Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NA RODA
DA VIDA
Apresentação
Equipe editorial:
Revisão: Karina Gomes Leal
Projeto gráfico: Vanja Mendes
Capa: Sanderson Cristo
Diagramação: Guardiã Editora
CDD 158.1
GUARDIÃ EDITORA
http://www.guardiaeditora.com.br
@guardiaeditora
contato@guardiaeditora.com.br WhatsApp
+55 xx (61) 98381 6029
Co rre ntez a
Arte ·Saúd e ·Tra n sform ação
MISMECDF
em
VANJA MENDES
P S I C O T E RA P IA R E E N CA R N AC I O N I STA
S er viç os
J u rid jcos e Tera pê u ticos
T . E . I. A .
C o n ex õ e s Su st e n t á v e i s
ESPAÇO CONSTELARIS
Leitores Guardiães,
Prefácio 25
Apresentação 31
A velha e a caixa 39
Muita estrela, pouca constelação 57
Mergulho na roda da vida 71
Lágrimas 85
A lagarta e a borboleta 95
Feroz 107
Enigma 119
A roda 131
Meu lugar 145
Árvore de sangue 163
Noite de chuva 177
Apêndice 193
Referências teóricas 195
Prefácio
25 | GUARDIÃ
Mirna Almeida é uma terapeuta comunitária Prefácio
formada no MISMECDF1 , que, de coração aberto, tem
bebido da fonte e transformado a água em vinho, o
aprendizado em pérolas, a resiliência em capacidade
poética de transmitir sua mensagem.
Mirna, poeta e terapeuta comunitária,
encontrou nos contos, uma forma de contar histórias
e os aproveitou como desencadeadores simbólicos
de nossas próprias histórias. As metáforas foram
utilizadas para revelar vivências oriundas de todos
nós. Em cada conto sentimos algo nosso revelado,
tocando um cantinho de nossa dor, dúvida, conflito,
superação.
Maravilhoso Mirna podermos compreender a
terapia comunitária pelo viés de seus contos, dos seus
relatos tão emocionados e emocionantes.
Nesses 16 anos como formadora dessa
metodologia, percebo que a Terapia Comunitária
Integrativa além de significar uma abordagem de
cuidado, de superação do sofrimento, é também uma
trilha para autotransformação e evolução pessoal
26 | GUARDIÃ
e coletiva. Todos nós, participantes, terapeutas e
formadores aprendemos e ressignificamos nossa
caminhada pelo envolvimento com essa bela
configuração de agregar pessoas, permitir a troca de
experiências de forma horizontal e sentir que somos
diferentes após cada Roda, cada Encontro.
De maneiras diferentes os terapeutas e os
participantes das Rodas de TCI têm expressado esses
aprendizados: através da mudança de rota, da busca
do sentido de vida e da expressão do potencial
criativo. Contar histórias, desenhar um conto, sentir
o outro, escutar o sentimento, ler o coração e refletir
tem significado recontar a própria vida. Exuberante
ainda mais é partilhar estas pérolas em grupo. Isso
se revela na capacidade do grupo de encontrar as
soluções para seus sofrimentos, suas dificuldades.
Contar histórias, o que isso tem a ver com a Terapia
Comunitária?
Tudo.
Cada Roda de TCI é um mergulho que fazemos
em nossa consciência, utilizando as pérolas
plasmadas pelos participantes. Essas pérolas são
também parte das nossas, são colares que vamos
tecendo juntos.
Achei lindo Mirna você comentar que “Escrever é
importante, pois as palavras criam corpo ao saírem
27 | GUARDIÃ
da mente para o papel, cria-se uma materialidade
para a sua consciência” Você resumiu a beleza da
escrita que expõe os aprendizados possibilitados
por nossa resiliência.
Perguntar, elaborar questões é um processo que
aciona a reflexão de forma mais profunda e profícua,
nos levando a perceber novos ângulos da realidade.
