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LL.M.

EM DIREITO EMPRESARIAL

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

SESSÃO V

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO EMPRESARIAL E ECONOMIA


COMPORTAMENTAL. DROP DOWN. DIP FINANCING. O NOVO
CONCEITO DE EMPRESA.

FGV LAW PROGRAM


RIO DE JANEIRO, 2024
Todos os direitos reservados à Fundação Getulio Vargas.

Organizadores

Professores: FRANCO, Paulo Fernando.

Análise Econômica do Direito

Atualizada em: janeiro de 2024.

Verificação de plágio pelo sistema TURNITIN 

Bibliografia, Editora FGV, Rio de Janeiro.

A presente apostila tem por intuito orientar o


estudo individual acerca do tema de que trata,
antecipando-se à aula que lhe é correspondente,
com a estrita finalidade de oferecer diretrizes
doutrinárias e indicações bibliográficas
relacionadas aos temas em análise. Nesse sentido,
este trabalho não corresponde necessariamente à
abordagem conferida pelo professor em sala de
aula, tampouco tenciona esgotar a temática sobre
a qual versa, prestando-se exclusivamente à
função de base para estudo preliminar e
referência de consulta.

_______________________________________________________________ 2
Análise Econômica do Direito
SUMÁRIO

ROTEIRO DE ESTUDO....................................................................................... 4
1 O que é economia comportamental ................................................................... 4
1.1 A referência da teoria comportamental em Cass Sunstein .......................... 7
1.2 O processo de escolha e a tomada de decisão ................................................ 9
1.3 Falhas de percepção de risco e avaliação de risco....................................... 12
1.4 Desvios à suposição de racionalidade ........................................................... 15
2 Os mercados protegem consumidores irracionais? ....................................... 22
3 Contratos de adesão .......................................................................................... 24
4 Custos recuperáveis e irrecuperáveis: a ideia de sunk cost ........................... 26
SUGESTÃO DE CASOS GERADORES .......................................................... 29
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 30
Bibliográficas ........................................................................................................ 30
1 Utilizadas ........................................................................................................... 30

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Análise Econômica do Direito
ROTEIRO DE ESTUDO
1 O que é economia comportamental
A evolução experimentada pela análise econômica do direito tem sido
debatida por diversos autores1 e não convém, nesta oportunidade, fazer qualquer
digressão histórica. Cabe somente sublinhar que a AED vive sua segunda geração
teórica, momento em que se verifica a convergência de diversas perspectivas
dentro do próprio movimento, que são sintetizadas por Ronaldo Porto Macedo
Junior pela preocupação com duas ideias centrais: a possibilidade de predição de
comportamentos por meio da economia e a busca pela eficiência normativa.2
As bem lançadas assertivas, não obstante apresentarem uma breve síntese
dos influxos teóricos que hoje consubstanciam a AED, demonstram a
preocupação teórica com uma leitura mais plausível da internalização dos valores
– bem como dos mecanismos – de mercado no discurso jurídico, flexibilizando-se
a rigidez dos modelos econômicos delineados pela primeira fase e permitindo uma
maior integração entre Direito e Economia. O mote principal a nortear a
rediscussão da AED subjaz no discurso neoinstitucionalista.3
Não obstante a perspectiva institucional deflagrar efetivamente a
rediscussão da AED, não se pode afastar a importância do comportamentalismo
ou behaviorismo econômico, uma vez que busca emprestar uma melhor leitura das
premissas da AED por intermédio da incorporação de análise empírica de
evidências sobre o comportamento humano. Naturalmente, esta abordagem
carrega um grande potencial de aperfeiçoar o poder preditivo da AED, e o sucesso
que tem obtido mostra seu promissor futuro.4

1
Por todos, v. POSNER, Richard. A economia da justiça. WMF Martins Fontes, 2010.
2
“1. uma pretensão comportamental (behavioral claim), que afirma que a economia pode fornecer
uma teoria útil para a predição de comportamentos regulados por regras jurídicas; 2. uma
pretensão normativa (normative claims), que afirma que o direito deve ser eficiente; 3. uma
pretensão fatual ou positiva, que afirma que o common law é eficiente; 4. uma pretensão genética,
que afirma que o common law seleciona regras eficientes, mesmo admitindo que nem todas as
regras são eficientes.” V. MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Posner e a análise econômica do
direito: da rigidez neoclássica ao pragmatismo frouxo. In Direito e economia: trinta anos de
Brasil, vol. 1. LIMA, Maria Lucia (org.). São Paulo: Saraiva, 2012, p. 270.
3
Promovido principalmente por Oliver Williamson e Douglass North, expoentes teóricos que
trabalhavam na linha da Análise Institucional do Direito, sendo o primeiro sagrado vencedor do
Prêmio Nobel de 2009 e o segundo vencedor, de 1993.
4
Um dos proeminentes estudos sobre behavior all awand economics foi deflagrado por Sunstein,
Jolls e Thaler. V. JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. A behavioral approach
to law and economics. Stanford Law Review, 1998. Uma profunda leitura crítica deste artigo foi
elaborada por Posner, que assertou sobre algumas falácias no discurso empreendido pelos autores.
_______________________________________________________________ 4
Análise Econômica do Direito
Assim, o comportamentalismo ou behaviorismo na economia é uma das
teorias mais significantes desenvolvidas na área econômica dos últimos trinta
anos. Esse campo teórico combina influxos advindos da economia e da psicologia,
com o intuito de produzir um corpo de evidências que a teoria da escolha racional,
neoclássica, não poderia vislumbrar na tomada de decisão judicial. Esses pontos
de partidas da teoria da decisão racional são tomados como inclinações cognitivas
individuais, que podem desencadear em falhas sistemáticas pelo agir em interesse
próprio por defeitos ínsitos aos mecanismos do processo decisório. As pesquisas
empíricas sobre essas inclinações cognitivas individuais têm sido as primeiras
contribuições do comportamentalismo econômico para a microeconomia.
Surgindo próximo aos calcanhares do comportamentalismo econômico, o
comportamentalismo na análise econômica do Direito tem sido um movimento
que explora as implicações legais e políticas destas inclinações cognitivas. A
academia tem disseminado amplamente a produção de análise empírica,
documentando o comportamento e é, em grande parte, responsável pela base dos
behavioristas nas políticas de regulação dos serviços públicos, dentro e fora da
administração de Obama5 e, mais recentemente, no governo do Reino Unido.
Apesar de seu escopo extremamente amplo, abrangendo quase todas as
áreas do Direito e do comportamento humano, a agenda regulatória trazida pelos
behavioristas da análise econômica do Direito reflete uma fonte filosófica comum:
o paternalismo libertário.6 Esta expressão, cunhada por Richard Thaler & Cass
Sunstein, pretende descrever intervenções legais para: (i) aumentar o bem-estar
econômico do indivíduo, libertando-o das limitações de suas inclinações
cognitivas; e (2) mudar o comportamento do indivíduo sem retaliar suas escolhas.
Em outras palavras, a promessa dos behavioristas seria estimular a intervenção
estatal, ao passo que se promoveria o bem-estar econômico por meio do
alinhamento das inclinações cognitivas individuais.7

