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CAPÍTULO IV.

AMOR, COMPROMISSO E RELACIONAMENTO PURO

Anthony Giddens apresenta, no início do capítulo, um estudo de Sharon Thompson


que buscou investigar questões, como comportamento e sentimentos, relacionados ao sexo. O
estudo foi efetuado no final da década de 80 do século passado e, por meio dele, a
pesquisadora evidenciou disparidades no que concerne às respostas masculinas e femininas.
Segundo Thompson, enquanto as falas masculinas versavam sobre envolvimentos temporários
e conquistas sexuais, as narrativas femininas estavam permeadas por revelações, ansiedades e
contentamento. Eram narrativas bem estruturadas, que permitiam com que elas relatassem
suas histórias com clareza durante horas a fio; fator que a autora atribui às conversas entre as
mulheres, que as permitiria ensaiar toda a trama vivenciada por elas, além de estruturar
sentimentos e pretensões.

Tópico I

A busca do romance

De acordo com a autora mencionada, a “busca do romance” é um tema que serve


como uma ferramenta para essas histórias. Ele é responsável por vincular a sexualidade com
um futuro antecipado, previsto. Nesse interim, os envolvimentos sexuais significam um
afastamento do caminho em direção ao relacionamento permanente. Nas palavras do autor:
“O sexo é, digamos assim, um instrumento que emite descargas elétricas, com o romance
como busca do destino.” (p. 60). Nesse sentido, o amor romântico se estabelece enquanto o
principio de um envolvimento de um destino buscado, mas que não o é; ele não é mais o
adiamento do sexo em função do aparecimento do relacionamento.
Um elemento evidenciado através da pesquisa de Thompson foi que a diversidade
sexual estaria relacionada, existindo de forma concomitante, a persistência das ideias de
romance, mesmo que essa relação apresente conflitos ou transtornos. O romance era tido
como estimulante tanto entre as meninas lésbicas quanto entre as heterossexuais.
No que concerne à virgindade, as percepções também diferem em relação aos meninos
e as meninas. Para os garotos, a virgindade, ou melhor, a perda dela, está relacionada à um
ganho, sendo um símbolo direcionado ao futuro, ela representa a capacidade masculina e é
algo que precisa ser iniciado precocemente. Já entre as mulheres é considerada como uma
entrega, associada as escolhas de situações certas e à narrativas romantizadas, sendo um
evento prorrogado e servindo como uma avaliação em termos de possibilidade de alcance do
futuro enredo romântico. Como afirmou Giddens: “a busca do romance não é para essas
garotas um conjunto passivo de aspirações – “algum dia o meu príncipe virá.”. Doloroso e
cheio de ansiedade em muitos aspectos, apesar disso é um processo ativo de engajamento com
o futuro.” (p.62)
O que os estudos das autoras trazidas por Giddens mostram é que a liberdade sexual
das mulheres está colocada, mas ela interage com as atitudes masculinas que ainda perpetuam
determinados aspectos do passado. Em razão das obrigações estabelecidas em torno da
imagem feminina, muitas mulheres voltam-se para concepções forjadas como o padrão duplo
e a maternidade e, mesmo quando batem de frente com essas concepções, esse se torna um
fenômeno provisório e propício a reestruturação.
Segundo Giddens, nossa vivência é amplamente reflexiva e devido a isso, afirma-nos,
as mulheres discutem e buscam saber acerca do sexo, sobre relacionamentos e etc, elementos
que interferem em suas posições. O amor romântico, nesse sentido, está relacionado ao
domínio dessas mulheres sobre suas próprias vidas e não ao casamento. Mas, mesmo diante
desses aspectos, a narrativa sobre romance se evidencia.

