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Marilena Chauí
1
Instrumentos, maquinário, espaço social da profissão etc.
2
Explicação que confere à Super-estrurura como efeito, epifenômeno da Infra-estrutura
(causa). Para tais pensadores, esta é sustentáculo da produção, do resultado daquela.
3
Se Bourdieu intervém com a noção de Hábitus; Althusser, por sua vez, com a de Aparelho
Ideológico, enquanto instituição social encarregada de disseminar, ou melhor, inculcar, idéias e
sentimentos, seja na arquitetura do local, sejam no conteúdo revivido sobre outras formas, mas
mantendo o mesmo critério de reprodutividade do status quo.
Quando pensadores investigaram as ideologias4, ao afirmarem o poder de
colocar a causa como efeito5, ou mesmo, o enriquecimento “lícito” do salário não pago
como “direito” do detentor6, apontaram a má-fé, ou seja, a intenção hipócrita daquele
que sabe que há uma falta de correspondência entre discurso/fato (inversão causal) e
entre discurso/interesse (ocultamento volitivo).
Para alguns críticos, os mesmos autores são acusados de que nem sempre ocorre
inversão da realidade. Ora, quando Marx e Engels postularam tal recurso argumentativo
que visa inverter, em nenhum momento escreveram que a inversão é o único resultado,
a única implicação da assim chamada ideologia. Interpretar um aspecto, como o único já
é uma distorção... distorção essa, que não necessariamente seja da realidade enquanto
fato, mas do significado dum significante, a saber: o ocultamento impede-nos de ver a
transição histórico-social do roubo implícito no ‘direito’ do capitalista. A inversão da
realidade (fato) tem um análogo no discurso: a conversão semântico-predicativa é
omitida!
Vejamos a contribuição de nossa primeira pensadora escolhida como uma das
principais contribuidoras para a investigação ideológica:
A professora Marilena Chauí salienta o aspecto de omissão, sendo que tal oculta
a realidade. O que entendo por realidade, por essa palavra polissêmica, é no sentido de
fatos. Porém, os fatos são todos apresentados, dotados de sentido, de significados. Se as
ideologias são discursos, então faz-se mister inserirmos no bojo do significado de
realidade (enquanto fatos sociais vividos), em fatos sociais discursados. Assim como
vimos acima que nem todas as ideologias não são necessariamente inversoras e
ocultadoras, de modo análogo ocorre com a especificação da realidade ocultada, a saber:
4
Denominadas de Fraseologias, ou mesmo filosofia especulativa pelos mesmos autores na
obra intitulada: A Ideologia Alemã.
5
Literalmente inversão.
6
Literalmente ocultamento.
Se por um lado, o discurso pode ocultar a intenção do agente por substituição
semântica, como aquela que vimos do roubo e injustiça travestida de “direito”; por
outro, pode ocultar o significado original por um derivado próximo para ocultar o
desvio de tema ou foco. Há práticas que reforçam o aspecto ideológico – apesar de não
serem idéias, mas atos – pela incorrespondência entre comunicação e ação, entre ou
discurso que afirma e prática que nega, ou discurso que nega e prática que afirma.
Tal negar e afirmar de práticas carece dum estudo aprofundado de como podem
significar a não-correspondência por uma interpretação que leve em conta o contexto a
que ou o ato, ou conjunto de atos está submetido e dependente.
7
Gilbert Ryle, como um dos representantes da escola de Filosofia da Linguagem Ordinária
de Oxford, postulou as expressões ou categorias sistematicamente enganadoras, pelo seu viés
semântico inadequado para explicar um fenômeno denotativo.
8
Aqui cabe a clássica distinção proposta por Freud: princípio de realidade e princípio de prazer.
Em nosso estudo, tais termos inadequados e conotativos são gerados pelo desejo e não pelos critérios
metódicos do conhecimento.
9
Para Carnap, as expressões metafísicas são palavras absurdas mesmo quando santificadas
pela tradição e sustentadas com sentimentos. Conseqüentemente, a metafísica não passa de uma
especulação subjetiva, afirmações baseadas no sentimento, poesia, “teologia”; em suma, nenhum
conhecimento científico.
insuficiente. Se a sintaxe gramatical correspondesse exatamente á
sintaxe lógica, então não poderia surgir uma pseudofrase. Ora, sendo
as frases metafísicas pseudofrases, então elas não poderiam surgir
numa linguagem logicamente correta. A metafísica tem, portanto, sua
origem na falta de convenções suficientes para impedir o que não leva
a um conhecimento verdadeiro. Daí a enorme importância na tarefa de
construir uma sintaxe lógica. (OLIVEIRA, 2006: 77).
A função que cabe na utilização de tal termo (por ex.: democracia) é a massagem
egóica de uma “grande conquista social”: o poder do voto! Estúpido é quem aceita isso,
pois o “poder” é o conformismo de aceitarmos apenas a representação como
participação momentânea da subida ao pódio duma pessoa, e não da participação ativa
das tomadas de decisões sócio-administrativas da cidade em questão.
No tocante ao tema realidade social de Marilena Chauí, no texto supracitado,
temos a indicação da suposta independência dos pensamentos em face da peculiar
organização social da qual os pensamentos são erigidos. As categorias, significados e
também o alcance e permissão de articulações novas de pensamentos e idéias são
determinados – pelos menos em sua maior parte – pelo estrato social, e não pelo “gênio”
individual abstraído, ou seja, separado da arcada cultural, como querem comentadores
que defendem a independência quase absoluta do indivíduo em relação à sociedade.
Tomo como critério para discriminação se um determinado discurso é
ideológico, se e na medida em que os aspectos e fatores que estão em jogo numa
determinada avaliação e estudo, forem tomados como únicos determinantes. Nem é
somente 1) a práxis que modela e influencia a teoria, pois a teoria também modela e
condiciona a práxis; nem é só 2) a teoria que modela e influencia a práxis, pois a práxis
também condiciona a teoria.
Exemplo do 1º caso: a destituição semântica do termo democracia, na qual um
conceito enviesado e restringido de seu campo semântico furta-nos, ou pelo menos
dificulta-nos a possibilidade de pensarmos o problema da participação, de sua
qualidade, e não apenas em acertar o Candidato melhor.
Exemplo do 2º caso: a sujeição do trabalhador frente ao detentor dos meios de
produção é tal que o ideário, ou o inventário das justificativas dos mesmos
trabalhadores/produtores (como também dos burgueses/detentores) serão uma
racionalização10, um efeito, um produto das condições sensoriais e sociais. Se os
discursos diferem, mudam constantemente; os motivos são idênticos e estáticos.
Considero tais racionalizações como variações sobre o mesmo tema. Daí a idéia
de homologia entre música e discurso, ou mesmo entre infra-estrutura e superestrutura.
É como se organização mental fosse um imenso repertório de engendramento, de
10
Termo técnico utilizado na Psicanálise que designa um meio argumentativo que tenta
justificar uma dada condição ou aceitação ou postura. Os meios empregados são falazes e reproduzem a
falta de responsabilidade, ou pelo menos, tentam convencer-nos de que a pessoa teve um bom motivo
para agir assim, que não teve escolha: todo e qualquer discurso que se exima da responsabilidade
própria, colocando outro agente como causa ou responsável. Sigmund Freud cunhou esse conceito
como um dos mecanismos do aparelho psíquico; bem como Marcuse e Habermas utilizaram-no como,
respectivamente, na idéia de Razão Instrumental e Deformação Sistemática Comunicativa.
construções de idéias “diferentes” sob o mesmo princípio de regência, sob o mesmo
critério/intenção = desviar a causa própria para uma causa alheia = utilizar pretextos
acidentais quando os essenciais são evitados = reafirmar em palavras a sujeição no
trabalho manual. Funcionalmente, é um meio eficaz de diminuir nosso quinhão de
responsabilidade no porquê aceitamos e movimentamos tal engrenagem social.
A racionalização cumpre um vetor psíquico: o desejo de diminuir a ansiedade
duma situação conflitante, simplesmente “desaparecendo”, ocultando os conflitos, tais
quais os problemas são evitados no simples discurso do populacho: “Política, religião e
futebol não se discutem”. Se a função é psíquica, os meios são sociais. Se o desejo é
psíquico, a roupagem é social. Se a operatividade da construção argumentativa é
psíquica; os conteúdos de que se valem é social. Se conflito é sentido individualmente;
as condições para a resposta do mesmo são coletivas.
Em suma: se a resposta à ansiedade é individual, o estímulo ao conflito é
cultural.
Vimos que o 1º caso reporta-se do conceito para o ato. No 2º caso, é do ato para
as idéias. No fundo, o que difere em cada fenômeno, não é no exclusivismo da
determinação, mas no grau em que um fenômeno racionalizante é ou mais do conceito
para a sujeição, ou da sujeição, das práticas para as justificativas. Não é na
absolutização da direção das causas, mas na relatividade das mesmas. Não é na
unilateralidade da direção das causas, entre práticas e idéias, mas na interação, na
dialética constante entre o que considero uma: influência mútua entre infra e super
estrutura.
Máxima de minha Tese:
A racionalização está para o indivíduo assim como a ideologia está para a sociedade.
O que o discurso individual tem é homólogo ao discurso social em voga. Se os sonhos são
construções individuais, as racionalizações também o são... enquanto produções heterogêneas
de comunicação. Se os mitos são construções coletivas, as ideologias também o são... enquanto
reproduções homogêneas de comunicação. A situação externa é cenário, contexto e conteúdo a
ser manipulado pelo discurso individual (racionalização); a situação interna é ator, texto e
forma a manipular em variantes argumentativas sob a mesma defesa (tema ideológico) da
configuração sócio-econômico-cultural.
Elementos e atributos da Ideologia: Cabe às relações sociais serem implícitas em seus meios e
explícitas em seus fins. Ex.: no caso do exemplo da ideologia da “Democracia” = ser
implícito na fala (significado aludido) atribuindo um valor (significado induzido por
interpretação textual)
Obs.: De algum modo, tal conformismo e situação está presente nas consciências dos
indivíduos, sendo que tal memória, tal informação pode a qualquer momento vazar,
emergir para o consciente. Portanto, o discurso racionalizante mantém separado,
apartado, numa palavra: dissociado do consciente. Tal condição é atual e estamos
apartados, dissociados sincronicamente.
Todo o respeito portanto, aos bons espíritos que acaso habitem esses
historiadores da moral! Mas infelizmente é certo que lhes falta o
próprio espírito histórico, que foram abandonados precisamente pelos
bons espíritos da história! Todos eles pensam, como é velho costume
entre filósofos, de maneira essencialmente a-histórica; quanto a isso
não há dúvida. (Nietzsche, 2007: 18).
(...) Esquecer não é uma simples vis inertiae (força inercial), como
crêem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no mais
rigoroso sentido, graças à qual o que é por nós experimentado,
vivenciado, em nós acolhido, não penetra mais em nossa consciência,
no estado de digestão (ao qual poderíamos chamar “assimilação
psíquica”) (...). (Nietzsche, 2007: 47).
Para sintetizar, predico o conflito interno sentido como mola propulsora para se
evitar as situações pelos quais desencadeam-se tal conflito. A supressão do conteúdo
ameaçador da paz intra-psíquica para regiões ocultas do plano consciente, como que
uma barreira (o esquecimento) para zelar pela comodidade do indivíduo; e a troca do
conteúdo histórico por outro, mas não aleatoriamente, mas, de algum modo correlato,
próximo.
(...) costumamos dizer que uma montanha é real porque é uma coisa.
No entanto, o simples fato de que essa “coisa” possui um nome, que a
chamamos “montanha”, indica que ela é, pelo menos, uma “coisa-
para-nós”, isto é, algo que possui um sentido em nossa experiência.
(CHAUÍ, 2004: 20).
11
Conhecido tecnicamente como denotação. Ela corresponde ou a uma definição do fenômeno
sensorial, ou a do fenômeno conceitual. Esta última é a definição que temos de uma idéia como: beleza,
justiça, arte, ciência etc. Se aquela descreve objetos, substantivos; esta descreve substantivos abstratos.
12
Apesar da gama de significados místicos que já adornaram este termo, utilizo-o aqui como
aquilo que é fundamental – enquanto descrição – para que uma coisa seja o que é... daí seu caráter de
necessidade semântica como ontologia. A separação entre essencial e acidental é uma das grandes
conquistas epistêmicas e, como veremos, uma importante arma contra o discurso ideológico.
13
Corresponde a uma definição do fenômeno subjetivo, ou seja, das idéias de qualidades,
sentimentos: adjetivos e advérbios de modo. É uma resposta do sujeito, seja em sentimento, seja no
modo como se executa uma ação (o estilo, referente ao como agimos). Tal aspecto é subjetivo se e na
medida em que a definição é uma projeção tanto daquilo que sentimos, como da maneira como
fazemos algo. Ambos podem ser projetados nos objetos. Discriminar o conotativo do denotativo é outra
façanha científico-filosófico altamente eficaz nos argumentos falaciosos... inclusive de cunho religioso e
político.
superioridade divina fazendo com que os deuses sejam habitantes dos
altos lugares. A montanha já não é uma coisa: é a morada dos deuses.
(CHAUÍ, 2004: 20).
14
Tecnicamente chamada de fruição. Corresponde ao fluir dos sentimentos perante o estímulo
perceptivo das mais variadas formas; à resposta sentimental, estética, subjetiva oriunda da natureza
sensível, mas que a ultrapassa.
15
Defino tal expressão como um exagero na resposta de cunho afetivo. Em suma, uma hiper-
valoração: uma Hipérbole Axiomática.
16
Utilizarei como sinônimo a expressão: visada sígnica. Qual o motivo? Visada como intento,
como meta, propósito direcionados; sígnico, de signo, pois símbolo, na semiótica, refere-se apenas ás
palavras, enquanto signos são mais amplos por conterem em seu bojo semântico a tríplice discriminação
promovida por Charles Sanders Peirce: Símbolo, Ícone e Índice.
Tomei a liberdade de colocar em negritos dois conceitos centrais: cultural como
produção humana, ultrapassando o dado imediato (não mediado por símbolos) e
posição como uma espécie de sintaxe da organização social, tendo como resultante as
diferenças propositais (visadas), sistematicamente dispostas e manipuladas, seja nos
papéis sociais vigentes, seja no ideário, nos discursos ‘legitimadores’ de tal status.
A conexão entre semântica e ideologia, entre sentido e discurso, entre posição
social e “justificação” encontra seu elo na unidade entre predicados e objetos, entre
indivíduo significador e objeto significado, entre a diversidade de intenções, investidas
e as implicações de tais práxis. Se na práxis há o momento de determinação, na direção
da atividade (sensorial) para pensamento, das práticas para as idéias, então, o que
podemos entender por ontologia é mais restrito, pois está no âmbito denotativo; sendo
que os dados culturais, as visadas sígnicas remetem-nos a um grau de complexidade que
ultrapassa em muito o simplismo de definições de senso-comum. Estudarmos e
investigarmos o fenômeno ideológico, requer uma semiose, ou seja, uma
interdisciplinaridade, como instrumento, com suas categorias explicativas. Sejam nos
domínios religiosos ou político-econômicos, a ênfase proposta por mim é considerarmos
todo e quaisquer expressões culturais17 como objetos de estudos, como um dentre os
demais fatores a configurarem causas, motivos e possibilidades de mudança do quadro
atual.
Como Habermas, atribuo um alto juízo de valor para a ação comunicativa, uma
vez que a simples “coisa” não está mais sozinha: está envolta, submersa, rodeada e
adornada com significados, com sentidos alheios à sua natureza, a saber: a conotações
(as duas explicadas) e as prático-utilitárias (investidas ou visadas). Se o universo sígnico
é o conteúdo maior que o denotativo, então faz-se mister explorarmos todos os
elementos que compõem causas (diretas e indiretas) do pensar, sentir e agir humanos.
Se os estudo das resistências são fusões de discursos internos e externos –
respectivamente psíquicos e sociais – então racionalização e ideologia são dois
momentos do mesmo processo, dois momentos da mesma unidade entre práxis e
discurso, entre desigualdade social e posição social, entre eficácia mágica na religião e
eficácia social no discurso institucional da ordem vigente (ambos utilizam recursos do
sentido, da valoração e legitimação dum intento de poder estatal, midiático, cultural...).
Vimos o quanto é importante o conhecimento da história, das sucessões dos
fatos como construtores semânticos, como origem e transformação como diacronia do
sentido atribuído à uma idéia ou prática. Com isso evitaremos cair na redução de
sentido18 advinda do discurso social (ideologia), visando delimitar, restringir o que
podemos pensar sobre algo que foi substituído em significado e valor. Também salientei
a observância do discurso individual (racionalização), visando através da variação
discursiva manter o mesmo intento19 de desviar o olhar da análise, o foco de nossas
17
Portanto sígnicas.
18
A destituição semântica explicada na página 05 deste livro.
19
Neste caso, o desejo de diminuir a ansiedade gerada pela culpa de nossa contribuição do
status quo. O problema aqui é pelo modo inadequado em que tal defesa psíquica se atém. As
implicações de tal movimentação são a ‘justificação’ ou ‘legitimação’ da imobilidade social
transformadora.
atitudes, de nos eximir de responsabilidade de nossos atos que podem retro-alimentar a
cadeia ideológica de dominação e desigualdade de oportunidades. Por este motivo
toquei na questão da resistência, pela repressão do conteúdo mnêmico daquilo que
fazemos. Aqui também há um evitamento duma história, só que pessoal. Aqui, a
sincronia do sentido que se pretende ocultar, reprimir.
Se na ideologia prevalece a interdição alheia à história, em seu âmbito coletivo –
na racionalização prevalece a auto-interdição – história, em seu âmbito individual.
Outro ponto importante: a questão do essencial e acidental. Qual a conexão de ambos
para nossa investigação? Se Marx e Engels afirmaram como um dos recursos
ideológicos a inversão entre causa e efeito, quando afirmaram que os ideólogos e
filósofos especulativos põem o mundo de cabeça para baixo, afirmo que substituir o
essencial pelo acidental é outro recurso no critérius operandis ideológico-
racionalizador!
Tomar a montanha num único aspecto significador é incorrer em unilateralidade
explicativa, seja ela econômico, religiosa, científica ou filosófica. Justifico a inserção da
tríplice divisão semântica, principalmente a prático-utilitária, como o leque de
variedades discursivas, associado a cada interesse vigente. O aspecto acidental pode ser
tomada como essencial, como único, como absoluto, quando na verdade, na maioria das
vezes é múltiplo, relativo (em relação a) e, portanto acidental.
Se o essencial numa definição deve guardar o essencial, seu fundamento, com
natureza necessária; o acidental, por sua vez, deve guardar em seu bojo na definição a
natureza contingente. Como tal, são os interesses de grupo de toda utilidade, uso este
que pertence tão somente aos indivíduos. O aspecto artístico dificilmente é instrumental,
porque tem um fim em si mesmo. Ora, aquilo que é fim em si mesmo é valorizado pelo
processo. Por outro lado, aquilo que é um instrumento – um meio para adquirir um fim
– é valorizado pelo resultado final, pelo produto. Se no primeiro há a fruição no e pelo
fazer, no segundo há a satisfação somente em seu efeito final.
É notório, caras leitoras e leitores, o caráter ético da semântica e da
comunicação? As implicações éticas pertinentes tanto às práticas (e seu contexto) como
aos argumentos (e seus textos, sejam eles intralingüísticos ou extralingüísticos)? Nossos
axiomas são mantidos tanto por práticas como por ações comunicativas! Por isso o
primado do sentido, ou melhor, dos sentidos possíveis, tanto atuais como potenciais,
tanto os vigentes como os por vir. Uma práxis revolucionária não impõe um único modo
de manifestação, pois se o fizer será ideológico, seja pela unilateralidade, dos momentos
como unidade, seja pelo conteúdo veiculado que merece análise e crítica, antes de
utilizado.
Espera aí! “Encará-las”? Será que nossa Filósofa sugere a resistência de nossa
parte, em admitirmos os dados culturais como processo? E assim substituirmos a idéia
rígida de coisa? De dado cultural que é visto como natural e, por isso, “impossível” de
ser transformado? Se ter Consciência é estarmos cientes das relações22, então as
relações sociais vigentes – como tudo o que é cultural – foram construídas, montadas,
20
Ou tecnicamente chamado por Engels e Marx de ESCAMOTEAÇÃO.
21
Tecnicamente Falácias na Lógica; Estilística na Gramática; Razão Instrumental por Herbert
Marcuse; no âmbito individual Racionalização por Freud; Fraseologia por Engels e Marx;
Pseudoproposições por Rudolf Carnap; e, finalmente, por Comunicação Sistematicamente Elaborada
de Encobrimento Telésico na Gnosiologia desenvolvida por Clayton Carrasco Ruiz.
