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Capítulo IX.

SEXUALIDADE, REPRESSÃO, CIVILIZAÇÃO

Tópico I

Sexo e repressão: Reich

Giddens situa, de inicio, a abordagem de um psicanalista “sexual radical”, chamado


Wilhelm Reich. De acordo com ele, a sexualidade genital seria a chave para os sofrimentos do
período moderno. Ele se refere, em uma de suas obras, aos homens que seriam “escravos da
convenção, neuróticos que se acreditam saudáveis”. (p. 176). Esses, a quem ele se referiu,
tinham uma neurose oriunda do bloqueio de sua energia sexual, mas embora tivesse tal
concepção, o psicanalista não era favorável a uma desenfreada licenciosidade sexual. Ele
afirmava que a felicidade estava alicerçada na sexualidade, sendo ela sua principal fonte,
sendo assim, a sexualidade era, para ele, oposta ao poder. As pessoas deveriam se livrar dessa
“sexualidade dirigida”.

(...) quem é feliz está livre da sede de poder. Alguém que tem a “sensação de
uma vida viva” tem uma autonomia que vem da nutrição das potencialidades
do eu. A sexualidade orientada para o ‘abraço amoroso’ proporciona um
caminho além da dominação – uma rota, segundo Reich, para a liberdade das
restrições do desejo sexual desmascarado. (p.177)

Para se chegar a esse cenário, Reich afirma que é necessário, além de uma reforma
política, uma reforma “do caráter da massa”. Caráter na perspectiva do autor significa uma
armadura que o individuo cria para se defender, interna e externamente e suportar os dilemas
de sua vivência; ele atinge um estado rígido, é uma “deformação do ego” que se fortalece por
meio de situações frustrantes ou pessoas que causaram situações frustrantes. Esse processo
ocasiona uma ansiedade que atinge o eu, que tem suas energias refreadas, resultando em um
bloqueio. Com a redução dessas energias, os impulsos sexuais ficam protegidos, emergindo
apenas de forma compulsiva.
Reich afirma que pode haver um “equilíbrio neurótico”, que ocorre por meio de uma
distorção do divertimento espontâneo oriundo do prazer sexual por elementos como o
sadismo, a cuspidez ou egoísmo. O caráter pode, ainda, produzir felicidade. Assim, o método
de Reich se dá a partir da ruptura do equilíbrio neurótico através da “libertação da libido de
fixações pré-genitais.”
Para Reich, a cultura moderna é repressiva, mas descorda de alguns pontos discutidos
por Freud, como a afirmação de que a destrutividade é produto da libido frustrada. Ele
afirmou que a sociedade moderna, sendo patriarcal, centralizou o casamento monogâmico que
desempenhou um papel relevante do desenvolvimento de aspectos autoritários,
fundamentando o sistema social explorador. A liberdade sexual é importante, para Reich, no
sentido de que ela está associada a saúde sexual. O psicanalista enfatizou os direitos sexuais
das crianças e adolescentes, cada um guardando suas particularidades. Ele considerava, ainda,
a homossexualidade como resultado da libido frustrada e declinaria, desaparecendo com a
libertação sexual.

