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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I

DIN0211 – Direito Internacional Público I


Prof. Wagner Menezes
Monitores: Henrique e Ernesto
2º Semestre de 2014 – Turma 186
Anotações: Isac Costa, Natalie Nascimento e Alessandra Oliveira, com contribuições de Luciano Reis,
Mariana Leiva, Duda Scott e Larissa de Lucca
Versão: 1.0 (23/11/2014)

PENSE ANTES DE IMPRIMIR. Hoje temos tablets e outros meios para evitar que se imprimam textos
desnecessariamente.

ATENÇÃO para os pontos de Responsabilidade Internacional e Solução de Controvérsias (os dois


últimos tópicos), que foram expostos apenas na aula de revisão de 14/11 e, segundo o aviso do
monitor, podem ser cobrados na prova.

Sumário
1. Introdução................................................................................................................................................ 4
1.1. O Conceito de Direito Internacional ................................................................................................. 4
1.2. A Sociedade Internacional ............................................................................................................... 5
2. Evolução Histórica e Fundamento do Direito Internacional ..................................................................... 6
2.1. Marco Histórico do Surgimento do Direito Internacional .................................................................. 6
2.2. Fundamento do Direito Internacional ............................................................................................... 7
Fichamento 1: Importância e Fundamento do Direito Internacional ............................................................... 9
A Importância do Estudo do Direito Internacional ....................................................................................... 9
A Existência do Direito Internacional como Disciplina e seu Fundamento ................................................. 9
O valor jurídico do direito internacional ................................................................................................... 9
Fundamento .......................................................................................................................................... 10
Conclusão.............................................................................................................................................. 12
3. Sujeitos do Direito Internacional ............................................................................................................ 13
3.1. Subjetividade no Direito Internacional ............................................................................................ 13
3.2. Organizações Internacionais .......................................................................................................... 13
3.3. Estados .......................................................................................................................................... 14
3.4. Tipicidade dos sujeitos de direito internacional .............................................................................. 15
Quadro Complementar: Organizações Internacionais .......................................................................... 16
3.5. A Organização das Nações Unidas (ONU) .................................................................................... 17
3.5.1. Membros da ONU ................................................................................................................... 19
3.5.2. Assembleia Geral .................................................................................................................... 19
3.5.3. Conselho de Segurança .......................................................................................................... 20
3.5.4. Secretariado ............................................................................................................................ 21
3.5.5. Conselho Econômico e Social ................................................................................................ 22
3.5.6. Corte Internacional de Justiça................................................................................................. 22
4. Princípios do Direito Internacional ......................................................................................................... 24
4.1. Igualdade de Direitos entre os Estados ......................................................................................... 24
4.2. Autodeterminação dos Povos ........................................................................................................ 25
4.3. Não Intervenção ............................................................................................................................. 25
4.4. Não Indiferença .............................................................................................................................. 25
4.5. Cooperação .................................................................................................................................... 26
4.6. Respeito aos Direitos Humanos ..................................................................................................... 26
4.7. Princípio da boa-fé ......................................................................................................................... 27
4.8. Solução Pacifica de Controvérsias................................................................................................. 27
4.9. Princípios que Regem o Brasil nas suas Relações Internacionais ................................................ 28
4.10. Asilo ............................................................................................................................................ 28
Asilo Político .......................................................................................................................................... 28
Asilo Diplomático ................................................................................................................................... 28
Caso Haya de la Torre .......................................................................................................................... 29
4.11. Caso de Kosovo ......................................................................................................................... 29
Prova Parcial ................................................................................................................................................ 32
Prova Turmas 21-22 ................................................................................................................................. 32
Prova Turmas 23-24 ................................................................................................................................. 32
5. Fontes do Direito Internacional.............................................................................................................. 34
5.1. Tratados ......................................................................................................................................... 34
5.2. Costumes ....................................................................................................................................... 34
5.3. Princípios Gerais de Direito ............................................................................................................ 35
5.4. Fontes Auxiliares ............................................................................................................................ 35
6. Direito dos Tratados .............................................................................................................................. 37
6.1. O Preâmbulo da Convenção de Viena ........................................................................................... 37
6.2. Conceitos Importantes ................................................................................................................... 38
6.2.1. Tratado .................................................................................................................................... 38
6.2.2. Ratificação, aceitação, aprovação e adesão .......................................................................... 38
6.2.3. Depósito .................................................................................................................................. 38
6.2.4. Plenos Poderes ....................................................................................................................... 39
6.2.5. Reserva ................................................................................................................................... 39
6.2.6. Denúncia ................................................................................................................................. 40
Quadro complementar: exemplo de denúncia pelo Presidente ............................................................. 40
6.3. Estrutura dos Tratados ................................................................................................................... 41
6.4. Fases da Elaboração de um Tratado ............................................................................................. 41
6.5. Interpretação de Tratados .............................................................................................................. 43
6.6. Tratados e Terceiros Estados ........................................................................................................ 44
6.7. Emenda e Modificação de Tratados............................................................................................... 44
6.8. Nulidade de Tratados ..................................................................................................................... 45
7. Os Tratados e o Direito Interno ............................................................................................................. 47
7.1. Teoria Dualista e Teoria Monista ................................................................................................... 47
7.2. Recepção de Tratados pelo Brasil ................................................................................................. 48
Quadro Complementar: ADI-MC 1.480-DF ........................................................................................... 49
2
7.3. Posição dos Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro ........................................................... 49
7.4. Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) ...................................................... 50
7.5. Conflitos entre Tratados ................................................................................................................. 50
7.6. STF RE 466.343-1/SP (Leitura Opcional) ...................................................................................... 51
Dispositivos Legais ................................................................................................................................ 51
Controvérsia e voto do Relator Min. CEZAR PELUSO ............................................................................. 51
Voto do Min. GILMAR MENDES ................................................................................................................ 52
Voto do Min. CARLOS BRITTO ................................................................................................................. 53
Voto do Min. CELSO DE MELLO ............................................................................................................... 53
Posição hierárquica ............................................................................................................................... 54
8. Responsabilidade Internacional ............................................................................................................ 56
9. Solução de Controvérsias ..................................................................................................................... 57
9.1. Mecanismos Diplomáticos .............................................................................................................. 57
9.2. Mecanismos Políticos ..................................................................................................................... 57
9.3. Mecanismos Jurídicos .................................................................................................................... 57
9.4. Mecanismos não pacíficos (coercitivos) ......................................................................................... 58

3
1. Introdução1
Modernamente, é fundamental a compreensão dos mecanismos de produção e aplicação do direito
internacional e o seu diálogo com os demais ramos do direito. Adicionalmente, no estudo do direito
internacional, há um núcleo teórico comum que é estudado e ensinado em todo o mundo: quando
estudamos o direito penal, na verdade estamos investigando o direito penal brasileiro. Idem para o direito
civil. Mas este não é o caso do direito internacional: seu estudo é semelhante em todas as partes do
mundo.
Nossa perspectiva sobre a disciplina é jurídico-normativa. Poderíamos até mesmo fazer uma
contextualização econômica ou política, mas nossa interpretação será voltada para aplicação e
reconhecimento de normas internacionais, como estas são produzidas e como são aplicadas.
Analisaremos quando tais regras são cumpridas, quando não são cumpridas e qual a lógica jurídica de seu
(des)cumprimento.
Existem diversas maneiras de se interpretar os acontecimentos no plano internacional. Uma lógica que
tentaremos implementar ao longo de nosso curso, é uma lógica jurídica, baseada em regras, em um
sistema jurídico e baseado na teoria das relações internacionais, campo científico que tem crescido
significativamente e que se ocupa de tudo o que ocorre na sociedade internacional. Este campo, contudo,
se distancia do direito internacional porque não trabalha apenas com a condicionante da norma, do dever-
ser, mas também com uma condicionante de poder (político, militar, econômico).
Este poder é exatamente o que direito internacional procura combater: é preciso que o exercício do poder
tenha freios. Não podemos perder o referencial normativo e hermenêutico. Numa visão contemporânea, a
guerra é a negação do direito. Interpretar a guerra segundo o direito é um erro epistemológico – a guerra
é justamente um espaço onde o direito deixou de existir, já tendo sido vilipendiado, prevalecendo a lógica
da barbárie, do não direito. Por isso, não há que se falar em "direito de guerra". No limite, poderíamos falar
de um direito humanitário como um conjunto de regras que existem para resguardar as vítimas de conflitos
armados, regras que visam regular a ajuda humanitária.
Em nosso curso, analisaremos os acontecimentos do plano internacional sob o ponto de vista normativo,
de cumprimento ou violação de normas. Estudaremos o direito dos tratados, que influencia o nosso direito
interno, as regras que são pactuadas pelos Estados, como são produzidas e qual o limite para que sejam
invocadas.
O descumprimento das regras no plano internacional não é problema do direito internacional. Não é
porque há direito penal, que deixa de existir crime. Não é porque há direito civil, que não são praticados
atos ilícitos. A ideia do dever-ser é a compreensão de que não somos perfeitos e de que precisamos de
normas para nos proteger, para nos afastar da barbárie.
A quem interessa o discurso de poder e de hegemonia? A quem interessa uma margem de
discricionariedade na qual a norma não se aplica? A quem tem poder, a Estados que pretendem ser
hegemônicos. O discurso do direito é um instrumento de afirmação de soberania no plano internacional,
não como imposição de soberania, mas como um espaço de resguardo de garantias. Em um sistema
multilateral de produção de regras, estas não resolvem o problema, mas ajudam a estancar situações
problemáticas. Deve haver, ao menos, a oportunidade de invocar uma regra.
A maior crítica que se faz ao direito internacional é a sua falta de coercitividade. No entanto, o direito
internacional público tem uma lógica diversa da lógica do direito interno: é superior porque o seu
cumprimento, aplicação e observação dependem da autocompreensão humana. Uma vez
estabelecido o marco de civilidade que é viver em paz – um respeita o direito do outro e todos cooperem
para o progresso da humanidade -, nos afastamos da barbárie e o direito representa uma conquista
civilizacional, um marco de construção dessa ordem, dessa sociedade. A norma, desse modo, vai
moldando a sociedade de forma pedagógica.
Existe uma distância enorme de perspectivas entre o direito internacional de hoje e o de um século atrás,
graças ao processo civilizatório, à marcha humana em busca de um marco de civilidade.

1.1. O Conceito de Direito Internacional


Qual o conceito de direito internacional?
O direito internacional público é o conjunto de normas que regulam as relações estabelecidas entre
Estados no plano internacional. O direito internacional privado regula as relações entre particulares no

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Aula de 4/8/2014.
plano internacional: aplica-se o direito nacional de um dos países nos quais um dos envolvidos é
domiciliado.
Uma visão superada é a de que o direito internacional público é internacional mas não é direito (lhe falta
coercitividade) e o direito internacional privado é direito mas não é internacional.
A doutrina contemporânea, principalmente da Academia de Haia, entende que os limites entre o direito
internacional público e privado não estão mais tão bem definidos. A partir da jurisdicionalização (tribunais
internacionais) do direito internacional e da criação e proliferação de normas internacionais, tem sido
superada a carência de mecanismos de coercitividade normativa. Por outro lado, as relações de caráter
privado – direito do consumidor, direito do meio ambiente, etc. – têm sido crescentemente determinadas
por convenções internacionais e tratados.

1.2. A Sociedade Internacional


A relação que os indivíduos guardam com o Estado é um desdobramento da soberania interna – o poder
que o Estado tem de ditar regras e pacificar conflitos entre seus jurisdicionados. A soberania externa é
uma condição de aparência que o Estado tem, sua autonomia, ideia de que ele não se submete a nada,
salvo caso em que ele é processado pelo poder judiciário de outro Estado.
Nesse contexto, conseguimos visualizar a sociedade internacional. A sociedade internacional é formada
por um conjunto de quase 200 Estados. Cada Estado evoluiu pelo amadurecimento e consolidação dos
valores e regras da sociedade a ele circunscrita. Essas unidades autônomas convivem em relações e
compõe uma "comunidade de povos", uma sociedade internacional.
Este é o ambiente onde são produzidas e aplicadas as regras de direito internacional. Onde existe
sociedade existe direito; não seria diferente no contexto internacional. O direito interno dos Estados possui
uma lógica muito distinta. Estamos submetidos e acostumados a uma estrutura hierarquizada de normas,
postas de "cima para baixo". No direito internacional, porém, as relações entre os Estados se dão no plano
horizontal. Trata-se de um conjunto de regras que são produzidas a partir da aceitação livre dos Estados
a se submeter a tais regras.
Nesse âmbito, não existe um direito imposto, um sistema hierarquizado jurídico-normativamente. São
relações jurídicas normativas que tem sua autoridade maior no consentimento no Estado. Uma norma
será válida e aplicada se o Estado assim consentir, isto é, se o Estado manifestar sua vontade inequívoca
de se submeter a esta regra.
Questões para reflexão: Qual a dimensão do conceito soberania externa? Pode-se falar em uma
relativização deste conceito na contemporaneidade? Pode-se contrapor a ideia de soberania externa à
ideia de proteção de um conjunto de valores superiores (de uma sociedade internacional, que seriam
superiores aos valores internos de cada Estado)? Seria o Estado o centro das discussões de direito
internacional, sendo o início, o meio e o fim para a produção e aplicação de regras? Onde o direito
internacional encontra legitimidade para se impor?

5
2. Evolução Histórica e Fundamento do Direito
Internacional2
Hoje faremos uma análise histórica do direito internacional, relevante para o entendimento acerca da
dimensão de sua aplicabilidade. O conceito de direito internacional está diretamente relacionado a fatores
históricos que moldaram o surgimento e a aplicação destas regras entre nós.
A sedimentação da ideia de direito internacional guarda relação com um processo civilizatório: com a
evolução da sociedade humana, tornam-se necessárias regras para resguardar direitos, estabelecendo
deveres no respeito destes direitos, visando viabilizar o progresso da humanidade. Temos aqui a transição
entre a barbárie que procuramos deixar para trás e nosso marco de civilidade, a perfeição que almejamos.
O Estado, a lei, a norma são ficções criadas por nós para atender a estes objetivos. Com a elaboração de
normas jurídicas, numa perspectiva antropológica das relações entre os povos, “enjaulamos” valores
deixados para trás na história.
Onde encontramos a referência normativa do direito internacional? Por que o Estado brasileiro se
sujeita a estas regras de direito internacional? Nosso ponto de referência é a autoridade estatal, a ideia de
soberania sobre a qual está consolidado o direito interno. O direito é expressão de soberania do Estado e
a jurisdição é o poder que ele tem para solucionar conflitos de ordem interna.
Na sistematização de certo ordenamento jurídico, estudamos um direito que tem como referência o
Estado. A jurisdição é poder dinâmico do Estado de ditar regras, de pacificar conflitos, de estabelecer
normas que regulamentem as nossas relações.
No plano internacional, onde vamos buscar a autoridade normativa de uma regra de direito internacional,
numa relação de horizontalidade entre os Estados tomados individualmente? A construção desta dinâmica
se deu num processo histórico.
Existem regras superiores às regras ditadas pelo Estado? No que se fundamentam? Precisamos buscar
um discurso lógico e sistêmico com conceitos, fontes e princípios do direito internacional, numa
perspectiva normativa.

2.1. Marco Histórico do Surgimento do Direito Internacional


Como surgiu o direito internacional? Pode-se falar em direito internacional num período histórico anterior
ao Estado moderno?
Podemos dizer que há referências históricas remotíssimas no Tratado de Kadesh (ou Tratado Egípcio-
Hitita, cerca de1259 a.C.), no Tratado de paz Egípcio-Hitita, nas Anfictionias da Grécia Antiga3, no Tratado
de Tordesilhas... mas haveria já nesses momentos históricos um direito internacional? O que dizer do ius
gentium dos romanos4?
No limite, podemos pensar que estes marcos representaram manifestações de acordos entre civilizações,
não havia ainda o Estado soberano. Em 1648, temos o marco histórico da teoria das relações
internacionais, com a Paz de Westfália. Reconheceu-se a autonomia dos reinos, dos Estados que se
amoldaram a partir dali.
Outros marcos históricos envolvem:
 Congresso de Viena (1815);
 Paz de Haia (1889 e 1907) – reconhecimento de uma sociedade internacional além da Europa;
 Tratado de Versalhes (1919) – criação da Sociedade das Nações (Liga das Nações) e da Corte
Permanente de Justiça Internacional;

2
Aula de 11/8/2014.
3
A Anfictionia (do grego αμφικτιονία, por sua vez com origem em αμφί (ambos) + κτίζω (construir), pelo que
etimologicamente significa fundação conjunta) era uma liga religiosa que agrupava doze povos (não cidades), quase
todos da Grécia central, nos tempos do Período Arcaico antes do surgimento da Pólis, e períodos seguintes da
Grécia Antiga. Ao longo da história houve várias anfictionias. As mais importantes foram: a de Argos, junto do templo
de Hera; a das Termópilas, junto do templo de Déméter; e a de Delfos, junto do templo de Apolo.
4
O professor não gosta do conceito de "novo ius gentium" para se referir ao direito internacional, porque em seu
entendimento o ius gentium romano era um direito de exclusão e submissão, exercido sempre em relação a um povo
conquistado, portanto não seria uma referência adequada para tratar das relações atuais de direito internacional.
 Durbaton Oaks (1944);
 Carta de São Francisco (1945) – criação da Organização das Nações Unidas (ONU).
O termo direito internacional foi referido pela primeira vez de forma despretensiosa em uma obra de
JEREMY BENTHAM. Por agradar aos teóricos, foi adotado amplamente.

2.2. Fundamento do Direito Internacional


O início do direito internacional teve relação com a Igreja Católica. Parte da doutrina atribui a dois padres
de Salamanca a paternidade do direito internacional.
FRANCISCO DE VITÓRIA e FRANCISCO SUÁREZ não teriam a paternidade do direito internacional porque
formularam sua teoria em um contexto no qual ainda não existiam os Estados, tendo indicado a autoridade
divina como referência dessas normas. Já a HUGO GRÓCIO se atribui a paternidade do direito internacional
porque sua concepção é mais universalista, formulada já em um contexto de consolidação dos Estados
cujo marco fora a Paz de Westfália.
Para FRANCISCO DE VITÓRIA e FRANCISCO SUÁREZ, existia uma relação universal que submetia todos a uma
mesma regra, cuja referência era a divindade, numa perspectiva teocêntrica. Foram os primeiros
pensadores de um conjunto sistematizado de regras que poderia submeter toda a sociedade humana,
sendo fortemente influenciados por TOMÁS DE AQUINO. Essa teoria também ajuda a compreender a ideia
de guerra justa, o contexto teórico das Cruzadas etc.
FRANCISCO DE VITÓRIA, em especial, escreveu sobre a relação da coroa espanhola com os povos
indígenas, reconhecendo a individualidade de direitos destes povos. Considerava que os índios também
eram filhos de Deus e estariam igualmente submetidos ao poder do papa.
HUGO GRÓCIO é considerado o verdadeiro pai do direito internacional por aqueles que desconsideram
como tais os pensadores da escola de Salamanca. Foi um doutrinador holandês vinculado a reinos
protestantes. Formulou sua teoria em um contexto em que era necessário justificar uma ordem que não
tivesse como referência o poder do papa (Paz de Westfália).
HUGO GRÓCIO trabalha com um direito superior que não era centralizado no poder papal, ainda que
também tivesse caráter teocêntrico e concepção naturalista. Defende a ideia de que a vontade soberana
do Estado seria a autoridade de referência desse direito. Assim, existiria um conjunto de valores
superiores decorrentes da vontade divina (pela perspectiva protestante), mas existiria também um espaço
dado à autoridade do Estado para determinar a aplicação dessas regras.
Esta discussão é aprofundada no fichamento A Existência do Direito Internacional como Disciplina e seu
Fundamento, apresentado na próxima seção.
A partir da libertação da Igreja Católica como referência de poder, temos o desenvolvimento de novas
ideias. A referência passa a ser a autoridade do soberano, teorizada por BODIN, MAQUIAVEL e HOBBES.
Ocorre a consolidação do conceito de soberania e o rei soberano como referência de poder. Pensou-se,
convenientemente às necessidades da época, que o Estado não se sujeitaria a nada. BRIERLY afirma que
há referência na obra de BODIN a um direito que pudesse submeter todos os soberanos.
A perspectiva de direito natural foi ultrapassada posteriormente, com o desenvolvimento do método
científico. Entre 1648 e 1945 se consolidou o direito internacional clássico, atrelado à figura do Estado e a
uma percepção de um discurso de hegemonia que permeava a interpretação e aplicação das regras do
direito internacional e sua inserção na estrutura normativa do próprio direito.
BYNKERSHOEK afasta a análise pautada no direito natural, destacando a necessidade de que o direito entre
soberanos só pode ser aplicado se for formalizado. VATTEL, posteriormente, afirma que o Estado é livre
para celebrar acordos e se submeter a regras que sejam de seu interesse. Essa referência normativa com
base na vontade é a essência das teorias voluntaristas. O Estado se autolimitaria, por sua vontade, para
se submeter às regras do direito internacional. JELLINEK e IHERING estabeleceram esta teoria da
autolimitação do Estado.
Também surgiram teorias baseadas no pacta sunt servanda e na formação de uma vontade coletiva
(ANZILOTTI e TRIEPEL) para justificar a autoridade normativa do direito internacional.
Estas concepções vem informando há muito a elaboração e a aplicação das regras de direito internacional.
KELSEN, numa perspectiva positivista (normativista), encontra a referência do direito internacional
justamente na centralidade da norma. Sua autoridade é derivada da norma hipotética fundamental.

7
Depois de 1945, tivemos a Escola Sociológica Francesa (SCELLE e DUGIT), fundada na ideia da prórpia
existência de sociedade internacional de Estados como referência normativa. Contemporaneamente,
surgem outros autores, como, por exemplo, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, membro do Tribunal
Internacional de Justiça, que trouxe o conceito do "novo ius gentium", pelo qual a referência do direito
internacional estaria na imperatividade de uma norma internacional geral e nos direitos humanos. John
Rawls, por seu turno, fala em um "direito dos povos".
Desse modo, a forma de se pensar o fundamento do direito internacional é derivada da percepção do que
ocorre, em um dado momento histórico, na sociedade internacional.
Os conceitos de direito internacional refletem a compreensão de seu fundamento por parte de quem o
formula. Um conceito é o de que o direito internacional é o conjunto de normas que regula as relações
entre Estados e organizações internacionais e que repousa sobre seu consentimento (FRANCISCO REZEK).
Ainda, outro conceito aponta o direito internacional como o conjunto de regras que regula as relações da
sociedade internacional (ALLAIN PELLET). Por trás de cada conceito, há uma formulação teórica elaborada.
Numa discussão sobre a prevalência de uma norma constitucional ou de aplicação de um tratado sobre
direitos humanos, precisamos definir qual é o fundamento em que acreditamos. Se acreditarmos que o
Estado prevalece sobre um direito natural, universal e imutável, temos que fundamentar adequadamente,
com base nas escolas de pensamento sobre o direito internacional.

