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MARTA
Harnecker
Vida e pensamento

Isabel Rauber

Prólogo de Guadalupe Valdez San Pedro


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Marta Harnecker
Vida e Pensamento
Autora: Isabel Rauber

© Isabel Rauber
30 de Abril de 2021

© da presente edição:
Centro de Pesquisa e Promoção Social (cipros)
Santo Domingo, junho de 2021

ISBN: 978-9945-22-114-5

Desenho da capa: Mauro Germán


Fotografia da capa: Marta Harnecker caminhando pelo Parque Central, Chile 1972 (Foto tirada
por seu amigo Ramón, cedida por Camila Piñeiro Harnecker).
Transcrições: Susana Duro
Layout interior: Jesús Alberto De la Cruz

Edición: Editora Búho, S.R.L.


Tel: 809 686 2241 / 809 686 2243 E-
mail: editorabuho@yahoo.com

Impressão: Editora Universitária - UASD

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial deste livro por
qualquer meio ou procedimento, incluindo reprodução de fototipos e processamento informático,
sem autorização escrita do autor.

Impresso na República Dominicana


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Índice

Prefácio ........................................... XI

Palabras de Camila Piñeiro Harnecker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xv

Palavras de Michael Lebowitz ........................ XIX

Por meio de introdução ............................... 1

I. Um novo mundo para construir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . quinze

Um livro que sintetiza aprendizados e propostas. . . . . . . 17


Novos horizontes e conceitos

que se desenvolvem ou se aprofundam. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19


O Prêmio Libertador, motivos de sua entrega. . . . . . 51
Tipologia de seus livros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Relacionamento com editoras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Socialista e marxista, uma questão de identidade. . . . . . . 67

II. De Allende aos governos populares de esquerda


do século XXI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

O governo de Salvador Allende. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75


Allende, o precursor do socialismo do século XXI. . . . 81

vii
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Lições do governo Allende


para governos populares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Outras questões a serem levadas em conta pelos governos
populares e de esquerda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

III. França e Althusser, a primeira grande virada em sua vida . . . . . 119

Por que França. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

Retiros espirituais, um caminho em direção a Althusser. . . 125


Relacionamento com Althusser. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Os conceitos elementares do materialismo
histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Retorno ao Chile. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Golpe, clandestinidade e exílio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

4. Cuba e Piñeiro. A segunda grande mudança de vida . . . . . . . . . . . 155

Primeiras visitas a Cuba em 1960. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157


Terceira visita a Cuba, ano 71. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Romance com Pineiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
O exílio em Cuba e o reencontro com Piñeiro. . . . . . 168
A vida com Piñeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Cuba: Atividades e livros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Maternidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
Camila . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
O MEPLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

V. Venezuela, Canadá e Lebowitz. A terceira volta


de sua vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

A morte de Piñeiro, a solidão e novos romances… . . . . . 197


Michael Lebowitz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Partida para a Venezuela, 2004. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208
O sedimento político das experiências de Cuba e
Venezuela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222

viii
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Isabel Rauber

SERRA. Da infância à velhice, algo mais que um suspiro… 233

Pinceladas de família. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235 O


movimento Ranquil e sua atuação nos sindicatos. . . 246 Sua entrada
no Partido Socialista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 Romances de
juventude. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 Retorno à formação
política. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 Fama e
privacidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259 O desafio
de ser avó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
Morte, um problema a enfrentar. . . . . . . . . . . . . . . . 262 Mensagem
de encerramento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264

Bibliografia citada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

Palavras de Marta Harnecker ao receber o Prêmio


Libertador do pensamento crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
271 Palavras de Marta Harnecker ao receber o Prêmio de
Ciências Sociais que lhe foi atribuída pela CLACSO. . . . . . 285
Esboço biográfico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

ix
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Prefácio

Marta, uma referência fundamental

Começo este breve prólogo revelando que foi para mim uma grande
emoção-surpresa quando Isabel, a quem admiro, respeito, a quem estou
unido por uma profunda amizade que começou em Cuba em 1989 e que
dura toda a nossa vida, me perguntou para escrever o prólogo deste seu
último livro, escrito em condições extremamente difíceis, em meio à
Pandemia do COVID 19 e à sua própria realidade de saúde.

Conheci Marta Harnecker desde meus anos de estudante universitário,


quando me abri ao mundo das lutas sociais inspirado no exemplo de meu
pai, Quírico Valdez. Bem como pelas referências feitas a seu respeito pelo
professor de sociologia Max Puig, em cuja bibliografia acadêmica, Marta
Harnecker foi uma referência fundamental.

Naquela época seus textos, em particular Os Conceitos Elementais do


Materialismo Histórico, foram passados de mão em mão entre tantos
jovens inquietos e dispostos a mudar o mundo, que mergulharam na
herança marxista tentando encontrar respostas para tantas questões e
viram nela uma interlocutora próxima situada entre os clássicos do
socialismo, a revolução socialista e a sua própria realidade histórico-cultural.

XI
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Formou a sua identidade marxista, inspirando-se primeiro nas fontes


europeias e depois num diálogo constante e renovador com as práticas e
conceitos desenvolvidos na América Latina e nas Caraíbas, em particular
as experiências da revolução cubana, dos movimentos religiosos. Chile,
sandinismo e o processo revolucionário bolivariano na Venezuela.

Marta Harnecker ofereceu inúmeras entrevistas ao longo de sua fecunda


vida nas quais explicou sua visão dos problemas sociopolíticos da região
latino-americana e caribenha, suas experiências na investigação da essência
dos processos revolucionários em curso, seu papel como divulgadora e
promotora do pensamento crítico. O texto que Isabel Rauber hoje coloca nas
nossas mãos destaca-se pela forma como nos dá uma imagem sintetizada e
– ao mesmo tempo, multifacetada – da sua vida de mulher e do seu trabalho
pedagógico e político.

Num diálogo sincero entre dois destacados pensadores latino-americanos,


que trabalharam juntos, que publicaram juntos, que flui como água cristalina,
ágil e transparente, na qual junto com o pensador, o pedagogo, o escritor,
emergem também as mulheres revolucionárias.

Sob o olhar atento de Isabel Rauber, o diálogo revela os caminhos e


momentos nodais pelos quais o pensamento de Marta se desenvolveu e
como ela encontrou aquilo a que finalmente se dedicaria de corpo e alma:
desenvolver uma pedagogia revolucionária que fosse enriquecida pelas
experiências, conceitos , ideias dos movimentos sociopolíticos revolucionários
da região. O seu trabalho de divulgação contribuiu para o enriquecimento do
pensamento revolucionário, não só na nossa parte do mundo, mas em
outras latitudes.

Embora uma parte importante do seu trabalho tenha sido dedicada à


atualização de uma abordagem teórica do contexto social latino-americano,
especialmente do ponto de vista ideológico e político, e a sua visão tenha
sido marcada pelo pensamento de Marx e Lenin, Marta Harnecker nunca
abordou a sua investigação sobre o tarefa e pensamento estratégico e tático

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Isabel Rauber

revolucionário tentando encontrar o seu lugar num esquema teórico pré-


concebido. Pelo contrário, mergulhou nessa tarefa e nesse pensamento
livremente, com uma organização preliminar do que queria saber e
descobrindo no decorrer do processo investigativo o que havia de novo, o
que poderia constituir algo valioso para comunicar, para divulgar.

Suas investigações foram realizadas por meio de entrevistas com os


protagonistas dos processos de mudança em curso e não apenas com as
personalidades mais destacadas como o chileno Salvador Allende Gossens,
o salvadorenho Schafik Handal, o nicaragüense Humberto Ortega, o
venezuelano Hugo Rafael Chávez Frías, ou aos diferentes comandantes das
guerrilhas centro-americanas, mas também aos militantes de base, aos
vizinhos, em suma, a todos aqueles que, a partir das suas respectivas
experiências e pontos de vista, possam enriquecer os resultados.

A leitura do livro me cativou desde o início. Está estruturado de forma que


possa ser lido consecutivamente, pois seus capítulos marcam uma
sequência histórica. Você também pode pesquisar diretamente qualquer
aspecto específico da vida de Marta Harnecker.

Isabel Rauber é uma personalidade conhecida na República Dominicana.


Lembro-me de quando Isabel me contou sobre seu interesse em publicar
“Proyecto, Sujeto y Poder”, que no início da década de 1990 constituiu um
esforço coletivo de diversas organizações, com o objetivo de promover o
debate. Neste texto, Isabel apresenta uma “visão integradora do conjunto de
problemas que os diferentes setores do movimento popular enfrentam hoje,
tanto na teoria como na prática, comentando as questões mais pendentes
em cada caso, mas sem tentar esgotar o tratamento necessário. que,
separadamente, deve ser dada a cada um dos tópicos.”

Isabel conhece os meandros do movimento de bairro dominicano, que


estudou através da COPADEBA, com seus líderes de bairro. “República
Dominicana: COPADEBA…. Building Power from Below” tornou-se referência
para os movimentos sociais da região e de outras latitudes.

xiii
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

A obra de Isabel Rauber tem sido construída através da recuperação da memória


histórica, dos protagonistas das lutas, dos processos, da pedagogia popular.

Não é por acaso que se conheceram ou que Marta Harnecker disse que Isabel
Rauber foi quem melhor entendeu o seu trabalho, o seu trabalho, a sua
metodologia. Por isso pede a Isabel que vá receber o Prémio CLACSO. Foi em
Buenos Aires, onde tinha muitos amigos a quem poderia pedir que fossem procurá-
lo, mas Marta escolheu Isabel…. Com este gesto foi selada a amizade destas
duas mulheres, que desde a Cuba revolucionária caminharam por diferentes
continentes, países, gerações construindo conhecimentos, perspectivas, realidades,
abordagens... Duas mulheres que interagiram nos seus pensamentos estratégicos,
nos seus pensamentos, nos seus processos... Esta comunicação entre elas é
partilhada por Isabel através de cada palavra, de cada ideia contida neste
sugestivo e pedagógico texto que intitulou: Marta Harnecker. Vida e Pensamento.

Este livro não é uma biografia, mas é, em muitos aspectos, biográfico.


Para quem conhece a obra de Marta Harnecker poderá encontrar nas suas páginas
elementos para aprofundar aspectos contextuais de indubitável interesse. Em
geral, para todos, mas especialmente para os jovens, a sua leitura irá colocá-los
em contacto - como uma introdução - com o trabalho de uma mulher que dedicou
a sua vida a encontrar formas de tornar realidade a utopia de um mundo melhor
para todos.

Guadalupe Valdez San Pedro


Santo Domingo, 11 de março de 2021

XIV
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Palavras de
Camila Piñeiro Harnecker

Agradecemos a Isabel Rauber pelo enorme esforço que fez para finalizar
esta biografia de uma mulher surpreendente em tantos aspectos.
Uma mulher que teve, até os últimos dias, uma vida totalmente dedicada a
contribuir com tudo o que pudesse para a construção de um mundo melhor
para a grande maioria. Se é um desafio tentar sistematizar toda a vasta obra
de Marta Harnecker, deve ser ainda mais desafiante caracterizar a sua
dimensão humana, tão pura, intensa e multifacetada.

Este livro é baseado em entrevistas – na verdade conversas – que Isabel


realizou com a minha mãe durante vários dias em 2015, quando ela já sentia
que a sua estadia na Terra estava a tornar-se mais curta. Imaginamos que
ela escolheu Isabel como “confidente” porque trabalhavam juntas há quase
uma década e porque ambas tendiam a metodologias de trabalho
semelhantes. Provavelmente também porque partilharam a experiência dos
exilados políticos em Cuba, vítimas de ditaduras criminosas que ceifaram a
vida a dezenas de milhares de pessoas e adiaram tantos desejos de
sociedades mais justas e humanas.

Como filha, testemunhei a sua total dedicação em ajudar a garantir que


esses sonhos e esperanças – como ela se referiu a eles em toda a sua
correspondência – não fossem anestesiados na consciência do povo, seja
pelas ditaduras, seja pelo consumismo ou pelo fundamentalismo religioso.
Sua razão de vida era proporcionar às pessoas humildes, jovens e militantes

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

sobraram ideias e ferramentas para poder materializar esse melhor mundo


possível. Espero que este livro sirva de inspiração para muitos e muitos
jovens que, como ela – porque sempre se considerou jovem, só que com
“muita juventude acumulada” – não aceitam a injustiça e acreditam que o
Céu pode ser alcançado na Terra.

Numa altura em que milhões de pessoas em todo o planeta estão mais uma
vez a passar da resistência à procura de alternativas, os seus escritos
pedagógicos são muito úteis para compreender porque é necessário superar
o capitalismo. Além disso, porque ele nunca se limitou a criticar o capitalismo,
mas antes forneceu contornos desse mundo melhor que precisa ser
construído; que ela chamou de “socialismo do século 21”. E porque foi ainda
mais longe e propôs “novos caminhos” que devemos percorrer para avançar
até ele, evitando os erros das tentativas passadas e atuais.

Este livro também deverá ajudar os militantes de organizações de esquerda


a compreender melhor o seu trabalho e, em particular, a razão pela qual ele
se concentrou nos seus últimos anos nas três ideias seguintes. Primeiro, o
“instrumento político” necessário para conquistar o poder do Estado e evitar
que ele nos distorça. Em segundo lugar, o “planeamento participativo
descentralizado” como uma componente essencial dos governos com
horizontes pós-capitalistas. Em terceiro lugar, e também no centro dos dois,
a importância da “participação protagonista” na tomada de decisões em todos
os espaços sociais (políticos, económicos, etc.) como forma fundamental
para as pessoas se transformarem nas mulheres e nos homens que fundaram
e sustentar sociedades pós-capitalistas.

Esperamos que aprender sobre a vida dessa mulher também sirva para
inspirar outras pessoas inseguras como ela a superar seus medos e alcançar
tudo o que se propõem a fazer com perseverança e dedicação. A minha mãe
teve muita sorte, incluindo o facto de ter nascido numa família com recursos
que a apoiaram – mesmo que não partilhassem todas as suas ideias e
projectos – no seu desejo de aprender sobre o mundo e melhorá-lo; que
Louis Althusser a aceitou como discípula e o ajudou a compreender o materialismo

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Isabel Rauber

histórico como ferramenta de análise e para a construção crítica de


sociedades de justiça plena; que um pequeno revólver que meu pai lhe
deu decidiu não cair de sua bolsa quando os soldados pinochetistas a
revistaram na casa onde ela estava escondida dias após o golpe militar;
que tantos colegas valiosos – como o autor deste livro – decidiram juntar-
se a ela e dedicar-se a dias intermináveis de trabalho intenso; que pude
compartilhar vida, ideias e lutas com meu pai por mais de 20 anos, e que
mais tarde encontrei Mike, também parceiro de ideias e lutas, e também
aprendi com ele durante seus últimos quase 20 anos

anos.

Teve sorte. Mas também teve a decisão de nunca desistir diante das
dificuldades e estar sempre otimista em relação ao futuro. Sua visão de
vida foi demonstrada durante seus últimos anos e meses. Nunca a vi
dominada pela morte – nem aquela que caiu sobre as pessoas mais
próximas dela, nem aquela que um dia cairia sobre ela. Não que ele
ignorasse a sua iminência: nem mesmo a morte iria detê-lo nos seus
esforços para continuar a ser útil aos outros. E continuará a sê-lo enquanto
houver pessoas que se inspirem nas suas ideias e no seu exemplo de
vida, bem como nas de tantas outras pessoas que, como ela, dedicaram
as suas vidas à construção de um país verdadeiramente socialista. alternativa.

Obrigada Isabel por ajudar tantas pessoas a conhecê-la tão de perto e


espero que se emocionem com o que motivou minha mãe a dar o seu
melhor todos os dias.

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Palavras de Michael Lebowitz

Compartilhar uma vida de amor e compromisso político fez do curto período [2002–
2019] com Marta o capítulo mais importante da minha vida. Quando nos conhecemos
em 1998, discutimos o trabalho de Louis Althusser. Logo percebemos, porém, que
estávamos amplamente de acordo sobre a importância do protagonismo e seus
efeitos na transformação das circunstâncias e das pessoas. No nosso trabalho na
Venezuela, ambos nos propusemos a fazer isto: Marta no seu Programa de
Participação no Centro Internacional Miranda (CIM) [que enfatizou as comunidades]
e eu no meu programa Práticas Transformativas e Desenvolvimento Humano [que
se concentrou na auto-estima dos trabalhadores. gerenciamento]. Levei muito
tempo, porém, para entender a importância de seu trabalho sobre o instrumento
político [outro de seus programas na CIM], e não me concentrei nisso até meu
último livro [Entre o Capitalismo e a Comunidade] – e em em particular, o seu último
capítulo “O instrumento político que precisamos”, que considero uma homenagem
à Marta.

(Texto original)

Compartilhar uma vida de amor e compromisso político fez do curto período [2002
– 2019] com Marta o capítulo mais importante da minha vida.
Quando nos conhecemos em 1998, estávamos envolvidos no trabalho de Louis Al-
thusser. Contudo, cedo reconhecemos que estávamos em substancial

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

acordo sobre a importância do protagonismo e seus efeitos na transformação


das circunstâncias e das pessoas. No nosso trabalho na Venezuela, ambos
perseguimos isto: Marta no seu programa no Centro Internacional Miranda sobre
Participação [que enfatizou as comunidades] e eu no meu programa sobre
Práticas Transformativas e Desenvolvimento Humano [que se concentrou na
gestão dos trabalhadores]. Levei muito tempo, no entanto, para compreender a
importância do seu trabalho sobre o instrumento político [outro de seus
programas na CIM], e não me concentrei nisso até meu último livro [Entre o
Capitalismo e a Comunidade] – em particular, o meu capítulo final sobre “O
instrumento político que precisamos”, que considero uma homenagem a Marta.

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Por meio de introdução

Considerações necessárias

Apresentar Marta Harnecker neste livro é uma responsabilidade quase


maior do que prepará-lo. O que podemos dizer brevemente sobre uma
personalidade tão influente quanto controversa e atraente?

Vou começar contando como surgiu esse livro.

Marta e eu trabalhamos juntas por cerca de oito anos. Fundamos o


Centro de Recuperação e Difusão da Memória Histórica do Movimento
Popular Latino-Americano (MEPLA), em 1991. Era uma ONG que, como
o próprio nome indica, se dedicava à recuperação da memória histórica. ,
do qual, inicialmente, fui seu vice-diretor. Mas eu já conhecia a Marta,
como provavelmente muitos de vocês, pelos seus textos, desde os anos
70. Primeiro foram os Cadernos de Educação Popular e depois uma
fotocópia de Os conceitos elementares do materialismo histórico, o seu
livro icónico que nos guiou naquela época. da escuridão, da censura e
da repressão.

Quando a conheci em Havana, no final dos anos setenta, num evento


sobre Educação Popular na Casa de Las Américas, a alegria foi imensa.
Não imaginava ela assim, tão jovem, simples e acessível. No momento
nos encontramos para nos ver e conversar.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Isso só aconteceu alguns anos depois. Ambos já estão muito focados na


recuperação da memória histórica. Concentrei-me na análise dos processos
políticos da Argentina recente e de Marta sobre os movimentos insurrecionais
da América Central. Lembro que visitei sua casa diversas vezes até que ela
me convidou a unir forças e trabalhar juntos nessa direção: resgatar
experiências através dos depoimentos de seus protagonistas. Assim começou
uma relação que – com os altos e baixos da própria vida – durou até o fim
dos seus dias e durará para sempre.

No ano 90 decidimos começar a pensar em organizar uma ONG.


Marta já estava bastante avançada; já havia tentado transformar aquele
projeto em um departamento de pesquisa do Centro de Estudos sobre a
América (CEA), mas isso não foi possível.
No entanto, continuámos a trabalhar juntos e assim o caminho até à ONG
que deu origem ao MEPLA foi fortalecido. Cuidei de me reunir com
representantes de organizações com perfil semelhante, coletando informações
e também incentivos. Era algo quase desconhecido em Cuba e tínhamos que
incentivar, acho que foi o que mais contribuí para o assunto porque todo o
resto, papelada, registo legal e certificações, ficou nas mãos da Marta e da
sua principal assistente naquela época. vez Grete Weinmann.

Durante anos trabalhamos para construir o MEPLA, desenvolver projetos de


pesquisa sobre a memória histórica popular latino-americana, desenvolver
aspectos metodológicos sobre história oral e testemunho neste tipo de
trabalho que não é antropológico, mas sim orientado para a sistematização
de experiências sociopolíticas de movimentos políticos sobre. o continente
que mais tarde se expandiu para movimentos sociais e questões de feminismo
e género. Dediquei-me justamente a esses temas.

Aprendi muito com a Marta naquela época. Metodologicamente, aprendi


particularmente o que é preciso para processar entrevistas de forma
qualitativa-temática e não linear, tanto para entrevistas

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Isabel Rauber

indivíduos como grupos. Neste caso, experimentei especificamente com a


Marta, que pode ser realizada em simultâneo ou de forma diferida,
realizando algumas entrevistas individualmente e integrando-as
posteriormente como testemunho coletivo. Com esta possibilidade, abriram-
se as comportas para uma maior dimensão de reflexões, promovendo o
trabalho coletivo e conjunto entre protagonistas e investigadores. E isso me
mostrou um novo potencial do trabalho de pesquisa baseado em
testemunhos, para recuperar experiências coletivas do continente lideradas
por novos atores sociais.

Para realizar este trabalho com seriedade e apego aos protagonistas, às


suas realidades, identidades e pontos de vista, foi necessário ter extremo
cuidado para não manipular os depoimentos para fazê-los dizer o que se
queria ouvir; promover a sua expressão sim, mas o entrevistador tinha que
sempre manter o seu julgamento e não expô-lo nas entrevistas. Aprendi
com Marta esse pressuposto ético-metodológico fundamental para uma fiel
recuperação crítica da memória histórica dos movimentos populares do
continente.

Mas nem tudo foi metodologia. No tratamento dos depoimentos surgiram


critérios para a titulação e legendagem dos textos que, no nosso caso,
sempre se basearam nas ideias-chave identificadas nos depoimentos.
Como identificá-los? Os debates sobre esta matéria foram muito
enriquecedores e esclarecedores. Ajudaram-me a distinguir claramente
entre um discurso ideológico e práticas políticas, priorizando-as uma vez
que se procurava a recuperação de experiências concretas. Além disso,
Marta sempre analisava essas experiências para ver se as organizações
líderes tinham ou não uma análise detalhada da correlação.
relação de forças nesse momento, dado que - como elo central na acção
política - para atingir os objectivos propostos é essencial haver uma
correlação de forças favorável. Marta viveu a experiência do governo de
Salvador Allende e deixou claro que ter negligenciado a correlação de
forças sociais e políticas naquele momento enfraqueceu o trabalho político
da esquerda chilena naquele momento e, portanto, o governo da Unidade
Popular.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Internalizar tudo isso foi importante na minha formação como pesquisador,


estudioso das experiências sociopolíticas populares no
continente.

Tínhamos bastante consolidado o nosso funcionamento como equipa do


MEPLA, entre 91 e 95. Mas as restrições do “período especial”, a sempre
presente e crescente ameaça do Norte imperial, irromperam no nosso
trabalho e abriram as comportas à incompreensão. por excesso de cautela.
Com a autorização da chamada “Track II” da lei Helms Burton (EUA), o
bloqueio e a interferência externa foram ampliados para promover processos
de desestabilização em Cuba. Nessas circunstâncias, no início de 1996, as
autoridades cubanas exigiram o estrito cumprimento do “nome social” das
ONG existentes em Cuba.1 Obviamente, isto não se referia a nós nem
afectava as nossas actividades, mas como eu carreguei desenvolvia trabalho
comunitário da vice-direcção do MEPLA e estes não faziam parte dos seus
fundamentos urinários, nessa altura consideramos melhor que eu me
dedicasse ao projecto de cooperação comunitária com o bairro de Key West,
ao qual estava unido por laços de profundo comprometimento. Lá – de forma
participativa – promovemos atividades em diversas áreas do bairro, junto
com a Oficina de Transformação Integral da cidade e com todos os fatores
comunitários do bairro. Haveria muito o que compartilhar sobre esta
experiência que ocorreu durante mais de uma década, mas este não é o
lugar nem o momento. Se menciono isso aqui é para não evitar a distância
que as condições daquele momento produziram entre mim e Marta. Mas
sempre mantivemos o diálogo, atitude que nos afastou de confrontos estéreis.
E assim, o trabalho sustentado por ambos com o mesmo rumo e horizonte,
nos uniu novamente como colegas que sempre fomos e em poucos anos
voltamos a fazer coisas juntos.

1 A esse respeito você pode consultar o artigo publicado no jornal Granma em 27 de


março de 1996.

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Isabel Rauber

Lembro-me, por exemplo, da resenha que fiz do seu livro Equador: uma nova
esquerda em busca da vida em plenitude, do qual Marta mais tarde me pediu
para escrever o Prólogo [2011]; as conversas metodológicas via Skype que
tivemos quando ela já estava doente no Canadá; as cartas que compartilhamos
com um grande grupo de amigos; a revisão de seus textos e a troca de pontos
de vista sobre o planejamento participativo;2 a recepção em seu nome do
Prêmio Latino-Americano e do Caribe de Ciências Sociais, que lhe foi concedido

CLACSO em reconhecimento à sua contribuição para as ciências sociais, o


pensamento crítico e as lutas políticas na região das Ciências Sociais, em
novembro de 2018… E finalmente surgiu este livro.

Quando a Marta me propôs empreender a escrita deste livro, já tinha decidido


voltar aos meus testemunhos de histórias de vida de mulheres do continente,
para repensarmos juntos novos aspectos do feminismo, do género, do poder
e da política patriarcal, particularmente aqueles relacionados com a sua
pegada cultural e ideológica. E eu pensava nela como uma das grandes
mulheres do continente indo-afro-latino-americano, entre as minhas candidatas
para entrevista. Como ele me disse
Marta, a doença a levou a pensar no seu legado, nas suas memórias, e ela
queria que eu fosse seu interlocutor. Ou seja, houve mais uma vez uma
convergência de propósitos entre nós dois, por isso decidimos imediatamente
pôr mãos à obra e iniciar diálogos.

Pelo que ela me contou, alguns intelectuais – a pedido de editores – se


ofereceram para escrever sua biografia, mas ela queria outra coisa, um texto
pedagógico, com histórias em formato de diálogo que facilitasse

2
Isto para mencionar apenas o último período porque antes de 1998 o intercâmbio
e as atividades comuns entre nós eram permanentes e diárias, revisando textos,
debatendo questões metodológicas ou trabalhando em textos em conjunto, como
aconteceu especificamente com o livro Os desafios de uma esquerda jurídica, que
criticamente recupera a experiência da Frente Ampla Uruguaia. Também produzimos
em conjunto: Esboço para uma análise da situação (1991), Ou em coautoria: Rumo
ao século 21, a esquerda se renova (1991); Memória oral e educação popular:
reflexões metodológicas (1996).

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

O leitor se aproxima dela e conhece seus pensamentos e também a si


mesma, de forma simples, direta e sem complicações. Foi por isso que ele
pensou em mim, ele me disse. Porque, segundo ela, eu havia capturado e
desenvolvido um estilo de entrevista-depoimento e uma metodologia de
processamento e elaboração do texto que era – segundo suas palavras –
muito semelhante à dela.3

Estou convencido, portanto, de que Marta queria que eu preparasse este


livro tal como o apresento agora.

É o resultado de sete reuniões e conversas que aconteceram, originalmente


em 2015, em Havana. As transcrições e verificações iniciais demoraram
muito porque decidimos conversar livremente e não no formato clássico de
entrevista. As trocas entre nós continuaram nos anos seguintes por e-mail,
embora com muitos altos e baixos devido a complicações de saúde de
ambos. Lembro-me que inicialmente discutimos o período da sua vida em
França porque ela escreveu um artigo sobre a sua relação com Althusser4 e
– seguindo o seu método – recorreu também à conversa que tivemos sobre
esse tema. Depois revisamos outros aspectos: a tipologia de seus livros, sua
vida pessoal, etc.

Não pude revisar os rascunhos finais com ela. Para esclarecer alguns
aspectos que considerei necessários, consultei pessoas citadas por ela,
revisitei seus textos e – seguindo suas próprias sugestões – procurei
comparar informações entre as diversas entrevistas que ela concedeu em
sua vida. Conversamos à distância sobre alguns pontos, mas ela estava
muito focada no trabalho. E se você nunca quis se desviar

3 Assim o expressou, por exemplo, quando propôs que eu recebesse - em seu nome - o Prêmio que
lhe foi concedido pelo CLACSO: “...o ideal é que a pesquisadora argentina Isabel Rauber, que foi
vice-diretora do MEPLA e a única que soube fazer seu o meu método de trabalho [retirado do email
que escreveu à CLACSO com cópia para mim, em outubro de 2018].

4
Ver: Harnecker, Marta (2016): “A marca de Althusser na minha formação marxista”

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Isabel Rauber

seu objetivo, muito menos no último período que sentiu ser curto para seus
esforços de concluir um texto que considerava fundamental5 e deixá-lo
pronto para divulgação. “Isabel consulte entrevistas anteriores, procure o
que eu disse ali e incorpore, sou eu mesma em todas elas”, foram muitas
vezes suas palavras diante de minhas insistentes perguntas.

Isto não tem sido fácil para mim resolver porque não me sinto confortável
com isso, embora compreenda as suas razões. E embora também não
esteja de boa saúde, pelo contrário, muito limitado em termos de mobilidade,
decidi preparar este texto com base em conversas mútuas, com as
informações que pude verificar (nomes, datas... ), e de acordo com os
objetivos que tinha traçado no início: identificar e evocar grandes momentos
e etapas da sua vida, ligados às experiências vividas nos países onde viveu:
França, Chile, Cuba e Venezuela. No seu futuro, isso foi moldando-
transformando a sua forma de ver e pensar o mundo, desde a infância até o
momento em que recebeu o Prêmio Libertador de Pensamento Crítico
[Caracas, 2014]. Esta viagem permitiu-me identificar três grandes rotações
e mutações na sua vida e no seu pensamento, com base nas quais organizei
este livro.

Reservei uma parte das conversas que tivemos para uma edição posterior,
mais ampla, que surgirá de um maior trabalho de pesquisa e investigação,
quando a minha saúde o permitir. Isto também resultará em outro livro,
metodologicamente diferente deste baseado em seu depoimento. Já está na
minha agenda.

Quero agradecer especialmente a Camila Piñeiro Harnecker pelo apoio em


todos os momentos, bem como à colaboração da colega Lorena Carlota,
assistente pessoal de Marta Harnecker nos últimos anos. Ela me forneceu -
conforme combinado com Marta - um manancial de informações
indispensáveis que estavam nos arquivos de Marta em La

5 Este é o seu trabalho sobre Planejamento Participativo Descentralizado (com


diversas edições e extensões).

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Havana, o que contribuiu para agilizar as tarefas de processamento de


informação. As fotografias e outras imagens publicadas no livro resultam
também do apoio e colaboração por eles prestados. Nesse sentido, vale
destacar especialmente a contribuição de Camila, que, além de me fornecer
fotos de família e ajudar a definir suas referências, também me ajudou a
esclarecer alguns fatos mencionados no texto, especialmente referentes à
esfera familiar.

Estruturei o livro que você tem em mãos em seis capítulos, começando


abordando as chaves do pensamento maduro de Marta Harnecker e
terminando com um passeio pelos estágios iniciais de sua vida. Começo e
fim estão interligados em sua história pessoal e em seu pensamento, dando
lugar a um encerramento que resume e simboliza o movimento de sua vida
em constante revolução.

Agradeço ao CIPROS a pronta decisão de publicá-lo na República


Dominicana, onde muitos dos meus livros viram a luz nas suas primeiras
edições, cujo povo e as suas lutas sempre aprendi e por isso estou unido por
fortes laços fraternos e culturais.

Gostaria de ter concluído este texto há um ano, mas o surto de Covid-19


impôs isolamentos prolongados que impossibilitaram o acesso aos arquivos
conforme planeado. Mas com audácia e tenacidade conseguimos reunir o
suficiente para esta primeira e maravilhosa edição que é, mais que um livro,
uma homenagem a um dos grandes intelectuais orgânicos pela emancipação
dos povos da Nossa América.

Marta não era uma acadêmica institucional tradicional e nunca se apresentou


como tal. Desenvolveu os fundamentos do seu pensamento social a partir
da sua militância católica, que despertou desde muito jovem a sua
sensibilidade quanto às razões da existência da pobreza. Isso motivou uma
busca de sua parte por maneiras de erradicá-lo. Com esse compromisso veio
para Paris, para o marxismo e para Althusser com quem trabalhou em
estreita colaboração, participando nos seus seminários, traduzindo os seus textos,

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Isabel Rauber

transmitindo suas ideias... Ao retornar ao Chile, rapidamente se tornou


uma pensadora que compreendeu os meandros da esquerda latino-
americana, uma revolucionária e uma comunicadora excepcional.

De carácter forte, trabalhadora incansável, extremamente exigente, antes


de mais nada consigo mesma, Marta vestia-se sempre com recato; Ele
dirigia um pequeno veículo europeu que prestava múltiplos serviços. Nos
momentos agudos do “período especial” – mais de uma vez – ela
disponibilizou seu carro para colocar em operação uma espécie de “usina
elétrica móvel”. Com o carro ligado, carregamos as baterias que depois
conectamos ao inversor para ligar os computadores e impressoras e
finalizar a preparação dos textos urgentes ou fazer impressões dos
originais para levá-los à gráfica (de acordo com as demandas daquele
tempo). . Ela financiou muitos de seus livros, pode-se dizer que subordinou
sua existência ao que era o propósito de sua vida: produzir e difundir
conhecimento revolucionário.6
Marta nos ensinou muito

Quando Marta Harnecker escreveu Os Conceitos Elementais do Mateÿ


No realismo histórico, estava longe de imaginar que a sua difusão
removeria as pedras do pensamento e das práticas revolucionárias daquela
época (e de então...). Apesar disso, insatisfeita consigo mesma, continuou
buscando modalidades pedagógicas para comunicar conteúdos teóricos,
daí os Cadernos de Educação Popular. Tudo isso, aliado à sua militância
política e ao seu trabalho como jornalista responsável pelo Chile Hoy,
deixou marcas em seu pensamento e abriu as portas para a busca de
reflexões ancoradas nas palavras dos protagonistas.

A maior grandeza do trabalho de Marta reside, talvez, no fato de ela não


ter buscado a grandeza pessoal, mas sim evidenciar as experiências de
luta do povo e de suas organizações em busca de um projeto

6 Possui mais de oitenta títulos que podem ser consultados no resumo


cronológico de sua bibliografia localizada nos Anexos. Quase todos estão na
Internet, no site: www.rebelión.org

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

superar o capitalismo, para assim contribuir para a construção de um novo


horizonte colectivo comum, que definiu como “socialismo do século XXI”.
Esta proposta tem sido o resultado de décadas de pesquisas dedicadas à
reconstrução do pensamento sócio-transformador a partir de conhecer,
sistematizar e divulgar experiências alternativas da base indo-afro-popular
deste continente, promovendo a sua divulgação sem preconceitos, sem
vínculos. nem medos de “o que dirão”.

Marta Harnecker, intelectual orgânica comprometida com o povo, acompanhou


os processos populares de mudança social; Aprendeu com eles e, ao mesmo
tempo, teve a honestidade de expressar a sua postura crítica ao identificar
algumas práticas que considerava prejudiciais aos processos de mudança
social. Sempre procurou ajudar os protagonistas a crescer e também
desenvolver neles uma visão crítica de suas experiências, para amadurecerem
coletivamente, fortalecerem-se e renovarem esforços e vontade de construir
um novo mundo, superando o capitalismo.

Sua refinada técnica de entrevista está vinculada a esse propósito


pedagógico e político. Não responde ao formato nem aos procedimentos
jornalísticos; Expressa – do meu ponto de vista – uma visão epistemológica
consciente de que não haverá pensamento novo se as práticas das pessoas
que o promovem não forem escrutinadas, mesmo que o façam, talvez, de
forma desordenada e incompleta. Este tem sido, para mim, um posicionamento
teórico-prático central que constituiu um ponto de convergência entre ambos
para sustentar e desenvolver o nosso trabalho.

Marta procurou com afinco questionar os entrevistados, promovendo e


destacando sempre, em primeiro plano, as suas reflexões. Destaco-o porque
talvez seja uma das práticas intelectuais mais raras em nosso meio e no
mundo: subtrair tempo do desenvolvimento do próprio pensamento para
dedicá-lo a expor o pensamento de sujeitos coletivos do campo popular,

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Isabel Rauber

geralmente privado de fala (como expressão do pensamento coletivo).

Para tal, Marta Harnecker também se dispôs a aprender com o povo,


sabendo que os processos de transformação revolucionária são, ao
mesmo tempo, processos de consciência e de (auto)constituição de
atores sociais diversos e dispersos, num sujeito coletivo. . Porque um
intelectual orgânico não é alguém que se autoproclama como tal e diz:
“Siga-me”, mas sim alguém que é capaz de mostrar e demonstrar que:
As pessoas sabem e – articuladas com o seu conhecimento e sabedoria
– é possível mudar. presente e construir um novo mundo. A consciência
desta afirmação resume a trajetória de Marta e as transformações do
seu pensamento. E estão expressos em seu livro Um novo mundo para
construir, que recebeu o “Prêmio Liberator de Pensamento Crítico”
[2014] e que – por isso – decidi fazer dele o primeiro capítulo deste livro.

Os resultados do seu trabalho constituem um patrimônio do povo

O que foi dito permite-me afirmar que os resultados do trabalho


intelectual de Marta Harnecker pertencem a todos nós; Eles constituem
um patrimônio do povo. Como conhecimento construído , é um trabalho
conjunto, tecido e reconstruído passo a passo entre todos e que faz com
que todos – inclusive o intelectual participante – cresçam, reflitam e
amadureçam.

É por isso que os textos que Marta Harnecker disponibiliza aos leitores,
na sua maioria activistas por um mundo melhor, não são apenas livros,
muito menos “relatórios”; É um grande trabalho político pedagógico
popular que contribui para o amadurecimento da consciência
revolucionária coletiva.7

7 Todas as suas publicações estão disponíveis, justamente por isso, no portal


Rebelión. Você pode visitá-lo em: https://rebelion.org/autor/marta-harnecker/

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Ela tomou consciência de que os processos revolucionários não são obra de


elites esclarecidas ou de messianismos individuais, que é o povo, na sua
diversidade, que – articulando-se – toma as rédeas das suas vidas e, nas
suas experiências de resistência, luta e luta. transformação, estão se
tornando atores políticos coletivos capazes de protagonizar sua história.
Como intelectual orgânica, a obra de Marta insere-se nesses processos de
luta, construção e (auto)
constituição dos sujeitos e seu compromisso histórico, seus processos de
amadurecimento coletivo e empoderamento, contribuindo para os diversos
acúmulos (de consciência, organização, projeto, vontades, saberes e poder),
visando fortalecer suas capacidades de rupturas cada vez mais profundas
com o funcionamento do capital.

Nos seus textos, Marta Harnecker também tem em mente o internacionalismo,


pois nos convida a refletir sobre as experiências dos povos da América Indo-
Afro-Latina e do mundo, enriquecendo-nos e fortalecendo a nossa
espiritualidade, colocando-a ao nosso alcance. o esperançoso compromisso
global das pessoas que lutam pela vida, justiça, paz e felicidade.

No entanto, ele não conseguiu – e creio que também não pretendia fazê-lo
– abordar todas as dimensões de uma sociedade em transformação. Pode-
se dizer que os temas relacionados ao questionamento fundamental do poder
patriarcal machista de dominação e subjugação da sociedade – e
particularmente das mulheres – não têm estado muito presentes em sua
produção.

Quando conversamos sobre isso – e está neste livro – Marta disse: “Eu não
conhecia o pensamento feminista, não li feministas, porém, se você ler
minhas coisas com base nas entrevistas com as guerrilhas de El Salvador,
você vai perceber Observe que há questões que foram reivindicadas pelo
feminismo, como democracia, participação e respeito pelas diferenças. Esses
temas estão presentes. E percebo que eles estão presentes porque os
comandantes da guerrilha assimilaram o pensamento dos comandantes ou...
conseguiram

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Isabel Rauber

“Elas incorporam, portanto, em sua visão de política elementos que eram


considerados pensamento feminista.”

Ou seja, de alguma forma Marta manteve as abordagens do feminismo e


do género presentes nas suas obras, embora raramente de forma explícita
ou como tema central das suas reflexões. Em uma ocasião reuniu o
depoimento de Rebeca (Lorena Peña), comandante da FMLN de El
Salvador, no livro Os desafios da protagonista [1994]. Na apresentação
desse texto Marta disse:

“Desta e outras entrevistas realizadas pelo MEPLA, destaca-se a


necessidade urgente de desenvolver um projecto alternativo de sociedade
que tenha em conta as diferenças de género, que ultrapasse a lei
burguesa. Embora esta proclame a igualdade universal, ao ignorar a real
desigualdade dos indivíduos na sociedade capitalista, limita-se a defender
uma igualdade que para muitos é algo meramente formal.
É necessário desenvolver um projecto de sociedade que, baseado na real
desigualdade de género, sustente e promova a igualdade efectiva de
ambos os sexos. Um projeto que deixa para trás a concepção burguesa
de família, não para destruir a família, mas para superar uma concepção
patriarcal, discriminatória, individualista e hipócrita dela. Um projeto que
permite às mulheres alcançar posições de liderança política, sem que as
mulheres sejam obrigadas a desistir de ser mãe, esposa, amante, para
cumprir essas tarefas.”

Suas palavras refletem sua posição sobre esta questão. Ela sabia que
não havia dedicado tempo a essa dimensão do poder, focada no resgate
de experiências coletivas, porém, isso não a fez desconhecer a
importância da abordagem feminista e de gênero para ancorar e vincular
os processos emancipatórios com aqueles ancorados na descolonização
despatriarcalizante ou na descolonização despatriarcalizante, entendidas
como fatores de raiz para a germinação e construção de uma nova
civilização (re-humanizada).

Isto me leva ao Equador, em 26 de agosto de 2016, quando Marta


Harnecker recebeu a Ordem Nacional do Mérito no Grau de Cavaleiro

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

das mãos do Ministro das Relações Exteriores do Equador, Guillaume Long.


Depois de lhe conceder esse reconhecimento de Estado, disse: “Não consigo
pensar em nenhum outro intelectual com a perseverança e dedicação da Marta.
Ela é o exemplo mais claro de uma intelectual comprometida com a
transformação das nossas sociedades, tão injustas e vergonhosas em tantos
aspectos.”8

Naquela ocasião, Marta fez um breve relato de sua militância católica e de seu
ingresso no marxismo, que, em suas palavras, foi para ela “um instrumento
para tornar concreto o amor”. Referiu-se também ao trabalho da esquerda na
região que, após muitos anos de lutas, conquistou o poder político em muitos
países, conseguindo implementar políticas de Estado exigidas pelo povo.

Concluo assim esta introdução, esperando ter fornecido elementos suficientes


para incentivar a leitura do livro. Faz parte do sentido fundamental do nosso
trabalho intelectual, político e social, sempre articulado com os múltiplos
processos de construção do poder popular que se desenvolvem no continente.
E o seu propósito – primeiro e último – é partilhar e reafirmar o que Marta
também sublinhou em Quito, naquela ocasião: que as pessoas procuram a
felicidade e que esta felicidade se consegue através da transformação da
sociedade.

É onde estamos.

Isabel Rauber
Buenos Aires, abril de 2021

8 Originalmente publicado pelo Diario EL TELÉGRAFO no seguinte endereço:


http://www.eltelegrafo.com.ec/noticias/cultura/7/marta-harnecker-recibio-la-or-
den-nacional-al-merito. Nota original: www.eltelegrafo.com.ec

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EU.

Um novo mundo para construir

Marta Harnecker recebendo o Prêmio Libertador do Pensamento


Crítico (Caracas, 2014), juntamente com o presidente Nicolás Maduro

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Um livro que sintetiza aprendizados e propostas

—Marta, você investiga a realidade, dialoga com os sujeitos e depois volta


e cria um texto. Você considera que o livro “Um Novo Mundo para Construir”
é uma síntese de muitos anos de reflexões, mediadas pela sistematização
de experiências de lutas populares?

-Sim. Eu diria que depois de Os Conceitos... um primeiro livro desse tipo,


uma síntese, como você diz, seria: A Esquerda no Limiar do Século XXI
(1998), e depois este, que recebeu o “Prêmio Libertador do Pensamento.”
Crítico” (2014)

—Seriam três grandes momentos na produção do seu livro.

-Sim. Resgatando todos eles, inclusive os conceitos elementares do


materialismo histórico. Quero fazer uma defesa dos Conceitos…
Poucas pessoas sabem que revisei e ampliei a primeira edição.

—A partir da edição de 1985, o livro foi revisado e ampliado por você. Talvez
muitos não distingam as modificações que você fez, mas acho que –
geracionalmente falando – a maioria leu o seu texto depois dessa edição.

-Pode ser.

—Voltando ao livro do novo mundo…

—Gosto muito deste livro porque é baseado no que aprendi.

—Você considera que expressa nele seus pensamentos maduros?

-Sim. Já em 2010 havia escrito o livro Inventando para no errar. América


Latina e o socialismo do século XXI, um pequeno livro que apareceu em vários

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

países. Primeiro na Guatemala, como um livro; depois na Venezuela, como em três


livrinhos; na Espanha com Old Mole; e no século 21 também.

—Na Espanha foi muito bem recebido.

—Bom, fui à Espanha apresentar outro livro A Esquerda no Limiar do Século XXI,
do qual saíram três edições em três ou quatro meses. Quer dizer, eles já me
conheciam muito bem...

—Vamos falar um pouco sobre como você fez o livro premiado.

—Esse livro surgiu da ampliação do texto inicial do livro sobre o Socialismo do


século XXI.

—Mas é mais que uma expansão…

-Ah claro. A história é que a Monthly Review publicou em inglês o livro 21st Century
Socialism [Monthly Review Volume 62, Número 3 (julho de 2010)]. Digamos o
livrinho, para distingui-lo do livro.
Publicaram num formato péssimo porque era uma edição especial de verão, então
saiu tudo embalado e sem os títulos. Mais tarde fiz um artigo chamado “Construindo
uma nova hegemonia”, que foi um artigo longo que não me lembro por que o fiz.
Talvez fosse uma apresentação que eu tinha que fazer. Traduzi-o e enviei-o para a
Monthly Review como artigo para a revista. Mas eles me disseram: “Marta, isso é
muito longo”. E eles próprios me propuseram: “Por que você não faz um livro, com
tudo que você já nos mandou?” Foi assim que surgiu a ideia. E aí comecei a aderir...

—Você pegou o texto do socialismo, mais o que foi expresso neste artigo.

-Claro. Mas não foi uma bola, mas sim a decolagem para fazer um novo livro.

Razões para o livro

—Eu procurava um tipo de sociedade que respondesse àquela ideia de sociedade


alternativa que havia descoberto em Marx, ou seja, comecei daí.

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Isabel Rauber

—Enquanto você não gostou do socialismo que existia no século 20, isso o levou
a querer ir mais longe...

-Claro. Também venho revisando meu trabalho de trás para frente, quando refiz
o livro Os Conceitos Elementais do Materialismo Histórico, em 1985, e coloquei
um capítulo sobre a transição para o socialismo.
Isso veio do meu treinamento Althusseriano e Bettelheim.

-Que coisa?

—Saber que socialismo não era o mesmo que um Estado do povo que se
apropria dos meios de produção e resolve problemas... Era claro que deveria
haver problemas teóricos entre propriedade e apropriação real. Portanto, a
participação dos trabalhadores sempre foi uma preocupação central.

O problema era - como eu disse - que naquela época sabíamos mais sobre o
que não queríamos do que sobre o que queríamos.

—Lembro que quando voltamos do Equador, para apresentar o livro “Haÿ


No século XXI, a esquerda renova-se” (1991) Eu disse-vos que os acontecimentos
da esquerda foram pura crítica ao capitalismo, declarações sem propostas….

-Claro. E eu te disse que o diagnóstico estava muito claro, mas a terapia não.
Lembro-me muito bem; Isso ainda faz parte dos problemas a serem resolvidos.

Novos horizontes e conceitos


que desenvolvem ou aprofundam

Resgatando o pensamento original de Marx

—O livro “Um novo mundo para construir” está organizado em três partes.
teste. O primeiro, intitulado “América Latina em Movimento”, é uma espécie de

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

diagnóstico atualizado da realidade continental. A segunda, “Para onde


avançar: o socialismo do século XXI”, onde aborda a questão da alternativa
socialista e da transição. E na terceira, você discute o tema “Um novo
instrumento político para construir uma nova hegemonia”.
Como convite aos leitores para uma imersão no texto, quais elementos você
destacaria como mais importantes?

—Tento resgatar o pensamento original de Marx sobre a sociedade


comunista que chamamos de socialista. E não tenho certeza, vou te dizer
qual é o melhor termo. Porque, bem, muitos dizem que o comunismo é mais
rejeitado que o socialismo. Insisto no aspecto humano do socialismo que
Marx propôs, ou seja, no desenvolvimento humano pleno, que é um tema no
qual fui muito enriquecido por Michael Lebowitz, meu marido, porque o seu
eixo de estudo é justamente o tema do desenvolvimento humano.

A dimensão ecológica

—Eu já tinha descoberto, por exemplo, o tema do ecológico em Marx. Não


sei se você leu o livro de John Bellamy Foster chamado The Ecology of Marx
(2000); Isabel é um livro extraordinário porque mostra como Marx dialogou
com todos os cientistas do seu tempo. Pensei: na época de Marx o problema
ecológico não existia.

—E agora você descobriu que não era assim...

—Há duas razões pelas quais pensei que Marx não tivesse falado sobre o
ecológico. Primeiro, porque ele estava falando de capitalismo e a lógica do
capital não tem lugar para o ecológico. E em segundo lugar porque - pensei
- os problemas ecológicos daquela época eram realmente muito limitados,
nada a ver com o momento atual, que não pode ser ignorado.
Mas lendo aquele livro percebi que havia uma sensibilidade muito grande em
Marx, que havia estudado, por exemplo, a questão do esgotamento da terra
com fertilizantes...

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Isabel Rauber

Então, essa questão do metabolismo entre o homem e a natureza, essas


ideias, eu coloquei aqui, nesse livro.

—Que é um tópico que você não abordou antes.

-Não. Eu tinha colocado apenas uma coisinha na Esquerda no um-


bral do século XXI. [“Danos irreparáveis ao meio ambiente”, Cap. SERRA]

—Essas novas leituras fizeram você mudar sua visão sobre o socialismo?

—Nem tanto, digamos assim, eles complementam. Eles não mudam porque
uma das questões que criticaram sobre o socialismo real é a questão do
produtivismo e isso não é verdade. Tomaram frases fora do contexto, de
Engels ou de Marx, em relação ao desenvolvimento das forças produtivas,
para sustentar que no socialismo era necessário produzir mais do que no
capitalismo. Então: Se o capitalismo não levasse em conta os danos
causados à natureza, e se o socialismo real propusesse um maior
desenvolvimento das forças produtivas e também prejudicasse a natureza,
era muito fácil pensar que ele tinha sido inspirado por Marx ou, pelo menos,
que a ausência da abordagem ecológica deveu-se ao facto de ela estar ausente em Marx.

—Mesmo que fosse mecanicista...

-Claro. Mas não foi assim.

—Vale a pena trazer aqui o cerne da questão destacada por você no livro.
Retiro do título e) “Regular racionalmente o metabolismo entre o homem
“respiração e natureza”. No parágrafo 223, você diz: “Marx também propõe
que é necessário pôr fim às relações de produção capitalistas e ao
antagonismo entre o campo e a cidade porque produzem uma ‘fratura
irreparável’ do metabolismo entre o ser humano e a natureza, plano-
pensando que só seria na sociedade dos ‘produtores associados’ que [eles]
regulariam racionalmente o seu metabolismo com a natureza, colocando-o
sob o seu controle coletivo [...]” [Harnecker, 2013:45]

—A ideia é que no socialismo as forças produtivas devem ser desenvolvidas


para satisfazer as necessidades reais do povo. Porque uma coisa é
satisfazer as necessidades artificiais criadas pelo

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

capitalismo e outra coisa é atender às reais necessidades do povo. E isso é


totalmente compatível com o respeito à natureza.

—Nesse sentido, você reitera, permita-me citar: “…dadas as deturpaçõesÿ


momentos para os quais houve uma leitura apressada e descontextualizada de
alguns textos de Marx e Engels, aqueles em que estes autores expressam que
apreciam o quão positivo é o grande desenvolvimento das forças produtivas
alcançado sob o capitalismo e as perspectivas de um maior desenvolvimento destas
forças na sociedade socialista. E digo uma leitura fora de contexto, porque quando
falam do desenvolvimento industrial em grande escala que ocorreria na nova
sociedade, não estão sugerindo que seria um desastre.
desenvolvimento ilimitado, mas apenas aquele que produziria 'o suficiente para
organizar a distribuição com vista a cobrir as necessidades de todos os seus membros'.
[Harnecker, 2013:45]

—Acho muito importante o texto de Engels, Princípios da Comuna .


nismo, que é aquele que cito neste livro porque aponta essa questão.

Daí outro ponto que retiro de Engels, quando ele diz que o primeiro passo é tomar
o Estado, que esta é a condição para a construção do socialismo. Daí surge a ideia
de que no socialismo a sociedade tem de se apropriar das forças produtivas e
colocá-las ao seu serviço.
Bem, combino isso com o tema da ecologia. Acredito que a ecologia não se resolve
se a sociedade não assumir e planejar o desenvolvimento, mobilizando as forças
produtivas de forma que não agrida a natureza. Mas isso só pode ser feito com
uma sociedade organizada.

-Claro. É por isso que você afirma que: “Não se trata, então, de dizer não ao desenvolvimento”.
desenvolvimento, mas de “conceber e concretizar modelos de desenvolvimento autenticamente
humanos” ou o que vários autores chamam de “desenvolvimento sustentável” ou algo assim.
sociedade ecologicamente sustentável, isto é, uma sociedade que satisfaz
equitativamente as necessidades dos seus habitantes sem pôr em perigo a
satisfação das necessidades das gerações futuras, uma sociedade em que as
pessoas organizadas decidem o que e como produzir.
[Harnecker, 2013: 96]

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Isabel Rauber

—Olha, uma das primeiras coisas que aprendi com o socialismo - e dou como exemplo
- é que é preciso comer macarrão, macarrão, etc., mas é preciso comer 50 qualidades
diferentes de macarrão? Isso é ilógico. Você pode fazer cinco tipos e é mais barato.
Então, bem, o que eu digo é que o capitalismo cria necessidades. Os Estados Unidos,
por exemplo, através da propaganda, mudam a mentalidade do povo, de muito austera
para consumista.

—Como você relaciona isso entre as necessidades reais e aquelas criadas pelo capital?
lismo com a discussão da natureza?

—Afirmo que no socialismo a sociedade toma em suas mãos as forças produtivas e,


portanto, o que me pergunto no livro é: como é que ela as assume? Porque a sociedade
pode ser o mundo, pode ser um país... -pensando sempre na sociedade como as
pessoas que vivem na sociedade, não nos líderes-. Então levanto aí a questão do
planeamento como instrumento fundamental para a sociedade assumir o controlo das
forças produtivas. Isto é o que chamo de processo de planeamento participativo
descentralizado.

—O tópico em que você está trabalhando agora.

-Sim.

Socialismo do século 21
—Você diria que o socialismo do século 21 é planejamento participativo?

—Penso que uma das características fundamentais do socialismo do século XXI é o


planeamento participativo. Por outras palavras, não posso conceber a sociedade que
procuramos construir - seja qual for o nome que lhe demos - sem planeamento
participativo. Para mim é o método que permite o protagonismo popular.

—Isso seria socialismo, independentemente de como as pessoas o chamem...

—Poderia ser o socialismo ou poderia ser o comunismo ou, como coloco no livro, a
sociedade comunitária. Planejamento participativo

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

É uma das características. Porque também existem espaços locais de


discussão, de debate nacional; O planeamento participativo não cobre tudo.

—Qual seria então a sua abordagem central, as suas conclusões e propostas?


É fundamental para o socialismo do século XXI?

—Um dos traços característicos do socialismo do século XXI é o planeamento


participativo descentralizado. Para mim não existe socialismo do século XXI
se não houver um planeamento participativo descentralizado.

—Você pega o conceito de “socialismo do século 21” de Chávez e diz isso no


livro: “Foi o presidente Chávez quem teve a coragem de chamar essa
sociedade alternativa ao capitalismo de socialista. Chamou-lhe “socialismo do
século XXI”, reivindicando com a palavra “socialismo” os sempre válidos
princípios de “amor, solidariedade, igualdade entre homens e mulheres, entre
todos”, e acrescentando o adjectivo “século XXI” a diÿ
“diferenciar o novo socialismo dos erros e desvios do modelo de socialismo
implementado durante o século XX na União Soviética e nos países da Europa
de Leste.” [Harnecker, 2013: 40]

—Aceito a ideia de Chávez porque entendo que devemos distinguir entre


linguagem teórica e linguagem pedagógica e política. Por isso resgato suas
palavras: “…na IV Cúpula da Dívida Social, em 25 de fevereiro daquele mesmo
ano (2005), ele disse que não havia outra alternativa ao capitalismo que não
o socialismo, mas alertou que tinha que ser uma socialismo diferente dos
conhecidos, que era necessário “inventar o socialismo do século XXI”. “Esta é
a primeira vez que o termo socialismo do século XXI é usado em público.”
[Harnecker, 2013: 41]

—Bom esclarecimento. Porque você disse que Chávez não é o inventor do


conceito, mas que Tomas Moulian já o teria formulado...

-Assim é. Tomás publicou o livro El socialismo del Siglo XXI: la Quinta Vía, em
2000. Não é muito conhecido. Embora não creio que tenha uma relação direta
com a proposta que Chávez fez.

24
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Isabel Rauber

Alguns dizem que Fidel recomendou que não usasse a palavra socialismo
porque estava desgastada, mas Chávez decidiu usá-la, distinguindo-a do
socialismo soviético. Depois usou o adjetivo “do século 21” para se distanciar do
socialismo do passado. Chávez deu-lhe um nome e começou a ensinar o
socialismo.
Com a prática ele foi mostrando às pessoas: “isto é capitalismo”, “isto é
socialismo”… A mesma coisa que Fidel fez, mas ao contrário. Porque sempre
digo que Fidel teve a grande capacidade de falar uma linguagem que todas as
pessoas entendiam e depois dar nome aos acontecimentos. Isso me parece uma
pedagogia extraordinária. Chávez, sendo teimoso, começou com o conceito. E
de facto, pelo menos na Venezuela, as sondagens mostram que mais de 50 por
cento da população apoia o socialismo. Então ele fez um bom trabalho
pedagógico...

—Ou seja, você aceita o termo, embora não entre na discussão teórica.

—Devo dizer que sabíamos mais sobre o que não queríamos do socialismo do
que sobre o que queríamos. Na América Latina -porque tínhamos práticas
indígenas diferentes, porque tínhamos governos locais participativos-, tivemos a
capacidade de desenvolver algum tipo de transição anticapitalista, digamos,
porque é um processo. A partir daí, o socialismo do século XXI tem uma posição
segura.

—Como você diz: “Chávez pensa – como Mariátegui – que o sócio


O teísmo do século XXI não pode ser “rastrear e copiar”, mas deve ser “criação
heróica”, e é por isso que fala de um socialismo bolivariano, cristão, robinsoniano.
niano110, indo-americano. [Trata-se de] uma nova existência coletiva, igualdade,
liberdade, democracia verdadeira e profunda.
// Outros líderes falaram de socialismo comunitário, uma sociedade de bem viver,
uma sociedade de vida em sua plenitude.” [Harnecker, 2013: 41]

-Claro. A América Latina está à frente de outros países porque levou em conta,
de alguma forma, essas práticas para construir ideias.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Vamos conversar sobre essas ideias.