Tópico II

Herbert Marcuse

Giddens afirma que Marcuse também buscou o potencial liberativo da obra de Freud.
Em Marcuse, há uma recuperação da libido, mas se mantem o instinto de morte como “uma
advertência cautelosa dos limites do puro prazer.” Na sociedade moderna, a “repressão
básica” dos caminhos de vida e de morte, existente em toda civilização, possuem uma
acentuação, oriunda de uma disciplina econômica, introjetando um alto nível de “repressão
histórica e dispensável”. Quando um indivíduo se adequa ao “princípio da realidade”, que
segundo Freud caracteriza-se pelo adiamento da gratificação, ele está “respondendo às
exigências de uma forma de dominação exploradora.”
Marcuse, ao interpretar Freud, dá ênfase ao inconsciente e aponta que esse retorno
proporcionaria uma forma bastante eficaz para a crítica social radical. O autor critica a
psicologia do ego, que aceitaria o mundo da forma como ele se evidencia. No que concerne
aos instintos, o autor afirma que por meio deles “podemos mostrar os mecanismos de
repressão e podemos dar um conteúdo à promessa emancipatória da modernidade”. (p182)
Essa emancipação, para o psicanalista, está relacionada com mudança em termos conceituais,
que envolvem a dissociação da repressão em repressão básica e excedente, além de
acrescentar o princípio da realização ao princípio da realidade, que consiste no enfrentamento
da “realidade histórica de uma ordem social particular” (p.182) e não da realidade em si. Essa
repressão estaria associada a um “ascetismo interno”, ou seja, o sujeito segue as instituições
modernas como uma doutrina, falando em termos internos; ao superar essas instituições,
haveria um distanciamento dessas formas de repressão, pois elas são um “excedente às
exigências.” “Por exemplo, o que Marcuse descreve como sendo a família ‘monogâmica-
patriarcal’ é uma forma social em que há um excedente de repressão. Entretanto, concentra
grande parte de sua atenção principalmente na repressão excedente no contexto do local de
trabalho.” (p.182)
O prazer, colocado em primeiro lugar, seria a saída para a emancipação. O corpo des-
erotizado estaria ligado à disciplina do trabalho moderno, que estaria ameaça se a libido se
libertasse da repressão excedente. “A busca do sensual golpeia o coração da repressão
excedente e, por isso, tem um gume inerentemente crítico.” (p. 182-183)
Marcuse pontua a afirmação de Freud de que o caráter repressivo da civilização estaria
associado à exclusividade dos relacionamentos sexuais. De acordo com Marcuse, o amor
sexual é libertador em dois sentidos, sendo vinculado ao respeito ao outro como um igual –
devido à isso, traz o declínio da família monogâmica-patriarcal – e sendo compatível com a
cidadania social. Para o autor, a obra de Freud é tão conservadora quanto revolucionária,
quando este aborda as necessidades psíquicas da modernidade. Para Freud, “o narcisismo
primário” é algo que perdura na modernidade como uma neurose e como uma “realidade
alternativa”, podendo gerar, em relação a sexualidade, um sentimento “de unidade com o
universo”. Ele seria uma “adaptação defensiva ao mundo exterior por meio de um
afastamento deste, revela um potencial para a transcendência.” (p. 184).
Para Marcuse, Freud afirmou que no decorrer do desenvolvimento psicossexual, as
crianças assumem uma forma de erotismo corporal generalizado, que posteriormente será
centralizado nos órgãos genitais, diferindo das meninas que possuem um erotismo difuso. O
autor afirma que Freud não notou que essa centralização seria uma limitação colocada pela
ordem social moderna, em outras palavras, “‘a tirania genital’ resulta do fato de que a libido
tem sido despojada das partes do corpo necessárias à participação no trabalho industrial”. (p.
184). Para uma transformação, seria necessário o restabelecimento do sentido do erotismo e
uma “re-sexualização do corpo”. As “perversões”, como a homossexualidade, são vistas por
Marcuse como “críticas comportamentais ao regime da sexualidade genital”.
Para Marcuse, o instinto de morte não é algo que somente possui um caráter
destrutivo, pois o misto entre instinto de vida e de morte resultariam na criatividade humana,
sendo que o problema da civilização moderna se localiza da dissociação do instinto de morte
de sua relação com a energia da libido. O impulso de vida teria ficado restrito ao trabalho, que
precisaria ser liberado para, por conseguinte, liberar a repressão excedente e juntar o instinto
de morte com as fontes de prazer sexual.
“A liberação do trabalho pesado permite a re-erotização não apenas do corpo
mais da natureza. Pois a preeminência da sexualidade genital está associada
a uma perspectiva instrumental em relação ao ambiente natural. A
“sublimação não-repressiva” seria uma base para uma renovada harmonia
com a natureza” (p. 185)
Uma sociedade não repressiva seria aquela que não possuiria a repressão excedente,
somente a repressão básica. Para Marcuse, esse tipo de civilização seria repressiva em termos
psíquicos, pois estaria em meio a um processo de reversão/destruição, para posteriormente
melhorar.