22
Consciências das relações é um termo vago. Contudo, as associações ocorrem por
internalização, por articulação do pensamento de um contexto específico. Se falta-nos relacionar algo,
então nosso entendimento será lacunar, justamente porque faltaram elementos que compuseram
(história coletiva) e que compõem (história individual).
num percurso longo e que atualmente ressoa como efeitos, como uma dada organização
social, com uma específica estrutura sócio-econômico-cultural, com tendências a
explorarmos alguns temas e aspectos e a negligenciarmos outros, a valorarmos
conteúdos singulares e não critérios operativos como respeito à lógica, à semântica, à
sintaxe, às inferências, ao que pode ser hipótese, ao que é necessário...
Todas essas questões refletem diretamente em nosso psiquismo, em nossos
hábitos, em nossas explicações das concepções de mundo e da hierarquia de valores
atual. Quando comparamos nossa situação com as precedentes, o primeiro sentimento é
de espanto. Espanto pela construção disso tudo. Que o estado atual foi configurado
assim por determinados interesses e será reconfigurado por outros interesses (caso
tenhamos coragem e iniciativa para assumirmos a responsabilidade da mudança).
Vimos com Carnap, aquelas palavras carregadas de vagueza semântica ou
mesmo polissêmicas. Um bom exemplo retirado da antropologia: “A colonização é
necessário para levar o progresso para povos não civilizados, atrasados...” Quem já não
ouviu ou leu que as colonizações tiveram durante décadas a justificativa de que somente
assim levaríamos o progresso para os assim chamados povos primitivos. Reparastes que
coloquei o “o” em negrito e itálico? Mas por que fiz isso? Explicar-vos-ei:
Assim como a justiça, como substantivo abstrato, quando precedido pelo artigo
‘a’ pode ser imaginado como algo independente, como algo que tem vida própria;
também o progresso recebe sentido similar: se eu usasse um progresso, entenderíamos
que há um progresso específico dentre outros... bem, como chamar alguém de “uma boa
pessoa em relação a turma”, é estratosfericamente diferente de chamarmos de “ele é o
bom da turma”. Qual a diferença?
1º caso: a pessoa é boa dentre as demais, ou seja, além dela pode haver outras.
2º caso: “ele é o bom da turma” denota um aspecto conotativo, pejorativo. Ora, ele é o
melhor da turma, ou o único bom dentre eles, pois anteceder o substantivo abstrato bom
com uma artigo “o”, faz com que mude o significado.
23
Literalmente: imagens em ação, a ação de gerar imagens através dum substrato, dum
modelo.
24
Tecnicamente conhecido como uma pressuposição que não é mencionada, mas ocultada. Um
progresso pode ser: cognitivo, afetivo, de técnica etc.. Falta uma especificação de qual progresso eles se
referem. No nosso caso estudado é: progresso tecnológico. Unicamente tecnológico!
exclusividade, análogo ao que ocorre com a Democracia, quando na transparência
deveria haver uma democracia... uma entre outras e não a única!
Nossa, o que um simples artigo pode estimular um sentido definido, com
propósito definido e feito propositalmente de propósito, para impedir o ouvinte ou leitor
de pensar as especificações, pois oferecem uma expressão que, ela própria delimita o
que podemos pensar: apenas um sentido, apenas um aspecto possível.
Mais a frente veremos a distorção e a abstração como próprios do mecanismo
operativo, do recurso ideológico no discurso. Se no pensamento mítico separamos algo
que é conteúdo social e se destaca do mesmo para ser trabalhado pela fantasia coletiva a
que chamamos de mito; de maneira análoga, procedemos assim ao emitirmos “o
progresso” destituindo de humanidade grupos sociais menos desenvolvidos
tecnologicamente, mas não necessariamente menos desenvolvidos nas relações
humanas! Aqui fica uma mensagem subliminar: Povos menos desenvolvidos merecem
ser explorados! Quem detém mais força de ataque tecnológico não respeita o espaço
alheio, pois o que vale é a força!
Olha só quanta responsabilidade temos ao simples acatar da frase pseudo-
justificativa! A distorção não é apenas a inversão causal, é também a elipse e seus
efeitos. Elipse como causa da ocultação, da especificação, e o artigo que precede uma
construção que fornece o sentido de univocidade, de absolutismo. Progresso é sempre
bom? O das relações humanas, intersubjetiva, artística sim! Mas qual será o juízo de
valor para o progresso dos colonizadores? Sem a análise lingüística ficaria mais difícil
situarmos onde está o problema, onde está o abuso na comunicação, bem como
demonstrar a intencionalidade do agente. Uma interpretação do telos25, só é possível,
quando diversos fatores explícitos (como o artigo e a elipse), associam-se com fatores
implícitos (o significado unívoco, absoluto e omissivo da intenção).
É omissivo por progresso ser bom, ser um lugar comum, ser significado como
bom em si mesmo, isoladamente, o que uma análise do conteúdo promove outro juízo
de valor: a vantagem e desvantagem não está no progresso geral, mas no progresso
específico, donde também conta a maneira, o modo como é executado, a quantidade etc.
Não apenas os fins devem ser melhores, mas os meios também. Algo que não ocorreu e
não ocorre na colonização. Vimos então que a utilização do artigo que antecede um
adjetivo ou substantivo abstrato é um ranço, ou melhor, uma herança mítica de
explicação. O objetivo de tal construção é o impacto, a aceitação automática pela
confusão (com fusão / presença de fusão) daquilo que necessariamente seria bom se
fosse melhoria da qualidade das relações humanas, mas que contingentemente seria bom
no caso de um progresso específico como a tecnologia.
Se Engels e Marx ouvissem tal argumento, denominá-los-iam de
escamoteação26!
Também as relações familiares, pensamentos e divisão social em classes são
outros fatores condicionados pelo meio cultural e condicionantes do mesmo, pois como
vimos no conceito de práxis, são momentos dum processo, sendo uma interdependência
25
Palavra de origem grega: meta, finalidade, intenção, propósito, interesse.
26
Ou seja, simultaneamente omissão e pretexto, subterfúgio.
das partes em relação ao todo. O próprio tratamento isolado da questão já é um indício
ideológico... Nisso temos abundantes exemplos em teorias “científicas” que dividem o
processo e exclusivisam um ou outro fator como causa necessária, quando na verdade a
causa é múltipla (não unitária) e ainda sujeita a uma hierarquia no grau de
determinações.
27
Ou pelo menos condicionante.
Apesar da sistematização de Karl Mannheim e Max Scheler, há autores que
tributam a Marx e Engels um primeiro impulso e desenvolvimento da Sociologia do
Conhecimento, bem como da Psicologia Social, ambas as disciplinas afins e
interdisciplinares... próprio de pensadores e pensadores que não se mutilam na análise e
uso de categorias explicativas, como seria de se esperar numa sociedade na qual a
divisão social do trabalho manual e teórico é um imperativo, muito mais que numa
necessidade de síntese.
28
Expressão sinônima de “pensamento puro”. Ah, a nota de rodapé é minha.
Assim, quem pensa não são os homens em geral, nem tampouco
indivíduos isolados, mas os homens em certos grupos que tenham
desenvolvido um estilo de pensamento particular em uma interminável
série de respostas a certas situações típicas características de sua
posição comum. (...) O indivíduo se encontra em uma situação
herdada, com padrões de pensamento a ela apropriados, tentando
reelaborar os modos de reação herdados, ou substituindo-os por
outros, a fim de lidar mais adequadamente com os novos desafios
surgidos das variações e mudanças em sua situação. (MANNHEIM,
1972: 31).
Ora, ora, ora... olha aí a nossa posição novamente.. posição essa conferindo
conteúdos, tendências, metas, olhares, valores... todos eles: comuns ao grupo em
questão.
29
Em momento mais oportuno, explorarei tal autor e as implicações comunicativas da
reprodução ideológica.
Ocultar, distorcer e abstrair (separar) são os meios de que se vale aquele que
discursa ideologicamente; sendo a substituição da exploração, domínio e
enriquecimento como algo justo, de direito e verdadeiras, os fins. Nosso estudo
vislumbrou o engrandecimento da democracia eletiva em detrimento da participativa.
Enriquecer axiomaticamente a democracia eletiva é um subterfúgio para que a
exploração e não participação nas leis e tomadas de decisões sócio-administrativas
estejam nas mãos dum pequeno grupo... com seus mesquinhos interesses e contrários ao
bem comum da população, para o qual a política foi planejada por Aristótelois como um
meio de auxiliar e não de enriquecer às custas de outros.
Ocultamento das causas que separam pessoas em litotes classistas. Separar as
pessoas em grupos econômicos encontra sua eficácia – ou instrumentalidade – na
exploração de um grupo menor pelo maior. Se uma contradição lógica versa pela
validade do jogo das premissas; a contrariedade, por sua vez, versa pela
correspondência entre pensamento e sensorialidade30. Veremos agora a possível
associação entre ocultamento das causas histórico-sociais formadoras das classes e a
respectiva contrariedade como conflito de existenciais (conflito de interesses e práticas
sociais sistematicamente desiguais) promovidos pela separação em classes econômicas:
30
A este par antitético, Marilena utiliza os significantes: idéias e realidade (ou mundo).
31
Aquilo que determina é causa necessária (fundamento ou essência) e não afecção
contingente (acidental).
Seria o nosso assentimento tão forte a tais idéias, a tais explicações que
impossibilitassem nossa transformação?
De qualquer modo, tais hábitos, assim como nas neuroses, são predicados por
mim como um sintoma. E, como tal, passível de ser interpretado, numa hermenêutica,
ou seja, numa reconstrução da situação de conflito perante o acesso a conteúdos
sistematicamente ou separados, ou reprimidos, ou dissuadidos. A cura é para o
indivíduo o que a transformação é para a sociedade. Ambos são superações individuais
com repercussões coletivas. Ambos são enfrentamento a partir da inserção histórica que
o desencadeou tais sintomas, com a devida sensibilização do indivíduo: para a
reconceituação32 e ação.
32
Como potencial de ressignificação. Vimos o grau de importância contra as ideologias.
33
Tecnicamente conhecidos como formação reativa, sintomática e de caráter involuntário.
novo impulso34: pela indignação, tanto de nós, por sentirmos na pele o quanto somos
responsáveis pela reprodução dos meios de produção dominantes; como também, pela
indignação dos representantes (de maneira pessoal) e pelos atos e argumentos em
conformidade com eles (de maneira impessoal).
Mas além da ação individual Engels e Marx postularam a importância da
organização coletiva, como condição necessária para surtir efeitos mais significativos na
organização social que se deseja transformar.
Mas qual determinação deve receber a sociedade para que hajam condições
transformadoras mínimas?
34
Desta vez, não mais presos aos mecanismos defensivos involuntários, mas conscientes,
voluntariamente pensados, calculados, na escolha dos meios para atingirmos fins de transformação
social.
Numa palavra, uma revolta axiomática35, o que permite a mudança de ação, seja
em qual for o âmbito da investida: comunicativa ou práxis. Proponho aqui o primado da
sensibilidade como resultante numa perlaboração valorativa, com sua conseqüente
motivação e transformação. Voltemos ao aspecto funcional da ideologia:
Hegel mostra que o exterior e o interior são duas faces do Espírito, são
dos momentos da vida do e trabalho do Espírito. Essas duas faces
aparecem separadas, mas essa separação foi produzida pelo próprio
Espírito, ao exteriorizar-se nas obras e ao interiorizar-se
compreendendo sua produção. (CHAUÍ, 2004: 42).
35
Sintetizando: INSURREIÇÃO.
36
Explicitá-lo-ei na medida em que discorrer sobre oposição e contradição. A leitora e leitor
sentirão a eficácia explicativa dele, no tocante ao processo, a uma fenomenologia da categoria de
relação e seu caráter ou contingente ou necessário, com as discriminações entre percepção sensorial e
papel social.
impossibilite de predicarmos a necessidade dos momentos que foram separados
artificialmente e como artifício compreensivo/didático. Nossa Filósofa invoca o
significante momento. Muito já se discutiu em torno da clássica separação daquilo que
está unido. John Locke e David Hume explicaram o caráter composicional do ser
humano: seja para produzir imagens (por exemplo, cavalo + ave = cavalo alado),
juntando o que está separado37; seja por separar aquilo que está unido38. Quanto a esse
aspecto entre pedaços e momentos vejamos o que um pensador interpretando a Teoria
das Partes e do Todo (autoria de Edmund Husserl) tem a nos oferecer:
39
Espacial porque segmentação duma unidade (objeto) visualizada com um parâmetro
sensorial de extensão = divisão na contigüidade.
40
Temporal porque segmentação dum evento, dum movimento, dum processo pelo qual um
fenômeno é resultado. Tal divisão da unidade (evento, movimento) visualizada com um parâmetro
sensorial de velocidade = divisão na simultaneidade.
contingência? A substituição de um pelo outro, bem como a unilateralidade que decorre
de tal juízo de valor, acarreta a hipo-valorização de um com a simultânea hiper-
valorização de outro. Nesse contexto, estamos tanto numa análise cognitiva,
gnosiológica quanto axiológica, uma vez que o desejo de separar, de segregar as
pessoas em grupos sociais, em classes de partidos, jogam-nos uns contra os outros numa
disputa na qual nós mesmos promovemos a divisão (social e cognitiva): não é natural,
mas cultural! Portanto, se é cultural é passível de ser transformada; se é adquirida é
passível de ser reconstruída em bases axiológicas, levando em conta ou como objeto de
estudo: tanto os argumentos/práticas como os valores que o regem:
41
Referente ao termo unitário.
42
Referente à oração ou elocução.
O homem faz o mundo aportar ao sentido pelo seu comportamento.
(...). O que significa, em outras palavras, que ele é essencialmente
linguagem. (...) O sentido proferido na palavra não recobre nem pode
assumir toda a extensão do sentido estabelecido pelo
comportamento. (NOGUEIRA, 1978: 53).
Uma ciência crítica da sociedade que conceba seu objeto (...) como
sujeito virtual da ciência não pode renunciar a valorar os fins mesmos
das ações humanas. (...). O caso mesmo da compreensão racional-
teleológica põe manifesto o fato de que é impossível reconhecer a
ação humana como ação sem efetuar valoração alguma.
(REGENALDO - APEL, 2002: 144).
Ideologia como significado não está no banco. Ainda que a inscrição esteja no
banco, o que está no banco é o significante prescrito por alguém. No processo de
decodificação, atribuímos ao sinal uma mensagem. Noutros termos semióticos,
associamos ao significante um significado, a saber: a distinção social étnica para ou
sentar ou não naquele banco. Numa interpretação da práxis de um branco sentar no
banco, equivale a aceitarmos a prescrição da distinção étnica. Numa rede implicativa, o
ato de sentar após lermos a inscrição denota no mínimo nossa permissão para a
distinção, pois do contrário, caso neguemos tal distinção preconceituosa, negaremos
também a agir – ainda que a confirmação de nosso aval seja indireta e pela ação – pois a
recusa da ação é negação da prescrição distintora e, simultaneamente, a afirmação do
axioma do trato igualitário. Noutro aspecto, podemos interpretar tal negação de
sentarmos naquele banco como uma manutenção, ou melhor, aplicação do princípio de
coerência entre práxis e discurso, ou melhor, entre práxis e valor. O conceito de
aplicação do critério valorativo será nuclear para entendermos quando uma ação terá
desdobramento ou ético ou anti-social.
Se na lógica (no tocante aos argumentos) é reservada às conclusões que não
advém de maneira necessária das premissas pelas quais elas se baseiam o qualitativo de
contradição; na filosofia da ação (no que tange as práticas), elas se baseiam numa rede
implicativa dos efeitos internos (aceitação) e externos (permissão). A ideologia é uma
relação quaternária entre: agente, a prática, e o significado deste em relação ao contexto,
que em nosso caso é tanto o texto, como o contexto das diferenças étnicas serem
predicadas como diferenças éticas. Se sentarmos, nossa ação aceitará a prescrição
prática que garantirá a manutenção do preconceito, bem como nossa ação repercutirá na
permissão de tais preceitos elegerem práticas étnico-distintivas-desmerecedoras, o que
em meu termo equivale à destituição.
Definir, pois o humano pelo comportamento, quer dizer defini-lo pela
revelação do sentido que institui pela sua própria aparição no seio do
real. Familiar das coisas, o seu comportamento faz surgir nelas, pelo
simples fato de visá-las, um sentido. Este ato expressivo e constitutivo
do sentido é também constitutivo do seu próprio ser (...).
Definir o sujeito humano pelo comportamento equivale, do nosso
ângulo de consideração, abandonar os privilégios da consciência em
cujo centro o pensamento acostumara-se a colocá-la. (...). O
intercâmbio primitivo do humano com o mundo faz despontar o
sentido anteriormente à conceptualização e ao ato judicativo, pois
comportamento humano é significativo por si mesmo, pelo próprio
fato de ser comportamento de um ser que se define como lúmen
naturale. (NOGUEIRA, 1978: 124).
Vejamos o que Apel e Eagleton tem a nos comunicar sobre a contradição que
não advém duma proposição, mas que provém da relação quaternária do agente, da ação
expressada e da decorrente significação adquirida no contexto social de distinção étnica
estabelecida.
43
Ou seja, um desdobramento da regra de justiça. Dissertarei sobre a aplicação dos critérios
gerais em casos similares como atestado de ética e, simultaneamente, de conhecimento. O critério
comum é um axioma para o consenso metódico, de verdade e de significado. Na ausência dele haverá
um critério conteudístico, situacional, o que inferirá necessariamente em contradição performativa
indireta.
Através do discurso enganamos os outros e a nós mesmos com a pretensão – ou
consciente ou inconsciente – para que no plano axiomático, haja uma unilateralidade e
inversão... inversão e destituição de valores, de predicados empregados de maneira
sistemática para a sujeição própria e alheia (no plano psíquico) e também da
organização social, institucional e práticas e que reforçam tais intentos conformistas e
alienantes. Ora, espera aí, alienantes? O que é alienação? Como ela é provocada? Quais
as condições de sua produção e reprodução? O que é atingido em nossa exteriorização e
interiorização por ela?
(...) Como essa dominação não é somente exercida por uma minoria,
mas no interesse de uma minoria, uma condição inelutável da
manutenção do regime burguês é que as outras classes se iludam,
permanecendo com uma consciência de classe confusa. (Que se pense
na doutrina do Estado como estando “acima” das oposições de classes,
na justiça “imparcial”, etc.). (LUKÁCS, 1966: 39).
46
Tendemos a racionalizar quando somos indagamos ou provocados quanto ao nosso quinhão
de responsabilidade pela situação, tanto nossa como geral. Também reagimos assim quando refletimos
sobre nossa vida e tocamos de algum modo o cerne do problema.
gera-nos um grau de desconforto tal que um conflito interno instala-se... instala-se como
ansiedade difusa, vaga, mas intensa e provocadora.
Citar sobre sintomas! Freud.
47
Por imagens.
conteúdo dissociado (seja volição, seja identificação e auto-estima, seja dos conceitos
manipulados pelo próprio indivíduo, a saber: que o dominante vale mais e, portanto tem
o direito de explorar-nos); aquela é uma transformação por associação do conteúdo
dissociado (seja pelo processo histórico que engendrou a situação atual, seja pelo
reconhecimento dos agentes sociais e seus motivos/intenções).
Voltemos às noções de destituição semântica, ou mesmo inversão de valores
(axiomática). Antes disso a citação da sinopse do livro da Filósofa em questão:
49
Compreendo por tal termo quando conteúdos acessam o plano consciente de maneira
intrusiva, compulsiva, involuntária. Tal intrusividade é a causa do fenômeno de estranhamento de tal
conteúdo que nos pertence, mas que é separado, dissociado volitivamente, daí parecer um outro agente
em nós, dominando-nos coercitivamente. Tal estado é retroalimentado pelo não reconhecimento de tal
produto psíquico como nosso, como um conteúdo nosso!
50
Antônimo de necessário: arbitrário ou contingente.
mas afirmamos que só ocorre a determinação do social para o mental será tão ideológico
(pela sua unilateralidade) quanto afirmarmos que somente os conceitos é que
influenciam as práticas. Na verdade, ambos os momentos são processos que configuram
um fenômeno maior, a saber: a interação perene entre sujeito e objeto, entre indivíduo e
sociedade, entre demanda social e demanda psíquica, entre realidade social e histórica e
a idéias que fomentamos e defendemos. Vimos que os conceitos distorcidos
sistematicamente entre a confusão das categorias: natural/cultural, causa/efeito,
necessário/contingente, essencial/acidental, são ótimos critérios operativos para
enganarmos a nós mesmos e aos outros. Se for verdade a determinação do social para a
mentalidade, sê-lo-á também, do mental para a realidade social e práticas51.
