Você está na página 1de 30

Psicologia: Origens Filosóficas e Científicas

Conteudista: Prof.ª M.ª Janaina Cristina Barêa de Assis


Revisão Textual: Thaís Teixeira Tardivo Stringaci

Objetivo da Unidade:

Conhecer aspectos históricos, culturais, filosóficos e científicos que são parte do


processo de formação e transformação da ciência psicológica.

ʪ Contextualização

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
1 /4

ʪ Contextualização

Introdução
Olá, estamos iniciando a segunda Unidade do nosso curso. Esperamos que você tenha concluído
a primeira de forma satisfatória e esteja convencido(a) da importância da disciplina de História
da Psicologia para a sua formação. 

Como vimos, a produção e compreensão do conhecimento histórico de uma ciência e profissão


podem nos auxiliar a construir nossa identidade profissional de forma mais consistente e
menos fragmentada, um conhecimento mais coletivo e menos solitário, e possibilitar práxis
mais transformadoras e mais críticas. 

Também pudemos refletir o conhecimento histórico como processo, não como datas
estanques, mas como construções sociais e culturais de movimentos humanos. Cientes disso,
então, por onde começar?
2/4

ʪ Material Teórico

O Início da História
Parece não haver dúvidas sobre as datas e os fatos que consolidaram o início da Psicologia,
porém, como já discutido, as datas são finais de processos. De acordo com Duane Schultz e
Sydney Schultz (2019), alguns pesquisadores e historiadores acreditam que essa história deve
ser apresentada a partir do conhecimento produzido pelos filósofos gregos, visto que suas
reflexões tinham por objetos elementos que, até hoje, fazem parte do campo de estudo e
intervenções da Psicologia. 

Foi na cultura grega, aproximadamente no Século V a.C., que se iniciam discussões sobre temas
como emoções, memória, sentimento, aprendizagem, motivação, percepção, sonhos,
comportamentos, entre outros.

Mas antes de conhecermos um pouco mais sobre a história do conhecimento filosófico, é


importante compreendermos que ele é apenas um dos conhecimentos produzidos pela
humanidade.

Os Conhecimentos Humanos
Como vimos, o conhecimento é também um produto social de um determinado período em um
determinado local, visando descobrir e compreender a realidade. São domínios do
conhecimento humano: o senso comum, a arte, a religião, a filosofia e a ciência (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018).
O senso comum refere-se ao conhecimento espontâneo, intuitivo, aprendido em nossas
relações ou por tentativas e erros, atravessados pelo contexto sócio-histórico em que estamos
inseridos. Segundo Ana Bock, Odair Furtado e Maria Teixeira (2018), senso comum são as
crenças e valores que orientam nossas escolhas e práticas e visam explicar fenômenos de forma
simples e sem aprofundamento. Esse conhecimento produz suas teorias da realidade com o
objetivo de facilitar as experiências cotidianas. Muitas vezes o senso comum reproduz o
conhecimento científico sem clareza, e, em outras vezes, esse conhecimento torna-se início de
pesquisas científicas. 

Já o conhecimento artístico refere-se a toda expressão realizada por meio de emoção e


sensibilidade. Desse modo, compreendemos como conhecimento artístico desde um poema,
uma música, uma pintura, até mesmo o registro dos nossos antepassados nas cavernas ou em
papiros, traduzindo em desenho as experiências cotidianas e conquistas de seus grupos sociais
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

De acordo com Ana Bock, Odair Furtado e Maria Teixeira (2018), o conhecimento religioso é
compreendido como a construção de pensamentos sobre a origem do homem e da vida,
mistérios e simbolismos, sempre considerando a existência de uma força superior e norteados
por dogmas (verdades inquestionáveis).

