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Centro Universitário Armando Alvares Penteado

Rafael Maeda

VIDEOGAME
COMO FORMA DE ALIENAÇÃO E FERRAMENTA POLÍTICA

São Paulo, 2022


1. Introdução

No ano de 1826, a primeira foto do mundo havia sido registrada, o mundo pela
primeira vez conseguia ver a reprodução da realidade em uma folha de papel, 69 anos depois,
surge o primeiro filme exibido no mundo, ele ultrapassa a imaginação do povo na época ao
verem imagens em movimentos serem reproduzidas, esses primórdios de registros que veriam
se tornar o audiovisual abriram espaço para 67 anos depois é lançado, oficialmente, o
primeiro videogame, a primeira experiência audiovisual interativa.
Por mais que os jogos digitais troquem as câmeras, os atores, os equipamentos por
códigos, ele ainda se aproxima do cinema ao se tratar de imagens em movimento, porém desta
vez utilizadas de forma interativa e também vale mencionar que a idéia para fazer o primeiro
jogo era transformar a literatura de ficção científica em filme, mas sem os recursos
necessários os três estudantes do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Slug
Russel, Wayne Wiitanen e Martin Graetz, acabaram por criar uma sequência de códigos que
se tornava possível controlar uma nave espacial que saia distribuindo tiros pelo espaço sideral,
o “Spacewar!”. Outra curiosidade importante de se mencionar sobre a criação do jogo é que
ele, também, foi criado como forma dos alunos se distraírem nas horas vagas entre as aulas,
ou seja, criado para a auto alienação dos estudantes.
Por mais que os criadores do primeiro jogo não tenham ganhado nem um real com a
criação, não demorou muito para a nova tecnologia ser comercializada, afinal, ela surgiu
durante a guerra fria, momento no qual o capitalismo vinha crescendo de forma exponencial.
Em 1968 é criado o primeiro dispositivo capaz de rodar diferentes jogos, o “Brown Box”,que
dá origem aos futuramente chamados consoles. Até então os jogos digitais só existiam em
grandes computadores existentes somentes em algumas universidades, a partir desse momento
a popularização e comercialização de videojogos disparou e foi se lançando consoles atrás de
consoles, onde a população poderia passar grande parte de seus tempos livres, “vivendo” a
vida de diversos personagens, sem precisar sair de casa.
Tudo isso nos leva para os tempos atuais, onde os jogos digitais estão integrados na
sociedade, principalmente em jovens de classe alta, essa integração já gerou diversos debates,
em sua maioria discutindo o mal causado pelos jogos, principalmente as questões de
violência, mas pouco se fala na forma em que o videogame vem se tornando uma ferramenta
política e um forte veículo de comunicação, como visto na série de jogos “Life is Strange”,
onde você controla a personagem “Max”, uma garota de 18 anos que tem que lidar com
diversos assuntos sociais presentes na atualidade, como a questão da identidade de gênero,
saúde mental, educação sexual e feminismo. O jogo tem um grande foco na narrativa,
justamente para poder gerar debates políticos acerca de assuntos tão relevantes para os jovens.
Esse texto irá dissertar sobre a evolução dos videogames, que surgiram em um cenário
completamente comercial, e sua trajetória para se tornar um importante meio de comunicação
e uma forte ferramenta política, principalmente para os jovens que crescem de forma tão
imersiva a essa nova tecnologia.

2. Capitalização do Videogame e sua Imersão

A comercialização dos videojogos começou bem rápido e logo popularizou, uma vez
que surgiu em um momento de crescimento do Estados Unidos e do capitalismo,
principalmente nas décadas de 80 e 90, quando os preços ficaram acessíveis e a internet se
integrou com os jogos digitais, logo eles já entraram dentro de um conceito de indústria
digital desde de seu surgimento onde segundo Adorno (1986, p. 93) “toda a prática da
indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações espirituais. A partir do
momento em que essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já
estão contaminadas por essa motivação.” , ou seja, os jogos já surgiram com intenção de
gerarem capital e sua arte era fraca pois apenas atendia o pedido dos produtores para
conseguir vender o produto.
Enquanto nessa época o cinema já havia saído apenas dessa etapa e se consagrado um
forte meio de comunicação, uma cultura de alto valor, no videogame:
“ Ela foi substituída pelo estado industrial moderno, cujas instituições características
deliberadamente barateiam nossas reações humanas naturais, transformando a arte e
a literatura em sobreviventes e testemunhas terminais, enquanto uma nova
vulgaridade mecanizada toma de assaltos centros de poder. A única forma de defesa
está na educação, que pelo menos mantém vivas algumas coisas e que também, pelo
menos em uma minoria, desenvolve modos de pensar e sentimentos capazes de
entender o que está acontecendo, e de manter os mais requintados valores
individuais.” (WILLIAMS, 1958, p. 13)

