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Abstract: I deal here with the concept of conduction (and not lead and follow
technical) in social dancing, a more-than-human phenomenon, in-formation, in the
continuum of shared movement and involving the whole ecology of a practice. I treat
dance-propositions as topological cuts of this immanent plane, from which we
emerge in dance-dancing, where conduction can be understood as force of form, as
non-human language, and as an art of extracting propositions possible to be
validated in-pair, conduct-embodied propositions. This text unfolds from my master's
thesis (2020), from my doctoral research by the same program of Postgraduate
Studies in Theater (PPGT) of the State University of Santa Catarina (UDESC) and
from my teaching practice, of the component Theory and Pedagogical Practice of
Social Dance, in the Degree in Dance of the Regional University of Blumenau
(FURB).
1. Condução em formação
A arte verdadeiramente engajada com aquilo que ainda não encontrou sua
forma própria intuitivamente se afasta da reprodução mimética. Para ser
artisticiosa – ativamente conectada à diferenciação da experiência, na
prática – não deve nunca buscar, de antemão, a definição de seu valor, nem
nunca reclamar saber como o inframince se fará sensível. A assombração
da preensão negativa deve continuar um assombro. Tomar-forma é o risco
da arte. Não há como escapar à tomada-de-forma. A experiência não se
faria cognoscível sem isso. A tomada-de-forma, contudo, não deve
submeter-se à categoria da pré-valoração. A experiência não deve saber a
priori o que pode sua formação [...]. (MANNING, 2016, p. 32).
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Para saber mais sobre a Cia., ver Lorandi (2020). Ver também https://www.graodanca.com/. 445
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2. Continuum
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Para mais sobre os conceitos de mais-que humano e mais-que-humano, ver Manning (2013, 2019).
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Para Deleuze (1995), não há começo ou fim em um rizoma, o rizoma está sempre no meio, entre as
coisas, ele é a aliança entre as existências, não é um verbo ‗ser‘ mas uma conjunção ‗e‘ (como entre
‗elas dançando e o chão e a música e as proposiç es e as formas e as forças e as outras pessoas e
o ar e a os sentires e as roupas e os movimentos e etc‘). Não uma correlação localizável, não é uma
dicotomia, mas sim uma multiplicidade, um movimento transversal entre heterogêneos e que carrega
sempre mais de uma coisa e nunca poderá ser reduzida a nenhuma delas. Não por filiações, nem por
causa efeito, não por semelhança, mas pela aliança entre heterogêneos que se multiplicam. 446
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dançar em(in)-condução para além do humano (para além do que se tem entendido
como humano até aqui), onde se têm excluído, por exemplo, todo um mundo
sensível de afetos que são percebidos em mutualidade. Falo então de uma política
tátil, tal como definida por Erin Manning (2016), onde o toque é apresentado como
um nó que nasce entre sujeitas(es/os), um entremeio, uma tensão, conflito e que
desestabiliza as fontes de contato, tornando-se uma política baseada na
discordância e onde sempre há uma fricção transformadora. Manning sugere que
essa política não deve ser definida na base do sujeito pré-existente, nem da polis ou
do estado-nação (e, analogamente à minha pesquisa, com base nos códigos e
papéis nas danças sociais), mas na relação e escreve: ―a fala pol tica deve envolver
um argumento que nem é pré-estabelecido nem regurgitado. Uma política do toque
não deve ser concebida como uma política da comunidade; com o tato o centro não
pode ser formulado, tampouco alcançado‖ (MANNING, 2006, p. 14). Condução, da
mesma forma, não deve ser definida na base do sujeito pré-existente, nem das
categorias e agências humanas sobre danças de salão (DS), mas na imediação
sentida de uma relação ecologicamente situada.
Esse processo nos fornece pistas para entender como os corpos extraem
movimentos do mundo e das relações que emergem com ele, de movimentos
possíveis de serem validados e de proposições que já estão em movimento e tornar-
se-ão mais e mais movimentos para o par (a partir do par ou a partir do entre-com o
par, in-par) - condução é sobre o continuum da vida-vivida em movimento, da dança-
dançada, relacionalmente, qualitativamente e intensivamente. Ou seja, um
movimento proposto na relação (um ajuste, um passo, uma transferência, um giro,
uma direção, uma inclinação) pode ser simplesmente um movimento que já está em
movimento ou que já está sendo proposto (ao par, entre-com o par, pelo par, pela
relação, por diferentes partes dos corpos, pelo meio, pela relação com outras
existências no meio, etc.). Estes movimentos contínuos podem estar emergindo, e
corporificando-se como possibilidade, de diferentes formas e forças de forma - de
qualquer parte dos corpos e de qualquer parte de qualquer movimento apreendido
em mutualidade, sentido, pode surgir então uma proposição conducorporificada e
que qualquer movimento (virtual ou atual) pode potencializar ou que nossas
escolhas, atenção e reciprocidade, podem validar, ceder, co-compor, simpatizar,
cortar, fluir, contrapor, etc.