Já o conhecimento científico é formado a partir de explicações sobre aspectos da realidade, por


meio de métodos sistemáticos e controlados que legitimem sua validade enquanto produção de
um saber. Esse conhecimento possui um objeto específico, linguagem apropriada, além dos
métodos e técnicas já mencionados (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Para Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018), o conhecimento filosófico
refere-se a todo conhecimento produzido a partir de reflexões que visem encontrar respostas
racionais para a origem e o significado da existência humana. O conhecimento filosófico
antecede o conhecimento científico, não se utiliza de experimentações e se constrói a partir das
experiências pessoais e subjetivas.
Reflita
Você saberia exemplificar cada um dos conhecimento descritos aqui?
Consegue reconhecê-los no seu cotidiano?

A História do Conhecimento Filosófico


É importante que saibamos que, mesmo com os conceitos e ideias do campo psicológico
circulando no senso comum e na religião, a ciência e a profissão da Psicologia irá fundamentar
suas teóricas e práticas nos conhecimentos filosófico e científico, mas muito mais nos
científicos do que nos filosóficos.

Toda produção humana – teórica, religiosa, material – é fruto de história, portanto, para
compreendermos e nos aprofundarmos em qualquer assunto, é importante recuperarmos sua
história (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

A Filosofia teve um papel importante para o desenvolvimento da humanidade. De acordo com


Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018), antes do chamado pensamento
racional, os grupos sociais se organizavam a partir do pensamento mítico, atribuindo a forças
das naturezas e às deusas e deuses a explicação para os fenômenos da vida cotidiana. O
pensamento que existia até então seria um pensamento indissociado da natureza. As
explicações dos fenômenos giravam em torno dos mitos e das narrativas sobre a origem do
mundo.

O pensamento mítico é compreendido como o modo mais antigo utilizado pelos homens para
explicar os fenômenos naturais. Com a transformação das relações e a compreensão de um
pensamento independente da natureza, os mitos passaram não mais a sustentar as explicações
dadas aos fenômenos cotidianos, levando a sociedade a buscar outras formas de pensar (CHAUI,
2000).
E é nessa necessidade de encontrar outras respostas, que o conhecimento filosófico se
apresenta. Para a professora Marilena Chaui (2000), a Filosofia é a decisão de não aceitar a
obviedade das ideias e fatos, e sim a necessidade de investigar e compreender antes de tomá-los
como verdade. 

Com a Filosofia o homem passa, a partir de um pensamento racional, a ordenar e organizar suas
ideias, buscando, assim, novas explicações para os fenômenos. 

Não é possível falarmos em história da ciência e do conhecimento sem estudar sobre os


filósofos gregos e as primeiras teorias sobre esse assunto. Desse modo, de acordo com Ana
Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018), podemos considerar que a história da
Psicologia tem aproximadamente dois milênios. Ela teria se iniciado com os filósofos gregos, há
aproximadamente 700 a.C., antes da era cristã e da dominação romana.

A civilização grega é considerada por muitos historiadores a mais evoluída de sua época. Na
Grécia existiram as primeiras cidades-estados (conhecidas como pólis), um povo com muitas
conquistas territoriais que geraram riquezas e crescimento, provendo avanços na agricultura,
arquitetura e na organização social, campos possíveis para o desenvolvimento da Física e da
Geometria, da Teoria Política e da criação do conceito de democracia (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018).

Foram com os gregos que surgiram as primeiras tentativas de sistematizar uma Psicologia. A
origem etimológica da palavra Psicologia significa “estudo da alma” (psyché = alma e logos =
razão). Segundo Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018), os filósofos da
antiguidade compreendiam alma como tudo do humano que não fosse material. Portanto, as
emoções, sentimentos, pensamentos, percepções, sensações e desejos constituíam a alma
humana.

As contribuições de Sócrates foram tão significativas para a história das civilizações que a figura
do filósofo marca a mudança de um período. Os filósofos gregos que antecederam Sócrates são
conhecidos como pré-socráticos. 

