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Resumo: O artigo apresenta como a série A Sétima Arte, produzida pela empresa de
conteúdos audiovisuais Brasil Paralelo, participa da Guerra Cultural empreendida atualmente
pela extrema-direita brasileira. Para isso, o estudo apresenta uma rápida elaboração sobre
Guerra Cultural, e a partir disso empreende uma análise nos três primeiros episódios da série,
que são aqueles em que apresentam sua conceituação teórica e sua posição política. Como
parte da análise em tela, debruça-se sobre alguns pontos, tais como os expedientes técnicos e
estéticos, como a montagem, a música de fundo etc. Também, observa questões de conteúdo,
como os temas abordados, organização do roteiro, falas de entrevistas etc.
Todavia, por baixo da qualidade dos vídeos da Brasil Paralelo escondem-se conteúdos
veiculados que fazem parte da atual Guerra Cultural em curso promovida pela extrema-direita
brasileira (ROCHA, 2021). Proferidos por entrevistados apresentados como especialistas nos
assuntos tratados, e revestidos com certo verniz intelectual, seus temas são na verdade
mistificações que se esforçam por ocultar simplificações, distorções e mentiras sob um
discurso que se pretende especializado e, portanto, irrepreensível. Toda sorte de recursos
técnicos e estéticos são utilizados para provocar o efeito mistificador, do qual destaca-se o
uso da trilha sonora de forma quase sub-reptícia, assim como costurar sequências narrativas
que unem subtemas distintos para dar-lhes novos significados sem fazer as devidas distinções
entre elas. Tais construções têm, por um dos seus principais motivos, naturalizar a ideia de
que a sociedade está irremediavelmente dividida em dois grupos inconciliáveis: de um lado,
os “esquerdistas” como expressão de oportunistas, abusadores, revolucionários que utilizam
de todo e quaisquer meios para dominar o mundo, e do outro lado, os que defendem a
sociedade e os valores humanos mais elevados.
Neste artigo abordaremos uma parte dessas produções: os três primeiros episódios da
série audiovisual intitulada A Sétima Arte, que estreou em outubro de 2021, no canal no
YouTube da Brasil Paralelo. A série constitui-se de oito episódios, sendo que os três
primeiros apresentam a formulação conceitual de como a empresa entende a relação entre
cinema e política, enquanto que os demais episódios são “estudos de caso” de diferentes
filmes. Interessa-nos, aqui, não a interpretação que a Brasil Paralelo faz de cada um dos
filmes nos cinco episódios finais, mas sim, entender qual é a formulação conceitual que
elabora e que norteiam sua visão geral sobre a produção cinematográfica. Acreditamos e
defendemos que essa formulação conceitual é uma expressão e um instrumento da Guerra
Cultural em curso no Brasil, e tem por objetivo promover e popularizar revisionismos
diversos e, ainda, convencer um grande público dos valores e crenças que eivam a
extrema-direita.
Este artigo é parte de pesquisa de doutoramento em curso e que tem por tema a
Guerra Cultural e o Fascismo no Brasil Contemporâneo.
Sobre Guerra Cultural
A ideia de Guerra Cultural originou-se na luta política travada entre a burguesia que, na
primeira metade do século 19, se consolidava como a classe hegemônica e a Igreja Católica
(CLARK, 2003). Naquela época, a burguesia havia superado o absolutismo, e parte dessa
vitória política foi a constituição e consolidação dos Estados-nacionais. Como as aristocracias
absolutistas eram visceralmente associadas à Igreja Católica, sendo uma necessária à outra, o
ocaso do absolutismo arrastou consigo o poder papal. Como resultado, no alvorecer do século
19 o poder central da Igreja Católica se encontrava em acentuado declínio: o Papa tinha
pouca influência sobre as decisões dos bispos nos diferentes Estados europeus, e eles tendiam
a compromissar-se com os governantes e as classes dirigentes de cada país, desconsiderando
quaisquer ordens ou orientações mais sensíveis vindas de Roma. A situação passa a mudar
quando o monge Capellari é escolhido como novo Papa, em 1831, assumindo o nome de
Gregório XVI. De forte espírito conservador, já em 1832, ele publica a encíclica Mirari Vos,
em que condena (e chega mesmo a chamar de “loucuras”) o liberalismo e as liberdades de
consciência, de expressão e de imprensa, bem como a divulgação de tais ideias por meio de
livros, panfletos e outros impressos tão comuns no período2.