O próprio tomar partido, ou seja, separar aquilo que está coeso em sua natureza
fenomênica é um recurso pernicioso e litigioso do discurso. Assim como não cabe a
pergunta ou isto ou aquilo – como vimos na explanação da teoria das partes e o todo;
também não cabe a declaração ou valoração unilateral de um dos dois momentos do
processo de ideologia e alienação, pois tanto o discurso como a práxis são
reciprocamente determinantes e, portanto, simultaneamente determinados.
As abstrações voluntárias com fins de dominação e ocultamento acarretam num
drama humano: inventamos a separação para evitarmos que conteúdos históricos (mais
sincrônicos ou diacrônicos) sejam acessados. Tal movimento anti-dialético é uma
redução conteudística as causas (intenções) da situação atual.
51
O próprio tomar partido, ou seja, separar aquilo que está coeso em sua natureza fenomênica
é um recurso pernicioso e litigioso do discurso. Assim como não cabe a pergunta ou isto ou aquilo –
como vimos na explanação da teoria das partes e o todo; também não cabe a declaração ou valoração
unilateral de um dos dois momentos do processo de ideologia e alienação, pois tanto o discurso como a
práxis são reciprocamente determinantes e, portanto, simultaneamente determinados.
transformada. Se os pensadores elegeram o primado da ação, foi através do
convencimento duma análise minuciosa, sagaz e sutil... com todos os recursos
categoriais explicativos, próprios que são do plano do discurso e não da práxis. Agora
de nada adiantaria a capacidade abstrativa e investigativa sem aquele axioma da
mudança, da participação como agentes transformadores, que fazem história e não
apenas a recebemos pronta, acabada. O aspecto motivacional é condição necessária e
insuficiente, pois depende da conscientização, da reflexão dos ardis sutis dos
argumentos falazes. Por sua vez, o aspecto consciencial, categorial é condição
necessária, mas sozinha, insuficiente também, uma vez que depende da motivação, da
volição e auto-estima para negarmos as regras sociais e seu cenário que engendram a
exploração sistemática, seja na práxis, seja na teoria.
Denomino de insurreição a revolução tanto axiomática como aplicativa. Aquela
é antecedente; a volição quando suficiente é conseqüente, aplicativa. Aplicação sem
conteúdo é vontade sem referência; valores sem aplicação são pessoas doentes e
medrosas, discurso que aparenta valor e não aplica é hipocrisia. Ah, lembremos: abstrair
um conteúdo, ou seja, tornámo-lo independente52, como se tivesse vida própria é um
dos fatores da natureza ameaçadora que discutimos há pouco. Quando vivificamos por
separação, um determinado atributo predicamos uma qualidade que o conteúdo
separado não tem. Mas como pode isso? Simples: por conotação, atribuímos
indevidamente o efeito que temos das ideias pelas causas. Uma espécie de metonímia da
ordem causal. Alteramos, invertemos a sucessão do processo: admitimos o poder das
ideias como causa quando é resultado (quando condicionadas pelas ações), epifenômeno
dum quadro maior que o engendrou, a saber: as relações de produção econômica, por
exemplo.
Quando afirmo: a sociedade é muito forte, poderosa... não afirmo algo que
pertence a ela, a um grupo de indivíduos. Mas sim, afirmo nas entrelinhas, o grau de
suscetibilidade que posso ter em relação ao que a maioria pensa, deseja e espera de
mim. Quando afirmo: Ah, a sociedade me obrigou... É mentira! Eu, em minha pequenez
e auto-estima baixa, coloco um Grande Outro imaginário como causador daquilo que foi
eu que fiz, a saber: aceitar um comando, um conteúdo coletivo adentrar meu campo
mental no plano consciente e fazer dele como se fosse o meu! A fusão volitiva entre o
estrato social e o individual é um fenômeno em que a responsabilidade é nossa! Nós
somos os geradores de tal fenômeno. E mais, em nossa indulgência, não reconhecemos
como produto nosso, e este passa a operar, mecanicamente, compulsoriamente,
freneticamente, como algo estranho, um outro em nós, e que a cada dia ganha mais
força, se e na medida em que dissocio tal conteúdo do plano consciente para o
inconsciente operar, manipular... A negação do produto com seu produtor é outro
fenômeno psico-social de grande alcance ideológico.
Meu método é simples: a interação da análise formal, ou seja, dos critérios
operativos presentes em todo o ser humano e os conteúdos que são ou expurgados ou
acolhidos, ou dissociados ou associados ao plano consciente de considerações, de
52
Terei o prazer de explicar o mecanismo operativo da hipóstase, tão usado pelos adeptos de
instituições “religiosas”, míticas e políticas (partidárias).
articulações de pensamento e investigações. Durante séculos, diversos pensadores53 e
cientistas afirmaram o primado das estruturas (critérios operativos e invariantes) em
detrimento da análise dos conteúdos. Assim fizeram com o significante em detrimento
do significado, assim fizeram da psicologia de laboratório, sob o pretexto de que uma
interpretação por introspecção seria “não científico”. Mas para muitos não avisar os
propósitos da escolha faz parte do ocultamento do mesmo mantido às custas de relegar
como não merecedor de atenção ou estudo aquilo que rege qualquer teoria ou ação: o
aspecto axiomático (valores em causa).
Tal é o exemplo clássico e pernicioso dos argumentos que receiam pela análise
conteudística, seja do inconsciente para Lévi-Strauss, seja do significado para Lacan,
seja da semântica para Bloomfield, seja para a subjetividade e idiossincrasia para
Watson; seja para admissão do aspecto psíquico do Social em Comte, seja da
interpretação intencional em todos os ‘cientistas’ que defendem a cientificidade sobre a
rubrica da denotação, quando a conotação é própria das Ciências Humanas, no universo
semiótico-intencional, bem como a fenomenologia como descrição processual dum
fenômeno qualquer.
(...) A verdade do sistema fechado não será mais averiguada por uma
hermenêutica a partir da significação revelada, mas deverá apreender
as relações e inter-relações entre signos no interior da estrutura
delimitada, e do jogo que ela define entre signos.
Desse entrelaçamento das relações, esvaziam-se tanto a contingência
histórica quanto o livre jogo da iniciativa. (...).
No momento em que as ciências humanas parecem fascinadas pelo
modelo cibernético, a variável humana, em seus componentes
psicológicos e históricos, torna-se inconsistente e deve ceder o lugar a
um método rigoroso que se quer eficaz como aquele em uso nas
ciências exatas. O sistema fechado que se impõe pagará um alto preço
por sua colocação à distância do mundo real. Entretanto, terá uma
extraordinária eficácia pela abertura do campo do saber que vai
prognosticar. (DOSSE, Vol I - 2007: 460).
53
Lévi-Strauss na Antropologia, Bloomfield na Lingüística, Lacan na Psicanálise, Comte na
Sociologia, Watson na Psicologia.
Mas tal escolha, ainda que omitida e resistida (como sintoma por negar
examinar seus próprios valores ou pressupostos metológicos) carece de revisão caso
algum elemento novo apareça e não se encaixe em seus moldes. Necessário será – se a
explicação quiser avançar – um exame de conteúdo, ou seja, dos valores primeiros da
teoria ou de seu método.
(...) O que lhe influencia a decisão, bem como a dos outros, são
argumentos cujo valor ele próprio deve avaliar. Quando for preciso
adaptar seu sistema a fatos novos que suscitam um conflito em seu
pensamento, o pesquisador deverá inventar modificações possíveis de
suas concepções e escolher aquela que lhe parecer mais idônea. Aliás,
terá de justificar essa escolha e mostrar as razões por que lhe pareceu
preferível, se desejar obter a adesão de seus pares. (PERELMAN,
1997: 143).
54
Análise Estrutural acima descrita..
A imagem fisicalista do positivismo empobreceu o mundo humano e
no seu absoluto exclusivismo deformou a realidade: reduziu o mundo
real a uma única dimensão, e sob um aspecto, à dimensão da extensão
e das relações quantitativas. (KOSIK, 1976: 24).
55
Incluo-me dentre eles!
56
Especificamente dissociação axiomática.
(...) é possível esclarecer que as normas éticas fundamentais
pressupostas pela ciência não constituem meros imperativos
hipotéticos, pois elas proporcionam, inclusive, uma resposta à
pergunta se a ciência deve ser. (REGENALDO - APEL, 2002: 194).
Bloomfield (...) fez mais do que qualquer outro estudioso para tornar a
lingüística uma disciplina autônoma e científica (no sentido que ele
próprio atribuía ao vocábulo “científico”). (...) não hesitou em
restringir as suas discussões, deixando de considerar aspectos da
linguagem que, acreditava ele, não podiam ainda, ser tratados com
precisão e rigor suficientes. (LYONS, 1976: 30).
Considerava Bloomfield que a análise do significado era o ponto fraco
“do estudo da linguagem” e que assim continuaria “até que o
conhecimento humano avançasse” para muito além de seu estado
atual. (...). por quase trinta anos após a publicação do seu livro, o
estudo do significado foi inteiramente posto de parte pela escola
bloomfieldiana, que freqüentemente o considerava alheio à lingüística
propriamente dita.
As de ordem semântica limitavam-se estritamente à tarefa de
identificar as unidades da fonologia e sintaxe e de modo algum diziam
respeito à especificação de regras ou princípios disciplinadores de
suas permissíveis combinações. Essa parte da gramática devia
constituir um estudo puramente formal, independentemente da
semântica. (LYONS, 1976: 33 e 34).
Seria a afetividade humana uma região sombria a ser temida ou evitada? Seriam
os valores indignos de serem inseridos ao programa da análise estrutural? Indignos de
inserção à fenomenologia ou à semiose, estes que explicitam os processos sutis
necessários ao entendimento dum dado fenômeno? Seria o evitamento de tais tópicos
semânticos uma forma reativa de medo ao nos depararmos com um aspecto humano
mais complexo e vital para a felicidade e entendimento humano? Vejamos mais um
pouco do preconceito estruturalista:
Ainda que para mim seja questionável se Husserl equivocou-se por considerar a
teoria (ou a força argumentativa da mesma), refutarei parcialmente a declaração de
Habermas: Se todo argumento demonstrativo alicerça-se em argumentos (teoria
enquanto sistema explicativo que contêm diversos argumentos), então como
demonstrarmos sem o recurso simbólico da explicação? Se podemos inferimos a
57
Ainda que esta esteja subentendido, implícito.
intenção pelos axiomas não raro implícitos, como fazê-lo sem a teoria? Como não li em
detalhes a vasta obra de Habermas, limito-me a lançar perguntas para refletirmos sobre
e se a posição de Husserl é ilusória... talvez a seja pelo método empregado ou critério,
mas não pelo instrumento teórico, este que é necessário para qualquer tese: inclusive
para demonstrarmos a conexão entre interesse e conhecimento, na perspectiva de como
o segundo é determinado pelo primeiro. De qualquer modo Mannheim e Habermas são
solidários quanto o conhecimento: – seja o juízo de valor sobre a percepção, seja o
intenção ou valores sobre o conhecimento – a determinação e antecedência valorativo-
intencional sobre o conhecimento ou juízos.
Quando afirmamos sentimentalismo que promovem dogmas explicativos,
separamos o desejo humano de que influi na distorção do fenômeno, na imaginação que
constrói o conteúdo sem se valer de métodos adequados. Ao fazermos isso, tendo o
axioma da imaginação ou fantasia como critério de conhecimento, ao invés de
descobrirmos (por construção ou composição, derivada de critérios epistêmicos)
projetamos o conteúdo que desejamos conhecer (construção ou composição, derivada
de critérios desejantes). Não é o desejo ou o axioma que são ruins, mas especificamente
o desejo de dar o conteúdo ao invés de derivá-lo de critérios de inferências. Fazer dos
valores ou do desejo, responsáveis pelas fantasias explicativas, é não discriminar entre
desejo epistêmico (normativo e, portanto, um tipo axiomático aplicativo) de desejo
fantasístico (projetivo de conteúdo e, portanto um tipo axiomático projetivo).
58
Este recurso estilístico cumpre a três finalidades: 1) omite o significante que especificaria o
aspecto (significado) pelo qual a acepção do termo está sendo empregada; 2) faculta a fusão dos dois
aspectos no mesmo significante; 3) desvia a atenção do intérprete ao tomar a parte ou aspecto
rejeitado como o todo, operando assim na falácia da generalização apressada da Lógica, tomando os
resultados da parte como inerente ao todo (em relação ao significado que desloca-se na parte
rechaçada para a outra parte que aceito como digna como por exemplo a afetividade fantasística na
arte, mas não na ciência).
apenas um aspecto, o aspecto de desejo fantasístico e auto centrado em sua imaginação
idiossincrática é que merece ser separado, evitado como critério gnoseológico, ou seja
de produção de conhecimento. O axioma científico filosófico de evitarmos tal
subjetividade idiossincrática por objetividade metodológica também é um valor,
também está aí o desejo humano que o impele e motiva a conhecer, mas somente a
conhecer, descobrir e não a imaginar o conteúdo, não a projetar o desejo no fenômeno
de maneira conteudística.
Uma coisa é o desejo de conhecer e de sermos imparciais, evitando o desejo de
influirmos conteudisticamente no fenômeno; outra coisa diametralmente oposta é o
desejo de ser parcial e partimos do desejo de imaginarmos o conteúdo ao nosso bel
prazer. Um aplica critérios para conhecermos; o outro projeta conteúdos – oriundos de
si mesmo – como se fossem inerente ao fenômeno ou objeto estudado. Somente
genuinamente entendemos quando estamos sensíveis para discriminarmos, dissociarmos
noções em seus aspectos possíveis.
Ao afirmar que o intelecto ou razão só pode conhecer algo similar, opera-se aqui
uma indistinção entre instrumento que analisa e peculiaridade do objeto. Intelecto é
diferente de percepção sensorial, mas valemo-nos amplamente dela para que nossas
operações mentais construa conhecimento como: psicologia da percepção,
fenomenologia da percepção, física, astronomia etc. Ao tomarmos o sentimentos e
afetos não necessariamente estamos empregando o critério de desejo que projeta, mas
podemos utilizar o critério de desejo que explica ou descobre o objeto estudado. Este
último também é um axioma: o critério epistêmico aplicativo-normativo para validar
nossas derivações inferenciais e distingue-se do critério afetivo projetivo-conteudístico.
Entretanto, nem todo critério afetivo é projetante, pois é um axioma – e, portanto, um
valor – empregarmos o critério epistêmico para conhecer, assim como nos restringirmos
ao critério afetivo projetante ao âmbito artístico: desejo, filmes, teatro, música... na qual
a criatividade que gera conteúdos é desejada, solicitada e adequado quando e por fins
artísticos.
Confundir o domínio artístico com o científico-filosófico é tão imaturo quanto
confundir o desejo projetante conteudístico do desejo analítico formal. Este é fruto do
desejo de conhecer; aquele é fruto do desejo de construir e projetarmos tal qual como
numa ficção. Assim como há o aspecto pernicioso do sentimento – determinando com
sua composição do conteúdo imaginado, há também o aspecto salutar do sentimento: a
sensibilidade cooperativa de erigir regras ou normas como critérios comuns para
inferências válidas na construção explicativo-teorético.
Por que escrevi sobre isso? Por que refuto o reducionismo teórico de que o
argumento do critério de similaridade da razão é uma falácia? Respondo-vos
solenemente:
Porque toda atividade humana rege-se por valores... ainda que implícitos.
Porque toda investigação guarda em seu bojo ou atividade, um desejo, mas não
necessariamente deturpador ou fantasístico em relação à produção de conhecimento.
59
Como o fez Lévi-Strauss.
60
A possibilidade da interpretação telésica guarda diversas relações para com a Filosofia da
Linguagem Ordinária com o estudo das Performances da fala ministrado por Austin e Searle, com a
diferença de que meu enfoque é para os discursos velados, dissimulados: não-expressos, mas passíveis
de compreensão intencional, seja pela eloqüência (RETÓRICA), seja pelas figuras de linguagem
(ESTILÍSTICA), seja pelas falácias de cunho (LÓGICO-RETÓRICOS), seja pelas implicações contextuais e
práticas (PRAGMÁTICA).
dissimula no sonho, tornando-se então necessário o trabalho de
substituição dos disfarces com que se mascara pela transparência do
sentido. Assim a interpretação se manifesta como “a resposta da
lucidez da astúcia”. A lucidez do sentido contra a astúcia do desejo.
(NOGUEIRA, 1978: 45).
Dissertar!!!
63
Um dos axiomas da Lógica é: algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto. Se algo for sucessivo, poderá ser diferente. Se algo for simultâneo mas sob outro aspecto,
poderá ser diferente também. O princípio de não-contradição é para os casos em que é
simultaneamente e sob o mesmo aspecto. Aí sim, afirmar e negar algo seriam descartado e interpretado
como mal-intencionado, uma vez que é impossível a sua ocorrência.
64
Assim também com: alto/baixo, pequeno/grande, jovem/velho, e todos os demais adjetivos
quando comparativos.
65
Ou também dependência recíproca, qualidade relacional.
Ambos só existem como relação. Mas onde está a contradição?
(CHAUÍ, 2004: 39).
Como pode um termo “escravo” ser definido pela simples negação de seu
antônimo “senhor”? Tais categorias sociais além de serem relacionais66, são litotes67.
Ora, expus minimamente este conceito. Agora aprofundá-lo-ei para que investigamos as
implicações dum litote para o pensamento, seja para a categoria sensorial, seja para a
social. Se nós afirmarmos: “isto não é azul” não haverá o fenômeno litote, pois algo
pode não ser azul e ser contingentemente qualquer outra cor. Nada decorre
necessariamente que não ser azul será alguma cor em específico. Mas por quê? Porque
apesar de cores serem qualidades, são sensoriais, e com tais há uma diversidade de
graus de cores. Para que haja um litotes é necessário que haja apenas dois termos. Ora,
há muitas cores e elas são sensoriais. Mas nos graus comparativos como alto/baixo,
quente/frio, maior/menor. todos eles não são sensoriais, mas categorias de relação.
Apesar de serem dois, ou seja, de serem binômios, há entre eles outra peculiaridade que
os exclui de serem litotes: eles admitem graus!
Um litote não admite grau. Ele é absoluto, categórico. Ex.: fora/dentro. Se
afirmarmos: “ela não está fora”, equivale – necessariamente – semanticamente a “ela
está dentro”. O mesmo ocorre com o binômio: presente/ausente. “Ela está ausente”
equivale – necessariamente – a “Ela não está presente”. Olha só o quanto importa-nos a
discriminação necessária e contingente! Ah, “não ser necessário” é “ser contingente”, e
“não ser contingente” equivale a “ser necessário”. Interessantíssimo isso heim!
A única condição pensável de alguém não estar dentro é estando fora. A única
condição possível de alguém não estar ausente é estando presente!
1) Tem que ser adjetivo, pois assim as qualidades podem inferir a necessidade
de seu oposto.
66
Ser relacional é quando o significado do termo depender duma comparação!
67
Um Litote é um modo de afirmação pela negação de seu contrário. OU seja, negar um
adjetivo implica em afirmar necessariamente seu antônimo.
68
Hegel e Nietzsche utilizaram sistematicamente este binômio: Hegel na Dialética senhor-
escravo; Nietzsche na moral dos senhores e escravos.
2) Tem que ser binômio, pois ou mais do que isso só haverá contingência na
inferência; ou menos não haverá relação, uma vez que esta é plural.
3) Tem que ser absolutos, ou seja, não podem admitir graus.
4) Tem que ser necessário, o que se garante com os adjetivos/binômios.
5) Nestas condições a negação de um será uma implicação necessária da
afirmação de seu antônimo, semanticamente falando.
A investigação semântica dos litotes não sociais está aqui: assim como lá são
definidos pela negação de oposto, o escravo e senhor são definidos – e com isso seu
senso identidário – por oposição direta: não pelo que são, pois ambos são humanos. Ah,
já sei, pelo papel social desigual assumido ou explícita ou implicitamente!
69
Não qualquer comando, mas especificamente das seguintes características: comando
hierárquico destituidor.
(...). Uma vez familiarizados com a concepção de que as ideologias
dos nossos oponentes constituem, afinal de contas, a função de suas
posições no mundo, não podemos deixar de concluir que nossas idéias
são, também, funções de uma posição social. (BERTELLLI Org. -
MANNHEIM, 1966: 27).
70
Chauí utiliza os termos externalização e internalização. Utilizo um similar de categoria
explicativa psicanalítica: Introjeção e Extrojeção. Por enquanto, para fins de nosso contexto, utilizarei
somente introjeção.
71
Em direitos porque institui-se aqui o critério ideológico (injusto): “dois pesos, duas medidas”.