Antes de Sócrates, os filósofos gregos definiam a relação com o mundo por meio da percepção.
O mundo existe porque o vemos. A oposição existente nesse período era entre os chamados
idealistas, que acreditavam que o mundo era formado por ideias, e os materialistas, que
consideravam que o mundo era formado por matérias perceptíveis (CHAUI, 2000).

As Contribuições de Sócrates, Platão e Aristóteles

Figura 1 – Sócrates
Fonte: Getty Images
Saiba Mais
Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) nasceu em Atenas. Uma das frases mais
famosas do filósofo é: “Só sei que nada sei”.

O que será que as reflexões de Sócrates têm a ver com a Psicologia? Com Sócrates, iniciavam-se
as primeiras sistematizações que dariam origem às teorias da consciência, que veremos em
outras unidades e ao longo de todo o nosso curso. 

A Filosofia e a Psicologia na Antiguidade ganham solidez com Sócrates. Para ele, a razão era a
principal característica do ser humano. Ela permitia que a humanidade agisse para além de seus
instintos, o que diferenciava o ser humano dos outros animais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2018).

Para Marilena Chaui (2000), Sócrates promovia o desenvolvimento da subjetividade e da crítica,


separando mente e corpo, separando o sistema moral da religiosidade e trazendo a necessidade
de consciências responsáveis. Para ele, alma era vida e seria construída da moral e da razão. O
indivíduo poderia exercitar o pensamento e o autoconhecimento por meio da criação de
perguntas, do diálogo e da produção de novas ideias. 

Sócrates foi condenado à morte e se recusou a se defender. Para ele, defender-se seria aceitar as
acusações. Afirmou que preferia morrer a ter que renunciar à Filosofia. Seus discípulos trataram
de continuar seu legado (CHAUI, 2000).

Outro filósofo grego importante para os primórdios da história da Psicologia foi Platão. Platão foi
o principal discípulo de Sócrates por aproximadamente nove anos e publicou os diálogos e as
reflexões de seu mentor.
A principal teoria de Platão, conforme Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira
(2018), foi definir um “lugar” para a razão no corpo humano.

De acordo com Marilena Chaui (2000), para Platão a “alma” seria o que existe no humano de
mais divino e estaria localizada na cabeça, ligada pela medula ao restante do corpo. Portanto,
Platão considerava a alma e o corpo como instâncias separadas. Para o filósofo, quando alguém
morria, a alma procurava outro corpo, a ideia de imortalidade da alma.

Saiba Mais
Platão (427 a.C.-347 a.C.) nasceu em Atenas. Uma das frases mais
famosas do filósofo é: “O que faz andar o barco não é a vela enfunada,
mas o vento que não se vê...”.

Aristóteles foi discípulo de Platão, e uma de suas teorias foi apresentar a ideia de mente e corpo
como indissociáveis. Para Aristóteles, a alma ou a psyché seria o princípio da vida, e todos os
seres vivos, portanto, teriam alma, que se apresenta com funções e níveis diferentes.

Segundo Marilena Chaui (2000), Aristóteles trabalhou e desenvolveu suas teorias de forma
bastante diferente de Sócrates e Platão. Seus escritos eram sistematizados, técnicos e
classificatórios.

Para Aristóteles, os vegetais e as plantas teriam o que ele nomeava como “alma vegetativa”,
responsável pela alimentação e pela reprodução. Já os animais teriam a alma sensitiva, com a
função de movimento e percepção. E o homem, além das funções de percepção e movimento,
também teria a alma racional, responsável pelo pensamento ou função pensante (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Aristóteles apresentou o que foi conhecido como o primeiro tratado de Psicologia, Da anima,
onde discutia as diferenças entre sensação, percepção e razão. Para ele as informações contidas
na consciência já foram experimentadas pelos sentidos, e o ser humano tem uma condição inata
para organizar essas experiências. Isso nos conduz à ideia de inteligência por meio dos estudos
da metafísica, na busca pelas causas dos fenômenos (CHAUI, 2000).