V. POSNER, Richard. Fronteiras da teoria do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.
319.
5
Barack Obama se mostra adepto das premissas do behaviorismo econômico em seus discursos.
6
Sobre o ponto, v. SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. Libertarian Paternalism is Not an
Oxymoron. Chicago Law Review, 2003.
7
Esclarecedor o comentário feito por Ronaldo Porto Macedo Junior: “A pretensão
comportamental viria a tornar-se a principal ferramenta metodológica para a análise da realidade,
tendo os seus efeitos impactado fortemente também algumas vertentes da ciência política,
notadamente aquelas vinculadas à teoria dos jogos, teoria da decisão e escolha racional.”
MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Op. cit., p. 271-272.
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Análise Econômica do Direito
Nestas breves asserções explicativas sobre o behaviour law and
economics, pode-se perceber que (i) as ciências cognitivas possuem dados e
métodos que podem – e devem – ser relevados na análise do processo racional de
decisão e (ii) a contribuição do meio sociocultural e a falibilidade da conduta
humana como denominadores necessários à produção do conhecimento e do
método são fatores consideráveis.
A behaviour law and economics possibilitou a abertura da aplicação dos
aportes da Economia Comportamental como instrumento de aperfeiçoamento das
instituições.
A Economia Comportamental é uma disciplina relativamente nova,
decorrente da incorporação, pela Economia, de desenvolvimentos teóricos e
descobertas empíricas no campo da psicologia, da neurociência e de outras
ciências sociais. Seus pesquisadores partem de uma crítica à abordagem
econômica tradicional, apoiada na concepção do “homo economicus” que é
descrito como um tomador de decisão racional, ponderado, centrado no interesse
pessoal e com capacidade ilimitada de processar informações. A Economia
tradicional considera que o mercado ou o próprio processo de evolução são
capazes de solucionar erros de decisão provenientes de uma racionalidade
limitada.
Em contraposição a essa visão tradicional, a Economia Comportamental
sugere que a realidade é diferente: As pessoas decidem com base em hábitos,
experiência pessoal e regras práticas simplificadas. Aceitam soluções apenas
satisfatórias, buscam rapidez no processo decisório, têm dificuldade em equilibrar
interesses de curto e longo prazos e são fortemente influenciadas por fatores
emocionais. Os economistas comportamentais buscam entender e modelar as
decisões individuais e dos mercados a partir dessa visão alternativa a respeito das
pessoas. Influências psicológicas, emocionais, conscientes e inconscientes, que
afetam o ser humano em suas escolhas, são tentativamente incorporadas aos
modelos.
A Economia Comportamental propõe-se a entender e modelar as decisões
dos agentes de forma mais realista. O método experimental é a ferramenta mais
utilizada pelos economistas comportamentais em sua investigação empírica sobre
esses desvios em relação à ação racional.

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Análise Econômica do Direito
1.1 A referência da teoria comportamental em Cass Sunstein
Cass Sunstein, em seu livro Simpler: the future of government,8 descreve
sua experiência como Administrador da Secretaria da Casa Branca sobre
Informação e Assuntos Regulatórios,9 no período compreendido entre 2009 e
2012. Na época, relata a incorporação dos aportes da economia comportamental
nas policies desenvolvidas em seus órgãos.10
Nos Estados Unidos, os esforços regulatórios têm sido diretamente
pautados pelos insights da economia comportamental e têm desempenhado um
papel inconfundível em numerosos domínios. As interessantes ferramentas que
devem ser analisadas são: a divulgação (disclosure), os avisos, as normas e regras
padrão (defaults), podendo ser encontrados em várias áreas, incluindo nos setores
de combustível, de eficiência energética, de proteção ambiental, de saúde e de
obesidade. Como resultado, os dados comportamentais tornaram-se um
importante ponto de referência para a formulação de políticas de regulação.11
Sunstein afirma que os resultados das pesquisas empíricas, realizadas com
base na análise comportamental, têm um grande impacto na regulação, na
produção de legislação e nas políticas públicas em todo o mundo, e que o aumento
do interesse mundial em baixo custo na implementação da regulação faz com que
o impacto de tais medidas cresça nas próximas décadas. Nessas circunstâncias, é
particularmente importante ter uma noção sobre o que já se sabe sobre o
comportamento humano, o que não se sabe, e como entendimentos emergentes
podem informar políticas sensatas e melhores reformas regulatórias.12
Os economistas comportamentais têm enfatizado que, em contextos
importantes, as pessoas erram.13 Se uma característica importante de uma situação,
uma atividade ou um produto carece de importância, as pessoas podem ignorar,
possivelmente, a sua vantagem e, possivelmente, em seu detrimento. Os

8
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government. Simon & Schuster, 2013.
9
White House Office of Information and Regulatory Affairs.
10
Contudo, em 15 de setembro de 2015, foi deliberado pelo Presidente Barack Obama a
ExecutiveOrder em que se determinou a utilização dos aportes da economia comportamental nas
políticas públicas. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/the-press-
office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american.
Acesso em: 15 de outubro de 2015.
11
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 15.
12
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 18.
13
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 19.
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Análise Econômica do Direito
indivíduos procrastinam e às vezes sofrem como resultado.14 Eles podem ser
exageradamente otimistas e, por isso, fazer escolhas infelizes e até mesmo
perigosas.15 Os indivíduos cometem “erros de previsão afetivas”: eles preveem
que as atividades ou seus resultados terão certos efeitos benéficos ou adversos
sobre o seu próprio bem-estar, mas essas previsões podem vir a não se
confirmar.16
É importante ressaltar que os mercados livres oferecem uma proteção
significativa contra tais erros.17 Por exemplo, as empresas oferecem serviços
incontáveis para ajudar as pessoas a combater problemas de autocontrole.18 O
próprio mercado cria fortes incentivos para responder a estes e outros problemas
comportamentais, e com as novas tecnologias, as respostas se tornarão cada vez
mais úteis, frequentes e inventivas. Mas em mercados livres, alguns vendedores
tentam explorar os erros humanos, e as forças da concorrência podem
recompensar, em vez de punir, tal exploração.
Em casos identificáveis, aqueles que não exploram os erros humanos serão
punidos pelas forças de mercado, simplesmente porque seus concorrentes estão
assim procedendo, e lucrando com o resultado.19 Os mercados de crédito dão
muitos exemplos nos domínios de contas de cartões de crédito e hipotecas. De
modo mais geral, algumas políticas não serão bem projetadas se não são
informadas pelo que continuamos a aprender sobre o comportamento humano.
Segundo afirma Sunstein, ainda há um longo caminho a percorrer para se
entender sobre a natureza do erro humano em contextos diferentes. A pesquisa é
contínua, e muito mais está sendo aprendido a cada dia; alguns achados
comportamentais são altamente preliminares e precisam de mais testes e
experimentos. Há muita coisa que não sabemos.20 Mesmo nesta fase, no entanto,

14
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 27.
15
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 29.
16
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 37.
17
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 46.
18
SUNSTEIN, Cass. Simpler: The future of government, p. 51.
19
Para tanto, a atuação do CONAR tem sido de destaque no cenário nacional, não obstante a
pouca divulgação. Para maiores informações, ver os estudos empreendidos pelo órgão, disponíveis
em http://www.conar.org.br/.
20
Por exemplo, veja-se a grande repercussão social quando equipe de pesquisadores
comportamentais pertencentes à rede social Facebook, quando foram empreendidos estudos
comportamentais sem que os usuários soubessem que assim estavam participando de pesquisas.
Para maiores detalhes, v. em
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=8&cad=rja&uact=8&v
ed=0CFYQFjAH&url=http%3A%2F%2Fwww.techtudo.com.br%2Fnoticias%2Fnoticia%2F2014
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Análise Econômica do Direito
os resultados subjacentes têm sido amplamente notados, e a economia
comportamental, associada a áreas afins, têm tido um efeito significativo sobre as
políticas em vários países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido.21
Estes desenvolvimentos, e as conclusões relevantes, levantam uma questão
natural, que é saber se a compreensão do comportamento humano abre maior
espaço para alguma manifestação de paternalismo.22 Sabe-se, por exemplo, que as
pessoas são afetadas pela arquitetura de escolhas, entendida como a origem social
na qual as escolhas são feitas. Tal arquitetura é generalizada e inevitável, e isso
influencia muito os resultados. Na verdade, pode ser decisiva.
Diante disso, deveriam os arquitetos da escolha, incluindo aqueles da
esfera pública, ser autorizados a movimentar as decisões das pessoas em suas
direções preferenciais? Esta é uma das muitas perguntas que não possuem
resposta objetiva. Para tanto, deve ser lembrado que não se objetiva aqui um
olhar, ainda que tangencial, sobre questões de teoria da justiça nem
fundamentações éticas sobre este processo de análise dos resultados e implicações
do comportamentalismo econômico. O que se tem, somente, é a configuração de
um cenário teórico que vem sendo explorado paulatinamente pelos governos e,
dada a sua crescente visibilidade, merece ganhar melhor contorno em território
nacional.

