seria ótimo se todos conseguissem ser bons

criadores e bons apresentadores, como é o caso de Tamariz, Jay Sankey,


Simon Aronson e muitos outros, inclusive brasileiros.
Fazendo uma analogia com a música, não há problema algum em um
músico tocar músicas de outro compositor, desde que o estilo musical seja
compatível com sua personalidade de artista. Imagino que, se a Marisa
Monte se aventurasse a cantar um funk ou um rap, seria um fracasso.
O objetivo do músico não é ter músicas originais, mas sim contagiar
a plateia com sua forma de fazer música. Tocar uma boa música,
mesmo que ela seja de outro compositor, é preferível a fazer composições
próprias e tocar uma música que deixa a desejar. Da mesma forma que
um músico iniciante, procurando ser original vai, muito provavelmente,
criar músicas ruins, um mágico iniciante, também procurando ser original
vai, muito provavelmente, criar números fracos.
Basicamente, existem cinco alternativas:

1. Ser um mágico que usa ideias de outros mágicos, que as aplica em


números de outros mágicos e os apresenta com um estilo de outro
mágico;

2. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, que as aplica em nú-
meros de outros mágicos e os apresenta com um estilo de outro
mágico;

3. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus pró-
prios números e os apresenta com um estilo de outro mágico.

4. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em números


de outros mágicos e os apresenta com seu próprio estilo.

12
(...) interpretation, therefore, is an act of creation.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 47

5. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus pró-
prios números e os apresenta com seu próprio estilo.

Fuja da opção 1 e procure estar na opção 4. Se você atingir a opção


5, executando números fortes, você zerou o jogo.
Dessa forma, pensar que o plágio é apenas mágicos executando nú-
meros de outros mágicos é desviar o foco de um problema muito mais
importante: a banalização dos efeitos no mercado de mágica do Brasil.
Isso, sim, me preocupa. Quando um mágico comercializa um número e
diz ser o criador, quando na verdade quem criou foi outra pessoa, ele
está cometendo um dos mais graves tipos de plágio. Um desrespeito aos
direitos autorais e a todos nós que praticamos a Arte Mágica.
É essencial que os mágicos brasileiros se conscientizem desse problema
e procurem combatê-lo. O plágio não pode ser visto como normal e
inevitável. Precisamos conhecer mais sobre nossa Arte, pesquisar mais
sobre os números que fazemos, para dar os créditos aos que merecem.
Ser criativo não é fácil. Os criadores precisam ser reconhecidos.
Parte II

Por Dentro do Número de


Mágica

49
Antes, algumas palavras
Nesta parte do livro, dou mais atenção ao número de mágica em si e às
técnicas não mecânicas envolvidas no momento de performance.
Fiz questão de explicar meus argumentos por meio de exemplos prá-
ticos. Quando uso um número de mágica como exemplo, a parte  co-
mentários técnicos contém o conteúdo suciente para que as técnicas
necessárias à respectiva execução sejam entendidas. Salvo algumas exce-
ções, não explico minuciosamente como executar as técnicas mecânicas
dos números, pois não é esse meu intuito. Isso seria assunto para outro
livro. Justamente por isso, z o possível para utilizar exemplos de nú-
meros simples, que não utilizam técnicas complicadas ou revolucionárias,
de forma a evitar car estagnado na mecânica dos números.
Não obstante, indiquei, inclusive por meio de algumas notas de ro-
dapé, fontes de informações conáveis nas quais o leitor poderá consultar
e aprender as técnicas mencionadas, caso não as conheça. Não estou ale-
gando que a técnica mecânica não possui importânica. Como disse na
seção 3.3, ela deve estar perfeita! Porém, como não é esse meu motivo
de preocupação, z questão de usar técnicas simples.
Peço ao leitor que entenda os números utilizados de exemplo no livro
como um meio didático pelo qual é possível demonstrar algo que, indo
além da técnica mecânica, é o assunto mais importante dessa obra.

51
Capítulo 6

A ótica interna

6.1 Fragmentando um número de mágica

Se eu perguntasse a um artista plástico quais elementos constituem um


quadro, isto é, quais são os fragmentos que, juntos, compõem uma tela
de pintura, imagino que muito provavelmente ele caria sem resposta.
Não existem subcomponentes de um quadro, não existem elementos
que, sozinhos, possuam existência própria. Um quadro é resultado da
composição de diversas coisas, seja lá quais forem, de forma que nenhuma
delas faz sentido se analisada sozinha. Por exemplo, o que é uma única
gota de tinta no papel? É no máximo um borrão. Mas um conjunto de
gotas espalhadas de uma certa forma, com a certa inspiração do pintor,
pode vir a ser a Mona Lisa.

Podemos ter o mesmo raciocínio com um número de mágica. O que


constitui um número de mágica? Em outras palavras, se um número
de mágica fosse algo concreto, palpável, possível de ser separado em
diversas partes para descobrir sua estrutura interna, o que veríamos?
Essa pergunta pode não fazer sentido à primeira mão, pois assim como o
exemplo dado sobre a pintura, um número de mágica é uma composição
 termo utilizado por René Lavand. Em um nível teórico, no entanto,
essa pergunta pode sim fazer sentido, e confesso que demorei bastante
para conseguir uma resposta satisfatória. Peço ao leitor um pouco de
imaginação, de forma que seja plausível, na teoria, pensar em dividir um
número de mágica em várias partes.

Pouco foi escrito sobre o que constitui, verdadeiramente, um número


de mágica. Porém, nada em língua portuguesa, infelizmente. Alguns
autores  mágicos competentes como por exemplo Dariel Fitzkee, Hen-
ning Nelms, Darwin Ortiz, Arturo de Ascanio e Roberto Giobbi  já

53
54 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

explicitaram opiniões a respeito desse assunto e contribuíram signicati-


vamente para meu raciocínio. Mas como opiniões são inuenciadas por
valores individuais, o resultado obtido nem sempre é um consenso. Neste
livro, vou comentar a abordagem que faz sentido para mim, da forma
pela qual eu entendo a Arte Mágica.

Figura 6.1: Por dentro de um número de mágica.

Número de mágica

Método Efeito Apresentação Estrutura

Personagem Fenômeno Propósito Prova

Fonte: elaboração própria.

Se fosse possível pegar um objeto chamado número de mágica e


parti-lo ao meio para observar o que há dentro dele, acredito que ve-
ríamos quatro coisas: o método, o efeito, a apresentação e a estrutura
(gura 6.1). Isoladamente, cada componente pode ser denido da se-
guinte forma:

Método é o conjunto de técnicas, mecânicas e não mecânicas,1 utili-


zadas para viabilizar o número. Sem o método, o número não
existiria na prática. Seria impossível fazer uma moeda sumir sem
algum método que tornasse possível esse fenômeno. Obviamente,
o método deve ser oculto do ponto de vista do espectador. Como

1
O capítulo 8 aborda especicamente as técnicas não mecânicas.
SEÇÃO 6.1: FRAGMENTANDO UM NÚMERO DE MÁGICA 55

foi dito na seção 5.2, a plateia deve acreditar que nenhum método
foi utilizado.

Efeito é uma parte do número acessível à plateia; é o que a plateia


absorve. Se após o show você perguntar a um espectador qual o
número que ele mais gostou, ele irá descrevê-lo com base no efeito,
pois é o que ele percebe. Não faria sentido algum um leigo descrever
um número com base em seu método ou em sua estrutura, pois ele
não está ciente de sua existência, e nem deveria estar. Como disse,
eu gosto de subdividir o efeito em quatro categorias, que serão
explicadas em minuciosos detalhes na próxima seção.

Apresentação é a forma pela qual você demonstra o número à plateia.


A apresentação está em função do personagem do artista, dos equi-
pamentos utilizados, do ambiente no qual se está apresentando, das
características da plateia, dos elementos musicais, etc. Assim como
o efeito, é também um elemento acessível à plateia.

Estrutura é o elemento mais sutil, mas de extrema importância.2 A


estrutura, assim como a apresentação, ataca a percepção psico-
lógica da plateia. Porém a estrutura atua antes do momento de
performance, ao contrário da apresentação, do misdirection e de
outras técnicas não mecânicas. A estrutura de um número é a
forma pela qual ele é construído. Ela prevê a coordenação correta
de cada ação, determina o porquê do uso de cada equipamento, de-
ne o propósito e o exato momento de cada movimento, denindo
o lugar físico de cada objeto que será utilizado no ato. Por ser um
conceito que merece atenção em especial, reservei a seção 8.4, que
inicia na página 129, para tratar exclusivamente da estrutura de
um número de mágica.

Esses componentes esão interligados e se complementam, sendo bas-


tante complicado analisá-los separadamente. O número de mágica não
existiria na ausência de qualquer um deles. Antes de ver a forma pela
qual os componentes são mutuamente dependentes, vamos analisar pri-
meiro cada uma das subdivisões do efeito: personagem, fenômeno, pro-
pósito e prova. Veja a gura 6.1.

2
Recomendo ler o fabuloso livro Designing Miracles do Darwin Ortiz, que enfoca
apenas a estrutura dos números de mágica, que ele chama de design.
56 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

6.2 Os elementos do efeito mágico

Acredito elmente que não há uma fórmula secreta para se fazer mágica.
Não existe alguma coisa palpável que você possa seguir a cada passo e,
no nal, ter um belíssimo efeito mágico. Experiência e intuição contam
muito nesse processo, e isso só se consegue com o tempo.
No entanto, há alguns itens que, se estudados, tornarão sua mágica
mais clara, tanto para plateia quanto para você, mágico. Costumo dizer
que esses itens são os elementos que denem o efeito mágico. São quatro:
personagem, fenômeno, propósito e prova. Vou explicar cada um em
detalhes.

6.2.1 Personagem
Aqui entram todas as pessoas que fazem parte de seu número. Faça uma
lista de cada pessoa que vai participar, inclusive você. Anote todas as
exigências. Pode ser de qualquer sexo, ou de qualquer idade? Pode estar
vestindo qualquer roupa? Se for um número de palco, escreva o local
exato no qual cada um deles deve car.
Dena o papel de cada um, inclusive o seu. Você vai ser um menta-
lista? Vai ser uma pessoa que sabe manipular cartas? Vai ser um mágico
no estilo clássico, de circo? Vai ser um comediante?
E o espectador? Ele estará no palco fazendo o quê? Vai ser um
aprendiz? Uma testemunha? Um mágico?
Quando você está no palco, não é hora de car pensando em qual
lugar do palco o espectador deve car, se ele precisa estar de terno ou
não, se pode ser criança, etc.
Para deixar mais claro, vou dar alguns exemplos de rotinas que -
caram famosas nos últimos anos, nas quais os personagens estão bem
denidos. O Latko, jovem mágico argentino, possui um ato chamado
The Side of The Road, em que ele sofre um acidente de moto, e a moto
ca completamente destruída. Durante o ato, Latko vai executando seus
números para reconstruir a moto. Ele deixou bem denido seu persona-
gem: um mágico motoqueiro.
Outro exemplo, agora na categoria de close-up, é o ato Historia de
un Jugador, do famoso René Lavand. René faz o papel de um contador
de histórias, um mágico que já passou por muitas experiências na vida e
compartilha, com seu público, a história de um trapaceiro, o Kumanês.
O Michael Finney, famoso por seu estilo cômico, faz o número  Card
on Forehead  3 e consegue muitas risadas. Ele faz o papel de um cara

3
Uma carta escolhida pelo espectador aparece pregada na testa do mágico. Na
SEÇÃO 6.2: OS ELEMENTOS DO EFEITO MÁGICO 57

engraçado, que tira sarro de todos. O espectador que está no palco


tem um papel mais passivo, uma pessoa que não faz a mínima ideia do
que está acontecendo, mas ri, porque toda a plateia está rindo também.
Quando você tiver a oportunidade de ver Michael executar esse número,
repare que o espectador sempre está à direita dele, e isso não é à toa. É
a posição correta na qual o ângulo de visão não permite que o espectador
perceba que a carta já está grudada na testa de Michael.

6.2.2 Fenômeno
Pense no que você está propondo à plateia. Em uma rotina de men-
talismo, você pode mostrar como sua mente consegue ler pensamentos
alheios ou como induzir alguém a pensar em alguma coisa. São concei-
tos completamente diferentes. Em uma rotina com algemas, você pode
apresentar um efeito de escapismo ou de violação da impenetrabilidade.
Novamente, são conceitos diferentes. Qual é o fenômeno que você quer
transmitir ao público?
Pare e raciocine sobre sua mágica. Qual é o fenômeno que você está
propondo? Vários mágicos se aventuraram a fazer uma lista de todos
os possíveis efeitos mágicos. Para mim, uma das mais completas listas
é a de Dariel Fitzkee, que você pode consultar no apêndice A, no nal
do livro. Olhe para ela e tente identicar o fenômeno de cada número
de mágica de seu próprio repertório. Se você não souber, sua plateia
também não vai saber. Como diz o ditado: Se você não sabe para onde
está indo, nunca chegará lá.

6.2.3 Propósito
Por que você está apresentando esse fenômeno para a plateia? Qual é
seu motivo? A resposta é, na maioria das vezes, pessoal. Se você não
se condicionar a responder essa pergunta em relação a todo seu reper-
tório, um espectador pode achar uma resposta e outro espectador pode
achar outra, completamente diferente, indicando que sua performance
está confusa.
Se você está apresentando um número de cartomagia em mesas de
poker em Las Vegas, seu propósito pode ser, por exemplo, alertar as
pessoas para não serem trapaceadas. Em uma rotina em que pedaços
de papel se transformam em notas de dinheiro, seu propósito pode ser
mostrar o que um mágico faz quando esquece a carteira.

versão do Finney, toda a plateia percebe, menos o espectador que está no palco.
58 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

Essa questão da necessidade de denir um propósito coerente gera


controvérsias. Se você zer essa pergunta para todos os números em seu
repertório, a maioria das respostas vai ser uma mera demonstração.
Muitos mágicos criticam essa resposta. Para eles, muitos números não
possuem sentido nenhum e, justamente por isso, não deveriam ser exe-
cutados. O argumento é que se você fosse mágico, não ia perder tempo
fazendo esse tipo de coisa, como, por exemplo, descobrir em que carta o
espectador pensou.

Como disse na página 18, sou contra esse pensamento. Ele faria
sentido se eu concordasse com a premissa de que a plateia acredita que o
mágico possui super poderes. E eu discordo disso (acredito que a maioria
dos mágicos discordam). Quando faço um número de mágica, não espero
que os espectadores acreditem que sou de outro planeta.

Do mesmo modo, quando faço uma rotina de mentalismo, não espero


que a pessoa acredite que sou paranormal; quando digo as cores das
cartas sem olhar para elas, não espero a plateia acreditar que eu consigo
sentir cores pelo tato. É o mesmo raciocínio que expliquei na seção
5.2, quando discuti a diferença entre fazer alguém acreditar em algo e
convencer alguém de algo.

Deixe-me fazer uma pergunta a você, leitor: quando você assiste a um


lme e um personagem importante morre, você se emociona, ca triste e
pode até chorar. Mas por que você chora se o ator ainda está vivo? Por
que você chora se você sabe que ele, na verdade, não morreu? Um show
de mágica é como um lme ou uma peça de teatro. O espectador está
convencido de que você, no papel de mágico, consegue saber o que ele
escreveu em um pedaço de papel. Mas ele não acredita, e seria desastroso
você tentar fazê-lo acreditar, que você consegue, de fato, ler pensamentos.
Usando a losoa de Juan Tamariz, um efeito mágico possui desenvolve-
se em três fases consecutivas: o rompimento com a razão, o jogo com a
imaginação e a volta à razão. Se não houver a terceira fase, deixa de ser
arte, deixa de ser mágica. Seria charlatanismo, uma atitude antiética.

Uma pessoa que assiste a uma peça, a um lme ou a um show de


mágica está diante de duas realidades diferentes: uma é a realidade dos
personagens, da história; outra é a realidade do ator, do mundo fora da
sala de espetáculo. Ilusão é tudo que é preciso para as pessoas acredita-
rem que o Batman é um super-herói e que Max Maven lê mentes, mas
que Christian Bale e Philip Goldstein, seus respectivos intérpretes, são
pessoas comuns.

Logo, se eu não quero que o espectador acredite que eu tenha super


poderes reais, eu posso, sim, fazer uma mágica cujo propósito seja mera
SEÇÃO 6.2: OS ELEMENTOS DO EFEITO MÁGICO 59

demonstração. Para quê Juan Tamariz executa o número canivetes


camaleão? Apenas por demonstração! Para quê David Coppereld
atravessou a Muralha da China? Ele não estava preso no país sob a
penalidade de uma rigorosa ditadura militar, que não permitia a ninguém
fugir e, fazendo uso de seus poderes, ele atravessou a muralha. Não. Foi
apenas uma demonstração. Nunca tive a oportunidade de perguntar a
ele, mas tenho certeza de que o Coppereld não pretende convencer o
mundo de que ele atravessa paredes. Novamente, nosso objetivo, como
mágico, não deve ser fazer a plateia acreditar elmente nos fenômenos
que estamos apresentando. Basta ela deixar de desacreditar neles. É a
Suspensão da Descrença.

Voltando, então, ao assunto de se denir o propósito de um número,


eu acho que é interessante, sim, ter motivos para se realizar alguma coisa.
O número de mágica Self Tying Shoelace 4 , criado por Jay Noblezada, é
um exemplo disso. Você pode andar pela rua com o cadarço desamarrado
até que alguém o pare para avisar. Você, tendo acabado de descobrir
a situação, sacode o pé e resolve o problema. Com certeza, isso é muito
mais forte do que você chegar para o espectador e dizer: Olhe! Meu
cadarço está desamarrado. Mas eu consigo consertar... Pronto! Outro
exemplo é um dos números que deram fama ao talentoso mágico japonês
Cyril Takayama, no qual ele retira um hambúrger do cardápio de um
restaurante, no meio da rua. Da forma como foi executado o número, o
propóstito do Cyril foi matar a fome.

Quando conta ao espectador que seu cadarço está desamarrado ou


que está com fome, você está contando para ele algo que ele tem capaci-
dade de vivenciar por si próprio. Um escritor descreve uma cena fazendo
seu leitor vivenciar a experiência dela. Dizer que uma paisagem é linda
não tem graça, mas descrever a paisagem e as sensações que ela provoca
faz o próprio leitor vivenciar essa paisagem.

Porém, não são todos os números que precisam, necessariamente, ter


um propósito. Alguns argumentos do tipo Para que botar uma carta
no meio se o objetivo é levá-la no topo? Não seria mais fácil, então, não
ter posto no meio? e Para que se acorrentar se o objetivo é escapar
das correntes? não se aplicam. O objetivo não é ter a carta no topo,
mas sim mostrar que ela pode sair do meio e ir para o topo. O objetivo
não é car livre das algemas, mas sim demonstrar que se pode escapar
de algemas em poucos segundos. Repito: mágica é uma arte. Ser arte
já é um ótimo motivo para ser demonstrada. O Cirque du Soleil não

4
O mágico está com o cadarço desamarrado e, apenas mexendo o pé, consegue
amarrar o sapato.
60 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

possui motivo para um trapezista ser lançado metros para cima e cair
equilibrado em cima de uma corda.
Nas palavras de Rafael Benatar, mágico e músico venezuelano:

Se você faz algo que parece ser simplesmente impossível, as


meras implicações já representam um propósito suciente.
5

6.2.4 Prova
Como você prova que o fenômeno impossível ocorreu? Como provar que
você consegue executar o que está prometendo? Essa é a verdadeira
prova de fogo para qualquer mágico.
Quando um mágico se submete a ser acorrentado e a escapar em
poucos segundos, o efeito deve ser apresentado de modo que a plateia
acredite ser ele, o mágico, um escapista de fato. Se a plateia desconar
que ele tinha uma chave extra para o cadeado ou que, na verdade, o
nó da corda não estava apertado o suciente ou, então, que a pessoa
acorrentada não é a mesma que escapou, o efeito mágico vai por água
abaixo.
Com certeza, deve haver um efeito que você executava ou executa, o
qual nunca fez a plateia reagir como esperado. Há uma enorme chance de
que esse problema exista porque a prova de seu efeito era ruim. Analise
com detalhe a forma como você prova seu fenômeno. Quem sabe ela não
é convincente como você achava.
É importante salientar que esse processo dicilmente chega ao m.
Sempre, quase sempre, é possível reforçar a prova de um número.
Na página 267 do volume 2 do livro do Tommy Wonder The Bo-
oks of Wonder, ele comenta sobre sua contribuição para a evolução do
um número de mágica Next of Boxes . É um número clássico em que
um objeto, geralmente um relógio, some e aparece dentro de uma caixa
que estava dentro de outra, e essa, por sua vez, estava dentro de outra.
Tommy pegou a ideia de uma apresentação explicada no livro Modern
Magic Manual, de Jean Hugard, e adaptou uma versão para seu estilo.
Ficou bom. Na verdade, cou ótimo. Mas para Tommy, ainda não estava
perfeito. Ele fez, então, uma outra, com uma apresentação mais curta
e mais direta. Modicou, também, o mecanismo de funcionamento das
caixas. A segunda versão cou ótima. Na verdade, cou excelente. Mas
para Tommy, ainda não estava perfeito. Ele criou uma terceira versão,

5
Trecho traduzido por mim de uma entrevista com Rafael Benatar no livro Scrip-
ting Magic, escrito por Pete McCabe. Página 245.
SEÇÃO 6.3: INTERAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS 61

na qual em nenhum momento ele toca na caixa. Essa versão cou exce-
lente. Na verdade, cou perfeita. Mas para Tommy, ainda poderia ser
melhorada: o objetivo dele era desenvolver um método em que o próprio
espectador executasse as ações de abrir as caixas e, ao fazer isso, o reló-
gio entrasse para dentro das caixas, sem se dar conta disso. Infelizmente,
Tommy faleceu em 2006 e não pôde concluir essa meta. Mas não duvido
que ele conseguiria.

6.3 Interação entre os elementos

Agora que já vimos todos os elementos que compõem um número de


mágica, vamos analisar a interdependência entre eles, isto é, a forma
pela qual cada elemento interfere e interage com outro. Veja a gura
6.2.

Figura 6.2: Como que os elementos de um número de mágica (gura 6.1)


estão interligados.

Número de mágica
7
Método Efeito Apresentação Estrutura

Personagem Fenômeno Propósito Prova

8
9 4
1
3

10 2
Fonte: elaboração própria.

Vamos analisar cada uma das linhas pontilhadas numeradas, algumas


de único sentido e outras de sentido recíproco:
62 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

1. O método inuencia a prova. Na página 72, vou comentar


sobre controles de ordem e controles de desordem, dois métodos
distintos para se controlar uma carta. Em uma rotina de Carta
Ambiciosa (como a explicada na página 71), a prova é quando
o espectador estala os dedos, uma carta assinada que estava no
centro do baralho aparece no topo. Essa prova é completamente
dependente do método escolhido. Um controle de desordem não
vai tornar a prova tão ecaz quanto um controle de ordem.

A prova inuencia o método. Ao criar um número novo, pode-


mos pensar, primeiro, na prova e, depois, no método. Vamos supor
um número no qual o fenômeno seja penetração e a prova seja
uma moeda atravessa uma mesa de vidro, até cair do outro lado
e atingir o chão. Nesse caso, temos que achar um método que
viabilize a prova, escolhida a priori. Podemos usar uma ipper-
coin ou uma casquilha, por exemplo. Ainda no mesmo fenômeno,
caso a prova seja um cigarro atravessa o centro de uma moeda, o
método teria de ser outro, completamente diferente.

2. A apresentação inuencia a personagem. Podemos pensar


em um caso no qual o mágico queira fazer um número de esca-
pismo, com um clima de suspense e drama. Será necessário, então,
assumir um personagem compatível com o número. Um exemplo
perfeito desse caso é o próprio Coppereld. Em alguns números,
ele invoca um personagem mais cômico e extrovertido; em outros,
um personagem mais sensual e introvertido. Cada apresentação
exige características especícas do personagem.

A personagem inuencia a apresentação. Inúmeros são os


casos de mágicos que adaptam rotinas de outros, mas mudam com-
pletamente a apresentação de forma a torná-la compatível com sua
própria personagem. Lembro ter visto, uma vez, o mágico norte-
americano Rich Marotta apresentar o número Don't Rob a Magi-
cian que, na verdade, é apenas uma forma modicada de apresen-
tar a versão Ring, Watch and Wallet, de Tommy Wonder.
6 Rich

Marotta, caracterizado por seu estilo cômico, adicionou elemen-


tos de comédia ao número para ser compatível com seu estilo de
performance.

6
Apesar de ter cado famoso nas mãos de Tommy Wonder, a versão original desse
número pertence ao mágico Oswald Williams.
SEÇÃO 6.3: INTERAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS 63

3. O fenômeno inuencia a apresentação. Dependendo do fenô-


meno a ser demonstrado, será necessária uma apresentação especí-
ca. O fenômeno leitura de pensamento exige uma apresentação
completamente diferente que a exigida pelo fenômeno antigravi-
dade.

4. O propósito inuencia a apresentação. No exemplo do nú-


mero Self Tying Shoelace, utilizado anteriormente, o mágico quer
mostrar como resolver o problema de um cadarço de sapato de-
samarrado. Para esse propósito, ele desenvolve uma apresentação
que pode ser, por exemplo, entrar no palco e de repente tropeçar
no cadarço.

5. A prova inuencia a apresentação. Quando David Coppereld


teve a ideia de atravessar uma parede (que é a prova do fenômeno
penetração), ele criou uma apresentação: executou o número na
Muralha da China, com todos vendo a sombra de seus braços atra-
vessando a parede, logo depois seu corpo e, depois, suas pernas.

6. A estrutura inuencia a prova. Mesmo que o método esteja


perfeito, a plateia pode descobrir o segredo do número, caso a es-
trutura deixe a desejar. A plateia pode perfeitamente ser iludida
pela técnica, mas descobrir como o número foi executado por sim-
ples dedução. Um exemplo bem simples em que isso pode acontecer
é fazer um falso depósito para uma moeda sumir e continuar com
a moeda empalmada na mão. O espectador pode ser iludido pelo
falso depósito, porém deduzir como o número ocorreu. Se a estru-
tura for fraca, a prova será fraca, o número será fraco (na página
86, cito esse mesmo exemplo do desaparecimento de uma moeda e,
na página 130, sugiro diversas soluções para esse problema).

7. A estrutura inuencia a apresentação. Quando um número


requer uma determinada estrutura para funcionar, muito prova-
velmente a apresentação deverá ser adaptada. Veja a rotina de
Bolas de Espuma na página 65, com o nome de A Mágica da
Vida. Vários dos movimentos explicados na parte de comentários
técnicos exigem uma determinada estrutura.
7 Para atingi-la, criei

uma apresentação que fosse compatível: a história de duas bolas


de sexos opostos.

7
Na página 131, faço uma descrição completa da estrutura do número A Mágica
da Vida.
64 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

A apresentação inuencia a estrutura. Às vezes, a ideia de


como reestruturar algum número vem justamente da apresentação
utilizada. Dependendo dessa apresentação, a estrutura deve ser
modicada.

8. O fenômeno inuencia a prova. Isso é bastante óbvio. Como


dito na página 60, a prova é que faz o espectador acreditar que o
fenômeno ocorreu. Pela própria denição, ela é função do fenômeno
em questão.

9. O fenômeno inuencia o personagem. Fenômenos como anti-


gravidade, ação e reação harmônicas, controle mental, percep-
ção extrasensorial e outros geralmente
8 estão relacionados a per-

sonagens mais misteriosos, enigmáticos e introvertidos. Já outros


fenômenos podem exigir personagens com características distintas.

10. O método inuencia a estrutura. Em alguns números, seja


por falta de conhecimento de outras variedades de métodos ou por
alguma inconveniência em usá-los, a estrutura precisa ser modi-
cada. Um exemplo perfeito disso está mais adiante, na página 86,
que aborda a diferença entre dois objetos que desaparecem: uma
gaiola e uma moeda. Veja que os métodos empregados são diferen-
tes. Logo, exigem estruturas diferentes. No caso em particular da
moeda, o método é menos eciente, o que acaba por exigir uma
estrutura mais eciente.

6.4 Perspectiva prática

Adquira o hábito de pegar cada número de seu repertório e fazer as


perguntas: Quem? O quê? Por quê? Como? Isso vai lhe dar respostas
que nem mesmo você, que executa o número, sabia. Muito menos o seu
público!
A forma como esses quatro elementos são escolhidos é o que torna
um número diferente de outro. É possível ter dois truques idênticos e
transformá-los em dois efeitos mágicos distintos, apenas manipulando
esses elementos.
Repare que os elementos propósito e prova são subordinados ao
elemento fenômeno. Ao desenvolver um efeito, é necessário, primeiro,
saber o fenômeno que será apresentado, para depois reetir sobre o pro-
pósito e a prova. Vamos ver alguns exemplos:

8
Sim, é claro que existem exceções!
SEÇÃO 6.4: PERSPECTIVA PRÁTICA 65

A Mágica da Vida

As bolas de espuma já eram utilizadas como nal loads em rotinas de


Cups and Balls no século XVIII, mas seu uso como elemento indepen-
dente na mágica se deu há pouco tempo. Atualmente, as bolas de
espuma são, sem sombra de dúvida, um dos acessórios mais utilizados
por mágicos. Infelizmente, a maioria das rotinas com bolas de espuma
são apresentadas em forma de truque, como ocorre em lojas de mágica,
nas quais o vendedor nem sempre é um mágico. Eu procuro fujir dessa
linha. Veja meu script para esse número na página 170.
Efeito: o mágico chama um espectador ao palco para ajudá-lo. Tira
do bolso um pedaço de papel e, com um isqueiro, queima-o, fazendo apa-
recer uma bola laranja. Essa bola é pressionada no meio, transformando-
se em duas bolas idênticas. O mágico põe uma bola na mão esquerda e
outra na mão direita. Magicamente, as duas vão para uma mesma mão.
Ele tenta o mesmo com a mão do espectador. Mas a bola que estava na
mão do mágico some e não aparece dentro da mão do espectador e sim,
na dobra de seu braço, que estava exionado. O mágico tenta de novo
e dessa vez sim, as duas bolas vão parar dentro da mão do espectador
que, inicialmente, estava fechada, segurando apenas uma delas. O má-
gico pega as duas bolas, juntando-as na mão do espectador e diz que a
verdadeira mágica é a mágica da vida. Quando o espectador abre a mão,
tem três bolas: pai, mãe e lho.

Personagens: mágico em um estilo cômico e mais um es-


pectador, preferencialmente do sexo feminino, que deve estar de manga
comprida.
Fenômeno: transformação, produção, transposição, penetra-
ção e produção novamente.
Propósito: mostrar como dois objetos inanimados podem ter
características de seres vivos.
Prova: são várias etapas:
Transformação: um pedaço de papel em branco, que eu chamo de
aglomerado de células de celulose geneticamente modicadas, entra em
contato com fogo e muda de cor, de forma e de tamanho, até virar uma
bola laranja. Repare que eu apresento essa etapa como uma transfor-
mação e não como uma produção. Os dois conceitos são completamente
diferentes, como se pode comparar no próximo caso.
Produção: a bola é pressionada no centro com o dedo, até se dividir
em duas idênticas e de sexos opostos, que sempre tendem a car juntas.
66 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

Transposição: uma bola que estava em minha mão some e aparece


presa na dobra do braço do espectador.
Penetração: uma bola consegue atravessar a mão do espectador
para se juntar à outra, de sexo oposto.
Produção: as duas bolas, de sexos opostos, são postas na mão do
espectador e, em alguns segundos, aparece uma terceira bola: um lho.
Comentários técnicos: eu entro em cena já com as duas bolas
escondidas nas mãos. Para justicar a mão fechada, a mão esquerda
segura um isqueiro, e a mão direita segura um pedaço de ash paper. Na
verdade, cada mão está com uma bola escondida, empalmada. Para uma
bola desaparecer da minha mão e aparecer na mão do espectador, basta
fazer um falso depósito. O método que uso para fazer a bola aparecer na
dobra do braço do espectador é o que o mágico Gregory Wilson ensina
em seu vídeo On The Spot , durante o número Sponge Napkins. Esse
método é mais fácil de ser aplicado em um momento de o-beat,9 criado
perfeitamente pela situação cômica da etapa anterior, quando o mágico
falha em tele-transportar a bola de uma mão para outra (ver script na
página 170).
Para empalmar a terceira bola, eu uso uma técnica também ensinada
por Gregory no mesmo vídeo: começo a apresentação com uma bola
extra escondida na axila. Para empalmá-la, basta cruzar os braços em
um momento de o-beat ou em alguma hora em que o foco de atenção
dos espectadores não seja você. O momento de o-beat, nesse caso, é
quando o espectador percebe que a bola apareceu na dobra do braço
dele. Imediatamente, o espectador e a plateia relaxam e é exatamente
a hora que cruzo os braços para empalmar a terceira e última bola. Na
etapa seguinte, mostro as duas bolas para a plateia, segurando cada uma
com meu polegar e indicador, enquanto a terceira bola está empalmada
na mão direita. Quando o espectador escolhe uma das bolas para segurar,
deposito duas: a que ele escolheu e a que estava empalmada. Para fazer
sumir a bola que sobrou comigo, faço um falso depósito na mão esquerda
e então, minha mão direita imediatamente segura o antebraço esquerdo
do espectador, na tentativa de fazer com que a bola, que ele acha que
está na minha mão esquerda, atravesse a mão esquerda dele. Repare
que eu deixo minha mão direita ocupada com algum motivo plausível:
segurar o antebraço do espectador, para que sua mão que parada. Isso é
crucial nessa etapa da rotina. Se eu zer o falso depósito na minha mão
esquerda e não ocupar minha mão direita com alguma ação que justique

9
O-beat é o momento em que a plateia está com a atenção relaxada, sem focar
atenção no que o mágico faz. Ver seção 8.1.2.
SEÇÃO 6.4: PERSPECTIVA PRÁTICA 67

ela car fechada, a atenção da plateia logo após a desaparição da bola


estará exatamente minha mão direita. E é justamente isso o que eu não
quero. Na página 131, ao discutir a estrutura de um número, explico
detalhadamente esse processo de segurar o antebraço do espectador.
Depois que as duas bolas aparecem na mão do espectador, minha
mão direita larga o punho dele, com uma bola ainda empalmada. Então,
junto as três bolas  o espectador acha que são apenas duas  para
fazer a aparição nal. A última etapa é a primeira e única vez em que a
plateia percebe a presença da terceira bola. A rotina faz muito uso das
técnicas de concentração e relaxamento, que serão discutidas no capítulo
8.

Repare que essa rotina possui vários fenômenos. Eu nunca tinha


parado para pensar nisso até eu escrever detalhadamente os elementos
desse efeito! Procuro provar cada um deles da melhor forma possível e
apresentar a rotina de forma que o espectador perceba a sequência das
ações como uma história que proporciona um experiência mágica e não
como um mero truque.
Os próximos dois números são exemplos práticos e simples de que é
possível apresentar dois efeitos mágicos completamente distintos, utili-
zando exatamente o mesmo método. Pressupondo que o leitor conheça o
princípio da carta guia,
10 não haverá diculdade em entender a mecânica

dos números.

Impressão Digital na Carta

Efeito: o espectador escolhe uma carta e a deixa perdida no baralho,


com vários cortes sucessivos. O mágico examina os dedos do espectador
e tenta reconhecer sua impressão digital em alguma carta do baralho.
Após um tempo, ele identica a carta escolhida.

Personagens: o mágico e um espectador qualquer.


Fenômeno: identicação.
Propósito: mostrar que a impressão digital é uma marca
única.
Prova: o espectador escolhe uma carta, e o mágico a identica
entre as outras apenas por meio da impressão digital do espectador.