Saiba Mais
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) nasceu em Estagira, Calcídica. Uma das
frases mais famosas do filósofo é: “O sábio nunca diz tudo o que pensa,
mas pensa sempre tudo que diz”.

Segundo Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018), com Platão e Aristóteles se
iniciaram as reflexões sobre a humanidade e seus aspectos internos. Desse modo, parece não
haver dúvidas de que antes do início da Psicologia científica os gregos já haviam apresentado ao
menos duas teorias importantes que iriam contribuir com as primeiras reflexões na área: a
chamada teoria platônica, que apresentava a separação da mente e do corpo e a imortalidade da
alma; e a teoria aristotélica, que apresentava a relação mente e corpo e a finitude da alma.
O Império Romano e a Idade Média
O conhecimento produzido no Império Romano e na Idade Média também foi de extrema
importância no processo de constituição da Psicologia como ciência. 

Esse Império, pouco antes da era cristã, passou a deter o poder, dominando a Grécia e parte do
Oriente Médio e da Europa. A principal característica desse período foi o surgimento do
Cristianismo, um movimento religioso que passa a ser uma força política que resistiu às
invasões bárbaras, desorganizações econômicas e aniquilamentos que ocorreram durante os
anos 400 d.C. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

O Cristianismo foi a principal religião durante a Idade Média. O conhecimento psicológico


produzido, portanto, de acordo Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018),
estaria inevitavelmente relacionado à Igreja Católica, que detinha o poder econômico, político e
cultural e era responsável pelo monopólio do saber relacionado aos estudos do psiquismo. 

Dois filósofos marcaram esse período: Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino
(1225-1274). 

Santo Agostinho, partindo da premissa da cisão mente e corpo apresentada por Platão,
acreditava que a alma não era apenas a sede da razão, mas a confirmação da presença do divino
no humano e seria imortal por sua ligação com Deus. Desse modo, a Igreja passa a se dedicar em
compreender a alma como a sede do pensamento (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Saiba Mais
Santo Agostinho – Aurélio Agostino de Hipona (354-430) – nasceu em
Tagaste, no norte da África. Uma das frases mais famosas do filósofo é:
“Não há lugar para a sabedoria onde não há paciência”.

Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018) referem que São Tomás de Aquino
realizou suas reflexões em um período que antecedia o surgimento do protestantismo,
movimento que resultaria no surgimento do capitalismo, após a revolução francesa e revolução
industrial na Inglaterra. A crise social e econômica desse período provocou questionamentos
quanto aos conhecimentos produzidos pela Igreja. 

Para justificar a relação entre Deus e o ser humano, São Tomás de Aquino buscou na produção
da filósofo grego Aristóteles sustentação para a sua teoria, apresentando reflexões sobre a
essência e a existência. Para ele, o indivíduo, por meio de sua existência, estaria em sua essência
na busca por perfeição. Apenas Deus seria capaz de unir as duas instâncias, desse modo,
apresenta um ponto de vista religioso, diferentemente de Aristóteles, defendendo a ideia de que
a busca pela perfeição seria a busca por Deus (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). 

Na produção do conhecimento e por meio de argumentos racionais, São Tomás de Aquino


encontrou elementos para justificar os preceitos da Igreja e seguir garantindo a ela o monopólio
sobre os estudos do psiquismo.

Saiba Mais
São Tomás de Aquino (1225-1274) nasceu em Roccasecca, na Itália.
Uma das frases mais famosas do filósofo é: “Não se opor ao erro é
aprová-lo, não defender a verdade é negá-la”.

O Renascimento
É com o Renascimento que se inicia um movimento importante no mundo europeu com
transformações radicais, entre elas a valorização do indivíduo e a mudança para o sistema
econômico do capitalismo.

Toda transformação social pode ser constada não só em um campo de produção humana. Nas
artes podemos identificar aspectos dessas transformações em diversas obras, como na
Anunciação (1472-1475), de Leonardo da Vinci, e na escultura Davi (1501-1504), de
Michelangelo.