1.2 O processo de escolha e a tomada de decisão


Nas últimas décadas, são diversos e inúmeros os trabalhos empíricos sobre
a cognição humana e o risco de erro. Como se observa, os resultados destes
trabalhos têm sido notados pelos formuladores de políticas, e sua influência tende
a crescer.
Há uma questão inerente à cognição humana: somos incapazes de
processar informações em volume para poder decidir de forma ideal. Há uma
limitação neurológica da qual já se preocupam os economistas comportamentais e
psicólogos. No entanto, isto não quer dizer que não é possível escrutinar de forma

%2F06%2Ffacebook-responde-reacoes-negativas-manipulacao-de-feed-de-600-
mil.html&ei=iPDsU6C1BebksATIvYHgDQ&usg=AFQjCNGpEmRu9Ke_i5Q5g7iCw-
u06t9HlQ&sig2=m-9c-vxSPw569TuUzkkyVg.
21
Para mais informações, acesse o sítio eletrônico:
https://www.gov.uk/government/organisations/behavioural-insights-team
22
Não será objeto de discussão neste trabalho.
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Análise Econômica do Direito
eficiente e efetiva os prós e os contras de cada pequena decisão que tomamos
diariamente.
Em verdade, diante de inúmeras escolhas que o indivíduo deve fazer no
seu cotidiano, nas suas próprias atividades diárias, o cérebro acaba desenvolvendo
atalhos que possibilitam a tomada de decisões de forma célere e razoável para
vários assuntos, como, por exemplo, a forma como se abre a porta de incêndio de
um cinema. Esses atalhos são o que os pesquisadores denominam “heurísticas”,
ou seja, são processos de decisão predefinidos ou pré-avaliados pelo cérebro e
que, diante da necessidade do dia a dia, são postos em prática.
Contudo, salienta-se que as heurísticas, por vezes, podem trazer falhas à
decisão, promovendo assim erros sistemáticos no processo de escolha. Esses
percalços – ou erros – são denominados de “vieses”. Contudo, o ponto central não
é que os indivíduos erram de vez em quando, mas, sim, que erram baseados nos
atalhos que o cérebro desenvolveu para que possam lidar com a infinidade de
decisões que precisam ser tomadas.
Nesta toada, os erros sistemáticos não demonstram somente um caráter
errático. Um valioso insight da economia comportamental é verificar que há certa
previsibilidade nos erros, uma vez que possuem também uma natureza
sistemática, o que possibilita excepcionalmente o estudo de previsão da
falibilidade humana e a possibilidade de minimizar, até certo ponto, esses
equívocos.23
Questões como estas, de cunho eminentemente cognitivo, têm sido
transportadas da teoria econômica e da psicologia para a teoria da decisão por
diversos autores. Já em 1947, um trabalho pioneiro deflagrado por von Neumann
e Morgenstein24 previu vários princípios qualitativos - ou axiomas - que devem
reger as preferências de um tomador de decisão racional. Desde então, os aspectos

23
Um dos trabalhos seminais para se compreender a Teoria do Processo Dual está em Daniel
Kahneman e Amos Tversky, por concluirem pela existência de influxos comportamentais que
podem desencadear problemas no processo na tomada de decisão. Cf. KAHNEMAN, Daniel;
TVERSKY, Amos. Choices, values, and frames. American Psychologist, Vol 39(4), 1984, 341-
350. Na primeira parte do artigo, os autores oferecem uma detalhada análise dos fatores cognitivos
e psicofísicos que determinam quais são as perspectivas de risco e como estas são valoradas. Na
segunda parte, busca-se contextualizar as premissas inicialmente elaboradas com análise do
comportamento dos indivíduos em situações de mercado.
24
Decisões de conteúdo econômico podem depender das expectativas que se tenha sobre o
comportamento dos demais agentes econômicos. É um dos resultados aferíveis em Theory of
games and economic behavior. A comprovação de tal assertiva somente advém com a segunda
edição do livro, em 1947.
_______________________________________________________________ 10
Análise Econômica do Direito
normativos e descritivos dos axiomas da escolha racional têm sido objeto de
amplas discussões.
Mais aprofundado em interdisciplinariedade, o trabalho mais proeminente
tem sido desenvolvido por Daniel Kahneman em seu pensamento magistral,
Thinking fast and slow. A partir de seus estudos, associado ao empreendedorismo
teórico de Amos Tversky, tornou-se como padrão sugerir que a mente humana
contém não um, mas dois “sistemas cognitivos”. Na literatura das ciências sociais,
descreve-se como Sistema 1, que é automático e intuitivo, e Sistema 2, que é mais
deliberativo e reflexivo.25
Neste ponto, interessa fazer uma pergunta: o que, exatamente, são esses
sistemas? Sunstein propõe reconhecer esses sistemas como um dispositivo
heurístico do processo de decisão; em outras palavras, é a bipartição de um
processo cognitivo criado com o objetivo de encontrar soluções para um
problema.26
Para Kahneman, é possível associar o Sistema Automático (SA) com a
intuição e o Sistema Reflexivo (SR) com o raciocínio. Considera o autor a
intuição como espontânea e livre de esforço e o raciocínio como pensamento
racional complexo e, por conseguinte, como esforço altamente demandante.27 O
autor também coloca que o sistema reflexivo, de certa forma, possibilita que o
sistema automático realize melhor suas tarefas. Nessa toada, para Kahneman, é no
processo deflagrado pelo sistema automático que se encontram a maioria dos
pensamentos e atos dos indivíduos.28
O autor aprofunda suas observações e possibilita a compreensão de que o
SR é utilizado apenas quando os indivíduos são confrontados com problemas que
exigem raciocínio ativo, bem como é capaz de monitorar29 as ações do SA

25
KAHNEMAN, Daniel. Thinking, fast and slow. Farrar Straus Giroux, 2013.
26
SUNSTEIN, Cass. The Storrs Lectures: Behavioral Economics and Paternalism. Yale Law
Journal, n. 122, 2013, p. 13.
27
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bounded rationality: psychology for behavioral economics.
American Economic Review, 2003.
28
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bounded rationality: psychology for behavioral economics.
Op.cit.
29
“O Sistema 1, de uma forma rápida e intuitiva, propõe respostas para os problemas de
julgamento à medida que eles surgem e o Sistema 2 monitora a qualidade destas respostas
propostas, aprovando-as, corrigindo-as ou substituindo-as”, ressaltando, porém, que “ erros e
distorções só ocorrem quando os sistemas falham”. Kahneman, Daniel; Frederick, Shane. A Model
of Heuristic Judgment. The Cambridge Handbook of Thinking and Reasoning. Cambridge
University Press, 2005, p. 269-270.
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Análise Econômica do Direito
corrigindo as suas decisões sempre que possível. Contudo, é possível e recorrente
que o monitoramento que o SR executa sobre o SA eventualmente se perca, por
estar mais focado na seleção de questões que demandam maior reflexão, o que,
consequentemente, possibilita a ocorrência de muitos erros de julgamento pelo
SA.
Assim, em razão de como sua racionalidade se processa, o agente pode
errar ao tomar decisões, decidindo, inclusive, contra seu próprio interesse e
benefício, afetando a própria instituição ao qual se vincula. Tendo em vista a
centralidade que o comportamentalismo tem sido incorporado na perspectiva
institucional, bem como as descobertas empíricas da economia comportamental
têm demonstrado, qualquer otimização institucional só é possível se for
considerada a falibilidade da decisão do agente e quais são os efeitos gerados no
sistema institucional.

