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Dimensões da atual crise sistêmica:

Capitalismo em curto-circuito?
Gemma Cairó-i-Cespedes
Cónferencista, Departament de Pólítica Ecónómica i Estructura Ecónómica
Mundial, Universitat de Barcelóna, Barcelóna, Catalónia, Espanha

David Castells-Quintana
Departament d’Ecónómia Aplicada, Universitat Autónóma
de Barcelóna, Barcelóna, Spain
AQR-IREA, Universitat de Barcelóna, Barcelóna, Espanha

Abstract: A crise do crescimento conduzido pelo setor financeiro global reflete


evidências de esgotamento do modelo atual de acumulação, que está vigente
desde o final da década de 1970, caracterizado por taxas de crescimento mais
baixas e redução da participação trabalhista. Um sistema que até então só foi
possível por meio do consumismo excessivo através do aumento do
endividamento, esgotamento acelerado dos recursos, crescente desigualdade
de renda, exclusão e agitações sociais. No entanto, isso não é mais sustentável.
Desde o final do século passado, podemos encontrar e conectar sinais
fundamentais de uma crise sistêmica multidimensional, que se manifesta hoje
para além da recessão econômica, em termos de crises humanas, ecológicas e
sociopolíticas. As contradições que surgem do processo de acumulação de
capital são o ponto de partida para analisar essa crise multidimensional.

Palavras-chave: crise, capitalismo, desigualdade, desenvolvimento humano,


sustentabilidade

1. Introdução
Vivemos hoje uma situação sem precedentes na história humana. Nunca
antes ouve tantos de nós (a Terra agora ultrapassa os 7 bilhões de habitantes) e
nunca antes produzimos e consumimos tanto (PIB médio mundial per capita
aumentou constantemente até 2008). Ademais, usufruímos a mais avançada
tecnologia e estamos mais interconectados do que jamais estivemos. Mas
também estamos experimentando atualmente uma das maiores crises dos
tempos modernos. A atual crise econômica e financeira reduziu a produção e o
comércio, destruiu milhões de empregos em todo o mundo, intensificou as
disparidades tanto internas quanto entre países, exacerbou conflitos e violência,
e intensificou a exploração de recursos naturais. Mas essa crise vai além de uma
desaceleração econômica. Neste artigo, argumentamos que estamos
experimentando uma crise sistêmica de múltiplas dimensões, isto é, uma crise
econômica, humana, ecológica e político-social; refletida em desafios globais de
intensidade, magnitude e alcance sem precedentes, e com raízes na própria
dinâmica do sistema econômico capitalista, que agora se tornou claramente
insustentável.
Nós analisamos várias “crises” globais de uma perspectiva sistêmica,
externa, holística e integral. Nosso objetivo é demonstrar em que extensão essas
crises são interconectadas e que podem ser consideradas como dimensões
sobrepostas de uma mesma crise sistêmica. Primeiramente analisaremos as
principais dinâmicas por trás do processo de acúmulo de capital e crescimento
econômico, de modo a revelar como contradições internas _ sociais e naturais _
que impulsionam o processo de geração de excedentes levam a crise recorrente
nas economias capitalistas. Em seguida, analisaremos vários indicadores para
acompanhar a evolução paralela das diferentes perturbações consideradas e
para analisar potenciais interconexões entre elas. Analisaremos diferentes
dimensões da crise sistêmica, trabalhando com indicadores políticos, ecológicos
e socioeconômicos a partir de uma perspectiva geral, em vez de considerar cada
uma isoladamente, como habitualmente tem sido feito. O objetivo deste artigo é
avançar na busca de conexões teóricas e empíricas de todas essas crises
sobrepostas. A nossa análise sugere como as dinâmicas recentes refletem, de
fato, perturbações sistêmicas mais profundamente interligadas, reforçando-se
mutuamente e retratando dimensões de uma grande crise sistêmica do
capitalismo como a força motriz das atuais disfunções socioeconômicas,
ambientais e sociopolíticas. As crescentes desigualdades parecem não só
desempenhar um papel importante na evolução da atual crise econômica, mas
também estão por detrás da evolução de outras disfunções sistêmicas e da sua
interconectividade. Finalmente, discutimos a impossibilidade manifesta do
capitalismo de suprir as necessidades humanas em todo o mundo, não apenas
em termos de bem-estar material, mas também em termos de satisfação
subjetiva.
Este artigo está organizado da seguinte forma: a Seção II enquadra
teoricamente a existência de uma crise sistêmica de natureza multidimensional.
A Secção III centra-se na descrição das diferentes dimensões desta crise
sistémica, traçando indicadores-chave para cada dimensão. A Seção IV analisa
as interconexões entre essas dimensões e as causas sistêmicas comuns. A
Secção V conclui o artigo e discute as implicações políticas da nossa análise.