10
Ver Roberto Giobbi, Card College volume 1, capítulo 10.
68 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA

Memória Extraordinária

Efeito: com o mágico de costas, o espectador escolhe uma carta e a


deixa perdida no baralho, com cortes sucessivos. O mágico pede para
o espectador abrir o baralho em faixa sobre a mesa, para que ele possa
memorizar a ordem das cartas. Feito isso, o mágico torna a virar de
costas e pede ao espectador para mudar a carta que ele escolheu de
posição, abrindo o baralho em faixa na mesa novamente. O mágico
torna a olhar as cartas e, em poucos segundos, diz a carta escolhida, pois
ela é a única que não está na ordem anterior.

Personagens: o mágico e um espectador qualquer.


Fenômeno: memorização.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico memoriza uma ordem do baralho e é capaz
de identicar a única carta que foi posta propositalmente fora da ordem
pelo espectador.

Tente reproduzir esses dois efeitos. Ao executá-los, é fácil perceber


que eles são completamente distintos, mesmo fazendo uso do mesmo mé-
todo! O fenômeno é diferente, mas o método utilizado é exatamente
o mesmo (carta guia). A única diferença mecânica entre eles é que, no
primeiro, o mágico passa a ter ciência da identidade da carta escolhida
apenas no momento em que ele está tentando reconhecer a impressão
digital do espectador em cada carta do baralho; no segundo, o mágico
ca ciente da carta escolhida quando diz que vai memorizar a ordem do
baralho. O segundo efeito faz uso do lapso temporal entre o segredo
e o efeito  vou ser mais especíco sobre esse conceito na seção 7.3.
Vale salientar, no entanto, que a apresentação também é diferente.
Quando o fenômeno muda, muitas vezes é necessário mudar a apresen-
tação.
Capítulo 7

Estratégias de maximização
Depois que um número está tecnicamente pronto e ensaiado, ele pode ser
executado para uma plateia. Mas será que o número já está da melhor
forma possível? Será que o número oferece à plateia todo o seu potencial?
Na maioria dos casos, ainda há como torná-lo mais impactante.
Gosto de classicar o impacto de um número de duas formas: o
impacto potencial e o impacto efetivo. O impacto potencial é o impacto
máximo que um número pode gerar, enquanto que o impacto efetivo é o
impacto que o número efetivamente gera. É verdade que:

Impacto Efetivo ≤ Impacto Potencial

Em 99% das vezes, a desigualdade é estrita, isto é, o impacto efetivo


dicilmente consegue ser igual ao impacto potencial. O objetivo de qual-
quer mágico deve ser chegar a 1% dos casos em que o impacto efetivo é
exatamente o impacto potencial. Nesse caso, o mágico conseguiu extrair
o máximo possível do impacto de um número.
1

É difícil denir um critério de avaliação para determinar o quão pró-


ximo o impacto efetivo está do impacto potencial. Estabelecer uma regra
cardinal de avaliação desses conceitos seria impossível, pois a mágica é
uma arte e não deve ser avaliada por esses meios. A solução é usar a
intuição. Existem números em que o impacto efetivo está claramente
aquém do nível potencial. Por outro lado, há números em que é difícil
pensar em alguma solução para aumentar ainda mais o impacto.
2

1
A análise do impacto potencial é o ponto de partida para a discussão abordada
na seção 10.1.
2
Se você tiver oportunidade, assista Juan Tamariz executando o número Triple
Coincidence . Eu, particularmente, não consigo pensar em outra forma de apresentar
o mesmo número para causar um impacto ainda maior do que Tamariz consegue.

69
70 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Algumas estratégias exploram o efeito mágico mais a fundo e permi-


tem extrair um impacto mágico maior. Umas são um tanto intuitivas,
outras necessitam de análises mais detalhadas. Vou comentar, nas pró-
ximas seções, estratégias que estudei e outras que descobri nesses anos
de dedicação à mágica.
Vale ressaltar que muitos mágicos utilizam essas estratégias intuitiva-
mente. Esse capítulo é um estudo teórico que muitas vezes é substituído
por uma excelente intuição.

7.1 Participação da plateia

Um número é mais poderoso quando conta com a presença de alguém


da plateia. O voluntário pode auxiliar o mágico a executar o número 
papel de ajudante ou então ele mesmo acaba fazendo tudo sozinho 
papel de mágico.
Em 2009, fui a Las Vegas assistir a alguns shows. É notável como os
mágicos do showbusiness sabem que tudo que envolve os espectadores
maximiza o efeito mágico. No começo do show de Penn&Teller, por
exemplo, antes de os dois aparecerem, uma bela música de fundo ecoa
no teatro e uma enorme caixa de madeira está palco à vista de todos.
A equipe de produção convidou os espectadores para subirem no palco
e mexer na caixa, abrir, tocar e bater. Qualquer um podia conferir se a
caixa era caixa comum e se estava vazia. De repente, a música parou.
Penn entrou no palco, disse algumas palavras e, logo em seguida, Teller
saiu de dentro da caixa de madeira!
Se a plateia não tivesse sido convidada a conferir a caixa, o efeito não
teria sido o mesmo. Não sei se é apenas impressão minha, mas quando
reparo nos maiores mágicos do showbusiness, hoje, noto que seus números
permitem participação da plateia, o show exige interatividade. O público
espera interatividade.
Sempre digo que uma das formas para se tornar um melhor mágico
é ser um bom ouvinte. Presto muita atenção à reação que cada número
de meu repertório causa ao público. Os números de que a plateia mais
gosta são aqueles que o próprio espectador fez, ou então, cujos efeitos
aconteceram nas mãos de alguém.
Se você faz algum número com bolas de espuma, sabe do que eu
estou falando. O público ca fascinado. Às vezes, as pessoas dizem que
gostaram mais das bolinhas do que um outro número dezenas de vezes

Outro exemplo é o número Fly , do David Coppereld. Ele conseguiu extrair o máximo
de impacto de uma levitação. Coppereld não levita. Ele voa.
SEÇÃO 7.1: PARTICIPAÇÃO DA PLATEIA 71

mais difícil de executar. Por que a rotina de bolas de, espuma descrita
na página 65, é tão impactante? Porque envolve o espectador na mágica!
As bolas atravessam a mão dele, aparece na dobra do braço dele e se
multiplicam na mão dele. Já vi algumas versões de rotinas com bolas
de espuma feitas apenas pelo mágico. Um exemplo é o clássica rotina
3
Duas na Mão e Uma no Bolso . Ninguém mais toca nas bolas, a não
ser o próprio mágico. Isso é um showmanship pobre, pois joga fora a
maior virtude das bolas de espuma, que é justamente deixar a mágica
acontecer com o espectador.
Outro exemplo clássico que geralmente incorpora participação da pla-
teia é a Carta Ambiciosa , número popularizado por Dai Vernon.
4 Va-

mos analisar este número com detalhes.

Carta Ambiciosa

Efeito clássico: uma carta assinada pelo espectador é posta no meio do


baralho e, quando ele estala os dedos, a carta sobe para o topo. Isso é
repetido algumas vezes, de forma que o fenômeno se torna cada vez mais
impossível. No nal, a carta é posta abaulada no centro e, mesmo assim,
quando o espectador estala os dedos, ela sobe, e abaulada.

Personagens: o mágico e um espectador qualquer.


Fenômeno: transposição.
Propósito: demonstração.

3
A apresentação de Duas na Mão Uma no Bolso pode ser feita também com
moeda, com guardanapos, com palitos de fósforo, etc. É basicamente o mágico apre-
sentando três objetos ao espectador, sendo que dois deles vão para a mão do mágico
e um vai para o bolso. Quando o mágico pergunta quantos objetos ele tem na mão, o
espectador responde dois e ele prova que o espectador está errado, mostrando que
os três estão na mão dele. Isso é repetido mais uma vez. Na terceira vez, quando o
espectador supostamente já entendeu o que vai ocorrer, ele diz que o mágico tem três
objetos na mão. Quando o mágico abre a mão ela está vazia. O segredo do número é
apenas uma sequência de transferências falsas, sendo que, na terceira fase, o mágico
faz uma transferência falsa de dois objetos simultaneamente. Eu não gosto desse tipo
de abordagem em um número de mágica, pois ele gera um confronto entre o mágico e
o espectador. É como se o mágico estivesse querendo provar, a qualquer custo, que é
mais esperto. O espectador se sente rebaixado durante todo o número. Comentamos
sobre isso na seção 5.5.1.
4
Alguns armam, erroneamente, que foi o próprio Dai Vernon que inventou esse
número. Na verdade, pesquisas recentes indicam que Dai Vernon apenas adaptou o
número, que foi criado pelo mágico francês Gustav Alberti, para seu método próprio.
72 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Prova: quando o espectador estala os dedos, uma carta assi-


nada que estava no centro do baralho aparece no topo.
Comentários técnicos: há várias formas de se executar a Carta
Ambiciosa. Não é meu objetivo comentar com detalhes o método padrão
de execução. A grandes rasgos, é apenas uma sequência de métodos
diferentes para botar uma carta no meio do baralho e fazê-la aparecer
no topo. Isso pode ser feito por meio de trocas de cartas ( switches ) ou
por meio de controles.
Gosto de classicar os controles em dois tipos: controle de desordem
e controle de ordem . Controle de desordem é aquele em que o mágico
manipula explicitamente todas as cartas para controlar uma ou várias,
em caso de um multiple shift. Controle de ordem é aquele em que uma ou
várias cartas são controladas, mas, aparentemente, o mágico não fez nada
com o baralho. Na ótica da plateia, há controle de desordem quando
as cartas são embaralhadas e/ou cortadas, após uma carta escolhida
ser posta no meio. É controle por meio de um overhand shue ou
embaralhamento americano, double undercut, etc. Já em um controle de
ordem, a carta escolhida é devolvida ao baralho e o mágico não manipula
nada. Hofzinzer's Spread Control, controle usando o Clip Shift,
É o
Cherry Control, The Pass, etc. Lembro que essa análise é sempre feita
do ponto de vista da plateia. Para a plateia, o mágico não manipula
nada em um controle de ordem. Isso não signica que o mágico, de fato,
não manipulou nada.
5

Note que, depois de um controle de desordem, o espectador não sabe


mais onde está a carta. Ela pode estar no topo, pode estar na boca, pode
até mesmo continuar perto do centro. Mas em um controle de ordem,
o espectador jura que a carta está exatamente no local para onde foi
devolvida no baralho, geralmente no centro.
Não estou dizendo que controles de ordem são melhores que controles
de desordem. Cada caso é um caso. Cabe ao mágico saber escolher a
opção certa para cada momento. No número Carta Ambiciosa, deve-
se usar apenas controles de ordem, por motivos óbvios: o objetivo é o
espectador acreditar que a carta está no centro do baralho. Cada um
possui seus métodos de controle preferidos; não vou comentar sobre eles.

5
Em seu livro The Structural Conception of Magic , Ascanio utiliza o termo false
movements para todos os movimentos secretos que imitam um movimento verdadeiro,
e secret actions para todos os movimentos secretos que ocorrem por si só  na ótica
da plateia o mágico não fez nada. Usando a terminologia do Ascanio, um controle
de ordem seria um secret action  para a plateia, o mágico não fez absolutamente
nada com o baralho  e um controle de desordem seria um false movement  para
a plateia, o mágico embaralhou e/ou cortou as cartas.
SEÇÃO 7.2: AFIRMAÇÕES DISTORCIDAS 73

Veja que, na ótica do espectador, a carta sobe porque ele estala


os dedos. O efeito psicológico é muito forte! Além disso, há o elemento
surpresa no nal, que é perfeitamente antecipado pelas sequências an-
teriores (na seção 7.5, vou falar sobre a surpresa antecipada, que é
uma outra estratégia de maximização). Quem sabe é por isso que esse
número fez e faz tanto sucesso.
Porém, acho importante falar sobre o princípio da gradação, comen-
tado também na seção 7.4. Seja lá quais forem seus métodos preferidos
para montar sua rotina de Carta Ambiciosa, tenha em mente manter
uma gradação entre cada etapa. Monte a sequência de tal forma que vá
cando cada vez mais e mais impossível executar o fenômeno. Nunca
deixe que uma etapa ser seja mais fraca que a anterior. Sempre intensi-
que sua prova!
Gostaria que você reetisse, leitor, acompanhando o raciocínio que
venho desenvolvendo. Consulte o apêndice A e pense qual fenômeno que
sua rotina de Carta Ambiciosa prova? Transposição ou penetração? Sua
prova está de acordo com isso?

7.2 Armações distorcidas

Seria ótimo se o mágico zesse uma moeda desaparecer de forma que


o espectador pensasse que ela desapareceu dentro de sua própria mão.
Ou então que o espectador acreditasse que ele próprio embaralhou as
cartas, que ele fez a mesa levitar no palco sozinha, que ele pensou em
qualquer carta do baralho. Para conseguir esse efeito, basta usar suges-
tões de imagens, falar coisas falsas de forma a sugerir, psicologicamente,
que elas são verdadeiras.
Armações falsas são aquelas que são completamente falsas, que
armam algo sem uma gota de verdade. Chamo de armações semi-
falsas aquelas que armam uma coisa para que, intencionalmente, se
subentenda outra. São aquelas que armam um fato verídico mas inten-
cionalmente subentendem um conto de fadas. Elas são verdadeiras para
a parte mas mentirosas para o todo.
Porém se você pegar um baralho para fazer um número e disser, no
nal, e o melhor, foi você que embaralhou! sem ter, de fato, deixado
a pessoa embaralhar, ela certamente notará uma irreguliaridade. Não
vai funcionar. Justamente por isso, essa técnica também faz uso de
armações verdadeiras.
Essa estratégia é incrível. Consiste em construir um script para um
número que tenha armações que podem ser verdadeiras ou não. Cons-
74 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

truindo o script com cuidado e escolhendo armações adequadas, o es-


pectador não será capaz de distinguir uma armação verdadeira de uma
falsa, muito menos de uma semifalsa. Como ele vai se lembrar das verda-
deiras, aceita todas como verdadeiras. Juan Tamariz é mestre nisso. Em
vários de seus números de cartomagia, observo que o espectador acha, ou
melhor, jura que embaralhou as cartas. Na verdade, quem embaralhou
foi o próprio Tamariz.
Esse princípio de mesclar armações verdadeiras com armações fal-
sas e semifalsas tem uma virtude ainda maior no longo prazo. O espec-
tador vai contar para outras pessoas o que ocorreu de maneira comple-
tamente deturpada, modicando completamente o número e, 99% das
vezes, intensicando o seu efeito.
Quando eu tinha 13 anos, executei, para minha família, um número
em que uma carta escolhida atravessa uma janela de vidro. Até hoje
uma tia, que estava presente, comenta sobre esse número com as pessoas,
dizendo coisas do tipo o Guilherme falou para eu olhar pra janela, vi
que não tinha nada no vidro, eu dei o baralho pra ele e ele decidiu fazer
isso na hora e eu pensei no dez de paus e quando ele jogou o baralho
no vidro a carta estava do outro lado. Na verdade, nenhum desses fatos
aconteceu. O tempo passou e ela simplesmente não lembra os detalhes
do número.
O uso dessa estratégia permite que a pessoa distorça os fatos para
melhor sem precisar esperar anos, como ocorreu com minha tia.
O próximo exemplo é um número que eu tenho feito bastante, com
excelentes resultados. A ideia de soletrar o nome do espectador e apare-
cer a carta escolhida é bem antiga, mas uso uma apresentação diferente
e uma técnica que, particularmente, nunca vi ninguém usando para esse
propósito. Não subestime esse número. Acredite, é sensacional.

Um Pouco de Você

Efeito: o espectador apenas olha uma carta do baralho e ca pensando


nela. A carta não é tocada por ninguém, nem pelo mágico, nem pelo
espectador. O baralho está na mesa, de face para baixo. O mágico fala
para o espectador pensar no nome dele e embaralhar as cartas enquanto
continua a pensar em seu próprio nome. Quando o espectador estiver
satisfeito com o que fez, o mágico diz a ele Você está apenas pensando
em uma carta, que só você sabe. E ela pode está em qualquer lugar
SEÇÃO 7.2: AFIRMAÇÕES DISTORCIDAS 75

do baralho, até porque você embaralhou as cartas antes e depois! Na


verdade, a posição que ela está depende da forma como você embaralhou.
Mas lembre que quando você embaralhou as cartas, você estava pensando
em seu nome, certo? E isso inuenciou suas ações implicitamente. Eu
quero tentar fazer isso sem tocar em nada e usando um pouco de você.
Soletre seu nome, como se cada carta equivalesse a uma letra. Mas antes,
diga a todos qual é a sua carta, em voz alta. O espectador fala a carta
e começa a soletrar seu nome, passando uma carta a cada letra. Quando
chega na última letra, o mágico pega a carta e diz Na vida, quando nós
temos pensamentos positivos sobre nosso futuro, atingimos nossas metas.
Com as cartas é a mesma coisa. O mágico vira a carta. É justamente
a carta na qual o espectador estava pensando.

Personagens: o mágico e o espectador.


Fenômeno: identicação.
Propósito: mostrar como que o pensamento positivo pode
inuenciar o futuro.

Prova: o espectador pensa em uma carta especíca e embara-


lha todas pensando nela. Quando ele soletra seu próprio nome, a carta
após a última letra é justamente a carta escolhida.

Comentários técnicos: primeiro, lembre de deixar os dois curingas


no baralho. Para executar o efeito, use qualquer técnica que o especta-
dor apenas olhe uma carta, sem ninguém tocar nela, e que você depois
consiga saber qual carta é. Isso é possível por meio de vários métodos,
inclusive alguns tipos de forces em que o espectador não precise tocar
na carta. Eu gosto de usar um peek,6 explicado em detalhes no vídeo
In Action volume 1, do Gregory Wilson. Seguro o baralho na mão es-
querda e, com meu dedo indicador direito, vou passando as cartas até
ele dizer para. Nesse momento, eu estou olhando para trás. Quando o
espectador manda parar, ele memoriza a carta do centro e então eu faço
o peek. Para o espectador, eu estive sempre olhando para trás e não faço
a menor ideia de qual carta ele tem na cabeça. Quando já sei qual é a
carta pensada, entrego as cartas para serem embaralhadas. Quando o
espectador termina de embaralhar, njo ter acabado de lembrar que os
curingas estão no baralho. Pego o baralho e vou passando as cartas em
faixa nas mãos para retirá-los. Durante a ação de retirar os curingas,
uso o Honzer's Spread Cull 7 para secretamente colocar a carta em que

6
Peek ou Glimpse : espiar a carta. Técnica para saber a identidade de uma carta,
sem a plateia notar.
7
Roberto Giobbi, Card College volume 1, página 187.
76 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

o espectador está pensando na posição exata do nome dele.


8 Prontinho.

Para os comentários que seguem carem mais claros, escrevi na des-


crição do efeito umas frases do script. Não deixe de consultar o script
completo que eu uso (página 182).
Vamos analisar algumas armações do script :
• Você está apenas pensando em uma carta, que só você sabe.

Repare que a primeira armação fala uma coisa que é verdade,


mas se refere a outra que é mentira. Quem ouve, acha que a pes-
soa simplesmente pensou na carta, sem nenhuma interferência do
mágico. Veja que o efeito não foi tão justo assim. Se o espectador
simplesmente pensasse em uma carta, seria impossível saber qual é
ela sem usar outros recursos. Sim, o espectador está pensando em
uma carta, mas antes eu z com que ele a visse. Esse fato eu omiti.
Obviamente que quem vê uma coisa, pensa nela! Até o espectador
que sicamente escolheu uma carta, que pegou uma carta com suas
próprias mãos, está, de certa forma, pensando na carta. Assim,
a primeira armação Você está apenas pensando em uma carta
é semifalsa; a segunda, que só você sabe, é verdadeira.

• E ela pode estar em qualquer lugar do baralho, até porque você


embaralhou as cartas antes e depois!

Sim, o espectador embaralhou as cartas antes e depois, mas antes


e depois do quê? Eu não relembro, em momento algum, que parei
uns segundos para retirar os curingas do baralho depois de o es-
pectador ter embaralhado pela segunda vez. Isso é uma armação
semifalsa.

• Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada e usando um pouco
de você.

A primeira armação (Eu quero fazer isso sem tocar em nada)


é falsa: eu acabei de tocar no baralho para separar os curingas!
A segunda armação é verdadeira. Repare que aqui ocorre um
lapso temporal entre o segredo e o efeito (seção 7.3) e um
misdirection temporal (seção 8.2.4).

Vale comentar algo importante: deve estar bem claro para o espec-
tador que a carta está na posição do nome dele, porque ele embaralhou

8
Para saber como descobrir o nome do espectador, veja a seção 7.6
SEÇÃO 7.2: AFIRMAÇÕES DISTORCIDAS 77

as cartas pensando no próprio nome. Cuidado para não parecer que a


carta estava em qualquer posição e, ao estalar os dedos, ela foi para a
posição exata do nome do espectador. Nada contra essa abordagem,
mas é um efeito completamente diferente. Se a abordagem fosse essa,
não faria sentido algum dizer ao espectador para embaralhar as cartas
pensando no próprio nome. Tenha em mente, outra vez, o fenômeno que
está sendo proposto!
Comentei, há alguns parágrafos, que Tamariz usa muito essa téc-
nica. Vale a pena comentar sua abordagem. Quando ele executa algum
número em que o baralho deve iniciar em uma determinada ordem 
usando o princípio da Mnemônica
9 ou seu famoso número Tripla Coin-

cidência por exemplo , geralmente começa com o baralho no sétimo


out-faro.10 Ao sentar à mesa, ele pega o baralho do bolso, tira-o da caixa
e começa a executar um outro out-faro : o oitavo! Mas ele não completa
o embaralhamento. Quando as cartas estão apenas com as extremidades
intercaladas, ele abre o baralho em faixa na mesa e diz ao espectador
Não, não... eu quero que você faça isso. Empurre as cartas assim, pra
ter certeza de que elas estão mesmo sendo misturadas.... O espectador
faz. Ele ainda pede ao espectador para fazer alguns cortes. Como depois
de oito out-faros 52 cartas voltam à posição inicial,
11 Tamariz volta a

ter o baralho exatamente na posição que ele deseja. Antes do clímax,


ele ainda fala: Foi você quem cortou e embaralhou as cartas! Veja
que isso é uma armação verdadeira, seguida de uma armação falsa: o
espectador lembra que cortou o baralho, mas não consegue lembrar que,
na verdade, ele apenas empurrou as cartas. Quem deniu a forma como
elas estariam intercaladas foi o próprio Tamariz. O espectador aceita a
frase como duas armações corretas. Juan Tamariz é um gênio da Arte
Mágica.

9
Juan Tamariz, Sinfonía en Mnemónica Mayor.
10
Se você tiver interesse sobre o embaralhamento faro, consulte Roberto Giobbi,
Card College volume 3. A abordagem do Giobbi é curta e eciente, boa pra inician-
tes. Para informações mais detalhadas, ver o volume 2 do livro que o Stephen Minch
escreveu sobre o trabalho do Alex Elmsley, The Collected Works of Alex Elmsley.
Alex Elmsley teve contribuição valiosa com a técnica faro de se embaralhar cartas,
principalmente no que diz respeito ao cálculo matemático envolvido nesse embara-
lhamento. Ed Marlo, em sua publicação Faro Notes, que é exatamente o capítulo 6
do livro The Revolutionary Card Techinique, uma coletânea de trabalhos do Marlo,
aborda com detalhes o embaralhamento faro e algumas fascinantes aplicações. Vale
ressaltar que aqui no Brasil temos o Rafael Tubino, estudioso do embaralhamento
faro, que inclusive realiza um workshop no assunto.
11
O número de out-faros necessários para fazer o baralho voltar ao normal varia
em função do número de cartas. Para um baralho com 52 cartas, 8 out-faros deixam
a posição das cartas inalteradas.
78 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Além de Tamariz, outros artistas, principalmente mágicos que atuam


no ramo do mentalismo,
12 fazem muito uso dessa técnica. Repare nas

apresentações de Max Maven e de Derren Brown, por exemplo. Eles


fazem armações falsas e semifalsas constantemente.
Comece a usar essa estratégia e você verá como o poder da sua mágica
vai aumentar. Sua plateia vai guardar memórias de verdadeiros mila-
gres. Sabe o que eu falo quando vejo alguém descrevendo um desses
falsos milagres a outras pessoas? Nada. Eu conrmo tudo. Tudo.

7.3 Lapso temporal e intervalo de importância

Vi, uma vez, uma apresentação do mágico Derren Brown, na qual ele
colocou, no canto do palco, um banco com uma banana em cima e disse,
ainda no começo do show, que alguém vestido de gorila entraria a qual-
quer momento para pegar a banana e ninguém perceberia. Passados uns
dez minutos, Derren chamou a atenção para a banana. Não estava mais
lá. Ele pediu à plateia que quem tivesse visto o gorila no palco pegando
a banana levantasse a mão. Ninguém levantou. Foi projetada no telão
a lmagem do show minutos antes: um gorila entrou no palco e pegou
a banana. Ninguém viu. Derren disse que iria fazer novamente. Depois
de uns minutos, deu para ver claramente um gorila entrando no palco.
A plateia grita O gorila! O gorila! O gorila para de andar, e quando
ele tira a máscara,... é o próprio Derren Brown.
Além do incrível domínio da atenção da plateia, Derren conseguiu se-
parar com maestria o momento do segredo do momento do efeito. Quem
vê pela primeira vez não consegue perceber o momento em que ele sai do
palco e se veste de gorila, porque ele desenvolveu o ato propositalmente
nesse sentido: o segredo ocorre antes de a plateia estar preparada para
ele ocorrer.
A plateia sempre acha que o segredo ocorre logo antes do efeito. Para
ela, a causa da mágica  o suposto segredo, o método  antecede em um
intervalo de tempo pequeno a consequência  o fenômeno impossível que
ocorreu, o efeito. Se conseguirmos quebrar essa lógica, podemos despistar
a forma racional de pensar da plateia, e o número ca innitamente mais
forte.
13 Isso é uma grande vantagem!

12
Efeitos de mágica que simulam ser consequência de poderes mentais.
13
Ascanio também usa a técnica de criar um lapso temporal em seus efeitos. Em
seu livro The Structural Conception of Magic , ele chama esse lapso temporal de Pa-
renthesis of Forgetfulness  momento em que o mágico executa outras ações e faz
uso do script para distanciar o segredo do efeito. Esse princípio é também chamado
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 79

Mas para quebrar essa lógica de pensamento, precisamos saber, exa-


tamente, o intervalo de importância de cada número. Intervalo de
importância é o intervalo de tempo em que a plateia consegue associar as
ações ocorridas como causa do efeito, como método. Todas as ações que
o mágico executa dentro do intervalo de importância podem ser entendi-
das pela plateia, errônea ou corretamente, como causa do efeito. Todas
as ações que ocorrem fora do intervalo de importância não são identi-
cadas como causa do efeito. Por sorte dos mágicos, é possível descobrir
exatamente qual é o intervalo de importância de cada número.

Como regra geral, podemos dizer que o intervalo de importância


é aquele que compreende a última vez em que a plateia viu a
situação inicial e a primeira vez que a plateia viu a situação
nal. Em um número no qual uma moeda desaparece, por exemplo,
tudo que ocorre entre a última vez em que a plateia viu a moeda e a
primeira vez que a plateia percebeu sua ausência pode ser interpretado
como causa da desaparição. Esse momento é exatamente o intervalo de
importância do número.

Alguns números possuem a vantagem de ter, naturalmente, um inter-


valo de tempo que separa o segredo do efeito. O espectador não consegue
saber quando ocorreu a causa de determinada consequência, e isso é
ótimo! Em grande parte dos números nos quais isso não ocorre, é possí-
vel reestruturar o número de forma que os movimentos verdadeiramente
correlacionados ao método estejam fora do intervalo de importância.

O número Memória Extraordinária, na página 68, tem a virtude


de o método ocorrer fora do intervalo de importância, de modo que sua
construção não permite ao espectador deduzir o segredo. É impossível o
espectador perceber que, no momento de memorizar a ordem do baralho,
você passou a saber a identidade da carta escolhida. O ato de olhar as
cartas para identicar a carta guia é perfeitamente justicado pelo fenô-
meno de memorização no qual o efeito se baseia. Em outras palavras, o
método utilizado (identicação por meio de uma carta guia) ocorre antes
do fenômeno. Repare que o número Impressão Digital na Carta (pá-
gina 67) não possui essa vantagem. O mágico passa a saber a carta que
o espectador escolheu no mesmo momento em que ele a revela aparente-
mente por sua impressão digital. É possível, porém, repensar o número,
a m de acabar com essa desvantagem ou, pelo menos, diminuí-la. Uma
das formas de se fazer isso é não parar assim que achar a carta escolhida,
ao simular estar procurando pela impressão digital do espectador nas

de time misdirection por mágicos americanos. Ambos os conceitos são exatamente os


mesmos.
80 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

cartas. Desenvolva mais a ação, crie um suspense, crie um drama. Evite


o espectador perceber que havia alguma coisa que sinalizou a você Pare!
Essa é a carta!. Tente deixar o efeito o mais real possível.
Veja este próximo número:

Ring Flight

Efeito: o mágico pede uma aliança emprestada. Em segundos, a aliança


some em sua mão. O mágico pega uma bolsinha de guardar chaves que
estava em seu bolso de trás, fechada por um zíper. Ao abrir a bolsa, em
um dos ganchos para as chaves, está a aliança do espectador!

Personagens: o mágico e outro espectador.


Fenômeno: transposição.
Propósito: demonstração
Prova: uma aliança some e aparece presa em um dos ganchos
de uma bolsinha porta-chaves.
Comentários técnicos: esse número faz parte do repertório da
maioria dos mágicos de close-up. Quando assisti ao show de David Cop-
pereld, ele executou esse número. O segredo é basicamente um reel 
carretel que permite você esticar um o e, ao liberar a tensão, ele é reco-
lhido automaticamente. A bolsinha porta-chaves possui um reel dentro,
em outro compartimento, e um dos ganchos, na verdade, é a extremidade
do o do reel. Para realizar o efeito, o mágico primeiro puxa o gancho
o suciente para que ele que para fora da bolsa, que é fechada quase
totalmente com o zíper e posta no bolso de trás. É bom estar vestido de
blazer ou jaqueta, para que o reel percorra um caminho por dentro da
jaqueta e ninguém perceba por outros ângulos.
Quando algum espectador se oferece para emprestar a aliança, o má-
gico puxa discretamente a ponta do o  o gancho  e ca com ele
secretamente em mãos. Quando ele pega a aliança, prende-a no gancho.
Isso é feito enquanto ele diz algo como Nossa, bonito seu anel. Tem
muito tempo que você usa ele? ou qualquer outra coisa que tire o foco
de suas mãos por um tempo. Quando o o é liberado, o reel puxa a
aliança para dentro da bolsinha, e a impressão é de que a aliança de-
sapareceu. O mágico pega a bolsinha no bolso de trás e abre o zíper.
A plateia vê diversos ganchos com chaves penduradas e apenas um com
um anel pendurado, que é justamente a aliança do espectador.
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 81

Quando a aliança some é exatamente o momento em que o método


ocorre: o reel puxa a aliança. Se for utilizado um lenço para fazer
a aliança sumir, é possível criar um intervalo de tempo que separa o
momento em que o reel puxa a aliança e o momento em que ela some.
Basta deixar um lenço na mão esquerda (se você for destro) e, com a mão
direita, simular botar a aliança no centro do lenço. A mão direita deixa
o reel recolher o o, e a mão esquerda fecha e vira o lenço ao contrário,
deixando a palma da mão para baixo. Nesse momento, o espectador
acredita que a aliança ainda existe. Os dedos da mão esquerda podem
também fazer uma mímica para realçar ainda mais esse fato, como se a
aliança estivesse no meio do lenço. O lenço pode ser posto numa taça de
vinho e pode-se usar um ash paper ou algo parecido para mostrar que
a aliança sumiu.
Com essa abordagem, o espectador dicilmente vai lembrar que a
aliança já havia sumido minutos antes e que nunca entrou em contato
com o lenço.

7.3.1 Forward Time Displacement e Backward Time Dis-


placement

Forward Time Displacement e Backward


Darwin Ortiz utiliza os termos
Time Displacement para as duas únicas possibilidades de separar a causa
(método) da consequência (fenômeno). Todos as formas de se separar
o método do fenômeno podem ser enquadradas em algum desses dois
conceitos.
Forward Time Displacement é quando a causa ocorre antes do inter-
valo de importância, isto é, o intervalo de importância é deslocado para
frente. Backward Time Displacement é quando a causa ocorre depois do
intervalo de importância, isto é, o intervalo de importância é deslocado
para trás. Antes de prosseguir, analise as guras 7.1 e 7.2.
A única diferença entre as guras é o momento em que ocorre a
causa. O leitor deve estar se perguntando como é possível, na gura
7.2, a causa susceder a consequência, já que, em um processo natural, a
causa antecede a consequência. Isso é possível por um motivo apenas:
as guras reportam ao momento em que a plateia acha que o fenômeno
ocorreu. É tudo uma questão de percepção  não importa o momento
em que o fenômeno verdadeiramente ocorreu, mas sim o momento em
que a plateia acha que ocorreu. Esse é o motivo pelo qual, no Backward
Time Displacement, a causa ocorre depois do fenômeno. Na realidade,
a causa do fenômeno ocorre depois de a plateia achar que o fenômeno
ocorreu, marcando o encerramento do intervalo de importância.
82 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Figura 7.1: Forward Time Displacement.

Forward Time Displacement

Última vez em que o Primeira vez em que o


espectador percebeu a espectador percebeu a
situação inicial situação final

Intervalo de importância

Causa Consequência
(ação secreta) (fenômeno)

Linha de tempo (segundos, minutos ou horas)

Forward Time Displacement: a causa ocorre antes do intervalo de


importância. O intervalo de importância é deslocado para frente.
Fonte: elaboração própria.

Tanto no número Memória Extraordinária quanto no número  Ring


Flight , a causa ocorre antes do intervalo de importância: o mágico sabe
a identidade da carta escolhida antes de o espectador achar que ele sabe,
e a aliança não está mais no lenço, antes mesmo de a plateia pensar
que ela desaparecerá. Em ambas as situações, fez-se uso de um Forward
Time Displacement.
Um outro exemplo de Forward Time Displacement é o número de
desaparição de uma gaiola de pombos, conhecida também pelo nome
Super Star . O mágico cobre uma gaiola que abriga diversos pombos
com um lenço. Com o lenço por cima da gaiola, o mágico a ergue até a
altura de sua cabeça e solta tudo ao ar. A gaiola desaparece em pleno
ar, e apenas o lenço cai de volta em suas mãos. O segredo desse número
é que na verdade a gaiola nunca esteve em baixo do lenço. Quando
o mágico cobre a gaiola com o lenço, sua estrutura se dobra em um
compartimento secreto no topo da mesa, ou tripé. O formato de uma
gaiola que a plateia enxerga em baixo do lenço é, na verdade, apenas
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 83

Figura 7.2: Backward Time Displacement.

Backward Time Displacement

Última vez em que o Primeira vez em que o


espectador percebeu a espectador percebeu a
situação inicial situação final

Intervalo de importância

Consequência Causa
(fenômeno) (ação secreta)

Linha de tempo (segundos, minutos ou horas)

Backward Time Displacement: a causa ocorre depois do intervalo de


importância. O intervalo de importância é deslocado para trás.
Fonte: elaboração própria.

uma leve estrutura rígida que está embutida no interior do tecido do


lenço. Quando o mágico aparentemente lança a gaiola ao ar, o que ele
está fazendo é apenas lançando o lenço, pois a gaiola nunca saiu de cima
da mesa. A plateia sempre vai procurar uma explicação de como a gaiola
desapareceu em pleno ar e jamais suspeitará da mesa na qual a gaiola
estava em cima. Uma ideia genial, não?