1.3 Falhas de percepção de risco e avaliação de risco


A irracionalidade do indivíduo está atrelada também à avaliação de riscos
e incertezas no processo decisório. Na verdade, um dos grandes problemas do
processo decisório individual reside na avaliação e na percepção dos níveis de
probabilidade de diferentes resultados. Há uma diferença entre risco e incerteza.
As preocupações relacionadas com o risco30 referem-se aos níveis absolutos de
uma probabilidade e possíveis mudanças nesses níveis, enquanto as incertezas
referem-se à imprecisão envolvida na avaliação dos níveis de risco.31 Ambos os
casos acima descritos revelam como as políticas governamentais que refletem as
anomalias comportamentais individuais em relação ao risco e à incerteza levam a
resultados subótimos.
A forma pela qual o risco e a incerteza entram no processo de decisão
depende do contexto de decisão e do ponto de referência normativo. No caso das
políticas governamentais, o pressuposto normativo que se deve adotar ao orientar
a discussão é que as políticas devem ser baseadas na comparação dos custos e
benefícios esperados, em que as probabilidades usadas nesses cálculos sejam os

30
KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: an analysis of decision under risk.
Econometrica, n. 2, 1979.
31
KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Judgement under uncertainty: heuristics and biases.
Science, New Series, n. 4157, 1974.
_______________________________________________________________ 12
Análise Econômica do Direito
valores médios das probabilidades. Assim, assume-se que a precisão dos
julgamentos probabilísticos não deve ser considerada. É a melhor estimativa dos
níveis de probabilidade, e não as hipóteses do pior caso ou do melhor caso em
relação ao nível do risco, que devem orientar as avaliações de risco.
Como exemplo, pode-se tomar como riscos ambientais fornecem um
contexto instrutivo para considerar como as probabilidades entram na análise de
impacto regulatório. Os benefícios esperados para as regulações da EPA muitas
vezes são expressos em termos como o número esperado de casos de câncer
evitado, calculado usando a probabilidade de câncer e o tamanho da população
exposta. Esses efeitos esperados na saúde são então ponderados pela avaliação
monetária da agência desses riscos de câncer para tornar os benefícios de redução
de casos de câncer nos mesmos termos monetários que os custos regulatórios,
facilitando assim a comparação dos benefícios e custos.32 Poder-se-ia, é claro,
optar por adotar um critério normativo de política que não seja um quadro
benefício-custo. Os vieses que são discutidos a seguir também são pertinentes
para abordar paradoxos comportamentais em relação a muitos outros quadros
políticos não vinculados a uma abordagem custo-benefício, mas é útil ter um
ponto de referência para uma avaliação política concreta para enquadrar nossa
discussão.
Um dos vieses mais documentados está relacionado com suas percepções
do nível absoluto de um risco. Um exemplo é o estudo de Sarah Lichtenstein e
outros,33 que analisou a avaliação das pessoas sobre o nível de diferentes riscos de
mortalidade. Eles descobriram que o público tende a superestimar riscos de baixa
probabilidade de morte e subestimar grandes riscos. Com efeito, as ameaças reais
à saúde - como os riscos de AVC, câncer e doenças cardíacas - tendem a ser
subestimadas, enquanto as ameaças menos consequentes - como os riscos de
botulismo, raios e desastres naturais - tendem a ser superestimadas. Daniel

32
Os dados se mantêm nos relatórios de 2014 e 2016. Report to Congress on the Benefits and
Costs of Federal Regulations and Unfunded Mandates on State, Local, and Tribal Entities, Office
of Information & Regulatory Affairs, OMB, Draft 2014. Disponível em
https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/default/files/omb/inforeg/2014_cb/draft_2014_cost_be
nefit_report-updated.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2016.
33
LICHTENSTEIN, Sarah. Judged Frequency of Lethal Events. Experimental Psychology, n.4,
1978.
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Análise Econômica do Direito
Kahneman e Amos Tversky34 incorporaram esse viés sistemático nas crenças de
risco em relação ao nível do risco real em seu modelo de prospect theory. Observe
que seu modelo é uma estrutura preditiva que indica como as pessoas realmente
tomam decisões em vez de uma estrutura normativa que especifica como elas
devem tomar decisões.
A relação entre as crenças de risco e os níveis de risco em que os pequenos
riscos são superestimados e os grandes riscos são subestimados tem duas
implicações adicionais. Primeiro, porque as pessoas tendem a superestimar
pequenas probabilidades, quando esses pequenos riscos são eliminados, eles
tendem a superestimar a redução de risco que ocorre. Esta propriedade cria um
potencial substancial para overreactions a pequenos riscos, tais como aqueles
postos por carcinógenos fracos e nanopartículas. Se um risco aumentou para
algum pequeno valor positivo a partir de um nível zero, as pessoas tenderão a
superestimar a extensão do aumento. As reações alarmistas aos carcinógenos
recém-descobertos em alimentos ou bebidas se encaixariam nesse perfil, ou a
questão da transgenia de alimentos e os seus efeitos ainda não totalmente
desvendados.
Uma segunda ramificação do padrão de superestimar pequenos riscos e
subestimar grandes riscos é que as percepções aplainam a relação entre os riscos
percebidos e os riscos reais. As pessoas podem tender a subestimar a mudança nos
níveis de risco para níveis de risco não nulos. Consequentemente, tendem a
subavaliar os benefícios derivados das melhorias de risco, a menos que as
melhorias sejam bem sucedidas na eliminação do risco.35 Assim, por exemplo, as
pessoas tendem a subestimar os benefícios de redução de risco derivados do uso
de cintos de segurança, proporcionando um impulso potencial para as exigências
governamentais relativas à autoproteção, como exigir o uso de cintos de segurança
em carros. A presença e extensão de tal premissa geral afeta de fato o contexto de
decisão particular e deve ser corroborada em cada caso, em vez de supor que
todas as decisões privadas são necessariamente falhas e que a extensão da falha de
mercado é suficiente para justificar decisões privadas predominantes.

34
KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: An Analysis of Decision under
Risk. Econometrica, n. 47, 1979.
35
VISCUSI, W. Kip. Rational risk policy: the Arne Ryde Memorial Lecture Series. Clarendon
Press, 1998.
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Análise Econômica do Direito
1.4 Desvios à suposição de racionalidade
Se por economia comportamental considera-se qualquer análise econômica
na qual os indivíduos não são considerados perfeitamente informados e racionais,
o campo é vasto e uma revisão completa está muito além do escopo deste artigo.
A literatura sobre desvios de racionalidade é um pouco mais limitada (embora não
tão nova quanto alguns podem suspeitar), e informação imperfeita do consumidor
está no centro de uma grande parte da política de proteção ao consumidor; e parte
da literatura moderna sobre economia comportamental diz respeito ao efeito da
informação imperfeita, em oposição às respostas irracionais das pessoas à
informação.
Um crítico da literatura econômica existente de sua época escreveu: “Não
é preciso dizer aos acadêmicos que a informação é um recurso valioso:
conhecimento é poder. Mas ainda assim ocupa uma habitação marginalizada na
economia. Em maior parte, é ignorada: supõe-se que a melhor tecnologia seja
conhecida; a relação das mercadorias com as preferências do consumidor é um
dado.” Pode-se suspeitar que essa citação venha de um famoso crítico de Chicago.
Na verdade, é a sentença de abertura para The Economics of Information, de
George Stigler.
Uma vez que se reconhece que a informação é em si um bem escasso,
naturalmente seguem-se vários questionamentos. Primeiro, até que ponto os
indivíduos dedicarão a quantidade certa de esforço para se tornarem informados?
Segundo, as empresas têm os incentivos corretos para fornecer aos consumidores
informações que os ajudem a fazer escolhas racionais? Em terceiro lugar, as
empresas têm um incentivo para fornecer informações falsas aos consumidores?
Quarto, qual o papel que o governo deve desempenhar na informação que os
consumidores recebem? Deveria regulamentar os esforços privados e/ou deveriam
ser uma fonte independente de informação? Quinto, seria mais eficiente para o
governo tomar decisões pelos consumidores (em vez de confiar nas decisões
informadas do consumidor) e, em caso afirmativo, quais são os princípios
subjacentes a esses casos?
Quando James Tobin ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em parte por
sua teoria de escolha de portfólio, ele foi convidado em uma coletiva de imprensa
para explicar seu trabalho em termos leigos. Após repetidas tentativas de fazer

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com que simplificasse ainda mais sua explicação, ele disse que seu Prêmio Nobel
foi para explicar o princípio de que os investidores não deveriam colocar todos
seus ovos na mesma cesta. Isso levou a um desenho animado de um porta-voz do
comitê do Nobel anunciando um prêmio subsequente por demonstrar que “Uma
maçã por dia mantém o médico longe”. Quando afirmados da forma mais simples
possível, os avanços acadêmicos, particularmente nas ciências sociais, podem soar
triviais.
Aqueles que ouviram falar de economia comportamental e suspeitam que
ela deve ter grande valor, mas ainda não leram a literatura, podem ter uma reação
similar às maneiras pelas quais a literatura demonstrou desvios do comportamento
racional.
Na literatura sobre economia comportamental, há três maneiras principais
pelas quais o comportamento individual se desvia da racionalidade: racionalidade
limitada, auto interesse incompleto e autocontrole incompleto.