Desenvolvimento Humano

—Nesta parte do livro você começa recuperando a perspectiva de Marx e Enÿ


gels: “Segundo Marx e Engels, a sociedade futura permitiria o pleno desenvolvimento de
todas as potencialidades do ser humano, algo que só pode ser concebido numa “sociedade
cooperativa”. Os seres humanos fragmentados que o caÿ
que o pitalismo produz seriam substituídos por seres humanos plenamente desenvolvidos.
desenvolvido e esse desenvolvimento seria alcançado através da prática revolucionária
(ao transformar as circunstâncias, a pessoa se transforma) e por isso Marx também
afirmou que era através da luta revolucionária que os trabalhadores iriam se libertar do
esterco do passado, eles seriam transformados.” [Harnecker, 2013: 42-43] Aonde essa
jornada o levou?

—Comecei a revisar os documentos do Partido Comunista do Chile e encontrei textos


sobre o objetivo do desenvolvimento humano. Não que seja uma originalidade minha
abordar isso agora. Mas a questão importante é definir se esse desenvolvimento humano
é construído a partir de uma prática revolucionária ou se é algo “dado” pelo Estado, que
resolve a sua saúde, que resolve a sua educação...

—Um estado de bem-estar que concede direitos de cima, sem envolver a participação
popular. E sem apropriação popular de tais conquistas, como ensinam os fatos...

-Claro. Eu teria que revisar meu primeiro livrinho, minhas primeiras perguntas sobre o
socialismo. Porque o que eu divulguei? Um socialismo em que o Estado se apropriava
dos meios de produção, em que havia um partido único...

-Festa de solteiros?

—Provavelmente não era a questão do partido único, mas do partido de vanguarda, da


clareza do partido, da liderança única. Parecia lógico então que tudo fosse de cima para
baixo...

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Isabel Rauber

Mudanças em relação ao partido e à vanguarda

—E quando você abandonou esse olhar?

-Bem. A primeira coisa foi a vanguarda. As entrevistas com salvadorenhos,


principalmente as que fiz com Shafik Handal, me ajudaram muito. Gostaria
de escrever algo sobre Shafik Handal e meu pensamento, sobre o que
influenciou as coisas que comecei a entender de forma diferente e a mudar.
Por exemplo, sobre o tema da vanguarda.
Shafik argumentou que o partido comunista por si só não era a vanguarda.

—Isso foi explosivo para os partidos comunistas na América Latina.

—Bem, mas Shafik começou a levantar isso uns três anos antes da guerra,
nem sempre ele levantava. Ele estava entendendo...

Tenho três entrevistas com Shafik. No Instituto “Shafik Handal” de El


Salvador queriam publicá-los e comecei a revisá-los. E quando reviso um
onde ele fala sobre a mudança para a luta armada, o que me convenceu
naquela época, vejo que há uma discussão entre Marcial (Cayetano Carpio)
e Shafik, mas agora li novamente e penso: Ele era certo Marcial. Porque
Marcial disse: “Se entrarmos na luta armada, as massas, o povo, serão os
afetados por isso; “Temos que procurar outros caminhos.” Ou seja, nessa
polêmica, hoje eu concordaria mais com o Marcial.

—Isso não significa que você se arrependa de suas abordagens a partir de


então, mas que ampliou seu ponto de vista em relação às formas de luta...

-Claro. E foi por isso que disse aos meus colegas de El Salvador que
queriam que eu fizesse o prólogo das entrevistas com Shafik: farei o
prólogo se publicarem esta também; ou publicá-los todos cronologicamente,
sem prólogo...

—Você fala de vanguarda compartilhada, você diria que esse conceito é


E a experiência salvadorenha, as abordagens que Shafik fez com você nas
entrevistas?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Sim, claro.

Construir um instrumento político é melhor que um partido

—Depois dessas entrevistas você continuou avançando... em relação à questão


do partido, eu digo. No livro, a terceira parte é dedicada ao tema do instrumento
político; Você não chama mais isso de “festa”…

—Com base nas experiências latino-americanas, prefiro falar de um instrumento


político e não de um partido. Lembro que me chamou a atenção uma ideia no
Peru de construir um instrumento onde os movimentos sociais tivessem
representação. Então, eu defendo a ideia de partido, mas prefiro a de instrumento
político porque há espaço tanto para a forma de frente política quanto para a
forma político-militar...

—No livro você diz: “A visão que tenho deste instrumento político é a de uma
organização que abandonou o reducionismo de classe, assumindo a defesa de
todos os setores sociais discriminados e excluídos.
dois economicamente, politicamente, socialmente e culturalmente. Além dos
problemas de classe, você deve se preocupar com os problemas étnico-culturais,
de raça, de gênero, de sexo e ambientais.” [Harnecker, 2013: 108]

—O instrumento tem que ser adequado a cada realidade, ou seja, o partido não é
um dogma. E aí recorro a Lenine, porque ele disse que o partido para a Rússia
não era o mesmo partido para a Alemanha.

Lenine foi o arquitecto de uma estratégia que reconheceu o potencial dos surtos
em Moscovo e Leningrado, assumindo que este proletariado avançado - que era
uma minoria - poderia tomar o poder e resolver os problemas do povo. Então
essa ideia se espalhou e se consolidou: não importa que sejamos uma minoria;
O importante é que estejamos lúcidos, que sejamos combativos, etc. Depois, com
as experiências da América Latina e de Allende em diante, começamos a ver que
não era esse o caso.

—Isso significa que você não concorda com a construção de uma minoria ilusória.
trada, digamos...

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Isabel Rauber

– Não então, claro. Essa foi a concepção que comecei a mudar.

—Anteriormente o senhor também se referiu à necessidade de construir uma nova


hegemonia e destacou que, na sua opinião, em qualquer processo de construção
é fundamental ter um instrumento político que o torne possível. Ou seja: construção
de hegemonia popular e educacional.
políticas estão interligadas.

-Claro. A questão do instrumento político está diretamente relacionada com a


hegemonia porque sai do círculo das minorias, rompe com a concepção de
vanguarda, que era a concepção que tínhamos no início.

Transição, tomada do poder, caminho pacífico

—Estamos falando da importância do livro. Tocámos em alguns eixos fundamentais,


como a questão do socialismo, a questão do instrumento político
político e hegemonia… Há também a questão da transição. Você o analisou várias
vezes...

—Bom, eu fui defensor do Allende apesar da formação que tive. Não sei dizer
porquê, quer dizer, parecia-me que era um processo popular que tinha um
programa avançado e que precisava de ser apoiado. Isso foi em 70; Em 1985
escrevi um livro intitulado: Reflexões sobre o problema da transição para o
socialismo. [Editorial Nueva Nicarágua, 1986]

—Nesse livro você distingue “três tipos de transição para o socialismo: a transição
“a situação nos países avançados, a transição nos países atrasados tendo
conquistado o poder do Estado e, finalmente, a transição nos países onde apenas
o governo foi alcançado.” Quais seriam as mudanças ou contribuições fundamentais
que você propõe neste novo livro em relação à transição?

—Falo hoje sobre diferentes transições. Começo falando sobre a transição que o
marxismo clássico apresentou: que as contradições do capitalismo iriam produzir
–como que automaticamente-, o

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

revolução socialista; que a revolução ocorreria primeiro nos países do capitalismo


desenvolvido.

—Em geral, no que diz respeito à transição, o que se estabeleceu foi que - para os
fundadores do marxismo - entre o modo de produção tradicional
capitalista e comunista, foi necessário um estágio intermediário que chamei
Eles nasceram o socialismo. Isto constituiria um “período de transição”, necessário
para criar as condições objectivas e subjectivas para a nova sociedade: supressão da
propriedade privada dos meios de produção, estabelecimento
ração do controle da produção pelos trabalhadores, eliminação das diferenças entre
trabalho manual e intelectual, entre cidade e campo, e classes sociais, etc.

-Claro. Mas há outra questão. Quando comecei a ler Marx, não sabia, por exemplo,
que existiam alguns textos - que obviamente não foram publicados naquela época -
onde Marx e Engels viam claramente que a revolução iria começar com a Rússia.

—Vem-me agora à mente o texto de Engels “Sobre a Questão Social na Rússia”, de


1894, onde ele destaca fatores decisivos para o desenvolvimento
desenvolvimento revolucionário na Rússia, isto é, que ele vê a revolução como viável
num país “atrasado”…

-Claro. É isso que apresento agora no livro. Mas na minha estadia em França, dissemos
que Lénine não assumia a transição prevista por Marx; Tínhamos uma visão estreita
da revolução e do marxismo.

—O que fez você mudar?

—Althuser. Quando Gramsci falou da revolução contra o capital, de alguma forma,


estava pensando que não é o desenvolvimento das forças produtivas que leva à
transformação social, mas a sobredeterminação das contradições num país. Há a
análise de Al-thuser sobre a revolução russa, um país atrasado do ponto de vista do
campesinato, mas avançado do ponto de vista industrial, com algumas indústrias com
tanta tecnologia como a Europa. Então

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Isabel Rauber

Houve um contraste entre o avanço dos pequenos setores capitalistas, o atraso


no campo, as contradições da guerra... Ou seja, criou-se uma situação política de
correlação de forças favorável à tomada do poder, que não foi o que Eu pensei,
disse Marx.

Esta é a segunda transição, uma transição através de meios armados.

-E o terceiro?

—O terceiro é o que acredito que estamos vivendo agora e que definimos como
o socialismo do século 21, que para mim é o objetivo. Isso começou com Allende,
no Chile, no século XX, onde ocorre a transição da conquista do governo por
meio de eleições, por meios institucionais, para fazer as transformações.

No meu livro, na segunda parte, nos capítulos IV e V, como vocês viram, explico
as dificuldades encontradas nessa transição, desde o momento em que você
começa com uma pequena correlação de forças favorável, quando de repente
você conquista a presidência, mas talvez você não tem maioria na Câmara dos
Deputados...

Falo aí de dificuldades diversas e digo que a esquerda, um setor da esquerda,


para não colocar qualificadores, não entende essa transição e pensa que o
Estado deve ser destruído de um dia para o outro.

Acho que o João Pedro Stédile tem muita clareza sobre isso. Ele chamaria a isto
um governo em disputa, e essa disputa não é vencida no topo, é vencida através
da criação de forças sociais.

—É a ideia da política…

-Claro. Aposte na organização popular, faça o que for preciso para mudar a
correlação de forças em favor das mudanças...
Essa é a minha visão e a sua também; nós compartilhamos isso.

O exemplo do Chile

—No Chile houve um trânsito pacífico. Defendi-o contra aqueles que diziam que
isso não era possível, que o esquema tinha de ser seguido.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Cubano e coisas assim. Mas agora, depois do fracasso, a minha análise é que a
esquerda era demasiado ortodoxa para compreender a heterodoxia de Allende,
que sustentava que o trânsito pacífico implica conquistar as cabeças e os corações
da maioria do povo, que é a única maneira - esta é a minha. Não estou dizendo, é
o que diz Jorge Arrate, e retomo no livro. Essa ideia de hegemonia: Como vencer,
como conquistar, como não impor, desenvolvo na terceira e última parte do livro.
Isso me parece muito importante e é uma luta ideológica constante que tenho tido
com a esquerda, com algumas esquerdas que chamo de radicais, mas me
disseram, principalmente você: Corrija porque radical significa ir à raiz.

—Radical é um bom conceito, ou deveria ser. Mas geralmente é usado


mente como sinônimo de ultraesquerda. Na realidade, um raÿesquerdo
dical seria uma esquerda coerente. Você se refere à “ultraesquerda”.

—Ultra-esquerda, exatamente. Só para suavizar as coisas, chamei-lhe “esquerda


radical”.

O tema do poder

—Estamos falando da questão do poder, do poder revolucionário, como você o


define? Se não se trata de tomar o poder, onde está a transÿ
treinamento do seu ponto de vista?

—O poder é uma questão mais complexa do que destruir o aparelho de Estado. A


questão é que temos que construir forças para podermos fazer as mudanças. Ou
seja, alguns elementos do poder são conquistados eleitoralmente, mas há outros
que devemos tentar ganhar, economicamente, na mídia, na questão cultural... Há
uma abordagem muito importante, que é levantada no livro : O antigo Estado
herdado, se for habitado por quadros revolucionários, deve tender a construir um
novo Estado a partir de baixo.

—É por isso que você fala da coexistência de dois tipos de Estado: “…eles duram”.
Durante um longo período, existirão dois tipos de Estado no processo: o antigo
Estado herdado, cujas funções de gestão foram ocupadas

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Isabel Rauber

pelos quadros da revolução que tentarão utilizá-la para fazer avançar o processo de
mudança; e um Estado que começa a nascer de baixo para cima através do exercício
do poder popular, através de diferentes instâncias, incluindo os conselhos comunais.”
Quais seriam algumas pistas nesse sentido?

—Vejo-os na Venezuela, nos conselhos comunais, nas comunas; no planeamento


participativo em Kerala, com todas as limitações que possam ter; em experiências
locais de orçamento participativo, que são altamente criticadas pela esquerda mais
ortodoxa porque não compreendem a importância de as pessoas poderem falar sobre
algo e sentirem-se incluídas.

—A peculiaridade do caso da Venezuela, por exemplo, é que o Estado herdado propõe


e estimula a formação do Estado que vai substituí-lo, o Estado comunal. Ou seja, como
você diz, ali se estabelece, ou deveria se estabelecer, uma relação de complementaridade
e não de negação de um pelo outro.

-Claro. Isso é fundamental, partindo sempre do pressuposto de que é o movimento


organizado que controla e pressiona o Estado herdado a avançar. Por um lado, porque
o peso inercial disto é enorme e, por outro, porque os quadros que ocupam cargos de
gestão - com base na nova situação - tendem a cair nos mesmos comportamentos
dos funcionários do passado.

—Você está se referindo especificamente ao peso da cultura herdada.

-Claro. Mas sem excluir que neste novo poder popular que surge de baixo, a cultura
herdada também possa ser reproduzida, que os seus líderes possam cair no
burocratismo ou em outros desvios. Como dizia Gramsci – e Chávez não se cansava
de repetir –, ao longo deste processo desenvolve-se uma luta entre o velho que não
acaba de morrer e o novo que nasce.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Revolução

—Então Marta, sinteticamente, como você concebe a revolução hoje?

—Revolução é transformar a sociedade existente em outra alternativa, ou


seja, ser capaz de criar uma alternativa à sociedade existente.
Portanto, deve haver transformações profundas, que hoje tentamos alcançar
através de meios pacíficos.

—Não é uma definição acadêmica…

-Não. Vejo isso como uma mudança social profunda. Porque uma revolução
depende também do objectivo proposto. Pode haver revoluções burguesas,
revoluções... mas estou falando de uma revolução popular.

—Estamos falando de uma revolução que torna a participação pública


pular um pilar indispensável para a libertação…

—Não acredito em revoluções de cima, digamos; Não há revolução se não


houver participação do povo. Ou seja, relaciono-o com a ideia de protagonismo
popular, com a ideia de transformação gradual. A revolução parece ter sempre
que ser radical...
Eu acho que é um processo. E procuro, no livro, colocar questões aos
governantes nesse sentido.

—Você intitula: “Um guia para avaliar como o progresso está sendo feito”. São
treze itens com diversas questões em cada um deles. Por que desta forma?
[2013: 102-103]

—Nossos processos são diferentes uns dos outros. E o que importa não é
tanto o ritmo a que o progresso é feito, mas sim saber se estão a ser dados
passos em direcção ao objectivo. Os passos podem ser mais lentos ou mais
rápidos dependendo da correlação de forças. Então, diante dessa questão tão
aberta, prefiro - em vez de tentar respondê-la eu mesmo - abordá-la em forma
de perguntas: sobre as relações de produção, sobre a cultura, sobre as
mulheres, sobre os povos indígenas, sobre o protagonismo popular.

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Isabel Rauber

Um governante que lê esse livro, bem, tem que pensar nas respostas a essas
perguntas. Temos que desenvolver a crítica de tal forma que ela abra questões.

Acho que temos que ter um estilo que quando as pessoas leem digam: “Sou eu ou
não sou eu?”

—Que se (auto)interrogue, digamos.

-Claro. Fiz aulas de Psicologia no Chile, quando tinha acabado de me formar e


também um pouco antes, como assistente. Tínhamos estudado Psicologia
Fenomenológica com um jesuíta, o Padre Hernán Larraín, que se tornou Diretor
da Faculdade de Psicologia da Universidade Católica. Esse assunto foi fascinante
porque foram descritas diferentes emoções: raiva, depressão, não sei o quê, então
as pessoas começaram a se analisar: estou deprimido ou não estou deprimido?
E é muito diferente cada pessoa se analisar do que você dizer para a pessoa: “Ei,
você está deprimido”.

Então o que estou te contando é um pouco assim, ou seja, escreva de uma forma
que não faça alusão direta. E também porque acredito na transformação das
pessoas, então é melhor não rotular ninguém.

Apelo popular aos governantes

—Você fala de interpelação popular. Você poderia desenvolver essa ideia?

—Trata-se de colocar o microfone nas pessoas, deixar que as pessoas se


expressem diretamente.

Nossos governos precisam de pressão popular e aprendi isso com Luiza Erundina
(Brasil), quando a entrevistei. Ela disse: “Olha Mar-ta, nós temos esse aparelho
que é tão pesado para movimentar, precisamos que gente torpedeie para nós,
faça buracos nele”.

—Um exemplo disso poderia ser o que aconteceu na Bolívia, com a chamada
gasolina…

—Sim, li seu artigo.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

As coisas que aprendemos... No livro coloquei aquele exemplo do governo Evo, e cito
você aí, justamente, com aquele artigo sobre o "gasolinazo", que é muito bom. [Rauber,
2011]

—Então vamos colocar a crítica como elemento fundamental da construção e


transformação revolucionária. E não como uma pergunta para intelectuais, mas como
uma pergunta para todos. É importante porque eles os governam.
Quando chegam ao poder, geralmente aspiram que o povo lhes seja subordinado.

—Eles pretendem “não fazer barulho”, como disse meu amigo Hugo Cores [líder da
Federação Uruguaia], já falecido.

—Mas como se promovem as mudanças se as pessoas – e as suas organizações –


estão subordinadas? É uma verdadeira contradição e devemos reconhecê-la e integrá-la.
enfrentá-lo politicamente, embora, em certa medida, continue a existir.

-Claro. Com as entrevistas que fiz em Porto Alegre sobre o tema das pinturas e do
quadro que ele dirige, aprendi muito. O ideal seria a rotação dos quadros: do movimento
para o partido, para o Estado e de volta ao movimento, de forma que tenham as três
experiências. Porque quem tem a experiência da resistência não pensa igual quem
tem a experiência executiva. Teoricamente, o partido tem que orientar, mas acontece
que os ritmos do Estado são tais que, enquanto se discute, o responsável tem que
executar, não pode esperar que o partido reflita, etc. É por isso que considero que
existe uma grande contradição entre tempos democráticos e tempos políticos.

O ideal é que as pessoas, se estiverem participando, participem mais, ou seja,


estendam os prazos. Mas politicamente, é um argumento que a direita utiliza para
transformar os governos populares no “ogro ditatorial” que não respeita as instituições.

Importância da crítica

—A questão da construção da hegemonia e do desenvolvimento da capacidade crítica


das pessoas de cada país também se coloca aqui, mas onde você coloca os
intelectuais?

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Isabel Rauber

—Os intelectuais também não entendem essa questão dos tempos políticos.

Você sabia que o livro termina com a necessidade de crítica na revolução?

—Por isso peço que reflita sobre o assunto...

—Deixe-me contar uma anedota sobre isso, que aconteceu no Chile, na época de
Allende. Houve a greve do cobre. Dirigi a revista política Chile Hoy e nosso esforço
foi fazer chegar a voz do povo. Na verdade, houve dois esforços: Um, para tornar
acessível o trabalho dos intelectuais. E outra, colocar o microfone ao povo para que
a crítica ao processo não fosse feita pelos intelectuais mas pelo próprio povo.

Pois bem, quando estourou a greve dos mineiros do cobre, fomos ao local da greve
e entrevistamos pessoas, não só da Unidade Popular, mas também da oposição;
Houve argumentos muito fortes da oposição que nos permitiram compreender melhor
o processo. E as entrevistas foram anunciadas na capa da revista [1973, nº 49, 18 a
24 de maio, pp. 4-7, 29 e 32]. Mas a revista foi recolhida por ser considerada
prejudicial ao processo. Porque? Porque havia pessoas na oposição que tinham
argumentos mais fortes do que pessoas na esquerda. Essa foi minha primeira
experiência – negativa – com críticas.

Colocamos o microfone nas pessoas. Isso sempre me pareceu muito importante.


Porque há uma tendência de se defender dos intelectuais, mas quando um
trabalhador que está vivenciando a situação te diz o que pensa, fica muito difícil rejeitá-
lo.

—Quando o governo recebe a mensagem das pessoas diretas, a reação deles é


diferente, é o que você diz...

-Sim.

-Mas nem sempre. O mesmo exemplo da greve dos mineiros que você mencionou
mostra o contrário...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Claro. É um tema difícil e controverso. Os modos, o tom também interferem... Não sei

se acontece com você, mas eles podem me criticar de uma certa forma e eu aceito, e
eles me criticam de outra forma e não. É algo que Althuser me ensinou. Ele fez muitas
críticas ao texto de Régis Debray Revolução na Revolução?

[1967] Mas se você ler a carta que ele escreveu para Debray, é incrível.9
Não começa dizendo-lhe: “Seu livro é uma porcaria”; Ele começa dizendo: “Olha, você
tem tanta coragem, você fez isso e essas coisas positivas, etc., mas…” No final ele o
critica. Em seguida, abra a caixa de diálogo.

—Que não seja um ataque.

-Claro. Por isso acho que também temos que aprender a criticar...

Todo ser humano e todo projeto tem aspectos positivos e negativos. Então você não
precisa começar pelo negativo, não precisa ficar impaciente eu te diria, chegue e
mostre seus pontos fracos; Temos que ver quais são os pontos fortes.

—Forças que também são reconhecimento. E se esse reconhecimento não for feito
conhecimento, o outro, seja um indivíduo, uma organização ou o que quer que seja,
pode sentir-se atacado.

—Claro

Cuba, outra experiência com crítica

—Você me contou que teve outra experiência difícil em Cuba.

—Não sei se você conhece essa história, provavelmente eu já contei para você, mas o

9 A carta de Althusser a Debray permaneceu inédita até a publicação do livro La


critique des armes. Paris, Du Seuil, 1974. Foi traduzido para o espanhol por Marcelo
Rodríguez, “Carta de Louis Althusser sobre Revolução na revolução?
(1967)”. Demarcações. Revista Latino-Americana de Estudos Althusserianos. Nº 3,
abril de 2015, pp. 57-63.
[Em: https://core.ac.uk/download/pdf/296392149.pdf (p. 37)]

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Isabel Rauber

Eu resumo aqui. Houve um congresso de jornalistas, da UPEC [Sindicato


dos Jornalistas de Cuba], e aí eu disse: Temos que ajudar na discussão
sobre os limites da imprensa em Cuba. E coordenei com a revista
Bohemia , onde trabalhava então, quando Guerrita estava lá, como fazer.
A ideia era que alguns entrevistassem delegados do poder popular, que
outros entrevistassem intelectuais, outros jornalistas... eram uns quatro
grupos de pessoas que tinham que ser entrevistados. Como naquela
época eu estava grávida, fiquei com o grupo de jornalistas que estava em
Havana e comecei a entrevistá-los.
Esses jornalistas foram críticos e transmitiram-me os seus pontos de vista.
Gravei tudo e depois transcrevi.

Naquela época, Orlando Fundora López era chefe do Departamento de


Orientação Revolucionária do Comitê Central. Ele tentou cortar partes das
entrevistas e colocar algo mais no texto. E eu disse a ele: não posso
mudar o que as pessoas dizem; Posso cortar, mas não mudar.
Finalmente o convenci e o texto completo foi apresentado, mas tive a
intuição de que algo iria acontecer. O texto era muito extenso para a
Bohemia, ocupava cerca de seis páginas da revista. Quando sai o
número, chego à Boêmia para uma reunião e descubro: Guerrita foi
demitido. E os comentários foram que “Marta Harnecker dispensou Guerrita”.
E me dizem: “O que você escreveu não são opiniões de jornalistas.
Teremos uma mesa redonda onde vamos convocar outras pessoas para
falar sobre o tema. Vamos publicar uma segunda parte com o seu trabalho.”
Tive que compactar o texto e ele apareceu na segunda semana. Nessa
segunda parte houve um equilíbrio entre o positivo e o negativo, etc.

Os jornalistas entrevistados me disseram: “Marta, eu te contei as coisas


abertamente porque você é mulher do Piñeiro; Achei que você fosse
verificar e cortar.

Meu grande argumento foi e é Fidel Castro. Você leu a entrevista de


Ramonet?

-Vamos lembrar. Nessa entrevista Fidel diz: “…aqui há já algum tempo


uma tendência a assumir que declarações críticas,

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Denunciaram coisas erradas, fizeram o jogo do inimigo, ajudaram o inimigo e


a contra-revolução. Há medo de denunciar algo, porque
que é considerado útil para o inimigo. E descobrimos que no combate aos
acontecimentos negativos o trabalho da imprensa é muito importante. E
estimulamos o espírito crítico. Chega-
Chegamos à convicção de que é preciso desenvolver muito mais o espírito
crítico. E estimulei ao máximo esse espírito crítico porque é um fator
fundamental para o aperfeiçoamento do nosso sistema. // Claro, sabemos que
existem desvantagens, mas queremos críticas responsáveis. E apesar das
possíveis consequências, tudo é melhor do que a ausência de críticas.”
[Ramonet, 2006:254]

—Bem, esse é o meu argumento.

-É verdade.

—Mas claro, então! Estou convencido. Mas eu sempre digo: Crítica


construtiva. Se quiser fazer uma crítica, diga qual alternativa você propõe.
Porque é muito fácil destruir. Então acredito na crítica pública construtiva,
que deveria tentar ser interna por pouco tempo, mas se não houver mudanças,
que saia publicamente, porque é para isso que serve.

—Mas esse fato não acabou com seu trabalho na revista Bohemia...

-Não. Na Boêmia venho publicando artigos com análises do poder popular


que deram origem ao livro Cuba: Ditadura ou democracia? [1976]
Mas eu só poderia publicar coisas que não abordassem temas críticos. Ou
seja, as entrevistas que fiz sobre a América Central... Acho que nem as
entrevistas sobre El Salvador, porque apareceram na Juventud Rebelde.

Por que comecei a fazer livros de depoimentos? Porque eu tinha começado


com entrevistas com organizações guerrilheiras, mas eram limitadas, tinham
seis páginas, oito páginas, numa revista. Foram entrevistas longas, mas
como o espaço era curto tive que selecionar, buscar o exemplar, o positivo e
não o negativo. Mas você aprende com as duas coisas... Por isso comecei a
fazer livros de testemunhos, para ver o positivo e o negativo.

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Isabel Rauber

O papel dos intelectuais

—A questão dos intelectuais me parece fundamental. Lembro-me da época da


Unidade Popular, onde os intelectuais chilenos deram realmente uma grande
contribuição ao programa de governo de Allende.
O pensamento político e a resposta política estavam sendo desenvolvidos nas
universidades. Mas desde aquela época até hoje, pelo que vi na Venezuela e pelo
que conversei com algumas pessoas, isso mudou radicalmente. As universidades
não são mais produtoras de insumos para os governos.

No sistema universitário atual você é valorizado pelos artigos que publica e isso
depende de quais revistas; As revistas norte-americanas dão mais pontos, não sei
o quê. E isso é priorizado, em vez de medir o intelectual pela sua contribuição
específica para a situação em que vive. Contudo, considero que os intelectuais
são muito importantes para o processo de mudança. Pelas suas características –
que entendo serem pessoas que enxergam as nuances das coisas com muito mais
profundidade – tendem a ser mais críticas. É essencial não marginalizá-los do
processo, mas dar-lhes trabalhos de casa, para que se sintam parte da mudança.

Tal como deve haver uma política para incorporar o povo no governo, deve haver
uma política para os governantes pensarem numa estratégia e numa tática para
conquistar os intelectuais. Acredito que você não pensa nisso, você age; e se eles
nos apoiam bem e se não nos apoiam, isso é com eles. Não se pensa em como
incentivar a sua participação. Acho que o intelectual se angustia porque vê coisas
críticas, porque vê as fragilidades... Ele gostaria de contribuir, mas se não lhe for
dado esse espaço ele se torna um crítico destrutivo em vez de um crítico construtivo.

—Em geral, os governos não gostam de estimular intelectuais críticos.


Em vez disso, há uma tendência a cercar-se de intelectuais complacentes.
tes, que atuam como empregados, ou seja, subordinados. O desafio é abrir espaços
onde o diálogo possa ocorrer, para que o governo esteja realmente interessado no
diálogo.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Claro. Por isso realizamos na Venezuela um evento no Centro Internacional


Miranda10, tentando reunir intelectuais que estavam em vias de se separar ou
alguns já quase perdidos, para tentar incorporá-los, mas não deu em nada.

—Falaremos sobre esse evento...

-Bem. Chávez não entendeu a princípio, mas chegou um momento em que ele
percebeu. Foi então que propôs o Prêmio Libertador do Pensamento Crítico. Não
só que o prêmio seja exigido, mas que se chame assim: pensamento crítico.

—De alguma forma eles influenciaram...

-Bom, sim. Carlos Matus já dizia que o intelectual às vezes não entende os tempos
políticos; Ele vê mais as contradições, os problemas de médio prazo. E é por isso
que ele não compreende certas medidas políticas. Por exemplo, nas relações
internacionais, quando você tem que fazer alianças com determinados países
porque o principal inimigo é outro, e aquele país com o qual você se alia não é
perfeito, ele tem muitos pontos fracos...

—Isso gera muitas críticas em alguns círculos intelectuais.

—Claro, aqueles intelectuais que alimentam a esquerda mais radical, a


ultraesquerda que se baseia nesses intelectuais.

—Também há responsabilidade, Marta. Não é só fazer críticas


ca, você também tem que apoiar... mas apoiar com prática, não só com artigo. E
não dobre. Porque alguns se deixam mimar, subsidiar, por organizações
internacionais... eles tomam a crítica como um modo de vida. Outros acabam sendo
obedientes, para manterem seus empregos.

10 O Centro Internacional de Miranda (CIM) foi criado em 2006. Está vinculado


ao Ministério da Educação Universitária e tem como principais objetivos
centralizar a assessoria internacional, coordenar espaços físicos e institucionais
de debate e contribuir para a formação de políticos, sociais e quadros
econômicos., bem como manter uma produção editorial ativa ligada ao
“pensamento revolucionário”.

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Isabel Rauber

-Claro. Claro…

—É muito difícil uma linguagem hipercrítica ter um alto cargo governamental, isso é
algo muito raro.

—Por isso foi tão interessante que Maduro tenha colocado Reinaldo Iturriza no comando
do Ministério do Poder Popular para as Comunas. Você tem que tirar o chapéu. Iturriza
foi um crítico construtivo, mas crítico dos defeitos do PSUV, etc. Foi lapidar nas suas
críticas à burocracia pela sua falta de diálogo com o povo... Talvez demasiado ou
faltou-lhe tempo para criar espaços de complementaridade entre os funcionários do
Estado e as pessoas de baixo.

Conselheiros

—Você pode querer governar com pessoas de esquerda, mas se os governantes não
agirem em conjunto, se não receberem conselhos... Porque você pode não ter
conhecimento de todos os assuntos, mas pode ter um bom equipe de consultoria e
seguir em frente. Aí o papel dos intelectuais é básico.

Pensando em voz alta agora, eu diria que deveríamos ver o que acontece quando os
intelectuais têm tarefas governamentais. Acho que deveríamos rever... Conhecendo o
papel do intelectual e conhecendo as limitações que tem o intelectual, que normalmente
não entende a questão da correlação de forças, que vê o panorama do que está
acontecendo com maior objetividade, mas não não ter a estratégia, digamos. Você
precisa ver como é feito o processo, aceitar os pontos fracos...

—É difícil para você entender a questão dos tempos políticos porque você não entende
Você entende a diferença entre a visualização do horizonte histórico e a forma prática
de realizá-lo: seria essa uma das grandes contradições dos intelectuais?

-Claro. Chávez nos fez ler, para que vocês vejam como era: “O líder sem estado-maior”,
de Carlos Matus. Imagine que se trata de uma crítica a alguém que não tem Estado-
Maior, e Chávez não tinha Estado-Maior.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Ele nos fez ler aquele livro para que os orientadores, de alguma forma, ficassem
imbuídos da necessidade de ter um quadro maior. Chegou a minha vez de ser
convidada para ser assessora de governo, sem ter nenhuma experiência
governamental.

Uma abordagem diferente para alcançar a unidade

—Na última parte do livro você trata diretamente da questão de ele.


da gemonia, do instrumento político, da unidade...

—Parece-me muito importante que pensemos no que podemos fazer juntos. Em


outras palavras, não vamos pensar no passado, mas em como construir o futuro
juntos. É por isso que no livrinho: A Esquerda depois de Seattle [2002], a estratégia
para construir a unidade da esquerda não é a que tínhamos antes, que era discutir
teoricamente se você é reformista, se é revolucionário, etc. .…

—Vamos ver quem tinha a verdade...

-Claro. A estratégia que proponho – que tomo de Carlos Ruiz, um sociólogo chileno
e a incorporo no livro – é que temos que convocar as pessoas para construírem
espaços como vitrines da sociedade que queremos construir. Então quando a
gente vai a um município ou a uma comunidade para construir o que aquela
comunidade quer ser, não importa se você é desta ou daquela cor política porque
é o povo, com os seus problemas, que está vendo a solução . É nessa construção
que se pode construir a unidade, e não no debate teórico, que é absolutamente
estéril.

A influência da Frente Ampla Uruguaia

—Nesse livrinho, como você o chama, você apresenta uma síntese das
contribuições de oito processos que você define como de esquerda na América
Latina, entre eles, os da Frente Ampla, do Uruguai. Eu lembro que você fez um livro, mana
qualificando sua experiência e colaborei com algumas entrevistas… Que aspectos
você destacaria dessa experiência nesse sentido?

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Isabel Rauber

—Você sabe o que está acontecendo, Isabel? Que a gente começa a ver os livros
que a gente fez e tem tantas lições neles, que a gente fica angustiado porque as
pessoas não leem porque muitos erros poderiam ser evitados, né?

-Bom, sim. Embora você saiba que nem tudo se resolve com leituras. Talvez muitos
não o leiam, mas ele está aí e disponível para reflexão e debate coletivo.

—Sim, mas às vezes fico ansioso.

—Eu entendo e compartilho.

—No caso da Frente Ampla do Uruguai, considero que esta experiência tem muito
a ensinar a todos os partidos, a todos os novos instrumentos políticos.

-Por exemplo?

—Que não devemos rejeitar ideias, que devemos incentivar o diálogo, aceitar as
diferenças, construir com base em acordos...

—E não dividir. Porque os acordos são feitos com muita frequência e quebrados
com a mesma frequência…

—Não se dividem porque têm regras para chegar a acordo no essencial e deixam
claro que podem discordar no resto.

—Dissidência sem brigar, sem se ofender...

-Claro. Acho que é chegar a um acordo para poder avançar e aceitar. Sempre me
lembro de James Petras que chegou ao Uruguai e depois escreveu em seus
artigos: “Em mais um mês a Frente Ampla está dividida”. Porque ele viu as
polêmicas e é uma pessoa que não está acostumada a aceitar polêmicas. No
entanto, a Frente Ampla é uma das organizações políticas mais antigas da América
Latina.

Construir com pluralidade e unidade

—Temos que trabalhar com as diferenças, temos que respeitar cada setor, cada
grupo, mas buscar algo que seja comum a todos.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

eles. Enrique Rubio referiu-se a isto ao analisar as possíveis soluções para a crise e disse:
Ampla Uruguaia. básico na identidade da Frente “…há duas chaves para a crise da Frente

Ampla: unidade e pluralidade. A unidade está ligada ao movimento chave, com ou sem
comissões a funcionar, embora com um funcionamento muito melhor, e também com os

outros elementos comuns: a unidade programática, de autoridades e candidatos comuns,


etc. A pluralidade está ligada a organizações de coligação, com ou sem partidos a
funcionar, embora funcionem melhor, mas nem sempre tem de ser sinónimo de pluralidade
de organizações. Numa delas, no futuro teremos uma pluralidade de correntes e não de
organizações. A vida dirá. O importante é que a pluralidade e a unidade, e o seu equilíbrio,
sejam mantidos.” [1991. Pfo. 486]

—Eu mantenho isso em mente. Isto foi claramente articulado com a sua análise da relação
entre partidos e organizações sociais, ainda em vigor. Sugiro que você também se lembre
disso aqui:

“…o esquema da relação entre partido e organização tem sido questionado.


zação social. Até recentemente, a organização social era considerada uma espécie de
correia de transmissão do que era decidido no partido. O partido ou organização política
estava localizado no topo da pirâmide da sociedade. // Não se tratou de uma concepção de
organização política ao serviço da sociedade, como elemento que a mobiliza, estimula,
dinamiza, propõe alternativas, opções e projectos, uma espécie de laboratório nesse
sentido, mas, de alguma forma , a sociedade estava a serviço da organização política. O
pluralismo da sociedade não foi reconhecido e não foi reconhecido que a gestão política
deveria estar ao seu serviço. // Esse velho conceito, essa velha cultura de esquerda, que
nos condicionou a todos, e que hoje está totalmente superada, criou uma relação entre a
organização política e a organização social que determinou a falta de autonomia desta
última. (…) E esta foi e é uma questãoÿ

“Hoje nado pela esquerda uruguaia...” [1991: Pfos. 918-920]

—Seria muito bom que a experiência deles fosse conhecida, que se aprendesse com eles.

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Isabel Rauber

Os sujeitos, uma mudança fundamental

—Você mencionou o que considera os três marcos fundamentais do seu


trabalho expressos nos livros: Os conceitos… A esquerda no limiar do
século XXI e este livro: Um novo mundo a construir. Agora me proponho
falar dos sujeitos, dos atores, dos protagonistas. Como você aborda esse
tema no presente?

—Bom, acho que nisso tive uma forte evolução desde o livro Os
conceitos... que poucos sabem que o escrevi na França, com absoluto
desconhecimento da América Latina. Aí reproduzo a análise de classe
de Lenine sobre a União Soviética onde, claro, a classe trabalhadora é a
vanguarda. Posteriormente corrijo esta abordagem no livro Cristãos,
indígenas, estudantes na revolução. [Século 21, 1987]
—A realidade latino-americana fez você mudar…

-Claro. O fenômeno da revolução nicaraguense, as entrevistas que fiz


com a guerrilha indígena guatemalteca, me fizeram ver a importância
desses outros atores. E também a Teologia da Libertação, a importância
das comunidades eclesiais de base, o trabalho que realizam, me parecem
elementos muito importantes. E quando estávamos no Equador, lembra?

—Fomos apresentar o livro “Rumo ao século XXI, a esquerda se renova”.


va", em 1991...

—Estávamos na era do protagonismo indígena, que surgia no cenário


político, surpreendentemente, como a vanguarda mobilizadora da
sociedade da época.

—Ainda há muita retórica na esquerda em relação aos povos indígenas


e seu protagonismo. Houve progresso, mas quando se trata de abrir o
espaço de representação e expressão aos povos indígenas é mais difícil.
Como o vês?

—Acho que está mudando um pouco. No Chile, por exemplo, com a


questão dos Mapuches...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Você acha que há uma tendência de abertura de espaços à esquerda?

—Acho que sim, mas claro, temos que ver o que sobrou... A mesma coisa acontece
com a questão ecológica, ela está sendo incorporada.

—Você considera que no Fórum de São Paulo, por exemplo, há porta-vozes indígenas
que falam sobre suas realidades? Você vai às reuniões do Fórum?

-Faz muito tempo que não vou. Para mim isso é burocracia política.

O que está acontecendo Isabel, e aqui vou te contar algo que considero muito
importante: Uma das críticas que me são feitas - quando apresentam um livro meu
ou em alguns artigos que escrevem sobre ele - é que eu não sou objetivo o suficiente.…

—Com que argumentos?

—Porque não apresento a média estatística nos meus livros e digo que não sou
sociólogo. Os sociólogos preocupam-se com as estatísticas, com o que é a média. E
se são nove experiências maravilhosas e cem negativas, o que lhes interessa é a
média e, portanto, o positivo se perde. A diferença é que procuro experiências
exemplares para que as pessoas aprendam.

Não sou sociólogo, embora sempre me chamem de sociólogo. Primeiro, não gosto
das palavras bonitas que os sociólogos usam: sinergia, não sei o quê... Muitas vezes
não as entendo. E também usam palavras em inglês: empoderamento, em vez de
empoderamento, embora eu não goste dessa palavra; Acho que não uso isso no livro
inteiro.

Sobre isso, outra coisa. Estamos usando palavras que em inglês


não existem.

-Por exemplo?

—Por exemplo, destaque. Protagonismo não existe em inglês. Tem uma colega que
me ajuda nas traduções e me diz: “Marta, isso não está entendido, tem que colocar
outra coisa”. Então eu digo a ele:

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Isabel Rauber

Olha, há dez anos a gente também não usava o protagonismo nesse sentido,
ele era usado no protagonismo no teatro, mas vamos usar.

Como pensar sobre o assunto popular hoje?

—Na Venezuela o tema popular cresceu mais rápido que as medidas de


transformação do Estado ou da economia. Porque a forma como Chávez agiu
com o seu povo permitiu que as pessoas entendessem o processo,
amadurecessem. Depois vieram os conselhos comunais; Você vê como
pessoas muito humildes se transformam em pessoas que conseguem explicar
a sua realidade, que analisam os problemas.
Quando passei de um ano para o outro, vi esse amadurecimento das pessoas.

—E aos poucos você ampliou o foco que tinha originalmente.

—Claro, já que acrescentei o lance latino-americano. Por que pensar no assunto


sem os povos indígenas da América Latina, ou sem os cristãos...

-E os alunos.

-Também. Eles são um ator importante que deve ser levado em consideração.

—Não é comum falar dos alunos como membros da disciplina.

—No Chile, quem mais se mobilizou antes de Allende foram os estudantes


universitários, agora, no processo atual, os mesmos… É um setor social que
deve ser levado em conta.

—Militância cristã…

—Com os sandinistas, volto minha atenção para a questão dos cristãos na


revolução. Tendo sido presidente diocesano da Ação Católica Universitária,
no Chile [1958], indo à missa diariamente, quando morei na França e assumi o
marxismo deixei tudo isso de lado. Embora algo sempre tenha ficado comigo e
acho que isso me ajudou a entender a pobreza.

-Claro. E as mulheres?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Quando me perguntam sobre as mulheres, digo que as mulheres estiveram na


América Latina na luta contra as ditaduras, na linha de frente, como dizem. E muitas

vezes, em questões comunitárias, também em reuniões de participação, as mulheres


têm papéis mais importantes que os homens.

—O homem talvez pense mais no que vai dizer, a mulher se levanta e fala.

—Eles participam; Eles são mais criativos e participam mais. Temos que pensar que -se
as mulheres são essenciais-, devemos criar um sistema que permita às mulheres
participar, ou seja, ver os horários das reuniões...

O MST do Brasil tem experiências muito bonitas. Você vai na escola do seu quadro e vê
alguns colegas que cuidam dos filhos para que as mães possam estudar. Proponho que
haja um homem e uma mulher em cada representação, em tudo. É isso que o MST tem,
no assentamento, no acampamento, em todo lugar tem um homem e uma mulher.

—Sempre duplas.

—Sempre duplas. No meu último livro sobre planejamento, proponho que haja um
homem e uma mulher. E o meu grande argumento é que a coordenação nacional do
MST tem um grande número de mulheres, o que não é por cota, mas porque elas tiveram
espaço para participar e as mulheres demonstraram que eram iguais ou melhores que
os homens.

—A questão é que se não nos forem abertos espaços para o desenvolvimento, não nos
desenvolveremos.

-Exatamente. Eu não conhecia o pensamento feminista, não li feministas, porém se


você ler minhas coisas com base nas entrevistas com as guerrilhas de El Salvador,
perceberá que há questões que foram reivindicadas pelo feminismo, como a democracia,
como a participação , como o respeito pelas diferenças. Esses temas estão presentes.
E percebo que eles estão presentes porque

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Isabel Rauber

Os comandantes da guerrilha assimilaram o pensamento dos comandantes ou...


conseguiram incorporar elementos que eram considerados pensamento feminista
na sua visão da política.
Algumas mulheres não entendem que eu lhes digo que não sou necessariamente
feminista, que aceito a discriminação positiva como um mal menor, digamos assim.

No Equador, Correa trouxe quase a paridade de género para o gabinete. Admirável


nisso.

—Mas ele não parece muito avançado em questões de gênero.

-Não. Mas para que você veja as contradições. Ela tem uma composição de género
favorável, no entanto, o seu pensamento sobre a questão do aborto não é muito
avançado, por assim dizer. Ou seja, pode haver um homem que valorize o papel da
mulher e acredite que o aborto não deve ser feito.

—Um tema complexo, de fato. Abordaremos isso mais tarde.

Para encerrar este ponto: você considera que “digeriu” seu percurso teórico,
digamos, no livro “Um novo mundo para construir”?

-Claro. Por isso começo pela teoria... Embora não ache que conseguirei passar
passo a passo todas as minhas reflexões e mudanças dos anos 70 até agora.

O Prêmio Libertador , motivos de sua entrega

—Por que você se inscreveu no Prêmio Libertador com o livro “Um mundo novo
para construir”?

—Porque o prêmio não separa os gêneros testemunho/ensaio…E o livro é uma


reflexão que parte da prática; pegue as experiências mostrando um caminho.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Você participou de outros concursos…

—Antes de ganhar o Prêmio Libertador de Pensamento Crítico, ganhei um


prêmio na Venezuela. De repente ligaram-me e disseram-me: “Marta, amanhã
tens que ir à cerimónia de entrega de prémios”. Recompensa para quê?, digo
a eles. “De um livro seu.” Mas não participei de nenhum concurso. Mas a
editora o apresentou.
Era o livro Fazendo o Caminho Caminhando. Após seis ou mais anos de
publicação, foi publicado pela Monte Ávila (2005), que foi a editora que o
submeteu ao concurso.

—Você também participou do Prêmio Casa

—Inscrevi o livro “Lênin e a Revolução Social na América Latina” ao Prêmio


Casa. As ideias, estratégias, táticas, alianças de Lenin, tudo ficou ali exposto.
É uma história interessante...

-O que aconteceu?

—Quando o apresentei ao prêmio, Sánchez Vázquez era o júri. E ele era


naquela época, anti-Leninista...

—¿Anti-Leninista?

-Claro!

O livro obviamente não aconteceu. E quando perguntei a Sánchez Vázquez


o porquê, ele não quis me responder. Agora percebo que não era um livro
para um concurso porque era um estudo de Lenin.

Mais tarde, tornei-me amigo de Sánchez Vázquez. Encontrei-o vários anos


depois na VIII Semana Galega de Filosofia, em Abril de 1991, em Pontevedra.
Lá fiz uma apresentação sobre questões de esquerda que mais tarde fez
parte do livro que fizemos juntos, que publicamos e apresentamos no
Equador.

—Rumo ao século XXI, a esquerda se renova…

-Sim. E depois que falei, Sánchez Vázquez me disse: “Mas como é possível
que você, com um texto tão bem elaborado, com aquela exposição...

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Isabel Rauber

“Que memória você tem.” Então nos tornamos amigos.

—Você queria me contar outra coisa também...

—Quando apresentei o livro sobre Lenin na Casa de las Américas, Lito Marín
leu – você conhece o Lito – e então me disse: “Marta, você não pode publicar
este livro”. Por quê?, eu disse a ele. “Porque seus livros são muito, muito claros,
claros demais e as pessoas os aprendem de cor.
O Lenin que você tem que fazer é um Lenin para cada país da América Latina.”
E eu disse a ele: Impossível! Não conheço a América Latina. Porque eu, você
sabe, bem... aprendi sobre o marxismo na Europa, escrevi o livro de Conceitos...
na Europa, depois passei três anos no Chile e de lá vim para Cuba. Então, o que
você sabia sobre a América Latina?

-Entender…

—Aí eu disse a ele: posso falar da Nicarágua e de Cuba agora mesmo. Então
com esse livro que, a princípio, era um só, depois transformei em três volumes.
Um, A revolução social. Lênin e Amé
Latina rica (1986); outra que foi a continuação: Inimigos e aliados, frente política
(1987); e o outro: Estudantes, cristãos e indígenas na revolução (1987). E eu
estava citando exemplos: em estratégia e tática, qual foi a tática de Fidel, qual
foi a tática dos sandinistas... Essa foi a história daqueles livros.

Importância do Prêmio Libertador de Pensamento Crítico

Alcance amplos setores

—Como você valorizou receber esse prêmio?

—Sobre isso, vou te contar uma coisa. Quando me perguntam: "O que você
achou de ganhar o prêmio? É importante para você?" Digo que foi importante,
estou muito feliz. Porque é a forma de chegar a quem nunca me leria se eu não
ganhasse o prêmio. Porque “Marta Harnecker” permaneceu como que ossificada
no livro Os Conceitos Elementais do Materialismo Histórico. Existe algum
intelectual que

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Cite-me? Não há nenhum que eu acredite, ou muito poucos. Porque não sou
uma pessoa desse ambiente. Por outro lado, o livro traz muitas mensagens
para os governantes, e o prêmio também abre a possibilidade de que eles
sejam incentivados a lê-lo.

Fiquei feliz que o presidente Maduro o tenha lido. Porque você podia ver isso
quando ele falava. Ele sabe muito bem do que estou falando no livro. Além
disso, eu tinha acabado de falar e ele estava ali, ouvindo... E nem todo
mundo aceita. Porque fiz várias sugestões. Eu realmente gostei de suas
palavras.

Tipologia de seus livros

Livros teóricos

—Uma revisão de sua extensa produção bibliográfica indica que você


produziu vários tipos de livros. Combinam diferentes temas, épocas e
experiências, que evidentemente influenciaram a sua forma de ver o mundo
e de comunicar o que viu. Sua produção bibliográfica descreve então os
movimentos do seu pensamento, o impacto que suas descobertas e pesquisas
tiveram sobre ele, principalmente a partir do conhecimento e coleta das
experiências de luta, organização de movimentos.
políticos revolucionários da esquerda no continente.

Na tentativa de agrupar seus livros de acordo com as categorias de análise e


elaboração utilizadas, poderíamos começar, neste caso, pelo livro “Os
conceitos elementares do materialismo histórico”.

-Sim. Claro.

—Considerando neste grupo a introdução que você fez anteriormente ao


texto de Althusser, que não é um livro, mas está em consonância com sua
produção teórica.

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Isabel Rauber

-Claro. A introdução ao livro A Revolução Teórica de Marx [Pour Marx] foi


meu primeiro escrito. Foi uma experiência muito desafiadora porque fiz a
tradução primeiro. Isso me forçou a conhecer bem o pensamento do autor.
Também foi muito positivo porque Althusser me incentivou, me apoiou e me
elogiou muito. Também incluiria neste grupo meu livro Capital: conceitos
fundamentais [1971]

—Este livro é uma variação desta linha porque está vinculado à tradução que
você fez do Manual de Economia Política de Lapidus e Ostroviatianov, que -
como você aponta no título - foi publicado na URSS em 1929, mas não o fez.
existe. traduzido para o espanhol.

—Como explico lá, aquele livro procurou ajudar os leitores a ler O Capital, de
Karl Marx. Esperava contribuir com isso para o conhecimento e difusão do
marxismo entre trabalhadores e estudantes.

—Também não é a tradução completa do livro…

-Não. Devido ao caráter estrangeiro do tema, omiti a parte referente ao


estudo da economia soviética da época. Não era o objetivo.

—Existem outros textos seus que poderiam ser incluídos neste grupo, como
“A revolução social. Lenin e a América Latina” [1986], por exemplo. Mas "Bue-
Não, não se trata aqui de organizar todos os seus livros, mas vamos ver
quais foram qualitativamente os temas e metodologias que você utilizou e
com os quais explorou e gerou grande parte do pensamento da esquerda
latino-americana e global.

—Claro.

Livros pedagógicos para divulgação e educação popular

—Depois de Os Conceitos... haveria os livros pedagógicos populares, aqueles


pequeninos do Chile. Como já lhe disse, percebi que - apesar das minhas
intenções - o meu livro era em algumas partes incompreensível para os
trabalhadores. Decidi então seguir outro caminho, dedicado a comunicar
ideias de forma simples e acessível.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Você está se referindo aos Cadernos de Educação Popular.

-Sim. Às cartilhas e aos Cadernos…

—Você incluiria aqui as “longas entrevistas”, como você as chama, que foram o
antecedente direto de seus livros de testemunhos?

-Sim também. A entrevista com Humberto Ortega, considerado o estrategista da vitória


sandinista, publicada no Punto Final Internacioÿ
final, marcou um passo importante nesse sentido. Foi uma conversa longa, muito solta
e confusa. O material teve que ser estruturado, mas sem perder a espontaneidade do
interlocutor. Parece que consegui fazê-lo com sucesso porque o meu primeiro
propagandista foi o próprio Humberto e essa entrevista correu o mundo.

O gênero entrevista foi o mais prolífico em que trabalhei; Isso me pegou.


As entrevistas sempre tiveram um ímã para mim.

Livros de testemunhos

—Quando você inicia o caminho dos livros de testemunho?

—Depois das longas entrevistas concentro-me nos testemunhos. Ou seja, vou de longas
entrevistas a livros de depoimentos. O mais importante para mim foi Cuba: ditadura ou
democracia? [1975 e 1979], pelo que significou naquela época e porque marcou um
caminho para eu me desenvolver.

—Como você diz no texto ao apresentá-lo: “Em Cuba há um povo que discute as leis,
aplica a justiça, aprova os planos econômicos e, com armas nas mãos, como um povo
fardado, defende as conquistas da Revolução”. E é isso que você demonstrou através
dos depoimentos de seus protagonistas.

-Claro. Depois das longas entrevistas com os comandantes das guerrilhas centro-
americanas, os primeiros testemunhos com as entrevistas com as guerrilhas centro-
americanas e suas lutas deram origem a Povos em Armas [1983].

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Isabel Rauber

—Com este texto você também conseguiu grande impacto e reconhecimento do seu trabalho.
trabalho pedagógico. A respeito disso, sugiro que você lembre aqui as
palavras que Mario Díaz Barrientos, editor-chefe do Punto Final Internacioÿ
final, dedicou-lhe na apresentação da primeira edição deste livro pela
editora ERA (México): “O que o interrogatório jornalístico consegue é que
os entrevistados (líderes políticos e líderes guerrilheiros da América Central)
rica) contam de forma complexa e crítica a história de suas próprias lutas.
Uma história que eles próprios só excepcionalmente podem sentar-se
para escrever, dadas as múltiplas tarefas que devem enfrentar na gestão
das suas organizações, ou devido às dificuldades absorventes envolvidas
na construção de uma nova sociedade. As perguntas informadas e
precisas permitem que as respostas surjam como uma reflexão rica e
criativa, na qual não faltam elementos autocríticos referentes à história.
“Provocar esta reflexão foi o propósito fundamental de Marta Harnecker.”
[1983-1985 www.prensaindigena.org › web › pdf › Pueblosenarmas]

-Uma boa memória. Em 1988, com a longa entrevista com Gilberto Viei-
ra, Secretário Geral do Partido Comunista da Colômbia, preparou Colômbia:
Combinação de todas as formas de luta.

—Como você diz no título desse livro, “(ele) descreve as peculiaridades


nacionalidades que explicariam porque é que um partido que apoia a luta
armada pode, ao mesmo tempo, participar em eleições e ter representação.
sentado no parlamento.” Mas foi precisamente esta peculiaridade de
combinar diferentes modalidades de luta que mais tarde foi criticada por
Jaramillo.

—Bernardo Jaramillo era o presidente da “União Patriótica”, a frente de


massas do Partido Comunista, e era muito crítico da combinação de todas
as formas de luta porque aqueles do lado legal, digamos, reivindicavam
os mortos. E ele não concordou com isso. Da primeira entrevista com
Jaramillo – porque depois fiz outra – e outra com Nelson Berrío, membro
da comissão executiva de A Luchar, saiu o livro Entrevista com a Nova
Esquerda [1989]. Em Cuba, as duas entrevistas foram publicadas
separadamente naquele mesmo ano: Colômbia: Rumo a uma

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

convergência democrática popular (Entrevista com Bernardo Jaramillo) e Não


suplantem as massas (Entrevista com Nelson Berrío).

—Lembro-me claramente de como essas reflexões impactaram você.

—Jaramillo foi brilhante. Ele sentiu que a qualquer momento iriam matá-lo, como
aconteceu pouco depois, no aeroporto de Bogotá.

—Tenho isso muito em mente…

Livros que reorganizam testemunhos

—Você tem livros que reorganizam e reúnem testemunhos, seriam uma variação.
você desse grupo...

-Sim. Tenho um ou dois livros que organizam testemunhos, talvez aquele que fizemos
juntos Rumo ao século XXI a esquerda se renova (1991) e Vanguardia y Crise Actual
(1990). Este livro, como você disse, organiza testemunhos sobre o tema da vanguarda,
da pluralidade, sobre o tema das massas, etc.

O livro Caminhando Caminhando (1994) é uma reorganização temática dos


depoimentos, com pequenas anotações, que estariam dentro do terceiro tipo de livros
que fiz. Aí mandaram para o prêmio de redação e eu não sabia o que era redação,
nunca falei de redação. Existem tantas definições de ensaio quanto você possa
imaginar...E um dia, como já contei, me ligaram e me disseram que haviam me
concedido o Prêmio Nacional do Livro (Venezuela, 1995).

Livros com entrevistas coletivas

—Lembro que as reflexões de Jaramillo tiveram um impacto profundo em você; Ele fez
ver que já não bastava olhar para as experiências de guerrilha de Cen.
troamérica; que as propostas da esquerda legal tinham que ser estudadas…

—Acontece que ele estava exilado no Brasil e no Uruguai e sabia da proposta da


Frente Ampla e do Partido dos Trabalhadores, ambos

58
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Isabel Rauber

focado na luta jurídica pela conquista de espaços institucionais.


Foi assim que comecei a estudar essas experiências esquerdistas.

—Você considerou então entrevistas com o PT, no Brasil, e com a Frente


Ampla, no Uruguai. Isso marcou uma mudança não só no tema que você
abordava, mas também no seu método de entrevista, você começou a
fazer entrevistas em grupo...

—Trabalhamos juntos nisso, principalmente nas entrevistas com a Frente


Ampla. Você se lembra que primeiro fomos ao Peru entrevistar deputados
de esquerda, mas não conseguimos fazer as entrevistas? São os poucos
depoimentos que conseguimos obter, ele ele Ninguém queria ser
entrevistado junto com outro... Como eram dogmáticos!

Bom, com certeza, a partir daí houve uma mudança nas minhas entrevistas,
principalmente quando descobri o PT e os governos locais, foi aí que
comecei a fazer entrevistas coletivas. Foram entrevistas em grupo e, em
alguns casos, algumas entrevistas individuais que depois incorporei na
reflexão coletiva; sempre tendo o cuidado de refletir todas as correntes,
tendências, looks...