Tanto Gregório XVI quanto seus sucessores Pio IX e Leão XIII deram início ao
movimento pelo qual a Igreja Católica passou a disputar a influência política sobre a
população, visando reconquistar seu antigo papel de principal aparelho ideológico3 da
comunidade europeia. E esse é ponto central para entender a Guerra Cultural: com o
surgimento do protestantismo, a Igreja Católica já havia perdido sua condição de única
religião da Europa. Agora, ela também precisava disputar sua supremacia com doutrinas
políticas (liberalismo, e logo depois, o socialismo) que pregavam, no mínimo, a separação
entre Estado e Igreja, e no extremo, a laicidade e o ateísmo. Era preciso, então, por um lado
condenar totalmente tais doutrinas e, por outro, estabelecer uma série de expedientes de
convencimento em massa, o que foi feito por meio de uma série de novos dogmas que
2
Na encíclica, escreve o religioso: “Desta fonte muito corrupta de indiferentismo brota aquela sentença
absurda e errônea, ou melhor, delírio, que se deve admitir e garantir a todos a liberdade de consciência : um
erro muito venenoso, ao qual aquela plena e imoderada liberdade de opinião que sempre vai aumentando em
detrimento da Igreja e do Estado (...) Essa muito ruim, nunca suficientemente abominada e abominada
liberdade de imprensa é direcionada para esse fim. Na divulgação de escritos de qualquer natureza; liberdade
que alguns ousam invocar e promover com tanto clamor. Estamos horrorizados, Veneráveis Irmãos, ao observar
que extravagância de doutrinas nos oprime, ou melhor, que monstruosidade portentosa de erros se espalham e
se espalham por toda parte com aquela multidão infinita de livros, panfletos e escritos, certamente pequenos em
tamanho, mas muito grandes. malícia, da qual vemos com lágrimas nos olhos a maldição que sai e inunda toda
a face da terra.”, conferir em: GREGÓRIO XVI, Mirari Vos, 1832.
3
Utilizamos aqui o termo aparelho ideológico de Estado seguindo a acepção formulada por Louis Althusser em
seu célebre ensaio Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado.
voltaram a concentrar o poder da igreja em Roma, também criaram novas ordens religiosas e
ritos populares (como peregrinações e assembleias) e, sobretudo e principalmente,
fortaleceram a propaganda católica por meios de jornais, livros e outros mecanismos de
divulgação e disseminação da doutrina cristã. O papa voltou a ser uma figura estimada e
venerada pelos católicos e o catolicismo tornou-se uma religião profundamente popular. Esse
é o contexto em que políticos liberais passam a falar sobre a Guerra Cultural travada pelo
catolicismo contra o liberalismo, este esforçando-se por um mundo moderno e o primeiro
empenhado em manter o poder absolutista e retrógrado emanado de Roma. Assim, trata-se de
uma guerra para fazer do Papa uma espécie de imperador da fé de uma grande nação, a
católica, que não se limitaria pelas fronteiras de cada um dos Estados-nação e nem dos seus
governos temporais.
Mas essa “arte universal" que fala do humano para os seres humanos, em algum
momento do século 20, passa a ser utilizada como instrumento de propaganda. Isso foi feito,
sobretudo, por russos/soviéticos, nazistas e estadunidenses. No entanto, no específico caso
desses últimos, o uso propagandístico do cinema não ocorreu por interesses de controle das
massas, mas por necessidades impostas pela entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial:
era preciso sensibilizar o senso comum, engajar a população nos esforços de guerra e
explicar-lhes o conflito e a entrada do país nele. Mas depois da guerra, alguns realizadores se
veem às voltas com uma Hollywood controlada por grandes estúdios interessados em lucros,
mesmo que às custas do abandono dos tradicionais valores humanos que constituíam a
sociedade. Entretanto, o maior golpe sofrido pela “grande arte do cinema” ocorre no tempo
presente quando o que chamam genericamente de "progressismo" passa a agir como um
verdadeiro parasita, penetrando sorrateiramente nas grandes obras. Assim, antigos clássicos
do cinema passam a ser refilmados ou recebem continuações mantendo seus personagens de
origem, mas modificados em seus significados e sentidos, além de passarem a contar com
novos personagens, mais diretamente afeitos aos interesses e ao imaginário progressistas,
passando a ser instrumentos de doutrinação. Todavia, diferentemente da velha propaganda
nazista, comunista ou de guerra, a doutrinação progressista age de forma sub-reptícia,
imiscuindo-se nas relações cotidianas, alterando-as sem que a maioria das pessoas perceba,
modificando os valores e a cultura, em detrimento das tradições que constituíram a
civilização humana.