1. Racionalidade limitada
Como descrito acima, a racionalidade limitada significa que os indivíduos
(ou firmas) agem com propósito, mas não necessariamente como se fossem
totalmente informados e perfeitamente racionais. Na literatura de racionalidade
limitada, dois desvios de comportamento racional são proeminentes. A primeira é
que os indivíduos exibem vieses sistemáticos ao tomar decisões sob incerteza. A
segunda é que as decisões que as pessoas tomam dependem de como são
“enquadradas”.
Nenhum desses resultados é novo. Ambos remontam pelo menos ao
trabalho de Allais, que desenvolveu pares de escolhas que demonstraram a
inconsistência das escolhas que as pessoas fazem. No que é conhecido como
“Paradoxo de Allais”, as pessoas recebem dois conjuntos de opções. A primeira
opção é entre um resultado seguro de $1 milhão, um resultado aleatório de 89%
de chance de $1 milhão, 10% de chance de $5 milhões e 1% de chance de $0. A
maioria dos entrevistados escolhe a opção certa de $ 1 milhão.
A segunda opção é entre 11% de chance de receber $1 milhão e 10% de
chance de obter $5 milhões (e $0 o resto das vezes). A maioria das pessoas diz
preferir 10% de chance de $5 milhões.

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O paradoxo é que as escolhas são inconsistentes entre si. Em ambos os
casos, a escolha que o indivíduo faz é irrelevante em 89% das vezes. (No primeiro
caso, ele recebe $1 milhão tanto se tomar o resultado seguro quanto o arriscado.
No segundo caso, ele recebe $0 independentemente de sua escolha.) Assim, a
escolha só importa nos outros 11% das vezes. Em ambos os casos, a primeira
escolha dá $1 milhão em todo o 11% de probabilidade em que a escolha importa.
Na segunda escolha, a chance de 11% da escolha importar é dividida entre 10%
de chance de $5 milhões e 1% de chance de $0. Nenhuma escolha é inerentemente
irracional, mas a escolha entre elas não pode depender racionalmente do que o
indivíduo obtém em 89% do tempo em que a escolha não importa. O paradoxo de
Allais é um exemplo dos dois temas. A decisão irracional diz respeito ao risco e
parece que a decisão é afetada pela forma como é enquadrada.
O trabalho de Daniel Kahneman e Amos Tversky, para o qual Kahneman
recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2002, foi outro importante antecedente
da moderna literatura da economia comportamental. Em um artigo seminal
publicado na Science intitulado Judgment under Uncertainty: Heuristics and
Biases, eles exploraram maneiras pelas quais as decisões individuais sob o manto
da incerteza desviam sistematicamente da racionalidade e categorizaram os
desvios como decorrentes de três fontes de vieses: “representatividade”,
“disponibilidade” e “ajuste e ancoragem”. “Representatividade” concerne como as
pessoas avaliam a probabilidade relativa de possíveis explicações para
informações dadas a elas. Elas tendem a tratar todas as possibilidades como
igualmente prováveis ex ante, e então julgam as probabilidades ex post relativas
baseadas apenas em quão representativos os fatos eram das explicações do
candidato. “Disponibilidade” é o fenômeno que as pessoas avaliam a
probabilidade relativa de eventos baseados em sua capacidade de pensar em
exemplos. A “ancoragem” refere-se ao fenômeno de as pessoas às vezes
resolverem problemas partindo de algum ponto de referência e depois ajustando-
o.
Thaler e Sunstein ilustram esse fenômeno de ancoragem com o exemplo
de pedir às pessoas que estimassem o tamanho de Milwaukee, Wisconsin, que é a
maior cidade de Wisconsin. Moradores de Chicago, em média, dão uma
estimativa maior do que os moradores de Green Bay (uma pequena cidade em

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Wisconsin). A explicação de Thaler e Sunstein é que os moradores de Chicago
começam com a população de Chicago e ajustam os resultados para baixo. Os
moradores de Green Bay iniciam com a população de Green Bay e se ajustam
para cima. Ambos, no entanto, fazem ajustes muito pequenos. Esse fenômeno de
ancoragem e ajustes sugere como o enquadramento de uma questão pode afetar as
respostas, uma vez que a pergunta pode ser feita de modo a fornecer uma
“âncora”.
O trabalho moderno sobre racionalidade limitada enfatizou vários vieses
comportamentais. Um deles é o “viés do status quo”, que é uma tendência à
inação. Uma implicação do viés do status quo é que as escolhas que as pessoas
fazem são afetadas por padrões. Por exemplo, contribuições voluntárias para
planos de poupança dependem da opção padrão. Se as pessoas fossem totalmente
racionais, suas contribuições não dependeriam do fato de terem que se inscrever
no plano para participar ou recusarem se não desejarem participar.
Dois pontos sobre a racionalidade limitada detectada na literatura são
dignos de nota. Primeiro, como descrito na seção anterior, provar a irracionalidade
sem fazer juízos de valor sobre o que constitui uma preferência racional é difícil.
Muitas das provas da irracionalidade têm sido provas de inconsistência. (O outro
modo é mostrar que as pessoas não levam em conta leis objetivas da
probabilidade.) Essas são certamente formas de irracionalidade, mas podem não
ser as formas mais importantes pelas quais as pessoas se comportam
irracionalmente. Em segundo lugar, a definição de irracionalidade se concentra
em vieses sistemáticos. Por exemplo, as pessoas podem superestimar
sistematicamente o risco de alguns tipos de eventos raros. Um foco exclusivo em
como a resposta média difere da resposta correta necessariamente perde os casos
em que as pessoas estão certas na média, em razão de alguns indivíduos
cometerem erros acentuados em ambas as direções.
Considere se há necessidade de regulamentação governamental do
paraquedismo. Obviamente, o paraquedismo acarreta algum risco, mas algumas
pessoas podem se divertir o suficiente para justificar o risco. Suponha que
algumas pessoas superestimam substancialmente o risco do paraquedismo,
enquanto outras o subestimam, com a avaliação média sendo aproximadamente
correta. A intervenção do governo é justificada? Aqueles que superestimam

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substancialmente o risco presumivelmente escolherão não pular de um avião em
voo. Eles podem acabar perdendo algo de que gostariam, mas poucos sugeririam
que o governo deveria educar as pessoas de que o paraquedismo pode ser mais
seguro do que algumas delas imaginam. Aqueles que subestimam o risco podem,
no entanto, tomar uma decisão catastrófica. Se as pessoas estimam ou não o risco
em média é menos importante do que se algumas pessoas o subestimam
substancialmente.
Se o exemplo do paraquedismo parece forçado, surgem problemas
semelhantes em relação a empréstimos com severas penalidades de inadimplência.
Um dos vieses sistemáticos documentados na literatura é que as pessoas são, em
média, excessivamente otimistas sobre suas próprias perspectivas. Pesquise em
uma turma de alunos no início do semestre qual a nota que eles esperam receber, e
a distribuição resultante terá mais notas altas do que a distribuição real. Pergunte a
um grupo de pessoas com um tipo específico de empréstimo qual elas acham ser a
probabilidade de inadimplência; a resposta média pode ser bem menor do que o
credor sabe ser a probabilidade estatística de inadimplência. Seja qual for o papel
que o governo possa ter em proteger as pessoas de contrair empréstimos para os
quais não entendem todas as consequências, a necessidade de tal política pública
não requer a existência de um viés. Apenas requer que algumas pessoas cometam
erros grandes.