Tópico II

Mulheres, casamento e relacionamentos

Giddens afirma que a vida independente dissociada do matrimonio é algo recente em


nossa sociedade, estando, contemporaneamente associada à partida da casa dos pais. Mas,
como afirmou Giddens, a maior parte das mulheres associa o início de sua vivência no mundo
externo à ligações que estabelece com o outro.
Mais uma vez, o autor cita estudos que mostram disparidades em relação ao
comportamento masculino e feminino quando os sujeitos ainda não constituíram
relacionamentos, estando à espera dele. Esses estudos pontuam que os homens, ao falaram a
respeito de si mesmos, utilizam-se, de forma geral, do termo eu, enquanto as mulheres
utilizam-se no termo nós. Esse eu manifesto na “fala individualizada”, de acordo com
Giddens, é encoberto, escondido, ou seja, relacionado à “alguém que vai ser ‘amado e
cuidado’ e transformará o ‘eu’ em ‘nós’. (p. 64)
Para Giddens, o casamento e outras formas de laços pessoais íntimos estão sob
drástica transformação. Desse modo, pontua que as mulheres mais velhas, afirma o sociólogo,
diferente das mulheres contemporâneas, tiveram que estruturar suas vidas fundamentando-se
no casamento. Ele cita o estudo feito por Emily Hancock que, entre outros elementos, mostrou
como o matrimônio era tido como o núcleo da vivência de uma mulher. Ao tratar dessa
questão, Giddens cita resultados obtidos pela pesquisadora que mostram-nos como, em dois
casos distintos, o casamento poderia ser visto como uma armadilha, como uma “declaração de
independência” e como um instrumento na edificação de uma auto-identidade permanente. Ao
entrarem em contato com transformações no casamento, no trabalho e na vida familiar, essas
mulheres tiveram a necessidade de reformular, também, suas auto-identidades. O que essas
histórias nos mostram ainda é que, mesmo dando importantes passos em relação a padrões
estabelecidos, como a negação da “domesticidade confinada”, essas mulheres não rejeitaram
de forma radical outros pressupostos.
Giddens situa o casamento e sua associação com a independência como um paradoxo.
Ainda no início do período moderno, o casamento era associado de forma necessária ao amor
e, mesmo diante desse fato, as mulheres estavam percorrendo direções novas. Teria havido, de
acordo com o sociólogo, uma separação entre o casamento e fatores externos e esse elemento
foi algo que impactou, de forma muito mais drástica as mulheres. No caso dos homens, por
exemplo, o casamento significava um recurso em relação a autonomia econômica. Nas
palavras do autor:
Para os homens, colonizar o futuro em termos de uma carreira econômica
prevista significava deixar de avaliar de forma paralela, mas
substantivamente muito diferente, de colonizar o tempo, proporcionada pelo
amor romântico. Para eles, pelo menos aparentemente, ao amor permanecia
mais próximo ao amour passion. (p. 68)

Nesse momento, o autor traz o conceito de relacionamento puro que, segundo ele,
seria parte do processo de reorganizar da dimensão da intimidade. O conceito é utilizado para
designar um fenômeno específico, dizendo respeito ao cenário em que os relacionamentos são
estabelecidos pela própria relação e se mantém se as partes julgarem que essa relação possui
aspectos satisfatórios para ambos os lados. Nesse sentido, o relacionamento puro vincula
casamento e sexualidade, que anteriormente estavam vinculados ao amor; o próprio
casamento tem-se direcionado de forma cada vez mais ampla ao relacionamento puro. Ele
está, ainda, presente em outros tipos de relacionamento além do heterossexual e, em alguns
casos, surge de forma concomitante a sexualidade plástica. Por ultimo, o autor ressalta a
relação entre relacionamento puro e amor romântico, sendo que este colaborou para o
surgimento do primeiro no âmbito da sexualidade, mas que, torna-se enfraquecida muito em
razão de influências criadas por ele mesmo.