Exemplos práticos de Backward Time Displacement são menos co-


muns, porém igualmente ecazes. Grande parte dos números de men-
talismo fazem uso dessa técnica. Veja um exemplo bastante conhecido:
84 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Número Pensado

Efeito: o mágico diz ao espectador que vai tentar ler um pensamento dele.
Pede, então, que o espectador pense em um número qualquer, entre 0 e
1000. O mágico diz ter captado a informação e escreve o número em um
papel. Quando o espectador revela o número escolhido, é exatamente o
número escrito!

Personagens: o mágico e um espectador.


Fenômeno: leitura de pensamento.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico escreve em papel um número pensado pelo
espectador.
Comentários técnicos: esse número pode ser executado de diversas
formas. Uma das mais fáceis e ecientes é usar um equipamento chamado
Thumb Writer 14  uma espécie de lápis que ca xo no polegar de uma
das mãos. Com um Thumb Writer, é possível escrever coisas curtas em
um papel sem que ninguém perceba, pois apenas o polegar se movimenta.
Para executar o efeito, o mágico primeiro pede ao espectador para
pensar em um número qualquer entre 0 e 1000. Agora, é tudo uma
questão de atuação. Com um lápis, o mágico apenas simula escrever
o número em uma folha de papel. Na verdade, a folha permanece em
branco. Feito isso, o lápis é deixado sobre a mesa, de forma que a plateia
pense que não é mais possível escrever nada no papel. Depois que o
espectador diz o número pensado, o mágico o escreve no papel com o
Thumb Writer, que está em seu polegar. O papel é mostrado à plateia,
conrmando que o mágico leu a mente do espectador.
Apesar de ser uma mecânica simples, é um número que exige um
cuidado especial em sua apresentação. Não deixe de dar atenção à psico-
logia que o número exige: quando o mágico escreve no papel o número,
a plateia deve realmente acreditar que o mágico já está ciente do nú-
mero pensado. É como se o mágico estivesse escrevendo apenas para
provar que ele realmente sabe o número pensado. Ao pedir ao especta-
dor para revelar o número, o mágico diz Diga a todos, bem alto, qual
foi o número que você pensou,  como se o espectador devesse revelar
à plateia o número pensado e não ao mágico, pois ele, teoricamente, já
sabia. É como se o fato de o mágico ouvir o espectador contar à plateia

14
Os termos Nail Writer, Thumb Writer e Swami Writer se referem a pequenas
modicações de um mesmo equipamento. O conceito é exatamente o mesmo.
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 85

o número em que pensou fosse totalmente irrelevante. Na verdade, é o


que garante que a mágica funcione. É muito importante compreender a
relevância desses pequenos detalhes antes de apresentar o número, pois
são eles que geram toda a ilusão. Acompanhe o script completo desse nú-
mero na página 180 e observe as palavras utilizadas. Esse número pode
ser um fracasso ou um milagre, tudo depende de como será apresentado.
Há diversas outras variações desse método. A empresa americana de
equipamentos mágicos Magic Smith criou a versão Super Sharpie, que é,
basicamente, a mesma ideia mas o equipamento permite que o número
seja escrito em tinta e não apenas em grate. Dessa forma, o mágico
pode fazer sua previsão usando uma caneta permanente e não um lápis.
É uma pequena modicação, mas reforça bastante a prova do fenômeno.

Número Pensado é um perfeito exemplo do uso de Backward Time


Displacement. O mágico diz já saber o número no qual o espectador pen-
sou. Na verdade é um blefe, pois ele só ca sabendo o número pensado
depois que o espectador mesmo conta! Somente aí o mágico vai, verda-
deiramente, escrever o número no papel. É, portanto, um caso em que
o método ocorre depois do fenômeno; o mágico escreve no papel após
o espectador achar que o número já tinha sido previsto. Ao analisar a
gura 7.2, não é difícil perceber que o intervalo de importância desse nú-
mero termina quando o espectador acredita que o número já foi escrito
no papel e o lápis está sobre a mesa. A partir desse momento, a pla-
teia não dá mais atenção ao que o mágico faz com o papel, propiciando
um momento perfeito para o número ser escrito com o Thumb Writer
segundos depois.
Apesar de menos frequente que o uso do Forward Time Displace-
ment, a técnica do Backward Time Displacement é também bastante
ecaz e depende bastante da capacidade do mágico de atuar. A plateia
precisa estar convencida de que o fenômeno já ocorreu, mesmo que não
seja verdade. A partir de então, cria-se um momento adequado para a
verdadeira realização do método, do qual a plateia jamais suspeitará.

7.3.2 Ausência do lapso temporal


Quando não há um lapso temporal a separar a causa do efeito, estamos
tratando de uma situação em que o método ocorre exatamente no inter-
valo de importância. Existem excelentes números nos quais o método
ocorre durante esse intervalo. Isso não signica que esses números são
ruins. Efeitos visuais, como color changes e aparições/desaparições ins-
86 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

tantâneas geralmente não possuem lapso temporal algum. Em alguns


casos, porém, isso pode ser um tanto grave.

Em um exemplo simples, suponha que você pegue uma moeda com a


mão direita e faça um falso depósito simulando que a moeda foi posta na
mão esquerda. Se logo em seguida você abrir a mão esquerda para mos-
trar que ela desapareceu, a plateia vai conseguir associar o movimento
do falso depósito ao efeito, o desaparecimento da moeda. Isso ocorre
porque o falso depósito ocorreu no intervalo de importância, e é o típico
problema de um número mal estruturado. Por outro lado, na clás-
sica rotina de desaparecer uma gaiola de passarinho, o mágico segura
com as duas mãos uma gaiola de metal e, de repente, PAF! A gaiola
some. Nesse caso, o segredo para a gaiola sumir ocorreu exatamente no
momento em que a gaiola sumiu. O método, geralmente alguma espécie
de reel, ocorre exatamente no intervalo de importância.
Por que em ambos os números, o método ocorre no intervalo de im-
portância e apenas o número da desaparição da moeda está mal estru-
turado? Bem, para responder essa pergunta, terei de ser mais detalhista
quanto à estrutura de um número. A seção 8.4 aborda exatamente esse
assunto e continua o contraponto entre o número da desaparição da gai-
ola e o número da desaparição da moeda.

7.4 Gradação de interesse e Clímax

Interesse é o nível de atenção da plateia no que o mágico faz. A aten-


ção que a plateia devota ao ato mágico é função de diversos fatores: os
fenômenos que os números propõem, a credibilidade da prova, os equi-
pamentos utilizados, o tom de voz do mágico, a interatividade com a
plateia, a linguagem corporal e as expressões faciais do mágico, suas
movimentações em cena, etc. É sempre preciso ter em mente que o in-
teresse da plateia em algo é altamente efêmero. Pela regra geral, tudo
que passa a ser monótono perde interesse,
15 e a plateia sempre deve ter

um interesse crescente na performance do mágico, tal como mostra a


gura 7.3.

O clímax é o momento mais forte do número. É o momento de êxtase,


em que a plateia se encanta e eleva seu interesse. Mas nem todo fenômeno
impossível que ocorre em um número é um clímax. O espectador pode
não elevar seu interesse se o mágico for incapaz de criar uma condição

15
A monotonicidade será estudada mais adiante (no nal da seção 8.1.2) como uma
das técnicas não mecânicas de ganhar e perder atenção da plateia.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 87

Figura 7.3: Análise do nível de interesse.

O ideal é gerar uma tendência crescente do interesse ao longo do tempo


de performance: quando o tempo de performance aumenta, o interesse
também aumenta. O tempo de performance pode ser um número de 3
minutos, um número de 10 minutos ou até mesmo um show de uma
hora.
Fonte: elaboração própria.

para que isso ocorra. Todo número possui, ou deveria possuir, um ou


mais momentos de clímax. Veja a gura 7.4.

Um ato de mágica é, por denição, a realização de fenômenos im-


possíveis. Porém, a plateia sozinha não é capaz de distinguir o grau
de importância entre esses fenômenos, porque não consegue hierarquizar
uma sequência de fenômenos.Isso não seria problema algum se o sucesso
de um ato não dependesse da gradação crescente de interesse. É papel
unicamente do mágico criar o momento de clímax e estabelecer
uma gradação de importância em suas ações.
Essa análise pode ser feita em uma perspectiva interna e por uma
perspectiva externa. Na perspectiva interna, a análise se limita ao nú-
mero de mágica, enquanto que na perspectiva externa, a análise é mais
ampla, porque contempla o show como um todo. Na maioria das vezes,
88 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Figura 7.4: Pontos de clímax e o nível de interesse.

Repare como o interesse deve seguir ao longo de uma tendência


crescente. Inevitavelmente, há momentos de menor interesse e de
maior interesse (clímax), mas a tendência de inclinação da curva deve
ser sempre ascendente.
Fonte: elaboração própria.

é priorizada apenas a perspectiva interna, e isso é um grave erro. É


de extrema importância não apenas que um número em si desperte um
interesse crescente, mas que o show, como um todo, também o faça.
A plateia nunca deve diminuir seu interesse pelo o que o mágico faz.
16

Um erro frequentemente cometido quando se menospreza a perspectiva


externa do interesse é começar o show com um número fortíssimo, de alto
impacto. Incluir o número mais forte do show logo no início não é uma
estratégia muito inteligente, pois seria muito difícil, quase impossível,
evitar que o interesse da plateia decresça ao longo do show. A gura 7.5
mostra esse problema.
O ideal é que o primeiro número seja interessante o suciente para

16
Existe uma excessão para essa regra. Na seção 8.1.2, serão discutidas aplicações
e também os perigos do uso proposital da queda de interesse com o intuito de se
executar um movimento secreto.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 89

Figura 7.5: Formato não desejado da curva de interesse.

Quando o número de abertura é muito impactante, o clímax é muito


forte e se sobrepõe aos clímaxes dos próximos números. Atingir um
patamar de interesse alto como o ponto A logo de início torna difícil
mantê-lo. Caso os números subsequentes não sejam impactantes o
suciente, o interesse cairá até o ponto B. Será necessário um intervalo
de tempo considerável até atingir novamente o nível inicial de interesse,
o ponto C.
Fonte: elaboração própria.

prender a atenção dos espectadores e necessário para estabelecer a em-


patia entre o mágico e a plateia, para assim garantir a credibilidade do
mágico. Seu impacto não deve ser forte o bastante a ponto de compro-
meter o interesse pelos próximos números.

Como foi dito no primeiro parágrafo, o momento em que algo im-


possível ocorre pode não ser um clímax do número. Com frequência,
isso pode ser proposital, como vai ser discutido mais adiante. O pro-
blema é que há números que são apresentados sem clímax algum, o que
é um grave erro. Um número sem clímax perde o cerne de sua existên-
cia. É exatamente o caso descrito na seção 5.1, em que o mágico carece
de acreditar em suas próprias ações e apresenta um número de mágica
90 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

como se fosse algo trivial. Para que o clímax exista, não basta apenas
executar algo impossível. O mágico deve preparar o terreno e estabelecer
condições que o viabilizam.

Para explicar melhor o que estou querendo dizer, vamos analisar al-
guns dos números utilizados como exemplo até então:

1. A Mágica da Vida (página 65)


Veja que essa rotina com bolas de espuma possui mais de um clímax. O
principal, entretanto, é a aparição da terceira bola na mão do espectador.
A rotina foi construída respeitando o princípio da gradação, de forma que
cada fenômeno é mais forte que o anterior. Esquematicamente:

Uma bola aparece quando se queima o papel V a bola é dividida em


duas V as bolas são postas em mãos separadas e acabam cando juntas
(CLÍMAX!) V uma das bolas aparece na dobra do braço do espectador
V uma bola atravessa a mão do espectador (CLÍMAX!)V aparece uma
terceira bola na mão do espectador, que estava fechada(CLÍMAX!).

Como já disse, os fenômenos por si sós, não possuem uma ordem


hierárquica. Cabe ao mágico intensicar seu próprio interesse ao longo
da rotina, de forma a fazer o espectador perceber que cada etapa é mais
importante que a anterior, até atingir o clímax nal. O espectador só
vai sentir um interesse crescente na rotina se o mágico demons-
trar, por meio de sua apresentação, que as etapas estão cando cada
vez mais intensas. O espectador não entenderá que há três clímax se o
mágico não atuar para mostrar esse propósito.

Nesse caso, a forma pela qual o mágico demonstra seu interesse é


essencialmente por meio de seu tom de voz, de sua expressão facial e
de sua linguagem corporal. Quando executo o número, momentos antes
de o espectador abrir a mão e descobrir que existe uma terceira bola na
mão dele, eu começo a falar com pausa menor entre as palavras, minha
sobrancelha se eleva, meu olho ca mais aberto e toda a minha linguagem
corporal transfere interesse na mão do espectador, fechada. Quando o
espectador abre as mãos, o clímax é forte e o impacto é imensamente
maior.

Se você leu o script da rotina na página 170, deve ter reparado que
existe um momento em que o mágico falha ao tentar teletransportar
uma bola de sua mão para a mão do espectador. Isso é claramente uma
etapa mais fraca que a anterior, mas é justicada pelo fato de criar um
momento de tensão e de consecutivo relaxamento, necessário para, logo
em seguida, colocar a bola na dobra do braço do espectador, sem que
esse perceba. Essa técnica de tensão e relaxamento será discutida em
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 91

detalhes na seção 8.1.2.

2. Impressão Digital na Carta (página 67)


Esse número possui um único clímax: a descoberta da identidade da
carta. Apesar de ser um efeito bastante simples, cabe ao mágico inten-
sicar o clímax de forma que o efeito se intensique. Juan Tamariz é
um perfeito exemplo de como pegar um número simples de cartomagia
e intensicá-lo, gerando um clímax maior que o comum.

3. Memória Extraordinária (página 68)


Esse também é um caso em que há apenas um único clímax, que é a
descoberta da carta no nal. Esse número é um exemplo ótimo de como
a plateia pode facilmente perder o interesse por um número. O momento
em que você simula memorizar a sequência das cartas é extremamente
monótono para a plateia. Cabe a você modicar a apresentação e tornar
o momento mais interessante. Vale dizer que esse é um ótimo exercício.
Tente executar o número para alguém e note se a apresentação cou
monótona ou se as pessoas continuaram com interesse pelo que você
estava fazendo. Se notou uma queda brusca no interesse, é necessário
mudar a estratégia de apresentação.

4. Carta Ambiciosa (página 71)


Esse número possui vários momentos de clímax. Cada vez que a carta
é colocada no centro do baralho e sobe ao topo é um clímax diferente.
O mágico deve desenvolver uma apresentação na qual sua conduta em
cena demonstre um interesse cada vez maior nas etapas que estão por vir.
Como o fenômeno é sempre o mesmo (transposição), uma das estratégias
mais utilizadas é a intensicação do nível de diculdade. À medida que
a prova do fenômeno vai cando mais difícil, a plateia vai cando mais
interessada no número. O fato de, na etapa nal, a carta ser posta
abaulada no meio do baralho comprova isso. Veja a sequência das etapas
de uma rotina geral:

Uma carta assinada é posta no centro do baralho e sobe para o topo


(CLÍMAX!) V novamente ela é posta no centro e sobe para o topo
(CLÍMAX!)V agora o próprio espectador a coloca no centro e ela sobe
para topo (CLÍMAX!) V o mágico bota ela virada, de face para cima, no
centro e ela sobe para o topo (CLÍMAX!)V o mágico dobra a carta para
que ela que abaulada e, mesmo assim, ela sobe ao topo (CLÍMAX!).
92 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

5. Ring Flight (página 80)


São dois pontos fortes nessa rotina: o primeiro é o momento em que a
aliança desaparece, e o segundo é o momento em que ela aparece dentro
do porta chaves. A rotina pode ser apresentada de duas formas: com dois
ou com um único clímax. No primeiro caso, o mágico desperta interesse
no fato de a aliança ter desaparecido, como se isso fosse por si só um
número de mágica. Momento depois, ele abre a bolsinha de guardar
chaves e mostra que a aliança apareceu presa em um dos ganchos. O
segundo caso é quando o mágico faz a aliança sumir sem dar muita
importância a esse fato e, logo em seguida, mostra que ela está dentro
da bolsinha, sendo esse o clímax nal.

Note que tudo depende da forma como a apresentação foi desenvol-


vida e como o mágico se comporta.

6. A Vida, As Cartas (página 105)


Como se pode perceber ao ler o script na página 174, o número foi
construído de forma que o primeiro efeito  a carta que está na mesa
(o passado) é a carta gêmea da carta escolhida (o presente)  não seja
um clímax forte da rotina. O clímax principal é a parte nal do número,
quando se revela a última carta que completa a quadra. Isso é verdade
devido às palavras ditas pelo mágico, as quais que deixam evidente a
importância maior da parte nal do número.

7. Os Covilhetes (página 95)


Na rotina simples apresentada, existem três clímax, de igual impacto.
O mágico deve apresentar a rotina como se cada etapa fosse, de fato,
mais difícil que a passada. Obviamente que nas versões mais elaboradas
desse número, o clímax nal não é esse, mas sim, a aparição dos nal
loads, bolas gigantes ou qualquer outro objeto diferente como frutas,
água, areia e até mesmo pequenos animais.

Em casos excepcionais, um número pode ter dois efeitos, que aconte-


cem de uma só vez. Nesse caso, há um clímax duplo, e o espectador não
consegue absorver com exatidão os dois efeitos, e um deles se perde. A
solução, então, é fazer um esforço para separar os dois efeitos, mesmo que
seja por poucos segundos, de forma que a plateia seja capaz de desfrutar
dos dois momentos de clímax, em vez, de um apenas. Veja o próximo
número.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 93

Triunfo

Efeito: o espectador escolhe uma carta do baralho e a devolve no meio,


de modo que ela que perdida entre as demais. O mágico separa o
baralho em duas partes, uma com a face para cima e a outra com a face
para baixo. Essas duas partes são embaralhadas no estilo americano. O
espectador vê claramente que o baralho está todo bagunçado, com cartas
de face para cima e outras, de face para baixo. Quando o mágico estala
os dedos, o baralho todo volta a car em ordem, com exceção de uma
carta: a escolhida pelo espectador.

Personagens: o mágico e um espectador.


Fenômeno: restauração / ação e reação harmônicas.
Propósito: mostrar que existe uma sincronia entre a mão do
espectador e as cartas do baralho.
Prova: após o baralho ter sido misturado com cartas com face
para cima e cartas com face para baixo, ele volta a car em ordem.
Comentários técnicos: esse número é um clássico da cartomagia.
Foi criado por Dai Vernon e recebeu o nome Triumph por utilizar o
Triumph Shue , método de embaralhar as cartas em falso inventado
por Vernon. A primeira publicação desse número foi em 1946, no edital
Stars of Magic,17 série 2, número 1. Com o passar dos anos, diversas
variações foram criadas para o método de embaralhar as cartas com face
para cima e cartas com face para baixo. Há, basicamente, três formas
de executar esse embaralhamento:

1. Simular o embaralhamento: na realidade, as cartas não são emba-


ralhadas. O que garante a ilusão de que um monte possui apenas
cartas face para cima e o outro possui apenas cartas face para baixo
são apenas as cartas da boca ou do topo, que estão alternadas. O
resto das cartas, porém, estão todas na mesma ordem. Um modo
bastante comum de executar o efeito dessa forma é usando o Tenkai
Optical Revolve . Outra forma é usando o Zarrow Shue .18
2. Embaralhar as cartas parcialmente: o mágico embaralha as cartas,
mas não as enquadra completamente. Dessa forma, é possível se-
parar as cartas com face para cima das cartas com face para baixo,

17
Stars of Magic era uma série que publicava manuscritos dos mágicos mais famosos
na categoria close-up entre 1940 e 1950. Hoje, os direitos autorais dos manuscritos
estão nas mãos do mágico norte-americano Meir Yedid.
18
Embaralhamento criado por volta de 1940 pelo mágico Herb Zarrow, encontrado
em detalhes no volume 3 do livro Card College, do Roberto Giobbi.
94 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

voltando à posição inicial. Essa é justamente a ideia original do


Triumph Shue publicado por Dai Vernon. Michael Ammar ex-
plica com detalhes esse método no volume 1 de sua série de vídeos
Easy to Master Card Miracles. Outra forma de se fazer isso é
por meio do Pull-Through Shue .
19 Reza a lenda que esse era

o método que Vernon realmente usava. Esse método é um tanto


mais complicado de se executar que o Triumph Shue. O mágico
espanhol Dani DaOrtiz também faz uso de um embaralhamento
parcial de cartas para executar esse efeito. Vale a pena conferir a
genialidade do método usado por DaOrtiz.
20

3. Embaralhar as cartas completamente: esses métodos são os mais


difíceis e, por isso, os mais raros. O baralho é realmente embara-
lhado com cartas face para cima e com cartas face para baixo e volta
a car em ordem. Kostya Kimlat publicou o Culligula Triumph,
que utiliza um método criado por ele chamado Roadrunner Cull,
uma forma mais avançada de se executar o cull. Outro método
para essa terceira forma é o utilizado por Pit Hartling em seu nú-
mero Master of the Mess,21 na verdade uma aplicação fantástica
do embaralhamento faro. Se você tiver a oportunidade de assis-
tir a esses dois números, repare que o Culligula Triumph é quase
que instantâneo, enquanto que o Master of the Mess exige uma
apresentação mais longa.

Além de variações no método, existem também diversas variações


no efeito Triunfo. Vale a pena ver a fantástica aplicação do Joshua
Jay em seu número Trumped Triumph , publicado no volume 3 de
sua série de videos Close-up Up Close.

Veja que, teoricamente, ocorrem dois efeitos simultâneos: o baralho in-


teiro volta a car de face para cima e uma única carta ca de face para
baixo. Se o baralho for aberto em faixa na mesa, o espectador não di-
ferencia os dois efeitos. A solução, então, é coordenar os movimentos
e as falas: Se eu estalar os dedos, o baralho inteiro volta a car em

19
Uma explicação detalhada do Pull-Through Shue pode ser encontrada no livro
Card College volume 3, do Roberto Giobbi.
20
A versão de Dani DaOrtiz chama-se Trinfo en Abanico.
21
Esse número está no livro Card Fictions , em inglês; ou Cartocciones, em es-
panhol. É um dos melhores livros de cartomagia que já li até hoje. Simplesmente
fantástico.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 95

ordem (...). Nesse momento, o baralho é aberto em faixa na mesa até


a metade, aproximadamente, de forma que a plateia não perceba ainda
a carta que está de face para baixo. Espere a plateia apreciar esse mo-
mento. E em seguida prossiga espalhando as cartas dizendo (...)ops,
por exceção de uma! Por exceção de uma! Qual foi sua carta?. Dessa
forma, o espectador consegue distinguir os dois efeitos, e o impacto ca
mais forte.
Certique-se de que os momentos de clímax estejam corretamente
denidos e que tanto os números individuais quanto o show por completo
estejam estruturados para manter um interesse crescente. Isso é uma
forte estratégia de maximização!

O excesso no impacto

Às vezes, tentar aumentar o impacto de um número acrescentando mais


etapas (clímax adicional) pode ser um desastre. Para explicar melhor
uma forma simples pela qual isso pode ocorrer, darei o exemplo do nú-
mero Os Covilhetes , nome em português para o clássico Cups and Balls.
O leitor provavelmente já sabe, mas seria negligência minha não aler-
tar: existem várias versões belíssimas do Cups and Balls.22 Diversos
mágicos já foram premiados, alguns inclusive no FISM, com rotinas de
Cups and Balls extraordinárias. Neste livro, não vou discutir a mecâ-
nica do número, nem a melhor forma de executá-lo. Aliás, escolhi a mais
simples. Meu propósito ao usar Os Covilhetes como exemplo é ape-
nas apontar um erro muito frequente. Caso você tenha interesse em se
aprofundar nesse número, que, particularmente, acho fascinante, compre
o livro ou os dois volumes de DVDs de Michael Ammar The Complete
Cups and Balls . Ammar cobre o assunto com bastante profundidade.

Os Covilhetes

Efeito: o mágico mostra à plateia três copos e três bolinhas. Coloca


uma das bolinhas em cima de um copo e os outros dois copos por cima,
cobrindo a bolinha e formando uma torre com os três copos. Quando
ele levanta os copos, mostra que a bolinha atravessou o primeiro copo
e já está na mesa. O mágico cobre essa bolinha com um copo e coloca

22
Dai Vernon, Johnny Ace Palmer, Jason Latimer, Tim Ellis, Ferenc Galambos,
Michael Ammar, David Williamson, Tommy Wonder, Gazzo, etc.
96 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

a segunda bolinha em cima. Com os outros dois copos, o mágico cobre


novamente a segunda bolinha. Quando levanta os copos, ele mostra que
a segunda bolinha também atravessou o copo, juntando-se à primeira.
Finalmente, o mágico cobre a primeira e a segunda bolinha com um copo
e coloca a terceira bolinha por cima. Com os outros dois copos, ele cobre
a terceira bolinha e, quando levanta os copos, ele mostra que todas as
três bolinhas estão na mesa.

Personagens: o mágico.
Fenômeno: penetração.
Propósito: demonstração.
Prova: três bolas atravessam o fundo de um copo.
Comentários técnicos: como disse, essa é uma versão bem simples
entre muitas outras que essa rotina oferece. Eu até já vi esse número
à venda em kits de mágica para crianças. Por isso, não vou descrever
passo à passo o procedimento mecânico, pois isso ocuparia tempo des-
necessário. Basta saber que, na verdade, são utilizadas quatro bolas, e
o mágico as manipula de forma que a plateia sempre vê três. Nessa ver-
são simplicada do Cups and Balls, não é preciso nenhuma transferência
falsa, nenhuma varinha mágica e nenhuma das várias técnicas utilizadas
em outras versões mais complexas do número.

Voltemos à questão de exceder o impacto mágico. Eu já vi um mágico


estalar os dedos no nal do número e mostrar que uma quarta bola
magicamente apareceu. Essa é, obviamente, a bola extra que o mágico
escondeu o tempo todo. A ideia é terminar o número limpo: em vez de
ter que esconder a quarta bola no nal, faz dela um impacto extra na
rotina e aproveita para entregar tudo ao exame da plateia.

Acredito que não é preciso pensar muito para entender que esse nal
é completamente inconsistente com o número. Quando a quarta bola
aparece, o espectador não sabe de onde ela veio. Ok. Mas ele sabe que
você tinha uma quarta bola escondida o tempo inteiro e, por isso, foi
criada a ilusão de que as bolas atravessaram os copos. Mostrar a quarta
bola no nal é destruir todo o efeito do que foi apresentado. Deveria
parecer óbvio.

Se o mágico não analisar o efeito psicológico por trás do número, para


ele esse nal é um impacto adicional, positivo. E, na verdade, não é. É
exatamente o contrário!
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 97

Vejamos outro exemplo. Suponha uma rotina de magia infantil em


que o mágico pega um coelho, coloca-o em uma caixa anteriormente mos-
trada vazia e a cobre com um lenço. Quando o mágico retira o lenço, o
coelho se transformou em uma pomba. Para o espectador, o fenômeno
que ocorreu é transformação. Mas o que ocorreria caso o mágico, na
tentativa de tornar o número mais impactante, mostrasse que o coelho
se transformou em uma pomba e, logo em seguida, com um passe de
mágica, mostrasse que o coelho apareceu novamente? Não é difícil per-
ceber que o efeito mágico gerado pela transformação do coelho em uma
pomba foi completamente destruído. A plateia agora sabe que ele tinha
dois animais  um coelho e uma pomba  e, com alguma aparelhagem,
conseguiu esconder um e mostrar o outro. Não existe mágica nenhuma
nisso. Mesmo que a plateia não saiba como a aparelhagem funciona, ela
sabe que havia dois animais desde o início, e o fenômeno da transforma-
ção vai por água abaixo.

Esses dois exemplos são, propositalmente, bem simples. Com o mí-


nimo de estudo teórico da Arte Mágica, eles não aconteceriam. Existem,
porém, situações em que detectar a falha de superexceder um efeito
mágico é um tanto mais difícil. Vou dar dois exemplos, ambos de carto-
magia, nos quais a linha que separa um limite aceitável de uma incon-
sistência é bem tênue.

O primeiro exemplo trata do Baralho Rádio , ou Svengalli Deck .23


Existem vários efeitos possíveis com o Baralho Rádio. Um dos menos
inteligentes, e infelizmente dos mais utilizados, é simular uma rotina de
Carta Ambiciosa  sem o espectador assinar a carta escolhida  e,
no nal, mostrar que todas as cartas se transformaram na carta esco-
lhida. Por que? Bem, se o espectador acabou de presenciar que a carta
escolhida, por exemplo um ás de espadas, vai sempre para o topo, não
faz sentido nenhum o baralho inteiro ser ás de espadas. É como fazer a
famosa rotina cômica de Carta Ambiciosa do Gregory Wilson,
24 que

utiliza um baralho inteiramente branco. Não estou dizendo que um leigo


não vai gostar do nal do número. Claro que vai! Ele nunca viu um
baralho todo de ás de espadas; isso é novidade para ele. Porém, a pri-
meira sequência de efeitos, a Carta Ambiciosa, seria completamente

23
Baralho muito vendido em kits de mágica para crianças. É composto de 26 cartas
diferentes e 26 cartas iguais. Vamos supor que as cartas iguais sejam todas ás de es-
padas. Todos os ases de espadas possuem a borda superior cortada milimetricamente
menor que as demais cartas, de forma que, ao abrir as cartas em cascata, é possível
mostrar o baralho inteiro com cartas diferentes ou, caso mude a posição do baralho,
mostrar o baralho inteiro formado por ases de espadas.
24
Point Blank, encontrado no vídeo Pyrotechnic Pasteboards.
98 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

destruída.
Vi, uma vez, uma rotina de cartomagia que enganou meu raciocínio
completamente. Não tive ideia de como foi possível executar certas partes
da rotina. Quando fui ver o segredo, o mágico usou, em uma parte da
rotina, um Baralho Rádio. Mas ele foi esperto: em momento algum
ele mostrou o que os mágicos mais conhecem do Baralho Rádio, que
é o baralho inteiro car da mesma carta. Esse mágico usou o Baralho
Rádio para outro propósito e conseguiu despistar, inclusive, os mágicos.
O segundo exemplo é uma rotina composta por dois números de
cartomagia executados consecutivamente. A rotina pode ser descrita da
seguinte forma: o mágico entra em cena com um baralho, executa o
número da Carta Ambiciosa , e, como clímax nal, executa o número
Carta no Teto.
Segue abaixo o número Carta no Teto, em uma situação na qual é
apresentada de forma independente:

Carta no Teto

Efeito: o mágico diz que quer deixar uma marca permanente no local do
show. Para isso, pede ao espectador para escolher uma carta do baralho
e assinar seu nome na face. A carta é posta claramente no centro do
baralho, e o baralho é posto nas mãos do espectador. O mágico mostra
um elástico de prender dinheiro e o entrega para exames. O elástico
é usado para amarrar o baralho, de forma que todas as cartas quem
presas. O mágico pega o baralho e o lança para cima, até atingir o
teto. O baralho todo cai, mas uma carta ca pregada no teto: a carta
assinada.

Personagens: o mágico e um espectador.


Fenômeno: atração e penetração.
Propósito: deixar uma marca permanente no local do show.
Prova: o mágico lança no teto um baralho que está com uma
carta assinada no centro. O baralho cai, mas a carta ca pregada no
teto.
Comentários técnicos: a carta assinada deve ser controlada para o
topo do baralho. Os métodos mais diretos são um double lift, simulando
que a carta está indo no meio do baralho, ou então um controle de ordem,
como expliquei na página 72. Repare que, para esse número ter sucesso,
SEÇÃO 7.5: SURPRESA ANTECIPADA 99

é preciso que as pessoas acreditem que a carta realmente está no centro,


motivo pelo qual eu recomendo um controle de ordem ou então um double
lift ou top change. Qualquer dúvida a respeito deste fato compromete
o impacto do número: a plateia pode não saber exatamente como a
carta cou presa no teto, mas vai saber que ela já estava no topo. O
método utilizado para fazer a carta grudar no teto já é conhecido pela
grande maioria dos mágicos. Vou me abster de comentar sobre isso, para
podermos seguir para um assunto mais importante.

Como já foi comentado, o número Carta Ambiciosa possui, como


efeito básico, uma carta assinada, que é posta no meio e sempre aparece
no topo do baralho, provando, na maioria das vezes, o fenômento da
transposição. Veja que, depois das várias fases da rotina, o espectador
está convencido de que a carta sobe realmente para o topo do baralho a
seu comando.
É justamente por isso que sou contra a execução do número Carta no
Teto como etapa nal do número Carta Ambiciosa. Ora, se o especta-
dor testemunhou a carta indo para o topo várias vezes consecutivas, vai
ter todos os motivos para supor que a carta cou presa no teto porque
já estava no topo antes! E isso é o bastante para comprometer todo o
sucesso do número. As pessoas podem não saber exatamente como a
carta cou grudada no teto, mas saberão, com certeza, que ela cou no
teto porque estava já no topo do baralho.
Compreendo que a escolha da execução do número Carta no Teto
como etapa nal da Carta Ambiciosa é feita com o intuito de dizer à
plateia algo como: A carta sobe tanto, que pode ir inclusive para teto.
Os mágicos que o executam com esse objetivo fazem com a melhor das
intenções, mas estão estragando o clímax da Carta no Teto sem ter
consciência disso. Sim, os dois números são excelentes. Porém não devem
ser apresentados nessa ordem. Os efeitos psicológico deles não são
compatíveis.

7.5 Surpresa antecipada

Grande parte dos números de mágica são construídos para causar sur-
presa à plateia. A ideia comum é que um fato inesperado gere um im-
pacto maior no número.
Vou dizer uma coisa que contradiz o que você deve já deve ter ouvido.
Aprendi por experiência própria, resultados puramente empíricos: a pla-
100 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

teia não gosta de surpresas. Para ser mais preciso, ela não consegue
absorver uma surpresa.

Quando um efeito ocorre de forma completamente inesperada, é como


um choque para a plateia e, muitas vezes, ela não consegue absorver exa-
tamente o que está acontecendo. É claro que algo inesperado possui um
apelo innitamente maior que algo totalmente esperado. Porém, depen-
dendo do quão inesperado for o fenômeno, é muito provável que a plateia
não compreenda o que está se passando, e isso diminui signicativamente
o impacto do efeito mágico.

Ora, como se apoderar do inesperado sem perder impacto no efeito?


Existe um jeito: elaborar números com surpresas, mas de forma que elas
sejam levemente antecipadas. Esse princípio da surpresa antecipada é
bem sutil. Por isso, vou fazer um esforço para ser o mais claro possível.

Veja o exemplo da minha rotina com bolas de espuma, na página 65.


O clímax nal é a aparição da terceira bola, correto? Vamos supor que a
apresentação seja da seguinte forma: no nal do número, o mágico coloca
as duas bolas na mão do espectador e pede para ele fechar as mãos. O
mágico estala os dedos e pede para o espectador abrir as mãos. Quando
ele abre, aparece a terceira bola.

Você concorda que seria uma surpresa inesperada a aparição da ter-


ceira bola? Ninguém imaginava que iria aparecer outra bola na mão do
espectador. Se a bola aparecesse, seria como uma pancada na cabeça
da plateia, que perderia o foco principal do número. Muito provavel-
mente, as pessoas nem estariam olhando para a mão do espectador no
momento em que a terceira bola apareceu. Geraria desentendimento.