2. Autocontrole Imperfeito
O segundo grande desvio de racionalidade documentado na literatura da
economia comportamental é o autocontrole imperfeito. Tal como acontece com a
racionalidade limitada, a demonstração de um autocontrole imperfeito provém de
uma inconsistência entre escolhas que as pessoas realmente fazem a curto prazo e
as decisões que eles dizem que fariam. Por exemplo, suponha que alguém saiba
que eles podem ter $100 em um ano ou $ 101 em um ano mais um dia. A maioria
das pessoas prefere o último. Então, suponha que depois de um ano, eles recebam
os $100 imediatamente ou $101 no dia seguinte. Muitas pessoas optam pelos $100
imediatamente. A inconsistência é que ambas as escolhas implicam em escolher
se a taxa de desconto de um dia é maior ou menor que 1%.

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Análise Econômica do Direito
Afastando-se de configurações experimentais, o fenômeno do autocontrole
imperfeito pode explicar por que as pessoas decidem limitar as opções disponíveis
para elas. Por exemplo, alguns bancos costumavam ter “Clubes de Natal”, que
eram contas de poupança que permitiam aos clientes recuperar os fundos apenas
perto do Natal. Como não produziriam retornos mais altos do que as contas de
poupança regulares, não está claro por que alguém com total autocontrole
colocaria limites quanto ao momento em que poderia recuperar os fundos.
Modelos de falta de autocontrole pressupõem que as pessoas operam dois estados
diferentes - um estado quente e um estado frio. Quando em um estado frio, eles
reconhecem que eles vão fazer escolhas em um estado quente que se
arrependeriam em um estado frio. Como resultado, eles realizam ações para
restringir as opções que podem estar disponíveis para eles no estado quente.

3. Autointeresse Incompleto
A falta de autointeresse significa que a tomada de decisão individual
geralmente reflete um interesse no bem-estar de outros, talvez devido a algum
senso subjacente de justiça. Um exemplo bem conhecido diz respeito aos
resultados experimentais no “jogo do ultimato”. Duas pessoas, John e Mary,
recebem $10 para dividir entre si. As regras do jogo são que John deve propor
uma divisão desse dinheiro para Mary. Mary pode aceitá-la ou rejeitá-la. Se ela
aceitar, cada jogador recebe a divisão proposta por John. Se ela rejeita, ambos
recebem $0. Na solução totalmente racional para o jogo, John deveria oferecer a
Mary $0,01, levando $9,99 para si mesmo. Mary aceitaria racionalmente, já que
$0,01 é melhor que $0,00. Quando se faz um experimento do jogo, no entanto, o
resultado mais comum é que o jogador que faz o ultimato oferece uma divisão
mais equilibrada do dinheiro. Se John oferece a Mary mais de $0,01 por causa de
seu próprio senso de justiça ou se está apenas se protegendo da possibilidade de
que Mary rejeite "irracionalmente" $0,01 (talvez com base em seu próprio senso
de justiça), o modelo de comportamento totalmente racional está em desacordo
substancial com evidência experimental extensa.

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4. Represália
Reduzidos a termos muito simples, os três desvios do comportamento
racional documentados na literatura da economia comportamental resumem-se a
isso: o QI médio é de apenas 100, as pessoas às vezes tomam decisões a curto
prazo das quais se arrependem, e as pessoas às vezes agem desinteressadamente e
com um senso de justiça.
Confirmando, o parágrafo anterior simplifica em demasiado a economia
comportamental e suas contribuições. A citação de James Tobin fornece uma
analogia adequada. Tobin não descobriu o princípio de que as pessoas não
deveriam “colocar seus ovos em uma única cesta” ou, para inserir a questão
menos coloquialmente, que as pessoas deveriam diversificar seus portfólios. Sua
contribuição foi desenvolver uma abordagem matemática tratável para modelar tal
comportamento.
Um ponto semelhante pode ser feito sobre a literatura comportamental que
sugere que algumas pessoas tomam decisões de curto prazo com relação ao
consumo atual e às economias das quais acabam se arrependendo. A literatura
sobre “desconto hiperbólico” diz respeito a uma representação matemática de tal
comportamento. A representação matemática é, por si só, uma contribuição, pois
pode estabelecer uma base importante para modelos que preveem variáveis
econômicas (como poupança e taxas de juros) com mais precisão, e algumas
dessas análises podem ter implicações em políticas públicas.
As áreas de economia nas quais as abordagens comportamentais tiveram o
maior efeito têm sido os campos que contêm anomalias documentadas ainda a
explicar. O principal exemplo é a área financeira. Por ser o campo da economia
com dados mais abundantes, tem um número relativamente grande de anomalias
(ou, pelo menos, alegadas anomalias). Enquanto algumas dessas anomalias, como
o equity premium puzzle e a excessiva volatilidade dos preços das ações são
controversos, há suficientes estudiosos que acreditam sê-los verdadeiros, fazendo
com que explorassem se os fenômenos comportamentais poderiam explicá-los.
Outro campo no qual as abordagens comportamentais foram influentes é a
macroeconomia. Um dos quebra-cabeças da macroeconomia é a baixa taxa de
poupança nos Estados Unidos. A literatura sobre desconto hiperbólico é uma
explicação óbvia a ser considerada, uma vez esgotadas as explicações racionais.

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Análise Econômica do Direito
Em 2005, uma conferência de alto perfil em Helsinque foi dedicada a
abordagens comportamentais para áreas de economia além de finanças e
macroeconomia. Os organizadores da conferência não incluíram um artigo sobre
economia industrial porque, como explicou o organizador da conferência, Peter
Diamond: “Não havia nenhuma organização industrial comportamental coberta na
conferência porque ainda não há audiência.” Vamos nos voltar a essa observação
abaixo na discussão das implicações da literatura da economia comportamental
para o antitruste.

2 Os mercados protegem consumidores irracionais?


Você se encontra na cidade desconhecida Nowheresville e é hora do jantar.
Você se depara com um restaurante chamado “Joe's Diner”. Você não tem outras
informações sobre ele além do letreiro: “Orgulhosamente servindo Nowheresville
por mais de 15 anos”. Quão confiante você pode estar de que não vai se
arrepender da decisão de comer lá? Quão persuasivo é o argumento de que Joe só
poderia ter sobrevivido no mercado por mais de 15 anos se seus clientes regulares
que vivem em Nowheresville gostam da comida? E se o argumento é persuasivo
em relação a Joe, quão geral é o argumento de que o mercado protege clientes
desinformados porque apenas empresas que prestam serviços que clientes
informados gostam sobrevivem?
A análise de mercados com alguns clientes informados e alguns
desinformados se enquadra no rótulo de “economia comportamental”. Por
exemplo, em um mercado financeiro com alguns investidores racionais e
irracionais, os preços de mercado refletem as informações de investidores
informados? A certa altura, argumentou-se informalmente que os investidores
informados poderiam tirar proveito de qualquer precificação errônea e que, em
última instância, atrairiam investidores desinformados do mercado. Análises
teóricas recentes em finanças mostraram que esse não é necessariamente o caso.
No que diz respeito aos mercados não financeiros, a Salop e Stiglitz
demonstraram que em um mercado com alguns compradores informados e alguns
desinformados, as empresas que oferecem maus negócios podem sobreviver.
Nenhum cliente informado faria compras lá, mas alguns clientes desinformados o
fariam; e a perspectiva de vender para alguns compradores desinformados poderia