Tópico III

Mulheres, homens, amor romântico

Nesse momento, nosso autor busca tratar a relação da dimensão masculina com o amor
romântico. Giddens afirma que a noção de amor romântico foi desenvolvida e dissolvida de
forma primária pelas mulheres, mas se questiona qual seria a parcela masculina nessas
transformações e processos. Desse modo, o autor vai apresentar uma interpretação do
processo de mudança do amor romântico, processo em que os homens não participaram de
forma efetivo, encontrando-se um passo atrás diante das transformações contemporâneas, que
vem ocorrendo desde o século XVIII.
Em tempos passados, o homem fazia história enquanto a mulher permanecia à parte.
Mas o mundo contemporâneo é um período em que os homens descobrem a masculinidade
que, segundo Giddens, seria uma masculinidade problemática.
Giddens explica que o amor romântico, no decorrer dos últimos dois séculos, também
exerceu influência sobre os homens, mas isto ocorreu de forma diversa em relação a parcela
feminina da população. Segundo o autor, uma influência demasiada do amor romântico sobre
um homem era considerada como algo que fugia do padrão, pois estes teriam “sucumbido ao
poder feminino”. A atitude de um homem se apresentar de forma submissa diante de uma
mulher, afirma-nos o autor, não é algo compatível com as recentes transformações na
intimidade, pelo contrário, significam uma regressão ao passado. Mesmo deixando de lado a
divisão entre mulheres “respeitáveis” e “impuras”, essa relação não é pautada na igualdade,
pois esse homem forja sua vida em detrimento daquela mulher. O amor, nesses casos, não é
uma forma de organizar a vida pessoal em termos de colonização do futuro e auto-identidade.
Em relação as amplas transformações ocorridas nos diversos âmbitos da vida pessoal,
os homens mantiveram-se, como já mencionado, à parte desses desenvolvimentos que
afetaram a intimidade. Para eles, o amor romântico conflituava com a dimensão da sedução. O
ato de se apaixonar vinculava-se ao acesso a mulheres consideradas virtuosas e a associação
do amor romântico com a intimidade era, por eles, anulada. Como afirmou Giddens, “os
homens tenderam a ser ‘especialistas em amor’ apenas com respeito às técnicas de sedução ou
de conquista.” (p.71)
Durante o século XIX, conta-nos, as mulheres passaram a ser situadas numa esfera
ainda mais desconhecida pelos homens, muito em razão dos discursos produzidos acerca delas
e de sua sexualidade. E, ao se questionar a respeito do que anseiam os homens, Giddens
aponta que o status diante dos outros homens seria um elemento de extrema importância para
eles que seria sustentado por gratificações de cunho material, além daquelas produzidas por
“situais de solidariedade masculina.” O projeto reflexivo do eu, afirmou, está associado a uma
reedificação da dimensão emocional presente no passado, para daí planejar/projetar uma
narrativa coerente direcionada para o futuro. Mas, em relação aos homens, essa busca pela
auto-identidade estava alicerçada no trabalho, sendo que a confiança dos homens nas
mulheres, confiança inconsciente vale ressaltar, não colocava em evidência que essa
construção da auto-identidade esatava baseada na dependência. Por fim, Giddens afirma que o
que os homens ansiavam era algo já alcançado pelas mulheres.

