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CAPÍTULO II.

FOUCAULT E A SEXUALIDADE

Giddens inicia o capítulo tratando da obra A história da sexualidade, da autoria de


Michel Foucault, em que ele buscou descontruir a noção cunhada de hipótese repressiva, que
consistia na repressão que as instituições modernas exerciam sobre os sujeitos. Nesse sentido,
a ideia de civilização passa a ser associada a noção de controle, que é tido como mais eficaz
sendo interno. No que concerne à dimensão sexual, a hipótese repressiva teria retirado o sexo
das vistas dos sujeitos, ocultando-o e limitando-o.
O poder disciplinar em Foucault aparece como uma forma de repressão; um conceito
associado à emergência da modernidade. Esse poder seria responsável por produzir corpos
dóceis, pois esses seriam dominados e orientados. Mas Foucault passa a conceber o poder
também como algo que mobiliza e não só restringe ou limita, sendo que as reações a ele não
necessariamente serão dóceis. Assim, o poder não está somente associado ao sexo de forma
oposta, contraria, mas ele pode, também, promover prazer. Para ele, a sexualidade deve ser
entendida como uma dimensão em que relações de poder são estabelecidas, sendo um “foco
de controle social”.
Ao contrário do que afirmava a hipótese repressiva, Michel Foucault afirma que a
sexualidade não tem sido ocultada em nossas sociedades, muito pelo contrário, ela tem sido
colocada em discussão. Tendo como foco os séculos XIX e XX, período em que sexo e poder
se relacionam intimamente, o autor vai afirmar que a sexualidade surge como algo secreto,
irrevelável e permeado por perigos. Eram tomadas medidas para coloca-lo em evidencia para,
então, revelar suas consequências e ocultá-lo, mas o autor ressalta que talvez esse demasiado
tratamento tivesse, ao contrário, a finalidade de “organização e desenvolvimento do
individuo, física e mentalmente.” (p.28). Através da ênfase para ocultar, era promovida uma
expansão daquilo que não era considerado dentro de um padrão estabelecido.
Este também foi o caso, prossegue Foucault, das numerosas perversões
catalogadas por psiquiatras, médicos e outros profissionais. Essas diversas
formas de aberração sexual foram ao mesmo tempo abertas a exibição e
transformadas em princípios de classificação da conduta, da personalidade e
da auto-identidade individuais. O propósito não era terminar com as
perversões, mas atribuir-lhes ‘uma realidade analítica, visível e permanente’;
elas foram ‘implantadas nos corpos, furtivamente introduzidas em modos de
conduta indignos’. (p.29)

Com o advento da Contra-Reforma, afirma Foucault, o controle da vida sexual se


acentuou, sendo necessário a partir de então relatar, não somente os atos, mas os pensamentos
e desejos para que fossem analisados à luz de uma estrutura ética. A carne (corpo e alma) era
visto como um lugar de preocupação, de onde emergia o temido desejo sexual. Já no século
XVIII, o autor afirma que a confissão passa da forma de penitência para a forma de um
interrogatório, na tentativa de tornar esse segredo em uma verdade, sendo esse aspecto
característico do período moderno, o registro da verdade. A confissão passa, então, a compor
um processo em que o sujeito incentivado a criar um discurso da verdade acerca da sua
sexualidade, discurso esse que acaba produzindo efeitos para esse sujeito.
A dimensão do sexo passa, então, a ser extensamente investigada por diversos
técnicos, algo que acaba por torna-lo oculto, pois se apresenta como um assunto pouco
própicio a uma simples analise. Foucault afirma que a sexualidade não é algo já existente, ela
se produz a medida que discursos, segredos e verdades, são construídos acerca dela. Esses
discursos levam a criação, de acordo com o autor, de contextos de conhecimento e poder. Um
desses diz respeito a sexualidade das crianças, que ao ser descoberta, foi considerada como
algo anti-natural.
Esse processo é caraterizado como uma invenção da sexualidade, como parte da
constituição e estabelecimento das instituições modernas, pois essas dependem do controle
dos sujeitos. Esse controle teria sido estabelecido a partir do desenvolvimento mecanismos de
controle do corpo com fins de ajuste e melhoramentos das qualidades corporais. Esse é um
fenômeno denominado por Foucault de anátomo-política.
Por fim, Giddens fala sobre os mecanismos da sexualidade discutidos por Michel
Foucault, que consiste em um manejo satisfatório no que concerne ao corpo e ao prazer. O
foco do autor foi a relação desse mecanismo com o eu.