72
Em significados porque destitui semanticamente o escravo (trabalhador) e institui
semanticamente o senhor (burguês capitalista). O primeiro implica em hipo-axiomatia; o segundo em
hiper-axiomatia. O primeiro pressupõe sua identidade com auto-estima pela oposição (e não mérito
positivo, afirmativo); o segundo pressupõe sua identidade com baixa-estima pela oposição (negação de
si por afirmação alheia, não por mérito, mas por negação de si pela afirmação do outro).
Toda a alteração semântica pode ser por acréscimo ou por decréscimo. Quando
por acréscimo, não necessariamente haverá substituição. Quando diminui algo
simplesmente por retirar um de seus aspectos ou partes, não substituo. Entretanto,
quando desejo alterar o significado dum conceito com fins hipo-axiomáticos, então
poderá haver simultaneamente ou retirada e substituição, ou apenas retirada. Como
somos críticos, postulamos e vivemos73 o axioma da interação74. A reciprocidade causal
entre práxis e discurso, ou mais especificamente, entre ontologia e semântica, confere-
nos um instrumental analítico para investigarmos as relações entre ser e conceito, entre
o que podemos ser e a ideia que fazemos de nós mesmos. Mas, se a ideia é resultado do
que fazemos e das relações que travamos e, também, dos discursos que
retroalimentamos – sejam mais ideológicos ou racionalizações – para justificar aos
outros nossas práxis e conformismos, bem como para convencer os demais que deve ser
assim, então neste reforço mútuo, o conceito como efeito da práxis e o conceito como
causa da práxis devem ser admitidos tanto quanto a práxis como efeito do conceito e a
práxis como causa do conceito.
Todo o conceito é uma definição. Como tal, vale-se de predicados que, em seu
conjunto, em sua reunião, informam-nos dos aspectos necessários e contingentes,
essenciais e acidentais do “ser” que se define como tal. Em nosso atual estudo, o objeto
é a categoria social (senhor/escravo, burguês/trabalhador).
O momento da atividade confere os conteúdos necessários para associarmos, no
momento da construção de Significado, ou seja, no momento de definirmos o que é
trabalho e o que é trabalhador; o que é patrão ou empresário e o que é depender de
alguém pra nosso sustento. Como hábitos conceituais, temos a tendência a fixarmos
uma definição sem nos valermos, sem a devida articulação e relação de que “trabalho” e
“trabalhador” são determinações, num primeiro momento, das relações que se travam
no seio de um grupo específico. A práxis fornecerá o conteúdo75 (ainda que implícito)
para nosso psiquismo operar, associar e construir conceitos. Este será o momento da
construção semântica que definirão de maneira fetichista, unilateral, não-relacional.
No momento da aceitação acrítica do construído semântica, ou seja, do
significado pronto e acabado acatado pelo sujeito, haverá uma determinação lógica
através de inferências necessárias na qual a premissa maior, ou seja, as premissas que
não foram refletidas são manipuladas como estáticas, como naturais, como dogmas.
Toda premissa pela qual partimos uma construção explicativa, inferencial revelar-se-á
dogmática se a Premissa Prima76 for tida, considerada como revelada, como dado
73
Em nosso contexto de sentido, em nossa pragmática, o sentido de viver implica
necessariamente o de aplicar o critério que se postula.
74
Determinação mútua.
75
Como sinônimo de constructo ou substrato pelo qual a operatividade como: as associações,
predicações e inferências são possíveis.
76
Expressão utilizada por este autor como a premissa mais geral e não questionada em sua
formação, gênese e processo. O famigerado axioma pelo qual partem as construções explicativas, pelo
qual elas se formam por derivação das implicações do axioma primeiro, numa rede de implicações
deduzíveis.
indubitável, como conteúdo indiscutível, não-problematizado em sua gênese77, em suas
implicações, em suas condições intersubjetivas e axiomas da organização social vigente.
77
Como processo originador.
78
Nas obras Nicolai Hartmann e Edmund Albrecht Husserl.
79
Dedução, indução e hipótese-dedutiva são uma delas; porém há mais operações possíveis
pelas implicações das categorias e predicados empregados (Chauí e Clayton), bem como das minuciosas
operações teoréticas mais complexas da Filosofia da Ciência. A meu ver, todas são redutíveis a algumas
regras de critérios, sendo os casos mais complexos uma combinação dos critérios elementares. Para tal,
preciso sistematizar uma Gnosiologia que valha tanto para inferências após aceita uma premissa, como
também para os critérios interpretativos de justiça quando tais são infringidos... por mais que se
predique popularmente que os valores são múltiplos, sua hierarquia, quando cooperativa e não
competitiva ou destituidora é uma, pois mantém a coerência da eqüidade dentre outras.
80
Se a preocupação formal ou lógica responde por regras sintático-derivativas de conclusões; a
preocupação informal ou quase-lógica responde por regras semântico-pragmáticas. Se temos critérios
para distinguir e nos guiar para a verdade dos enunciados, predicados e asserções sobre o mundo,
então, o estudo do significado em seu processo e em seu emprego são os segundos momentos do
Respectivamente elas respondem: O que é? Como conheço? O que devemos
fazer?
Enfocando a Axiologia, na qual a Ética é uma sub-disciplina sua, ela preocupa-
se com a reavaliação dos valores. Para toda iniciativa ou atitude, os valores precedem
tanto a teorização, a escolha do método, a escolha do objeto e os meios para atingirmos
determinados fins deliberados.
Como noção de verdade, seja em vista de comprovação ou referência empírica,
seja para com aplicações de normas epistêmicas, considero a correspondência a um
denominador comum de verdade. Toda analogia, toda comparação pressupõe uma regra
a aplicar com modelo. Se inferirmos ou validade ou invalidade de uma explicação ou
inferência é porque de algum modo elas ou correspondem a algum preceito (regra)
Aplicado e, quando não, é porque – de maneiras diversas – burlamos, parcialmente
utilizamos ou mesmo substituímos outro critério a aplicar.
Como modelo, detém caráter geral para ser aplicado em casos singulares; sendo
a mentira, a invalidade ou incoerência alguns adjetivos, axiomas que interpretamos uma
dada atitude teorético-explicativa concernente a uma inobservância, a um desrespeito
para com tais critérios. De modo análogo, interpretamos como ou justo ou injusto ou
mesmo parcialmente justo, alguma prática que infrinja a assim denominada regra de
justiça, esta que pressupõe: partilha, eqüidade: de bens sensoriais, bens signos-culturais
e de oportunidades de aquisição e participação cultural-econômico-social.
Por que reavaliarmos a Premissa Prima? Porque ela pode ser salutar para uma
determinado aspecto e pernicioso ou insuficiente em outro. Com a Filosofia Regressiva,
esta que pergunta pelos pressupostos, pela primazia dos valores fundantes ou
fundacionais, obtemos uma hierarquia de valores por parte daquele que defende uma
determinada Premissa Prima, para ser dialetizada com outras propostas valorativas, ou
seja, por outras hierarquias axiomáticas, por outras configurações. A regra de justiça é
um valor a ser aplicado, a ser vivido e defendido e mesmo imposto em casos em que
incorramos nalgum valor que ou dissimule (racionalização e ideologia), ou seja,
unilateral (típico caso das Ciências Naturais) ou seja parcial ou tendencioso (legislação
práticas destituidoras da identidade humana).
Com os contributos da Estilística (Figuras de Linguagem) e a Retórica (Teoria
da Argumentação dos recursos empregados e do exame axiomático), associados à
Psicanálise (conteúdo manifesto e conteúdo latente, por exemplo), erigirei uma Ciência
da Interpretação com o propósito de explicitarmos os critérios a definirem
conhecimento, validade e verdade juntamente com o significado tanto textual como
intencional. Explicitar aqui é a palavra chave para compreendermos o ocultamento
intencional e valores implícitos, bem como a dissimulação ou pretensão de verdade e
coerência por discursos que utilizam falácias argumentativas. Uma vez que conhecemos
(...) Essa argumentação não será coerciva, pois não pode deixar de
recorrer à regra de justiça que desempenha, na argumentação, o papel
reservado às regras de inferência na dedução formal. Ora, essa regra
depende de nosso modo de avaliar a similitude das premissas e dos
esquemas argumentativos. Pois, (...) a força e a relevância dos
argumentos objetados depende de nosso modo de avaliar a similitude
com argumentos cuja força o interlocutor reconheceu pela sua própria
adesão anteriormente manifestada. (PERELMAN, 1997: 204).
Mas a que similitude ele se refere? Qual o critério da adesão? Qual a condição
necessária e suficiente para que o critério seja internalizado?
81
Explicar-vos-ei como se dá a equivalência entre condição geral de aplicação dum critério
como condição necessária e suficiente de validade e verdade; bem como, por sua vez, do aplicarmos um
critério para cada caso similar: o que é sentido sinteticamente (intuitivamente), pela expressão popular:
“Dois pesos, duas medidas”. Tal prognóstico pressupõe um sintoma: a injustiça decorrente das
conseqüências da: mentira, parcialidade, unilateralidade, dissimulação intencional, rigor metódico etc. A
tudo isso batizarei tal sistematização de estudo por Criteriologia.
desenvolver no axioma da eqüidade. Após a identificação do que é melhor, o desejo ou
motivação de querer agir em prol dos meios que executem ou atualizem as condições
necessárias para tal. Por último, como condição suficiente a ser conquistada após a
aquisição das condições necessárias a abertura (não só a de reconhecer e aplicar), mas a
de introjetar tais valores. Para isso não há fórmulas mas depende da vontade ética de
cada ente singular, na ânsia de ser coerente entre reconhecer, agir e sentir
(discriminação, volição atuante e sensibilidade). Considero este último, a sensibilidade
o mais resistente para aqueles que estão habituados a desconsiderar os demais e agirem
apenas para a família ou grupo de pequeno círculo de relações sociais em detrimento da
ação universal por e para o gênero humano.
Faz-se mister uma luta interna no âmbito individual e coletivo para que tal
sociedade seja atualizada. A sensibilização a um valor candente e necessária para a
cooperatividade por, para e no desenvolvimento mútuo é o núcleo de meu trabalho:
Se a crítica pode se dirigir a nós mesmos, então devemos atenção para o que
fazemos e como fazemos e por que fazemos. As conseqüências – embora careçam
ainda de critério comum de avaliação, são bons conteúdos que servem como modelo a
serem julgados os agentes e os receptores dos mesmos. A consciência de deveres vale
para todos como guia. A consciência de nosso papel social é a de não repetirmos os
mesmos erros e destituições, os mesmos expedientes comunicativos e os mesmos temas
ou intenções dos privilégios promovidos pela abertura do cenário social capitalista. A
responsabilidade e a ação é individual; as repercussões coletivas, sendo o retorno dessa
dialética, a construção (a partir da consciência psico-social de critérios valorativos) dum
mundo melhor, pelo menos, menos injusto, menos falaz, menos instrumental e mais um
valor em si mesmo, intrínseco, independentemente do oportunismo e meios humanos
para fins mesquinhos. Tal só é conquistado por trabalho de sensibilização a ponto de
introjetarmos tais valores; e, uma vez adquiridos em nosso íntimo, vigiarmos para
reconhecermos quanto e o quanto trairemos tal axioma.
(...) não é apenas uma luta contra o inimigo exterior, a burguesia, mas
simultâneamente uma luta do proletariado contra si mesmo: contra os
efeitos devastadores e degradantes do sistema capitalista nas sua
consciência de classe. O proletariado só obterá a verdadeira vitória
quando haja superado, em si mesmo, esses efeitos. (...). O proletariado
não deve recuar diante de uma autocrítica, porque somente a verdade
pode ser a portadora de sua vitória, e a autocrítica o seu elemento
vital. (BERTELLLI Org. - LUKÁCS , 1966: 56).
Ainda que seja reavaliado até que ponto somente a classe proletária – atualmente
– detém a responsabilidade de revolução contra a minoria que controla a maioria, para
reconfigurá-la em axiomas cooperativos, é necessário sabermos quando negarmos fazer
parte do cenário sem escrúpulos de privilégios e destituições. Para tanto, requisita-se a
volição individual bem como as práticas e discursos concernentes e coerentes a ela.
Se o momento da práxis é conteúdo para o senso identidário do trabalhador,
também o é para o burguês. Se o momento da aceitação e reprodução do conceito aceito
são efeitos do trabalhador; o momento de geração e produção de tais conceitos gerais
são de efeito do burguês ou detentor dos meios de produção. Se a racionalização é
construção sobre o mesmo tema, a ideologia é produção dos temas e definições gerais.
Se aos detentores temos uma tendência a gerar conceitos e práticas elegidas com
válidas, aos assujeitadores (trabalhadores) temos a tendência a variar os argumentos já
com os temas (premissas primas) como conteúdos. As racionalizações trabalham os
temas, variam-no em formas de argumentos derivados. As ideologias trabalham as
definições gerais que “justificam” (ou pelo menos tentam, almejam) o estado de
dominação pelas práticas produzidas pelos detentores e reproduzidas, operadas pelos
trabalhadores.
Qual uma das funções do par ideologia/racionalização? Evitar o conflito e o
sintoma de desconforto, e sua conseqüente mobilização! Obliterar o conflito impedindo
a reflexão histórica e semântica dos conceitos que servem como constructos das
derivações argumentativas das racionalizações! Impedir o sintoma da indignação e a
possível insurreição, uma vez que o âmbito do discurso é necessário para a tomada de
consciência da situação e suas implicações desiguais! Rebaixar o senso identidário de
um com a simultânea promoção do senso identidário do outro. Instalar qualidades
volitivas, motivacionais como únicos conteúdos possíveis para os específicos papéis
sociais que se definem na e pela classe que pertencem! Inculcar nas consciências uma
homologia entre práxis e discurso, tolhendo-nos da devida abstração e liberdade para ser
pensado não apenas o que está, mas o que pode ser; para pensarmos não apenas a
adequação do “devemos ser assim”, mas também o “pode ser de outra maneira”, deve
ser de outra maneira se quisermos relações cooperativas ao invés da contradição social
como luta de classes!!
82
Aqui contrasto causas naturais e humanas como equivalentes aos juízos de fato e juízos de
valor do pensador britânico do século XVIII David Hume.
83
Valo-me aqui das acepções voluntário e involuntário das intenções dos agentes. Também dos
aspectos denotativos e conotativos, e das mensagens diretas e indiretas (estas, respectivamente:
explícitas e implícitas). Às implícitas denomino-as também de: caráter subliminar da mensagem.
84
Às noções: Mensagens e Sinais da Comunicação; bem como de Símbolo, Ícone e Índice da
Semiótica.
não dá conta. Quais são algumas dessas finalidades sociais ao nos dividirmos e
aceitarmos a divisão como justa?
Bem que podemos classificar uma interpretação imaginária como um similar das
explicações míticas ou mágicas, visto que todas elas apresentam similaridade quanto às
dissociações históricas e semânticas, como também diferenciam-se pelo grau de delírio
ou confusão entre fantasia e sensorialidade, entre aquilo que projeto e invento causas
pelo desejo e aquilo que é e descubro pela investigação e análise. Interpreto, avalio
como central a função do esquecimento num determinado conteúdo (seja ou mais
empírico ou mais ideativo). Expliquei a distinção entre conteúdo histórico coletivo e
conteúdo histórico individual. O acesso aos conteúdos genéticos de nossa situação, ou
seja, o processo pelo qual formou-se uma ordem social e as idéias, definições,
conceitos, significados, implicações e valores que internalizamos.
(...) Esquecer não é uma simples vis inertiae (força inercial), como
crêem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no mais
rigoroso sentido, graças à qual o que é por nós experimentado,
vivenciado, em nós acolhido, não penetra mais em nossa consciência,
no estado de digestão (ao qual poderíamos chamar “assimilação
psíquica”) (...). (Nietzsche, 2007: 47).
85
Refiro-me com quais instrumentos fazer.
86
Refiro-me como fazer... uma práxis que leva em conta o caráter modal da ação e suas
implicações introjetivas.
Ora, não nos importarmos com a extrojeção dos aspectos subjetivos é ver o ser
humano, predicá-lo, destituí-lo de sua humanidade: a personalidade enquanto
sentimento com a destituição e redução duma qualidade!
(...) o eu não apenas imprime aos objetos a sua forma, que lhe é dada
de antemão, mas encontra, ganha essa forma somente na totalidade
dos efeitos que exerce sobre os objetos e que deles recebe de volta.
Conseqüentemente, os limites do mundo interior só podem ser
determinados, sua configuração ideal só pode tornar-se visível à
medida que o âmbito do ser é circunscrito no agir. Quanto maior for o
círculo que o ser preencher com sua atividade, tanto mais claramente é
ressaltada a natureza da realidade objetiva, assim como a significação
e a função do eu. (CASSIRER, 2004: 337).
Ah... ora, ora... olha como o capitalismo é bom! Nunca tivemos tanta produção,
acúmulo de riquezas, distribuição e tanto consumo. Só esquecemo-nos de alguns
detalhes:
2) Qual o preço da hiper produção? Resposta: Quem produz muitas vezes ganha
abaixo para comprar o que produziu. Nunca tivemos tanta miséria com tanta
produção.
Ora, na práxis pela qual nos vendemos para outro enriquecer, do qual estamos
destituídos dos meios de produção e execução, além da mercadoria como produto
“nosso”; temos os efeitos da qualidade daquilo que foi produzido: o ser humano como
mercadoria! Assim é a clássica noção de fetichismo da mercadoria. Se por um lado a
87
Ambos as categorias referem-se: 1) essencial: aos atributos necessários para que uma coisa
seja o que ela é, ou seja, algo que a defina necessariamente; 2) acidental: aos atributos ou qualidades
contingentes à constituição duma determinada coisa. Essencial e acidental são termos correlatos,
equivalentes de essência/ fenômeno (Kosik), e realidade/aparência (Chauí).
mercadoria adquire status humano (enquanto valoração aumentada = hiper-
axiomatização); por outro, o ser humano adquire status de mercadoria (enquanto
valoração diminuída = hiper-axiomatização). O humano se instrumentaliza se e na
medida em que a mercadoria se humaniza. Mais uma vez, temos o fenômeno simultâneo
de definição por negação de seu contrário (como na dialética senhor-escravo) enquanto
litotes. São interdependentes no processo de produção e enriquecimento; definem-se
por oposição recíproca e, explicam por exemplificação, a interação mútua entre práxis e
ideias, entre atividade e conceitos, entre status e auto-imagem, entre privilégios e
divisão de classes, entre uns que decidem e outros que executam... simultaneamente
determinados! Aqui mais um caso de determinação conceitual por destituição semântica
e seus reflexos no senso identidário e determinação de papéis sociais88.
Como seres-históricos que somos já está patente a esta altura da importância da
historização – seus conteúdos – para que possamos pensá-los, avaliá-los em
estruturação, elementos, relações, processos genéticos e implicações contextuais.
Ressaltei insistentemente o valor do conteúdo para a articulação do pensamento
avaliativo. Porém, ainda está implícito ou mesmo omitido qual aspecto da articulação
reverbera em nós como seres capazes de relacionar, associar e inferir... numa palavra:
hierarquizar valores, sentenças e derivações necessárias89.
88
Seu eminente resultado: predestinação identidária.
89
Tecnicamente: Inferências.
90
Entendo por essa metáfora: a ampliação do raio investigativo.
O fator sucessão – como seqüência de eventos – é o relato, uma descrição
fenomênica das etapas. Mas etapas do quê? De processos. Vimos na expressão de Karel
Kosik a pseudoconcreticidade91 com um fenômeno interpretativo reducionista do
horizonte considerativo a que ele e Chauí chamam de realidade (social). Tal
interpretação toma as partes ou elementos92 da totalidade como algo isolado,
independente. A perniciosidade da interpretação ideológica reside em
sugerir/condicionar/restringir o isolamento causal, tomando o objeto ou coisa ou
fenômeno isolado como causa, quando no fundo é efeito dum processo maior.
Processo? Sim! A antípoda do pensamento isolante que toma a aparência como
realidade, ou melhor, o acidental como essencial, é o pensamento processual. Como tal,
carrega em seu bojo o imperativo da historização, não apenas sincrônicos, mas
diacrônicos. Se a sincronia é um movimento de reflexão sobre aspectos/fatores
simultâneos, como por exemplo, a definição de senhor-escravo; por sua vez, a
diacronia é um movimento de reflexão sobre aspectos/fatores sucessivos, como por
exemplo, a formação das condições sociais de senhor-escravo.
A definição está para o processo significador; assim como a formação está para
o processo práxico-social. Logo, a definição está para a semântica ou gênese conceitual;
assim como a formação está para as condições econômico-categoriais93. Se a sincronia
fornece os conteúdos semânticos: definições; a diacronia, fornece os conteúdos factuais:
a apropriação dos meios, a destituição da terra com sua conseqüente dependência para o
trabalhador, a escolha dos meios por um e a execução dos fins por outro.
Daí fica óbvio a Semântica e História – como juízos de valor conceitual e factual
– do processo significador do senso identidário no e pelas categorias sociais classistas.