A narrativa apresentada pela série A Sétima Arte já se faz presente nos títulos dos
três episódios, sendo o primeiro Gênesis - O Impacto do Cinema, o segundo A Queda - A
Função Política do Cinema, e, por fim, o terceiro A Teoria do Parasita Pós-Moderno no
Cinema. Os títulos, postos lado a lado, já resumem quase que completamente a ideia que a
série deseja defender: como que uma arte que é quase que o ritual mítico moderno é tomada
de assalto por interesses mundanos até que os agentes desses interesses conseguem parasitar
essa arte, esvaziando-a de seus significados e usando-a como um “Cavalo-de Tróia" contra a
humanidade.
Outro momento que demonstra bem como a edição que parece ser “neutra” carrega
um posicionamento ocorre no segundo episódio, aos 18 minutos e 27 segundos, quando se
encerra a abordagem sobre a propaganda comunista dos bolcheviques e passa-se para a
propaganda nazista. Sem nenhuma mediação explicativa sobre as diferenças de ambas as
ideologias e de suas propagandas, vai-se de um tema ao outro unindo-os por uma imagem do
ministro da comunicação nazista, Goebbels, e uma citação sua, exibida em letreiro, em que
elogia a propaganda comunista. Essa transição cria uma linha de continuidade entre
comunistas e nazistas, colocando-os como que no mesmo campo de interesses e
personalidade política.
Há alguns pontos desta narrativa que precisam ser destacados. Um deles é a defesa do
cristianismo como uma espécie de padrão moral da sociedade. A despeito das inúmeras
elaborações a respeito, sobressai-se a leitura de que o herói mítico da sociedade moderna é o
herói de tipo cristão. A dramaturgia ocidental ampara-se na ideia de herói trágico conforme
emergiu da tradição clássica. O documentário A Sétima Arte, por sua vez, afirma que os
heróis trágicos eram aqueles que buscavam glórias eternas, eram irasciveis, vaidosos etc. Já o
herói cristão é aquele cuja grandeza está em se sacrificar pela sua comunidade, pelo seu
povo. Um dos especialista entrevistados pela série, Bernardo Brandão, apresentado como
doutor em literatura, afirma (aos 31 minutos do primeiro episódio) que: “um herói, para o
grego, é alguém que tem na árvore genealógica um deus, tem sangue divino correndo nas
veias, e por isso ele é maior que um ser humano comum, ele faria coisas que um ser humano
comum não faria”. A seguir, vemos e ouvimos outro especialista, Jonathan Pageau,
apresentado como “professor de semiótica e iconologia, criador da teoria do parasitismo
pós-moderno”, que afirma (por volta dos 33 minutos do mesmo episódio) que: “os heróis
modernos são baseados no cavaleiro cristão, ou seja, a pessoa que põe sua força a serviço
de quem não pode se defender”. Tratam-se de dois erros grosseiros, primeiramente porque a
ideia de um descendente divino é conhecido como semi-deus, já o herói trágico tem outra
condição. Junito de Souza Brandão (1984 e 1986), Pierre Grimal e outros especialistas
explicam que o herói das tradições gregas é aquele que fere uma das principais crenças
antigas, que é o metrón (uma espécie de “medida de vida” atribuída pelos deuses a cada
pessoa, e todas devem viver dentro dessas medida). O ato de romper esse metrón, conhecido
como hybris, põe em movimento os mecanismos de vingança divina. Aqueles que em hybris
conseguem reconhecer a sua falha trágica e penitenciam-se perante os deuses aceitando os
castigos que lhes são impostos, mesmo que seja a morte, são tidos como heróis. Portanto, não
é a vaidade que os distingue, mas, pelo contrário, a forma superior com que tratam o
reconhecimento do erro e a penitência que o expia. Isso, na verdade, não os afasta, mas, pelo
contrário, os aproxima da ideia de um herói cristão no sentido de que ambos são movidos
pelos desígnios de entidades divinas. Mesmo os ciclos arturianos, de onde talvez tenha
emergido a ideia de um “cavaleiro cristão”, em sua origem não apresentam esse caráter
generoso ou de auto-sacrifício; são mitos que originalmente tem personalidade mais bruta e
só, ganham contornos mais generosos quando da maior influência da Igreja Católica e,
posteriormente, do romantismo. Mas esse equívoco no roteiro de A Sétima Arte, intencional
ou não, é suficiente para afirmar que o herói, na origem do cinema, era a representação do
herói cristão e seu constante auto-desapego e generosidade em benefício de seu povo,
fazendo com que o cinema fosse uma espécie de rito de revivificação do mito. Mas o uso
político do cinema tornou-o objeto de propaganda, seja a estadunidense (justificada pela
guerra) seja a nazista ou comunista (injustificcáveis em sua essência pois ambos seriam
regimes de destruição dos valores humanos para efetivar o controle sobre as pessoas). E hoje,
numa escala maior, o ataque contra o cinema está além do seu uso propagandístico,
ocorrendo por meio de ideias “parasitas” que se imiscuem nos antigos roteiros e heróis,
alterando-os e influenciando negativamente as pessoas. E por isso, é preciso combater o
“parasita” para recuperar o velho cinema, salvar o herói cristão e sua jornada de
auto-sacrifício e restituir como comuns os valores e tradições humanos. Não à toa, a última
fala do terceiro episódio, enunciada sob uma música de cunho religioso (aos 51 minutos e 15
segundos do terceiro episódio), é: “eu acho que as pessoas saem das salas de cinema, ela tem
que sair e falar assim: ‘o que a minha vida significa, qual é o sentido que a minha vida tem,
como eu faço pra redescobrir a minha vida, e como esses personagens mostram o que eu
perdi’, então aí o escapismo e a consolação… eles ganham uma outra conotação. O cinema
desperta a pessoa pra experiência da luz”.