Tópico IV
Amor romântico versus amor confluente

As questões em torno da autonomia tanto social quanto sexual das mulheres impacta
de forma relevante os ideais do amor romântico, fragmentando-os, isso porque, de acordo
com Giddens, o amor romântico não é compatível com o relacionamento puro. Como
explicou-nos o sociólogo, o amor romântico está associado a uma identificação projetiva, ou
seja, ou identificar-se com o outro, o sujeito que se apaixona projeta um futuro compartilhado.
Essa identificação projetiva é um dos aspectos que levam elementos do amor apaixonado,
responsável pela atração mútua e, por conseguinte, o estabelecimento da relação. A projeção é
apresentada pelo autor em termos de uma sensação de completude, de totalidade que seria
acentuada em razão das dimensões feminina e masculina, por serem esferas compostas e
caracterizadas por aspectos opostos.
Nesse processo, o conhecimento acerca dos atributos do outro se dá a partir da
intuição mas, em alguns casos, essa projeção não está associada ao estabelecimento de uma
relação que teria sua perpetuação pautada na intimidade. O amor confluente, afirma-nos,
depende de uma abertura das partes envolvidas e esse fator é contrário a identificação
projetiva, mesmo que, em alguns casos, essa identificação abra caminho até o amor
confluente. Desse modo, o amor confluente não apresenta concordância em relação ao amor
romântico.
Entre os elementos que o autor aponta como característicos do amor confluente e
responsáveis por diferi-lo do amor romântico está na caráter ativo e efêmero do amor, distinto
do amor romântico, que anseia pelo “para sempre” e pela “exclusividade”. O foco aqui não
está na busca de uma pessoa cujos atributos sejam considerados especiais, mas em uma
relação que apresente esses aspectos. No amor confluente, a transferência e recebimento
emocionais são proporcionados em termos de igualdade, elementos que aproximam um
relacionamento do modelo de relação pura, além de que, o amor nesses casos, se desenvolve à
medida em que se a intimidade se desenvolve. Nesse sentido, o autor afirma que a separação e
o divórcio seriam um efeito do surgimento do amor confluente e não sua causa, já que o
sustentáculo da relação está justamente nos benefícios dessa relação.
Já no caso do amor romântico, a situação é diversa. Esse “tipo” de amor possui um
equilíbrio em termos de gênero, possui o elemento igualitário vinculado à noção do
relacionamento erigido entre duas pessoas sem vínculos com aspectos externos. Mas, o amor
romântico encontra-se dissociado do poder, pois no amor romântico, no caso das mulheres,
por exemplo, conduz a uma submissão doméstica. Voltar nessa questão do poder.
O desenvolvimento da intimidade, relacionado ao exercício do amor confluente, está
relacionado a preparação de ambos os sujeitos envolvidos na relação, de expressar
preocupação e também necessidades em relação ao outro, manifestando, ainda, que é
vulnerável a esse outro. De acordo com o sociólogo, os homens possuem uma dependência
emocional encoberta, fator que tem sido um obstáculo para que eles propensos e capazes de
tornarem-se vulneráveis diante de suas parceiras. Como afirmou Giddens, “O ethos do amor
romântico tem de certo modo sustentado esta orientação, no sentido de que o homem
desejável tem sido com frequência representado como frio e inatingível” (p. 73). Mas o amor
confluente teria a capacidade de diluir esses elementos, que possibilita o reconhecimento da
vulnerabilidade emocional masculina.
Giddens nos afirma que, com o amor confluente é introduzido no interior do
matrimônio a ars erótica, elemento que não estava presente no amor romântico, apesar deste
ser um amor sexual. A partir do amor confluente o prazer sexual mútuo se torna um elemento
central para a perpetuação do casamento e a própria dimensão sexual passa a ser
reflexivamente orientada em meio a conhecimento reflexivamente produzido e disseminado.
O amor confluente traz aspectos outrora ausentes no amor romântico, como a não
distinção entre as mulheres, antes diferenciadas entre respeitáveis e não respeitáveis, o
relacionamento não necessariamente monogâmico, sendo a exclusividade está presente
quando se julga que assim deva ser, de modo que as relações pautam-se em uma aceitação das
partes. Toda a sociedade passa, agora, a ter a possibilidade de se realizar sexualmente. Além
disso, o amor confluente não está ligado de maneira intrínseca à heterossexualidade. Em
relação a este ponto, o autor pontua que, mesmo entre os relacionamento homossexuais, há
uma distinção entre feminilidade e masculinidade e aponta, ainda, que o amor romântico
estaria para além da diferença sexual. Mas o amor romântico tem sido, em grande parte,
orientado pelo casa heterossexual. No caso do amor confluente, pressupõe um arquétipo de
relacionamento em que o ponto central é o conhecimento das especificidades do outro com
quem se relaciona. Nesse sentido, até mesmo a sexualidade é um elemento que precisa ser
negociado como parte integrante da relação.

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