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Por que Estudar História da Psicologia?

Conteudista: Prof.ª M.ª Janaina Cristina Barêa de Assis


Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco

Objetivos da Unidade:

Compreender a importância da História da Psicologia para a formação do


psicólogo e transformação da realidade;

Conhecer algumas das abordagens e metodologias utilizadas na produção do


conhecimento em História da Psicologia;

Refletir sobre o que é o Conhecimento Histórico.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
TEMA 1 de 3

ʪ Material Teórico

O que é História?
Caro(a) aluno(a), 

Você gosta de História? Acredita ser interessante ou importante conhecer a origem das coisas,
dos fenômenos, grupos sociais? Por que será que o estudo da História de nossa ciência e/ou
profissão no ano de 2022 ainda é importante? Não precisamos estar atentos ao novo e ao
presente? Por que termos uma disciplina inteira destinada à História da Psicologia? 

Nesta oportunidade a proposta é que possamos compreender o porquê o estudo da História de


um conhecimento e/ou de uma profissão é importante. Esperamos que ao final desta Unidade a
necessidade desta Disciplina para a sua formação faça sentido para você.

Primeiramente é importante registrar que este conteúdo não pretende esgotar ou simplificar
ideias tão complexas, mas sim introduzir ou lhe convidar a se aprofundar no assunto.

Você já parou para perceber como se sente ao arrumar um armário e encontrar um objeto que
não tinha contato faz tempo? Qual emoção, sentimento, pensamento lhe atravessa? E quando
encontra uma peça de roupa que utilizou em uma ocasião importante? Já abriu uma gaveta e
encontrou bilhetes antigos? E ingressos de cinema ou peças de teatro no meio de algum livro?
Foi invadido(a) por lembranças ao escutar uma música no rádio? Já se esqueceu do tempo
admirando fotos antigas ou escutando memórias de pessoas mais velhas? Já se surpreendeu
com algum “#tbt” nas redes sociais?
Glossário
#tbt: esta hashtag, segundo registros da própria internet, teria
começado a circular nas redes sociais em 2012. É uma abreviação de
throwback thursday, expressão que significa quinta-feira do retorno. As
postagens realizadas com essa hashtag, às quintas-feiras, trazem
lembranças antigas, fotos, imagens e registros felizes, nostálgicos,
significativos, divertidos de quem realiza a publicação.
Figura 1 – O prazer e a necessidade do registro da
lembranças e das memórias para produzir documentos que
validem a História
Fonte: Getty Images

Em seu artigo, Isaías Pessotti (1996) apresenta, de forma bastante poética, algumas razões para
um possível encantamento do passado. Uma delas seria pelo fato dele ter sido, mas hoje não ser
mais; de estar protegido pelo tempo, por não ser mais presente e por estar sob nosso controle.
No que diz respeito ao passado histórico, segundo esse autor, o que encanta são os elementos
factuais, os documentos, aquilo que traz elementos de uma realidade que não é presente.

Você sabe a diferença de Lembrança, Memória e História?

Glossário
Lembrança: “lem.bran.ça sf 1 Lembrete. 2 Reminiscência. 3 Inspiração.
4 Recordação. Lem.brar vtd 1 Trazer à memória; recordar. vti 2 Vir à
mente” (KLEIN, 2015, p. 318).

Memória: “me.mó.ria sf 1 Faculdade Mental de reter imagens etc. 2.


Lembrança. Inform 3 Armazenamento de dados” (KLEIN, 2015, p. 345).

História: “his.tó.ria sf 1 Acervo de arte, ciência, povo ou ser. 2 Registro


cronológico de fatos. 3 Conto, narrativa” (KLEIN, 2015, p. 274).
Para iniciar esta conversa vale a pena que você conheça as diferenças das palavras lembrança,
memória e história. Estas palavras se relacionam dialogicamente, porém não são sinônimas.