Como fazer então? Se você leu o script de A Mágica da Vida na pá-


gina 170, deve ter percebido que minha apresentação não é dessa forma.
Desde o começo do número, reforço a ideia de que uma bolinha é macho
e a outra é fêmea, o que já indica a possibilidade de formarem um casal.
Durante o número, a plateia percebe que a tendência é as duas sempre
carem juntas. No nal do número, quando coloco as duas bolinhas na
mão do espectador, eu digo: Mas agora, a melhor parte... se eu puser
as duas bolas, macho e fêmea, na sua mão, que é um lugar escurinho,
quentinho, apertadinho... acontece a coisa mais milagrosa: a mágica
da vida! Nesse momento, o espectador entende que algo diferente vai
ocorrer. Ele já tem uma pista, mesmo que quase inconsciente, de que
algo está por vir. O centro de interesse passa a ser a mão do espectador
e não qualquer outra coisa. Quando a terceira bola aparece, a plateia
já está olhando para a mão do espectador, apreciando com exatidão o
efeito mágico.
SEÇÃO 7.5: SURPRESA ANTECIPADA 101

Note que o objetivo é fazer com o que o espectador antecipe uma ação
e não fazer com que ele a adivinhe. No exemplo das bolas de espuma, a
aparição da terceira bola é uma surpresa antecipada. O espectador sabia
que algo estava por vir, mas não sabia exatamente o quê.
Veja que uma surpresa controlada requer um domínio da atenção do
público. No capítulo 8, vou discorrer melhor sobre esse assunto.
Números que envolva o fenômeno transposição, a surpresa anteci-
pada é bastante utilizada. Veja alguns exemplos de números clássicos
que seguem essa linha:

1. Nota no Limão: o mágico pede emprestado uma cédula de dinheiro,


cujo número de série foi anotado pelo espectador. A nota é des-
truída (queimada, rasgada, etc...) e, depois, aparece dentro de um
limão, exatamente com o mesmo número de série.

2. Carta na Carteira: uma carta assinada desaparece e aparece, em


seguida, dentro do compartimento fechado por um zíper no interior
de uma carteira.

3. Nest of Boxes (exemplo dado na página 60 do número executado


por Tommy Wonder): o mágico pede um relógio de algum espec-
tador emprestado. O relógio é destruído e, depois, aparece dentro
das engrenagens de um despertador que, por sua vez, estava dentro
de uma caixa que permaneceu na mesa o tempo todo.

Nesses três exemplos, a aparição dos objetos nos lugares impossíveis


não deve ser uma surpresa completamente inesperada. O mágico deve
elaborar uma apresentação que dê dicas, de forma que seja possível a
plateia inferir, até certo ponto, o que vai ocorrer.
No caso do exemplo 1, utilizo uma ideia que tive anos atrás: faço
a nota se transformar em sementes. A plateia olha as sementes e, no
começo, não entende coisa alguma. É ai que eu olho para as sementes,
com cara de quem está confuso, e depois direciono meu olhar para o li-
mão que estava o tempo inteiro em cima da mesa ou nas mãos de algum
espectador. Minha expressão facial é a de quem não está acreditando
e uso o script silencioso (veja seção 9.3.1) para dizer: Se as sementes
estão nas minhas mãos, então dentro do limão está.... Nesse ponto, a
plateia já passa a ter uma ideia do que vai ocorrer. A ideia não está com-
pletamente consolidada, porque anal ela nunca viu objetos aparecerem
dentro de uma fruta. É nessa hora que pego uma faca e peço o limão
de volta. A expectativa de surpresa só vai aumentando... aumentando...
102 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

aumentando... até o ponto em que a plateia vê um papel verde dobrado


no interior do limão: CLÍMAX!

O exemplo 2 é um dos números de que eu mais gosto do meu repertó-


rio. Pessoalmente, prero utilizar o sistema da carteira Tom Mullica,
25

pois ela ca o tempo inteiro nas mãos da plateia desde o começo do
número. Em minha rotina, uma carta escolhida e assinada, de repente,
ca com a face completamente branca. A plateia logo quer saber onde
foi parar a carta assinada. Eu desenvolvi a rotina para que o espectador
suspeite que a carta está na carteira. O espectador cria essa ideia, mas
duvida dela, pois seria impossível qualquer objeto aparecer dentro da
carteira que ele próprio está segurando. É nesse ponto que eu abro a
carteira, com ambas as mãos vazias, e de dentro dela eu retiro outra, de
tamanho menor, tornando o número ainda mais impossível. Abro tam-
bém a carteira menor e dentro dela há um compartimento com um zíper.
De dentro do compartimento eu tiro uma carta. O dorso é o mesmo do
baralho que eu estava utilizando. O espectador ca na dúvida se a carta
é a carta assinada. Esse é o momento em que viro a carta e revelo a
assinatura: CLÍMAX!

No exemplo 3, a melhor forma de entender a surpresa antecipada


é assistir a apresentação do próprio Tommy Wonder. Ele não perde a
oportunidade de extrair o máximo de impacto de seus números. Depois
que o relógio do espectador some, Tommy olha para uma caixa que estava
o tempo inteiro em cima de uma mesa e diz: Não que triste, tenho um
presente para você. E o presente é aquela caixa. Eu nunca cheguei
perto dela. Eu nunca toquei nela e não vou tocar. Nesse momento, dá
para escutar pelo DVD um aaahhhh... da plateia, que acabou de ter
uma ideia do que vai ocorrer. Ela ainda está bastante duvidosa, mas
já possui uma imagem do que está por vir. Tommy entrega a caixa
para o espectador, fechada com um cadeado. A expectativa aumenta.
Dentro da caixa há um alarme e, dentro das engrenagens do alarme, está
o relógio do espectador. CLÍMAX!

7.6 Momentos simbólicos

No livro Como Fazer Amigos e Inuenciar Pessoas, Dale Carnegie, pa-


lestrante especialista em relacionamentos pessoais, menciona seis manei-
ras de fazer as pessoas gostarem de você. Uma delas é: Lembre-se que o

25
Vários outros mágicos desenvolveram sistemas diferentes para a carta na carteira:
Fred Kaps, Barry Price, Steve Draun, etc.
SEÇÃO 7.6: MOMENTOS SIMBÓLICOS 103

nome de uma pessoa é para ela o som mais doce e importante que existe
em qualquer idioma.
Já reparou que quando alguém o chama pelo nome, você se sente
mais importante? Lembro muito bem de estar assistindo aula na facul-
dade, e uma professora, da quem não tinha a mínima ideia sobre ela
ter conhecimento de minha existência, se referiu a mim pelo nome: Gui-
lherme. Seria eu mesmo? Seria impossível não car contente por ter sido
chamado pelo nome.
Usar o nome do espectador para fazer um número de mágica é uma
estratégia extremamente inteligente. Eu uso algumas formas para des-
cobrir o nome de alguém, quando estou fazendo mágica. Talvez possa
aproveitar algumas delas:

1. Para aqueles que estão frequentemente em situação de table-hopping ,


este método é bastante intuitivo, mas bem ecaz. Eu abordo a
mesa, faço minha apresentação e na hora de dizer meu nome, falo:
Prazer, Guilherme, com um tom de voz e um olhar demonstrando
que estou esperando alguma resposta. A pessoa percebe isso e diz
o nome dela. Eu ouço o nome dela, mas demonstro não dar muita
atenção. Vou logo me apresentando às outras pessoas da mesa.
Nesse momento, sei o nome do espectador e, dependendo do inter-
valo de tempo que tiver, ele mal vai lembrar de que foi ele mesmo
quem me falou seu nome;

2. Quando estou fazendo cartomagia, às vezes peço para alguém es-


colher uma carta do baralho e mandar outra pessoa, alguém do
grupo de amigos, escrever o nome na carta. Deixo bem explícito
para ela pedir para essa outra pessoa escrever o nome e não assi-
nar, pois preciso conseguir ler o que está escrito depois. Assim que
o segundo espectador escreveu o nome na carta, você prossegue
com o número para o primeiro espectador, mas já tem ciência do
nome de uma outra pessoa da plateia, sem nunca ter perguntado
diretamente;

3. Já me ocorreram situações em que eu co no local onde será o


show fazendo a recepção das pessoas e conversando um pouco com
os convidados, antes de começar a atuar. Nesse momento, procuro
fazer um esforço para lembrar o nome das pessoas, pois posso pre-
cisar saber o nome de alguém da plateia em secreto, para algum
número durante o show;

4. Esta é uma técnica que uso bem raramente, mas já me trouxe


104 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

bons resultados. Na mesma situação do ítem 3, tento perceber, no


evento, quem conhece quem. Às vezes, ca bem fácil identicar um
grupo de amigos. Quando alguém do grupo se distancia dos outros,
eu me aproximo dele e puxo algum assunto. Durante a conversa,
falo algo como: Pois é, uma pessoa aqui me falou uma coisa bem
interessante sobre isso. Não lembro bem do nome dela, era aquele
senhor ali..., e a pessoa com quem eu estou conversando fala 90%
das vezes algo como O Paulo? Depois, faço um número para o tal
do Paulo usando seu nome. Mas lembre-se, em momento nenhum
digo eu não sabia o seu nome, certo?, até porque a chance de o
espectador com quem você teve a conversa inicial estar por perto
é bem grande. Eu apenas dou a entender que eu não sabia o nome
dele.

Na página 74, dei o exemplo do número Um Pouco de Você. Re-


lembre o efeito e veja que o número possui um impacto muito maior do
que outros de adivinhação, apenas porque envolve o nome do espectador!
O efeito para o espectador é que ele embaralhou as cartas pensando no
nome dele e, ao fazer isso, a carta em que ele estava simplesmente pen-
sando parou na posição exata do nome dele. A pessoa se sente envolvida,
sente-se parte de um milagre. Isso tem um impacto mágico muito forte!
Não obstante, usar o nome do espectador não é a única forma de
criar um momento simbólico para a plateia. Na verdade, tudo que o
espectador consegue associar à sua vida, todo e qualquer tipo de metáfora
que faça sentido para sua realidade, é simbólico para ele.

Em 2009, fui ao Peru participar de um evento da Federação Latino


Americana de Sociedades Mágicas (FLASOMA). Depois do congresso,
em um trem indo para Machu Picchu, estava discutindo com meu grande
amigo EdRocha sobre a arte de se adicionar signicado a um número de
mágica. Peguei um número que me veio à cabeça: Another Quick Coin-
cidence,26 do Allan Ackerman (explicado logo adiante). É um número
bom de cartomagia, mas, como a maioria dos efeitos de cartomagia, é
um tanto insignicante. Decidimos, então, fazer desse número algo mais
emocionante e signicativo, que envolvesse mais o espectador. Então,
desenvolvemos o efeito A Vida, As Cartas.

26
Você pode assistir esse efeito no vídeo The Las Vegas Card Expert, do próprio
Ackerman, ou então no vídeo Easy to Master Card Miracles volume 5, do Michael
Ammar.
SEÇÃO 7.6: MOMENTOS SIMBÓLICOS 105

Another Quick Coincidence

Efeito: o mágico põe uma carta qualquer do baralho na mesa. Lá, ela
ca. O espectador escolhe outra carta do baralho, sem olhar por en-
quanto. O mágico pede ao espectador para introduzir a carta, sem olhar
ainda, em qualquer lugar do baralho, deixando metade dela para fora.
Feito isso, o mágico diz que é hora de ver a carta escolhida. Quando ele
vira a carta do espectador, deixando-a na posição escolhida, descobrem
que a carta é um ás de ouros. Por incrível que pareça, a carta que estava
na mesa durante todo o tempo é um ás de copas, exatamente a carta
gêmea do ás de ouros. O mais surpreendente é que, apesar de ter sido
o espectador que deniu o local onde o ás de ouros caria, ele escolheu
colocá-lo justamente entre os outros dois ases!

Personagens: o mágico e um espectador.


Fenômeno: identicação.
Propósito: demonstração.
Prova: o mágico consegue achar os quatro ases de um jeito
surpreendente.

Agora o mesmo número, mas com um script diferente:

A Vida, As Cartas

Efeito: o mágico arma que o baralho é muito mais do que apenas um


objeto para jogos. Diz que as cartas são uma metáfora da vida, e o
baralho pode ser utilizado para diversas coisas, inclusive para mostrar a
interação entre passado, presente e futuro.
O mágico pede ao espectador para escolher seu passado. O espec-
tador toca em uma carta e a coloca virada na mesa: é o ás de paus.
O mágico diz ao espectador que ele vai agora escolher seu presente. O
espectador escolhe então outra carta, mas não vê qual é. Para denir
o futuro, o mágico pede ao espectador para introduzir a carta que sim-
boliza o presente, no meio do baralho, em qualquer lugar. Feito isso, o
mágico revela, então, a carta que simboliza o presente. Para surpresa
de todos, o presente é o ás de espadas, a carta gêmea do passado, mos-
trando que o passado inuencia o presente. E quando o mágico vira as
duas outras cartas do baralho, entre as quais o presente foi colocado, elas
106 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

são exatamente os outros dois ases: uma escolha no presente determina


o futuro! (ver script na página 174.)

Personagens: mágico e espectador.


Fenômeno: identicação.
Propósito: mostrar como as cartas podem ser uma metáfora
da vida.

Prova: o mágico faz uma escolha presente do espectador ser


inuenciada por algo que ele fez no passado, e mostra que uma dedisão
tomada no presente pode determinar o futuro.

Comentários técnicos: vou explicar apenas o número A Vida,


As Cartas, porque a mecânica é a mesma para Another Quick Coinci-
dence. Para compreender melhor a explicação, sugiro, antes, ler o script
completo na página 174.

Comece com os quatro ases no topo. Se você tiver feito outro número
com os ases antes, controle-os para o topo. Caso esse seja o primeiro
número, use oHofzinser Spread Cull ou qualquer outro método, como o
Green Angle Separation, do Lennart Green, ou Lorayne's Great Divide ,
do Harry Lorayne, ou qualquer outro com o qual você se sinta seguro.
Agora que os ases estão no topo, certique-se de que os ases de cores
iguais estejam juntos, lado a lado. Faça um corte e mantenha um break.
E procedimento é feito enquanto eu explico sobre o que é o conceito de
cartas gêmeas e falo sobre a interação entre o passado, o presente e o
futuro. É tempo de sobra.

Diga ao espectador que ele vai começar com o passado. Peça para ele
escolher uma carta, mas force a carta do break. Essa carta é o primeiro ás,
o que estava no topo do baralho. Diga que todos conhecem o passado,
então ele deve deixar a carta com a face para cima na mesa. Corte
novamente o baralho no break, devolvendo os três ases para o topo. Faça
algum corte ou embaralhamento falso, se quiser. Note que o ás do topo
agora deve ser da mesma cor do ás que acabou de ser forçado.

Fale ao espectador que agora ele escolherá o presente. Force nova-


mente o próximo ás  que deve ser da mesma cor do ás do passado ,
mas não revele a carta ainda. Nesse momento, o espectador está ape-
nas segurando o segundo ás. Os próximos dois ases devem voltar para
o topo (com algum corte ou qualquer outro movimento). Controle um
deles para baixo. Agora um ás está na boca e outro no topo, ambos da
mesma cor. Enquadre o baralho e peça para o espectador pegar a carta
que está com ele, que representa o presente, e indroduzir em qualquer
posição do baralho, para determinar o futuro. Feito isso, o que você
SEÇÃO 7.6: MOMENTOS SIMBÓLICOS 107

vai fazer agora é um movimento do Bill Simon chamado Business Card


Move .27
Esse movimento é bem trivial, mas como não é explicado na maioria
dos livros de cartomagia, vou comentá-lo aqui: o baralho deve estar
em sua mão, na posição mechanics grip, com um ás no topo e um ás
na boca, ambos da mesma cor, e um ás enado no meio do baralho,
mas com metade para fora ( out-jogged 28 ). Sua mão direita se aproxima
das cartas com a palma voltada para cima e com o polegar paralelo
ao chão, apontando para a esquerda, e todos os quatro dedos juntos,
também paralelos ao chão e apontados para a esquerda. O polegar da
mão esquerda vai passando as cartas e a mão direita as recebe, na posição
descrita acima. O polegar esquerdo vai empurrando as cartas até chegar
out-jogged. A mão direita retira as cartas recebidas (que
a carta que está
estavam acima da carta out-jogged ) e, a m de pegar a carta do out-jog,
a mão direita vira até car com a palma da mão para baixo. Quando
essa mão tornar a car com a palma voltada para cima, a carta deve
estar ainda no out-jog e de face para cima, mas no topo do monte da
mão direita. O monte da mão esquerda vem por cima do monte da mão
direita, deixando a carta novamente out-jogged no centro.

Para o espectador, você apenas virou a carta. Ninguém é capaz de


deduzir que a carta está agora entre os ases que estavam na boca e no
topo.

Quando executo o Business Card Move, espero um tempo para mos-


trar o efeito nal. Da mesma forma que quando se executa o Force
em Cruz, deve-se esperar um intervalo de tempo para revelar a carta
do force, de forma que o espectador não consiga associar essa carta a
sua posição original, deve-se também esperar um intervalo de tempo,
após executar o Business Card Move, para que o espectador não lembre
a forma como você virou a carta. Como veremos mais à frente, essa
estratégia chama-se misdirection temporal.

27
O mágico venezuelano Rafael Benatar possui uma interessante variação desse
movimento. O baralho, em vez de car nas mãos do mágico, ca aberto em faixa na
mesa.
28
Uma carta está out-jogged quando ela está com uma porção para fora do baralho
no sentido da plateia. Uma carta está in-jogged quando ela está com uma porção
para fora do baralho no sentido do mágico.
108 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO

Compare os scripts de Another Quick Coincidence e de A Vida,


As Cartas, que estão respectivamente nas páginas 178 e 174. Note
como os dois efeitos, que surgiram do mesmo truque, possuem impactos
completamente diferentes para a plateia!
Seja sincero: se você fosse um leigo, qual efeito te emocionaria mais?
Vou reforçar meu ponto: um número de mágica não precisa ter um
propósito. Eu não disse que o número A Vida, As Cartas é melhor que
o Another Quick Coincidence ; eles são simplesmente diferentes. Cada
um é mais adequado a determinada situação. Claro que é melhor fazer
um número com o maior apelo signicativo possível para o espectador
possível, mas às vezes, as condições não permitem isso. Com o mesmo
raciocínio descrito na seção 3.4, seria praticamente impossível você apre-
sentar A Vida, As Cartas em uma situação de table-hopping , ou então
em uma festa com música alta.
Seria total incompetência da minha parte terminar esta seção sem
comentar sobre um artista especíco. Ele é francês, mas vive no Brasil
desde 1997. É mágico e contador de histórias; um artista. Estou falando
de Eric Chariot.
Eric é mestre em criar histórias que proporcionam um momento sim-
bólico para a plateia. Ele não faz truques, faz mágica. Cria uma atmos-
fera mágica por meio de seus contos que convida todos a assistirem sua
mágica com o que Henning Nelms denominou Suspensão da Descrença ,
termo que usei anteriormente, na página 18. Seu talento é incrível. Ele
consegue pegar um simples truque e fazer dele uma grande mágica.
Eu acho que Eric é um artista que deveria ser mais reconhecido por seu
trabalho. Quem sabe isso não ocorre porque seu estilo não é comercial
o suciente para atingir o mercado, que se preocupa com o que o povo
quer ver na TV em canal aberto?
Não estou querendo dizer, de forma alguma, que um número de má-
gica precisa ter uma história por trás. Eu não tenho histórias para todo
meu repertório. Aliás, é a minoria de meus números que envolve algum
tipo de história. Posso dar exemplos de diversos outros mágicos que não
contam histórias em todos os seus números, mas mesmo assim maxi-
mizam ao máximo cada efeito: Juan Tamariz, Tommy Wonder, Lance
Burton e Michael Ammar. Contar uma história é apenas uma das
diversas formas de criar um momento simbólico para a plateia.
Porém isso deve ser feito por quem sabe contar histórias, senão ca
forçado. Funciona com o Eric, mas não signica que daria certo com
todos.
Capítulo 8

Técnicas não mecânicas


Como foi dito no capítulo 3 e mostrado na gura 3.1, um número de má-
gica depende não apenas de técnicas mecânicas, mas também de técnicas
não mecânicas. Ao contrário de um empalme, de um falso depósito, ou
de um saque de pombo, as técnicas não mecânicas não dependem de ha-
bilidades manuais, mas sim, do conhecimento cênico e psicológico sobre
a mágica, sobre a plateia e sobre si mesmo.
Fitzkee disse:

O maior objetivo do mágico deve ser a mente do espectador.


Seu principal dever é garantir que a mente do espectador
interprete as coisas do modo como o mágico deseja que seja
interpretado.
1

Esse objetivo é impossível de ser atingido apenas com técnicas mecânicas,


por mais perfeitas que elas sejam. Tal como vimos no capítulo 3, a técnica
mecânica não é capaz, sozinha, de criar arte nem de emocionar.
Infelizmente, muitos mágicos negligenciam o estudo não mecânico
da Arte Mágica. Qualquer estudo a esse respeito costuma ser resumido
a misdirection . Como veremos logo adiante, na seção 8.2, misdirection,
de fato, é uma das mais importantes técnicas não mecânicas. Porém,
ela é muito mal interpretada, provavelmente devido à distorção concei-
tual feita por alguns manuais e livros introdutórios da Arte Mágica. Se
misdirection é o desvio da atenção da plateia para que o mágico faça
algo despercebido,
2 estudar essa técnica sem antes estudar o controle

da atenção não faz sentido algum. Vamos começar?

1
Dariel Fitzkee, Magic by Misdirection, página 185. Tradução minha.
2
Essa é a denição genérica de misdirection feita pelos livros introdutórios. Como
veremos adiante, existe um problema conceitual nessa denição.

109
110 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

8.1 Controle da atenção

Basicamente, há duas formas de controlar a atenção da plateia: por meio


do relaxamento e por meio da concentração. Antes de analisar essas duas
formas de controle de atenção, vamos primeiro estudar dois conceitos que
fundamentam toda essa teoria: a fonte de informação e o centro de
interesse.

Fonte de informação
O que leva a plateia a compreender um número de mágica do início ao
nal e, consequentemente, o show inteiro são as fontes de informações
que ela absorve. A fonte de informação, como o próprio nome diz, é o
canal que traz informação à plateia. Em cada momento do número, a
plateia está sujeita a uma fonte de informação. Quando o mágico faz sua
assistente levitar, a fonte de informação é o corpo da assistente. Quando
o mágico fala, a fonte de informação é seu rosto, mais precisamente sua
boca. Quando o mágico embaralha as cartas, a fonte de informação é
o baralho. Em outras palavras, a fonte de informação é o lugar
para o qual mágico quer que a plateia olhe.
Uma teoria diz que não se processa mais de uma fonte de informação
ao mesmo tempo. Caso a plateia esteja sujeita a mais de uma fonte de
informação, é impossível para o mágico saber qual delas será processada,
uma vez que elas competem entre si. Isso pode criar uma confusão na
mente do espectador. Repito a famosa frase de Dai Vernon, Confusion
is not magic.
Veja um exemplo prático. Na página 65, explico minha rotina com
bolas de espuma, que chamo de A Mágica da Vida , cujo script completo
está na página 170. Começo o número perguntando à plateia que objeto
ela acha que estou segurando (na verdade é um ash paper ). Nesse mo-
mento, a fonte de informação é meu rosto, especicamente meus lábios.
Assim que faço a pergunta, co em silêncio deixando a plateia olhar para
minha mão e formular uma resposta. Fico em silêncio, pois sei que agora
a fonte de informação é minha mão segurando o objeto. Eu quero que
as pessoas olhem para o papel e não para meu rosto.
Logo em seguida, falo: Na verdade, isso não é um simples pedaço
de papel. É um aglomerado de células de celulose geneticamente mo-
dicadas. Nesse momento, a fonte de informação precisa voltar a ser
meu rosto. Repare, no script, que falo isso antes da queima do ash
paper e não durante. Se eu falar no mesmo momento em que queimo o
ash paper, é óbvio que a claridade emitida pelo fogo vai chamar mais
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 111

atenção do que minha voz. A plateia, muito provavelmente, não vai pro-
cessar minhas palavras, pois ela foi exposta a duas fontes de informações
distintas.
Para entender melhor a importância das fontes de informações, lembre-
se da teoria que apresentei no capítulo 2 sobre a Trilha da Ilusão . A
plateia faz suposições a respeito de tudo a ela exposto, suposições que,
evidentemente, se originam das próprias fontes de informações que ela
processa. Sabendo disso, o mágico deve elaborar com cuidado as
fontes de informações do número, de forma a induzir a plateia a
criar as corretas suposições, precisamente aquelas que ele quer.
Durante a apresentação do número Vanishing Bottle (já utilizado
como exemplo no próprio capítulo 2), o mágico pega uma garrafa e a
coloca dentro de uma sacola de papel. Nesse momento, a fonte de infor-
mação só pode ser uma: o conjunto formado pela sacola de papel, pela
garrafa e pelas mãos do mágico. Essa fonte de informação faz a plateia
supor que a sacola é de papel, que a garrafa é de vidro e que a garrafa
está sendo posta dentro da sacola. Essas três suposições, verídicas ou
não, são fundamentais para que o número tenha impacto. Caso haja
outro acontecimento no palco, atuando como uma segunda fonte de in-
formação e competindo pela atenção da plateia, os espectadores podem
não prestar atenção àquilo que o mágico desejaria que ela prestasse, e o
número, com certeza, seria um fracasso.

Centro de interesse
Se a fonte de informação representa o foco para onde o mágico quer que
a plateia olhe, o centro de interesse é aquele para onde a pla-
teia quer olhar. Diversos motivos, conscientes e inconscientes, podem
atrair a atenção dos espectadores: cor, luz, som, estética, humor, lin-
guagem corporal do mágico, movimento, características do personagem,
etc. Cabe ao mágico fazer uso desses elementos para conquistar a aten-
ção da plateia. É importante lembrar, no entanto, que nada permanece
como centro de interesse por muito tempo. Sempre chega o momento da
monotonicidade, quando a plateia perde o desejo de dar atenção a deter-
minada coisa ou a determinado lugar. Apesar de parecer uma situação
sempre ruim, há casos em que o mágico precisa alcançar a monotoni-
cidade. Estudaremos melhor a técnica da monotonicidade adiante, na
seção 8.1.2.
É óbvio que, em uma performance ideal, a fonte de informa-
ção de cada momento deve coincidir com o centro de interesse,
de modo que o foco para o qual o mágico deseja a atenção dos especta-
112 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

dores seja justamente o ponto para onde eles querem olhar. Repare na
sutileza dessa denição. Não se trata, simplesmente, daquilo a que os
espectadores dão atenção, mas sim daquilo a que eles querem dar aten-
ção. Fazer a plateia olhar para determinado lugar é fácil. Difícil é fazer
ela querer olhar para determinado lugar. É como a antiga brincadeira
de dizer para os amigos olhe o elefante rosa! No primeiro momento,
todos olham, mas depois que a pessoa percebe que foi enganada, jamais
vai cair na armadilha novamente. Quando se trata de um número de
mágica, as consequências são mais severas: além de o espectador não
mais cair nessa estratégia, ele percebe que perde uma parte crucial do
número, justamente o momento do segredo. Ele pode não saber o que
ocorreu enquanto olhava em outra direção, mas sabe que ocorreu alguma
coisa. A atmosfera mágica é completamente destruída, e os espectadores,
frustrados, não estarão mais convencidos
3 da ilusão.

Portanto, é dever do mágico fazer com que a plateia queira dar aten-
ção às fontes de informações, para ela não se sentir enganada. A plateia
jamais deve pensar que foi induzida a olhar em determinada direção.
Ela jamais deve questionar os lugares para onde ela deu atenção, muito
menos se decepcionar com eles. A fonte de informação em um determi-
nado instante deve sempre coincidir com o centro de interesse daquele
instante.

8.1.1 Concentração da atenção


Até agora, vimos que o controle da atenção da plateia é importante para
garantir que ela se concentre no número de mágica e dê atenção ao que
o mágico deseja ser percebido. A ideia principal é, novamente, que o
centro de interesse coincida com a fonte de informação referente a cada
instante de tempo.
Porém, a técnica de concentrar a atenção da plateia não é uma ferra-
menta que se limita, apenas, a garantir que a plateia veja o que precisa
ser visto. Ela permite, também, que a plateia não perceba o que o má-
gico não quer que seja percebido. Isso pode soar estranho, pois tentar
esconder um movimento por meio da concentração da atenção dos es-
pectadores parece ser inconsistente. O que torna isso possível é que a
atenção da plateia é concentrada em outro local, fora da zona onde ocorre
o movimento secreto. Isso é uma importante lição: em alguns casos, o
mágico pode esconder um movimento fazendo a plateia concen-
trar sua atenção em outro ponto, fora do espaço onde ocorre o

3
A palavra convencidos se refere à semântica adotada na seção 5.2.
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 113

movimento que se pretende esconder. Em outras palavras, não se


faz a plateia perder a concentração a m de executar um movimento se-
creto; pelo ao contrário, faz-se a plateia concentrar a atenção sim, porém,
em outro local. Na prática, isso ocorre sempre que os espectadores falam
coisas assim: Como isso é possível? Eu estava olhando tudo, prestando
atenção em tudo! Agora já sabemos que a resposta para isso é um tanto
simples: os espectadores estavam prestando muita atenção, mas não ao
ponto no qual ocorria o movimento secreto.
Vale a pena retomar uma ideia já apresentada na seção anterior. A
estratégia de esconder um movimento secreto por meio da concentração
da atenção da plateia em um ponto distinto evita o sentimento do público
de que o mágico tirou sua atenção para benefício próprio. Ao contrário, a
plateia vai sentir que estava prestando atenção em todo o momento, que
estava olhando para o local correto e que ocorreu um verdadeiro milagre,
pois ela jamais tirou os olhos daquilo que o mágico fazia.

Como concentrar a atenção da plateia


Ok! Sabemos que conseguir concentrar a atenção da plateia é impor-
tante, mas ainda resta uma pergunta fundamental: como fazer isso? A
regra geral é que, para conquistar a atenção da plateia, é preciso oferecer
a ela algo interessante. É claro que o conceito de interessante é um juízo
de valor, que muda de acordo com cada espectador. Por isso, cabe ao
mágico perceber o tipo de cada plateia, para ele conseguir apresentar coi-
sas que sejam particularmente interessantes para cada uma. Um público
infantil possui um gosto diferente do público adulto que, por sua vez,
tem um gosto diferente do de um público adolescente. Um equipamento
interessante para uma plateia de crianças pode não ser interessante para
uma plateia de adolescentes e vice-versa.
Não obstante, existem recursos considerados universalmente interes-
santes que podem ser explorados, a m de conseguir cativar a atenção da
plateia em determinado local: cor, luz, som (barulho, música e tom de
voz), estética,
4 movimento, personagem, etc. Um lenço de cetim verme-

lho é mais interessante do que um lenço preto de algodão, pois vermelho


é uma cor mais chamativa, e o cetim possui mais brilho que o algodão.
Fazer uma cascata (em inglês, spring ) com as cartas é mais interessante
do que car apenas com o baralho na mão, pois a cascata gera movi-
mento e barulho. E é claro que quanto mais diversicadas e peculiares

4
Quando se trata de cativar a atenção da plateia por meio da estética, o bonito e
o feio são interessantes. Basta fugir do comum, fugir do normal.
114 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

forem as características do personagem, mais a plateia vai se interessar


pelo que o mágico faz. Todos esses recursos podem ser adicionados ao
show, de forma a concentrar a atenção da plateia no local e no momento
desejados.
Outra forma de cativar a atenção da plateia é criar expectativas.
Quando os espectadores acham que algo está prestes a ocorrer, eles au-
tomaticamente concentram a atenção. No número Carta Ambiciosa
(página 71), por exemplo, a plateia tem a expectativa de que a carta
vai subir para o topo do baralho. Logo, ela concentra sua atenção a
m de constatar se o fenômeno vai realmente acontecer. A cada etapa,
a plateia está mais concentrada. É importante frisar que não basta o
fenômeno ser poderoso; é preciso que a expectativa do fenômeno seja po-
derosa também: quanto mais a plateia acreditar que determinada coisa
vai acontecer, mais ela constrói sua expectativa e mais fácil ca conseguir
a atenção da plateia. Se o fenômeno ocorrer de surpresa, é impossível
garantir a concentração da plateia no local correto. É por isso que co-
mentei anteriormente (página 99) a respeito da surpresa antecipada
como estratégia de maximização de um número de mágica. Quanto mais
os espectadores anteciparem o pensamento de que algo vai ocorrer, mais
eles concentram sua atenção e mais o fenômeno nal é reforçado.
Essa estratégia de criar expectativas a m de conseguir a atenção é
utilizada até mesmo quando o fenômeno esperado não ocorre. O má-
gico promete que determinado fenômeno vai ocorrer, levando a plateia a
concentrar sua atenção e, no nal das contas, o que foi prometido não
ocorreu. A plateia se decepciona, e a atenção é relaxada. Isso gera uma
onda de tensão e relaxamento que pode também ser utilizada em be-
nefício do mágico. Mais adiante será retomado o conceito dessa onda e
darei mais aplicações.
Vale ressaltar que toda essa estratégia para atrair a atenção da plateia
é completamente irrelevante, caso os espectadores não percebam que
o mágico está interessado, que o mágico está concentrado. Nenhum
mágico consegue o interesse dos espectadores em algum ponto,
se ele mesmo não demonstrar interesse nesse mesmo ponto.

8.1.2 Relaxamento da atenção


A estratégia de relaxar a atenção da plateia para benefício do mágico é
mais intuitiva do que a estratégia de concentrar sua atenção, vista an-
teriormente. É fácil pensar que uma plateia desatenta facilita, para o
mágico, a realização de movimentos secretos. No jargão mágico, utiliza-
mos o termo o-beat para se referir ao momento do número em que a
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 115

plateia está relaxada, com pouca atenção no que o mágico está fazendo.
Já z referência a essa palavra na página 66.
É importante frisar o seguinte: sempre que a atenção da plateia es-
tiver relaxada, é preciso, logo em seguida, concentrá-la. A atenção da
plateia deve sempre ser guiada para um determinado caminho,
de forma que nenhum espectador que com o pensamento solto.
Mesmo que seja interesse do mágico relaxar a atenção por um
certo momento, é preciso retomá-la logo em seguida. Se a plateia
car muito tempo relaxada, torna-se cada vez mais difícil reconquistar
sua atenção.
A estratégia de relaxar a atenção possui certos inconvenientes. Um
deles é que ca impossível controlar para onde os espectadores estão
olhando, se eles estiverem com a atenção relaxada. Há a possibilidade
de um ou mais espectadores, por acidente, olhar justamente para onde
o mágico não queria. Se ele relaxa a atenção da plateia para empalmar
uma carta com sua mão direita, existe uma probabilidade, por menor
que seja, de alguém olhar justamente para sua mão direita e perceber
o empalme sendo executado. A ideia é que, se a atenção é relaxada, o
olhar das pessoas circula por diferentes locais e pode cair justamente no
local errado.
Uma forma de evitar que isso ocorra é esperar o instante certo para
relaxar a atenção da plateia e executar o movimento. Caso se perceba
que existem pessoas olhando para onde não devia,
5 o mágico deve manter

a atenção relaxada e aguardar até o momento correto de executar o


movimento secreto. Se ainda assim o problema não se resolver, é preciso
mudar de técnica. Veja que essa técnica de esperar o momento correto
não faz sentido quando a atenção da plateia está concentrada. Como já
disse, nada permanece interessante por muito tempo. Quando a atenção
está concentrada, não se deve esperar para executar a ação planejada.
Outro inconveniente é que, ao contrário da técnica de concentração,
há possibilidade de a plateia perceber que o relaxamento foi intencional,
com o propósito de o mágico realizar alguma ação secreta. Para evitar
isso, basta ele retomar a atenção da plateia para o mesmo foco no qual
ela foi relaxada. Suponha que o mágico esteja com um objeto em suas
mãos, um baralho, por exemplo, em um ponto X do espaço. A plateia

5
É óbvio que isso só faz sentido quando o mágico consegue enxergar com nitidez
seus espectadores, geralmente em uma situação de close-up. Em um show com muitas
pessoas, ainda mais se a plateia estiver mal iluminada, ca impossível para o mágico
perceber para onde as pessoas estão olhando. Apesar de não conseguir enxergar cada
espectador, o mágico pode, da mesma forma, planejar suas ações a m de conduzir o
olhar da plateia.
116 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

está inicialmente concentrada no ponto X. A m de realizar algum movi-


mento secreto com as cartas, o mágico relaxa a atenção da plateia. Logo
após, antes de retomar a concentração da plateia, ele deve voltar com as
mãos e o baralho para o ponto X, de forma que ela não perceba nenhuma
mudança na conguração visual. Se a plateia retomar a atenção e perce-
ber que agora o baralho está em um ponto Y, ela vai interpretar, mesmo
que não seja verdade, que algo ocorreu. Assim, a regra básica ao
retomar a atenção é sempre procurar manter a mesma congu-
ração visual do momento anterior ao relaxamento da atenção.
Dessa forma, o período de relaxamento vai ser completamente esquecido
pelo inconsciente dos espectadores, e a plateia jamais vai questionar que
mágico fez algum movimento suspeito.

