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MARY DOUGLAS – PUREZA E PERIGO

O texto proposto, apresenta e analisa, alguns rituais de em vários povos e culturas


presentes nas religiões primitivas, considerando os conceitos de pureza e sujeira como
parte de um “todo maior”, de uma unidade funcional a que se integram de maneira
harmoniosa e consistente. Mary Douglas em sua obra, procura integrar elementos de
uma pesquisa diversificada no tempo e no espaço a conceitos fundamentais de
Antropologia Cultural. As contradições pureza/impureza, limpeza/sujeira,
contágio/purificação, são as constantes de uma temática que abrange desde alimentação
e higiene até religião e tabus. Incluem-se aí as “abominações” do Velho Testamento; as
religiões primitivas; o conceito de impureza entre os povos; os costume; observações e
interpretações de preceitos cristãos.

- Introdução
No século XIX as religiões primitivas eram vistas em dois tipos. A primeira tinha o
medo como inspiração e a segunda eram confundidas com profanação e higiene.
Relatos de missionários e viajantes descreviam o medo, o terror que viviam os
praticantes de tais religiões, porem antropólogos que se propuseram a estudar essas
culturas primitivas encontram poucos traços de medo. O antropólogo espera ver esses
rituais para descrever o mínimo.
Estudos feitos com os Azandes, um povo do Sudão, diz que eles ao perceberem que
foram enfeitiçados não tinham terror, medo, mas uma indignação parecida com o a que
sentimos quando somos vitimas de uma fraude. Os Nueres consideram o seu Deus como
um amigo íntimo. Sendo assim o medo religioso que é considerado um dos causadores
do bloqueio para o funcionamento da mente não é o caminho mais correto para
entender estas religiões.
A higiene, por contraste, vem a ser um caminho melhor para se seguir. A sujeira é
igual a desordem. Não existe sujeira absoluta. Quando evitamos a sujeira não é porque
temos medo, terror divino, muito menos limpar ou evitar sujeira para evitar doenças. É
porque a sujeira ofende a ordem, eliminá-la é um esforço para organizar o ambiente. Por
isso não há nada de irracional com o “evitar a sujeira”, isto nada mais é do que um
esforço para relacionar forma e utilidade. E é com esse mesmo pensamento que
deveríamos interpretar a purificação e a prevenção primitiva.
E a poluição na vida em sociedade é trabalhada em dois níveis. No primeiro nível se
tem pessoas tentando influenciar o comportamento dos outros. Igualmente para se
manter a ordem da sociedade é preciso que perigos ameacem seus violadores. Essas
“crenças-perigo” podem ser perigosas tanto para o homem que a utilizar como coerção,
como pode ser um perigo que ele mesmo tenha medo de cair. As crenças sobre poluição
também apresentam uma carga simbólica e este é o fato que interessa, quando as idéias
de poluição se relacionam com a vida social.
Certas poluições são usadas como analogias para expressar uma ordem social, como
por exemplo, o exemplo que aparece no texto, as crenças de que cada sexo é perigoso
para o outro através de contatos com os fluidos sexuais. Muitas das idéias em relação
aos perigos sexuais são interpretações simbólicas da relação entre as partes da
sociedade.
“cada cultura primitiva é um universo em si mesma.” Porem a sociedade sofre
pressões externas e o que esta fora dela, que não pertence a ela, não faz parte esta
potencialmente contra ela. As idéias de separar, purificar tem então como função
principal impor a sistematização.
Porem para os membros destas culturas as idéias de limpeza e sujeira parecem
imutáveis, mas tudo leva a acreditar que essas idéias são sensíveis a mudanças podendo
supor que a mesma força que impõem a ordem que lhes da existência esta
continuamente modificando-as e enriquecendo-as.