Tópico III

As possibilidades do radicalismo sexual

No que concerne à afirmação de que a civilização moderna é repressiva, surge uma


dificuldade que diz respeito ao “fascínio publico pelo sexo”. O desenvolvimento das
instituições modernas está associado não a repressão, mas a ênfase. Em relação a esse ponto,
Marcuse afirma que liberação difere de permissividade e que a sexualidade teria sido
transformada em mercadoria e o erotismo teria sido eliminado. Nesse sentido, afirmou-nos a
sexualidade era vista por um viés antagônico nesse período, sendo esse fator melhor do que a
instauração de uma “liberdade sexual” que mascara a opressão por uma aparência de liberação
do prazer.
Giddens afirma que as ideias dos dois autores discutidos anteriormente são pouco
defendidas, pois apostam na hipótese repressiva, negada por Foucault em A História da
Sexualidade. Mas Giddens, abstendo-se da questão da repressão, começa a discorrer acerca da
distância entre as concepções de Marcuse, Reich e Foucault. Para o ultimo, a permissividade
sexual da contemporaneidade é uma questão de poder e não está associada a emancipação,
aspecto do qual discordam Marcuse e Reich.
Giddens começa a pontuar, então, as limitações desse pensamento, denominado como
“radicalismo sexual” e, para isso, mobiliza outros autores além de Foucault. A questão de
gênero e as transformações que modificaram as relações íntimas na modernidade não são
abordadas por esses autores. Nas palavras de Giddens, em ambos os autores
(...) não encontramos qualquer teoria sistemática do gênero e do amor como
instâncias revolucionárias de influência. A sexualidade é, em geral, descrita
como se fosse andrógena, um resultado direto de se seguir uma concepção da
libido que é anônima em relação ao gênero. (p.187).

O sociólogo pontua que tanto Reich quanto Marcuse não abordaram os efeitos da luta
das mulheres tanto no ambiente doméstico quanto em outras dimensões. Marcuse,
particularmente, não se preocupa com a questão do amor e, quanto enfatiza os problemas da
modernidade, o faz detendo-se àqueles dominados pelos homens, como por exemplo, quando
centra-se no trabalho. “Supõe-se que o amor esteja, mais uma vez, ‘em algum lugar dos
bastidores’ como uma especificidade das mulheres, em que na verdade, ela se transformou.”
(p. 187)
Giddens afirma que Reich e Marcuse não explicaram as origens da permissividade que
discutem, pois radicalizaram a teoria da civilização e da repressão de Freud. Giddens explica
que, se as instituições modernas dependessem da repressão sexual, essa repressão aumentaria
com o progresso do desenvolvimento das instituições. O sociólogo pontua ainda que, a
afirmação de que a permissividade seria uma forma distorcida da sexualidade, é o mesmo que
considerar um processo de crescente liberalização, sem apontar como ele teria de fato
ocorrido.
Já Foucault centra-se na atenção direcionada ao sexo pela sociedade ocidental e
pretende solapar a ideia de repressão. Para o filósofo, essa ênfase na sexualidade é produto da
vigilância como uma forma de produzir poder, que estava anteriormente localizado no corpo
enquanto uma máquina e, posteriormente, “sobre processos biológicos que afetam a
reprodução, a saúde e a longevidade.” (p.188) As sociedades da modernidade estariam
baseadas no poder de desenvolver a vida, de preservá-la e, assim como a natureza, que por
volta do século XVIII, está sob o controle e domínio humano.
Para Foucault, a preocupação com o sexo estava relacionada ao fato dele ser o
principal ponto de vinculação entre duas influências sobre o desenvolvimento corporal, uma
forma de acesso a vida do corpo e a vida das espécies. A sexualidade permeada por relações
de poder fez com que o sexo se tornasse um mistério, mas que também fosse um elemento
desejado, para estabelecer nossa individualidade. Desse modo, para Foucault, quando Reich
crítica a repressão, essa crítica era “prisioneira daquilo que ela procurava liberar.” (p. 189)
Giddens afirma que o poder, no sentido de Foucault, é um poder que “realiza coisas
por sua própria vontade” (p. 189) e que envolviam questões de gênero, “o poder de gênero.”
As mulheres tiveram negada a sua capacidade para o prazer sexual, “exatamente ao mesmo
tempo em que estavam começando a construir uma revolução infra-estrutural.” (p.189). O
amor, no sentido do individualismo afetivo, foi importante na transformação da vida íntima.
E, conclui Giddens: “Estas mudanças não se originaram com o Estado, ou do poder
administrativo em um sentido mais geral. Se for aceito, como deve ser, que o poder é tanto
distributivo quanto gerativo, podemos dizer que elas derivaram, não do poder, mas da falta de
poder.” (p.190)
Ao tratar da forma mais dinâmica com a qual a forma restritiva biopoder se deu,
Foucault afirma que a forma restritiva foi dominada pela necessidade de se produzir uma
força de trabalho complacente e a forma mais dinâmica teria ocorrido posteriormente ao
desenvolvimento no século XX, “em que o poder do trabalho não tinha mais de estar sujeito
ao mesmo grau de controle direto” (p. 190). Após essa transição, a sexualidade teria sido
conduzida para “uma diversidade de circuitos sociais, sendo quase totalmente difundida desse
modo”. (p.190)
Giddens não se convence com essa explicação. Para Foucault, o fascínio em relação ao
sexo emerge da expansão da sexualidade como um fenômeno discursivo, que passa a estar
difundido em áreas em que não se encontrava. Mas, para Giddens, o biopoder não dá conta de
dar entendimento às transformações nas condutas sexuais e aspectos relacionados. Para o
sociólogo, “tais mudanças são, pelo menos em parte, o resultado de uma luta, sendo
impossível negar que haja envolvimento de elementos emancipatórios.” As mulheres
alcançaram liberdades sexuais significativas em relação a períodos passados e há, na
contemporaneidade, um maior diálogo em relação a sexualidade em que a totalidade das
pessoas está envolvida.

