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Fe the 2 hho de Ure “ Caltur Prevribainmn » Flentidede Nacierasd” Yunate Ore EAne Beever CULTURA BRASILEIRA E IDENTIDADE NACIONAL B Memiéria coletiva e sincretismo cientifico: as teorias raciais do século XTX* O que surpreende © leitor, ao se retomar as teorias explicativas do Brasil, elaboradas em fins do século XIX e inicio do século XX, a sua implausibilidade. Como foi possivel a existéncia de tais interpretagées, e, mais ainda, que elas tenham se algado ao status de Cigncias. A releitura de Silvio Romero, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues ¢ esclarecedora na medida em que revela esta dimensfio da implausibilidade e aprofunda nossa surpresa, por que no um certo mal- -estar, uma vez que desvenda nossas origens. A questo racial tal como foi colocada pelos precursores das Cincias Sociais no Brasil adquire nna verdade um contorno claramente racista, mas aponta, para além desta constatagio, um elemento que me parece significativo e constante nna hist6ria da cultura brasileira: a problemtica da identidade nacional. Gostaria de tecer neste capitulo algumas reflexes em torno da relagao centre questio racial e identidade brasileira, Acredito que privilegiando uum momento da vida cultural poderei talvez. apreender alguns aspectos mais gerais das diferentes teorias sobre cultura brasileira, (() Publicado nos Cadernos CERU n." 17, set. 82 4 RENATO ORTIZ ‘Tomemos como objeto de estudo alguns autores, como Silvio Romero, Nina Rodrigues ¢ Euclides da Cunha, Esta escolha nao é arbitréria; ela privilegia justamente os tedricos que sao considerados, € com raziio, os precursores das Ciéncias Sociais no Brasil. O estatuto de precursor revela a posigio desses autores que na virada do século se dedicaram ao estuco concreto da sociedade brasileira, seja analisando suas manifestagées literdrias, seja considerando as tradigdes africanas ou 0s movimentos messiainicos, O discurso que construiram possibilifou © desenvolvimento de escolas posteriores, como por exemplo a escola de antropologia brasileira, que, vinculada aos ensinamentos de Nina Rodrigues, adquire com Arthur Ramos a configuragio definitiva de cigncia da cultura, Neste sentido, Silvio Romero, Nina Rodrigues Buclides da Cunha podem ser tomados como produtores de um discurso paradigmético do perfodo em que escrevem; tem ainda a vantagem de podermos consideri-lo como discurso cientifico, © que de uma certa forma esclarece as origens das Ciéncias Sociais brasileiras. Ao se referir ao declinio da hegemonia do romantismo de Gongalves Dias © José de Alencar, que podemos situar em tomo de 1870, Silvio Romero arrola um lista das teorias que teriam contribuido para a superacio do pensamento ramintico.' Dentre elas, tés tiveram um impacto real junto A intelligentsia brasileira, e de uma certa forma, delinearam os limites no interior dos quais toda a produgo teérica da época se constitui: opositivismo de Comte, © darwinismo social, © evolucionismo de Spencer. Elaboradas na Europa em meados do século XIX, essus teorias, distintas entre si, podem ser consideradas sob um aspecto nico: 0 da evolugao histé- rica dos povos. Na verdade, 0 evolucionismo se propunha a encon- trar um nexo entre as diferentes sociedades humanas ao longo da hist6ria; aceitando como postulado que o “simples” (povos primit vos) evolui naturalmente para o mais “complexo” (sociedades oci dentais), procurava-se estabelecer as leis que presidiriam 0 pro- gresso das civilizagdes. Do ponto de vista politico, tem-se que 0 evolucionismo vai possibilitar a elite europeia uma tomada de cons- (1) Sivo Romero, Histria da Literatura Brasilora, lo de Janeiro, José Olympio, 1943, CULTURA BRASILEIRA E IDENTIDADE NACIONAL 15 cineia de seu poderio que se consolida com a expansio mundial do capitalismo, Sem querer reduzi-lo a uma dimensa0 exclusiva, pode-se dizer que 0 evolucionismo, em parte, legitima ideologicamente a posigiio hegeménica do mundo ocidental, A “superioridade” da civilizagao curopeia torna-se assim decorrente das leis naturais que orientariam a histéria dos povos. A “importagio” de uma teoria dessa natureza no

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