Figura 2 – Anunciação, de Leonardo da Vinci


Fonte: Getty Images
Figura 3 – Davi, de Michelangelo
Fonte: Getty Images

Copérnico (1473-1543), desconstruindo a ideia da Terra como o centro do universo, provoca


uma grande revolução no conhecimento humano. Galileu (1564-1642) também contribui com
essa revolução com seus estudos na área da Física, inaugurando as primeiras experiências da
Física Moderna sobre as quedas dos corpos. Com esses estudos se iniciam as primeiras
sistematizações (métodos e regras) que contribuíram para a construção do conhecimento
científico (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Com o encerramento do modo de produção feudal e o advento do capitalismo, o avanço da


ciência torna-se necessário. Para Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2018),
com a industrialização a ciência necessitava dar respostas práticas e técnicas aos problemas de
ordem econômica e social. Portanto, esse processo de mudança do modo de produção vigente
sustentou o desenvolvimento da ciência.

No Século XVIII, com a revolução científica, a Biologia, a Física e a Química se distanciam da


Filosofia (CHAUI, 2000).

Nesse momento histórico, o homem deixa de ser centro do universo, que por sua vez também
deixa de ser estático. A economia deixa de ser fechada, a sociedade passa a ser instável e o
homem, supostamente livre, não é mais servo, podendo escolher seu trabalho, seu lugar social e
sua fé.

E você, está conseguindo acompanhar o conteúdo até o momento? Avalie se não é necessária
uma pausa para reler, buscar nas referências ou em outras fontes mais informações sobre os
assuntos aqui tratados com o objetivo de aprimorar sua aprendizagem.
O Lugar da Razão e do Pensamento na Filosofia
De onde vem a razão e o pensamento na Filosofia? Marilena Chaui (2000) afirma que a Filosofia,
durante séculos, respondeu essa pergunta de duas formas. 

A primeira é que nascemos com a capacidade de pensar e com inteligência. Esse grupo de
filósofos que concebia a razão e o pensamento como inatos ficou conhecido por racionalistas. 

A segunda resposta é que a experiência iria constituir suas ideias e pensamentos. Esse grupo de
filósofos que concebia a razão e o pensamento como uma “tábula rasa” era conhecido por
empiristas.

O Inatismo
Essa ideologia filosófica compreende que o indivíduo tem características inatas, presentes
desde o seu nascimento, ou seja, conhecimentos que já nascemos com eles. 

Dois filósofos defenderam o pensamento inatista e serão recordados nesta Unidade, são eles:
Platão e Descartes.

O inatismo é uma vertente da Filosofia que teria sido criada por Platão, mas foi na Filosofia
Moderna, nos séculos XVII e XVIII, com os racionalistas que esse movimento filosófico tomou
força.

Já falamos um pouco sobre Platão. De acordo com Marilena Chaui (2000), o filósofo apresentou
a ideia de alma imortal, que já esteve no mundo das ideias e quando retorna ao mundo sensível,
devido à possibilidade de nascer várias vezes, é capaz de relembra o que já sabia. 
O chamado inatismo platônico apresentou a teoria da reminiscência, que seria justamente o ato
de recordar ideias que já faziam parte da razão. Platão explicou essa teoria como mito de ER, um
escrito literário, possível de ser conhecido na página 86 do livro de Marilena Chaui, Convite à
Filosofia. Para Platão, “conhecer é recordar a verdade que já existe em nós; é despertar a razão
para que ela se exerça por si mesma” (CHAUI, 2000, p. 86).

O filósofo moderno, físico e matemático René Descartes também defendeu a concepção de


ideias inatas, porém, para ele, não é que todas as ideias eram inatas, mas algumas seriam: a
capacidade de compreender e a ideia de busca por perfeição, portanto, a ideia de Deus e a ideia da
razão (CHAUI, 2000).