Como relaxar a atenção da plateia


Existem basicamente três formas de provocar relaxamento, de induzir
um momento de o-beat. A primeira delas é com a introdução de um
elemento exógeno ao número, como o humor. Esse é um recurso bas-
tante utilizado como técnica de relaxamento, pois é intrínseco ao ser
humano reduzir sua atenção e seu foco de percepção diante de uma si-
tuação cômica. A risada  mesmo que não exteriorizada em grandes
gargalhadas  provoca na plateia um brainstorm de imagens, o que é
perfeito para tirar o foco de atenção da plateia sobre o mágico.
Vale lembrar, no entanto, que humor não é necessariamente algo
falado, sempre traduzido em forma piada. O mágico também pode, e
deve, explorar a comédia em situações, gestos e ideias. Um exemplo
simples disso é a antiga gag,6 que alguns mágicos utilizam ao fazer um
número de mentalismo. O mágico diz a um espectador: Tenho aqui um
quadro com uma palavra escrita do outro lado. Seria impossível alguém
saber o que eu escrevi. Você sabe o que está escrito? E o espectador
então responde: Não. O mágico vira o quadro e está escrita a palavra
não. A situação em si é cômica, pois o mágico criou uma expectativa
de um número de mágica, e o resultado foi uma previsão boba que daria
certo sem talento mágico algum. É claro que isso gera risadas, e ele pode
se aproveitar desse relaxamento para realizar alguma ação que não deve
ser percebida pela plateia.
A segunda forma de promover relaxamento é por meio de uma tensão
prévia. O mágico pode criar uma situação tal que a plateia que com

6
Gag é uma palavra em inglês, que já virou um jargão comum entre os mágicos,
inclusive brasileiros. Uma gag pode ser uma frase, uma piada, uma situação, uma
pergunta, uma imagem ou qualquer perspicácia de humor.
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 117

sua atenção cada vez mais concentrada em determinado lugar ou objeto.


Quando o mágico libera a tensão, automaticamente a plateia relaxa;
após o período de tensão, sempre segue o relaxamento. Essa é a onda
de tensão e relaxamento.

Mas como criar tensão? É simples, basta criar expectativas. O má-


gico deve criar condições para que a plateia descubra qual será o fenô-
meno nal, qual será o gol. Na grande maioria das vezes, isso não é
dito verbalmente, mas é expressado para a plateia durante a apresen-
tação do número. A plateia acredita e ao mesmo tempo duvida que o
fenômeno vai ocorrer, gerando uma expectativa para o fenômeno nal.
Os espectadores cam tensos, curiosos para ver se o que eles estão su-
pondo vai realmente acontecer. Por meio de recursos como a linguagem
corporal, o script e o tom de voz, o mágico reforça a tensão e estimula
ainda mais a curiosidade da plateia. Chega a um ponto em que todos
estão tensos, ansiosos para descobrir se o fenômeno vai, de fato, ocorrer.
Nesse momento, o mágico realiza o fenômeno e a plateia relaxa.

Novamente, vemos a importância da Surpresa Antecipada , técnica


já discutida na página 99. Quando a plateia espera um resultado, ainda
mais quando esse resultado é impossível de ocorrer, ela devota toda sua
atenção e concentração ao nal do número. É como assistir a um lme
de drama, que prende nossa atenção para descobrir como será o nal
da história. Ficamos tensos durante todo o lme, até que no nal...
relaxamos. A ideia é variar a intensidade de concentração, formando
picos e vales: onda de tensão e relaxamento. Assista às performances de
Juan Tamariz e Tommy Wonder e repare como esses mestres fazem uso
dessa onda a seu favor.

A terceira forma de relaxar a atenção da plateia é por meio da reali-


zação de um efeito mágico forte. Quando os espectadores vivenciam um
forte número de mágica, o sentimento de maravilha toma conta de todo o
seu processo mental. Ocorre, então, o que chamamos de misdirection de
intensidade, quando a intensidade da emoção é forte e não há espaço no
pensamento dos espectadores para eles se preocuparem com pormenores
e questionar as ações que seguem. E isso ocorre mesmo sem o mágico
ter feito esforço para construir tensão; basta o impacto mágico ser forte.
Um forte efeito mágico, por si só, já satisfaz o inconsciente da plateia, e
ela automaticamente relaxa, gerando um momento de o-beat . A seção
8.2.3 retoma a técnica do misdirection de intensidade.
118 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

Monotonicidade
A monotonicidade é uma técnica diretamente derivada do relaxamento
da atenção. Essa técnica funciona porque a plateia, sempre que acha
algum ponto monótono, relaxa a tenção nesse ponto  um objeto, um
local, ou uma ação. Assim, é possível fazer com que um ponto interes-
sante deixe de ser o centro de interesse, deixe de cativar a atenção da
plateia.
Alguns mágicos são críticos quanto ao uso da monotonicidade como
meio de relaxamento da atenção. A fundamentação dessa crítica é a
seguinte: se o mágico quer tirar a atenção da plateia do ponto X, em
vez de tornar a apresentação monótona e relaxar a atenção nesse ponto,
é melhor que ele concentre a atenção dela em um ponto Y, distante do
ponto X. A monotonicidade, então, implica um custo muito alto: a pla-
teia perde o interesse no número. Em minha opinião, esse argumento faz
todo sentido e muitas vezes, de fato, outros recursos que não tornem a
apresentação monótona são preferíveis. Porém, acredito que seja possível
limitar o foco da monotonicidade em determinados pontos  lugar, ob-
jeto ou ação , como cobertura para movimentos secretos e não tornar
o número monótono. Mesmo que o leitor não seja um total adepto dessa
técnica, estudar a monotonicidade pode ajudar, ao menos, para evitá-la.
A principal forma de tornar uma ação monótona é por meio do ex-
cesso de repetição. Mágicos constantemente fazem uso de excesso
repetição para retirar a atenção da plateia. Veja alguns exemplos práti-
cos:

• Em seu famoso número de cartomagia Sam The Bellhop , Bill Ma-


lone conta à plateia uma história enquanto embaralha as cartas.
Ele embaralha as cartas durante todo o número, do começo ao
m. Como o número exige que os embaralhamentos sejam falsos,
a ideia de executar embaralhamentos consecutivos é muito inteli-
gente. A plateia deixa de prestar atenção ao ato do embaralha-
mento e passa a prestar atenção em outros pontos do número. O
embaralhamento, por ser repetido várias vezes consecutivas, escapa
da atenção da plateia.

• Todo mágico que executa a técnica de false deal 7 está fazendo uso
7
False deal é um termo universalmente utilizado não apenas por mágicos, mas
também por acionados por trapaças com cartas. Como o nome já indica, consiste
em falsamente distribuir cartas para os jogadores, isto é, manter a aparência de que
as cartas estão sempre saindo do topo do baralho. Na verdade, as cartas podem ser
distribuídas de uma segunda posição (second deal ), da última posição (bottom deal ),
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 119

da monotonicidade, mesmo que inconscientemente. No começo da


distribuição, quando as cartas estão realmente saindo do topo do
baralho, os espectadores prestam atenção a elas. Chega um mo-
mento em que o movimento se torna monótono, e os espectadores
relaxam a atenção. É aí que o mágico realiza falsas distribuições.

• Muitos mágicos, quando vão executar um falso depósito com um


objeto, têm o costume de transferir o objeto de uma mão para
a outra umas 3 ou 4 vezes, antes de realizar o falso depósito. O
intuito é repetir a ação até que os espectadores se acostumem, e ela
se torne monótona. Quando os espectadores já não prestam mais
tanta atenção no movimento, o mágico executa uma transferência
falsa.

A técnica da monotonicidade também é utilizada, mais raramente,


em ocasiões que não exigem movimento. Nesse caso, não se utiliza repe-
tição, mas sim imobilização. Uma coisa estática, imóvel, ca monótona
depois de um certo tempo. Suponha, por exemplo, que você perceba que
um dos espectadores da plateia está olhando para suas mãos e isso te
impede de realizar determinado movimento secreto com o baralho. Por
mais que você converse e se movimente, o tal espectador não desvia o
olhar da sua mão. Uma possível solução é parar de movimentar a mão,
tornar o baralho imóvel. Quando o espectador perceber que o baralho
está parado há bastante tempo em sua mão, ele cansa de dar atenção.
Nesse momento, o movimento secreto pode ser executado.
Para concluir a discussão, vale lembrar que uma ação monótona é di-
ferente de uma ação confusa. Os espectadores podem relaxar a atenção
de um movimento simplesmente porque o acharam confuso. É preciso
tomar cuidado e jamais confundir monotonicidade com confusão. Con-
fusão, apesar de também diminuir a atenção da plateia, é totalmente
indesejável, pois impede a compreensão do número.

Uso moderado do relaxamento e da concentração


Tanto a técnica de concentrar a atenção quanto a de relaxar a atenção
devem ser utilizadas. Tommy Wonder recomendava utilizar o mínimo de
concentração e de relaxamento possível, apenas o suciente para cobrir
movimentos suspeitos, de modo que se fosse utilizada qualquer intensi-
dade menor, o segredo seria exposto.

ou de alguma outra posição no centro do baralho (center deal ).


120 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

Acho que parece razoável adotar essa regra apenas quando a con-
centração e o relaxamento estão sendo utilizados como cobertura para
movimentos secretos. Nesse caso, quanto menos melhor, pois isso impede
a plateia de perceber o uso proposital dessas técnicas para benefício do
mágico. Porém, quando elas são utilizadas para reforçar o impacto do
número, isto é, utilizadas como estratégia de maximização, não vejo o
porquê da restrição. Quanto mais tensão for construída, mais expecta-
tiva é gerada e mais impacto terá o efeito nal.

8.2 Misdirection
Agora que os conceitos de fonte de informação, centro de interesse,
concentração e relaxamento já estão bastante claros, podemos iniciar
nosso estudo a respeito da técnica de misdirection.
Sem sombra de dúvidas, misdirection é uma das técnicas mais co-
mentadas e discutidas pelos mágicos. Está presente em quase todos os
livros sobre a Arte Mágica, desde os mais básicos até os mais avançados.
É considerada a peça fundamental para que qualquer número de mágica
tenha sucesso.
O renomado mágico Jean Hugard disse:

O princípio do misdirection desempenha um papel tão im-


portante na Mágica que pode-se armar que Mágica é mis-
direction e misdirection é Mágica.

Não obstante, trata-se de uma técnica mal compreendida. Acredito


que isso ocorre por dois importantes motivos. Primeiro, a própria palavra
misdirection induz a uma compreensão equivocada do conceito. Como
veremos a seguir, de acordo com a etimologia da palavra, misdirection
implica perder a atenção, tirar a atenção. Na verdade, não é exatamente
assim que essa técnica funciona. Segundo, misdirection é, na maioria das
vezes, reduzido apenas ao nível físico do número de mágica. Como será
mostrado adiante, o misdirection pode ser aplicado também de outras
formas, com mais sutileza e mais complexidade.
Antes de prosseguir o estudo desse importante conceito, é preciso
compreendê-lo corretamente.

Misdirection revisitado
Do inglês, misdirection é uma palavra composta de duas partes: mis,
que signica perda; e direction, que signica direção. Misdirection,
SEÇÃO 8.2: MISDIRECTION 121

portanto, signica perder a direção, perder a atenção. Aplicada ao meio


mágico, misdirection signica tirar a atenção do espectador. Tommy
Wonder, insatisfeito com a compatibilidade desse signicado, brilhan-
temente redeniu esse conceito. Para ele, o termo deveria ser apenas
direction, pois não é possível tirar a atenção do espectador de um deter-
minado ponto. O que é possível de ser feito é redirecionar a atenção do
espectador para outro ponto. Portanto, a técnica não é desviar a atenção
da plateia para fora de um determinado ponto, mas sim redirecioná-la
para outro ponto. Quem estuda misdirection buscando um método de
fazer a plateia instantaneamente parar de concentrar sua atenção em
determinado ponto está no caminho errado.
Concordo plenamente com Tommy, mas a palavra misdirection já se
consolidou no vocabulário mágico de todo o mundo, e creio ser insensato
querer mudá-la. Peço ao leitor, portanto, que ignore a etimologia da
palavra e que compreenda a seguinte denição:

Misdirection é a técnica de redirecionar a atenção dos es-


pectadores de um ponto X para um ponto Y, de forma que
o desvio de rota seja natural e completamente despercebido
pela plateia.

É por esse motivo que eu disse, no início deste capítulo, que para
compreender a técnica de misdirection, é preciso, primeiro, compreender
o comportamento da atenção, isto é, como a atenção se concentra e como
ela relaxa. Depois que se entende como a atenção cresce e se dissipa, é
mais fácil compreender como ela pode ser redirecionada.
Apesar de o conceito de misdirection ser apenas um, essa técnica pode
ser estudada em várias situações distintas. Para garantir uma abordagem
mais detalhada, optei por dividir essa seção em subseções, cada uma
tratando de um caso especíco de misdirection. No entanto, é importante
ter em mente que cada um desses casos corresponde, apenas, a uma
particularização do caso geral, ou seja, o objetivo continua sendo estudar
o redirecionamento da atenção dos espectadores.

8.2.1 Misdirection físico


Como já disse, misdirection é um conceito mal compreendido por dois
motivos: primeiro, pela questão etimológica; segundo, pela tendência
de compreendê-lo, apenas, com base em elementos físicos. Na verdade,
os gestos, os movimentos e a linguagem corporal compõem apenas um
tipo de misdirection, que neste livro denominaremos misdirection físico.
122 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

Apesar de todos esses elementos físicos atuarem em conjunto durante


a performance  um fornecendo suporte para o outro , por motivos
didáticos, vou tentar separá-los para explicar melhor o conceito de mis-
direction físico:

• Gestos  Todo número de mágica exige um determinado conjunto


de gestos. Sabendo disso, o mágico pode aproveitá-los ou modicá-
los a seu favor. Gestos podem ser úteis para fazer com que o
centro de interesse coincida com a fonte de informação. Caso
a plateia não esteja com a atenção em determinado foco, aponte,
movimente os braços e o tronco, indique à plateia para onde ela
deve olhar. Quando os gestos indicam que determinado ponto é
alvo de interesse, a plateia concentra sua atenção a m de descobrir
se, de fato, o ponto é interessante.

Portanto, usar os gestos como misdirection parece ser um tanto


intuitivo: o mágico deve selecionar gestos que direcionem a atenção
da plateia para outro ponto, fora do foco onde ocorre o movimento
secreto.

• Movimento  É regra básica segundo a qual tudo que está em


movimento chama atenção. Logo, tudo que tem movimento pode
se tornar um centro de interesse. O mágico deve utilizar o movi-
mento a seu favor, tirando-o do que não deve ser alvo de interesse
e acrescentando-o ao que ele deseja tornar interessante.

Dai Vernon disse uma vez que O movimento maior cobre o mo-
vimento menor.
8 O motivo pelo qual isso é verdade é que, no-
vamente, o movimento é fonte de interesse. Quando há dois mo-
vimentos simultâneos, um pequeno e o outro maior, é claro que
a plateia consegue notar apenas o maior. Sabendo disso, o má-
gico pode, por exemplo, segurar um garfo com a mão esquerda e
entortá-lo, sem que a plateia perceba, se ele utilizar essa mesma
mão para arregaçar a manga do braço direito. Essa regra explica
também o sucesso do topit,9 ou seja, a desaparição e a aparição de
objetos sempre ocorrem cobertas por um movimento maior com os
braços.

• Linguagem corporal.  Misdirection coreográco (choreographic


misdirection ) é a expressão utilizada pelo mágico norueguês Jarle
8
A frase original de Dai Vernon é: The larger motion covers the smaller motion.
9
Topit é um acessório que ca no interior do blazer, ou do casaco. Michael Ammar,
Carl Cloutier, Salvano, Jay Scott Berry e Patrick Page, dentre outros, apresentam
informações bastante interessantes a respeito do topit.
SEÇÃO 8.2: MISDIRECTION 123

Leirpoll para se referir ao misdirection que se obtém por meio de


movimentos corporais. A linguagem corporal é um conceito mais
complexo do que os gestos, pois contempla movimentos mais sutis,
particulares de cada pessoa, como a forma de andar, a forma de
sentar, a forma de mexer os braços. Compreender sua própria
linguagem corporal é um importantíssimo passo para se entender
a importância da naturalidade na Arte Mágica. A naturalidade
será estudada mais adiante, na página 127, como uma técnica não
mecânica.

8.2.2 Misdirection verbal


Chamamos de  misdirection verbal a técnica de usar as palavras como
recurso de controle da atenção. Isso pode ser feito por meio de uma per-
gunta, de uma armação ou de uma curta piada. No número A Mágica
da Vida (página 65), por exemplo, o mágico inicia com a mão direita se-
gurando um ash paper, enquanto a mão esquerda precisa secretamente
empalmar uma bolinha. Falar à plateia que o que está na mão direita
não é um papel, mas sim um aglomerado de células de celulose genetica-
mente modicadas (ver script na página 170), é o suciente para atrair
a atenção dela para a mão direita, enquanto a outra mão ca livre para
executar o movimento secreto.
Na seção que discute o relaxamento da atenção, comentei a respeito
da eciência de uma gag para relaxar a atenção da plateia. Na verdade,
isso a pura aplicação da técnica de misdirection verbal. Michael Close,
famoso mágico norte-americano, disse:

Uma vez que eles pensam que é uma gag, eles fecham a
mente.
10

Isso demonstra que o mágico pode fazer uso de frases com humor para
redirecionar a atenção do espectador para outro ponto, fora de onde ele
pretende fazer o movimento secreto.

Ricochet (Tommy Wonder)


No volume 1 do livro Books of Wonder , Tommy Wonder apresenta bri-
lhantemente um belíssimo conceito, o Ricochet, derivado da técnica de
misdirection verbal. É, na verdade, uma solução para o frequente caso
em que um espectador não tira os olhos de um determinado ponto.

10
A frase original é  Once they think it's a gag, they close o their brains .
124 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

Suponha que você esteja fazendo algum número, o qual em deter-


minado momento, exige que se execute um movimento manual, e esse
movimento precisa ser feito quando ninguém estiver olhando. Ou seja,
é necessário que a atenção da plateia esteja concentrada em outro foco.
Caso contrário, ela notará que algo estranho ocorreu, e o efeito mágico
será completamente destruído. Suponha, também, que o momento de
realizar esse movimento chegou, e você percebe que um espectador, di-
gamos o espectador A, não tira os olhos de suas mãos. Por mais que
você use técnicas de concentração para prender a atenção de A a outro
local, ou técnicas de relaxamento para amenizar o nível de concentração
dele, nada funciona. Nem mesmo a monotonicidade  deixar as mãos
paradas até ela deixar de ser interessante  funciona. Você, então, opta
por utilizar um misdirection verbal: perguntar algo ao espectador A, de
forma que, para responder, seja necessário ele levantar o olhar e, conse-
quentemente, deslocar a atenção das suas mãos. Também não funciona.
Nada faz o espectador A tirar a concentração de suas mãos.
A solução é utilizar a técnica do Ricochet. Você continua fazendo
uso do misdirection verbal, mas em vez de direcionar uma pergunta ao
espectador A, você a direciona para outro espectador da plateia, um
espectador B. Quando uma pergunta é direcionada para alguém, todos
cam curiosos para saber a reação do espectador que foi indagado, e a
atenção é toda concentrada nele. Esse espectador é o novo centro de
interesse da plateia. Se a pergunta for direcionada para o espectador
B, até mesmo o espectador A vai, muito provavelmente, concentrar sua
atenção no espectador B. O motivo pelo qual isso funciona é que a deci-
são do espectador de olhar para suas mãos a m de descobrir o segredo
é um processo voluntário. Não adianta direcionar perguntas a ele, pois
ele perceberá que o propósito é desviar sua atenção. Quando uma per-
gunta é formulada a outra pessoa, a técnica se torna bem mais sutil. O
espectador A não percebe que a pergunta foi propositalmente elaborada
para que ele se concentre na pessoa para a qual a pergunta foi formulada.
Muito inteligente, não?

8.2.3 Misdirection de intensidade


Comentei a respeito do misdirection de intensidade na página 117, mas
repetirei a ideia. Quando o efeito mágico é forte, a plateia imediatamente
relaxa  inicia um momento de o-beat. A emoção é intensa, a ponto
de, momentaneamente tirar a capacidade de percepção dos espectadores,
fazendo com que a plateia que temporariamente com os sentidos frá-
geis. Sabendo disso, o mágico pode fazer uso desse estado, para realizar
SEÇÃO 8.2: MISDIRECTION 125

algum movimento secreto. Como a plateia está temporariamente frágil,


sua atenção jamais estará concentrada no que o mágico está fazendo.

8.2.4 Misdirection temporal


 Misdirection temporal é um termo criado pelo mágico americado Harry
Lorayne. A ideia é, basicamente, utilizar o tempo para redirecionar a
atenção do espectador.
Essa ideia já foi discutida anteriormente, na seção 7.3 (página 78),
quando apresentei o lapso temporal como estratégia de maximização.
Relembre o que é o conceito de lapso temporal, mais especicamente o
Forward Time Displacement e o Backward Time Displacement . Note
que é um recurso de misdirection temporal, pois ele faz o espectador
raciocinar de uma forma que o impossibilita desvendar como o fenômeno
impossível ocorreu. Quando o mágico estrategicamente separa a causa
(o segredo) da consequência (o fenômeno), a plateia não consegue en-
contrar onde o segredo ocorreu, simplesmente porque as pessoas sempre
procuram a causa em um intervalo de tempo próximo da consequência.
Um exemplo prático e simples de compreender o misdirection tem-
poral é a famosa técnica de forçar uma carta do baralho, o force em
cruz .
11 Esse force exige, obrigatoriamente, um período de tempo entre

o momento em que o espectador corta o baralho e o momento em que


o mágico entrega a carta livremente escolhida. Esse tempo é crucial:
em sua ausência, a plateia facilmente desconaria de que a carta da cruz
não é uma carta que estava no centro do baralho.

8.2.5 Misdirection mental


A plateia constrói, mentalmente, uma sequência de pistas a partir do que
ela vê. Esse processo é involuntário e ocorre sem que ela perceba. No
nal do número, quando o fenômeno impossível ocorre, os espectadores
revisam todo o processo mental na tentativa de descobrir o segredo.
Misdirection mental12 é a técnica de despistar não os olhos e a atenção da
plateia, mas o processo mental que cada espectador constrói. O propósito
é fazer com que, por mais que os espectadores raciocinem passo a passo,
eles jamais vão concluir como o fenômeno impossível foi realizado.

11
O force em cruz é um dos métodos mais fáceis de se forçar uma carta. Apesar
de sua simplicidade, é ainda utilizado por muitos mágicos, inclusive pelo Michael
Ammar. Para mais detalhes sobre esse force, consulte o livro do Roberto Giobbi
Card College, volume 1, página 85.
12
Em inglês, é utilizado o termo thematic misdirection .
126 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

Para redirecionar o processo mental da plateia, é preciso fazer com


que ela dê importância ao ponto errado. Não me rero ao nível visual,
fazendo a plateia olhar no ponto errado, mas sim ao nível mental, fazendo
a plateia concentrar seu pensamento no ponto errado. Deixe-me explicar
melhor como isso é possível, primeiro por meio de um exemplo fora do
contexto mágico. Leia essa historia:

Pedro entrou em uma loja com 1000 reais. Ele comprou


um perfume, que custava 175 reais; um casaco, que custava
220 reais; e um chapéu, que custava 100 reais. Mais tarde,
ele passou no banco e sacou mais 500 reais, e foi direto ao
aeroporto comprar uma passagem de avião, que custou 800
reais. Qual o nome do protagonista?

É claro que qualquer pessoa que ouvisse essa história jamais saberia
o nome do protagonista (lendo é mais fácil de perceber), pois ninguém
dá atenção a esse fato. O ouvinte pode até mesmo fazer as contas ma-
temáticas na cabeça e saber que o saldo nal do Pedro é de 205 reais,
mas jamais iria lembrar que o protagonista se chama Pedro. A história é
contada como se os objetos comprados e seus respectivos valores fossem
importantes, e o nome do protagonista fosse irrelevante. Sua mente foi
enganada.

Em um contexto mágico agora, é preciso fazer a mente da plateia


se preocupar com fatos que não são importantes para explicar como o
número foi realizado. Sempre que a plateia reconstruir as pistas, ela
lembrará apenas o que é irrelevante para descobrir o segredo.

Todos os espectadores, quando presenciam um fenômeno impossível,


fazem perguntas para si mesmo, como: Ele deixou essa caixinha na
mesa antes de eu assinar a carta. Como ela foi parar lá dentro? ou
Como minha aliança levitou se eu passei a mão por cima e vi que não
tinha nenhum o? O objetivo do mágico não é fazer os espectadores
pararem de formular perguntas, até mesmo porque, apesar de parecer
uma excelente solução, é impossível. Não há como fazer uma pessoa
simplesmente parar de pensar em uma coisa X. Há, entretanto, como
fazer a pessoa passar a pensar em uma coisa Y. Assim que ela pensa
em Y, ela esquece X. Portanto, o objetivo do mágico é fazer com que
os espectadores formulem as perguntas erradas, e o misdirection mental
torna isso possível. Por mais que a plateia faça perguntas, ela jamais vai
chegar à resposta correta, pois a pergunta, em si, está errada.
SEÇÃO 8.3: NATURALIDADE 127

Uso abundante do misdirection mental


Anteriormente, quando estudamos o relaxamento e a concentração, disse
que essas duas técnicas devem ser utilizadas com moderação. Quando
queremos criar misdirection por meio da concentração e/ou relaxamento,
é preciso tomar cuidado para que a plateia não descone que caiu em
uma armadilha, ou seja, a dose de concentração e/ou relaxamento deve
ser a mínima possível. Tão pequena que, se fosse utilizada um pouco
menos, o segredo seria exposto.

Ao contrário, quando se trata de misdirection mental, deve-se utilizar


a maior intensidade possível. A mente dos espectadores deve sempre
estar longe do caminho correto, aquele que leva ao segredo. Quanto mais
longe, melhor. Logo, quanto mais misdirection mental, melhor. Procure
sempre estruturar cada número de seu repertório de forma que a plateia
sempre faça a pergunta errada e, assim, por mais que reconstruam as
pistas, jamais chegarão ao segredo.

8.3 Naturalidade

Dai Vernon disse: Seja natural.


13 Todos os mágicos ouvem que é preciso

ser natural, que é preciso agir com naturalidade. Mas anal, o que é ser
natural?

Ser natural é fazer os movimentos secretos como se zesse qualquer


outro tipo de movimento. É preciso compreender a própria linguagem
corporal para os movimentos secretos serem corretamente inseridos nesse
padrão, e a plateia não perceber a diferença entre os movimentos secretos
e os movimentos comuns. A frase de Vernon, apesar de curta, é bastante
signicativa.

Todas as técnicas, sem exceção, precisam ser naturais. Basta um


simples movimento (como o empalme de uma moeda) não ser natural
para rapidamente ele ser detectado pelos olhos dos espectadores. Nesse
caso, a plateia imediatamente foca a atenção no ponto onde o mágico não
desejava, atrapalhando completamente a tática de controle da atenção e
destruindo a atmosfera mágica.

Alguns mágicos acreditam que a naturalidade é uma característica


nata, que você pode ou não possuir. Isso é um grande mito! A natura-
lidade é uma técnica que precisa ser praticada para ser adquirida. Não
duvido que alguns podem ter uma maior facilidade em ser natural, mas

13
A frase original é Be natural .
128 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

tenho certeza de que, com o treinamento correto, todos conseguem agir


naturalmente.

Vale apontar o frequente caso em que um mágico, entusiasmado com


o sucesso dos números apresentados por outro, copia a performance desse
e executa os números exatamente da mesma forma. O problema é que
os movimentos de uma determinada pessoa podem não ser compatíveis
com a dinâmica corporal de outra. Lembre-se: o que é natural
para um indivíduo pode não ser para outro. A linguagem corporal
das pessoas é diferente! Essa é uma importante lição que serve para
explicar por que mágicos plagiadores de rotinas tendem ao fracasso. Da
mesma forma que um comediante não deve contar piadas exatamente
como outro, e que uma banda de música não deve tocar exatamente
como outra, um mágico também não deve executar números exatamente
como outro. É tudo uma questão de compatibilidade. Compatibilidade
entre o que você apresenta e quem você é.

Espelhamento
O espelhamento é uma técnica utilizada para evitar que uma ação se
torne um centro de interesse. Quando uma ação é independente, isto é,
quando uma mão se move sozinha independente de outra, o movimento
imediatamente chama atenção da plateia. Quando as ações são espe-
lhadas, ou seja, quando as duas mãos executam o mesmo movimento
simultaneamente, a atenção da plateia é dividida entre os dois movimen-
tos ou até mesmo diminuída. Dessa forma, o espelhamento é uma técnica
diretamente relacionada à naturalidade.

Sabendo disso, podemos ensaiar rotinas espelhando as ações que de-


sejamos não ser percebidas pela plateia. Tommy Wonder, por exemplo,
fazia uso do espelhamento para trocar um baralho por outro, sem que a
plateia percebesse. Tommy cava com o baralho em sua mão esquerda
e, em um momento de o-beat, introduzia ambas as mãos no bolso do
paletó. A mão esquerda largava o baralho A e a mão direita pegava um
baralho B. As mãos saíam do bolso e voltavam à posição inicial, como
se nada tivesse ocorrido.
14 É claro que, se a mão direita casse parada

e apenas a mão esquerda fosse para o bolso efetuar a troca, esse movi-
mento despertaria a atenção da plateia. Quando a ação é espelhada, ela
parece ser mais casual.

14
Comentei sobre esse procedimento anteriormente, na página 116. Quando a aten-
ção for retomada, é preciso voltar à mesma conguração visual que existia antes.
Dessa forma, a plateia não percebe que ocorreu algo durante o momento de o-beat.
SEÇÃO 8.4: ESTRUTURA 129

8.4 Estrutura

Estrutura é uma técnica?

Na página 54, examinamos os elementos de um número de mágica. Veja


a gura 6.1 e lembre que a estrutura foi denida como um desses ele-
mentos. O leitor deve estar se perguntando por que incluir essa seção
dentro de um capítulo sobre técnicas não mecânicas que, na verdade, per-
tence ao método de um número de mágica e não à estrutura. Bem,
a verdade é que a estrutura está intimamente ligada ao método, como a
linha número 10 da gura 6.2 mesmo explica. Apesar de ter considerado
a estrutura um elemento à parte na gura 6.1, ainda vejo uma grande
semelhança entre o estudo da estrutura e o estudo de outras técnicas não
mecâncias. Por esse motivo, resolvi incluir uma seção exclusiva sobre a
estrutura dentro do capítulo sobre técnicas não mecânicas.

A estrutura de um número

Como disse muitas palavras atrás, mesmo que a parte técnica do número
esteja perfeita, é ainda possível a plateia descobrir como o número foi
feito. Usando as terminologias da seção 5.2, podemos dizer que existe a
possibilidade de a plateia acreditar no método, mas não se convencer
do fenômeno. A estrutura, a apresentação e as técnicas, como o mis-
direction, todos servem para atuar no psicológico da plateia e garantir
que o número tenha sucesso. Porém, o que diferencia a estrutura desses
demais fatores também psicológicos é que a estrutura existe antes
mesmo do momento de performance. Todos os outros fatores que
interferem na psique da plateia só podem existir durante a performance:
não é possível intensicar ou relaxar a concentração da plateia sem estar
executando algum número, muito menos criar um momento de o-beat.
A estrutura, por sua vez, existe antes mesmo do momento de perfor-
mance, pois ela é inerente à forma como o número foi construído e não
como o número é apresentado.
Quando os mágicos tentam tornar seus números mais fortes, na maio-
ria das vezes eles investigam o que há de errado com as técnicas mecânicas
ou então com o misdirection. Se a plateia não está convencida de que um
objeto sumiu, por exemplo, o mágico logo procura melhorar sua técnica
mecânica (um empalme por exemplo) ou então melhorar seu desvio de
atenção. Muitas vezes, porém, o problema pode estar na forma como
o número foi construído, e uma alteração nas técnicas seria inecaz. A
verdade é que um número ruim tem grande probabilidade de ser um
130 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

número mal estruturado. Fazendo uma analogia, podemos pensar que


nada adianta ter o melhor tijolo para construir uma casa, se as pilastras
e as vigas principais forem fracas. Com certeza, a casa vai ser frágil.
Justamente por isso, talvez esse seja um dos assuntos mais importantes
deste livro.

Vamos analisar um exemplo prático. Na página 86 da seção 7.3.2,


que discute o lapso temporal e o intervalo de importância, comentei
sobre dois números: a desaparição de uma moeda e a desaparição de
uma gaiola de passarinho.

A diferença entre o exemplo da desaparição da gaiola e o exemplo da


desaparição da moeda é que esse exige uma reestruturação, enquanto que
aquele não. Essa análise é um tanto sutil, pois o problema incide no pen-
samento da plateia, depois que o objeto sumiu. Fazer uma moeda sumir
por falso depósito implica uma natural desconança do público nas mãos
do mágico. Se esse mostra que a esquerda está vazia, a atenção da pla-
teia se dirige para a mão direita, por melhor que tenha sido sua técnica
mecânica e não mecânica  o falso depósito e o misdirection respecti-
vamente. Acreditar que um falso depósito e um bom direcionamento da
atenção do público são sucientes para não se preocupar mais com a mão
direita é uma grande ingenuidade. No caso da desaparição da gaiola, o
caso é completamente diferente. Por fazer uso de um método distinto, a
gaiola desaparece sem deixar vestígio algum. Ela simplesmente passa a
não existir no planeta. Tudo é feito de mangas arregaçadas. Ao contrá-
rio de desaparecer uma moeda por meio de um empalme, o número de
desaparição da gaiola termina sem deixar suspeitas. Em jargão mágico,
you end clean.
Como, então, solucionar o problema de desaparição da moeda? Há
duas formas: mudar o método ou reestruturar o número. Sugestões
para mudança do método: sleeving, topit, Pentium Vanish, Pitch and
Ditch, reel, pull, etc. Quem sabe até uma lavagem de mão resolveria.
Sugestões para reestruturar o número: incluir outro objeto no número,
como uma caneta por exemplo, que serviria de elemento adicional de
interesse. Isso deixaria a mão direita ocupada e com algum propósito
plausível de car fechada. Outra sugestão seria simular a necessidade de
um isqueiro, que está no bolso, após a transferência falsa. Ao retirar o
isqueiro com a mão direita, a moeda pode ser secretamente depositada
no bolso, sem qualquer vestígio.