Tópico I
A sexualidade e a mudança institucional

O termo sexualidade, de acordo com Foucault, emerge, no sentido que o atribuímos


hoje, no final de século XIX. Surge associado a uma preocupação em relação a sexualidade
feminina e seu controle. Nesse interim, a sexualidade feminina devia se diferenciar da
masculina e aquilo que, para os homens era considerado normal, para as mulheres era visto
sobre o prisma da anormalidade.
Giddens discorda das concepções foucaultianas relacionadas a um desenvolvimento da
sexualidade, do período vitoriano, caracterizada pelo “fascínio” até mais recentemente, pois
de acordo com ele, há discordâncias importantes entre os dois períodos, em que no primeiro a
sexualidade apresenta-se marginalizada e no segundo momento, tratada como um fenômeno
cotidiano. Giddens ainda afirma que não podemos nos limitar ao poder, corpo e discurso
enquanto mecanismos mobilizadores. Assim, o autor propõe-se pensar a sexualidade a partir
de uma chave interpretativa distinta. Entre as limitações de Foucault na argumentação de
Giddens estão: ênfase na sexualidade em detrimento do gênero, ausência de conexão entre a
sexualidade e o amor romântico, discussão sobre a natureza da sexualidade restrita ao
discurso, além da necessidade de situar a discussão do eu em relação a modernidade.
No que diz respeito a afirmação de Foucault de que o sexo era um segredo
amplamente discutido no período vitoriano, Giddens afirma que a grande maioria da
população não tinha acesso a essas discussões, porque além do restrito acesso, a maior parte
das pessoas não tinha alfabetização, sendo essas questões limitadas ao âmbito técnico. Esse
acesso era ainda mais limitado em relação às mulheres, que possuíam informações quase
nulas sobre o sexo.
Giddens se questiona, então, acerca de como teríamos passado de um período a outro.
Para isso, nosso autor afirma que devemos nos afastar do foco no discurso e examinar
elementos de grande relevância, uns muito antigos e outros mais recentes. O autor situa os
aspectos mais antigos. Afirma-nos que no século XIX os casamentos já eram estabelecidos
para além de fatores econômicos, sendo que o amor romântico e seus ideais já estavam
bastante propagados, o que trouxe uma ruptura do matrimonio com laços de parentesco. Esses
fatores trouxeram uma nova significação não só para o casamento, o que esperar dele e a sua
configuração, mas a ideia de lar também se modifica, passando a ser visto como um lugar
contrário ao ambiente de trabalho. “Maridos e esposas eram vistos cada vez mais como
colaboradores em um empreendimento emocional conjunto, este tendo primazia até mesmo
sobre suas obrigações para com os filhos.” (p. 36). As famílias são, agora, reduzidas em
razão da escolha por ter poucos filhos, fator que foi um marco da dissociação da sexualidade
feminina da gravidez.
No que concerne a esse ultimo aspecto, a redução do tamanho das famílias, o autor
afirma que ele foi tanto condição quanto consequência da criação dos métodos contraceptivos.
Para além de evitar a gravidez, esses métodos significaram uma transformação da dimensão
da vida pessoal, em que a sexualidade, principalmente para as mulheres, passa a ser vista
como flexível, como uma propriedade potencial, algo a ser assumido. Assim, a sexualidade
foi cada vez mais se dissociando da reprodução, incialmente por ser inibida e posteriormente
por ser possibilitada por essas tecnologias.
A emergência da sexualidade plástica foi o fator necessário para o que o autor chama
de revolução sexual e que teria ocorrido nos últimos anos, separando o prazer sexual de
sentimentos como o medo, tanto de gestações repetidas quanto da morte em decorrência do
nascimento do filho. Apesar dessa conexão estabelecer-se contemporaneamente em razão da
Aids, essa situação é diversa da que ocorria anteriormente. A revolução sexual envolve, ainda,
dois aspectos básicos, a autonomia sexual feminina e o florescimento da homossexualidade.