Enquanto que afirmar verdades, dar conselhos, fazer
discurso, emitir julgamentos afunila a visão e obstrui
as soluções. Nossa forma de conceber a realidade
muda a cada nova experiência, nova pergunta que
fazemos a nós mesmos e quando interpelados pelo
outro acionamos nossa alteridade, aquilo no outro
me provoca e constrói em mim.
De forma poética Mirna convida o saudoso
Professor Paulo Freire para a reflexão e o
reconhecimento para mudança; navega no conceito
fundamental da ação-reflexão-ação. “Nem sempre
nossas reflexões nos levarão a mudanças radicais,
algumas vezes precisamos apenas de ajustes em
nossas práticas”. Lembra nossa autora, que, vivendo
o drama no palco, estamos nos permitindo novos
olhares, novas mudanças, e assim novas ações.
Segundo os teatrólogos, a vida é um palco,
somos todos atores. Vivenciamos um drama, sem
28 | GUARDIÃ
a priori, sem prétexto. Tudo acontece e se renova a
cada momento, um vir-a-ser permanente.
Mirna, acho muito interessante sua indagação:
“Você tem coragem de ser vulnerável? Ou você
se protege na não ação, assistindo sua vida da
arquibancada? Você tem coragem de assumir os
seus desejos? Tem coragem de assumir aquilo que
você é?” Que importante!
Posso começar respondendo: Mirna, não sei.
Muitas vezes me escondo na aparente fortaleza,
outras vezes me distancio para não sofrer, e em alguns
momentos me falta coragem para ser eu mesma.
Mas, concordo com você, vejo que o mais interessante
são as pequenas mudanças, as transformações do
cotidiano, construindo suavemente outro olhar, outro
caminho. “Para além do universo terapêutico, as
reflexões suscitadas pelos contos trazem elementos
preciosos para aumentarmos nossa autoconsciência,
ampliando nossos olhares e nos conduzindo a
autodescobertas”.
A Terapia Comunitária realça o significado das
crises em nossas vidas como oportunidades de
crescimento, suscita transformação e movimento.
Através dos contos, Mirna nos lembra que “As crises
são convites à mudança, pois não queremos ficar
em estado permanente de crise”.
29 | GUARDIÃ
Então, identificar a dor e a crise e poder aceitá-
la é o segredo da superação. A transformação se
opera quando se pode expressar dizendo: “Eu decidi
me aceitar por inteiro, aceitar minhas falhas, minha
história, minha força, aceitar minha vulnerabilidade,
com compaixão e profundo amor por mim mesma”.
“Este é um dos objetivos da Roda de TCI, construir
e fortalecer os vínculos entre as pessoas de uma
determinada comunidade”.
Mirna, que maravilha caminhar nestas reflexões
estimuladas por você nestes contos! Muito grata por
esta oportunidade de saborear este livro; suscitou-me
realmente boas reflexões.
Henriqueta Camarotti
Neuropsiquiatra, gestalterapeuta,
terapeuta comunitária e escritora
30 | GUARDIÃ
APRESENTAÇÃO
“As histórias representam uma importante
contribuição para a estrutura da vida
emocional do ser humano.”
Ana Luísa Lacombe
33 | GUARDIÃ
um cajueiro, na Universidade Federal do Ceará.
Adalberto teve uma demanda crescente de pessoas
que o procuravam como psiquiatra e constatou que
muitos daqueles pacientes não necessitavam de
tratamento psiquiátrico, nem de medicação, mas
careciam de serem ouvidos, acolhidos. A TCI surgiu,
portanto, para acolher o sofrimento e promover a
saúde coletiva de uma comunidade.