Evidente que a discussão desses conceitos é mais complexa e controversa em relação ao que
será apresentado neste momento. Para a nossa formação é importante compreendermos que a
História é construída a partir de documentos, registros e pelas memórias e lembranças, sendo
as lembranças e a memória aspectos subjetivos e tendenciosos, mas com grande potencial de
fortalecer coletivos. A memória apresenta elementos afetivos importantes, valores e crenças,
não possui método e nem senso crítico, geralmente sendo contada a partir de interesses
pessoais conscientes ou inconscientes, relacionados ao momento presente (LE GOFF, 1994).

Já a História seria uma análise ou um estudo do passado, não só do passado, mas também um
estudo do presente a partir do passado. A História, ou o conhecimento histórico, deve ser
produzida sempre de maneira crítica, sendo realizada sempre com referenciais teóricos e
metodológicos, apresentando aspectos relativos a um coletivo (LE GOFF, 1994).

As memórias fazem parte dos nossos cotidianos e estão carregadas de emoções, sentimentos,
percepções e aspectos que constituem nossas identidades individuais e coletivas. A memória é
considerada pelos historiadores uma das fontes da História, porém, para a construção da
História não podemos ser ingênuos, de modo que precisamos buscar outras fontes e
compreender que a narrativa apresenta aspectos ideológicos do narrador e grupo ao qual
pertence.

Você já visitou algum museu histórico? Já teve a experiência de estar bem perto de um
documento ou objeto importante da história da nossa sociedade ou da humanidade?

Quando mencionamos história, toda e qualquer produção humana, conforme Ana Bock, Odair
Furtado e Maria Teixeira (2018), tem uma história e envolve inúmeras pessoas, conhecimentos
e técnicas. 
As histórias são registradas e contadas a partir de documentos e memórias (narrativas), sendo
importante pontuar que são produzidas, assim como todo conhecimento, por pessoas, as quais
envolvidas, mais ou menos dentro do enredo contado, com os seus interesses, as suas
preferências e opiniões. Deste modo não é possível compreender a produção histórica como
uma única verdade, como totalidade, completa ou neutra, assim como não há uma produção de
conhecimento neutro. 

Mitsuko Antunes (1998) reforça que a atividade do historiador é dinâmica, histórica e


“socialmente condicionada”, o que a impede de ser neutra e completa. O conhecimento
histórico existe – isto é indiscutível –, porém, é relativo e está passível de transformações.
Figura 2 – Qual seria o impacto da pandemia na construção
da subjetividade e na construção das lembranças,
memórias e histórias?
Fonte: Getty Images

Que tal um exemplo? Imagine que você já é um(a) psicólogo(a) e a 5 anos realizará uma pesquisa
sobre o impacto da pandemia de Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) na subjetividade e
sociedade. Talvez você decida entrevistar uma pessoa que viveu a pandemia. Certamente esse
indivíduo terá lembranças pessoais para compartilhar com você, contará como organizou sua
rotina, como enfrentou o isolamento. Poderá narrar memórias do período, pessoas que
faleceram ou passaram pela doença de uma forma mais intensa, emoções, relatos e sentimentos
construídos a partir de registros coletivos. 

Caso você decida ouvir mais uma pessoa que viveu o período, talvez escute que esta não tem
nenhuma lembrança significativa e que não acredita ter mudado nada durante o Covid-19. É
possível que essa pessoa ainda traga algumas memórias, afirmando que a pandemia não existiu
e que foi uma situação criada por determinados grupos políticos para atacar governos ou
prejudicar a economia. 

O fato é que, como pesquisadores, não avaliaremos quem está certo ou errado frente essa
situação, mas compreenderemos que o período apresentou, pelo menos, dois pontos de vista.
Com a divergência de percepções sobre o período é possível que você sinta a necessidade de
realizar um resgate histórico mais detalhado e fundamentado sobre a pandemia.

Para transformar essas memórias e lembranças em história será preciso considerar que foram
narradas por sujeitos e que a pesquisa será produzida também por um indivíduo em um
determinado contexto sócio-histórico, uma vez que você também tem suas lembranças e
memórias sobre o ocorrido. Necessitará de outras fontes documentais, para além dos relatos
(lembranças e memórias) como, por exemplo, notícias de jornais e outras publicações, dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS), registros das secretarias de saúde e referências
bibliográficas de outras pesquisas já realizadas. 