Note que, teoricamente, a estrutura do número é feita antes do mo-


mento da performance. O mágico apresenta o número já sabendo que
vai precisar de um isqueiro, que está propositalmente no bolso.
SEÇÃO 8.4: ESTRUTURA 131

Vamos ver outro exemplo. Na página 65, dei o exemplo de uma rotina
com bolas de espuma. Na apresentação da maioria dos mágicos, uma
bola desaparece segundos depois de um falso depósito. Como um falso
depósito com bolas de espuma, mesmo que bem feito, dicilmente é um
movimento completamente natural, o espectador pode ter ideia do que
ocorreu, pois ele conecta o momento em que a bola sumiu ao movimento
que achou levemente estranho. Se não houver outras estratégias para
despistar o raciocínio do espectador, o efeito mágico se enfraquece.
Sabendo disso, estruturei o número de forma que todos os passos de
falso depósito fossem cobertos com outras ações, tornando simplesmente
impossível da plateia perceber minha mecânica. Veja:

1. Primeiro falso depósito: coloco uma bola em cada mão e elas ter-
minam juntas, na mesma mão. Quando minha mão direita faz o
falso depósito na mão esquerda, ela imediatamente, com a bola
empalmada, pega a segunda bola na mesa com os dedos indicador
e polegar. Nesse momento, a atenção da plateia está na segunda
bola e não na minha mão direita, que está fechada. A segunda bola
também ca dentro da mão direita, junto com a primeira. Quando
eu abro minhas duas mãos, as duas bolas estão juntas;

2. Segundo falso depósito: coloco uma bola na minha mão e a outra


na mão do espectador. A minha bola some e aparece na dobra do
braço dele. Como no primeiro caso, logo após minha mão direita
fazer o falso depósito na mão esquerda, ela imediatamente pega a
segunda bola na mesa com o indicador e o polegar. Minha mão
direita tem motivo suciente para car fechada, pois ela está se-
gurando a segunda bola apenas com os dois dedos e mostrando-a
à plateia. Agora, a mão direita larga a segunda bola na mão es-
querda do espectador e pede para ele fechar a mão e dobrar o braço.
Quando eu largo a segunda bola na mão do espectador, acabo de
perder o motivo que tinha para minha mão direita car fechada,
segurando secretamente uma das bolas. Por isso, ao largar uma
bola na mão do espectador, minha mão direita vai imediatamente
em direção a seu braço e deposita a bola empalmada na dobra do
braço. Como já foi dito, isso tudo é feito ao pedir para ele dobrar
o braço;

3. Terceiro falso depósito: uma das bolas ca na mão do especta-


dor, e a outra ca comigo. Eu simulo empurrar a bola que está
comigo contra o dorso da mão do espectador e, no nal, as duas
aparecem juntas. Nessa etapa, eu já estou com a terceira bola.
132 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS

A plateia vê apenas duas, mas minha mão direita está com uma
terceira empalmada. Cada mão segura uma bola com o indicador
e o polegar. Novamente, essa posição é um motivo plausível para a
mão direita car fechada, com uma bola secretamente escondida.
Quando coloco a bola da mão direita na mão do espectador, adi-
ciono secretamente a bola empalmada. Agora o espectador está
segurando duas bolas, mas acha que é apenas uma. Para fazer
a bola que está comigo desaparecer por meio de um falso depó-
sito, teria que deixar a bola empalmada na mão direita. Mas seria
muito difícil justicar a mão direita estar fechada, porque agora
não tenho nenhuma bola disponível para car segurando. A solu-
ção que criei foi fazer o falso depósito da mão direita para a mão
esquerda e, imediatamente, segurar o antebraço do espectador (an-
tebraço esquerdo) com minha mão direita. Para a plateia eu estou
segurando rmemente o antebraço para mantê-lo parado enquanto
tento pressionar a bola para atravessar a mão do espectador. Mas
obviamente, isso é apenas um motivo para minha mão direita não
car à toa, em uma posição que não seria nada natural.

8.5 Timing
Timing é um termo em inglês, porém universalmente utilizado pelos má-
gicos. Por ser um conceito bem subjetivo, é difícil explicar em palavras.
Uma denição simples, mas eciente, é a feita por Ascanio:

Timing é a técnica de se executar cada ação no momento


correto, com a intensidade correta, e demonstrando o nível
de interesse correto.
15

Para compreender a importância dessa técnica, basta reetir a respeito


do fato de que um número bem executado é, entre outros fatores, um
número em que cada movimento foi executado em seu momento correto.
Repare que incluí o timing como a última técnica deste capítulo. O
motivo pelo qual optei por isso é que, para se compreender o uso prático
do timing, é preciso, antes, compreender a teoria do controle da atenção e
a teoria do misdirection, bem como alguns conceitos derivados de ambas,
como: centro de interesse, o-beat, monotonicidade, naturalidade, etc.

15
The Structural Conception of Magic, página 60.
SEÇÃO 8.5: TIMING 133

Ter um bom timing é compreender exatamente os momentos de con-


centração e de relaxamento ( o-beat ) do show, de modo que seja possível
executar os movimentos no momento certo, não apenas os movimentos
secretos, mas também os que devem ser percebidos pela plateia, para que
ela absorva cada fonte de informação. Ter um bom timing é compreen-
der qual o grau de importância que cada movimento exige, de forma a
criar exatamente a dose de concentração ou de relaxamento desejada; é
saber coordenar o momento de fala, o momento de silêncio e o momento
de executar um movimento secreto, fazendo com que tudo pareça ser
natural.
Resumindo, de nada adianta dominar outras técnicas, mecânicas e
não mecânicas, sem ter um bom timing. É ele que garante a coordenação
de tudo, de modo a não existir nenhuma peça solta, e a sincronia total.
Executar um número fora do timing é como cantar uma música fora do
ritmo.

Interação conjunta entre as técnicas não mecâni-


cas

Embora intuitivo, vale lembrar que todas as técnicas e conceitos apresen-


tados neste capítulo devem funcionar conjuntamente. É bastante com-
plicado analisar uma delas isoladamente. A abordagem que escolhi fazer
neste livro, separando cada conceito em seções, é uma preocupação muito
mais didática do que realista. Na prática, deve-se dominar todas essas
técnicas e compreender todos os conceitos. Dessa forma, ca até difícil
pensar em um deles separado dos demais. Como pensar em desviar a
atenção sem pensar em como controlá-la? Como pensar na estrutura de
um número de mágica sem ter em mente o timing do número? Como ser
natural, sem ter em mente todas as outras técnicas? Impossível.
Portanto, peço que o leitor raciocine a respeito deste capítulo, sem-
pre tendo em mente a interação de cada técnica com as demais e a
consequência nal no número, que é o maior objetivo.
Parte III

Por Fora do Número de


Mágica

135
Capítulo 9

Apresentação de um número

9.1 O Processo de comunicação

Para entender a dinâmica entre o que o mágico faz e o que a plateia


percebe e para entender as técnicas e os métodos utilizados para interferir
nesse processo, é importante estudar o complexo ato da comunicação,
que compreende um emissor, uma mensagem, um receptor, um canal,
um código e um referente:
1

Emissor  aquele que transmite a mensagem codicada, dando início


ao processo de comunicação;

Mensagem  a informação contida, o conteúdo. Pode ser: a descrição


de fatos, ideias, emoções, etc;

Receptor  aquele que recebe a mensagem e a decodica, ou seja, que


a compreende;

Código  conjunto de signos utilizados na transmissão e na recepção


da mensagem;

Canal  meio físico pelo qual o emissor envia a mensagem ao receptor.


Pode ser: o oral (a fala), o escrito (carta), o gestual (movimentos);

Referente  assunto ao qual a mensagem se refere.

Basicamente, é o processo pelo qual um emissor envia uma mensagem


codicada a um receptor por meio de um canal. O receptor recebe e

1
Esse modelo vem sendo debatido desde os anos 70 (ver, por exemplo, Hall 2005),
mas continua sendo válido para os propósitos deste livro.

137
138 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

decodica a mensagem. A partir daí, ele envia uma resposta ao emissor


a qual, em termos técnicos, é chamada de feedback . A gura 9.1 mostra
isso com detalhes.
O feedback, ou resposta, pode ser comprometido ou impedido por
um ruído na comunicação. Ruído é tudo que torna o processo de co-
municação deciente. Ele pode ocorrer com qualquer um dos elementos
do processo: emissor, receptor, mensagem, código, canal e referente.
Quanto menos ruído houver no processo, mais eciente ele será.

Figura 9.1: O processo de comunicação.

sentido do processo de comunicação

canal
emissor mensagem receptor

feedback

Fonte: Elaboração própria.

9.2 O Processo de comunicação na Arte Mágica

Bem, o que isso tem a ver com a Arte Mágica? Tudo. Como foi discutido
no capítulo 1, fazer arte é criar, é expressar aquilo que se cria. Arte
é a expressão da criatividade em qualquer forma, seja na pintura, na
escultura, na literatura, na dança, na fotograa ou em um número de
mágica. Logo, qualquer forma de arte é um processo de comunicação.
A maior prova de que a execução de um número de mágica é um
ato de comunicação é o fato de que é possível interagir com pessoas
SEÇÃO 9.2: O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA ARTE MÁGICA 139

independente de diferenças etárias, culturais e linguísticas, apenas por


meio de um número de mágica. É possível transmitir ideias, passar
mensagens e causar emoções sem dizer uma única palavra. Cada número
executado constitui um processo de comunicação separado.
No caso especíco da Arte Mágica, os elementos do processo de co-
municação podem ser denidos como:

Emissor  o mágico;

Mensagem  o propósito de cada número de mágica (ver gura 6.1);

Receptor  a plateia;

Código  as palavras, os gestos, as expressões faciais e a linguagem


corporal do mágico;
2

Canal  o número de mágica;

Referente  assunto ao qual o número de mágica se refere.

Utilizando essas denições, pode-se adaptar a gura 9.1. Veja agora


a gura 9.2.
O que você, mágico e emissor do processo, faz é percebido pela plateia
por sua linguagem verbal, o que você fala, e não verbal, sua expressão
facial e sua linguagem corporal. O código utilizado pelo mágico não é
apenas a palavra, mas também a simbologia. Os sinais não verbais estão
carregados de emoções e atitudes interpessoais.
O canal, por meio do qual a mensagem é enviada à plateia (receptor)
é o próprio número de mágica.
A plateia vai testemunhar o número de mágica e vai decodicar as
palavras e a linguagem corporal do mágico, para absorver a informação,
ou seja, aquilo que ele quis transmitir com seu número. A informação é
justamente seu propósito, como discutido na página 57.
Em um exemplo prático, lembre do número em que David Copper-
eld atravessa a Muralha da China (citado anteriormente na página 59).
Vamos tentar situar os elementos da comunicação:

Emissor  David Coppereld;

Mensagem  demonstração;
2
Para compreender melhor como o mágico pode fazer uso de gestos, de expressões
faciais e de sua linguagem corporal para comunicar-se com o público, consulte o
fabuloso livro Los Cinco Puntos Magicos escrito por Juan Tamariz.
140 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

Figura 9.2: O processo de comunicação no caso especíco da Arte Má-


gica.

sentido do processo de comunicação

mágica
mágico propósito plateia

feedback
a plateia acreditou ou ficou convencida?

Fonte: Elaboração própria.

Receptor  a plateia presente no local e todos os tele-espectadores que


assistiram pela televisão;

Código  os gestos, a movimentação e a linguagem corporal de Cop-


pereld;

Canal  o número de mágica (atravessar a Muralha da China);

Referente  Muralha da China.

No número A Mágica da Vida (rotina com bolas de espuma expli-


cada na página 65), os elementos do processo de comunicação podem ser
denidos como:

Emissor  o mágico;

Mensagem  mostrar como dois objetos inanimados podem ter carac-


terísticas de seres vivos;
SEÇÃO 9.2: O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA ARTE MÁGICA 141

Receptor  o espectador voluntário e toda a plateia que assiste ao


número;

Código  as palavras, os gestos, a movimentação e a linguagem cor-


poral do mágico;

Canal  o número de mágica (A Mágica da Vida);

Referente  objetos com características de seres vivos.

Após ter recebido a mensagem, a plateia dá seu feedback, que será a


reação ao que presenciou. Cabe ao mágico analisar o feedback e deduzir se
a mensagem foi compreendida. Você conseguiu transmitir o que queria?
A reação obtida foi compatível com a esperada? Sua plateia riu, chorou
ou cou calada?
Na verdade, a análise do feedback não pode ser resumida apenas à
reação física da plateia (risadas, lágrimas, espanto, silêncio, etc). A rea-
ção psicológica da plateia (reação interna de cada espectador) é
de fundamental importância! Na seção 5.2 foram discutidos os con-
ceitos de convencer e acreditar. Para lembrar o leitor, segue abaixo
um trecho importante da página 32:

(...) quando se trata do segredo (que é o método), a plateia


deve acreditar que não existe nenhum. Quando se trata do
fenômeno, ela deve estar apenas convencida de sua exiên-
cia. Em outras palavras, o mágico deve ser capaz de simular
a inexistência total de qualquer artifício secreto que possa
provocar o fenômeno. Deve ser capaz de fazer a plateia não
duvidar do efeito e muito menos questionar sua falsidade. Po-
rém, em momento algum, a plateia deve crer na veracidade
dos poderes simulados e acreditar que o mágico é uma es-
pécie de paranormal.

Retomando esses conceitos, pode-se concluir o quão importante é ga-


rantir um bom processo de comunicação com a plateia. Se houver ruídos,
a plateia pode, por exemplo, indevidamente acreditar no fenômeno, em
vez de, apenas, se convencer dele. Como já foi dito à página 59, não
queremos, por exemplo, que a plateia acredite que David Coppereld é
algum tipo de fantasma que atravessa paredes. Queremos somente que a
plateia se convença do fenômeno: de que, naquele momento, ele conse-
guiu atravessar a Muralha da China. Essa reação psicológica da plateia
deve ser interpretada por meio do feedback que o público (receptor do
processo) dá ao mágico (emissor do processo).
142 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

Para que um efeito mágico tenha sucesso, é importante denir com


clareza esses elementos da comunicação e compreender o que se passa
na mente da plateia. O propósito (informação da mensagem) está de-
nido? O código está limpo, sem ruídos? O receptor compreendeu sua
mensagem? Qual foi o feedback ?
Como o feedback é a última etapa do processo, é possível denir o
objetivo maior do mágico: garantir o feedback desejado. Se o mágico
consegue despertar na plateia a reação que esperava, então ele
conseguiu eliminar ruídos, seu número foi bom e seu propósito
foi claro. O objetivo foi alcançado.

9.3 Usando scripts


O script de um número de mágica é basicamente o diálogo entre o má-
gico e determinado espectador ou a plateia, que vai ocorrer durante a
execução do efeito. Para alguns, o objetivo de um script é apenas denir
a parte verbal do número e evitar falar coisas como hum... e é...,
quando se está diante de uma plateia.
Sim, um script também tem esse objetivo. Porém, sua nalidade é
muito maior que isso: o script é fundamental para um bom processo de
comunicação (ver gura 9.2). Além de auxiliar a eliminação de ruídos e
garantir que o espectador interprete com mais exatidão o que você está
transmitindo, o script clareia os pensamentos a respeito do efeito e deixa
seu número mais poderoso. Ele ajuda a compreensão e a visualização do
fenômeno que se pretende provar, além de permitir a vericação de sua
prova, se ela é ecaz como você acha que é.
Vários aspectos podem interferir na compreensão de um ato mágico
pela plateia: o objetivo do mágico, as técnicas de maximização utilizadas,
as técnicas de controle de atenção, a linguagem verbal e a não verbal, etc.
Porém, um dos que mais interferem nesse processo é a interpretação
que o próprio mágico faz de suas ações. Lembre-se: o que você
interpreta de suas ações é essencial para determinar o que a plateia vai
interpretar delas. Tendo em mente o processo de comunicação, tal como
ilustrado pela gura 9.2, pode-se imaginar que um ruído no emissor (uma
má interpretação do mágico do que ele mesmo está fazendo) compromete
todo o processo de comunicação (má interpretação do número de mágica
pela plateia). Um script evita muito o surgimento de ruídos no emissor
e na mensagem e, assim, garantir um processo de comunicação eciente!
John Lovick disse uma coisa interessante: se você tiver costume de
seguir um script e lmar seus shows, vai ser mais fácil descobrir o que
SEÇÃO 9.3: USANDO SCRIPTS 143

funciona com a plateia e o que não funciona. Você consegue acompanhar,


passo a passo, o que falou e fez e pode identicar o que deve permanecer
e o que deve ser alterado.

Não quero dizer, de forma alguma, que você deve seguir seu script
de cabo a rabo. Se você zer isso, a plateia vai perceber, por exem-
plo, a estrutura mecânica da frase, a falta de naturalidade no diálogo.
Duvido que você nunca tenha participado de alguma palestra na qual
o palestrante parecia um robô falando. Já vi isso milhares de vezes; é
entediante.

Um script existe exatamente para evitar isso. E ele tanto dene e


marca os pontos importantes do diálogo como um todo, como também
permite que se fuja da ideia central, para depois voltar. Imagine se
você não tivesse a mínima ideia do que falar e inventasse alguma coisa
de improviso. Caso ocorresse alguma externalidade, algum espectador
inconveniente da plateia atrapalhasse o show ou algo inesperado com os
equipamentos, você perderia a concentração e não teria a mínima noção
de como voltar ao assunto. Mas com um script, você ganha a segurança
de poder exibilizar o diálogo e sempre voltar ao assunto principal. Fica
mais fácil falar com espontaneidade. É como se você quisesse sair de
um ponto A e chegar a um ponto B, tendo que passar por situações
imprevistas e desconhecidas que podem variar a cada show. Mas, com o
script, jamais o deixariam perdido.
O uso do script permite que o mágico se encontre sempre, mesmo di-
ante de situações inesperadas. O script não interfere na espontaneidade,
e a plateia deve sentir como se fosse a primeira vez que você utilizasse
aquelas palavras. Ela deve sentir o frescor de seu diálogo, mesmo que ele
seja de longa data. Se você duvida que isso seja possível, lembre que na
melhor cena do seu lme favorito e no show de Stand Up Comedy que
você mais gosta os atores utilizaram um script. O que eles falam, ape-
sar de parecer espontâneo, já estava pré-denido e decorado há bastante
tempo.

Resumindo, um script não serve somente para criar histórias para


cada número em seu repertório. Ele serve, principalmente, para traçar
um objetivo e permitir que você o alcance mais facilmente. Faz com
que o processo de comunicação (descrito na seção anterior) que livre de
ruídos e falhas.

Um script deve ser escrito do ponto de vista da plateia. É o que a


plateia percebe de seu número. Se uma determinada ação está no script,
é porque a plateia a viu ou pelo menos deveria ter visto.

No apêndice B, disponibilizei meus scripts utilizados nos números


144 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

que comentei ao longo do livro. Como disse na seção 5.6, não vejo pro-
blema algum em pegar ideias de apresentação, de abordagens e de efeitos
mágicos de outros artistas. Grande parte das estruturas de números que
caram famosos são baseadas em ideias de outros mágicos (dei o exem-
plo do Baralho Invisível na seção 5.6). Se você aproveitar alguma coisa
de meus scripts, ótimo! Vou car feliz. Mas por favor, não cometa plá-
gio, não copie. Plágios de script são facilmente percebidos. Invista em
suas ideias; será muito mais proveitoso. Eu garanto! Lembre-se de que
o script deve sempre estar de acordo com a personalidade do mágico.
Copiar o script de outro mágico é o caminho para o fracasso. É como
tentar ser mais elegante vestindo a roupa de outra pessoa. Uma roupa
que ca bonita em alguém pode não car bonita em você, pois é muito
provável que você tenha um porte físico diferente e um estilo de se vestir
diferente.

9.3.1 O Script silencioso


Como foi dito páginas atrás, o mágico deve ser um ator. Porém, não é
tão simples convencer pessoas de que você é um mágico, capaz de rea-
lizar fenômenos impossíveis. Não surpreendentemente, uma das maiores
diculdades do mágico é justamente atuar.
O fator que mais contribui para a falta de credibilidade em um ato
de mágica é a incompatibilidade entre o que o mágico fala e o que ele
sente. Podemos perceber, na prática, inúmeros exemplos nos quais o
mágico não expressa o que ele fala por meio de sua expressão facial e
da linguagem corporal. É como dançar fora do ritmo da música. Isso é
muito comum, pois a preocupação maior é, injustamente, a linguagem
verbal, esquecendo-se que, na verdade, em torno de 80% da comunicação
ocorre por meio da linguagem não verbal. Quando se tem em mente
apenas o que vai ser falado, é possível cair na armadilha de ser afetado
pelos sentimentos e sensações do momento, os quais, muitas vezes, são
completamente diferentes dos sentimentos e sensações que o número está
propondo. Logo vem a pergunta: como dar credibilidade ao número para
mostrar à plateia que você está fazendo algo realmente verdadeiro?
O script silencioso é uma técnica que resolve consideravelmente esse
problema. É muito utilizada por atores, porém pouco conhecida pelos
mágicos. Basicamente, a ideia é escrever um script também para seus
pensamentos, em vez de se preocupar apenas com sua fala, como no
script usual. Eu aprendi o script silencioso quando fazia aulas de teatro
e só depois disso descobri que já existiam alguns registros dessa técnica
no meio mágico.
SEÇÃO 9.3: USANDO SCRIPTS 145

Quando temos denido um script para o que vamos pensar, garan-


timos que as expressões corporais vão ser coerentes com a fala e com os
gestos. Logo, em um número de mentalismo, por exemplo, o mágico vai
realmente expressar sua própria sensação de mistério e de certeza (ou
de incerteza) sobre o futuro. Em um número de levitação, o mágico vai
expressar seu próprio encanto com a maravilha de estar fazendo levitar
um objeto. Nada adiantaria fazer um número de mentalismo, se nem
mesmo você acredita no que está ocorrendo ou fazer um objeto levitar,
se que nem você acredita que é capaz de fazer algo levitar sem um o.
Dessa forma, o script silencioso predene o pensamento do mágico
em determinados momentos do ato, de forma a evitar o distanciamento
entre as sensações que o número deveria passar e o que o mágico está,
de fato, sentindo.
Outra vantagem do script silencioso é a maior segurança que ele pro-
picia em possíveis adversidades durante o show. Quando ocorre algum
fator exógeno, o raciocínio do mágico pode ser perturbado e, muitas
vezes, ele pode perder o foco da parte emocional do número. Se um es-
pectador inconveniente atrapalhar a performance ou algum equipamento
cair no chão e quebrar, é muito provável que o mágico perca o foco do
pensamento. O script silencioso garante a você saber exatamente o que
pensar e quando pensar, independente de condições adversas.
Para exemplicar na prática, vou citar dois números já utilizados de
exemplos ao longo do livro e escreverei alguns trechos de um possível
script silencioso. Como exercício, deixo para o leitor a tarefa de escrever
o script silencioso completo.
No número A Mágica da Vida (página 65), há uma parte em que
o mágico tenta passar invisivelmente uma bolinha de sua mão para a
mão do espectador, mas, na verdade, sua bolinha vai parar presa entre
o braço e o ante-braço desse espectador. Para facilitar a compreensão,
esse momento ocorre exatamente na página 173, no trecho Ana abre a
mão mas só aparece uma bola. Quando ela estende o braço ela descobre
que a outra bola está na dobra do braço dela!. Quando apresento o
número e pela forma como está escrito o script, esse acontecimento deve
ser inesperado. Era como se algo realmente tivesse dado errado. Logo,
meu script silencioso é:

Uai, cadê a bolinha? Cadê? Eita, tá no cotovelo dela! É...


alguma coisa deu errado aqui...

Isso é exatamente o que eu estou treinado para pensar exatamente no


momento em que Ana abre as mãos e não encontra as duas bolinhas
dentro.
146 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

No número Memória Extraordinária (página 68), ao ngir estar


procurando a carta após o espectador tê-la mudado de lugar, um bom
script silencioso seria:

Cadê a carta... 5 de paus, 9 de copas, 4 de ouros, valete de


paus... qual carta será que foi mudada de lugar? Será que
foi o oito de ouros? Não, acho que não. Ah, já sei!

Falar esse trecho mentalmente garante que você vai apresentar uma
expressão facial como se realmente estivesse procurando alguma falha
na ordem das cartas. Se o espectador não se convencer de que você
realmente memorizou a ordem das cartas, o número inteiro vai por água
abaixo: ele pode não saber como você encontrou a carta escolhida, mas
vai ter certeza de que não foi por meio de sua memória.

9.4 A Pirâmide Mágica

No capítulo 6, analisamos os vários elementos que, a meu ver, compõem


um número de mágica. Como foi dito, todos os elementos são, no con-
junto, essenciais para que o número de mágica tenha sucesso. Sozinhos,
eles seriam pouco poderosos.
Entretanto, é fácil perceber que nem sempre existe, na performance
dos mágicos, um completo equilíbrio entre esses elementos. Muitas ve-
zes, um deles se destaca. Por exemplo, existem mágicos que são conhe-
cidos pela genialidade do método, como era EdMarlo, um estudioso de
cartomagia. Seus números são conhecidos, ainda hoje, pela técnica re-
volucionária. Outros mágicos são conhecidos pela apresentação, como
é o caso de Michael Finney. Existem ainda aqueles que são conhecidos
pela personagem, como por exemplo, Rudy Coby. Enm, apesar de
todos os mágicos (os mágicos competentes) dependerem do conjunto dos
elementos, muitas vezes um desses elementos acaba tendo um maior des-
taque perante os demais. O que se destaca é justamente o determinante
do estilo de cada um. Isso gera a dúvida que a maioria dos estudantes
da Arte Mágica costuma ter: em qual dos elementos devo investir mais?
Essa pergunta é muito delicada e não cabe a ninguém tentar respondê-
la. Acredito que é muito mais uma questão de intuição do que de regra.
Depende de cada um.
Não obstante, algumas teorias formulam uma ordem hierárquica para
os elementos, ou seja, denem níveis de importância entre eles. É claro
que os elementos não são sempre xos, variam de acordo com a concepção
SEÇÃO 9.4: A PIRÂMIDE MÁGICA 147

de cada mágico, como foi dito no capítulo 6. A teoria que fundamenta


esses níveis de importância é chamada de Pirâmide Mágica.

Há vários modelos de pirâmides. Porém, um dos modelos com o qual


eu mais me identico é o denido por Juan Tamariz, representado na
3 Nada impede que você procure outros modelos de pirâmide,
gura 9.3.
4
como por exemplo, o modelo do Roberto Giobbi. Reforço que são ape-
nas modelos, ou seja, não são representações éis da realidade. Servem
mais para reexão do que para ser estritamente obedecido.

Figura 9.3: Os cinco pisos da Pirâmide Mágica, segundo Juan Tamariz.

Pirâmide Mágica de Juan Tamariz


O que se vê

{ 5 - Apresentação
Como?

O que se sente

4 - Emoções O oculto
(o que sustenta)

{ 3 - Método
Que?

A base de tudo
2 - Efeito

{
Quem?

1- Personagem
(Ler sempre de baixo para cima)

Fonte: Elaboração própria.

A pirâmide de Juan Tamariz é formada por cinco pisos e cinco ele-


mentos: apresentação, emoções, método, efeito e personagem. Vamos
analisar cada um deles, em ordem crescente de importância:

3
Juan Tamariz explicou seu modelo da Pirâmide Mágica em seu Seminario sobre
El Arte de La Magia , em Lima, Peru. A gura 9.3 é uma réplica do desenho feito
pelo próprio Tamariz em sua nota de conferência. Nenhum dos termos originais foi
alterado.
4
A Pirâmide Mágica do Roberto Giobbi pode ser encontrada no volume 4 da
coleção Card College, de sua autoria.
148 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

Quinto piso : apresentação. É o que a plateia vê. Aqui entram os


acessórios, a música, o cenário, o diálogo, as gags, as cores, etc. É
como se faz.

Quarto piso : emoções. É o que a plateia sente. É o domínio da curva


de interesse (ver seção 7.4) e o uso correto das pausas, etc. Assim
como o quinto piso, é também como se faz.

Terceiro piso : método. Pode ser elegante, genial, impensável, invisí-


vel, bem construído, etc. O método, como já visto na gura 6.1, é
oculto à plateia. É o que a plateia não vê, mas é o que torna viável
o fenômeno impossível. É o que se faz.

Segundo piso : efeito. São características do efeito: a construção,


a adequação (ao mágico, ao público e à circunstancia), o impacto
(número inovador, número revolucionário, número clássico) e o sim-
bolismo. Assim como o terceiro piso, o efeito é o que se faz.

Primeiro piso : personagem. São características do personagem: a co-


municação, a empatia, o carisma, a potência, a presença, o mundo
exterior e interior, a riqueza pessoal, a sensibilidade. O primeiro
piso trata de quem faz.

É notável que, ao contrário dos demais modelos de pirâmides, Ta-


mariz dene como primeiro piso a personagem do mágico. Isso não sig-
nica, obviamente, que os outros pisos podem ser esquecidos: sem eles
seria impossível chegar ao topo da pirâmide! Signica apenas que, na
visão de Tamariz, o mais importante é a personagem, ou seja, como o
mágico é. Cabe ao leitor concordar ou não com essa visão. Mas mesmo
discordando, vale reetir o quanto que é importante o mágico ter uma
personagem interessante, e o público gostar não só do que você faz, mas
também de quem você é.
Note também que o segundo piso (que junto com o primeiro compõe
a base da pirâmide) é o efeito. O método é apenas o terceiro piso. Isso
signica que, na ótica do Tamariz, o efeito do número é primordial. De
nada adianta um método elegante e revolucionário, se o efeito é fraco.
O mágico precisa sempre focar na maximização do efeito; o método é
apenas um caminho para atingir esse objetivo. Faz sentido, não?
SEÇÃO 9.4: A PIRÂMIDE MÁGICA 149

A Regra de Ascanio

O famoso Arturo de Ascanio, conhecido como pai da cartomagia espa-


nhola, é autor da famosa regra segundo a qual um número de mágica
é 20% técnica e 80% apresentação. Essa crença levou muitos mágicos a
crerem no ditado Não existe número ruim. Existe número mal apresen-
tado.
5

Volte ao modelo da pirâmide de Juan Tamariz e veja que a re-


gra de Ascanio, de acordo com Tamariz, não é válida. Para melhorar
um número, não basta investir em apresentação. A apresentação, de
acordo com esse modelo da pirâmide, não constitui 80% de um número.
Recordo-me de uma pergunta do mágico Henry Vargas ao Tamariz feita
no FLASOMA 2009, questionando a compatibilidade de seu modelo de
pirâmide com a tal regra de Ascanio. A pergunta fazia total sentido,
ainda mais se lembrarmos que Tamariz era discípulo de Ascanio. A
resposta foi exata: Tamariz simplesmente não concordava. Lembro, in-
clusive, de Tamariz fazendo uma analogia com um prato de comida: o
que adianta servir um prato belíssimo (uma ótima apresentação  cores,
luzes, música) se o gosto da comida é ruim (o efeito é ruim, com pouco
impacto)?
Não pretendo fazer o leitor concordar ou discordar dessa teoria. A
reexão, por si só, já é bastante construtiva.

Um segundo modelo de pirâmide

Em seu artigo A Fenomenologia da Arte Mágica, Henry Vargas comenta


a respeito de um modelo de pirâmide em estrutura tridimensional, fruto
de inspiração da famosa obra de Hegel, Fenomenologia do Espírito.
6

O interessante a respeito desse modelo de pirâmide é que não pressupõe


qualquer nível hierárquico.
Relembre que, no modelo anterior (aquele proposto por Tamariz),
os elementos eram todos importantes para a formação da unidade nal
(o número de mágica). Porém, ainda havia hierarquia entre eles, de
tal forma que o personagem é mais importante, por exemplo, que a
apresentação. Agora, ao contrário, não existe hierarquia alguma. Isso
pode ser percebido na própria concepção geométrica da pirâmide, tal
como reporta a gura 9.4.

5
Logo em seguida, na seção 10.1, esse ditado será discutido de forma mais minu-
ciosa.
6
Escrito em 1806, pelo lósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
150 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO

Figura 9.4: O modelo de pirâmide mágica segundo Henry Vargas.

Pirâmide Mágica de Henry Vargas

Pessoa

Arte Mágica

Método Efeito

Fonte: Elaboração própria.

Note que cada um dos elementos


7  pessoa, método e efeito  re-

parte uma mesma porção da pirâmide inteira, a Arte Mágica. Nesse


modelo, não há o conceito de topo e base. Tal como reportado no
artigo, é tudo baseado na dialética de implicação : os elementos se im-
plicam e são igualmente necessários para a formação da pirâmide inteira.

7
Não vou comentar a respeito de cada um desses elementos, pois eles foram dis-
cutidos no modelo anterior de pirâmide e também no capítulo 6.
Capítulo 10

Selecionando o repertório

10.1 Números ruins

Muitos mágicos acreditam no pressuposto de que Não existe número


ruim. Existe número mal executado. A premissa dessa crença é o pen-
samento de que tudo que potencializa um número de mágica entra em
ação no momento de performance, ou seja, passa a existir depois de o
número ter sido criado. Em outras palavras, os fatores que agregam qua-
lidade a um número de mágica não dependem da concepção original do
número, mas sim, da forma pela qual o mágico lida com a performance.
Em minha opinião, esse é um dos maiores mitos que existem na Arte
Mágica. Sim, acredito que existam, de fato, números ruins.

Como já foi mencionado na página 69 da seção 7, que discute estraté-


gias de maximização, um número de mágica tem um impacto potencial
e um impacto efetivo, de forma que o impacto efetivo é sempre menor
ou igual ao impacto potencial. Não tenho dúvidas de que o impacto
efetivo de um número pode aumentar de acordo com a performance do
mágico. Dois mágicos podem executar o mesmo número e, apenas pelo
diferencial da apresentação, conseguirem impactos distintos. Ou seja,
um número de mágica pode car melhor (do ponto de vista do público)
se um mágico com maior habilidade de performance executá-lo.

Por outro lado, por melhor que seja a apresentação do mágico, ele ja-
mais vai conseguir superar o impacto potencial do número. Esse impacto
é uma qualidade xa que depende, fundamentalmente, dos elementos que
constituem o número (ver gura 6.1). Acreditar que o único fator ca-
paz de aumentar o impacto é a apresentação é enxergar apenas um lado
da moeda. Existem outros fatores, também de crucial importância, que

151
152 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO

estão presentes no efeito, no método, e na estrutura do número.


1

Esses fatores não podem ser ignorados.


Para exemplicar, analise esses dois efeitos:

1. O mágico descobre uma carta escolhida por meio de um número


matemático de cartomagia;

2. O mágico pega uma aliança e a faz levitar.

Não é difícil perceber que o segundo efeito possui um impacto potencial


maior que o primeiro. O que diferencia os dois é, basicamente, o efeito.
O efeito da levitação implica até mesmo uma simbologia muito mais
apelativa à plateia do que um número matemático de cartomagia. Porém,
nada impede que o impacto efetivo do primeiro seja maior que o impacto
efetivo do segundo. Se Dani DaOrtiz zer um número matemático e um
mágico pouco experiente zer uma aliança levitar, não tenho dúvidas
de que, na ótica da plateia, o maior sucesso poderia ser o do número
matemático. DaOrtiz saberia criar um clímax, saberia manter o interesse
da plateia crescente, saberia fazer o efeito parecer totalmente impossível.
Já o mágico amador, por outro lado, poderia não ter o cuidado de pegar
uma aliança emprestada, para que a plateia não desconasse que era um
objeto especial. Poderia não conseguir provar à plateia a inexistência de
os que pudessem promover a levitação. Repare que todos esses fatores
estão presentes no momento da performance, ou seja, atuam sobre o
impacto efetivo.
Vamos ver outro exemplo. Agora, dois números com o mesmo efeito:

1. O mágico coloca sua assistente de palco dentro de uma caixa e


simula cerrar a caixa ao meio. No nal, ela está intacta;

2. Kevin James pega uma serra elétrica e, acidentalmente, serra sua


ajudante de palco no meio. No nal, ela está intacta.