Atualmente, a formação de novos Terapeutas
Comunitários é realizada nos Polos de Formação
espalhados por todo o Brasil. Não é necessário
ter formação anterior para se tornar Terapeuta
Comunitário, mas apenas interesse em aprender
essa ferramenta e seguir a formação. Os Polos de
Formação são regulamentados pela Associação
Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa -
ABRATECOM. As rodas de TCI são geralmente abertas
ao público e gratuitas. Por não se tratar de uma
psicoterapia, não há necessidade de participar de
um número determinado de rodas, semanalmente,
é possível participar de uma única roda e usufruir de
seus benefícios. Existem inúmeras delas por todo o
Brasil. Em Brasília, por exemplo, atualmente, temos
aproximadamente dezenas de rodas de TCI nas
suas diversas Regiões Administrativas, em parques,
quadras, hospitais, postos de saúde, Unidades
34 | GUARDIÃ
Básicas de Saúde, CAPS, empresas, espaços
religiosos, escolas, entre outros. Em 2017 a Terapia
Comunitária Integrativa passou a ser considerada
uma das Práticas Integrativas e Complementares
em Saúde (PICS).
Na TCI, os Terapeutas Comunitários que
conduzem as rodas não solucionam os problemas
apresentados, nem dão conselhos. Eles auxiliam
seus interlocutores a ampliar seus olhares sobre
suas histórias, narradas a partir de perguntas, por
isso, nas reflexões após os contos há questões
para os leitores. Sugiro a quem estiver disposto
a mergulhar no processo de autoconhecimento
que responda às perguntas por escrito: quando
escrevemos, produzimos uma narrativa mais
consistente e compreensível que ao responder
apenas mentalmente. Escrever é importante, pois
as palavras criam corpo ao passarem da mente
para o papel e cria-se uma materialidade para a
consciência.
Assim como na TCI ouvimos histórias de vida de
outras pessoas e nos identificamos ou não com elas,
ao lermos os contos deste livro, seremos levados
ao universo simbólico em que nossas emoções
despertarão pela aproximação ou distanciamento
com os personagens e enredo, afinal, é natural que
35 | GUARDIÃ
façamos comparações com nossa própria história.
Muitos destes contos foram inspirados em histórias
ouvidas por mim, nas rodas de TCI.
Quando ouvimos ou lemos histórias, factuais
ou literárias, o campo do nosso diálogo interno se
abre e ampliamos a consciência de nós mesmos.
Compartilho, portanto, esses contos com o intuito
de nutrir colóquios internos, de fazer florescer novos
olhares sobre nossas relações com o que nos cerca e
de provocar o despertar do autoconhecimento.
Para enriquecer o contato com o universo
simbólico dos contos, apresento algumas reflexões
sobre cada um, problematizando-os. Também
acrescento alguns comentários com base nos cinco
pilares teóricos da TCI, que serão explorados ao
longo deste livro, são eles: resiliência, pedagogia
de Paulo Freire, pensamento sistêmico, antropologia
cultural e teoria da comunicação.
Esse livro não traz uma linguagem técnica da
área terapêutica e, embora introduza conceitos
teóricos, foi escrito para o desfrute de qualquer
pessoa em busca de autoconhecimento. Porém, para
os profissionais da saúde mental e/ou emocional,
tais como terapeutas, psicólogos, psiquiatras, e
outros, é possível explorar os usos destas histórias.
Na Arteterapia, por exemplo, contos são uma
36 | GUARDIÃ
ferramenta para que os clientes entrem em contato
com seu inconsciente, a partir dos elementos
simbólicos e das emoções despertadas por uma
história.
Para os Terapeutas Comunitários, apesar desses
contos não poderem ser utilizados dentro
das rodas, nos Polos de Formação seu
u u u
uso é bem-vindo. Inclusive, a fábula
ESCREVER
inserida no conto “A Velha e a Caixa”
É IMPORTANTE,
foi utilizada, até o fechamento da POIS AS PALAVRAS
primeira edição, em duas turmas CRIAM CORPO
do Curso de Capacitação em TCI, AO PASSAREM DA MEN
em Brasília e Aracaju (no Polo de PARA O PAPEL
E CRIA-SE UMA
Formação Movimento Integrado
MATERIALIDADE
de Saúde Comunitária do Distrito
PARA A
Federal - MISMECDF e no Polo de CONSCIÊNCIA.
Cuidados T.E.A.R. - Transformação u u u
pela Emancipação, Amorosidade e
Resiliência, respectivamente). Em ambas
experiências, tive o prazer de contar para os alunos
a fábula que escrevi - especialmente para este
fim - e que foi acolhida e aplaudida com muita
amorosidade.