Um último ponto que desejamos destacar é como a série recupera os ideários
estadunidenses condensados no Destino Manifesto e na Tese da Fronteira. No conjunto, esses
ideários desenvolvidos entre meados do século 19 e primeiras décadas do século 20 traçam os
contornos do que designamos de mentalidade conservadora estadunidense, pensando aqui no
conceito de mentalidades desenvolvido pelo historiador Michel Vovelle. Essa mentalidade se
expressa na crença de que os EUA são uma nação excepcional, que surgiu sem um passado
feudal, e que nasceu pela luta de seus cidadãos contra o absolutismo. E que assim, pela graça
de Deus, são uma nação destinada a espalhar a sua moral e o seu modo de vida para o restante
do mundo. Esse espalhamento se iniciou na conquista do continente, a conquista do Oeste.
Lembremos que os EUA, até meados do século 19, se restringiam à sua costa leste. E a partir
daquele momento, e movido ideologicamente pelo Destino Manifesto, o povo estadunidense
começa a se locomover rumo à costa oeste, ao Oceano Pacífico. No caminho, o confinamento
e o extermínio de povos indígenas, guerra contra o México, compra de territórios em posse de
nações europeias, devastação ambiental durante a corrida do ouro e outras barbáries
(BANDEIRA, 2016). Concluído o espalhamento para o Oeste, passa-se às conquistas das
Antilhas e do sudeste asiático, nas Guerras Hispano-americanas, enfim, iniciando seu
processo imperialista em curso ainda hoje (ANDERSON, 2015). Mas todas as
arbitrariedades, tanto na colonização interna quanto no imperialismo, se justificam pela
“vontade divina”. Especificamente no processo da conquista do oeste, ainda segundo essa
mentalidade, formou-se o tipo estadunidense, alguém com espírito desbravador, que preza o
núcleo familiar e a vida comunitária enquanto desconfia de toda sorte de poder estatal ou das
grandes corporações. Não é um intelectual: age mais pelas convicções e pelos costumes; por
isso lhe é cara a moral cristã e as tradições. Esse ideário é recuperado, na série A Sétima
Arte, pela ênfase que dão ao filme A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life),
de Frank Capra, de 1946. Nele, vemos todos esses elementos plasmados na tela: a valorização
da vida familiar e comunitária, os donos das grandes corporações como velhacos
enganadores, o espírito empreendedor, o auto-sacrifício etc, junto aos cuidados prestados por
Deus e seus anjos. Um filme belíssimo, com roteiro muito bem elaborado e direção
impecável, carregando em seu bojo o ideário que forma a mentalidade estadunidense. A sua
personagem principal, George Bailey, interpretada por James Stewart, é um pequeno
empresário que graças à sua empresa familiar tem construído moradias para a população mais
pobre de sua cidade, sem que, com isso, consiga ele próprio se desenvolver economicamente.
Seu desejo, desde a infância, era sair da cidade para conhecer o mundo e realizar grandes
obras, mas as contingências familiares o mantiveram preso à empresa fundada por seu pai e
seu tio. Desiludido, sem conseguir sair de sua cidade nem propiciar uma vida um pouco
menos modesta para sua família, ele decide tirar sua própria vida e está prestes a se suicidar
em plena noite de Natal. É nesse momento que um anjo é enviado por Deus tendo por tarefa
fazê-lo notar como seus sacrifícios pessoais foram fundamentais para o equilíbrio da sua
família e da sua comunidade. George Bailey seria, então, umas das mais acabadas
personificações do herói cristão defendido pela empresa Brasil Paralelo.