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Fichamento 1: Importância e Fundamento do Direito
Internacional
A Importância do Estudo do Direito Internacional5
O direito internacional tem galgado espaço importante nos debates acadêmicos, doutrinários e normativos,
de tal sorte que sua influência nos demais ramos do direito tem motivado uma releitura da própria ciência
jurídica. Os Estados, não mais vistos como ilhas isoladas, mas numa perspectiva de cooperação e
solidariedade, passam a ter sua Constituição analisada sob um prisma transconstitucional.
O Tribunal Penal Internacional e a cooperação para o combate aos crimes transnacionais são fatores que
levaram o direito penal a alcançar uma dimensão universal. O direito empresarial, cosmopolita desde a
sua gênese, também traz à tona temas de relevância internacional. Ainda, os direitos humanos e o direito
ambiental têm como sua principal fonte o direito internacional.
A internacionalização decorre de uma nova realidade global, que demanda uma sistematização
normativa no plano internacional. Com o fim da Segunda Guerra, tivemos a criação da ONU, a
proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a internacionalização da ordem econômica.
Tais elementos repercutiram na esfera jurídica de cada Estado e nas suas relações com os demais,
delineando novos paradigmas jurídicos para compreender a sociedade internacional contemporânea.
No Brasil, o estudo do direito internacional vinha sendo relegado a segundo plano nos estudos
acadêmicos, na jurisprudência e na sua aplicação. Questão controversa envolve o reconhecimento dos
tratados e convenções internacionais na ordem jurídica interna. Nos tribunais, o direito internacional é
aplicado de forma discricionária, residual e com doses de criatividade inventiva. Na realidade global, a
relevância atribuída à disciplina é diversa.
Apenas com uma maior valorização do direito internacional, será possível a compreensão de seus
fundamentos e sua relação com os outros ramos do Direito. Já há demanda por profissionais capazes
de enfrentar problemas complexos como arbitragem internacional, contratos internacionais, ativismo
internacional dos direitos humanos, integração regional, meio ambiente, questões de propriedade
intelectual e de direito da concorrência envolvendo múltiplos países, entre outros exemplos.
É imprescindível repensar o caráter universal do direito e a percepção da importância do direito
internacional para redimensionar esta universalidade e para compreender o sistema jurídico em sua
totalidade.

A Existência do Direito Internacional como Disciplina e seu


Fundamento6
O valor jurídico do direito internacional
Muitos autores negam a existência ou, pelo menos, o valor jurídico do direito internacional. Um dos
argumentos nesse sentido consiste na alegação de que não há uma autoridade supranacional capaz de
impor normas que vinculem os Estados. No entanto, a inexistência deste legislador não implica na
inexistência de um direito: direito e lei não são equivalentes (WALZ). No plano interno, a gênese do direito
se deu, historicamente, por meio dos costumes. Adicionalmente, a jurisprudência tem reconhecido e
aplicado regras produzidas no plano das relações internacionais.
Por outro lado, nega-se, também, a existência de uma comunidade internacional. Contudo, os Estados
relacionam-se com frequência e não podem prescindir de normas capazes de reger estas relações.
A eficácia jurídica do direito internacional também é refutada pela ausência de sanções. Nesse sentido,
suas regras seriam “regras de cortesia”. Faltar-lhe-ia uma jurisdição coercitiva. Entretanto, observamos
que, historicamente, os tribunais não nasceram com as primeiras manifestações da vida jurídica. A justiça
internacional, inicialmente meramente arbitral e, posteriormente, englobando cortes de justiça

5
MENEZES, Wagner. A importância no estudo do direito internacional. In: Revista Consulex, ano XV, n. 357, dez.
2011, p. 27-28.
6
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público, v. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 32-62.
permanentes, tem proferido decisões cuja força coercitiva tem tido como base a boa-fé ou a boa vontade
das partes. A ONU, contudo, já lhes fornece certa força obrigatória.
Seria a coação um elemento essencial do direito? DEL VECCHIO ensina que o direito é essencialmente
coercível e que o caráter da coercibilldade distingue as normas jurídicas de toda outra espécie de normas.
Para o autor, o direito internacional não se encontra ainda numa fase de formação positivamente
completa. Entretanto, não é totalmente desprovido de sanções. Há aquelas que residem na força da
opinião pública e outras que consistem em atos concretos, como a ruptura de relações entre Estados, o
uso da retorsão ou de outras represálias, até mesmo o emprego da força armada em ação coletiva. Para
KELSEN, as sanções do direito internacional seriam as represálias e a guerra. Assim, possuiria todos os
elementos essenciais de uma ordem jurídica.

Fundamento
Um dado ontológico relevante para esta discussão é o fato de que o direito internacional é, em geral,
obedecido e os Estados procuram sempre mostrar ou afirmar que o respeitam.
A partir do fundamento do direito internacional, pode-se deduzir a força ou o valor obrigatório de suas
normas. Os precursores do direito das gentes moderno foram dois grandes teólogos espanhóis:
FRANCISCO DE VITÓRIA e FRANCISCO SUAREZ.
VITÓRIA propôs a ideia de um direito realmente universal, englobando toda a humanidade, distinguindo um
direito internacional natural de um direito internacional positivo. Sua também é a ideia de bem comum. A
lei humana seria desumana e desprovida de razão, não teria força de lei, se, sem motivo razoável,
impedisse seus destinatários de seguir o direito natural e divino.
SUAREZ precisou melhor a ideia universal da comunidade internacional, englobando Estados separados,
mas interdependentes (membros do conjunto que é o gênero humano), demandando a existência de uma
lei internacional, para reger suas relações. Enquanto o direito natural está inscrito no “coração dos
homens”, o direito das gentes foi introduzido pela vontade de toda a humanidade ou de uma maioria
(concepção voluntarista ou mesmo contratual). Sua fonte, assim, não é apenas a razão natural, mas
também os costumes dos povos ou nações, estabelecidos por meio daquela.
As ideias de SUAREZ influenciaram HUGO GRÓCIO, para quem o direito natural não se funda na vontade
divina, tendo valor próprio, seus princípios são claros e evidentes por si mesmos. Junto ao direito
natural, considerava existir um direito voluntário, dividido em direito divino e direito humano, este
subdividido em direito civil e em direito das gentes voluntário, resultante do consentimento expresso ou
tácito dos povos.
PUFENDORF atribuía ao direito internacional uma base única, o direito natural, com o qual se confunde, o
único apto a vincular os Estados, que não reconhecem uma vontade superior e, por isso, não poderia
haver um direito internacional positivo. Esta ideia não teve muitos adeptos.
A escola do direito positivo, de BYNKERSHOEK, MOSER e MARTENS, sustentava que o objeto principal da
ciência do direito das gentes deveria ser o direito positivo: a preocupação deveria ser exclusiva com os
precedentes da prática internacional. MARTENS defendia a existência de uma lei natural ditada pela
razão, porém capaz apenas de produzir obrigações imperfeitas, por não serem passíveis de sanção pela
força.
HEGEL e seus seguidores sustentaram que o direito internacional se funda na vontade dos Estados. O
Estado, ao celebrar tratados, vincula-se até o ponto em que sua vontade assim o decide. O positivismo
encontrou grande dificuldade para resolver o problema da fundamentação do direito internacional. Como
conciliar o princípio da soberania absoluta dos Estados com os preceitos do direito internacional?
Teorias voluntaristas
Pela teoria da autolimitação ou da auto-obrigação do Estado, entidade soberana e que não pode se
subordinar a nenhuma autoridade superior, este obriga-se a si próprio, porque tal é a sua vontade. O
direito das gentes só é obrigatório porque o Estado é capaz de limitar a si mesmo. Esta doutrina foi
formulada por PÜTTER e desenvolvida por JELLINEK. A noção de a obrigatoriedade de uma regra depender
de uma vontade livre é contraditória, pois esta vontade pode desejar não mais se submeter àquela regra.
Outra doutrina de base voluntarista e hegeliana é a teoria da primazia do direito nacional (ZORN,
WENZEL e LASSON). O fundamento não é mais a vontade do Estado, mas o direito interno. A lei interna é a
base da lei externa e direito das gentes emana do Estado.

10
A crítica a estas teorias é a de que um direito que só é obrigatório quando o destinatário voluntariamente o
decide, não é direito (AGUILAR NAVARRO).
Concomitantemente, surgiu na França a teoria dos direitos fundamentais dos Estados, direitos
absolutos e inalienáveis que pertencem ao Estado pelo mero fato de sua existência. Esta teoria derivou do
princípio da soberania absoluta do Estado e da concepção individualista de sua época (final do século
XVIII e todo o século XIX).
TRIEPEL propôs uma teoria também voluntarista, mas com base mais ampla, fundada na vontade coletiva
dos Estados (Vereinbarung), uma fusão de vontades diferentes com o mesmo conteúdo. A vontade
isolada de cada Estado contribuiria para a formação da vontade coletiva.
O voluntarismo positivista não conseguiu dar uma resposta ao problema da obrigatoriedade do direito
internacional. Sem o reconhecimento da existência de uma regra superior à vontade dos Estados, não se
pode conceber uma vontade comum que os obrigue uns em relação aos outros. Impôs-se a necessidade
de buscar uma solução para o problema em um princípio transcendente e objetivo.
KELSEN, VERDROSS e ANZILOTTI viam como regra fundamental suprema o pacta sunt servanda, que impõe
aos Estados o respeito pela palavra dada. Tem-se aqui a primazia do direito externo. A soberania dos
Estados estaria sujeita às regras da humanidade e da justiça. Contudo, não foi explicado se tal era
também o caso da aplicação do direito consuetudinário. SPIROPOULOS apontou um defeito nesta teoria:
seria preciso encontrar uma norma mais alta que conferisse obrigatoriedade à regra do pacta sunt
servanda.
A superação das teorias voluntaristas
LÉON DUGUIT também se insurgiu contra o positivismo voluntarista, sendo responsável pela criação da
teoria da solidariedade ou do positivismo sociológico. O direito teria como base a solidariedade e a
interdependência entre os homens, é uma expressão dos fatos sociais, que se impõe aos homens como
regra moral e jurídica. O caráter jurídico decorre do reconhecimento, pelo membros do grupo, da
necessidade de observância das normas para o bom funcionamento do grupo – a regra necessita de uma
sanção positiva.
DUGUIT reconheceu, posteriormente, a insuficiência da solidariedade como fundamento, agregando-lhe o
sentimento de justiça, concepção subjetiva e, por isso, facilmente arbitrária. No limite, o fundamento
seria a razão humana e, por isso, não serviria de base suficiente e razoável para o direito internacional.
SCELLE, influenciado por DUGUIT, propôs a teoria biológica, pois considerava o direito como um fenômeno
biológico: as forças sociais e coletivas coercitivas são de ordem biológica e são responsáveis pela
conservação do equilíbrio social. A fonte profunda ou material da ordem jurídica é a conjunção da ética e
do poder (força social e coletiva progressivamente organizada). O fundamento é uma necessidade
social e, depois, uma utilidade social.
Para SCELLE, o direito internacional tem por origem as relações internacionais, consequência do fato
social. A justiça é uma projeção ou generalização de uma concepção de utilidade individual. É uma noção
subjetiva e, por isso, arbitrária.
SPIROPOULOS desenvolveu a teoria da opinião dominante, um princípio objetivo, porém vago. Dentre
todas as estruturas jurídicas igualmente admissíveis, haveria uma, privilegiada, que seria acolhida pela
opinião dominante, um fator externo, arbitrário e variável.
A Escola de Viena, fundada por HANS KELSEN, a quem estavam ligados KUNZ e VERDROSS, criaram um
neopositivismo (ou normativismo), rechaçando o jusnaturalismo, a partir da ideia de que cada norma
extrai sua validade de outra que a precede, em uma hierarquia de nível superior. No fim deste
encadeamento, no topo da pirâmide normativa, temos a norma fundamental (Grundnorm), uma hipótese
do pensamento jurídico.
No âmbito do direito internacional, esta norma se consubstancia nos costumes: o costume
internacional é um fato criador do direito. O degrau seguinte é o das normas de tratados internacionais.
KELSEN adotou o sistema monista7, com a primazia do direito internacional.

7
A ordem jurídica internacional a ordem jurídica interna são distintas? A resposta vai variar, segundo os monistas e
dualistas. Para os monistas, existe uma única ordem jurídica, e, dentro dela, estariam abrigadas a norma
internacional e a norma interna. Então, para o monista, no momento em que o Estado ratifica um tratado
internacional, ele se compromete no plano internacional, e essa norma já passa a integrar a ordem jurídica interna.
Feito isso, a norma jurídica internacional, que acaba de ser recepcionada, e o conjunto de normas internas passam a
estar na mesma estrutura. Não existem duas ordens jurídicas internacionais para os monistas. Já para os dualistas,
11
O costume como norma básica não é direito positivo, é um pressuposto tomado pelos juristas ao
interpretarem juridicamente o comportamento dos Estados. Desta norma hipotética, contudo, num direito
assentado sobre uma ficção, só podemos extrair uma validade hipotética.
A razão da validade dos tratados seria a regra do pacta sunt servanda, fonte de todo o direito criado pelos
tratados. A força obrigatória do direito internacional repousa, em última alçada, num pressuposto
fundamental: na hipótese de que o costume internacional é um fato criador de direito. Esta hipótese é a
norma básica. O direito, se funda, assim, numa pura ficção. Para Le Fur, deste caráter hipotético e fictício
da norma original decorre a impossibilidade de se demonstrar seu caráter obrigatório.
Diante do exposto, chega-se à conclusão de que a razão da obrigatoriedade do direito internacional
deve ser buscada fora das normas positivas, sem prescindirmos de uma ideia de justiça imanente,
objetiva, superior aos Estados e aos indivíduos, verificada pela razão humana, mas não criada pelo
homem. Retorna-se, assim, à doutrina do direito natural.
Direito Natural
VERDROSS afirma que o direito natural consiste nas normas resultam da natureza racional e social do
homem. O homem é um ser social e racional, tem moral e consciência e, por isso, faz juízos de valor,
aprecia atos e ações. As regras normativas que se impõem ao homem decorrem destes julgamentos de
valor. A criação destas regras está acima de seu alcance, podendo, pela razão, apenas verificá-las. São
regras anteriores e superiores à vontade do homem. Este direito é considerado conforme à natureza
humana.
Qual o conteúdo e os princípios do direito natural? TRUYOL afirma que a natureza humana é uma só em
seus traços essenciais. LA FUR afirma que o número de princípios gerais é pequeno e se aplica a todos os
homens. Temos o respeito às normas emanadas pela autoridade competente, aos contratos e à obrigação
de reparar o dano injustamente causado.
Em síntese, o direito natural compreende, em termos gerais, os princípios superiores de justiça
inscritos na razão humana.
Para GÈNY, o caráter do direito natural é universal e imutável, tendo em vista a uniformidade da natureza
humana, a identidade constante de seu destino e a existência de uma ordem natural permanente de
relações entre os elementos do mundo. VERDROSS, no entanto, afirma que esta noção não é inconciliável
com a diversidade de concepções jurídicas segundo os povos. Há, todavia, um fundo jurídico comum. As
aplicações pormenorizadas deste direito imutável podem diferir segundo o grau de civilização das raças ou
das épocas.

Conclusão
O direito internacional não se funda apenas na vontade dos Estados nem tem sua obrigatoriedade
com fundamento no pacta sunt servanda. A essência do direito natural é a ideia de uma justiça
superior aos fatos. Hodiernamente, a maior parte dos internacionalistas entende que o fundamento do
direito internacional é o direito natural. A verdadeira base da obrigatoriedade daquele está na consciência
do homem. O direito internacional se funda na consciência jurídica (SPIROPOULOS).
Pelo artigo 38 de seu Estatuto, a Corte Permanente de Justiça Internacional pode aplicar, em suas
decisões, os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Estes princípios têm
conexão estreita com o direito natural ou objetivo e encontram seu fundamento nas noções de justiça e
moralidade inatas no homem. Ainda, parece que se pode registrar como adesão à doutrina do direito
natural a declaração da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, segundo a qual "o princípio
da boa-fé e o igualmente fundamental princípio do respeito às obrigações de um tratado [...] estão na base
real do direito internacional”.

existem duas ordens jurídicas diferentes. A ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna. A justificativa é
que as duas disciplinam relações sociais distintas. A interna disciplina os indivíduos, e a internacional rege a relação
entre o Estado com os demais Estados soberanos. Por isso duas ordens jurídicas distintas. Qual a conseqüência
disso? É que, para os dualistas, é preciso que haja um mecanismo de inserção formal da norma internacional na
ordem jurídica interna. Os monistas recusam essa idéia; não precisa, não há necessidade de um mecanismo formal
de integração da norma internacional na ordem jurídica interna, pois, desde que o momento em que o Estado se
compromete no plano internacional, essa norma já integra a ordem jurídica interna.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_05-08-09.html
12
3. Sujeitos do Direito Internacional8
3.1. Subjetividade no Direito Internacional
Quem pode ser sujeito do direito internacional? Quem pode utilizar ou consumir a norma internacional?
Esse debate não é estéril. A resposta a essa pergunta é importante para identificar a extensão de
aplicação de uma norma internacional e quando ela pode ser aplicada em um dado ordenamento jurídico.
Sabemos que o Estado é o sujeito de direito internacional por excelência. E quanto a organizações
internacionais? Cidadãos? Empresas transnacionais? Organizações não governamentais? Blocos
regionais? Movimentos de insurgência?
Comumente são elencados como sujeitos de direito internacional como "Estados e organizações
internacionais" ou "Estados, organizações internacionais e indivíduos". Esse rol muitas vezes é
apresentado como taxativo, mas essa questão exige maior aprofundamento. Não se trata de uma
discussão meramente acadêmica. A identificação dos sujeitos de direito internacional é mais complexa e
tem suma importância para a prática do direito internacional.
Podemos nos valer dos seguintes critérios para a identificação dos sujeitos internacionais:
 Celebração de tratados: os Estados são sujeitos de direito internacional porque podem celebrar
tratados e são destinatários direitos das normas de direito internacional. Esse critério tem base de
interpretação estritamente relacionada com a noção de soberania.
 Possibilidade de acesso a tribunais internacionais: Essa concepção abarca também os indivíduos.
O indivíduo tem um conjunto de direitos reconhecidos no plano internacional. Pode demandar um
Estado por questões de direitos humanos e também pode, muitas vezes, ser demandado em um
Tribunal Penal Internacional. Se este critério for tomado, temos um problema adicional: há tribunais
internacionais que permitem que uma empresa transnacional possa demandar um Estado – há
mecanismos no direito do mar para tanto.
Nessa discussão se insere o conceito de direito de legação, direito reconhecido pela comunidade
internacional de que o Estado tenha representação diplomática, que tem origem essencialmente
costumeira. Os representantes dos reinos recebiam determinada proteção pelo exercício de suas funções,
o que foi base para a ideia atual de imunidade de jurisdição – o Estado não se sujeita ao julgamento do
Poder Judiciário de outro Estado.

3.2. Organizações Internacionais


O que é uma Organização Internacional?
Para a doutrina clássica, organização internacional é uma associação de Estados, formada a partir de um
tratado. Podemos nos perguntar: somente Estados podem criar organizações internacionais? A resposta é
afirmativa para a doutrina clássica. A ONU, no entanto, vem abrindo a possibilidade de participação de
ONGs e empresas transnacionais nas discussões e debates, com democratização do processo.
Em 2011, a ONU formulou a Comissão de Direito Internacional da ONU formulou a seguinte proposta:
Organização Internacional significa uma entidade criada por um tratado ou outro instrumento sob a
égide do Direito Internacional, a qual possui sua própria personalidade jurídica. Organizações
Internacionais podem ter como membros, além de Estados, outras entidades.
Não devemos confundir os conceitos de organizações não governamentais e organizações
Internacionais: ONG é criada dentro de um Estado, em acordo local, e é formada por indivíduos; a
organização internacional é criada por tratado e se submete às normas de direito internacional.
As organizações internacionais, antigamente, tinham papel secundário no direito internacional. Após o
Congresso de Viena (1815), surgiram as primeiras organizações internacionais, ainda em formato
embrionário. São as Comissões fluviais de navegação do rio Reno e Danúbio.
A partir do século XIX, são criadas organizações internacionais de caráter universal, como a OIT, a Liga
das Nações e a ONU.
Em 1948, um diplomata da ONU, Conde Bernadotte, foi enviado em uma missão diplomática para Israel e
foi morto por terroristas israelenses. Na ocasião, a ONU manifestou interesse em ter esses danos
reparados por parte do governo de Israel. Considerando que o Estatuto da Corte Internacional de

8
Aula de 18 e 25/8/2014.
Justiça só dava acesso aos atos contenciosos aos Estados, a ONU resolveu recorrer à CIJ, enquanto
principal órgão judicial, para obter um parecer consultivo sobre se a ONU teria personalidade jurídica.
Dado que o requisito para participar do mecanismo de solução de controvérsias seria ser um sujeito de
Direito Internacional, a ONU seria um sujeito de direito internacional?
A posição tomada pelo CIJ foi a de que a ONU é, de fato, um sujeito de direito internacional e não só pode
como deve ter personalidade jurídica de direito internacional, que seria um requisito para a configuração
de qualquer organização internacional. A partir desse caso analisado pela CIJ, as organizações
internacionais passaram a figurar na doutrina e na jurisprudência como sujeitos de direito internacional
Em suma, todas as organizações internacionais têm personalidade jurídica internacional.
Este entendimento resultou, inclusive, em uma alteração em 1985 na Convenção de Viena sobre direito
dos tratados a título de incluir as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional.

3.3. Estados
Para JELLINEK, o Estado é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de
um poder originário de mando.
Para KELSEN, o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à
qual se ajustam as ações humanas, a ideia à qual os indivíduos adaptam sua conduta.
Como contraponto, Ferrajoli aponta que “o Estado tornou-se demasiado pequeno para as coisas
grandes”9.
O que é fundamental para que um Estado exista? A ONU precisa formalmente reconhecer um Estado para
que ele seja constituído? Quais os requisitos para que seja constituído um Estado?
O conceito de Estado tem como base o princípio da igualdade de soberania entre os Estados (defendida
por Ruy Barbosa em Haia) e a doutrina da autodeterminação dos povos.
Do ponto de vista técnico, o reconhecimento do Estado envolve:
 É ato unilateral por parte de um Estado, que reconhece o outro.
 Pode ser de fato ou tácito ou de direito e expresso. É expresso quando existe, por exemplo, troca de
notas diplomáticas ou a celebração de tratados voltados a esse reconhecimento. É tácito quando
existem relações internacionais desenvolvidas por estes Estados (sejam diplomáticas, sejam tratados
que não versem sobre reconhecimento), entendendo-se assim que essas entidades se reconhecem
como iguais.
 É um ato retroativo.
 Não tem caráter constitutivo, mas sim declaratório.
 É incondicional: não se pode reconhecer um Estado apenas para fins específicos.
 É irrevogável, pela própria condição soberana entre Estados.
 É diferente do reconhecimento de governo.