Finalmente, os contos apresentados a seguir
possibilitam ressignificar o que nos traz sofrimento,
sejam nossos hábitos, nossas relações, nosso
37 | GUARDIÃ
ambiente, uma vez que as histórias têm o poder
de conferir sentidos para estarmos no mundo.
Que tal refletirmos juntos, sem julgamentos sobre
os personagens, para, a partir destes contos,
olharmos com outros olhos nossa própria história,
com franqueza e verdade para conosco, admitir
nossas falhas e identificar aquilo que precisa ser
mudado, transmutado, abandonado? Não nos
esqueçamos, jamais, de que toda certeza é uma
prisão e ao colocarmos em xeque nossos próprios
alicerces abriremos espaço para que o movimento
da vida transborde em boas novas para melhor nos
alinharmos ao fluxo de nossas essências.
38 | GUARDIÃ
A VELHA E A
CAIXA
Era quase fim de tarde quando cheguei à
Rodoviária Interestadual, meu ônibus só sairia à
noite, mas quis chegar cedo e dar-me um tempo
para despedir-me do velho e receber o novo. Não
foi fácil tomar aquela decisão de mudar de cidade.
Eu me despedia de uma vida que fora plena, mas se
tornou escassa. Buscava em outras terras um alívio
para meu sofrimento, buscava com esperança voltar
a ser quem eu era, buscava uma vida nova.
Pensei que chegando cedo, estaria só e teria
um tempo para ler, escrever, estar comigo e digerir
aquela mudança que estava prestes a acontecer. Por
isso, não quis que ninguém me acompanhasse até
ali. Segui alegre em direção aos bancos ao vê-los
vazios como imaginara. Ao mesmo tempo, pensava
curiosa sobre os sentidos da palavra que designava
o lugar onde estava: terminal. Sim, era isso que eu
buscava, de certa maneira, buscava um término, um
fim. A língua portuguesa me levava ao deleite com
suas aparentes metáforas.
Quando constatei que não fui a primeira a
chegar ao terminal, me surpreendi. Havia uma velha
senhora, de cabelos crespos, grisalhos, pele negra
marcada pelo tempo, olhar profundo. Ela levava uma
pequena bolsa de viagem que estava na cadeira ao
41 | GUARDIÃ
seu lado e segurava no colo, com suas duas mãos,
uma pequena caixa de madeira.
Confesso que não gostei de ver ali aquela velha
que, de alguma forma, se infiltrava em meu espaço.
Mas como eu me sentia leve, rapidamente aceitei
dividi-lo com ela, afinal era um espaço público. Só
quis julgá-lo meu pelas horas de antecedência com
que eu chegara. Logo mais, todos os assentos seriam
ocupados. Mal sabia o quanto àquele encontro seria
grata.
Sentei-me numa posição de onde pude
observá-la. Era uma mulher elegante e magra, que
parecia ter escolhido a dedo cada peça de roupa
e acessório que usava. Me detive a analisá-la,
brincando de desvendar algo mais sobre ela. Não
tinham outros ônibus que sairiam antes do meu,
cidade pequena tem dessas coisas.
Parecia uma mulher segura de si, talvez saindo
de férias; ela não parecia estar fugindo de uma
vida vazia, como eu. Aos poucos, ao observar
aquela mulher, fui percebendo que ela tinha um
olhar tão profundo que parecia mirar algo que não
estava diante dela. Podia supor, inclusive, que seus
olhos, por vezes, se embebiam de lágrimas não
derramadas. E ainda tinha aquela caixa...
42 | GUARDIÃ
Fiquei imaginando que espécie de coisa estaria
dentro daquela caixa para que ela a segurasse entre
seus dedos, ao invés de guardá-la na mala. Enquanto
a observava, cada vez mais me sentia atraída por
ela. Eu a sentia sábia e imaginava como ela teria
alcançado aquele olhar tão seguro e realizado que
já admirava.