Claro, mesmo com esses cuidados é importante considerar que será a sua narrativa sobre o
fenômeno e que talvez existam outras. Igualmente, esperamos que a suposta pesquisa ocorra
dentro de uma perspectiva de um passado recente e que a pandemia não seja mais uma história
do presente. 

Será que com o exemplo você conseguiu reconhecer os conceitos de lembrança, memória e
história? Esperamos que sim. Caso sinta necessidade ou queira saber mais sobre conhecimento
histórico, releia este texto ou pesquise artigos que tratem do assunto. 

Que tal refletirmos agora sobre como se faz história e o conhecimento histórico?
Como Construímos O Conhecimento Histórico?
Segundo a professora Regina Helena Freitas de Campos (1998), de acordo com o dicionário
enciclopédico brasileiro de 1955, a profissão, arte ou o objeto de estudo de um historiador é a
historiografia.

Glossário
Historiografia: escrita da História; como o conhecimento histórico é
produzido.
Figura 3 – O registro da História 
Fonte: Getty Images

Para a autora o historiador tem por ofício a elaboração historiográfica, que realiza por meio da
organização de documentos (pesquisar, catalogar), posteriormente descrever e por fim
interpretar. 

Igualmente, precisamos saber que existem diversas formas de fazer a história. Regina Helena
Freitas de Campos (1998) nos apresenta pelo menos cinco formas de fazer Historiografia da
Psicologia, sendo elas: Historiografia Biográfica; Historiografia Descritiva e Analítica;
Historiografia quantitativa; Historiografia Social; e Historiografia Psicossocial. As abordagens
nem sempre são realizadas isoladamente, mesmo havendo uma metodologia predominante,
sendo possível localizar mais de uma abordagem em uma única pesquisa.  
Na abordagem biográfica a historiografia é feita a partir da vida e obra de um autor. A história é
reconstruída e a narrativa é feita a partir da trajetória e das produções de um protagonista. Nessa
abordagem, ainda segundo a autora, é muito interessante observar o entrelaçamento da história
individual com o contexto social, cultural e científico da época.

Considerando a abordagem historiográfica descritiva analítica, a história é contada a partir de


um aprofundamento da construção de determinadas teorias, inevitavelmente comparando com
outras que a antecederam ou que lhe são contemporâneas. A história é contada pelo
aprofundamento e pelos conflitos (CAMPOS, 1998).

Brožek (1998) defende a possibilidade de se fazer historiografia na perspectiva quantitativa.


Nessa metodologia, o pesquisador realiza levantamento de títulos, produções, instituições,
autores, assim como mapeia onde as obras ou alguns conhecimentos são mais lidos e/ou
citados. Realiza uma leitura histórica a partir de dados quantitativos relacionados a
determinados estudos e produções, comparando a outros períodos e outras regiões. 

Na perspectiva de uma historiografia social, Mitsuko Antunes (1998) compreende que o


conhecimento histórico produzido tem a obrigação de considerar o movimento geral da história
da sociedade, uma vez que o conhecimento é também produto histórico realizado por homens
que estão inseridos em diversos contextos sociais e culturais, de modo que não podem ser
neutralizados.

Por fim, a Historiografia Psicossocial seria, de acordo com Campos (1998), apresentar a história
considerando temas e conteúdos pertinentes à Ciência da Psicologia, contemplando em igual
proporção a relação dessas produções com o contexto em que foram concebidas.

Reflita
Será que a partir desta breve explanação você consegue reconhecer as
diversas abordagens da Historiografia? Que tal fazer uma rápida
pesquisa em artigos da História da Psicologia e tentar reconhecer as
abordagens aqui descritas e que predominam no conhecimento
produzido?
Afinal, por que o estudo da História é importante no curso de
Psicologia?

Figura 4 – A importância do conhecimento histórico e seu


encantamento
Fonte: Getty Images
Chegamos até aqui crendo já entender o que é conhecimento histórico e algumas formas de o
fazer, mas para quê? Será que conseguimos arriscar algumas justificativas?