II Crise sistêmica para além da crise econômica


Se a maioria dos cientistas sociais fosse questionada sobre os problemas
políticos e socioeconômicos que caracterizam as nossas sociedades hoje, a
resposta seria provavelmente, pelo menos intuitivamente, que parece plausível
considerar que aqueles relativos às falhas do sistema estão interligados. O
problema que se coloca é que o paradigma econômico preponderante, com a
Economia a dominar as outras disciplinas sociais (Fine, 2002), centrou-se na
formalização matemática extrema e foi caracterizado por uma perspectiva a-
histórica e uma metodologia individualista, tornando difícil a averiguação das
causas e impactos da atual crise multidimensional. Não considerar a Economia
como um corpo monolítico pode ser útil neste sentido (Sardoni, 2009).
Consequentemente, poderá valer a pena ultrapassar as conhecidas
limitações conceituais do paradigma dominante para recuperar uma abordagem
histórica, social e interdisciplinar que a complexidade dos fenômenos que
emergem atualmente nas nossas sociedades exige. Precisamos superar a
estrutura estreita da economia ortodoxa (neoclássica) para explorar com mais
profundidade alguma explicação plausível do que está acontecendo hoje.
Portanto, defendemos avançar conceitualmente em direção a uma compreensão
mais ampla da esfera social, recuperando a capacidade de conectar diferentes
dimensões do mundo real1. Isto implica entender que o nosso sistema
econômico capitalista é um mecanismo que cumpre aquele que deveria ser o
seu objetivo principal (a representação da sociedade no domínio material),
enquanto ao mesmo tempo, também desenvolve uma dinâmica própria em
termos de relações específicas de produção e distribuição (Gill, 2002). Embora
o capitalismo esteja associado à inovação tecnológica, ao progresso, à
concorrência e à eficiência tendo-os como motores do crescimento, é também
responsável por fenômenos como a superprodução, ciclos, crises de
rentabilidade, exploração do trabalho, a superexploração dos recursos naturais
e a mercantilização da vida, tanto a nível pessoal quanto coletivo – como
cuidados infantis, lazer ou meio ambiente, entre outros2. Este caráter “invasivo”
do capitalismo sobre a vida social foi descrito minuciosamente por Harvey
(2010), que aponta que existem “sete esferas de atividade”, que o capital precisa
conquistar para acumular.3
No atual estágio da fase global do capitalismo, é fundamental investigar
como este sistema se desenvolve na economia globalizada, cuja dinâmica é
caracterizada principalmente por crises cíclicas e desenvolvimento desigual
(Caputo et al., 2001). Neste sentido, a atual crise mostra claramente ser para
além de uma manifestação simplesmente econômica em termos de queda de
produção, do investimento e do emprego, uma crise estrutural no sentido de
confirmar a ruptura do processo de acumulação que remonta da década de 1970,
sustentado por crescimento guiado pelas finanças neoliberais e que esgotou a
sua capacidade de promover o crescimento e a rentabilidade. Mais uma vez, o
capitalismo teve de enfrentar problemas de superacumulação e
sobrecapacidade, que são intrínsecos à sua dinâmica de reprodução. 4 O que
Marx mostrou não foram apenas as contradições do capitalismo a longo-prazo,
mas também que essas contradições surgem da sua própria lógica interna
(Harvey, 2010, 2014). Assim, o desenvolvimento capitalista gera crises
recorrentes, no sentido de que a instabilidade do capitalismo é sistêmica (Wolf,
2010). Após a crise global das décadas de 1870 e 1930, a atual representa uma
crise do modelo de acumulação capitalista e não uma crise do sistema
capitalista, como apontado por diferentes autores (Florida, 2010; Jessop, 2012;
Krugman, 2008; Martins, 2011). Enquanto 1929 explodiu uma crise estrutural da
forma liberal de capitalismo que a precedeu, 2007 representa a explosão de uma
crise do modelo de acumulação da forma neoliberal moderna de capitalismo que
remonta ao final dos anos 1970/início dos anos 1980 (Kotz, 2009).
Ao analisar a atual depressão como expressão do fim do modelo de
acumulação dos últimos 40 anos, esta pode ser considerada como mais uma
grande recessão econômica [como a Grande Depressão, adição do tradutor]; a
conclusão é que o capitalismo só pode resolver suas crises através de uma crise.
Como aponta Brenner (2012), ‘para realmente resolver o problema da
rentabilidade que há tanto tempo atormenta o sistema – retardando a
acumulação de capital e provocando níveis cada vez maiores de endividamento
para sustentar a estabilidade – o sistema requer a crise que, durante tanto
tempo, foi adiada'.
Além disso, o desenvolvimento capitalista, ligado ao investimento
recorrente para promover o progresso e, portanto, aumento as taxas de
rentabilidade, colonizou progressivamente outras dimensões da vida social,
ultrapassando os seus próprios limites para além do domínio econômico. Os
reveses mais visíveis são exemplificados pela insustentabilidade ecológica,
privação humana, agitação sociopolítica ou até mesmo descontentamento
pessoal, apesar do aumento da renda. Ao definirmos uma crise sistêmica,
estamos nos referindo a uma que afeta todo o sistema social 5, enraizada nas
relações capitalistas de produção, distribuição e consumo, que evidenciam seus
próprios limites6. Em termos mais amplos, podemos falar sobre uma crise
sistêmica além da crise econômica e relacionada não apenas à mencionada
crise estrutural no sistema capitalista como regime de acumulação, mas também
ao fenômeno associado à ultrapassagem dos limites da autorregulação
sustentável e autorrealização das necessidades humanas básicas. Na verdade,
como veremos mais adiante, as manifestações de tal crise sistêmica, como a
atual, são multidimensionais, e seu caráter global e universal nunca foi tão claro.
Nessa linha, análises recentes de uma perspectiva socioeconômica ou política
começaram a examinar a existência de atuais crises sobrepostas. (Addison et
al., 2010; Gallagher and Ghosh, 2010; Harcourt, 2009; Jessop, 2012; Tabb,
2008).7
Centramo-nos em duas contradições que o modo de produção capitalista
tem enfrentado historicamente para explicar as diferentes dimensões da atual
crise sistêmica. Tomando como ponto de partida a categoria marxista do duplo
carácter da produção: o valor de uso e o valor de troca, encontramos esta dupla
contradição enraizada tanto nas condições sociais como nas condições naturais
do processo de acumulação. À medida que o desenvolvimento capitalista se
desenrola ele gera ambas as contradições, uma advinda das relações capital-
trabalho, e outra das relações sociedade-natureza – uma manifestada na
privação, a outra na insustentabilidade.
A primeira contradição refere-se à lógica do valor de troca, ligada aos
processos de acumulação, que controla o valor de uso assim como a produção
daqueles produtos de que a sociedade necessita para a sua própria reprodução.
Assim, em todo o mundo observamos características de dualismo,
desarticulação e pobreza, como expressões diretas dos limites do capitalismo
para satisfazer globalmente as necessidades humanas e o bem-estar
socioeconômico. Portanto, diferentes interpretações do desenvolvimento
desigual podem conectar melhor a dinâmica sistêmica ao subdesenvolvimento,
expondo as restrições estruturais deste modelo de acumulação na promoção da
igualdade de oportunidades econômicas.8 A segunda contradição reflete-se na
degradação ecológica. Ao aumentar continuamente as demandas, o sistema
exige um crescimento econômico constante; caso contrário, entra em colapso
(Jackson, 2009). Esta contradição está diretamente relacionada com o carácter
duplo do processo de acumulação e especificamente com os mecanismos
sociais para a alienação dos trabalhadores para longe das condições de
produção (Burkett, 2006; Foster 2000). O desenvolvimento capitalista distorceu
os laços entre homens (e mulheres) e a natureza, o que reflete a noção central
de Marx de fetichismo da mercadoria, no sentido de que é o processo de
produção que domina os homens, e não o contrário (Sweezy, 1942). A
degradação ecológica está assim associada com a corrida ao progresso e ao
crescimento sem fim, intrínseca ao capitalismo e exemplificada pelos impactos
na linha do processo de produção, mas também pelo esgotamento dos recursos.
É nesta dimensão ecológica que os processos de capitalização que abrangem
domínios extraeconômicos se tornam mais evidentes. Harvey (2014) considera
as Dezessete Contradições do capitalismo, onde o crescimento interminável
impulsionado por taxas compostas surge como uma das mais “perigosas” delas.
Ambas as contradições estão bem refletidas no impacto que o
desenvolvimento capitalista tem nas dimensões “não materiais” da vida humana,
isto é, naquelas áreas que estão além da realização do bem-estar econômico –
entendido como a disponibilidade de bens e serviços. Consequentemente, há
uma perda progressiva desses “espaços”, que são considerados vitais para os
indivíduos – domésticos, comunitários e ambientais – impulsionada pela
necessidade de os fornecer através do mercado.9 A questão que se coloca aqui
é até que ponto esta tendência de mercantilização dos domínios vitais para os
seres humanos diminuiu o seu bem-estar efetivo em termos de satisfação
pessoal.10 Um aparente paradoxo surge no sentido de que “o crescimento pode
ser um declínio social com outro nome” (Cobb et al., 1995), porque a satisfação
de algumas necessidades imateriais, uma vez satisfeitos os meios básicos, na
sua maioria não está relacionada com a esfera da produção (outras
necessidades imateriais, como o conhecimento, são obviamente essenciais para
a produção).
Como mencionado anteriormente, se considerarmos uma crise sistêmica
como aquela que afeta todo o sistema social, crise esta por sua vez enraizada
em contradições capitalistas tanto sociais como naturais, é possível identificar a
existência de crises sobrepostas como ‘dimensões’ de uma crise sistêmica. O
nosso objetivo é transferir estas “contradições” (abordagem analítica) para
“dimensões” (abordagem empírica), a fim de tornar a nossa análise operativa,
através da revisão de dados recentes.
III Identificando as dimensões da crise sistêmica
Os grandes desafios enfrentados pelo mundo hoje não podem ser
examinados ou tratados separadamente. Eles são, como nós desejamos
demonstrar, dimensões de uma única crise sistêmica relacionada à exaustão do
presente modelo global de acumulação. Esta crise econômica e financeira que
nasceu em 2007/2008 tem tido consequências globais de longo alcance,
afetando países de baixa, média e alta renda e provavelmente mais pessoas que
qualquer crise antes dela. Ao mesmo tempo, como explicado anteriormente, a
crise econômica é apenas mais uma dimensão de outra ainda mais ampla.
Enfocamos uma série de recentes dinâmicas interconectadas que criam no
mínimo quatro dimensões diferentes dessa recente crise sistêmica: uma crise
econômica e financeira, uma crise humana de subdesenvolvimento, uma crise
ecológica e uma crise institucional e sociopolítica. Com vistas a demonstrar a
interconectividade de suas dinâmicas, miramos em indicadores selecionados
que acreditamos refletir a natureza multidimensional da crise enquanto
mantemos a análise tão simples quanto possível (sem mencionar que outros
indicadores podem ser relevantes). Nós nos apoiamos em indicadores não
somente de nível global como também de nível nacional (quando estes forem
mais apropriados ou quando os dados globais forem indisponíveis) para retratar
essas dinâmicas que consideramos tem alcance global.
1 Crise econômica e financeira
Diversos autores já analisaram a crise econômica tomando-a por uma crise
sistêmica do capitalismo. No entanto, de um ponto de vista teórico, existem
alguns pontos conflitantes entre suas perspectivas, todos convergem na
definição da exaustão do modelo de acumulação, em operação nos últimos 40
anos de um crescimento capitalista global. (Arrighi, 2005; Brenner, 1998; Caputo
et al., 2001; Chandrasekhar, 2012; Duménil and Lévy, 2011; Foster and Magdoff,
2009; Mazzucato and Perez, 2014; Pikkety, 2014). Somos capazes portanto de
enumerar três aspectos que tem caracterizado o padrão recente de expansão:
(i) taxa de crescimento em queda no mundo econômico (notadamente nos
países da OCDE mas também muitos países em desenvolvimento) desde os
anos 70, com crises recorrentes que expõem o caráter cíclico do
desenvolvimento capitalista11; (ii) crise distributiva crescente (interna e externa
nos países), que gera demanda insuficiente para absorver a superprodução e
subsequentemente gera necessidade de endividamento público e doméstico e
(iii) neoliberalismo como ‘estratégia’ predominante dirigida a recuperar a
lucratividade do capital através de expansão financeira, sustentada por uma
base instável e artificial, escorada em políticas governamentais12.
No âmago dessas características básicas do crescimento global financeiro
como também na exaustão do modelo de acumulação podem ser encontradas
as raízes causadoras da presente crise econômica e financeira. De acordo com
Pikkety (2014), taxas de crescimento econômico em queda, mais baixas que o
retorno do capital, levaram a relação capital/renda a crescer desde os anos 70 -
como aconteceu nos séculos dezoito e dezenove até a Primeira Guerra Mundial-
o que eventualmente se torna social e economicamente desestabilizante.
Algumas características comuns entre a Grande Depressão e a Grande
Recessão podem ser mencionadas do ponto de vista de fatores casuais. Antes
de tudo, ambas as crises são diretamente relacionadas à ‘Hipótese de
Instabilidade Financeira’ nos termos de Minsky (1992), que incluem incerteza,
bolhas e boom de empréstimos pouco antes da recessão13. Em segundo lugar,
como observou Piketty, o aumento da desigualdade, que alimenta o
endividamento crescente e é o principal impulsionador de ambas as crises, é
visível em ambos os períodos pré-crise.14 E finalmente, também comum a ambas
as crises é a paradoxal confiança incondicional na robustez do mercado e nos
mercados eficientes por parte das autoridades monetárias mundiais pouco antes
do início da “turbulência da Grande Recessão”. Alguns fatores diferenciais entre
as duas crises também podem ser destacados. Mas provavelmente, a maior
diferença vem a ser no contexto em que cada crise se desenvolveu. Um aspecto
particular à atual recessão são as políticas neoliberais guiando a
desregulamentação financeira (Bresser-Pereira, 2010) e um evidente contexto
globalizado desde meados dos anos 70, que trouxe uma maior interdependência
entre economias bem como seus efeitos propagadores em caso de qualquer
choque externo. No que concerne às consequências das duas grandes crises,
podemos destacar uma pressão deflacionária nos preços dos ativos,
desemprego massivo, queda no comércio internacional e falências e
inadimplências generalizadas, tudo acompanhado por uma liquidez de crédito
restrita e pelo impacto negativo associado na atividade produtiva.
Voltando à atual recessão de 2007/2008, o endividamento excessivo foi
inicialmente visto como a fonte da crise financeira (Taylor, 2009); o crédito fácil e
o dinheiro barato alimentaram bolhas de ativos e financeiras, que se tornaram
insustentáveis e implodiram em 2008, arrastando o setor financeiro e, mais tarde,
o setor imobiliário para uma crise de magnitude global, dado o elevado nível de
interdependência financeira mundial. 15 Mas o endividamento excessivo tem sido
visto como consequência de um excesso global de capacidade e de recursos
para investimento que, na procura de lucros mais elevados, foram canalizados
para o setor privado sob a forma de créditos para consumo e habitação nas
economias desenvolvidas, num quadro de elevada financeirização e
desequilíbrios (Tridico, 2012); um “excesso de poupança” que tem sido apontado
por muitos autores como a origem da crise (Lim Mah-Hui e Hoe Ee, 2011;
Obstfeld e Rogoff, 2009; Posner, 2009; Skidelsky, 2009). 16 Além disso, a
desregulamentação financeira e a busca recorrente por maiores lucros no curto
prazo também explica o boom do endividamento. Neste caso, os investimentos
especulativos estão claramente desvinculados da produção real, pois não
acrescentam excedentes produtivos à economia, mas apenas geram elevados
benefícios financeiros (Martínez-Peinado, 2010; Tabb, 2008).17 Por último, a
procura pelo aumento da produtividade e dos lucros tem sido associada a uma
menor participação dos salários e vencimentos nas contas do rendimento
nacional e à proporcionalmente menor necessidade relativa de mão-de-obra,
implicando níveis de emprego mais baixos e salários estagnados. 18 O aumento
da oferta combinado com salários estagnados para grupos de renda média
resultou numa falta de demanda efetiva (procura real determinada pela
capacidade de compra), o que nos ajuda a compreender o excesso de recursos
para investimento e a necessidade de aumentar o endividamento para
compensar essa falta de demanda. Guiados por esta última abordagem, o
aumento das desigualdades, que enfraquecem a procura em relação à oferta,
tem sido recentemente visto como a principal origem da crise (Brescia, 2010;
Martins, 2011; Peet, 2011; Rajan, 2010; Saith, 2011; Stiglitz, 2009; Tridico, 2012)
sendo a natureza sistêmica da crise identificada (Kotz, 2009).
Assim, como uma manifestação de um modelo de acumulação que chega
à exaustão, podemos analisar a atual crise econômica e financeira traçando para
trás sinais de tal tendência à recessão. Como mostrado na Figura 1.A, desde os
anos 70, o PIB per capita tende a refletir taxas médias de crescimento mais
baixas e maior volatilidade. Apesar dos booms econômicos registados em alguns
períodos, o nosso sistema atual tem claramente vindo a perder ritmo e está
tornando-se mais instável e cíclico nos últimos 40 anos. Na verdade, esta