Conclusão
Toda cultura emerge de um processo de barbárie, já escreveu Walter Benjamin. Tudo o que
existe como especificidade da condição humana é fruto da luta pela sobrevivência física da
espécie, mas também de lutas travadas em defesa de posicionamentos políticos e ideológicos.
Embates contra feras, contra a hostilidade de territórios selvagens, contra grupos humanos,
contra ideias. No entanto, do desenvolvimento histórico humano emergiu a política e as leis,
a tragédia Eumênides4, de Ésquilo, talvez seja a melhor figuração, na cultura ocidental, dessa
emergência. E desde o advento do iluminismo, a política e as leis alcançaram importantes
dimensões no comportamento das sociedades. Ainda que persistam os momentos de intensos
conflitos armados eles já não visam necessariamente a eliminação total do outro, como já
escreveu Clausewitz, as guerras não deixam de ser forma-política: existem não para aniquilar
o adversário, mas para forçá-lo a abrir rodadas de negociação. Enfim, nas palavras do militar
prussiano, a guerra é a política por outros meios.
Mas a Guerra Cultural remete a outro fenômeno moderno: a disputa por controle total
dos chamados aparelhos ideológicos de Estado em sociedades já totalmente integradas pelos
meios de comunicação e de cultura de massas. Embora não tenha surgido com os fascistas,
foram eles quem melhor compreenderam e desenvolveram a ideia de Guerra Cultural. E no
4
Em uma das últimas falas da peça, a deusa Atena, que reside o julgamento de Orestes, diz: “Prestai toda a
atenção ao que instauro aqui, atenienses, convocados por mim mesma para julgar pela primeira vez um
homem, autor de um crime em que foi derramado sangue. A partir deste dia e para todo o sempre o povo que já
teve como rei Egeu terá a incumbência de manter intactas as normas adotadas neste tribunal na colina de
Ares… Sobre esta elevação digo que a Reverência e o Temor, seu irmão, seja durante o dia, seja de noite,
evitarão que os cidadãos cometam crimes, a não ser que eles prefiram aniquilar as leis feitas para seu bem
(quem poluir com lodo ou com eflúvios turvos as fontes claras, não terá onde beber). Nem opressão, nem
anarquia: eis o lema que os cidadãos devem seguir e respeitar. Não lhes convém tampouco expulsar da cidade
todo o Temor; se nada tiver a temer, que homem cumprirá aqui os seus deveres? Se fordes reverentes ao poder
legítimo, nele tereis um baluarte inexpugnável de vosso território e de vossa cidade, como nenhum povo possui,
nem lá na Cítia, nem mesmo na famosa pátria do herói Pêlops. Proclamo instituído aqui um tribunal
incorruptível, venerável, inflexível, para guardar, eternamente vigilante, esta cidade, dando-lhe um sono
tranquilo. Eis a mensagem que vos quero transmitir, atenienses, pensando no vosso futuro. Levantai-vos agora
de onde estais, juízes, e decidi com vossos votos esta causa.” (ÉSQUILO, Eumênides, 1991)
atual momento histórico, em que vemos a ascensão de lideranças fascistas em diferentes
países, e em alguns deles chegando a ser eleitos, é preciso compreender a Guerra Cultural
como um fenômeno político social em pleno processo e vigor. Além disso, também é
importante compreender suas dinâmicas e referências para empreendermos uma das mais
tensas tarefas que temos, como nação, pela frente: a reconstrução do Brasil.
Este pequeno artigo abordou uma das produções da empresa Brasil Paralelo. Uma que
teve, por enquanto, menos acessos que outras produções mais antigas e com sucesso
estrondoso, como 1964, O Brasil Entre Armas e Livros e A Cruz e a Espada. No entanto,
a série A Sétima Arte é a que melhor anuncia, por enquanto, o pensamento do segmento
social que a BP representa. Ao teorizar o “progressismo” como um “parasita”, ao ponderar
sobre uma ideia de um herói cristão e ao recuperar as ideias do Destino Manifesto e da Tese
da Fronteira, a série em questão apresenta um bem detalhado mapa ideológico fascista.
Ideário que não será superado facilmente e que exige maior atenção de pesquisadores e
intelectuais.
Bibliografia