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Centro Universitário Armando Alvares Penteado

Rafael Maeda

Montagem Soviética

São Paulo, 2022


Introdução

Em uma Rússia revolucionária onde a política e a cultura, principalmente no


que se refere a filmes, estavam prestes a se juntar, se inicia um movimento artístico
no cinema chamado de Montagem Soviética. No século XIX o mundo estava numa
efervescência cultural e na Rússia vários autores e pensadores defendiam que o
cinema era mais do que apenas um espetáculo, era também uma forma de
compreender o homem e o mundo, assim Lev Kulechov, Vsevolod Pudovkin, Dziga
Vertov e principalmente Sergei Eisenstein protagonizam essa nova vanguarda que
surge com a chamada “montagem intelectual” e aproxima os filmes com a política a
fim de criar obras revolucionárias.

Contexto Histórico

Em fevereiro de 1917 foi instituído na Rússia um governo provisório após a


abdicação do czar Nicolau II. Nesse período histórico os russos lutavam na Primeira
Guerra Mundial, porém os soldados não viam motivos para lutar então não havia
motivação para continuar nos frontes e eles retornavam para os campos, porém a
Rússia já enfrentava um problema de grande fome e frio e isso agravou a situação,
para resolver isso os trabalhadores e camponeses, os sovietes, exigiam uma
distribuição de terras e propriedades pertencentes à nobreza, burguesia e
latifundiários, que representavam o governo provisório.
Em frente a essa crise que o governo menchevique enfrentava os
bolcheviques passaram a apoiar todas essas reivindicações populares e quando
Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, retornou à Rússia para liderar
os bolcheviques, ele divulgou as “Teses de Abril”, que tinha como base os três
pilares: “Paz, Terra e Pão”, que significavam, respectivamente, a saída do país da
guerra, promover a reforma agrária e acabar com a fome na nação. Com um
discurso populista, Lênin conquistou os trabalhadores, soldados, marinheiros e
camponeses que se juntaram à causa dos bolcheviques. Em julho, ainda de 1917,
os bolcheviques organizaram uma manifestação armada em Petrogrado, que ficou
conhecida como “Dias de Julho”, essa manifestação se tornou um confronto violento
onde Lênin sugeriu uma insurreição armada para para derrubar o governo, então em
outubro o Comitê Militar Revolucionário, aliados aos bolcheviques, derrubou o
Palácio de Inverno e se deu início ao governo soviético liderado por Vladimir Lênin.
Esse evento ficou conhecido como Revolução de Outubro e logo após ele o
cinema soviético passa a existir e como Lênin acreditava que “o cinema é a mais
importante das artes” e poderia servir como instrumento de propaganda política que
consegue chegar a grande massa com facilidade, houve um grande investimento na
cultura, onde os filmes Russos eram uma ferramenta propagandista que procuravam
exaltar a URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em uma vanguarda
que viria a ser chamada de Montagem Soviética.

Contexto Cultural

Em 1913 surge um movimento estético-político na Rússia, o Construtivismo,


esse movimento tem a intenção de negar a “arte pura” e procurava abolir a ideia de
que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo
cotidiano. Nesse movimento era valorizado a construção da obra em oposição a sua
composição, ou seja, os artistas buscavam em suas obras utilizar de novos materiais
e formas geométricas para se aproximarem da técnica da engenharia e ocuparem
uma posição social ao lado do cientista e do engenheiro.
Em contato com Anatóli Lunatcharski, ministro da educação e da cultura,
Lênin diz que os filmes deveriam além de entreter também ensinar, (num contexto
de ciência como o construtivismo) e também deveria se proibir filmes que eram
contra revolucionários. Focado em defender a arte, Lunatcharski censura obras
mencheviques e apoia o cinema como propaganda e educação política das massas.