Os jogos possuíam uma cultura de baixo valor justamente para pode alienar e mesmo
argumentando que as pessoas queriam se alienar esse não é o único motivo da grande
popularização dessa nova cultura, os jogos possuem um caráter vicioso causado pelo “juice”
que seriam os elementos do jogo que trazem uma certa satisfação a partir da imersão causada,
como por exemplo, os brilhos coloridos e efeitos sonoros agradáveis no momento certo, como
no caso do famoso jogo “Candy Crush”, outro exemplo seria a imersão relacionada as teclas
apertadas, como no caso do jogo “Guitar Hero”, onde você tem que acertar as teclas certos no
ritmo certo, utilizando um controle em formato de guitarra, a sensação de que você realmente
está tocando a música é a junção dos quesitos das teclas ficarem nessa “guitarra” somados
com os botões serem apertados no ritmo da música e ainda com efeitos sonoros e visuais de
acerto e erro, essa imersão toda é o “juice” que faz com que o jogo fique extremamente
viciante.
Walter Benjamin, falando sobre cinema, diz que: “...o espaço em que o homem age
conscientemente é substituído por outro em que sua ação é inconsciente. [...] Aqui intervém a
câmara com seus inúmeros recursos auxiliares, suas imersões e emersões…” (1994, p. 189)
essa fala também serve para os jogos digitais, como explicado antes, que possuem o “juice”.
Outra fala de Benjamin que pode se relacionar com videogame é: “Com a representação do
homem pelo aparelho, a autoalienação do homem encontrou uma aplicação criativa” (1994, p.
180) e quando se trata dos jogos essa afirmação fica mais potente, uma vez que os humanos
podem escolher exatamente o que será criado e mostrado para as pessoas, adicionando isso a
incrível popularidade dos produtos, eles conseguiam alienar propositalmente grande parte da
população, pois na época era de interesse dos donos meios de produção que a população
caísse na fantasia de que tudo estava bem. Terry Eagleton já falava sobre essas funções da
cultura em duas de suas definições sobre ideologia, na quarta onde ele diz que um poder
social dominante possui ideologias dominantes que contribuem “...para unificar uma
formação social de maneiras que sejam convenientes para seus governantes; não se trata
apenas da imposição de idéia pelos que estão acima, mas de garantir a cumplicidade das
classes e grupos subordinado…” (1997, p. 39) e na quinta definição, “na qual ideologia
significa as idéias e crenças que ajudam a legitimar os interesses de um grupo ou classe
dominante, mediante sobretudo a distorção e a dissimulação. [...] Algumas delas podem não
promover particularmente seus interesses, e outras podem fazê-lo sem recorrer à impostura.”
(1997, p 39).
Conclui-se então que o surgimento do videogame no capitalismo fez com que ele já se
propagasse de forma alienante e comercial, mas sem deixar de se afastar daquilo que era a arte
e cultura, afinal as ideias dos pensadores pré-videogame se adequam perfeitamente ao mesmo.
3. A Libertação dos Jogos como Instrumento Político