Daí surgiram os livros: Frente Ampla: Os desafios de uma esquerda


jurídica [1991]; Brasil. São Paulo: uma prefeitura sitiada [1993]; O sonho
foi possível (As origens do Partido dos Trabalhadores Brasileiro) [1994]

—Com o estudo do PT, você focou na experiência dele com governos


locais ou no tipo de partido?

—O que mais me chamou a atenção, o que me motivou inicialmente, foi


a experiência do PT como um novo tipo de partido.

Após o estudo da Prefeitura de San Pablo, há uma pausa…


Quando voltei às entrevistas com os governos locais já era outra etapa.
O próprio Tarso Genro11, do PT de Porto Alegre, afirmou que

11
Naquela época, Prefeito de Porto Alegre; Foi Governador do estado do Rio
Grande do Sul e, durante o governo de Luiz Ignacio Lula da Silva, atuou como
Ministro da Educação, Relações Institucionais e Ministro da Justiça do Brasil.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Eles estavam fazendo uma prática que lhes permitia vislumbrar o que era uma nova
sociedade.

—Você está se referindo ao orçamento participativo…

-Claro. E para mim isso foi ver como isso é feito... Fiz oito longas entrevistas sobre governos
locais que saíram em livrinhos independentes e depois se fundiram em um intitulado
Making the Road by Walking. Foi esse que te contei que premiaram na Venezuela (2005),
num concurso que se faz com livros enviados pelas editoras.

Importância dos livros de testemunho

—O gênero testemunho me fascina. Meus últimos livros para desktop têm muito pouco.
Fundamentalmente tenho trabalhado no gênero testemunho, nas lutas sociais.

—Os testemunhos te estimulam, te dão ideias.

-Sim. Considero que a evolução que tive é porque vi coisas, conversei com pessoas. Em
outras palavras, meus livros são produto de muita gente e de muitas práticas...

Objetividade e o gênero testemunho

—Considera que a sua formação em Psicologia influenciou a sua metodologia de trabalho?

—Não me arrependo de ter estudado Psicologia Isabel, porque foi fundamental para fazer
as entrevistas. O método do psicólogo é totalmente diferente do sociólogo, e eu aprecio
muito ter essa abordagem diferente, né?, dos processos mentais.

—Então uma parte do que mais tarde se tornou uma metodologia de trabalho para você
vem dos seus estudos em Psicologia…

—Pelo menos não da Sociologia. Não sei que relação a Psicologia pode ter com a política,
mas pelo menos ela te inclina para o indivíduo, você vai para a experiência, você vai para
a reflexão... não para a média estatística.

60
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Isabel Rauber

—É claro que você não gosta da média estatística. Como você entende a objetividade?

—Não pensei na questão da objetividade em termos do meu trabalho, pensei em


geral.

Por exemplo, o livro do Equador contém entrevistas. E me disseram que eu não era
objetivo porque tinha simpatia pelo governo. É claro que tenho simpatia pelo governo.

—Mas isso não deve ser um problema.

—Procuro sempre que nas minhas entrevistas haja diferentes visões da coisa. Na
verdade, Alberto Acosta não esteve no governo do Equador, já foi marginalizado do
movimento e é o personagem central para abordar a questão da assembleia
constituinte. Quer dizer, depende dos tópicos.

O importante para mim é o que conseguimos no Uruguai.


Por exemplo, sentado à mesa, na entrevista, todas as tendências da Frente Ampla.
Aí eles mesmos dialogam, se corrigem, digamos assim. Não há nada melhor do que
ter todos juntos.

—Lembro daquelas mesas cheias de dirigentes da Frente Ampla, fale comigo.


Passo horas respondendo suas perguntas...

—Isso, porém, com o PT, no Brasil, eu não consegui. A questão é: qual método
utilizar para que, de alguma forma, isso esteja presente na obra?

—O que você quer dizer especificamente?

—À revisão do texto pelos entrevistados. Aprendi isso quando fiz entrevistas com
líderes guerrilheiros da Colômbia e de El Salvador – que foi a que circulou primeiro.
É muito importante que os entrevistados revisem as entrevistas, ou seja, não é que o
jornalista “se exiba”.

Quero que as pessoas se sintam confortáveis com a entrevista que você faz, essa
seria a primeira coisa a destacar. Em segundo lugar, então, se o

61
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

A entrevista não é coletiva, é importante prestar atenção em como você fala


com os outros sobre o que um deles disse em outro momento. E faça circular o
texto integrado para que todos tenham conhecimento e possam opinar
informadas sobre o que ali está escrito. Eles não estarão juntos na entrevista
coletiva, no mesmo momento, mas de alguma forma eu digo que é uma
entrevista coletiva no tempo.

—E no resultado. Essa sua metodologia é muito importante porque abre as


portas para um trabalho coletivo não simultâneo, ou seja, mais viável de ser
realizado com organizações sociais e políticas. É muito mais complicado do que
fazê-los em grupo no mesmo espaço-tempo, mas com um trabalho sistemático
e sério o objetivo é alcançado. Aprendi isso com você.

-Claro. Meus livros às vezes têm integração de diálogos, ou seja, coisas novas;
ou pelo menos uma nota onde a diferença ou posição diferente possa ser vista.
Então, era isso que eu estava te dizendo: não procuro a média estatística, mas
sim o exemplar. Claro que se trata de você coletar o que existe, com todos os
seus aspectos positivos e negativos.

—Isso seria objetividade?

—Bem, sim, mas quando falo de objetividade não tem nada a ver com sociologia.
As médias estatísticas nunca estão certas; A média dilui a realidade. Então eu
diria que não estou focando no problema da objetividade; Procurei aprender
com a experiência.

Livros de reflexão teórica ancorados em depoimentos

—Você também escreveu livros que - embora articulados com os testemunhos -


criançasÿ são textos nos quais você expressa suas reflexões.

-Claro. Neste grupo seriam: Tornar o impossível possível. A esquerda


deixado no limiar do século XXI [1999]; Reconstruindo a esquerda
[2006]. E meu último livro Um Novo Mundo para Construir, publicado em 2013,
que recebeu o “Prêmio Libertador de Pensamento Crítico” em 2014. São livros
de reflexão teórica sobre os testemunhos

62
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Isabel Rauber

de experiências práticas. É por isso que não posso escrever meus livros
com citações de outros textos meus porque seriam 70 ou 80 por cento
autocitados de depoimentos de livros anteriores.

—Claro porque o que você cita vem das suas entrevistas.

-Sim. É por isso que não uso parágrafos separados quando cito.
Alguns editores colocam esses parágrafos inseridos, com recuos. Imagine,
eu teria todos os parágrafos dentro.
então.

(risos)

Neste meu último livro premiado - ao contrário de outros - decidi recolher -


quase literalmente - vários dos testemunhos que foram feitos no Equador,
na Bolívia, na Venezuela. Imagine como seria. Foi assim que discuti, por
exemplo, a questão de como transformar as forças armadas.

-Na Venezuela?

—Bem, também da Venezuela. Mas as ideias são do Álvaro García Linera,


de uma entrevista que fiz com ele, que nunca foi publicada porque não
terminamos. A entrevista não está no livro, mas as ideias estão.

O mesmo acontece com a entrevista sobre os “armários itinerantes”12 que


fiz com Patiño e bom, no livro é uma ideia importante
ter em conta.

—Você já publicou um artigo sobre esse assunto…

-Sim. Em novembro de 2010 tive a oportunidade de estar presente em cada


uma de suas reuniões. Foi uma experiência emocionante. Daí surgiu meu
texto “Gabinetes itinerantes no Equador: uma forma de aproximar o governo
do povo” [2010]; É uma reportagem sobre um gabinete itinerante em
Cariamanga.

12
Espaços para aproximar a gestão do Estado da comunidade. Baseados em
estratégias participativas, estes espaços são reconhecidos como importantes
ferramentas de comunicação.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Posteriormente volto a esse tema em meu livro Equador: uma nova esquerda
em busca de vida em plenitude [2010: Capítulo IV], que você prefaciou. E
abordo novamente o tema no ponto 6, do capítulo V, do livro Um novo mundo
para construir. O que quero dizer com isso é que não poderia ter feito este
livro sem todos os livros de depoimentos e entrevistas que fiz anteriormente.

—É por isso que você o considera um livro de resumos.

—Entre muitos motivos.

—E porque é também um livro que marca um percurso e um ponto de


amadurecimento do seu pensamento.

-Claro. Assim é. Aproveito que você é meu melhor defensor para lhe
perguntar: Quando retiram as legendas dos índices é porque não entendem
o significado das legendas?

—Acho que eles não entendem. Em geral, os editores não publicam índices
detalhados e detalhados. Mas no seu caso teriam que considerar que a
elaboração (e publicação) do índice faz parte dos seus recursos de
comunicação, em que as legendas têm um significado pedagógico.
lítico importante.

-É o que eu digo…

Comunique ideias

—Acho que para você o leitmotiv de tudo tem sido a forma de comunicar
ideias, e isso abriu as portas para a metodologia. Porque você não partiu de
uma metodologia, você descobriu a metodologia buscando a comunicação.

-Claro.

—É por isso que o seu tema de titulação e legendagem é muito importante.


Você tem, às vezes, em uma página, três legendas porque o problema não
é espaço, mas ideias. Destaque ideias, para que os leitores as descubram
farelo rápido. Seria como um Twitter mas de pensamento...

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Isabel Rauber

-Ao melhor sim; a ideia é essa.

—O título auxilia o leitor básico porque sintetiza o que ele está lendo e permite
identificar os núcleos temáticos que procura.

-Sim. Porque no mundo de hoje lemos pouco, então você vai e encontra um índice
longo, escolhe um tema e lê. Recomendo: vá até o que lhe interessa e então tenho
certeza que você ficará entusiasmado, começando pelo que mais lhe interessa.

No Chile, os editores do livro sobre o Equador quiseram retirar as legendas porque


disseram que atrapalhavam a leitura. Pensaram em colocar uma margem maior e
colocar as legendas ali, ou seja, numa página pode ter três coisas...

—Bem, é um jeito interessante também...

—Mas é claro, isso significa usar uma fonte grande. Porque eles também me fizeram
livros terríveis. E só percebi quando os tive na mão. Agora vou colocar como condição

do contrato: que coloquem uma carta acessível.

Relacionamento com editores

—Lembro que toda vez que você terminava um livro, você o publicava imediatamente.
mediar. Você nunca quis esperar pelos tempos editoriais...

—As datas de publicação dos meus escritos não têm a ver com compromissos com
uma editora: “Vou escrever um livro e vou terminá-lo até essa data”. Em geral, eu os
planejava para eventos políticos que exigiam ideias, especificidades, conceitos, então
me apressei em deixar o livro pronto para aquele momento. Principalmente no caso
dos livros de entrevistas, eles estão lá para qualquer evento que aconteça. Sempre
pensei em publicar logo para que o livro sirva

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

para situações políticas. Esse sempre foi meu objetivo. E é por isso que não
tenho paciência para esperar editoriais.

Eu não tinha nenhuma experiência editorial quando os concebi.


tosse… então o Siglo XXI foi para mim, minha editora. E Orfila foi meu pai
popularizador. [Refere-se a Arnaldo Orfila Reynal, fundador da editora
mexicana Siglo XXI.]

Depois da ascensão do marxismo nas universidades, veio a ditadura e


comecei a ver que meus livros não chegavam. E então comecei com a
impaciência de publicar onde pudesse, sem direitos autorais. Enquanto Orfila
viveu, cheguei a um acordo com eles para poder continuar publicando lá. Mas
depois foi muito difícil porque não tenho paciência para esperar um ano ou
mais para que um livro seja publicado. Estou habituado ao facto de depois de
terminar um livro, daqui a um mês ou um mês e meio, ele já estar a circular.
Com El Viejo Mole, por exemplo, a relação é muito ágil: em junho entrego os
originais e em meados de julho o livro já está sendo apresentado.

A outra forma é disponibilizá-lo para todos na Internet, embora às vezes


alguns editores não aceitem isso...

—O Velho Mole permite?

—Velho Toupeira e todos aqueles que me publicam... Eles sabem que


primeiro coloquei na Internet, depois quem quiser aceita e publica, e se não,
então não.

—A vida mostra que muito mais livros são vendidos quando também estão na
Internet.

-Claro. Porque são dois públicos diferentes.

—E porque as pessoas também querem que o livro seja impresso; Não podem
estar imprimindo duzentas, trezentas páginas, digamos assim, a tinta é cara,
o papel é caro...

—Aquele que foi postado muito tarde na Internet - e nem pedi licença - é o
livro dos Conceitos... Não me contaram nada. nós colocamos

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Isabel Rauber

há dois ou três anos, quando se comemorou o quadragésimo aniversário do livro. Acho


que foi um scan que foi feito do livro, da versão mais recente dele.

—Todo mundo está em rebelião.

-Sim. Na verdade, eles os colocaram de volta em ordem porque já os haviam colocado em


ordem...

—Uma contribuição muito importante.

Socialista e marxista, uma questão de identidade

—Se alguém lhe disser: “Marta, apesar de tudo o que aconteceu com o socialismo do
Leste Europeu, você ainda se considera socialista?” O que você responderia?

-Que sim. A questão é que o socialismo tem muitos significados.


Ainda penso que devemos construir uma sociedade alternativa ao capitalismo, que alguns
chamam de socialista, outros de comunista...

E também me considero marxista no sentido de que continuo a pensar que os elementos


da ciência e da história inaugurados por Marx ainda são válidos e que o que é preciso
fazer é desenvolvê-los.

—A sua identidade socialista é a de um socialismo renovado; e para fundamentar


Você dedicou sua vida a isso.

—Eu diria isso desde o início, desde que descobri o marxismo.


Por que me senti atraído pelo marxismo? Porque eu era católico, com uma visão mais
avançada naquela época, intimamente ligada às abordagens do filósofo católico francês
Jacques Maritain. Seu livro Humanismo Integral era uma espécie de Bíblia. Para mim
religião era amor, mas eu tinha uma concepção distante do marxismo em relação à
liberdade ou ao que eu entendia por liberdade e materialismo naquela época.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Quando cheguei à Europa compreendi que não bastava querer que as


pessoas se amassem, mas que era preciso criar as condições de uma
sociedade em que a solidariedade e não o egoísmo fossem possíveis. Para
mim, construir uma sociedade em que os homens possam amar-se uns aos
outros significou construir uma sociedade socialista. E desde que descobri
isso, o sentido da minha vida foi esse.

—Em outras palavras, você encontrou no marxismo uma ferramenta para tornar realidade.
Dê o que você viu da religião.

-Claro. E foi por isso que decidi deixar a Psicologia e estudar marxismo,
mesmo que isso não tivesse futuro académico. Por isso não tenho diploma,
porque tive interesse em me dedicar ao que pudesse ser mais útil.

—Mas você é formado em Psicologia.

-Bom, sim; o único diploma universitário. Mas eu não tenho doutorado nem
nada...

—Você escolheu outro caminho, o caminho do marxismo. Agora, qual


marxismo?

—Lembro-me que uma das primeiras coisas que Althusser me disse foi que
havia duas formas de abordar o marxismo, digamos, porque o marxismo
não era um dogma. Uma, que era a grande corrente da moda da época na
Europa, baseada nos textos do jovem Marx, que começavam a aparecer
naquela época. Havia o humanismo, havia todo esse tema filosófico, que
alguns diziam ser uma forma de abrir o marxismo a outras correntes e que
Althusser criticava. Ele disse que o Cristianismo estava séculos à frente do
Marxismo em relação aos temas humanistas; que a questão não era a
filosofia do homem, mas sim encontrar os instrumentos que nos permitissem
construir uma sociedade diferente e corrigir os erros que a sociedade
soviética enviava como mensagens, ou seja, o socialismo soviético, e que
para isso não bastava , não. Fazia sentido ir às fontes do cristianismo, que
nesse caso os cristãos eram muito mais avançados.

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Lembro-me que uma das viagens que um grupo de chilenos que esteve na
Europa fez - tanto na Bélgica como em Paris - foi para conhecer a
experiência polaca. Lá conhecemos filósofos poloneses dedicados a estudar
Pierre Teilhard de Chardin (filósofo jesuíta) e Emmanuel Mounier (defendia
o pensamento comunitário personalista), etc. Entonces, cuando volvimos,
le cuento a Althusser, sorprendida, que los filósofos marxistas polacos
estaban dedicados a estudiar los mismos autores que yo, como católica,
había estado estu-diando recientemente, todos centrados en reflexiones
acerca del hom-bre y su papel en o mundo. Ele reagiu indignado; Ele me
disse que com essas abordagens cristãs não responderemos o que fazer.

para resolver os problemas que estão ocorrendo no socialismo real. E isso


para mim foi muito importante.

—O que ele sugeriu que deveria ser feito?

—Ele propôs voltar a Marx, mas não para estudar o que Marx propôs
explicitamente, porque há muitas coisas que estão no pensamento de Marx
que - devido ao contexto ideológico em que ocorreram - não são explícitas.
Sustentou então que devemos fazer uma espécie de “psicanálise do
marxismo”, descobrir os silêncios e construir os conceitos que Marx utilizou
em suas análises, mas que não foram construídos. Em outras palavras,
lendo, estudando o que Marx disse e o que ele não disse, pode-se construir
o que foi – e é – realmente o objeto do Capital.

O capital é uma obra inacabada de Marx; Ele estudou a lógica do capitalismo


e propôs que existe outra lógica do ponto de vista da classe trabalhadora,
sem a presença do capital, que se pode deduzir.

-Por exemplo?

—Lembro-me sempre do tema da alienação. Althusser não negou a


importância da alienação, mas disse que devemos saber por que o fenômeno
ocorre em cada um dos modos de produção, para encontrar uma forma de
superá-lo. Porque o conceito de alienação pode

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

servem para a escravidão, para o feudalismo, para o capitalismo, para o socialismo. É


preciso saber como ocorre a alienação em determinado regime socioeconômico, para
então buscar não só o diagnóstico, mas também a terapêutica.

—E com esse marxismo, digamos, você fica.

—Claro.

Identidade religiosa e marxismo

—E o que aconteceu com sua identidade religiosa e seu ateísmo?

—Esta foi a outra pergunta. Althusser falou de um marxismo que não era sinônimo de
ateísmo. Isso foi muito importante para mim porque quando comecei a me interessar pelo
marxismo eu era católico e frequentava diariamente a igreja próxima. Althusser me
conquistou porque me disse: “Marxismo não é o mesmo que ateísmo. Porque a ciência
da história
A ria, que é o marxismo, como toda ciência, não se pronuncia sobre a existência ou não
de Deus. Porque nenhuma ciência aborda a questão do ateísmo; Isso está fora do
domínio científico. “Você pode acreditar ou não e ter uma visão científica de uma
determinada realidade.” E isso me permitiu entrar no marxismo sem bloqueios.

Marx abriu um novo continente ao conhecimento científico: o continente da História. A

nova ciência fundada por Marx é uma ciência “materialista” como toda ciência e, por isso,
tem sido chamada de materialismo histórico. A palavra materialismo indica simplesmente
a atitude estrita do homem sábio em relação à realidade do seu objeto, o que lhe permite
compreender, como diria Engels, “a natureza sem qualquer adição externa”. Mas a
expressão “materialismo histórico” é, no entanto, um tanto estranha, uma vez que as
outras ciências não usam a palavra “materialismo” para se definirem como tais. Não se
fala, por exemplo, de materialismo químico, ou de materialismo físico. O termo
materialismo, utilizado por Marx para designar a nova ciência da história, visa estabelecer
uma linha de demarcação entre o

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Isabel Rauber

concepções idealistas anteriores e a nova concepção materialista, isto é,


científica, da história.

—Essa definição colocou você dentro do marxismo.

-Sim. Porque antes de conhecer Althusser li um pequeno livro de Georges


Politzer [filósofo húngaro] sobre o materialismo dialético, o que gerou em mim
grande rejeição e aumentou minhas apreensões como crente sobre o
materialismo marxista. Isso me impediu de me aproximar do marxismo por pelo
menos um ano. Porque pelo que entendi, o marxismo era materialismo, um
materialismo talvez mal compreendido por mim, mas que me alienou naquele
momento.

—A definição de Althusser do materialismo histórico como a ciência da história


abriu um espaço para você no marxismo, digamos...

-Claro. Para resumir este tema, prefiro citar aspectos de uma carta que ele me
escreveu em agosto de 1966:

“(...) o ateísmo é uma ideologia religiosa (ateísmo como sistema teórico) e por
isso o marxismo não é um ateísmo (neste sentido preciso) (...) o marxismo não
é um ateísmo no mesmo na medida em que a física moderna não é uma física
anti-aristotélica. Aristóteles pouco se preocupa com o mundo lunar e sublunar;
As categorias da física moderna não são definidas contra, isto é, a partir de ,
as categorias da física aristotélica (...) O marxismo trata a religião e o teísmo e
o ateísmo da mesma forma que a física moderna trata a física. constitui um
obstáculo teórico, combatendo-o ideológica e politicamente quando constitui
um obstáculo ideológico e político. Do ponto de vista teórico, o marxismo se
opõe a quaisquer pretensões teóricas da religião.

Teoricamente, o marxismo não é um ateísmo, é uma doutrina que, na medida


em que a religião existe como obstáculo, é obrigada a lutar contra ela. // É
preciso dizer isso porque é a verdade. Agora, existem leis para a luta teórica,
ideológica e política. Lutar não significa matar pessoas ou forçá-las a abandonar
as suas ideias.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Lutar também pode significar reconhecer o que certas ideias aberrantes escondem
como positivo (...) // Com as ideias há, portanto, uma luta incansável. Com o positivo
que as ideias indicam, ocultando-o, há amplas possibilidades de compreensão e
esclarecimento.”
[Harnecker, 1999: 20]

Além disso, Althusser disse-me: “Devemos dizer à Igreja Católica que o grande erro
que cometeu foi não ter compreendido a primeira revolução dos pobres no mundo;
Ele não entendeu, ele condenou. Mas há amplas possibilidades de compreensão e
esclarecimento.” Penso que, por pensar desta forma, Althusser foi muito bem
recebido pelos teólogos da libertação da nossa região. E por tudo isto digo sempre
que não seria quem sou sem o contacto, o diálogo, que tive nesses anos em Paris,
com Althusser. Ele foi meu grande professor e ainda acho que o que aprendi com
ele e com suas obras, fundamentalmente uma metodologia de leitura crítica, foi
fundamental para minha formação.

Marx, o que ele procura…

—Também foi importante descobrir uma busca em Marx. E as abordagens do


jesuíta francês Jean-Yves Calvez influenciaram muito isso.

—Você está se referindo ao livro O Pensamento de Karl Marx?

-Sim; amplamente lido naquela época. Aí Calvez disse que Marx estava procurando,
que ia para lá, para cá…. E me identifiquei com aquele ser humano que procurava
respostas.

-De que ano estamos falando?

—Estamos falando de 63, quando vou para a Europa; No primeiro ano, antes de
conhecer Althusser, li esse livro. Porque eu já estava interessado em aprender
sobre o marxismo, então nas minhas férias, além de passar o tempo fazendo
turismo, viajando de carona pelo Sul da França em direção à Itália, li aquele livro
sobre Marx. Foi importante para mim.

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II.
De Allende aos governos populares
de esquerda do século XXI

Salvador Allende Gossens conversa com Marta Entrevista com Marta (Chile, S/F)
Harnecker do Chile Hoy Weekly, nos
jardins da casa de Tomás More (1972)

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O governo de Salvador Allende

—Estou claro que você não tem predileção por falar sobre o período Allende,
talvez porque o tenha abordado em diversas ocasiões.13 Mas é importante dar
uma breve olhada no que ele significou e significa para os povos da Índia.
-América Afro-Latina e suas buscas pela independência
dença, soberania e justiça social. É importante também, hoje, conhecer as
vossas reflexões, carregadas das vossas experiências em Cuba e na Venezuela, em
outros três. Então proponho começar: Como você avalia hoje o Governo
Allende?

—No artigo publicado em 2003, referi-me a esse tema. E sugiro que comecemos
esta reflexão com o que expliquei ali sobre o Golpe, pois considero plenamente
válido:

Este golpe militar foi possível graças ao sucesso da contraofensiva


conservadora. Enquanto isto se fortalecia e as contradições no seio das forças
de esquerda que levantaram a candidatura de Allende se acirravam, uma parte
importante dos sectores médios, que inicialmente apoiaram o projecto popular,
distanciaram-se dele, preparando assim o terreno social e político. para o golpe
militar.

13 Elaborou um texto que serviu de apoio ao documentário de Patricio Guzmán, A


Batalha do Chile (1975), que posteriormente foi publicado em vários números da
revista chilena Encuentro XXI (1998) sob o título: A luta de um povo sem armas.
Os três anos de governo popular. Em seguida escreveu o artigo “Reflexões sobre
o governo Allende: estudando o passado para construir o futuro” para a revista
inglesa Historical Materialism: Research in Critical Marxist Theory, Vol.11, No.3,
(2003), recuperando fragmentos do livro La saiu no limiar do século XXI. Tornando
o impossível possível (1999).

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Concordo com Jorge Arrate, líder socialista chileno, que o projecto de Allende
era demasiado heterodoxo para o carácter ortodoxo da nossa esquerda, cujas
abordagens não correspondiam aos novos desafios que o país atravessava.

Por outro lado, embora a liderança da Unidade Popular e o próprio Presidente


Allende tivessem muito claro que o processo chileno só poderia ser consolidado
se contasse com o apoio dos militares - e, consistente com isso, foi feito um
grande esforço para conquistá-los para a causa popular - houve uma confiança
excessiva na tradição constitucionalista das forças armadas chilenas e não
foi feito trabalho suficiente na criação da sua própria força militar.

Mas há outra coisa que só vimos mais tarde, a partir das últimas experiências
vividas pelo socialismo: que este tipo de transição “pacífica” do capitalismo
para o socialismo - utilizando os recursos e possibilidades do poder dentro
de um sistema de democracia representativa - não foi uma forma viável de
levar a cabo o projeto socialista tal como vinha sendo aplicado até então no
mundo e que, portanto, era necessário repensar o socialismo que queriam
construir, desenvolvendo outro projeto mais adequado à realidade chilena. Foi
isso que Allende pareceu intuir ao usar a sua metáfora folclórica do socialismo
“com vinho tinto e empanadas”, que apontava para a construção de uma
sociedade socialista democrática enraizada nas tradições nacional-populares.
[2003:10]

—O que você achou daquele socialismo proposto por Allende? Obviamente


você a apoiou, mas você viu a perspectiva?

—Fiquei apaixonado pela experiência de Allende, principalmente por tê-la


vivido como jornalista. Porque o jornalismo num período de calma, num
período não revolucionário, não tem nada a ver com o jornalismo nesse
período de convulsão social, especialmente o jornalismo que coloca o
microfone nos atores sociais, no povo.

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Isabel Rauber

A grande discussão com o MIR foi então sobre o que poderia ser feito.
A questão de limitar as expropriações ou nacionalizações a empresas
estratégicas; Parecia óbvio para mim, mas eles insistiram em nacionalizar
os pequenos negócios...

Acho que a força de Allende foi compreender que tinha que avançar
respeitando as instituições, que a questão da democracia era
fundamental, que tínhamos que avançar com objectivos limitados mas
estratégicos. E para mim Allende estava muito mais à frente que os
partidos da Unidade Popular.

Admiro muito a Frente Ampla do Uruguai porque - ao contrário da


Unidade Popular, no Chile, que era uma frente política que reunia
diferentes partidos que apoiavam o governo -, a Frente Ampla no
Uruguai não apenas agregou partidos, com um espectro ainda maior que
a do Chile, mas ao mesmo tempo incluía dois terços de pessoas nos
comitês de base que não eram militantes de um partido, mas sim
militantes do projeto. Aí eu digo que são somas que se multiplicam,
diferentemente de somas que subtraem – como disse Kiva Maidanik
[1987]. Por exemplo, quando são trazidas pessoas que não concordam
com a estratégia, isso pode significar que, em vez de avançar, a unidade
é destruída. E depois teve aqueles partidos entristas, que entram para
destruir. Então eu digo, não se trata de unir todos, mas de ter uma
articulação comum, uma plataforma de luta, um programa.

No Chile o que aconteceu foi a soma dos militantes do partido.


Claro que houve apoio e simpatia por Allende nas ruas, mas
esporadicamente... E uma das grandes fraquezas foi que os Comités de
Unidade Popular, essenciais para a vitória de Allende, não receberam
uma tarefa. Os partidos dedicaram todos os seus quadros às novas
tarefas de governo, abandonando significativamente o seu trabalho no
movimento popular. Em vez de os Comités de Unidade Popular se
tornarem a grande organização de base de apoio do processo,
imediatamente após a vitória,

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Quem começou a fazer política foram os políticos e o povo ficou de fora. Os


comités de Unidade Popular nunca foram vitais neste período.

Allende não teve o apoio que precisava da frente política, a frente política
estava dividida, havia a estratégia comunista, a estratégia socialista... O MIR
estava lá fora, apoiava Allende, mas estava convencido de que a luta armada
estava chegando e por isso tentou irradiar -calizar, já que o confronto estava
chegando de qualquer maneira, quanto mais radical melhor, disseram. Então
esta é mais uma das reflexões sobre esse tema: Se você passa pela vida
institucional e tem um setor da esquerda que não entende a estratégia e a
tática, bom, é triste porque no fundo esse setor trabalha objetivamente
fortalecendo o inimigo e enfraquecendo o processo revolucionário.

—E o certo?

—A direita - sem nunca descartar um golpe militar - estabeleceu-se como


objectivo estratégico de desmantelar por todos os meios possíveis o bloco
de forças políticas e sociais que lhe conferia uma maioria parlamentar e que
lhe poderia permitir governar de forma transformadora através da legislação
existente. A principal força política em disputa foi o Partido Democrata Cristão
e a sua base de apoio social, fundamentalmente as classes médias e um
setor de trabalhadores e moradores de bairros marginais. O assassinato -
em 8 de junho de 1971 - de Pérez Zujovic ,14 ex-ministro do Interior do
governo democrata-cristão de Frei e homem muito influente dentro da DC,
levado a cabo por um grupo de ex-militantes de partidos de Unidade Popular,
serviu-lhe como uma luva para atingir esse objetivo. Este facto permitiu ao
sector Freista do DC recuperar a liderança dentro do partido.

14
Pérez Zujovic foi assassinado pelo grupo armado de extrema esquerda “Van-
guardia Organizada del Pueblo”, argumentando sua responsabilidade no
massacre de Puerto Montt, em 1969, no despejo de uma ocupação de terras, na
qual 11 moradores morreram nas mãos de Carabineros .

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Isabel Rauber

Por outro lado, devo dizer que durante o período de ofensiva das forças
revolucionárias, os limites do Estado burguês chileno e a sua legalidade
aparecem muito claramente. O excesso de centralismo impede a tomada
de iniciativas e decisões a nível regional. Sem recursos financeiros, todas
as iniciativas locais ficam no papel. O aparelho burocrático e os
diferentes órgãos do Estado dispõem de um corpo de funcionários que,
na sua maioria, não participa nos novos objectivos que o governo se
propõe. Allende só tem quadros de confiança nos níveis mais altos

A proposta constituinte

—Uma das grandes limitações que o governo Allende teve foi o quadro
institucional herdado. Embora o Presidente e a Unidade Popular tenham
sido claros sobre a necessidade de elaborar uma nova Constituição para
mudar as regras do jogo institucional e facilitar a transição pacífica do
socialismo - na verdade, o Presidente Allende deu aos partidos que
constituíam a unidade popular uma proposta de uma nova constituição,
em Setembro de 1972 -, nunca foi feito um apelo para a realização deste projecto.

—Mas fazia parte do debate ter um constituinte...

—Houve debate, claro, mas a proposta foi descartada devido à correlação


de forças. Estimou-se que a Unidade Popular ainda não contava com o
apoio eleitoral majoritário essencial para levar a cabo com sucesso um
processo constituinte.

Olhando para trás, considero que este foi, sem dúvida, o momento mais
oportuno para aprovar um referendo que permitisse convocar uma
Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição. Se
quiséssemos avançar por meios legais e pacíficos, era essencial mudar
as regras do jogo institucional.

—Você viu assim então?

—Naquele momento eu não via, mas agora vejo, por experiência própria.
Nessa altura também partilhei a opinião de que não

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Tivemos a correlação de forças para lançar uma assembleia constituinte


porque nenhuma das eleições nos deu a maioria absoluta, nem mesmo a
maioria. Na Câmara nunca chegamos a mais de 50%, então o risco de perder
inibiu a decisão de ir em direção a uma constituinte.

A grande questão que a história não consegue responder é o que teria


acontecido se a referida coligação política tivesse decidido flexibilizar as
suas forças e fazer um trabalho de casa em casa para conquistar a população
para o seu projecto.

Talvez tenha faltado audácia, a audácia que o presidente Chávez teve


quando a oposição convocou um referendo para derrubá-lo e ele concordou
em entrar em combate, embora naquela época as pesquisas lhe dessem
uma aceitação muito baixa. Ele aceita apesar de estar em condições
inferiores naquele momento, mas logo planeja como ganhar forças para
triunfar naquela disputa. Ele disse: “Eu vou para a batalha e crio as condições
para vencer”.

Éramos muito melhores que Chávez naquela época.


Se tivéssemos criado as condições, mobilizado o povo nos Comités de
Unidade Popular, talvez tivéssemos vencido. Mas limitamo-nos a aproveitar
as lacunas legais para - em cerca de cem dias de governo socialista - colocar
em funcionamento leis para as áreas da propriedade social e coisas do género.

O desafio de conquistar o Exército

—A outra coisa que tínhamos claro era que precisávamos conquistar o


Exército. Tem gente que acha que fomos ingênuos, mas estava claro que
tínhamos que trabalhar com o Exército e havia uma política quanto a isso,
eles ganharam quadros. Estava combinado que as indústrias do Estado
produziriam armas, tanques... Mas depois veio a direita e os militares
reacionários que viram todo este processo, decidiram aprovar uma lei,
invocando a Constituição, onde diziam que o único instituto armado que tem
o direito de ter

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Isabel Rauber

armas são as Forças Armadas. E assim, valendo-se da Constituição,


recolheram as armas que estavam nas indústrias do Estado. E sem
dúvida o ponto central da sua campanha foi a denúncia da existência de
grupos armados em detrimento das únicas forças armadas que deveriam
existir no país.

—E Pinochet?

—Ele esteve envolvido na defesa de Allende, tinha todas as informações.

Allende, o precursor do socialismo do século 21

—Qual o significado de Allende para a atual perspectiva socialista na


América Latina, tendo em conta a sua experiência na Venezuela...?

—Você sabe, Isabel, que considero que o projeto socialista de Allende


foi um precursor do socialismo do século XXI, cujo grande promotor foi o
presidente Chávez. Digo que o socialismo do século XXI começou no
século XX, com Allende.

Allende não foi apenas o primeiro presidente socialista democraticamente


eleito no mundo, mas foi o primeiro a procurar fazer avançar o socialismo
através de meios institucionais e o primeiro a compreender que para o
fazer tinha de se distanciar do modelo soviético.

Este socialismo não podia ser imposto de cima, tinha de ter o apoio da
maioria da população e tinha de estar enraizado nas tradições nacionais.

Infelizmente, como vos disse, o projecto de Allende era demasiado


heterodoxo para a esquerda chilena da época, que era demasiado
ortodoxa, com abordagens que não correspondiam aos novos desafios
que o país vivia.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—O que você quer dizer com “muito ortodoxo”?

"Vou dar alguns exemplos dessa ortodoxia:

Quando Allende falou da transição democrática para o socialismo, sectores


da esquerda pintaram nas paredes: Viva a ditadura do proletariado!

Quando Allende - tendo em conta que o eleitorado chileno estava


grosseiramente dividido em três terços: os conservadores, os democratas-
cristãos e a esquerda, com uma ligeira preponderância da esquerda -,
levantou a necessidade de contar com o apoio dos democratas-cristãos
para alcançar o apoio majoritário da população ao projeto, nossa esquerda
agiu de forma muito sectária confrontando os militantes daquele partido;
Nunca compreenderam a necessidade de se aliarem a forças que
classificavam como burguesas.

Quando Allende falou em conquistar setores da burguesia para o seu projeto,


uma parte importante da esquerda reafirmou que o inimigo era toda a
burguesia.

Quando Allende insistiu em consolidar o que tinha sido avançado a nível


económico: a nacionalização das grandes empresas estratégicas, sendo
muito claro sobre os limites do poder que tinha, sectores da esquerda
assumiram as pequenas empresas e pediram a sua nacionalização, exigindo
mais radicalismo ... para Allende.

Quando Allende lutava para alcançar uma direcção única para o processo,
os partidos mais fortes: o socialista e o comunista, tornaram públicas as suas
diferenças.

—Do que você me conta vem uma agenda de temas a serem elucidados na apresentação.
te... Como você analisa então o projeto de “socialismo do século XXI”
proposto na Venezuela?

—Muitos disseram a Chávez, como você vai tentar um caminho pacífico


quando já se provou inviável com o caso Allende? E Chávez respondeu:
“Esta é uma forma pacífica, mas armada”. Que está em

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Isabel Rauber

No caso da Venezuela, houve primeiro trabalho das Forças Armadas, o grupo


foram os militares do Movimento Revolucionário 200, grupo de Chávez, que se
prepararam para estas circunstâncias.
Primeiro pensaram numa insurreição e depois concordaram em seguir a via
institucional.

—Com armas nas mãos do Exército para defender o projeto.

—Claro, porque nesse caso não se tratava do povo armado, mas sim da
instituição armada.

O que Chávez disse parece-me fundamental. E é por isso que no meu livro Um
Novo Mundo para Construir, de que falávamos, um dos pontos que me proponho
abordar é como transformar as Forças Armadas. Porque com Forças Armadas
retrógradas não se pode fazer mudanças sociais avançadas. Bom, há toda uma
discussão sobre o que significam as novas constituições para as Forças
Armadas. As Forças Armadas, a sua vocação ou a sua missão digamos, é
defender a Constituição, se fizerem transformações constitucionais que agora
defendem os interesses do povo, daquelas forças que antes defendiam os
interesses da direita, hoje -pela Constituição-, deve defender os interesses
populares...

—Sim, é assim que deveria ser. Mas você tem que mudar a cabeça deles; Não
creio que seja automático... O caso da Venezuela é uma peculiaridade que
deveria ser mais conhecida.

—Na Venezuela, o treinamento militar bolivariano que tiveram os generais da


geração de Chávez foi muito importante. Há várias coisas que precisam ser
feitas.

—Além das transformações nas Forças Armadas, devem ser construídas forças
armadas populares? A respeito disso, você diz no livro premiado: “Em Cuba tem
sido fundamental – manter a tão
qualquer país que fica a apenas 145 quilômetros dos Estados Unidos – a
formação de milícias populares preparadas militarmente para defender
“retornar à pátria ao lado do exército permanente, em caso de ameaça externa”.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Isso ajuda, sem dúvida.

Álvaro García Linera, na entrevista que fiz com ele, deu uma série de ideias
– que coloquei naquele livro – sobre o conceito de defesa nacional na Bolívia,
que resgata as tradições da luta contra a Espanha. Ele diz: “Nossa única
opção para sobreviver ou resistir a uma possível invasão é ter uma ligação
forte entre a estrutura militar e a estrutura social”.

—É importante porque com todo o Exército Latino-Americano treinado na


Escola das Américas com o conceito de segurança nacional do Estaÿ
dois Estados Unidos, que tratam o povo como inimigo, é impossível. Ou seja,
o debate sobre as Forças Armadas deve ser incorporado à transformação da
América Latina. Seria isso uma conclusão, um ponto importante?

-Sim. Álvaro fala da simbiose entre o povo organizado e as Forças Armadas


porque isso é fundamental; explica como o exército espanhol foi triunfado por
comunidades organizadas com soldados patrióticos, lutando juntos.

—Sem dúvida um tema para refletir.15

Lições do governo Allende

para governos populares

—Analisando hoje os governos populares, progressistas e revolucionáriosÿ


rios... pela sua experiência com o governo Allende, quais seriam os aspectos
que lhe parecem mais importantes para resgatar como lições?

15 Quando tivemos esta conversa, o Golpe de Estado não havia ocorrido


na Bolívia; certamente isso teria modificado a análise. Mas embora seja
impossível atualizar as reflexões sobre este tema, apresento-o tal como foi
tratado por Marta Harnecker na época.

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Isabel Rauber

Ganhe a maioria

—Acredito que, com ou sem conhecimento da experiência de Allende,


muitas lições desse processo foram aplicadas. Primeiro, que o progresso
institucional é um progresso lento, que não se pode tomar o céu de assalto
num momento, como é o caso de uma insurreição onde o aparelho de
Estado é destruído; Devemos avançar com esta institucionalidade e para
isso necessitamos de um amplo apoio do maior número possível de
sectores sociais, tentando incorporar todos os sectores no movimento
transformador, excepto o grupo de elite que sempre se oporá, isto é, que
vai excluir-se. Não é que se vá excluí-los, mas sim que estão a começar a
boicotar o projecto.
Mas então, a amplitude da chamada é importante; Não é com um terço
do apoio que nós – do governo – vamos fazer as coisas. É ter a maioria
da população com o projeto, ou seja, temos que fazer uma política para
conquistar a maioria da população. É a ideia.

—A correlação de forças favoráveis às mudanças está na força que o


governo tem na população.

—É isso, digamos. E na conquista de setores que possam ter interesse


também. Logicamente, se vencer as eleições, provavelmente terá maioria
parlamentar. Mas não é através de acordos parlamentares que se
conseguirá conquistar a maioria, mas sim através da conquista de amplos
sectores. Depois das eleições, estes acordos serão expressos em
posições, mas o objectivo deve ser a conquista de sectores sociais. Um
dos erros que cometemos foi não compreender que nos Democratas-
Cristãos - que é um partido multiclassista e centrista - também havia
trabalhadores democratas-cristãos, setores que tinham de ser conquistados.

Trabalhar em conjunto com setores capitalistas

—Também é preciso assumir que temos que trabalhar com um setor


capitalista – e isso às vezes me é difícil de compreender. Você não pode
suprimir o capitalismo, pular a fase, digamos; você tem que ter

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

quadros de gestão socialistas e isso não se consegue de um dia para o


outro, é preciso prepará-los. E nessa preparação você tem que usar o
aprendizado de quem tem prática de produtividade e produção, etc., já feito
anteriormente. A questão do pluralismo, a questão do respeito às diferenças,
todas essas coisas...

Penso que a nossa esquerda e os nossos movimentos populares devem ter


presente o que aconteceu na experiência chilena para não repetir os
mesmos erros.

Temos de compreender que, para construir uma sociedade alternativa


essencialmente democrática ao capitalismo, temos de ser capazes de
conquistar os corações e as cabeças da maioria das pessoas; que a actual
crise do capitalismo faz com que cada vez mais sectores se sintam afectados.
Já não existem apenas condições objectivas, mas também condições
subjectivas para que cada vez mais pessoas compreendam que o capitalismo
não é a solução para os seus problemas diários.

—Isso também tem a ver com o tipo de organização política…

-Bem. É claro que digo que para construir esta sociedade socialista
democrática participativa é necessário um instrumento político que seja
capaz de o fazer.

Promover a organização popular

—Outra lição fundamental do processo chileno é a importância da organização


popular na base. Uma das nossas grandes fraquezas foi não entender isso.
Foi delegar a acção política aos políticos, ou melhor, o facto de os políticos
se apropriarem da política, e com isso os Comités de Unidade Popular – que
foram fundamentais para a vitória eleitoral de Allende – começaram a
enfraquecer.

O Che tinha isso muito claro, né?, em relação às instituições. Você tem que
ter muito claro qual é o principal inimigo e criar uma grande plataforma de
luta que una todos os setores que estão contra

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Isabel Rauber

esse principal inimigo. Fazer isso - que é básico em todo processo


revolucionário - é muito mais básico no caso do caminho pacífico, porque
você inicia um caminho, que é muito longo, com muitas fragilidades,
então, quanto mais fraco você for, mais você precisa criar um espaço ou
espectro de apoio muito amplo.

Não seja sectário. Construir uma ampla base de apoio social

—Éramos muito sectários com os trabalhadores. Em vez de chamar todos


os trabalhadores, se fossem democratas-cristãos, por exemplo, já não os
chamavam, ou os marginalizavam, ou os criticavam, etc.

Então aquele nosso sectarismo, mais o trabalho que a direita fez, mais a
correlação de forças no Congresso, onde a Unidade Popular tinha pouco
mais de um terço, a Democracia Cristã outro terço e a direita conservadora
outro terço, impediram o reforço das forças do governo. E o Partido
Democrata Cristão era liderado por Tomic, que era um quadro muito
progressista dos Democratas Cristãos.

A estratégia do inimigo sempre foi tentar separar-nos do sector democrata-


cristão. Quando o líder democrata-cristão Pérez Zujovic foi assassinado,
os setores conservadores dos democratas-cristãos começaram a ganhar
terreno porque disseram: “Olha, esta é a União Popular, eles matam os
nossos líderes”. Este foi o trabalho de um ultragrupo infiltrado e
incentivado a levar a cabo este acto, que significou o início do fim do
bloco político e social que deveria ter feito avançar o processo.

—A ultraesquerda tentou radicalizar e o que fez foi promover o direitismo.


Um pouco do mesmo de sempre...

-Claro. E esse é um dos perigos destes processos: começam a fabricar


documentos que você não escreveu; Eles começam a fazer com você
ações que você não fez, mas em vez disso você aparece com a camisa
vermelha, etc.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Mudando a cultura política da esquerda

—É necessária uma mudança na cultura política da esquerda…

-Sim. Como expressei ao receber o Prêmio Libertador de Pensamento Crítico


[2014]: Hoje é necessária uma cultura pluralista e tolerante, que coloque
acima o que une e deixe em segundo plano o que divide; que promove a
unidade em torno de valores como a solidariedade, o humanismo, o respeito
pelas diferenças, a defesa da natureza, rejeitando o desejo de lucro e as leis
do mercado como princípios norteadores da atividade humana.

Precisamos de uma esquerda que comece a perceber que a qualidade


radical não está em levantar os slogans mais radicais ou em levar a cabo as
ações mais radicais – que apenas alguns seguem porque assustam a maioria
– mas em ser capaz de criar espaços de encontro. luta por setores amplos;
porque perceber que somos muitos que estamos na mesma luta é o que nos
fortalece, é o que nos radicaliza.

Uma esquerda que entende que é preciso conquistar a hegemonia, ou seja,


que é preciso convencer em vez de impor.

Uma esquerda que entende que mais importante do que o que fizemos no
passado é que o façamos juntos no futuro para conquistar a nossa soberania
e construir uma sociedade que permita o pleno desenvolvimento do ser
humano: a sociedade socialista do século XXI. [Ver parágrafos 55 e 56]

Tenha uma estratégia única

—Por isso digo que outra das lições é a importância de ter uma estratégia
única para avançar.

—Quem deve ter uma estratégia única?

—A esquerda, ou seja, as forças que apoiam o processo devem ter uma


estratégia única.

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Isabel Rauber

—O que você entende por estratégia única?

—Bem, eu te digo. Você tem a estratégia de avançar por meios institucionais e


não por meios armados, ou seja, já existe uma definição estratégica aí.

—No caso de Allende, eles não tinham?

-Não. Por isso. E está acontecendo na Venezuela e está acontecendo no Equador


e não sei se na Bolívia há um setor da esquerda que não entende, de forma
alguma, esse trânsito pacífico. Primeiro, porque nos ensinaram - de alguma forma
participei nisso, não é? - que tínhamos que destruir o aparelho do Estado burguês
com armas. Mas não há reflexão sobre outros caminhos. Precisamente por causa
de Allende, comecei a procurar nos textos de Lenine, por exemplo, a sua
apreciação de evitar tanto quanto possível o confronto armado. Porque o confronto
armado não é algo que queremos, é algo que nos é imposto.

—Não é um princípio revolucionário…

-Não é.

-Claro. Mas naquela época houve uma grande confusão. Foi dito que revo-
Lucionário era quem tinha armas; quem não estava armado era o reformista.
O MIR, embora não fosse membro da Unidade Popular, apoiou Allenÿ
de, mas criticou-o, porque a sua proposta era a via armada.

-Claro. E foi na parte, como dizem, da segurança.

—Eram as duas únicas estratégias que vigoravam ou havia também outras...?

—Dentro da Unidade Popular, no último período esteve o grupo Altamirano, do


Partido Socialista, que entrou em choque com a estratégia do Partido Comunista.
Um dos grandes problemas que tivemos foi que não havia uma liderança sólida e
única na Unidade Popular...

—Mas houve discussão sobre a estratégia única?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Houve discussão, houve discussão... Mas não se consolidou uma posição única. Foi
um grande obstáculo.

Tenha propostas para o ambiente universitário

—Continuando sua reflexão, como o senhor analisa a relação do governo Allende com
a universidade hoje?

—Acho que cometemos um grande erro na universidade. Quando Allende chegou ao


governo tinha uma correlação de forças muito positiva na universidade, entre os jovens.
Mas em vez de trabalhar a questão universitária como tal, de ter propostas universitárias,
o que se fez foi politizar a federação estudantil: ou você estava com Allende ou você
estava contra. Ao invés de abordar assuntos como refeitório universitário, extensão
universitária. Em vez de abordar as questões da reforma universitária, ela começou a
ser politizada. E isso fez com que quem pegasse as bandeiras universitárias fosse o
certo, com essa ideia do apolítico, que quando você se sente manipulado politicamente
isso te afeta muito, aí a gente começou a perder as universidades e os estudantes.

Na verdade, no final do período Allende, a vanguarda da direita eram os estudantes,


onde tinham maioria.

—Naquela época a universidade era pública e gratuita no Chile?

—Foi público. A escola católica pagava alguma coisa, mas muito pouco, era subsidiada
pelo Estado. Não me lembro de pagar mensalidade.

—O atual sistema de pagamentos foi imposto por Pinochet…

—Claro.

Não distribua cargos públicos por cotas políticas

—Outro ensinamento que você deseja destacar?

—Outro dos grandes problemas que tivemos foi a questão das cotas. Em outras
palavras, cada partido dos seis que compunham a UP tinha

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Isabel Rauber

ter cobranças. Então dependendo da força que eles tinham, um partido ganhava um
ministro, outro o vice-ministro, outro, outro cargo... Eram cotas políticas.

-Bem. Mas esse critério permanece até hoje...

—Mas esse é outro dos grandes problemas. Porque então, em vez de o ministro
formar as suas equipes de trabalho, elas eram formadas por cotas.

—E então eles não podem trabalhar...

-Não. São convicções diferentes. Imagine na economia, uns querem que a área
social se consolide, outros querem avançar junto com o mercado...

Partes: fóruns públicos

—Acontece que às vezes entre a própria militância existe o medo de se dividir caso
entrem em discussão, e então tendem a calar-se e colocar raios na roda, arrastando
as diferenças.

—Gostaria de lembrar a crítica de Althusser à forma partidária, quando critica o


Partido Comunista Francês. Não sei se você leu aquele texto onde ele diz que na

estrutura dos partidos, principalmente dos partidos comunistas ou maoístas, você


poderia argumentar, mas na sua cela; Quem coletou, organizou e sintetizou as ideias
foi o bureau político; não houve troca entre militantes de células diferentes.

Esse não era o caso no Partido Socialista naquela época. O Partido Socialista tinha
fóruns públicos. Agora penso que é fundamental haver fóruns públicos de debate
sobre as principais estratégias e linhas de ação. Fóruns públicos não só para debate
entre a esquerda, mas para debate com os intelectuais, para debate com a oposição...

—Abrir...

—Abra o debate. E como disse um prefeito que entrevistei: “Temos que partir do
princípio de que não temos toda a verdade;

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Outros também podem ter parte da verdade, podemos estar errados. Você tem que
começar a partir disso.

-Muito complicado.

—Claro que é complicado, sim.

—Todo mundo sente que está certo, certo? Temos que mudar isso, mas temos que
mudar completamente. Ou seja, a estratégia única não significa
É importante que todos pensem igual, que se busque um partido único, era isso que
eu queria te perguntar.

—Precisamente esta questão volta a ser levantada no caso da Venezuela.


Chávez não usou a palavra instrumento político, mas ensina que: “Um instrumento
político que apoia este processo, que não está dividido, como no caso de Allende,
ou como no caso da Frente Ampla; Vejam as contradições que Tabaré tem na
Frente Ampla, vejam o que Allende sofreu, ele me diz. "Vamos formar um partido
único." Então eu digo: por que não uma frente política? Ele diz: “Não; O que eu
preciso é de algo único. Não podemos estar aí com visões diferentes perdendo meu
tempo, uns pensando uma coisa, outros outra”.

—Foi quando ele quis formar o PSUV?

-Sim; quando pensa na ideia do PSUV. Mas o que aconteceu na prática? Primeiro,
a unidade não se decreta, a unidade se constrói.
E o que ele fez: colocou no mesmo saco o povo da Quinta República, gente de
outras organizações políticas, como o Pátria para Todos, e os comunistas, não
todos porque o partido ficou de fora.

—Mas ele exigiu a dissolução de todas as organizações.

-Por isso te digo. As pessoas que entraram deixaram de ser o que eram antes; Não
era uma frente, mas um partido único.

—Alguns partidos não aceitaram.

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Isabel Rauber

—O Partido Comunista não aceitou, nem o Pátria para Todos, então


dividiram, ou seja, entrou quem queria estar lá, mas o partido ficou de
fora. O que aconteceu então dentro do PSUV? Que surgiram as mesmas
contradições que existiam lá fora.

—Em outras palavras, eles tinham os mesmos problemas por dentro...

-Claro. Porque não basta dar-lhe um título e dizer: partido único.


Na verdade existem correntes, existem tendências... Uma corrente que
me parece muito interessante é a Corrente Revolucionária Bolívar y
Zamora, um grupo de militantes que tem a sua estrutura, que tem as
suas publicações, a sua linha de ação; São eles que têm o trabalho
mais orgânico na base camponesa. Lembro que fui com Iturriza,
justamente, a um evento das comunas que eles organizaram; Havia
muitas comunas. Depois cantaram o hino nacional, o hino do PSUV e o
hino deles.

É lógico que num partido existam tendências porque é lógico que existam
contradições, que existam afinidades, etc. Mas é diferente ter tendência
do que ter fração, porque a fração tem uma disciplina própria... Eu
realmente acho que nesse caso, essa corrente que eu te falo é realmente,
diríamos, uma fração.

—Uma organização dentro da organização?

-Claro. Por isso admiro tanto a Frente Ampla do Uruguai, porque as


organizações se mantêm. Primeiro, a maioria da militância não é
partidária, tem os da frente, os da base, os que simpatizam com o
projeto; segundo, porque souberam dizer: bem, vejam, estes são os
pontos essenciais que todos nós nesta frente temos de aceitar e ser
disciplinados para cumprir, alguns pontos de acordo geral.

Existem esses outros pontos onde podemos ter uma diferença. E é por
isso que há fortes discussões na Frente Ampla, mas também é por isso
que não estão divididas, porque há uma cultura de debate, porque há
aceitação de que, entrando na frente, é preciso aceitar

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

certas questões fundamentais e sobre muitos outros temas você pode ter outras
posições, discutir, ganhar ou perder, etc.

—É o único exemplo na América Latina.

—O único que foi preservado, até onde eu sei.

—Porque a lógica de formação do PT brasileiro foi diferente.

-Não Claro. A lógica do PT é de partido... Na Frente Ampla são organizações


políticas...

—O PT, na verdade, organiza a forma renovada do partido com esta diversão.


diversidade de tendências por dentro, mas mantém a forma de festa.

-Sim. É a forma partidária com tendências estruturadas.

—E a Frente Ampla está um pouco mais próxima de ter diversidade artística.


calculada em torno de uma estratégia única e comum, mas não seria equivalente
atingir uma única parte.

-Claro. O que estou dizendo é que você pode ter um partido único muito pouco
unido, no qual eles se despediram, etc.

—Ou seja, você não está se referindo a um partido único, mas a uma estratégia
unificada...

—Na verdade, foi o que aconteceu com o Pólo Patriótico, na Venezuela.

Quando Chávez percebeu que havia gente de fora que poderia contribuir, ele
apelou a todos, retomando de certa forma a ideia de Martí do partido dos patriotas
cubanos.

—Então o problema da América Latina seria, seguindo a sua reflexão, construir


uma estratégia única, cujo objetivo não seria construir um partido único, mas sim
uma liderança única do processo. Seria essa a síntese?

-Sim. E é por isso que surge o conceito de instrumento político e não de partido.
Porque nos permite pensar como fazer em cada realidade nacional, se é uma
frente, se é um movimento partidário... teremos que pensar em cada caso.

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Isabel Rauber

Ser audazes

—Faltaria o tema da audácia…

-Sim. Devemos compreender que a arte da política é construir forças sociais, isso
é fundamental. Porque se você acredita que a arte da política é construir alianças
populares, isso é uma coisa, e se você acredita que as forças sociais devem ser
construídas, isso é outra. Portanto, se há tarefas fundamentais a realizar,
devemos ver como se cria a força social para poder realizá-las. E não estou
dizendo: não tenho forças, vou embora. Não. A questão é: se eu não tenho força,
tenho que descobrir como ganhar força para poder fazer isso.

—E outra coisa é ter cuidado porque há atitudes políticas que são mais para
subtrair bases sociais do que para adicioná-las.

-Isso é interessante; Eu não pensei sobre isso. Conhecemos o caso do Equador


porque estivemos lá e sabemos que nos anos 90 existia um potencial social
fundamental que impedia a privatização de muitos setores da economia. Quando
começo a estudar e a colocar no meu livro o que foi feito em relação às
nacionalizações, percebo que na Bolívia e na Venezuela as empresas privatizadas
foram nacionalizadas ou renacionalizadas, mas não no Equador. E eu digo: que
estranho. E lá não foram privatizados, fundamentalmente, por causa da resistência
indígena.

O governo de Correa não surgiu em tempos de ascensão do movimento social,


mas a memória da luta está presente e a simpatia que desperta também está
presente. A simpatia por Chávez que existia em todos os setores médios, que
viam o fracasso do Estado existente, a corrupção, etc., teve muito a ver com isso.
e eles queriam algo novo. Mas claro, o grande problema é que, no caso do
Equador, o presidente pensa mais em simpatias, ou seja, em ganhar o voto, e não
em ganhar na organização social.

—Talvez você não tenha considerado a ancoragem social do seu governo como
uma força chave para sustentar e promover o processo...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Ele tentou dar lugar ao movimento indígena colocando um vice-presidente


indígena... Recentemente, com a tentativa da nova central sindical, parece que ele
tem claro que tem que organizar os trabalhadores. O que você faz quando existe
uma organização que tem uma grande tradição de luta em determinados setores,
como os professores, e que tem uma visão completamente inadequada do que
precisa ser feito? Você tem que enfrentar isso. Como você lida?

—Existem formas e métodos de enfrentamento das diferenças, do debate político,


por exemplo, outro é a desqualificação e a exclusão...

—Bem, resolver isso é um desafio.

Não se acomodando ao poder

—A esquerda que chega ao Governo, em muitos casos, tem representantesÿ


aqueles que abandonam a posição de “governar para mudar” e se adaptam ao que
está estabelecido, ao poder burguês…

—E às vantagens.

—Seria um pouco parecido com o que aconteceu no Brasil com o PT?

-Bom, sim. Eu acho que essas possibilidades que os deputados têm de ter
apartamentos alugados pelo partido, de receberem ingressos, de se cercarem de
assessores... tudo isso é um padrão de vida. Você é um representante e seu
padrão de vida muda. É aí que entra a questão do núcleo básico que digo. Se você
não tem uma estrutura em que sua militância esteja dentro de um grupo que sirva
de consciência crítica, você fica tonto e confunde o coletivo com o individual.