Tópico IV

Repressão institucional e a questão da sexualidade

Para tratar da relação entre poder e sexualidade, Giddens parte da afirmação de que o
poder por si só não realiza coisa alguma e aquilo que o gera, bem como os aspectos de sua
distribuição estão associados a atributos relacionados à organização social, sujeitos em
contextos específicos, ações de grupos e conjunturas e formas de reflexividade. Giddens
afirma que a sexualidade não é oriunda do poder e sua difusão não está relacionada à sua
importância para o poder.
Giddens afirma que, ao invés de falarmos em biopoder, que para o sociólogo não é
algo que existe, devemos falar em distinções de transformações em um nível de organização
institucional e um nível pessoal. Nas palavras do autor, “o desenvolvimento administrativo
das instituições modernas deveria ser separado da socialização da natureza e da reprodução.”
(p. 191). Afirma ainda que, devemos separar a socialização da natureza e da reprodução do
projeto reflexivo do eu e das transformações da vida íntima associadas a esse projeto.
Ao tratar da vigilância, discutida por Foucault, Giddens concorda com o filósofo em
relação à sua afirmação de que, com a expansão dos sistemas de poder, varias esferas da vida
pessoal, incluindo a sexualidade, foram tomadas e reestabelecidas. Há uma introdução de
diversas organizações nas ações e atividades dos sujeitos, como, por exemplo, o Estado. Mas
Giddens pontua que a criação desse tipo de poder, o poder administrativo, seria um fenômeno
mais caracteristicamente dialético do que pontuou Foucault. A expansão da vigilância
proporciona espaços de mobilização e para o poder compensatório e, nesse sentido, afirma
Giddens, “uma sociedade de reflexividade institucional desenvolvida é uma sociedade
altamente sobrecarregada, tornando possível a existência de formas de engajamento pessoal e
coletivo que alteram muito substancialmente o domínio sexual.” (p. 192)
Uma das características das sociedades modernas é a referencialidade interna, ou seja,
a organização das atividades dos indivíduos é determinada por princípios internos,
diferentemente de como ocorria em contextos pré-modernos. Giddens afirma que, com o
surgimento das instituições modernas, essas influências externas tonaram-se mais sujeitas à
intervenção social. Aspectos como o desvio, por exemplo, foi uma invenção que “socializou
um conjunto heterogêneo de características externas, entre eles a pobreza, a vadiagem e a
loucura, todas aquelas que um dia foram consideradas como parâmetros naturais da existência
como ‘concedidos pela vontade de Deus’. (p. 191). Giddens afirma que o desvio foi uma
construção social que também foi separado de âmbitos da atividade social que, de acordo com
o autor, se deu por um processo de sequestro.
O sequestro da natureza e da sexualidade está associado à socialização da reprodução.
Giddens afirma que a contracepção moderna é uma expressão em termos tecnológicos da
reprodução enquanto um “sistema internamente referencial”, mas ela não é aquilo que a
impulsionou. A principal fonte da reprodução enquanto um sistema internamente referencial
foi a dissociação da reprodução de “condições malthusianas”. As famílias se diminuem e o
desejo por ter filhos relaciona-se a um interesse autônomo. Emergem, daí, a invenção da
maternidade e da infância. Entretanto, a auto-identidade passa a ser um elemento organizado
reflexivamente e o referencial interno emerge como uma forma de os sujeitos organizarem
suas atividades; nesse momento a sexualidade se transforma em uma propriedade do sujeito.
Nas palavras de Giddens:
Assim constituída, a sexualidade sai de cena, sequestrada tanto em um
sentido físico quanto em um sentido social. Ela é agora um meio de criarem-
se ligações com os outros tendo como base a intimidade, não mais se
apoiando em uma ordem de parentesco imutável, mantida através das
gerações. A paixão é secularizada, extraída do amour passion e reorganizada
como a ideia do amor romântico; é privatizada e redefinida. (p. 192)