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3. Forças de forma
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Manning (2013, 2016) escreve que o indivíduo é emergente e não pré-constituído e que existe uma
relação intr nseca ―entre a individuação (o processo), a pré-individuação (a força da forma) e o
individual (o ponto de inflexão que abre o processo para individuaç es outras)‖ (MANNING, 2016, p.
53). O indivíduo não é o ponto de partida, ele é o que emerge do meio da individuação, ―o indiv duo é
aquilo pelo qual o acontecimento se expressa, nunca aquilo que o p e em movimento‖ (2016, p. 53).
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Para Deleuze (2020, p.14), a diferença se disfarça na repetição e é da vida a coexistência de
repetições, mas de modo a se distribuírem, na verdade, através de diferenças. E alerta sobre duas
questões: a diferença não é subordinada ao idêntico, não é uma oposição nem uma contradição, é
apenas outra coisa. E ―a outra concerne a um conceito de repetição tal que as repetiç es físicas, 448
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sua composição (DELEUZE, 2020). Consideramos o par chão como uma paleta de
possibilidades a serem descobertas e como um corpo gerador de forças, texturas,
equilíbrios, contrastes, ritmos. Consideramos as relações por vir, com um chão,
como um campo de forças de forma. Além de possibilidades como tração,
deslocabilidade, apoio, sustentação - e proposições que se apresentam
diferentemente das que conhecíamos e imaginávamos. Devires-chão são ativos e
ativam danças o tempo todo. Dançar não seria dançar se não fossem os muitos
‗chãos‘ que nos individuam (e que tendemos a generalizar). Ainda nas micorrizas, se
pensarmos nestas simbioses plantas-chão-fungos, perceberemos que algumas
plantas, raízes e fungos não existiram da forma como as observamos não fossem
suas simbioses. Sem um chão, as danças teriam tomado outros rumos. Sem cada
chão sobre o qual os descobrimos dançando, não seriam aquelas danças que duram
em nós até aqui. Outras existências como estas participam de um simples passo do
forró sobre o chão, seja de reboco, de madeira, no piso da garagem de uma casa,
no carpete da sala ou sobre o gramado em volta de uma fogueira de São João. O
corpo extrai movimento dessas relações entre múltiplos corpos, forças e existências
tanto quanto a planta extrai vida e possibilidades dessas simbioses e micorrizas.
mecânicas ou nuas (repetição do Mesmo) encontrariam sua razão nas estruturas mais profundas de
uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um ‗diferencial‘‖. Tal questão é objeto de
minha atual pesquisa de doutorado, onde tenho me perguntado como então propor a partir de uma
diferença em nossas práticas artístico-pedagógicas em condução. 449
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Ao dançar, sentimos jeitinhos necessários para podermos acessar um movimento, um passo, uma
forma, um abraço, uma direção e que se fazem possíveis na experiência, como se fosse uma
fechadura que exige um jeitinho específico (e uma negociação com aquela emergência), para abrir
sua porta. Esses jeitinhos são coloridos por gestos menores sentidos na relação, para além do
humano, gestos transindividuais, e menores não porque são pequenos, mas por serem precários e os
ignorarmos, embora entremeiam e colorem completamente a relação dançada, são sentidos na
experiência e antes de tomarmos consciência daquilo que acontece, são gambiarras que se fazem
necessárias às técnicas. Manning (2016, p. 1) escreve que seus improvisados fios de variabilidade
―seguem ignorados, a despeito de estarem entremeados a tudo‖. Para saber mais sobre gestos
menores, ver Manning (2016).
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Este artigo segue-se à apresentação feita no Congresso Virtual da ANDA, 2021, edição online, Ver:
https://portalanda.org.br/. Momento também em que atravessamos o segundo ano da pandemia da
Sars-Cov-19, onde o Brasil já ultrapassa a marca de 500 mil mortes devido à gestão irresponsável do
atual governo brasileiro. Seguimos sem eventos, bailes, encontros e práticas coletivas com DS,
embora muitas práticas e profissionais desrespeitem com eventos clandestinos. Ver:
https://www.instagram.com/covidnosalao/. 450
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Para mais sobre O plano virtual de condução: as proposições já esboçadas, ver Lorandi (2020).