91
Tal expressão guarda analogias com as pseudoproposições de Rudolf Carnap. A distinção reside
na classe da experiência: vivida e pensada. Para Carnap é especificamente no plano do discurso, da
mediação simbólica, ou seja, do pensado.
92
Unidades mínimas atuantes, determinantes, causadoras. São fatores.
93
Conceito como significado; categoria como binômio litotes: senhor-escravo.
Respectivamente: significado e significante.
94
No entender de Chaïm Perelman, a ciência denominada Retórica.
problemas fundamentais da retórica com que a lógica formal, baseada
na univocidade, não tem de se preocupar. (PERELMAN, 1997: 81).
95
Ou suposições implícitas.
96
Tais temas, são critérios, valores que se impõem sem serem avaliados em sua gênese
(anterioridade) e em suas implicações (posterioridades). Em nosso contexto, valores são intenções!
da exposição dos conteúdos (sincrônicos e diacrônicos). Historicizar um indivíduo é
levá-lo à condição de sistema de relações que tanto o produziram e produzem, como
também ele os produz quando na práxis revolucionária que encara a situação como
objeto de estudo vital, essencial, necessário para um pensamento, ação e sentimentos
direcionados para uma melhoria das condições existenciais em que nos encontramos.
O antes e depois são agora conteúdos valorizados e integrantes, estruturantes da
condição atual e futura; portanto, o acesso consciente (voluntário) da busca histórica e
significativa é o fundamento de viver em interação com o meio, de participarmos como
atores principais e não nos contentarmos com os atores coadjuvantes (instrumento e
máquina ao invés de fim e desenvolvimento).
(...) a lógica será a parte da sintaxe, desde que esta seja entendida de
modo bastante amplo e formulada com precisão. A diferença entre as
regras sintáticas, no sentido mais estrito do termo, e as regras lógicas
de dedução não é mais do que a diferença entre as regras de formação
e regras de transformação, ambas aliás formuláveis em termos
sintáticos. Por conseguinte, é justificado denominar “sintaxe lógica” o
sistema que compreende as regras de formação e de transformação.
(CARNAP, 1983: 50 e 51).
97
Respectivamente a três tipos de destituições: semântica, lógica e intencional/social
(pragmático).
98
Respectivamente a três tipos de falácias: de seqüência cronométrica, de generalização
apressada e de abstração ou unilateralidade.
trabalharmos numa produção em série e também não detemos o maquinário e espaço
para a produção de bens de consumo? Como se explica o enriquecimento do empresário
que não produz mas apenas administra? O valor de tal enriquecimento vem de onde?
99
Tal disciplina Lingüística, apesar de correlata da Semântica, traz consigo o postulado da
contextualização como processo de significação. Se a semântica associa através do discurso explícito =
texto; a pragmática vale-se da situação implícita = contextualização. A primeira é intralingüística; a
segunda, extralingüística.
da carência dos meios para instrumentalização humana de fins capitalistas. Se trabalho
fora significado como dignificante, atualmente ele é significado como insignificante. Se
Outrora trabalho sinônimo com desenvolvimento; agora é antônimo do mesmo. Se antes
realização e a satisfação advinda do processo e resultado; hoje, a sensação de vazio e
insatisfação do trabalho: seja pelo modo, seja pelo tipo, seja pela renumeração pautada
na destituição dos meios de produção quando poderia ser o auxílio, não por doação ou
esmola, mas por critérios humanos em bases de reforma agrária, o que destruiria nas
raízes a dependência dos indivíduos a esta mesquinha, alienante e castradora existencial
do trabalho capitalista. A historização dos indivíduos é uma necessidade intrínseca
diante das condições extrínsecas. Condição necessário para a reflexão histórica, para a
identidária, para as categorias sociais (significado: origem, efeitos e intentos) e para a
transformação de tal processo pela aplicação de valores hierarquizados para a
cooperação humana e não sua escravidão, sujeição e dependência sistematicamente
estratégica: seja nas leis, seja nas práticas em voga. Os significados ou seu processo
construtor (significação) é uma dialética entre exterior e interior, entre práticas sociais
(num primeiro momento) como estímulos para as respostas ideativas: discursivas e seus
conceitos. Este é o percurso investigativo da historização100:
100
Pelo meu juízo de valor, de natureza Fenomenológica e Semiótica por excelência!
Assim sendo, a reflexão não é impossível. Basta que percebamos que
o sujeito da história, seu agente, embora não seja Espírito101, é sujeito:
são as classes sociais em luta. (CHAUÍ, 2004: 51 e 52).
As classes sociais não são coisas nem idéias, mas são relações sociais
determinadas pelo modo como os homens, na produção de suas
condições materiais de existência, se dividem no trabalho, instauram
formas determinadas da propriedade, reproduzem e legitimam aquela
divisão e aquelas formas por meio das instituições sociais e políticas,
representam para si mesmos o significado real de suas relações. As
classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos em suas atividades
econômicas, políticas e culturais. (CHAUÍ, 2004: 52).
101
Marilena refere-se com este termo à noção de Hegel numa obra intitulada A Fenomenologia
do Espírito, que apesar de dogmática e hipostaseada nalguns aspectos explicativos, oferece-nos uma
explicação processual da dependência dos momentos para o entendimento do todo, bem como da
interação mútua entre objetividade e subjetividade, entre exterior e interior, entre a categoria social
senhor-escravo: numa apreensão dialética necessária.
Classes sociais como categorias coletivas duma divisão esquematizada entre
detentores/administradores e produtores/trabalhadores. Mas a quem, ou melhor, a qual
classe social cabe a maior determinação, a maior responsabilidade para reproduzir o
status quo vigente de dominação e expropriação? Sinto em informar-vos, mas tal é
desempenhada pela classe trabalhadora.. por mais incoerente ou paradoxal que se
afigure num primeiro momento (aparente).
Como inicia uma classe? Depois que fomos destituídos do direito à uma quota
de terra para nossa subsistência, somos forçados (enquanto estivermos em tal situação) à
sujeição de todo o mega mecanismo produtivo/industrial dos detentores. Uma vez
montado o cenário desse teatro social com os meios de produção da parcela da
sociedade que administra, temos pela necessidade de sobrevivência, a sujeição da outra
parcela da sociedade que executa. O simples trabalho já é reprodução. Contudo, tal
sistema social injusto retroalimenta-se também dos momentos de não exercício do
trabalho ou parte executiva da produção. Quais? Nos momentos ociosos (produtivos ou
improdutivos quanto ao desenvolvimento pessoal), é o discurso que se encarrega de
angariar partidários, ou seja, partidários como pessoas que desejam continuar a serem
partes, à divisão social em classes. Agir com esse fim (horrendo fim) é defender e até
incentivar os mecanismos de abuso e injustiça na construção argumentativa
(argumentação). Quando tal é uma variante da temática da dominação capitalista, o
simples recurso ao lucrativo basta para pessoas pouco sensíveis cederem ao enredo,
cenário e papéis sociais do drama da luta de classes.
Fazer-se classes é assumir a postura (interna e externa) da reprodução de toda
atividade de exploração do humano pelo humano... tal qual o extrativismo desenfreado
em relação à natureza. É eleger como critério primeiro (premissa prima) o axioma da
instrumentalidade nas relações humanas da qual extraem seu lucro ao invés de extraírem
desenvolvimento do potencial humano: seja pelo tipo trabalho correspondente às
inclinações e anseios de caráter idiossincrática, pelo modo de execução, pela
significação pessoal que a introjeção proporcionada pelo reconhecimento de si no
produto, bem como no processo de sua constituição. O discurso é um meio eficaz de
restringir o alcance dum reconhecimento dos efeitos implícitos (implicações) de tal
práxis coletiva. Um meio eficaz utilizado amplamente pelos meios de comunicação de
massa com sutis sugestões e informação subliminar, bem como a alienação da moda e
costumes como modo de assegurar a adequação em detrimento da reflexão, a aceitação
em detrimento da avaliação sistêmico-histórico-conteudística-estrutural.
Conteudístico - porque não se atém ao caráter apenas formal da análise, mas investiga e
analisa os valores e intenções por detrás das práticas e discursos, valendo-se do método
analítico – das conseqüências –, e sintético – em sua interpretação de conjunto –: seja
ela para trazer à tona as intenções e critérios aplicados pelos agentes.
Estrutural – Uma vez concluída a etapa de apreciação dos conteúdos, temos as
inferências dos critérios operativos pelo qual está sujeito um conteúdo. Este é
manipulado pelos mecanismos psico-sociais de discursos e práticas que tornam os temas
da exclusão, divisão, injustiça, interesses de grupo, resistências e medo de mudar
(xenofobia) como invariantes, dum mecanismo que varia o resultado mas não os
critérios ou premissas primas pelos quais partem sua construção estratégica
sistematicamente conformistas, alienantes, destituidoras tanto semântico-identidárias
como do desenvolvimento e autonomia existenciais. Um fenômeno estrutural lingüístico
é a destituição semântica, a polarização axiomática, a condensação semântica de termos
ou expressões que têm a função de palavras de ordem, a ineficácia da ação individual
frente à sociedade, justamente para desestimular a iniciativa pessoal e, com isso, por
implicação necessária: um evitamento da mudança social de atos e ideias.
A polarização axiomática é epifenômeno da divisão social do trabalho, não
tanto pela especialização, mas pela divisão entre administrativo e executivo. Seria os
partidários um efeito da divisão social do trabalho? Ver-se fragmentariamente como
partes, como fragmentos, como intrinsecamente separados, quando na verdade são
extrinsecamente segregados, sendo a auto-imagem um efeito da dissociação social
(segregação). Um dos mecanismos ou funções da segregação é instalar a separação
como natural. Naturalizar a separação é um dos critérios de todo discurso legitimador da
divisão social injusta (injusta porque são “dois pesos, duas medidas”). Argumento de
autoridade, por exemplo, é um dos mecanismos pelo qual o critério adquire expressão.
102
Todos os acarretamentos de tal fenômeno, bem como aos fenômenos associado-lhes ou
diretamente ou indiretamente será tratado por mim pelo termo Sociometria.
cada uma destas categorias sociais. No critério prático das classes, há uma associação
involuntária – mas comum – das categorias vividas pelas atrizes e atores sociais.
103
Seu aspecto nuclear: a passagem gradual do nomadismo para o sedentarismo,
proporcionado pela cultura dos alimentos, seja a agricultura, seja a pecuária.
104
Seu aspecto principal: o domínio produtivo de bens de natureza cortante para o manejo de
madeira, corte, armas e etc. Com tais instrumentos, acelera-se vertiginosamente a facilidade de
transformação da natureza com menores esforços motrizes; tal fenômeno será a chave para o
entendimento das condições necessárias conquistadas no tocante ao desenvolvimento cultural: arte,
lazer, jogos, filosofia e ciência.
poder que os domina e governa porque não reconhecem que foi criado
por eles próprios. (CHAUÍ, 2004: 53).
105
Agentes ideológicos primários.
106
Agentes ideológicos secundários.
Respectivamente tais temas provêm de Karel Kosik e Terry e Eagleton.
Práticas impessoais são aquelas em que o indivíduo não atualiza seu potencial de
realização. Se, e na medida em que estamos sujeitos à desapropriação dos meios de
execução107, nossa atuação, a maneira como coordenaremos nossos movimentos serão
regulados por fatores alheios à nossa escolha. Impera aqui a heteronomia do trabalho
estritamente técnico: sinônimo de dever violentamente segregado, destituído de prazer
ou satisfação. Compreendamos por satisfação as condições necessárias de
correspondência entre a espécie de trabalho e o modo de execução do mesmo. Cabe ao
indivíduo a condição suficiente de realização no (SEU) trabalho quando exposto às
condições necessárias já adequadas às suas disposições e desejos idiossincráticos108.
Se e somente se apaixonadamente e, portanto, engajados naquilo que fazemos,
na correspondência dos requisitos necessários (porque apropriados!) em relação ao
indivíduo deliberador da espécie de trabalho e modo de execução do mesmo – para não
falar dos meios de produção próprios – garantiremos o anseio humano de sentirmo-nos
realizados como indivíduos num cenário social de desenvolvimento individual a ressoar
no desenvolvimento da organização coletiva. Para tal, faz-se mister as finalidades
atualizadoras de potência (humana e indiretamente intersubjetiva) em prol duma
comunidade justa, no tocante ao desenvolvimento emancipador de si próprio com
vistas à produção ou vantagem social ou bem comum. O desejo humano é separado,
reprimido ou até mesmo recalcado da esfera trabalhista no modo de produção capitalista
reduzindo o indivíduo a meio para a consecução de fins, finalidades estas alheias ao
interesses pessoais que lhe cabe por direito.
107
Além destes, para piorar a situação do trabalho desapropriador e destituidor, quando
trabalhamos em algo que independentemente de escolher os meios de execução (como fazer), não
escolhemos o que fazer, ou seja, a espécie de trabalho que satisfaz nosso desejo de atuação, de
desenvolvimento. Como condição atual do trabalho capitalista, é índice de sociabilização o auto-
sacrifício da satisfação no trabalho no desenvolvimento subjetivo. (Yuri Simoni Coutinho).
108
Termo que designa as peculiaridades inerentes a um modo singular de agir, sentir e pensar.
consumo, ou melhor, na maneira como um produto é consumido, selecionado e
assimilado; seja pelas implicações de embotamento mental quanto ao fechamento ou
inoperatividade reflexiva de como tal produto foi produzido, para quê, para quem e
também quem consome ou deve consumir, como e para quê.
Uma ideologia oferece conteúdo? Sim. Qual? Depende de toda uma conjuntura;
porém, toda ideologia pelo grau de sistematização de sua “explicação” ou requer certo
grau de desenvolvimento cognitivo, consciencial. Por qual motivo tais indivíduos
carentes e invisíveis socialmente carecem de ideologia? Porque uma vez reduzidos a um
nível instintivo básico109 de consumo, descartamos a operação do entendimento, e
mesmo duma identificação genuína no sentido de relações humanas produtivas em seu
aspecto intersubjetivo de desenvolvimento potencial; simultaneamente psíquico e social.
109
Carecimentos necessários à sobrevivência. Quando não, apenas o fetiche da aquisição
sígnica de pertença a um grupo, meramente pelo consumo... O que é atestado pela expressão: Código
de Defesa do Consumidor e não Código de Defesa do Cidadão. Ser cidadão, na Grécia antiga, foi sermos
para a Cidade, o que infere necessariamente a condição de sociabilização com internalização de
deveres, de valores gregários em prol do teor cooperativo e em detrimento do competitivo.
fenômeno psicossocial patológico sob as condições propícias do quadro atual para a
gênese de tal reação frente aos estímulos do cenário social.
1º
110
Hipóstase como abstração = Deus da Forja (Hefaistos), Deusa da vegetação (Deméter),
Deusa da caça (Diana); Hipérbole como acentuação duma qualidade = Heróis (Héracles, Moisés, Krishna)
Em ambos os mecanismos, sua eficácia reside na dissociação cognitiva de
causas, bem como a causa abrupta e aprocessual pela intervenção imaginária (forçada,
inventada e não descoberta por observação e análise) de forças alheias (daí o termo
alienação como estranhamento, não reconhecimento de si na obra, na história ou no
processo).
Separação dos agentes causais humanos, invenção substitutiva por entes míticos,
negação sistemática (ainda que involuntária) dos graduais processos por intervenções
mágicas e instantâneas. Estas são as operações psíquicas dos conteúdos daqueles que
ainda empregam os meios mágico-míticos e religiosos (dogmáticos) para encetarem,
inculcarem desvios da intencionalidade político-religiosa, a saber: a dominação pelo
convencimento pelos recursos elencados para fins de desigualdade, de privilégios, de
instrumentalização humana para interesses de grupo que contrapõem-se a um
desenvolvimento comum, coletivo; da legitimação de estratificação social, para
culminar na divisão em classes no sistema capitalista.
(...) temos que reconhecer duas esferas “mentais”, cuja relação mútua
é a da infra-estrutura e superestrutura. A questão aqui será de que
modo uma esfera afeta a outra no processo global – como uma
mudança estrutural na superestrutura. (MANNHEIM, Org. Bertelli
1974: 48).
111
Com grau de direções das determinações quero frisar que nalgumas situações pode
prevalecer mais do ideal para a ação; e noutras, mais para a práxis para o discurso. Portanto não
privilegio uma delas para minha investigação, mas depois de investigar posso inferir se há maior
intensidade de uma para outra.
econômica. Não é que a posição econômica seja a única causa
atuante, enquanto tudo o mais se limite a efeitos passivos. O que
existe é uma interação das esferas sobre a base da necessidade
econômica que, em última análise, predomina sempre. (MERTON112,
Org. Bertelli 1974: 98).
112
Citação de Engels por Merton. Engels, em carta a Heinz Starkenbuerg, a 25 de janeiro de
1894, p.392.
alternativa, que “corresponda” a um real equilíbrio de forças, ao invés
de optar por outra que, dirigindo-se em sentido contrário ao da
situação de poder existente, está destinada a ser instável e precária.
Existe uma compulsão última advinda do desenvolvimento
econômico, mas sua orientação não é a tal ponto detalhada que impeça
a total ocorrência de variação das idéias. (MERTON, Org. Bertelli
1974: 112).
113
Supra-ego.
114
Id.
em não perceberem nos mecanismos que descrevi como inerentes ao ser humano, em
qualquer época, povo ou grupo social.
Provavelmente Feuerbach predicou, compreendeu pelo termo essência algo que
é constitutivo no ser humano, ou seja, que é uma potência a ser atualizada. Engels e
Marx, similarmente compreenderam de tal termo, não o inato, mas o adquirido, a
formação, a construção daquilo que é volátil e cultural.
Essência em:
Feuerbach é natural.
Feuerbach é herdada.
Feuerbach é resposta humana, operada mentalmente pelo indivíduo.
115
Ambos os termos são um legado de Aristótelois.
116
Carecimentos básicos: fome, sede e sono; noutro aspecto, desejos.
Que é a mercadoria? Trabalho humano concentrado e não-pago. Por
depender da forma da propriedade privada capitalista, que separa o
trabalhador dos meios, instrumentos e condições da produção, a
mercadoria é uma realidade social. No entanto, o trabalhador e os
demais membros da sociedade capitalista não percebem que
mercadoria, por ser produto do trabalho, exprime relações sociais
determinadas. (...). (CHAUÍ, 2004: 54).
117
O aspecto ameaçador é explicado pelo mecanismo psíquico de extrojeção. Corresponde a
expulsarmos para fora aquilo que nos desagrada (análogo à representação icônica do diabo). A força da
ameaça tida como externa é uma dissociação da interna: o medo e insatisfação sentida de maneira
difusa e vaga, sendo tal projetada, extrojetada como um meio para aplacar a ansiedade e insatisfação
por deslocamento do agente. Com tal deslocamento conseguimos nos eximir da responsabilidade de tal
atitude ou causadores desse sentimento ou condição com a atribuição predicativa deslocada num
“outro”. No âmbito dialético, se a resposta do conflito externo das relações humanas é a internalização,
O segundo momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte:
assim como o fetiche religioso (deuses, objetos, símbolos, gestos) tem
poder sobre seus crentes ou adoradores, domina-os como uma força
estranha, assim também age a mercadoria. O mundo se transforma
numa imensa fantasmagoria. (CHAUÍ, 2004: 55).
a introjeção de tal conflito na vida intrasubjetiva, ambos os momentos são faces, lados da mesma
situação dissociativa, deslocativa.
também, para desviar o princípio causal de tudo isso: possivelmente as condições de
trabalho alienado com suas implicações de destituição semântico-valorativa. Uma vez
introjetados os mecanismos de dissociação advindos do conflito externo, de lutas de
classes, de conflito por situações de sujeição injusta e desigual, é como se o plano do
discurso introjetasse homologamente a contradição social, resultando de tal
internalização, uma cópia, uma mímesis das condições externas para os mecanismos
internos, operativos, de também dissociação dos signos.
A dissociação externa da escolha, trabalho e meios reflete-se mecanicamente,
involuntariamente – tal qual num sintoma – nos mecanismos psíquicos, seja para o trato
intra-subjetivo, seja para o intersubjetivo. Naquele, a racionalização como legitimação
das condições externas e também para refrearmos o potencial de revolta externa; neste a
ideologia e o trabalho mecânico como uma maneira de legitimar as diferenças geradas
pelas divisões de classes e do trabalho, renunciando à transformação pela acomodação
(prática e teórica), pela adequação e conformismo, pela aceitação e defesa do estado de
coisas atuais. O medo da problematização é o medo da reflexão das causas e, com ela,
as implicações psíquicas e sociais de transformação. Percebermos o mecanismo
neurótico de ideologização e racionalização é renunciarmos com tais expedientes e
agirmos de maneira ativa, dentro e fora de nós. Percebermos as condições genéticas de
organização sócio-econômica é optarmos por condições não de exploração e
desigualdade, mas com relações de cooperação para o desenvolvimento mútuo e,
também, pela escolha dos meios, pelo sentido de realização que advém do labor e da
maneira de execução do trabalho que detemos os meios de produção: para nosso
desenvolvimento e senso de realização.