São muitas as razões apresentadas por nossas referências para defender a importância da
pesquisa e do ensino de História da Psicologia. Destacaremos aqui algumas delas.

Livro
WERTHEIMER, M. Pesquisa histórica: por quê? In: BROŽEK, J.;
MASSIMI, M. (Orgs.). Historiografia da psicologia moderna: a versão
brasileira. São Paulo: Unimarco/Loyola, 1998. Parte 1, p. 21-41.

Duane Schultz e Sydney Schultz (2019) consideram que uma razão para você estar cursando a
Disciplina de História da Psicologia é o fato desta ser requisito para a sua formação de
psicólogo(a) nesta Instituição, que compreende e valoriza o conhecimento histórico. Porém,
vale registrar que a Disciplina de História da Psicologia compõe as grades de formação desde
1911 e que nos Estados Unidos mais de 80% dos cursos ofertam essa disciplina, de acordo com
os autores. Essa não é uma realidade das universidades brasileiras, de acordo com os
pesquisadores da área. 

Outros aspectos a serem reconhecidos sobre a importância do conhecimento histórico seriam a


humildade e tolerância. Wertheimer (1998) acredita que o conhecimento histórico nos coloca
diante de vários pontos de vista, bem como nos permite constatar que outros pesquisadores
tiveram reflexões, ideias e pensamentos semelhantes aos nossos e que não estamos sozinhos.
Evidente que essas nobres características não são localizadas apenas no estudo da História, mas
com certeza estão presentes na produção desse conhecimento.

No capítulo inicial do livro História da Psicologia Moderna, de Duane Schultz e Sydney Schultz
(2019), estes autores apresentam experimentos de 2009 e 2013 que abordam aspectos
relacionados à percepção e atenção. Tais estudos tiveram grande repercussão no meio científico.
Neste momento você deve estar se perguntando: “mas o que a História da Psicologia tem a ver
com isso?” O fato é que esses experimentos, que podem até ser compreendidos como recentes,
chegaram a resultados semelhantes aos concluídos pelo psicólogo alemão Wundt em 1861,
conhecido como o criador da Ciência da Psicologia. Reforçando a importância de conhecermos a
respeito do que já foi pesquisado, a fim de que possamos avançar na produção de
conhecimentos. 

Outro aspecto mencionado por Wertheimer (1998) e defendido por outros historiadores, refere-
se à crença de que o ensino da História é importante para se “evitar erros”. Faz-se necessário
pontuar que quando nos referimos a erros de um passado, devemos compreender que eram
possibilidades e reflexões de um determinado contexto sócio-histórico.

“Na história se realiza o homem e somente o homem. Portanto, não é a história

que é trágica, mas o trágico está na história; não é absurda, mas é o absurdo que
nasce da história; não é cruel, mas as crueldades são cometidas na história; não é
ridícula, mas as comédias se encenam na história. Na história, a cada etapa se
sucede uma outra numa certa ordem, mas não chegam nunca a uma culminância
definitiva e uma conclusão apocalíptica. Nenhuma época histórica é, em absoluto,
apenas uma passagem para outro estágio, assim como nenhuma época se eleva
acima da história. A tridimensionalidade do tempo se desenvolve em todas as
épocas: agarra-se ao passado com seus pressupostos, tende para o futuro com suas
consequências e está radicada no presente por sua estrutura.”

- KOSIK, 1976, p. 217


Nesse aspecto, podemos usar como exemplo as condutas do pioneiro da Psicologia do Esporte,
João Carvalhaes. Você já ouviu ou leu sobre ele?

Figura 5
Fonte: Reprodução

Você sabia que João Carvalhaes atuou na seleção brasileira de futebol durante a copa de 1958 e ao
aplicar testes de inteligência em Garrincha e Pelé chegou a sugerir que eles não teriam
condições psíquicas para atuar no campeonato? Tal atitude foi bastante polêmica,
principalmente por ter havido vazamento de seus laudos na ocasião. Durante esse período a
principal forma de se aplicar a Psicologia ocorria por meio de teste e da chamada “psicotécnica”
ou “psicometria” (HERNANDEZ, 2011). Mas essa história será contada com mais detalhes em
outro momento de nossa Disciplina.