O reconhecimento de Estado é uma matéria que interessa ao direito internacional público, enquanto o
reconhecimento de governo é uma matéria que dialoga com a teoria das relações internacionais e com a
ciência política.
O reconhecimento de governo está contido no reconhecimento de Estado, pois quando se reconhece um
Estado automaticamente se reconhece o governo que está no poder naquele determinado momento
naquele Estado. Mas o reconhecimento de um governo não necessariamente é acompanhado do
reconhecimento de Estado, porque pode já existir um Estado em que apenas houve uma alteração de
governo.
Podemos destacar três doutrinas sobre reconhecimento de governo10:

9
FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 50.
10
Carlos Tobar (1853 – 1920) foi Ministro das Relações Exteriores equatoriano no início do século XX. Em 1907, ele
proferiu uma declaração. Disse que a única forma para evitar golpes de Estado na região americana seria a
comunidade internacional se recusar a reconhecer os governos golpistas como legítimos, rompendo relações
diplomáticas e formulando contra eles uma declaração de não-reconhecimento, até que aquele governo fosse
confirmado nas urnas. De fato, essa doutrina esteve presente na América Latina, inclusive na Venezuela, que
14
 Doutrina SIMPSON: um Estado deveria reconhecer o governo instaurado em outro Estado desde que
ele tenha se instalado de acordo com uma legalidade de direito internacional. Por esta perspectiva,
o País Basco não seria reconhecido como Estado, dado o caráter terrorista atribuído ao grupo ETA.
 Doutrina TOBAR: Após a existência de uma revolução, em que sejam alteradas as estruturas de
governo, esse novo governo só seria reconhecido se houvesse apoio popular.
 Doutrina ESTRADA: é mais liberal, defende uma não intervenção dos Estados no ponto de vista do
governo. O mais importante seria o mero reconhecimento de Estado.
O entendimento geral é o da existência de um mínimo constitucional (propriedade, mínima proteção aos
direitos humanos etc.). Os pontos que mais importariam seriam a efetividade e viabilidade para que este
governo seja reconhecido.

3.4. Tipicidade dos sujeitos de direito internacional


Podemos falar em sujeitos típicos, atípicos e circunstanciais. Não podemos utilizar a abordagem que
limita os sujeitos de direito internacional a Estados, organizações internacionais e indivíduos. Há entidades
que recebem um tratamento de direito internacional e que não se enquadram nas hipóteses anteriores.
Este é um critério original elaborado pelo professor WAGNER MENEZES.
A Carta da ONU, por exemplo, reconhece subjetividade internacional a certos movimentos de inssurreição.
Entender a soberania como sustentáculo do funcionamento do Estado tem se mostrado uma percepção
que vem se enfraquecendo cada vez mais. Há o reconhecimento de titularidade subjetiva circunstancial a
certas entidades.
Nesse sentido, podemos entender como sujeitos de direito internacional contemporâneo:
 Estados (referência histórica: Paz de Westfália, 1945);
 Organizações Internacionais (após 1945);
 Indivíduos (consequência do processo de internacionalização dos direitos humanos);
 Organizações Não Governamentais (construção teórica, não faz parte da doutrina majoritária);
 Empresas Transnacionais (construção teórica, não faz parte da doutrina majoritária);
 Sujeitos atípicos (ex. Cruz Vermelha Internacional, criada em 1863 em Genebra; Ordem de Malta,
fundada no Século XI; Santa Sé no Vaticano).
A concepção clássica – estatocêntrica e voluntarista – a é a de que Estado tem centralidade, por
excelência, como sujeito de direito internacional, mas não necessariamente há essa centralidade,
considerando, por exemplo, a história anterior à Paz de Westfália. Outro exemplo que colocaria em xeque
este entendimento seria o “Estado” da Palestina ou a Santa Sé11.

aplicou-a rompendo relações com Estados cujos governos não concordava, inclusive o Brasil. Até que em 1930 o
Ministro das Relações Exteriores venezuelano, Genaro Estrada (1887 – 1937), proferiu uma nova declaração. Nela,
ele sustentava o entendimento de que a vocalização do reconhecimento do Estado seria uma ofensa à soberania dos
Estados. A doutrina Estrada defende que a declaração expressa do reconhecimento de uma nova soberania é uma
prática afrontosa, uma falta de respeito à soberania da nação preexistente, pois não é necessário o reconhecimento
para que o Estado inicie suas atividades. Nisso existe uma comparação com a pessoa natural: uma pessoa nasce,
cresce, e quando chega à idade adolescente surge um médico e emite um laudo em que reconhece expressamente
que se trata de um ser humano; nisso, feriu-se a dignidade de um ser humano, que não precisaria ser reconhecido
com tal que iniciasse suas atividades como pessoa. Assim, se o Estado não concorda com determinado governo, ele
tem a opção de simplesmente não manter relações com ele. Mas emitir um juízo de valor seria uma ofensa. Vemos
que essa doutrina não se aplica na Europa, mas mais na América Latina.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_16-09-09.html
11
É o nome da pessoa jurídica, como é conhecida. O local é o Estado da Cidade do Vaticano. Tem território: 0,44
km2. A Santa Sé tem dimensão humana? Ela tem um governo, e uma população de cerca de 1000 pessoas, e o
governo é a Cúria da Igreja Católica. O que falta à Sé para ser um Estado? Entende-se que ela carece da dimensão
humana. Os habitantes têm a nacionalidade vaticana, mas não se considera que se trata daquele vínculo político-
jurídico que liga o indivíduo ao seu Estado. Todas as pessoas do vaticano guardam sua nacionalidade originária. O
vínculo é meramente funcional. Então falta à Sé um povo. Há quem diga também que os objetivos, a finalidade de um
Estado são diferentes da finalidade da Santa Sé. A finalidade dela é administrar a Igreja Católica ao redor do mundo.
Então o que é a Santa Sé? É uma personalidade jurídica internacional anômala. Não é Estado e não é organização
internacional. Mas tem personalidade jurídica porque celebra tratados com outros Estados, tem representação
15
Organizações internacionais podem celebrar tratados (alteração de 1985 na Convenção de Viena sobre
os tratados). A partir do caso Bernadotte, as organizações internacionais obtiveram titularidade subjetiva.
Indivíduos também têm esfera protetiva e há instituições que viabilizam a proteção de seus direitos.
Para fins de provas de concursos, as organizações internacionais são formadas por Estados pela
assinatura de um tratado, possuindo determinada finalidade, órgãos próprios e personalidade jurídica
diferente da dos Estados (podem atuar em seu próprio nome). Essa personalidade jurídica –
imprescindível – pode ser tácita ou atribuída por meio de um tratado.
A ONU é uma organização internacional de vocação universal que tem influência sobre o direito interno
dos Estados. A Carta das Nações Unidas disciplina a distribuição de poder global, sendo base para a
interpretação jurídica dos fatos e das relações de direito internacional.
Podemos interpretar as relações entre Estados pela pura especulação, por meio de uma lógica de poder
ou por uma perspectiva jurídica-normativa. A interpretação dos fatos internacionais precisa ser jurídica e a
Carta das Nações Unidades fornece o ponto de partida para a distribuição do poder global.
Fenômenos associativos se relacionam com a comunitarização de regras, princípios e normas, num
processo complexo de homogeneização de valores que gera redimensionamento no plano internacional.
Alguns entendem que os primeiros fenômenos associativos seriam as Ligas Panjônicas das cidades-
estados gregas. Outros defendem que Simón Bolívar foi o primeiro a fazê-lo, quando queria estabelecer
uma liga protetiva na América. A ideia de Bolívar se diferenciaria das anteriores por apresentar caráter
multilateralista.
A Sociedade das Nações pode ser entendida como a primeira tentativa de organização internacional, por
seu caráter associativismo multilateralista. Contudo, não evitou uma nova Grande Guerra. O Tratado de
Versalhes foi um documento internacional que legitimava a dominação (impondo severas restrições à
Alemanha). A partir da criação da ONU, evoluímos para um conceito de cooperação internacional.
Após a criação da ONU, também houve o aumento no número de organizações internacionais.
Fenômenos associativos levam a uma mudança paradigmática do direito.
Como consequência dos fenômenos associativos, temos a multiplicação dos foros, já que a tendência é
discutir temas no plano internacional, que antes eram gestados internamente pelos Estados. A ordem
internacional existente hoje é baseada na Carta das Nações Unidas, que é mais inclusiva do que o
documento que estabeleceu a Sociedade das Nações.

Quadro Complementar: Organizações Internacionais


Observação – Não são organizações internacionais: Unicef (sub-órgão da ONU), CEI, BRICs.
Organização Mundial do Comércio (OMC): é uma organização que pretende supervisionar e liberalizar o
comércio internacional. A OMC surgiu oficialmente em 1/1/1995, com o Acordo de Marrakech, em substituição ao
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que começou em 1948. A organização lida com a regulamentação do
comércio entre os seus países-membros; fornece uma estrutura para negociação e formalização de acordos
comerciais e um processo de resolução de conflitos que visa reforçar a adesão dos participantes aos acordos da
OMC, que são assinados pelos representantes dos governos dos Estados-membros e ratificados pelos parlamentos
nacionais. A maior parte das questões que a OMC se concentra são provenientes de negociações comerciais
anteriores, especialmente a partir da Rodada Uruguai (1986-1994). A rodada atual de negociações, a primeira da
OMC, é a Rodada Doha.
União Europeia: A União Europeia (UE) é uma união econômica e política de 28 Estados-membros independentes
situados principalmente na Europa. A UE tem as suas origens na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA)
e na Comunidade Econômica Europeia (CEE), formadas por seis países em 1957. Nos anos que se seguiram, o
território da UE foi aumentando de dimensão através da adesão de novos Estados-membros, ao mesmo tempo que
aumentava a sua esfera de influência através da inclusão de novas competências políticas. O Tratado de Maastricht
instituiu a União Europeia com o nome atual em 1993. A última revisão significativa aos princípios constitucionais da
UE, o Tratado de Lisboa, entrou em vigor em 2009. Bruxelas é a capital de facto da União Europeia.
Unasul: A União de Nações Sul-Americanas (UNASUL – em espanhol: Unión de Naciones Suramericanas,
UNASUR), anteriormente designada por Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA/CSN), é uma organização
intergovernamental composta pelos doze Estados da América do Sul, cuja população total foi estimada em
396.391.032 habitantes, em 1/7/2010. Foi fundada dentro dos ideais de integração sul-americana multissetorial,

diplomática, tem chefe de missão diplomática, que é o Núncio Apostólico. Nos tratados bilaterais figura a Santa Sé. A
diferença entre Santa Sé e Vaticano é como a diferença entre Brasil e República Federativa do Brasil.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_19-09-09.html
16
conjugando as duas uniões aduaneiras regionais: o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade Andina de
Nações (CAN).
UNESCO: A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO - acrônimo de
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) foi fundada em 16/11/1945 com o objetivo de
contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Sua sede
é em Paris. A missão da UNESCO é contribuir para a "construção da paz", reduzindo a pobreza, promovendo o
desenvolvimento sustentável e o diálogo intercultural, através da educação, ciências, cultura, comunicação e
informação. A Organização concentra, em particular, duas prioridades globais: África e igualdade de gênero. Outras
prioridades da Organização incluem a busca da qualidade da educação para todos e da educação continuada,
buscando novos desafios éticos e sociais, promovendo a diversidade cultural, construindo sociedades de
conhecimento inclusivo através da informação e comunicação.
Mercosul: Como é conhecido o Mercado Comum do Sul (em castelhano: Mercado Común del Sur, Mercosur; em
guarani: Ñemby Ñemuha), é a união aduaneira (livre-comércio intrazona e política comercial comum) de cinco países
da América do Sul. Em sua formação original, o bloco era composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No dia
26/3/1991, os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção. Em virtude da
remoção de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do bloco; esse fato
tornou possível a adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul a partir do dia 31/7/2012, inclusão até
então impossível em razão do veto paraguaio. No dia 17/12/2007, Israel assinou o primeiro Tratado de Livre
Comércio (TLC) com o bloco. Em 2/8/2010, foi a vez de o Egito assinar também um TLC.
OMS: A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma agência especializada em saúde, fundada em 7/4/1948 e
subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça.
FMI: Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização internacional criada em 1944 na Conferência de
Bretton Woods (formalmente criada em 27/12/1945 por 29 países-membros e homologado pela ONU em abril de
1964) com o objetivo, inicial, de ajudar na reconstrução do sistema monetário internacional no período pós-Segunda
Guerra Mundial. Os países contribuem com dinheiro para o fundo através de um sistema de quotas a partir das quais
os membros com desequilíbrios de pagamento podem pedir fundos emprestados temporariamente. Através desta e
outras atividades, tais como a vigilância das economias dos seus membros e a demanda por políticas de auto-
correção, o FMI trabalha para melhorar as economias dos países.
OIT: A Organização Internacional do Trabalho (OIT ou ILO, do inglês International Labour Organization) é uma
agência multilateral da Organização das Nações Unidas, especializada nas questões do trabalho, especialmente as
normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações) e o trabalho decente. É composta por 185
estados-membros, em representação tripartida de governos, organizações de empregadores e organizações de
trabalhadores. Tem sede em Genebra, Suíça, além de cerca de 40 escritórios pelo mundo.
OEA: A Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização internacional criada em 1948, com sede
em Washington (Estados Unidos), cujos membros são as 35 nações independentes do continente americano. Seus
membros definiram como prioridade dos seus trabalhos o fortalecimento da democracia e assuntos relacionados com
o comércio e integração econômica, controle de entorpecentes, repressão ao terrorismo e corrupção, lavagem de
dinheiro e questões ambientais.
OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP ou, pelo seu nome em inglês, OPEC) é uma
organização internacional criada em 1960 na Conferência de Bagdá, que visa coordenar de maneira centralizada a
política petrolífera dos países membros, de modo a restringir a oferta de petróleo no mercado internacional,
impulsionando os preços, o que até então era evitado em parte devido à ação das sete irmãs. A OPEP é o exemplo
mais conhecido de cartel: seu objetivo é unificar a política petrolífera dos países membros, além de ser o único Cartel
legalizado do mundo, centralizando a administração da actividade, o que inclui um controle de preços e do volume de
produção, estabelecendo pressões no mercado.
OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN — em francês: Organisation du Traité de l'Atlantique
Nord; em inglês: North Atlantic Treaty Organization - NATO), por vezes chamada Aliança Atlântica, é uma aliança
militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4/4/1949. A organização
constitui um sistema de defesa coletiva através do qual seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em
resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. A sede da OTAN localiza-se em Bruxelas, na
Bélgica, um dos 28 países membros em toda a América do Norte e Europa, sendo que os mais novos (Albânia e
Croácia) associaram-se em abril de 2009. Um adicional de 22 países participam da Parceria para a Paz da OTAN,
com 15 outros países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado. O gasto militar combinado de todos os
membros da organização constitui mais de 70% do total de gastos militares de todo o mundo. Os gastos de defesa
dos países membros devem ser superiores a 2% do PIB.

3.5. A Organização das Nações Unidas (ONU)12

12
Aula de 1/9/2014 e parte inicial da aula de 15/9/2014.
17
A ONU não é uma organização supranacional, mas sim intergovernamental, e tem vocação universal.
Sua ambição é reunir todos os povos para resolver os problemas do mundo (meio ambiente, água, espaço
aéreo, direito do mar, direito espacial, comércio internacional etc.) 13 . É absolutamente representativa
(quase 200 Estados).
A Carta das Nações Unidas estabelece quatro propósitos para a ONU:
Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para
evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios
pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução
das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz
universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter
econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
O quarto item não constituía propósito da Sociedade das Nações.
No preâmbulo deste documento, poderemos encontrar a menção ao respeito ao direito internacional e a
afirmação dos direitos humanos:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida,
trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações
decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e
a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E para tais fins
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos,e
unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de
princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum,
a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução dêsses objetivos.
Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São
Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma,
concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização
internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.
Se a ONU não é perfeita, esses últimos setenta anos de relativa paz se devem à sua atuação. Existiram
conflitos, abuso de poder por parte de Estados nesse período? Sem dúvida, mas as coisas estão
funcionando dentro de certa lógica e a ONU tem promovido o debate de relações amistosas e pacíficas
entre os povos, com base nos princípios da igualdade e da autodeterminação dos povos.
Observamos, assim, a tendência de ocorrer o deslocamento das decisões para as organizações
internacionais, com o consentimento dos Estados.
A ONU é aberta a todos os Estados. Todo Estado que faz parte da ONU aceitou integralmente o texto da
Carta das Nações Unidas (todos os dispositivos).
A ONU possui órgãos responsáveis pela sua movimentação e pelo alcance de seus objetivos: Conselho
de Segurança, Assembleia Geral, Corte Internacional de Justiça, Secretariado, Conselho de Tutela
(extinto).
Violações sistemáticas ao texto da Carta das Nações Unidas podem acarretar a suspensão ou até mesmo
expulsão do Estado violador. A expulsão nunca ocorreu, mas já houve suspensão pela não contribuição
anual.

13
A União Europeia tem elemento fundamental da supranacionalidade que lhe permite maior coercitividade do que a
ONU possui.
18
A ONU foi criada em 1945 e foi a primeira grande experiência da humanidade no sentido de construção de
um foro multilateral de discussão sobre diversos temas do mundo.
Como já dissemos, a Carta das Nações Unidas é o documento que estabelece as bases de interpretação
jurídico-normativa das relações internacionais. É como uma "Constituição" aplicável à sociedade
internacional. O jurista precisa saber manejar os dispositivos deste documento, no qual as justificativas de
poder devem ser encontradas – o único poder admissível pelo direito é o poder legitimado.

3.5.1. Membros da ONU


Todos os Estados que forem amantes da paz e estiverem dispostos a aceitar os dispositivos da CNU
podem ser admitidos na ONU.
Os arts. 5 e 6 da CNU estabelecem mecanismos de suspensão e exclusão dos Estados da Organização.
Suspensão é aplicada em casos de não pagamento da contribuição anual, por exemplo. Exclusão nunca
ocorreu:
Artigo 3. Os Membros originais das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado da Conferência
das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, ou, tendo assinado
previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1 de janeiro de 1942, assinarem a presente Carta, e a
ratificarem, de acordo com o Artigo 110.
Artigo 4. 1. A admissão como Membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz
que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e
dispostos a cumprir tais obrigações.
2. A admissão de qualquer desses Estados como Membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da
Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Artigo 5. O Membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por
parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de Membro
pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e
privilégios poderá ser restabelecido pelo Conselho de Segurança.
Artigo 6. O Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na
presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante recomendação do
Conselho de Segurança.
Em muitos dispositivos da CNU, aparece a expressão “Conselho de Segurança”. Praticamente todas as
decisões da ONU passam pelo crivo deste órgão, que estudaremos oportunamente.
A partir de agora, descreveremos os órgãos da ONU e seus papéis. Para ver o organograma, acesse
http://nacoesunidas.org/organismos/organograma/.

3.5.2. Assembleia Geral


A Assembleia Geral é a assembleia deliberativa principal das Nações Unidas. Composta por todos os
Estados membros das Nações Unidas, a Assembleia se reúne em uma sessão ordinária anual, no âmbito
de um presidente eleito entre os Estados-Membros.
A Assembleia Geral é pautada no princípio da igualdade de soberania entre Estados. Cada Estado
participa com direito de voto. Os votos têm pesos iguais.
Assembleia Geral se manifesta juridicamente mediante Resoluções que expressam uma opinio iuris sobre
determinado tema na sociedade internacional. Elabora as Resoluções, recomendações que têm natureza
de soft law.
As Resoluções da ONU podem ser usadas como fontes complementares de argumentação jurídica e até
mesmo construção normativa no âmbito do direito interno.
Em 1985, por exemplo, a Assembleia Geral aprovou a Resolução 39/248 deliberando acerca da
hipossuficência do consumidor e recomendou que os Estados legislassem sobre isso. Em 1990, foi
estatuído o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) no Brasil que reproduziu a base
principiológica daquela Resolução14. Outro exemplo foi uma Resolução da ONU de 20 de novembro de

14
Íntegra da resolução em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/39/248. Para ler mais
sobre o assunto: ABREU, Paula Santos de. A proteção do consumidor no âmbito dos tratados da União Européia,
Nafta e Mercosul. In: Revista Jurídica da Presidência da República, Brasília, v. 7, n. 73, , p.01-20, junho/julho, 2005.
Disponível em:
19
1959 (Declaração dos Direitos da Criança)15 sobre a proteção da criança e do adolescente – o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) foi fortemente influenciado por seu conteúdo.