—Você acha que isso foi o fundamental do Brasil ou uma decisão política de não
apostar em uma transformação mais radical?

—Quando escrevi o livro do PT, aquela festa era muito diferente.

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Isabel Rauber

Manter um padrão de vida modesto

—Acho que a mudança de status tem impacto porque uma vez que eles
vestem terno, têm três celulares, uma secretária e um veículo, mesmo que
tenham o mesmo salário, a hierarquia social muda e não parece que seja
assim , mas tem peso Marta...

—Quando falo em cooptações é nesse sentido.

Uma coisa que tem me preocupado muito, por exemplo, é o padrão de vida
que tinham os comandantes salvadorenhos e nicaragüenses.
Eles vão para outros países e é tudo hotel de alto padrão, luxo... nada a ver
com a origem social e o comprometimento que eles têm... Alguém me contou
hoje que um vietnamita chegou ao Equador e não aceitou o hotel luxuoso e
Ele foi para a casa de um conhecido. Estávamos na Embaixada do Vietnã e
era uma sede modesta.

—É apenas mais uma cultura, mais um compromisso...

—Pode ser por isso.

Promova a organização popular abaixo:


Chile e Venezuela

—Chávez compreendeu a importância de construir o poder popular.


lar vindo de baixo e a organização popular pensava dessa forma.

—Chávez entendeu a questão da organização popular abaixo, é claro.


O que não foi feito na Unidade Popular, no Chile? Entenda que a força do
processo está nas pessoas organizadas, abaixo. Isso não esteve presente
nos jogos; Pensamos sempre na ação e organização política focada na
questão das correlações de forças, números de deputados, papéis e aparatos.

—Você diz isso por experiência própria, naquele momento eu concebi.


ção foi outra…

—Acho que houve uma certa consciência. Porque lembre-se que nós da
revista Chile Hoy promovemos a organização popular, o

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

os cordões industriais, os conselhos, essas ideias que o MIR lançou. Nós


concordamos com essas ideias; Não concordamos com a tomada das
fábricas, mas concordamos com a organização do povo.

—Sim, mas a concepção de Chávez é mais evoluída, é pensar a construção


a partir da participação do povo.

-Bem. Porque Chávez disse que o problema da pobreza não pode ser
resolvido sem organizar os pobres, sem dar poder ao povo, aos pobres. E
isso é especificado em instituições, como os conselhos comunitários. Isso,
é claro, não estava em nenhum dos nossos esquemas.

Outras questões a serem levadas em conta pelos governos

popular e de esquerda

Democracia

—A importância da luta institucional, ou seja, da questão da democracia –


isso é muito importante. Não identifique tudo com a democracia burguesa.
Porque rejeitamos a democracia porque é burguesa, então havia os
revolucionários e a social-democracia; Eles eram os democratas e nós
éramos os revolucionários. Lembro-me de Schafik, um dos que mais insistiu
nesta questão: Não temos que entregar a bandeira da democracia à direita.

Paz

—E na questão da paz, o mesmo. Entenda que os revolucionários querem a


paz, que a questão da paz é nossa, que a violência é imposta pelo inimigo...

—Isso tem muito a ver com Schafik, com a história, com o fato de terem sido
obrigados a ir para a guerrilha por causa dos massacres nas áreas urbanas.

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Isabel Rauber

-Claro. Não foi uma eleição, ao contrário do que aconteceu na Bolívia,


quando jovens entusiasmados com Che foram para a selva...

Formas de luta

—Um dos títulos dos seus livros diz: “Combinando todas as formas de luta”
(1988), você afirma isso?

—Tiro o título do livro do que disse o Vieira, que era a posição do Partido
Comunista. Ele disse:

“Não fazemos muita diferença entre tática e estratégia...


Consideramos que a táctica conduz à estratégia... Em todo o caso, essa é
a nossa política, a nossa orientação. O que significava essa política, essa
orientação, em 1950? Assim que começou a luta armada, uma série de
camaradas disse-nos: aqui não há outro caminho senão a luta armada: esse
é o único caminho... O partido discutiu muito sobre este assunto e afirmou
que a luta armada era boa, que Estávamos a favor e nele, mas não tínhamos
que abandonar outras formas de luta, que não podíamos desprezar a luta
de massas, que tínhamos que nos envolver na luta sindical, por maior que
fosse a perseguição...
Assim, a combinação de formas de luta consistiu em aceitar a inevitabilidade
da luta armada, mas, ao mesmo tempo, participar em todas as formas de
luta.” [1988:32]

—Mas você não tirou essa conclusão...

-Não. Lenine foi mal interpretado - penso eu - porque uma coisa é preparar-
se para todas as formas de luta, que continuo a defender, e outra coisa é
combinar simultaneamente o legal e o clandestino. Houve uma confusão aí.

Em alguns casos, estas declarações permitiram acalmar o nervosismo de


sectores internos inclinados para a luta armada, mas não foram muito mais
longe. Outros partidos propuseram e praticaram a combinação simultânea
de todas as formas de luta. Nestas experiências surgiram problemas graves
que devem ser levados em conta.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Lembrei-me do que você propôs sobre as formas de luta em seu livro


“Vanguardas e crise atual” (1990). Você disse então: “Parece-nos muito difícil –
exceto em condições excepcionais de colapso do poder inimigo – para um partido
legal levar a cabo uma luta eleita ao mesmo tempo.
toral no campo eleitoral e outro no militar.

“O exército inimigo acusa o partido ou a frente de massas pelas mortes causadas


pela guerrilha ou pelo braço armado do partido. Foi o que aconteceu, por exemplo,
na Colômbia, onde membros do Co-Partido
As frentes de massas comunistas ou mais radicalizadas pagam com as suas vidas
pelos resultados das acções de guerrilha.

“Bernardo Jaramillo acredita que a tese da combinação de todas as formas


mais de luta: “é correto no sentido macropolítico, mas não no sentido de que um
partido esteja em condições de fazê-lo, pelo menos na realidade da Colômbia onde
foi demonstrado que não existem condições para isso. “Estou falando com vocês
sobre a Colômbia”, insiste ele, “porque as coisas podem acontecer de forma
diferente em outro país. Está provado que um partido político tem que se definir e
se se define pela luta armada, tem que se transformar
mediatamente em um partido em guerra. Eu sei, um partido que está na luta
armada não vai se dedicar apenas à luta armada, também tem que tomar medidas
políticas; mas você tem que fazer isso de outra maneira. Não pode ser que um
partido legal, que está inscrito no registo eleitoral e declara publicamente que vai
participar nas eleições, mantenha, ao mesmo tempo, que tem 500 homens que
vão emboscar o exército e a polícia , aquele mesmo exército e polícia com os
quais tem que trabalhar na legalidade diária.
Isso é completamente absurdo. Além disso, esta não é uma análise subjetiva, é o
que demonstraram os acontecimentos com o Partido Comunista da Colômbia. E
eles continuam demonstrando isso diariamente. Esta política, embora tenha
permitido manter um grande partido em regiões agrárias, muitas vezes isoladas
dos acontecimentos nacionais, e em algumas regiões importantes mas não
decisivas na correlação de forças a nível nacional, determinou
“Também é improvável que a nossa influência nas grandes cidades seja mínima.”
“Uma única organização não pode combinar todas as formas de luta hoje na
Colômbia, deve haver coordenação, mas não para o mesmo

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Isabel Rauber

organização os assume. Procurar uma variante não significa renunciar à acção armada,
num momento específico e sob condições específicas, nem renunciar à acção política
quando esta coincide com uma organização armada, nem renunciar a uma frente de
massas.

“'É impossível, na minha opinião, e digo-vos isto pela nossa própria experiência, que
possam marchar sob a mesma perspectiva política e como um todo: um movimento
armado, um partido político e uma frente ampla. Eu não acredito nisso.'” [1990: 36]

Em outras palavras, as reflexões de Jaramillo mudaram a sua visão sobre a comunidade.


combinação de todas as formas de luta, refiro-me especificamente ao paralelismo entre
meios clandestinos e legais.

—Jaramillo expressou um ponto que provavelmente também percebi na época, mas o


formulou com clareza.

Importância dos setores médios

—Uma questão que está entre as questões importantes da América Latina é aquela
relacionada aos setores médios, às classes médias.

—Isso é fundamental. No livro: A Esquerda depois de Seattle


(2002), proponho a necessidade estratégica de articular a esquerda partidária com a
esquerda social, para formar a partir dela um amplo bloco social de oposição ao
neoliberalismo, ou seja, formar uma grande plataforma onde todos, inclusive setores da
burocracia, possam entrar.-adivinhar, para colaborar no processo de produção e serviço
em relação a um programa. Por outras palavras, não se trata de formar uma coligação
entre um sector e os outros sectores. Temos um programa e temos que ver como
incluímos os setores médios no nosso programa.

—Alguns esquerdistas não entendem isso.

-Não. E é por isso que para mim o tema do planeamento participativo é tão importante,
porque é um método que permite incluir aqueles que querem ser incluídos num projecto
de análise do que vamos fazer e como vamos fazê-los. .

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Não seria estranho então que numa sociedade que avança para o socialismo
víssemos um sector burguês que nos primeiros momentos fica mais rico –
porque fica mais rico. Deve ser temporário, até que sejam criadas instituições
comunitárias e grandes empresas estratégicas no novo modelo. Mas isto não
pode ser alcançado da noite para o dia.
outro.

Depois há a questão da educação, da preparação dos quadros destes


processos. Não existe varinha mágica, basta chegar ao governo e pronto. É
necessária uma mudança cultural e uma preparação.

É necessário um processo educacional. Nas minhas palavras ao receber o


prémio, digo que há alguns técnicos que, precisamente porque a participação
dos trabalhadores não pode ser alcançada de imediato, dizem: “Isso não
pode ser feito, não temos as pessoas preparadas”.

Mas a ideia é: “Não temos pessoas preparadas, mas podemos prepará-las,


e uma das formas mais importantes de preparação é a prática, ou seja,
ensiná-las a começar aos poucos a assumir a responsabilidade pela
empresa”. . É um processo. É por isso que é tão importante que quem dirige
a empresa, o gestor socialista, o gestor do novo projecto, seja uma pessoa
de absoluta confiança dos trabalhadores, que os trabalhadores possam falar.

É por isso que o fracasso das empresas nas mãos dos trabalhadores na
Venezuela. A gerência não respondeu. Os trabalhadores estavam dispostos,
mas precisavam de uma equipe para colaborar e não foi o caso.

—Isso está relacionado à transição. Qual é a sua reflexão sobre isso?


Porque nos anos 60, 70... você apostava na tomada do poder.

—Antes de Allende… eu via a necessidade da destruição do Estado burguês,


sim.

—Mas bem, houve uma mudança nisso da sua parte...

-Sim. Primeiro, pela prática de Allende, ou seja, ver que as coisas podem
ser feitas a partir do governo. E então tentando entender como ele viu

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Isabel Rauber

Marx a questão do Estado na Comuna de Paris, certo? Lá encontro algo


que foi fundamental para mim, há cerca de dez anos ou menos. Lê-se a
Comuna de Paris e olha-se para essa parte da destruição do aparelho de
Estado, mas Marx fala aí que o aparelho burocrático centralizado deve ser
destruído e transformado em comunas, ou seja, algo descentralizado. Mas
isso não significa que deva ser destruído com armas. Acho que o Estado
pode ser transformado, para que acabe desaparecendo, digamos, e se
estabeleça um novo Estado a partir de baixo. Acredito que isso pode ser
feito desde que haja quadros revolucionários no governo.

—É um cenário com grandes contradições…

—Um dos grandes problemas que estes governos de esquerda ou


progressistas têm é que a esquerda não entende a questão da transição, a
esquerda marxista-leninista, digamos, está a pensar que desde que ganhou
as eleições já tem a força de a maioria.

Passo para outro tema, mas acredito que a consequência democrática é


fundamental para os governantes. Por outras palavras, se seguirmos o
caminho pacífico, o caminho institucional, temos de respeitar as regras do
jogo institucional e temos de criar novas regras.

—Respeite, mas também, ao mesmo tempo, mude-os.

—Claro, com as novas constituições.

Eu diria que um passo decisivo para demarcar os governos que são,


digamos, pela verdadeira construção do socialismo do século XXI, dos
progressistas, não é tanto que o neoliberalismo seja eliminado de um dia
para o outro, mas que eles têm muito claro que têm que criar a correlação
de forças favorável para formar a assembleia constituinte.
Para mim a montagem é básica.

Correlação de forças, importância de levar isso em consideração

—Por que não realizamos uma assembleia constituinte no Chile? Acho


que foi porque nas votações nunca chegamos aos 50%, não tivemos

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

maioria suficiente para vencer. É aí que reside a diferença entre Chávez e


Allende, ou seja, a Unidade Popular. No caso da Venezuela eu diria que é
Chávez, no caso do Chile havia líderes políticos que discutiam como avançar.
Acredito que não houve audácia no Chile porque nunca pensaram no que
deveríamos fazer para mudar a correlação de forças. Ou seja, era preciso
estruturar uma estratégia unificada para ter a força necessária para ter sucesso,
mas isso não foi feito.

—A assembleia constituinte não era vista ali como um caminho estratégico para
a transformação.

—Não, as pessoas sabiam que era bom fazer isso, mas não estava no centro
do debate.

É importante deixar claro que não se pode propor uma constituinte se não
quisermos vencê-la. Porque seria muito mais perigoso fazer uma constituição
atrasada. Assim, no Chile a análise foi: Queremos, mas não temos forças. Daí
o título do livro Making the Impossible Possible (1999).

—“A esquerda, se quiser sê-lo”, você diz naquele livro, “não pode definir a
política como a arte do possível. A Realpolitik deve ser combatida por uma
política que, embora permaneça realista sem negar a realidade, crie as condições
para transformá-la.” E mais tarde você afirma: “Para a esquerda, a política deve
consistir, então, na arte de descobrir o potencial que existe na situação concreta
de hoje para tornar possível amanhã o que parece impossível no presente. Trata-
se de construir uma correlação de forças favoráveis ao movimento popular, a
partir daquilo que, dentro das suas fraquezas, constitui as suas forças.” [1999:
242-243]

—O que quero enfatizar é que a esquerda deve incorporar na sua visão política
que se não pode fazer as coisas hoje, poderá fazê-las amanhã se criar as
forças necessárias. E criar as forças políticas necessárias não significa ter
posições de topo, ter muitos parlamentares, ter muitos governadores, prefeitos,
etc., significa fundamentalmente

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Isabel Rauber

construir uma força abaixo que permita ao governante ter uma base social
que apoie o processo e até dissuada o inimigo.

—No caso de Allende, a presença de setores importantes também interveio.


à esquerda, que em vez de aprofundar a democracia propunha
Planejaram a tomada do poder e depois não acreditaram na assembleia constituinte.

—Esse é outro dos grandes problemas destes governos que se movem por
meios institucionais ou pacíficos: requerem uma grande maioria nacional e
muitas vezes alguns setores da esquerda não compreendem a complexidade
das transições, por isso quebram a estratégia, por exemplo Por exemplo,
uma aliança com setores médios e com setores da burguesia que poderiam
colaborar produzindo insumos que a população necessita. Quando o MIR
assumiu o controlo das pequenas indústrias, estava a quebrar a estratégia
de Allende e isso enfraqueceu a estratégia de trânsito pacífico. Ou seja, não
é só a direita, mas também a esquerda, esses setores que não entendem, e
os intelectuais que não são capazes de avaliar... Porque há fragilidades em
todos esses processos, fragilidades enormes, mas temos que veja quais
são os pontos fortes e como apoiá-los para crescer.

—O que você diz é uma grande fraqueza agora também.

-Sim pois. E digo que também deveria fazer parte das estratégias de unidade
da esquerda. Anteriormente, os problemas da esquerda eram que cada um
demonstrasse quem era o “mais revolucionário”: que se é isto, que se é
aquilo. Mas se eles se dedicarem a analisar a situação e agir sobre a
situação, será muito mais fácil chegar a um acordo.

—Menos ideológico e mais político.

—Claro.

Cultura herdada, uma limitação dos governos


populares

—Essa é uma das questões. Quando surgem governos populares, o cenário

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

as mudanças e os movimentos populares têm que dialogar com o Estado, mas não
sabem como fazê-lo porque sempre viram o Estado como inimigo.
meu amigo Então há também uma prática para modificar, tanto nos movimentos
quanto naqueles que assumem o governo...

-Claro. Falo da cultura herdada como um dos grandes problemas destes governos.
No livro Um novo mundo para construir
Abordo todas as limitações dos governos, entre elas, a cultura herdada e digo que
a cultura herdada não é só a cabeça do povo, o povo, que é consumista... Os
líderes também são afetados pela cultura herdada. Por isso é muito importante a
crítica e também a pressão popular. Então eu digo: temos que fazer uma pedagogia
dos limites. Por outras palavras, os governos entendem que as pessoas não são
crianças. Se você explica por que certas coisas não podem ser feitas, você entende
e modera suas demandas, mas tem que convencer as pessoas, explicar isso a elas.

—Sim, e ouça também...

-Claro. É por isso que insisto que a cultura herdada também permeie os líderes.

Escrevi um artigo: “Qual o papel dos movimentos sociais e dos governos?” No


artigo falo que é preciso entender os papéis de cada um.

– Aqui está. Abaixo reviso sua proposta sintética:

“Acho que tendo apresentado essas reflexões vocês poderão entender melhor os
pontos que farei a seguir sobre a relação que, na minha opinião, deveria existir
entre governos e movimentos progressistas.
tosse social.

“Acredito que uma nova relação deve ser estabelecida entre eles. A partida
Os governos não devem esquecer que por trás deles existe toda uma história de
lutas sociais sem as quais a sua vitória não teria sido possível. O Mo-
os movimentos devem compreender que estes governos já não são os inimigos do
passado, mas que podem ser os seus aliados mais eficazes na luta pela

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Isabel Rauber

conquistar seus direitos e realizar suas aspirações. Portanto, enquanto ambas as


partes prosseguirem uma profunda transformação da sociedade actual,
na verdade, a relação que deve ser estabelecida entre eles deve ser uma relação
de colaboração mútua.

“Mas, para que essa relação seja frutífera, vários teriam que ser considerados.
coisas:

“Em primeiro lugar, os líderes sociais não devem esquecer que apenas uma parte
do poder político foi alcançado e que devido a esta correlação de forças, que
inicialmente favorece as forças conservadoras, os processos de mudança são
muito lentos e as reivindicações populares não existem. pode ser resolvido de um
dia para o outro.

“Em segundo lugar, os nossos governos devem tentar explicar à cidade


Dadania e, especialmente, aos líderes sociais, os limites dentro dos quais podem
atuar, e o nosso povo deve armar-se de paciência.

“Em terceiro lugar, a colaboração que deve ser estabelecida entre ambas as
partes não pode significar uma perda de autonomia dos resÿ
respeito ao governo. Os primeiros não devem tornar-se apêndices dos segundos,
mas sim - apoiando o processo de mudança e sentindo-se correspondente -
responsável por isso – deve ser capaz de criticar os erros que possam ser
cometidos ao longo do caminho, desde que essa crítica ajude a corrigi-los
colocando medidas para corrigi-los. E só se as possibilidades de diálogo se
esgotarem e eles não forem ouvidos é que deverão procurar outras formas de
fazer ouvir a sua voz em defesa do processo de mudança.

“Em quarto lugar, os líderes sociais devem superar aquela cultura de se opor a
tudo o que vem do governo no poder e de usar o nome “governo” ou “governista”
para descrever os líderes que apoiam esses governos no seu esforço para
transformar a sociedade. Caso isso não seja superado, ocorrerá um distanciamento
crescente entre esses líderes e suas bases sociais, pois eles passam a perceber
no seu cotidiano os efeitos positivos das políticas governamentais em favor do
povo e não compreendem a atitude oposicionista de seus líderes. .

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

“Quinto, os nossos governos devem ter em conta a cultura herdada e devem


ser muito flexíveis e pacientes no trabalho conjunto.”
com os líderes sociais, distinguindo muito bem entre aqueles que deliberadamente
usam a sua influência nas suas bases para prevenir transgressões
formação social e aqueles que estão em posições erradas por falta de informação
ou pelo peso que os hábitos passados têm sobre eles”.
[Em: https:// www.cetri.be/ Los-movimientos-sociales-y-sus?lang=fr]

-Sim. E também digo isso no livro premiado. Você leu a apresentação que fiz
do livro na Venezuela quando recebi o prêmio?

-Claro. Mas vamos lembrar também dessa parte aqui: "...o progresso tende a
ser muito lento e diante dessa situação, muita gente da esquerda desanima,
porque muitos pensaram que a conquista do governo seria a varinha mágica
para rapidamente resolver os problemas mais sentidos pelas pessoas." As
pessoas, quando essas soluções não chegam tão rapidamente quanto o
esperado, tendem a ficar desiludidas.

“É por isso que penso que, da mesma forma que os nossos dirigentes
revolucionários devem utilizar o Estado para mudar a correlação de forças
herdada, também devem realizar um trabalho pedagógico face aos limites ou
travões que encontram no seu caminho— o que chamamos de pedagogia dos
limites. Muitas vezes se acredita que falar das dificuldades ao povo é
desencorajá-lo, quando, ao contrário, se os setores populares
Eles são informados, é explicado porque os objetivos desejados não podem ser
alcançados de imediato, isso os ajuda a compreender melhor o processo em
que vivem e a moderar suas demandas. E os intelectuais também devem ser

alimentados com informações para que possam defender o processo e para


que possam fazer críticas sérias e construtivas, se necessário.

“Mas esta pedagogia dos limites deve ser acompanhada simultaneamente pela
promoção da mobilização popular e da criatividade, evitando domesticar as
iniciativas populares e preparando-se para aceitar posições
crítica razoável às falhas na gestão governamental. Não só a pressão popular
deve ser tolerada, mas também deve ser entendido que é necessário ajudar
dar aos governantes o combate aos desvios e erros que podem

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Isabel Rauber

surgem ao longo do caminho.” [2014. Em: https:// www.eldesconvierte.cl/ naÿ


nacional/ 2014/08/27/ palavras-por-marta-harnecker-ao-receber-o-prêmio-li
bertador-to-critical-thinking.html]

—A questão é que os dirigentes dizem que o povo não sabe e por isso
adiam a sua participação. Um líder político tem de compreender esta cultura
herdada e tem de compreender esses hábitos, porque ocorrem essas
resistências e tem de ser capaz de tratar as pessoas. Não se pode confrontá-
lo e – se o problema não for perfeito – destruí-lo.

—Há também medo do povo, da sua sabedoria. E preconceitos...

—Bem, você sabe por quê? Quando um povo não é educado, os líderes
podem manipulá-lo e fazê-lo votar de forma errada. Educar o povo é
abandonar esse caminho, certo?

—Sim, acho que faz parte de uma grande mudança cultural. Como você
disse naquela ocasião: “Para que possamos avançar com sucesso neste
desafio, é necessária uma nova cultura de esquerda: uma cultura pluralista
e tolerante, que coloque o que une acima e deixe o que divide em segundo
plano; que promova a unidade em torno de valores como: a solidariedade,
o humanismo, o respeito às diferenças, a defesa da natureza, rejeitando o
desejo de lucro e as leis do mercado como princípios norteadores da
atividade humana.” [2014. Idem]

Os meios de comunicação

—Devemos também contemplar a ação dos meios hegemônicos de poder.

—Nas experiências do PT no Brasil, eles tinham todos os meios de


comunicação da oposição contra eles e o distanciamento crítico que a
prática democrática de participação produz faz com que as pessoas passem
a ter um escudo para se protegerem das mensagens da direita. Isso, por
um lado, é prática, ou seja, consistência na prática. O que Che simbolizou
entre pensamento e ação é básico. Você não pode perder

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

a confiança do povo, você não pode mentir para o povo. Uma mentira já é
debilitante. Isso me parece fundamental. Outro exemplo é o programa Enlace
Ciudadano de Correa, que chamo de pedagogia crítica da mídia. É muito
importante; Ele tem um espaço semanal para criticar os meios de comunicação
da oposição: Isto é o que os meios de comunicação da oposição dizem, e isto
é a realidade. Assim, quem assiste ao programa tem todos os elementos para
se distanciar criticamente das mensagens distorcidas da oposição.

—Isso é muito bom, mas só porque um presidente fala na televisão as pessoas


não vão ouvi-lo. Às vezes acontece o contrário...

-Claro. Quando visitei o Equador, Correa falava aos sábados. E a mensagem


que trouxe foi: mude o horário. Porque no momento em que ele falava as
famílias estavam fazendo compras, saíram do trabalho e não estavam em casa.
Aí eles colocaram o programa para repetir em outros horários.

Também não há necessidade de ficar animado com a extensão do tempo.


Correa começou com duas horas e agora tem três horas e às vezes ultrapassa.
Chávez começou com uma hora e terminou com sete, oito horas.

É muito importante que o governante tenha uma mensagem curta e semanal.


Temos que encontrar fórmulas para que possam motivar as pessoas a ouvi-los.

—Hoje, o poder global do capital colocou os meios de comunicação social na


vanguarda da disputa para manipular as mentes das pessoas. É importante
enfrentar esse aspecto, buscar formas eficazes…

—Deixe-me contar uma anedota. Sempre que vou para um país não sei se
vocês fazem isso, mas converso com taxistas...

-Eu também…

—Eu pergunto sobre o governo. Você sabe o que me disseram na última vez
que estive no Equador, agora em junho (2014): “Correa é o melhor dos piores”.
E por que o melhor dos piores não fez muitas coisas? Aí vem o que você diz
sobre a mídia: “Não,

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Isabel Rauber

Porque olha, ele acabou de reprimir os estudantes, ele é um ditador, está com eles
presos, não aceita nenhuma crítica.” Ou seja, ele repete o que ouve na mídia...

—E então Marta? Os meios de comunicação empresariais mentem, mas atingem


grandes sectores da população com as suas mentiras. Parece que é preciso fazer
mais do que apontar isto; um pouco mais, certo?

-Claro. Este é outro dos problemas, uma fraqueza nossa quando tomamos conta dos meios
de comunicação social, porque criticamos os meios de comunicação da oposição mas os
nossos meios de comunicação não são capazes...

—A que fraqueza você está se referindo?

—À fraqueza política. Eu lhes disse que propusemos a Chávez fazer um programa


onde estejam a oposição e o governo, de forma que ambos enviem a mensagem,
um noticiário mais ou menos assim...

Chávez me disse: “Fale com o Ministro das Comunicações”. O Ministro das


Comunicações me disse: “Interessante”. E aí estava.

Para mim, os meios de comunicação de esquerda têm que ser tão objectivos
quanto possível, têm que expor o que realmente diz a direita, o que realmente
dissemos, as fragilidades, de tal forma que se tornem uma necessidade informativa.

—Uma espécie de guia para o desenvolvimento da vida cotidiana com informações


clara.

-Pode ser. Digamos que nem tudo é conquista do inimigo midiático, mas há uma
parte importante que é a nossa incapacidade de valorizar a questão da mídia. Dou
sempre o exemplo da Organização do Povo em Armas (ORPA), da Guatemala,
durante a era da guerrilha. Los guerrilleros se empeñaban en buscar dinero para
tener armas, para combatir mejor al ejército, pero una organización, la ORPA,
entendió que era fundamental comunicarse con el pueblo, entonces su creatividad
estuvo en interrumpir las radios y transmitir sus mensajes, ¿te acuerdas de isso?
Achei isso ótimo. Que estou

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

dizendo com isso? Quando na análise atribuem aos meios de comunicação social o
papel que lhes devem atribuir, o papel que desempenham no processo de mudança,
têm que investir mais nesses meios de comunicação, não só na sofisticação
tecnológica, mas fundamentalmente em ver quem são os comunicadores.
caçadores nesses meios de comunicação.

Uma experiência mediática muito importante foi realizada em Kerala16, quando foi
realizado o processo de planeamento participativo descentralizado, as melhores
experiências participativas foram transformadas num modelo e foram transmitidas
pela televisão. Claro que com dinamismo. Foi aberto um concurso e as melhores
experiências vencedoras tiveram a oportunidade de serem exibidas na TV.

Estava pensando, mas não tive tempo de sugerir à Telesur que fizesse reportagens
mais longas sobre tudo que é novo. Por exemplo, as pessoas na América Latina
saberão como são feitos os “armários de viagem” no Equador? Será que as
pessoas saberão, por exemplo, o que aconteceu na questão do “gasoli-nazo” na
Bolívia?Como se resolve um problema desse tipo? Foi isso que você abordou em
seu excelente artigo. Ou seja, como transformar.
Seria bom ter uma secção da Telesur mostrando as novas experiências, os
problemas, as soluções...

Penso na Telesur porque esta ideia de experiências competitivas me parece muito


importante; e também ter intelectuais: você deveria assumir aí... me parece.

-Já. O concurso é bom porque estimula a participação.

Instrumento político alinhado com os objetivos

—Como você aborda a questão do instrumento político?

—Deve ser um instrumento de acordo com os objetivos, adequado

16
Um estado da República da Índia com o maior índice de desenvolvimento humano
(IDH) do país. É também o estado mais alfabetizado e com a menor taxa de pobreza
do país.

112
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Isabel Rauber

para construir o socialismo do século XXI. E se o socialismo do século XXI é


essencialmente democrático e participativo, o instrumento político deve ter
como tarefa fundamental organizar o povo para ele. Parece-me que isso é básico.

Veja, a militância deve receber tarefas porque a construção participativa requer


facilitadores, então os militantes devem ser facilitadores da participação popular.

Educadores militantes

—Eu os chamo de educadores populares, promotores do conhecimento coletivo,


e não donos da verdade. Há um problema aí. Como muitos não querem ouvir,
continuam a acreditar que são donos da verdade. E as pessoas que não possuem
qualificação ou diploma universitário são automaticamente desqualificadas.

—Por isso digo que os quadros, os militantes, não podem ser quadros de ordem
e comando, mas sim educadores que promovem a participação popular. É
necessária uma nova militância que, na sua forma de viver e de trabalhar
politicamente, prefigura a nova sociedade. Militantes que encarnam no seu
quotidiano os valores que afirmam defender. Devem ser democráticos, solidários,
dispostos a cooperar com os outros, a praticar a camaradagem, a honestidade
absoluta e a sobriedade.
Eles devem projetar vitalidade e alegria de viver.

Os nossos militantes devem ser capazes de aprender com os novos atores


sociais do século XXI. Estes são particularmente sensíveis à questão da
democracia. As suas lutas tiveram geralmente como ponto de partida a luta
contra a opressão e a discriminação.
Por isso, rejeitam ser manipulados e exigem que a sua autonomia seja respeitada
e que possam participar democraticamente na tomada de decisões.

A grande tarefa dos instrumentos políticos é criar um espaço que facilite o


processo de participação.

113
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Desenvolver planejamento participativo descentralizado

—É por isso que hoje a minha paixão pelo instrumento [político] se combina com o
planeamento participativo descentralizado. Porque o método se baseia em coletar
ideias que as pessoas produzem, então as obriga a ouvir.

Agora, a questão não é formalizar e não pensar que se faz uma coisa e se faz outra.

—Eu ouço você e penso na Venezuela hoje…

—Na Venezuela, por exemplo, falava-se em orçamento participativo e quando o


governador fazia grupos de trabalho em diferentes locais do seu Estado, onde
perguntava às pessoas o que queriam, as pessoas davam a sua opinião, fazia-se
uma lista e depois os técnicos decidiam o que pendência. Mas não se trata disso, trata-
se de as pessoas sentirem que o seu projecto é tido em conta, que também são
construtores da resposta. Posso dizer: a participação é essencial, mas não basta; Tem
que criar as condições de participação, tem que criar os espaços.

—Quais seriam esses espaços?

—Qual o espaço ideal para participação? Aristóbulo Isturiz disse que não eram as
assembleias; O Assemblyismo não é igual à democracia, a democracia é igual a
pessoas igualmente informadas.

Vou relembrar o que proponho no livro [Um novo mundo para construir]:

“A democracia direta é uma forma de democracia, sem dúvida a mais rica e

proeminente, mas tem limites. Para que todos participem plenamente, o tamanho do
grupo não pode ser excessivamente grande. Não podemos pensar em democracia
direta a nível municipal num município com 200 mil habitantes e muito menos nas
grandes capitais onde vivem milhões de pessoas.

“A participação democrática não pode ser limitada a estas experiências de pequena


escala, mas deve transcender a comunidade, a secção fabril, a sala de aula, deve
abranger níveis

114
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Isabel Rauber

de um poder local mais amplo até alcançar o poder à escala nacional; O


mesmo deve acontecer nas empresas: além de existirem conselhos de
trabalhadores por oficina ou secção, devem existir conselhos de
trabalhadores por empresa, por ramo de produção; e da mesma forma
deve ocorrer em centros de estudos (por sala de aula, faculdade, universidade, universid

“Deve ser criado um sistema que permita a participação dos cidadãos em


todos os processos de tomada de decisão, relativos a questões comuns e
gerais que dizem respeito à vida humana em sociedade, e para isso deve
ser estabelecida alguma forma de delegação de poder que não reproduza
as limitações e deformações que a representação política burguesa clássica
dá origem”. [2013:50]

E enfatizo: “Negar a possibilidade de delegar é negar a possibilidade de


participar na tomada de decisões sobre questões que transcendem a nossa
realidade local (comunidade, centro de trabalho ou estudo).

“O invisível não se tornará visível se não se tornar visível. Acho que esse
foi o erro dos zapatistas. Embora tenham conseguido tornar-se visíveis em
1994 através da rebelião armada, mais tarde, ao marginalizarem-se da
política do país, tornaram-se novamente invisíveis.

“O correto questionamento da democracia representativa burguesa não


deve levar-nos, portanto, a rejeitar todos os tipos de representatividade. O
que é rejeitado, e com razão, é aquela democracia que se limita a cinco
minutos de votação a cada determinado número de anos; “aquela
democracia elitista que invisibilizou importantes setores da população, que
são os que hoje começam a aparecer no cenário político em diferentes
partes do mundo, expressando uma crítica aberta ou implícita ao sistema
político atual”. [2013:51]

No caso da Venezuela, o espaço teve que ser definido e começamos a ver


a experiência que se teve com os comitês de terra, a experiência que se
teve com os comitês de saúde; Chega-se a uma conclusão um tanto
semelhante ao MST no campo, ou seja, ao espaço dos assentamentos do
MST, ou seja, a um espaço pequeno.

115
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Um território delimitado onde as pessoas se conhecem e podem conversar.

-Claro. E ela não tem vergonha de participar porque está participando com os vizinhos...
Mas olha, como você disse, são espaços diferentes. Por exemplo, a indústria, essa é
outra questão, pensar porque é que um processo participativo não funcionou numa
fábrica destas, porquê? Porque foi feita uma assembleia de trabalhadores e a discussão
não foi feita na oficina onde havia dez trabalhadores, mas sim a discussão foi feita com
duzentos, então tivemos que encontrar um espaço real. E bem, na verdade, quando
desenvolvo o tema do planeamento, os comités de bairro são importantes. Porque o
espaço comunitário que um conselho comunal possui ainda é muito grande.

—Um conselho comunitário é muito grande?

-Claro. Depois começou a crescer a ideia de comitês de área de bairro; Existem alguns
experimentos. Propus ao presidente Chávez a ideia de formar áreas de bairro que
poderiam ser escadas, poderiam ser quarteirões... Isso significa necessariamente que
há pluralismo. Tem que encontrar um local, tem que encontrar uma forma de
representação, e isso me parece muito importante: que o quórum não seja só de
atendimento, mas de representação das áreas. Quer dizer, você tem que encontrar
maneiras, mas é possível.

As políticas governamentais entram frequentemente em conflito com as iniciativas


populares e surgem contradições. Talvez porque eu fosse muito voluntarista, eu acho.
Devemos aprender com a Bolívia e o Equador. Não é possível ampliar as expectativas
de compra se não criar a base objetiva que responda a essas expectativas do mercado.
Se isso não for feito, a direita sabe tirar vantagem disso. Ele aproveitou isso no Chile,
gerando a escassez que provocou reações do povo, que vem de uma cultura herdada,
ele não é um mártir... São situações complexas.

—Em outras palavras, nem tudo é causado pelo direito.

—Eu digo que a guerra económica é verdadeira, mas é estabelecida numa base
objectiva, nas nossas fraquezas, nos nossos erros, na falta de

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Isabel Rauber

planejamento, falta de eficiência. Acho que o grande déficit é o planejamento.


Posso falar sobre os incríveis erros de planejamento que ocorreram. Por exemplo,
expropriar a empresa de carnes - essa empresa de carnes produz um terço do
que o país necessita -, sem que haja uma política para os dois terços que teriam
de ser produzidos de forma privada, então faltam produtos. Isso é assunto do
Estado e ele tem que planejar. Mas ele não fez isso e aí os burocratas se
aproveitam disso, se esgueirando por todos os interstícios que o sistema deixa,
para enriquecer, para contrabandear...

Digo que Maduro herda esses erros ou limitações. Há um discurso de Chávez


que vocês deveriam ler: “Uma mudança de rumo”, quando ele começa a pedir
eficiência.

—Esse discurso foi proferido por Chávez em 20 de outubro de 2012, numa reunião
do Conselho de Ministros, onde anunciou que “uma nova era” estava começando.
“º ciclo da transição socialista” na Venezuela. E ele marcou os aspectos
fundamentais disso. Apelou à crítica e à autocrítica, ao fortalecimento do poder
comunitário, à multiplicação da eficiência e ao desenvolvimento do sistema nacional
de comunicação social pública, entre vários temas.

-É fundamental. Recomendo não apenas lê-lo, mas estudá-lo.

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III.
França e Althusser, a
primeira grande virada em sua vida

Marta 1967; Fotografia de Mariter Santiago


(como pode ser lida)

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Por que França

—Como você me contou, no final dos estudos você fazia parte de um grupo que
decidiu viver em comunidade.

-Sim. No ano passado. Com o meu grupo comunitário comprámos um terreno e


planeámos viver lá de forma comunitária.
Já tinha saído da universidade e comecei a conviver com o Rodrigo Ambrosio17. Uma
amiga minha e o namorado dela também estavam lá. O outro amigo era Tomás
Moulian e sua esposa. Éramos três casais que queriam viver no espírito da pobreza.
Tivemos a ideia de criar uma comunidade viva, onde houvesse um espaço para
trabalharmos juntos, um refeitório comum e casas individuais claro para o convívio
familiar, mas com coisas que faríamos juntos.

—Quando você decidiu ir para a França?

—Terminei Psicologia e tínhamos a ideia de que era importante ir treinar lá fora. No


grupo decidimos ver se nos dariam uma bolsa para irmos para França. Não sei o que
aconteceu ao Tomás que foi para a Bélgica, mas nós os outros quatro inscrevemo-nos
na Embaixada de França. E eles nos aceitaram e nos prepararam. Porque quando
você ganhou uma bolsa você teve seis meses de formação no idioma, com boas
técnicas modernas.

—Então você foi para a França com uma bolsa de estudos em 1963.

17 Militante da Democracia Cristã, até 1969. Em 1970 foi eleito Secretário


Geral do MAPU (Movimento de Ação Popular Unitária), no I Congresso
Nacional. Participou ativamente da campanha presidencial apoiando
Salvador Allende e a Unidade Popular. Ele morreu em um acidente de carro
em 19 de maio de 1972. [http://www.memoriamapu.cl/rodrigoambrosio.html]

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Claro. Fomos: Raimundo Becar e sua companheira Cristina Hurta-do,


Rodrigo Ambrosio e eu. Rodrigo era meu namorado, havíamos terminado
antes da viagem, mas continuamos amigos na França. Mais tarde, ele se
envolveu com sua esposa, Michele Uttard, uma socióloga franco-argentina.

Naquela época éramos motivados, influenciados por um grupo de uma


geração anterior à nossa que eram socialistas cristãos, incluindo Jacques
Chonchol, meu amigo cristão marxista, Julio Silva Solar, da democracia
cristã. O seu grupo chamava-se Socialisÿ
mundo cristão, onde o cristianismo se abriu assim ao marxismo. Foram eles
que me recomendaram que contactasse um padre comunista em França, e
foi esse padre quem mais tarde me contactou com Althusser.

—Você tinha ido estudar e depois mudou...?

—Pensei primeiro em ir para a Alemanha. Mais tarde, talvez por influência


de amigos uruguaios, decidimos ir para Paris.

Lembro-me que Vekemans,18 não sei se vocês o conheciam, um jesuíta


muito capaz que esteve muito tempo no Chile, nos disse que os jovens que
foram para a Alemanha voltaram burgueses e os que foram para a França
voltaram de volta aos comunistas. Acho que foi porque na Alemanha se você
conseguisse uma bolsa você tinha condições de vida muito boas: um
apartamento, uma bolsa com dinheiro; na França eles colocam você em um pequeno hotel.

18 Vekemans especializou-se em “promoção popular” ou “desenvolvimento


popular”, sensibilizando as pessoas analfabetas e, na sua opinião, as pessoas oprimidas.
Tornou-se diretor do CIAS, Centro de Pesquisa e Ação Social (entre 1957 e 1964)
e reitor - na Pontifícia Universidade Católica do Chile, em Santiago - da Escola de
Sociologia (entre 1959 e 1964). Ele desenvolveu a “teoria da marginalidade” que
incluía a grande maioria das pessoas afetadas pela pobreza, que viviam à margem
da sociedade. Do seu ponto de vista, poderia libertá-los desenvolvendo uma série
de iniciativas: construção de moradias baratas, unidades de produção cooperativas,
centros de saúde, sessões de formação para agricultores, dirigentes sindicais,
trabalhadores comunitários.
[Ver: Carrazco López, Graciela (2012). Universum vol.27 no.1 Talca]

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Isabel Rauber

Eu morava em um hotel que não tinha banheiro no quarto, mas fora, no


chão; um banheiro para todos.
—Além disso, eram banheiros mistos.

-Claro. Então é claro que na França você se acostuma a viver indo às


cafeterias estudantis, que são muito baratas, e à cinemateca, que é
muito barata. É um padrão de vida muito restrito, então você não gentrifica.

Vi que as pessoas que vinham estudar na Europa muitas vezes ficavam


para viver na Europa. No segundo ano decidi desistir da bolsa para me
obrigar a voltar ao Chile.

Originalmente, planejei fazer uma pós-graduação ou doutorado em


Psicologia Social. Mas quando cheguei à França descobri que já havia
estudado os programas de Psicologia Social da Sorbonne em Psicologia,
no Chile. Então decidi não estudar Psicologia, mas estudar Marxismo.
Consultei meu grupo porque queria endossar minha decisão com eles:
Bem, o Chile precisa que eu me especialize nisso?
Todos concordaram que ele deveria seguir o caminho do marxismo.
—Isso mudou sua vida...

-Sim. Ainda ia à igreja, mas já era uma questão de reflexão na minha vida
porque entendia religião como amor. Então fui à igreja para rever minha
vida, se estava sendo egoísta ou se estava me preocupando com as
pessoas.
—Como um exame de consciência.

-Algo parecido. Era algo diário, como uma renovação espiritual. E a minha
fé acabou porque me tornei amigo de um jesuíta em França, e esse
jesuíta adoeceu e morreu de cancro. Eu ia vê-lo pensando que como
éramos tão amigos o carinho iria elevá-lo. Finalmente ele morreu e foi
como em Hiroshima, mon amour...19

19 O filme desenvolve uma trama de encontro-desencontro em Hiroshima e re-

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Você está dizendo isso por causa das conversas entre vocês?

-Sim. Comecei essas reflexões com meu amigo já falecido e com o esquecimento
tudo começou a desaparecer. Ou seja, o esquecimento chegou e senti
necessidade da eternidade. Foi muito dificil.

Primeiros passos em Paris sob influência jesuíta

—Quando chego à França começo a fazer alguns passeios com amigos argelinos
para explicar coisas sobre a América Latina. Segui a visão do jesuíta Roger
Vekemans, sobre o círculo vicioso da miséria. Ele disse: “Os países pobres são
pobres porque não têm isto e não têm aquilo e, portanto, não podem sair da
pobreza”. Quando uma amiga minha chegou a Paris, nos conhecemos, ela me
acompanhou em alguns passeios, conversamos sobre o assunto e ela me disse:
“Mas Marta, como você pode pensar nisso?” Ela tinha formação marxista e
deixou bem claro que éramos pobres porque éramos países explorados. Isso me
chocou.

Fui líder da Acção Católica no Chile e conheci pessoas da Acção Católica de


outros países, e muitas dessas pessoas vieram para Paris para estudar porque
havia bolsas de estudo. Quase todas as pessoas socialmente sensíveis chegaram
a Paris naquela época; Havia pessoas de todos os lugares.

Lá encontro um grupo católico, não só de chilenos, mas de uruguaios, argentinos


e brasileiros. E encontro amigos uruguaios da Ação Católica, que moravam em
Paris. Foi então que Jerónimo de Sierra, um conhecido sociólogo uruguaio, me
colocou em contato com Paul Ricoeur, um conhecido filósofo que dava aulas
particulares, para que me aconselhasse em leituras de interesse.

—Ele acompanhou muito Kant, entre outros filósofos…

-Sim. Ricoeur me ensinou por cerca de dois anos, mas no meio do caminho
vimos que todos os autores que éramos

Refere-se à inevitabilidade do esquecimento. Você pode encontrá-lo em: https://vimeo.com/283082150/

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Isabel Rauber

estudar tinha a ver com Kant, um pensador que eu não havia estudado. Aí
Ricoeur acabou recomendando que eu lesse a Crítica da Razão Pura. Lembro-
me de ler 16 páginas por dia e tentar resumir suas ideias principais. Meu
primeiro trabalho foi comparar o conceito de “imaginação radical” de Kant com
o de “fantasia criativa” de Philip Lersch, psicólogo alemão com abordagem
fenomenológica da Psicologia que estudou no curso de Psicologia da
Universidade Católica.20 Na falta de formação filosófica, me senti muito
insegura intelectualmente ao estudar esses autores que eram tão complicados
para mim. Nunca perguntei a ele o que ele achava do meu trabalho.

Naquele primeiro ano e parte do segundo, não tive contato com Althusser.

Depois do primeiro escrito que apresentei, Ricoeur deu-me uma segunda tarefa:
escrever sobre um texto de Merleau Ponty, não me lembro qual.
Fiz um resumo e entreguei para ele, mas também não sabia o que ele achava
desse trabalho.

Nessa altura já tinha entrado em contacto com Althusser e isso mudou toda a
minha vida em Paris.

Retiros espirituais, um caminho para Althusser

—Vejamos, vamos fazer uma breve recontagem...

—Tínhamos formado um grupo de estudos com o grupo que chegou comigo e


com alguns amigos latino-americanos de vários países, relacionados às minhas
atividades na Ação Universidade Católica, principalmente brasileiros. Com
muitos deles fizemos um retiro

espiritual com um padre dominicano que era super, super progressista. Ele nos
disse, por exemplo, que o pecado nada mais é do que egoísmo.

20 Lemos seu livro A Estrutura da Personalidade, Barcelona, Scientia (1962)

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Esse grupo queria entrar em contato com Althusser. E como sempre fui um bom
organizador, me escolheram para fazer o contato. Trouxe do Chile a referência de
um padre comunista francês que, quando lhe contei que queria estudar marxismo,
me disse: “Você tem que conhecer Louis Althusser porque ele é uma pessoa que
gosta desse assunto e também gosta muito de trabalhar com juventude." Foi isso,
além da missão do grupo, que finalmente - no outono de 1964, segundo ano em
Paris - me decidiu a contatar Althusser. Liguei para ele para marcar uma consulta e
ele imediatamente me convidou para entrar

para a casa dele.

Casa de Althusser

—Althusser morava na mesma Rue d'Ulm, onde ficava a Escola Normal Superior,
conhecida como École normale supérieure, onde lecionava. A casa dele ficava bem
perto dali e também muito perto do hotel onde eu estava hospedado na época, na
rua Feuillantines.

Quando vi a casa dele fiquei fascinado porque estava muito bem decorada e de
forma simples. Lembro-me das cabeças de alho penduradas e coisas assim... Minha
timidez passou imediatamente e daquele dia em diante começamos uma grande
amizade.

Ele morava sozinho e cozinhava para si mesmo. Sempre lembro que coloquei a
carne, a abobrinha italiana e as batatas no forno, esperamos cozinhar enquanto
conversávamos e depois comemos. Eu o via regularmente uma ou duas vezes por
semana, seja em seu apartamento, em um restaurante às margens do Sena, onde
ele às vezes me convidava, ou em algum outro lugar no Quartier Latin.

Quando propus ao Althusser que ele viesse ao nosso grupo, que queríamos
conversar, ele me disse: “Não, olha, quem você tem que convidar é o Régis Debray”.

-Claro. Porque Debray fazia parte de um grupo de jovens que estudavam


teorias da Filosofia que foram agrupadas em torno dos ensinamentos de Althusser.

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Isabel Rauber

-Sim. E assim começou através de Althusser minha amizade com Régis, com
quem começamos a ver a realidade da América Latina. Naquela época Régis já
havia publicado seu primeiro livro: Castrismo: A Longa Marcha da América
Latina.

Naquela época, Althusser preparava seu segundo livro. O primeiro livro Pour
Marx já havia aparecido e teve uma ótima repercussão.
Esse livro –de acordo com Althusser-, posteriormente intitulei: A revolução
teórica de Marx para a edição espanhola.

Althusser convidou-me para participar no grupo que estava a discutir o segundo


livro, To Read Capital, onde estavam os autores dos diferentes capítulos
[Etienne Balibar, Roger Establet, Jacques Rancière, Pierre Macherey]. Não
entendi quando eles apresentaram, porque leram os capítulos; O pensamento
dos althusserianos era abstrato e complexo; Foi muito difícil para mim entender
o que diziam, não só pela teoria, mas também porque não dominava a língua.
Mas quando um debate subsequente começou, no debate pude deduzir do que
se tratava o tema. E comecei a me apaixonar por isso.

Como estava decidido a estudar marxismo, abandonei os cursos com Ricoeur e


foquei na leitura de O Capital, de Marx. E fiz do meu jeito, fazendo resumos que
organizassem tudo que aprendi. Acho que foi em meados de 65. No início de
66, no outono, comecei a participar de um seminário organizado pelo grupo de
discípulos de Althusser da Escola Normal e já me sentia melhor, mais seguro.

Lembro-me de ter dito a Althusser: não sei se sou inteligente ou não; não sei;
Fiquei muito inseguro depois dos trabalhos apresentados ao Ricoeur. Aí ele me
disse: “Passe-me suas coisas”. E depois de lê-los ela me disse: “Você tem uma
capacidade pedagógica muito grande, não se preocupe em ser filósofo ainda
porque é preciso mais maturidade, mais idade para ser filósofo, mas você tem
ótimas condições pedagógicas”. Isso me deu uma certa segurança, porque eu
estava muito insegura.

—¿Insegura?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Sempre fui muito insegura, coisa que ninguém descobre porque a aparência é
diferente. Mas tenho feito coisas vencendo o medo, ou seja, tenho medo de escrever
um artigo, de falar;
Essas coisas são difíceis para mim.

—Você sempre teve essa angústia, esse medo...?

-Sempre. Talvez porque eu estabeleço metas muito altas para mim porque sou uma
pessoa insegura...

—O grupo de Althusser incluía alguns que deixaram o PCF e migraram para o


maoísmo...

-Sim. Politicamente, essas pessoas eram maoístas.

—Você também se tornou maoísta?

—Eu era muito solidário com Mao, é claro. Althusser também apreciou muito o
pensamento de Mao Tsé-tung, mas permaneceu no partido porque disse que os
trabalhadores franceses estavam lá. Os vietnamitas também me influenciaram.
Porque foi dito que a União Soviética não apoiava o Vietname e os vietnamitas
disseram que isso era falso. E eu nunca fui anti-soviético...

—Mas você não era membro do Partido Comunista.

-Não.

Relacionamento com Althusser

—Como foram seus primeiros encontros e conversas com Althusser?

—A primeira coisa que conversei com Althusser foi sobre minha ansiedade em
relação ao tempo. Lembro que ele me convidou para ir ao Sena, almoçar. Falando
sobre a minha vida, eu disse a ele que não entendia porque as pessoas ficavam
entediadas nesta vida porque o que me faltava era tempo.

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Isabel Rauber

fazer tudo que eu gostava. Aí ele recomendou que eu lesse o artigo dele
sobre teatro materialista onde ele fala de Bertolt Brecht [publicado na
revista Esprit, em dezembro de 1962], porque lá ele abordou esse tema.
Essa foi a primeira obra que li dele. E foi aí que as coisas começaram.

—E o que aconteceu com sua ansiedade de tempo?

—A angústia do tempo permitiu-me envolver-me na preparação do


livrinho Marxismo e Humanismo, que posteriormente traduzi. Foi então
que Althusser me disse: “Olha, o que eu faço é totalmente diferente do
que Lefebvre faz”, porque Lefebvre estava tentando abrir o marxismo
para o lado do humanismo baseado nas obras do jovem Marx.

—E Althusser estava indo na direção oposta.

-Claro. Os escritos do jovem Marx – que falam do ser humano, da sua


alienação e da sua libertação – recentemente traduzidos e desde a
década de 1930 utilizados no meio académico europeu para lutar contra
o marxismo, passam a ser utilizados pelos intelectuais marxistas e pelos
próprios partidos comunistas. após o XX Congresso do PCUS (1956),
que criticou o culto à personalidade de Stalin. Segundo Althusser, esta
concepção humanista da obra de Marx – que foi adoptada por vários
partidos comunistas e até pelo PCUS – em vez de resolver os problemas
da esquerda e do socialismo soviético levou a um beco sem saída.

-Porque?

—Porque, segundo ele, era preciso procurar as causas económico-


sociais que explicassem a razão do surgimento deste fenómeno tão
desastroso para o socialismo. Os problemas do homem no socialismo
não seriam resolvidos falando sobre o homem - um assunto sobre o
qual a Igreja Católica teve séculos de vantagem sobre o marxismo -
mas enfrentando concreta e correctamente os difíceis problemas que
surgem na construção de qualquer nova ordem social .

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

E somente quando um pensamento rompe com vários problemas do passado


e produz um novo problema é que podemos falar adequadamente do nosso
próprio pensamento. E isso acontece com Marx justamente quando ele
rompe com a herança das problemáticas hegeliana e fuerbachiana com as
quais já havia se identificado e nas quais estão imersas suas obras de
juventude.

A nova problemática, no caso de Marx, significou novos conceitos: modo de


produção, forças produtivas, relações de produção, mais-valia, etc. É por
isso que Althusser não partilhava das opiniões do humanismo marxista
inspiradas no jovem Marx, digamos.

Muitos dos seus críticos interpretaram mal a sua afirmação do marxismo


como anti-humanismo teórico, negligenciando a palavra “teórico” e acusando-
o de tentar dizer que Marx era anti-humanista, distorcendo assim
completamente o pensamento do autor.
Esta é outra das coisas que menos se compreendeu sobre ele.

—É assim no marxismo e no humanismo…

-Sim. O que Althusser sustentou em seu artigo Marxismo e Humanismo


(1964) – e que resumi na Introdução que fiz ao livro Pour Marx, resumo que
foi aprovado pelo próprio Althusser – foi que para servir aos homens reais
Marx não criou uma teoria focada nas reflexões sobre o homem, mas busca
compreender as leis que determinam a real existência dos homens que
vivem em sociedades. É nesse sentido que o marxismo é um anti-humanismo
teórico, ou mais precisamente, um a-humanismo teórico. Isto não é
contraditório com o facto de Marx ser, ao mesmo tempo, um grande
humanista. O que acontece é que para servir os homens reais, para tentar
libertar a classe trabalhadora da exploração, Marx não produz uma teoria
que fale do homem, da natureza humana, da liberdade, da consciência, mas
uma teoria que utiliza os conceitos de modo de produção, de produção
relações, forças produtivas, ou seja, uma série de conceitos que nada têm a
ver com os conceitos do humanismo. Para ser

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Isabel Rauber

Consistente com o seu humanismo prático, era necessário que Marx não
fosse teoricamente um humanista.

Muitos dizem que é a minha interpretação, que não é o que Althusser


pensava. Mas isso é porque eles não compreenderam Althusser.

Dependência do professor

—Meu relacionamento com Althusser rapidamente se tornou muito próximo.


Ele recomendou que eu lesse Marx diretamente, começando com O Capital,
começando pelo capítulo sobre mais-valia, já que nos primeiros capítulos –
segundo ele – Marx havia flertado com a dialética hegeliana.

Estabeleceu-se assim um rico intercâmbio intelectual entre os dois. Fiz-lhe


minhas perguntas enquanto lia seus escritos ou O Capital, e ele me contou
sobre suas novas incursões teóricas.

O que recebi dele foi tanto que criei uma espécie de dependência, um
cordão umbilical que só cortei no período do outono de 1967 até meados de
1968, quando ele adoeceu. Foi então que decidi voltar ao Chile. Meu pai me
convidou para ir ao Chile nas férias na Europa e isso também me ajudou a
decidir voltar ao país. Naquela época Althusser já era famoso na América
Latina, e eu começava a ser conhecido pelo prólogo que escrevi ao seu livro:
Pour Marx , que, com o seu consentimento, intitulei: A Revolução Teórica de
Marx.

Não sei o que teria acontecido se Althusser não tivesse ficado doente.
Pareceu-me muito difícil sair de Paris quando tive a possibilidade de estar
em constante diálogo com ele. Além disso, criou-se entre nós uma relação
muito especial, algo mais que uma simples amizade.

—Você teve um caso com Althusser?

-Nunca. Embora muitas vezes eu me perguntasse se estava me apaixonando


por ele ou se era apenas uma imensa atração intelectual.

—Ele não se apaixonou por você?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Acho que sim, que teve alguma coisa porque ele me disse que estava
muito atraído por mim. Na verdade, a relação intelectual começou com uma
atração, porque para ele eu era como uma musa inspiradora, disse-me.

Lembro que fui vê-lo com a meia-calça verde que usava naquela época e uma
saia escocesa que eu tinha. Então para ele eu era como um camponês, muito
natural, não era nada sofisticado.21
E isso o atraiu. Mas nunca soube se havia algo mais do que uma atração
intelectual; embora tenha havido alguma conversa sobre o assunto. Ele meu

disse que embora tivesse muito carinho por mim, não queria estabelecer um
relacionamento que me fizesse sofrer. Foi quando ele me contou suas
dificuldades e sua incapacidade de se comprometer emocionalmente.

Ele me ajudou porque eu estava apaixonada novamente pelo meu ex-


namorado, Rodrigo, que não me dava atenção. Então Althusser me disse
que não entendia como um homem poderia me rejeitar. Ele apoiou-me muito,
tanto intelectualmente como humanamente, num período mais ou menos
crítico que passei em França, que foi o único período da minha vida - e isto é
interessante -, em que me senti um pouco deslocado porque me deu Tenha
em mente que se você não tem tarefas objetivas, você se concentra nos seus
problemas, na sua solidão, na sua insegurança, etc.

Eu era assim quando conheci Althusser, depois com os projetos, com as


coisas...

—Você colocou a cabeça em outro lugar...

—Claro.

21 “No mesmo dia em que conheceu Harnecker, Althusser disse a Madonia: “Esta
manhã vi uma chilena que me escreveu 'querido Sr. Althusser' e que quer 'estudar em
marxismo' com um grupo de brasileiros e outros sul-americanos . Uma espécie de
camponesa apareceu diante de mim: rosto anguloso, boca torta, mas olhos negros, e
algo nos dentes e na voz que tocou algo em mim: poderia ser a nostalgia de não ter
a idade dela, ou de não ter a idade dela. idade. tê-la tido quando ela teve a dela,
aquela liberdade que ela tinha.” [Cartas à Franca (1961-1973). op. cit., pág. 574. https://core.ac.uk/
baixar/pdf/296392149.pdf (pág. 36)]

132
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Isabel Rauber

pai intelectual

—É por isso que considero Althusser meu pai espiritual, em termos de


metodologia de trabalho.