Montagem Soviética e suas Técnicas

Lev Vladimirovitch Kulechov, cineasta estudioso das teorias cinematográfica e


professor da primeira escola de cinema do mundo, a Escola de Cinema de Moscou,
dizia que a essência do cinema era a montagem de duas imagens em justaposição,
para provar sua teoria o russo fez um experimento onde ele filmou uma única
tomada de um ator, Ivan Mozzhukhin, Kulechov utilizou desta tomada repetidas
vezes em uma montagem onde a intercalava com diferentes imagens, entre elas
uma moça deitada, um prato de sopa e um caixão. Apesar de ser a mesma tomada
de um ator que fazia uma expressão neutra, o público ficou impressionado com a
atuação do ator, que tinha sido capaz de expressar um sentimento de desejo,
quando justa posicionado com a mulher deitada, fome, com a sopa e tristeza, com o
caixão. Dessa forma o cineasta conseguiu alcançar os resultados esperados e
comprovar sua tese, dizendo que o homem fotografado em um filme, é apenas um
material bruto onde o sentido virá através de uma montagem tendenciosamente
manipulada, fazendo com que o público fique a mercê do cineasta. Esse
experimento ficou conhecido como “Efeito Kulechov”.
Serguei Eisenstein é um cineasta soviético e discípulo do Kulechov,
Eisenstein foi responsável por vários dos filmes mais importantes do período da
Montagem Soviética, entre eles, “A Greve” (1924) - filme que deu origem à nova
vanguarda do cinema, e “O Encouraçado Potemkin" (1925) - principal filme do
movimento e é considerado uma das mais importantes obras da história do cinema,
ao lado do clássico “Cidadão Kane” (1941) de Orson Welles. Eisenstein, seguindo a
linha de pensamento de seu professor, trabalhou durante toda sua carreira com a
idéia de montagem e suas possibilidades de expressão, dando origem a chamada
“Montagem Intelectual”.
A montagem intelectual seria um cinema onde fosse capaz de mobilizar todos
os outros tipos de montagens sistematizados pelo soviético, a montagem métrica,
rítmica, tonal e atonal, que conseguiria atuar em níveis variados para a formação de
conceitos na mente do espectador.

Montagem Métrica

A montagem métrica tem esse nome por conta da analogia musical onde
Serguei compara a relação do tamanho dos planos justapostos com as métricas de
um compasso. Essa montagem é utilizada para regular os níveis de tensão de cada
cena a partir do tempo dado ao espectador para absorver a informação de cada
plano.
Montagem Rítmica

“ O movimento dentro do quadro que impulsiona o movimento da montagem


de um quadro a outro” (Eisenstein, 2002). Nesta montagem o comprimento real não
coincide com aquele matematicamente determinado do fragmento segundo uma
fórmula métrica. Aqui seu comprimento prático deriva da particularidade do
fragmento, e do seu comprimento planejado segundo a estrutura da sequência.

Montagem Tonal

Esta montagem se baseia no tom emocional que cada plano traz. “Eisenstein
dá como exemplo a melancólica seqüência da neblina, no Potemkin, baseada na
imersão geral dos objetos quase imóveis naquela densa atmosfera esbranquiçada -
num exemplo de análise fílmica capaz de se concentrar em conjuntos de variáveis
plásticas que organizam linhas de costura da montagem (luz, sombra, cor, linhas,
volumes, velocidades etc).” (MASCARELLO, 2006, p. 110-111).

Montagem Atonal

Nesta montagem o impacto sobre o espectador é obtido pela justaposição de


múltiplos canais expressivos simultâneos, de forma que todos esses elementos
expressivos são mobilizados em igual medida. Esta característica eleva a impressão
de um colorido melodicamente emocional, uma percepção diretamente fisiológica.
Isto, também, representa um nível relacional com os níveis anteriores.

Estas quatro categorias se tornam construções de montagem propriamente


dita quando entram em relações de conflito uma com as outras, fazendo parte de um
esquema de relações mútuas, ecoando e conflitando umas com as outras, elas se
movem em direção a tipos cada vez mais marcadamente definidos de montagem,
cada uma crescendo organicamente a partir da outra.
A Escadaria de Odessa

Eisenstein foi capaz de atingir a montagem intelectual no seu filme “O


Encouraçado Potemkin” (1925). Uma cena em que é possível de se perceber as
montagens é a da escadaria de Odessa. Nessa cena a marcha dos soldados
descendo as escadas define a métrica da cena, porém esta marcha não está
sincronizada com o ritmo dos cortes, chega sempre fora de cada tempo, e soa
inteiramente diferente em sua solução para cada aparição. O impulso final de tensão
é fornecido pelo deslocamento do ritmo de descida do carrinho de bebe para outro
ritmo, que funciona como um acelerador, diretamente progressivo aos pés que
avançam.
Bibliografia

- MASCARELLO, Fernando. História do cinema mundial. Campinas, SP. Papirus


Editora, 2006.

- SEGRILLO, Angelo. Historiografia da Revolução Russa: Antigas e Novas


Abordagens. Unesp, 2008

- BATISTA, Natalício Jr..Cinema e Revolução: O Construtivismo Russo e A


Montagem Dialética. PUC-SP, 2017

- CANELAS, Carlos. Os Fundamentos Históricos e Teóricos da Montagem


Cinematográfica: Os Contributos da Escola Norte-Americana e da Escola Soviética.
Instituto Politécnico da Guarda (Portugal), 2014

- IZMERENII II, Kino Chetyrekh. Métodos de Montagem: Sergei Eisenstein. 1929

- OLIVEIRA, Roberto Acioli. Lev Kulechov: O Ilustre e Desconhecido Homem do


Efeito. UFSCAR, 2012

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