Tudo isso implica na formação de nossa identidade pelo reconhecimento de
nosso trabalho no produto (fazer-se pelo agir118) bem como o conhecimento dos
mecanismos do aparelho psíquico (natureza humana inata119) que age de maneira
automática em casos de problemas e conflitos que não foram enxergados as suas
origens, fontes e causas. Ambos são necessários para a compreensão, está que é
interpretação sistêmica, relacional dos determinantes e condições (externos e internos).
A cura para tal enfermidade é um processo de reconhecimento histórico, de
hierarquização dos valores, de aprofundamento conceitual e categorial, de precisão
semântica, de domínio lógico dos discursos, da retórica que apreende os expedientes
dos juízos de valor e da escolha do agir e fazer como integrantes de nossa resposta
afetiva, essencial nas práxis, nas deliberações e construções explicativas que denunciam
formas de exploração e alienação, sejam mais coletivas, sejam mais individuais. Se
interpretamos algo como independente de nós quando somos nós que produzimos, está
aí o segredo, o índice duma sintomatologia: o desejo de nos eximir da responsabilidade
de domínio da realidade interna e externa, por deduções superficiais e aparentes daquilo
que depende de nós. Fantasisticamente, aquilo que é dissociado é uma maneira de
evitarmos um confronto: seja com os conteúdos, seja com a operatividade que reina e
118
Posicionamento semântico de Engels/Marx.
119
Posicionamento semântico de Feuerbach.
insiste em nossa atuação infantil de proto-racionalidade nos conflitos internos e
contradições externas (interesses de grupo contrárias ao desenvolvimento comum).
Poderíamos pensar a divisão social do trabalho como uma simples partilha nas
tarefas. Ora, mas qual o problema de dividir atribuições? Não tanto pela divisão em si
mesma, mas o encaminhamento social, a configuração que é posterior à divisão: a
desigualdade das oportunidades120 e a propriedade privada como monopólio da classe
dominante.
120
Raymond Boudon tem uma obra intitulada.
121
Com tal expressão caracterizo a relação diretamente proporcional entre autonomia
existencial, ou seja, a capacidade de gerir a própria subsistência e a decorrente construção identidária, a
dos significados, dos sentidos de realização através do agir. Homo Faber é outra expressão da natureza
por se fazer, da essência humana adquirida nas relações, nas atividades engajadas e escolhidas; elas
ressoam na identidade individual com mais raízes se comparadas ao mero fetiche do status social do
consumo. Estamos diante duma Filosofia da Práxis como explicação da construção subjetiva por e pela
ação, também entendida aqui como ação comunicativa, uma vez que comunicar é uma forma de relação
simultaneamente intra e intersubjetiva.
122
Não tão humanos, pois o instinto gregário que segrega as pessoas em “outros”, “estranhos”
é um recurso antigo de sermos humanos e respeitosos apenas com um grupo: a nossa nação. Ah, mas
mesmo dentro da mesma nação teremos outras divisões expropriadoras e desapropriadoras... ambos os
momentos são litotes, ou seja, definem-se apenas mutuamente, como pares antitéticos gerados por
interesses de grupo pela categorias sociais já explicadas.
Dissertarei em momento oportuno o paradoxal fenômeno da mímesis ideológica
e axiomática, como elementos necessários para aqueles que aceitaram o cenário social
de ascensão, com a defesa quase maníaca, compulsiva, dos privilégios e prestígios das
posições sociais adquiridas como legítimas formas de ascensão econômica... como
justas, afinal que mal há em ocupar a posição, a sintaxe social do enriquecimento dos
alto cargos? Uma vez que é sempre por “mérito”, por “direito”, assumir a prerrogativas,
os ganhos e vantagens de tal posição social? Tiremos proveito da destituição volitiva,
identidária, cultural e luxo... ainda que seja necessário como momento dialético do
litotes, a simultânea hipo-axiomatização e destituição alheia, daquele que não pertence à
classe que agora fazemos parte.
Pela capacidade de síntese processual do trâmite histórico-sócio-econômico da
Filósofa Marilena, reproduzirei um trecho de maior extensão, com o propósito de
explicitar por via da historicização e implicações das divisões, o significado ampliado, a
visão sistêmica de maior alcance proporcionada pela tomada de conteúdo histórico, da
montagem desse drama sócio-patológico no teatro de enredo capitalista, pelo qual os
atores e atrizes sociais vivem seu cotidiano como o único possível, por não atentarem
para a relatividade da construção teatral, dos postos, enredos e cenário institucionais,
dos papéis admitidos e dos rejeitados. Na medida em que tomamos ciência de tal
estruturação, de tal montagem, teremos ao nosso dispor os meios de interromper a
marcha “impessoal” da tais práticas e condições para um andamento pautado na
deliberação de novas medidas práticas e teóricas, transformadoras do estado interno e
externo, só que agora com domínio dos efeitos em ações e projetos conscientes,
conscientes das modificações necessárias, individuais e coletivas, psíquicas e sociais,
conceituais e motivacionais, explicativas e acusativas, renunciadoras do estado presente
para a pró-atividade com vistas no presente e futuro.
123
Lembremos da explicação da destituição semântico-etimológica do termo democracia
como um expediente de dominação apolítica, uma vez que política, em Atenas, é administrar para o
bem-comum, o que é incompatível com a unilateralidade de interesses de grupo que promovem a
desigualdade e a injustiça com o nome de Justiça brasileira. O significante foi dissociado do significado
original com intentos de exploração e enriquecimento, de manutenção do status quo de acúmulo de
riqueza tributária na oligarquia que vivemos.
Queres maior arbitrariedade em leis que os protegem e inibem o proletariado ao acesso
da educação superior e aos meios de aquisição de bens de consumo? Sabemos agora
qual é a entidade “impessoal” que nos domina e nos ameaça: Estado como interesse
discriminador e destituidor com vistas em seu próprio umbigo! Como comitê da
corrupção e da promoção da desigualdade organizada: socialmente, estruturalmente
engendrada. Pela emissão de discursos pseudo-legimitadores da ordem vigente com o
intento de permanência do cenário sócio-econômico-administrativo com seus
privilégios. Com argumentos escamoteadores para despistar nossa atenção quanto à
intenção dos mesmos e suas causas históricas (passadas e atuais). O fomento ao
Consumo frenético e o fetiche do senso de identidade a ser construído sob o critério da
mais do ter do que do ser, mais da aquisição do que do uso, mais da ostentação do que
do fazer-se a si próprio. Os meios de comunicação de massa completam o quadro
reprodutor como aparelhos ideológicos de Estado.. ainda que não oficiais mas oficiosos
em sua eficácia sígnica e sutilezas semióticas de disseminação da dispersão da
consciência em projetos superficiais de realização pessoal via ingresso no consumo e
nos valores sociais vigentes, valores estes invertidos, tanto quanto a inversão no plano
das ideias entre causa e efeito, entre essência e acidente, entre necessidade e
contingência.
Confiro ao par antitético aparência/realidade como interpretações superficiais e
imediatistas e interpretações elaboradas, articuladas em suas relações e determinadas
pelos fatores geradores ou formadores (causas necessárias).
A ameaça e força que foge de nosso controle são as condições de exploração que
não foram identificadas no plano consciente e que por isso são lidadas de maneira
neurótica pelo princípio de regência inconsciente como um meio (inadequado) de lidar
com aquilo que é intersubjetivo. A ameaça do poder que nos domina e não pode ser
nominado pelo fato de não ser ainda reconhecido, é o medo de enfrentamento, este que
é o motivo de nossa resistência em atribuir a causa de nosso sofrimento (pelo menos
parcial no que se refere à estrutura social) aos agentes castradores de nossa subsistência
e desenvolvimento: os detentores dos meios de produção e terras. A dissociação para o
“céu” impede de reconhecermos os agentes de nos sentirmos mal pela responsabilidade
de aceitarmos viver neste cenário social. A recusa da causa histórica fornece o ambiente
adequado de passividade e comodidade psíquica.
124
Novamente enfoco tal fenômeno como aquele explicado pela professora Chauí com a
expressão Equívoco Predicativo, como já mencionei nesta investigação.
125
Termo cunhado por mim para designar a os aspectos conotativos/denotativos deslocados da
consciência para seus representados. É a confusão de predicados entre manifestação enquanto
representação da e na consciência pelo referente. É como no etnocentrismo ao interpretarmos com
juízos de valor de nossa própria cultura. Nada há de necessário em tais predicados, uma vez que são
projetados – indevidamente atribuídos – ao referente o objeto de estudo. O modo como conheço meu
conteúdo (a manifestação involuntária da imagem do Estado como interesse comum e unificado) não
carece de processo numa manifestação abrupta, mas necessita de processo quanto à anterioridade ou
substrato formador de tais imagens. Quanto à operatividade é involuntária, portanto independente;
quanto ao conteúdo Estado é dependente, e revela o contexto sócio-político-cultural do indivíduo. Aqui
é um caso clássico, típico de Fusão de atributos díspares, na confusão do atributo formal para o
conteudístico. Discriminar operatividade dos signos e conteúdo dos mesmos é crucial, nuclear para uma
dialética explicativa e para uma interpretação isenta de ideologia: seja na intenção, seja na implicação.
Estranhamento e força involuntária são propostas como efeitos das condições
sistemáticas de exploração na produção e reprodução da vida, nas relações que se
travam nessas produções, sendo a consciência, pelo menos em grande parte, efeitos em
sua apreensão e reprodução da realidade social cindida. È como se a cisão em categorias
sociais, na forma de trabalho, nos meios de produção expropriados e no próprio modo
de execução repercutissem em toda a captação dos indivíduos com os sentimentos
também cindidos: involuntariedade do poder impessoal que os domina bem como
independência de vontade e ações!
126
Independentes, não suscetíveis de formação ou de processo gerador.
Nasce agora a ideologia propriamente dita, isto é, o sistema ordenado
de idéias ou representações e das normas e regras como algo separado
e independente das condições materiais, visto que seus produtores – os
teóricos, os ideólogos, os intelectuais – não estão diretamente
vinculados à produção material das condições de existência. E, sem
perceber, exprimem essa desvinculação ou separação através de suas
idéias. Ou seja: as idéias aparecem como produzidas somente pelo
pensamento, porque os seus pensadores estão distanciados da
produção material. Assim, em lugar de aparecer que os pensadores
estão distanciados do mundo material e por isso suas idéias revelam
tal separação, o que aparece é que as idéias é que estão separadas do
mundo e o explicam. As idéias não aparecem como produtos do
pensamento de homens determinados – aqueles que estão fora da
produção direta – mas como entidades autônomas descobertas por tais
homens. (CHAUÍ, 2004: 63).
Em toda ideação há uma parcela, uma parte com independência relativa em sua
produção. Por tal fenômeno podemos nos valer do argumento de que há originalidade
na teorização. Entretanto, como expliquei, as racionalizações são variações sobre o
mesma tema, variantes dos mesmos critérios, condições ou desejos dum grupo detentor
e administrador. A identificação dos indivíduos é a chave para concebermos que uma
vez identificados com o cenário social de privilégios e status, mesmo aqueles que estão
em condições subalternas almejam alcançarem o pódio dos altos cargos administrativos
para colherem “o céu aqui na terra”. Somente aqueles que abdicam de tal posição e
participação nesta organização sócio-econômica corrupta é que avaliam meios e fins,
modos e intenções, atos e conseqüências dos mesmos. A obliteração de tais axiomas
socais é o indício da insurreição e da transformação de práticas reiterativas e discursos
legitimadores da exploração do ser humano pelo humano.
A variação individual das idéias versam sobre invariantes, sobre critérios e
axiomas que mantêm o estado de coisas sociais atuais. Agir sobre tais regras,
pressupostos e valores, pouco importa a roupagem, desde que a defesa de tais valores
seja alcançada com sucesso, seja coerente aos critérios, que apesar de implícitos,
fornecem a base, o paradigma para práticas e discursos apologéticos do sistema
econômico vigente. Se é para elogiar, pouco importa os elogios, só não pode refutá-los,
pois somente assim ameaçaria a ordem social da dominação capitalista. No campo
lógico127 e retórico128, as falácias e os recursos para os mesmos são empregados para
legitimar a dominação em si e a expressão da dominação. Aquela refere-se a toda
dominação administrativa; esta, aos modos específicos empregados nos casos
singulares. A primeira é fim (finalidade defendida), a segunda são os meios para a
consecução da primeira. Também os setores envolvidos: religiosos, midiáticos,
político, econômicos e educacionais completam e reforçam através da propaganda
subliminar.
127
Sintático denotativo.
128
Semântico conotativo.
O instinto gregário desmedido, incondicional deve ser superado pelo desejo de
sermos aceitos somente em condições que considerarmos dignas. A força da dominação
reside na capacidade individual de sentirmos a dor da perda, a dor psíquica de sermos
diferentes do massa, a dor de não sermos reconhecidos em todos os lugares. A força da
dominação também reside no medo de enfrentarmos e questionarmos as medidas sociais
que são injustas e abusivas. O enfrentamento requer energia para mudar (externo e
interno), seja pelas acusações dos discursos contraditórios da ideologia, seja pelas
recusas de práticas injustas no cenário constituído coletivamente: em seus cargos
elitistas e privilégios concedidos. É também um trabalho de hierarquização de valores,
de revaloração do que é direito e dever. Ninguém tem o direito de desapropriar e nem o
dever de aceitar tais condições materiais de existência sócio-cultural.
Toda revaloração encaminha-se pela reconceituação, pela re-significação e visão
de mundo. Reverbera também as atitudes, agora avaliadas sobre outro prisma, sobre
critérios mais humanos e menos segregadores, na distribuição de oportunidades por
mérito pessoal e não por pertença classista. Referi-me várias vezes sobre o cenário
social (capitalista) como espaço público para ocuparmos determinado posto e, por e a
partir dele, executarmos práticos coerentes com o oportunismo129.
129
Tal termo designa a ambição privada (abusiva) retroalimentada pelo espaço pública (legal)
com o interesse de adquirir privilégios em detrimento da destituição alheia.
efetivo de consciência psicológica dos proletários com a consciência
de classe do proletariado. (BERTELLI Org. - LUKÁCS, 1966: 48).
130
Conceito explicativo empregado por Pierre Bourdieu.
131
Mais um binômio da explicação do Litotes. Um binômio é um par de oposição necessário, na
qual um determina o outro pela significação comparativo-polar.
132
Mais especificamente a instituição da polaridade classista, da contrariedade telésica na
comunidade.
133
Como expressão técnica: distinção classista de repercussão axiomático-identidário.
educação, que é um desses bens. Em geral, o pedreiro que faz a escola
e o marceneiro que faz as carteiras, mesas e lousas são analfabetos e
não têm condições de enviar seus filhos para escola que foi por eles
produzida. Essa é a contradição real, da qual a contradição entre a
idéia de “direito de todos à educação” e uma sociedade de maioria
analfabeta é apenas o efeito ou a conseqüência. (CHAUÍ, 2004: 63).
O livro de nossa filósofa foi escrita nos anos 80. Depois de 30 anos são poucas
as pessoas que não tenham acesso às escolas. Entretanto, ainda que a maioria seja
escolarizada, muitos são analfabetos funcionais, quando não, condicionados
tematicamente e na amplitude do alcance articulativo do pensamento, minados
volitivamente, seja na auto-estima, seja no ganho secundário do produtos tecnocráticos
de entretenimento. Com o programa de passagem compulsória de uma série para a
outra134, o quadro da exclusão mudou de Foco. Se no passado a briga foi para a inclusão
das escolas, hoje a briga é pela inclusão numa escola de qualidade reconhecida. O
motivo pelo qual o progresso da qualidade do aproveitamento acarreta a mudança
semântica: de progresso qualitativo para quantitativo: Verdade? Sim! Por quê?
Ocultaram-nos do mais importante: os motivos de não repetição é para excluir os jovens
da disciplina, do engajamento do interesse genuíno por aprender; para os políticos
obterem o tão almejado investimento do Banco Mundial para o Brasil (motivos
econômicos ocultados e travestidos por educacionais135). Se avaliarmos o grau zero de
exigência para sermos aprovados na escola no ensino fundamental e o grau superlativo
de exigência para o sermos nas Universidades Públicas predicaremos sem louvor e com
tristeza (e revolta) o seguinte desfecho: Mais uma contrariedade social está instalada!
Qual? A discriminação em forma de litotes entre a massa de ensino medíocre e a elite de
ensino reconhecidamente qualificada. Também entre o quanto é exigido no
fundamental e no superior nos vestibulares. Para que tanta informação mecânica?
Porque somente quem dispõe de tempo ocioso pode memorizar e assimilar fórmulas e
conteúdos que não se vive no dia-a-dia, pois quem está preocupado na manutenção da
vida em subsistência, não consegue admitir prazer em estudar algo que não se vive, que
está distante da vida cotidiana. No próprio ensino estamos destituídos – didaticamente -
dos processos que desembocam nas fórmulas das disciplinas das ciências
quantificadoras (exatas), sendo mais fácil e viável para um ensino alienado,
fragmentado, a exposição das formas das fórmulas e não do conteúdo
histórico/processual/analítico de seus descobridores. Aqui temos a indiferença dos
governantes e administradores em diferenciar por exclusão/inclusão de critério classista-
econômico não apenas o acesso à educação técnica, mas a destituição da educação
humanista (ciências humanas), dado pelo enfoque tecnocrático dos investimentos
acadêmicos.
134
A “progressão continuada” implantada pelo governo do Estado do PSDB mascara a
regressão continuada daquilo que se chama ensino....piada!
135
Há uma das partes do capítulo dedicado à interpretação intencional entre as práticas da
“progressão continuada” e os discursos legitimadores dos mesmos.
O pedreiro que levanta as paredes da escola e o marceneiro que confecciona os
objetos para as escolas podem sim participar do ensino. Mas de qual? Jamais o alto
nível, apenas o de 2º grau... e caso curse o 3º grau, sê-lo-á em faculdade privada. A
contrariedade explicada por mim revela o pressuposto da oposição por litotes, ou seja,
em nosso contexto, a oposição entre faculdade de alto e baixo nível entre sistema de
ensino via pública e particular até o ensino médio, com a inversão entre alto e baixo
nível de ensino na rede pública e particular no ensino superior.
Toda esta má distribuição de oportunidades é paralela à má distribuição das
riquezas da ‘nação’. A organização chamada Estado é responsável pelas medidas legais
e administrativas, gerenciando e mantendo as condições de exploração capitalista, dos
cofres públicos advindos de tributos previstos em leis, pois estes são responsáveis pelo
enriquecimento duma minoria elitista em detrimento das classes produtoras. Na
constituição há diversas “garantias” do uso da verba pública destinadas à manutenção
duma certa qualidade da saúde, educação e segurança. Nem saúde nem educação estão
em quantidade suficiente para a demanda populacional, muito menos a qualidade de
ensino que os políticos e filhos e filhas destes têm ao estudarem nas Universidade
Públicas brasileiras, ou mesmo colégios no exterior. De passagem, comento aqui o
suposto interesse comum dos governantes, do argumento de que o Estado representa o
“poder do povo e para o povo”. Veremos o quanto há de verdadeiro nesta afirmação,
iniciando nossa investigação por mais uma citação de nossa Filósofa:
O Estado é uma comunidade ilusória. Isso não quer dizer que seja
falso, mas sim, que ele aparece como comunidade porque é assim
percebido pelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa figura unificada
e unificadora para conseguirem tolerar a existência das divisões
socais, escondendo que tais divisões permanecem através do Estado.
(CHAUÍ, 2004: 66).
Assim como o sentimento de estranhamento guarda caracteres de intrusivos e
recursivos em nossa mente, de modo que tal aparecimento está destituído de mediação
do processo que o gerou: também o Estado é predicado como algo independente da
vontade dos indivíduos, porém, com a prerrogativa de que é “necessário” um corpo
administrativo para gerir os interesses comuns ou da maioria, para lhe dar forma e
deliberar sobre as causas sociais.
Talvez não seja a insuficiência da demonstração e seu método, mas o não perceber a
independência dos meios para adquirir fins comuns. São os fins e sua operação
separadora, segregadora, distintiva e legitimadora da ordem oficial exploradora é ponto
em comum, sendo as variações de meios para a sua execução um mero acidente que o
acompanha, mas que apenas os fins, os interesses elitistas e seus critérios gerais de
desapropriação semântico/identidária/econômico/existencial/cultural levados a cabo.