O que precisamos compreender agora é o seguinte: seria possível julgarmos a conduta de João
Carvalhaes, ou condenarmos como um erro, uma vez que os instrumentos e recursos técnicos
que ele tinha no período eram os testes e aparelhos de avaliação psicológica, além do que, não
fazia ideia de que Pelé e Garrincha seriam os destaques da equipe naquela conquista? Um grande
erro seria, agora, sabendo de todas essas informações, não escalarmos Garrincha e Pelé para a
copa de 1958.

Leitura
João Carvalhaes, um Psicólogo Campeão do Mundo de Futebol 
HERNANDEZ, J. A. E. João Carvalhaes, um Psicólogo Campeão do
Mundo de Futebol. Estud. pesqui. psicol.,  Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p.
1027-1049, dez.  2011 .

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Vídeo
Pioneiros da Psicologia no Esporte – João Carvalhes 
Você também pode conhecer mais dessa história assistindo ao
documentário a seguir produzido pelo Projeto História e Memória, do
Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo.
Pioneiros da Psicologia no Esporte - João Carvalhes

Quando olhamos para o passado também precisamos evitar o chamado “anacronismo


histórico”, dado que olhar para o passado com as “lentes” do presente é cometer um erro
histórico.

Glossário
Anacronismo Histórico: olhar e compreender o passado a partir de
noções e ideias do presente.
Outro aspecto que é apresentado em defesa da História da Psicologia seria a capacidade desse
conhecimento auxiliar na resolução de problemas, conforme disserta Wertheimer (1998). Essa
justificativa parece ser atraente para os psicólogos, uma vez que grande parte dos profissionais
da área reconhecem que as memórias e lembranças trazem registros importantes sobre a
construção das subjetividades e indicativos de possíveis causas de sofrimentos psíquicos.

Será que no passado podemos encontrar pistas que podem nos auxiliar melhor no presente?
Muitos psicólogos e historiadores acreditam que sim. 

Pessotti (1996) justifica que o fascínio pelo passado contemplaria esse aspecto, de encontrar
respostas para perguntas existenciais e sociais, bem como se perceber parte de um coletivo, pois
trazer a ideia de identidade e processo nos dá “companhia”. Nesse aspecto, vale salientar não
um poder premonitório da História, mas a sua capacidade de compreender os fenômenos como
processos e o seu início não como algo repentino – nenhum fato histórico surge do vazio. 

Será que a sua história tem início no dia do seu nascimento? Certamente a sua data de
nascimento não diz do início da sua história. A história dos seus genitores, o momento da sua
concepção e o período da sua gestação já constituem parte importante de sua identidade. 

Utilizamos os marcos e as datas apenas para organizar os fatos. Por exemplo, a regulamentação
da Psicologia como profissão no Brasil aconteceu no dia 27 de agosto de 1962, porém, é um
equívoco pensar que essa história se iniciou nessa data, a qual consolida um processo que se
iniciou muito antes, mas essa história será contada com mais detalhes ao longo da nossa
Disciplina. 

Ainda em caráter do conhecimento da história como prevenção das inseguranças do futuro,


Pessotti (1996) descreve que tanto o conhecimento científico como o conhecimento histórico
buscam, em seu desenvolvimento, reduzir as angústias provocadas pelas incertezas do futuro,
não necessariamente conjuntamente, uma vez que nem todo conhecimento científico
reconhece a importância da história. O autor indaga se não seria justamente papel da
universidade aproximar esses dois conhecimentos, evitando que a tecnologia do poder fique sob
os cuidados de determinados grupos sociais que não atuam para o coletivo.
“Os valores que um povo ou uma comunidade persegue, ainda que não formulados

com clareza, são produtos de reflexão sobre a experiência e, por isso, resultados de
algum tipo de conhecimento histórico. Mas são, também aspirações, projetos e,
desse modo, programação do futuro. Uma programação que será tanto mais viável
quanto mais se fundar em métodos seguros, quanto mais se socorrer do
conhecimento científico (aquele que aponta variáveis que precisam ser
manipuladas para chegar a um certo efeito). Então, a discussão e a eventual
proposição dos valores para o futuro deveriam ser buscadas onde se juntam o
conhecimento histórico e o conhecimento científico. Onde homens responsáveis
analisassem as lições da experiência humana e a partir dessa análise propusessem
objetivos de interesse comum e tecnologia científica eficaz para consegui-los. Não
seria esse o papel superior de uma Universidade?”