A principal contribuição do filósofo para a história da Psicologia e para o desenvolvimento da


ciência foi a ideia do homem como máquina, separando a ideia de mente e corpo. Para ele, o
homem funciona como uma engrenagem e possuí uma substância material e outra pensante.
Esse dualismo mente e corpo autoriza os estudos da Fisiologia e da Anatomia, uma vez que
descaracteriza a ideia de corpo como sagrado, como a “casa da alma”, como defendido pela
Igreja, o que era impensável até aquele momento (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Segundo Marilena Chaui (2000), Descartes apresentou suas teorias sobre as ideias inatas nas
obras O discurso do método e Meditações Metafísicas. No chamado inatismo cartesiano,
apresentou três tipos de ideias que diferem na sua origem e qualidade, seriam elas: as ideias
adventícias, vindas de fora, que se originariam de nossas percepções e sensações geralmente
enganosas e falhas; as ideias fictícias, que se originariam em nossas fantasias e imaginações e
nunca seriam verdadeiras; e as ideias inatas, que não são as ideias fictícias e nem as adventícias,
ideias verdadeiras atribuídas por Deus, a mais famosa delas seria referente à sua celebre frase:
“Penso, logo existo”.
Saiba Mais
René Descartes (1596-1659) nasceu na França. Uma das frases mais
famosas do filósofo é: “Penso, logo existo”.

Como oposição ao inatismo surge o movimento do empirismo.

O Empirismo
No Século XVII, a força filosófica que ganha mais importância foi o empirismo, a busca do
conhecimento por meio da observação e da experimentação. Para os empiristas, a razão e a
verdade só são adquiridas por nós por meio da experiência. Compreendem a razão como uma
“folha em branco” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Para Marilena Chaui (2000), na história da Filosofia, os empiristas de maior destaque seriam os
filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David
Hume.

Para os empiristas, segundo Marilena Chaui (2000), nossos conhecimentos são construídos a
partir das experiências dos sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato) com as sensações. O
conjunto das sensações seriam as percepções. As sensações se unem e formam as percepções, e
são nas percepções que construímos as ideias.

As ideias seriam constituídas pela sensação, percepção e hábito por meio da experiência e
seriam levadas à memória. Na memória seriam capturadas pela razão para construir o
pensamento, associando-as, combinando-as ou separando-as.
Para David Hume, a razão é o hábito de associar ideias por diferenças ou semelhanças. É na
busca pelas causalidades que nascem as ciências, visto que a ciência seria os conhecimentos e
ideias decorrentes dos hábitos de associar e repetir as experiências (CHAUI, 2000).

Saiba Mais
David Hume (1711-1776) nasceu em Edimburgo, Reino Unido. Uma das
frases mais famosas do filósofo é: “Todas as nossas ideias ou
percepções mais fracas são imitações de nossas mais vivas impressões
ou percepções”.

Reflita
E você, acredita em qual tipo de razão: a inata ou a empírica?

O Ceticismo
De acordo com Marilena Chaui (2000), o inatismo apresenta alguns problemas. Para a autora, as
ideias não são universais e verdadeiras e podem mudar após a razão rever seus conteúdos, o que
não seria coerente com o pensamento defendido, que inviabiliza a possibilidade de
transformação e mudança, pois os conhecimentos e a razão deixariam de ser inatos. 

Marilena Chauí (2000) levanta a seguinte problemática com relação ao empirismo: se ciências
são apenas hábitos psíquicos, não explicam a realidade, não possuem verdade e nem
objetividade e não alcançam seus objetos. A ciência seria ilusão, fruto da subjetividade, e a
realidade objetiva jamais poderia ser conhecida. 

Não é possível pensar em conhecimentos e verdades intemporais e imutáveis. A história nos


mostra que as ideias se transformam. No empirismo, apesar de a ciência apresentar leis
racionais que governam a natureza, a sociedade, a moral e a política, a experiência é sempre
individual, particular e subjetiva. Os conhecimentos não são apenas as generalizações e
repetições.