3.5.3. Conselho de Segurança


O Conselho de Segurança é o responsável por manter a paz e a segurança entre os países do mundo.
Enquanto outros órgãos das Nações Unidas só podem fazer "recomendações" para os governos
membros, o Conselho de Segurança tem o poder de tomar decisões vinculativas que os governos-
membros acordaram em realizar, nos termos do artigo 25 da CNU 16 . As decisões do Conselho são
conhecidas como Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
É o centro decisório da ONU. Tudo na ONU passa, em algum momento, por este órgão.
Possui 15 membros, sendo 10 não permanentes e 5 permanentes (EUA, Reino Unido, França,
Rússia e China). Os membros permanentes possuem direito de veto.
O direito de veto, na realidade, é uma interpretação a contrario sensu do Artigo 27 da carta das Nações
Unidas, que estabelece a necessidade de "voto afirmativo" de todos os membros permanentes:
Votação
Artigo 27. 1. Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto.
2. As decisões do conselho de Segurança, em questões processuais, serão tomadas pelo voto afirmativo de
nove Membros.
3. As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto
afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes,
ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for
parte em uma controvérsia se absterá de votar.
Este mecanismo leva a uma incorreção da igualdade entre os Estados, que é um princípio do direito
internacional contemporâneo. Ele cria para os Estados-membros do conselho permanente uma espécie de
imunidade de jurisdição perante o direito internacional geral.
O critério para a formação do conselho permanente, à época da formação do Conselho de Segurança, foi
a detenção de armas nucleares. Hoje outros países possuem tecnologia nuclear, razão pela qual esse
critério é criticado.
O Brasil é o país que mais vezes foi eleito, na América Latina, para integrar o conjunto de membros não
permanentes do Conselho de Segurança.
Há dois anos, houve discussões sobre a reforma da ONU. O Brasil se posicionou pela sua inclusão no
Conselho de Segurança e o Itamaraty promoveu uma conferência para discutir qual seria a proposta
brasileira de reforma da Organização. Diplomatas e professores de direito internacional participaram do
evento17.
As bases de funcionamento da ONU são as de uma organização intergovernamental, não supranacional.
Por isso, o processo decisório leva em consideração a vontade soberana dos Estados, isto é, qualquer
decisão deve passar obrigatoriamente pela aceitação formal dos Estados envolvidos.
No entanto, existem mecanismos de imposição de determinada decisão na esfera internacional
disciplinados pela CNU: uma decisão da Corte Internacional de Justiça ou uma medida combativa ao
descumprimento de um tratado, se este descumprimento ameaçar a paz e a segurança internacionais.
Tais situações podem ensejar medida coercitiva por parte do Conselho de Segurança. Esse mecanismo
nunca foi utilizado, mas é previsto na Carta das Nações Unidas:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_73/artigos/PDF/PaulaAbreu_Rev73.pdf>
15
Íntegra disponível em http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1386(XIV)
16
Artigo 25. Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de
Segurança, de acordo com a presente Carta.
17
O prof. Wagner, em seu discurso, defendeu que interesse do Brasil em ser membro do Conselho de Segurança é
absolutamente legítimo por razões geopolíticas e históricas. Propôs a ampliação do Conselho de Segurança e o fim
do direito de veto. Disse que foi escrachado por um diplomata que o respondeu argumentando que os atuais
membros do conselho permanente vetariam a reforma proposta. Em sua réplica, o prof. Wagner argumentou que não
se estava discutindo a Carta das Nações Unidas em sua estrutura atual, mas justamente a sua reforma. Sua
argumentação, portanto seria uma contribuição de mudança propositiva.
20
Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança
internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação,
conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio
pacífico à sua escolha.
2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais
meios, suas controvérsias.
Artigo 34. O Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de
provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de
tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais.
[...]
Artigo 36. 1. O conselho de Segurança poderá, em qualquer fase de uma controvérsia da natureza a que se
refere o Artigo 33, ou de uma situação de natureza semelhante, recomendar procedimentos ou métodos
de solução apropriados.
[...]
Artigo 37. 1. No caso em que as partes em controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33 não
conseguirem resolvê-la pelos meios indicados no mesmo Artigo, deverão submetê-la ao Conselho de
Segurança.
2. O Conselho de Segurança, caso julgue que a continuação dessa controvérsia poderá realmente
constituir uma ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais, decidirá sobre a
conveniência de agir de acordo com o Artigo 36 ou recomendar as condições que lhe parecerem
apropriadas à sua solução.
Domínio Reservado e Poderes Implícitos
Estes conceitos são relacionados precipuamente com o exercício dos poderes do Conselho de Segurança.
O princípio do domínio reservado consiste na ideia de que a última decisão sobre o cumprimento de uma
decisão de uma organização internacional é do Estado, com base nos seus poderes soberanos. Muitas
vezes, na prática diplomática ou na discussão jurídica, argumenta-se que, apesar de o Conselho de
Segurança ter aprovado uma resolução, determinada matéria está no campo do domínio reservado dos
Estados.
Nos últimos anos, o Conselho de Segurança tem aprimorado mecanismos de decisões políticas no caso
de conflitos internacionais e de ameaça à paz e à segurança, por conta da expansão dos direitos
humanos. Novas doutrinas, com isso, foram incorporadas às discussões da Assembleia Geral.
Nesse sentido, de acordo com a doutrina dos poderes implícitos, caberia ao Conselho de Segurança,
servindo para que ele aja em situações que coloquem em risco e paz e a segurança internacionais.
Os poderes implícitos são aqueles derivados dos poderes concedidos pela Carta das Nações Unidas e
estariam implicitamente compreendidos nesses dispositivos. O Conselho de Segurança vem alargando o
campo de interpretação dos poderes que lhes foram conferidos pela Carta das Nações Unidas, o que tem
ensejado um embate doutrinário na Corte Internacional de Justiça sobre os limites de atuação desse
órgão.
No caso da criação de tribunais internacionais ad hoc, tivemos como exemplo os criados para as crises na
Iugoslávia, Líbano e Ruanda. Os juristas questionaram a legitimidade do Conselho de Segurança para
criar estas cortes. A justificativa se baseou nos poderes implícitos conferidos pela CNU.
Nas crises de Haiti, Serra Leoa e Timor Leste, a ONU mobilizou os “capacetes azuis” para atuar nesses
Estados, para “garantir a ordem” e “matar se necessário”. A legitimação desta atuação é feita por meio de
Resolução do Conselho de Segurança. Em alguns casos, tem como fundamento o clamor da população
legal por ajuda humanitária por parte da ONU.
Estaríamos caminhando para um modelo no qual os membros permanentes do Conselho de Segurança
seriam os condutores de decisões supranacionais que deveriam ser obedecidas por todos os Estados? E
o domínio reservado do Estado?

3.5.4. Secretariado
O Secretariado é um órgão administrativo. É possível dizer que existe direito administrativo internacional
porque existe um conjunto de regras que norteiam o funcionamento das organizações Internacionais. O
Secretariado é responsável pela contratação de pessoal, pela administração financeira etc. Embora
apareça na mídia com destaque, o Secretário-Geral é apenas um funcionário da ONU, e não tem papel
político.

21
3.5.5. Conselho Econômico e Social
É um órgão cerebral. Sua composição, funções, atribuições e processo são regulados nos arts. 61 a 72 da
CNU. É responsável por articular o diálogo da ONU com diversas entidades, com outras organizações
internacionais e com sociedade civil. Formula as políticas da agenda internacional, promovendo debates
entre Estados e consolidando entendimentos que são posteriormente remetidos à Assembleia Geral,
responsável por elaborar as resoluções.
As Resoluções e demais publicações podem ser consultado em http://www.un.org/en/ecosoc/.

3.5.6. Corte Internacional de Justiça


É o principal órgão judicial das Nações Unidas. Seu estatuto encontra-se anexado à Carta das Nações
Unidas. Ressaltamos os seguintes dispositivos:
Artigo 92. A Corte Internacional de Justiça será o principal órgão judiciário das Nações Unidas. [...]
Artigo 93. 1. Todos os Membros das Nações Unidas são ipso facto partes do Estatuto da Corte Internacional
de Justiça.
2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso, pela Assembleia Geral,
mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Artigo 94. 1. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a conformar-se com a decisão da Corte
Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte.
2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença
proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar
necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da
sentença.
[...]
Artigo 96. 1. A Assembleia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte
Internacional de Justiça, sobre qualquer questão de ordem jurídica.
2. Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente
autorizados pela Assembleia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões
jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades.
A Corte de Haia tem competência para julgar demandas entre Estados (apenas entre os Estados-
membros; estão excluídos os Estados observadores). Particulares e organizações internacionais não
podem demandar perante a CIJ.
As decisões são tomadas, dependendo da matéria, por maioria simples ou qualificada. É formada por 15
juízes com notório saber e reputação ilibada, que possuem mandato de 9 anos, renovável por mais 9.
Cinco dos membros são permanentes e os demais são selecionados por questões geográficas. À América
Latina cabem duas vagas. CANÇADO TRINDADE atua na CIJ desde 2009. CANÇADO defende, entre outras
coisas, o conceito de “novo ius gentium" e a noção de que os indivíduos são sujeitos de direito
internacional.
A CIJ profere sentenças definitivas, das quais não é possível recorrer. Também tem competência
consultiva (como por exemplo o parecer sobre a legitimidade da construção do muro de Israel – opinião
contrária).
A CIJ Profere seus votos em plenária em Haia.
Em 1945, era o único órgão judiciário de vocação universal. Sucedeu a Corte Permanente de Justiça
Internacional, inclusive o Estatuto de 1945 é um reflexo do Estatuto de 1919.
O Brasil nunca foi demandado perante a CIJ. No caso da extradição de Cesare Battisti, cogitou-se que a
Itália poderia ajuizar demanda na CIJ, mas isto não ocorreu.
Cláusula Facultativa de Jurisdição Obrigatória (Cláusula Raul Fernandes)
É invenção de um brasileiro. Afirma-se que garantiu o funcionamento da Corte Internacional de Justiça. De
acordo com esta cláusula, o Estado somente poderá ser demandado se aceitar formalmente a jurisdição
da Corte. O Estado tem a prerrogativa de aceitar ou rejeitar a jurisdição, vinculando-se a partir da
assinatura de um tratado (“se houver algum tipo de demanda, esta será resolvida perante a CIJ”) ou se
contestar a ação, nos casos pontuais em que não há vinculação prévia.

22
Todos os Estados-partes da CNU são parte no Estatuto da CIJ. Por quê? Porque o Estatuto da Corte
integra a Carta das Nações Unidas. Entretanto, a cláusula relativa à aceitação da jurisdição da Corte é
uma cláusula facultativa. Os Estados podem ou não aceitá-la. Se aceitam, eles são potencialmente
jurisdicionáveis ante a Corte. Quer dizer que eles podem, se consentirem, ter seus litígios julgados pela
Corte. A cláusula é facultativa, mas a jurisdição, uma vez aceita, é obrigatória.
Do Estatuto da CIJ, temos:
Artigo 36. 1. A competência da Côrte abrange tôdas as questões que as partes lhe submetam, bem como
todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em
vigor.
2. Os Estados partes no presente Estatuto poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem
como obrigatória, ipso facto e sem acôrdo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a
mesma obrigação, a jurisdição da Côrte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tenham por
objeto:
a) a interpretação de um tratado;
b) qualquer ponto de direito internacional;
c) a existência de qualquer fato que, se verificado, constituiria a violação de um compromisso internacional;
d) a natureza ou a extensão da reparação devida pela rutura de um compromisso internacional.
3. As declarações acima mencionadas poderão ser feitas pura e simplesmente ou sob condição de
reciprocidade da parte de vários ou de certos Estados, ou por -prazo determinado.
A Advocacia-Geral da União (AGU) costuma defender o Brasil perante cortes internacionais. Na Inglaterra
e em Genebra existem escritórios que fazem defesa de Estados na América Latina. A especialidade nessa
atuação consiste em conhecer bem o direito internacional e suas fontes, além de dominar o formato da
argumentação perante as cortes internacionais. Todos os procedimentos estão previstos no estatuto da
CIJ.

23
4. Princípios do Direito Internacional18
Esta discussão tem como base os seguintes dispositivos da Carta das Nações Unidas:
Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para
evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios
pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução
das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz
universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter
econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e
às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão
de acordo com os seguintes Princípios:
1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.
2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua
qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a
presente Carta.
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo
que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a
integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com
os Propósitos das Nações Unidas.
5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo
com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de
modo preventivo ou coercitivo.
6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com
esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que
dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais
assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação
das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.
A maior parte dos princípios do direito é gestada no direito internacional. Há embates doutrinários entre
internacionalistas e constitucionalistas a respeito da origem dessas normas.
Os princípios vão se redimensionando à medida que os campos se modificam.
Os princípios gerais do direito condicionam o funcionamento de todo o sistema jurídico. Cada campo
tem seus princípios e um conjunto de normas específicas, mas estes não devem se desvincular dos
Princípios gerais, como os de igualdade e justiça.

4.1. Igualdade de Direitos entre os Estados


Esse princípio foi consolidado na estrutura jurídica do direito internacional somente em 1907 (Ruy Barbosa
em Haia). O ano de 1907, com a Conferência de Haia, pode ser entendido como o marco do surgimento
da sociedade internacional, justamente pelo reconhecimento do principio da igualdade soberana recíproca.
A igualdade potencial de direitos entre Estados possibilita, entre outras coisas, a participação e presença
perante órgãos em tribunais internacionais e o direito igualitário de voto na Assembleia Geral das Nações
Unidas. Parte da doutrina contemporânea considera que o direito de veto é uma mitigação deste
princípio.

18
Segunda parte da aula de 15/9/2014 e aula de 22/9/2014.
4.2. Autodeterminação dos Povos
A ideia aqui é de que nada pode ser imposto aos Estados. Nenhum Estado pode impor a outro
determinados valores, padrões culturais, morais, políticos, étnicos etc. Esta noção remonta ao próprio
amadurecimento da população humana e dialoga com o fluxo migratório de etnias.
Na ideia da expansão dos direitos humanos, podemos entender que a interpretação da CNU tem sido feita
de modo equivocado: quando ela menciona a autodeterminação dos povos, na realidade não é uma
autodeterminação de Estados vis a vis, mas de um Estado para Estado, de um Estado para outras
populações, de populações para Estados e de uma população para outra população. Assim, os Estados
precisam reconhecer a autodeterminação dos POVOS, e não de Estados.
Nesse sentido, os Estados precisam reconhecer o direito de grupos étnicos culturais que ocorrem dentro
de sua estrutura normativa, o que alguns autores chamam de pluralismo jurídico. O Estado tem um
sistema jurídico posto, mas, por conta do princípio da autodeterminação dos povos, tem uma "bolha" que
cria uma esfera de direitos tutelados própria e característica de determinado grupo.
Nesse sentido, o Estado brasileiro deveria reconhecer os direitos próprios dos povos indígenas.
Analogamente a Espanha deveria reconhecer a autodeterminação do povo basco. Idem para os povos
africanos e a divisão política artificial delineada no processo de descolonização daquele continente.
A restrição a práticas religiosas por parte de um Estado fere o princípio da autodeterminação dos povos? A
proibição do uso do véu pelas mulheres muçulmanas na França seria um caso de violação?

4.3. Não Intervenção


Às vezes este princípio se confunde com o da autodeterminação dos povos. Se volta contra a
possibilidade que determinado Estado tem de se imiscuir nos assuntos internos de um outro Estado.
Enquanto no princípio da autodeterminação dos povos tínhamos a ideia de que um Estado não podia
impor a outro ou outros Estados seus valores culturais, morais, educacionais etc., no principio da não
intervenção nenhum Estado pode se imiscuir nos assuntos internos, políticos e econômicos de um outro
Estado. Então é como se esse principio se voltasse contra a intromissão de um estado nos assuntos
internos de outro.
Essa discussão passa por vários debates no plano internacional. Atualmente, temos a questão EUA-
Iraque. Na Europa, relações entre Ucrânia e Rússia. Essa discussão passa por questões, por ex, na Líbia
quando os Estados europeus decidiram criar um bloqueio anti aéreo naque país. Temos, assim, casos na
contemporaneidade que tangenciam com isso. Na América Latina: temos a relação entre Brasil e
Honduras e o episódio em que Mercosul se reuniu e decidiu suspender o Paraguai por conta do
entendimento de que ali teria ocorrido um golpe político. São casos que guardam relação com o principio
da não intervenção e essa discussão é bastante sensível. A ideia é que cada Estado conduzisse sua
política externa e não intervisse na de outro Estado.
O debate contemporâneo do principio da não intervenção apresenta uma linha tênue de discussão entre
este e outro principio que tem sido abordado principalmente pelo Conselho de Segurança: o principio da
não indiferença. Há, assim, um debate sobre a extensão do principio da não intervenção e sua colisão com
o principio da não indiferença.

4.4. Não Indiferença


Este princípio é resultado de uma extensão da atuação do Conselho de Segurança da ONU e sua
preocupação com questões humanitárias, tendo como pano de fundo o debate entre poderes implícitos e
domínio reservado. Os Estados não podem ficar de braços cruzados quando houver profundas violações
aos direitos humanos e ao direito humanitário19.
Em tese, o princípio da não indiferença mobilizaria a comunidade internacional a interferir com a ideia de
ajudar, não de impor vontade. Nos casos do Haiti e Timor Leste, estavam em jogo valores que motivaram
a comunidade internacional a auxiliar aquelas populações. Estavam em conflito e a comunidade impôs
quem deveria ser o representante, quem conduziria o pais, mas a ideia do auxilio humanitário é possibilitar

19
Direito humanitário é o conjunto de regras que visa proteger vitimas de conflitos armados.
25
que as vitimas de conflitos armados sejam auxiliadas pela comunidade internacional. Na base dessa
preocupação estão os direitos humanos e, algumas vezes, o direito humanitário.
Existe uma linha tênue entre aplicação do principio da não intervenção e do principio da não indiferença.
Muitas vezes o discurso sobre a proteção de vitimas de populações minoritárias contém outros objetivos.
No Iraque, tínhamos como justificativa a proteção da população de um ditador sanguinário, mas havia
outras causas, estas ocultas. Neste caso a comunidade internacional não participou, foi uma ação
unilateral dos EUA.
No caso da Líbia, a decisão da França e da Inglaterra foi tomada quando os revolucionários em praça
receberam uma saraivada de bombardeios do governo que desejavam destituir. França e Inglaterra
resolveram criar um bloqueio aéreo e ajudar na derrota do Gaddafi.
Para diferenciar o principio da não intervenção do principio da não indiferença é preciso ponderar sobre a
existência de um processo revolucionário ou não dentro daquele determinado Estado e deixar que as
coisas se conduzam ali sem influenciar, de forma parcial, um ou outro Estado.
Quando o FMI empresta dinheiro e depois demanda que o Estado cumpra certas exigências, estaríamos
diante de uma afronta ao principio da não intervenção? Os defensores dizem que quando o Estado
assinou o acordo, o fez livremente. Desse modo, um acordo prévio com outra organização ou Estado que
pode exigir o cumprimento de certas regras não viria a ferir o principio da não intervenção.
Quando o Brasil tomou recursos em empréstimo do FMI, se responsabilizou por aumentar o número de
vagas nas universidades e melhorar o ensino básico, diminuindo os índices de repetência. O Brasil criou o
ciclo básico e facilitou a criação de universidades privadas. Os requisitos do FMI foram atendidos, mas os
resultados não necessariamente refletem na melhora da educação. A atuação do FMI não viola o principio
da não intervenção porque o Estado aceitou prévia e livremente o acordo.

4.5. Cooperação
O princípio da cooperação está expresso na Carta das Nações Unidas, e motiva da criação de
organizações internacionais. Esse processo associativo se da pela ideia de cooperação.
Esse principio começa a compartilhar espaço com o princípio da solidariedade, que envolve uma
corresponsabilidade comum para com outro Estado. Não basta criar projetos comuns de cooperação, mas
também se faz necessário suportar certas responsabilidades conforme a base de solidariedade.
O princípio da solidariedade concretamente tende a moldar instituições de integração regional (União
Europeia). Os PIGS20 tiveram que se adequar a um conjunto de regras estabelecidas pela Alemanha, mas
a UE suportou os custos do processo de integração com base nesse principio. Houve o sacrifício dos
Estados que suportaram os custos da crise financeira e ao mesmo tempo a contraprestação dos Estados
que aceitaram essas regras. Neste caso, não se fere o principio da autodeterminação tampouco o da não
intervenção.

4.6. Respeito aos Direitos Humanos


Trata-se de outro princípio expresso na Carta das Nações Unidas. Com a declaração universal de direitos
humanos, temos um marco da globalização, da internacionalização dos discursos de direitos humanos.
Antes disso, nada consagrava o papel dos Estados no respeito aos direitos humanos.
É com base nesse princípio que se tem um novo modelo de relação interestatal, na qual um Estado cede
sua centralidade em prol de uma preocupação jurídica com o individuo.
Ainda, com a consagração modelo Estado do Bem Estar Social (Welfare State) após 1945, o Estado
assume a responsabilidade e passa a ser prestador de serviço aos indivíduos. A ideia central é que o
Estado deve ser principal agente operador do conceito e do consumo de valores previstos nos direitos
humanos.
A CF/88 incorporou essas ideias, valores, princípios e discurso de expansão dos direitos humanos (direitos
de terceira geração). A expansão influenciou nosso sistema jurídico.

20
A sigla compreende as iniciais dos nomes, em inglês de Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (Portugal, Ireland,
Greece and Spain), países que se encontram em grave crise fiscal, a ponto de ameaçar a saúde financeira da União
Europeia.
26
O debate sobre direitos humanos não começa na Constituição, nem nos direitos fundamentais. Está
interligado ao principio da Carta das Nações Unidas, a qual representou o marco inicial para o
reconhecimento internacional e interno dos Estados do respeito aos direitos humanos.

4.7. Princípio da boa-fé


A interpretação com base na boa fé é cotidiana. Envolve tolerância.
Podemos citar como exemplo de aplicação o caso do Brasil e França, no qual um avião francês estava
sobrevoando a Amazônia, tendo invadido o espaço aéreo brasileiro. Os radares brasileiros detectaram o
avião francês e, pela lei de abate, a força aérea comunicou que, se o avião não pousasse, seria abatido.
Após o pouso, a forca aérea brasileira exigiu explicação sobre o que o avião estava fazendo ali. A primeira
explicação fornecida foi que havia um problema de radar no avião, entretanto, foi averiguado,
subsequentemente, que não havia problema algum. Posteriormente, a França afirmou que, na realidade,
houve erro de rota. O Brasil, por sua vez, interpretou de boa fé.
A interpretação de boa-fé é utilizada para evitar conflitos no plano internacional. É uma ação positiva (agir
com boa fé) e tem uma função hermenêutica (considerar que o outro age de boa-fé).
A boa fé tem especial importância no direito dos tratados: todo o tratado deve ser interpretado de boa fé.
Ou seja, quando um Estado redige ou é signatário de determinado tratado, pressupõe-se que ele quer
cumprir os dispositivos que estão ali. Assim, a interpretação jurídica é diferente da política. Trabalhamos
como a literalidade das regras, que devem ser entendidas como o sentido real que se quer atingir
naquelas relações.

4.8. Solução Pacifica de Controvérsias


Todos os envolvidos em conflito, antes de agredir o outro, devem recorrer a mecanismos pacíficos de
solução de controvérsias. A solução pacifica é um principio que foi consolidado na Conferência da Paz de
Haia em 1889 e 1907. É possível perceber que esse tema é relativamente novo no direito internacional e
para a sociedade internacional.
No congresso de Viena (1815) não havia ainda mecanismos estabelecidos para isso. Isso está na base da
justificativa da submissão de Estados a mecanismos de solução pacifica de controvérsisas.
Existem três tipos de solução pacifica: mecanismos diplomáticos, políticos e jurídicos.
Mecanismos diplomáticos são aqueles nos quais os próprios governos resolvem suas pendências, numa
esfera de autocomposição.
Mecanismos políticos são aqueles em que uma organização internacional participa, caracterizando uma
heterocomposição.
Mecanismos jurídicos são aqueles que são encaminhados a tribunais internacionais.
Não existe hierarquia entre esses mecanismos. Por vezes, antes de lançar mão dos mecanismos jurídicos
devem ser tentados mecanismos diplomáticos, mas o mais importante é que seja atingida uma solução
pacífica.
Solução pacífica implica em não imposição do uso de força. Nenhum mecanismo coercitivo contra outro
Estado deve ser utilizado.
Devemos sempre ter em mente que guerra é negação do direito. O direito só opera quando existe
aceitação de seus pressupostos, a negação dos pressupostos é a negação do sistema. A solução
coercitiva, por seu turno, pode se dar por mecanismos pontuais, que visam eliminar rapidamente o conflito.
O direito internacional toleraria a aplicação de tais medidas, uma vez atendidos certos pré-requisitos.
São exemplos de medidas coercitivas, que trazem um conteúdo de imposição de certa medida de força
uma represália (no caso de um Estado que sofreu uma ameaça de guerra por parte de outro Estado) ou o
boicote (rompimento de relações diplomáticas e/ou comerciais).
Evitar ameaça ou uso de força é obrigação dos Estados.

