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1.

OBJETO DE ESTUDO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar diferentes formas do uso do passado, problematizando
questões relativas à Cultura Histórica contemporânea, especialmente a difusão de versões
revisionistas ou abertamente negacionistas de diferentes temas históricos. Para isso, será
utilizada como principal objeto de análise a plataforma de internet e think tank chamada Brasil
Paralelo, importante difusor de proposições revisionistas de viés conservador na internet e que
tem sido amplamente utilizada como fonte por youtubers, influenciadores em geral, estudantes,
e até mesmo professores e jornalistas. É importante ressaltar que a pesquisa busca compreender
a relevância e alcance dessa plataforma, bem como a disseminação de desinformação, que é a
propagação intencional de informações falsas ou enganosas. Neste sentido compreendemos
revisionismo no sentindo estrito do termo, ou seja, como forma de fazer proselitismo da História
motivado por agendas políticas, ideológicas ou nacionalistas, resultando em uma manipulação
da história para atender a propósitos específicos, negando ou distorcendo os fatos subjacentes.
No Brasil, o negacionismo e o revisionismo histórico se manifestam em diferentes formas,
como na relativização do Fascismo, na minimização da escravidão e na defesa da Ditadura
Militar. Para analisar estas posturas com relação ao passado, discutiremos questões relativas às
categorias de verdade e veracidade histórica. Além disso, buscaremos entender a sociogênese
dessas formulações, tanto do ponto de vista político e ideológico, quanto seus desdobramentos
comparados aos pressupostos teóricos conservadores na historiografia dos séculos XX e XXI.
2. OBJETVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar as diversas formas de uso do passado, especialmente a difusão de proposições
revisionistas de viés conservador, focando na plataforma "Brasil Paralelo”.