—¿Qué aspectos destacarías?

—Ele me fez descobrir Marx. Sua abordagem do marxismo como instrumento

de transformação social me fascinou. Mas digo que mais do que aprendi com
ele sobre Marx, foi como ler um autor e como ler Marx. Ele me ensinou a “ler”
além do que uma citação diz textualmente, a lê-la em seu contexto, a ler em
profundidade, a deduzir do que o autor diz, mas também do que ele não diz,
seus pensamentos profundos. Só assim é possível libertar-se do dogmatismo,
libertar-se da repetição de citações textuais tiradas do seu contexto, argumentar
com o raciocínio e não com a recitação de textos. Só assim o marxismo poderá
desenvolver-se criativamente, extraindo das obras dos clássicos uma enorme
riqueza de instrumentos teóricos que serão muito úteis para o estudo das novas
realidades que vão surgindo. Eu aprecio muito isso.

Também foi muito importante o estímulo intelectual que significou para mim o
fato de ele me apoiar, de considerar que as coisas pedagógicas que eu fazia
valiam a pena.

A tradução de Pour Marx [A Revolução Teórica de Marx] e a polêmica


dominante

—Tenho trabalhado na tradução de Pour Marx desde meados de 1965 ou início


de 1966, e terminei-a em agosto de 1966. O livro foi publicado no início de 1967.
Não me lembro bem, mas provavelmente foi Althusser quem me propôs como
tradutor para a editora mexicano-canadense Siglo XXI Editores. Foi uma tarefa
cheia de desafios, mas muito positiva porque me obrigou a aprofundar o
pensamento de Althusser.

—Você também escreveu a introdução do livro…

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Sim. A introdução a esse livro foi minha primeira escrita. Althusser leu e adorou
porque achou muito claro. Quando revi, ele fez sugestões: “Olha, amplia isso,
aquilo...” Ele também me pediu para incluir alguns esclarecimentos filosóficos que ele
mesmo escreveu. Isto me ajudou bastante.

— Bom, era o livro dele que você estava apresentando.

-Sim. O que foi importante para a minha vida foi que esta introdução me tornou
conhecido nos círculos acadêmicos latino-americanos como um intelectual marxista

althusseriano, numa época em que havia um verdadeiro esnobismo althusseriano.


Esta situação reverteria alguns anos depois, transformando-se em esnobismo anti-
Althusser. Muitos dos que eram grandes admiradores de Althusser, mais tarde - com
as críticas ao seu suposto estruturalismo - tornaram-se antialthusserianos sem
realmente conhecê-lo.

—O que você quer dizer especificamente?

—Quando traduzo para o espanhol o livro Pour Marx, de Althusser, mantenho o uso
de seus conceitos: estrutura dominante e estrutura a-dominante, que se referem a
dois fenômenos diferentes. Em Althusser, o termo “estrutura a-dominante” refere-se
ao conceito de todo social que é composto por diversas estruturas (económicas,

ideológicas, jurídico-políticas), uma das quais domina o todo enquanto as outras têm
um papel subordinado.

Bueno, pero como al editor22 no le pareció bien lo de la “a”, decidió, sin consultarme,
eliminar simplemente la “a” del concepto “estruc-tura a-dominante” porque consideró
que la palabra “a-dominante” no existía em espanhol. Ele deixou apenas a “estrutura
dominante” e assim suprimiu a distinção de um conceito tão chave para Althusser.
Com isso, distorceu completamente o esforço do autor em diferenciar os dois tipos
de estruturas.

22 Editorial Século XXI, México, 1967.

134
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Isabel Rauber

—O significado foi perdido…

-Completamente. Então reclamei da primeira edição para que corrigissem na segunda.


Houve uma grande discussão sobre se o “a” existia ou não em espanhol, me disseram
que não existia. Mas então alguém disse: “Jaqueta xadrez. Uma jaqueta xadrez e
uma estrutura dominante são exatamente a mesma coisa.” Estávamos discutindo
colocar “com dominância”, mas Althusser disse que não, isso seria como um
acréscimo.

Finalmente eles concordaram em retificá-lo, mas eu nunca revisei. Depois de


dezessete anos, Jorge Insunza, do Bureau Político do Partido Comunista, exilado na
França, apareceu e começou a se entusiasmar com Althusser. E escreveu um artigo
onde comentava: “Bom, como diz Althusser: na estrutura dominante ou a-dominante”.
Espantado ao ver que o erro persistia, disse para mim mesmo: vou procurar o livro

para ver como foi publicado. E você sabe o que aconteceu? Corrigiram uma folha,
mas deixaram as outras folhas com o erro. Eu não tinha revisado porque nunca
reviso meus livros depois de publicados. Mas esse livro foi usado como livro didático
na universidade durante dezessete anos e nenhum professor alegou o erro. Isto
indica-me claramente que eles não compreenderam um dos conceitos-chave da

interpretação althusseriana de Marx ou não leram o livro.

Estas são as minhas duas provas de que eles não compreenderam Althusser. E
minha grande discussão com Michael [Lebowitz, marido de Marta] foi sobre isso.
Conheci Michael discutindo Althusser porque ele é muito crítico de Althusser. Ele
justifica Hegel e reconheço que não sou aluno de Hegel; Li um livrinho e não sei se
entendi, mas Althusser também não incentivou a leitura de Hegel.

Da introdução ao livro de Althusser Os Conceitos...

—A introdução ao livro de Althusser foi meu primeiro escrito antes de The Concepts...

135
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Isso fez com que Althusser – que já me tinha dito que eu tinha muita capacidade
pedagógica – me convidasse para colaborar com Étienne Balibar e ele num
futuro livro que estavam a fazer, para que eu pudesse dar forma pedagógica às
suas ideias. Obviamente eu não tive o treinamento que eles tiveram, mas
Althusser valorizava essa minha habilidade.

E ele conversou com François Maspero, que era um grande amigo dele e
publicava coisas para ele, sobre esse projeto com a intenção de fazer com que
ele me pagasse uma certa quantia em dinheiro por esse trabalho, antecipadamente.
Foi assim que Maspero começou a me pagar pelo futuro livro, isso no final de
1967... Porém, o projeto não prosperou devido à doença de Althusser. No “Maio
Francês” Althusser não participou, ficou internado, em profunda depressão.

—Você não percebeu, nas reuniões, que ele estava caindo em depressão?

—Eu vivi a história de sua depressão. Comecei a perceber porque quando o


conheci pessoalmente senti como se estivesse afundando em uma coisa
estranha sobre a qual não se pode fazer nada. O passo anterior é péssimo,
principalmente se você tem carinho por uma pessoa e sente que mesmo
querendo ajudá-la, não consegue.
Porque quando a pessoa entra em depressão você não tem como ajudar, ela
se isola completamente e nada chega até ela; É sério, é mesmo uma doença
grave. É terrível que afunde perto de você; É como ver alguém afundando no
mar e você não consegue salvá-lo.

—Isso é algo que veio da vida familiar dele?

-Claro; de traumas psicológicos profundos em sua personalidade. Lembro-me


que Althusser me disse: “Não posso amar; “Não consigo amar profundamente.”

-Muito doloroso…

-Sim.

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Isabel Rauber

Os conceitos elementares do materialismo


histórico

A conversa com Masperó

—Antes do acordo com Maspero, eu trabalhava em uma livraria no bairro latino vendendo
cartões postais artísticos. Com isso ganhei a vida. E assim foi até o ano passado, quando
Adolfo Orive Bellinger, economista mexicano que estudou em Paris e foi militante da
esquerda mexicana, nos envolveu no projeto de formação política para latino-americanos.
Uma pequena escola de quadros que ali se formou para cerca de 14 ou 15 militantes do
Brasil, México, Chile, Haiti.

Eu estava pensando em voltar para o Chile em 67, mas Orive - que vinha de uma família
mexicana muito rica e tinha dinheiro para pagar os professores do curso - me pediu para
ficar mais um ano como professor naquele curso e me pagou as aulas , claro.

—Qual foi o tema que você ensinou?

—Materialismo histórico com abordagem althusseriana; outros ensinavam outras matérias,


é claro.

—E o que aconteceu com Maspero e o acordo que eles fizeram?

—A questão é que com a doença de Althusser, o livro que ele estava escrevendo e do
qual eu participei ficou no ar, suspenso. Então fui ver o Masperó e falei para ele: olha,
você está me pagando, mas eu não estou trabalhando nisso. Contei-lhe sobre minha
decisão de devolver o dinheiro que recebera dele para o projeto do livro de Althusser. Ele
ficou muito surpreso, ninguém nunca lhe devolveu dinheiro por um trabalho relacionadocom
à editora. Eu não queria aceitar isso.

Para o curso com latino-americanos preparei algumas notas tentando explicar de forma
mais simples a interpretação althusseriana do marxismo em relação ao materialismo
histórico. Então,

137
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

A alternativa que apresentei a Maspero foi transformar essas notas num


pequeno manual sobre materialismo histórico. Ofereci-lhe também um
segundo livro sobre materialismo dialético e outro sobre conceitos políticos.

Maspero ficou entusiasmado com a ideia e disse que sim. Então, em vez de
devolver o dinheiro, concordamos que ele usaria esse dinheiro para preparar
esses textos.

Desgosto com Althusser

—Quando Althusser se recuperou e soube do meu trabalho e do acordo que


fiz com Maspero, sem falar comigo disse a Maspero que este livro de
materialismo histórico não poderia ser publicado. Porque continha ideias que
ele ainda não tinha publicado, que eram materiais para o livro que estávamos
a preparar em conjunto com Balibar, aos quais tive acesso trabalhando com
ele naquele projecto de livro e que, portanto, não estavam disponíveis em
França: Eu não deveria publicar meu livro antes da publicação destes
trabalhos. Ele foi franco sobre isso, mas não se opôs à minha publicação na
América Latina.

Eu não iria contra a vontade dele, então a edição francesa com Mas-pero foi
encerrada. Mas fiquei um pouco chateado porque Althusser falou primeiro
com Maspero e não comigo.

—Quando você saiu da França?

—Olha, terminei de escrever Os Conceitos Elementais do Materialismo


Histórico em 1968 e voltei para o Chile. Mas o livro Os Conceitos... foi feito
na Europa, sem conhecimento da América Latina, isso é muito importante
saber, por isso sempre esclareço.

-Porque? Você acha que isso fez você parecer dogmático?

-Claro. A dogmática Marta Harnecker!

Mais tarde, quando cheguei ao Chile, um dos meus amigos, Jorge Insunza
Becker, que era do Partido Comunista, me deu várias ideias que eu

138
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Isabel Rauber

Incorporei-o na segunda edição do livro Os conceitos elementares do


materialismo histórico. Porém, ele não conseguiu me defender na partida
que, diferentemente da partida com o Uruguai, foi muito crítica.
com meu texto...

Primeira edição de Conceitos… no século XXI

—Quando ficou claro que Maspero não iria publicar meu livro, entrei em
contato com Arnaldo Orfila, então diretor da Siglo XXI Editores - que já me
conhecia como apresentador do livro que publicaram: A revolução teórica
de Marx -, e eu propus isso a ele. Ele me disse que estava interessado
neste projeto de livro sobre materialismo histórico. Apresentou o material
no México para discussão do conselho editorial. E você sabe a quem
entregaram o livro para avaliá-lo? Você não conhece essa história?

-Não. Nunca falamos sobre isso...

—Deram-no a Gaspar Ilom [Rodrigo Asturias Amado], que mais tarde se


tornaria comandante de uma das organizações guerrilheiras da Guatemala:
a Organização Revolucionária do Povo em Armas (ORPA). Ele estava
trabalhando no México na Editorial Siglo XXI, e bem, sua opinião foi decisiva
para a publicação do livro. Entreguei-o em 68 e foi lançado em 69.

—E o que aconteceu depois?

—Comecei a ser conhecido na América Latina pela tradução do livro de


Althusser A Revolução Teórica de Marx e pela minha introdução. E então,
com este livro de Os Conceitos… inesperadamente alcancei a fama.

—Por que inesperadamente?

—Porque nem Orfila nem eu imaginávamos que teria o impacto que teve
este esforço pedagógico. Acho que a publicação de Os conceitos... teve um
bom impacto porque foi a única alternativa para

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

os manuais soviéticos que circulavam naquela época.23 Sempre digo que fui capaz
de escrevê-lo porque não tinha então, nem ainda tenho, um conhecimento
enciclopédico do marxismo. Eu só tinha lido O Capital de Marx e algumas outras obras
do que Althusser chamava de “Marx maduro”, e os escritos de Althusser da década
de 1960. Depois, na edição revisada e ampliada de 1985, incorporei obras posteriores
de Althusser, fundamentalmente seu artigo sobre os aparatos ideológicos do Estado.

Voltar para o Chile

—Quando você voltou da França você iniciou uma nova etapa na sua vida, certo? Em-
você pescou na faculdade...

-Sim. Planejava sobreviver no Chile dando aulas de francês, mas graças à publicação
de Los Conceptos... fui convidado a participar da preparação dos primeiros programas
da cátedra de marxismo.
Foi assim que, contra tudo o que se imaginava, consegui sobreviver graças ao
marxismo. Fui professor na universidade porque com a reforma universitária valia
mais ter um livro do que ter um diploma. Naquela época, se você tivesse escrito um
livro, isso abriria as portas da universidade. É por isso que digo que fui o que sou, mas
não graças às notas acadêmicas, o que significa que quanto mais diplomas você tiver,
melhor será valorizado.

Meu livro foi aceito porque não era soviético. Depois virou material de curso e isso fez
com que tivesse tantas edições e tantos exemplares. Porque era uma leitura
obrigatória. Fui um dos primeiros professores a ministrar cursos universitários sobre
marxismo. Lá trabalhei na equipe com o Clodomiro Almeyda.

23 FV Konstatínov, T A. Stepanián, PN Fedoséiev, II Shchipanov, AN León-


tiev, SL Rubinstein, Iudin... entre muitos outros.

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Isabel Rauber

—Você foi professor de que matéria?

—Do Materialismo Histórico. Lembro-me daqueles tempos agora e isso me


deixa muito engraçado…

-Que coisa?

—Que me leram na universidade. Embora isso não me afete. O que me


entusiasma é que também me foi lido nas prisões, que os guerrilheiros o
carregavam na mochila; Parece-me mais interessante, ou pelo que vos disse,
que os antifranquistas o estudaram clandestinamente durante o tempo de Franco.

—Tomás Moulian, companheiro com quem decidiu ir para a Euroÿ


Pa, referindo-se à sua presença na universidade naquela época e ao trabalho
de Althusser, disse: “…com Althusser, o Marxismo-Leninismo penetrou nos
claustros da universidade. Os objetivos cognitivos [para Marta] são claros.
expresso: simplificar a teoria, torná-la acessível às massas.”24
Ou seja, ele destaca claramente o seu interesse em difundir o marxismo sobre
os acadêmicos.

Por isso, voltando a Moulian, quero aqui recordar as suas palavras: “Para Marta
Harnecker a tarefa básica é divulgar, porquê reler althuseÿ
O autor dos clássicos fornece a teoria (do conhecimento) e a teoria (da história),
e também limpa o Marxismo-Leninismo dos detritos reducionistas.
e permite assim a fecundação da “ciência da história” com as contribuições
parciais da ciência contemporânea (Bachelard, Freud, Lacan, etc.). Para Marta
Harnecker, o principal não é a “pesquisa”, mas a “pedagogia”. Isto é visualizado
como ensino para as massas, como uma tarefa que vai além das instituições
acadêmicas…” [Moulian, 1989]

—Claro, penso assim. Como Althusser me disse na época, sei que tenho boa
capacidade pedagógica. eu tenho necessidade

24
[Moulian Tomás. “Marxismo no Chile: produção e uso.” In: Paradigÿ
mais conhecimento e prática social no Chile,
https://biblio.flacsoandes.edu.ec/catalog/resGet.php?resId=24997]

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

comunicar e comunicar bem as ideias. Isso, junto com o trabalho nas bases
populares, com as entrevistas, marcou o meu jeito de ser.
São as duas grandes vocações que sinto desde que me lembro.

O CESO e as primeiras cartilhas de educação popular

—Ao mesmo tempo interagi com o CESO (Centro de Estudos


Socioeconômicos), da Faculdade de Economia da Universidade do Chile,
para continuar pesquisando esses temas. Não me lembro bem como cheguei
lá, acho que foi por causa da minha relação com Theotonio Dos Santos e
Vania Bambirra, que conheci em Paris. Lá estavam, além de Theotonio e
Vania, Ruy Mauro Marini… Pío García era o diretor. Era um centro muito
interessante. A partir daí tivemos aulas na universidade.

—Quando você começou com as cartilhas de educação popular e por quê?

—Após a posse de Allende, Gabriela Uribe, uma colega chilena que estava
na França, ingressou no CESO. Estávamos trabalhando juntos e nos ocorreu
fazer as primeiras cartilhas de educação popular, poderíamos dizer. Eram
pequenas folhas, de uma página e meia, onde delineávamos os principais
ataques que Allende recebeu.
Chamavam-se: Liberdade para quem; outra: Democracia para quem; outro:
Meios de produção e meios de consumo. Esses cartõezinhos eram para
ajudar a treinar as pessoas e alguns cartunistas sugeriram que os fizéssemos
como caderninhos com bonequinhas.

Daí surgiu a ideia de criar a Editora Nacional Quimantú, a grande editora da


Unidade Popular, onde Gabriela começou a trabalhar e que nos deu a
possibilidade de fazer uma série de livrinhos de educação popular com
desenhos. Chamava-se La Firme [abril de 1971 a maio de 1973], e lá
tocávamos temas diversos: a nacionalização do cobre, a burocracia, tudo
com bonequinhas.25

25 A equipe de artistas e roteiristas era formada por Alberto Vivanco, (não

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Isabel Rauber

O grande problema é que sempre tivemos discussões com os


ilustradores, porque foram os ilustradores - na verdade - que acabaram
definindo o texto com os desenhos. Entregamos o texto para eles e eles
montaram e sempre ficamos insatisfeitos. Isso, além do fato de que
quando viemos trabalhar com os sindicatos e os colegas conheciam La
Firme, eles nos disseram: “Camaradas, não somos crianças para receber
isso das bonecas…” Mas também, eu não saber se foi reflexo daquele
momento ou alguém fez isso depois: Que a pequena burguesia, diziam,
está acostumada a se olhar criticamente, e quando você coloca a
bonequinha com o cabelo em pé, pode ser uma coisa natural para a
pequena burguesia, mas se você colocar um trabalhador com o cabelo
em pé, é uma ofensa porque o trabalhador quer estar bem penteado,
coisas assim eles disseram. Eu nunca tinha pensado nisso.

Cadernos de Educação Popular

—Essas reflexões nos fizeram abandonar os bonecos. A empresa


Continuou, mas começamos a fazer os Cadernos de Educação Popular
sem bonecos. Eles têm fotos e alguns diagramas, mas não têm os
bonecos com os cabelos em pé.

Foi uma experiência extraordinária, porque eu digo que a arte, no meu


caso, é criar um texto que as pessoas entendam, que não precise de
treinamento para entendê-lo. Então é um prazer conseguir isso, entender
as ideias que você quer transmitir.

Bom, até então eu não tinha percebido que o livro

usaram pseudônimos), Jorge Vivanco (Pepe Huinca) e Hernán Vidal (Hervi). A


eles se somaram colaboradores: Guillermo Durán (Guidú), Luis Jiménez (Aníbal)
e Eduardo de la Barra, que assinou como Jecho na revista Punto Final. Hilda
López atuou como Secretária Executiva e Marta Harnecker (1937-2019) e
Gabriela Uribe trabalharam na elaboração dos textos, além da documentação
fornecida por Gabriela Videla. A publicação, desenhada no formato vertical de
18 por 26 cm, foi impressa inicialmente em 2 cores e, às vezes, apenas em tinta
preta nas páginas internas.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

o meu de The Concepts... tinha capítulos compreensíveis, mas outros eram


mais complexos e os trabalhadores chilenos não conseguiriam entendê-lo
completamente, por isso queríamos fazer outro esforço.

—Aquele dos Cadernos de Educação Popular…

-Sim. Paradoxalmente, o Partido Comunista, que atacou o meu livro Os


Conceitos..., considerou que essa coisa de caderno era muito mais dialética,
era uma mudança importante de método. Porque no livro, nas primeiras
edições, coloquei primeiro a definição e depois o desenvolvimento. Depois
aprendemos a importância de colocar as questões em primeiro lugar e as
definições em segundo. E também a ordem: que viessem primeiro as relações
de produção e não as forças produtivas, coisas assim...

—Vamos lembrar o que eram os Cadernos... Era uma coleção dividida em


duas séries.

-Sim. O que é a sociedade é uma série de seis: Explorados e exploradores,


Exploração capitalista, Monopólios e miséria, Classes sociais e luta de
classes, Imperialismo e dependência... Depois saiu a outra série.

—Este segundo foi dedicado à proposta política.

-Sim. Capitalismo e socialismo; Socialismo e Comunismo; dois textos sobre


o partido: O partido: vanguarda do proletariado; O partido: sua organização.
Depois: Líderes e massas; Estratégia e táticas; Alianças e frente política.
Destes, o de Estratégia e Tática foi lido por Chávez.

—Nas primeiras edições, as duas séries são em coautoria com Gabriela


Uribe…

—Escrevi com a colaboração da Gabriela, mas como fiz o projeto do livro,


na verdade a autoria me correspondia. É por isso que quando alguém me
diz: “Por que você publicou os primeiros com ele e depois quando sai na
Espanha só tem o seu nome?” Bom, a questão é que a responsabilidade de
reeditar o texto, de eliminar coisas, foi minha. Por exemplo, eliminei todos
os casos concretos.

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Isabel Rauber

—Um caminho muito importante pedagógica e politicamente; Com certeza marcou


muito você.

-Sim. A verdade é que fui o primeiro a me surpreender com a grande divulgação que
meus livros tiveram. Nunca pensei que um texto, inicialmente destinado a um
pequeno grupo de camaradas revolucionários, tivesse tal recepção, tornando-se de
fato um texto de estudo nas universidades latino-americanas. Nem imaginei que os
Cadernos de Educação Popular, desenvolvidos para responder ao desejo de
educação política de setores crescentes do proletariado e dos estudantes chilenos
durante o governo Allende, fossem reproduzidos e adaptados em numerosos países
da América, da Europa e até da África. . Penso que isso se deve ao grande vazio
pedagógico que existe no campo do marxismo.

—Há quanto tempo você lecionou na universidade?

— Pouco tempo, cerca de um ano e meio, até me tornar diretor da revista Chile Hoy
e isso tomou todo o meu tempo.

—Foi pouco tempo, mas muito importante; abriu uma brecha e deixou pegadas.
Vou evocar novamente – como resumo desta etapa – Tomás Moulian, que, referindo-
se à sua passagem pela universidade, destacou: “A importância de Althusser no
marxismo chileno (e também latino-americano).
ricano) deveu-se especialmente aos trabalhos de sistematização pedagógica
produzidos por Marta Harnecker. Os dois principais são o manual tiÿ
intitulado “Os conceitos elementares do materialismo histórico” que até 1988 teve
sessenta e sete edições em espanhol e a série de doze panfletos intitulada “Cadernos
de Educação Popular”. A própria autora define a sua posição dentro da cadeia de
circulação: «A verdade é que o objetivo fundamental do meu trabalho foi e é
pedagógico.
Primeiro tentei levar às grandes massas esta redescoberta do marxismo levada a
cabo por Althusser e um grupo de companheiros que trabalharam com ele...” No
mesmo texto, acrescenta: “...penso que tenho razão em dizer que há muito mais
investigadores e estudiosos do mar
xismo do que os pedagogos, mas acontece que eles não são os pesquisadores ou os

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

“São os estudiosos que fazem a história, são as massas populares com a classe
trabalhadora à frente.” A primazia, no circuito de circulação, da função difusão
está claramente definida, dados dois pressupostos: a) a teoria para torná-la
acessível às massas deve passar por uma operação de produção e, b) que a
teoria está em condições de « "fazer história" somente quando a "subjetivação"
tiver ocorrido, quando a "consciência de massa" for alcançada. [Moulian, 1989]

As múltiplas edições de The Concepts…

—O livro “Conceitos elementares do materialismo histórico”, quando?


Quais edições você tem? Já perdi a conta, mais de sessenta...?

—Sessenta e seis, mais edições piratas…

—Não é mais seu, embora tenha seu nome, é um livro de todas as contiÿ
Bem, pelo menos... E as editoras vão continuar publicando.

— Foi assim que aconteceu. A única coisa que me interessa, acho que você
também já deve ter experimentado, é que o esforço de se comunicar
pedagogicamente, de compartilhar as paixões do conhecimento que você tem,
chegue a mais pessoas.

Para mim essa é a maravilha do amor, ou seja, sentir que as pessoas


aproveitaram o seu trabalho, que valeu a pena, que transformou a vida de muita
gente de uma forma ou de outra. Então o que sinto não é fama, ser famoso;
Recebo a gratidão e isso me emociona, que as pessoas sintam carinho. Porque
alguém pode ser muito famoso e te odiar. Aqui a questão não é tanto ser
conhecido, mas sim o que você semeou, ou seja, como as pessoas valorizam o
que meu trabalho significou para suas vidas.
Isso me excita.

—E você também sente isso em seminários, em eventos públicos...

-Claro. Sinto isso especialmente nos lançamentos de livros. Porque nos


seminários as coisas são mais específicas, as pessoas vão por um tema, mas
quando você vai apresentar o livro, elas vão pelo autor. Quando Chávez
começou a falar sobre meu livro e a arte da política: “Como

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Isabel Rauber

Marta diz, para tornar possível o impossível…” e o carinho que Chávez demonstrou por
mim, que foi transferido para a cidade, foi perceptível nas ruas. Michael me disse: “Que
impressionante como as pessoas amam você”.
(Chora)

-Aproveite mulher...

—O que você precisa é que as pessoas te amem... Isso é maravilhoso.

Chile Hoy26

—Quando me sugeriram ir ao Chile Hoy, eu tinha publicado alguns artigos no Punto


Final, da França, como já lhe contei.
Mas eu não era jornalista e isso me fez duvidar.

—Que tipo de itens?

—Esses artigos eram fragmentos de The Concepts… como prévias, digamos. Ela era
amiga de Cabieses, seu diretor, e os publicou usando diversos pseudônimos: Daniel
Cumplido e Neva. Vários disseram que foi Theotonio Dos Santos quem escreveu os
artigos.

—Por que Daniel Cumplido?

—Eu me dei o pseudônimo de Daniel Cumplido porque ele era um maoísta muito
incompatível; para esfregá-lo.

(risos)

—Vamos voltar ao Chile hoje... Você começou como vice-diretor e logo depois
porque você era o diretor.

26
A Revista Chile Hoy foi publicada de junho de 1972 a setembro de 1973. É um
jornal semanal, portanto, apesar de sua curta duração, é publicado um grande
número de números. A comissão editorial foi integrada por Jaime Barrios, Theotonio
Dos Santos, Pío García, Marta Harnecker, Ruy Mauro Marini, Alberto Martínez e
Enrique Paris. A Diretora foi Marta Harnecker e os editores foram Germán Marín,
Jorge Modinguer, Victor Vaccaro e Faride Zerán. [Fonte: Pacarina del Sur - http://
www.pacarinadelsur.com/home/oleajes/45-dossiers/dossier-9/812-debates-y-
tensiones-en-el-chile-de-la-unidad-popular -a-traição-dos-intelectuais]

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Sim. José Manuel Quijano, filho do ex-diretor da Marcha (Uruguai),


inicialmente assumiu o comando da revista. Mas erramos na primeira edição
porque o Costa-Gavras 27 chegou ao país e o entrevistou e o Costa-Gavras
falou coisas contra os comunistas. Éramos uma revista de Unidade Popular,
mas tínhamos um amplo corpo editorial. Havia o Partido Comunista, o Partido
Socialista, a Esquerda Cristã... E, claro, depois dessa entrevista os comunistas
deixaram a redação.

E bem, isso mudou tudo. Houve também algum descontentamento com


Quija-no pelos seus critérios políticos...

—Como você se tornou diretor da revista?

-Bem. Pío García foi quem teve a ideia. Eu disse a ele que não tinha
experiência jornalística e ele me disse: “Mas você é conhecido pelo seu livro,
politicamente ele é importante, você tem que aceitá-lo”, então concordei em
assumir a direção da revista. José Cayuela, editor-chefe e editor nacional, me
ajudou muito, assim como Marcela Otero, González Bermejo e Faride Zerán.

Mas demorou muito para restaurar relacionamentos danificados. Note que eu


era muito amigo de Enrique Paris, que era o representante dos comunistas
na revista, com quem me relacionava desde a universidade porque fazíamos
parte do conselho universitário e, apesar disso, foi muito difícil para mim
conseguir uma entrevista com Corvalán, secretário-geral do Partido
Comunista. Demorou meses, mas ele finalmente me concedeu a entrevista.
Também entrevistei o MIR.

Foi quando comecei a praticar longas entrevistas. Fê-los com González


Bermejo, um brilhante jornalista uruguaio, já falecido. Como não gostava de
ficar atrás de uma mesa, muitas vezes saía com Faride Zérán para fazer
entrevistas nos setores populares, nos cordões industriais, nos comandos
comunitários...

27 Costa-Gavras foi um diretor de cinema crítico do stalinismo.

148
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Isabel Rauber

A ideia era transmitir diretamente a opinião dos trabalhadores.


Foi um momento muito importante para mim porque lá me formei em entrevistas,
em jornalismo de base e foi aí que começou minha vocação para o testemunho.

Golpe, clandestinidade e exílio

Esperando pelo golpe

—Quando ocorreu o golpe você estava no Chile. Hoje, você previu isso?

—Nós previmos isso chegando. Ruy Mauro e Theo-tonio estavam na redação,


mas achavam que o golpe que iria ocorrer no Chile não seria igual ao do Brasil,
que não seria um golpe fascista como foi , e que poderíamos continuar
funcionando. Mas todos pensávamos que um golpe iria acontecer; Meses
antes, reportamos isso na revista. [Não. 56 em diante]28

Pouco antes do golpe, recebemos – eu recebi como diretor – a visita de César


Ruiz Danyau, comandante da Aeronáutica porque havíamos feito um número
[Não. 64] onde denunciamos como ocorreram os levantes na Aeronáutica e a
preparação para o golpe.

—Eles ficariam preocupados com suas fontes de informação…

-Claro. Embora o MIR não estivesse na Unidade Popular, eu era muito amigo
de Miguel Enríquez, de Nelson Gutiérrez e, sobretudo, de Alia Faride Zerán
Chelech, que era do MIR, muito jovem, um excelente jornalista, que trabalhava
em setores sociais ... fazendo entrevistas, como eu te disse. Bem, combinamos
com eles que eles nos passariam

28
Ver: http://www.socialismo-chileno.org/PS/ChileHoy/chile_hoy/chile_hoy.html

149
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

informações de inteligência sobre os movimentos que existiam dentro do


Exército e – com base nisso – anunciamos que esses movimentos estavam
ocorrendo. Por isso o então comandante da Aeronáutica apareceu na revista
para nos intimidar... “De onde vocês tiraram a informação? O que publicaram
não é verdade; está tudo normal." Algumas semanas depois veio o golpe.

O golpe

—A ameaça de golpe estava presente diariamente. No início toda a esquerda


tomou medidas para enfrentá-lo, mas aconteceu como a história do Pedrito e
do lobo, com tantos anúncios que o lobo estava chegando e não chegou,
quando o lobo chegou ninguém estava preparado para enfrentar isto.
Isso aconteceu com os líderes da esquerda. Muitos deles estavam dormindo
em casa naquele momento.

O Partido Socialista estava ciente de que o golpe estava por vir. Mas não
estávamos preparados. Falámos com o Partido Socialista, mas eles não
estavam em posição de nos aconselhar sobre a clandestinidade.
Depois – o próprio partido – recomendou que falássemos com o MIR. Tive
algumas reuniões com Bautista van Schouwen, especialmente pensando
em levar a revista para a clandestinidade.

No dia 11 o golpe nos pegou de surpresa. Não me lembro quem me ligou de


manhã cedo me contando. A instrução do MIR, antecipando o golpe, era ir
até o quartel que se rebelaria. Porque vinham realizando uma campanha
dirigida aos setores não golpistas das Forças Armadas (suboficiais, soldados,
policiais, oficiais antigolpe), conclamando-os a desobedecer às ordens dos
golpistas. Eles não pensavam que haveria um golpe dentro do golpe e que
iriam liquidar os quadros progressistas do Exército.

—Esses quartéis supostamente se rebelariam contra o golpe.

-Claro. Mas isso não aconteceu; Essa revolta nunca aconteceu. Os líderes
golpistas realizaram um golpe dentro das próprias forças

150
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Isabel Rauber

forças armadas prendendo os generais mais próximos do presidente Allende, incluindo


o general Bachelet, pai de Michelle.

—Você tinha alguma outra alternativa em mente?

—Cada um de nós tinha casas seguras para onde ir em caso de golpe. Tínhamos
começado a coordenar com o MIR chileno para levar a revista à clandestinidade. Este
foi o partido mais preparado para nos dar tais conselhos. A instrução que recebemos
do líder nacional encarregado destas atividades foi que estivéssemos atentos ao levante
que ocorreria nos quartéis contra os golpistas militares.

Mas quando ligaram para minha casa e me disseram: “O golpe”, em vez de ir a esses
lugares -porque era para isso que tínhamos que nos preparar-, todos nós da revista
decidimos nos reunir na casa de um amigo a cerca de 10 quarteirões de distância. A
moeda. Lá soubemos, pela rádio, do bombardeio de La Moneda e que o departamento
em que estávamos estava dentro da área que foi declarada zona de toque de recolher
por três dias. Permanecemos dentro do cerco que os militares fizeram ao Palácio.
Ninguém conseguia se mover.

Estive lá com vários jornalistas da revista e lembro-me que naquele mesmo edifício, lá
em baixo, também estavam jornalistas de outros meios de comunicação. De repente,
um de nós pensa em investigar uma claraboia e algo cai e faz barulho. Logo os soldados
vieram ver o que estava acontecendo ali. Um dos jornalistas, que não era do nosso
grupo, saiu-se muito bem. Mas de qualquer forma, os militares começaram a revistar as
carteiras. Eu tinha um revólver que Manuel Piñeiro me mandou, com quem já tinha um
relacionamento.

Ele tinha aquele revólver, embora nunca fosse usá-lo, e as balas. Eu tinha escondido na
banheira, que tinha uma portinha, mas esqueci as balas na bolsa. E quando os soldados
chegam dizem: “Vamos ver, vira a carteira”. Virei a carteira, mas as balas não saíram.

Porque se eles saírem não contarei a história.

151
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Então não encontraram nada e foram embora.

-Sim.

—Quando você saiu daquela casa?

—Quando foi aberta a área onde estava a cerca militar. Minha irmã foi me procurar

no local e decidimos ir até o prédio onde eu morava, mas por precaução eu disse a
ela: Você vai, te espero no carro. Quando chegou ao prédio não conseguiu entrar.
Havia uma junta fascista controlando o prédio e disseram à minha irmã: "Quem você
vem procurar? Marta Harnecker?" E antes que ela diga alguma coisa, eles dizem:
“Os militares levaram sua irmã”. Graças a Deus eu estava no carro. Mas ele não
conseguiu entrar, é claro.

Asilo na Embaixada da Venezuela


—Onde você foi naquela hora?

—Quando consegui sair do cerco fui, não para o meu esconderijo que ficava no
bairro operário; Vimos que era mais natural ir para setores médios. Refugiei-me na
casa de alguns republicanos espanhóis que colaboravam com a revista. Alguém nos
denunciou e tivemos que mudar para outra casa, e de lá fomos para a casa de um
primo, que estava desocupada; Estávamos sozinhos com Gabriela Uribe.

Não podíamos fazer barulho. A partir daí fiz contato com o MIR. Foi descartada a
possibilidade de publicação clandestina da revista. Decidi então sair do país.

Os cubanos ofereceram-se para me encontrar numa esquina se ocorresse o golpe,


mas partiram para Cuba e fiquei sem contacto. Meus amigos me convenceram a ir à
Embaixada do México. Enquanto isso, a mãe de Gabriela Uribe, que era muito amiga
de Clara Rosa Otero, diretora do Nacional, em Caracas, conseguiu que fôssemos
recebidos pelo embaixador venezuelano, que era muito rigoroso e só recebia
pessoas muito importantes. Através desse contato entramos na Embaixada da
Venezuela.

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Isabel Rauber

Naquele momento perguntei às pessoas do MIR com quem tive contato: O que
eu faço? E eles me falam: “Olha, a gente não tem condições de estar aqui nesse
momento, clandestinamente; Saia do país.

Então me refugiei na Embaixada da Venezuela pensando que sairia em dez dias,


mas me mantiveram lá por quatro meses porque eu estava na lista de jornalistas
procurados.

A minha obsessão na Embaixada, durante os meses que lá estive, foi recuperar


os meus ficheiros, os meus livros, que estavam no meu apartamento e ninguém
conseguia retirá-los.

—Os militares não o mataram?

-Alguns fazem. Mais tarde recuperei muitas coisas e no voo que vim para Cuba
trouxe uma mala cheia de coisas que consegui resgatar, papéis e provavelmente
as cartas de Piñeiro... Embora muitas de suas cartas tenham sido rasgadas por
minha irmã, de temer...

Muito mais tarde, já em Cuba, recebi uma carta de um carabinero, um cara da


polícia, que me disse que tinha muitas fotos, mas nunca me atrevi a contatá-lo,
não sabia se era uma isca...

—O que aconteceu com o seu relacionamento com Piñeiro naquela época?

—Naquela época eu já estava apaixonada pelo Comandante Piñeiro e tinha


esperança que ele me resgatasse da Embaixada, aquela coisa romântica. Claro
que nada disso aconteceu. Mas acontece que os venezuelanos não queriam
receber pessoas na Venezuela e por isso enviaram as pessoas para Cuba. A
Gabriela, que não tinha formação como a minha, partiu para a Venezuela, mas eu
fui direto para Cuba, que era o que eu queria muito.

O golpe que recebi permitiu-me fortalecer a minha relação com Piñeiro. Resolveu
a situação para mim. Porque antes eu não podia sair da redação e ir...
Nas cartas eu dizia para ele: não posso ficar tanto tempo, tenho trabalhos para
revista, é feriado mas estamos fazendo turnos. Não pude sair do Chile,
principalmente porque não era assunto oficial, então tive que inventar pretextos.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

A grande tristeza e frustração que o golpe militar me causou foi compensada pelo
encontro com quem mais tarde se tornou meu companheiro e pai da minha única
filha, o Comandante Manuel Piñeiro, mais conhecido como “Barbarossa”. Cuba foi
minha segunda pátria. O amor e a solidariedade do seu povo sempre me fizeram
sentir como se estivesse
na minha casa.

—E como você chegou a Cuba?

—Num voo direto, um charter, que a Embaixada - já que não queria levar refugiados
para a Venezuela - enviou com todos, diretamente para Cuba. Na Embaixada eram
vinte e poucos, mas no Consulado eram cerca de seiscentos, e todos vieram para
Cuba, em fevereiro de 74.

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4.
Cuba e Piñeiro.
A segunda grande mudança de vida

Marta com Piñeiro. Museu do Sol (Peru,


1990)
Fidel Castro assinando o livro de registro
de casamento de Marta e Piñeiro

Marta, Piñeiro e Camila caminham na Última foto de família (Marta, Camila e


praia (1979) Piñeiro), na praia (S/F)

Fonte: Arquivo pessoal de Marta Harnecker.


Fotografias facilitadas por Camila Piñeiro Harnecker

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Primeiras visitas a Cuba em 1960

—Você já visitou Cuba nos anos sessenta; Conte-me sobre essa experiência: por que
você veio, o que significou para você...

—Vim em 1960 pela primeira vez.

—Isto é, antes de ir para a França.

-Claro. Eu vim quando a guerrilha tinha cabelos compridos... Eu era líder estudantil da
Juventude Universitária Católica... Ainda não tinha me formado na universidade. Cuba
marcou-me, como cristão preocupado com a pobreza.

—Você se lembra de alguma anedota interessante daquela época?

—Estive na Universidade Católica e a visão que os católicos tinham dos comunistas


era péssima, ou seja, muito má, a típica coisa que se espalha. Mas também tive uma
experiência prática muito negativa. Houve um evento sobre mulheres, que foi realizado
em Havana e os delegados tiveram que ser eleitos. Aí foi feita uma ligação, não lembro
quem ligou, onde todas as mulheres do Chile se reuniram para decidir quem estaria
na delegação, algo assim, e também o que propor. Fui a essas reuniões como mulher
católica, e os comunistas estavam lá, etc. Lembro que foi discutido e discutido, mas
não se chegou a nenhuma conclusão. E o que aconteceu? Que os católicos tinham
que voltar para casa para cuidar de suas casas, etc., e depois os comunistas ficavam
na reunião e decidiam o que queriam. Então fiquei com a ideia de: comunistas
manipuladores. Depois vim com terror para Cuba, um país cheio de comunistas...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Então você veio ver...

—Claro, vim como líder estudantil. Os Estados Unidos convidaram seis ou


sete presidentes de federações estudantis que estavam no Chile naquela
época para visitar os Estados Unidos para ver os benefícios da democracia
americana. E Cuba disse: “Bem, nós convidamos você aqui, para que você
possa ver o que estamos fazendo”. Nessa delegação chegaram a Cuba
quatro pessoas, entre as quais eu; Não éramos presidentes, mas na Igreja
Católica me elegeram... Não sei até onde isso foi porque alguns dos caras que
estavam lá se interessaram que eu viesse, por outros motivos. Mas bem, a
questão é que eu vim.

—Quais seriam esses outros motivos?

—Acho que tinha alguém que estava meio apaixonado por mim, então...
tenho a ideia de que não foi por mérito próprio que vim, mas por causa
isso.

Não chegamos todos juntos por causa do grande terremoto que abalou
Valdivia e outras áreas [22 de maio de 1960]. A federação estudantil ficou
encarregada de servir o povo e ficamos um pouco para trás. Então quem
chegou primeiro foi com Fidel, com todo mundo.
E quando chegámos já não estávamos com ninguém da liderança máxima da
revolução, mas sim com os quadros inferiores. Um tenente de cabelos
compridos cuidou de nós, percorremos o país, fomos para Santiago de Cuba.
Lembro que lá ele recebeu ordem de cortar o cabelo, então saiu uma tarde e
depois de um tempo voltou com o cabelo curto.

A marca de Cuba nos anos 60

—Fomos à Sierra Maestra e conhecemos crianças numa escola. E quando


nos perguntaram: de onde vêm?, respondemos: do Chile. Eles disseram: “Do
Chile; “Estamos esperando as crianças do Chile porque sabemos que houve
um terremoto, para tê-las aqui enquanto reconstroem suas casas”. Isso me
impressionou, que criancinhas

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Isabel Rauber

da Sierra Maestra sabiam o que tinha acontecido no Chile, quando no Chile


ninguém sabe nada do mundo.

Outro exemplo: viemos do México, e contrastar o garçom do restaurante dos


nossos países, que é muito servil, que te dá o guardanapo e faz uma reverência,
com o colega que nos serviu em Cuba, foi impressionante. Em Cuba, os
garçons nos chamavam de “vocês” e nos falavam do processo revolucionário
como algo próprio. Aquela visita a Cuba foi para mim a impressão de: dignidade
em primeiro lugar, isto é, as pessoas que vivem com dignidade. Isso me
impressionou muito. Tudo o que vivi naqueles dias me influenciou enormemente
e voltei diferente. Cuba me marcou, foi minha primeira marca política.

Desde então, para mim, Fidel foi a encarnação de Cristo, um personagem


extraordinário.

O retorno ao Chile e a saída da Igreja

—Enquanto visitei Cuba como líder da Acção Católica, ao regressar planejei


fazer algumas exposições em defesa de Cuba, mostrando o que Cuba era.
Mas quando regresso ao Chile e quero falar de Cuba, na universidade dizem-
me que não, para não falar porque isso arriscaria a possibilidade de um certo
bispo - que estava ligado à Acção Católica - ser nomeado arcebispo de
Santia. . Esse foi o início do meu afastamento da instituição eclesiástica, aos
poucos fui perdendo o interesse.

O que me motivou a fazê-lo foi não poder, por razões de política da Igreja
Católica, defender Cuba como gostaria.

—A Igreja bloqueou você.

-Claro. Porque naquela época ser amigo de Cuba prejudicava a carreira de um


bispo, foi aí que comecei a me distanciar. E continuei com o que entendi ser
minha fé.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Segunda viagem a Cuba

—Depois você viajou novamente para Cuba, antes de ir para a França. Mas as
coisas já haviam mudado.

-Sim. Em setembro de 63 fui para a Europa, então devo ter ido em março ou
abril de 63, algo assim.

Uma amiga, muito amiga minha, da Acção Católica, casou-se com Rodrigo
Cabello Voloski, um comunista que era economista e que tinha ido para Cuba
em 1960 - depois de se formar - para se juntar ao processo revolucionário. Seu
trabalho como assessor de produção econômica do Instituto Nacional de
Reforma Agrária foi tão reconhecido que integrou a delegação cubana à VII
Conferência da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura), realizada no Rio de Janeiro. em novembro de 1962. Ao retornar,
em 27 de novembro, o avião sofreu um acidente pouco antes de pousar em sua
escala em Lima e todos os que viajavam naquele voo morreram.29

No início de 1963 viajei a Cuba para acompanhá-la. A minha comunidade, o


grupo de colegas que partilhava a ideia de comunidade, delegou-me para vir
apoiá-la porque ela era uma grande amiga nossa.

—Naquela época havia um grande número de profissionais que vinham a Cuba


para trabalhar, para contribuir.

—Digo que a revolução cubana se caracterizou, como outras revoluções, por


atrair técnicos profissionais. Vieram muitos chilenos e também profissionais da
CEPAL…

29 Trata-se do voo 810 da VARIG, partiu do aeroporto do Rio de Janeiro com


escala em Lima, no México e destino final em Los Angeles. Nesse voo a
delegação cubana regressou a Havana. Perto do Aeroporto Internacional
Jorge Chávez, em Lima, após tentar um pouso de emergência, caiu no morro
Las Cruces na terça-feira, 27 de novembro de 1962. Todos os 97 ocupantes
morreram: 17 tripulantes e 80 passageiros. Um destes últimos foi Rodrigo Cabello Voloski.
Ele tinha 25 anos e era membro da Juventude Comunista do Chile.

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Isabel Rauber

—Como Juan Noyola, por exemplo, que também integrou a delegação cubana
à reunião da FAO e morreu naquele acidente aéreo.

-Sim. Cuba se abriu e compreendeu a importância dos assessores estrangeiros,


que foi o que dissemos a Chávez; Na Venezuela não havia um único estrangeiro
quando chegamos com Michael.

Quando fui acompanhar meu amigo naquele momento difícil, tinha acontecido
a coisa da microfração do Aníbal Escalante30, surgiu a coisa sectária... e esse
meu amigo estava se afogando. Ela era católica e estava cercada por um
ambiente diferente de quando chegou.

—Diferente em que sentido?

—Meus amigos da Ação Católica de Cuba já começaram a conspirar contra a


revolução. Isso não me afetou, mas fiquei preocupado com o sectarismo,
embora ainda estivesse atraído pelo processo.

—Você pensou em morar em Cuba naquela época?

-Eu pensei assim. Cuando estaba en Francia, no sé por qué razón, tal vez
porque empecé a escribir sobre Althusser, Fernando Martínez, que estaba en
ese momento en el grupo de intelectuales conocidos como el “grupo de la calle
K”, del Departamento de Filosofía y Letras da

30 Entre 1961 e 1962, ocorreu em Cuba o processo de integração das


Organizações Revolucionárias Integradas (ORI). Neste contexto, um grupo de
membros, maioritariamente oriundos do já extinto Partido Popular Socialista
(PSP), lutou para se posicionar em lugares-chave da ORI, constituindo uma
facção que operava à margem dos acordos gerais. Eles pensavam que eram
eles que deveriam dirigir o processo revolucionário. Este facto do sectarismo foi
chamado “a microfracção” e foi revelado publicamente em 1968. O clima social e
político estava convulsionado; A Igreja Católica rebelou-se contra algumas
medidas revolucionárias e a Acção Católica retirou o seu apoio inicial ao processo,
voltando-o gradualmente para a rejeição e a oposição. [Neste tópico você pode
consultar: Pedroza Gallegos, Blanca I. (2014) Catolicismo e a Revolução Cubana In: Pacarina de
[Online], ano 6, não. 22, janeiro-março de 2015. ISSN: 2007-2309 Consultado
em sábado, 20 de março de 2021 http://pacarinadelsur.com/home/abordajes-y-
con-tiendas/1080-catolicismo-y-revolucion-cubana ]

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Universidade de Havana, eu tinha proposto vir para Cuba, mas no final não
vim. Publicaram a revista Pensamiento Críÿ
tico [1067-1971].

—Você o conheceu em suas visitas a Cuba?

-Não. Foi por carta. Acho que depois ele esteve na França, fazendo alguma
coisa na Embaixada.

—E ele se uniu ao seu grupo?

-Sim. Acho que o conheci naquela época.

Terceira visita a Cuba, ano 71

—Depois daquela visita na época do sectarismo, voltei a Cuba em 71...

Allende foi eleito em setembro de 70, ou seja, o primeiro 26 de julho após o


triunfo de Allende ter sido em 71. De Cuba convidam uma delegação para as
comemorações; Ministros e jornalistas viajam e eu entro naquela delegação.

—E isso mudaria a sua vida...

-Sim…

Romance com Pineiro

—Quando você conheceu Piñeiro?

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Isabel Rauber

—Nessa visita conheci Piñeiro. Ele estava no Ministério do Interior naquela época,

acho que era vice-ministro, mas como Allende era tão importante, foi designado para
atender a delegação chilena.

Foi amor à primeira vista.

—Eles começaram o romance em 71?

—Sim, no mesmo dia em que o conheci, à noite. Isso não se sabe porque se presumia
que ele não mantinha um relacionamento comigo desde antes do golpe.
Porque naquela época ele era casado.

—Eles foram meteóricos...

—No dia seguinte à minha chegada, à noite, teve uma festa e ele foi a todas aquelas
reuniões. Uma festa foi planejada e bem, fomos para a festa.
Lá estava dançando, havia alguns jornalistas muito mais atraentes que eu, pensei; Ele
dançou com os outros e eu dancei com Gabriel Molina, o jornalista.

Ele me convidou para dançar, eu me lembro, bem apertado. Aí Piñeiro se aproximou


dela e disse: “Ei, não dance com ela tão apertada”. E ele me convidou para dançar.
De lá fomos para Santa María31, naquela mesma noite. Foi aí que a coisa começou.

Quando voltei, bem tarde da noite, todo picado por mosquitos, fiquei preocupado
porque estava hospedado com outra jornalista, Marcela Otero, uma grande amiga
minha, do Chile Hoy. Ela me ensinou o estilo jornalístico, foi minha iniciadora na
questão dos títulos... Bom, quando cheguei pensei: Que horror, estou cheio de
mordidas, o que vou dizer. Mas na manhã seguinte não havia mais marcas.

—Quantos dias você esteve lá naquela ocasião?

—Não sei por que a viagem foi um pouco mais longa. Quando fomos para um lugar
onde pudéssemos conversar, a primeira coisa que perguntei ao Piñeiro foi: “Você vai

31 Cidade residencial localizada na área das praias orientais de Havana.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

falar com sua esposa?” E ele me disse: “Claro. Converso tudo com minha
esposa, vou contar a ela o que aconteceu.” Mas ele nunca disse nada a ela.
Ele não enfrentou isso.

Eu queria entrevistar Fidel. Mas entrevistei Carlos Rafael. Porque depois de


tudo isso quem ia me conseguir a entrevista era Piñeiro…

—E ele nunca entendeu...

-Não. Vim não sei quantas vezes a Cuba para entrevistar Fidel, tipo
três vezes…

“Piñeiro citou você.

-Claro. Vir entrevistar Fidel, mas isso não aconteceu.

(risos)

—E você alguma vez entrevistou Fidel?

—Eu nunca o entrevistei. Fiz um questionário, depois um maior, depois outro


maior… Quando Camila nasceu, Fidel me disse: “Olha, a Camila vai me
entrevistar”.

Entrevistei Carlos Rafael.

—E o que aconteceu quando você voltou ao Chile?

—Quando voltei para o Chile Piñeiro começou a me ligar. Mas um dia, de


repente, a gente estava conversando e cruzou uma ligação, não sei como,
com o Carlos Rafael e apareceu a voz do Carlos Rafael e a voz do Piñeiro, e
o Carlos ficou meio assim, bom, lançado...

Então depois disso o Piñeiro começou a ligar e ligar, foi ótimo. Mas de repente
ele desapareceu... Não ouvi mais nada sobre ele.

Quando desapareceu – ninguém sabe – foi porque preparava a viagem de


Fidel ao Chile. Isso foi em novembro de 71.

—Uma visita chocante…

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—Você tem que ver os discursos de Fidel na universidade! Fidel ficou muito tempo e
os políticos do Chile queriam que ele saísse porque era muito tempo.

Nessa viagem, Piñeiro foi ao Chile com Fidel. Foi também Lorna, sua esposa. E então
ele ficou comigo e a esposa dele voltou.

—A mulher voltou e Piñeiro ficou com você?

-Ele ficou. Ninguém sabia, mas ele estava hospedado na minha casa. A verdade é que

não tomamos muitas medidas clandestinas, mudámo-nos, provavelmente no meu


carro, penso eu, para casa da minha irmã. Lembro que políticos chilenos vieram me
procurar como diretor da revista e não pude recebê-los. Um deles – Bosco Parra,
líder da esquerda cristã – me contou que enquanto esperava lá embaixo viu Piñeiro
sair...

—No final das contas, são segredos que todos conhecem.

-Sim. Depois que Piñeiro saiu, passou algum tempo e perdemos contato. Ele parou
de me ligar, então escrevi uma carta para ele dizendo: Bem, acho que isso acabou,
mas diga-me, não me deixe aqui esperando e esperando.

Eu estava muito apaixonada por ele. Aí ele me ligou e me tratou como uma pequena
burguesa, como posso não confiar nele. Mais tarde descobri que ele esteve na Argélia.

Um relacionamento inesperado…

—Naquele momento, um líder sênior do MIR apareceu em minha vida.32


E como não podiam ficar em casa, ficaram alguns dias na minha casa. E bem, tivemos
um relacionamento, sexual, digamos...

Foram duas ou três noites. Ele disse que era um cavalo em fuga. Naquela época eu
estava namorando uma colega de classe, mas ela me disse

32 A identidade é reservada a pedido expresso de Marta Harnecker. [N de A]

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Ele se sentia atraído por mim desde o ensino médio. E bem, era assim que as coisas
eram, mas não ia além dessas reuniões. Mas, na verdade, aquela atração que a gente
tinha funcionava pela revista, pelas entrevistas e pelas coisas...

—Em que sentido você diz “deu certo?”, para poder entrevistá-lo?

-Sim. E pelo apoio que o MIR deu à revista nas investigações da inteligência militar e
todas essas coisas.

Relacionamentos à distância

—E quando Piñeiro reapareceu?

—Piñeiro me ligou quando esse amigo estava em casa comigo…


Não me lembro se alguma vez contei ou não contei isso a ele.

Mas ele, que era muito animado, sentiu alguma coisa e então, para me controlar,
resolveu mandar um diagramador. “A revista está muito feia, vou mandar um layout para
você”, ele me disse. Foi alguém que foi me controlar.
E eu tinha que ter um homem do Piñeiro lá, envolvido na equipe.

—Você sabia alguma coisa sobre layout?

-Eu sabia. Mas o primeiro problema foi horrível porque colocaram guardas negros que
pareciam... Depois foi corrigido.

—Você e Piñeiro decidiram manter o relacionamento amoroso apesar dos desentendimentos


importância ou aconteceu?

—Começou como um relacionamento sem compromisso. Mas à medida que fui


conhecendo Piñeiro, meu sonho naqueles anos de Allende era poder ir a Cuba nos finais
de semana de avião e voltar, porque lá ele tinha responsabilidades.

Piñeiro me disse: “Vou para a Argentina e vou me aproximar”.


Mas era impossível, pelas responsabilidades que eu tinha. E eu estava com a revista e
me senti comprometido com o processo. Nunca pensei: “Olha, vou deixar isso…”

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Isabel Rauber

Mas ele começou a me ligar... Lá eu tinha um contato, que era a Lobaina,


que era como a intermediária, e também o Timossi. Acho que os dois
sabiam da nossa relação, principalmente a Lobaina porque eu entregava
cartas semanalmente ao Piñeiro...

—Ele trabalhou na Embaixada?

-Sim. E eu mandava as cartas pelo correio e também recebia as respostas


dessa forma... Essas cartas se perderam porque minha irmã Inês, quando
chegou a ditadura, começou a rasgar papéis comprometedores e rasgou
todas as cartas do Manuel.

—Ah, que pena...

-Sim. Porque o Manuel era muito poeta...

—Tenho as cartas que lhe escrevi nos anos 70... Ontem, procurando uma
reportagem do Mepla, encontrei-as. Mas tenho que olhar para eles com
calma porque escrevo sobre você não sei o quê... Talvez estivesse
pensando que talvez pudessem abri-los, mas trato isso como...
-Você é meu amor…

-Sim…

(risos)

—Para que não digam que há falta de respeito...

(risos)

—Antes do golpe ele me mandou um unicórnio azul,33 que está ali, nos
móveis. E isso saiu do Chile e viajou pela América Latina. Eu entendo
que foi parte das coisas que minha irmã conseguiu, porque quando eu
cheguei consegui trazer algumas coisas, salgadinhos e tal...

Estas são todas as cartas que escrevi para ele [mostra-me um pacote de
cartas e diz-me]: Dá para perceber que foram assinadas porque algumas
têm números; Vidalina me deu quando Manuel morreu.

33 Ver fotografia no final do capítulo.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Aquele que era seu secretário.

-Sim. Às vezes eu lhe escrevia referindo-me a ele como Comandante Manuel Piñeiro,
com informações sobre o que estava acontecendo no Chile. Então na carta ao
comandante ele disse: Rosa está escrevendo para Leonel.

Porque eu o chamava de Leonel, era esse o nome que ele tinha.

O exílio em Cuba e o reencontro com Piñeiro

—Como você já esteve em Cuba; Quando você chegou ao exílio foi um reencontro com
a revolução e com Piñeiro.

-Claro. Enquanto estive na Embaixada, como já lhe disse, acreditei que os cubanos
poderiam enviar uma equipa de resgate. Depois bordou alguns lenços para enviar
mensagens escondidas a Piñeiro.
Eles disseram: eu te amo. Eu te amo, e não sei mais o que, e enviei para ele sempre que
pude.34

Quando vim para Cuba esperava encontrar Piñeiro no aeroporto, mas não, ele não
estava no aeroporto. Acontece que a esposa de Al-tamirano estava comigo na
embaixada. Ela foi embora depois de mim, mas Altamirano queria falar comigo para
saber da esposa. E Piñeiro disse-lhe: “Vai ao aeroporto, vejo a Marta mais tarde”. Mas
Piñeiro adormeceu e quando cheguei ao hotel depois de conversar com Altamirano, não
tive notícias dele até outro dia, às 6 da manhã, quando ele apareceu. Que decepção!

—E você veio tão animado para vê-lo depois de vários meses de confinamento na
Embaixada da Venezuela...