27
4.9. Princípios que Regem o Brasil nas suas Relações
Internacionais
A partir da dicção do art. 4o da CF/88, podemos constatar que o Brasil incorporou os princípios dos arts. 1
e 2 da Carta das Nações Unidas. Temos os chamados princípios que regem o Brasil nas suas relações
internacionais:
 Independência nacional: o Brasil é sujeito de direito internacional;
 Prevalência dos direitos humanos;
 Autodeterminação dos povos
 Não intervenção;
 Igualdade entre os Estados: o Brasil reconhece a igualdade soberana no plano internacional;
 Defesa da paz;
 Solução pacifica de controvérsias: a adesão do Brasil ao Tratado de Roma, que definiu os crimes
contra a humanidade, levou o repúdio terrorismo e racismo a outras proporções;
 Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade: participação de organização
internacionais para promover o progresso da humanidade;
 Parágrafo único do art. 4: integração econômica, cultural e politica da América Latina. Justifica a
participação do Brasil em todos os processos de integração regional – Mercosul, CEPAL, Unasul.

4.10. Asilo
O asilo não se encontra expresso na Carta das Nações Unidas. É um principio tipicamente latino-
americano. Está na base das relações costumeiras na América Latina, se desenvolveu aqui porque
tivemos sucessivas crises políticas. O perseguido hoje é presidente de amanhã. O presidente de hoje é o
destituído de amanhã. O principio do asilo político Se consolidou nos costumes latino-americanos.
O Brasil é um dos países que mais concedeu asilo aos demais países latino-americanos. O ditador do
Paraguai viveu aqui até o ultimo de seus dias. Em determinado momento a diplomacia brasileira ofereceu
asilo a Snowden.
Existem dois tipos de asilo: o asilo político e o asilo diplomático.

Asilo Político
O asilo político basicamente se volta para a proteção da vida humana contra crimes de opinião.
Suponhamos um caso hipotético envolvendo Brasil e Colômbia. Um cidadão colombiano está sofrendo
ameaças dos seus direitos fundamentais por conta de crimes de opinião e na Colômbia há um
recrudescimento da repressão a opiniões divergentes do regime atual. O indivíduo corre risco de morte,
porque se opõe ao regime e não dispõe dos mecanismos jurídicos para se defender. Ele cruza a fronteira
do Estado, procura as autoridades brasileiras e pede clemência, asilo, proteção do Estado brasileiro. Essa
é uma decisão de governo, de Estado, quem pode conceder o asilo é o Presidente da República. Esse é o
asilo político. Foi o que ocorreu no caso Cesare Battisti. Sua configuração não é tão simples em outros
países quanto é no Brasil.

Asilo Diplomático
Para ilustrar o asilo diplomático, suponhamos que o mesmo individuo do exemplo anterior não consegue
atravessar a fronteira do Estado, então ingressa na embaixada brasileira na Colômbia.
Não é de todo verdadeira a afirmação de que “a embaixada é uma extensão do território brasileiro”. O que
existe é a projeção da soberania do Estado brasileiro naquele Estado. O asilo diplomático consiste na
possibilidade de o individuo ficar na embaixada brasileira. As autoridades brasileiras que têm poder de
conceder o asilo remetem uma carta ao governo repressor, solicitando uma carta de salvo conduto, uma
autorização para as autoridades brasileiras retirarem com integridade física o individuo de dentro do
território, seja por vias aérea, terrestres ou marinhas.
Tivemos recentemente o episódio no qual um Senador boliviano entrou na embaixada brasileira. O
governo brasileiro disse que solicitou o salvo conduto, mas as autoridades bolivianas não tiveram tempo
de analisar. Passou um ano, dois anos e o senador ficou na embaixada. Um diplomata que se sensibilizou
com a situação, sem autorização do governo brasileiro, enfiou o senador no porta malas e levou o
28
boliviano para o território brasileiro. Não se sabe onde esse diplomata está: desrespeitou ordens públicas.
O senador boliviano hoje está no Brasil e já foi garantido asilo a ele.

Caso Haya de la Torre


Este caso envolveu Colômbia e Peru. Haya de la Torre era um colombiano que ingressou na embaixada
peruana após ser perseguido. A Colômbia se negou a fornecer o salvo conduto solicitado. O indivíduo
passou cinco anos em cárcere privado (praticamente) dentro da embaixada peruana. Este caso foi para a
OEA e para a CIJ. O Peru invocava a questão de costume regional e a Colômbia alegava ter autonomia
para conceder ou não o asilo. A CIJ concluiu que era direito do Peru solicitar o salvo conduto e que era
direito da Colômbia negar o salvo conduto. Ele ficou mais três anos lá e foi levado de volta para seu país,
desde que as autoridades de seu país o mandassem embora depois de um acordo.
Com mais detalhes21:
Caso Haya De La Torre: De La Torre era um dissidente político, que havia comandado uma rebelião militar
no Peru, e pediu asilo na embaixada da Colômbia em Lima. Pediu às autoridades peruanas o salvo-conduto
para que ele deixasse o território. Mas o Peru negou, dizendo que ele era criminoso comum e não político, e
também porque não estava presente o caráter atual da perseguição. Questionaram, portanto, os dois
pressupostos do asilo político. O caso foi parar na Corte Internacional de Justiça, e esta, analisando os
pressupostos, viu que na verdade ele se tratava de um criminoso político sim. Mas a CIJ entendeu que a
perseguição não era atual. A perseguição se iniciou justamente em razão da entrada de De La Torre na
embaixada. Assim a Corte determinou: de acordo com a Convenção de Havana, que traz a disciplina que
deve reger essa relação, viu-se que a Convenção nada dizia sobre a possibilidade de qualificação unilateral
dos pressupostos. Então, a qualificação unilateral é um costume. A convenção diz sobre a conseqüência
da ausência de um dos pressupostos. O mais importante é a natureza política do delito. Mas não era o caso
para o Peru, que considerava De La Torre um criminoso comum.
E sobre a perseguição atual? A Convenção não diz nada também. E agora? Como a Corte poderia decidir? A
Convenção de Havana não prevê uma consequência para a falta desse segundo pressuposto, mas prevê
para o primeiro. Assim, pode-se aplicar ao segundo pressuposto as consequências do primeiro por analogia.
No entanto, não se pode usar a analogia em desfavor da liberdade humana. Então, pensou-se na equidade.
Se aplicasse, a Corte diria o quê? O principal pressuposto está presente. Neste caso, apesar de o instituto do
asilo não se encontrar apoiado em seus dois pilares neste caso concreto, ao pensarem na equidade, viram
que seria necessário que ambas as partes autorizassem sua aplicação. O que foi feito, então? A Corte
entendeu que “de fato, o asilo é irregular, mas a autoridade asilante não estava obrigada a entregar o
indivíduo às autoridades territoriais.” Essa foi a decisão.
O que aconteceu é que De La Torre ficou na embaixada três anos até conseguir o salvo-conduto e só então
deixou o território.
Não devemos confundir asilo com refúgio. Asilo é mecanismo político e refúgio ´[e humanitário. O refúgio
ocorre quando o Estado dá proteção a pessoas que estão fugindo de catástrofes ambientais, políticas, etc.
e cada Estado tem uma resolução especifica sobre seu estatuto do refugiado. O asilo só pode ser dado
quando o individuo ingressa em embaixadas, não em consulado. As embaixadas representam o Estado
politicamente e, por isso, têm este poder.

4.11. Caso de Kosovo


Este caso envolveu a Assembleia Geral da ONU e a CIJ em 2010.
Dois princípios foram levantados: integridade territorial e autodeterminação dos povos. (arts. 2.4 e 1.2).
Kosovo é uma região com cerca de 10 mil km quadrados, 2 milhões de habitantes, com população
majoritariamente islâmica. O CS da ONU editou Resolução em 1999 que permitiu a presença da policia
civil e militar em Kosovo, instituindo uma missão de administração interina da ONU. O presidente finlandês
foi encarregado da administração interna da região. Havia uma proposição de tratar Kosovo com certa
autonomia sob supervisão dos países europeus e Kosovo deveria proteger os direitos de minorias,
especialmente dos sérvios.
Contudo, nesse ínterim, Kosovo declarou independência: houve afronta ou não direito internacional?
Quem seriam os autores da declaração de independência? A CIJ considerou que não eram os
representantes colocados lá pela ONU, mas sim os próprios representantes de Kosovo. Não houve afronta

21
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_08-09-09.html.
29
ao direito internacional. Prevaleceu a autodeterminação dos povos em relação a integridade territorial da
Sérvia.
A decisão da CIJ poderia abrir precedente para outros movimentos separatistas. O conflito de princípios
fez prevalecer a autodeterminação dos povos mas não abriu precedente para outros movimentos, pois a
decisão fez ressalvas de que seria um caso específico: a declaração de independência de Kosovo não
afrontaria o direito internacional; não se decidiu, ainda, sobre a validade ou efeitos legais do
reconhecimento de Kosovo por outros Estados.
Afirmou a CIJ que a questão proposta não suscitou posicionamento sobre se o direito internacional
conferiria a Kosovo o direito de declarar unilateralmente sua independência ou se o direito internacional,
de um modo geral, conferiria o direito a entidades situadas dentro de um Estado a unilateralmente se
romper.
Vale ressaltar que na própria declaração de independência constava menção ao respeito ao direito
internacional e seus princípios.
A CIJ não teve coragem para afirmar que o principio da autodeterminação tem prevalência sobre a
integridade territorial, até mesmo porque a Corte se ateve à pergunta feita dentro das Nações Unidas – se
a declaração de independência estava de acordo com o direito internacional. A corte, desse modo, ficou
em uma posição cômoda, evitando abrir precedentes para outras situações similares separatistas.

Quadro Complementar: Princípios e Regras (VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA)


Ainda que a distinção entre princípios e regras não seja recente, não há dúvida de que a grande discussão sobre
esse problema ganhou a força atual com as obras de RONALD DWORKIN e ROBERT ALEXY.
Segundo DWORKIN, o positivismo, ao entender o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, não
consegue fundamentar as decisões de casos complexos, para as quais o juiz não consegue identificar nenhuma
regra jurídica aplicável.
DWORKIN argumenta que, ao lado das regras jurídicas, há também os princípios. Estes, ao contrário daquelas, que
possuem apenas a dimensão da validade, possuem também outra dimensão: o peso. Assim, as regras ou valem, e
são, por isso, aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e, portanto, não são aplicáveis. No caso dos princípios, essa
indagação acerca da validade não faz sentido. No caso de colisão entre princípios, não há que se indagar sobre
problemas de validade, mas somente de peso. Tem prevalência aquele princípio que for, para o caso concreto, mais
importante, ou, em sentido figurado, aquele que tiver maior peso.
Segundo ALEXY, princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível,
diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes. Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização.
A colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento, para que se possa chegar a um
resultado ótimo. Esse resultado ótimo vai sempre depender das variáveis do caso concreto.
O conceito de princípio usado por ALEXY, como espécie de norma contraposta à regra jurídica, é bastante diferente
do conceito de princípio tradicionalmente usado na literatura jurídica brasileira. A nomenclatura pode variar um pouco
de autor para autor – e são vários os que se dedicaram ao problema dos princípios jurídicos no Brasil – mas a idéia
costuma ser a mesma: princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto que as regras
costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso, caráter mais instrumental e
menos fundamental.
A principal diferença entre ambas as propostas é facilmente identificável. O conceito de princípio, na teoria de ALEXY,
é um conceito que nada diz sobre a fundamentalidade da norma. Assim, falar em princípio do nulla poena sine lege,
em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se
se adotam os critérios propostos por ALEXY, essas normas são regras, não princípios. Todavia, mesmo quando se diz
adotar a concepção de ALEXY, ninguém ousa deixar esses "mandamentos fundamentais" de fora das classificações
dos princípios para incluí-los na categoria das regras.
A distinção entre regras e princípios é uma distinção entre dois tipos de normas e não entre dois tipos de textos. É
por isso que tanto as regras, quanto os princípios pressupõem uma interpretação prévia. Após a interpretação em
sentido estrito, uma regra jurídica é já subsumível, enquanto que os princípios ainda poderão entrar em colisão com
outros princípios, exigindo-se, nesse caso, que se proceda a um sopesamento para harmonizá-los. Assim, "ser
passível ou carente de interpretação" é uma característica de textos que exprimem tanto regras quanto princípios.
Mas "ser passível ou carente de sopesamento" é característica exclusiva dos princípios.
Outro ponto importante nesta discussão é a distinção entre deveres prima facie e deveres definitivos. O exemplo
mais recorrente para ilustrar essa distinção é o seguinte: João promete ir à festa de aniversário de seu amigo José.
Entrementes fica João sabendo que seu outro amigo, Jorge, está extremamente doente e precisa de sua ajuda. Para
João, tanto quanto cumprir as promessas feitas, ajudar um amigo também é um dever. Nesse caso concreto,
contudo, não é possível cumprir ambos os deveres. Após ponderação, decide João ajudar seu amigo doente e não ir
à festa de José. Isso não significa, porém, que "cumprir promessas" tenha deixado de ser um dever para João. A
30
constelação aqui é simples e clara: tanto o dever de cumprir promessas, como o dever de ajudar os amigos, são
deveres prima facie. Isso significa que, diante das possibilidades do caso concreto, o dever pode não se revelar um
dever definitivo, realizável.
No caso concreto, o dever definitivo é aquele que é produto de uma ponderação ou sopesamento e que é expresso
por uma regra com a seguinte redação: "Em situações como a do tipo S1, o dever de ajudar os amigos tem prioridade
em face do dever de manter promessas". A colisão entre ambos os deveres, como se vê, não é apenas aparente,
mas real. Nesse exemplo simplório, pode-se dizer que a decisão é fácil. Isso, contudo, não suaviza a colisão que
existe entre dois deveres prima facie. Não é também difícil de se perceber que a situação descrita no exemplo é a
mesma que ocorre com a colisão de direitos fundamentais. A característica que distingue princípios e regras não é a
existência de uma "consequência determinada" ou de "vagueza". A diferença é de outra natureza: regras expressam
deveres definitivos, enquanto princípios expressam deveres prima facie.

31
Prova Parcial22
Prova Turmas 21-22
1. Disserte e contextualize as teorias sobre o fundamento do Direito Internacional, com a teoria do domínio
reservado e a teoria dos poderes implícitos, analisando o impacto de sua perspectiva sobre a “Cláusula
facultativa de jurisdição obrigatória – “Cláusula Raul Fernandes”. De que maneira os temas dialogam e em
quais aspectos podem ser assimétricos?
2. O internacionalista Jesus Maria Yepes defendeu que a consolidação do Direito Internacional Americano
parte de valores que surgem com a dinâmica das relações internacionais instituídas pelo Novo Mundo,
defendendo nos seguintes termos:
1. O Novo Mundo aceita a universalidade dos princípios fundamentais do Direito Internacional, mas, ao
mesmo tempo, afirma que à medida que novas situações se produzem, novos princípios jurídicos devem ser
formulados para resolver problemas que não haviam sido considerados anteriormente porque eles não
existiam.
2. Os Estados da América têm o direito de não reconhecer algum valor jurídico das instituições e dos
princípios em vigor na Europa, tais como, por exemplo, a intervenção de um Estado nos negócios de um
outro, a nacionalidade jure sanguinis, a política de hegemonia, a responsabilidade sem falta, a proteção
diplomática ilimitada acordada aos nacionais, etc., que não correspondem às suas condições geográficas,
políticas e históricas. Isto, eles reprisaram várias vezes apesar da resistência das velhas nações européias.
3. Eles têm o direito de proclamar sobre quaisquer matérias que lhes são dos princípios e das doutrinas
desconhecidas ou mesmo desconhecidas no resto do mundo. Do mesmo
direito, eles podem regrar por meio de convenções entre eles das questões ao sujeito das quais um acordo
universal é impossível.
4. Os Estados do Novo Mundo desenvolveram uma consciência, uma psicologia, que é inata ao continente
americano, uma consciência jurídica especial e que a habilita a exercer uma influência sobre a evolução do
Direito Internacional. (YEPES, Jesus Maria. Droit des Gens em Amérique. Reuceil dês Cours. Paris, n. 1, v.
47, 1934. p. 7-8, tradução livre)
Tendo em vista a afirmação do referido internacionalista responda: È possível relativizar princípios no
Direito Internacional? Qual a força e o papel normativo dos princípios no atual contexto da sociedade
internacional? Explique. Existe algum princípio vinculado diretamente ao conceito de sujeito de direito
internacional? Sim? Não? Por qual motivo? Relacione a citação à aplicação concreta de princípios
segundo exemplos dados em sala de aula.

Prova Turmas 23-24


1. A Segunda Conferência da Paz, realizada na Haia — ora às vésperas de completar cem anos —,
deixou importante legado para as relações internacionais. A atuação brasileira no encontro foi, em
particular, relevante. Das inúmeras intervenções do chefe da nossa delegação, uma merece maior
atenção. Trata-se da réplica, feita de improviso por Rui Barbosa, à censura a ele dirigida pelo presidente
da Conferência, que o advertiu de que aquela assembléia deveria evitar envolver política em suas
discussões. Da manifestação de Rui, proferida em 12 de julho de 1907, pode-se extrair o seguinte trecho:
“Não há nada mais eminentemente político, debaixo do céu, que a soberania. Não há nada mais
resolutamente político, senhores, que pretender-lhe traçar limites. Não será, portanto, política da mais
declarada e franca, o que estais fazendo, quando procurais alçar, com o arbitramento obrigatório, uma
barreira ao arbítrio das soberanias? Essas entidades absolutamente políticas, as soberanias, cujos
representantes sois nesta conferência, iriam abdicar parte da sua independência nativa nas mãos de um
tribunal, obrigando-se a lhe submeter certas categorias de pleitos entre Estados soberanos.” (In: STEAD,
William. O Brazil em Haya. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 102. xvii, 190 p.)
A) O representante brasileiro, na passagem, faz referência à necessidade de adoção, por parte da
sociedade internacional, de uma nova postura no que tange ao tema da soberania dos Estados. Essa
postura sugerida, que a história mostrou ter prevalecido, pode ser considerada um dos princípios basilares
do Direito Internacional. Qual é esse princípio, qual seu conteúdo jurídico e quais os seus limites de
alcance?
B) Em que medida a institucionalização da Organização das Nações Unidas se aproxima ou se afasta da
observância dessa postura no âmbito de sua estrutura de poder?

22
Prova realizada em 29/9/2014.
2. A) Situe o debate sobre o caso Bernadotte (Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre
a "Reparação de danos sofridos a serviço da Organização", de 1949) na matéria trabalhada em sala de
aula e explique de que forma poderia interferir ou influenciar na aceitação da palestina como membro da
Organização das Nações Unidas – seja como Estado ou observador – na contemporaneidade.
B) É possível estabelecer conexão do Direito de veto prescrito na Carta das nações Unidas e o debate
sobre o fundamento do direito internacional? Em quais aspectos essas proposições dialogam?
Contextualize.

33
5. Fontes do Direito Internacional23
A importância desta discussão envolve a interpretação de fatos jurídicos ocorridos no plano internacional.
A fonte serve como instrumento de interpretação e colmatação de lacunas na aplicação do direito
internacional. É nas fontes que buscamos o sustentáculo da argumentação jurídica envolvendo regras de
direito internacional.
O rol de fontes encontrado na maioria dos manuais – art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça
– foi concebido num modelo do século passado, com a ideia subjacente de protagonismo total do Estado.
Artigo 38. 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe
forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais. que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição do art. 5924, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais
qualificados das diferentes Nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Côrte de decidir uma questão ex aeque et bano, se
as partes com isto concordarem.
Quando estudamos os sujeitos do direito internacional, vimos que novos elementos foram inseridos, tais
como as organizações internacionais e mesmo os indivíduos. Em virtude disso, as fontes classicamente
estudadas devem ser redimensionadas à luz de uma sociedade internacional mais ampla. Não poderemos
ignorar esta informação para a discussão a seguir.
Não existe uma hierarquia entre as fontes do direito internacional. Podem ser utilizados tratados,
costumes, princípios gerais do direito e mesmo equidade.
A doutrina caracteriza os tratados, os costumes e os princípios com caráter de fonte autônoma. Os demais
– decisões judiciárias e doutrina – só poderiam ser aplicados em conjunto com fontes autônomas. No
entanto, isso já não é mais tão verdadeiro.

5.1. Tratados
A primeira fonte a ser estudada são os tratados. Numa perspectiva voluntarista, analisa-se a manifestação
da vontade do Estado no sentido de se submeter a um tratado, a fim de aferir sua validade. Há quem
pense que o direito internacional começa e termina no direito dos tratados, em especial os positivistas: se
não há tratados, então o Estado não está obrigado a nada.
Tratado é um acordo formal celebrado entre Estados ou organizações internacionais que geram direitos e
obrigações para seus signatários.
Só existe tratado internacional. Na acepção correta da palavra, tratado é o documento solene, firmado
dentro do quadro do ajustamento de interesses e acordos entre Estados soberanos.
Em 1969, a ONU patrocinou a Convenção de Viena25 que padronizou a celebração de tratados. Em 1985,
esta Convenção foi reformada para permitir que as organizações internacionais também pudessem
celebrar tratados.

5.2. Costumes
A segunda fonte são os costumes, o direito internacional consuetudinário. A grande maioria das regras
convencionadas tem origem costumeira – é o que a doutrina chama de fenômeno convencional, a
redação de tratados que convencionam costumes. A definição do mar territorial, a imunidade dos
diplomatas, estas regras são provenientes de costumes que foram traduzidos em documentos.
O costume internacional possui dois elementos fundamentais para sua caracterização: a prática geral e
reiterada e a opinio iuris, isto é, a aceitação da prática como um direito invocável, a configuração como
uma opinião de direito, revestindo-se de certa juridicidade na perspectiva dos envolvidos.

23
Aula de 6/10/2014.
24
Artigo 59. A decisão da Côrte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão.
25
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm.
5.3. Princípios Gerais de Direito
A terceira fonte são os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Quando da
redação do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, não havia sido editada a Carta das Nações Unidas,
com o estabelecimento dos princípios do direito internacional, enumerados em seus arts. 1o e 2o. Assim,
estes princípios têm seu fundamento naqueles (princípios gerais de direito), deles deduzindo sua força.
Não podemos perder de vista o conteúdo epistemológico do direito internacional: o direito internacional é
direito. Devem ser levados em conta todos os valores que nutrem o sistema jurídico, que não estão na
força, não estão no poder de barganha.
A doutrina critica a expressão "nações civilizadas", por não haver, em tese, a possibilidade de concepção
de nações que não sejam civilizadas. Contudo, acredita-se que a expressão busca mover os Estados à
conscientização de que reconhecer e aplicar os princípios do direito internacional faz parte da concepção
de maturidade civilizacional de uma dada nação, de civilidade de um povo.