Figure 1.A Taxa de crescimentó real dó PIB (%), Mundó, 1971–2013


Fónte: Autóres usandó UNCTAD (2015).

característica está relacionada com a necessidade contínua da economia de


aumentar o investimento de capital (ligada à concorrência feroz e à globalização
plena), o que levou a uma capacidade decrescente nas taxas de utilização da
indústria nos países desenvolvidos (como é o caso nos EUA). Não obstante,
podemos observar um caminho claramente diferente entre a performance
econômica dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento (Figura
1.B). como esperado, o maior dinamismo em países emergentes –
principalmente na China – e seu ritmo de desenvolvimento crescente em termos
de produtividade contrasta com os ganhos de produtividade mais baixos nos
países da OCDE – principalmente nos EUA. Estes desempenhos diferenciados
de produtividade entre países em desenvolvimento e desenvolvidos são
claramente visíveis nos grandes desequilíbrios externos dos países líderes.19

Figure 1.B Taxa de crescimentó real dó PIB (%), desenvólvidós vs. Em


desenvólvimentó, 1971–2013
Fónte: Autóres usandó UNCTAD (2015).

Produtividade, diminuição dos salários e endividamento excessivo


Existe um problema com a distribuição dos ganhos de produtividade,
manifestado num fosso crescente entre a produtividade do trabalho e os salários
na indústria.20 A Figura 2 mostra dois exemplos claros: os casos dos EUA e do
Japão.