136
Formal como operatividade que executa um propósito, que atualiza, que provoca um
resultado esperado. Daí o termo funcional como síntese de dois momentos: o critério motivador
(axioma) e a expressão ou execução de meios que resultem na obtenção dos fins almejados. Estrutura é
o mecanismo operativo da função; o interesse é o desejo motivador de estruturas; os meios são as
expressões ou os modos pelos quais o interesse potencial é atualizado. Daí o grau superlativo de
importância que atribuo à interpretação intencional e seus correspondentes recursos atualizadores.
Sem as condições materiais da revolução, é inútil a idéia de revolução,
“já proclamada centena de vezes”. Mas sem a compreensão intelectual
dessas condições materiais, a revolução permanece como um
horizonte desejado, sem encontrar práticas que a efetivem. (CHAUÍ,
2004: 68).
O raio de alcance da luta de classes são as relações diárias em seus mais diversos
domínios e setores institucionais. A destituição volitiva e executiva, bem como o modo
de como consumimos os produtos são dois momentos do mesmo processo: um estilo de
vida marcado pela segregação e injustiça, pelas medidas administrativas de governantes
e pelo apreensão dos discursos e apropriação – alienada – dos produtos pela classe
trabalhadora.
Leitoras e leitores, lembrai-vos de meu comentário concernente aos mitos?
Expliquei o recurso psíquico utilizado para sintetizar, fazer convergir diversos
significados num significante de imagem (o que chamo de ícone). Se lá no mito
houveram entidades imaginadas para cumprirem o papel de significante e, com isso, na
unidade de signo; aqui, temos a sociedade civil sendo tomada como signo. Talvez por
isso, na obra Leviatã de Hobbes, apareça no frontispício a figura mítica de um gigante
Rei abarcando, englobando a população e o espaço geográfico de seu reino: como a
delimitar seu alcance de comando e gerenciamento das vidas subordinadas à sua espada
e seu cetro. Tal signo cumpre a função de unificação, ponto de convergência de vida,
interesse, economia, medidas administrativas e etc. Mas, se o signo é apenas um, o que
ele se remete é múltiplo; se o que ele representa é individual em sua expressão
significante, é coletivo no conteúdo do significado.
Contudo se o signo-imagem aglutina em si todo uma miríade de significados,
valores e noções, tais são vagas em nossa consciência, justamente pelo fato de tal
fenômeno ser implícito. Acrescente-se a isso uma ambigüidade estrutural na produção
mítica e onírica: todo ícone expressa e oculta, revela e esconde, emiti e omiti!
Ora, Marx e Engels mostram que as relações dos indivíduos com sua
classe são relações alienadas. Ou seja, assim como a Natureza, a
Sociedade e o Estado aparecem para a consciência imediata dos
indivíduos com os poderes separados e estranhos que os dominam e
governam, assim também a relação dos indivíduos com a classe lhes
aparece imediatamente como uma relação com algo já dado e que os
determina a ser, agir e pensar de uma forma fixa e determinada. A
classe ganha autonomia com relação aos indivíduos, de modo que, em
lugar de aparecer como resultante da ação deles, aparece de maneira
invertida, isto é, causando as ações deles. (CHAUÍ, 2004: 72).
Para tais fins, o recurso empregado reside na predicação, nos conceitos e nas
causas forjadas á força, induzidas pelo medo de revolta contra práticas a serviço dos
dominantes ou mesmo da dominação em geral independente da posição social138 ou
classistas de seus agentes. O não-olhar sistemático de conteúdos que despertem conflito
interno e externo promove a substituição da causa social pela inversão. A função de
apaziguamento do indivíduo fortalece esse recurso, ainda que inadequado e imaturo.
138
Uma das recentes explicações de meu Mestre Marcos Oliveira da Silva está na Teoria dos
quatro Setores, com seu conceito de Quaternidade, ou seja, de que pouco importa atualmente de
quem vem, de qual a origem dos agentes comunicativos das justificativas e legitimações do poder
dominante, pois este já está (pre)dominante nas consciências individuais como metas, diferindo em
cada setor os meios empregados para atingi-los. A classe trabalhadora e destituída já defende por si
mesma ao identificar-se com tal poder social de privilégios e práticas sistematicamente injustas e
divisoras de classes, valores e direitos correspondentes.
Fechar temporariamente as portas e janelas da consciência;
permanecer imperturbado pelo barulho e a luta do nosso submundo de
órgãos serviçais a cooperar e divergir; um pouco de sossego, um
pouco de tabula rasa da consciência, para que novamente haja lugar
para o novo (...) – eis a utilidade do esquecimento, ativo, como disse,
espécie de guardião da porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da
etiqueta (...). (NIETZSCHE, 2007: 47).
Desigualdade justificada mas que não aceito, pois tenho valores como o
princípio de isonomia e isogoria. Tal justificativa não convence, pois institui a
destituição, a divisão de mérito por classe econômica e não por mérito pessoal da
idiossincrasia. No plano de minha investigação intencional, está a hierarquização dos
valores e seus pressupostos como base ou passagem para os predicados concernentes a
seus agentes, no tocante à intencionalidade dos mesmos. Daí a primazia do plano do
discurso como objeto de estudo das proposições e práticas coletivas e individuais.
Desvendar motivos é para mim mais um aspecto nesse processo. Além das
práticas discursivas, atividades produtivas e atividades intersubjetivas, apontar os
mecanismos ou recursos ideológicos, bem como práticas alienantes (produtivas e
interativas), tomo como núcleo e precedente cronológico de tais fenômenos a
intencionalidade dos agentes. Práticas e comunicação como esteio da visada, da volição
humana como expressão no mundo. Elas podem ou exercitar o domínio abusivo ou o
domínio didático, emancipativo, cooperativo, acolhedor, corretivo e valorativo. A
libertação da dominação abusiva está no trabalho volitivo e teórico por um lado, e
prático e dinâmico por outro. Se o pensar a-histórico prevaleceu nas investigações
ideológicas e de comportamento humano é porque tal expediente oculta –
propositadamente – conteúdos, inventa causas ou substitui os fins dos agentes para
exumá-los da responsabilidade: é melhor endeusar o agressor numa atitude projetiva
filial a contestar-lhe os propósitos e meios nas implicações diretas (conseqüências
práticas e econômicas, má distribuição dos bens, seleção abusiva e discriminativa do
acesso cultural) e indiretas (valores, conceitos, idéias, definições, causas, senso
identidário).
Todo o respeito portanto, aos bons espíritos que acaso habitem esses
historiadores da moral! Mas infelizmente é certo que lhes falta o
próprio espírito histórico, que foram abandonados precisamente pelos
bons espíritos da história! Todos eles pensam, como é velho costume
entre filósofos, de maneira essencialmente a-histórica; quanto a isso
não há dúvida. (Nietzsche, 2007: 18).
139
Ou melhor, desapropriadores de terras, saqueadores, ladrões, estupradores, assassinos,
escravagistas, extrativistas anti-ecológicos e, por fim, heróis da desumanidade!
mecanismos operativos, dos esquemas argumentativo ou retórico, com a conseqüente
polarização axiomática, mas não de litotes classistas, mas dum fantasma chamado
história e seus agentes.
História é um produto, e como tal, uma produção coletiva pelos atos. Também é
uma seleção dos fatos conforme a predileção valorativa de seus executores
(historiadores). Dotar o produto de força própria quase humana (antromorfismo) bem
como independência volitiva dela – a história – de seus agentes singulares – os
indivíduos – (hipóstase) é mais um mecanismo operativo psico-lingüísitico de teor
retórico, com fins específicos: destituir os agentes da tomada causal frente a seu
produto140 e deslocar o conteúdo/atributo – este destituído dos agentes singulares – para
a esfera do universal (história), para o âmbito do substantivo abstrato dotado de
humanidade (antropomorfismo) e independência141 motriz (hipóstase).
O que tais ideólogos chamam ou entendem de história substitui a classe
dominante, oculta-os pelo outro significante. O significado de tal substituto é o mesmo
da classe dominante: “lei”, soberana, impessoal, coercitiva, destituidora. O mesmo
papel do Estado é imputado travestidamente na História. Sendo que os súditos de tal
Rainha recebem os mesmo efeitos, só que desta vez o elemento fantasístico, esse
fantasma que encobre o Leviatã – a ‘história’ – com motor próprio, ou seja, vida
independente. Claro! Seus produtores são produzidos projetivamente pela ‘história’, não
são mais produtores, mas restringidos a produtos de sua própria produção, do qual não
se reconhecem – num primeiro momento irreflexivo – como produtores, e nem como
repectáculos dos atributos da soberana ‘história’ que detém as qualidades, os atributos
usurpados de seus produtores, deslocados para o substantivo abstrato, este como ponto
de convergência dos atributos e feitos humanos. Nossa como um substantivo abstrato
desse teor lembra a frase de Engels e Marx parafraseando Feuerbach de que: “Quanto
mais pomos em ‘deus’, mais tiramos de nós os mesmos atributos”.
Vejamos o que Marilena oferece-nos quanto a tal tópico:
140
Destituição causal.
141
Fator do fenômeno da alienação.
A explicação, o discurso é centro de batalha; é instrumento de ampliação e
reforço dos mesmos intentos das práticas socais de dominação capitalista. Por isso meu
foco interpretativo resida no discurso, para num segundo momento dedicar-me à
interpretação das práticas. Investiguemos outro discurso corrente no inconsciente social
dos indivíduos duma mesma situação de trabalho desde o séc. XVI até meados do séc.
XIX: “O trabalho dignifica o homem”.
O ser humano, quando em atividade que escolhe e por motivos que visualiza ser
um fator de realização sua no mundo (natural/social), sente-se realizado no processo de
tais práticas. Mesmo o resultado final é sinal de satisfação para uma atividade engajada
e apaixonada. Infelizmente, interesse e paixão, realização e resultado nem sempre
caminham juntos. O discurso oficial do trabalho expõe um verdade práxica e psíquica
inerente a todo o ser humano; porém, omiti as condições pelas quais o contexto de tais
séculos destitui o ser humano dos itens: deliberação, meios de produção, identificação
do produtor e a espécie de trabalho e produção e etc. Levanto uma questão: Todo
trabalho dignifica o ser humano? A referência ‘o trabalho’ é vaga, pois omiti condições
de realização de todo e qualquer trabalho e suprimi a situação atual de desapropriação,
mais-valia, meios de produção alheio, execução do mesmo escolhida por outro, da
destituição identidária, e etc.
Qual trabalho dignifica o ser humano? Aquele que preenche requisitos de
escolha de meios de execução e detendo os meios de produção. Aquele que corresponde
aos anseios do trabalhador. Aquele que uma vez escolhido será fator de realização para
aquele que o realiza. Interesse e paixão combinado com meios e espécie de trabalho
próprios do produtor garantem engajamento e não alienação no trabalho. Qual será
então a intenção por trás do discurso oficial acima? Explico-vos: dispensando analisar
as condições de todo e quaisquer trabalhos e situações a que o trabalhador do sistema e
práticas capitalistas estão submetidos, o ser humano é pego em seu senso identidário:
“Homem que é homem trabalha” ou “A atividade desempenhada engrandece o ser
humano”. Bem, nem todo trabalho dignifica, pois o trabalho capitalista destitui o ser
humano. Nem toda atividade desempenhada engrandece, pois também o aliena142. Nesse
aspecto, a idéia de trabalho diverge da situação social em que o trabalho se realiza.
142
Lembremos do método Taylorista de produção em série.
(católico e protestante)? Liberdade pressupõe apresentação de diversidade e não
univocidade, e não variação sobre o mesma tema. Qual o grau de liberdade para um
trabalhador destituído? Nenhuma, no tocante ao trabalho apropriado às suas
identificações e deliberado por ele; a única opção é escolher qual trabalho destituidor
presente no mercado de trabalho. O mesmo vale para a ‘religião’: qual o grau de
liberdade da opção deste setor aqui no Brasil? Nenhuma, no que tange aos segmentos
religiosos comparados e heterogêneos. Somente a ‘escolha’, no geral, entre catolicismo
e protestantismo143. Isso tem nome: etnocentrismo, e como tal, segregador e mais um
produtor de litotes social: os que são “salvos” e os que não são; os que são virtuosos e
valorosos e os do “mundo”. Ou seja, em ambos a diversidade é evitada,
sistematicamente evitada, omitida e ocultada, para que o adjetivo liberdade não
problematize as condições sociais de manipulação dos que são oficais, mas conforme-se
ao já instituído e reconhecido como único cenário possível na questão da deliberação.
Ou, então, quando se diz que os homens são livres por natureza e que
exprimem essa liberdade pela capacidade de escolher entre coisas ou
entre situações dadas, sem que se analise quais coisas e quais
situações são dadas para que os homens escolham. (CHAUÍ, 2004:
81).
Uma vez mais enfatizo como método de investigação intencional144 o exame das
repercussões que advém de determinadas práticas e condições sociais de escolha. Esta
última, correlaciono as implicações e enviesamento da diversidade oferecida em prol da
diversidade omitida/ocultada. É fácil exaltarmos uma idéia de liberdade quando ela está
tão restrita pelas situações atuais. Tal fenômeno de discurso social é similar ao de
“democracia”, pois infunde-se o que chamo de palavra de ordem. Esta é eficaz para
promover auto-estima na população quando se deseja evitar problematizações do
cenário social pelas implicações ocasionadas pelas mesmas. Nesse aspecto, o plano
ideativo cumpre ainda mais uma função de dominação do que as atividades capitalistas.
A exaltação duma qualidade e que tal é oferecida confere aos súditos um ‘espaço’ social
de deliberação. O mesmo espaço social é necessário para a manutenção capitalista,
porém, o que não se explicita é que tal espaço poderia ser outro bem melhor,
qualitativamente não destituidor do ser humano e nem instrumentalizador das relações
humanas. Bradamos democracia (representativa) para não lembrarmos da participativa
ou problematizarmos a atual. Bradamos liberdade frente ao trabalho todos estes são
destituidores. Bradamos liberdade de pensamento (inclusive ‘religioso’) quando o
currículo escolar do ensino fundamental não ensina religiões, não compara ou contrasta,
143
Apesar das múltiplas e variadas ramificações do linha protestante, todas versam sobre as
mesmas peculiaridades: fundamentalismo, segregação, terrorismo psíquico do complexo de culpa e
apequenamento do ser humano frente às ideações da divindade cristã e etc.
144
Teleologia.
mas apologiza145 a “religião” oficial vigente na mesma instituição educacional. Ocultar
os agentes e dissimular as implicações são esquemas da ideologia burguesa:
145
O mesmo ocorre com a assim chamada teologia: todo estudo requer um exame da
diversidade de seu objeto de estudo. Uma verdadeira teologia seria comparativa quanto ao conceito de
divindades, cosmogonia (mitologia) e valores da mesma, e não circular, unívoca e dogmática. Estudar
religiões é estudar diversidade de expressões e valores das mesmas e não eleger uma como verdadeira
e as demais como falsas, até porque a base de todas elas reside no consolo dos dogmas e explicações
mágicas e não na investigação das condições sócio-psíquicas de sua produção. Seria o mesmo que
estudar Mitologia, estudando apenas um mito e lidando com ele como se fosse factual; seria retroceder
no pensamento mágico ao invés de explicá-lo, de explicitarmos os mecanismos psíquicos inerentes a
eles, e a organização social do qual emana e promove seu assentimento por discursos etnocêntricos,
segregadores e políticos.
não-violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever
para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos
nessa realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício
consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados,
e os dominados revoltar-se-iam. (CHAUÍ, 2004: 83).
146
Todo o conjunto de pressupostos, ou seja, de valores implícitos aplicados. Também o
conjunto de práticas que em sua maioria subvertem, contradizem a lei formal (escrita).
147
Tal expressão origina-se de Herbert Marcuse como noção de instrumentalidade humana, ou
seja, das relações intersubjetivas como meios, destituídas dos fins humanistas, estas que são por e pelas
relações humanas em seu aspecto simbiótico, construtivo/cooperativo/humanista, em detrimento do
construtivo/segregativo/instrumental do modelo valorativo capitalista ou estatal.
sob a rubrica de Não-Violência no plano discursivo pela pseudo-legitimação que adota
como critério a origem estatal das leis como suficientes para a legitimação das
mesmas, mas mascarada pelo deslocamento da injustiça com a substituição da mesma
pela noção de legalidade!
Mas porque tal justificativa? Para mitigarem a atualização do potencial
naturalmente vivo dos subjugados (ou súditos, assujeitados). Para garantirem no plano
das idéias ou conceitos uma descrição que mantenha a imagem de bom samaritano da
figura do Estado e do Direito. Para garantirem a alteração semântica do conceito de
justiça pela substituição do mesmo pelo critério de legalidade instituída. Para conter o
ímpeto de revolta dos injustiçados pela figura de poder paternalista do Estado e do
Direito, tal qual mantemos um temor (vulgo respeito, porém mais próximo de
tolerância) cego pelo pai, ainda que sob cuidados desrespeitosos e instrumentais.
O investimento numa imagem boa é epíteto compensatório148 das práticas ruins
operadas pelos Detentores. Porém, tais investidas encontram uma manifestação mais do
que dum grupo específico pelo qual é emitido ou organizado: é a natureza (quase)
enigmática da impessoalidade149. É devido a tal característica que as ideologias são
escorregadias em seu núcleo formador e disseminador.
Já vimos a distância entre idéia de Estado, por exemplo, e o que as pessoas que o
representam fazem e intencionam. O núcleo do problema reside no entendimento de
como a representação da categoria Estado, ou mesmo as mais diversas ideias oriundas
do mesmo centro de disseminação. Mas o que podemos entender por ‘centro’?
Em nosso contexto, as situações de exploração, desapropriação e destituição –
sejam quais forem elas – oferecem os subsídios para que de maneira pré-consciente,
nossa subjetividade (ou consciência ou mente ou razão ou intelecto) organize
mecanicamente todo um conjunto de argumentos pautados, funcionamento equipados
para obnubilar a imagem da fonte emissora (no caso a instituição social Estado). Os
conceitos (definições) de Natureza, Sociedade, Ser Humano, Trabalho, Salário, Mais-
Valia, Economia, Ciências etc... são confeccionados por todo aquele que está, que vive
no seio da mesma situação sócio-econômica-cultural, pelo simples fenômeno de que as
definições ocultam a agressão sistemática dos Aparelhos de Estado, como também
148
As chamadas Fantasias Compensatórias oníricas são recursos psíquicos de todo indivíduo.
Chamo a atenção dos mesmos quando socialmente orientados na e pelo trato intersubjetivo.
149
Tal categoria interpretativa – dentre as categorias econômicas já estudadas – é oriunda dum
conjunto complexo de práticas, nos mais diversos setores e grupos sociais, na qual esmiussarei o
processo de sua manifestação ou produção.
invertem a relação causal entre: Natural e Cultural, o humano e seu produto (pela
reificação150).
A matriz ideológica são as definições do termos gerais ou universais que
implicitamente trazem em seu bojo a marca da intencionalidade da classe dominante,
pelo simples fato de neles conterem semanticamente a distinção classista e suas
conseqüências sistematizadoras no plano do discurso da posição de cada elemento
dentro do sistema. É como se houvesse uma relação sintagmática, sintática pelo
posicionamento (auto-imagem e visão de mundo) dos indivíduos explorados. Com isso,
gera-se por oposição do litotes classista, a posição social ou status privilegiado dos
elementos pertencentes da classe dominante.
Contudo, o fenômeno continua: além da distinção, inversão e reprodução
conceitual das ideias dominantes, não precisamos pertencer à classe dominante
enquanto rótulo de quem domina explicitamente e com os meios de produção e
políticos; porém, qualquer um pode reproduzir tais conceitos e argumentos por um
fenômeno psíquico denominado identificação.
Com a identificação tomamos a causa dominante como nossa. Se por um lado as
práticas e ideias de mundo, natureza, indivíduo, política, sociedade, trabalho, arte,
educação e etc... provêm da matriz ideológica dos elementos componentes dos
Aparelhos Ideológicos de Estado; por outro lado, a reprodução criativa (mas não
inventiva em se tratando de sua fonte emissora) cabe a todo aquele abestado que toma
as dores, metas e axiomas da classe dominante aplicando-os como critérios151 para a
perpetuação das condições individuais e coletivas, ideativas e práticas das condições
necessárias da organização social, bem como de seus componentes.
Trago-vos uma pequena contribuição: Qual é a matriz ideológica? Por que a
aparência de impessoalidade e com ela todo o processo involuntário (maquinal ou
mecânico)? Respondo-vos: não é um lugar ou centro emissor o responsável pela
reprodução152, mas sim um adjetivo, um sentimento, um anseio anti-social: o fascínio
pelo enriquecimento pouco dispendioso e abusivo pelo domínio do humano pelo
humano, como também pelo enriquecimento egóico do posto adquirido, do fetiche da
posição social que cada indivíduo pode ceder. Cedendo haverá sistematicamente toda
uma legitimação argumentativa (criativa), bem como a adequação
(modelamento/hábito) das e nas práticas com todas as implicações que advém de tal
conduta.