Até que, parecendo ler meus pensamentos,
ela virou o rosto em minha direção e sorriu serena
e amável. Sorri de volta, um tanto desconcertada.
Pouco tempo depois, me encorajei e, seguindo em
sua direção, sentei-me ao seu lado. Àquela altura, me
perguntava mais ainda o que tinha dentro daquela
caixa. Mas não quis parecer indelicada, perguntando
algo apenas para saciar minha curiosidade.
Cumprimentei-a e puxei assunto falando sobre
o clima, ela, muito educada, olhou dentro dos meus
olhos com firmeza e balançou a cabeça sorrindo,
concordando comigo que era um belo pôr-do-sol
e disse algo que ecoou profundamente em meu
coração e que guardo ainda hoje com carinho:
“quando a luz do sol se recolhe para dar lugar à
noite, sinto que é a melhor hora para sentir-me plena
e reconhecer que tenho por dentro muitas coisas que
não estão totalmente à mostra para mim mesma
e que podem estar visíveis ou invisíveis aos olhos
43 | GUARDIÃ
dos outros”. Calei por alguns instantes para sentir o
peso daquelas palavras. Depois seguimos com uma
conversa alegre e fluida.
Contei sobre meu sofrimento, minhas
angústias; desabafei sobre o que vivia e sufocava
minha vontade de viver; disse ainda que viajava
em busca de uma saída para minha vida. Ela ouviu
atenta, em um estado de presença que há muito
não experienciava. Depois, me contou que viajaria a
passeio, para visitar a neta que completaria 14 anos;
disse-me ainda que era Terapeuta Comunitária.
Enquanto eu falava, por vezes, ela me interrompia
com alguma pergunta e de todas as perguntas que
ela me fez, uma não soube responder e, por isso,
me deixou muito intrigada: “De onde vem a tua
força?”.
Quis saber mais sobre essa tal Terapia
Comunitária, pois ela falava a respeito com muita
paixão. Entendi que nela as pessoas se sentam em
roda para trocar experiências de vida e que essas
rodas são lugares de fala, de escuta e de acolhimento.
Quisera ter encontrado uma roda dessas nos meus
momentos de desespero.
Nossa conversa seguia com tanta fl dez e
vivacidade que já me sentia outra pessoa, demos
muitas risadas e sentia que, pouco a pouco, todo
44 | GUARDIÃ
peso que carregava quando cheguei à rodoviária
ia se dissipando como água corrente que se esvai
entre os dedos. De repente, lembrei-me da caixa ao
perceber que a simpática velha a acariciava. Detive
meus olhos nela e à vontade para ser curiosa, e me
intrometer onde não estava sendo chamada, me
encorajei e perguntei o que havia dentro
da caixa e por que ela a carregava
consigo, ao invés de guardá-la em
sua bolsa de viagem.
u u u
Era uma caixa de madeira,
pequena, entalhada com “DE
flores e fechada por um trinco ONDE VEM
de ferro. A amável velha A TUA
sorriu larga e profundamente FORÇA?”
e disse que não colocaria no
u u u
bagageiro algo tão valioso, que
preferia segurá-la firmemente
em suas mãos, falou ainda que
era um presente para sua neta, que
ela mesma entalhara. Ali dentro estavam
guardadas, simbolicamente, as histórias mais belas,
mais profundas e mais dolorosas que ela vivera. Era
com essas histórias que ela queria presentear a neta.
Fiquei intrigada, a caixa estava vazia? Também quis
saber por que ela queria presentear a neta com
45 | GUARDIÃ
histórias dolorosas. Foi então que ela me contou
uma fábula, dizendo que me ajudaria a entender
melhor. Essa fábula me marcou de tal forma que
nunca mais a esqueci:
“Era uma vez, uma ilha distante em meio ao
Oceano Atlântico. Nessa ilha havia algumas pedras,
parte delas submersas na água, e na pedra mais
vistosa de todas existia uma enorme colônia de
ostras. As pequenas ostras, que estavam crescendo
e se desenvolvendo nesta colônia, costumavam
ouvir as histórias das ostras mais velhas para assim
aprenderem mais sobre a vida.