Figure 1.B Pródutividade e Ganhós


Fónte: Autóres usandó ILO (2021a).
No caso dos EUA, é no início da década de 1980 que começa a divergência
entre salários e produtividade, apesar de ambos continuarem a crescer. No caso
da economia japonesa, embora a divergência comece mais tarde, está
principalmente associada à estagnação dos salários. A armadilha de liquidez que
o Japão enfrenta há muito tempo pode ser um exemplo nacional de falta de
demanda efetiva, como é o caso atual da economia global. Em qualquer caso,
ambos os exemplos refletem a capacidade do sistema para melhorar a eficiência
do capital, mas com o efeito colateral de excluir pessoas em termos de salários
acachapados e de redução da geração líquida de emprego (altamente associada
à mudança tecnológica).
Dada a demanda insuficiente, o crescimento econômico das últimas
décadas tem sido sustentado pelo endividamento crescente – tanto privado
como público – como um mecanismo anticíclico. Embora o aumento da dívida
pública tenha sido um fenômeno comum no pós-guerra desde esse período, foi
a partir da década de 1980 que o processo de endividamento crescente se tornou
mais agudo, como mostra a Figura 3. Ao mesmo tempo, a proporção decrescente

Figure 3 Dívida Publica (em % dó PIB)


Fónte: FMI, Base de Dadós Histórica da Dívida Publica.

dos salários em relação ao PIB também é visível na queda das taxas de


poupança das famílias nos países desenvolvidos (Figura 4). A diminuição das
taxas de crescimento do PIB para a economia mundial é impulsionada
principalmente pelas economias desenvolvidas, que ainda representam dois
terços do PIB global. Mas as economias emergentes, com suas importantes
participações no produto e no comércio também implicaram uma mudança
estrutural no sistema global.21 Na verdade, os países em desenvolvimento que
estão em rápido crescimento (os chamados BRICS) alimentaram taxas de

Figure 4 Póupança familiar, 1994–2010


Fónte: Perspectivas Ecónómicas da OCDE, Vólume 2011, Ediçaó 2 - Nº 90
Taxa de póupança familiar (em % dó rendimentó familiar dispónível)

crescimento aumentando o seu envolvimento na economia global;


principalmente através do reforço das exportações de mercadorias e dos fluxos
de investimento estrangeiro (FMI, 2012b; OCDE, 2010; UNCTAD, 2011; Banco
Mundial, 2011). Por outro lado, estas economias emergentes ainda não seguiram
um caminho semelhante de crescimento para o consumo interno, com a maioria
a desenvolver-se mais como produtores globais do que como consumidores. 22
Além disso, em todo o mundo emergente o desenvolvimento capitalista
perturbado que caracteriza estas sociedades é demonstrado pela disseminação
do dualismo na maioria deles;23 e também pode ser visto na taxa ainda escassa
de trabalhadores assalariados.24 Assim, qualquer que seja o âmbito global, tanto
o dualismo nos países em desenvolvimento quanto a diminuição das rendas do
trabalho em países desenvolvidos conduziram a um problema estrutural de
aumento das desigualdades na economia mundial.

Aumento da Desigualdade
Na verdade, como sugerido anteriormente, o aumento das desigualdades
pode ser um dos principais impulsionadores da atual e interconectada crise
econômica e financeira. O aumento das desigualdades pode estar associado ao
crescimento nas fases iniciais do desenvolvimento, uma vez que a distribuição
da renda não se deteriora muito, permitindo a concentração dos recursos
necessários ao desenvolvimento econômico (Castells-Quintana e Royuela,
2014). No entanto, o aumento das desigualdades também pode perpetuar-se
como consequência da própria dinâmica do sistema econômico atual. De fato,
durante os últimos dois séculos, a distribuição do rendimento entre as nações e
entre as populações dentro delas deteriorou-se conclusivamente até 1980
(Bourguignon e Morisson, 2002).
De 1980 a 2000, esta tendência foi
compensada basicamente pela
significativa recuperação de
países grandes e pobres como a
China e a Índia. Mas a questão
que se sobressai é a maior
importância da desigualdade Figura 5 Desigualdade intra-país,
dentro das nações nas últimas 1970–2000

décadas, e isto tem acontecido tanto nos países desenvolvidos como nos países
em desenvolvimento (Figura 5). Na verdade, como mostra a Figura 6,
combinando a desigualdade entre e dentro das nações estima-se que a
desigualdade a nível global continuou a crescer após 1980, sendo o coeficiente
de Gini estimado próximo de 0,7 em 2008 (Milanovic, 2012).25 Como destaca
Rodgers (2011), a
desigualdade continua a ser a
preocupação mais importante
do nosso tempo e deveria ser
uma questão de preocupação
urgente (Wade, 2011). Além
disso, uma característica
crítica das desigualdades
Figura 6 Desigualdade Glóbal, 1988–2005 atuais é a parcela
Fónte: A Figura 6 e baseada em Milanóvic (2012). Desigualdade
glóbal representa a desigualdade entre ós cidadaós dó mundó.
desproporcional de renda e
riqueza que flui para os poucos mais ricos. Em vários países (como os EUA), a
parcela do rendimento dos 0,1% mais ricos – incluindo ganhos de capital –
atingiu o seu nível mais elevado em 2007, ultrapassando mesmo os níveis de
1929 (Banco de Dados das Principais Receitas Mundiais).
A crescente relevância da desigualdade dentro dos países tem nos levado
de volta ao mundo marxista de lutas de classes em que o capitalismo se torna
instável. “A desigualdade social produz instabilidade, recessão e depressão… a
desigualdade não é apenas antiética, mas também é economicamente
desastrosa” (Peet, 2011). Com efeito, as atuais desigualdades crescentes
representam um fator de perpetuação da crise; por um lado, podem estar
associadas a um maior desemprego e a um menor crescimento econômico a
longo prazo (Castells-Quintana e Royuela, 2012), por outro o fato da renda e da
riqueza tenderem a concentrar-se desproporcionalmente em poucas mãos
implica grave acúmulo de poder e restrições políticas à mudança (Kumhof e
Ranciere, 2010). Por fim, a desigualdade também representa importante
mecanismo de transmissão que liga a crise econômica a outras dimensões da
crise sistêmica num processo de auto-reforço.26 Em particular, como
demonstraremos, o aumento da desigualdade está associado às dimensões de
desenvolvimento humano, ambiental e sociopolítico da crise sistêmica, também
nos ajudando a compreendê-las.

2 Crise humana e de desenvolvimento


O nosso sistema econômico, e em particular as suas estruturas de
distribuição desigual de riqueza e renda, explosão demográfica descontrolada e
a degradação do ambiente associada colocam-nos diretamente numa crise
humana de proporções globais. Esta é uma crise caracterizada principalmente
por um número crescente de pessoas que vivem em extrema pobreza; um
planeta onde a maioria ainda vive nas mais graves situações de
subdesenvolvimento. Bilhões de pessoas não tem acesso às necessidades
humanas básicas como água potável, saneamento, habitação e educação e em
muitos casos enfrentam a deterioração da sua qualidade de vida em vez de uma
melhoria.

Fome
O ano de 2015 foi a data prevista para o alcance dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio (ODM). O primeiro grande objetivo era erradicar a
pobreza extrema e a fome. O sucesso tem sido limitado e com grandes
diferenças geograficamente (ver Monitor dos ODM). Em 2005, estimou-se que
1,4 bilhões de pessoas ainda viviam com menos de 1,25 dólares por dia (o que
é considerado o limiar da renda de pobreza extrema internacional), sendo
incapazes de satisfazer suas necessidades alimentares mínimas. A Figura 7
mostra a evolução da população total, da população subnutrida e da produção
alimentar (todas estimativas mundiais). Como pode ser visto, a produção de
alimentos até a década de 1990 estava associada a uma diminuição significativa
da população total de pessoas subnutridas em todo o mundo. Desde a década
de 1990, a produção alimentar disparou – ultrapassando o crescimento
populacional total – mas o número de pessoas subnutridas já não diminui: com
uma taxa inaceitável de 925 milhões de pessoas sofrendo de fome crônica em
2010, 100 milhões a mais do que em 1990 (estimativas da FAO - Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Para agravar ainda mais
este problema, o preço dos alimentos aumentou acentuadamente desde o início
dos anos 2000.27 Em particular dispararam entre 2007 e 2008 – quando eclodiu
a crise econômica – e voltaram a fazê-lo desde 2010.28 Estima-se que o aumento
dos preços dos alimentos e a atual “Grande Recessão” global levaram mais 64
milhões de pessoas a caírem na pobreza extrema e na fome só em 2010 (ver

Figura 7 Pópulaçaó, próduçaó de alimentós e fóme


Fónte: Autóres utilizandó dadós dó WB e FAOSTAT.