Ambos os números possuem o mesmo efeito, serrar uma pessoa ao meio


e reconstituí-la. Note, no entanto, que simplesmente colocar uma pessoa
dentro de uma caixa e simular serrá-la com um serrote, como é o caso do
primeiro número, não é suciente para convencer a plateia do fenômeno.
O segundo número, por outro lado, é completamente convincente. Kevin
James simula cortar sua assistente acidentalmente. No momento em
que a serra elétrica atravessa o corpo da assistente, a metade do corpo

1
Já discutimos os conceitos de efeito, método, estrutura e apresentação no
capítulo 6.
SEÇÃO 10.2: PENSAMENTO DE UM ECONOMISTA 153

imediatamente cai. A metade superior do corpo anda pelo palco apenas


com as mãos, e a plateia enxerga que não há nada entre o chão e a
cintura, agora cortada, da assistente. A ilusão é simplesmente perfeita.
2

O que diferencia então os dois números? Por que Kevin James -


cou mundialmente famoso com essa variação (entre outras belíssimas
criações)? A resposta é: o método é diferente. O método do segundo
consegue provar o fenômeno melhor do que o método do primeiro. Não
tenho dúvidas de que o segundo número é, de fato, melhor que o pri-
meiro. O diferencial de impacto potencial é tão grande que ca difícil
pensar em algum caso no qual o impacto efetivo do primeiro seja maior
do que o do segundo.
Com esse raciocínio, ca mais fácil aceitar que existem números ruins.
Não é difícil encontrar números extremamente mal estruturados, núme-
ros com um método um tanto óbvio, números cuja prova não é ecaz.
Números dos quais, em grande parte, existem variações centenas de vezes
melhores. Por que então os mágicos não optam pelas versões melhores?
Por que alguns insistem em apresentar versões piores, tentando compen-
sar melhorando a apresentação? Fica a pergunta...

10.2 Pensamento de um economista

Não lembro onde li uma entrevista com Fabrini, da dupla Vik e Fabrini,
na qual ele falava das perspectivas da dupla para o futuro. O que me
chamou a atenção na entrevista foi um testamento de Fabrini, dizendo
que, se fosse preciso fazer poucos segundos de malabarismo em algum
momento do show, ele estudaria malabarismo até atingir a perfeição.
Isso identica um pensamento que contraria a prática de muitos má-
gicos. A maioria dos praticantes da Arte Mágica deixa de melhorar a
qualidade de um número ou de uma performance, para não arcar com os
custos envolvidos. O pensamento comum é que não vale a pena aumen-
tar o impacto de um número se os custos envolvidos
3 aumentarem mais

que proporcionalmente. Para um economista, esse pensamento pode fa-


zer sentido: é preciso analisar o custo-benefício de um projeto, a m de
averiguar se ele é viável. Para um artista, porém, isso não faz o menor
sentido. Da mesma forma que um pintor deve dar o melhor de si em
cada pincelada, um mágico deve dar o melhor de si em cada segundo de

2
Outros mágicos também executam esse mesmo efeito de forma bastante convin-
cente. A versão de Penn and Teller é também muito curiosa.
3
Não me rero a custos nanceiros. Rero-me a custos de dedicação pessoal:
treino, comprometimento, ensaio, etc.
154 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO

seu show. Se for necessário treinar anos para aperfeiçoar uma técnica, e
se essa técnica for essencial para executar um determinado número, que
assim seja. O que importa é o efeito nal, tal como será percebido pela
plateia.

10.3 Simplicidade e facilidade

Uma das lições mais importantes que aprendi nesses anos de estudo da
Arte Mágica é o quão importante é ser simples. O quão importante é,
para um mágico, fazer efeitos simples. Nesse contexto, a palavra sim-
ples se refere à percepção que a plateia possui do número. Um
número é tanto mais simples quanto mais fácil for para a plateia assimilar
seu conteúdo e desfrutar do fenômeno impossível. Um número simples é
aquele que mexe com emoções primárias, que consegue facilmente des-
pertar o interesse da plateia, que é simbólico para o ser humano. Por
outro lado, um número complicado possui várias etapas, vários coman-
dos, vários movimentos desnecessários. É um número em que a plateia
pode, até mesmo, se confundir durante a execução do efeito. Depen-
dendo do nível de complicação, os espectadores podem, inclusive, perder
o interesse pelo que o mágico está executando. Citando novamente a
famosa frase de Dai Vernon, Confusão não é mágica.
Um número de mágica simples não signica que seja fácil de execu-
tar. Pelo contrário, simplicidade e facilidade andam em caminhos
contrários. Fazer uma moeda sumir apenas passando a mão sobre ela
pode ser mais difícil do que fazer um elefante desaparecer em um palco
cheio de fumaça, com cortina e com recursos de palco.
Quanto mais complicado o efeito, mais fácil é a execução. Quanto
mais simples for o efeito e quanto mais limpo for o método, mais difícil
é a execução. Exemplos perfeitos da simplicidade aplicada à Arte Má-
gica eram os números apresentados por Tommy Wonder. Caso o leitor
ainda não tenha visto Tommy executar os números Ring, Watch and
Wallet e Next of Boxes, especialmente a terceira versão, recomendo que
procure os vídeos, pois vale a pena. É impressionante como Tommy
Wonder conseguia simplicar todos os números que passavam por suas
mãos. Não havia nenhum movimento suspeito, nenhum objeto desneces-
sário, nenhum comando excedente. Para a plateia, era como se estivesse
ocorrendo um verdadeiro milagre. Tudo era tão simples!
É claro que para criar toda essa simplicidade, a mente genial de
Tommy Wonder desenvolvia métodos inovadores. Quem conhece os me-
canismos por trás dos números Ring, Watch and Wallet e Next of Boxes,
SEÇÃO 10.3: SIMPLICIDADE E FACILIDADE 155

por exemplo, sabe do que estou falando. São números com uma mecânica
complexa e um método difícil. A parte complicada, o método, importa
apenas para o mágico, Tommy Wonder. Para a plateia, é claro, tudo é
simples. Esse é o objetivo!
Um exercício fundamental é analisar cada número do repertório e
perguntar a si mesmo o que se pode fazer para tornar o efeito mais sim-
ples para a plateia. Para atingir a simplicidade, muitas vezes é preciso
aumentar o grau de diculdade do método e da estrutura. Mas, como
já foi discutido na seção anterior, um mágico não deve economizar es-
forço. O que importa é, apenas, o que a plateia absorve, o que a plateia
percebe. Se para simplicar o efeito for necessário mudar de método e
se dedicar a outras técnicas, isso deve ser feito. Quem disse que é fácil
ser mágico?

Um problema na cartomagia

A questão da simplicidade é um dos grandes problemas que vejo na car-


tomagia. Salvo algumas exceções, os números de cartomagia são muito
complicados. É preciso que os espectadores memorizem cartas, quem
atentos a determinada sequência de naipes, façam contas matemáticas;
enm, os espectadores precisam pensar demais. Depois de alguns minu-
tos, isso pode se tornar exaustivo. Esse é um dos motivos pelos quais
muitas pessoas possuem um pouco de aversão a números de cartomagia.
Muitos números de cartomagia visam, apenas, descobrir uma carta
escolhida. Mas para atingir esse objetivo, são necessários tantos passos,
tantos movimentos e tantos comandos, que o efeito se torna complicado
demais. A grande pergunta é: se você realmente fosse capaz de realizar
fenômenos impossíveis, necessitaria de uma apresentação tão complicada
para descobrir uma carta escolhida?
4 Ou simplesmente diria ao especta-

dor Você pensou no oito de paus!?


Como sou apaixonado por cartomagia, essa é uma pergunta que faço
a mim mesmo constantemente. Às vezes, olho meu repertório e me sur-
preendo com a falta de simplicidade de alguns números. Há alguns anos,
venho reestruturando todos os meus números para que eles quem o mais
simples possível. Se faço um número de mentalismo utilizando um bara-
lho, quero que o efeito que tão limpo que os espectadores pensem que
sou capaz de fazer aquilo não apenas com um baralho, mas também com

4
Vale a pena assistir a performance do mágico Lu Chen no segundo episódio do
evento Essential Magic Conference. Sinceramente, acho difícil um número de carto-
magia ser mais simples que aquilo. Lu Chen é um gênio.
156 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO

outro objeto. Minha meta é que o baralho pareça ser um objeto como
qualquer outro e não um que, apenas com ele, sou capaz de realizar
fenômenos impossíveis.
Para atingir essa meta, muitas vezes é preciso recorrer a técnicas e
recursos innitamente mais complicados. Mas como essa complicação
importa apenas para mim, e o efeito nal percebido pela plateia será
mais simples, tenho certeza que vale a pena.
Capítulo 11

O processo de treinamento
Para que uma performance atinja um nível de excelência, é preciso passar
por um processo árduo de treinamento. A famosa frase de Thurstone
1
conrma: Os três segredos da mágica é praticar, praticar e praticar.
Portanto, é importante ter em mente as diversas etapas que constituem
o processo de treinamento e compreender exatamente como executá-las.
Na primeira seção deste capítulo, vou comentar sobre o que a maioria
dos mágicos já sabe. Resolvi escrever apenas para não passar em branco,
mas acredito que não seja novidade. As próximas seções serão mais úteis.

11.1 Praticando técnicas mecânicas

Há várias formas de se treinar a técnica mecânica. Não vou ser muito


detalhista por acreditar que a maioria das pessoas com o mínimo de
familiaridade com a mágica já ouviu falar do assunto desta seção.
Ao aprender uma técnica nova, tente executá-la para si mesmo. Quando
já tiver dominado a parte mecânica do movimento, começe a executá-la
na frente do espelho. O intuito agora é observar os ângulos nos quais o
movimento é seguro e se o movimento está, de fato, correto. Isso é muito
importante: certique-se de que está praticando o movimento correta-
mente. Acredite: não é nada agradável você investir dias, meses e até
anos em uma técnica e descobrir que o movimento está errado.
Quando tiver conança na mecânica e souber que o movimento está
correto, lme-se executando a técnica. O espelho pode ser bastante útil
em determinadas ocasiões. Porém, ele possui um ângulo limitado. O que
você enxerga no espelho não é exatamente o que a plateia vê. Já quando

1
Howard Thurstone (1869-1936).

157
158 CAPÍTULO 11: O PROCESSO DE TREINAMENTO

você lma, é possível ter uma visão muito mais real do ponto de vista
da plateia. Aconselho fortemente a lmar a mecânica de cada número,
de preferência de vários ângulos diferentes. Você será capaz de perceber
exatamente o que a plateia enxerga.
Após esses passos iniciais, procure executá-la na frente de alguém.
Muitas vezes, eu desenvolvo um simples número de mágica que utiliza
a técnica, de forma a mostrar à pessoa uma mágica e não apenas o
movimento técnico em si, que não faria sentido algum a um leigo. Vale
a pena ressaltar que é importante escolher alguém de conança: um
parente ou um amigo. Lembre que, a essa altura do campeonato, há
uma possibilidade razoável de o movimento falhar. Você quer alguém
que compreenda, se algum erro ocorrer. No meu caso, essa pessoa é
minha linda e maravilhosa mãe, que tem toda a paciência do mundo para
assistir movimentos ainda crus e, além de tudo, ainda me dá palpites.
Incrível ela, não?
Após treinar algumas vezes com uma pessoa de conança e constatar
a ecácia do movimento, aí sim, pense em adicionar o movimento a seu
repertório técnico.
Lembre-se que é sempre válido praticar essas técnicas no dia-a-dia.
A prática durante as atividades do cotidiano faz o cérebro automatizar
os movimentos e, como consequência, eles se tornam mais naturais.

11.2 As técnicas não mecânicas

Essas técnicas são mais difíceis de ser praticadas. Ao contrário das téc-
nicas mecânicas, técnicas não mecânicas não podem ser praticadas por
repetição exaustiva, e muito menos é possível a consulta a alguém de
conança. Justamente por isso, elas são excluídas do plano de treina-
mento da maioria dos mágicos. A ideia comum é que é necessário praticar
apenas o lado físico (parte mecânica) de um número, enquanto o lado
abstrato (parte não mecânica) resolve-se automaticamente no momento
de performance. Isso é um grave erro!
É preciso ter em mente que um número de mágica depende igual-
mente das técnicas mecânicas e não mecânicas. Ambas precisam estar
perfeitas. Um número com apenas a parte mecânica ensaiada está con-
denado ao fracasso. Durante o processo de treinamento, certique-se de
que:

• Você compreendeu o timing dos movimentos. De nada adianta


os movimentos estarem todos perfeitos, se você não é capaz de
executá-los no ritmo sequencial que o número exige. Para isso,
SEÇÃO 11.3: PRATICANDO UM NÚMERO DE MÁGICA 159

evite treiná-los separadamente. Depois que cada movimento estiver


perfeito, treine sempre o número inteiro, do começo ao m. Isso
facilita compreender como cada movimento está inserido, o que
vem antes e o que vem depois. É necessário saber não apenas como
executar o movimento B, mas também como sair do movimento A
e ir para o movimento B e como sair de B e ir para o movimento
C.

• Você está ciente dos momentos de concentração e de relaxamento.


Eles são essenciais para aplicar o misdirection na dose e no mo-
mento necessário.

• Você sabe cada movimento manual e corporal necessário para a


execução do número. Eles podem auxiliar gerando os momentos
de relaxamento e de concentração.

• Que você tem em mente o script e a forma exata de sincronia entre


suas palavras e os movimentos manuais/corporais. Além de garan-
tir um bom timing, essa sincronia auxilia também o misdirection
verbal.

• Você sabe o que pode ser um centro e interesse da plateia e o que


deve ser uma fonte de informação. Certique-se que cada fonte
de informação é também um centro de interesse.

É claro que essas técnicas não podem ser praticadas na frente de um


espelho. Novamente eu reforço o fato de que o espelho está longe de ser
o suciente para treinar um número de mágica.

11.3 Praticando um número de mágica

Ao contrário de uma técnica mecânica, um número de mágica só pode


ser melhorado por meio de performances sucessivas, ou seja, a prática
exige uma plateia. Tendo em vista que a Arte Mágica é um ato de comu-
nicação, para compreender o impacto de um número é preciso analisar o
feedback da plateia.
Temos então um problema: se a única forma de melhorar um número
é apresentá-lo várias vezes, qual será o momento em que um número está
pronto para ser apresentado pela primeira vez? Essa é uma ótima per-
gunta. Acredito que um número deve ser apresentado pela primeira vez
quando a técnica mecânica estiver perfeita e quando você estiver ciente
160 CAPÍTULO 11: O PROCESSO DE TREINAMENTO

de todos os outros elementos que constituem o número, tal como mos-


tra a gura 6.1 (página 54). Apesar de a única forma de praticar e de
melhorar o número ser a performance, é possível, com um bom treina-
mento teórico, possuir uma certa intuição a respeito desses elementos e
da interação entre eles, mesmo não possuindo treinamento prático. Isso
já é suciente para garantir uma apresentação de estreia.
Um número de mágica dicilmente atinge a perfeição. Depois de cada
performance, quase sempre é possível reetir e concluir como melhorar o
impacto nal. Mágicos prossionais constantemente modicam a estru-
tura, o método, a técnica, o script e a apresentação de cada número em
seu repertório. Cada performance é um aprendizado. Aprenda a ouvir
a plateia e a descobrir o que pode ser feito para que cada número que
ainda mais potente.

Automatização
No início do treinamento de um número, é normal a preocupação com
todos os pormenores, com cada movimento técnico, com cada etapa do
número. É preciso ter em mente, no entanto, que durante a performance
essas etapas precisam estar automatizadas, de forma que elas não cau-
sem uma preocupação excessiva. No momento de execução, é necessário
preocupar-se não apenas com as mãos, mas também com o corpo, com
a mente e com o coração.

Incluindo um número novo no show


Ao apresentar um número pela primeira vez, existe a probabilidade,
mesmo que seja ínma, de ocorrer algum imprevisto. Sabendo disso,
não é uma boa ideia inseri-lo como número de abertura nem de encerra-
mento. Uma estratégia muito utilizada por grande parte dos mágicos é
incluir o número de estreia entre dois outros números, em cuja apresen-
tação já se tenha conança. Caso ocorra algum imprevisto, ca muito
mais fácil contornar a situação. Não é uma estratégia inovadora, mas é
eciente.

Feedback audiovisual
Da mesma forma que é importante lmar a execução da técnica mecâ-
nica, é fundamental registrar em vídeo a performance para o público.
Muitas vezes, o que nós planejamos no ensaio é bastante diferente da-
quilo que ocorre em uma situação real de performance. O nervosismo, o
SEÇÃO 11.4: PRATICANDO O SCRIPT 161

comportamento real da plateia e os imprevistos podem distorcer bastante


o que esperávamos que acontecesse.

Crie o hábito de lmar o máximo de apresentações que você con-


seguir, principalmente aquelas em que você acrescentou algo de novo.
Depois, assista ao vídeo com calma e repare nos seus gestos, na sua fala,
na sua expressão facial, na reação da plateia e nos momentos em que
ocorrem os movimentos secretos. O que foi ensaiado está de acordo com
o que foi executado diante da plateia? Será que é preciso alguma modi-
cação na técnica, na apresentação e na estrutura? O impacto efetivo
está próximo ou muito distante do impacto potencial (ver página 69)?

11.4 Praticando o script


Para praticar um número de mágica, como já foi dito, é importante lmar
o número em situação real de performance. Como fazemos então para
praticar o script do número? A resposta parece ser óbvia: basta assistir
ao video e prestar atenção no discurso, nas palavras. O problema é que,
de modo geral, a imagem do vídeo se sobrepõe ao efeito do áudio, de
forma que o áudio não consegue competir com a imagem. Isso prejudica
nossa percepção de certos detalhes do script. Ficamos muito atentos
aos movimentos executados (linguagem não verbal) e, consequentemente,
diminuímos a atenção no que estamos falando (linguagem verbal).

Eugene Burger recomenda um modo bastante simples de evitar que a


nossa percepção a respeito da linguagem verbal seja comprometida pela
linguagem não verbal do vídeo. Basta não olhar para a imagem. A ideia
é deixar de lado o que estamos fazendo e focar a atenção no que estamos
falando. Discipline-se a apenas ouvir o que você fala durante todo o show.
Será que suas palavras estão de acordo com o script planejado? O que
você fala é interessante de se ouvir? Se não houvesse nenhuma imagem,
isto é, se o show ocorresse em total escuridão, a plateia se interessaria
por o que você fala apenas?

Faça o teste e surpreenda-se. Muitas vezes podemos melhorar subs-


tancialmente a escolha de nossas palavras! Lembre que quanto mais
longa for sua apresentação, mais atenção você deve ter com a qualidade
do script. Se o que você fala, apenas, já é interessante ao público, quando
você adicionar recursos visuais, seu show vai car ainda melhor!
162 CAPÍTULO 11: O PROCESSO DE TREINAMENTO

11.5 Nota para cartomagos

Rotinas de cartomagia, principalmente as rotinas de mesa, exigem um


treinamento longo, com o mágico constantemente olhando para as cartas.
Ao apresentar o número a uma plateia, é muito comum que ele que
olhando, também, apenas para as cartas, com o rosto direcionado para a
mesa. A sintonia visual entre o mágico e a plateia é totalmente quebrada,
o que diculta o controle do interesse e, consequentemente, o controle da
atenção.

Para evitar que isso ocorra, utilizo um procedimento que, se não me


falha a memória, aprendi com o mágico americano Daryl. Em meu local
de treino, colei recortes de revista do rosto de várias pessoas na parede.
Os recortes simulam espectadores me olhando e ajudam para que eu
pratique o número e mantenha um contato visual com várias direções.

11.6 Treinamento mental

Há uma estratégia que também utilizo há bastante tempo e nunca ouvi


outros mágicos falarem a respeito. Eu chamo de treinamento mental .
Descobri isso quando sofri um acidente de bicicleta aos 14 anos. Com
os braços engessados, era impossível treinar qualquer coisa. Durante um
mês e meio, sobrou-me apenas imaginar como seria executar determi-
nado movimento. Imaginava como seria a posição de cada dedo, quais
seriam as partes mais fáceis e as partes mais difíceis. Imaginava como o
movimento se encaixaria com outras ações e como que isso iria interferir
em minha linguagem corporal.

Quando me livrei do gesso, consegui executar os movimentos novos


com naturalidade em tempo recorde! Esse exercício mental se mostrou
eciente. A partir de então, sempre paro para reetir sobre a técnica e
mentalizá-la antes de botar a mão na massa.

Esse procedimento é ainda mais eciente para treinar números. Pro-


cure sempre fazer um treinamento mental dos números, imaginando a
interação entre todos os seus elementos (efeito, método, apresentação e
estrutura). Essa prática pode facilitar não apenas a compreensão, a pri-
ori, de como o número deve ser executado, mas também para desenvolver
ideias que possam melhorar ainda mais o impacto mágico.
SEÇÃO 11.7: A PRÁTICA É INEVITÁVEL 163

11.7 A prática é inevitável

Na Arte Mágica, a prática é inevitável. Um mágico deve ter, acima de


tudo, determinação e compromisso de treino. Não obstante, já ouvi al-
guns colegas dizendo que acham tedioso treinar e, por isso, treinam o
mínimo possível, o suciente para poder apresentar sem erros. Apesar
de ser um argumento completamente sem nexo, pois o processo de trei-
namento nunca atinge o m, é um argumento que, infelizmente, existe.
Sugiro que essas pessoas procurem pensar no processo de treinamento
como se fosse uma trilha para chegar a uma cachoeira: para prestigiar
a maravilha da cachoeira, é preciso caminhar. Façamos então, da cami-
nhada, um momento agradável, um momento de prazer. Se caminharmos
sempre de olhos fechados e com pressa de chegar ao m, podemos deixar
de descobrir trilhas alternativas que podem levar a cachoeiras desconhe-
cidas, ainda mais bonitas.
Parte IV

Apêndices

165
Apêndice A

Categorias de efeitos mágicos


de Dariel Fitzkee
Até onde se tem conhecimento, a ideia inicial de se criar categorias que
enquadrassem todo e qualquer efeito mágico surgiu no século XX. Em
1924, Thomas Page Wright, mágico amador, publicou na revista The
Sphinx uma lista de 14 categorias, que englobariam todo efeito de car-
tomagia até então criado. Anos depois, em 1932, Samuel Henry Sharpe,
tradutor do famoso livro Hofzinser's Card Conjuring , e Winston Freer
publicaram, individualmente, a relação de suas respectivas categorias
de efeitos mágicos, não restritos à cartomagia. Em 1944, Dariel Fitz-
kee, inspirado nas relações anteriores, publicou sua própria lista de 19
categorias. Finalmente, em 1969, Henning Nelms publicou sua classi-
1
cação, também muito interessante.
Parei para reetir sobre várias delas e achei a de Fitzkee mais com-
pleta. Pode haver efeitos que não se enquadram em nenhuma dessas
categorias, mas eu nunca vi.
Nada impede você de tentar montar sua própria lista de categorias.
Aliás, acho que seria um excelente exercício. Mas como material com-
plementar à seção 6.2, aqui vai a lista proposta por Fitzkee.
2

1. Produção  engloba todos os efeitos de aparição, criação e multi-


plicação.

2. Desaparição  algo que estava no campo de visão da plateia passa


a não estar mais.

1
Magic and Showmanship, página 102.
2
Para mais detalhes, consulte o livro The Trick Brain.

167
168 CAPÍTULO A: CATEGORIAS DE EFEITOS MÁGICOS DE DARIEL FITZKEE

3. Transposição  mudança de lugar físico, tele-transporte.

4. Transformação  quando algo muda de cor, tamanho, forma, iden-


tidade, etc.

5. Penetração  uma matéria passa por dentro de outra, atravessa


outra, violando a lei da física de que Dois corpos não ocupam o
mesmo espaço no mesmo intervalo de tempo.

6. Restauração  algo que foi total ou parcialmente destruído ou en-


tão colocado em caos volta a sua forma inicial.

7. Animação  dar movimento a corpos inanimados.

8. Antigravidade  envolve levitação e mudança na sensação de peso.

9. Atração  poder de atrair objetos. Uma aderência misteriosa.

10. Ação e reação harmônicas  quando dois algos (pessoas ou


objetos) demonstram sintonia nos movimentos.

11. Invulnerabilidade  quando algo é a prova de qualquer dano


físico.

12. Anomalia física  contradição de normas e reações físicas nor-


mais da natureza.

13. Falha do espectador  o espectador não consegue atingir um de-


terminado objetivo ou executar uma determinada ação devido a
uma interferência misteriosa do mágico.

14. Controle mental  quando o mágico demonstra domínio perante


objetos inanimados ou animados, por meio de sua mente.

15. Identicação  descoberta de alguma identidade  pessoa ou


objeto.

16. Leitura de pensamento  alguém lê o pensamento de outra pes-


soa.

17. Transmissão de pensamento  alguém projeta ou transmite seu


pensamento à outra pessoa.

18. Predição  quando ações ou fatos futuros são preditos.

19. Percepção extra sensorial  todos os tipos de percepções anor-


mais, sem ser fenômenos mentais. Simula a existência de outros
sentidos, além dos cinco básicos.
Apêndice B

Scripts
Aqui vão meus scripts completos de alguns dos números que usei de
exemplo ao longo do livro. Não tenho scripts denido de todos os nú-
meros citados, até porque nem todos os números que usei de exemplo
fazem ou já zeram parte do meu repertório.
Um script geralmente é escrito com o nome das pessoas que fazem
parte do diálogo. Teoricamente, eu deveria ter escrito Guilherme em
vez de mágico, já que o script foi escrito por mim. Mas acho que o
leitor se sentiria distante do diálogo ao car lendo Guilherme fez isso,
Guilherme fez aquilo, então generalizei: mágico. Dessa forma, o leitor
vai se identicar melhor com o diálogo. Além disso, para não usar nomes
como Fulano, Ciclano e Beltrano, utilizo alguns nomes especícos
para me referir a determinados tipos de espectadores.
1

Apesar de não usar todos esses nomes neste livro, costumo utilizar
os seguintes nomes próprios para construir meus scripts :
• Mágico: quem está executando o número.

• Espectador: um espectador, que pode ser do sexo feminino ou


masculino;

• Ana: um espectador do sexo feminino;

• Bia: um segundo espectador do sexo feminino;

• André: um espectador do sexo masculino;

• Bernardo: um segundo espectador do sexo masculino;

• Alguém: qualquer espectador da plateia, que não se sabe o nome.

1
Ideia que tive ao ler o livro do Pete McCabe, Scripting Magic.

169
170 CAPÍTULO B: SCRIPTS

Não estranhe a escrita fora dos padrões formais da língua portuguesa.


Para facilitar a assimilação do script, costuma-se escrever da mesma
forma como se fala. Por exemplo, expressões como tá e pra acabam
substituindo está e para, respectivamente.

B.1 A Mágica da Vida (página 65)

O mágico está com um pedaço de papel na mão direita e um isqueiro na


mão esquerda

mágico
Alguém tem ideia do que é isso aqui em minhas mãos?

Algum espectador responde

alguém
Um pedaço de papel!

mágico
É. É o que todos falam. Na verdade, isso não é um simples pedaço
de papel. Isso é um aglomerado de células de celulose geneticamente
modicadas.

O mágico faz cara de malandro

mágico
Diretamente da Alemanha.
E eu digo geneticamente modicadas porque se eu esquentar...

O mágico queima o papel com o isqueiro

mágico
... muda a forma, a cor, a textura e o tamanho... até virar uma bola
laranja!

O mágico mostra a bola laranja pra todo mundo. E larga o isqueiro


na mesa.

mágico
O melhor de tudo é que se você pressionar no centro...
SEÇÃO B.1: A MÁGICA DA VIDA (PÁGINA 65) 171

O mágico bota a bola na palma da mão esquerda e pressiona ela no


centro com seu indicador direito.

mágico
... ela vai se dividindo... em duas!

O mágico mostra as duas bolas pra plateia

mágico
Exatamente idênticas!
Eu preciso de alguém pra me ajudar aqui... alguém... você! Pode ser?

O mágico convida uma mulher, que esteja de manga comprida.

mágico
Qual seu nome?
Ana
Ana.
mágico
Muito prazer, Ana.
Dê uma olhada nessas bolas, veja se está tudo certo com elas, se é o que
parece ser... São idênticas, correto?
Ana
Sim, sim. Idênticas.
mágico
Eu vou lhe contar um segredo, Ana. Na verdade, elas não são idênticas.
Uma delas é macho e a outra é fêmea. Dê uma olhada!

Ana examina mais...

mágico
É porque uma delas tem um negocinho saindo pra fora... ai eu sei que é
a macho.

Ana dá risadas

mágico
Não, não, brincadeira, brincadeira...
Mas veja bem. Se eu botar a bola macho numa mão e a fêmea na outra
mão, mesmo mantendo as mãos separadas, sem chegar perto... elas cam
172 CAPÍTULO B: SCRIPTS

juntas!

O mágico abre as mãos e mostra que as duas bolas estão na mão


direita.

mágico
Mas fazer em minha mão é fácil, porque eu sou o mágico. O difícil é
fazer na sua! Então, por favor, escolha a que você quer que que em sua
mão: macho ou fêmea?

Ana escolhe uma das duas opções

Ana
Fêmea.

mágico
Ok, vou deixa a macho comigo e a fêmea com você. Se eu estalar os dedos
em cima da minha mão... e estalar os dedos em cima da sua mão... elas...

O mágico e a Ana abrem as mãos. Nada aconteceu.

mágico
... trocam de lugar!

O mágico faz cara de que deu errado, mas está simulando estar sur-
preso.

mágico
Agora a fêmea está comigo e a macho está com você! Incrível!

A plateia ri.

mágico
E eu ainda sou pago pra fazer isso! Não, não, não... acho que não estalei
os dedos o suciente. Vamos tentar fazer de novo. A macho ca comigo,
a fêmea ca com você. Dobre seu braço pra mim, por favor.

Ana deixa a bola na mão esquerda e exiona o braço, como se esti-


vesse segurando ainda com mais força.
SEÇÃO B.1: A MÁGICA DA VIDA (PÁGINA 65) 173

mágico
Se eu jogar minha bola pra cima...

O mágico simula jogar ela pra cima, a bola desaparece.

mágico
Ela dá sete voltas e meia no ar e cai... dentro da sua mão. Abra a mão
por favor, devagar.

Ana abre a mão mas só tem uma bola dentro. Quando ela estende o
braço, descobre que a outra bola está na dobra do braço dela!

mágico
Oops! Desculpe, joguei pra cima e acabou caindo no lugar errado. Vamos
de novo. Escolha: macho ou fêmea?

Ana
Macho.

mágico
Ok, a macho ca com você. Uma bola vai aí dentro. Feche a mão com
bastante força.

O mágico mostra claramente a outra bola

mágico
A fêmea ca comigo. Na última vez eu joguei pra cima e caiu no lugar
errado. Desta vez, eu vou ser um pouco mais preciso.

O mágico dá duas batidas nas costas da mão do espectador

mágico
Sua mão é meio dura, mas vou tentar. Deixe eu ver ser a bola atravessa...

O mágico pressiona a bola contra as costas da mão do espectador.

mágico
Atravessou!

O mágico mostra que a bola não está mais lá.


174 CAPÍTULO B: SCRIPTS

mágico
Abra sua mão, por favor.

Ana abre e mostra as duas bolas lá.

mágico
Mas agora a melhor parte... se eu colocar as duas bolas, macho e fê-
mea, na sua mão, que é um lugar escurinho, quentinho, apertadinho...
acontece a coisa mais milagrosa: a mágica da vida!

O mágico estala os dedos.

mágico
Abra a mão, por favor.

Ana abre e mostra que tem três bolas na mão dela.

mágico
Pai... mãe... e lho!

B.2 A Vida, As Cartas (página 105)

O mágico está com um baralho em mãos.


mágico
O baralho tem uma história bem interessante. Existem várias teorias que
tentam explicar a origem e o que levou esse simples objeto a se tornar
tão utilizado em todo o mundo. Alguns pesquisadores dizem que, apesar
de haver evidências de jogos utilizando desenhos em papel na China
antiga, o baralho foi, na verdade, desenvolvido por um pintor francês,
por encomenda do rei Carlos VI, da França. Mas por muito tempo,
algumas perguntas e dúvidas sobre o baralho caram sem resposta. Por
exemplo: por que 4 naipes? Por que somente cartas vermelhas e pretas?
Por que a ideia do valete, da dama e do rei? E o curinga, o que que tem
a ver? Será que foi tudo uma escolha aleatória? Há gente que acha que
sim, há quem ache que não. Não se sabe o que é mito e o que é verdade.
Por exemplo, os quatro naipes representam as classes sociais da época:
ouros era a burguesia, espadas eram os militares, copas era o clero e paus
eram os camponeses. O baralho tem metade das cartas pretas e metade
vermelhas, porque o mundo está sempre metade de noite e metade de
dia. Se você contar valete como 11, dama como 12 e rei como 13, chega-se
SEÇÃO B.2: A VIDA, AS CARTAS (PÁGINA 105) 175

a 364 combinações. O curinga, que na verdade representava os palhaços


dos castelos medievais, existe pra completar 365, o número de dias em
um ano. Mas eu sei o que vocês estão pensando... que o baralho tem dois
curingas. É, na verdade o segundo existe pra representar o ano bissexto.
O que a maioria das pessoas não sabe é que o baralho foi criado, tam-
bém, para representar elmente as interações entre o passado, o presente
e o futuro. Vou mostrar pra vocês.
Vamos pela ordem, começando pelo passado.

O mágico aponta para um espectador qualquer.

mágico
Você! Pegue uma carta para mim, por favor?

Espectador
Sim.. essa!

mágico
Como essa carta é fruto de uma decisão que você já tomou, ela representa
o seu passado. E como todo mundo conhece seu passado, a gente vai
revelar sua carta aqui.

O mágico vira a carta que o espectador escolheu e a deixa virada em


cima da mesa.

mágico
O ás de paus. Tudo bem. Agora, vamos para o seu presente. Vou passar
meu dedo aqui pelas cartas, e você fala para, quando quiser. Ok? Vai
lá.

O mágico passa o polegar pela quina das cartas...

Espectador
Para!

mágico
Aqui? Ou quer que eu passe um pouquinho mais? Você é quem sabe!

espectador
Não, eu quero ai mesmo.
176 CAPÍTULO B: SCRIPTS

mágico
Ok! Pegue então sua carta. Como ela representa seu presente, algo que
está acontecendo agora, que você ainda não conhece, você não vai olhar
a carta.

Espectador
Tá bom.

O mágico enquadra o baralho em suas mãos, de face para baixo.

mágico
Agora, por favor, introduza essa carta onde você quiser no baralho; pode
ser realmente em qualquer lugar.

O espectador escolhe algum lugar e introduz a carta, deixando-a ela


com a metade das costas para fora.

mágico
Aí? Vou lhe dar novamente a chance de mudar de ideia. Quer colocar
um pouquinho mais para cima? Um pouquinho mais para baixo?

Espectador
Sim, quero mudar.

O espectador muda a carta, colocando-a um pouco mais para baixo.

mágico
Aí mesmo? Satisfeito?

Espectador
Sim, satisfeito.

mágico
Bem, olhe só que incrível. Com as cartas, assim como na vida, quando
você convive com seu passado, ele acaba inuenciando as decisões que
você toma no presente. Lembre que você podia ter falado para em
qualquer lugar, mas você falou para justamente...

O mágico vira de face para cima a carta que o espectador introduziu


no meio, deixando ainda metade para fora.
SEÇÃO B.2: A VIDA, AS CARTAS (PÁGINA 105) 177

mágico
...no ás de espadas! Justamente a carta gêmea do ás de paus, que é seu
passado!

Espectador
Nossa!

mágico
Mas não só isso, não só isso! Lembre que você podia ter colocado a carta
em qualquer lugar no baralho. Inclusive, você até mudou de ideia, não
foi?