As ostras diziam para terem cuidado ao absorver
a água quando fossem se nutrir, pois, eventualmente,
junto com as algas que trariam vida a elas, poderia
entrar algum corpo estranho, como uma pedrinha
ou um pequeno grão, que iria feri-las lhes causando
dor. Contavam ainda, que muitas ostras ali
presentes já tinham se ferido de maneira profunda
e dilacerante.
As ostras tinham uma concha dura por fora,
que lhes protegia e demonstrava o quanto eram
resistentes e preparadas para os acontecimentos
diversos do mundo marinho. Mas por dentro, onde
ninguém podia enxergar, eram moles e únicas,
exigiam cuidados. Sendo assim, quando elas se
46 | GUARDIÃ
feriam, invadidas por algo duro e bruto, isso lhes
causava imensa dor. Contudo, as ostras tinham
também seus recursos para lidar com as feridas que
corpos estranhos lhe causavam.
Ensinavam as mais antigas, que quando
algo adentrasse nelas, tirando-as do seu estado
de serenidade, que elas seriam sempre capazes
de produzir uma substância protetora, e que elas
saberiam fazê-lo tirando de suas próprias entranhas
essa substância que pouco a pouco acabaria com sua
dor e que era chamada de nácar.
Ser capaz de produzir nácar não era como fazer
mágica, insistiram as ostras mais velhas; pois, a essa
altura, algumas ostrinhas já ansiavam ser feridas,
só para verem como se livrariam da dor. Cada ostra
conhecia ou conheceria sua própria dor: era muito
difícil passar ilesa daquela tão surpreendente e bela
vida marinha. Entretanto, cada dor podia trazer
consigo um sofrimento que, por vezes, chegava a
durar anos.
A história não parava por aí, afirmaram as
ostras mais experientes, o melhor ainda estava por
vir. Seriam necessárias várias camadas de nácar para
isolar o corpo estranho dentro de si. Não era um
processo fácil, nem rápido, por isso, cada ostrinha,
quando por ventura se ferisse, teria que ser persistente
47 | GUARDIÃ
e acreditar em sua própria força, em sua capacidade
intrínseca de recuperação. E então, após certo tempo,
que não seria possível precisar, afinal, para cada
ostra e para cada ferida o tempo era diferente, após
camadas e camadas de nácar aquela ostra que
fora ferida transformaria sua dor em uma linda e
cintilante pérola.
Havia, portanto, algo de nobre em ser ostra.
Delicadas que eram, poderiam ser feridas por um
pequeno grão de areia, mas carregavam em si a
potência de serem também resilientes e aprenderem
com suas dores e seus sofrimentos. Vivenciar o
processo de transformar cada ferida curada em
uma joia, também lhes trazia grande aprendizagem.
Perceber que em seu interior está a potencialidade
da cura de suas feridas, torna cada ostra mais forte e
consciente de sua capacidade de superação. E, assim,
as ostras mais experientes terminaram de conversar
com as pequenas ostrinhas e foram todas descansar
satisfeitas, reflexivas as e com uma última frase
em seus pensamentos: uma ostra que não foi ferida
não produz pérolas.”
Quando ela terminou de contar a história, eu
ainda estava meio inebriada, então a linda velha
sorriu um sorriso largo, acolhedor e abriu a caixa.
Pude ver o que estava lá dentro: um deslumbrante
48 | GUARDIÃ
colar de pérolas. Em seguida, fui surpreendida por
uma pergunta que me atingiu como a ponta de
uma lança: “Qual é a tua pérola?” Ao ouvir aquela
história, foi inevitável rememorar minhas dores
e sofrimentos. Eram essas histórias, que mesmo
sem me dar conta, carregava em minha bagagem,
carregava sobre meus ombros, carregava no fundo
do peito. Fiquei atordoada, ensaiei dizer alguma
coisa e nada saía.