- Cap. I
A sujeira é composta por duas idéias, o cuidado com a higiene e respeito por
práticas, sendo que essas regras não são imutáveis, elas mudam naturalmente, de acordo
com o nosso conhecimento e bem-estar. Sendo essas idéias observadas, em nossas
regras de limpeza, assume que a sujeira não tenha qualquer contato com o sagrado.
Então saber que os primitivos quase não diferenciam o sagrado do profano é
completamente utópico. “A ambivalência do sagrado não está em apenas na ordem
psicológica (...), mas também na ordem dos valores; o sagrado é ao mesmo tempo
“sagrado” e “maculado”” – observação de Eliade. Com base nessa afirmação é possível
dizer que nossa idéia de sagrado é muito especificada e em alguma culturas primitivas é
muito abrangente, mais até que proibição.
Mas isso varia de religião para religião, como por exemplo, no hiduismo a idéia de
santo e profano pertencerem a mesma categoria é absurda. Mas para os hidús santidade
e não-santidade não precisam ser necessariamente opostas. “O que é limpo em relação a
uma coisa pode ser sujo em relação a outra e vice-versa.”´
Devido a linguagem simbólica usada no texto, a afirmação de Eliade sobre a
confusão de santidade e impureza não foram feitas para serem aplicadas nos conceitos
brâmanes (havik – religião primitiva), mas mais a frente o antropólogo Frazer chegou a
conclusão que essa confusão de sagrado e impuro é a marca distintiva do pensamento
primitivo, com base em estudo feito com os Sírios, em relação aos porcos. “Alguns
disseram que era por serem os porcos sujos; outros por serem sagrados... o que alude, a
um estado confuso do pensamento religioso, no qual idéias de santidade e impureza não
estão claramente diferenciadas, sendo ambas misturadas, numa espécie de solução
vaporosa a que damos o nome de tabu.” Tabus estes, inspirados por medo, precauções
contra espíritos do mal, comuns a todos os povos primitivos e frequentemente tomados
como regras de sujeira.
Robertson Smith acrescentou mais adiante que diferenciar o santo do profano era a
marca real do avanço do “povo selvagem”. Ele se referia que, com o movimento
evolucionário, as regras primitivas de sujeira ( dão atenção a circunstancias materiais,
como contato com cadeveres, sangue ou saliva pode ser considerado vetor de perigo)
são deixadas de lado, pois ao contrário das regras primitivas, as regras cristãs não
consideram circunstancias matérias, e julgam de acordo com o comportamento da
pessoa. Então fica claro que foi produzido um critério para classificar religiões em
primitivas (regras de santidade e de impureza eram indistinguíveis) e avançadas (regras
impureza desaparecem da religião).
Com esse movimento evolucionário da religião foi inevitável o aparecimento da
ciência no que diz respeito a evolução do homem. Edward Tylor desenvolveu uma teria
que acumulou provas para provar que a civilização é resultado de um progresso gradual
de um estado original do homem. Mas Tylor estava interessado em estudar o avanço a
partir do que ele chamou de “sobrevivências” (costumes, opiniões, processos, que se
tornam habituais a sociedade), para mostrar a continuidade da cultura humana.
Enquanto o antropólogo e teólogo, Robertson Smith, não estava interessado em estudar
sobrevivências mortas, para ele era importante limpar o que restava das culturas
selvagens, e revelar os canais de vida da sociedade que provam seu status evolucionário
– a religião.
Quando Robertson Smith mostrou seu interesse pelos elementos comuns modernos,
encontrou uma corrente de idéias de vários pensadores filosóficos (Richter, T. H. Green,
Jowett) que não podiam conciliar o desenvolvimento da ciência com a revelação cristã
tradicional.
Robertson Smith no seu livro The Religion of the Semites, conta um pouco sobre os
conceitos religiosos de Israel, religião a qual estava acima de qualquer disputa, ele relata
o período em que esses religiosos tinham se movido de formas católicas para
protestantes, o que faz o movimento evolucionário ficar claro. Mas a partir daí os
antropólogos enfrentam um problema, pois possuem resíduos de rituais de magia (o que
até então era visto com primitivo) sendo que estavam em um movimento evolucionário.
A magia para os hebreus não faz parte do culto do deus e é um ritual que espera ter
efeito automático. A magia era para os hebreus o que o catolicismo era para os
protestantes, uma confusão – ritual sem sentido, mantido irracionalmente, de modo a ser
auto-suficiente para produzir resultados sem uma experiência interior com Deus.
Já na obra The Elementary Forms the Religions Life, Robertson Smith desenvolve a
idéia germinal da religião primitiva, onde ele inspira Durkheim para mostrar que faltava
alguma coisa, uma consciência coletiva para entender a natureza da sociedade.
Durkheim adotou a religião primitiva como a igreja a qual estabelece os valores
comunitários; sobre os ritos de magia, definiu magia e mágicos como crenças, práticas e
pessoas que não operam dentro da igreja e são frequentemente contrario a ela; ele
admitiu que os ritos mágicos era uma forma de higiene primitiva.
Durkheim na incessante busca pela ruptura entre o sagrado e o profano, fugindo um
pouco das concepções de Robertson Smith, chega a conclusão de que o sagrado deve ser
sempre tratado como contagioso, porque relações com ele restringem-se a ser expressas
por rituais de separação e demarcação, e por crenças no perigo de cruzar fronteiras
proibidas. O estudo de Durkheim analisou uma visão um pouco unitária da sociedade,
sendo que a sociedade é bem mais complexa do que ele apresentou.
Então o antropólogo, Frazer, que não estava interessado nem nas obras de Robertson
Smith, nem no seu tema principal de estudo, resolveu investigar as crenças mágicas.
Observou então que alguns atos mágicos eram para conseguir benefícios e outros para
evitar danos. Frazer não fez mais do que mencionar as condições sob as quais uma coisa
pode simbolizar outra. “Ele podou cruamente os pressupostos evolucionários implícitos
por Robertson Smith e atribuiu a cultura humana três estágios de desenvolvimento.” –
Magia como primeiro estágio, Religião como segundo e a Ciência como teceiro. Mas
foi um sistema elaborado em cima de apenas algumas suposições, não estava alicerçado
em nenhuma prova.
Todo esse estimulo para estudos voltados para pureza, poluição e purificação, foram
feitas varias pesquisas, inclusive o Velho Testamento também foi analisado com esses
fins. Mas em vários fragmentos desses estudos, é possível observar a grande influencia
de Frazer, dentro da antropologia seu trabalho penetrou profundamente, mesmo alguns
antropólogos terem rejeitado durante muito tempo a sua hipótese evolucionária. “A
influencia de Frazer, tomou de Robertson Smith seu ensinamento mais periférico e
perpetuou uma irrefletida divisão entre religião e magia; disseminou uma falsa visão do
universo primitivo baseado em símbolos mecânicos, e outra falsa suposição de que a
ética é estranha à religião primitiva.”