—Eu estive lá: setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro…

34 Ver fotografia no final do capítulo.

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Isabel Rauber

—Claro, você não só queria vê-lo, mas também lhe dizer: aqui estou, saí vivo depois
da catástrofe.

—A decepção foi pior quando descobri que ele não havia resolvido nada com a
esposa... Ele deveria resolver os problemas com a esposa... mas eu fui para a
clandestinidade.

—Então, eles continuaram com o romance clandestino?

-Claro. Él llegaba en la noche al hotel, yo tenía asignada dos habita-ciones, pero


nadie sabía que tenía la segunda… Así pasaron dos años, del 74 al 76. Por supuesto
que las ascensoristas se daban cuenta que el señor venía todas las noches, mas
bom.

—Dois anos daquelas visitas noturnas, em algum momento elas aconteceriam


conta…

—Só formalizamos a coisa em 76.

—E você morou no hotel por dois anos?

—Morei dois anos no hotel.

-Em que hotel?

—Na Riviera, uma maravilha.

Minha interpretação, bom, independente de ele não ter conversado com a esposa, é
que acredito que ele tentou testar minha fidelidade durante todo esse tempo; essa
é a minha ideia. Porque nós, chilenas, tínhamos fama de sermos mulheres muito
liberadas, e as cubanas, você sabe, não querem ser traídas, ou seja, os potes, como
dizem.

Mas um dia parece que o vejo muito mais livre, que chega mais tranquilo, etc., e
descobri - ele não me contou - por um amigo que me contou que Lorna havia sido
descoberta com alguém, em um das viagens que fez como dançarina. Então foi isso
que causou a separação.

Ele não contou a Manolito que tínhamos um relacionamento. É por isso, creio eu,
que o filho escolheu o pai para viver. Primeiro porque eu o admirava

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

muito, e segundo porque ele era “pai pobre”, digo porque Lorna sempre teve uma
relação muito boa com Manolito. Piñeiro não lhe disse: “Olha, estou apaixonado e
vou casar com outra mulher”.

—Manolito conhece toda essa história?

—Não sei, olha. Mas não acho que ele esteja muito preocupado.

—Ele nunca soube do seu relacionamento clandestino, nunca imaginou?

—Então ele sabia. Quando Piñeiro foi morar comigo, claro, mas não antes. A gente
ia muito no ICAIC e uma vez eu lembro que de repente ele percebeu que o Manolito
chegou e ele estava comigo, então tivemos que nos separar... acho que ele teve
dificuldade de enfrentar... tem gente que tem dificuldade de enfrentar as coisas.

—Mas Piñeiro não era exatamente um homem que parecia ter dificuldades...

-Não Claro. Quero dizer coisas íntimas.

Manolito acabou ficando com a casa do Piñeiro e eu, como chileno, tive a
possibilidade de ter uma casa. Essa era a nossa casa, aquela que me foi dada
como VIP chileno, digamos; não a casa dele.

— Você quer dizer aquele de 36 A...

-Sim. A casa do Piñeiro era na 18 e da Cira García, era uma casa de esquina. Eu
não moraria naquela casa porque era uma casa burguesa...

E minhas casas têm sido bem rústicas, ou seja, muito rústicas, sem móveis estilosos
ou coisas assim. Eu não teria morado naquela casa. E essa outra casa, aquela que
me deram, estava meio destruída porque uma família tinha ido embora e
abandonado. E as casas que entraram no património da revolução por pessoas
que partiram e ficaram numa zona congelada, deterioraram-se.

Bom, consegui acessar porque pertencia ao grupo de chilenos considerados amigos


da revolução.

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Isabel Rauber

Aí, no ano 76, Piñeiro foi morar comigo, mas o casamento oficial foi quando
eu estava grávida; Eu estava grávida de seis meses. Casamos pelos nossos
filhos, não por nós mesmos; ter documentos, para que se saiba quem são os
pais. Casamo-nos em minha casa e Celia Sánchez e Fidel foram as
testemunhas.35

—E o que aconteceu entre você e Lorna?

—Mais tarde fiquei muito amiga da Lorna, a verdade é que ela é uma mulher
muito especial, uma mulher com muita personalidade e criatividade. Não
entendi como Piñeiro se casou com uma dançarina... Quando conheci Lorna
percebi que ela era dançarina e muitas outras coisas.

Por exemplo, vou te contar o seguinte: não planejava ter filhos, até que um
dia Tati Allende me contou que Lorna me mandou dizer que Piñeiro queria
ter outro filho porque quando o primeiro nasceu ele era na guerrilha e não
tinha podido desfrutar disso. etc. Foi assim que me convenci a ter um filho.

—Ela era americana…

-Sim. Realmente uma mulher muito especial. Na verdade, ela era professora
de inglês da minha filha. As relações entre nós eram tão boas que mandei
Camila e as amigas de Camila para a casa dela para aprender inglês. Eram
aulas cheias de fantasia, teatro...

A vida com Piñeiro

—E como era a relação entre você e Piñeiro? Acho que foi difícil por causa
das atividades do Piñeiro, da combinação de horários...

35 Ver foto no início do capítulo.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Olha... eu estava trabalhando no Comitê Chileno e escrevendo o livro sobre


Cuba [Cuba, ditadura ou democracia? 1976]; Eu tive trabalho suficiente. E
também gostava de arrumar a casa. Quer dizer, como eu tinha atividades não
achei a agenda dele tão péssima.

Conheço casais em que a esposa espera a chegada do marido.


No meu caso, eu estava com minhas coisas e não me lembro se desde o início
ele começou a chegar muito tarde.

A princípio ele me convidou para ir com ele à casa de Celia Sánchez, por
exemplo, onde se reuniam as mesmas pessoas de sempre, cerca de quatro ou
cinco. Eu gostava, mas a verdade é que às vezes preferia ficar trabalhando em
casa.

Geralmente tentávamos ir à praia no fim de semana. Lembro que íamos, por


exemplo, para lugares onde não havia muita gente. Tínhamos um daqueles
colchões flutuantes e depois entramos na água, também jogamos squash. Ele
gostava muito de jogar squash.
e como fui tenista na juventude, então ensinei-o.

Piñeiro me apoiou muito, muito mesmo no meu trabalho, foi meu grande pró-
pagandista. Lembro-me que todos os livros que publiquei eram levados ao
Departamento América para serem entregues a pessoas que vinham de diversos
países e o visitavam; Ele foi um divulgador dos meus textos. Além disso, me
ajudou a saber quem estava vindo para que eu pudesse entrevistá-los.

Para mim, Piñeiro era aquela pessoa com quem eu poderia compartilhar todas
as minhas preocupações, todas as minhas dúvidas, que você sabia que a noite
iria chegar e você poderia compartilhar o que havia acontecido durante o dia.
Ele tinha um caráter ideal, eu diria. Bom, todo mundo lembra dele como uma
pessoa muito legal, muito brincalhão, sei lá. Eu não sou assim, sou super burro,
ou seja, tenho dificuldade em entender piadas.

36 Chato.

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Isabel Rauber

A “namorada” de Piñeiro

—Ele sempre me apresentou como sua namorada. Para todos, quando já éramos
casados e tudo mais. “Sou monogâmico”, disse ele a todos. Claro, mais tarde
muitas pessoas me disseram: “Você pode garantir que Piñeiro não teve outros
relacionamentos?” A verdade é que não pude garantir nada. Nunca pensei que ele
pudesse ter tido outro relacionamento além daquele que teve comigo. Tínhamos
muita confiança um no outro. Porque se não, imagina... O cara chegava todo dia
às 4 da manhã. Se ele fosse uma pessoa ciumenta não teríamos conseguido viver
juntos.

—E você não tinha ciúmes de Vidalina, sua secretária, que estava sempre com ele?

—Não, porque eu a conhecia muito bem. Acho que ela gostou muito. E como eu
levava Camila ao escritório quase todos os dias...
Então não. Ela tinha o marido. Fui uma secretária muito boa para ele, mas a ideia
nunca passou pela minha cabeça.

—Você teve sorte porque muitas secretárias que moram juntas há tanto tempo
Mas com o chefe eles acabam... Não é que sejam pessoas más, mas pela
convivência.

-Sim. Lembro-me de como foi desagradável ir à Nicarágua e ver como os líderes se


vangloriavam de ter amantes, antes das esposas... A verdade é que nunca entendi
isso.

Na verdade, existe uma tese de que há muitas mulheres lésbicas entre os


comandantes da guerrilha nicaraguense e dizem que uma explicação
é essa.

-Bem…

—Mais tarde, eu lhe diria que adaptei minha vida aos horários deles, por isso
trabalhei muitos anos em casa, de 76 a 91, ou seja, trabalhei em casa durante
quinze anos. Quando minha filha nasceu eu me dediquei a ela. Quando ele dormia,
ele trabalhava, mas lá em casa, quando ele tirava uma soneca, ele trabalhava e
assim por diante, né? Mas em 91, quando decidimos fundar

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

ao MEPLA, embora tivesse tido a possibilidade de lá estar Grete Weinmann -


que foi a minha assistente fundamental e sem a qual não teria conseguido
montar aquele centro -, em todo o caso senti-me responsável por ir de manhã,
muitas vezes.

-Me lembro…

—Antes da Camila nascer o nosso ritmo com o Manuel era que íamos dormir
muito tarde, por volta das 4 ou 5 da manhã e também acordávamos muito tarde.
E eu disse: O que vou fazer se tiver uma filha?
Porque a gente ia dormir às 5h e eu tinha que levantar às 6h30 ou 7h, levar a
menina na roda, voltar... Comecei a levar ela com seis meses. Depois consegui
um parceiro que me ajudou nisso, porque se não, digamos assim, eu não teria
dado fisicamente. Ela morava na minha casa e foi maravilhoso para a Camila
porque ela era muito boazinha, muito carinhosa, dava muito apoio e carinho.

-A Hortênsia...

-Sim. E poderíamos dormir no fim de semana, no domingo; um dia por semana,


quando possível.

Não poder planejar a vida familiar, desgaste...

—Você se lembra se houve alguma dificuldade entre vocês?

-Sim. Uma das coisas difíceis de suportar foi não conseguir planejar nossas
vidas. Sou uma mulher planejada, mas nunca consegui planejar porque Fidel
ligava para ele o tempo todo. Então, poderíamos planejar ir à praia por dois dias
e se Fidel ligasse, pronto. Mesmo antes de nos casarmos, esse era o caso. Quer
dizer, eu poderia vir do Chile e acontece que nos três dias que íamos ficar
juntos, ligaram para ele e não deu em nada.

Então adaptei minha agenda para suportar isso e comecei a tomar chá em vez
de mate, um chá forte para ficar acordado até a hora dele chegar. Mas quando
o Mepla começou, principalmente quando a Grete foi para o Chile, eu tinha que
ir de manhã e isso mudou tudo.

174
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Isabel Rauber

Digo que foi como uma preparação para quando ele não estivesse por
perto porque eu havia mudado meu modo de vida. Também fui
influenciado pelo fato dos médicos nos dizerem que esse horário noturno
não era saudável, que o corpo não estava acostumado, que tínhamos
que fazer um esforço. E bem, decidimos mudar. E ir a Mepla todas as
manhãs ajudou.

Por outro lado, comecei a sentir que precisava de mais romance.


Mas ele meio que descansou em mim. Eu falo que ele é o típico cubano,
que quando está no período de se apaixonar ele tem muita iniciativa,
mas depois ele volta para casa, para o descanso do guerreiro, né? E eu
sempre pedia mais a ele; Eu escrevi cartas para ele...

—Durante aquele tempo de casamento?

-Sim, claro. Às vezes no aniversário dela, para algumas coisas... eu falei


que era como no Pequeno Príncipe, que tem que regar a flor todos os
dias, fazer gestos para manter o amor. Isso não foi conseguido, então
foi um amor que mudou, como se tivesse desaparecido. E acho que era
como um hábito.

Cada vez que viajei, antes de viajar, foi como se tudo tivesse acontecido
e o romantismo voltasse. Mas acho que foi para que eu não me
apaixonasse por outra pessoa. Porque quando ele voltou e o tempo
passou, ficamos presos de novo, até outra viagem... Quando ele morreu
os contatos entre nós já haviam diminuído, dependendo do trabalho,
dependendo das coisas... Mas claro que foi um golpe, claro . Porque o
que queríamos era muito parecido. E também tivemos Camila.

-Claro claro…

—Foi muito emocionante ver todos os amigos em seu funeral. O que


havia de mais bonito nele, creio eu, o que pelo menos me parece, talvez
pela minha sensibilidade, era como o povo simples o amava, o porteiro,
o secretário, todas as pessoas do Palácio, na infra-estrutura do Palácio.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Dois momentos de tensão

—E tensões específicas entre os dois?

—Lembro-me de dois momentos. Um, quando ocorreu o evento do Che [1987], e


aquele Darío com outros três, fizeram aquela apresentação que chamei de “o artigo
dos quatro”37, que adorei e me fez decidir falar publicamente sobre coisas críticas ao
processo .

—O que aconteceu lá com Piñeiro?

—Piñeiro não estava, mas quando chego em casa e conto para ele, lembro que ele
ficou super preocupado. No dia seguinte ele sentou-se à porta antes de eu sair e
disse-me que eu não podia dizer essas coisas. Foi a primeira vez que senti censura
da parte dele. Porque compartilhamos muito, mas é claro que ele também foi muito
cuidadoso. Nunca ouvi nada dele, quero dizer isso claramente, ele nunca me deu
nenhuma informação; Acho que fui a pessoa mais desinformada do país.

—Não falaram do trabalho do Piñeiro.

—Não, sobre o trabalho de Piñeiro, nem mesmo opiniões sobre questões políticas.
Não falamos sobre isso entre nós.

—Mas eu escutei você...

-Sim. E ele também me disse: “Escreva para Fidel”. E escrevi para Fidel.
Piñeiro foi muito aberto, mas se cuidou nesse sentido. E claro que até aquele momento
eu sempre tinha comentado as coisas de casa, mas não de fora, então dessa vez me
chamou a atenção.

O outro momento foi devido à minha intervenção no Fórum de São Paulo, nos anos
90... falei lá levantando a necessidade de autocrítica da esquerda e me acusaram de
ser revisionista e não sei mais o que. ..

37 Apresentação: “Notas para um debate sobre o novo homem.” Autores: Darío


Machado, Fernando González, Juan Luis Martín e Emilio Sánchez.

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Isabel Rauber

-O que você falou sobre?

—Da crise do socialismo, como crise estrutural. Eu disse que poderiam existir crises no
socialismo, tal como existiram no capitalismo. Não lembro o que falei de Cuba e aí o
Piñeiro ficou preocupado...

—Tróia queimou.

-Claro. Mas eu, sem saber, porque nunca soube realmente que problema havia por trás
dos personagens. Foi muito estranho porque com alguns desses personagens
estávamos juntos de férias. Então você não imagina que pessoas com quem você
conviveu poderiam ocupar outros cargos...

Cuba: Atividades e livros

—O primeiro livro que escrevi foi: Cuba ditadura ou democracia [Siglo XXI 1975], que foi
publicado em Cuba com o título: Cuba los protagoÿ
nistas do novo poder [Ciências Sociais, 1979].

Quando cheguei aqui comecei a trabalhar no comitê de resistência antifascista chileno.


Dirigiu o boletim informativo Chile Informativo para a resistência. Trabalhei lá desde
que cheguei em Cuba até ele nascer.
Camila, um pouco antes. Ou seja, em 78 parei porque me disseram que, como havia
perdido a primeira gravidez, corria risco de aborto e recomendaram repouso.

Os primeiros seis meses foram de descanso absoluto. Lá outra pessoa começou a


dirigir o boletim e eu fiquei em casa. Até aos seis meses e comecei a fazer as entrevistas
que vos referi, com os jornalistas, ou seja, quando fiz o trabalho sobre os jornalistas.

—Mas lá você já estava trabalhando na Boêmia...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

-Sim. Desde que deixei a comissão, seis meses depois comecei a trabalhar na
Boémia.

—Você ainda não se dedicava exclusivamente a escrever livros.

-Não.

Longas entrevistas no Punto Final Internacional

—No momento em que Camila nasceu, aconteceu a revolução sandinista e


entrevistei seus líderes com a muito jovem.
Camila nasceu em maio de 79 e a revolução sandinista triunfou em julho. Fiz
cesárea, acho que fiquei dois dias em casa e depois fomos para uma casa em
El Laguito. Passei meu tempo com Camila e Piñeiro e toda a equipe do
Departamento da América lá, acompanhando dia a dia a situação na Nicarágua.
Então eu estava muito informado sobre o que estava acontecendo, conhecia
os problemas das tendências da FSLN e as soluções que elas estavam
construindo, as contradições, as conquistas... e por isso pude fazer uma longa
entrevista com Humberto Ortega. E também porque dedicou tempo a isso.

Todas as minhas entrevistas com os guerrilheiros se devem a duas coisas,


afirmo. Primeiro, porque a guerrilha veio para cá por causa da relação com
Cuba. E segundo porque todos leram meu livro Los conÿ
conceitos... Depois havia a confiança do lado do Piñeiro de que eu poderia
fazer o livro, e do outro, a carta de apresentação que o livro dos Conceitos
representava... o que me ajudou muito.

Eu realmente consegui que os entrevistados tivessem confiança em me contar


as coisas, o que é muito importante. Somente como jornalista você não ganha
a confiança do entrevistado. Além disso, sempre me ofereci para revisar as
entrevistas antes de publicá-las. Um estilo muito diferente do jornalismo.

-Isto é muito importante.

A entrevista com Humberto Ortega foi publicada no México, na revista Punto


Final Internacional…

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Isabel Rauber

-Sim. Aquela entrevista [“A Estratégia da Vitória”] foi famosa, correu o mundo
todo. Ele era muito bom, muito natural. Foi muito útil porque falou da
estratégia de união das forças, explicou como se conseguiu a unidade dos
sandinistas.

Naquela época, Punto Final – revista da qual fui colaborador ativo no Chile
antes de ser diretor da revista Chile Hoy – tinha edição internacional no
México. Cabieses não era mais o diretor, mas sim Mario Díaz. Ele estava
muito interessado em promover a troca de experiências entre revolucionários
e me ofereceu a publicação de longas entrevistas, de trinta e duas páginas.
Um privilégio para o que geralmente é permitido aos jornalistas.

Lá comecei então a publicar entrevistas com nicaraguenses, depois com


pessoas da FMLN, de El Salvador e da guerrilha guatemalteca.

—Quantas entrevistas você fez no início?

—O negócio da Nicarágua começou com a entrevista do Humberto. Então


entrevistei Jaime Wheelock. Depois fiz uma entrevista muito interessante
com Carlos Carrión, quando eles fizeram uma autocrítica sobre os métodos,
o verticalismo. E também ao outro Carrión, ao Luis, sobre os cristãos.

—Você me disse que também entrevistou líderes da Guatemala e de El


Salvador.

-Sim. Entrevistei Schafik na Nicarágua e em Cuba, na época da mudança


para a luta armada, o socialismo... Entrevistei também Pablo Monsanto.

—Você os entrevista antes das negociações de paz.

-Sim. Mas não publiquei nada sobre eles.

Casa dos livros de testemunho

—Não fiquei satisfeito com as longas entrevistas porque depois tive que
cortá-las para que coubessem nas trinta e duas páginas que a publicação
exigia. Porque então apenas o melhor do

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

experiências, os aspectos mais maduros. Por razões de espaço tive que


excluir partes muito valiosas do processo, aspectos muito interessantes da
história destas organizações; Fiquei apenas no que é bom e não fiz a jornada
da autocrítica.

—Foi então que você decidiu fazer os livros de testemunhos.

-Claro. Em meados dos anos 80 comecei a fazer livros de entrevistas.


Entrevistas completas com líderes guatemaltecos, nicaraguenses e
salvadorenhos foram publicadas em um livro chamado
People in Arms [1985] mostrando o surgimento da luta armada ocorrida na
América Central após o triunfo dos sandinistas.

—Com as entrevistas com o Carrión e o Wheelock você fez outros livros…

-Sim. Com essas entrevistas fiz dois livros, um sobre o conceito de vanguarda:
Nicarágua: O papel da vanguarda [entrevista com o comandante da revolução
Jaime Wheelock sobre a história da Frente Sandinista. 1986] E outro sobre
os cristãos: Cristãos na revolução
Solução sandinista. Do verticalismo à participação em massa [entrevista com
os líderes sandinistas Luis e Carlos Carrión. 1987]

—Essas entrevistas foram publicadas na Argentina, quando o PCA fez a


mudança.

-Sim.

O projeto de uma biblioteca popular latino-americana

—Naquela época, Angélica Fauné, uma ativista de esquerda que conheci no


Chile e que estava na Nicarágua, veio colaborar comigo na questão da
Colômbia. E começamos com a ideia da biblioteca popular, que era fazer
brochuras tipo jornal, com tiragens grandes e muito baratas.

-Me lembro. Entramos em contato nessa época.

—Tivemos o apoio do jornal Granma, que nos deu cinco mil exemplares por
25 ou 20 centavos o exemplar, algo assim. Então sim

180
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Isabel Rauber

Vieram pessoas da República Dominicana, levaram cem, e de outros países também.


Angélica foi à Colômbia para um encontro de movimentos sociais, apresentou a ideia
e ela foi aprovada. Porque o projeto era criar uma biblioteca popular latino-americana,
que seria reproduzida nos países, para ministrar uma formação a partir desses
testemunhos. Mas bem, a ideia ficou no papel; Isso nunca se materializou.

Aprendendo com as experiências da Nicarágua e de El Salvador

Vanguarda, unidade e aliados

—Você me disse no início que o estudo das experiências nicaraguenses e


salvadorenhas o marcou muito e mudou sua forma de pensar a situação, a que você
se refere?

—Bem, primeiro, à concepção de vanguarda, quando se considera uma vanguarda


partilhada, não o partido da classe trabalhadora. Em segundo lugar, à questão cristã,
ou seja, à incorporação dos cristãos na revolução: aos valores supostamente
feministas, certo?, à exigência do respeito às diferenças, ao método democrático, à
crítica ao verticalismo, todo esse tipo de coisas, e A estratégia. Assim já se chamava
a entrevista que fiz com Humberto Ortega: “A estratégia da vitória”, ou seja, flexibilidade
tática. Porque tivemos que procurar formas de atrair diferentes setores, entender que
havia setores, principalmente do lado internacional, que poderiam ser aliados. A
questão da unidade, como ela é fundamental… Bom, aprendi muito.

—Ou seja, apostar numa vanguarda partilhada e na unidade, o que não significava um
partido único.

-Exato. Ou seja, estudar o mapa de atores e determinar quais são os setores


estratégicos onde é preciso trabalhar para concentrar forças, porque neutralizar esses
setores permitiria paralisar o país, por exemplo. Conhecimento das leis com que se
movimentam os setores sociais, as diversas forças sociais.

—Em que sentido você mudou sua visão sobre o assunto?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Passar da exclusividade da classe trabalhadora para incorporar também os


cristãos, os indígenas...

Jornalismo crítico e esquerda

—Também fiquei impressionado com a reflexão que Joaquín Villalobos (FMLN)


fez sobre o jornalismo e a esquerda. Um jornalista deve ou não ser membro do
partido? Como fazer com que um jornalista relate a realidade mesmo não tendo
os posicionamentos do partido?
Ou seja, vejam como um partido teria que ter flexibilidade para aceitar que o
jornalismo não pode ser liderado pelo partido.
Villalobos levantou isso. [El Salvador: construir um novo tipo de van
guarda, 1989]38

O problema está nas críticas. Esse é um ótimo tópico.

—Como torná-lo comprometido sem torná-lo subordinado. E crítico sem ser


destrutivo...

—Eu sempre disse: “A camarada Isabel Rauber diz que somos uma esquerda
destrutiva e que devemos criar uma esquerda construtiva”. Foi o que fizemos no
Chile, com Allende.

—Você se refere à sua experiência no Chile Hoy.

-Claro. Poderíamos ter feito algo tradicional e publicado entrevistas todas as


semanas com altos funcionários do governo Allende sobre as medidas que
estavam a tomar. Mas preferimos dar voz ao povo, recolher tudo o que estava
acontecendo abaixo, expor como o povo via o processo de Unidade Popular.

38 Publicado também no livro de Marta Harnecker (1991). Novas ideias para


novos tempos. Entrevistas com os cinco membros do Comando Geral da
FMLN: Schafik Jorge Handal, Fermán Cienfuegos, Roberto Roca, Leonel
González e Joaquín Villalobos sobre a situação da referida organização, as
etapas da guerra, o conceito de vanguarda e o projeto socialista.
[https://www.marxists.org/espanol/tematica/elsalvador/villalobos/1989/jul/00a.
htm]

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Isabel Rauber

E isto tem a ver com crítica porque uma das questões que me pareceu mais difícil de
resolver é como fazer jornalismo crítico, como apresentar posições críticas para
contribuir para o processo de mudança e evitar a rejeição que -imediatamente- provoca
a crítica que é feito de fora. Para conseguir isso, pareceu-me essencial explorar como
as próprias pessoas viam isso. Com Faride Zerán trabalhamos muito nisso. Ambos
tínhamos claro que não se tratava de sair e colocar o microfone em ninguém; Fomos
aos grupos organizados que tinham compromisso e maior consciência política: aos
cordões industriais, ao campo, às minas de cobre e salitre.

-Uma experiência incrível…

-Sim. Eu aprendi muito. E eu sei que não é uma tarefa fácil porque quando você está
no governo tudo muda e as pessoas não estão preparadas para isso, não estão
preparadas. E muitos ficam no esquecimento, outros são cooptados pelo sistema...

—Você está falando de esquerda.

-Sim Sim.

Maternidade

—Embora você esteja se referindo à sua maternidade, conte-nos especificamente.ÿ


mente, como você encarou a maternidade? Como isso mudou você?

—Eu sempre disse que a vida antes de ter um filho é completamente diferente da vida
depois. E que há algo muito emocionante em ter filhos. Pra mim foi principalmente
sentir o bebê recém nascido, o quentinho, aquela coisa, né? Estou muito grato por ter
decidido. Porque meu projeto de vida era não ter filhos. Li Simone de Beauvoir e, bom,
fui influenciado por esse discurso. Eu fiquei

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

grávida - como já te disse - porque queria fazer Manuel feliz, não porque
achasse que precisava dele. Foi só quando segurei Camila nos braços que
vi o quanto ela era importante.

Meus amigos se casaram e tiveram filhos. E eles sofreram. Ou seja, vi eles


sofrerem com os limites de ter filhos e de estudar. Então eu estava com
medo de viver aquela vida que vi em meus amigos. Não? Quando comecei a
me envolver politicamente na França, queria ser livre e ir para qualquer país.
Na verdade, eu estava pensando em ir para o Brasil. Os camaradas de um
grupo maoísta, naquela época no Brasil, que era a Ação Popular, já haviam
me convencido a ir para lá. Quando me juntei ao Piñeiro, a verdade é que eu
queria fazer as minhas coisas. Mas quando Lorna me disse para ter um filho,
decidi ter um. Primeiro tive uma gravidez que foi perdida porque fiz um aborto
natural com cerca de três meses de gravidez.

-E então?

—Então o Dr. Oliva - que tem sido como meu segundo pai, hiper cuidadoso
-, levando em conta que eu havia perdido a primeira gravidez e poderia ter
tendência a perder essa gravidez novamente, talvez pela minha idade -
quarenta e dois anos - Ele me disse que eu precisava descansar para não
fazer um aborto.

Sou sempre grato por ter minha filha atrasada. Eu recomendo ter filhos tarde.
Porque eu já estava realizado. Poderia perfeitamente parar de trabalhar por
um ano, dois anos e me dedicar à família. Embora na verdade eu não tenha
parado tanto. Parei alguns meses, mas bom, amamentei ela durante seis
meses, que naquela época era muito. Agora vejo que Camila amamenta seu
filho há mais ou menos um ano. Porque agora é recomendado.
Não naquela época.

Tive o problema de minha filha dormir muito pouco. Então, se eu deixasse


ela na roda [creche] na hora do almoço, ela dormia muito tarde. Por isso
comecei a tirá-la do círculo para que ela dormisse cedo e eu pudesse
trabalhar depois que ela dormisse.

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Isabel Rauber

—Então a maternidade foi uma descoberta para você e um conflito ao qual você
teve que se adaptar.

-Sim. Mas tomei isso como uma vantagem e não como uma limitação. Quer
dizer, eu queria fazer o que fiz.

-Você era feliz.

-Claro. Sim. Depois eu quis ter outra filha para não ter filha única, mas não
consegui, não engravidei; Já era tarde demais, eu acho. Quando soube que
não aguentaria mais, minha irmã me trouxe um Collie39 do Chile, para
acompanhar a Camila. Porque eu estava apaixonado pela Lassie do filme
“Lassie. A cadeia invisível.

Eu preferia Lassie do filme. Mas bom, chegou esse cachorro que todas as
crianças da vizinhança diziam ser o leão. E o pobre cachorro era maravilhoso.
Ele trouxe o jornal. Ele ficou nas minhas pernas. À noite, quando eu estava
esperando o Manuel, ele me acompanhou, mas passou mal por causa do calor
porque do jeito que ele estava... Imagina, o coitado daquele pelo. E ele morreu.
Mas sempre tivemos cachorros em casa. Animais. Isso é muito bom para as
crianças. Coelhos, papagaios e cachorros. Cães de diferentes tipos.

Camila

—Sempre evitei que Camila fosse filha privilegiada de um líder. Primeiro, a


psicóloga me disse: “Não se preocupe em ter outro filho porque em Cuba, com
a vida familiar aberta que existe, solidária, na comunidade, as crianças não têm
os problemas que têm as crianças de famílias pequenas nos países capitalistas. .”

39 O Collie de Pêlo Comprido ou Rough Collie é uma raça de cão de médio a


grande porte que originalmente era um tipo de Collie criado na Escócia para pastoreio.

185
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

E a verdade é que havia umas quatro meninas na vizinhança, da mesma idade. Então
tínhamos todo um sistema. O pai de uma das meninas levou todas elas para a
escola. Eu os pegava e fazia as aulas, digamos, os deveres de casa. Então, quando
ele comprava alguma coisa, quando viajava, ele trazia a mesma coisa para todas as
meninas. Quando minha filha se rebelou, ela me disse: “Por que, mãe, você dá às
outras pessoas as mesmas coisas que você dá a mim?”
Mas bem, sempre tentei, embora nunca tenha conseguido, tornar a vida o mais normal
possível. Mas sempre há coisas que você tem que outros não têm, que você pode ir
naquela piscina e outros não.
Não? Ou seja, é muito difícil para o filho de um líder ter uma vida normal. É muito
difícil.

Apesar da minha dedicação, já que fui eu quem impôs a disciplina à minha filha,
quando o Manuel chegou, as poucas horas que passei com ela, mimei-a... Quando o
Manuel morreu foi super complicado porque para ela o pai que lhe tinha dado tinha
morrido, queria. E a mãe, bom, foi a mãe quem exigiu dele.

E ainda hoje Camila diz que não dediquei a ela o tempo que ela gostaria.

—Você sente que não foi a primeira coisa para você, digamos?

-Exatamente. Por isso, quando meu neto ia nascer, eu estava em El Salvador e falei
para as pessoas: não posso deixar de estar neste parto porque se eu não estiver aí a
interpretação vai significar que não me importo. ..

—E você estava lá quando Joaquín nasceu?

—Eu não estava lá porque Camila finalmente não queria que eu estivesse lá. Eu
estava pensando em ir, mas ela me disse: “Mamãe, prefiro que você venha depois de
quinze dias porque quero ficar sozinha com o Nick nos primeiros dias”.
Então cheguei mais tarde.

186
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Isabel Rauber

Dedicação a Camila e viagens

—Certamente você tem um registro das coisas da infância de Camila...

-Sim. Sobre tudo sobre Camila.

—Quanto tempo você fez o disco da Camila?Dois, três anos?

-Sim. Sim. Talvez um pouco mais porque os livros começam a aparecer no meio.
No começo eu não trabalhava, mas depois foi a Camila, o livro e as viagens.

Viagens e Camila

—A primeira vez que me separei da Camila para uma viagem, ela tinha uns dois
anos, foi terrível. Eu sofri. Lembro que fui para a Nicarágua.
Foi a primeira viagem que fiz à Nicarágua e Piñeiro prometeu levá-la. E quando
o Piñeiro chegou sem a Camila eu quase, quase o matei. Porque eu não aguentava
mais ficar sem ela.

—Você já a levou com você?

—Levei-a comigo quando ela tinha uns onze anos, ao Brasil, para a apresentação
do meu livro sobre o PT. Acontece que levei ela com o pretexto de filmar, para ela
conhecer a realidade e não ficar na casa de amigos que moravam em outro nível.

—Você normalmente não viajava com ela.

-Não. Não quando eu era pequeno. Mas lá eu tinha Isabel Jaramillo, uma grande
amiga minha que estava hospedada com Camila. Ela tinha um filho cerca de seis
anos mais velho que Camila, Rodriguito. Eles eram como irmãos mais novos.
Então, quando viajei, deixei isso para ela.

Necessidade de comunicação

—Tenho muita necessidade de comunicação, Isabel. Comecei com aquelas cartas


coletivas na França, com a pequena máquina de escrever onde coloquei não sei
quantos desenhos. Eu te contei isso?

187
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Não, você não me contou.

—Escrevi cartas coletivas, que minha família odiava. Minha irmã disse: “Não
quero cartas coletivas, quero cartas pessoais”. Com esta minúscula máquina e
o melhor papel vegetal, de Paris enviei-lhe doze cartas idênticas às doze. Vai
saber.

-Claro claro.

—Então me acostumei com as letras. E é por isso que, além das cartas da
Camila, tenho as cartas de viagem. Que eu teria que começar a vê-los; Eles
me ajudam a lembrar, certo? Agora faço isso porque preciso lembrar, porque
se não fizer isso esqueço as coisas.

O MEPLA

Primeiros passos

—Tenho a memória que na sua garagem houve uma discussão sobre o


MEPLA, sobre porque é que aquele projecto não se concretizou no CEA. A
ideia original era integrá-lo ali como projeto, como área?

—Como projeto de resgate da memória latino-americana.

—E por que isso não poderia acontecer?

—Não me lembro por que não foi possível finalizá-lo. Talvez eles não tenham
considerado isso acadêmico o suficiente...

—Era isso que eu ia te contar... Foi em 91 que você já tomou a decisão de sair.
dê o MEPLA e eu te apoiei, muito influenciado pelo Centro Martin Luther King
Jr. e pelo CIERI (Centro de Intercâmbio e Referência em Iniciativas
Comunitárias), lembra? O CIERI foi a continuação do Centro “Guillermo
Toriello”. Conversei muito com o reverendo Raúl Suárez, que me incentivou.
Eles nos apoiaram muito. Lembro que o CIERI me emprestou a ficha que eles
apresentaram, com a justificativa...

188
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Isabel Rauber

—Acho mesmo que foi uma fase da minha vida que considero muito positiva,
muito útil, com muita produção. Essa apreciação positiva que tenho do
gênero testemunho foi expressa ali; o MEPLA
foi isso.

—Considera que o MEPLA foi um impulso para o seu trabalho?

—Você foi um dos que mais me incentivou a fazer isso.

—Nos conhecemos um pouco antes e forjamos a ideia. Talvez tenhamos


decidido começar dado que, com o início do “Período Especial”, não havia
como obter recursos para trabalhar e tínhamos que ter uma instituição de
referência para isso.

-Claro. Porque a fundamos em pleno “Período Especial”.

—Em 91. A ideia fundamental era dedicar todo esse esforço à recuperação
operação da memória histórica popular da América Latina.

-Sim. Mas também surgiu a ideia de reunir e preparar mais gente para
trabalhar nisso, certo?

—Formar equipes…

-Sim. Os mesmos entrevistados me disseram: “É preciso ter uma equipe de


entrevistadores em cada país”. Mas eu nunca poderia fazer isso. Porque
bem, sua experiência é mais ou menos a mesma; É muito difícil formar
entrevistadores com esse perfil. Não consegui me despersonalizar nas
entrevistas. Acho que a única pessoa com quem fiz coisas mais ou menos
semelhantes, com o mesmo horizonte e a mesma metodologia, é você.
Certamente você quis formar pessoas, jovens. Eu tentei e ainda assim não
funcionou para mim.

—O mais difícil é eles captarem o espírito do assunto. É aí que penso que


está o problema fundamental, que é mais importante do que ter consciência
da pergunta que precisa ser feita...

-Claro. Existe uma dinâmica estreita entre entrevistado e entrevistador.


Porque, é útil ou não é útil para mim ser psicólogo? É útil ou não é útil?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

que tenho uma concepção marxista, ajuda ou não o fato de eu ter uma grande
necessidade de descobrir as coisas? Quando entrevisto penso no livro, procuro
entender o tema através do entrevistado, não quero dar minha opinião. E certamente
é muito difícil reproduzir essas habilidades em outras pessoas. É que você faz a
entrevista do seu jeito...

—É assim... Acho que tem muita arte também, no sentido de criar.


pela pessoa que realiza as entrevistas. Você diz que fui eu quem mais se aproximou
do seu método, que peguei, incorporei e desenvolvi.
Acho que aprendi muitas coisas, mas também é verdade que procurei respostas na
história... e então tive e tenho a motivação. Não é a mesma coisa quando um
profissional te aborda para trabalhar com você porque quer trabalhar com Marta
Harnecker, mas não sabe exatamente.
exatamente o que você está procurando na história. Vasconi me disse isso um dia.
Você se lembra do Vasconi?

-Sim.

—Um cara realmente excelente. Eu era jovem, estava a iniciar-me no mundo da


investigação social, e um dia perguntei-lhe: qual é a tua experiência?
recomendação metodológica para investigar? E ele me disse: “A melhor recomendação
A recomendação metodológica que lhe dou é que se guie pela pequena chama interior
que você possui; “Essa é a melhor metodologia que existe.” Achei que ele não queria
me ensinar, mas logo descobri que era verdade, que ele tinha razão. Não faz sentido
não há pensamento.

Crise da MEPLA

—Você me diz que o MEPLA está atualmente com dificuldades…

-Sim. A crise do MEPLA resulta do facto de não termos entrevistadores, pessoas que
escrevem livros de depoimentos, o que deveria ser, para complementar o trabalho dos
vídeos, que ainda são importantes mas são insuficientes. Talvez eu não tenha
paciência para ensinar; Isso também pode ter influenciado.

190
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Isabel Rauber

-Poderia ser. Você teria que fazer um experimento sistemático para descobrir.
E me parece que você não teve tempo para isso. O treinamento leva tempo,
mas também não garante resultados. Não se preocupe.

Documentários, uma conquista

—Outra conquista da minha experiência no MEPLA foi ter descoberto a


combinação entre documentários e textos, parece-me que foi super importante,
principalmente com experiências comunitárias.
Parece-me que um livro é muito melhorado pelo documentário.
Eu era antidocumentário porque documentário para mim era gente falando,
que você entrevista um, que fala, outro que fala e outro que fala...

—Até você ver algo diferente, outras possibilidades.

-Sim. Até que vi que o processo pode ser reconstruído com a participação
das pessoas no processo. De certa forma, é como uma espécie de teatro.

Documentários como ferramenta de formação coletiva

—Você projeta um documentário ou um filme em uma comunidade, nós


fizemos em um município de Caracas, por exemplo, numa esquina. E você
convida as pessoas para ver um filme, o que é diferente de ir a um curso.
Mostramos por que uma comunidade teve sucesso porque os documentários
eram sobre comunidades bem-sucedidas. Pobres, mas eles avançaram. Uma
questão única foi então colocada: Por que eles tiveram sucesso? Aí você vê
o segundo documentário, o terceiro, o quarto. Fizemos ciclos de um mês e
meio e tínhamos seis ou sete flipcharts com todos os comentários e
sugestões anotados. Você sabe que é importante ter um plano de trabalho,
analisar os resultados, que sejam considerados líderes naturais. Bem, coisas
assim... é o que chamo de treinamento em participação.

Acontece que com o MEPLA, excepto para os documentários, não


conseguimos formar uma equipa independente do meu trabalho.

191
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—A certa altura você estava pensando em transferir o MEPLA para a Venezuela, ou


abrir uma sede lá...

-Sim. Lembro-me da ideia, mas de alguma forma quando começamos a trabalhar no


CIM (Miranda International Center) isso mudou.

-Claro. Você se juntou ao projeto CIM.

-Sim.

Dificuldades

—Um problema que tivemos foi com os recursos para pagar salários. Porque havia
financiamento em CUC, mas não em pesos cubanos.

—Você acha que isso afetou a circulação interna do trabalho de ME?


ELP em Cuba?

—A verdade é que por esta ou por outras razões, durante todo o tempo que morei em
Cuba – e isto também deve ser dito –, não tive contato – ao contrário de você – com
instituições acadêmicas cubanas, nem com o Instituto de Filosofia. As relações que
tive com as instituições cubanas eram muito limitadas.

-E por que?

—Porque o MEPLA trabalhou com projetos fora de Cuba. Em El Salvador, Brasil,


Uruguai. A única instituição com a qual trabalhamos em Cuba foi o Poder Popular.
Porque os vídeos que fizemos sobre a questão participativa em Cuba foram
considerados úteis para a formação dos delegados do poder popular.

Mas eu tinha muito pouco relacionamento com as universidades. E tem sido assim,
não só em Cuba, mas em todos os países. Acontece que meu jeito de fazer as coisas
não era considerado acadêmico. Por isso o CEA não quis assumir o nosso projeto...

Eu poderia ter feito algo com o livro Os Conceitos Elementais do Materialismo Histórico
porque fui professor de marxismo.

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Isabel Rauber

—E por que você não fez isso?

—A verdade é que eu também não estava interessado. Quando cheguei a Cuba


comecei a trabalhar no Chile Informativo, o boletim solidário, e isso me ocupava o
tempo todo.

Unicórnio que Piñeiro deu para Marta (antes do


golpe de 73)

Lenço bordado que Marta enviou a Manuel


Piñeiro: “Leonel eu te amo. Atenciosamente,
Rosa” (1973, asilo na Embaixada da Venezuela)

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EM.

Venezuela, Canadá e Lebowitz.


A terceira virada de sua vida

Marta, Chávez e Michael, Palácio Miraflores (Venezuela, janeiro/fevereiro de 2008)

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A morte de Piñeiro , a solidão e novos romances…

Miguel Urbano

—Piñeiro morreu em março de 98. E você me contou que se apaixonou de novo...?

—Quando Piñeiro morreu, aproximou-se de mim Miguel Urbano, o jornalista


português que então vivia em Cuba, que já começava a ficar fascinado pelos meus
escritos. Lembras-te dele?

—Eu sabia que ele era seu amigo, mas não sabia que ele estava fascinado...

—Bom, ele escreveu o prólogo do meu livro: A Esquerda no Umbral do Século XXI,
o texto que publicámos no MEPLA, tão rústico. Ele também me escreveu o prólogo
de: Blooming in Winter, muito bom; Miguel escreveu muito bem. Ele se tornou um
grande amigo, um grande apoio naquela época e conseguimos ter um relacionamento
físico, mas não foi uma paixão da minha parte.

—Isso aconteceu logo após a morte de Piñeiro?

—Ele morreu em março e nesse ano creio que o Miguel veio e ficou na minha casa.
Então ele saiu novamente. Eu estava indo e vindo, veja bem, não estava vivendo
permanentemente. Ele me disse que eu tinha um plano de vida e que nunca
encontraria um homem para isso
projeto.

—Ele se apaixonou por você?

-Sim. Eu sempre disse a ele: não estou apaixonado. Mas eu tenho o critério então,
que a sexualidade é algo positivo e que eu não tenho que abrir mão dela, o que eu
sei, e ele soube aceitar. Em outras palavras, ele deu importância a ter

197
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Um relacionamento romântico, você sabe o que quero dizer. E para mim isso foi muita
afirmação como mulher. Eu o amava muito, mas sempre o avisei que ele não poderia
esperar outra coisa. Embora Miguel sempre esperasse que eu me apaixonasse por ele,
como não estava apaixonada por ele, não tinha interesse em ser publicamente considerada
sua parceira. Então, quando saíamos, quando íamos ao Commodore, ao cinema ou a
qualquer lugar, eu dizia a ele: não me toque.

—Ha ha ha… Uma coisa impossível quando se trata de Miguel Urbano.

—Não abra a porta quando a campainha tocar, eu disse a ele; Não deixe que as pessoas
vejam você. Fiquei preocupada porque as pessoas não entenderiam que eu estava
namorando e que ele não era meu parceiro. Então, a certa altura, ele não resistiu mais.

Ele estava escrevendo um romance [Alba], uma questão antropológica com não sei que
descobertas, que ele fez com uma mulher imaginária, que era antropóloga...

Quando ele termina o romance, ele estava na minha casa e como não fez com que eu me
apaixonasse por ele, ele me coloca na última etapa do romance como essa antropóloga
imaginária, uma mulher muito oportunista, que brinca com homens, uma coisa assim... e
acaba matando ela.

Aí eu falei para ele que o final da novela foi péssimo, que se ele estava pensando em
mim, eu não era assim. E bom, acho que depois do que conversamos o final mudou um
pouco. Mas mesmo assim terminamos porque ele não resistiu mais, sério.

—Quanto tempo durou esse relacionamento entre vocês?

—Cerca de dois anos…

Um romance intermediário…

—Depois veio uma paixão muito curta por outro rapaz mais novo, um chileno como eu, que
morava no Canadá. Porque eu estava indo para o Canadá em busca de Alternativas, e
eles até me nomearam para o escritório de Alternativas,

198
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Isabel Rauber

que é uma ONG interessante. Pierre Beaudet, que era como o arquitecto
desta ONG, era a favor de ter mulheres na gestão e como admirava o
meu trabalho, colocou-me lá. Então viajei para o Canadá uma ou duas
vezes por ano. E lá tive um relacionamento com um chileno, muito jovem,
talvez dez anos mais novo.

—Um chileno que morou no Canadá?

-Sim. Mas o meu plano era que ele viesse para cá, para Havana e
entrasse no Mepla, mas não deu certo. A verdade é que ele sentiu a
diferença em anos. Esse romance não durou muito. Acho que a questão
da idade influenciou porque ele se sentiu atraído por uma garota bem
mais nova e acabou voltando para ela, algo assim. Então conheci Michael.

Michael Lebowitz

—Você já havia conhecido Michael, seu atual marido, quando Piñeiro era
vivo…

-VERDADEIRO. Conheci-o no Mepla, quando foi procurar o livro Consÿ


destruindo casas e transformando o homem e queria também conhecer
quem havia escrito aquele livro que, segundo ele, era o tema central da
prática revolucionária, em que o homem se transforma transformando as
circunstâncias.

A questão de que em toda atividade humana existe um produto duplo, o


que você faz, ou seja, o produto objetivo. E digo -não ele-, o produto
subjetivo, a mudança da pessoa ao fazer o produto, que pode ser
alienado no caso do capitalismo, pelo sistema de produção, ou pode ser
desenvolvido humanamente num sistema de produção em que o
trabalhador não é subordinado...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—O trabalho, como disse Marx, eleva o ser humano, enriquece-o...

—Mike estava com essa linha como centro de todas as suas análises e quando
se depara com um livro que tem esse título, é claro que quer conhecer o autor.
Ele conta isso a Jesús García Brigos, que é amigo dele e também meu. E Jesus
lhe diz: “Ela é uma grande amiga, vamos vê-la”. E assim ocorreu nosso primeiro
encontro. Foi mais uma discussão sobre Althusser do que qualquer outra coisa.
Porque bem, como ele era marxista e eu vim de Althusser, começamos a
discutir e claro que não partilhávamos as ideias sobre Althusser, que ainda
aprecio muito e ele não.

—E isso foi na época da Marta?

—Isso deve ter sido em 97; Piñeiro viveu. Acho que ele veio mais uma vez e
depois tudo mudou, o Piñeiro tinha morrido, eu não estava mais com o Miguel...
E como sempre tive uma agenda muito ocupada, não fiquei muito fascinado em
vê-lo. E eu disse para mim mesmo: vou vê-lo quando fizer exercícios. Então eu
convidava ele para o Commodore, para o calçadão, digamos, e a gente
caminhava, fazia exercícios. E então, bem, veio isso: Se você quiser ir para
casa, eu tenho que trabalhar, mas você senta, vou te dar coisas para ler e
posso te comprar um smoothie de manga porque tenho muitas mangas em
casa .

Quando ele chegou em casa, trouxe para ele uma pilha de papéis para ler e
depois de meia hora ele me disse que havia terminado e que queria conversar.
Tenho a sensação de que ele nunca leu bem um dos meus textos, tenho a
impressão de que ele estava apenas folheando-os.

—Mas ele estava voltando para o Canadá.

—Sim, quando ele saiu não havia nada entre nós. Foi quando começamos a
nos escrever por e-mail. E o relacionamento meio que mudou.

—Não parece muito sedutor...

—Não, mas bem, quando ele escreve...

200
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Isabel Rauber

A relação era fundamentalmente eletrônica, até que ele chegou a um evento e eu já


estava -pela correspondência que tínhamos e pelas mensagens-, interessada em vê-lo.
E fiquei muito surpreso por ele não ter ligado. Eu falei: ele vai chegar e vai me ligar, mas
nada. Cerca de quatro dias se passaram e ele estava em seu evento. Aí ele me ligou para
me ver, mas em vez de vir sozinho, que era o que eu queria, ele chegou com outros quatro
canadenses porque queria que eles me conhecessem.

—Mas eles realmente não tinham um relacionamento...

—Só cartas, sem ter começado nada. Mas eu tinha uma espécie de expectativa de que
algo poderia acontecer. Mas ele chega e não me liga, e quando aparece vem com outros
quatro caras...

—Foi como um banho frio...

-Sim pois. A explicação foi que quando souberam que eu iria ver Marta Harnecker, essas
pessoas quiseram me conhecer. E eu não poderia dizer não a eles. Então, no dia seguinte,
convidei-o para ir a Viñales, onde fica aquele laguinho e aquelas casinhas...

—Para os terraços?

-Lá. Porque me contaram coisas boas de Las Terrazas e eu não os conhecia. Fomos,
almoçamos e depois fomos passear por uma mata, por um rio... Foi aí que ele timidamente
pegou minha mão e começou um relacionamento. Mas ele era casado; Ele queria se
separar, mas a mulher tinha câncer, então ele sentiu que não poderia fazer isso
imediatamente. Eles já estavam prestes a se separar quando ele foi diagnosticado com
câncer. Até porque quando a mãe de Michael ficou doente, a mulher foi muito boa com
ela.

—Então ele ficou triste por se divorciar.

-Claro. Mas nosso relacionamento permaneceu. A certa altura, eles me convidaram para

um evento em Vancouver. Não sei se ele teve alguma coisa a ver com esse convite. Aí
uma amiga, Carmen Arencibia, me incentivou muito a ir, e eu fui.

201
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Primeiro fui para Toronto, no final de agosto, onde também fui convidado, e depois
fui para Vancouver, onde fui convidado, mas no dia 18 de setembro. Me pagaram
o hotel em cinco dias, mas era muito tempo, então tive que pagar a diferença em
dias. Era o “Silvia Hotel”, que fica perto do mar e perto do parque. Lá nos
encontramos com Michael. Esse encontro foi tão importante para ele que mais
tarde alugou um apartamento a duas quadras do “Hotel Silvia”, onde moramos
agora. Naquela época ele ainda estava com a mulher, então claro que tinha que
sair mais cedo, não podia ficar à noite...

A questão é que aquele momento serviu para fortalecer nosso relacionamento e


para ele decidir se mudar. Lá ele realmente terminou com a mulher.
No ano seguinte fui ao apartamento dele.

—Você conheceu a esposa dele?

— Encontrei ela uma vez, num parque, num festival de música country. Vi que
uma mulher estava olhando para mim, ela se aproximou e não sei o que ela me
disse porque ela interpretou como se Michael tivesse conhecido uma jovem e a
abandonado.
Então Michael disse aos amigos que eu era muito mais velho que ele; e na verdade
sou mais velho que ele, apenas dez meses; Ele disse isso para neutralizar o que
sua esposa disse. No começo tivemos que trabalhar muito com os filhos porque
ele tem dois filhos diretos e dois que eram quase iguais aos dele porque a mulher
anterior tinha dois filhos quando
se encontraram.

—Então já são quatro meninos grandes...

—Sim, claro, pelo menos 30 anos. No primeiro ano foi professor na Universidade
“Simon Fraser”; Foi quando Chávez me convidou para ficar na Venezuela, e como
eu estava nessa relação que estava começando, hesitei e Chávez me disse: “Bem,
venha quando puder”.

—Você ainda morava em Cuba?

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Isabel Rauber

—Naquela época eu ainda estava em Cuba, mas ia e vinha.

-Quando se casaram?

—Quando Michael se mudou para o novo apartamento, depois de um


ano, decidimos nos casar. Ele se divorciou e queria se casar comigo,
com documentos, o que eu não estava muito interessado. Mas ele é
muito romântico e achou isso, sei lá, uma coisa muito legal e... bem, nos
casamos; Tivemos alguns amigos como testemunhas. Foi muito simples,
em casa, com cartório e quatro pessoas.

A verdade é que Miguel Urbano se enganou quando disse: “Nunca


encontrarás um homem que partilhe o teu projeto”. Porque acontece
que com Michael não pode mais haver semelhança no modo de viver e
no projeto... O que acontece é que ele, digo, é um teórico que se esforça
para descobrir coisas novas na teoria. E sou uma pessoa que busca ter
ferramentas para entender as coisas da forma mais simples possível.

—Eles compartilham um ritmo de vida dedicado ao estudo, à pesquisa...

—Ele estuda muito mais livros, estou viajando e fazendo coisas mais
simples, digamos, pedagógicas. Mas nos complementamos muito bem.
Além disso, somos muito anti-sociais, por isso ficamos muito felizes por
estarmos sozinhos.

—Mas você não é insociável...

—Mas eu não gosto nada de estar com um grupo de pessoas. Agora,


hoje à noite que vamos ter essa reunião, eu espero que... realmente
sejam discutidas coisas sérias, porque quando tem muita gente e cada
um fala por si...

O grande problema do Michael é que ele não fala espanhol, então isso
me restringe bastante porque penso duas vezes antes de convidar
alguém...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Personalidades diferentes

—Temos uma personalidade muito diferente com Mike. Eu diria que é o mais
diferente da minha vida. Tive relações com um intelectual peruano e com esse

chileno que te disse que eram mais carinhosos. Mas não tinha grande admiração
por eles como intelectuais. O caso de Mike é diferente; Ele é uma personalidade
muito tímida, ou seja, não é um tipo opressor. Agora, pensando em Piñeiro e nele,
os dois me disseram que eu trabalhava muito, mas os dois me deram tarefas. Agora
Michael diz: “Você tem que escrever um livro sobre os problemas dos governos, ou
você tem que ir para a Índia porque eles estão convidando você para fazer uma
apresentação…

Foi ele, por exemplo, quem mais insistiu comigo que eu deveria ser jurado do
Prêmio Casa de las Américas. Eu não queria aceitar. Aí depois eles estão lá olhando
você está estressado porque tem muita coisa para fazer, né?

—Claro.

(risos)

Ritmo de trabalho
—A verdade é que, nos últimos dois anos, desde que tive uma pneumonia no
Canadá, tenho tentado abrandar um pouco o ritmo de trabalho. Mas a verdade é
que não consegui. Aí eu tive câncer também, bom, me falaram e eu disse a mim
mesmo: Pare! E eu não parei de jeito nenhum. Bom, acho que manter a atividade é
fundamental, porque quem se dedica a pensar em si afunda. O único ano em Paris
em que pensei em mim foi o ano em que tive mais problemas psicológicos.

—Mas uma coisa é trabalhar e outra é ficar estressado. Você continuou com muita
autoexigência... Porque se você trabalhou quatro horas e terminou quando quiser,
é uma forma gentil de se manter ativo, mas você não trabalha assim, você marca
datas, metas... e isso coloca pressão sobre você.

204
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Isabel Rauber

-Sim.

Nem tudo é rosa…

—Você me contou que teve dificuldades de comunicação com Michael, como


é isso?

—Bem, há a contradição de que Mike gosta de assistir filmes depois de comer.


Ele assiste três filmes e até me dá um... Então me deparo com o dilema de
ter que terminar meu texto e não sei se vou trabalhar na minha mesa ou levar
o computador para a sala. sala para acompanhá-lo.

Ninguém imagina, com a personalidade forte que tenho, a grande dependência


que desenvolvi do Michael no Canadá. Não assumi nenhuma das tarefas que
deveria assumir ao longo do tempo, por exemplo, na questão financeira.
Sempre disse que uma mulher é libertada quando tem a sua própria opinião.
Bem, não, tenho meu dinheiro lá, mas temos uma conta conjunta. Então
Mike, que é muito mais esperto do que eu em fazer compras, sempre pensa
em comprar o mais barato, o que está em promoção. E a verdade é que,
depois de ter dito que não comprei nada de uma só vez, agora, se gosto de
alguma coisa, digo: “Bom, por que não compro?”

Então ele me controla nisso e eu não lido com dinheiro. A verdade é que nem
aprendi; Se algo acontecer com ele, o que vou fazer?

—Você não aprendeu a se cuidar no Canadá?

-Um pouco. Vou comprar coisas perto, mas nem gosto de rua. Agora que
aprendi a pegar ônibus e vou com um mapinha, mas não consigo nada. Então,
eu tenho uma dependência muito grande.

Isto é diferente do que acontece quando estamos em Cuba porque em

40 Mesquinho. Adjetivo usado no Chile e no Peru para descrever uma pessoa que
reluta em dar ou compartilhar o que é sua propriedade.

205
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Cuba é o contrário. Para administrar a casa tenho o apoio extraordinário da


Lorena. Tenho a sorte de contar com excelentes equipas de trabalho, sem
as quais não teria conseguido produzir o que produzo.
Desde transcritor, secretário, pessoas que fazem outras tarefas, com maior
responsabilidade. E dentro de casa também, bem. Desde que me casei com
Piñeiro tive pessoas que me apoiaram. E eu acho que isso é muito
importante. Sempre disse que não só por trás de todo grande homem está
uma grande mulher, mas por trás de cada mulher que se desenvolve, que é
importante, que tem algum papel de destaque na sociedade, existem outras
mulheres que se sacrificam por ela, porque ainda a sociedade tem não
alcançou um relacionamento igual entre homem e mulher. A verdade é que
realmente existem tarefas domésticas que ocupam o seu tempo.

Eu realmente gosto da casa. Acho que isso equilibra você. Por exemplo,
depois de comer lavo a louça. E acho que ficar em pé faz bem ao meu
estômago.

-Bem…

—Está acontecendo um problema que acho que tem a ver com a audição. É
difícil para mim entender inglês quando estou muito cansado. O inglês deles
- todos me dizem - é complexo, ou seja, é mais complicado que o inglês dos
outros, então o problema da audição - porque estamos perdendo a audição -
se soma ao fato de eu saber pouco inglês. Portanto, há momentos em que
vivemos em um tremendo mal-entendido, só porque não nos comunicamos
bem... Segundo Mike , eu pulo palavras. Em outras palavras, acho que disse
uma coisa e não disse. Não sei se você percebeu isso. E segundo mim, ele
não ouve.
Então temos muitas discussões...

—Talvez as duas coisas se juntem.

-Talvez talvez. Porque penso que isso também aconteceu no MEPLA,


quando eu dava instruções as pessoas não entendiam ou eu dava instruções
e depois mudava e depois as pessoas não me seguiam. Eu também esqueço
onde estou. Eu agora muitas vezes,

206
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Isabel Rauber

Quando dou uma palestra, pergunto às pessoas, para onde eu estava indo, me
lembrem do que eu disse... Mas bom, o problema é que por causa disso há alguns
momentos ruins entre nós.