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Análise Econômica do Direito
possibilitar que um negócio oferecendo serviços ou bens relativamente ruins
sobrevivesse.
A literatura da economia comportamental mais recente que se enquadra
nessa categoria é o trabalho de “encobrir” ou encargos ocultos. Um exemplo de
uma taxa “encoberta” é o preço que as empresas de aluguel de carros cobram para
reabastecer os carros devolvidos sem um tanque cheio. Os clientes informados
podem evitar a taxa reabastecendo antes de devolver o carro. Mas os clientes
“desinformados” acabam comprando gasolina muito acima do preço de mercado.
A perspectiva de que alguns clientes paguem as altas taxas de reabastecimento dá
às empresas de locação um incentivo para oferecer tarifas diárias mais baixas do
que poderiam de outra forma. Os clientes informados conseguem um bom acordo
na tarifa diária. Mas aqueles que pagam pelo reabastecimento podem acabar
pagando muito mais do que esperavam.
O insight da “literatura de encobrimento” (shrouding literature) é que a
combinação de clientes informados e concorrência não necessariamente protege
os clientes desinformados. As cobranças ocultas são uma maneira de dar aos
clientes bem informados um bom negócio e aos clientes desinformados um mau
negócio. Thaler e Sunstein ilustram o ponto com contratos de serviços estendidos
para equipamentos eletrônicos, que geralmente são oferecidos em termos pouco
atraentes. Clientes informados recusam a oferta, clientes desinformados não. A
perspectiva de vender contratos de serviços estendidos a clientes desinformados
faz com que os varejistas de eletrônicos ofereçam preços base abaixo do que eles
fariam de outra forma. Os clientes informados conseguem um bom negócio, por
isso, a incapacidade de atrair clientes informados não afasta os varejistas do
negócio. Como Thaler e Sunstein explicam, é difícil ganhar dinheiro explicando
às pessoas que elas não precisam de algo que gostariam de comprar. Questões
semelhantes podem surgir com praticamente qualquer forma de crédito (cartões de
crédito, hipotecas, empréstimos para automóveis), com termos básicos atraentes,
mas altas penalidades para pagamentos em atraso, telefones celulares (com
cobranças por minutos extras sendo encobertas), hotéis (com taxas de
estacionamento, acesso à internet e uso do telefone sendo encobertas), locações de
vídeo (com taxas de atraso sendo ocultadas) e assim por diante.

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Análise Econômica do Direito
3 Contratos de adesão
É curioso ressaltar que os autores Russell Korobkin e Thomas Ulen36
apresentam, dentre outros elementos, aqueles que compreendem como centrais
para o comportamento racional de um consumidor: a) comensurabilidade; b)
transitividade; c) invariância. Contudo, nem todos esses elementos são de fato
realizáveis.
A comensurabilidade diz sobre sua capacidade de comparar todos os bens
e alternativas possíveis. No entanto, é bastante difícil existir de fato uma
circunstância que enseje total conhecimento e cobertura de todo o mercado,
principalmente se se tratar de bens e serviços comuns. Quanto à transitividade,
quer-se dizer que as prioridades devem se manter na mesma classificação em
todos os processos decisórios. A invariância diz sobre a capacidade de o indivíduo
não reordenar suas referências a cada decisão tomada.
A realização destes elementos é impossível sob a ótica da cognição
limitada. Como, então, estruturar relações consumeristas sabendo que há
decorrências da cognição limitada no processo de tomada de decisão dos
consumidores?
A modelagem dos contratos de adesão atende necessariamente a diversas
limitações da cognição limitada dos consumidores. A padronização de contratos,
fenômeno que se vê na economia de mercado, foi aceita pelo legislador pátrio e
disciplinada na legislação infraconstitucional de modo a salvaguardar o
consumidor de abuso de poder econômico. De fato, é um mecanismo que reduz o
custo das transações e possibilita a realização de um maior número de trocas.
Consequentemente, os contratos de adesão podem gerar efeitos positivos em
termos de bem-estar econômico, bem como eles possuem um significado prático
considerável no direito contratual, uma vez que muitas empresas, profissionais e
associações utilizam estes instrumentos legais padronizados ao celebrarem
contratos com seus clientes.
Alguns estudos de Direito e Economia Comportamental apontam na
direção de que o comportamento do consumidor é impulsionado por vários vieses,
que possuem papéis centrais - tanto de forma descritiva quanto normativa na lei

36
KOROBKIN, Russell B; ULEN, Thomas S. Law and behavioral science: removing the
rationality assumption from law and economics. California Law Review, v. 88, n. 4, p. 1051-1144,
jul. 2000.
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Análise Econômica do Direito
dos contratos de adesão e são esses vieses que podem ter um papel importante na
elaboração de contratos de adesão e na regulamentação das relações de consumo.37
São vieses comportamentais que podem influenciar as escolhas de um
consumidor: (i) o efeito do custo irrecuperável – que será melhor avaliado no
próximo tópico, (ii) a teoria da dissonância cognitiva, (iii) o viés de confirmação e
a (iv) técnica da “bola baixa”.
A dissonância cognitiva pode impedir o consumidor de avaliar, de forma
racional, cláusulas contratuais que não são eficientes para ele. Já o viés de
confirmação se trata de uma predisposição dos indivíduos a selecionar
informações que confirmem suas hipóteses ou opiniões previamente
estabelecidas.38 Em geral, os indivíduos selecionam as informações e evidências
de forma incompleta e insuficiente. Igualmente, eles priorizam suas convicções e
questões emocionais, o que certamente afeta a tomada de decisão racional. No
caso dos contratos de adesão, o consumidor tende a confirmar as suas expectativas
relativamente ao produto escolhido e ignora as condições desvantajosas dos
contratos propostos.
Tversky e Kahneman (1981) indicam que a percepção de um problema é
afetada pela sua apresentação. Em outras palavras, ao avaliar um problema, os
indivíduos podem cometer erros de consistência e coerência, especialmente por
causa de sua percepção pessoal das ações e consequências do problema. Sua
avaliação do problema também pode ser afetada por seus princípios, hábitos e
características pessoais.
Um exemplo de seleção adversa em contratos de adesão refere-se à
contração de planos de saúde. É importante ressaltar que, ao contrário da
Alemanha, no Brasil e na maioria dos países da América do Sul ter um plano de
saúde não é obrigatório. As pessoas geralmente têm um melhor conhecimento de
sua condição de saúde do que as empresas que oferecem esses planos. As pessoas
mais velhas são mais propensas a contrair uma doença e, portanto, precisar de
cuidados médicos e hospitalares, levando à demanda por planos de saúde.

37
GIORGI, Maiara; HUPFFER, Haide Maria. Brasil e Alemanha: uma abordagem
comportamental dos contratos de adesão. SCIENTIA IURIS, Londrina, v. 21, n.1, p. 31-54, mar.
2017.
38
De acordo com esse viés, os indivíduos que formam uma opinião parecem procurar dados que
apoiem e confirmem sua já existente opinião, ao invés de informações que possam desafiá-la ou
contradizê-la”. BECHER, Shmuel. Behavioral science and consumer standard form contracts.
Louisiana Law Review, v. 68, n. 1, 2007.
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Análise Econômica do Direito
Prestadores de serviços irão aumentar os seus preços de acordo com a idade do
usuário, porque neste caso eles têm informações assimétricas da condição de
saúde real das pessoas. Isso causa uma seleção adversa ao inibir a entrada de
pessoas saudáveis nos planos. Assim, há uma crescente participação de pessoas
idosas e doentes nos planos de saúde, o que afeta a indústria já que reduz sua
rentabilidade.
O viés de confirmação também pode explicar por que os consumidores que
leem contratos de adesão não estão suscetíveis a avaliar o seu conteúdo de forma
racional. De acordo com o viés de confirmação, as pessoas não buscam apenas
informações que reforçem sua convicção anterior, mas também processam as
informações que encontram de uma forma que melhora seus pontos de vista
existentes.
Bakos, Marotta-Wurgler e Trosse afirmam que muito poucos
consumidores escolhem ler e ficar informados sobre os contratos de adesão.39 Em
outras palavras: os consumidores se deparam com os contratos de adesão e não
avaliam o seu conteúdo de forma racional.
Por fim, vale mencionar que a técnica de bola baixa é uma tática de venda
na qual um agente subestima ou minimiza um preço, que está atrelada à heurística
da ancoragem. Esta técnica pode ser relacionada a contratos de adesão, porque
tem sido amplamente utilizada por empresas que querem que o consumidor
compre serviços de longo prazo, como internet e telefone e, para isso, concedem
um desconto temporário para o pacote de serviços ofertados. Contudo, após
determinada passagem de tempo, aquele desconto é simplesmente retirado.

4 Custos recuperáveis e irrecuperáveis: a ideia de sunk cost


Na seara econômica, designa-se custos irrecuperáveis – custos afundados
ou incorridos (sunk costs, em inglês) – como recursos empregados na construção
de ativos que, uma vez realizados, não podem ser recuperados em qualquer grau
significante. Em outras palavras, o custo de oportunidade desses recursos, uma
vez empregados, é próximo de zero.