Relatório de Monitorização Global, Banco Mundial, 2010). Estima-se que


anualmente cerca de 10 milhões de pessoas morram de fome e de doenças
relacionadas a ela (Monitor dos ODM). Em conclusão, as crescentes
desigualdades inerentes ao nosso sistema econômico reforçadas pelo aumento
dos preços dos alimentos no meio da crise favorecem nossa incapacidade de
erradicar a fome no mundo de forma contínua, apesar do aumento da produção
alimentar, bem como a nossa incapacidade de atender necessidades humanas
básicas para todos.

3 Crise Ecológica
Paralelamente às crises econômica e humana, enfrentamos uma crise
ambiental global e crítica. Já é bem anuído que a atividade humana está levando
o sistema Terra para fora do seu estado ambiental estável, com consequências
potencialmente catastróficas. Tal como acontece com as outras, a crise ecológica
está ligada de forma reforçadora com os outros desequilíbrios sistêmicos, sendo
também intrínseca ao desenvolvimento capitalista baseado na acumulação de
capital. A crise é o resultado de mais de um século de desenvolvimento industrial
no mundo, que depende de fontes de energia baseadas no carbono, situando
nosso contexto numa nova era, o Antropoceno, em que as atividades humanas
tem sido o principal motor da mudança ambiental global (Rockström e outros,
2009). É intrínseco ao capitalismo, à medida que pode ser definido numa rede
de estruturas econômicas, políticas e sociais, causar uma profunda ruptura na
relação metabólica entre os seres humanos e o metabolismo da natureza que é
a base da própria vida (Foster, 1999; Foster et al., 2010; Howard, 2012). Esta
ruptura inclui uma perturbação dos processos e ciclos naturais, bem como a
acumulação de resíduos e a degradação ambiental. Assim, segundo Clark e York
(2005), a degradação sistêmica da biosfera reflete como o capitalismo consome
tudo para sobreviver, até mesmo os recursos naturais que sustentam o próprio
sistema.
A rápida acumulação de riqueza tem sido possível graças à apropriação e
extração maciça e desigual de recursos naturais, estabelecendo as bases para
a destruição ambiental global e a desigualdade mundial (Simms, 2009). Como
consequência, enfrentamos um dilema entre sustentabilidade e crescimento
econômico; o sistema é caracterizado por um crescimento econômico
exponencial insustentável (Martenson, 2011) e pela superprodução em meio de
necessidades sociais não atendidas – com a luta de bilhões de pessoas para se
beneficiarem do desenvolvimento econômico aumentando a pressão sobre a
base de recursos do planeta (Tabb, 2008).
De fato, a crise ecológica tornou-se notadamente crítica. Vivemos uma
“crise tripla” de finanças, energia e meio ambiente. Não obstante, os caminhos
oferecidos para a recuperação negligenciaram ou marginalizaram as questões
ecológicas (Jessop, 2012) – e as preocupações ambientais estiveram, em geral,
fora da maioria das análises econômicas, até recentemente.29 É bastante
preocupante que a tendência de longo prazo do aquecimento global tenha
acelerado dramaticamente nos últimos anos, apesar avanços tecnológicos e
apesar da estagnação da produção devido à atual crise econômica. Por um lado,
as condições estruturais do atual sistema econômico limitam os benefícios
ecológicos do desenvolvimento tecnológico; o paradoxo de Jevons prevê que
uma maior eficiência na utilização de recursos conduz frequentemente a um
maior consumo destes. Éramos, de fato, substancialmente mais eficientes na
produção de bem-estar sustentável em 1969 do que em 2005. 30 Por outro lado,
as transformações associadas à crise econômica aceleraram este processo; as
emissões de carbono em 2010 registaram o maior salto jamais registado.31 Em
primeiro lugar, os principais motores do crescimento econômico mundial
atualmente são países como a China, que são muito menos eficientes em termos
energéticos do que os países desenvolvidos e dependem mais fortemente dos
combustíveis fósseis (e, como referido acima, qualquer aumento da sua
eficiência energética traduzir-se-á muito provavelmente numa utilização mais
intensiva de combustíveis fósseis, aumentando dramaticamente as emissões
totais de CO2). Em segundo lugar e pelo menos a curto prazo, a crise econômica
pode estar restringindo alguns mecanismos não intencionais através dos quais
estávamos combatendo o aquecimento global.32 Finalmente, a crise econômica
e as suas consequências sociais arrefeceram a tímida preocupação e vontade
política crescente em favor da conservação ambiental (Lovelock, 2006).
Rockström et al. (2009) identificaram até nove fronteiras planetárias que
definem o espaço operacional seguro para a humanidade. 33 À semelhança das
diferentes dimensões da crise sistêmica analisadas neste trabalho, as fronteiras
planetárias não são independentes, mas interagem entre si, em particular,
existem atualmente três fronteiras planetárias que já foram transgredidas: (i)
aquecimento global acelerado (associado à acidificação dos oceanos, à subida
dos níveis costeiros e às alterações no campo magnético da Terra); (ii) o ritmo
dramático da perda de biodiversidade e de ecossistemas naturais; e (iii) a
interferência nos ciclos de nitrogênio e fósforo da Terra.34

Pegada ecológica
Uma forma simples e sintetizada de avaliar o nosso impacto ambiental e a
nossa situação de crise ecológica é olhar para a nossa pegada ecológica. A
Figura 8 mostra como, nas últimas décadas, essa pegada ecológica tem
ultrapassado constantemente a
capacidade de recuperação do
nosso planeta; estamos a
acumular um crescente “débito
ecológico” com o planeta. E essa
dívida também tem pelo menos
três perspectivas diferentes
associadas às desigualdades
globais: (i) uma perspectiva
intergeracional, uma vez que a
maior parte do atual fardo
Figura 8 Pegada ecólógica da humanidade e
ambiental se deve ao biócapacidade, 1961–2007
Fónte: Rede Glóbal da Pegada (2010).
desenvolvimento econômico
desigual do passado; (ii) uma situação intrageracional de uso – e abuso – ainda
desigual dos recursos naturais, onde aqueles que causam menor deterioração
ambiental são ao mesmo tempo aqueles que mais sofrem com ela (ver, por
exemplo, Martinez-Alier, 1997; Sutcliffe, 1997); e (iii) relacionada com o
comércio, uma vez que as exportações do Sul global para o Norte global têm um
valor mais elevado em termos de capital natural não capturado no preço de
mercado, do que as exportações do Norte para o Sul. Em suma, o nosso impacto
no planeta é cada vez maior e, em muitos aspectos, difícil de reverter e altamente
preocupante; somos mais e consumimos mais. À medida que enfrentamos o
colapso econômico e financeiro (ver Secção 1), bem como a privação humana
(ver Secção 2), também enfrentamos a “falência ambiental” – usando a
expressão de Simms (2009).
4 Crise Sociopolítica

Todos os desequilíbrios analisados anteriormente (aumento da


desigualdade, fome, pobreza e degradação ambiental) podem estar
relacionados a uma crise de governabilidade de nível nacional e internacional,
onde as instituições desempenham certamente um papel dramático. A atual
globalização neoliberal representa um processo de “destradicionalização”
(Giddens, 2003), onde nos sentimos nas garras de forças sobre as quais não
temos controle, questionamos as formas tradicionais de agir e perdemos a
autoidentidade, o que nos leva à apatia política, aumento dos vícios e até mesmo
a ascensão do fundamentalismo. Dito isto, centramo-nos aqui na evolução do
conflito sociopolítico e do descontentamento político dentro dos países. Daqui
resulta que os desequilíbrios acima mencionados acentuaram não só a crise
humana, mas também alimentaram um número crescente de conflitos que
produzem cada vez mais mortes violentas e o abuso dos direitos humanos
fundamentais, que por sua vez retroalimentam e criam distorções econômicas.
Na verdade, vários autores forneceram provas convincentes sobre as ligações
causais entre desigualdade, instabilidade político-social e crescimento
econômico (Alesina e Perotti, 1996; Keefer e Knack, 2002; Svensson, 1998). Na
África, revoluções violentas, golpes de estado e guerras sucedem-se à medida
que o continente estagna na pobreza. O Oriente Médio ainda está em um conflito
sem fim. A América Latina, região mais desigual do mundo, sofre por causa da
delinquência, do tráfico de drogas e das guerrilhas. Na Ásia, a opressão
governamental e a polarização política ceifam a vida de milhões. Em todo o
mundo, temos um número crescente de países que se tornam Estados falidos,
sem um governo funcional ou ordem jurídica. Como mostra a Figura 9, tem
havido uma tendência ascendente nos conflitos armados desde a década de
1940 (Guerra Fria), mas é durante a década de 1970 que o aumento se torna
dramático (precisamente à medida que as desigualdades aumentam), apenas
abrandando no final da década de noventa. Na verdade, uma maior incidência
de conflitos violentos é claramente demonstrada não só pelo número crescente
de refugiados em todo o mundo desde o final da década de 1970, mas também
pelo tipo de refugiados: que são agora caracterizados mais por “deslocamentos
internos” devido a conflitos intraestatais do que pelos internacionais.35
Além dos conflitos armados, também vale a pena mencionar o aumento dos
tumultos urbanos e dos distúrbios sociais. Embora não sejam classificados como
conflitos armados, podem, em muitos casos, ser considerados como outra
expressão violenta e preocupante da crescente agitação social;36 uma agitação

Figura 9 Cónflitós estatais armadós pór regiaó, 1960–2007


Fónte: HSRP (2010).

