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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

JAQUELINE DE FÁTIMA SOARES

PEDRO LUCAS SANTOS FERNANDES

ANÁLISE DO REGIME DE GOVERNO DA COLÔMBIA SOB A


PERSPECTIVA TEÓRICA DE ROBERT DAHL

Belo Horizonte
2022

SOBRE A TEORIA DE DAHL

A diferença entre "Ideal Democracy" e "True Democracy" são um dos tópicos mais
discutidos na obra de Robert Dahl. Em seus estudos, o autor sempre tratou das diferenças
entre as práticas dos governos democráticos existentes em relação ao modelo ideal de
democracia. As dificuldades impostas pela realidade política impossibilitam atingir os
objetivos da verdadeira democracia, o que torna uma democracia ideal, no mundo real, uma
impossibilidade.

Dahl argumenta que para que um sistema seja completamente democrático, ele deve
atender a pelo menos oito critérios, mas é preciso lembrar que esses critérios representam
um sistema ideal ou completo. O autor ainda salienta o seguinte: “Dados os inúmeros
limites que o mundo real nos impõe, podemos imaginar que nenhum de nós acredita que
podemos realmente chegar a um sistema completamente democrático.” (DAHL). No
entanto, vale a pena discutir esses critérios, pois servem como critérios de comparação dos
resultados e das deficiências dos sistemas políticos existentes e suas instituições. Esses
critérios nos ajudam a entender quais distâncias e aproximações levam a democracia real
aos objetivos e ideais democráticos.

Para que esses que esses objetivos sejam alcançados pelos Estados modernos, seria
preciso que as instituições dessa sociedade forneçam as seguintes garantias:

1) Liberdade de formar e aderir a organizações.

2) Liberdade de expressão.

3) Direito de voto.

4) Elegibilidade para cargos públicos.

5) Direito de líderes políticos disputarem apoio e votos.

6) Fontes alternativas de informação.

7) Eleições livres e idôneas.

8) Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de


outras manifestações de preferências. (DAHL)

Segundo Robert Dahl, essas oito garantias envolvem duas dimensões teóricas da
democratização, a "contestação política" e o "direito de participação". Usando uma
abordagem histórica, o autor argumenta que a extensão em que as salvaguardas
institucionais estão disponíveis para membros do sistema político que desejam desafiar o
governo varia muito de regime para regime. Da mesma forma, existem diferenças entre os
regimes na proporção da população com direito a participar do controle e da concorrência
ao governo.
Levando isso em consideração, o cientista político, ao investigar as condições necessárias
para a democratização, usou o termo Poliarquia para se referir ao grau máximo de
democratização possível de ser alcançado pelas nações desenvolvidas do Ocidente de seu
período. Sendo as democracias modernas consideradas sistemas democraticamente
incompletos, mesmo que sejam altamente inclusivas e abertas à contestação pública.

COLÔMBIA: Recorte da atualidade

Segundo o relatório Freedom in the World, realizado e divulgado pela organização sem fins
lucrativos Freedom House, que avalia a condição dos direitos políticos e das liberdades
civis em todo o mundo, a Colômbia é uma das democracias mais antigas da América Latina,
mas tem um histórico de violência generalizada e graves violações dos direitos humanos.
Tendo suas instituições públicas demonstrado até certo ponto, capacidade de controlar o
executivo, e os principais guerrilheiros de esquerda do país, assinando um acordo de paz
em 2016. Contudo, ainda enfrenta enormes desafios para consolidar a paz e garantir
direitos políticos e liberdades civis fora das grandes áreas urbanas. Esse acordo, assinado
com o grupo rebelde de esquerda (FARC) permaneceu inalterado durante o ano, mas foi
adiado por falta de recursos e vontade política e o contínuo rearmamento de alguns ex-
rebeldes tem causado inquietação e discussão a respeito da duração do acordo.

O relatório aborda ainda a forma como o governo colombiano tem tratado os protestos
movidos pelas inúmeras queixas contra o governo, entre abril e junho de 2021. Tais
protestos resultaram na morte de dezenas de civis e danos materiais generalizados. Tendo
a população acusado as autoridades governamentais de infringir direitos humanos.

Seria a Colômbia uma poliarquia segundo os critérios listados anteriormente? Vejamos:

1) Liberdade de formar e aderir a organizações

Muito embora a estrutura legal não proíba reunião ou associação, sendo a reunião uma
garantia constitucional no país, na prática esses direitos se veem restringidos pela violência.
Um bom exemplo disso, foram as manifestações conhecidas como greve nacional,
mencionada anteriormente. Apesar da maioria dos protestos terem sido pacíficos, a polícia
respondeu com o que observadores de direitos nacionais e internacionais caracterizaram
como graves violações dos direitos humanos.