A ruptura entre as instituições modernas com a tradição e a inserção dos sistemas de


controle dessas mesmas instituições no que o autor chamou de “limites externos da ação
social” é o processo que culmina no “sequestro da experiência”. Esse sequestro tem efeitos,
como a dissolução de princípios, tanto morais quanto éticos, que vinculavam as atividades
sociais com elementos como a natureza, a reprodução e a transcendência. A vida social da
modernidade oferece uma segurança que é oriunda da rotina e esse aspecto foi substituto do
processo mencionado. Essas rotinas, quando são rompidas, impactam o sujeito que fica
debilitado em termos morais e psicológicos e essa vulnerabilidade não seria neutra em relação
ao gênero.
Anthony Giddens afirma que o sequestro é uma forma de repressão, embora não
envolva uma culpa crescente. Ao invés disso, o autor fala em mecanismos de vergonha que se
ligariam com os mecanismos relacionados à ansiedade da culpa. A difusão dos sistemas
internamente referenciais da modernidade está vinculado a crescente propensão à vivência da
vergonha, que consiste no sujeito se sentir inútil, com uma vida vazia e enxergando seu corpo
como uma instrumento inadequado.
O projeto reflexivo do eu tem que ser assumido na ausência de conteúdo ético e a
atividade sexual está propensa a estar acompanhada por esse vazio, na busca ilusória de uma
sensação de realização. Para os homens, ele está relacionado a superação dos sentimentos de
inadequação que impactam o menino que renuncia à mãe e, em relação à menina, está
associado à busca do romance, com o pai que é ao mesmo tempo desejável e inacessível. Mas
nos dois casos há a busca pelo amor. (voltar no ultimo paragrafo)

Tópico V

A modernidade como uma obsessão

Nesse tópico, nosso autor vai tratar da afirmação de que, na sociedade moderna, há
uma preocupação generalizada em direção ao sexo. Em primeiro lugar, o autor considera a
perspectiva de Marcuse, que afirmou que o principal ponto dessa atenção se daria em razão da
transformação do sexo em mercadoria. Giddens afirma que essa ideia, e as considerações que
emergem dela, possuem limitações obvias, pois ela não seria de explicar aspectos como a
importância do sexo. Outra interpretação é a de Foucault, que afirmou ser o sexo uma
“verdade”, “o âmago de um principio confessional generalizado da civilização moderna”.
Para Giddens, essa interpretação também não é suficiente. Outra interpretação poderia
direcionar-se para o vício no sexo. O comportamento sexual compulsivo é uma das evidencias
da centralidade que o sexo adquiriu em nossas sociedades. Giddens afirma que, se levarmos
em conta apenas a dimensão descritiva, essa explicação é satisfatória, mas temos que levar em
conta a gênese desse cenário e como isso ocorreu em uma sociedade marcada pela repressão
sexual.
Na concepção de Giddens, o sequestro ou privatização da sexualidade, processo
decorrente principalmente da repressão social, foi parte do processo que envolveu a invenção
da maternidade e relacionou-se com a reclusão/negação da sexualidade feminina e da
aceitação da sexualidade masculina como algo não-problemático. Para Giddens, todo esse
conjunto de processos foi uma reestruturação de divisões antigas entre os sexos, que foram
reorganizadas em um formato institucional novo. O autor afirma que “quanto mais a
sexualidade desassociou-se da reprodução e integrou-se em um emergente projeto reflexivo
do eu, mais este sistema institucional de repressão ficou sob tensão.” (p.196) (Voltar)
Essa tensão, a qual se encontrava o sistema de repressão, assim encontrava-se em
razão do alheamento das mulheres da dimensão publica. Ficou à cargo das mulheres a
condução da transformação da intimidade que emergia. O autor explica que a preocupação
masculina com a sexualidade feminina estava relacionada ao não conhecimento de ambiente
da intimidade e da auto-identidade, pois essas eram dimensões reestruturadas em que os
homens não detinham o acesso. Esse é o argumento de Giddens para explicar a atenção
generalizada dada ao sexo, pontuando que haviam diferenciações entre homens e mulheres.
Para as ultimas, o amor, tanto em relação aos filhos quanto em relação aos homens, era uma
forma de comunicação e auto-desenvolvimento. Já para os homens, a conduta sexual torna-se
compulsiva, fazendo com que ela se tornasse desprendida dessas transformações. No que
concerne à reestruturação da intimidade, o autor aponta que as demandas do prazer sexual
feminino significaram um importante elemento, estando em paralelo com outras
reivindicações, como a busca por ingresso na esfera publica.