39
BAKOS, Yannis; MAROTTA-WURGLER, Florencia; TROSSEN, David R. Does anyone read
the fine print? Consumer attention to standard form contracts. New York University Law and
Economics Working Papers, 1-2014.
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Análise Econômica do Direito
A explicação para os efeitos dos custos irrecuperáveis na tomada de
decisão do agente apresenta os claros traços de irracionalidade, afastando-se da
modelagem neoclássica de homo economicus. Tanto que, conceitualmente, pode-
se dizer que o efeito do custo afundado é um comportamento econômico
irracional40 que se manifesta em uma tendência maior de continuar a empreender
esforços em razão de um investimento em dinheiro, esforço ou tempo tenha sido
feito. Evidências de que a justificativa psicológica para esse comportamento se
baseia no desejo de não parecer esbanjador é apresentada pela literatura
especializada. Em um estudo de campo, os clientes que inicialmente pagaram
mais por uma assinatura de temporada de uma série de teatro participaram de mais
peças durante os 6 meses seguintes, presumivelmente por causa de seu maior
custo irrecuperável nos ingressos da temporada. Vários estudos com questionários
corroboraram essa tendência cognitiva. Verifica-se que aqueles que incorreram
em um custo irrecuperável inflaram sua estimativa da probabilidade de sucesso de
um projeto em comparação com as estimativas do mesmo projeto por aqueles que
não tinham incorrido em um custo irrecuperável.
Indivíduos cometem a falácia do custo irrecuperável quando continuam
um comportamento ou esforço como resultado de recursos previamente investidos
(tempo, dinheiro ou esforço).41 Essa falácia, relacionada ao viés do status quo,
também pode ser vista como um viés resultante de um compromisso contínuo. Por
exemplo, os indivíduos às vezes pedem muita comida e depois comem "só para
obter o valor do dinheiro". Um outro exemplo que pode ser dado é quando um
indivíduo faz esforços homéricos para realizar alguma atividade tendo em conta
seu investimento inicial realizado - uma pessoa pode ter um ingresso de R$ 20,00
para um concerto e depois dirigir por horas sob forte chuva, só porque ela sente
que precisa comparecer por ter feito o investimento inicial. Se os custos superam
os benefícios, os custos extras incorridos (inconveniência, tempo ou até dinheiro)
são mantidos em uma conta mental diferente daquela associada à transação do
bilhete.

40
ARKES, Hal; BLUMER, Catherine. The psuchology of sunk cost. Organizational Behavior and
Human Decision Process, 35, 124-140, 1985.
41
ARKES, Hal; BLUMER, Catherine. The psuchology of sunk cost. Organizational Behavior and
Human Decision Process, 35, 124-140, 1985.
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Análise Econômica do Direito
Os custos incorridos no passado são geralmente custos irrecuperáveis, mas
nem sempre. Por exemplo, se você comprar um suéter para sua filha, poderá
devolvê-lo e receber um reembolso se não couber. Nesse caso, o custo é um custo
recuperável, em vez de um custo irrecuperável. Torna-se um custo irrecuperável
apenas quando o período de retorno expirou.
Os custos futuros podem ser custos irrecuperáveis se forem, para todos os
efeitos práticos, inevitáveis. Se, por exemplo, você assina um contrato exigindo
que você pague US$ 100 por mês durante um ano, e o contrato não pode ser
anulado, esse US$ 1.200 é um custo irrecuperável devido à obrigação legal de
pagar o dinheiro. Embora você possa declarar ou declarar falência, isso
geralmente não é uma opção.
Custos que dependem das decisões que você toma são chamados de custos
evitáveis. Antes de comprar um carro, você tem a opção de evitar o pagamento
mensal do empréstimo. Depois de assinar, esse pagamento se torna um custo
irrecuperável. Custos recorrentes ou fixos, como salários e pagamentos de
empréstimos, são frequentemente considerados custos irrecuperáveis, já que sua
decisão não faz nada para evitar o custo.
O pensamento racional determina que devemos ignorar os custos
irrecuperáveis ao tomar uma decisão. O objetivo de uma decisão é alterar o curso
do futuro. E como os custos irrecuperáveis não podem ser alterados, você deve
evitar levar em conta esses custos ao decidir como proceder. No entanto, os
humanos nem sempre são racionais. Acreditar que os custos irrecuperáveis devem
ser levados em conta quando se toma uma decisão é chamada de falácia do custo
afundado, um erro comum na tomada de decisões. Ignorar os custos
irrecuperáveis tem seus próprios problemas, a saber, o dilema do custo
irrecuperável.
Mas nem sempre os indivíduos se projetam para o campo da
irracionalidade de forma imediata. Há a possibilidade de que, ao invés de ser
propriamente um impulso irracional, haja a percepção cognitiva de avaliação do
investimento. É quando se tem o dilema do custo irrecuperável, um termo
econômico formal que descreve a dificuldade emocional de decidir se deve
prosseguir ou abandonar um projeto quando tempo e dinheiro já foram gastos,
mas os resultados desejados não foram alcançados. O dilema de custo

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Análise Econômica do Direito
irrecuperável, quando tentado ser resolvido, requer uma avaliação sobre se mais
investimento estaria apenas jogando dinheiro bom depois de ruim. O homem
econômico puramente racional consideraria apenas os custos variáveis, mas a
maioria das pessoas irracionalmente considera os custos irrecuperáveis em nossas
decisões. Dilema de custo afundado também é comumente conhecido como a
falácia de Concorde.42
Algumas das curiosidades apontadas por Hal Arkes e Cahterine Blumer é
que o efeito de custo afundado não foi diminuído em indivíduos que tinham
noções teóricas de economia.

SUGESTÃO DE CASOS GERADORES


CASO 1
Como presidente de uma companhia aérea, você investiu 10 milhões de
dólares do dinheiro da empresa em um projeto de pesquisa. O objetivo era
construir um avião que não fosse detectado pelo radar convencional. Quando o
projeto está 90% concluído, outra empresa começa a comercializar um avião que
não pode ser detectado pelo radar. Além disso, é evidente que seu avião é muito
mais rápido e muito mais econômico do que o avião que sua empresa está
construindo. A questão é: você deveria investir os últimos 10% dos fundos de
pesquisa para terminar seu avião e seu radar específico?

CASO 2
Suponha que você gastou R$ 500,00 em uma passagem aérea para uma
viagem de fim de semana para Natal. Várias semanas depois, você compra uma
passagem aérea por R$ 200,00 para uma viagem de fim de semana em Porto de
Galinhas. Você acha que vai aproveitar a viagem de Porto de Galinhas mais do
que a viagem de Natal. Quando você está colocando a sua passagem recém-
comprada de Porto de Galinhas na sua agenda, percebe que ambas são para o
mesmo fim de semana! É tarde demais para vender qualquer uma delas e você não

42
Dá-se esse nome em razão dos incessantes financiamentos feitos para a produção do jato de
transporte supersônico criado em conjunto pelos governos da França e da Grã-Bretanha. A
despeito do fato de que o Concorde era bonito e tão seguro como qualquer meio de transporte a
jato, sua fabricação era muito cara e sofreu com sérios problemas de marketing. Não houve muitos
pedidos de compra para o avião. Embora fosse visível que não haveria como essa máquina dar
lucro a ninguém, a França e a Inglaterra continuaram investindo cada vez mais e mais, para a
tristeza dos contribuintes dos dois países.
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Análise Econômica do Direito
pode devolver nenhum dos dois. Você deve usar uma e não a outra. Qual viagem
você decide realizar?

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bounded rationality: psychology for behavioral
economics. American Economic Review, 2003.
_________. Thinking, fast and slow. New York: Farrar Straus Giroux, 2013.
_________. FREDERICK, Shane. A Model of Heuristic Judgment. The
Cambridge Handbook of Thinking and Reasoning. Cambridge University
Press, 2005, p. 269-270.
_________. TVERSKY, Amos. Choices, values, and frames. American
Psychologist, Vol 39(4), 1984, 341-350.
_________. Simpler: The future of government. New York: Simon & Schuster,
2013.
SUNSTEIN, Cass. The Storrs Lectures: Behavioral Economics and Paternalism.
Yale Law Journal, n. 122, 2013.

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