—Mas eles terão que suportá-los...

-Sim. Mas meu personagem é explodir e depois esquecer; Não fico pensando nos
problemas. E daqui a pouco consigo superar o problema, por outro lado ele se
empolga... às vezes passam horas, às vezes passam dias e ele ainda está sofrendo
por uma coisa que eu nem sei mais o porquê. Desde que estudei psicologia, entendo
o caráter dele e digo bem, é isso. Acho que ele tem que entender o meu.

—Mas ele não estudou psicologia...

(risos)

—Mas bom, a verdade é que valorizo muito mais o relacionamento como um todo
do que os problemas circunstanciais que possamos ter.

—De qualquer forma, você é uma mulher privilegiada.

—Concordo, sempre digo isso.

—Inteligentes – heterossexuais – mulheres geralmente não têm mãe


livrar-se ou perdê-lo porque os homens, em geral, não suportam uma mulher
inteligente. Eles não suportam uma mulher que tem independência. Por isso te digo
que você é uma mulher privilegiada. Porque você conseguiu desenvolver sua
inteligência, naquilo que você gosta sem que isso lhe custasse um companheiro. O
homem comum compete com as mulheres, ele não suporta que as mulheres possam “vencê-lo”.

-Sim. Embora eu ache que sou privilegiado por muitas coisas. Eu me comparo com
a situação de alguns dos meus auxiliares, que moram sozinhos com os filhos, que
quando os filhos casam ficam sozinhos, que têm não sei que doença, bom... é
impressionante como as coisas acontecem pessoas. . Então eu digo que sou
extremamente privilegiado.

207
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Partida para a Venezuela, 2004

—Quando você foi à Venezuela pela primeira vez?

—A primeira vez que fui à Venezuela foi em 76. Houve um congresso de


jornalistas e fui como ex-diretor do Chile Hoy. Lembro-me das estradas
enormes; No Chile não existiam estradas assim, assim como em Cuba, essas
estradas, as rodovias... as casas cheias de chaves.
Agora moro em uma casa que tem três chaves, assim como na Venezuela.
Isso não existia no Chile.

Anos depois voltei a fazer estudos de experiências participativas da Prefeitura


de Caracas, com Aristóbulo Isturiz [Fazendo o caminho caminhando, 1995].

Como tínhamos feito o documentário sobre o orçamento participativo de


Porto Alegre e o livro Delegando poder ao povo [1999], me convidaram para
ministrar oficinas sobre o assunto. Fui à prefeitura em 2001 e os jovens que
organizaram o evento me convidaram para percorrer o país. Isso seria no
ano seguinte, mas não tive notícias deles por quase um ano. Um dia
apareceram diretamente na minha casa e me disseram: “Vamos para a
Venezuela”, mas isso era impossível porque não haviam coordenado nada
comigo e eu tinha compromissos com outras pessoas. Se não fosse isso, eu
teria sido atingido quando estava na Venezuela.

—Mas depois do golpe de 2002 você foi à Venezuela entrevistar Chávez...

-Sim. Fui para a Venezuela depois do golpe. Mas não para fazer aquele
passeio com os jovens, mas sim convidados pelo Prefeito de Guacara41 para
dar palestras sobre orçamento participativo. Então eu vi isso

41 Cidade venezuelana, capital do Município de Guacara, Estado de Carabobo,


Região Central.

208
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Isabel Rauber

como uma oportunidade para entrevistar Chávez. Fiz a entrevista com ele em
2002, alguns meses depois do golpe.

Nunca entrevistei um presidente. Pedir tempo a um presidente para entrevistá-


lo foi difícil para mim. E como sou insegura, foi difícil para mim, mas consegui.

—E como você conseguiu entrevistá-lo?

—Fiz um questionário e enviei à Embaixada de Cuba na Venezuela, através de


Germán Sánchez, que foi meu embaixador e amigo desde a época do
Departamento da América. Eu estava em Cuba e um dia recebi uma ligação.
Quando atendo o telefone me dizem: “Aqui é o Chefe do Estado-Maior do
Comandante Chávez, então por favor venha amanhã porque o Presidente quer
que eu o entreviste”.
Então eu digo a ele: Mas amanhã? “Bem, pegue o primeiro vôo que conseguir”,
ele me diz. Me mandaram a passagem e dois dias depois fui para a Venezuela.
Cheguei na casa de Germán Sánchez.

Entrevista com Chávez

—Enquanto eu estava na casa de Germán, em Caracas, me disseram que o


presidente me convidou para ir em seu avião naquele domingo ao “Aló
Presidente”, que era em El Vigía.42

Eu apareço no aeroporto; Eles me levaram para o avião e quando eu estava no


avião, Chávez entrou e me disse: “Ah, como você está?” Alguém teria dito a ele
que eu era Marta. Ele leu meu livro Estratégia e Tática [1985], quando estava
na prisão. Mas eu estava com meu livro A Esquerda no Limiar do Século 21
[1999], que na contracapa tem um parágrafo que fala da política como a arte de
tornar possível o impossível; e entreguei-lhe o livro.

Quando chegamos ao local, Chávez me convida para ir de jipe com ele. Ele
dirigindo e eu ao lado dele. Eu tinha um gravador que eu tinha

42
É a capital do Município Alberto Adriani, do Estado de Mérida, Venezuela.

209
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

o talentoso Piñeiro, tão grande quanto aquele profissional. Ele começa a falar
sobre história e eu digo: Posso gravar você? E começo a gravar.
Foi uma viagem de cerca de uma hora até chegarmos a um hotel onde estava
o coordenador de Mérida. Terminei de gravar porque minha bateria acabou e
eu não tinha sobra, mas continuamos conversando.
Nessa conversa descobri que ele não tinha ideia do questionário que eu havia
enviado para ele... Ele não havia recebido.

—E então, como surgiu esse convite?

—Foi iniciativa dele me convidar porque ele havia pedido ao seu assistente
para procurar todos os livros sobre as eleições no Brasil e lá ele encontrou o
meu livro sobre o PT, um livro que tinha uma dedicatória que eu fiz para ele,
onde contei ele que eu gostaria de entrevistá-lo. E então, como resultado disso,
ele me ligou. Ele queria que eu lhe fizesse uma entrevista sobre o movimento,
sobre a revolução bolivariana... Por isso ele disse: “Deixe Marta vir me
entrevistar”. Mas ele não conhecia todas aquelas perguntas que eu havia
preparado. Então, nos espaços que tive, gravamos cerca de 18 horas de
entrevistas, em horários diferentes.
Parte no helicóptero, parte na casa...

Numa dessas viagens fomos à inauguração de uma escola e de lá ele partiu


para a Ilha La Orchila43 para ver sua família. E ele me disse: “Me entreviste
na viagem, mas lá tenho que receber minha filha. Tire vantagem de mim se
quiser. Então fomos, mas o helicóptero com a filha não conseguiu pousar e
então tive a oportunidade de entrevistá-lo por cerca de três horas à noite. Nas
conversas eu transmiti algumas ideias para ele…

—Você ficaria preocupado com o que aconteceu, para que não se repita...

-Sim. Naquela época, depois do golpe, havia dois países, aquele sobre o qual
você lia na imprensa e aquele que você via quando conversava com as pessoas.

43 A ilha de La Orchila pertence à República Bolivariana da Venezuela e está


incluída nas Dependências Federais da Venezuela. Há um acampamento
militar e a Base Aeronaval C/N Antonio Díaz. Ali ficou alojado o presidente
Hugo Chávez Frías, após ter sido detido durante o Golpe, em abril de 2002.

210
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Isabel Rauber

A imprensa da oposição mostrou um panorama muito diferente daquele que se


via no povo. Mas os intelectuais foram influenciados por essa imprensa. Então
transmiti a ele as coisas críticas que vi.

Com todas essas entrevistas preparei o livro Un hombre, un pueblo [2003].


Chávez me fez aquela dedicatória linda que está no livro, esse que vocês têm,
onde ele expressa que gostou muito.

Conselheiro Chávez

—Como seu relacionamento com ele continuou? Porque em 2004 você morava
na Venezuela…

—Cerca de dois meses depois conheci Chávez em Lara, onde a filha mais
nova morava com a ex-mulher. Enquanto a menina tomava leite, conversamos.
E ele me perguntou se eu iria trabalhar com ele porque - como ele me disse -
queria alguém crítico ao seu lado.

Naquela época eu estava iniciando meu relacionamento com Michael Le-


bowitz e ele tinha compromissos com a universidade no Canadá.
Chávez percebeu que eu não estava preparado e me disse: “Bem, se você não
pode, então pelo menos venha e vá.” E então comecei a ir lá para diversos
eventos desde 2003, até que Mike se livrou da coisa da universidade. ano
seguinte e decidimos ir morar na Venezuela.

Passamos grande parte de 2003 e 2004 em Caracas. Voltamos ao Canadá no


verão de 2004; Nos casamos em outubro de 2004 e depois voltamos para
Caracas. O assessor de Chávez nos apressou porque disse que o presidente
estava nos esperando.

Coordenador assessor

—Chávez queria nos dar um contrato como conselheiros, mas eu disse a ele
que bastava para ele nos dar um lugar para morar e comer. Quando chegamos
em Caracas fomos morar em um apartamento bem preparado no Hotel Anauco,
que é muito bacana. Lá eu descubro que a tarefa que

211
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Chávez me designou como coordenador dos assessores. Eu não tinha


experiência governamental. E bom, pensei que fosse um grupo de pessoas
que iriam ter um diálogo fluido com o Presidente, que iriam transmitir e
discutir ideias. Mas não foi assim, tínhamos uma linha telefônica direta para
nos comunicarmos com ele e discutimos algumas coisas por telefone e
mandamos papéis...

—Nunca houve trocas, conversas...?

-Não. Foi frustrante nesse sentido porque imaginei outro


O que.

Às vezes ele telefonava para dizer: “Bem, quero esclarecer este ponto, ou
elaborar este ponto para mim”. Mas não houve construção de pensamento,
não houve discussão de estratégia e tática... Você descobriu as ideias que
ele aceitava, quando falava ou comentava as coisas.

Depois de um ano eu disse a ela: acho que não estou respondendo ao que
seria necessário como orientadora. Você deve ter mais pessoal técnico. Isto
coincidiu com a decisão de reestruturar a equipa, passar para a Secretaria de Governo.
Ou seja, havia um ministro e vice-ministros. Propusemos que ele fosse o
Chefe do Gabinete.

Quando comecei a tarefa, outro grupo também começou e um dos membros


desse grupo era o Chefe do Escritório. Éramos uma equipe bem unida. e
Também trabalhamos com outra equipe que antes assessorava Chávez, que
eram os do CEPS (Centro de Estudos Políticos e Sociais), onde estavam
Monedero, Pablo Iglesias...

Centro Internacional Miranda

—Quando a operação e localização dos equipamentos são reestruturadas,


você vai ao Centro Internacional Miranda?

—Eu fui assessor de Chávez e Michael foi assessor do Ministro da Economia


Social [Nelson Merentes]. Juntos propusemos atrair consultores internacionais
e formar um centro que seria

212
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Isabel Rauber

fundamentalmente um centro de acolhimento e reflexão para estes


assessores internacionais; Deveriam abranger áreas onde não havia
profissionais capacitados na Venezuela. Essa ideia demorou um pouco para
ser implementada. Chávez aceitou, mas não foi finalizado até que a
reestruturação fosse realizada.

—Quando foi criado o Centro Internacional Miranda?

—O Centro foi criado quando ainda estávamos no Palácio.


Ainda estávamos morando no hotel Anauco e visitamos e vimos que havia
uma vaga no andar de cima. Então propusemos que o Centro fosse instalado
ali. E assim foi. Chávez me disse: “Sim, vamos.
Aí está o Hotel Anauco para isso.”

Mas essa ideia nunca foi bem implementada. No processo legal de


institucionalização da proposta, descobriu-se que os estrangeiros não poderiam liderar.
Então, na verdade, formalmente não fazíamos parte da gestão, embora
estivéssemos realmente na gestão.

Héctor Navarro foi o seu primeiro presidente, mas Héctor tinha muitos
compromissos e sentimos que nunca os assumiu. Tivemos que pensar em
outro e foi aí que entrou Luis Bonilla Molina.

—Quais seriam as atividades que a CIM assumiria?

Uma das missões do Centro era produzir materiais e insumos para o


Presidente. O Centro tinha que estar ao serviço do Palácio. A grande
discussão foi quanta autonomia deveria ter. Nossa ideia - com Michael - era
manter muita autonomia, não comprometer...

Com Bonilla tivemos a possibilidade de ter o que se chamava “Orçamento


por programa”. Por outras palavras, você fez o programa e a Equipa
Orçamental Nacional decidiu que orçamento lhe atribuir de acordo com os
seus critérios. Não sei se foi porque me conheciam ou o quê, mas aprovaram
para mim dois programas com o maior orçamento, mais do que os outros
programas. E aí vimos o que significa ter um orçamento e uma equipe
responsável.

213
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Graças a isso fizemos 5 livros em um ano. 3 foram publicados, os outros estão


prontos, mas ainda não foram publicados porque no ano seguinte tudo mudou
e em vez de ser “orçamento por programa” voltou a ser um orçamento
recentemente centralizado. Assim, o orçamento foi alocado para outros livros
e estes ficaram pendentes.

Além disso, firmamos uma aliança com a Editorial Monte Ávila e publicamos
com eles a coleção Fazendo um caminho caminhando: expeÿ
experiências de oito governos locais na América Latina (2005) e outros livros
de entrevistas.

—Em outras palavras, você manteve sua linha de livros de depoimentos.

-Claro. O que há de bonito nisso tudo foi o método que usamos para escrever
esses livros. Porque a ideia era fazer livros de depoimentos, mas como trazer
pessoas para a Venezuela? Surgiu então a ideia de utilizar novamente a
entrevista coletiva. Ou seja, se quiséssemos reconstruir a história do Pachakutik,
convidamos um grupo de pessoas que estavam no Pa-chakutik, outro que
saiu do Pachakutik, os de uma tendência e os de outra tendência, para terem
visões diferentes. A ideia era sentar eles e tirar dúvidas, dando oportunidade
para quem quisesse falar e os demais complementarem, ou seja, eles trocaram
entre si e eu gravei.

Para isso, convidamos pessoas a participar do evento através de uma


mensagem eletrônica que enviamos para diversos locais, personalidades, etc.,
depois ligamos e lembramos da atividade no dia anterior. Mesmo assim,
chegaram apenas cerca de 60 pessoas, às vezes 30 pessoas. Mas não nos
importamos porque o que queríamos era ouvir o diálogo dos palestrantes,
gravar e produzir o livro.

—Claro que o objetivo não era o evento, mas o conhecimento que ali foi
produzido.

-Exatamente. Este método permitiu-nos que, caso houvesse alguma lacuna, o


meu assistente na altura, Federico Fuentes, se deslocasse até ao local.

214
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Isabel Rauber

onde moravam e completaram a entrevista. Foi o que fizemos com o livro do MAS
boliviano, por exemplo.

—Para fazer esse livro, você primeiro pegou um conjunto de referências a Caracas?

-Sim. E depois foi à Bolívia e entrevistou-os para completar questões que ficaram
inacabadas. Eles também vieram a Caracas para o novo livro do PT, e depois ele
também foi ao Brasil entrevistar Dirceu.
Mas nunca terminamos aquele livro...

—Quais foram os livros que foram publicados nesse projeto?

—A do MAS, da Bolívia [MAS-IPSP da Bolívia. Instrumento político que surge dos


movimentos sociais, 2008], o do P-MAS do Paraguai [O P-MAS do Paraguai um
instrumento político que nasce do estudanteÿ
tado, 2008], e agora o do Equador [Equador: Uma nova esquerda em busca de vida
em plenitude, 2011], que também foi feito com esse projeto, mas não com esse
sistema, mas indo diretamente ao local.
Também fizemos dois livros com experiências de prefeituras com participação
popular: o da Prefeitura de Torres, do Estado de Lara [Transferienÿ
Eu dou poder ao povo. Município de Torres, Lara, Venezuela, 2008], e o do
Município Libertador, Estado de Carabobo [Governos comunitários.
Transformando o estado a partir de baixo, 2007].

—E sobre as comunas…?

—Naquela época ainda não existiam comunas, mas ambas as experiências tinham
a ideia de subdividir o território em áreas territoriais, um pouco a ideia dos Conselhos
Comunais antes de serem criados.
Na verdade, toda a questão da subdivisão territorial já foi desenhada por eles.

—E o seu livro “Dos conselhos comunais às comunas. Construindo o socialismo do


século XXI”, a partir de 2009?

—É um livro de ensaio porque falo sobre a ideia do conselho comunal, os


problemas e como resolvê-los e depois como surge o tema das comunas. Eu estava
formando a ideia de que a comuna iria

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

poderia fazer reunindo conselhos comunitários e é isso. Fizemos um esboço de como


vimos a coisa e enviamos para Chávez. Isso nunca foi publicado. A partir daí entrei
diretamente no tópico de planejamento.

—Por isso você não vai conseguir se dedicar aos treinos... Você está sempre travado.
começando algo novo.

(risos)

Encontro de intelectuais; fim de sua estadia na Venezuela e


transferência para o Canadá

—Quanto tempo você trabalhou na Venezuela?

—Na eleição de Chávez (2012) eu já tinha saído. Mas entrei em contato com ele e
enviei materiais do Canadá.

—O que motivou você a sair?

—Saí porque tinha começado a preparar o livro Equador, para viajar também ao
Equador e à Bolívia. Então passei muito tempo fora da Venezuela. Isso, junto com a
frustração de que as ideias e propostas permanecessem no papel, foi o que me fez
pensar que, bem, era melhor ir morar no Canadá.

A polêmica reunião organizada pela CIM

—O desacordo que ocorreu como resultado da reunião intelectual influenciou


eventos organizados pela CIM?

-Sim claro. Depois da reunião de intelectuais convocada pelo Centro Internacional de


Miranda, com a polémica que surgiu em consequência das críticas que aí foram feitas
à gestão do governo, alguns sectores do governo e do partido (PSUV) fizeram uma
grande campanha contra nós Especificamente para mim, com Mike não houve
problemas.

Criou-se um clima dentro da equipe governamental, entre as pessoas que cercavam


Chávez, que era muito crítico comigo. Todas essas razões fizeram

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Isabel Rauber

que pensávamos que poderíamos trabalhar em outros lugares e voltar à Venezuela quando
necessário. Você está interessado em que eu lhe conte isso?

-Sim, claro. Vamos conversar sobre esse encontro.

—O encontro não foi organizado por mim, mas pelo diretor da CIM, que na época era Luis
Bonilla, junto com Juan Carlos Monedero e outro grupo de intelectuais preocupados com o
processo, que consideravam ter muitas fragilidades e queriam contribuir, fazer uma reflexão
crítica, ou seja, alerta. Foi em 2010.

Eu também tive uma grande preocupação. Vi que Chávez não estava ouvindo e que a
solução não surgiria de dentro. Comecei a conversar com alguns colegas para me reunir:
Samir Amín, Ignacio Ramonet, alguns conhecidos, para escrever para Chávez...

E é disso que surge este evento CIM. Eu estava em San Salvador, na inauguração do

Funes, naquela época. Quando volto vou para a sessão da tarde do primeiro dia, e os meus
colegas ficam felizes: “Olha, a intervenção do Monedero e a intervenção do Vladimir Acosta
foram na televisão, muito críticas. E eles saíram ao vivo. Eu disse: Mas isso não foi um
evento interno? Então me disseram: “Estamos cansados de enviar mensagens papais a
Chávez, tínhamos que fazer algo mais forte”. Na verdade eu falei, com cuidado, mas falei.
Foram intervenções muito interessantes. Mas também pensei: a oposição vai explodir esta
questão. No entanto, não houve um único jornal da oposição que falasse sobre o
acontecimento. Quem explorou o assunto foi o presidente Chávez, comentando uma última
notícia, disse: “O evento foi muito interessante, etc., mas na questão da hiperliderança,
não concordo porque é necessário um líder; Eu também tenho que me defender.”

—Você tomou isso como um ataque?

-Claro. E eu o encontrei bem na defesa. Mas qual foi o problema? O que aconteceu? Esse
artigo foi publicado com uma foto. E naquela foto estava Michael Lebowitz, o diretor do CIM,
Monedero, Peter McLaren [um dos principais representantes da pedagogia

217
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

crítico revolucionário, nascido no Canadá e residente nos Estados Unidos], eu estava lá.
Era uma foto de outro evento, postada lá. E ocorre a Chávez dizer: “Não acredite que
todos aqueles que estiveram lá sejam revolucionários”. Isto foi o suficiente para que o
partido, o gabinete político, se dedicasse a protestar contra nós. Três pessoas nos
defenderam, todo mundo... Os coordenadores regionais começaram a fazer campanha,
principalmente contra mim. Já não suportavam que “o estrangeiro chileno” estivesse ao
lado de Chávez, e alguns também atacaram Michael.

—Foi por isso que você se mudou para o Canadá?

—Foi um dos motivos. A coisa mais significativa no meio dessa bagunça foram as
pessoas. Eles me encontravam na rua e me diziam: “Camarada, é isso que sinto; você
disse isso." E apareceram artigos na Aporrea de pessoas que apoiaram o evento. Foi
tanta coisa que Chávez teve que dizer: “Não sei o que há de errado com essas pessoas,
elas não entendem”. Ele até quis fechar o CIM. O então secretário-geral ou subsecretário
do partido, entretanto falecido, defendeu-nos. Naquela época eu ainda escrevia para
Chávez, ou seja, tinha o contato e o telefone, e lhe disse que o maior erro que ele poderia
cometer era fechar a CIM porque os intelectuais não iriam entender.

—E ele não fechou.

-Não. Ele não fechou. Mas, como resultado disso, a CIM caiu em desgraça.

Pouco depois, Luis Bonilla, que é um cara muito habilidoso, decidiu comemorar o 40º
aniversário do meu livro Os Conceitos Elementais da Matéria.
historicismo. “Precisamos fazer um grande evento para celebrar o livro”, ele me disse.

E depois, claro: vamos usar a Marta que é amiga do Chávez. Teremos um evento e
convidaremos Chávez. E como eu ainda tinha o telefone com Chávez, embora mal nos
conectássemos, o convidamos para o evento. Porque também foi apresentado o livro
que, por sugestão do Mike, foi publicado sobre mim, você conhece?

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Isabel Rauber

—Sim, “Marta, um tesouro da humanidade”. Me convidaram para escrever


lá, mas não tive tempo e quando pude já estava fechado...

—Muitas pessoas foram convidadas a escrever sobre o que meu livro Os


Conceitos... significou em suas vidas. E aquele livro reuniu testemunhos e
opiniões muito valiosos de pessoas de muitas partes do mundo, muitas que
eu nem conhecia; foi emocionante. Bem, esse livro continha duas cartas de
Chávez.

—A dedicatória para você e Michael…

-Sim. E a carta que ele nos enviou para o nosso casamento.

Para colocar essas cartas no livro - embora eu fosse colocá-las de qualquer


maneira - comecei a perseguir Chávez pelo telefone para obter autorização.
E aí ele me mandou uma mensagem com a assistente, que sim, não houve
problema em publicá-los. Michael sempre interpretava: “Marta te apoia,
mas você tem que entender”. Ele não disse isso, mas disse: “Vá em frente,
Marta, não sei o quê...” Imagino que ele estivesse rodeado de muita gente
que devia ter falado mal de mim.

—Você falou com ele de novo depois disso?

—Eu mantive contato com ele, mas bem, por que explicar...

Voltando ao evento da CIM no aniversário de Los Conceptos..., direi que


Chávez estava para ir porque me ligavam o tempo todo perguntando
quantas pessoas iriam, que horas eram... Finalmente ele não chegou.
E nem os ministros que havíamos convidado. Chegou muita gente, mas
nenhum dos ministros que havíamos convidado chegou, exceto María
León, então Ministra do Poder Popular para a Mulher e Igualdade de
Gênero. Um ex-combatente comunista. Muito boa.

O ministro fez uma apresentação muito boa e no final eu fechei. Nunca


pensei no que iria dizer; Não fiz um esboço, mas senti que tinha que
abordar a questão da crítica pública, defendê-la, por quê?
Por causa daquela experiência prática que tive, onde me disseram:
“Camarada, você está me refletindo”, etc. Eu disse que achava que era importante

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crítica pública porque nossos governantes têm que ouvir o povo, etc. Aí, no meio
disso, o ministro me interrompeu e disse: “Não concordo com a Marta. A roupa é
lavada em casa."

—Um balde de água fria para você.

-Sim pois. Tínhamos boas relações com Maria. Quando cheguei em casa com
Michael após o evento, ele me disse: “Ligue para Maria e explique para ela”.
Então eu ligo para ela e digo: María, você tem que entender que isso é necessário,
que Chávez pode errar, temos que ajudar. E responde: “Chávez não está errado.
Mas ei, escreva alguma coisa.
Foi daí que surgiu um artigo, que posteriormente incluí no encerramento do livro
Um mundo para construir (novos caminhos). Isto sublinha a necessidade de
crítica pública, especialmente quanto mais complexos são os processos.

—Porque surgem problemas, fraquezas...

-Sim. E porque mesmo nos melhores jogos tem que haver um alerta constante.
O instrumento político tem de ter núcleos centrais onde a militância controla e
alerta os quadros que instala com responsabilidades governamentais. Porque o
poder corrompe. O poder pode mudar você.

—Bom, e se não corrompe, acomoda e isso pode mudar pontos de vista. É por
isso que a rotação de cargos é tão importante. É um tema.

Chávez retifica

—O que aconteceu com os assessores depois do ocorrido naquele polêmico


evento crítico na CIM?

—Mais ou menos dois anos depois desses acontecimentos [em 22 de maio de


2012], Monedero – que foi quem falou sobre hiperliderança – apareceu em um
programa de televisão na Venezuela.44 Ele era

44
Em entrevista com Ernesto Villegas ao programa Todo Venezuela que transmite
VTV, Monedero destacou que quando o presidente Chávez venceu as últimas
eleições eleitorais, a direita mundial começou o seu ataque e que isto é habitual quando sur-

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Isabel Rauber

sendo entrevistado por Villegas e como Chávez tocava o programa de


Villegas e ligava de vez em quando, neste caso ele ligou e disse: “Olá
Monedero! Como vai você? Ei, lembro bem do que você disse. Você estava
completamente certo. Não sei que pessoas me cercaram...", algo assim.
Imagine como ficaram os covardes que repetiram essas calúnias.

(risos)

Naquela época, Reinaldo Iturriza, que mais tarde se tornou Ministro do


Poder Popular para as Comunas, começou a escrever artigos especialmente
destinados à leitura de Chávez. E eram artigos críticos e pelo menos uma
vez Chávez leu alguns em público.

—Iturriza integrou a equipe de Comunicação que preparou as informações


Utilizamos os discursos do Presidente desde 2007. Em 2010, Elias Jaua
assumiu a Vice-Presidência e essa equipe passou a trabalhar com ele. Próximo-
Fizeram o que já faziam, mas também artigos com análises de maior
importância política, digamos: análise de documentos do Partido; relatórios
diários sobre o desempenho do Presidente; Eles visitaram territórios em
busca da opinião das pessoas...

-Claro. Depois Iturriza, em seus artigos, levantou a questão da interpelação


popular. E Chávez pegou e começou com esse assunto o tempo todo.
“Temos que permitir que as pessoas se expressem. “Você tem que colocar
o microfone nas pessoas.” Bem, não sei se foi exatamente isso que ele
disse, mas foi assim que entendi e repeti.

E acredito que agora, por exemplo, o facto de Maduro promover o que define
como um governo de rua tem a ver com isso, com ter se convencido de
que pode ajudar o processo se o povo estiver atento e der a sua opinião.
Um alívio.

ser um país que possa ser referência para a alternativa ligada ao socialismo. Ele
também destacou que na Venezuela se defende a democracia do mundo. E
expressou: “Chávez não é um líder venezuelano, mas um líder mundial”. [Venezolana
de Televisão: (http://www.vtv.gov.ve)]

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O sedimento político das experiências de Cuba


e Venezuela

Venezuela: a complexidade de governar

—Qual seria o elemento mais importante que o marca na experiência da


Venezuela?

—A complexidade do Governo. Dificuldades. Já vi isso um pouco no governo


prefeito. Por outras palavras, isto ajuda-me a compreender que o trânsito pacífico
é muito mais complexo do que aquilo que compreendi nas minhas leituras de
Lenine.

—Você pensou na revolução novamente na democracia, digamos...

-Sim. Mas não só pelo que vivi na Venezuela, mas também pelo que conheci no
Equador e na Bolívia. Porque tem coisas que são terríveis, como brigas
palacianas, por exemplo. Eu não sabia disso.
Estar lá dentro abriu meus olhos.

—O que você quer dizer com lutas palacianas?

—Às diferentes correntes em conflito; aos obstáculos que colocam um ao outro; à


acusação de corrupção, que é utilizada como método de descrédito sem
fundamento; aproveitando o aparelho de Estado para beneficiar o seu grupo...

—E tente evitar que isso chegue aos ouvidos do presidente.

—Bem, você sabe que uma das perguntas que fiz a Chávez foi sobre a questão
da “caixa de vidro”. E ele me disse que estava claro que isso precisava ser
quebrado.

—A caixa de vidro?

-Sim. Ou seja, os grupos… o microclima. Os do tipo “sim homem” , que dizem sim
para tudo, que só falam as coisas boas, etc. Ele diz que está ciente disso, mas o
fato é que se pode criar

222
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um mecanismo de informação, mas esse mecanismo também pode ser


cooptado, depois dura um pouco e depois deixa de cumprir a sua função.

Existem duas maneiras pelas quais o Presidente é informado. Uma, a do


oportunista que quer lhe contar apenas as coisas boas. E outra, através
de amigos que, ao vê-lo tão sobrecarregado com tudo o que tem sobre si,
preferem não sobrecarregá-lo com mais problemas. Então não é apenas
o mal, mas por amor você também pode construir isso. Falei com o Chefe
do Gabinete e disse-lhe: Tem que passar isto para ele e dei-lhe um maço
de papéis. E ele me disse: “O presidente não dormiu”.

Então é muito complexo. É por isso que considero que a questão da


descentralização é fundamental. Porque se você centralizar tudo é
impossível. Uma das coisas que dissemos a Chávez foi: você tem que
pensar na sua agenda, tem que priorizar. Os trabalhadores são
fundamentais e os intelectuais são fundamentais, por isso você tem que
se dar oportunidades de conhecer os trabalhadores e os intelectuais. Mas
Chávez era uma daquelas pessoas que, se Juanita, uma vizinha não sei
de onde, quisesse falar com ele, passaria quatro horas conversando com
Juanita. Muito humano, mas muito irracional.

—Ele usou um tempo precioso para assuntos estratégicos em assuntos


cotidianos...

-Sim. E esse foi outro problema. Para combinar todas essas coisas você
tem que ser um super-homem. Mas bem, a questão é a centralização, ou
seja, a descentralização. Isto tem a ver com encontrar um rumo coletivo,
com ter equipes, ter pessoas responsáveis, confiança, e é aí que está a
questão.

—O treino também entra em jogo, né? Porque esse time deveria ser o seu
time histórico... entre outras coisas por causa da confiança.

-Claro. Depois de viver essa experiência de Governo, pensei na questão


do nepotismo. É comum ver a família na equipe do Governo…. Mas é por
causa da confiança.

223
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Cuba, a importância da participação

—Pensando no longo período da sua estadia em Cuba, como você vê a


revolução hoje?

—Bem, eu digo que Cuba é um processo admirável em termos de resistência


de um povo que quer construir o seu próprio destino, o seu próprio caminho
a poucos quilômetros dos Estados Unidos. Penso que todos os revolucionários
do mundo devem reconhecer a capacidade deste povo de resistir e ser como
uma estrela que ilumina ou fortalece em todos a capacidade de lutar por um
projeto de soberania nacional.

Porém, ao contrário dos anos iniciais da revolução, quando a revolução


cubana foi a inspiração para a sociedade que queríamos construir, este não
é o caso hoje.

-Porque?

—Porque não conseguiu resolver como criar uma sociedade alternativa ao


capitalismo que resolva os problemas das pessoas, uma questão que tem
muito a ver com a resolução de problemas económicos básicos.
Ou seja, para ser mais claro, a resistência é admirável, mas o modelo
económico não pode ser copiado. Não há respostas económicas em Cuba
sobre como fazer a transição para o socialismo.

—Bem, justamente aí a realidade do bloqueio intervém fortemente.


Embora não justifique, influencia. E chega.

-Sim. Mas o problema económico deve ser resolvido. Isso para mim é o mais
importante. Existem outros problemas também, é claro.

—Quais, por exemplo?

-Vários assuntos. A primeira coisa é entender que uma coisa é o que


sonharam os líderes desse processo - que foram sonhos maravilhosos - -, e
outra coisa é o que eles conseguiram concretizar. Sempre dou o exemplo
de como nesse processo sonharam em transformar os quartéis em escolas
e vivi essa experiência na Sierra Maestra quando cheguei

224
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Isabel Rauber

nos anos sessenta. Mas depois, muitos quartéis continuaram ocupados


pelos militares e não foi isso que os dirigentes sonharam, foi o que foi
imposto pela correlação internacional de forças e pela agressão imperialista
dos Estados Unidos.

Por isso digo que a esquerda tem de compreender que muitos dos sonhos
ou projectos que se têm no início destes processos revolucionários não
podem ser aplicados mais tarde, não porque não queiram, mas porque não
existem condições objectivas na correlação de força para fazê-lo. E digo
isto porque os actuais governantes são muito limitados em matéria
económica e provavelmente gostariam de ter empresas nas mãos para
poderem resolver os problemas económicos, mas não podem nacionalizar
tudo porque, digamos, isso não lhes permitiria sobreviver. Essa é a
primeira coisa.

-E o segundo?

—A segunda, bem, esta confusão entre propriedade estatal, ou propriedade


estatal e propriedade social. Porque se pensava que socialismo era o
mesmo que o Estado proletário ter empresas nas mãos e não é assim. Na
prática ficou demonstrado que não basta o Estado ser proprietário para
alcançar maior produtividade do que as empresas capitalistas. Surge
então a questão do que fazer para alcançar maior produtividade: devemos
regressar ao capitalismo ou devemos envolver mais os trabalhadores nesse
processo? Talvez a não produtividade, a indiferença do trabalhador no
processo de trabalho, esteja relacionada à sua limitada participação no
processo produtivo.

—Como garantir que o trabalhador aumente a produtividade na sociedadeÿ


lismo? Quero dizer, se for um tema a considerar...

—Para mim essa questão é fundamental. E acredito que aí, com as


experiências que estudei: a experiência iugoslava e também algumas
entrevistas que fiz na Venezuela sobre como o trabalhador se sente quando
está construindo a solução, ficou claro para mim que

225
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Quando o trabalhador se sente parte do processo, ele age de forma muito


diferente de quando se sente obrigado.

—Mas isso tem mais a ver com empoderamento, não tanto com produtividade,
embora estejam relacionados, claro.

—Você estava analisando o tema melhoria empresarial onde entendo que um


dos elementos desse processo era interessar os trabalhadores pelo processo
produtivo. Não tenho ideia do que causou isso, mas obviamente esse problema
deve ser resolvido.
Nós, na Unidade Popular, conseguimos uma maior participação dos trabalhadores
nas empresas do que havia em Cuba quando cheguei.

—Acho que são dimensões que estão interligadas: participação, empoderamento.


desenvolvimento e produtividade…

-Bom, sim.

—A questão da democracia?

-Sim. Deve-se reconhecer que houve limitações no processo democrático cubano.


Que não é a panaceia da democracia. Penso que deveríamos antes dizer que
não temos uma democracia perfeita porque não podemos tê-la porque o inimigo
nos impede de fazê-lo. Essa é uma das razões pelas quais defendi o partido
único, mas com o sentido Martí do partido da revolução cubana. Mas não se pode
pensar que a cidade, que o povo, seja sempre uma criança que deve ser liderada.
Você tem que conseguir entender que tem que educar as pessoas para que elas
tenham critérios próprios e possam se defender de ideias que vêm de fora, da
famosa propaganda da internet ou o que quer que seja, certo? E tenha argumentos
para se defender. Isso me parece fundamental.

—Isso está articulado com tudo acima.

—Claro.

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Isabel Rauber

—Porque a história de Cuba ensina que os Estados Unidos procuraram e


procurarão qualquer meio para quebrar a unidade do povo cubano, certo? Por
exemplo, bloqueia e persegue o país, mas envia dinheiro, recursos, tudo... para
aqueles que concordam em fazer um trabalho silencioso contra os pilares da revolução.
solução. Portanto, é uma guerra desigual. E isso significa que a democracia
também teve de se fechar em muitas questões. Lembro que numa assembleia
do Poder Popular Cintio Vitier disse que o parlamento cubano era um parlamento
na trincheira. Por outras palavras, a democracia não poderia desenvolver-se
como se pensava; Não há espaço...

—Cuando tiene lugar la conformación inicial del poder popular, que yo registro
en el libro Cuba: Los protagonistas de un nuevo poder, se ve que hay una
propuesta muy interesante donde realmente hay un interés en la que la gente
participe, en que se descentralice o poder.
A ideia é descentralizar, certo? Parece-me que houve uma grande riqueza
naquela experiência que mais tarde foi fossilizada pela burocracia.

—Essa burocracia seria uma consequência de tudo isso?

—Claro, mas a criatividade inicial foi perdida principalmente devido à cópia do


modelo soviético. Os trabalhadores, por exemplo, não estiveram presentes nas
discussões territoriais.

—O processo de construção do Poder Popular em Cuba é muito salvador


mesa, parece-me. Foi feito um piloto, fomos até um local, foi construída uma
maquete...

-Claro. É muito resgatável. Na Venezuela eles fazem leis antes de fazer as


coisas. Aqui eles fazem as leis mais tarde.

—Porque primeiro é preciso experimentar, criar e construir um modelo, que faria


parte do laboratório social...

—É por isso que sempre disse que é interessante fazer experiências piloto. Mas
o problema do Poder Popular é que tudo foi formalizado.

—Perdeu o vigor original, você diz...

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Claro.

-E por que?

—Aí vem a questão da burocracia, que não é soviética nem não-soviética. A


questão da burocracia é uma questão geral. São quadros cujo estatuto depende
de não dar iniciativa a outros.

-De controle…

-De controle. Concentrar decisões, fechar oportunidades... É triste ver, por


exemplo, um camponês, que foi um brilhante delegado do poder popular, que
falava espontaneamente ao seu povo, mas depois de anos teve que cumprir os
regulamentos e depois Na reunião do seu conselho popular, ele tinha que falar
das políticas do município, das políticas do governo, tinha que ler um jornal.
Bem, foi assim que tudo se deteriorou.

E é por isso que, na Venezuela, quando disse numa reunião que o poder em
Cuba se tinha burocratizado, alguns camaradas venezuelanos acusaram-me
de ser um agente da CIA.

Isso não é compreender a solidariedade internacional. Porque eu digo que a


solidariedade tem que ser crítica. Se alguém acredita que vai defender mais e
ajudar mais sendo propagandista, isso não é verdade. Porque tem muita gente
que só se convence quando vê os acertos e os erros.
As duas coisas.

—Este es un tema que da para un libro… ¿Qué otro elemento destacarías de


tu experiencia en Cuba?

—Bem, continuo dizendo que o processo revolucionário cubano conseguiu algo


maravilhoso em termos de relacionamento entre as pessoas. Por outras
palavras, solidariedade, o facto de um vizinho ajudar o outro vizinho, aconteça
o que acontecer. Isso é algo legal. É por isso que quero vir aqui. Quero passar
os últimos anos da minha vida em Cuba, porque não encontrei isso em nenhum
outro país. Sentir-se acompanhado na vizinhança...

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Isabel Rauber

Isso me parece uma coisa boa, que provavelmente tem a ver com os primeiros anos da
revolução. E esperemos que não se perca.

—Você vê isso como um dos desafios?

-Sim. Estou preocupado com algumas coisas. Por exemplo, na rua onde morei existem
várias empresas. E a rua está muito deteriorada. Bem, essas empresas deveriam ajudar a
pavimentar essa rua. Em outras palavras, teríamos que procurar fórmulas.

—O que você acha do igualitarismo?

—Acredito que há um exagero no processo e que devido a este tipo de questões a


possibilidade de ter iniciativa foi eliminada.

—É um assunto complicado.

—Sim, é um assunto complicado.

—O que você vê como ruim e o que você vê como bom?

—Para mim, me parece maravilhoso aquele período que foi possível viver, onde não
importava se você era filho de quem quer que fosse. Você foi para a escola, recebeu a
mesma educação, recebeu o mesmo lanche. Você recebeu a mesma comida.

A situação mudou quando o relacionamento com os exilados de Miami e as remessas


começaram. As “vermes” que se transformaram em borboletas, segundo o ditado popular.

—As diferenças começaram…

-Sim. Mas as crianças e os jovens não estão preparados para aceitar que possam existir
diferenças em Cuba.

—Você quer dizer diferenças entre as pessoas.

-Claro. Estávamos preparados, não é mesmo, com uma moral em que se você fosse pobre,
mesmo sendo pobre, se encontrasse alguma coisa na rua, você devolvia. Mas não foi essa
a preparação que muitas pessoas aqui tiveram, que pensaram que é um direito ter

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

a mesma coisa que os outros têm e, portanto, se há quem a tenha, não importa
como os outros conseguem ter a mesma coisa. E isso parece super complicado
para mim. Que não tenhamos pessoas preparadas para assumir isso me
parece complicado diante do que está por vir.

—Você acha que isso pode, talvez, romper os laços de solidariedade entre as
pessoas, ou seja, que gera uma espécie de ódio ou raiva de quem não tem
para com quem tem?

—Bem, não pensei muito sobre isso. Pensei neste sentido: recebo tudo que
posso do Estado porque tenho o mesmo direito que o outro. O que mais me
preocupa é o consumismo, o desejo de consumir.

Cuba, farol continental dos povos

—Você considera que Cuba continua sendo o farol da América Latina, ou


melhor, você a vê na defensiva?

—Ele ainda é o farol da resistência, mas não é um modelo a imitar.


Em outras palavras, as pessoas não se sentem atraídas por esse modelo.
Porque já sabemos que o modelo foi limitado não pela vontade dos dirigentes
mas pela situação concreta de agressão externa. Por isso, digamos, essa
relação também deve ser levada em conta.

Compreende-se que a política se faz com base na correlação de forças


existente, que não é uma política de tudo ou nada, que o trânsito é lento, que
é preciso aceitar uma série de coisas que não gostaríamos de aceitar, mas
que são necessários. . Mas devemos evitar pensar que a solução para tudo é
transferir todos os meios de produção para o Estado.
Essa é uma das principais lições a aprender: que a centralização excessiva é
fatal.

—E a importância de promover iniciativas de participação popular.

-Sim, claro. Participar não significa apenas participar nas campanhas


extraordinárias que Cuba realizou. A campanha de alfabetização

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a campanha de vacinação, onde quase todos os habitantes têm a sua


tarefa. Isso é muito importante. Mas essa não é a essência da participação.
O que também não é escolher, porque não podemos negar que em Cuba
os representantes são eleitos. Existe um sistema representativo, embora
os americanos pensem que não existe. Eles não sabem que de vez em
quando as pessoas votam e escolhem. Que existe um sistema diferente do
deles, mas existe um sistema representativo. Há participação eleitoral,
portanto. Há participação na discussão, as pessoas são consultadas.
Bom, muita coisa foi consultada, recentemente foram consultadas as
Diretrizes ... O grande problema é que isso não basta.
Devemos alcançar a participação popular na tomada de decisões.

Em qualquer caso, sempre foi claro para mim que Cuba era muito mais
democrática do que países que se autodenominam democráticos.

—Há personalidades que você gostaria especialmente de destacar, que te


marcaram?

—Celia Sánchez, Marquitos Portal, Fidel Castro… Foram muitos; É difícil


lembrá-los individualmente.

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NÓS.

Da infância à velhice, algo mais que


um suspiro…

Marta no Chile, anos 70 S/F Marta em sua casa em Havana,


anos 90 S/F

Marta e sua filha Camila S/F

Fotos do arquivo pessoal fornecidas por


Camila Piñeiro Harnecker Marta e os netos S/F (recente)

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Pinceladas de família

Ascendência familiar

—Em que família você nasceu? De que ascendência?

—Meus tataravós paternos vieram da Alemanha e da Áustria.


Foram eles que promoveram as escolas normais no Chile, acredito que minha vocação
pedagógica vem daí porque meu pai também foi um grande pedagogo. Eu o admirei
porque ele nos explicou tudo, então pensei: meu pai tem que ser presidente. Porque ele
sabe muito...

A ascendência alemã era muito distante. Nunca se falou alemão em minha casa porque
minha mãe não sabe alemão. E quando comecei a estudar alemão porque estava
pensando em conseguir uma bolsa de estudos na Alemanha, minha avó, Ana Jenshke
Weigle, foi quem corrigiu minha pronúncia, mas nunca ouvi falar alemão em nenhum
outro lugar da minha família.

—Ela era sua avó paterna?

-Sim. Mas meu pai não me fez estudar alemão de jeito nenhum, ele poderia ter me
colocado numa escola alemã, por exemplo, e não o fez.

—E seu pai falava alemão?

—Meu pai falava alemão, mas nunca conosco. Ele trabalhou duro para que mestre-
aprendêssemos inglês e é por isso que estávamos no que então chamávamos de jardim
de infância, que são escolas pré-escolares.

—Qual era o nome dos seus pais?

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—O nome do meu pai era Germán e o nome da minha mãe era Inés, mas
como no Chile chamam tudo de María, o nome dela era María Inés.

Meu pai era engenheiro, assim como o pai dele, que também era engenheiro.
Ele tinha uma empresa que instalava elevadores Schlinder Swiss
no Chile, fundada por seu pai, Luis Harnecker Von Kretschmann. Meu avô
tinha uma política de que seu filho, mesmo sendo engenheiro, deveria
trabalhar na construção da primeira escada rolante do Chile. Meu avô
considerava uma escola muito boa, não só para ser engenheiro, mas para
fazer trabalho de operário. Acho que, de certa forma, meu pai aplicou a
mesma coisa a nós. Porque meu pai sempre valorizou as pessoas pelo
trabalho, pelos estudos e não pelo sobrenome.

Parece-me que isso também me marcou.

—E de que origem era sua mãe?

—O sobrenome da minha mãe era Cerda. Parece que ele era “de la Cerda”,
que era mais pituco, mas o pai dele, meu avô, reprimiu-o e só ficou “Cerda”.
Seu pai também era engenheiro, trabalhava nas minas de salitre; Ele era o
gerente de uma mina de nitrato. Ele estava morando em Iquique. Não sei se
minha mãe nasceu em Iquique ou foram para Iquique depois. Embora
tenham morado lá por muito pouco tempo, minha mãe foi rainha em Iquique.
Minha avó - porque eu chamava ela de avó - era muito especial, uma dona
de casa. Nenhuma das mulheres trabalhava. O nome da minha avó era Zule-
ma Sanz Frías. Lembro-me bem dela porque moramos com meus avós
maternos por cerca de seis meses quando meus pais foram para a Europa
[1945].

pegada familiar

—Achei que todas as características da minha personalidade vinham do meu


pai. E não é assim. Descobri que minha mãe era uma pessoa com
características de liderança. Ele nunca foi intelectual nem nada, mas tinha
uma grande personalidade. E essa personalidade foi ofuscada pelo meu pai,

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Isabel Rauber

que, evidentemente, a inibiu completamente. Mas minha mãe tinha um


problema, que sentíamos com minha irmã, e era que ela não conseguia
expressar afeto. Você certamente conhece a teoria de Jung45 de que em
todo homem, em todo ser humano, existe uma alma feminina e uma alma masculina.

-Sim.

—Bom, e quando há muito desenvolvimento intelectual na mulher ou no


homem, o emocional, o feminino é mais imaturo.

—Este é o seu caso?

—Sou uma pessoa que não controla as emoções. Eu choro facilmente. As


coisas emocionais chegam até mim de uma forma muito forte. Eu diria muito
mais alto do que a maioria das pessoas. E acho que houve necessidade de
carinho. Embora o casamento dos meus pais tenha sido feliz, e apesar de
eles nos amarem e tudo mais, tenho precisado de mais contato físico, de
mais carinho.

—Seus pais foram frios com você...?

—Eles estavam com frio, sim. Eu lembro que... quando a gente ficou doente,
a gente falou para a nossa mãe nos dar amor e eu lembro que isso foi
fantástico. Mas reparem que foi só quando adoecemos; não todos os dias.

—Você tem irmãos, irmãs?

-Sim. Tenho um irmão e uma irmã; uma irmã um ano e quatro ou cinco
meses mais nova e um irmão cinco anos mais novo.

45 Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 em Kessewil, Suíça. A


referência que Marta faz à sua teoria refere-se à definição de pessoa, que Jung
considerou “a imagem pública”, a máscara que colocamos antes de sair para o
mundo exterior. Uma parte da pessoa é o papel masculino ou feminino que
devemos desempenhar. Para a maioria dos teóricos, este papel é determinado
pelo género físico. Mas, como Freud, Adler e outros, Jung pensava que, na
realidade, todos nós somos bissexuais por natureza. A influência social
gradualmente nos transforma em homens e mulheres.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Situação socioeconômica familiar

—Você considera que sua família estava “bem” financeiramente?

—Passamos a ser classe média alta, oriundos de origem de classe média baixa.

Começamos a morar em uma casa alugada, em Ñuñoa [localizada na zona


nordeste da cidade de Santiago do Chile], uma comunidade popular. Eu estava
andando de bicicleta. Além de trabalhar como engenheiro, meu pai fazia traduções.
Lembro que ele chegava em casa e depois de comer ia para um quarto de cima,
porque era uma casa com um terceiro andar, tipo sótão, e lá ele se traduzia para
ganhar mais alguns pesos porque minha mãe não trabalhava .

Passamos da casa alugada para outra casa melhor alugada, mas já tínhamos
carro. Mais tarde, minha mãe também teve um carro.

A certa altura tínhamos casa própria e não sei por que acabamos em um clube
frequentado pela alta sociedade.

—Como era seu dia a dia em família?

—Tínhamos empregada, mas aprendemos a cozinhar, aprendemos a fazer


nossas próprias roupas, aprendemos todas as coisas...

—Eles foram ensinados na escola?

— Bom, nas freiras argentinas nos ensinaram a bordar, mas não a cortar; Quem
sabia era minha mãe... Eu tinha uma tia que era uma excelente costureira, que
ganhava a vida costurando, então a gente aprendeu lá. Lembro que para uma
amiga, que não tinha vestido de festa, um dia antes, nos colocamos entre eu e
minha irmã e fizemos o vestido dela, uma loucura.

Mas mesmo sabendo de tudo isso, meu pai era muito exigente conosco. Me
considero inseguro e sinto que talvez isso se deva àquele pai que, em vez de nos
elogiar, sempre foi muito exigente. Meu pai nunca ficou feliz com a filha que teve;
Ele sempre exigia cada vez mais de mim.

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Isabel Rauber

—Como se você sempre estivesse faltando alguma coisa...

-Sempre. Então acho que isso me deixou uma marca, uma dúvida: estou
fazendo bem ou não?

Infância e juventude

-Como foi sua infância?

—Até os meus 9 anos tivemos educação bilíngue, primeiro no jardim de infância


e depois na chamada Escola Arco-Íris, que era uma escola muito criativa.
Lembro das “festas indígenas”, das crianças fantasiadas de “indígena”, da
comida típica feita… foi uma experiência bacana que tive naquela época.

—Quais são as suas principais lembranças dessa época?

—Lembro que tinha um menino de quem eu gostava, lembro disso. Quando


cresci encontrei, mas não gostei mais.

A verdade é que na Rainbow School, onde aprendi inglês, só me lembro das


festas e deste menino.

Estudos secundários

—Fiz o ensino médio no Colégio de Freiras Argentinas46.

—O nome da escola era “Monges Argentinos”?

-Sim. Meu pai nos colocou lá. Houve uma discussão com minha mãe porque
ela queria que fôssemos para a Academia Villa María, uma escola secundária
onde frequentavam meninas de famílias abastadas, digamos. E a discussão
surgiu porque meu pai rejeitou essa ideia da importância dos sobrenomes.

Até chegarmos às Freiras Argentinas, minha irmã e eu fazíamos os mesmos


cursos, mas suponho que alguma psicóloga pensava isso

46
Escola Argentina do Sagrado Coração de Jesus (Religiosas Argentinas)

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Foi melhor separar e bem, desde então eu estava em uma série e ela foi
colocada em uma série inferior.

—Ela era menor…

-Claro. Minha irmã tinha cabelos loiros cacheados. Eu tinha cabelos grossos,
cabelos lisos e cabelos bastante castanhos. Minha sensação era que eu não
era atraente e minha irmã era. Eu me via como a garota feia com uma irmã
bonita. E lembro que, por pior que fosse, convenci minha irmã de que ela
tinha nariz comprido. (Risos) Eu tinha um temperamento terrível quando
criança por causa disso.

-Bem…

—Passei parte da escola primária nas Freiras Argentinas porque cheguei lá


com 9 anos. Lembro que ele sempre foi um líder. Eu tinha um sistema de
estudo, de resumos, em jornais grandes onde colocava todo o material do
ano. Aí vinham muitos alunos ou amigos e eu contava o papel para eles.

Lembro-me muito bem das freiras argentinas, uma professora de inglês que
era maravilhosa. Ele nos fascinou porque nos ensinou através dos poemas
de Edgar Allan Poe ou dos romances. Ela transmitiu tudo romântico. Eu
adorei aquela aula.

Por outro lado, lembro que na ginástica me colocaram em primeiro lugar,


apesar de não ser o mais alto porque tenho a possibilidade de levantar a
perna bem alto.

—Você praticou algum esporte?

—Aos doze anos eu já era um ótimo tenista. Meu treinador disse que eu
poderia ser campeão chileno. Meu avô paterno, Luis Harnecker, foi campeão
chileno de tênis por mais de cinco anos. E um dos meus tios era honorário.

Cheguei com honra; É uma categoria. Mas essa questão durou até eu entrar
na universidade. Lá deixei meus compromissos. eu estava indo

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Isabel Rauber

no domingo e para jogar tênis bem é preciso treinar muito. Além disso, comecei
a jogar vôlei aos 12, 13 anos. Porque estávamos de férias e tinha um vizinho que
era treinador de vôlei.
O filho dele era amigo meu e então jogávamos vôlei na praia. Também comecei
a jogar num time de Santiago. Lá me bateram no nariz e anos depois, em Cuba,
tive que fazer uma cirurgia no nariz porque estava com problema respiratório.

Eu não teria feito a cirurgia por questões estéticas, mas aproveitei que teria que
fazer uma cirurgia por questões terapêuticas para retirar o septo. Antes eu tinha
um nariz muito mais adunco do que agora. E o mais engraçado é que meu nariz
agora está parecido com o da Camila, então as pessoas pensam que minha filha
ficou parecida comigo. E nada para ver.

—Eles ainda são muito parecidos.

Sensibilidade social

—As freiras argentinas nos motivaram a ir aos hospitais aos sábados, para levar
alegria aos doentes. Foi muito difícil para mim ir ao hospital, mas fiquei muito
feliz quando vi que poderia fazer as pessoas felizes. Parece-me que esta
formação foi muito importante.

Anos depois comecei a ingressar na Juventude Estudantil Católica (JEC), no final


do ensino médio, e começamos a frequentar os povoados de callampa, como os
chamávamos, que são os povoados mais pobres.
Foi aí que minha sensibilidade social foi despertada. Parece-me que tenho mais
sensibilidade social do que a minha irmã. Ela é maravilhosa, ajuda meio mundo,
mas acho que tive aquela coisa de me sentir muito próxima das pessoas da
cidade, assim como dos jovens. O contato com os pobres era o mais importante
naquela época, eu diria.

Vocação para a pobreza

—Depois veio a vocação para a pobreza, a relação com os Irmãozinhos de


Foucault, essa influência da igreja dos pobres.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Os Irmãozinhos de Foucault?

—Minha irmã e eu fomos muito influenciadas por essa questão da pobreza. Estive
com algumas primas dois anos mais velhas que eu, Beatriz e Silvia Vicuña Cerda,
que estavam muito envolvidas com a questão da pobreza com os irmãos da
Irmandade de Carlos de Foucault47.

—Você me contou que estava com alguns primos...

—Eles moravam em Viña; Fomos no verão e moramos lá na casa deles. Eles


estavam ligados à questão da pobreza.

—Estamos falando do ensino médio.

-Sim. Bem. Havia as primas mais velhas, Beatriz e Silvia Vicu-ña, que eram filhas
da irmã da minha mãe, Teresa Cerda Sanz, que era costureira e morava em Viña. A
Beatriz, mais que a Sílvia, era como se fosse uma líder, foi ela quem fez toda a
questão da religiosidade, da pobreza. Casou-se com Hugo Boetsch, arquiteto da
Universidade Católica, que fazia trabalho social na cidade de San Manuel, em
Santiago do Chile, inspirado no Padre Hurtado que também estava na mesma
sintonia. Eles nos influenciaram muito, principalmente na inclinação para a pobreza.

Com minha prima Luz María, recém falecida -filha do irmão de minha mãe cujo nome
era Juan de la Cruz Cerda Sanz e sua esposa Adriana Ramirez Baraona-, éramos
muito amigos desde pequenos. Eu diria que a influência dela foi muito importante
para nós, pela preocupação dela com a transformação social.

A pobreza me marcou muito. Quando ocorreu o terremoto no Chile, por volta da


década de 60, a Igreja pediu que déssemos coisas para as pessoas que sofreram o
terremoto, então com minha irmã

47 É uma fraternidade fundada por Charles de Foucault que pregou sobre a


necessidade de encontrar pontes de diálogo entre cristãos e muçulmanos. Ele foi
assassinado.

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Isabel Rauber

Decidimos dar como seguro de vida todas as joias de ouro que meu pai nos
deu: a correntinha de ouro, a pulseira de ouro... A maior parte das roupas.
Passei a morar com três coisas, uma saia escocesa,48 uma Montgomery, que
era uma jaqueta cruzada na frente e ajustada com palitos, e um suéter mais
bonito49. Isso foi tudo.

—Você mantém contato com seus primos?

—A verdade é que depois que voltei da França quase não os vi. Vi um pouco
mais de Luz María, a prima que faleceu recentemente. Nesse sentido tenho
sido um chileno atípico porque os chilenos são muito apegados à família e eu
não.

A religião do amor e da paixão

—Sempre fui muito apaixonado, então quando falava de religião ou falava


dessas questões da pobreza, meus amigos acreditavam que eu havia me
convertido pela forma como assumi essa questão da religião dos pobres com
tanta paixão.

-O que te disseram?

—Disseram que eu tinha as pretensões que os convertidos têm. E para mim,


realmente, a religião do amor foi fundamental. Lembro-me também que as
freiras diziam que eu não era piedoso.

-Porque?

—Porque me recomendaram o saco50 e o chicote... mas eu, apavorado com


essas perguntas, não fiz.

48
Veja a foto da capa.
49
“Polera”, como chamam no Chile. Em Cuba, por influência dos EUA, dizem “pulôver”.

50 Toalha de cabelo: Acessório usado para causar deliberadamente dor ou desconforto ao usuário. A sua utilização foi difundida durante

muito tempo nas diversas comunidades cristãs como meio de mortificação corporal, procurando assim combater as tentações e,

sobretudo, a identificação com Jesus Cristo nos sofrimentos que sofreu na Paixão.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—O que significava para eles ser piedoso?

—Para eles, tinham que estar na igreja rezando o terço. Acontece que os
católicos daquela época eram muito formais, iam à missa todos os dias.