Voltando para Benjamin, “Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar
um equilíbrio entre o homem e o aparelho.” (1994, p. 189) novamente, a frase serve para se
tratar de videogame, desta vez com uma tecnologia bem mais avançada o videogame é capaz
de trazer para o contato humano fantasias e universos do surreal de forma mais plausível e
imersiva capaz de criar um efeito semelhante ao do Mickey descrito pelo próprio Benjamin
onde o videogame seria capaz de criar “tensões que em estágio críticos assumem um caráter
psicótico, …, essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais
psicoses de massa, …, capazes de impedir, pelo seu desenvolvimento artificial de fantasias
sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso.” (1994, p. 190). Isso também serve
de argumento para defender que os jogos não estimulam a violência entre os jovens e sim o
contrário, visto que esse debate é frequente e nunca se conseguiu provar que jogos tornam os
jovens mais violentos.
Em seu texto “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica” Walter Benjamin
disserta bastante sobre como através do cinema o ator é usado para conseguir alcançar aquilo
que o diretor almeja, seja quantas filmagens forem necessárias, no videogame é possível
alcançar esse resultado com mais facilidade e inclusive ir além, forçando o jogador a fazer
aquilo que o diretor almeja, um caso famoso na comunidade dos jogos foi na série
“inFamous”, onde por mais que suas decisões dentro de game mudassem a narrativa do jogo,
toda ação havia consequência, e nesse jogo ao você escolher a “rota” em que seu personagem
fica mais poderoso, você é obrigado a puxar o gatilho do controle, múltiplas vezes, para matar
lentamente a personagem que era seu melhor amigo e te ajudou durante a série toda, o jogo
trata de assuntos envolta de poder, corrupção e ganância, mas nada muito polêmico e
extremamente crítico como no caso do anteriormente citado “Life is Strange”, porém “Life is
Strange” foi um jogo desenvolvido por um empresa pequena e com um público alvo de jovens
mais liberais, diferentemente do jogo “The Last of Us part 2” que é a sequência de um jogo de
ação produzido por uma empresa milhionaria, sobre um mundo durante um apocalipse zumbi,
por mais que o jogo tivesse pequenas criticas, principalmente em relação ao governo
americano, mas foi a sua sequencia que abalou os “gamers”, ao furar a bolha e apresentar para
um grande público, que em grande parte é conservador, em um momento conturbado na
politica estado unidense, um jogo onde a protagonista é uma mulher lésbica e a antagonista
uma mulher que mata o protagonista “badass”, que representa a masculinade conservadora, do
jogo anterior. O jogo obriga você a experienciar a vida, tanto de “Ellie”, protagonista, como a
de “Abby”, antagonista, isso fez com que os jogadore da extrema direita ficassem revoltados e
lotassem as redes sociais com comentários fascistas por conta da jogabilidade ir contra seus
conceitos preconceituosos.

4. Conclusão

O videogames surge em um cenário completamente comercial onde “ A satisfação


compensatória que a indústria cultural oferece às pessoas ao despertar nelas a sensação
confortável de que o mundo está em ordem, frustra-as na própria felicidade que ela
ilusoriamente lhes proporciona.” (ADORNO, 1986, p. 99), porém como continua sendo uma
arte e forma de cultura ele consegue se desprender disso e se tornar hoje um dos principais
veículos de comunicação para os jovens. Tendo uma trajetória semelhante a do cinema, é
praticamente um fato que os jogos digitais servem tanto como uma forma de alienação da
massa como uma poderosa ferramenta política para conseguir educar o mundo.
Bibliografia

https://www.historiadetudo.com/videogame#:~:text=A%20hist%C3%B3ria%20do%20videog
ame%20se,Tecnologia%20de%20Massachusetts)%2C%20EUA.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Spacewar!

http://pt.wikipedia.org/wiki/Videogame

http://pt.wikipedia.org/wiki/Console_de_videogame

http://www.metodista.br/rronline/noticias/entretenimento/pasta-1/conheca-a-evolucao-historic
a-dos-videogames

https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/198434/PEED1367-D.pdf?sequence=-
1&isAllowed=y

ADORNO, Theodor W. “Indústria Cultural”. In: Theodor W. Adorno. Tradução de Flávio


Kothe. São Paulo: Ática, 1986, p. 92-99. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)

WILLIAMS, Raymond. Recursos da Esperança: Cultura, Democracia, Socialismo. In:


WILLIAMS, Raymond. A Cultura é Algo Comum. São Paulo: Editora Unesp, 2014., p. 3-57.

ALTER, Adam. "Irresistível". Tradução de Cássio de Arantes Leite. São Paulo: Objetiva,
2015
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”. São Paulo;
Brasiliense, 1994.

EAGLETON, Terry. “Ideologia: uma introdução”. São Paulo; Editora Unesp / Boitempo,
1997.

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