Figura 10 Participaçaó Eleitóral (Países seleciónadós) 1970–2009


Fónte: Autóres usandó IDEA Internaciónal (2012) data.

social enraizada numa crise mais profunda de governabilidade, tanto a nível


nacional como global, contra a exploração pelas elites governantes corruptas e
insensíveis às dificuldades das pessoas.37 Mesmo nas chamadas democracias
avançadas, à medida que a riqueza se concentra dramaticamente nas mãos de
alguns poucos, existe uma distância clara entre as pessoas e os seus
representantes políticos, como refletido nos índices de participação mais baixos
(Figura 10). Ambos os fatos refletem o paradoxo da democracia (liberal), isto é,
a crescente agitação social e o crescente descontentamento dos eleitores
ocorrem num mundo onde a percentagem de países que têm governos
democráticos aumentou de 31% em 1960 para 58% em 2008 (HSRP, 2010).

IV Crise sistémica e impossibilidade de desenvolvimento humano


sustentável

1 Crises independentes ou dimensões interligadas?

As diferentes dimensões da nossa atual crise sistêmica altamente


interligadas, como já vimos, começaram a apresentar uma dinâmica
desequilibrada e prejudicial no último quarto do século XX. Como resultado da
busca de lucros crescentes está o crescimento econômico impulsionado pela
demanda das últimas décadas, essa situação levou a uma falta de demanda
efetiva e, portanto, à diminuição do salário de trabalho. Juntamente com o
aumento das disparidades salariais, a desigualdade extrema e crescente e uma
maior exclusão social (caracterizada pelo consumo excessivo para alguns e pela
privação para muitos), também levaram ao aumento da tensão social e do
conflito político – em muitos casos tornando-se violentos. Ao mesmo tempo, a

Figura 11 Dimensóes da Crise Sistemica

superprodução, o acesso desigual e o esgotamento do nosso capital natural


estão conduzindo-nos a uma degradação ambiental dramática. Finalmente,
como consequência de tudo isto, enfrentamos também uma crise de valores,
crenças e satisfação pessoal (que afeta tanto as economias avançadas como o
mundo em desenvolvimento), que se tornou evidente nas últimas décadas. A
Figura 11 sintetiza analiticamente estes desequilíbrios interligados, discutidos ao
longo deste artigo como dimensões empíricas de uma única crise sistêmica.
As crises sobrepostas existentes hoje não são nem mera coincidência, nem
perturbações independentes. A nossa análise teórica e empírica sugere que se
trata de desequilíbrios altamente interligados, que se reforçam mutuamente,
enraizados no início do capitalismo moderno e que se tornam insustentáveis na
atual fase liderada pelas finanças globais. As duas contradições do
desenvolvimento capitalista anteriormente mencionadas articulam-se hoje
principalmente em termos de diminuição do bem-estar, desenvolvimento global
desigual e colapso ambiental. Se considerarmos o processo de acumulação
tanto no seu carácter “social” como “natural”, essa seria a lógica interna do
desenvolvimento capitalista, que nos dá a interligação entre a dinâmica da crise
econômica/financeira e a crescente desigualdade, exclusão social, esgotamento
ecológico, conflito e descontentamento social.
Os desequilíbrios analisados representam os atuais limites econômicos,
humanos, ecológicos e sociopolíticos do capitalismo e são sinais claros da
insustentabilidade do sistema. Insustentabilidade que se reflete em termos da
incapacidade do sistema de suprir as necessidades humanas de toda a
população, bem como, incapacidade de se limitar em termos de uso (e abuso)
dos recursos naturais.

2 Desenvolvimento para além do bem-estar material


A existência de crises sobrepostas e interligadas – que, como discutido
acima, estão relacionadas com a natureza do modo capitalista de organizar os
processos de produção – prova de vez que uma vida baseada no consumo
crescente num ambiente de mudanças sociais, culturais e degradação natural
pode facilmente ser traduzida em grande insatisfação pessoal. Esta insatisfação
“não-material” poderia ser a penúltima expressão da crise sistémica, no sentido
de que a corrida do capitalismo para acumular – firmemente enraizada nas
sociedades modernas, que confundem “ter” com “ser” – está progressivamente
invadindo a maior parte dos nossos “espaços sagrados” de vida social e pessoal,
em relação à natureza, à comunidade e até a nós mesmos.
Em décadas mais recentes, o desenvolvimento de indicadores alternativos
reflete as deficiências do PIB em expressar dimensões qualitativas do bem-estar
e destaca a tendência divergente entre o desempenho da produção e a
satisfação pessoal das populações. Alguns ajustes do PIB para que reflita melhor
o bem-estar incluem, entre outros, a correção da distribuição desigual de renda,
a incorporação de benefícios da economia não mercantil associados (por
exemplo) ao trabalho doméstico, parentalidade ou tarefas sociais, e a redução
dos custos relacionados à degradação ecológica (ver, por exemplo, Talberth et
al., 2007 ou Stiglitz et al., 2009). Todos estes ajustes tentam enfatizar a
necessidade de se considerar as dimensões objetivas e subjetivas de bem-estar.
A capacidade decrescente do PIB para aumentar a satisfação com a vida já foi
demonstrada por vários autores centrados na “economia da felicidade” (de
Easterlin, 1974 a Stutzer e Frey, 2010, entre outros). O primeiro Relatório
Mundial sobre Felicidade da ONU (Helliwell et al., 2012) estuda os determinantes
da felicidade nas sociedades de todo o mundo. O Relatório destaca que não é
apenas a riqueza que torna as pessoas felizes.38

Figura 12 PIB per capta vs. Satisfaçaó de vida


Fónte: Autóres usandó dadós da Fundaçaó da Nóva Ecónómia (2009)
Nóta: PIB per capita (dólares PPC. 140 países incluídós) Ambas as series fóram padrónizadas.

É, portanto, interessante analisar como o bem-estar material se relaciona


com experiências psicológicas de realização (Alkire, 2010). Na Figura 12,
tentamos captar esta dissociação entre a medição do bem-estar socioeconômico
e a percepção que as pessoas têm dele, comparando (em 140 países) o PIB per
capita com uma medida subjetiva de bem-estar – Índice de Satisfação com a
Vida (Abdallah e outros, 2009)). A figura ilustra dois pontos principais: primeiro,
que um PIB per capita mais elevado está correlacionado com uma maior
satisfação com a vida, mas de uma forma decrescente.39 Este padrão sugere
que o aumento dos rendimentos não contribui necessariamente para a melhoria
do bem-estar em todos os casos – em linha com as abordagens de
desenvolvimento humano. Em segundo lugar, existe uma grande variabilidade
nos níveis de satisfação com a vida em países com níveis semelhantes de PIB
per capita, especialmente nos países mais pobres. Esta variabilidade diminui à
medida que a renda aumenta, sugerindo um processo de homogeneização da
satisfação ligada ao rendimento, ao mesmo tempo que desvaloriza outras
dimensões do bem-estar pessoal.
Em última análise, parece claro que o desenvolvimento capitalista não só
não permite que as pessoas realizem plenamente as suas capacidades, no
sentido da defesa e fomento do desenvolvimento humano de Sen (1983), ele
além disso, produz um subproduto derivado incompreensível que é a
desarticulação simultânea das necessidades humanas para fora da agenda
socioeconômica.40 Portanto, parece-nos eminentemente plausível inferir a partir
dos dados, que o aumento do crescimento e o aumento do rendimento per capita
não resultam de fato em satisfação pessoal e que não há previsão de satisfação
suficiente em vista. Ademais, continua a ser uma nítida possibilidade que muitas
pessoas hoje possam camuflar a decadência social, o empréstimo de recursos
futuros ou a mudança de funções do domínio tradicional do agregado familiar e
da comunidade para o domínio da economia monetizada.41