Muito embora a estrutura legal não proíba reunião ou associação, sendo a reunião uma
garantia constitucional no país, na prática esses direitos se veem restringidos pela violência.
Um bom exemplo disso, foram as manifestações conhecidas como greve nacional,
mencionada anteriormente. Apesar da maioria dos protestos terem sido pacíficos, a polícia
respondeu com ações que violam os direitos humanos.

Além disso, as organizações não governamentais e os sindicatos muitas vezes sofrem


represálias violentas, o que representa um grande obstáculo à liberdade de associação. E
mesmo que o governo ofereça proteção aos seus participantes, muitas vezes essa proteção
não se mostrou efetiva. O relatório cita que:

“O grupo local de direitos humanos Indepaz registrou 171 assassinatos de


líderes sociais e defensores de direitos humanos durante o ano. Entre as
vítimas mais frequentes estão os direitos à terra, direitos das vítimas e
defensores dos direitos étnicos e indígenas visados por grupos armados
ilegais e outros interesses poderosos que buscam controlar as economias
ilícitas locais ou impedir a implementação de planos de desenvolvimento
rural, especialmente programas de substituição de coca.” (tradução livre)

2) Liberdade de expressão.

Os jornalistas no país enfrentam intimidação e violência durante a realização do seu


trabalho. Ocorreram vários casos de jornalistas assassinados nos últimos anos, mas as
condenações são muito raras. O órgão de fiscalização da imprensa local, registrou centenas
de ameaças e ataques – grande parte desses foram atribuídos a policiais e soldados –
ligados à onda de protestos que começou em abril. Grupos de liberdade de expressão,
também criticaram duramente o governo por uma tentativa de minar um caso da Corte
Interamericana de Direitos Humanos envolvendo a responsabilidade do Estado pelo
sequestro, agressão sexual e tortura da jornalista Jineth Bedoya em 2000; em outubro, o
Tribunal emitiu uma decisão que confirmou a responsabilidade do Estado.

3) Direito ao voto

A atual constituição colombiana garante o direito ao voto para grande parte da população,
embora o progresso continue lento, o governo tem tomado uma série de medidas para
incorporar as vozes dos indígenas e afro-colombianas nos debates políticos nacionais. O
acordo de paz de 2016 incluiu disposições para melhorar a coleta de informações em
relação a grupos marginalizados, mas problemas que afetam grupos afro-colombianos e
indígenas não são prioridades na formulação das políticas públicas nacionais.

As mulheres possuem direitos políticos iguais aos homens e pelo menos 30% dos
candidatos nas listas dos partidos devem ser mulheres. Cerca de 20% das cadeiras em
cada câmara do Congresso são atualmente ocupadas por mulheres. Entretanto, o
Congresso da Colômbia historicamente desconsidera as questões das mulheres, mas no
ano passado os legisladores aprovaram leis destinadas a melhorar as condições sociais e
econômicas da população feminina, inclusive em relação violência familiar e às
oportunidades de emprego.

4) Elegibilidade para cargos públicos.

Os colombianos elegem a cada 4 anos o Presidente e Vice-Presidente da República, 102


senadores e 166 deputados, que atuam no mesmo período. Destes, 2 senadores e um
representante são eleitos por comunidades indígenas, dois representantes por
comunidades afrodescendentes e dois por colombianos no exterior. Um governador em
cada um dos 32 departamentos (semelhante aos estados no Brasil), onde também
elegemos uma Assembleia, que dependendo do Departamento, pode ter entre 11 e 31
membros. Um prefeito em cada um dos 1.102 municípios do país, onde também existe um
Conselho, que pode ter, dependendo do município, entre 7 e 21 membros, exceto em
Bogotá, onde tem 45. E, finalmente, se elegem os membros dos Conselhos de
Administração Local, que exercem funções administrativas nas comunas, aldeias e vilas de
cada município.

5) Direito de líderes políticos disputarem apoio e votos.

O sistema bipartidário historicamente rígido da Colômbia precisou passar por um longo


processo de alteração nos últimos anos. As eleições de 2018 trouxeram para o legislativo
uma mistura entre os vários partidos. Esse equilíbrio, aliado às divisões intrapartidárias,
deixou o presidente do país com uma coalizão governamental instável nas câmaras
legislativas, embora o governo tenha uma pequena maioria durante a maior parte de seu
mandato. As FARC se reorganizaram como partido político em 2017, mas fizeram avanços
eleitorais pequenos.