5.4. Fontes Auxiliares


A doutrina entende que as três fontes já mencionadas seriam suficientes para gerar conceitos,
entendimentos jurídicos normativos e que as demais seriam somente fontes auxiliares, só conseguindo
efeitos se aplicadas com os tratados, o costume internacional e os princípios gerais de direito.
Nesse sentido, a quarta fonte – fonte auxiliar – seria a jurisprudência internacional. No momento da
redação do dispositivo, havia apenas a Corte de Internacional de Justiça, que havia julgado 54 casos à
época. Houve, posteriormente, uma amplificação de Tribunais Internacionais, acessíveis não apenas a
Estados, mas também a empresas e indivíduos.
Com isso, o direito internacional passou a contar com novos mecanismos de produção e aplicação de
regras. Assim, a jurisprudência precisa ser redimensionada, no contexto da sociedade internacional
contemporânea. Poderíamos concluir que a jurisprudência é uma fonte autônoma, capaz de gerar um
entendimento jurídico-normativo. No entanto, esse é um posicionamento doutrinário divergente da doutrina
clássica.
A quinta fonte é a doutrina. Nem toda publicação pode servir como fonte de direito, devendo ser levados
em conta requisitos como a busca de autoridade de argumento no sentido de construção teórica sobre
determinado entendimento. Se há mera reprodução de conceitos, não há que se falar em fonte doutrinária.
É preciso haver autoridade científica para tal.
A analogia e a equidade são fontes adicionais, sendo que esta última aparece em muitos tratados e
estatutos de cortes internacionais.
O juízo de equidade envolve a aplicação de razoabilidade, pelo operador do direito, na interpretação de
certo caso concreto. Não devemos, aqui, confundir o sentido axiológico com o sentido instrumental da
fonte.
Essas são as fontes estabelecidas pelo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Outras fontes
se consolidaram no estudo do direito internacional. São elas:
 Atos unilaterais dos Estados: não devem ser confundidos com os costumes (prática geral e
reiterada), pois são atos que vinculam certo Estado porque este age tradicionalmente daquela forma –
é uma prática reiterada unilateralmente por aquele Estado;
 Decisões das organizações internacionais: as organizações internacionais são um fenômeno
relativamente novo no direito internacional. Uma decisão de um de seus órgãos pode afetar o
comportamento de determinado Estado, que aceitou previamente a aplicação de certa regra. Por
exemplo, uma resolução de uma organização internacional, a decisão de boicote econômico contra
determinado Estado, entre outros, acabam gerando direitos e obrigações, vinculando os Estados;
 Soft law: alguns autores dizem que é o "direito que não se quer agora", ou um direito que precisa ser
referendado posteriormente, é uma regra propositiva ou inspiradora. Na prática, são todos os
documentos produzidos no plano internacional que não possuem obrigatoriedade. Esses documentos
são, muitas vezes, um marco conceitual, que não obriga os Estados à sua incorporação. Há autores
que afirmam que, se não há obrigatoriedade na soft law, ela não é fonte do Direito Internacional.
Com o intuito de promover consenso a longo prazo, muitos documentos produzidos como soft law
influenciam os Estados na adoção de conceitos jurídicos normativos, na consagração de valores que

35
influenciarão, posteriormente, a ratificação de novos tratados, ou mesmo, no plano interno, o entendimento
jurídico normativo dos Estados. Este é o efeito reprodutivo, impactante, da soft law. Por isso, muitas vezes
seu impacto é maior que os tratados.
A grande diferença entre os tratados e o soft law envolve a força cogente que aqueles carregam.
Estes têm servido como inspiração do entendimento jurídico-normativo dos Estados no plano interno.
Em sua origem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos seria um exemplo de soft law por
excelência, tendo sido posteriormente incorporado em tratados e reproduzidos no plano interno dos
tratados. Outro exemplo é a Agenda 2126.
A soft law tem servido como um instrumento de diálogo entre o plano interno e plano internacional –
localismo globalizado (fenômeno local levado ao foro internacional) e globalismo localizado (uma
discussão global é incorporada no plano interno), faces da relação dialógica jurídico-normativa e também
cultural da sociedade contemporânea.

26
A Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência Eco-92 ou Rio-92, ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil,
em 1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e
localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da
sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. Cada país desenvolve a
sua Agenda 21 e no Brasil as discussões são coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento
Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS). A Agenda 21 se constitui num poderoso instrumento de reconversão
da sociedade industrial rumo a um novo paradigma, que exige a reinterpretação do conceito de progresso,
contemplando maior harmonia e equilíbrio holístico entre o todo e as partes, promovendo a qualidade, não apenas a
quantidade do crescimento.
36
6. Direito dos Tratados27
Na perspectiva mais positivista do direito internacional, este acaba por se confundir com o direito dos
tratados. Em linha com a doutrina clássica, estudaremos este tema a partir de agora com mais vagar.
Como vimos, tratado é todo acordo formal celebrado entre Estados e/ou organizações internacionais que
geram direitos e obrigações entre os signatários. É cogente, deve ser solene e é definitivo. É um acordo
entre vontades soberanas.
Em 1969, a ONU patrocinou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, reformada em 1985 com
a possibilidade de as organizações internacionais celebrarem tratados. Há entendimento no sentido que
essa Convenção teria apenas consagrado o costume28, já que os tratados já eram celebrados (o Tratado
de Tordesilhas, a Bula Inter Coetera, entre outros, já apresentavam certos aspectos rituais e de forma, por
exemplo). Sua importância é a da disciplina dos tratados, que antes elam celebrados de maneira não
uniforme.

6.1. O Preâmbulo da Convenção de Viena


É importante começarmos nosso estudo pela análise do preâmbulo da Convenção de Viena, que oferece
uma espécie de resumo do que estudamos até aqui.
Os Estados Partes na presente Convenção,
Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais,
Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio
de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais
e sociais,
Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta sunt servanda são
universalmente reconhecidos,
Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais,
devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito
Internacional,
Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições necessárias à manutenção
da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados,
Conscientes dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas, tais como os
princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, da igualdade soberana e da
independência de todos os Estados, da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, da
proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e observância dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais para todos,
Acreditando que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito dos tratados alcançados na
presente Convenção promoverão os propósitos das Nações Unidas enunciados na Carta, que são a
manutenção da paz e da segurança internacionais, o desenvolvimento das relações amistosas e a
consecução da cooperação entre as nações,
Afirmando que as regras do Direito Internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não
reguladas pelas disposições da presente Convenção,
Convieram no seguinte: (...)
Observe-se que os tratados são fonte do direito internacional mesmo antes da Convenção de Viena. Seu
texto reafirma três princípios do direito internacional que são próprios do direito dos tratados.
A menção à boa-fé diz respeito à não celebração de “tratados subterrâneos”, sigilosos. O livre
consentimento diz respeito à ideia de que nenhum tratado pode ser imposto a um Estado, sob pena de
nulidade. O princípio do pacta sunt servanda encontra-se muito presente no direito dos tratados, para
garantir o cumprimento do que foi convencionado. O direito dos tratados herdou uma perspectiva
contratualista, com um raciocínio civilista. Poderíamos até mesmo falar em rebus sic standibus.
Vemos, ainda, que há dispositivos que abrem espaço para um enfoque menos positivista do direito dos
tratados, realçando a importância dos princípios e o papel dos costumes para colmatação de lacunas.
Quando da aplicação de um tratado que não traga disposições explícitas sobre o respeito aos direitos
humanos ou à autodeterminação dos povos, estes princípios podem ser invocados, pois encontram-se na
base do direito dos tratados.

27
Aulas de 13 e 20/10/2014.
28
O fenômeno convencional consiste na positivação dos costumes nos tratados, no âmbito do direito internacional.
O Brasil só veio a ratificar a Convenção de Viena em 2009. Até ali, o Brasil aplicava costumeiramente as
regras sobre o direito dos tratados29.

6.2. Conceitos Importantes


6.2.1. Tratado
De acordo com a Convenção de Viena, tratado “significa um acordo internacional concluído por escrito
entre Estados [e organizações internacionais] e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um
instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação
específica”.
Não existe tratado que não seja internacional. Não existe tratado verbal. Tratados podem ser firmados por
Estados ou Organizações Internacionais. Seu conteúdo é mais importante que a terminologia adotada
(Convenção, Protocolo, Pacto, Tratado, Acordo etc.).
Destacamos a importância do art. 27 sobre a relação entre direito internacional e direito interno, que
prejudica o entendimento de que os tratados devem ser interpretados conforme o direito interno ou mesmo
inviabiliza o controle de constitucionalidade de tratados:
Artigo 27
Direito Interno e Observância de Tratados
Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de
um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.

6.2.2. Ratificação, aceitação, aprovação e adesão


Ratificação, aceitação, aprovação e adesão significam, conforme o caso, “o ato internacional assim
denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se
por um tratado”. Pela ratificação o Estado se obriga (pela denúncia o Estado se desobriga, como
veremos).
Este é um ato jurídico que se realiza no plano internacional, para a produção de direitos e obrigações.
Assim, é equivocado afirmar que o Congresso Nacional “ratificou” um tratado – não é um ato jurídico que
se realiza no plano interno.
O art. 14 da Convenção de Viena dispõe sobre o assunto:
Artigo 14
Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Ratificação, Aceitação ou Aprovação
1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação:
a) quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação;
b) quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação seja
exigida;
c) quando o representante do Estado tenha assinado o tratado sujeito a ratificação; ou
d) quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes
de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.
2. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela aceitação ou aprovação
em condições análogas às aplicáveis à ratificação.
Uma ressalva terminológica: ninguém pode aderir a algo que não existe. Por isso, quando utilizarmos a
palavra “adesão” com sentido de “ratificação”, queremos dizer que o Estado ratificou um tratado que já
existia e que já estava em vigor. Assim, existe a possibilidade adicional de um Estado ratificar um Estado
que não está em vigor.

6.2.3. Depósito
Esse conceito envolve a dificuldade de ratificação por todos os Estados, na prática. Em geral, um Estado é
escolhido como depositário do tratado.

29
DECRETO Nº 7.030, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66.
38
Depósito é o ato instrumental pelo qual o Estado entrega formalmente um ato de ratificação a um Estado
determinado. Normalmente, o efeito prático envolve a entrada em vigor de um tratado, que é vinculada a
alguma data de depósito.
Nesse sentido, o art. 84 da Convenção de Viena dispõe:
1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo
quinto instrumento de ratificação ou adesão.
2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do trigésimo quinto
instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por
esse Estado, de seu instrumento de ratificação ou adesão.
O depositário do Tratado de Assunção é o Paraguai:
O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro
instrumento de ratificação. Os Instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República
do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demais Estados Partes.

6.2.4. Plenos Poderes


Quem pode negociar um tratado em nome do Brasil? Quem detiver a “Carta de Plenos Poderes”.
Plenos poderes significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual
são designadas uma ou várias pessoas (plenipotenciários) para representar o Estado na negociação,
adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se
por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado.
Existem certas figuras que são plenipotenciários por excelência, que prescindem de Carta de Plenos
Poderes: os Chefes de Estado e de Governo, o Ministro das Relações Exteriores, um embaixador30 (se a
negociação se dá num Estado onde a embaixada é sediada ou se está envolvida uma organização
internacional na seja embaixador).
A ratificação, contudo, envolve dimensão diversa – é um ato formal no plano internacional:
CF/88, Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VIII - celebrar tratados, convenções
e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

6.2.5. Reserva
Reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por
um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou
modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.
O art. 19 da Convenção de Viena regula a matéria:
Artigo 19
Formulação de Reservas
Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a
não ser que:
a) a reserva seja proibida pelo tratado;
b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a
reserva em questão; ou
c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do
tratado.
O Brasil ratificou a Convenção de Viena, com reserva aos seus artigos 25 (Aplicação Provisória) e 66
(Processo de Solução Judicial, de Arbitragem e de Conciliação).
Outro exemplo foi a reserva oposta pelo Brasil ao Código Bustamante (Convenção Internacional de Direito
Privado de Havana, Decreto nº 18.871, de 13 de Agosto de 1929), que dizia respeito ao divórcio,
inadmissível em nosso país à época de sua ratificação:
RESERVA DE LA DELEGACIÓN DE BRASIL

30
Embaixador é diferente de cônsul. Enquanto o primeiro age representando um Estado (direito internacional
público), o segundo trata de interesses de particulares.
39
Rechazada la enmienda substitutiva que propuso para el artículo 53, la Delegación de Brasil niega su
aprobación al artículo 52, que establece la competencia de la ley del domicilio conyugal para regular la
separación de cuerpos y el divorcio, así como también al artículo 54.
A Carta das Nações Unidas, como vimos, não admitia reservas.

6.2.6. Denúncia
Da mesma forma que um Estado é livre para aceitar um tratado, pode, a qualquer momento, dele se
desvincular.
Consideremos o art. 56 da Convenção de Viena:
Artigo 56
Denúncia, ou Retirada, de um Tratado que não Contém Disposições sobre Extinção, Denúncia ou Retirada
1. Um tratado que não contém disposição relativa à sua extinção, e que não prevê denúncia ou retirada, não
é suscetível de denúncia ou retirada, a não ser que:
a) se estabeleça terem as partes tencionado admitir a possibilidade da denúncia ou retirada; ou
b) um direito de denúncia ou retirada possa ser deduzido da natureza do tratado.
2. Uma parte deverá notificar, com pelo menos doze meses de antecedência, a sua intenção de denunciar ou
de se retirar de um tratado, nos termos do parágrafo 1.
Em regra, a denúncia ou retirada, não é possível se o tratado não contiver disposição expressa sobre a
matéria. O dispositivo acima reproduzido traz as exceções admissíveis.
O Tratado de Assunção, a título de ilustração, regula a denúncia em seus arts. 21 e 22:
ARTIGO 21
O Estado Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá comunicar essa intenção aos demais
Estados Partes de maneira expressa e formal, efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do
documento de denúncia ao Ministério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuirá
aos demais Estados Partes.
ARTIGO 22
Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos e obrigações que correspondam a
sua condição de Estado Parte, mantendo-se os referentes ao programa de liberação do presente Tratado e
outros aspectos que os Estados Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta
(60) dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado denunciante continuarão
em vigor por um período de dois (2) anos a partir da data da mencionada formalização.
A parte final do art. 22 estabelece uma regra que vincula o Estado por um período posterior à formalização
da denúncia.
31
Quadro complementar: exemplo de denúncia pelo Presidente
No dia 14 de fevereiro de 2008, o presidente Lula encaminhou para apreciação do Congresso Nacional as
convenções 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção 151 trata da organização
sindical e do processo de negociação dos trabalhadores do serviço público. Já a Convenção 158 tem como tema a
garantia do emprego contra a dispensa imotivada.
Conforme prevê a Constituição Federal, a ratificação de uma convenção internacional pelo país depende da
aprovação de seus dispositivos pelo Congresso Nacional. No que se refere à Convenção 158 da OIT, essa
aprovação já ocorreu em 1992, conforme o Decreto Legislativo nº 68, de 17 de setembro daquele ano.
Aprovada pelo Congresso Nacional, coube ao governo solicitar o registro da ratificação da Convenção junto ao diretor
geral da OIT, o que só foi feito na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 5 de janeiro de 1995. A
partir desta data, iniciou-se a contagem de 12 meses para que a Convenção 158 entrasse em vigor no país, em 5 de
janeiro de 1996.
Na ocasião, entretanto, boa parte do empresariado e de sua assessoria jurídica reagiu à entrada em vigor da
Convenção 158, alegando que sua aplicação dependeria da regulamentação do inciso I do Art. 7º da Constituição
Federal. Diante do debate aí instalado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expediu o Decreto 1.855, de 10
de abril de 1996, determinando que “A Convenção 158 da OIT deverá ser executada e cumprida tão inteiramente
como nela se contém”. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT), entidade patronal, entrou, então, com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para contestar a vigência e a auto-
aplicabilidade da Convenção 158. Porém, antes mesmo que o Judiciário se pronunciasse sobre a matéria, o governo
editou novo decreto (Decreto 2.100/96), em novembro do mesmo ano, denunciando a Convenção 158, o que, na

31
Fonte: http://www.fup.org.br/2012/images/dieese/dieese9.pdf
40
linguagem jurídica, significa declarar encerrado o compromisso anteriormente assumido de cumprir os seus
dispositivos. A alegação do governo foi a de que manutenção da adesão à Convenção 158 acarretaria ao Brasil
perda de competitividade internacional, além de a medida estar gerando confusão jurídica, devido às conflitantes
decisões dos tribunais durante o curto espaço de tempo em que vigorou no país. O texto do decreto presidencial é
mostrado abaixo.

DECRETO Nº 2.100, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.

Torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158 relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do
Empregador.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997,
a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em
22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho,
tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.

Brasília, 20 de dezembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Luiz Felipe Lampreia

6.3. Estrutura dos Tratados


É preciso conhecer as técnicas de redação de tratados para poder interpretá-los adequadamente. Um
exemplo que já discutimos foi o art. 27.3 da CNU: “as decisões do Conselho de Segurança, em todos os
outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de
todos os membros permanentes”. Percebemos como o direito de veto foi introduzido de forma sutil,
através da noção de “voto afirmativo”, e do destaque para a inclusão dos membros permanentes.
Devemos recordar que a denominação específica não é relevante para a identificação de um tratado, mas
sim o seu conteúdo. Após o título do tratado, que normalmente homenageia a cidade na qual se reuniram
as autoridades para sua negociação e celebração.
O preâmbulo, não redigido propriamente em linguagem jurídica, é a parte inicial de um tratado e explicita
as razões que levaram os Estados a firmar certo tratado. Usualmente, não se dá muito valor ao
preâmbulo, mas este é imprescindível para a análise do contexto em que o tratado foi celebrado, trazendo,
ainda, vetores hermenêuticos importantes.
Na sequência, temos os dispositivos, onde se encontra o objeto, o núcleo de um tratado. É redigido em
linguagem jurídica. Neles encontramos as regras objetivas que compõe as relações de direitos e
obrigações entre as partes.
Nos dispositivos finais, encontramos as regras de vigência, a possibilidade de reserva, de denúncia, a
possibilidade de sua aplicação provisória, o Estado depositário, etc.
Adicionalmente, podemos encontrar as assinaturas dos representantes dos Estados que negociaram o
tratado.
Finalmente, outra parte facultativa são os anexos, que fazem parte do conteúdo do tratado.

6.4. Fases da Elaboração de um Tratado


A primeira fase é a negociação que pode se dá por meio da troca de notas ou por meio de uma
conferência internacional. Sabemos que apenas os plenipotenciários podem negociar tratados.
A troca de notas é um sistema utilizado quando há um número reduzido de Estados, como ocorreu com o
Tratado de Assunção. Normalmente, uma conferência internacional demanda recursos de grande
magnitude, para reunir representantes de diversos países, envolvendo, ainda, questões de tradução,
alimentação, segurança, entre outras.
Após a negociação, temos a adoção do texto, eliminando pontos controversos e dúvidas sobre os
dispositivos. Devemos ressaltar a diferença entre versão autêntica e versão oficial.

41
Constituem a versão autêntica os textos que servem de base para a interpretação em caso de controvérsia
– são os textos nos idiomas reconhecidos para fins de interpretação. Na Convenção de Viena, temos o art.
85, que estabelece como idiomas reconhecidos o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo:
Artigo 85
Textos Autênticos
O original da presente Convenção, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo fazem
igualmente fé, será depositado junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.
Em fé do que, os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente autorizados por seus respectivos
Governos, assinaram a presente Convenção.
Feita em Viena, aos vinte e três dias de maio de mil novecentos e sessenta e nove.
A versão oficial, por sua vez, envolve as traduções em idiomas não reconhecidos para fins de versão
autêntica. Quando um tratado é incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, seu conteúdo é traduzido:
assim, a versão oficial em português é relevante para discussões perante tribunais brasileiros. Numa
discussão jurídica perante um tribunal internacional, poder-se-ia exigir a utilização do texto em algum dos
idiomas da versão autêntica, apontando, por exemplo, inadequações na tradução para o português.
Uma questão importante foi a recente utilização do instituto do auxílio direto no caso Berezovsky 32 ,
utilizado para quebrar seu sigilo bancário. Seus advogados argumentaram que se tratava de um instituto
não positivado no direito brasileiro e o Ministério Público alegou que poderia ser incorporado em função da
sua previsão em tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário.
A próxima fase é a autenticação, que é a rubrica dos representantes dos Estados, que configura a versão
autêntica, a qual não mais será modificada. A Carta de Plenos poderes permite a participação até esta
fase.
A ratificação sucede a autenticação. É o ato inequívoco pelo qual o Estado se submete a determinado
tratado. É um ato jurídico que se realiza no plano internacional. Cada Estado disciplina quem é
competente para a ratificação de tratados. No Brasil, com base no art. 84, VIII, tal competência é exclusiva
do Presidente da República. É importante ressaltar que o texto constitucional utiliza o verbo “celebrar” em
vez de ratificar, porém o sentido é o mesmo.
A entrada em vigor pode ser automática ou diferida.
Por fim, temos o registro e a publicação. A esse respeito, vale reproduzir o art. 102 da Carta das Nações
Unidas:
Artigo 102. 1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações Unidas
depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados
e publicados pelo Secretariado.
2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de
conformidade com as disposições do parágrafo 1 deste Artigo poderá invocar tal tratado ou acordo perante
qualquer órgão das Nações Unidas.
A publicação, assim, é requisito para a invocação de um tratado.
Resumindo, as fases são: negociação, adoção do texto, autenticação, ratificação, entrada em vigor,
registro e publicação.
Entre a autenticação e a ratificação, existe um procedimento interno de ebulição psicológica do Estado no
sentido de determinar se deverá ou não se submeter a um dado tratado. Essa discussão é fundamental: a
partir de que momento um tratado pode ser invocado perante o ordenamento jurídico brasileiro?

32
O caso trata do compartilhamento de provas sobre o empresário Bóris Abramovich Berezovsky entre a Justiça
Brasileira e o Ministério Público russo. O empresário era acusado de lavagem de dinheiro e investigado também pelo
país estrangeiro. Sabendo do processo no Brasil, o Ministério Público russo pediu cópias dos hard disks apreendidos
como provas. O pedido foi encaminhado ao Brasil por meio de ofícios, o juiz federal atendeu ao pedido e enviou as
cópias à Rússia antes de o material ser periciado. Bóris Berezovsky entrou com um recurso no STJ alegando que o
pedido não foi feito por carta rogatória, e sua análise deveria ser de competência do STJ. Discute-se então se o que
está disposto na Constituição Federal é taxativo quanto às formas de cooperação internacional, por estabelecer que
é competência do STJ conceder o exequatur de cartas rogatórias e realizar homologação de sentenças estrangeiras.
42
6.5. Interpretação de Tratados33
Neste tópico, analisaremos as regras trazidas pela Convenção de Viena a respeito da interpretação dos
tratados. Devemos sempre ter em mente que a Convenção de Viena traz, além de uma perspectiva
civilista, um enfoque positivista para o estudo do direito internacional.
Consideremos a dicção dos arts. 31 a 33:
Artigo 31
Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado
em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e
anexos:
a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;
b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e
aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas
disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das
partes relativo à sua interpretação;
c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das
partes.
Artigo 32
Meios Suplementares de Interpretação
Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado
e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou
de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:
a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.
Artigo 33
Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas
1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma
delas, a não ser que o tratado disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um
texto determinado.
2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi autenticado só será considerada
texto autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso concordarem.
3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos.
4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do parágrafo 1, quando a comparação
dos textos autênticos revela uma diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina,
adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor conciliar os
textos.
Pelo princípio da boa fé, tudo o que está escrito nos tratados deve ser entendido como expressão da
vontade das partes. Não se busca questões obscuras de poder, apenas o que está nos dispositivos, o
sentido comum de seus termos em face do contexto, à luz do objeto e finalidade do tratado.
O objeto do tratado se encontra em seus dispositivos. A finalidade se encontra em seu preâmbulo.
Anexos e outros instrumentos podem ser considerados, conforme as hipóteses do art. 31.