Esses problemas produzem, periodicamente, o surgimento da corrente filosófica, segundo


Marilena Chaui (2000), conhecida como ceticismo, que acredita que a razão não é capaz de
conhecer a realidade, portanto, deve renunciar à ideia de verdade. O conhecimento é incerto,
falso e questionável.

Encontramos na Filosofia Moderna, ainda segunda a autora, duas soluções para os problemas
no inatismo e no empirismo. A primeira estaria na filosofia de Leibniz antes de David Hume, e a
segunda, na filosofia de Kant posterior à de David Hume.

A solução para superar os problemas apresentados pelo inatismo e empirismo considerada por
Leibniz foi distinguir verdades de razão e verdades de fato. As verdades de razão seriam os
conhecimentos necessários e universais. Marilena Chaui (2000) dá os exemplos da Geometria e
da Matemática: um triângulo possui três lados, e isso seria inquestionável. O inatismo presente
nas verdades de razão não dizem respeito aos indivíduos já nascerem com os conhecimentos da
Matemática, mas sim a capacidade racional para compreendê-las, independentemente das
experiências.

Já as verdades de fato dependem da experiência, pois são ideias obtidas por meio da sensação,
percepção e memória. As verdades de fato seriam empíricas e mutáveis ou de diferentes
apresentações e seriam razões produzidas pelo conhecimento das causas. Para Leibniz, no
Século XVII, de acordo com Chaui (2000), as verdades de razão poderiam tornar-se verdades
necessárias e serem compreendidas como verdades de fato após a experiência.

Saiba Mais
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) nasceu em Lípsia, Alemanha.
Uma das frases mais famosas do filósofo é: “Entendo por razão não a
faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o
encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma
verdade não pode ser contrária a outra”.

O Pensamento de Kant
Já para Kant, filósofo alemão do Século XVIII, a solução para o inatismo e o empirismo seria “a
revolução copernicana” em Filosofia.

Copérnico, conforme Marilena Chaui (2000), apresentou uma teoria que considerava: o universo
como infinito; os astros estão em movimento, cuja forma é de uma elipse; a Terra não é o centro
do universo; o Sol é uma estrela, não um planeta, e os planetas giram em torno dele; o Sol se
move ocupando o centro do sistema planetário, e tudo se move ao seu redor, mas não ao redor
da Terra. Esse sistema é também conhecido como heliocêntrico.

Para Kant, os filósofos estariam adotando posturas semelhantes aos astrônomos geocêntricos,
buscando um centro não verdadeiro. Ele propõe que no lugar de colocar no centro a realidade
objetiva ou os objetos de conhecimento, coloquemos no centro a própria razão e o sujeito do
conhecimento (CHAUI, 2000).

Desse modo, a razão seria uma forma vazia sem conteúdo. Essa forma/estrutura seria universal.
Essa estrutura seria inata e existiria antes da experiência, independentemente dela.

Já os conteúdos dependem das experiências. A experiência fornece a matéria (conteúdos), a


razão fornece a forma (universal e necessária).

Para Kant, segundo Marilena Chaui (2000), o engano dos inatistas seria acreditar em conteúdo
ou matérias do conhecimento inato. Não existem ideias inatas, o que é inato é a estrutura da
razão. Já o erro dos empiristas seria acreditar que a estrutura da razão poderia ser adquirida ou
causada pelas experiências. A experiência seria a ocasião para que a razão formule as ideias.
Desse modo, a razão é inata e universal, e os conteúdos são empíricos, podendo variar no tempo
e espaço e podendo se transformar.

Saiba Mais
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu em Königsberg, Reino da Prússia.
Uma das frases mais famosas do filósofo é: “Ciência é conhecimento
organizado. Sabedoria é vida organizada”.