Tópico III
Reflexividade institucional e sexualidade

Giddens concorda com Foucault no que diz respeito ao caráter transformador do


discurso na vida social, mas para ele, esse fenômeno deve ser considerado um aspecto da
reflexividade institucional. O autor chama de institucional, porque é um aspecto básico que
diz respeito a estrutura da vida social moderna e reflexivo, pois elementos “criados” a respeito
da vida social são introduzidos nela e a transformam, tornando-se formas de ação, que são
adotadas pelos sujeitos em suas atividades.
Giddens afirma que essa difusão da reflexividade é um aspecto característico das
sociedades modernas, tendo intima relação com as transformações mais amplas. Essas
transformações foram responsáveis por deslocar a vida social de seu vinculo com a tradição.
O autor afirma que discursos de carater analítico e informativo produzidos acerca da
sexualidade tem tido um amplo impacto, pois ao buscarem conhecer uma dimensão específica
da vida social, acabam, no momento de sua divulgação, despertando novas investigações e
debates, além de se tornarem parte de um domínio publico, que também tem afetado opções e
comportamentos de leigos a respeito do sexo. Essas pesquisas acabam por acentuar a
reflexividade das atividades sexuais. É importante apontar que, segundo Giddens, o caráter
científico dessas pesquisas neutraliza a inquietação moral no que diz respeito a adaptação às
práticas peculiares.
Giddens afirma, então, que discorda com Foucault no que diz respeito a associação
desses aspectos ao confessionário. O autor não vê a psicanalise, a terapia ou o
aconselhamento como formas regulamentadas de confissão do sexo. Para o autor, não se pode
comparar o confessionário à psicanálise, já que no primeiro o sujeito é capaz de informar
acerca de sua conduta enquanto que na psicanalise, o autoconhecimento e a autonomia de
ação são inibidos.
Nosso autor também faz considerações a respeito da maneira como Foucault discute o
desenvolvimento do eu no contexto moderno, sendo que esse autor acaba por situá-lo como
sendo construído por uma tecnologia específica. Para Giddens, a questão do eu é problemática
nas sociedades modernas. A auto-identidade torna-se, com a reflexividade, “aberta” e o corpo,
altamente reflexivo. Nas palavras do autor:
“Hoje em dia, o eu é para todos um projeto reflexivo – uma interrogação
mais ou menos contínua do passado, do presente e do futuro. É um projeto
conduzido em meio a uma profusão de recursos reflexivos: terapia e manuais
de auto-ajuda de todos os tipos, programas de televisão e artigos de
revistas.” (p. 41)

Giddens fala, então, da contribuição de Freud que trouxe à tona a associação entre
sexo e auto-identidade, tendo a psicanalise proporcionado, afirma o autor, um amplo
arcabouço teórico e conceitual que possibilitava o estabelecimento de uma narrativa coerente
do eu, e é algo que também se estende ao corpo. O corpo também tem sido “construído”
reflexivamente. Para Giddens, além do corpo ser um domínio do biopoder, ele é “um portador
visível da auto-identidade, estando cada vez mais integrado nas decisões individuais do estilo
de vida.”
A dieta é um importante elemento da reflexividade do corpo, pois a acentuou. Nesse
sentido, o corpo aparece, tanto situado na dimensão do biopoder de Foucault, mas também
representa uma dimensão em que o controle depende do sujeito que o possui. O que o sujeito
come é parte de seu estilo de vida, orientado pelo conhecimento produzido acerca dessa
dimensão da vida social. “A dieta dissocia a aparência física, a auto-identidade e a
sexualidade no contexto das mudanças sociais que os indivíduos tem que enfrentar.
Atualmente, corpos emagrecidos não atestam uma devoção extática, mas a intensidade dessa
batalha secular.”

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