Tópico VI

Emancipação sexual

Ao tratar da questão da emancipação sexual, Giddens afirma que foram elaboradas


muitas interpretações que, em grande parte, tratavam do tema da sexualidade plástica. O autor
pontua que a explicação da homossexualidade pelo viés biológico foi superada, que as
“perversões” são tidas como manifestações das possibilidades de uma sexualidade revelada e
de uma auto-identidade definida e o ato de reconhecer as várias tendências sexuais está
associado à aceitação de que existe uma pluralidade de estilos de vida e que isso seria uma
conduta política.
Giddens afirma que o “pluralismo sexual’, que busca uma desenvolver “indicadores
para a escolha sexual”, se situam como uma tentativa de emancipação. O autor pontua que seu
valor radical está no reconhecimento de que a “sexualidade normal” é uma modalidade de
estilo de vida entre outros existentes. Mas, para Giddens, esse é um programa vago que
enfrenta problemas justamente por focalizar a escolha. O sociólogo não considera possível
que um “ponto de vista” seja capaz de ir contra a disciplina da ordem social ou considerar as
formas excêntricas de sexualidade como uma vanguarda sejam capazes de combater a
ortodoxia. Esse pluralismo sexual tem que oferecer algo a mais.
Giddens pontua que a sexualidade tem importância na modernidade devido a
associação de dois processos, o sequestro da experiência e a transformação da intimidade. O
autor afirma que a dissociação entre sexualidade e reprodução e a socialização da reprodução
se desenvolveram como formas de comportamento tradicionais, que tiveram sua moralidade
“substituída pelas ordens internamente diferenciais da modernidade”. (p. 198) Nesse ínterim,
o que era considerado natural passou a ser socializado e, afirma o sociólogo, a dimensão das
atividades pessoais e das interações começam a se transformar, como resultado desse processo
de socialização. “A sexualidade funciona como uma metáfora para essas mudanças e é foco
para a sua expressão, particularmente com respeito ao projeto reflexivo do eu.” (p. 198)
Os individuos foram separados das principais referências morais que organizam suas
vidas na pré-modernidade e isso se deu em razão do “sequestro da experiência.” Na pré-
modernidade, a relação com a natureza e a sucessão de gerações eram elementos organizados
por práticos de cunho tradicional e por símbolos relacionados á religião. Com a difusão dos
sistemas de referencialidade interna, os sujeitos são protegidos dos dilemas oriundos de
questões existenciais, mas essas questões ficam sem resposta. (Voltar na ultima frase)

Conclusão

Giddens afirma que a emancipação sexual, para além de um ambiente de emancipação,


é também um âmbito de luta política. De acordo com Reich e Marcuse, uma sociedade não-
repressiva, seria uma sociedade livre da compulsão. Assim, afirma Giddens, a emancipação
presume uma autonomia de ação em um contexto de sexualidade plástica. Para os autores do
radicalismo cultural deveríamos, para atingir um estado que consideravam ideal, era
necessário uma dupla revolução, que envolveria uma total convulsão da sociedade e uma
mudança psíquica.
Para Giddens, a repressão está associada ao sequestro social, vinculado ao poder do
gênero e, desse modo, o processo revolucionário sociopolítico não seria necessário. Para
autor, já é evidente a existência de processos de revolução na vida pessoal. Segundo Giddens,
a transformação da intimidade requer uma transformação psíquica e uma transformação social
e, essa mudança, que se operaria de dentro para fora poderia se difundir através de instituições
mais publicas.
Para o sociólogo, a emancipação sexual poderia ser uma forma de reorganizar a
dimensão emocional, mas, nesse sentido, a emancipação sexual deve ser entendida como uma
“forma de ação, como a possibilidade de democratização radical da vida pessoal”. (p.200).
Essa questão está para além da própria sexualidade, pois essa democratização da vida pessoal
envolve outras relações, como amizade, relações entre pais e filhos e etc.

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