33
Aula de 10/11/2014. Esta aula foi ministrada depois do estudo da relação entre os tratados e o direito interno, mas
optei por inseri-la no ponto relativo ao direito dos tratados, por maior afinidade com os conteúdos estudados
anteriormente.
43
6.6. Tratados e Terceiros Estados
Uma outra questão relevante é: pode um tratado gerar obrigações para um Estado que não o ratificou? A
Convenção de Viena tem espaços de discricionariedade, possibilitando a avaliação de circunstâncias
excepcionais. Temos os seguintes dispositivos:
Tratados e Terceiros Estados
Artigo 34
Regra Geral com Relação a Terceiros Estados
Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento.
Artigo 35
Tratados que Criam Obrigações para Terceiros Estados
Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado
tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro Estado aceitar expressamente,
por escrito, essa obrigação.
Artigo 36
Tratados que Criam Direitos para Terceiros Estados
1. Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem
a intenção de conferir, por meio dessa disposição, esse direito quer a um terceiro Estado, quer a um grupo de
Estados a que pertença, quer a todos os Estados, e o terceiro Estado nisso consentir. Presume-se o seu
consentimento até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente.
2. Um Estado que exerce um direito nos termos do parágrafo 1 deve respeitar, para o exercício desse direito,
as condições previstas no tratado ou estabelecidas de acordo com o tratado.
Artigo 37
Revogação ou Modificação de Obrigações ou Direitos de Terceiros Estados
1. Qualquer obrigação que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 35 só poderá ser
revogada ou modificada com o consentimento das partes no tratado e do terceiro Estado, salvo se ficar
estabelecido que elas haviam acordado diversamente.
2. Qualquer direito que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 36 não poderá ser
revogado ou modificado pelas partes, se ficar estabelecido ter havido a intenção de que o direito não fosse
revogável ou sujeito a modificação sem o consentimento do terceiro Estado.
Artigo 38
Regras de um Tratado Tornadas Obrigatórias para Terceiros Estados por
Força do Costume Internacional
Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para
terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.
A cláusula da nação mais favorecida no comércio internacional é um exemplo de direito criado para
terceiro Estado. Um exemplo de criação de obrigação para terceiro Estado foram os encargos que tiveram
que ser suportados pela Argentina por conta da criação da Itaipu Binacional, acordada entre Paraguai e
Brasil.

6.7. Emenda e Modificação de Tratados


As regras sobre a matéria encontram-se nos arts. 39 a 41 da Convenção de Viena:
Emenda e Modificação de Tratados
Artigo 39
Regra Geral Relativa à Emenda de Tratados
Um tratado poderá ser emendado por acordo entre as partes. As regras estabelecidas na parte II aplicar-se-
ão a tal acordo, salvo na medida em que o tratado dispuser diversamente.
Artigo 40
Emenda de Tratados Multilaterais
1. A não ser que o tratado disponha diversamente, a emenda de tratados multilaterais reger-se-á pelos
parágrafos seguintes.
2. Qualquer proposta para emendar um tratado multilateral entre todas as partes deverá ser notificada a
todos os Estados contratantes, cada um dos quais terá o direito de participar:

44
a) na decisão quanto à ação a ser tomada sobre essa proposta;
b) na negociação e conclusão de qualquer acordo para a emenda do tratado.
3. Todo Estado que possa ser parte no tratado poderá igualmente ser parte no tratado emendado.
4. O acordo de emenda não vincula os Estados que já são partes no tratado e que não se tornaram
partes no acordo de emenda; em relação a esses Estados, aplicar-se-á o artigo 30, parágrafo 4 (b).
5. Qualquer Estado que se torne parte no tratado após a entrada em vigor do acordo de emenda será
considerado, a menos que manifeste intenção diferente:
a) parte no tratado emendado; e
b) parte no tratado não emendado em relação às partes no tratado não vinculadas pelo acordo de emenda.
Artigo 41
Acordos para Modificar Tratados Multilaterais somente entre Algumas Partes
1. Duas ou mais partes num tratado multilateral podem concluir um acordo para modificar o tratado, somente
entre si, desde que:
a) a possibilidade de tal modificação seja prevista no tratado; ou
b) a modificação em questão não seja proibida pelo tratado; e
i) não prejudique o gozo pelas outras partes dos direitos provenientes do tratado nem o cumprimento de suas
obrigações
ii) não diga respeito a uma disposição cuja derrogação seja incompatível com a execução efetiva do objeto e
da finalidade do tratado em seu conjunto.
2. A não ser que, no caso previsto na alínea a do parágrafo 1, o tratado disponha de outra forma, as partes
em questão notificarão às outras partes sua intenção de concluir o acordo e as modificações que este
introduz no tratado.
Porque foi criada a ALADI e não simplesmente emendado o tratado que criou a ALALC? Exatamente pela
dificuldade do processo de emenda.
Este procedimento dificulta sobremaneira a reforma da estrutura da ONU, dada a quantidade de países
que precisam ratificar as alterações necessárias na Carta das Nações Unidas. Se algum dos Estados
opuser reserva, como gerenciar regimes mistos, por exemplo, para a composição do Conselho de
Segurança? Seria inviável se isto ocorresse. Talvez fosse mais fácil extinguir a ONU e criar uma nova
organização, com novos termos.
NOTA DO AUTOR DO CADERNO: Após realizar uma pesquisa, constatei que, em verdade, em 21 de março de 1986 foi
celebrada a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre
Organizações Internacionais, que incorporou em seu texto as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de
1969 e trouxe as modificações necessárias para tornar as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional. Em
seu preâmbulo, temos:
Bearing in mind the provisions of the Vienna Convention on the Law of Treaties of 1969,
Recognizing the relationship between the law of treaties between States and the law of treaties between States and
international organizations or between international organizations,
Considering the importance of treaties between States and international organizations or between international
organizations as a useful means of developing international relations and ensuring conditions for peaceful cooperation
among nations, whatever their constitutional and social systems,
Having in mind the specific features of treaties to which international organizations are parties as subjects of international
law distinct from States,
Noting that international organizations possess the capacity to conclude treaties, which is necessary for the exercise of
their functions and the fulfilment of their purposes,
O artigo 85 da Convenção estabelece que ela entrará em vigor depois que seja ratificada por 35 Estados (organizações
internacionais podem ratificá-la, mas tais ratificações não entram na totalização do número necessário para entrada em vigor). O
status de ratificação e as reservas dos signatários podem ser acessadas em:
https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XXIII-3&chapter=23&lang=en

6.8. Nulidade de Tratados


Neste tema se revela a inspiração civilista da Convenção de Viena. Há regras de nulidade para vícios de
competência, erro, dolo, corrupção de representante de Estado, coação de representante de Estado,
coação de Estado pela ameaça ou emprego da força e, por fim, a nulidade por conta de contrariedade a
norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens).
É importante frisar que jus cogens NÃO se aplica no direito interno, aplica-se apenas nas relações entre
partes de tratados. Ainda, o conceito foi introduzido apenas em 1969.
45
O assunto é regulado nos arts. 46 a 53. A declaração de nulidade é regulada nos arts. 69 e 71:
Artigo 69
Conseqüências da Nulidade de um Tratado
1. É nulo um tratado cuja nulidade resulta das disposições da presente Convenção. As disposições de um
tratado nulo não têm eficácia jurídica.
2. Se, todavia, tiverem sido praticados atos em virtude desse tratado:
a) cada parte pode exigir de qualquer outra parte o estabelecimento, na medida do possível, em suas
relações mútuas, da situação que teria existido se esses atos não tivessem sido praticados;
b)os atos praticados de boa fé, antes de a nulidade haver sido invocada, não serão tornados ilegais
pelo simples motivo da nulidade do tratado.
3. Nos casos previsto pelos artigos 49, 50, 51 ou 52, o parágrafo 2 não se aplica com relação à parte a que é
imputado o dolo, o ato de corrupção ou a coação.
4. No caso da nulidade do consentimento de um determinado Estado em obrigar-se por um tratado
multilateral, aplicam-se as regras acima nas relações entre esse Estado e as partes no tratado.
Artigo 71
Conseqüências da Nulidade de um Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional
Geral
1. No caso de um tratado nulo em virtude do artigo 53, as partes são obrigadas a:
a) eliminar, na medida do possível, as conseqüências de qualquer ato praticado com base em uma
disposição que esteja em conflito com a norma imperativa de Direito Internacional geral; e
b) adaptar suas relações mútuas à norma imperativa do Direito Internacional geral.
2. Quando um tratado se torne nulo e seja extinto, nos termos do artigo 64, a extinção do tratado:
a) libera as partes de qualquer obrigação de continuar a cumprir o tratado;
b) não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica das partes, criados pela execução do tratado,
antes de sua extinção; entretanto, esses direitos, obrigações ou situações só podem ser mantidos
posteriormente, na medida em que sua manutenção não entre em conflito com a nova norma imperativa de
Direito Internacional geral.
APENAS no caso de boa fé, o efeito da declaração de nulidade é prospectivo (ex nunc) - os atos
praticados de boa fé, antes de a nulidade haver sido invocada, não serão tornados ilegais pelo simples
motivo da nulidade do tratado. A regra geral é que seja retroativo (ex tunc).

46
7. Os Tratados e o Direito Interno34
7.1. Teoria Dualista e Teoria Monista
Há duas teorias clássicas que procuram explicar a relação entre o direito internacional e o direito interno: a
teoria dualista e a teoria monista.
A teoria dualista foi pensada em 1889, tendo como patronos TRIPPEL (na Alemanha) e ANZILOTTI (na
Itálida). Para os dualistas, que pensaram o pacta sunt servanda como fundamento do direito internacional,
existem dois ordenamentos jurídicos distintos: o internacional e o interno, com diversidade de fontes,
objeto e sujeitos. As normas internacionais e as normas de direito interno, assim, não se relacionariam.
Para a aplicação de normas internacionais no plano interno, é preciso haver um processo de recepção –
de recodificação da norma para seu ingresso no ordenamento jurídico de um Estado.
Assim, se o Estado brasileiro adota a teoria dualista, só será possível invocar a aplicação de um tratado no
momento em que este for recepcionado pelo ordenamento brasileiro.
Em 1910, HANS KELSEN formulou a teoria monista. Por esta teoria, direito internacional e direito interno
fazem parte de um único sistema jurídico. O direito internacional encontra sua força normativa por conta
da norma hipotética fundamental. Os monistas se dividiram entre os que defendiam a primazia do direito
internacional e os que defendiam a primazia do direito interno para a solução de antinomias.
Modernamente, há a teoria da transnormatividade, que entende um diálogo entre as normas de direito
internacional e as de direito interno que supera a necessidade de uma compreensão segundo a teoria
monista ou a teoria dualista.
Seria o Brasil monista ou dualista?
Quando a CF foi redigida, o Brasil não havia ratificado a Convenção de Viena (o que ocorreu apenas em
2009). O direito dos tratados é matéria de pouquíssimos dispositivos na Carta da República. O
entendimento do STF, que traduz um entendimento retrógrado sobre o assunto, é de que nosso
ordenamento adotou a teoria dualista, devendo os tratados serem recepcionados para que sejam
invocados.
Encontramos hoje um tratamento monista apenas em algumas matérias nos tratados celebrados na União
Europeia. As Constituições dos Estados tiveram que ser alteradas para reconhecer a aplicação direta das
normas internacionais em certas matérias.
O dualismo, assim, é majoritário no mundo atual.
É relevante para esta discussão a leitura do art. 27 da Convenção de Viena:
Artigo 27
Direito Interno e Observância de Tratados
Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de
um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.
Qual a autoridade normativa da Convenção de Viena para submeter o ordenamento jurídico interno à luz
do seu art. 27? Seu conteúdo traduz uma ideia de primazia do direito internacional.
Como conciliar este artigo, por exemplo, com o seguinte entendimento do STF?
"Supremacia da CR sobre todos os tratados internacionais. O exercício do 'treaty-making power’, pelo Estado
brasileiro, está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional. Os tratados
celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da CR. Nenhum valor jurídico terá o
tratado internacional, que, incorporado ao sistema de direito positivo interno, transgredir, formal ou
materialmente, o texto da Carta Política. Precedentes." (MI 772-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 24-10-2007, Plenário, DJE de 20-3-2009.)
Será que a ratificação, pelo Brasil, da Convenção de Viena em 2009 trouxe novas possibilidades em
matéria de interpretação e aplicação dos tratados no direito brasileiro?
No mesmo sentido, vale a pena mencionar a regra do art. 46 da Convenção de Viena:
Artigo 46
Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados

1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso
em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser

34
Parte final da aula de 20/10 e aula de 3/11.
que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância
fundamental.
2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de
conformidade com a prática normal e de boa fé.

7.2. Recepção de Tratados pelo Brasil


Vimos que o art. 84, inciso VIII da CF/88 estabelece que é competência privativa do Presidente da
República a ratificar (“celebrar”) tratados e convenções (que na realidade são o mesmo, aqui a CF é
redundante) ou atos internacionais (toda ação no plano internacional que cria direitos e obrigações).
Entretanto, o tratado deve ser referendado pelo Congresso Nacional.
De acordo com o art. 49, I da CF é competência exclusiva do Congresso Nacional resolver
definitivamente sobre tratados35. Assim, o Congresso pode autorizar ou não o Presidente a ratificar o
tratado. Nesse caso, o Presidente do Senado emite um decreto legislativo autorizando-o ou não.
Reservas podem ser interpostas pelo governo ou pelo negociador.
Não se confunde a expedição do decreto legislativo do Congresso (promulgado pelo Presidente do
Senado Federal) com a promulgação interna do próprio tratado, levada a efeito por decreto do Presidente
da República, depois de já ratificado o instrumento internacional. Assim, uma coisa é a promulgação do
decreto legislativo que autoriza a ratificação do tratado, e outra a expedição de decreto presidencial que
internaliza o instrumento convencional após sua ratificação pelo Chefe de Estado.
Após transitar pelo Congresso, o tratado é devolvido ao Presidente, que terá dois atos. Primeiro, no plano
externo, ele vai ratificar, sendo por depósito ou não. Segundo, no plano interno ele vai promulgar um
decreto incorporando o tratado no ordenamento jurídico brasileiro (tornando-o norma interna), que será,
então, publicado no Diário Oficial da União36.

35
Relativamente ao locus da apreciação do Parlamento no processo (iter) de celebração de tratados, a primeira ideia
a fixar-se é a de que sua manifestação para resolver sobre tratados (art. 49, inc. I) tem lugar sempre depois da
assinatura do instrumento convencional e antes de sua ratificação. Trata-se, portanto, de uma fase intermediária
entre a assinatura e a ratificação do tratado pelo Presidente da República, que não internaliza o ato internacional ao
direito estatal, apenas dando condições jurídicas para que o Chefe de Estado leve a cabo o procedimento de
assunção do compromisso internacional. Em outras palavras, a manifestação congressual tão somente autoriza o
Presidente da República à ratificação do tratado (ratificação esta que é discricionária, todavia). A
materialização da decisão (referendum) do Parlamento se dá, no Brasil, por meio da edição de um decreto legislativo,
espécie normativa prevista no art. art. 59, inc. VI, da Constituição. Não há edição de tal medida em caso de rejeição
do tratado, quando então apenas se comunica a decisão do Congresso, mediante mensagem, ao Chefe do Poder
Executivo. Neste caso, o Presidente fica impedido de ratificar o tratado, podendo responder por crime de
responsabilidade pela prática de ato atentatório ao livre exercício do Poder Legislativo (CF, art. 85, inc. II) se assim o
fizer (o que se conhece em Direito Internacional Público por ratificação imperfeita ou inconstitucionalidade
extrínseca). (MAZZUOLI, Valério de Olivera. Comentário ao art. 49, I. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES,
Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; ________ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013).
36
MAZZUOLI, op. cit.: Depositado o instrumento de ratificação junto ao Governo ou organismo responsável pelas
funções de depositário, a prática brasileira, seguindo a tradição lusitana, tem exigido deva o Presidente da República
expedir um decreto de execução, promulgando e publicando no Diário Oficial da União o conteúdo dos tratados,
materializando-os, assim, internamente. Não há regra na Constituição de 1988, entretanto, que estabeleça esse
procedimento, sendo produto de uma praxe nascida com o primeiro tratado concluído pelo Império Brasileiro.
O decreto executivo, assinado pelo Presidente da República, é ainda referendado pelo Ministro das Relações
Exteriores e acompanhado de cópia do texto do ato. A partir de então, tem o tratado plena vigência na ordem
interna, devendo, por isso, ser obedecido tanto pelos particulares, como pelos juízes e tribunais nacionais. O
Judiciário, a partir da integração do tratado à ordem jurídica interna, já está apto a aplicá-lo, independentemente de
qualquer condição externa àquela vontade do Estado de engajar-se no compromisso internacional, devendo fazê-lo
de imediato tal qual quando aplica uma norma constitucional, uma lei complementar, uma lei ordinária, uma lei
delegada, e assim por diante. A não-aplicação do compromisso internacional pelo Judiciário pode, inclusive, acarretar
a responsabilidade internacional do Estado, que passa então a descumprir (por ato de um dos seus Poderes
constituídos) aquilo que se comprometeu a acatar, junto a outros atores internacionais, no plano do Direito
Internacional Público.
48
As Constituições, em geral, determinam que a ratificação de tratados deve se dar após o referendo do
Poder Legislativo37. Entretanto, a aprovação do Parlamento em relação ao tratado não obriga o Chefe do
Executivo na sua ratificação, podendo este decidir discricionariamente. É dizer, após a aprovação do
tratado pelo Parlamento, pode ou não o governo ratificá-lo, segundo o que julgar mais conveniente
(característica política), ou ainda, segundo as circunstâncias (característica circunstancial), não
significando eventual não-ratificação a prática de ilícito internacional. De seu caráter dúplice decorre a falta
de prazo para que seja levada a efeito no cenário internacional, a menos que o tratado expressamente fixe
um prazo determinado para ela.
A conjugação da vontade do Parlamento com a vontade do Executivo para completar o processo de
celebração de tratados no Brasil é decorrência da teoria dos atos complexos, onde a vontade de uma
parte é necessária, mas não suficiente.
No caso de denúncia de tratados, entende-se que não há necessidade de consulta ao Congresso
Nacional, porém a matéria não se encontra consolidada na doutrina.
A compreensão deste procedimento tem grande relevância prática. A partir de que momento você, como
advogado ou cidadão, pode se invocar tratado?
Se o STF entendeu que o Brasil adotou a teoria dualista, então um tratado só pode ser invocado quando o
decreto presidencial (editado após o decreto legislativo que o autoriza a proceder à ratificação) for
promulgado internamente. O STF se pronunciou nesse sentido na ADI-MC 1.480-DF, julgada em 4/9/97.
No plano externo, o tratado vincula o Brasil desde a sua ratificação, a não ser que existam disposições
expressas em sentido.

Quadro Complementar: ADI-MC 1.480-DF


Destacamos alguns trechos da ementa da decisão do STF:
O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais, superadas as fases prévias da celebração da
convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a
expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são
inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do
ato internacional, que passa, então, a somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.
No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à
autoridade normativa da Constituição da República. Em consequência, nenhum valor jurídico terão os tratados
internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o
texto da Carta Política.
O Poder Judiciário fundado na supremacia da Constituição da República dispõe de competência, para, quer em sede
de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou
convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno.
Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no
sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam
as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação
de paridade normativa.
Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em
consequência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a
própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei
complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos
atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.

7.3. Posição dos Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro


O art. 59 da CF, que enumera as espécies legislativas da ordem jurídica pátria, não menciona os tratados,
lacuna que teve que ser pela jurisprudência.
O STF estabeleceu que, em regra, o tratado se equipara a lei ordinária federal (Recurso Extraordinário
80.004-SE, julgado em 1/6/77).

37
MAZZUOLI, Valério de Olivera. Comentário ao art. 84, VIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; ________ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

49
Esse entendimento submete os tratados estejam submetidos ao princípio cronológico lex posterior derogat
legi priori, do que decorre a possibilidade de disposições de um tratado poderem ser revogadas por mera
lei ordinária no plano interno, apesar de estarmos obrigados no plano externo.
Porém, como já mencionamos, vivemos um momento de mudança, após a ratificação da Convenção de
Viena em 2009, em face do art. 27: O Brasil não pode invocar norma interna para descumprir norma
internacional. Assim, a jurisprudência deverá ser revista em breve.
Há exceções à regra geral de equiparação de tratados a leis ordinárias.
De acordo com o art. 5º, §§ 2º a 4º da CF/88:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado
adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Assim, pelo § 3º, incluído pela EC 45/2004, desde que submetidos a um iter específco, os tratados que
versem sobre direitos humanos terão força normativa de preceitos constitucionais (status de emenda
constitucional). Até o momento, apenas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi
submetida a este procedimento.
O STF discutiu o status dos tratados sobre direitos humanos que não foram submetidos a este
procedimento e que foram ratificados pelo Brasil antes da CF/88, depois de sua vigência e antes da EC
45/2004 e depois da EC 45/2004. As conclusões encontram-se no julgado do RE 466.343-1/SP (ver seção
7.6).
Convém discutir se a regra do § 2º já não alçaria os princípios contidos em tratados internacionais nos
quais o Brasil seja parte a um status constitucional. O professor Wagner acredita que a inclusão do § 3º
teve como intenção afastar completamente esta tese.

7.4. Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)


De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena, temos:
Artigo 53
Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)
É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito
Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral
é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como
norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de
Direito Internacional geral da mesma natureza.
A modificação de uma norma imperativa de direito internacional se daria nos termos do art. 64:
Artigo 64
Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)
Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver
em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.
Podemos entender o respeito aos direitos humanos e o princípio da autodeterminação dos povos, por
exemplo, como normas jus cogens. Os críticos deste conceito afirmam que seu conteúdo seria
indeterminado e, por isso, de difícil aplicação.