Nosso ônibus estacionou e a simpática velha
levantou-se, sorriu novamente e me disse: “Tenha
uma ótima viagem!”. Ela seguiu e me dei conta
do quanto os assentos ao redor tinham enchido
enquanto conversávamos. Entrei e fui até o final do
ônibus, onde costumava me sentar. Nem vi onde a
bondosa velha estava sentada, tamanha era a minha
imersão em meus pensamentos, em mim mesma.
Qual seria a minha pérola?
Adormeci de exaustão pouco depois que
o ônibus pegou a estrada. Não dormia bem há
algumas noites e aquele balançar do ônibus, com
o barulho do seu motor, me ninou como a uma
criança. Acordei, ainda de madrugada, quando o
ônibus fez sua primeira parada, por volta das três
horas. Desci, pedi um café com leite e me senti
revigorada. Ali, no escuro da estrada, pude olhar
49 | GUARDIÃ
para minha história sem me enxergar como vítima
dela. Tudo acontece por alguma razão, era uma frase
que eu escutava sempre, embora confesse que não
conseguia compreendê-la na sua profundidade.
Talvez fosse assim mesmo e haveria um motivo para
tudo.
Repassei, em pensamento, minhas mais
profundas dores e brinquei de organizá-las por
categorias, como costumava fazer com os objetos
em minha casa. Percebi que fazia tempo que
não conversava comigo mesma. Tentei chegar
ao que mais me causara sofrimento. Devia ser ali
onde encontraria minha pérola, ou, quem sabe,
ainda não tivesse terminado de produzi-la. Segui
viagem mergulhada em mim mesma, revisitando e
ressignificando minha história e a história dos meus
ancestrais. Tentei entender minhas relações mais
doentias e olhei também para os relacionamentos
que julgava mais saudáveis: o que me unia àquelas
pessoas? No fundo, a grande pergunta que buscava
responder, para mim mesma, era: quem é você?
Durante aquela viagem olhei com outros olhos para
muita coisa que até então criticava e condenava em
minha família. Eles, assim como eu, também tiveram
suas dores profundas e dilacerantes e, ao mesmo
50 | GUARDIÃ
tempo, percebi que todos tínhamos uma capacidade
intrínseca de transformá-las em pérolas.
A fábula da ostra e da pérola suscitou reflexões
muito profundas e novas para mim e, por isso,
considero um divisor de águas na minha vida meu
encontro com aquela velha senhora que segurava
entre suas mãos uma pequena caixa de madeira por
ela entalhada. Ela tinha seu colar de pérolas e, agora,
eu estava começando a compor o meu. Certamente,
não seria mais a mesma mulher que chegou perdida
naquela rodoviária, estava começando a vislumbrar
meu norte, a direção para a qual iria seguir. No final
da viagem, em nossa última parada, estava radiante
e pedi àquela senhora para sentar-me ao seu lado.
Ela sorriu e pareceu feliz com a companhia, então
pude lhe contar que havia, finalmente, encontrado
minha pérola!
u u u
51 | GUARDIÃ
REFLEXÕES
52 | GUARDIÃ
Às vezes, mergulhamos por um tempo
interminável em certas dores, ou recorremos
insistentemente em um mesmo tipo de sofrimento.
Nesses casos, cabe nos perguntarmos o que nos
impede de entrar em um processo de começar a
cobrir nossa ferida com camadas de nácar? Outras
vezes, não conseguimos enxergar nossa ferida
real. Talvez, estejamos na dimensão da resistência
à destruição, ou seja, da negação, que nos afasta
do processo resiliente de sermos capazes de nos
reconstruir.
Após modelarmos nossas pérolas, nos sentimos
motivados a cuidar de quem sofre por algo que já
superamos, em vista disto, temos o ímpeto irresistível
de repassar aos outros nossos conhecimentos
advindos das experiências resilientes. Essa atitude
é muito observada nas rodas de TCI.
54 | GUARDIÃ
Consegue identificar a transformação de uma ferida
antiga em uma pérola?
............................................
.............................................
55 | GUARDIÃ
rica criatividade humana. Em uma relação de troca
dessas histórias, como acontece nas rodas e o conto
sugere, ampliamos nossos olhares sobre diferentes
desfechos para problemas semelhantes.