V Considerações Finais
Neste artigo, argumentamos que a atual crise capitalista é sistêmica e
enraizada na dinâmica da acumulação de capital. Apoiamos nosso argumento
em bases teóricas, bem como na análise de dados recentes de uma vasta gama
de indicadores. Como demonstramos, as contradições sociais e naturais do
sistema manifestam-se hoje em termos de desenvolvimento desigual,
degradação ecológica e agitação social. No entanto, o carácter sistêmico da crise
atual refere-se não apenas a diferentes crises convergentes, mas também ao
contexto global onde estas crises ocorrem. Nunca as ligações entre países e
classes em todo o mundo atingiram o nível de interdependência que
demonstramos estar ocorrendo. Embora a crise atual possa ser considerada
como outra crise cíclica do capitalismo, no sentido de que foi alimentada pela
globalização neoliberal, é notável que o neoliberalismo tem sido apenas a “fé”
ideológica em que o capitalismo global se baseia para cumprir o seu processo
de acumulação de capital e perpetuar seu domínio sobre tantas esferas
entrelaçadas.
No que diz respeito à aproximação metodológica da análise dos fenômenos
globais correntes, e seguindo uma abordagem holística para o estudo da crise
sistêmica, de maneira clara tem emergido limitações ainda existentes na análise
econômica para compreender plenamente uma crise multidimensional (e a sua
incapacidade de enfrentar os seus consequentes impactos irreversíveis). Nessa
linha, duas deficiências podem ser destacadas. Em primeiro lugar, existe uma
“medição da perversidade”, que se relaciona com a armadilha econômica
recorrente de dar valor apenas ao que pode ser mensurado, sem ter em conta a
não-mensurabilidade do bem-estar humano ou a perda irrecuperável do
ambiente natural. O “nacionalismo conservador”, refletido na crescente
dissonância entre os desafios globais e as mentalidades nacionais e que tem
tornado difícil lidar com uma crise sistêmica através da aplicação de ferramentas
e vontades políticas atualizadas, concebidas para funcionar a níveis nacionais.
A crise, como expressão das deficiências e contradições do sistema atual, dá-
nos a oportunidade de enfrentar todos estes desafios, pois representam uma
situação crítica de rompimento e descontinuidade.
Em termos de implicações políticas, a nossa análise mostra que as
respostas à atual recessão não têm em conta o seu carácter sistêmico e
multidimensional. Os resgates e outras receitas da recuperação, como medidas
de austeridade, visam superar a crise tentando restaurar as taxas de crescimento
anteriores, o que apenas aprofunda a dinâmica capitalista que é precisamente a
raiz dela. Como Brenner et al. (2012) salientaram recentemente, esta estratégia
representa um regresso a uma nova forma de neoliberalismo como estratégia
contra-ofensiva. Na verdade, as estratégias de recuperação baseadas
principalmente em medidas de austeridade conduzem a um círculo vicioso que,
ao reconstruir a base capitalista de acumulação, também aumenta o
empobrecimento dos trabalhadores e reduz o bem-estar social. Estas estratégias
representam a própria lógica do capitalismo para resolver crises recorrentes. Se
enfrentarmos de facto uma crise sistêmica multidimensional, qualquer política de
recuperação, bem como qualquer alternativa de mudança, deverá assumir uma
perspectiva mais ampla e integrada, considerando a dinâmica econômica, bem
como a dinâmica humana, ambiental e sociopolítica e as interligações entre
estas dimensões. Assim, reconhecendo o carácter sistêmico e multidimensional
da crise, enfatizamos a necessidade de respostas integrais tanto a nível nacional
como internacional, com necessidade de coordenação e cooperação globais
(mas também com um enfoque local, uma vez que a maioria dos problemas
atuais se manifestam mais claramente a nível local).
De uma perspectiva estrutural, algumas intervenções econômicas parecem
fundamentais: uma correção dos atuais desequilíbrios globais na poupança e no
consumo e uma regulação reforçada das finanças globais, a fim de religar a
liquidez ao investimento produtivo. Mas abordar apenas a crise econômica sem
prestar atenção a outros desequilíbrios globais continuará a revelar-se um
fracasso a longo prazo. Para começar, qualquer concepção de política deve
minorar as desigualdades e as dramáticas consequências sociais da crise. A
redução das desigualdades surge não apenas como um objetivo fundamental
em si e um instrumento fundamental para enfrentar a atual crise econômica, mas
também para abordar todos os diferentes desequilíbrios inerentes ao sistema e
analisados neste artigo, incluindo os humanos, ecológicos e sociopolíticos. A
redistribuição intrageracional é essencial para abordar simultaneamente a
pobreza e a deterioração ambiental e, portanto, representa também a
redistribuição intergeracional (desta geração para as gerações futuras). Da
mesma forma, a redistribuição também é crucial para enfrentar a tensão social e
o conflito político. Na verdade, a viabilidade de qualquer estratégia alternativa
bem-sucedida depende de uma equilibrada distribuição da riqueza e do poder a
ela associado.
De forma mais ampla, a concepção de caminhos alternativos para a
situação vigente deveria constatar a atual incapacidade do sistema econômico
capitalista de assegurar a sua principal função que é a da reprodução social.
Argumentamos que a atual crise sistêmica está enraizada na dinâmica interna
da acumulação de capital, que por sua vez gerou, de forma paralela, diferentes
perturbações reforçadoras. Assim, a primeira questão é, portanto, técnica no
sentido de como enfrentar e contestar eficazmente a lógica (contraditória) de
acumulação que conduz ao problema da absorção de excedentes. Isto é, não só
precisamos de nos apropriar e distribuir os excedentes produzidos pelos
trabalhadores de uma forma coletiva e democrática, mas também precisamos
descobrir como a socialização deste excedente pode ser realizada de forma
produtiva e lucrativa. Isto leva-nos a reconsiderar a questão humana, ou seja, a
perguntar-nos que tipo de sociedade almejamos, incluindo uma mudança de
valores e crenças para construir um desenvolvimento humano sustentável.
Também nos leva a pensar sobre como abordar a engenharia política capaz de
articular a mudança social. Desta forma, mais pesquisas e discussões são
claramente necessárias.

Notas
1. como o apelo de Amin (1974) para a necessidade de “preparar o terreno para a ciência social
universal”.

2. A análise de Picchio (2001) sobre a falta de atenção na economia em considerar e valorizar o


trabalho de reprodução social, no seu papel de sustentar todo o sistema (produtivo), permite-nos
compreender a crescente invisibilidade e desconsideração do valor quantitativo e qualitativo do
trabalho reprodutivo. em termos de bem-estar e “padrão de vida”, de acordo com Sen (1987).

3. Estas esferas são: tecnologias e formas organizacionais, relações sociais, arranjos


institucionais e administrativos, processos de produção e de trabalho, relações com a natureza,
a reprodução da vida quotidiana e das espécies, e “concepções mentais do mundo”.

4. Isto porque, apesar da diminuição das taxas de retorno e de crescimento, o sistema capitalista
tem sido capaz de aumentar a taxa de investimento em ativos fixos devido a (i) nova base
tecnológica (aliviando custos de tecnologia mais baixos); (ii) exclusão de grande massa de
trabalhadores e deterioração da capacidade de criação de emprego; e (iii) aumento da
concorrência devido à globalização (Caputo et al., 2001).

5. Nas palavras de Mèszáros (2006), uma crise que afeta “a totalidade de um complexo social”.

6. Wallernstein (2001) refere-se a algumas destas perturbações do sistema capitalista como


“assíntotas estruturais”.