- Cap. II - PROFANAÇÃO SECULAR


Muitos antropólogos procuram achar um sentido do ritual nas sociedades
primitivas. Alguns afirmam que os rituais estão ligados à uma preocupação de higiene,
outros acreditam que os primitivos fazem esses rituais com um propósito sobrenatural.
Eles dão como exemplo, a restrição de certos alimentos que são considerados
impuros em algumas religiões, como é o caso da carne de porco. Nessas religiões, a
explicação dessa proibição fica um pouco confusa, pois eles alegam que a carne de
porco faz mal em dias quentes, mas na verdade o medo das pessoas esta na
possibilidade de uma pessoa consumir o alimento proibido e ser castigado pelo deus que
acredita, por ter desobedecido às leis religiosas. Mesmo sabendo que o problema de
comer a carne de porco seria prejudicial à sua saúde, o motivo real que eles acreditam é
outro.
Muitos povos primitivos relacionam suas ações rituais com os castigos que
poderiam sofrer, caso não cumprissem as regras. Várias dessas regras, tem punições
adequadas, caso alguém as violem, como se fosse um fenômeno de “ação e reação”, só
que de uma maneira negativa.
Em algumas culturas, as pessoas tendem achar que o estado de impureza pode
passar de uma pessoa para outra, através do contato corporal, dos alimentos ou do
compartilhamento de objetos, entre outros meios. Se acaso uma pessoa considerada
“pura” tivesse contato com outra pessoa “impura”, ou objetos assim considerados, ela
precisaria passar por um ritual de purificação para voltar ao estado original.
Há então, um sistema simbólico que é responsável por explicar estas regras de
pureza. A profanação é entendida por povos primitivos com um caráter religioso, já
sociedades contemporâneas enxergam com um caráter higiênico.
As ideias de sujeira e profanação remetem a uma ordenação e classificação
específicas. Numa certa cultura, uma coisa pode ser considerada impura, enquanto em
outra pode até ser considerado sagrado.
O ser humano tem a capacidade de dar significado às coisas que conhece, através
de suas experiências. Quando uma pessoa se depara com algo diferente dos padrões pré-
estabelecidos, ela sente um estranhamento.
É assim que hábitos e rituais de uma cultura pode causar um choque em outras, e
certas coisas serem tão diferentes em cada uma delas, mesmo se tratando do mesmo
assunto.

- Cap. III

- Conclusão
O objetivo dessa obra que nos foi proposta não é entender religião, e sim restringir a
considerar crenças em seres espirituais. Pode haver contextos de investigações nos quis
deveriam-se alinhar todas as crenças existentes (zumbis, ancestrais, demônios, fadas,
entre outros). Mas segundo o sábio antropólogo e teólogo, Robertson Smith, não se
deve supor que catalogando toda a população espiritual do universo é possível aprender
necessariamente a essência de religião. Em vez de parar e dividir definições, é preciso
comparar as visões dos povos sobre o destino do homem e seu lugar no universo. E
“não devemos esperar entender as idéias de outros povos sobre contágio, sagrado ou
secular, até que as confrontemos com as nossas.”
Se a impureza é um assunto inoportuno, devemos investigá-lo através da ordem.
Impureza ou sujeira é aquilo que não pode ser incluído, se quiser manter um padrão.
Reconhecê-lo é o primeiro passo para uma compreensão da poluição não nos envolve
numa distinção clara entre o sagrado e o secular. O mesmo principio se aplica do inicio
ao fim. Outrossim, não envolve uma distinção especial entre primitivas e modernas:
estamos todos sujeitos as mesmas regras. Mas na cultura primitiva a regra da
padronização funciona com uma força maior e uma amplitude mais total. Com os
modernos ela se aplica à áreas de existência deslocadas e separadas.
Se a interpretação proposta aos animais proibidos está correta, as leis dietéticas
teriam sido como signos que a cada momento inspiravam meditação sobre a unidade,
pureza e perfeição de Deus. Pelas regras de evitação, a santidade foi dada uma
expressão física em cada encontro com o mundo animal e a cada refeição. A
observância das regras dietéticas teriam então sido uma parte significativa do grande ato
litúrgico de conhecimento e culto que culminava no sacrifício no Templo.

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