- PESSOTTI, 1996, p. 12

Por fim, o estudo da História, para Wertheimer (1998), ajuda a buscar integralidade para a
Psicologia, procurando aproximar as diversidades da aparente desarticulação dessa ciência. A
Psicologia tem se apresentado cada vez mais diversa, com grande variedade de objetos de
estudo, métodos e campos de atuação. Conhecer a História nos ajuda a compreender esses
percursos e conseguir suportar melhor essa diversidade, minimizando a sensação de
fragmentação desse conhecimento.

“O estudo da História da Psicologia poderia ajudar o estudante a desenvolver uma

visão geral integrada desse campo, que poderia servir para reduzir a diversidade
assustadora e aparentemente desarticulada de material encontrado em vários
cursos de Psicologia.”

- WERTHEIMER, 1998, p. 35

O interesse pela História da Psicologia certamente, segundo Duane Schultz e Sydney Schultz
(2019), poderá lhe auxiliar a compreender a Psicologia na atualidade, uma vez que temos grande
diversidade contemplando vasta área de estudos e que parecem não ter aspectos comuns. Para
esses autores “[...] a única linha de trabalho que une essas diversas áreas e abordagens e lhes dá
um contexto coerente é sua história”. (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019, p. 3) O conhecimento da
História da Psicologia possibilita melhor compreensão da Psicologia Moderna. 

Ana Bock, Odair Furtado e Maria Teixeira (2018) apresentam e defendem que o conhecimento
histórico contribui para um processo de superação das diferentes concepções de ser humano,
apresentadas pelas diversas escolas psicológicas, a fim de que possamos compreender o ser
humano, bem como a sua subjetividade e as suas manifestações como algo multideterminado.
Segundo esses autores, a Psicologia está no campo das Ciências Humanas, de modo que para se
produzir um conhecimento crítico é preciso compreender o ser humano, sua subjetividade e os
processos sócio-históricos que o constituem. 

Existem profissionais e pesquisadores que atuam na defesa do não estudo da história, utilizando
o argumento de que o conhecimento prévio interferiria em atos criativos. A questão é a seguinte:
será que não podemos dar respostas criativas e espontâneas mesmo conhecendo e buscando
compreender as situações e os fenômenos? Claro que podemos! Não só podemos como assim
garantiremos que as nossas respostas sejam, de fato, inovadoras – e não novas versões de um
mesmo sentido já instituído.
Figura 6 – Para realizar práxis transformadoras é preciso
conhecer a história da Psicologia
Fonte: Getty Images

Não é possível fazer Psicologia comprometida com a transformação da sociedade e no cuidado


de subjetividades sem compreendermos os percursos que já trilhamos, todas as pedras que
tropeçamos e em que momento estamos.

“A história da Psicologia pode nos ajudar a descobrir grandes idéias do passado.

Pode nos ajudar a concentrar nossa atenção sobre as questões abrangentes e


fundamentais às quais deveríamos estar direcionando nossos esforços. Mais
importante ainda, pode nos ajudar a tomar consciência do contexto social em que
trabalhamos, e nos tornar menos sujeitos à sua influência irracional. Pode servir
para o que se tornou um campo bastante fragmentado. Finalmente, pode
transformar-se no grande libertador, no meio que nos tirará da cega aceitação da
sutil, insidiosa e muitas vezes poderosa Selbstverständlichkeiten que compõe o
Zeitgeist dentro do qual nós trabalhamos.”