2.2. Objetivos específicos:


Investigar o discurso da plataforma "Brasil Paralelo" como difusor de proposições revisionistas
de viés conservador.
Investigar a sociogênese das formulações revisionistas e negacionistas no contexto brasileiro,
considerando suas motivações políticas.
Discutir questões relativas às categorias de verdade e veracidade histórica
Reflexão teórica da história a partir topos o discurso revisionista contemporâneo com vertentes
conservadores do século XX, identificando as bases historiográficas diluídas nos principais
discursos revisionistas da internet.
3. JUSTIFICATIVA
A disciplina histórica não está imune a um fenômeno cada vez mais deletério e
difundido na sociedade contemporânea, que é o negacionismo científico; pelo contrário pode-se
considerar que é até mais vulnerável a tais discursos. No caso da História, essas formas de
distorções da realidade se personificam na forma de revisionismo histórico, termo que, em sua
conotação negativa, implica em uma "viragem ético-política" em nosso modo de olhar o
passado, adquirindo dimensões apologéticas (Traverso, 2007). Neste sentido, o revisionismo
histórico é entendido como uma tentativa de distorcer o passado para atender a propósitos
particulares, em vez de promover uma compreensão aprofundada dos eventos passados (Melo,
2014).
Dessa forma, torna-se urgente refletir sobre a dinâmica das disputas em torno da Cultura
Histórica. Se por um lado, a compreensão da existência da cultura histórica nos leva a
reconhecer que a elaboração de formas de compreensão e usos do passado não é exclusiva do
historiador (Falcon, 1997). Por outro lado, é este profissional que possui as ferramentas teórico-
metodológicas para compreender o processo de formação e difusão desse conhecimento. Não
obstante, o negacionismo pode definido como uma falta de vontade em acreditar em estudos
baseados em evidências, disseminando dúvidas sobre a validade dos dados e resultados
científicos, muitas vezes em favor de pontos de vista radicais e controversos, associados a
teorias da conspiração (Björnberg et al. 2018)
Dito isto, ao longo de décadas, narrativas históricas - muitas vezes de cunho
ultraconservador - têm sido constituídas e divulgadas sem qualquer embasamento metodológico,
ou até mesmo com total descompromisso com a realidade e os processos do passado; detratores
da veracidade que Pierre Vidal-Naquet (1988) designa como “assassinos da memória”. Essa
situação tem promovido uma crescente animosidade midiática contra o conhecimento histórico
acadêmico e escolar, inclusive com ataques direcionados aos professores, que gradualmente têm
perdido legitimidade perante parcelas significativas da sociedade.
O fenômeno da desinformação assumiu contornos nefastos e vem ganhando força
política, tornando-se particularmente evidente no contexto da pandemia de COVID-19. Um
termo guarda-chuva que tem sido disseminado para entender esse processo é o de pós-verdade,
que designa argumentos baseados em emoções e crenças pessoais, ignorando fatos objetivos e
influenciando a opinião pública de maneira arbitrária e descompromissada com a realidade
(Feitosa, 2017).
Como já dito, o escopo do revisionismo midiático no Brasil está na esteira do
acirramento político entre direita e esquerda na década de 2010. É neste contexto que se
constitui uma nova direita política, em oposição ao avanço da esquerda, com críticas e em
relação a movimentos sociais de grupos considerados sociologicamente como minoritários. Em
meio a esse processo preconceito há muito vigente foi amplificado, dilatando percepções
negativas sobre esses grupos, que passam a ser visto como autoritários e impositores de suas
visões sobre a organização sociocultural do país. Esse sentimento negativo se difunde,
principalmente entre homens e evangélicos, alimentando a formação dessa nova direita mais
conservadora (SOLANO & ROCHA,2019).
Neste contexto, se soma o surgimento o movimento "Escola sem Partido" (projeto de lei
número 7180 de 2014), uma iniciativa que teve origem no Brasil com o objetivo declarado de
combater supostas doutrinações ideológicas nas escolas. Embora não tenha sido sancionada, em
vários casos, esse movimento resultou na restrição da liberdade de cátedra. Isso limitou a
autonomia dos professores para abordar temas relevantes e controversos, o que, por sua vez,
empobreceu – e muitas vezes gerou aversão - o debate e a reflexão crítica dos estudantes sobre
questões sociais e políticas, caracterizando-se como uma proposta antidemocrática (Penna,
2018). O alvo principal dessa ofensiva foi o ensino de História, uma vez que a análise crítica de
diferentes perspectivas e fontes é inerente a essa disciplina (Reis, 2000). A imposição de uma
suposta e irrestrita imparcialidade, bem como a limitação no tratamento de temas históricos
controversos, pode levar ao esvaziamento do ensino dessa disciplina, afetando negativamente a
formação cidadã dos estudantes. (Oliveira, 2017).
É nesta conjuntura que surge o think thank Brasil Paralelo. De acordo com seu próprio
site, se trata uma iniciativa de produção de conteúdo midiático que se apresenta como uma
alternativa ao que seus criadores consideram ser uma hegemonia ideológica na mídia
tradicional. Na realidade, sob a inspiração retórica de Olavo de Carvalho (Rocha, 2021), o
Brasil Paralelo promove uma narrativa conservadora e revisionista da história e da política
brasileira, buscando moldar a opinião pública a partir de uma visão específica, muitas vezes
desconsiderando nuances e diversidade de perspectivas. Sua abordagem pode ser vista como
uma tentativa de criar uma realidade paralela, desafiando informações estabelecidas, e é vista
por críticos como uma forma de manipulação e desinformação em busca de apoio a agendas
políticas específicas.
Iniciativas como esta se inserem dentro de um projeto de poder conservador para
disputar espaço no campo da educação, atuando no ciberespaço Lévi,1999) , questionando as
elaborações do saber histórico escolar ao defenderem versões apoiadas nas “[...] prerrogativas
historicistas do século XIX, que preconizavam a possibilidade de um conhecimento neutro e
imparcial” (Meneses, 2018, p.173) ; ou mesmo em versões abertamente reacionárias e
reabilitadoras de fenômenos históricos como o Fascismo. Em outras palavras, torna-se
fundamental compreender os mecanismos que atuam na manipulação de fatos e informações,
assim como as características comuns a várias formas de negacionismo científico. Essa
compreensão é essencial para abordar questões relativas à construção das narrativas históricas
no presente e seus Usos e Abusos (Macmillan, 2010) com diferentes propósitos.

REFERÊCIA:
Elizabete Friderichs, L. A importância Do Think Tanks Para a divulgação Do
Neoliberalismo No Brasil. FDC 2016, 2, 109-129.
VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da memória: um Eichmann de papel e outros ensaios
sobre o revisionismo. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1988.
PENNA, Fernando de Araujo. O discurso reacionário de defesa do projeto “Escola sem
Partido”: analisando o caráter antipolítico e antidemocrático. In: Quaestio, Sorocaba, SP, v. 20,
n. 3, p. 567-581, dez. 2018. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-
5796.2018v20n3p567-581.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Palácio do Congresso Nacional. Comissão especial PL
7180:escola sem partido. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível
em:<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/
especiais/55a-legislatura/pl-7180-14-valores-de-ordem-familiar-na-educacao>. Acesso em: 27
jul. 2023a.
REIS, José Carlos. A Escola dos Annales: a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
MENESES, Sônia; MELO, Egberto. A Babel do Tempo: Regimes de Historicidade e a
história ensinada no universo virtual. Revista Linhas. Florianópolis, v. 18, n. 37, p. 154-
178, maio/ago. 2017
ROCHA, João Cezar de Castro. Guerra Cultural e retórica do ódio. Goiânia: Editora Caminhos,
2021

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