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Observo a importante influência do trabalho de Catarina C. Cunha na construção de corporalidades
nas DS em Florianópolis, SC. Ela, por exemplo, entre os anos 2000 e 2005, foi quem questionou, nós
professores(as) de DS, sobre se obrigar as mulheres a dançarem sobre as pontas dos pés (ou salto
alto), além de diversas crenças enraizadas sobre corpo, relação e condução que eram muito fortes. 451
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Pense em uma porção de terra, depois em um corte nela. Você não terá a visão de toda ela, muito
menos a noção de continuidade em suas relações continuamente em movimento, nem a totalidade de
todas as vidas e proposições trocadas, se relacionando em um ambiente vivo. Pensar uma
proposição como um corte topológico, na relação, traz a mesma ideia, a decisão por validar uma
proposição, dentre tantas outras dobrando-se entre si, como uma dobra e um corte no plano de
condução, mas de modo algum, esse corte, indica um fim ou um início para um movimento extensivo
(um passo, uma forma). Nem indica quais partes daquele corte importam mais ou menos na
construção de um ―nexo‖ (WHITEHEAD, 2010) ou quais proposiç es, no mesmo corte, tem mais ou
menos participação. Por sua vez, constituem um todo muito maior, uma porção de terra repleta de
vida em relação, uma ecologia. Ver capítulo 3.5 em Lorandi (2020).
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Como quarto lugar, me refiro ao espaço criado pelo encontro, quando o encontro nos leva a outros
espaços e modos de criar e habitar espaços e temporalidades. 452
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7. A arte da relação
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Quanto à contribuição das políticas neurodiversas para as DS, ver Lorandi (2020). Para mais sobre
neurodiversidade e políticas táteis, ver Manning (2014, 2016). Também destaco algumas pesquisas,
em andamento, contemporaneamente a esta: Francisca Jocélia de Oliveira Freire com espaços de
superação ou manutenção do machismo e heteronormatividade. Carolina Polezi com o conceito de
condução compartilhada. Marlyson de F. Barbosa com DS e as relações com o patriarcado. Tatiana
Maria Asinelli da L. Keiber estuda sobre a autonomia da mulher nas DS. Paola Vasconcelos Silveira
sobre gênero e a mulher bruxa nas DS. Katiusca Marusa Cunha Dickow com gênero nas DS.
Matheus Assis com a não-binaridade nas DS. Para mais autoras(es) e pesquisas, ver Lorandi (2020). 453
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―Minha linguagem não é sobre projetar palavras ou mesmo s mbolos visuais para as pessoas
interpretarem. É sobre estar em uma conversa constante com todos os aspectos do meu ambiente‖
(BAGGS, 2007). Ver também: https://www.nytimes.com/2020/04/28/health/mel-baggs-dead.html. 454
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não se rendeu ao sentido utilitário da vida (KRENAK, 2020), tal como também alerta
Amanda Baggs: tenho o direito de sentir e viver com o mundo e à minha maneira.
Aqui, condução é então sobre sentir e se envolver, ecologicamente, relacionalmente.
Manning (2008, p. 2) reforça que, para aggs, ―a comunicação através da
linguagem permanece inadequada às experiências singulares de sensação que o
mundo exprime, onde aquilo que seria articulável na forma não alcança
completamente a complexidade da experiência‖. Quero destacar aqui as implicaç es
cruciais para os estudos das DS ao considerar que os movimentos e gestos
extensivos resumem o que é condução (como acontece na DS tradicional). O que se
articula nas formas e linguagens destas danças não alcança toda a extensão do que
se experiencia em suas práticas. Quero também destacar aqui um problema central,
o de considerar DS apenas como uma linguagem formal e o corpo em condução
apenas como um receptáculo que executa uma representação mimética destas
danças. Descobrir, sentir e se mover por direito próprio em Baggs (2007) é
precisamente descobrir, pensar, sentir e dançar por direito próprio nas DS. Se
envolver e fruir na relação em condução, nas DS, é precisamente se envolver como
nossa mais que humanidade, em Krenak (2020).
Estas crenças limitantes (condução como técnica formal, DS como
linguagem fixa e mercadoria, passos de dança como mimética de um gênero de
DS), são uma abstração do mais-que em jogo em cada uma de suas atualizações e
em cada uma de nossas individuações. Uma arte das DS verdadeiramente engajada
na relação em condução precisa incluir seus processos de formação e emergência e
que excedem os corpos e danças tal como testemunharemos. E precisa incluir um
mundo de corpos sensíveis, relacionais, permeados por afetos, devires, simbioses.
―Tomar-forma é o risco da arte. Não há como escapar à tomada-de-forma. A
experiência não se faria cognoscível sem isso. A tomada-de-forma, contudo, não
deve submeter-se à categoria da pré-valoração. A experiência não deve saber a
priori o que pode sua formação‖ (MANNING, 2016, p. 32). Condução inclui então
este risco, e também inclui o processo de tomar-forma e pensar-sentir o emergir de
proposições que já estão em movimento na relação. Condução em-formação indica
então uma ponta de emergência para o movimento partilhado, localizada no
processo de corporificação dessas possibilidades, a partir de uma dança ainda por
acontecer, uma DS ainda disforme, modulada pelos eventos e que preenche nossos
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