- WERTHEIMER, 1998, p. 39

Glossário
Selbstverständlichkeiten: em História, esta expressão alemã indica
naturalidade, banalidade, obviedade ou evidência.
Zeitgeist: em História, esta expressão alemã faz referência ao clima
intelectual e cultural de um determinado período histórico. O
“espírito” de uma época.

Em Síntese
Acreditamos que seja importante compreender que não estamos
apenas estudando História neste semestre, mas que ao longo dos cinco
anos de formação e de toda nossa trajetória como psicólogos somos
parte da história e precisamos nos reconhecer como componentes
deste processo, principalmente nos compromissos éticos e políticos
que norteiam as nossas condutas profissionais.
E agora, como está se sentindo com o final deste conteúdo? A
Disciplina passou a fazer mais sentido para você? Esperamos que sim.
TEMA 2 de 3

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites  

Google Arts & Culture 


Você sabia que é possível visitar alguns museus e exposições do mundo todo virtualmente? Esta
plataforma traz conteúdos interessantes que ampliarão seu universo cultural. Caso prefira, é
possível “baixar” o aplicativo gratuitamente pelo telefone celular. Além de visitações, é possível
realizar atividades interativas e jogos bem divertidos.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Linha do Tempo – História da Psicologia 


Para você já ir se familiarizando com a história da profissão e da Ciência da Psicologia no Brasil
vale a pena visitar a Linha do Tempo do site do Conselho de Psicologia do Estado de São Paulo.
Apesar de ter por título “A história da Psicologia em São Paulo”, a pesquisa apresenta
informações referentes aos movimentos e às personalidades da área em todo o País.

Clique no botão para conferir o conteúdo.


ACESSE

  Livro  

Sobre História: Ensaios


HOBSBAWN, E. Sobre História: ensaios. Trad. Cid Knipel Moreira. 1ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2013.

  Vídeo  

Pioneiros da Psicologia no Esporte – João Carvalhaes 


Além do artigo de José Augusto Evangelho Hernandez (2011), disponível na internet, você
também pode conhecer mais da história do pioneiro da Psicologia do Esporte, João Carvalhaes,
assistindo ao documentário produzido pelo Projeto História e Memória, do Conselho Regional
de Psicologia do Estado de São Paulo. Por meio deste vídeo é possível compreender como a
Psicologia era aplicada no Brasil durante o período.

Pioneiros da Psicologia no Esporte - João Carvalhes


TEMA 3 de 3

ʪ Referências

ANTUNES, M. A. M. A. Algumas reflexões acerca da abordagem social em História da Psicologia.


In: BROŽEK, J.; MASSIMI, M. A historiografia da Psicologia Moderna: versão brasileira. 1ª ed.
São Paulo: Loyola, 1998. p. 15-19.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de


Psicologia. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553131327>. Acesso em: 12/01/2022.

BROŽEK, J. Abordagem quantitativa: Wundt na América. In: BROŽEK, J.; MASSIMI, M. A


historiografia da Psicologia Moderna: versão brasileira. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 351-
361.

CAMPOS, R. H. F. Introdução à historiografia da Psicologia. In: BROŽEK, J.; MASSIMI, M. A


historiografia da Psicologia Moderna: versão brasileira. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 15-19.

HERNANDEZ, J. A. E. João Carvalhaes, um psicólogo campeão do mundo de futebol. Estud.


Pesqui. Psicol., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 1.027-1.049, 12/2011. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
42812011000300017&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12/01/2022.

KLEIN, C. Dicionário da língua portuguesa. 1ª ed. São Paulo: Rideel, 2015.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 1ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

LE GOFF, J. História e memória. 1ª ed. Campinas: Unicamp, 1994.


PESSOTTI, I. Entre o fascínio do passado e o enigma do futuro. Margem, n. 5, 1996.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. 1ª ed. São Paulo: Cengage
Learning do Brasil, 2019. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522127962>. Acesso em: 12/01/2022.

WERTHEIMER, M. Pesquisa histórica – por quê?. In: BROŽEK, J.; MASSIMI, M. A historiografia
da Psicologia Moderna: versão brasileira. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 22-41.

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