Seu tempo na Universidade

—Você estudou Psicologia e continuou seu ativismo na Juventude Universitária


Católica…

-Sim. Entrei com 18 anos e saí com 24. Estive na Acção Universitária
Católica (AUC)51, creio que no primeiro ano de universidade.
E me tornei presidente, como já disse antes.

Proletarização

—Quando eu estava na universidade decidiu-se fazer um levantamento nas


fábricas. Em 1962, a Acção Católica apelou aos membros que estavam
dispostos a ir no Verão trabalhar como operários durante dois meses nas
fábricas, para realizarem este inquérito. E nós - aquela comunidade de
amigos de que vos falei: Rodrigo Ambrosio, Raimundo Beca, Cristina Hurtado,
Tomás Moulian e Gabriela Tesmer, que depois foi para França - decidimos
assumir essa tarefa.

Queríamos marcar as nossas vidas para não nos tornarmos burgueses como
todas aquelas gerações anteriores à nossa, que falavam de pobreza e se
igualavam às classes médias altas, etc.

51 A Igreja Católica Chilena nunca esteve alheia às questões públicas do país


ao longo da história. Mas a década de sessenta, em particular, correspondeu a
um despertar da instituição para a realidade global e cristã e, consequentemente,
a um maior activismo social para responder aos novos tempos, tanto a nível
global como nacional. No contexto das mudanças provocadas pelo Concílio
Vaticano II, a Igreja Católica e a Acção Universitária Católica, em particular,
foram protagonistas do processo que vivia a sociedade chilena no seu conjunto.
No início da década de sessenta, a Igreja uniu as expectativas de reformas com
um discurso e propostas de ação social.

244
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Isabel Rauber

Queríamos uma marca que nos permitisse permanecer fiéis aos nossos ideais de
juventude, digamos assim.

—Eram todos ou você estava sozinho?

—Tive que ir com o amigo por quem estava apaixonado, Rodrigo Ambrosio; Depois
fomos um casal por alguns anos. Não me lembro se os outros foram. O Rodrigo foi
como mineiro para Lota e eu e outros amigos fomos para a fábrica Lucchetti, onde
trabalhávamos como operários fazendo macarrão.

—Rodrigo virou mineiro?

—Fui para a mina e fiz trabalho de mineração. Trabalhei dois meses como operário na
fábrica Lucchetti; Trabalhei na linha de embalagens carregando caixas o tempo todo.
Isso foi uma linda experiência. Descobri na realidade a classe trabalhadora, digamos,
os colegas de trabalho, o quão saudáveis eles eram. Trabalhávamos durante a semana,
mas festejamos no fim de semana. Eles me chamavam de “Marta la chasquillita” por
causa da minha franja. Eles nos deram macarrão, tipo um saco, além do nosso salário.

Morávamos num bairro operário perto da fábrica, todos num quarto, com os colchões

no chão, e lá tínhamos a kitchenette e cozinhávamos a massa. Não tínhamos um


espaço separado para cozinhar, era tudo junto. Foi uma experiência que valeu a pena.

—O que mais te impactou?

—Essa experiência me fez entender melhor, digamos, que um setor dos pobres, bem,
eram trabalhadores, não preguiçosos. Também pude vivenciar de perto a questão da
dominação cultural, além da dominação econômica, vendo que muitos trabalhadores

pensavam como os patrões e não viam além do seu ambiente. Acho que isso me
influenciou a compreender a importância da educação popular; Reafirmou minha
vocação pedagógica. Ou seja, para mim significou uma abertura ao setor operário, eu
diria.

—O que você fez quando terminou os estudos universitários?

245
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Naquela época eu tinha aulas com o Rodrigo Ambrosio, meu namorado na


época, e a turma dele.

—Você lecionou na universidade?

-Sim. Lecionou aulas de Psicologia Fenomenológica na Faculdade de


Sociologia.

O movimento Ranquil e seu trabalho nos sindicatos

—Quando começou seu ativismo político no Chile?

—Quando volto da França, faço-o com meu companheiro René Morales; ele
era um arquiteto. Tivemos a ideia de aderir a um partido marxista-leninista
clandestino. Estudei a metodologia da clandestinidade maoista em Espanha,
durante a era Franco, e trouxe essas normas para o Chile. O meu
companheiro teve contacto com um grupo clandestino onde estava Pedro
Vuskovic52; Seu nome era Ran-quil53. Era um grupo muito pequeno, nunca
sabíamos quantos eram.
Era a vez de Frei. Neste grupo nos ensinaram a trabalhar desde a base.
Lembro-me do trabalho que fizemos nos sindicatos.

-Quando foi isso?

—Já era a época de Allende, no início.

52 Foi Ministro da Economia do Governo de Salvador Allende, até 17 de junho


de 1972.
53 O Massacre ou Revolta de Ranquil ocorreu em Junho e Julho de 1934,
quando grupos de camponeses Mapuche e indígenas da antiga província de
Malleco, Chile, se revoltaram contra os abusos dos seus patrões. Eles foram
cercados pela polícia em 6 de julho de 1934. Segundo fontes, as mortes foram
próximas de quinhentas, mas a contagem dessas vítimas não foi oficializada. A
versão oficial reconhece entre 150 e 200 mortes.

246
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Isabel Rauber

—E o que eles estavam fazendo?

—Trabalhamos no cordão industrial, com um sindicato não muito grande,


a CUT (Central Única dos Trabalhadores). Tivemos que motivar os
trabalhadores a participarem numa grande manifestação em defesa da
nacionalização do cobre, então o que estávamos a fazer? Fomos ao
sindicato, discutimos com eles, tentamos fazer com que desenvolvessem
slogans, que os estudassem. Nada a ver com o sistema do Partido
Comunista: “Vamos deixar a CUT nos dar o cartaz”.
Eles entregaram coisas já feitas. Aqui não; Discutimos temas: O que o
cobre significa para o Chile, o que vai acontecer, quem são os donos do
cobre agora, se nacionalizarmos quem vai se opor, o que aconteceria...
e daí tiramos a conclusão: "Bem, compa-“Neros, então se queremos
que isso seja feito e nada acontece no país, o povo tem que estar
armado.”

O slogan que surgiu nessa discussão foi: “Cobre para o Chile, armas
para o povo”. Eles me disseram: “Amigo, por favor, você que tem uma
caligrafia melhor, por que não faz isso?” E eu: “Não, amigos, quem tem
que fazer isso são vocês”. E chegamos, uns vinte e cinco, trinta de nós,
em frente à Casa de la Moneda, onde aconteciam as concentrações.
Chegamos convencidos porque cada um havia discutido o assunto com
muita firmeza e começamos a gritar o slogan. E aqueles que carregavam
as placas com a CUT começaram a ouvir isso e a pegar o nosso slogan,
e todos começaram a gritar isso. Mais tarde pensamos que era um
slogan demasiado radical, mas bem, tinha saído da discussão.

Metodologia básica

—Lembro-me de ter escrito um artigo sobre essa metodologia de


trabalho, ou seja, como é importante que as pessoas construam as suas
coisas e não que façam por elas. Essa foi a filosofia de Ranquil e
agradeço-lhe enormemente porque foi a minha iniciação numa
organização política.

247
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Recuperar experiências populares para formação política

—Antes do governo Allende havia a questão da reforma agrária, dos setores


camponeses lutando pela terra. Dentro daquela organização havia alguns
colegas que faziam slides - naquela época não havia vídeos - então fizeram
a história da luta pela terra com slides. Pegaram as imagens das lutas
camponesas e acrescentaram a de um papagaio que foi até a casa de um
patrão e depois contou o pensamento do proprietário e como se organizava
a luta camponesa... Esses slides, que duraram cerca de metade do tempo,
nós usamos na campanha presidencial de Allende. Íamos às cidades e nos
muros das pequenas cidades as pessoas se reuniam, projetavam coisas e
depois discutiam.

Essa metodologia me deu a ideia de utilizar a imagem como recurso


pedagógico. Lembro que fomos a um lugar e as pessoas disseram: “Olha, ali
está o Pedrito, ali está a María”; Eles nos identificaram pelas imagens.

Daí surgiu a ideia de escrever a história do movimento operário. Foi uma


história muito mais longa, não durou meia hora. O interessante é que, no
início, eram esses colegas que faziam os slides, e mais dois ou três que iam
às fábricas apresentá-los e debater. Mas como começamos a ser requisitados
em muitas fábricas e não tínhamos tempo, começamos a delegar aos
companheiros sindicais que nos acompanharam durante cinco palestras,
daquelas que mostravam os slides. A gente explicava e aí eles podiam ir
sozinhos, com essa base objetiva, digamos, apresentar e comentar os slides.
Depois vimos que este era também um método para os nossos próprios
colegas serem formadores de outros membros do sindicato.

248
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Isabel Rauber

Sua entrada no Partido Socialista

—Quando Allende triunfa, fazemos um grande evento, reunimos muita gente. Lá nos
vimos na cara dos do grupo Ranquil porque não nos conhecíamos. E foi dito: Não faz
sentido continuar com uma organização pequena, aqui os dois grandes partidos da
classe trabalhadora são o Partido Socialista e o Partido Comunista; Há liberdade para
escolher um ou outro. Então, quem fez os slides, meu companheiro e eu decidimos ir
para o Partido Socialista.

Fundamentalmente porque sabíamos que eles estavam ali com as portas abertas para
colocarmos imediatamente as nossas capacidades ao serviço da organização, por
outro lado o Partido Comunista ia pedir-nos anos de militância... ou seja, era mais
difícil começar a realizar tarefas de formação política.

—Porque não eram “pessoas comprovadas”…

-Exatamente. Depois decidi aderir ao Partido Socialista e de facto, desde logo,


tivemos ali uma responsabilidade na formação política.

Romances de juventude

Primeiro namorado

—Vamos falar sobre seus primeiros amores...

—Rodrigo Ambrosio foi meu primeiro amor, foi realmente extraordinário, mas também
foi uma pessoa, digamos, exigente. De qualquer forma, eu precisava de outra coisa.
E é por isso que mesmo saindo - como chamamos no Chile - com o Rodrigo, pensando
em casar, ir para a França, etc., em determinado momento conheci outro rapaz,

249
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Carlos, um peruano que foi meu aluno em Psicologia. Ele devia estar no último
ano de Psicologia, algo assim. Foi super, super romântico; uma daquelas que te
dizem: “Vamos ver Marta, vira-te, estás tão linda!” Ele cantou algumas lindas
canções de amor, e bom, ele me conquistou por causa da minha parte fraca, do
que estava faltando. Essa é a minha interpretação, porque com o Rodrigo éramos
um casal ideal.

Todos disseram: Este é o casal ideal. Porque tínhamos afinidades, tínhamos o


mesmo projeto de vida, queríamos viver aquela vida comunitária, éramos cristãos,
ele era muito mais comprometido com a política do que eu, quando eu ainda não
tinha chegado ao tema da política...

Ele era cinco anos mais novo que eu, então quando meu pai queria zombar do
meu relacionamento, ele dizia: “E como está o ônibus?”

—Seu pai foi corajoso...

—Ele foi corajoso, sim.

—Quer dizer, o Rodrigo era mais novo que você e o Carlos o peruano também?

—O peruano também, mas nem tanto. Não entendo como me apaixonei pelo
Carlos quando estava tão apaixonada pelo Rodrigo.

Um toque feminino

—Quando eu estava com Rodrigo Ambrósio eu tinha cabelo comprido e usava um


coque. Então me ocorreu cortar um pouco o cabelo e começar a usar um bob.
Resolvi usar solto e comecei a me sentir feminina.

Na universidade tive uma boa amizade com um jesuíta. Muitas vezes ele me
chamava para conversar em casa, era meu diretor espiritual e me achava pouco
feminina.

—Ele te contou assim?

-Sim. Não me lembro exatamente como ele me contou, mas ele me contou.
Quando cortei meu cabelo, essa situação mudou, bom.

250
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Isabel Rauber

Um pré-namorado

—Antes de conversar com Rodrigo me senti muito atraído por outro menino, Jorge Leiva
Cabanillas, que começou a estudar para ser padre.

-Que frustrante. Eles eram um casal?

-Não; Não conseguimos flertar, foi um amor platônico. Ambos trabalhamos na Ação
Católica e ele se tornou padre. Aí conheci o Rodrigo, tive esse relacionamento há uns três
anos. Quando já havíamos decidido ir para França com o Rodrigo, apareceu o peruano,
mas essa relação durou alguns meses.

—Você terminou com o Rodrigo?

—Eu terminei com o Rodrigo, claro. Uma insegurança tomou conta de mim sobre isso; Fui
até a casa de Santo Domingo54 para tentar definir o que ia fazer e decidi pelo peruano. O
Rodrigo tentou em determinado momento me reconquistar, mas não senti nada, foi uma
coisa muito estranha. O outro me tocou e senti uma sensibilidade, uma atração, e não pelo
Rodrigo. Depois foi terrível porque me arrependi, mas já era tarde, o Rodrigo tinha se
apaixonado por outra pessoa. Não admirei o peruano.

Eu sabia que ele tinha uma série de problemas, meu coração o atraía, mas racionalmente
achei ele fraco, que não tomava decisões. Eu estava acostumado com a personalidade do
Rodrigo, que era mais parecida com a minha, então esse relacionamento com o Carlos
acabou antes de eu ir para a França.

A tudo isso, o Carlos, que era um canalha, um conquistador... quando íamos para a França
ele me disse: “Não importa, vá para a França; "Você quer ir, vá, não se preocupe, eu irei
ver você." Mas ele não me disse: “Não vá embora, fique comigo”, e bem, terminamos.

54 Também chamada de Rocas de Santo Domingo, é uma cidade, comuna e


balneário do litoral central do Chile, localizada na província de San Antonio, região
de Valparaíso.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

O pré-namorado reapareceu…

—Naquela época Jorge Leiva deixou o seminário. Então eu disse: Esta é a vontade de Deus.

—Eles começaram a namorar...?

-Sim. Mas foram uns três dias, algo assim, talvez uma semana, mas totalmente platônico. E
fui para França apaixonada pelo Jorge, vou embora com ele na cabeça e com o Rodrigo no
barco...

Também estavam no barco meus outros dois companheiros com seus companheiros:
Raimundo Beca, Cristina Hurtado, Tomás Moulian e Gabriela Tes-mer, todos da comunidade
que formamos.

Estando lá com o Rodrigo poderia ter sido a hora de voltar, mas como estava com o Jorge
na cabeça nada aconteceu. Olha, quando chego em Paris, vou para o quarto do hotel com
o Rodrigo, enquanto esperávamos ser acomodados... Naquele momento o Rodrigo ainda
queria voltar, mas eu não.

—E o que aconteceu com Jorge?

—Eu me envolvi com o Jorge, o que não deu certo, o relacionamento não se manteve.
Mais tarde, em França, tive admiradores, um argelino, um egípcio, um francês... mas fiquei
acordado até muito tarde sem ter relações sexuais.

O arquiteto

—Depois me relacionei com René Morales, que é o arquiteto chileno com quem morei na
França e voltei de barco. Com ele fomos para a Grécia, passamos pela Iugoslávia e voltamos
pela Itália. Foi uma viagem de carro que fizemos com uma prima minha que nos acompanhou,
Adriana Cerda Ramírez.

—Esse foi um relacionamento um tanto duradouro...

—Esse foi um relacionamento mais duradouro. Foi ele quem me apresentou ao grupo
clandestino no Chile. Quando chegamos ao Chile não tínhamos

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Isabel Rauber

para onde ir, então cheguei na casa dos meus pais, mas meu pai não deixou eu
receber esse jovem no meu quarto porque não éramos casados; Ele ficou furioso...
Talvez porque minha mãe tenha se separado dele quando eu estava na França.
Acabei levando uma barraca para o jardim de um amigo.

—Você foi morar com esse arquiteto em uma barraca?

-Sim Sim. E depois quando me pagaram na universidade eu consegui alugar um


apartamento, não lembro se pagamos juntos ou se eu paguei. Mas este homem
acabou por ser um pouco agressivo para as minhas expectativas; Isso me assustou.

—Mas você aguenta...

—Porque ele era muito romântico, parecido com o peruano nisso, muito romântico...
Mas quando ele ficava bravo ou quando ficava com ciúmes, era tremendo. Lembro
que em Paris ele pegava meu braço e quando via que alguém estava olhando para
mim ou algo assim, ele me apertava. Mas bem, em algum momento ele se apaixonou
por outra pessoa e então nos separamos. Foi um alívio.

—E o que aconteceu então com o amor?De lá para Piñeiro?

-Não. Tive uns três relacionamentos... Reencontrei um antigo amante com quem o
relacionamento não dava frutos porque era casado. Tive um pequeno relacionamento
com um dos jornalistas do Chile Hoy. E então com um líder do MIR…

—Eu não sabia que você estava apaixonado...

—Foram todos amores passageiros.

viver sozinho

—Quando terminei o relacionamento com o arquiteto René Morales passei a morar


sozinho. E eu acho que quando você começa a morar sozinho, ter uma casa, saber
que você tem um lugar para ir e que é seu, é importante. Fiquei feliz, mas o que
aconteceu? Começaram a construir em frente ao apartamento onde eu morava e
eu queria ter uma vista

253
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

abrir. Então como não me pagaram na universidade por não sei quanto
tempo, o dinheiro foi acumulado, quando recebi foi a oportunidade de comprar
um apartamento. Tinha um num prédio em frente a um parque, que estava
sendo vendido parcelado, então consegui comprar.
Para mim era essencial ter meu próprio apartamento, um lugar onde não
pudessem me expulsar.

Não tinha pensado em ter casa própria ou ter carro, mas com o dinheiro
acumulado que recebi... mais o dinheiro dos direitos autorais, comprei
também um Citroën. Mas nunca me preocupei com dinheiro. E foi isso que o
meu pai nos incutiu, sobre a poupança exagerada, porque ele nos dava
dinheiro semanalmente e dizia-nos: “Se poupares, dou-te o dobro”. Eu não
era daqueles que ia ao parque comprar doces e comprar sorvete porque
estava sempre pensando em economizar. Então eu cresci, digamos, de uma
forma que era difícil para mim gastar.

—Por que você diz que nunca se preocupou com dinheiro então?

—Nunca me preocupei com dinheiro, mas sempre disse que uma coisa é
uma pessoa que não tem dinheiro e precisa viver e outra coisa é, como no
meu caso, que eu tive minha vida segurada e tenho nunca tive que me
preocupar com a questão monetária.

—Por que você diz que teve sua vida segurada?

—Porque meu pai ia me deixar uma herança e porque veio para mim esse
número do livro, os direitos autorais. Consegui a bolsa na França, mas sabia
que se quisesse voltar ou se quisesse alguma coisa, era só perguntar ao
meu pai. O problema é que nunca quis depender. —Ele

lhe mandou dinheiro para a França?

—Ele me mandou dinheiro e como eu não quis aceitar, mandou minha tia me
comprar roupas nas lojas lá da França porque se ele me desse, ele me
compraria livros. Então, para me comprar roupas, ele me mandou para os
tios dele.

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Isabel Rauber

—E em Cuba, como você fez isso?

—Quando vim morar aqui em Cuba, naquela época com 100 dólares você era rico porque

tinha a possibilidade de comprar coisas para comer e coisas para a casa. Quer dizer, eu
não precisava de muito dinheiro; Consegui resolver sozinho, digamos.

—E na sua vida familiar, como você é, com a casa, as plantas...?

—Sempre gostei de coisas muito simples. Adorei a decoração de interiores. Outra das
minhas vocações é essa; decore-me
O amor é.

—Ou seja, toda a ordem da sua casa, o que vemos aqui, foi feita por você.

-Claro. O mesmo no Canadá, adoro essa parte, mantê-la. Porque você tem que limpá-lo,
você tem que fazer esse tipo de coisa.

—Ninguém diria que você cuida da casa.

—Bom, eu faço tudo aqui e no Canadá também.

—Também manter os livros limpos?

—Eu simplesmente não os mantenho tão limpos. Eu os limpo onde você pode vê-los, mas
se você os tirar, você verá a poeira atrás deles...

(risos)

Retorno ao treinamento político

—Há duas coisas que propus recentemente do ponto de vista pedagógico: Uma: o que
chamo de formação política sem professor, que seriam palestras, com esse sistema de
perguntas. E a outra é treinar participativamente, sem professores. Esses seriam os
documentários que fizemos com experiências participativas, em Cuba, no Brasil, em

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Venezuela. Não são necessariamente para militantes, podem ser ativistas ou para
descobrir lideranças, eu digo.

Filme as conferências

—Cerca de dois anos antes de deixar a Venezuela, fui novamente convidado a

Pontevedra, para a XXVI Semana Galega de Filosofia [abril de 2009], para dar uma
conferência sobre a América Latina e os partidos de esquerda. Depois o Instituto
Juvenil do PSUV pediu-me para filmar a minha intervenção. Sei que me comunico
bem pessoalmente, mas daí até ser filmado não sei. Bem, eu filmei a conferência;
Os jovens gostaram, mas foi muito longo, cerca de duas horas. Então havia duas
opções: uma era recortá-lo e a outra era editá-lo com imagens do que dizia. Se eu
falei do Muro de Berlim, eles procuraram na internet imagens do Muro de Berlim e
colocaram... Meu critério é que se você fizer uma palestra filmada ela tem que ser a
sua cara, comunicar ideias e pronto.

Não poste imagens. Esse é o meu argumento.

—E o que aconteceu com aquela gravação?

—Foi muito difícil encerrar a palestra depois de terminada. Então dava muito trabalho
ver como organizar as unidades e elas nunca eram homogêneas.

—Você continuou com sua proposta então?

-Claro. O segundo tópico foi “Socialismo do Século 21”. Preparei algum material.
Qual foi a ideia? Faça uma palestra para um grupo de cerca de 60 ou 100 pessoas
em plenário e depois divida em grupos de dez pessoas discutindo o tema, em salas
diferentes, com um facilitador do grupo e um relator. Foi uma dinâmica muito
interessante. Os relatores retornaram com o resultado ao plenário. Mas depois
percebo que os relatores não estavam expondo o que foi discutido nos seus grupos,
mas sim apresentando as suas ideias. E esse é um dos grandes erros: acreditar
que o narrador é um sintetizador.

-Claro. São duas responsabilidades diferentes…

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Isabel Rauber

-Sim. É por isso que nunca fiquei satisfeito com esses relatórios. Isso nos
levou a pensar em outra solução. E decidimos que haveria apenas um
animador e uma pessoa que iria anotar as dúvidas que surgissem. Com
essas dúvidas voltamos para a plenária e no final você tem um resumo das
dúvidas que ficaram... E também saem propostas sobre alguns temas. Por
exemplo: “Olha, temos que realizar uma conferência sobre a revolução
sandinista”. Ou seja, um programa de estudos pode ser feito com base na
realidade daquele grupo; não uma fabricação artificial de especialistas.

Um dos erros do passado foi a forma como decidíamos e fazíamos os


cursos. Havia uma equipe que tinha muito conhecimento do assunto. Aquela
equipe formou outra, essa outra chegou lá embaixo, mas lá embaixo a
mensagem chegou completamente distorcida. Com a dinâmica de grupo,
outros treinos são garantidos e, além disso, esse tipo de treino – mesmo que
seja em pequenos grupos – é melhor aproveitado.

—Você começou a fazer isso na Venezuela?

-Sim. Comecei a fazer isso na Venezuela. Eu estava aprendendo. Agora


temos tudo no site [https://videosmepla.wordpress.com/].
Tem a metodologia, com todos os alertas sobre deixar falar primeiro quem
sabe menos, coisas assim.

Reeditar os Cadernos de Educação Popular, mas


em vídeo

—Com a experiência do curso com os jovens, eu disse: É preciso retirar


novamente os textos do capitalismo, os dos Cuadernos de Educaÿ
Popularção que fiz no Chile. Tenho dois vídeos com esses temas: um, “Para
entender o capitalismo. Conceitos anteriores” [2012] e o outro, “Origem da
exploração capitalista” [2012].

Na primeira incorporo a questão de gênero – muito pouco discutida naquela


época –, ou seja, trabalho feminino e capitalismo. O outro é muito parecido
com o original, mas com mais esforço pedagógico em explicar o que é mais-
valia.

257
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

—Você está sobrecarregado de atividades…

-Sim. Queria vir para Cuba descansar, mas não pude. Porque agora estou com pressa
de terminar o livro de planejamento.55 E de trabalhar nas cartas coletivas porque entrei
nessa coisa que estava contando sobre escrever cartas coletivas sobre minhas viagens.

Agora estou terminando de organizar as cartas sobre o Equador com fotos; Felizmente
me ocorreu colocar fotos dele. Porque é um compromisso de escrever… Queria
também estar dublando o texto do vídeo sobre a exploração capitalista, que já foi
traduzido para o inglês. Esses eram todos os meus planos, exceto limpar meu
computador. Mas não consegui fazer tudo.

-Como esperado...

Rigoroso ao longo do tempo

—É comum que, se te ligarem e você estiver trabalhando, você diga: “Não posso falar
agora” e desligue.

—É que preciso de tempo para escrever... Quer dizer, eu digo muito não. E também,
geralmente procuro não aceitar coisas que tenho que preparar, procuro intervir em
temas que conheço muito, ou seja, apresentações dos meus livros e temas afins. Não
quero perder tempo com outros assuntos.

Ficar entediado?

—Nunca fiquei entediado em minha vida. Nunca na minha vida tive a sensação de não

saber o que fazer. Sempre tive que decidir o que fazer entre tudo o que tenho que
fazer e o que quero fazer. Nunca fiquei entediado.

55 Planejando de baixo para cima. Uma proposta para um planejamento participativo descentralizado
alguma coisa [2015]

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Isabel Rauber

Fama e privacidade

—Você sente que perdeu um pouco da sua privacidade?

-Um pouco. Não sei se contei a anedota do que aconteceu na Espanha quando
apresentei meu livro Making the Impossible Possible. A esquerda no limiar do século
XXI, em 1999.

—Não falamos sobre isso.

—Já estive antes, acho que foi em 79. Me entrevistaram na imprensa nas duas
ocasiões e o fato é que nas fotos de 99 estou com a mesma garota com as mesmas
roupas de vinte anos atrás.
Calça preta, você deve lembrar, com suéter preto e cinto largo... uso sempre a
mesma coisa porque não preciso me trocar.
Eu lembro que você apareceu com cabelo comprido, com cabelo curto...

—Ha ha... Sim, eu mudo o corte às vezes... Mas ei, estamos falando de você agora,
da sua privacidade para descansar, para passear... Me conta, quando te pedem
autógrafos, como você reage isto?

-Eu odeio isso. Quando fui ao Peru pela primeira vez, em 1971, meu livro Os
Conceitos... já era conhecido. E quando fui para a universidade, descobri que era
como um Beatle, todos os meninos queriam que eu autografasse livros para eles.
Aí eu cheguei na Bolívia e foi outra coisa, sabe? Na Bolívia fui a Marta que “produziu
algo que nos é útil”.
Lembro que a apresentação do livro ali foi super impressionante, sentindo aquele
amor. Não foi aquela coisa de assinatura, o que me incomoda.

Não peço autógrafos. Quando compro o livro de outra pessoa, não peço que
assinem para mim. Assino porque tenho que assinar, mas fico muito frustrado
porque gostaria de colocar algo pessoal para cada pessoa e não dá tempo. Então
aquela coisa de estar lá e ser informado; “Mesmo que seja o firme…” Não tenho
uma assinatura especial para livros, mas bom, como as pessoas precisam disso,
acaba-se fazendo, mas não é que eu me sinta bem com isso.

259
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

O desafio de ser avó

A eterna adolescente vira avó…

—Você nunca quis falar sobre sua idade, e agora?

—Já representei menos, ou seja, geralmente as pessoas me deram muito


menos idade. Quando realmente aceitei que não era mais adolescente foi
quando começaram a me oferecer assento nos ônibus. Porque bem, se você
olhar as rugas no meu rosto, obviamente não é o de um adolescente. Até
seis anos atrás, vou te contar, eu não dizia minha idade.

-Me lembro…

—Eu tenho um truque para não dizer sua idade. Continuo dizendo isso porque
me faz rir, mas agora já disse minha idade. Eu sempre dizia, quando me
perguntavam a minha idade: Bom, calcula, eu tenho uma filha que tem essa
idade; Foi como se eu tivesse escrito um livro aos cinco anos... Porque, claro,
ninguém tem filhos aos quarenta e dois anos, então as pessoas calculam
muito menos agora. E foi assim que saí daquela pergunta incômoda para
mim...

—Agora você está na segunda maternidade…

—Bem... eu não queria ser avó. Sempre me senti uma adolescente, como já
disse. Nunca me senti uma dama. Tenho um relacionamento muito bom com
os jovens. Nunca me vesti como uma dama ou possuí coisas de senhora.

Então, realmente, eu não tive ansiedade como outras mães que querem ter
netos rapidamente. Agora, claro, é super fofo ter netos. Eu sempre disse: a
intensidade dos momentos é melhor que a duração. Um psicólogo me ensinou
isso quando eu estava estudando psicologia. Então, obviamente, não tenho
paciência para dedicar muito tempo.

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Isabel Rauber

—É melhor viver com intensidade e não com extensão. Que queres dizer?

—Ou seja, posso passar e fico feliz em ficar sozinho com meu neto. Mas como não
tenho muita oportunidade de passar sozinha porque minha filha está sempre presente;
então os momentos que estou sozinha com ele são extraordinários.

—Eles brincam, você se diverte.

-Sim. E também porque tenho uma excelente comunicação. Michael diz que me dá
cinco estrelas de vovó. Porque ele viu como eu trato ele, como eu lido com a relação
com a criança. Mas é claro que estou sozinho.
Se a criança ficar chateada, eu tenho um jeito de fazer ela reagir que é não ceder e
fazer o que ela quer. Porque Joaqui é homem de teatro, ele chora, mas você sabe que
ele está chorando para te manipular.
Aí eu falo para ele: Garotinho, você está fazendo teatro e ele ri. E coisas assim. Então
a verdade é que quero muito que cresça porque tenho interesse em comunicação. Não
é certo? Alcance problemas de compartilhamento.
Ainda é muito pequeno. Joaqui gosta que todo mundo sente e o rodeie: papai aqui,
vovó aqui.

—Ele quer ter todos ao seu redor.

-Claro. E tão fisicamente tocante assim.

—Agora temos que ver como está vindo a pequena, a outra neta...

—A menina, sim. Está muito bom por enquanto. Mas ei, eu não sou daquelas avós-
mães, não sei como dizer, que vive para os netos, não. Os netos são uma parte
agradável da vida, mas não mudam a minha vida.

—Não é que você vai parar de escrever para se dedicar aos netos, é isso que você
quer dizer...

—Já disse que sou muito desumano, tenho que ser mais humano, tenho que dedicar
mais tempo às relações afetivas de todo tipo.
Então isso é parte daquilo que precisa ser feito. Mas gostaria de ter mais possibilidades
de compartilhar a sós com meu neto. Gosto

261
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

muitas relações bipessoais, ou seja, entre duas pessoas. Muito mais que grupais,
que familiares.

Morte, um problema a enfrentar

—A morte te preocupa, você me disse...

— Achei que o problema estava próximo na hora da pneumonia, que aquela carta
devia ter chegado até você.

-Sim.

—Foi quando pensei pela primeira vez o que era aquilo. O câncer em si não me
causou o que a pneumonia causou.

—Você tinha mais certeza de que superou isso.

-Sim. Porque eu não senti dor, nem nada...

Mas tenho muito medo da morte. Quando você começa a ver as pessoas próximas,
os colegas do Piñeiro, os problemas que eles têm, como estão morrendo... Lembro-
me da minha mãe, que leu no jornal sobre a morte de conhecidos e ficou alarmada.
Minha mãe viveu até os noventa e dois anos, muito lúcida.

—Quando você começou a pensar na morte?

— Bom, acho que já faz alguns anos, mas sentir isso tão perto, eu te disse, foi na
hora da pneumonia e quando assisto algum filme sobre isso.

—Não olhe para eles.

-Não Claro. Mas você vê filmes sobre pessoas doentes, aqueles filmes tristes
sobre casais em que um deles morre de câncer, ou de Alzheimer nos idosos.
Esses filmes lindos que existem. Sempre se pensa, se pensa...

262
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Isabel Rauber

—Outro problema é não morrer…

-Sim. Porque o que acontece se você ficar doente? Existe o grande dilema de querer
conviver com uma série de problemas ou preferir morrer.

—Estar sozinho é outro problema. A morte do casal…

—É por isso que meu sonho sempre foi morar em comunidade. Certamente pensei
na morte há muito tempo. No Chile, um arquiteto, Fernando Castillo Velasco, faz
essas construções de tipo comunitário, casas com jardins comuns... Poderiam
perfeitamente ser residências para idosos, ou quarta idade.

Agora eu tenho esse apartamento aqui [Havana]. O ideal é que meus amigos morem
aqui; que eles se mudaram para cá para que possamos viver em comunidade, para
que possamos apoiar uns aos outros.

—Foi por isso que você me arranjou um apartamento aqui, para que eu pudesse me mudar...

(risos)

-Sim. Parece-me importante estar perto, partilhar.

Fazer ou não fazer testamento?

—O tema da morte é complicado...

—O que acontece é que aí vem uma coisa que é complicada: fazer o testamento.
Observe que temos que fazer um testamento com Michael e estamos lá e não fazemos
isso. Temos que fazê-lo porque por diversas razões temos algum dinheiro; e há o
prêmio Libertador. Nunca quis ter herança, nem quero favorecer meus filhos. O critério
é que eles tenham que alcançar seu bem-estar. Em outras palavras, por que o filho
de alguém teria mais possibilidades do que outro? Digo que tive possibilidades porque
meu pai me deixou a herança, mas não porque eu procurei.

—Claro.

—A ideia de que as coisas devem ser conquistadas me parece muito importante.


Mas é algo que temos que discutir, porque bem, eles já

263
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Martha Harnecker. Vida e pensamento

netos?Vou deixar alguma coisa para os netos? Que fazemos? Vamos criar
uma instituição? Apoiamos o MEPLA? Para apoiar o MEPLA é preciso ter
uma equipa…

—Bem, talvez a vontade não seja o mais importante...

—A pressão de fazer o testamento me preocupa porque algo não vai


acontecer. Se não, eu não faria isso. Tínhamos dito: vamos fazer isso em
Cuba, mas não tivemos tempo.

-Eles não pegaram...

-Não. É difícil para mim fazer isso. Deve ser por causa de tudo que eu te contei.

Mensagem de encerramento

—Tendo chegado até aqui com nossa primeira série de conversas—


Nas ocasiões em que você revê - de perto - o seu percurso de vida, proponho
que - como despedida -, você envie uma mensagem aos jovens leitores deste
texto.

—Quero enfatizar isto: embora o capitalismo esteja em crise, ele não


desaparecerá por si só. Se o nosso povo não se unir, organizar e lutar com
inteligência, criatividade e coragem, o capitalismo procurará sempre uma
forma de se recompor.

Nosso povo já disse o suficiente e começou a caminhar, agora não deve


parar, a luta é longa mas o futuro é nosso!

Avançar!

264
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Bibliografia citada

Carrazco López, Graciela (2012). “Armand Mattelard e a sua relação com


os Jesuítas: confrontos de um intelectual”, Univerÿ
soma vol.27 no.1 Talca 2012. https://scielo.conicyt.cl/scielo.
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Ambrosio”. Em: http://www.rodrigoambrosio.html

Harnecker, Marta (2015) Planejando de baixo para cima. Uma proposta


para planejamento participativo descentralizado Em: http://
www.rebe-lion.org/noticia.php?id=212889

- (2014). “Palavras de Marta Harnecker ao receber o Prêmio Libertador


de Pensamento Crítico.” Em: https://www.eldescon-vierte.cl/
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—— (2013). Um novo mundo para construir (novos caminhos). Em: http://


www.rebelion.org/docs/178845.pdf

—— (1999)A esquerda no limiar do século XXI. Tornando o impossível


possível. Em: http://www.rebelion.org/docs/95166.pdf

—— (2014) “Qual é o papel dos movimentos sociais e dos governos?”


Em: https://www.cetri.be/Los-movimientos-sociales-y-sus ?lang=fr

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

- (1990). Vanguarda e crise atual. Em: http://www.rebelion.org/


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—— (1988). Colômbia. Combinação de todas as formas de lutas. Em:


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—— (1987) Perestroika: A revolução das esperanças. Entrevista com Kiva


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Ramonet, Ignácio (2006). Cem horas com Fidel. Conversas com Igÿ
Ramonet nasceu. Escritório de Publicações do Conselho de Estado,
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ção da obra completa de Marta Harnecker (atualizada

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Isabel Rauber

até 2015). Em: https://rebelion.org/rebelion-amplia-la-reco-pilacion-


de-las-obras-completes-de-marta-harnecker-actualiza-do-
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Taufic, Camilo. “Marta Harnecker: pedagoga da nova sociedade.”


Revista Paloma , nº 10, março de 1973. Santiago do Chile. (Em
fotos e imagens).

VILEGAS, Ernesto (2012). Programa Toda Venezuela . Televisão


venezuelana. Em: http://www.vtv.gov.ve

267
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Anexos

Desenho a lápis de Hugo Mauro Germán, abril de 2021

269
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Palavras de Marta Harnecker ao receber o Prêmio


Libertador do Pensamento Crítico56

(Caracas, 15 de agosto de 2014)

1. Este livro foi escrito um mês depois do desaparecimento físico do


Presidente Hugo Chávez Frías e não poderia ter sido escrito sem a
sua intervenção na história da América Latina. Muitas das ideias
aqui apresentadas estão relacionadas de uma forma ou de outra
com o líder bolivariano, seja com o seu pensamento, seja com as
suas ações a nível interno, ou a nível regional e global. Ninguém
pode duvidar que entre a América Latina que recebeu e a América
Latina que deixou existe um abismo.

2. É por isso que o dedico com as seguintes palavras: Ao Comandante


Chávez, cujas palavras, orientações e dedicação exemplar à causa
dos pobres servirão de bússola para o seu povo e para todos os
povos do mundo, e serão o nosso melhor escudo para nos
defendermos daqueles que procuram destruir aquela obra
maravilhosa que ele começou a construir.

3. Quando triunfou sozinho, nas eleições presidenciais de 1998, o modelo


capitalista neoliberal já começava a falhar. O dilema então não era
outro senão o de refundar esse modelo, obviamente com mudanças,
entre elas uma maior preocupação com o social, mas movido pela
mesma lógica: a lógica do lucro, da busca do lucro; ou avançar na
construção de outro modelo. Chávez teve a audácia de se aventurar

56 Para seu livro: Um novo mundo para construir (novos caminhos)

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

Este último caminho e para nomeá-lo decidiu usar a palavra socialismo


apesar da carga negativa que tinha. Ele especificou que se tratava do
socialismo do século XXI, diferenciando-o assim do socialismo soviético
implementado durante o século XX. Não se tratava de “cair nos erros
do passado”: naquele “desvio stalinista” que burocratizou o partido e
acabou eliminando o protagonismo popular.

4. A necessidade de protagonismo popular foi uma de suas obsessões e é o


elemento que o distancia de outras propostas de socialismo onde é o
Estado quem resolve os problemas e o povo recebe os benefícios como
um presente.

5. Chávez estava convencido de que o socialismo não pode ser decretado


de cima, que deve ser construído com o povo. E entendeu também
que é através da participação protagonizada que as pessoas crescem,
ganham autoconfiança, ou seja, se desenvolvem humanamente.

6. Sempre me lembro do primeiro programa Aló Presidente, de natureza mais


teórica, em 11 de junho de 2009, quando Chávez citou extensivamente
a carta que Pedro Kropotkin – o anarquista russo – escreveu a Lênin
em 4 de março de 1920: Sem participação de governos locais forças,
sem uma organização de forças de baixo, dos camponeses e dos
trabalhadores, por si só, é impossível construir uma nova vida. Parecia
que os sovietes serviriam precisamente para cumprir esta função de
criar uma organização a partir de baixo. Mas a Rússia tornou-se uma
república soviética apenas no nome. […] a influência do partido sobre
o povo […] já destruiu a influência da energia construtiva que os
sovietes, aquela instituição promissora, tinham.”

7. É por isso que desde muito cedo acreditei que era necessário distinguir
entre um projecto e um modelo socialista. Por projeto ele entendia as
ideias originais de Marx e Engels, e por modelo a forma como esse
projeto se materializou na história. Se analisarmos o socialismo

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Isabel Rauber

União Soviética vemos que nos países que implementaram este modelo
de socialismo - que recentemente foi denominado por Michael Lebowitz:
o socialismo dos motoristas e dos liderados baseado no modo de
produção de vanguarda - o povo deixou de ser o protagonista, os
Organismos de participação popular foram transformados em entidades
puramente formais, o partido tornou-se a autoridade absoluta, o único
repositório da verdade, que controlava todas as atividades: económicas,
políticas, culturais, ou seja, o que deveria ter sido uma democracia
popular foi transformado em uma ditadura partidária. Este modelo de
socialismo que tem sido chamado por muitos de “socialismo real” é um
modelo fundamentalmente estatista, centralista, burocrático, onde a
grande ausência foi o protagonismo popular.

8. Você se lembra disso quando o socialismo entrou em colapso e se falou da


morte do socialismo e da morte do marxismo?
Aí Eduardo Galeano, o escritor uruguaio que todos vocês conhecem,
disse que nos convidaram para um funeral que não era nosso. O
socialismo que morreu não era o projecto socialista pelo qual lutávamos.
O que aconteceu na prática teve muito pouco a ver com o que Marx e
Engels imaginaram como a sociedade que substituiria o capitalismo.

Para eles, o socialismo era impensável sem uma grande liderança


popular.

9. Mas essas ideias originais de Marx e Engels não só foram distorcidas pela
prática soviética e pela literatura marxista disseminada por aquele país
nas áreas da esquerda, mas também foram ofuscadas ou simplesmente
ignoradas em países fora da órbita soviética, pela rejeição produzida por
aquele modelo que estava associado ao nome de socialismo.

10. Pouco se sabe que segundo Marx e Engels, a futura sociedade que
chamaram de comunista permitiria o pleno desenvolvimento de todas as
potencialidades do ser humano, desenvolvimento que seria alcançado através

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

através da prática revolucionária. A pessoa não se desenvolve por


magia, ela se desenvolve porque luta, porque se transforma (ao
transformar as circunstâncias, a pessoa se transforma).

11. É por isso que Marx aceitou como algo natural que os trabalhadores
com os quais começaria a construção da nova sociedade não eram
seres puros, mas que o “esterco do passado” pesava sobre eles, e é
por isso que Ele não os condenou , mas confiava que eles se libertariam
dessa herança negativa através da luta revolucionária. Ele acreditava
na transformação das pessoas através da luta, através da prática.

12. E Chávez – provavelmente sem ter lido essas palavras de Marx – também
o compreendeu. Em seu Primeiro Olá Teórico, em 11 de junho de 2009,
ele alertou as comunidades que deveriam ter cuidado com o sectarismo.
E orientou: “[...] se tem gente, por exemplo, morador que não participa
da política, que não pertence a nenhum partido, bom, não importa, seja
bem-vindo.
Digo mais, se alguém da oposição mora lá, ligue. Que venham trabalhar,
que venham demonstrar, para serem úteis, que o país, enfim, é de
todos, temos que abrir espaços para eles e vocês verão que com a
práxis muitas pessoas estão sendo transformadas. É a práxis que
transforma, a teoria é a teoria, mas a teoria não se fixa na alma, nos
ossos, nos nervos, no espírito do ser humano e na realidade nada se
transformaria. Não vamos nos transformar lendo livros. Os livros são
fundamentais, a teoria é fundamental, mas deve ser colocada em prática
porque a práxis é o que verdadeiramente transforma o ser humano.”

13. Por outro lado, a prática “coletivista” do socialismo real que suprimiu as
diferenças individuais em nome do coletivo não tem nada a ver com o
marxismo. Basta lembrar que Marx criticou a lei burguesa por tentar
igualar artificialmente as pessoas em vez de reconhecer as suas
diferenças. Fingindo

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Isabel Rauber

Ser igual para todos acaba sendo um direito desigual. Se dois


trabalhadores recolhem sacos de batatas e um recolhe o dobro do outro,
deverá o primeiro receber o dobro do segundo? A lei burguesa diz que
sim, sem levar em conta que o trabalhador que recolhe metade daquele
dia estava doente, ou nunca foi um trabalhador forte porque na infância
foi mal alimentado e, portanto, talvez com o mesmo esforço que o
primeiro só conseguiu rende metade.

14. Marx, pelo contrário, sustentou que uma distribuição verdadeiramente


justa deveria ter em conta as necessidades diferenciadas de cada
pessoa e, portanto, a sua máxima: “De cada um de acordo com o seu
trabalho, a cada um de acordo com as suas necessidades”.

15. Outra ideia de Marx que foi grandemente distorcida tanto pela burguesia
como pela prática soviética foi a sua defesa da propriedade comum ou
colectiva.

16. O que costumam dizer os ideólogos da burguesia? Os comunistas (ou


socialistas) vão expropriar tudo, desde você, sua geladeira, seu carro,
sua casa, etc.

17. Quanta ignorância! Nem Marx nem qualquer socialista ou comunista


alguma vez pensaram em expropriar a propriedade pessoal das pessoas.
O que Marx levantou é a ideia de devolver à sociedade o que lhe
pertence e que foi injustamente apropriado por uma elite, ou seja, os
meios de produção.

18. O que a burguesia não compreende ou não quer compreender é que só


existem duas fontes de riqueza: a natureza e o trabalho humano, e que
sem o trabalho humano a riqueza potencial contida na natureza nunca
poderia ser transformada em riqueza real. .

19. Marx destacou que não existe apenas o trabalho humano atual, mas
também o trabalho passado, isto é, o trabalho incorporado nos
instrumentos de trabalho.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

20. As ferramentas, as máquinas, as melhorias introduzidas na terra e, claro,


as descobertas intelectuais e científicas que aumentam substancialmente
a produtividade social, todos frutos do trabalho humano, são uma
herança que se transmite de geração em geração. património social,
são uma riqueza do povo.

21. Mas, a burguesia, graças a todo um processo de mistificação do capital -


que não podemos explicar aqui por razões de tempo - convenceu-nos
de que os proprietários dessa riqueza são os capitalistas que, através
do seu esforço, da sua criatividade, da sua capacidade de negócios e,
por serem donos das empresas, têm o direito de se apropriar do que
produzem.

22. Só a sociedade socialista reconhece esta herança como social e, portanto,


considera que deve ser devolvida à sociedade e que deve ser utilizada
pela sociedade e no interesse da sociedade como um todo e não para
servir interesses privados.

23. Estes bens, nos quais se incorpora o trabalho das gerações, não podem
pertencer a pessoas específicas, nem a países específicos, mas à
humanidade como um todo.

24. A questão é como garantir que isso aconteça? A única forma de o fazer
é desprivatizar estes meios de comunicação e transformá-los em
propriedade social. Mas como a humanidade do início do século XXI
ainda não é uma humanidade sem fronteiras, esta acção deve começar
em cada país e o primeiro passo é que os meios estratégicos de
produção se tornem propriedade de um Estado que expresse os
interesses dos trabalhadores. .

25. Mas a simples transferência para as mãos do Estado dos principais


meios de produção é apenas uma mera mudança legal de propriedade,
pois se nas empresas agora nas mãos do Estado a mudança se limita
apenas a isso, a subordinação continua … dos trabalhadores a uma
força externa. A gestão capitalista é substituída por uma

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Isabel Rauber

nova gestão, agora socialista, mas a situação alienada dos


trabalhadores no processo produtivo não muda. É formalmente
uma propriedade coletiva, porque o Estado representa a sociedade,
mas a apropriação real ainda não é coletiva.

26. É por isso que Engels sustenta que “a propriedade estatal não é a
solução [embora] já contenha em si os meios formais, a fonte, para
alcançar a solução”.

27. Por outro lado, Marx sustentou que era necessário acabar com a
separação entre trabalho intelectual e trabalho manual que
transforma o trabalhador em mais uma peça da máquina; que as
empresas devem ser geridas pelos seus trabalhadores. E é por
isso que Chávez, seguindo as suas ideias, argumentou tão
enfaticamente que o socialismo do século XXI não poderia limitar-
se a ser um capitalismo de Estado que mantivesse intocáveis os
processos de trabalho que alienavam o trabalhador. Quem trabalha
tem que estar informado sobre o processo produtivo como um todo,
tem que saber controlá-lo, poder dar a sua opinião e decidir sobre
os planos de produção, sobre o orçamento anual, sobre a
distribuição dos excedentes, incluindo sua contribuição para o
orçamento nacional. Não era esse o plano socialista da Guiana?

28. Mas aí surgirá o argumento da burocracia gestora socialista: Como


vamos entregar a gestão das empresas aos trabalhadores! Não
estão preparados para participar ativamente na gestão das
empresas! E têm razão, com algumas exceções não têm,
precisamente porque o capitalismo nunca se interessou em
partilhar com os trabalhadores o conhecimento mais técnico sobre
a gestão da empresa, e aqui me refiro não só aos aspectos
relacionados com a produção, mas também aqueles relacionados
com a comercialização e financiamento de empresas. Concentrar
esse conhecimento nas mãos da gestão tem sido um dos
mecanismos que tem permitido a

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

o capital explora os trabalhadores. Mas isso, para um quadro


revolucionário, não pode significar não avançar no sentido da plena
participação dos trabalhadores. Pelo contrário, devem ser instalados
processos de cogestão que lhes permitam apropriar-se desses
conhecimentos e para isso devem começar a praticar a gestão na prática
e, ao mesmo tempo, devem ser capazes de formar-se em gestão
empresarial e técnicas de administração para então alcançar a autogestão
total.

29. E ao nível das comunidades e comunas, tema que não posso abordar aqui,
entre tantos outros que gostaria de abordar, lembro-me sempre do que
disse Aristóbulo Istúriz: “temos que governar com o povo para que o povo
aprenda para governar a si mesmos.” ela mesma.”
E entendo que o Presidente Maduro procura este objectivo, promovendo
a participação do povo organizado na sua gestão governamental, naquilo
a que chamou: “Conselhos de Governo Popular”.

30. Já mencionei várias vezes o socialismo do século XXI, para mim esse é o
objectivo a alcançar, e chamo transição socialista ao longo período
histórico de progresso em direcção a esse objectivo.

31. Mas de que tipo de transição estamos falando? Não se trata da transição
nos países capitalistas avançados que nunca ocorreu na história, nem da
transição nos países atrasados que conquistaram o poder do Estado por
meios armados como acontece com as revoluções do século XX (Rússia,
China, Cuba), mas de uma transição muito particular onde só foi possível
chegar ao governo através de meios institucionais.

32. E em relação a isto, acredito que a situação na América Latina nas décadas
de 80 e 90 pode ser comparada em certos aspectos àquela vivida pela
Rússia pré-revolucionária no início do século XX. O que a guerra
imperialista e os seus horrores foram para ela, foi para nós o neoliberalismo
e os seus horrores: a propagação da fome e da miséria, uma distribuição
cada vez mais desigual de recursos

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Isabel Rauber

riqueza, a destruição da natureza, a perda crescente da nossa


soberania. Nestas circunstâncias, vários do nosso povo disseram
“basta” e começaram a “avançar”, resistindo primeiro e depois
partindo para a ofensiva, como resultado do que os candidatos
presidenciais de esquerda ou centro-esquerda que levantam
programas anti-neoliberais começam a triunfo. .
33. Foi assim que, face ao evidente fracasso do modelo neoliberal tal
como estava a ser aplicado, surgiu o seguinte dilema: ou o modelo
capitalista neoliberal era refundado, ou avançava-se na construção
de um projecto alternativo movido por uma visão humanista e lógica
de apoio. E já dissemos que foi Chávez quem teve a audácia de se
aventurar neste último caminho e acreditamos que o presidente
Maduro está tentando ser coerente com o seu legado. Ele foi seguido
por outros governantes como Evo Morales e Rafael Correa. Todos
eles estão conscientes de que as condições económicas e culturais
objectivas, e a correlação de forças existentes no mundo e nos
seus países, os forçariam a coexistir por um curto período de tempo
com formas capitalistas de produção.

34. E dizemos audácia porque estes governos enfrentam uma situação


muito complexa e difícil. Não só devem enfrentar o atraso dos seus
países, mas devem fazê-lo sem depender de todo o poder do
Estado. E fazê-lo com base num aparelho de Estado herdado cujas
características são funcionais para o sistema capitalista, mas não
são funcionais para avançar em direção ao socialismo.

35. No entanto, a prática tem demonstrado - contrariamente ao


dogmatismo teórico de alguns sectores da esquerda radical - que se
este aparelho for gerido por quadros revolucionários, estes podem
utilizá-lo como um instrumento para dar passos firmes na construção
da nova sociedade.

36. Mas, para isso, estes quadros não podem limitar-se a utilizar o
aparelho herdado, é necessário que – usando o poder que têm nas
mãos – construam as bases do novo

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

a institucionalidade e o novo sistema político, criando espaços de


protagonismo popular que preparam os setores populares para exercer
o poder do nível mais simples ao mais complexo.

37. Este processo de transformação do governo não é apenas um processo


longo, mas também um processo cheio de desafios e dificuldades. Nada
garante um progresso linear, pode haver retrocessos e fracassos.

38. Devemos sempre lembrar que a direita respeita as regras do jogo apenas
na medida em que lhes convém. Podem perfeitamente tolerar e até
encorajar a presença de um governo de esquerda, se este colocar em
prática a sua política e se limitar a gerir a crise. O que tentarão sempre
impedir através de meios legais ou ilegais é - e não devemos ser
iludidos nisso - a realização de um programa de profundas
transformações democráticas e populares que ponha em causa os
seus interesses económicos.

39. Daí resulta que estes governos e a sua militância de esquerda devem
estar preparados para enfrentar uma forte resistência; Devem ser
capazes de defender as conquistas alcançadas democraticamente
contra forças que lhes enchem a boca com a palavra democracia, desde
que os seus interesses ou privilégios materiais não sejam tocados. Aqui
na Venezuela, não foram as leis de habilitação que tocaram muito
levemente nestes privilégios que desencadearam o golpe militar apoiado
pelos partidos de oposição de direita contra um presidente
democraticamente eleito e apoiado pelo seu povo?

40. Mas também é importante compreender que estas elites dominantes não
representam toda a oposição, que é essencial que seja feita uma
diferenciação entre uma oposição destrutiva, conspiratória e
antidemocrática, e uma oposição construtiva, disposta a respeitar as
regras. do jogo democrático e colaborar em muitas tarefas de interesse
comum, evitando colocá-las no mesmo saco

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Isabel Rauber

a todas as forças e personalidades da oposição. Se formos capazes


de reconhecer as iniciativas positivas que a oposição pode ter
promovido e não condenar antecipadamente como mau tudo o que
delas resulta, penso que isso ajudaria a reunir muitos sectores que
hoje estão distantes, talvez não as elites dominantes, mas dos
quadros médios e de amplos setores das pessoas por eles
influenciadas, o que é o mais importante.

41. Por outro lado, penso que se ganharia muito mais se, no combate às
suas ideias erradas, às suas propostas erradas, fossem utilizados
argumentos e não ataques verbais. Talvez estes sejam muito bem
recebidos pelos sectores populares mais radicalizados, mas
produzem rejeição em amplos sectores médios e também em
muitos sectores populares.

42. Outro desafio importante que estes governos têm é a necessidade de


superar a cultura herdada dentro do povo, mas não só lá, mas
também nos governantes, funcionários, membros e líderes
partidários, trabalhadores e suas lideranças sindicais (individualismo,
personalismo, política carreirismo, consumismo).

43. Por outro lado, como o progresso costuma ser muito lento e diante
desta situação, muitas pessoas da esquerda desanimam, porque
muitos pensaram que a conquista do governo seria a varinha mágica
para resolver rapidamente os problemas mais sentidos pelos
pessoas, Quando essas soluções não chegam tão rapidamente
quanto o esperado, elas tendem a ficar desiludidas.

44. É por isso que penso que, da mesma forma que os nossos dirigentes
revolucionários devem utilizar o Estado para mudar a correlação de
forças herdada, também devem realizar um trabalho pedagógico
face aos limites ou travões que encontram no seu caminho. — o que
chamamos de pedagogia dos limites.
Muitas vezes acredita-se que falar das dificuldades às pessoas é
desencorajá-las, quando, pelo contrário, se os sectores

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

as pessoas populares são informadas, é-lhes explicado porque os objetivos


desejados não podem ser alcançados de imediato, isso os ajuda a
compreender melhor o processo em que vivem e a moderar as suas
reivindicações. E os intelectuais também devem ser alimentados com
informações para que possam defender o processo e para que possam
fazer críticas sérias e construtivas, se necessário.

45. Mas esta pedagogia dos limites deve ser acompanhada simultaneamente
pela promoção da mobilização popular e da criatividade, evitando
domesticar as iniciativas populares e preparando-se para aceitar possíveis
críticas às falhas na gestão governamental. Não só a pressão popular
deve ser tolerada, mas também deve ser entendido que é necessário
ajudar os governantes a combater os desvios e erros que possam surgir
na
caminho.

46. Sinto-me muito frustrado por não poder falar sobre tantos outros assuntos,
mas devo pôr fim a estas palavras e para isso quero ler para vocês
algumas das várias perguntas - que coloco no livro - que creio poder
ajudar-nos a avaliar se os governos mais avançados já mencionados
estão a tomar medidas no esforço para construir uma nova sociedade
socialista:

47. Mobilizam os trabalhadores e o povo em geral para levar a cabo


determinadas medidas e aumentar as suas capacidades e poder?

48. Você entende que precisa de um povo organizado, politizado, capaz de


pressionar para enfraquecer o aparato estatal herdado e assim poder
avançar no processo de transformação proposto?

49. Compreende que o nosso povo e especialmente os trabalhadores têm de


ser actores de primeira linha e não apenas actores de segunda linha?

50. Eles ouvem e transmitem a palavra ao seu povo?

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Isabel Rauber

51. Você entende que pode contar com eles para combater os erros e
desvios que surgem ao longo do caminho?

52. Eles lhes dão recursos e os convocam a exercer o controle social do


processo?

53. Em resumo, contribuem para a criação de um sujeito popular cada vez


mais destacado, capaz de assumir cada vez mais responsabilidades
governamentais?

54. Neste sentido, creio que a proposta de uma discussão nacional aberta
a todos os sectores sociais do país sobre a questão do preço do
petróleo é de importância transcendental. Parece-me transcendental
porque é o povo, e não o partido, que é chamado a discutir. Penso
que o papel do partido deveria ser o de estar plenamente envolvido
nele, sendo o instrumento facilitador desse debate.

55. Quero terminar este texto insistindo em algo de que não me canso.
repetir:

56. Para avançarmos com sucesso neste desafio, é necessária uma nova
cultura de esquerda: uma cultura pluralista e tolerante, que coloque
o que une acima e deixe o que divide em segundo plano; que promove
a unidade em torno de valores como: a solidariedade, o humanismo,
o respeito pelas diferenças, a defesa da natureza, rejeitando o desejo
de lucro e as leis do mercado como princípios norteadores da
atividade humana.

57. Uma esquerda que perceba que a radicalidade não está em levantar
os slogans mais radicais ou em realizar as ações mais radicais - que
apenas alguns seguem porque assustam a maioria - mas é capaz
de criar espaços de encontro e luta para amplos setores; porque
perceber que somos muitos que estamos na mesma luta é o que nos
fortalece, é o que nos radicaliza.

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Martha Harnecker. Vida e pensamento

58. Uma esquerda que entende que a hegemonia deve ser conquistada, ou
seja, que é preciso convencer em vez de impor.

59. Uma esquerda que entende que mais importante do que o que fizemos
no passado é fazermos isso juntos no futuro.

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