56 | GUARDIÃ
MUITA ESTRELA,
POUCA CONSTELAÇÃO
Você não me convidou para entrar
Vislumbrei a mim mesma num paraíso através de
suas vidraças
Mal sabia quem você era
Nem poderia supor o que encontraria na sua sala
de estar
Desejei fazer parte daquele espetáculo onde assistia
os seus atuarem
E, logo, soube o óbvio: o caminho era por dentro
de ti
Quis saber qual era a senha da porta de entrada
Mas não havia
Apenas algumas pistas diante da casa enevoada Só
que queria estar, como queria!
Sentia que era ali, exatamente ali, que estaria
realizada
59 | GUARDIÃ
192 | GUARDIÃ
APÊNDICE
Bibliografia consultada para a construção se da
parte teórica do livro.
BRASÍLIA/DF
ARACAJU/SE
PSICOTERAPIA REENCARNACIONISTA
Vanja Bastos Mendes
Atendimento psicoterapêutico (crianças e adultos), presencial
e/ou à distância. Rodas de Conversa / grupos temáticos:
gravidez, parto e nascimento; reencarnação, escolhas e
desafios; morte na primeira infância, perda fetal, aborto.
(61) 98172-1722
vanja-psicoterapiareencarnacionista.blogspot.com.br
@psic.reencarnacionista
RECIFE/PE
ESPAÇO FAMÍLIA
Aurea Silva
Serviços Jurídicos e Terapêuticos. Capacitações, Consultorias,
Projetos e Atendimentos em Terapia Comunitária, Mediação
de Conflitos Familiares e Terapia de Família. Polo Formador
em Terapia Comunitária Integrativa, reconhecido pela
Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa -
ABRATECOM.
tcespacofamilia.blospot.com
(81) 99152-3520 / (81) 99902-9291
espacofamilia2013@gmail.com
Sem logomarca
BRASÍLIA/DF
Cenira Freitas
Medicina Oriental: Acupuntura, Auriculoterapia & Florais.
@oriental.medicina
(61) 98128-5288
cenirafreitas@gmail.com
Espaço Terapêutico Cristal
Fabiany Alves
Empoderamento Feminino, Arteterapia Transpessoal,
Homeopatia, Constelação Familiar, Reiki e Massoterapia.
@espacoterapeuticocristal
(61) 98586-3910
fabiany.arteterapia@hotmail.com
@doulamagalimelo
doulamagalimelo
magalimelo.s@gmail.com
CRUZEIRO DO SUL/AC
ARACAJU/SE
Angela Melo Santos Daysiane
Secunda de Souza
Paula Rafaela Ramos de Melo
BELÉM/PA
Andréa Maria Góes Negrão
Priscilla Porto
BRASÍLIA/DF
Alessandra Lima
Auxiliadora Peixoto de Almeida
Caroline Cajango
Débora Morais
Fernanda Bittencourt Vieira
Frankesliny Barbosa
Gildete Felisberto da Silva Pires
Henrique Augusto B. de Matos
Iêda Maria Góes
Karina Gomes Leal
Leila Góes
Luiz Felipe Bastos Borges de Santana
Marcela de Souza Santana
Márcia Góes
Maria de Fátima Mesquita de Araújo
Mayra Del Duca de Almeida Serra
Mércia Ramos Lorentz Emília Góes
Neusa Zimmerman Niceia Tesch da
Silveira Rafael Zanon
Solano Teodoro da Trindade Talita Levay
Ivone Góes Vanessa Rosendo
CÁCERES/MT
Carolina Abreu Neves de Oliveira
SÃO PAULO/SP
Família Góes Cavalcanti Juliana Silveira
Ribeiro
PROMOCIONAL
ENCONTRE ESSE LIVRO NA ÍNTEGRA NO NOSSO SITE
GUARDIÃ EDITORA
http://www.guardiaeditora.com.br
@guardiaeditora contato@guardiaeditora.com.br WhatsApp
+55 xx (61) 98381 6029