150
Termo chave para a investigação psicossocial da humanização do produto com a simultânea
desumanização (coisificação) dos seres humanos (trabalhadores). É o fetiche da mercadoria que adquire
status de ser orgânico; enquanto que seu produtor – não reconhecido como tal – destitui-se tanto pelas
práticas alienadas e reiterativas, como pelo retroalimentação conceitual da matriz ideológica com as
definições já sistematicamente controladas semanticamente, com o propósito de fornecer a reprodução
representativa daquilo que já fora elaborado e formado no plano da práxis.
151
Em sua maioria implícitos... e quanto mais forem assim, mais eficazes serão: seja pela
dificuldade do reconhecimento do agente (impessoal), seja pela sutileza e criatividade das variações,
mas que sempre versam pelos mesmos temas, pelos mesmos critérios da matriz ideológica.
152
Ainda que não seja responsável pela reprodução, a produção ou invenção das definições
partem tanto dos grupos dominantes governamentais, empresariais, midiáticos, e os expoentes
hierárquicos educacionais.
É nossa aceitação pelo fascínio do cenário de corrupção, abuso e
instrumentalidade que reproduzimos os meios necessários para a exploração, destituição
e desapropriação (de terras e semântica) que toda a engrenagem é posta em movimento:
a engrenagem da situação social segregadora que confere privilégios, postos e atributos
egóicos pela sensação de poder e pertença social no e pela categoria social de
dominação. Somente a recusa – por uma identificação axiomática de práticas e critérios
argumentativo/conceituais que promovam a união-cooperativa e não segregadora-
instrumental – de tal cenário social, bem como a da participação nele é que traremos os
subsídios necessários para a insurreição coletiva.. primeiramente via individual, pois
somente as células do organismo podem mudar o quadro ou sistema de que fazem parte.
O aspecto destituidor identidário pela via semântica incide sobre o campo das
representações assim como o aspecto destituidor desapropriador pela via de terras e
meios de produção incide sobre o campo da práxis. É por isso que não há local para a
reprodução (criativa de variações), ainda que haja local para a produção (inventiva de
temas e critérios). A querela da impessoalidade dos agentes ideológicos– pela
fenomenologia psicossocial – é respondida com o espaço governamental dos Aparelhos
Ideológicos de Estado e com as consciências individuais a operarem a reprodução
conceitual (criativa nas relações das ideias que mantêm o mesmo conceito intacto) e
prática (reiterativa das atividades produtivas de bens).
A criatividade reprodutiva gera novas articulações; porém, com as velhas e
caducas definições enviesadas. Portanto, a garantia da permanência dos conceitos e
visão de mundo das idéias dominantes está na variação livre (mas sob a égide de
critérios e temas dominantes/inventivos), bem como na reprodução mecânica das
atividades técnico-administrativas. Ambas garantem ou perpetuam o status quo de
instrumentalidade, de identificação do litotes classistas e todas suas implicações, bem
como a manutenção das representações – o mais distantes possíveis das intenções dos
agentes ideológicos inventivos – com o fito de fixação sintática dos elementos do
conjunto social.
Chamarei de agentes ideológicos primários os de atividade inventivo-produtiva
(definições, temas e critérios); chamarei de agentes ideológicos secundários os de
atividade criativo-reprodutivas. Os primeiros são; os segundos, querem ser. Os
primeiros comandam diretamente; os segundos indiretamente. Aqueles detêm os meios;
estes, identificam-se com o status. Aqueles dissseminam conceitos gerais; estes,
articulam-nos em rigorosa derivação lógica. Os primeiros emitem noções semânticas
com modelos de execução (trabalho); os segundos sistematizam sintaticamente os
discursos e mantêm ou executam as práticas reiteradas ditadas pelos modelos do como
fazer (trabalho). Os primeiros são porque desapropriam porque detêm os meios de
produção e execução; os segundos além de receberem os efeitos de desapropriação e
alienação, rearticulam argumentativamente os temas gerais e executam o modelo da
práxis reiterativa.
Logo,
(...) As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das
relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes
concebidas como idéias; (...).
A ideologia consiste precisamente na transformação das idéias da
classe dominante em idéias dominantes para a sociedade como um
todo. (...).
153
Ético porque avaliador das implicações com devidas mudanças práticas; anti-ético porque
compulsivamente prática sem a mediação simbólica do trâmite intra-psíquico de reavaliação dos atos
frente às conseqüências dos mesmos.
Para que isso ocorra, é preciso que a classe dominante, além de
produzir suas próprias idéias, também possam distribuí-las, o que é
feito, por exemplo, através da educação, da religião, dos costumes, dos
meios de comunicação disponíveis; (...). (CHAUÍ, 2004: 85 e 86).
Mas supondo que não houvesse diferenciação das idéias, quais seriam os meios
coletivos envolvidos na disseminação de tais idéias?
Exemplo da empresa NET: cuja qual camufla a imposição de ficarmos com seu
serviço, obrigatoriamente por um período determinado por eles, com a eufemista
expressão: Plano Fidelidade. No caso do período delineou-se ou direta ou indiretamente
as obrigações servis daqueles que trabalharam em terras feudais. Interessantemente, no
setor “religioso”, as honras ou graças “divinas” recaem sobre pessoas de Estado, por
que não recaem sobre mendigos, indigentes ou pessoas não representativas? Seria um
álibi discursivo de outorgar – imaginariamente – comando “reconhecido” por um “ser”
invisível para que os súditos convencessem-se da “legítima” atuação e permissão
daqueles que beneficiam-se com os postos de comando administrativo-econômico?
Por outro lado, atualmente, o regime CLT154 oferece-nos legalmente as
condições empregatícios e dos empregados, reproduzindo a trabalho com sua mais-
valia, bem como a possibilidade de qualquer um contratar uma pessoa nestas condições,
reproduzindo assim a base legal para as práticas de trabalho no qual os trabalhadores
estão desapropriados de terras e meios de produção, como se tudo fosse “justo”, normal
ou natural. O direito com suas leis reforçam as práticas e, de algum modo,
interiorizamos conceitualmente; captamos as noções de justiça, direito, liberdade,
igualdade nos moldes legais. Estamos assim formalmente amparados com um arsenal de
leis que fornecem as diretrizes para que semanticamente prediquemos ambas as
categorias: empregadores e empregados, como iguais, quando a distinção entre
apropriadores dos meios de produção/execução e desapropriados estejam de algum
modo ocultados suas diferenças fundamentais.
154
Carteira... de Trabalho
e feudos na passagem do feudalismo ao capitalismo) estão em condições de usufruírem
de tais predicados, sendo os demais desconsiderados e fadados a contemplarem – sem
participarem – a idéia de liberdade e igualdade. Daí a fantasia compensatória dos
dogmas “religiosos” a prometerem terras e liberdade noutra vida além túmulo.
Uma complementação interessante do tema da universalização conceitual da
ideologia dominante reside também em que nem sempre tais universalizações serão
falas ou apenas setoriais quanto aos interesses de grupo. A ideologia burguesa francesa,
ao reivindicar os ideais de todo ser humano para sua própria tomada de poder, também
comprometeu a si própria a médio prazo, uma vez que os súditos ou classes distintas
dele internalizou e identificaram-se com tais valores a ponto de questionarem a própria
condição na discrepância da burguesia no poder político e as demais classes.
(...) a classe ascendente não pode aparecer como uma classe particular
contra outra classe particular, mas precisa aparecer como
representante de toda a sociedade, dos interesses de todos contra os
interesses da classe particular dominante. E consegue aparecer assim
universalizada graças às idéias que defende como universais.
(CHAUÍ, 2004: 90).
Angariar apoio é um dos motivos pelos quais uma classe investe na conceituação
generalizante. Mas vimos também que nem sempre se administra a falsidade do
conteúdo veiculado (conceitualizado), pois o recurso à verdade de tal conteúdo, nalguns
casos, pode ser até mais benéfico para unificar apoio, com a ressalva de “tal tiro sair
pela culatra”, dado pela motivação/identificação com o qual os súditos ou classes
envolventes não se contentem com a contemplação de tais valores, mas com a
experiência empática com a mesma ou mesmo com as condições necessárias para tal se
manifestar. Embora na maioria das vezes a ideologia seja falsa, ela é mais um ilusão,
uma espécie de discurso abstrato (porque generalizante) e invertido155.
155
Inversão por predicarmos independência e autonomia do produto; por colocá-lo como
efeito e não como causa, com status de vida própria como o do produtor.
156
Auto-imagem forçosamente construída pelo desejo.
(...). A estrutura social e o estado provêm constantemente do processo
de vida de indivíduos determinados, mas desses indivíduos não como
podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas sim tal como
realmente são, quer dizer, tal como atuam, como produzem
materialmente e, portanto, tal como desenvolvem sua atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais,
independentes de seu arbítrio. (MARX/ENGELS, 2007: 93).
157
Simultaneamente esquecendo, abstraindo da situação histórico-social: hipovalorizando-a em
prol da sacralização dos representados psíquicos elevados a causas primeiras e determinantes.
Sacralizar tais representados inconscientes equivale interpretar a sacralização da ordem social como
legítima, como conseqüência necessária da inversão oferecida por nossa atitude doentia e covarde em
enfrentarmos a situação social conflitante e injusta ao invés da apologização eufemista do mesmo pelo
campo representacional.
Interpretemos toda essas distorções discursivas como um mecanismo de auto-
preservação da integridade egóica de cada um de nós. Todo o recurso a desculpas, todo
argumento que molda, idealiza a explicação da estrutura social e de suas implicações,
está comprometida com uma espécie de reação instintiva158 de mecanismos de defesa,
evitando para os indivíduos aquele sentimento de conflito interno ao notarmos a carga
de responsabilidade que temos ao “legitimarmos” o status quo de relações sociais
depauperadas, instrumentalizadas e sistematicamente desumanizadoras e alienadoras.
Nesse aspecto, o discurso institucional das religiões e mesmo o discurso popular de
natureza moral (prescritiva) são agentes, funcionários estatais, que como tais cumprem
uma função específica: desviar o foco da transformação externa (uma vez que ela é
perene e resultado duma atividade “do além”) oferecendo práticas psíquicas como:
horóscopos, orações, ritos etc... todas elas camuflam, dissimulam a transformação da
sociedade para um retraimento, para uma redução das ações à esfera dos signos mentais.
É como se a manipulação interna dos signos imaginados, fantasiados surtissem efeito no
campo sensorial (social ou natural). Ritos mágicos, palavras mágicas e interiorização
são o máximo que podemos fazer para modificarmos as práticas, discursos e valores?
Não! São apenas recursos paleativos visando aplacar a ansiedade e desespero da ordem
social injusta, num refúgio paradisíaco da “religiosidade”, ou melhor, das práticas
psíquicas de pretensões mágicas vaticinadas, legitimadas pelos meios de comunicação
de massa e pelas instituições religiosas.
158
Tal reação opera-se no campo das representações, ou seja, no psiquismo, ainda que o
produto dessa atividade individual seja comum, social. Ser comum é repetir um conteúdo psíquico (aqui
no caso a inversão) para o mesmo evento ou situação. A situação social recebe as mesmas inversões
porque há uma relação entre o psíquico (que substitui o efeito dos representados como causas da
situação social) com situação mesma, o conteúdo social que se deseja inverter. Uma Psicologia Social
trabalha com a relação do estímulo externo com a resposta interna. Se a resposta é idealizada, então
será índice de engodo, mentira, dissimulação... mas somente em relação causal; pois, será verdadeira se
restringimos que a motivação de cada um quando dominada pela inação, preguiça e medo é
idealizarmos/sacralizarmos a ordem social vigente com a intenção (ainda que involuntária) de
conformação da injustiça pelo juízo de caráter absoluto, perene, daquilo que é relativo e moldado,
reproduzido... freneticamente reproduzido... a ponto das idéias conterem formas delirantes de
distorções, distorções essas que encontram amparo e guarida nas práticas e discursos coletivos.
Investiguemos brevemente as categorias explicativas: parecer e ser. Expliquei
neste livros diversos significados atribuídos ao significante aparência. Engels e Marx
referem-se com este termo a maneira como surge – enquanto representado na mente –,
ao modo como um ícone como a Cultura, o Estado, a Memória ou mesmo qualquer
instituição social ou mesmo a instância Supra-Eu... todos eles podem surgir como
autônomos, como involuntários. A experiência mental, psíquica ou ideativa – como
quisermos chamar – significamo-lo justamente com o mesmo predicado pela qual
sentimos seu surgimento, aparição em nossa tela mental: como algo independente de
nossa vontade!
Ora, tal fenômeno, de predicarmos como independentes de nós só porque surgiu
de maneira involuntária em nossa consciência pressupõe uma transposição indevida.
Explico-vos: ao sentirmos o signo, o ícone manifestar-se de maneira intrusiva e
recursiva, projetamos tais qualidades ao referente. Ora, houve aqui uma fusão:
misturamos, ou melhor, tratamos com igual ou equivalente a maneira como um
conteúdo psíquico irrompe no plano consciente como se tal característica fosse inerente,
necessária, própria do fenômeno pelo qual tal signo representa. O referente do signo,
como: Estado, Memória, Instância psíquica que nos adverte das conseqüências dos atos
e desjos, Ordem Social Trabalhista desapropriadora de terras, de serviço autônomo e das
não-identificações entre sujeito e espécie de trabalho são TODOS provenientes de cada
um nós. Tal processo de produção e reprodução é um constructo humano, ainda que
ajamos compulsivamente... ainda que não seja deliberação nossa, agimos na maioria das
vezes como que robôs que executam programas prontos.
Confundir signo com referente é um recurso empregado quando expliquei
quando projetamos sentimento a um objeto que não o possui. O fato de termos o objeto
como referência, como signo para sentirmos algo a partir do contato com ele, não faz
com que tais predicados, tais sentimentos pertençam ao sujeito: simplesmente
projetamos conotações como se fossem denotações. Apenas a discriminação destes
aspectos, dessas diferenças (entre significante e referente) farão com que o significado
que pertence ao sujeito (os sentimentos sentidos por ele) restrinjam-se somente a ele. De
modo análogo, as aparições intrusivas, “independentes” de nossa vontade consciente e
aparência de entidade autônoma nada tem a ver com o referente, pois não houve aqui
uma reflexão que comparasse a experiência do indivíduo (e que é verdadeira para ele
enquanto seu) a partir daquela imagem que lhe visita o campo mental daquele maneira
autônoma, com em predicar de autônomo o referente ou situação externa que fora
gerada por nós. A geração duma situação social será sempre produto dos indivíduos que
compõe a sociedade em questão; a maneira como a imagem, o signo aparece ao
indivíduo é fruto duma dissociação Psico-Social, daí o tomar do predicado do sujeito
projetado no referente.
Ao referente compete não o modo representacional signo-interno, mas às ações,
discursos e práticas sociais do signo-externo que é o objeto, ou melhor, o fenômeno
social em pauta. A distorção operada por nós quando reagimos assim provém da
imaturidade de encarar frontalmente as situações e nossas possíveis resistências,
idealizamos, ou seja, configuramos através de signos internos através dum princípio e
prazer que molda a seu desejo... ainda que não percebamos, o ato ocorre. Após isso,
axiologicamente infiro: em comparação com os signos externos (situação social atual),
traímos com nossa ideação. Citar Eagleton: 83.
No aspecto do signo interno (situação psíquica) sentido e aparecido desta
maneira é verídico; a mentira está em predicar tais qualidades no signo externo
(situação social). Nem sempre uma mentira é absoluto, mas como vimos, adquire tal
valor em comparação a setores, a instâncias a aspectos diferentes. Presumo aqui uma
teoria da verdade pelo critério de relação. Tal apontamento e método de investigação é
predominantemente dialético – porque em interação a algo específico –,
fenomenológico – porque descreve o processo do fenômeno psico-social – e semiótico
– porque confere significados através do movimento sígnico de considerações
externas/internas.159
Com o fetiche da mercadoria, temos a dominação tirânica da mercadoria na
consciência, pela significação: o sentimento atribuído à mercadoria é reflexo do vivido
consciencial (verdadeiro), mas às custas da projeção invertida no significante
(deslocamento). Aqui temos o processo homólogo à metonímia: já que está ou antes ou
concomitante a este, logo é como este. É assim a articulação do pensamento ou pré-
consciente ou inconsciente, uma vez que está explicitado aqui o critério que permite a
manifestação da distorção predicativa por um mecanismo já presente em nosso
potencial comunicativo, porém, operado involuntariamente em relação ao plano
consciente.
Pela hiper-axiomatia a mercadoria humaniza-se e, num contraponto, pela hipo-
axiomatia o ser humano destitui sua humanidade, desumaniza-se gradativamente pela
redução a instrumento ou coisa. A causa é social, coletiva; mas o sentir humano é
individual, na consciência. Como relação, seguindo Eagleton, a Fenomenologia e este
que escreve, os momentos dialéticos entre relações de produção (social) e consciencial
ou subjetiva (individual) são fatores unilaterais da significação, sendo o deslocamento
operado nas mentes – individuais – homólogo ao conteúdo ou intenção dos agentes
ideológicos; por isso, a substituição da intenção causa a projeção, a extrojeção sintética
na mercadoria daquilo que sentimos a partir, ou seja, derivada da mercadoria, este que é
significante último do processo produtivo.
O processo final (mercadoria) recebe os significados sentidos pelos sujeitos – em
seu drama existencial das relações capitalistas de trabalho – a indignação, a destituição,
numa palavra: é a mercadoria dotada de vida, animada com os conteúdos dos
trabalhadores, seus produtores! A mercadoria é receptáculo do mal sentimento tanto
quanto o “diabo” é causa de nossos males! Aqui uma homologia com algumas práticas
do ideário “religioso”. A mercadoria, como o “diabo”, virou ponto de convergência de
nossas mazelas, de nossos infortúnios: deslocamos de nós por extrojeção e introduzimos
na mercadoria e no “diabo” pela projeção.
159
Considero a junção dos métodos fenomenológicos e semióticos em comum com a
Pragmática. Talvez não seja à toa que está disciplina Filosófico-Lingüística desenvolveu-se após a
maturidade da Fenomenologia e da Semiótica. Na verdade, fiz Semiose aqui, uma vez que semiologia é
teoria dos signos e, semiose, a análise dum processo através do arsenal explicativo semiótico. De
qualquer modo: os três modelos metódicos correspondem ao Processo Significador Humano e, como
tal, necessariamente interdisciplinar.
Simultaneamente ao ato de projetar à mercadoria algo que não é dela mas que é
significada assim por nós quando estamos no fenômeno ideológico da inversão,
diminuímos nosso potencial. Ao dar à mercadoria e ao “diabo” conteúdos nossos,
esvaziamos nossa subjetividade de sentimentos ruins tal qual numa catarse.
Se a mercadoria e o “diabo” possuem vida própria, independente de nós; nós,
promovidos assim para destituidores profissionais de nós mesmos, além de perdemos o
que foi deslocado, projetado para a mercadoria, adquirimos os predicados da
mercadoria: coisificação, instrumentalidade, valor de troca... O ser humano deveria usar,
mas é mais usado por outros humanos, mas como teme enfrentar os agentes causais,
desloca a causa para a mercadoria! Humanizar a mercadoria implica necessariamente
em desumanizar o ser humano. Humanizar o robô nos filmes de ficção é indício de
mecanizarmos o ser humano: tanto no trabalho produtivo, como nas relações
intersubjetivas.
Assim como pomos esperança na ciência para construir um robô sensível,
humanizado; abdicamos do esforço, do engajamento do auto-desenvolvimento: é
sintoma de falência humana em nossa empreitada de emancipação e auto-construção: É
como se diséssemos: Já que não temos perspectiva de melhora, quem sabe um robô
adquira o que não adquirimos ainda.. ou pior: quem sabe o robô seja o que não pediu
para ser e, nós, sejamos apenas o que temos coragem de ser: reprodutores mecânicos de
formas de vida: viciada, instrumental, corrupta, anti-social e desagregadora!
Somemos a isso a famigerada esperança de dias melhores, mas, espera! Onde?
Aqui? Não! Então no quê? No “além”... nas dimensões paralelas, no invisível “vivo”,
no mundo dos espíritos... Seja qual for a categoria, o esquema é homólogo ao fetiche da
mercadoria, ao “diabo” e ao robô: continuaremos a manipular a imaginação da
construção de dogmas, de castelos (nem de areia são... rsrsr) para um alegria vindoura
esperada, mas não vivida, imaginada mas não tocada... criativamente trabalhada e, no
entanto, inversamente proporcional com o descaso160 para com o sensorial.