O Pensamento de Hegel 
Hegel foi um filósofo alemão que viveu no Século XIX e foi influenciado pela Revolução Francesa
e pela Revolução Industrial. O pensamento de Hegel influenciou Marx e sofreu também
influência do idealismo de Kant e do romantismo alemão (conexão de indivíduo com a
natureza). Para Hegel, a função da noção dialética são polos distintos que convivem,
influenciam-se e são influenciados. A ciência divide o conhecimento em partes, e Hegel propõe
a importância de olhar para a totalidade para compreender a realidade. Para ele, o singular só
possui contradição (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

De acordo com Marilena Chaui (2000), Hegel ofereceu uma solução para o problema do inatismo
e do empirismo posterior ao Kant. O filósofo faz uma crítica ao inatismo, ao empirismo e ao
kantinismo. Para ele, o mais fundamental e de mais essencial à razão seria a razão histórica. 

A filosofia em sua busca por diferenciar a opinião da verdade considerou que as ideias só seriam
verdadeiras e racionais se eternas, intemporais e universais. Aquilo que mudasse deixaria de ser
a verdade e a razão para ser mera opinião (CHAUI, 2000).

Para Hegel, compreender a razão como histórica coloca a razão como sendo a própria história,
como sendo o próprio tempo.

“A unidade ou harmonia entre o objetivo e o subjetivo, entre a realidade das coisas

e o sujeito do conhecimento não é um dado eterno, algo que existiu desde todo o
sempre, mas é uma conquista da razão e essa conquista a razão realiza no tempo. A
razão não tem como ponto de partida essa unidade, mas a tem como ponto de
chegada, como resultado do percurso histórico ou temporal que ela própria
realiza.”

- CHAUI, 2000, p. 100


Hegel, ainda segundo a autora, diz que os conflitos filosóficos seriam a história da razão, e
graças aos conflitos a Filosofia pode chegar a construir sínteses e unidades a partir das teses
contraditórias. 

A razão e o conhecimento, em sua história, criam teses, antíteses e sínteses (unindo as teses
contrárias), mostrando a verdade em cada uma das teses, o que seria a razão histórica. Porém, a
solução hegeliana não foi aceita por todos, e hoje é possível identificar as quatro correntes
filosóficas (CHAUI, 2000).

Saiba Mais
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Berlim,
Alemanha. Uma das frases mais famosas do filósofo é: “O que a
história ensina é que os governos e as pessoas nunca aprendem com a
história”.

Em Síntese
Certamente os filósofos mencionados nesta unidade tiveram muitas
outras contribuições para o conhecimento filosófico e para a história
da humanidade. Aqui foi preciso realizar apenas um recorte das
principais ideias que estavam em consonância com a história da
Psicologia científica. 

Foi no pensamento filosófico e nas pesquisas fisiológicas que os


métodos das ciências biológicas e físicas passaram a ser utilizados
para responder os fenômenos mentais, mas essa história fica para a
próxima unidade.
3/4

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Livros  

O Mundo de Sofia
GAARDEM, J. O Mundo de Sofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

História dos Saberes Psicológicos


MASSIMI, M. História dos Saberes Psicológicos. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo; Paulus,
2016. 

  Vídeos  

Partida de Futebol dos Filósofos - Monty Python


Partida de Futebol dos Filósofos (The Philosophers' Football Matc…

  Filmes  

Cartesius 
Filme que apresenta a história de René Descartes. Um vídeo antigo, mas interessante para captar
não só o pensamento do filósofo, mas o período em que estava inserido.

Clique no botão para visualizar.

ACESSE

Descartes - Filme Completo


4/4

ʪ Referências

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de


psicologia. São Paulo: Saraiva, 2018. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553131327/>. Acesso em: 12/01/2022.

CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. 

JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (org.). História da psicologia: rumos e


percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. 

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning
Brasil, 2019. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522127962/>. Acesso em:
12/01/2022.

Você também pode gostar