As mudanças de poder entre partidos rivais são comuns em nível nacional, embora áreas
significativas permaneçam sob o controle de longo prazo de clãs políticos ligados ao crime
organizado.

Então é possível notar que há uma liberdade para que as lideranças políticas disputem
votos e apoio, mas certas regiões acabam por ter uma certa tradição de voto nos partidos
mais tradicionais.

6) Fontes alternativas de informação.


Apesar do direito da liberdade de expressão ser garantido pela constituição, a autocensura
é comum. O governo não restringe o acesso à internet, nem censura sites.

O Twitter e outras redes sociais tornaram-se áreas importantes para discussão política, mas
grandes regiões da Colômbia permanecem sem cobertura de um noticiário local. Em maio
de 2021, grupos de vigilância da mídia criticaram uma campanha online organizada pelo
Ministério da Defesa que rotulou dezenas de postagens sobre o comportamento agressivo e
violento da polícia durante a greve nacional como “notícias falsas” e “terrorismo digital”

7) Eleições livres e idôneas.

As eleições legislativas de 2018 foram relativamente pacíficas, embora tenham ocorrido


acusações de fraude, compra de votos e conexões entre candidatos e o crime organizado.
A distribuição de cadeiras no Senado foi bastante heterogênea, com seis partidos
conquistando 10 ou mais cadeiras. Na Câmara dos Deputados, pelo menos cinco partidos
conseguiram 21 ou mais cadeiras. Em sua primeira votação como partido legal, as FARC
tomaram apenas cinco assentos dos que foram garantidos em cada câmara.

8) Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições


e de outras manifestações de preferências.

A Constituição da Colômbia dispõe nos artigos 1º e 2º que "A Colômbia é um Estado social
de direito (...) democrático, participativo e pluralista", que "estes são propósitos essenciais
do Estado: facilitar a participação de todos nas decisões que os afetem e na vida
econômica, política, administrativa e cultural da nação” e em seu artigo 40 afirma que “todo
cidadão tem o direito de participar da formação, exercício e controle do poder político”. Para
isso, se discutiu uma série de mecanismos de participação cidadã que são as ferramentas
que devem garantir o exercício do direito de participação nas decisões coletivas, gerando
mudanças nos sistemas judiciário, executivo e legislativo.

Tentando cumprir essas disposições constitucionais, a Lei 1.757 de 2015 foi criada visando
estabelecer os mecanismos de participação cidadã, sendo eles: "a iniciativa popular e
normativa perante as empresas públicas, o referendo, a consulta popular, a revogação do
mandato, o plebiscito e a prefeitura aberta".

No entanto, vale ainda salientar, que os funcionários eleitos geralmente determinam a


política do governo sem interferência. No entanto, o estado colombiano luta a muito tempo
para estabelecer uma presença segura em todas as partes de seu território, o que significa
que ameaças de grupos guerrilheiros e gangues criminosas podem atrapalhar a formulação
e implementação de políticas em certas regiões e localidades. Os acordos de paz acabaram
com o controle das FARC de um território significativo, mas desde 2017 atores armados não
estatais preencheram o vazio em muitas regiões, com dissidentes das FARC e sucessores
paramilitares expandindo o território em que a autoridade estatal está ausente ou
principalmente limitada aos esforços de erradicação da coca.

CONCLUSÃO

Para Dahl a Colômbia enquanto um projeto de estado, seria uma uma quase-poliarquia,
pois desde 1958 tem se mantido de acordo com seis das oito instituições políticas que
definem a poliarquia. Sendo o principal fator limitador as limitações à disputa dos partidos
políticos, pois até os dias de hoje ainda permanece em um sistema bipartidário: com um
partido Liberal e um Conservador. Pois tal sistema não permite uma competição plena.

Todavia, ao analisarmos a forma como a democracia colombiana se apresenta na


realidade, mesmo que formalmente a legislação garanta vários dos direitos que tornam
possível a adequação aos critérios descritos por Dahl, a realidade torna pouco exequível
essas legislações. O governo não tem se mostrado capaz de garantir seu cumprimento ou
proteger aqueles que tentem utilizá-las.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAHL, Robert A. Poliarquia. Participação e Oposição, 1ª reimpressão. São Paulo: Editora


da USP, 2005.

Democracy Matrix, 2022. Disponível em: <https://www.democracymatrix.com/online-


analysis/country#/Colombia/total_index_core>. Acesso em: 29, maio de 2022.
Freedom House, 2022. Disponível em:
<https://freedomhouse.org/country/colombia/freedom-world/2022>. Acesso em: 29, maio de
2022.

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