7.5. Conflitos entre Tratados


Quando se fala em matéria de conflitos entre tratados no tempo, há três regras disciplinadas pelo art. 30
da Convenção de Viena:
Artigo 30
Aplicação de Tratados Sucessivos sobre o Mesmo Assunto

50
1. Sem prejuízo das disposições do artigo 103 da Carta das Nações Unidas, os direitos e obrigações dos
Estados partes em tratados sucessivos sobre o mesmo assunto serão determinados de conformidade com os
parágrafos seguintes.
2. Quando um tratado estipular que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser
considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições deste último prevalecerão.
3. Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado posterior, sem que o
tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do
artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis
com as do tratado posterior.
4. Quando as partes no tratado posterior não incluem todas a partes no tratado anterior:
a) nas relações entre os Estados partes nos dois tratados, aplica-se o disposto no parágrafo 3;
b) nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte apenas em um desses
tratados, o tratado em que os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações recíprocos.
5. O parágrafo 4 aplica-se sem prejuízo do artigo 41, ou de qualquer questão relativa à extinção ou
suspensão da execução de um tratado nos termos do artigo 60 ou de qualquer questão de responsabilidade
que possa surgir para um Estado da conclusão ou da aplicação de um tratado cujas disposições sejam
incompatíveis com suas obrigações em relação a outro Estado nos termos de outro tratado.

7.6. STF RE 466.343-1/SP (Leitura Opcional)38


Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343-1/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso.
Julgado em 03/12/2008 (Tribunal Pleno).

Dispositivos Legais
O art. 5º, LXVII da Constituição Federal traz a seguinte disposição:
Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
O Decreto-Lei 911/1969 traz o seguinte preceito:
Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do
devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos
autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de
Processo Civil.
Esta norma concede ao credor fiduciário ação de depósito fundada no contrato de alienação fiduciária em
garantia, quando não encontre o bem ou não se ache este na posse do devedor fiduciante. O diploma
legal, assim, atribui ao devedor inadimplente da operação de crédito garantida pela alienação fiduciária as
responsabilidades do depositário.
O art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 1969
traz a seguinte norma:
Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade
judiciária competente expedidos em virtude de inadiplemento de obrigação alimentar.

Controvérsia e voto do Relator Min. CEZAR PELUSO


O Banco Bradesco S/A interpôs recurso extraordinário contra acórdão do TJ-SP que, no julgamento de
apelação, confirmou sentença de procedência de ação de depósito, fundada em alienação fiduciária de
garantia, deixando de impor cominação de prisão civil ao devedor fiduciante, em caso de descumprimento
da obrigação de entrega do bem.
A questão envolve a equiparação do devedor fiduciante ao depositário fiel e à exceção constitucional da
prisão civil por dívida, aplicável ao caso deste último. O relator Min. CEZAR PELUSO entendeu que não
existe afinidade entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária em garantia, tampouco conexão

38
Nota do autor do caderno: incluí este fichamento, que fiz para a disciplina Direitos Fundamentais I, acerca da
decisão do STF na qual se discutiu a posição dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.
51
teórica entre os dois modelos jurídicos que permitissem a referida equiparação39. A discussão se deu à luz
das disposições da EC no 1/1969 e não da CF.
Para o eminente ministro, à lei só é dado equiparar pessoas ao depositário, para o fim de lhes autorizar a
prisão civil como meio para as compelir ao adimplemento de obrigação quando não se deforme nem
deturpe, na situação jurídica equiparada, o arquétipo do depósito convencional, em que o sujeito passivo
contrai obrigação de custodiar e devolver. Fora daí, seria arbitrária a lei.
Para o Min. CEZAR PELUSO, não seria necessário recorrer à disposição do Pacto de São José da Costa
Rica. A única interpretação harmônica com a Constituição seria a de que ao fiduciário está autorizado o
uso da ação de depósito, mas sem cominação nem decretação da prisão civil do fiduciante vencido.

Voto do Min. GILMAR MENDES


As legislações mais avançadas em matéria de direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de
prisão civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do
alimentante inadimplente.
O Brasil aderiu ao Pacto de São José da Costa Rica em 1982, sem qualquer reserva. Daí iniciou-se
debate sobre a revogação da parte final do inciso LXVII do art. 5º da CF e uma instigante discussão
doutrinária e jurisprudencial sobre o status normativo dos tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos, que pode ser sintetizada em quatro vertentes sobre a natureza desses diplomas
internacionais:
 Natureza supraconstitucional: a adoção deste entendimento seria difícil no Brasil, pois é um Estado
fundando em sistemas regidos pelo princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre
todo o ordenamento jurídico. Não poderia ser aceita a anulação da possibilidade do controle de
constitucionalidade desses diplomas internacionais. Uma ampliação inadequada dos sentidos
possíveis da expressão “direitos humanos” poderia abrir uma via perigosa para uma produção
normativa alheia ao controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna. O risco de
normatizações camufladas seria permanente.
 Caráter constitucional: o art. 5º, § 2º seria uma cláusula aberta de recepção de outros direitos
enunciados em tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, atribuindo-lhes a
hierarquia de norma constitucional. A hierarquia constitucional seria assegurada somente aos tratados
de proteção dos direitos humanos, dado seu caráter especial em relação aos demais tratados, que
possuiriam apenas estatura infraconstitucional. Eventuais conflitos entre o tratado e a Constituição
deveriam ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável à vítima, titular do direito. Esta
discussão foi esvaziada pela EC 45/2004, pela qual os tratados já ratificados pelo Brasil antes de 2004
e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional não podem
ser comparados às normas constitucionais.
 Status de lei ordinária: os diplomas internacionais não teriam legitimidade para confrontar ou
complementar o preceituado pela CF em matéria de direitos fundamentais. Esta tese foi adotada pelo
STF no RE 80.004/SE (Rel. Min. Cunha Peixoto, j. 01/06/1977) e no HC 72.131/RJ (Rel. Min. Moreira
Alves, j. 22/11/1995). Os conflitos entre as normas internacionais e as internas se resolveriam pelo
critério cronológico. No entanto, neste último julgamento, prevaleceu o entendimento de que o Pacto
de São José da Costa Rica seria norma geral, a qual não revogaria a legislação ordinária (Decreto-Lei
911/1969) que equipara o devedor-fiduciante ao depositário infiel para fins de prisão civil, ainda que
esta seja anterior àquela (prevaleceu o critério da especialidade sobre o cronológico). Teria se tornado
defasada esta jurisprudência do STF em face de uma abertura cada vez maior do Estado
constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos? Teria se tornado
anacrônica a tese da legalidade ordinária dos tratados de direitos humanos?
 Caráter supralegal e infraconstitucional: os tratados sobre direitos humanos não podem afrontar a
supremacia da Constituição, mas têm lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los
à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos
direitos da pessoa humana. A tese foi acenada pelo Min. Sepúlveda Pertence no RHC 79.785-RJ (j.
29/03/2000). O art. 25 da Constituição alemã traz a seguinte disposição: “as normas gerais de Direito

39
Na origem da alienação fiduciária, o fiduciante recebe a posse da coisa, não para custódia desta, nem o credor
fiduciário a deixa (e não “entrega”) para esse fim, senão para dela usar e gozar em posição idêntica à do
compromissário comprador, e, por consequência, nenhuma obrigação tem de restituir, salvo na hipótese de
descumprimento do contrato e não na execução dele como é a essência do depósito (termo prefixado no depósito ou
à requisição do depositante). Se o suposto depositário adquire o direito de usar da coisa, já não há aí depósito.
52
Internacional Público constituem parte integrante do direito federal [...] prevalecem sobre as leis e
produzem diretamente direitos e deveres para os habitantes do território nacional”.
Diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos
humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do
procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda
e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.
Assim, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel NÃO foi revogada pelo ato de adesão
do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, MAS deixou de ter aplicabilidade diante do efeito
paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (art. 1.287
do CC/1916 e Decreto-Lei 911/1969). Dado o caráter supralegal dos diplomas normativos internacionais, a
legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada
(caso do art. 652 do CC/2002).
Argumentos adicionais
Por fim, o legislador constitucional não é impedido de submeter os tratados sobre direitos humanos ao
procedimento de aprovação especial de aprovação previsto no art. 5º, § 3º, conferindo-lhes status de
emenda constitucional.
Ainda, a prisão civil do depositário infiel já contrariava à Constituição mesmo antes de 1992 (adesão ao
Pacto de São José da Costa Rica), por afronta ao princípio da proporcionalidade, dado que o ordenamento
jurídico prevê outros meios processuais executórios menos gravosos postos à disposição do credor
fiduciário. Ainda, a equiparação instituída pelo Decreto-Lei 911/1969 criou uma figura atípica de depósito,
transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º,
LXVII da CF.
Não há dúvida de que a prisão civil é uma medida executória extrema de coerção do devedor-fiduciante
inadimplente, que não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice
configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A violação ao princípio da proibição do excesso se revela mediante contraditoriedade, incongruência e
irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. Um meio de se concretizar um princípio infringirá a
proibição do excesso se for possível constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos
lesivas.
O subprincípio da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os
objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade significa que nenhum meio menos gravoso para o
indivíduos se revelaria igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Na proporcionalidade
em sentido estrito, temos a ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos
perseguidos pelo legislador.
No caso em exame, a existência de outros meios processuais executórios postos à disposição do credor
fiduciário para a garantia eficaz do crédito torna patente a desnecessidade da prisão civil do devedor
fiduciante.
A restrição à liberdade individual do fiduciante não é justificada pela realização do direito de crédito do
fiduciário. No exame da proporcionalidade em sentido estrito, prevalece a liberdade do devedor.
A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo
Estado constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais
entidades soberanas, em contexto internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos
direitos humanos.

Voto do Min. CARLOS BRITTO


Conquanto este voto não fosse de leitura obrigatória, gostaria de destacar o seguinte trecho:
A doutrina adensa a opinião de que, quando uma lei ordinária vem para proteger um tema tratado
pela Constituição como direito fundamental, essa lei se torna bifronte ou de dupla natureza. Ela é
ordinária formalmente, porém é constitucional materialmente, daí a teoria da proibição de
retrocesso. Quando se versa tutelarmente um direito fundamental, mediante lei ordinária, faz-se
uma viagem legislativa sem volta porque já não se admite retrocesso.

Voto do Min. CELSO DE MELLO

53
A relevância da matéria em discussão impõe um exame do processo de crescente internacionalização dos
direitos humanos e a análise das relações entre o direito nacional (direito positivo interno do Brasil) e o
direito internacional dos direitos humanos, notadamente em face do art. 5º, § 3º da CF.
O Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel
de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa
humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar no processo de tutela das
liberdades públicas fundamentais.
O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrar-se, também, na
dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas
declarações e pactos internacionais, como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o
edifício institucional dos Estados nacionais.
As exceções à cláusula vedatória da prisão civil por dívida devem ser compreendidas como um
afastamento meramente pontual da interdição constitucional dessa modalidade extraordinária de coerção,
em ordem a facultar, ao legislador comum, a criação desse meio instrumental nos casos de
inadimplemento voluntário e injustificável de obrigação alimentar e de infidelidade depositária.
Isso significa que, sem lei veiculadora da disciplina da prisão civil nas situações excepcionais referidas,
não se torna juridicamente viável a decretação judicial desse meio de coerção processual.
O espaço de autonomia decisória, proporcionado, ainda que de maneira limitada, ao legislador comum,
pela própria Constituição da República, poderá ser ocupado, de modo plenamente legítimo, pela
normatividade emergente dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos.
A controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou,
mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de
convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação
comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional
e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.

Posição hierárquica
É necessário distinguir, para efeito da posição hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e tratados internacionais sobre as demais
matérias.
Há expressivas lições doutrinárias que sustentam que os tratados internacionais de direitos humanos
assume, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as
convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da
EC 45/2004 revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção
conceitual de bloco de constitucionalidade, conjunto normativo que contém disposições, princípios e
valores que são materialmente constitucionais ainda que estejam fora do texto da Constituição
documental. O bloco de constitucionalidade é a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita,
em função dos valores e princípios nela consagrados.
A partir da vigência da Constituição de 1988 e a entrada da EC 45/2004, os tratados internacionais de
direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro não são meras leis ordinárias, pois
têm a hierarquia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade. Há três situações distintas:
 Antes de 1988: antes da Constituição de 1988, os tratados internacionais de direitos humanos
celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso país aderiu) e que foram regularmente incorporados à
ordem interna antes de 5 de outubro de 1988 revestem-se de índole constitucional, porque
formalmente recebidas pelo art. 5º, § 2º;
 Entre 1988 e 2004: Se a celebração ou adesão for posterior à vigência da Constituição de 1988 e
anterior à EC 45/2004, têm caráter materialmente constitucional, porque essa qualificação
hierárquica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade;
 Após 2004: Se a celebração ou adesão for posterior à EC 45/2004, para terem natureza
constitucional deverão observar o procedimento estabelecido pelo art. 5º, § 3º da CF.
Destaco o seguinte fragmento do voto:
Como precedentemente salientei neste voto [..], evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir,
aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da
generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais,
nos termos que venho de expor, qualificação constitucional.
54
Tenho por irrecusável, de outro lado, a supremacia da Constituição sobre todos os tratados
internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive aqueles que versarem o tema dos
direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha
celebrado (ou a que tenha aderido) importem em supressão, modificação gravosa ou restrição a
prerrogativas essenciais ou a liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pelo próprio
texto constitucional, eis que os direitos e garantias individuais qualificam-se, como sabemos, como
limitações materiais ao poder reformador do Congresso Nacional.
[...] Desse modo, a relação de eventual antinomia entre os tratados internacionais em geral (que
não versem o tema dos direitos humanos) e a Constituição da República impõe que se atribua,
dentro do sistema de direito positivo vigente no Brasil, irrestrita precedência hierárquica à ordem
normativa consubstanciada no texto constitucional, ressalvadas as hipóteses excepcionais
previstas nos §§ 2º e 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental, que conferem hierarquia
constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos.
Todas as leis e tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da
Constituição. Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional que, incorporado ao sistema de direito
positivo interno, transgredir o texto da Carta Política.
O entendimento segundo o qual existe relação de paridade normativa entre convenções internacionais e
leis internas brasileiras há de ser considerado, unicamente, quanto aos tratados internacionais cujo
conteúdo seja materialmente estranho ao tema dos direitos humanos.
Diante do exposto:
Essas razões que venho de referir levam-me a reconhecer que o Decreto-lei nº 911/69 – no ponto
em que, mediante remissão ao que consta do Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do CPC (art. 904
e respectivo parágrafo único), permite a prisão civil do devedor fiduciante – não foi recebido pelo
vigente ordenamento constitucional, considerada a existência de incompatibilidade material
superveniente entre referido diploma legislativo e a vigente Constituição da República.

55
8. Responsabilidade Internacional40
Este tema não está disciplinado explicitamente em nenhum tratado, constituindo uma construção
doutrinária e também fruto de alguns dispositivos esparsos previstos em tratados e do costume
internacional. É um mecanismo que vem sendo muito discutido nos últimos anos.
Quando um Estado, em virtude de um ato ilícito, causar dano a outro Estado, deve reparar este dano. Sua
natureza não é condenatória, mas meramente compensatória. Por exemplo, o órgão de solução de
controvérsias da Organização Mundial de Comércio usualmente impõe sanções que busquem compensar
um prejuízo sofrido em função de uma prática material.
O dano em questão não se restringe a dano material. A ideia é fazer com que seja restabelecido o status
quo ante. No direito do mar e em direito ambiental, discute-se a responsabilidade internacional de Estados
por danos ao meio ambiente.
Uma discussão contemporânea inclui o papel do indivíduo: aquele que pratica um crime contra a
humanidade deve responder perante a comunidade internacional. Pelo menos esse pode ser o
entendimento extraído a partir da instituição do Tribunal Penal Internacional.
Discute-se também a responsabilidade das organizações internacionais. Um dos novos ministros da CIJ é
o professor James Crawford, responsável pelo anteprojeto de artigos sobre a responsabilidade dos
Estados, que não chegaram a ser positivados.
Após a consolidação desse entendimento com respeito aos Estados, a ONU decidiu se debruçar sobre a
responsabilidade das organizações internacionais: a questão poderia ser resolvida pela a
responsabilização dos Estados que sediassem as organizações? Optou-se pela necessidade de um
conceito ampliado de organização internacional, que não constituísse meramente uma associação de
Estados, mas também entidades sui generis (ex. Organização Árabe de Telecomunicações, a União
Europeia) ou mesmo outras organizações internacionais.
A responsabilidade decorreria não apenas de tratados, mas também de atos constitutivos das
organizações internacionais.
Vejamos o caso Folke Bernardotte41. Conde Bernadotte era um nobre sueco, diplomata, que havia tido
uma conduta muito importante na segunda guerra mundial, negociando com o governo alemão a liberação
de milhares de judeus. E, por conta dessa atuação, as Nações Unidas entenderam que ele poderia ser um
excelente interlocutor, então o Conselho de Segurança o escolheu como mediador do conflito entre Israel
e Palestina. Quando chegou a Jerusalém acompanhado de uma comitiva da ONU, ele foi vítima de uma
emboscada e foi assassinado por extremistas judeus. Parte de sua agenda era promover o retorno das
famílias árabes. As Nações Unidas então se viram na obrigação de indenizar as famílias dos mortos, até
porque houve mais vítimas, que acompanhavam Folke. As Nações Unidas então solicitam um parecer
consultivo à CIJ. Pode uma organização internacional ser vítima de uma conduta ilícita? Afinal Israel falhou
em seu dever de garantir a segurança territorial. A Corte disse que a organização internacional pode sim
ser vítima do outro sujeito de Direito Internacional (o Estado de Israel). Se as organizações internacionais
podem ser vítimas, também podem ser autoras.
Na responsabilidade internacional, os particulares não são vítimas, somente a organização internacional
que teve um funcionário seu vitimado. Ou então a vítima pode ser um Estado, que teve a imunidade de
seus agentes violada, ou a ampla defesa de um nacional seu foi cerceada por outro Estado. Quando uma
norma processual for descumprida, o Estado da vítima se torna ele mesmo a vítima desse ato.

40
Aula de 14/11/2014.
41
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_06-10-09.html
9. Solução de Controvérsias
Um princípio basilar das relações entre Estados é o da solução pacífica de controvérsias. Esta noção
decorre do objetivo do direito internacional é manter a paz e a segurança internacionais. Existe margem,
contudo, para a adoção de medidas coercitivas.
Há três mecanismos de solução pacífica de controvérsia: os diplomáticos, os políticos e os jurídicos.
A diferença entre os mecanismos jurídicos e os diplomáticos ou políticos é que apenas os jurídicos
produzem obrigações aos Estados, podendo levar à caracterização de um ilícito internacional no
caso do não cumprimento das decisões.

9.1. Mecanismos Diplomáticos


Os mecanismos diplomáticos envolvem a representação direta dos Estados, enquanto sujeitos de direito
internacional. O sistema de representação é utilizado por meio de medidas que só foram sistematizadas
no plano internacional em 1889.
Em tratados que instituem tribunais internacionais, sempre se colocam disposições de que deve-se tentar
previamente resolver os conflitos por meios diplomáticos.
Estes meios não são obrigatórios, são apenas alternativas para a solução de controvérsias. São
mecanismos baseados na lógica da autocomposição, onde as partes seriam capazes de livremente
solucionar se próprios problemas, tendência internacional que, antes criticada, hoje tem sido aplicada
também em direito interno.
Temos:
 Entendimento direto: uma comissão interministerial, dos Estados envolvidos, resolve o problema.
Isso acontece em 30-40% dos conflitos no plano internacional.
 Bons ofícios: um Estado que não faz parte do conflito oferece seus bons ofícios para aproximar as
partes, oferecendo uma abertura para um canal de negociação.
 Mediação: escolhe-se um líder respeitado para ser mediador do conflito, que propõe uma solução para
as partes (o caso do Canal de Beagle foi mediado pelo Papa João Paulo II, envolvia um litígio entre
Argentina e Chile).
 Conciliação: é semelhante à mediação, mas ao invés de um líder, há um conjunto de técnicos, de
especialistas sobre o assunto.
 Inquérito: Há investigação sobre a materialidade de determinado fato, realizada por comissão técnica.
 Sistema de consultas: entendimento direto programado, normalmente previsto no próprio tratado,
programa para o futuro a aplicação de um sistema de consultas sobre a aplicação do tratado.

9.2. Mecanismos Políticos


Os mecanismos políticos se dão no sistema representativo dos Estados. Entram em cena quando
organizações Internacionais decidem pela resolução do problema ou, ainda, convocam Estados para
resolvê-lo.
Por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU aprova uma resolução de cessar fogo, para que seja
cumprida pelos Estados envolvidos.

9.3. Mecanismos Jurídicos


Estão diretamente vinculados ao fortalecimento do direito internacional e de um processo de sua
jurisdicionalização.
Em 1945 havia uma única corte internacional e sistema de arbitragem. A Cláusula Raul Fernandes, da
Corte Internacional de Justiça, como vimos, permitia que um Estado não aceitasse a jurisdição da Corte.
Hoje, o sistema internacional é bem menos aberto, com vários tribunais internacionais específicos. Os
Estados reconhecem e se submetem aos tratados, estão mais obrigados. Isto decorre do amadurecimento
dos costumes (consciência internacional) e da existência de princípios do direito internacional, que
acabam fechando o sistema jurídico das normas internacionais, que sempre fora muito baseado na
autocompreensão dos povos.
Os mecanismos jurídicos envolvem os e a Corte Internacional de Justiça.
A CIJ até hoje teve pouco mais de 250 casos, apenas, porque quase sempre os casos são resolvidos
pelos mecanismos anteriores, consubstanciando uma espécie de filtro.
Há a possibilidade, se o Conselho de Segurança aprovar, da imposição forçada do cumprimento da
decisão, mas isso nunca aconteceu.
A guerra é a negação do direito, é ilegítima. Há apenas dois casos em que o direito internacional considera
legítimo o Estado agir de forma conflituosa: em legítima defesa ou luta interna para a autodeterminação de
suas comunidades.
A cláusula Raul Fernandes acaba por facilitar a jurisdição dos Estados, pois, quando aderem, costumam
cumprir as sentenças, ainda que possa acontecer alguma protelação.
Arbitragem internacional.

9.4. Mecanismos não pacíficos (coercitivos)


Há, além dos mecanismos pacíficos, mecanismos coercitivos tolerados pelo DI e aplicados apenas em
casos muito específicos, quando os Estados utilizam certa medida de força para resolver um conflito.
Estes mecanismos são:
 Retorsão: baseada na reciprocidade, e de caráter administrativo. Exemplo: se um Estado restringe
visto para passaporte de outro, este faz a mesma coisa, em retribuição.
 Boicote: restrição de cunho comercial, econômico, etc. Exemplo: o Brasil foi chamado a boicotar
produtos canadenses depois que o Canada acusou indevidamente o Brasil de exportar carne com
doença da vaca louca.
 Represália: decisões da Corte Internacional de Justiça delimitam a extensão da represália, pois ela não
pode extrapolar a esfera dos direitos, embora quase sempre uma represália utilize força. Exemplo:
invasão de território.

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