Espectador
Foi.

mágico
Pois é. Com as cartas, assim como na vida, da mesma forma que seu pas-
sado inuencia no seu presente, as decisões que você toma no presente...

O mágico abre o baralho em faixa na mesa.

mágico
... determinam completemente...

O mágico pega a carta à direita e à esquerda do ás de espadas, e vira


as duas cartas.

mágico
... o seu futuro!

As cartas viradas são o ás de ouros e o ás de copas.

Espectador
Incrível!

mágico
Com os quatro ases na mesa, quem sabe o que as cartas querem mostrar
é que seu destino é ganhar em um jogo de poker!
178 CAPÍTULO B: SCRIPTS

B.3 Another Quick Coincidence (página 105)

O mágico está com um baralho em mãos.

mágico
Antes de tudo, deixe eu perguntar uma coisa: vocês sabem o que são
cartas gêmeas? Alguém sabe? Cartas gêmeas são cartas do mesmo
valor, mesma cor, mas de naipes diferentes. Por exemplo, 9 de paus e 9
de espadas, 5 de copas e 5 de ouros... enm, 7 de paus e 7 de?

Alguém
Espadas!

mágico
Exatamente.

mágico
Você! Qual é seu nome?

O mágico aponta para uma pessoa da plateia e ela diz o nome.

mágico
Eu quero tentar fazer uma coisa aqui envolvendo o baralho e um pouco
de coincidência. Você acredita em coincidências?

Espectador
Sim, acredito.

mágico
Eu também! Que coincidência!

Risadas...

mágico
Vamos fazer o seguinte, então: quero começar deixando uma carta na
mesa aqui... uma carta que ninguém saiba qual que é, nem eu, nem você,
nem ninguém. Essa!

O mágico pega o baralho e larga uma carta qualquer em cima da


mesa, com a face para baixo.
SEÇÃO B.3: ANOTHER QUICK COINCIDENCE (PÁGINA 105) 179

mágico
Agora eu preciso que você escolha uma carta para mim, pode ser?

Espectador
Pode.

mágico
Ok! Então, pegue qualquer carta do baralho, sem olhar.

O mágico passa as cartas, e o espectador escolhe uma.

mágico
Perfeito. Veja bem, o baralho possui 52 cartas. Tirando a que você
pegou, sobraram 51 cartas comigo. Se a gente for contar os espaços
entre cada duas cartas, existem 50 espaços diferentes, 50 possibilidades
distintas.

O mágico enquadra as cartas.

mágico
Por favor, pegue sua carta e a insira em qualquer lugar, de forma que
ela ocupe qualquer um dos espaços.

O espectador pega a carta que escolheu e a empurra contra o baralho


enquadrado, de forma que a carta que com a metade ainda para fora.

mágico
Perfeito! Então você escolheu a carta que quis e colocou onde quis, certo?

espectador
Certo.

mágico
Vamos então ver pela primeira vez a carta que você escolheu.

O mágico vira de face para cima a carta que estava com a metade
para fora.

mágico
O 3 de paus.
180 CAPÍTULO B: SCRIPTS

mágico
O mais incrível é que a carta que eu tinha deixado antes na mesa, que
ninguém mecheu, ninguém tocou, é...

O mágico vira a carta da mesa.

mágico
O três de espadas! Justamente a carta gêmea do três de paus!

espectador
Impressionante!

mágico
Mas quem sabe isso poderia ser uma coincidência. O que eu realmente
não consigo entender é que você colocou sua carta onde você quis no
baralho. Eu até te dei a opção de mudar de lugar, e você não quis. Eu
só não sei como que você colocou sua carta entre...

O mágico mostra as duas cartas à direita e à esquerda do três de


espadas.

mágico
O três de copas e o três de espadas!

B.4 Número Pensado (página 84)

O mágico entra em cena com uma folha de papel e um lápis.

mágico
As pessoas sempre perguntam se os mágicos conseguem ler pensamentos.
É claro que...

O mágico faz uma expressão facial de como se não fosse possível ler
pensamentos.

mágico
... é possível!

A plateia ri.
SEÇÃO B.4: NÚMERO PENSADO (PÁGINA 84) 181

mágico
Vamos fazer um teste agora, então. Senhor, em que dia você nasceu?

espectador
17 de agosto.

mágico
Hum... então você é leonino?

espectador
Sim, leão.

mágico
Ok. Leoninos... pessoas egocêntricas...

O mágico ca pensativo.

mágico
Vamos fazer o seguinte: pense em um número entre 0 e 1000. Qualquer
número entre 0 e 1000!

espectador
Estou pensando.

mágico
Você concorda que seria impossível eu ou qualquer outra pessoa saber o
número que você pensou, correto?

espectador
É, seria impossível.

mágico
Leoninos são criativos e conantes...

O mágico ca pensativo.

mágico
Ok, ok, ok! Não mude de ideia, certo?
182 CAPÍTULO B: SCRIPTS

O mágico pega o lápis e anota o número na folha, de forma que


ninguém consiga ler.

mágico
Perfeito, acho que é isso.

O mágico coloca o lápis em cima da mesa.

mágico
Pela primeira vez, pode falar o número que você estava pensando. Fale
bem alto, para que todo mundo escute.

espectador
713.

mágico
713?

espectador
Sim, 713.

mágico
Então, você é realmente leonino!

Quando o mágico mostra o outro lado do papel, está escrito justa-


mente o número 713.

B.5 Um Pouco de Você (página 74)

O mágico pega um baralho e o coloca na mesa.

mágico
Fazer mágica com baralho é um pouco complicado, porque às vezes as
pessoas acham que quando a pessoa pega e toca numa carta, o mágico
manipula a posição em que ela está e só assim o número de mágica
acontece... é exatamente isso!

O mágico ri.
SEÇÃO B.5: UM POUCO DE VOCÊ (PÁGINA 74) 183

mágico
Não, não... na verdade não tem nada a ver. Para provar isso, quero tentar
fazer uma coisa da forma mais justa possível. Deixa eu ver alguém pra
me ajudar aqui... Você! Pode ser?

Ana
Sem problemas.

mágico
Por favor, embaralhe as cartas.

Ana embaralha as cartas e as deixa na mesa.

mágico
Ana, eu quero que você escolha uma carta. Mas se você tocar na carta,
as pessoas podem achar que eu manipulei alguma coisa. Pra evitar esse
tipo de coisa, quero que você apenas pense numa carta. Como as pes-
soas frequentemente assinam as cartas, eu não sei se esse baralho está
completo. Pra não correr o risco de você pensar em uma carta que não
está nesse baralho, vou passar meu dedo pelo baralho assim e você fala
para onde quiser. Quando você falar para, eu paro e você olha a
carta. E depois você mesmo vai embaralhar as cartas, mas pensando em
seu próprio nome, tá certo?

Ana
Ok.

O mágico segura o baralho com a mão esquerda, olha para trás e,


com o indicador da mão direita, passa as cartas, uma por uma, pelo
canto superior direito.

Ana
Para!

mágico
Aqui? Nessa carta? Ou quer que eu passe um pouco mais?

Ana
Quero um pouquinho mais.
184 CAPÍTULO B: SCRIPTS

O mágico passa um pouco mais.

Ana
Para! Aí tá bom.

mágico
Ok! Então olhe a carta e memorize ela. Os outros podem ver também,
se quiser.

mágico
Abra sua mão, por favor. Pegue o baralho e embaralhe as cartas, mas faça
isso pensando em seu nome. Mentalize seu nome enquanto embaralha as
cartas.

Ana embaralha as cartas e deixa o baralho na mesa.

mágico
Pronto? Aliás, deixe eu tirar os curingas desse baralho.

O mágico pega o baralho e vai passando as cartas separando os cu-


ringas.

mágico
Os curingas causam confusão na mente das pessoas, vai ser melhor tirar
eles... Pronto!

O mágico deixa o baralho na mesa.

mágico
Beleza. Você está apenas pensando em uma carta, que só você sabe. E
ela pode estar em qualquer lugar do baralho, até porque você embaralhou
as cartas antes e depois. Na verdade, a posição em que ela está depende
de seu embaralhamento. Mas lembre que, quando você embaralhou as
cartas, você estava pensando no seu nome, certo?

Ana
Certo.

mágico
E isso inuenciou suas ações implicitamente! Eu quero tentar fazer isso
SEÇÃO B.5: UM POUCO DE VOCÊ (PÁGINA 74) 185

sem tocar em nada, e usando um pouco de você. Soletre seu nome, como
se cada carta equivalesse a uma letra. Mas antes, fale para todos sua
carta em voz alta.

Ana
Nove de copas.

mágico
Beleza. Pode começar a soletrar seu nome.

A Ana começa a soletrar, tirando cada carta do topo do baralho para


cada letra do seu nome.

mágico
Na vida, quando a gente tem pensamentos positivos sobre o futuro, atin-
gimos nossas metas.

O mágico pega a próxima carta do topo do baralho e não a revela


ainda.

mágico
Com as cartas é a mesma coisa.

O mágico vira a carta. É o nove de copas.


Bibliograa comentada
Em vez de adicionar uma bibliograa comum, resolvi fazer um breve
descritivo das obras que serviram de inspiração para escrever este livro:
uma bibliograa comentada. Como elas serviram para mim, espero que
sirva para você, leitor, no sentido de lhe ajudar a conhecer mais dessa
maravilhosa arte, que é a mágica.
Se o leitor notar a falta de dados em algumas referências, como, por
exemplo, a ausência de editora, não pense que foi erro de digitação. Por
se tratar de um assunto bastante especíco, alguns mágicos publicam
livros por conta própria, sem vínculos com editora, nem registro ISBN.
Por esse motivo, muitos livros são encontrados apenas em grandes lojas
especializadas em artigos de mágica.

1. Ascanio, Arturo de. The Structural Conception of


Magic . Libros de Magia, Madri, 2005.
Ascanio é conhecido como o Pai da cartomagia espanhola, e, sem
dúvida, uma das mentes mais pensativas já conhecidas até então na Arte
Mágica. Ascanio faleceu em 1997, mas deixou importantes registros de
suas ideias, pensamentos e criações. The Structural Conception of Magic
é o primeiro livro da coleção de quatro volumes, chamada de The Magic
2

of Ascanio. Entre os outros volumes dessa coleção, esse é o único que


não se prende unicamente à explicação de números de mágica.
O livro é, na verdade, uma coleção de notas de conferência e ma-
nuscritos do Ascanio, que não tinham sido publicados até sua morte.
Todo o trabalho da organização do material foi feito por Jesús Etche-
verry e Laura Avilés, que zeram questão de incluir curiosas entrevistas

2
A coleção foi traduzida do espanhol para o inglês pelo mágico venezuelano Rafael
Benatar.

187
188 BIBLIOGRAFIA COMENTADA

e conversas informais com o Ascanio.

O livro apresenta a ótica de Ascanio a respeito de importantes concei-


tos sobre técnica, naturalidade, timing, misdirection, psicologia, constru-
ção, criatividade e estudo da mágica. Muitos conceitos e termos foram
criados e fundamentados pelo próprio Ascanio. Acredito que seja um dos
livros mais importantes sobre teoria da Arte Mágica já escrito.

2. Burger, Eugene. The Theory and Art of Magic .


Linking Ring Magazine, novembro, 2000.
Eugene Burger é um mágico singular. Sua mágica é contagiada por
seu conhecimento de história, losoa, mitologia e religião. É autor
de fascinantes artigos e de 15 livros a respeito da Arte Mágica. Seu
trabalho contém não apenas belos conceitos de mágica, mas também
diversas informações sobre outras áreas do conhecimento.

The Theory and Art of Magic foi um artigo publicado conjuntamente


com Larry Hass, Ph.D em losoa e mágico prossional.
3 A leitura dá

uma visão do papel social da mágica e do mágico, a percepção do público


e a metáfora da transformação, que está sempre presente na Arte Mágica.

3. Burger, Eugene. Being Me . Genii Magazine, abril,


1999.
Esse artigo é uma discussão breve e interessante sobre a questão do
personagem assumido pelo mágico, assunto abordado na seção 5.3.

4. Burger, Eugene. Editing Our Scripts . Genii Maga-


zine, abril, 2000.
Nesse artigo, Eugene Burger comenta a respeito do script no número
de mágica. Apesar da discussão ser breve, é interessante ver o exemplo
de um script próprio do Eugene e sua evolução com o passar de alguns
anos.

3
Eugene Burger e Larry Hass são também professores na escola McBride Magic &
Mystery School, em Las Vegas.
189

5. Burger, Eugene. Performing Stunts and Performing


Magic . Genii Magazine, junho, 2000.
É um artigo curto e objetivo a respeito da excessiva demonstração
de habilidade em números de mágica (ver seção 3.5).

6. Burger, Eugene. A Few Thoughts About Theory .


Behind the Smoke & Mirrors, setembro, 2001.
Esse artigo foi publicado no jornal Behind The Smoke and Mirrors,4
um jornal especializado em assuntos teóricos da Arte Mágica e pensa-
mentos criativos. Eugene Burger faz breves comentários sobre a teoria
na Arte Mágica, esclarecendo o mal entendido entre teoria e prática e
fortalecendo a importância do estudo teórico.

7. Burger, Eugene. Magical Presentations . Genii Ma-


gazine, abril, 2000.
Eugene Burger fornece algumas dicas de como organizar a apresen-
tação de um número de mágica e como melhorá-lo. Fala brevemente
da evolução do script de um de seus famosos números, e fornece uma
importante dica de como praticar o aspecto verbal do show (o script ).

8. Fitzkee, Dariel. Showmanship for Magicians . Lee


Jacobs, São Francisco, 1943.
Dariel Fitzkee é autor de diversos livros e manuscritos. Os mais co-
nhecidos, no entanto, fazem parte da famosa Trilogia de Fitzkee. São
três volumes de livros: Showmanship for Magicians, The Trick Brain
e Magic by Misdirection, respectivamente. Embora tenham informações
extremamente relevantes, muitas delas jamais exploradas até então, mui-
tos mágicos, notoriamente, não concordam com as ideias expostas por
Fitzkee. Independente de concordar ou não, considero essa trilogia lei-
tura obrigatória para qualquer mágico.
O primeiro livro da trilogia, Showmanship for Magicians, aborda a
questão da performance, ou seja, o modo pelo qual a mágica deveria
ser apresentada. Fitzkee procura explicar, diante de uma perspectiva
moderna, como a mágica deveria ser apresentada, e por que ela não

4
Esse jornal era publicado pelo mágico David London, e vigorou de 1998 a 2001.
Infelizmente, não há notícias de quando o jornal voltará a existir.
190 BIBLIOGRAFIA COMENTADA

é tão popular para a massa como outras formas de entretenimento. O


livro descreve e exemplica importantes conceitos, tais como: a comédia,
a conquista da atenção do público, o planejamento de uma rotina, os
diversos tipos de plateia, o business do mágico, etc.

9. Fitzkee, Dariel. The Trick Brain . Lee Jacobs, São


Francisco, 1944.

Esse é provavelmente o livro mais polêmico da trilogia, pelo fato do


Fitzkee explicitar que considera a mágica uma ciência e não uma arte.
Independentemente do posicionamento de qualquer mágico a esse res-
peito, é, sem dúvida, uma leitura de fundamental importância. Dariel
Fitzkee, pela primeira vez na história, apresenta uma abordagem siste-
matizada da Arte Mágica. A lista de categorias de efeitos mágicos criada
por ele foi, inclusive, a lista na qual me fundamentei para escrever este
livro (ver apêndice A).

10. Fitzkee, Dariel. Magic by Misdirection . Lee Jacobs,


São Francisco, 1975.

Esse livro é um dos mais completos manuais sobre misdirection. To-


dos os conceitos sobre essa técnica são minuciosamente explicados e
exemplicados. A leitura já havia sido recomendada, inclusive, pelo
saudoso Tommy Wonder.

11. Giobbi, Roberto. Card College vol 2. Hermetic


Press, 2000.

O segundo volume da série dá continuidade ao volume anterior, ex-


plicando minuciosamente outras técnicas e números de cartomagia. Ao
nal do livro, porém, há um capítulo que aborda exclusivamente assuntos
teóricos. É bastante interessante compreender a ótica de Giobbi quanto
ao timing, ao misdirection, à apresentação, à construção de rotinas, ao
papel do mágico, e etc.
191

12. Giobbi, Roberto. Card College vol 4. Hermetic


Press, 2000.

Da mesma forma como fez no volume 2, Giobbi reservou um espaço


no nal do volume 4 para assuntos teóricos. O capítulo 54 trata exclusi-
vamente da Estrutura da Arte Mágica, onde Giobbi explica seu modelo
de Pirâmide Mágica. Um conteúdo valiosíssimo.

13. Hall, Stuart. . Culture, Media,


Encoding, Decoding
Language: Working Papers in Cultural Studies, 1972-79.
London: Routledge, 2005[1980].

Stuart Hall é um teórico cultural jamaicano que contribuiu com obras


chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação. Esse li-
vro não trata de mágica, mas apresenta um Modelo de Comunicação de
Massas, diferente do usual Modelo de Comunicação Interpessoal. Re-
solvi incluí-lo como referência bibliográca porque citei o livro no rodapé
da página 137 no intuito de mostrar ao leitor que existem outros modelos
de comunicação, mais complexos que o utilizado aqui para fundamentar
o capítulo 9.1.

14. Leirpoll, Jarle. Choreographic Misdirection . Magic


Magazine, julho, 1997 .

Jarle Leirpoll é um mágico norueguês, estudioso da percepção do


público. Apesar de não muito conhecido no cenário mágico, ele é au-
tor do bem comentado livro Pocket Power e de diversos outros artigos
sobre misdirection, manipulação da atenção e timing. Nesse artigo, pu-
blicado na famosa Magic Magazine, Leirpoll explica sua teoria a respeito
do misdirection coreográco, termo que citei na página 122 quando co-
mentei sobre a linguagem corporal do mágico. É um excelente artigo,
que retoma vários conceitos importantes e apresenta outros inovadores.
Vale ressaltar que Leirpoll oferece importantes conselhos para aplicar a
técnica do misdirection em apresentações na televisão.
192 BIBLIOGRAFIA COMENTADA

15. Leirpoll, Jarle. Magic as a Martial Art . Magic


Magazine, outubro, 2001.
Esse é outro excelente artigo escrito por Leirpoll. É um conteúdo
totalmente inovador e inusitado. Jarle Leirpoll faz uma analogia entre a
Arte Mágica e a arte da luta, mais especicamente, o Aikido. O objetivo
é demonstrar que as concepções de ataque, defesa e equilíbrio no
Aikido podem ser brilhantemente aplicada na mágica. É uma leitura
que até mesmo facilita a compreender o conceito de misdirection mental
(conceito que expliquei na página 125).

16. Mauss, Marcel. Esquisse d'une théorie générale de


la magie. Anné sociologique, 1902.
Marcel Mauss é sociólogo e antropólogo francês, considerado o pai
da etnologia francesa. Esse livro é um estudo antropológico da mágica
como fenômeno cultural e de sua evolução desde as sociedades primi-
tivas (termo utilizado pelo próprio autor) até hoje, manifestada em
pensamentos e comportamentos sociais. O livro mostra o poder da má-
gica em diversas culturas e a relação com a sociedade e a religião. A
concepção de mágica utilizada pelo autor não é a mesma da que es-
tamos acostumados. Nossa concepção trata a mágica como uma arte
de entretenimento, direcionada a uma plateia. A abordagem de Marcel
Mauss trata a mágica como fenômenos de magia, isto é, que envolvem
algum tipo de crença (remédios curandeiros, alquimia, astrologia e ritu-
ais). Apesar de ser um assunto muito complexo e uma leitura nada fácil,
o livro traz muito conteúdo sobre a evolução da mágica na antiguidade
e o poder que os mágicos exerciam na sociedade. O livro contribui, so-
bretudo, para entender como a mágica foi responsável pela evolução da
ciência. Esse livro foi traduzido para o inglês, com o nome de A General
Theory of Magic.

17. Macknik, Stephen; Martinez, Susana. Sleights of


Mind: What the Neuroscience of Magic Reveals about Our
Everyday Deceptions. Henry Holt and Co, Novembro,
2010.
Stephen Mackik e Susana Martinez são um casal que fundaram a
disciplina da neuromagia, um estudo nerurocientíco da Arte Mágica.
Foi traduzido para o português, com o nome de Truques da Mente: o
193

que a mágica revela sobre nosso cérebro, pela editora Zahar. É um livro
recente, que foi parar em minhas mãos por indicação do meu amigo e
mágico Ozcar Zancopé. Apesar de tê-lo lido após o término do meu
livro, resolvi incluir nas referências bibliográcas porque existem muitos
assuntos semelhantes pelos quais o leitor pode se interessar. Uma leitura
intrigante, curiosa e muito bem fundamentada.

18. McCabe, Pete. Scripting Magic . 2007.


Pete McCabe não é um mágico prossional, mas seu trabalho nesse li-
vro é de fato surpreendente. O assunto do livro é apenas um: o script. O
objetivo de McCabe não é ensinar a escrever um script, mas sim ensinar
como escrever melhores scripts. O livro é repleto de ideias fenomenais
e de entrevistas exclusivas com diversos outros mágicos, entre eles Mi-
chael Ammar, Guy Hollingworth, John Lovick, Jamy Ian Swiss e Teller.
Recomendo fortemente.

19. Nelms, Henning. Magic and Showmanship: A


. Dover Publications, 1969.
Handbook for Conjurers

Henning Nelms é autoridade em showmanship. Considero que foi um


dos melhores livros que já li sobre a Arte Mágica. Diversos temas são
abordados: o papel do mágico, o papel do espectador, estrutura dramá-
tica de um número de mágica, comportamento e postura no palco, script
silencioso, misdirection e outras técnicas de atenção. Com sua vasta ex-
periência como diretor de teatro, Henning Nelms conseguiu inserir em
um único livro uma miscelânea de assuntos importantes para qualquer
um que se considere mágico. Uma leitura obrigatória para todos que
possuem o mínimo interesse sobre a Arte Mágica.

20. Ortiz, Darwin. Designing Miracles . A-1 Magical-


media, 2006.
Darwin Ortiz é provavelmente um dos maiores estudiosos de cartoma-
gia. Possui diversas publicações sobre números com cartas e técnicas de
trapaças em jogos. Alguns mágicos não sabem, no entanto, que Darwin
Ortiz escreveu duas importantíssimas obras que não tratam de técnicas
e números de cartomagia: Strong Magic e Designing Miracles.
Designing Miracles aborda apenas o conceito da estrutura de um
número de mágica (ver gura 6.1 na página 54), chamado por Ortiz de
194 BIBLIOGRAFIA COMENTADA

design. O livro apresenta técnicas preciosíssimas para que um número


possa ser melhor estruturado. Recomendo fortemente.

21. Ortiz, Darwin. Strong Magic . Kaufman and Gre-


enberg, 1994.
Strong Magic ensina como obter melhores performances, como exe-
cutar uma mágica mais forte. É um excelente livro que incide sobre o
importante elemento da apresentação (ver gura 6.1 na página 54): um
estudo minucioso de como fazer um número de mágica ser mais impac-
tante e encantador para o público.

22. Sankey, Jay. Beyond Secrets .


Beyond Secrets é uma coletânea de diversos pequenos artigos sobre
os mais variados temas relacionados à Arte Mágica. Uma leitura rápida
e com informações relevantes.

23. Tamariz, Juan. Los Cinco Puntos Magicos. Frak-


son, Madri, 1981.
Juan Tamariz é provavelmente a pessoa mais conhecida entre os má-
gicos. Originalidade, inteligência e carisma são atributos marcantes nesse
artista completo e de criatividade e talento indescritíveis. Além de ser
competente como mágico, é também autor de diversos livros, artigos e
manuscritos nunca publicados, que tratam não somente de técnicas me-
cânicas e números de mágica, mas também de história da Arte Mágica,
teoria e princípios inovadores.

Nesse livro, Tamariz escreve a respeito de cinco fatores essenciais


para uma performance de sucesso, os cinco pontos mágicos: o olhar,
a voz, as mãos, o corpo, e os pés. Tamariz explica por que os cinco
pontos mágicos são essenciais para se comunicar com a plateia e para
transmitir a ilusão do impossível. Uma leitura rápida e obrigatória para
todos os mágicos.
195

24. Vargas, Henry. A Fenomenologia da Arte Mágica .


Mimeo. 2011.
Meu grande amigo e autor do prefácio deste livro me mostrou seu
artigo ainda não publicado, intitulado Fenomenologia da Arte Mágica,
baseado na obra de Hegel: Fenomenologia do Espírito. Quando li, ime-
diatamente pedi permissão para citá-lo no livro, já que o conteúdo enri-
quece o debate da seção 9.4, que aborda a teoria da Pirâmide Mágica.
Henry apresenta um modelo diferente de pirâmide, que não pressupõe
uma hierarquia de importância. Um artigo curto e objetivo.

25. Wonder, Tommy. Books of Wonder vol 1. Hermetic


Press, Amsterdam, 1996.
Tommy Wonder é, sem dúvida, uma das mentes mais brilhantes da
mágica que já existiram. Infelizmente, faleceu cedo, aos 52 anos. O
legado de Tommy, no entanto, perdurará ao longo de toda a história a
Arte Mágica. Sua originalidade estendia-se não apenas ao que fazia, mas
também ao que pensava. Ler Tommy Wonder é ler o que há de melhor
na teoria Mágica. Os dois volumes do Books of Wonder mesclam com
maestria a prática e a teoria. São simplesmente fantásticos.
O primeiro volume aborda, logo no primeiro capítulo, teorias a res-
peito da técnica de controle da atenção da plateia. Logo em seguida,
Tommy continua com outros temas interessantíssimos, sempre exempli-
cados na prática com a explicação de seus famosos números. Uma
leitura fascinante.

26. Wonder, Tommy. Books of Wonder vol 2. Hermetic


Press, Amsterdam, 1996.
O segundo volume dá continuidade ao primeiro, abordando diversos
outros temas fundamentais para qualquer mágico, como: a sensibilidade
da plateia, a diferença entre mágicos amadores e prossionais, a ciência
dos aplausos, a perfeição de um número, as características de um bom
mágico e diversos outros. Assim como no primeiro volume, Tommy per-
meia toda a discussão com a explicação de seus números, muitos deles
verdadeiras obras primas.
Índice
A Mágica da Vida, 65, 110 Card Fictions
A Vida, As Cartas, 105 Cartocciones, 94
armações distorcidas, 73 Carl Cloutier, 122
Allan Ackerman, 104 Carta Ambiciosa, 71, 97, 98
Andrély, 23 Carta guia, 67
Another Quick Coincidence, 105 Carta no Teto, 98
arte, 10 cartomagia
Arturo de Ascaio, 16 nota para cartomagos, 162
Arturo de Ascanio, 53, 72, 149 categoria
false movements, 72 categoria de efeitos, 167
secret actions, 72 centro de interesse, 100, 111
The Structural Conception of Chico Buarque, 2
Magic, 187 ciência, 8
Ascanio, 18, 46, 78 Cirque du Soleil, 59
atmosfera mágica, 16, 19, 22, 30, clímax, 86
31, 41, 108, 112
close-up, 22
ato mágico, 9
coin roll, 23
ator, 29
comunicação
processo de comunicação, 137
Backward Time Displacement, 81,
processo de comunicação na
125
Arte Mágica, 138
Baralho Invisível, 43
Congresso Brasileiro de Mágicos,
Baralho Rádio, 97
38
Bill Abbot, 43
Controle da atenção
Bill Malone, 34, 45, 118
concentração da atenção, 112
Bill Simon, 107
relaxamento da atenção, 114
bolas de espuma, 65
controle da atenção, 110
bolas excelsior, 26
controle de desordem, 72
Brainwave Deck, 43
controle de ordem, 72
Business Card Move, 107
craft, 9, 26
código, 137 Criss Angel, 45
canal, 137 Culligula Triumph, 94

197
198 ÍNDICE

Cups and Balls, 65, 95 elementos de um efeito má-


Cyril Takayama, 59 gico, 56
embaralhamento faro, 94

Dai Vernon, 22, 43, 93, 110, 122, emissor, 137

127, 154 Encontro Mundial de Mágicos, 39

Carta Ambiciosa, 71 entretenimento, 19

Dan Sperry, 35 Eric Chariot, 108

Dani DaOrtiz, 94, 152 Esquisse d'une théorie générale

Dariel Fitzkee, 8, 109 de la magie, 8

Magic by Misdirections, 190 estratégias de maximização

Showmanship for Magicians, armações distorcidas, 73

189 gradação de interesse e clí-

The Trick Brain, 190 max, 86


lapso temporal e intervalo de
Dariel Fizkee, 53
importância, 78
Darwin Ortiz, 53, 55, 81
momentos simbólicos, 102
Designing Miracles, 193
participação da plateia, 70
Strong Magic, 194
surpresa antecipada, 99
Daryl, 162
Estratégias de maximização, 69
David Blaine, 45
Eugene Burger, 2, 34, 161
David Coppereld, 59, 62, 70, 80,
A Few Thoughts About The-
139
ory, 189
David London
Being Me, 188
Behind The Smoke and Mir-
Editing Our Scripts, 188
rors, 189
Performing Stunts and Per-
De Viribus Quantitatis, 7
forming Magic, 189
Derren Brown, 78
The Theory and Art of Ma-
desaparição de uma gaiola de pom-
gic, 188
bos, 82
expectativas adaptativas, 11
Designing Miracles, 55
dialética de implicação, 150 false deal, 118
Don Alan, 43 falso depósito, 119
Dostoevsky, 10 fazedor de truques, 27
feedback, 138
Eddie Fields, 43 fenômeno, 57
EdMarlo, 146 nal loads, 65
Eduardo Peres, 1, 42 rula, 22
Pensamento Original em Arte FISM, 18
Mágica, 2 FLASOMA, 104
efeito mágico, 15, 16, 23 oreios, 22
elementos Fly, 70
ÍNDICE 199

fonte de informação, 110 Jesus Etcheverry, 187


force em cruz, 125 Joe Berg, 43
Forward Time Displacement, 81, John Lovick, 142
125 Joshua Jay, 94
Juan Mayoral, 38
gag, 116, 123
Juan Tamariz, 18, 34, 36, 46, 59,
Gregory Wilson, 66, 75
69, 74, 77, 91, 108, 117,
Point Blank, 97
147
Los Cinco Puntos Magicos,
Harry Lorayne, 106, 125
139, 194
Henning Nelms, 53
Magic and Showmanship, 31 Pirâmide Mágica, 146
três fases do efeito mágico,
Magic and Showmanship, 193
58
Henry Vargas, 19, 149
A Fenomenologia da Arte Má-
Kevin James, 152
gica, 149, 195
Kevin Parker, 45
Pirâmide Mágica, 149
Kostya Kimlat, 94
Herb Zarrow, 93
Hofzinser, 75
Lance Burton, 13, 20, 43, 108
Hofzinser Spread Cull, 106
lapso temporal, 78
Hofzinser's Card Conjuring, 75,
backward time displacement,
167
81
forward time displacement,
impacto efetivo, 69, 161
81
impacto potencial, 69, 161
Impressão Digital na Carta, 67 lapso temporal entre o segredo e

interesse o efeito, 68

gradação de interesse, 86 Latko, 56

perspectiva externa, 87 Laura Avilés, 187

perspectiva interna, 87 Lennart Green, 106

intervalo de importância, 78, 79 Leonardo da Vinci, 7


linguagem corporal, 117
Jarle Leirpoll, 123 linguagem não verbal, 139, 144
Choreographic Misdirection, linguagem verbal, 139, 144
191 Lorayne's Great Divide, 106
Magic as a Martial Art, 192 Los Siete Velos Mágicos, 36
Jay Noblezada, 59 Lu Chen, 155
Jay Sankey, 46 Luca Bartolomeo de Pacioli, 7
Beyond Secrets, 194
Jay Scott Beryy, 122 mágica
Jean Hugard, 120 truque, 16
Modern Magic Manual, 60 mágico, 27
200 ÍNDICE

Marcel Mauss, 8 o-beat, 25, 114, 117


Marcell Mauss On The Spot, 66
Esquisse d'une théorie géné- onda de tensão e relaxamento,
rale de la magie, 192 114, 117
Master of the Mess, 94 originalidade, 19
Max Maven, 34, 58, 78 Os Covilhetes, 95
Meir Yedid, 93 Oscar Wilde, 45
Memória Extraordinária, 68
mensagem, 137 Pablo Picasso, 29

Michael Ammar, 94, 95, 108, 122, participação da plateia, 70

125 Patrick Page, 122

The Complete Cups and Balls, Penn and Teller, 153

95 Penn&Teller, 70

Michael Close, 123 personagem, 56

Michael Finney, 146 Pete McCabe

Misdirection Scriptig Magic, 60

Misdirection Verbal Scripting Magic, 193

Ricochet, 123 Pirâmide Mágica, 146

misdirection, 109, 120 Pit Hartling, 94

denição de misdirection, 121 processo de comunicação

misdirection de intensidade, código, 137

124 canal, 137

misdirection físico, 121 emissor, 137

misdirection coreográco, feedback, 138, 141

122 mensagem, 137

misdirection mental, 125 receptor, 137

misdirection temporal, 125 referente, 137

misdirection verbal, 123 ruído, 138, 142

thematic misdirection, 125 processo de comunicação na Arte

misdirection coreográco Mágica, 138

naturalidade, 123 processo de treinamento, 157

misdirection de intensidade, 117 propósito, 57

momentos simbólicos, 102 prova, 60

monotonicidade, 111, 118 Pull-Through Shue, 94

Número Pensado, 84 Rafael Benatar, 60, 187


números ruins, 151 Rafael Titonelly, 45
naturalidade, 127 Rafael Tubino, 77
Nest of Boxes, 101 receptor, 137
Next of Boxes, 60 reestruração de um n úmero, 86
Norm Nielsen, 13 referente, 137
ÍNDICE 201

René Lavand, 34, 40 table-hopping, 22, 103, 108


composição, 53 Tenkai Optical Revolve, 93
Rich Marotta, 62 teoria, 26
Ring Flight, 80 The Structural Conception of Ma-
Robert Houdin, 7, 29 gic, 72, 78
Roberto Giobbi, 53 The trick brain, 8
Card College vol 2, 190 Thumb Writer, 84
Card College vol 4, 191 time misdirection, 79
Pirâmide Mágica, 147 Timing, 132
Rudy Coby, 146 Tio André, 21
Tom Jobim, 2
Salvano, 122 Tommy Wonder, 24, 60, 62, 108,
Sam The Bellhop, 118 117
Samuel Taylor Coleridge Books of Wonder, 123
Suspension of Disbelief, 31 Books of Wonder vol 1, 195
script, 117, 142, 161 Books of Wonder vol 2, 195
Praticando o script, 161 Misdirection revisitado, 120
script silencioso, 144 Ricochet, 123
script silencioso, 144 treinamento mental, 162
showmanship, 19 Trilha da Ilusão, 111
shows infantis, 21 trilha da ilusão, 11
Simon Aronson, 46 Triple Coincidence, 69
Sleights of Mind, 192 Triumph Shue, 93
Stephen Macknik, 192 Trumped Triumph, 94
Stuart Hall truque, 21
Enconding, Decoding, 191 mágica, 16
Super Star, 82 Truques da Mente, 192
surpresa antecipada, 99, 114, 117
Susana Martinez, 192 Ultra Mental Deck, 43

Suspensão da Descrença, 40 Um Pouco de Você, 74

Suspensão da Descrença, 31, 41,


Vik e Fabrini, 46, 153
59, 108
Suspension of Disbelief, 31 Zarrow Shue, 93
alguém estar convencido, 31
alguém ter acreditado, 31
Svengalli Deck, 97

técnica, 26
técnica mecânica
técnica psicológica, 25
técnicas não mecânicas, 109, 158

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