7. Recentemente, o FMI reconhece a existência de uma crise tripla; econômico, ambiental e


social (artigo na página web do Centro para o Desenvolvimento Global, último acesso em 12 de
junho de 2012).

8. Teorias desenvolvidas por autores como Amin, Gunder Frank, Wallernstein, Dos Santos e
Sunkel, entre outros. Alguns autores (Gore, 2000; Pieterse, 1996) destacaram a necessidade de
reconceitualizar as atuais teorias de desenvolvimento devido à globalização e ao capitalismo
neoliberal que a acompanha; transpondo assim um paradigma alternativo.

9. No entanto, esta mercantilização de serviços pessoais, que é uma característica intrínseca do


capitalismo, pode diminuir como resultado das restrições impostas pela atual crise; uma espécie
de re-switching em que os serviços anteriormente prestados pelo sector público são agora
produzidos dentro do agregado familiar como a única forma de lidar com a crise.

10. Como salienta Sen (1987), “embora o ataque de Marx ao “fetichismo da mercadoria” tenha
sido feito num contexto bastante diferente, esse ataque é também profundamente relevante para
o conceito de padrão de vida”.

11. Após o período pós-guerra, uma taxa ou retorno baixo implica não só que a economia mundial
registrou dinâmicas mais cíclicas, mas também que estas foram mais pronunciadas.

12. Harvey (2010) referiu-se a esta aliança como o “nexo das finanças públicas”.

13. Alguns autores observam que não é apenas o papel crescente do financiamento que importa,
mas também o tipo de financiamento. A especulação de curto prazo é, em última análise, a
consequência da falta de inovação e da escassez de revoluções tecnológicas, que levam a uma
falta generalizada de oportunidades de investimento a longo prazo (ver, por exemplo, Perez,
2009).

14. De fato, já foi destacada uma evolução conjunta da desigualdade de rendas, por um lado, e
das taxas da dívida doméstica pela relação de renda, por outro (Kumhof e Ranciere, 2010).

15. Love e Mattern (2011) analisam as causas, consequências e respostas da Grande Recessão.

16. Como explicam Lim Mah-Hui e Hoe Ee (2011), os desequilíbrios globais na poupança estão
associados a desequilíbrios globais nas contas correntes, com países como a China a
compensar o seu excesso de capacidade através de um grande excedente comercial e a reciclar
as poupanças para as economias desenvolvidas, e países desenvolvidos como os EUA
compensam com o consumo excessivo, resultando em bolhas de ativos. Além disso, o aumento
das desigualdades, a instabilidade financeira e a crise levaram à estagnação da procura
agregada, o que explica o problema do excesso de capacidade, da superacumulação e do
excesso de oferta.

17. Como salienta Bresser-Pereira (2010), o processo de financeirização criou uma riqueza
artificial que ganha controle sobre o excedente social.

18. As taxas salariais reais dos grupos de renda média em grande parte do mundo estagnaram
ou diminuíram em relação aos que auferem rendimentos mais elevados nos seus respectivos
países (Vandermoortele, 2009), o que tem sido rotulado como “polarização do emprego”.

19. A metáfora de Varoufakis (2011) da economia dos EUA como o Minotauro Global analisa este
desequilíbrio externo como um mecanismo de reciclagem de excedentes.

20. Seguir as definições e estatísticas da OIT.


21. A participação dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no PIB global cresceu
de 3,9% em 1970 para 12,8% em 2010. No caso das exportações, essa percentagem cresceu
de 2,7% para 13% (UNSTATS).

23. O emprego informal (como percentagem do emprego não agrícola) relatado recentemente
pela OIT para alguns países em desenvolvimento continua elevado, mesmo para os emergentes
(2009): Índia (83,6%), Equador (60,9%), México (53,7% ), Egito (51,2%), Brasil (42,2%), Tailândia
(42,3%), China (32,6%) (OIT, 2012).

24. O peso dos trabalhadores assalariados (em percentagem do total de empregados) na Índia
(15%, 2005), Indonésia (34%, 2009), Tailândia (45%, 2009) e Marrocos (44%, 2009). 2009) está
longe do dos países da OCDE como os EUA (93%, 2008) (KILM, base de dados da OIT).

25. Milonovic (2010) explica três conceitos de desigualdade: (1) entre nações, (2) entre nações
ponderadas pela população e (3) entre indivíduos relativamente ao local onde vivem (isto é, tendo
em conta também a desigualdade dentro das nações). Embora a desigualdade no âmbito do
conceito 2 tenha diminuído desde 1980, a desigualdade nos conceitos 1 e 3 cresceu entre 1980
e 2000.

26. Tal como afirma o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2005, os “efeitos adversos
da desigualdade de oportunidades e do poder político no desenvolvimento são ainda mais
prejudiciais porque as desigualdades econômicas, políticas e sociais tendem a reproduzir-se ao
longo do tempo e através das gerações”.

27. Os biocombustíveis desempenham um papel relevante no aumento da procura de algumas


culturas. Além disso, o aumento dramático dos preços dos alimentos entre 2007 e 2008 também
lançou uma corrida à aquisição transnacional de terras.

28. O boom dos preços dos alimentos não pode ser dissociado da especulação financeira (Clapp
e Helleiner, 2012).

29. Douai et al. (2012) enquadram brevemente a literatura predominante sobre economia do
ambiente e da sustentabilidade, os recentes desenvolvimentos teóricos de diferentes escolas e
as atuais linhas de investigação, especialmente a partir de uma perspectiva heterodoxa (ver
Edição Especial do Cambridge Journal of Economics 2012, 36).

30. De acordo com o Índice Planeta Feliz, embora os anos de vida felizes tenham aumentado
15% ao longo de 45 anos, as pegadas ecológicas per capita aumentaram

31. Projeto Global de Carbono.

32. Um desses mecanismos não intencionais é a emissão de aerossóis de refrigeração de curto


prazo como subproduto da produção industrial (ver Lovelock, 2006).

33. Os nove limites são as alterações climáticas, a taxa de perda de biodiversidade, a


interferência com os ciclos do nitrogênio e do fósforo, a destruição do ozônio estratosférico, a
acidificação dos oceanos, a utilização global da água doce, a alteração da utilização dos solos,
a poluição química e a carga de aerossóis atmosféricos.
34. Em termos de aquecimento global, a temperatura média da superfície da Terra aumentou
0,8°C desde o início do século XX, com cerca de dois terços do aumento ocorridos desde 1980,
e com um aumento adicional estimado de até 6,4°C (o pior cenário) durante o século XXI, o que
ameaça gravemente a capacidade de adaptação do sistema natural. Em termos de
biodiversidade, houve um declínio total estimado de 28% no Índice Planeta Vivo entre 1970 e
2007, sem nenhum sinal previsível de recuperação futura (Relatório Living Planet, 2010).

35. Entre 1998 e 2005, o número de refugiados aumentou a nível mundial. Mas embora os
deslocados internos (pessoas deslocadas internamente) tenham aumentado, as pessoas
deslocadas que atravessam uma fronteira nacional diminuíram durante este período (HSRP,
2012).

36. Urdal (2008) examina 55 grandes cidades de África e da Ásia no período entre 1960-2008 e
contabiliza 3.375 distúrbios sociais, 40% envolvendo mortes, que, segundo o relatório, estão a
aumentar em ambos os continentes.

37. Podem encontrar-se exemplos tanto no mundo em desenvolvimento como no mundo


desenvolvido: desde a onda de revoluções iniciada no mundo árabe em 2010 até aos recentes
tumultos em grandes cidades como Londres, Paris e Madrid.

38. Relatório Mundial sobre Felicidade da ONU (Helliwell et al., 2012). O Relatório destaca a
grande relevância das questões ambientais na satisfação com a vida das pessoas.

39. A análise de regressão sugere uma relação não linear entre ambas as variáveis.

40. Nas palavras de Marx, “substituindo o domínio das circunstâncias e do acaso sobre os
indivíduos pelo domínio dos indivíduos sobre o acaso e as circunstâncias” (citado de Sen, 1983).

41. Como Cobb et al. (1995) apontaram na sua abordagem crítica ao PIB como um indicador de
bem-estar.

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