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Sumário
1. Introdução................................................................................................................................................ 4
1.1. O Conceito de Direito Internacional ................................................................................................. 4
1.2. A Sociedade Internacional ............................................................................................................... 5
2. Evolução Histórica e Fundamento do Direito Internacional ..................................................................... 6
2.1. Marco Histórico do Surgimento do Direito Internacional .................................................................. 6
2.2. Fundamento do Direito Internacional ............................................................................................... 7
Fichamento 1: Importância e Fundamento do Direito Internacional ............................................................... 9
A Importância do Estudo do Direito Internacional ....................................................................................... 9
A Existência do Direito Internacional como Disciplina e seu Fundamento ................................................. 9
O valor jurídico do direito internacional ................................................................................................... 9
Fundamento .......................................................................................................................................... 10
Conclusão.............................................................................................................................................. 12
3. Sujeitos do Direito Internacional ............................................................................................................ 13
3.1. Subjetividade no Direito Internacional ............................................................................................ 13
3.2. Organizações Internacionais .......................................................................................................... 13
3.3. Estados .......................................................................................................................................... 14
3.4. Tipicidade dos sujeitos de direito internacional .............................................................................. 15
Quadro Complementar: Organizações Internacionais .......................................................................... 16
3.5. A Organização das Nações Unidas (ONU) .................................................................................... 17
3.5.1. Membros da ONU ................................................................................................................... 19
3.5.2. Assembleia Geral .................................................................................................................... 19
3.5.3. Conselho de Segurança .......................................................................................................... 20
3.5.4. Secretariado ............................................................................................................................ 21
3.5.5. Conselho Econômico e Social ................................................................................................ 22
3.5.6. Corte Internacional de Justiça................................................................................................. 22
4. Princípios do Direito Internacional ......................................................................................................... 24
4.1. Igualdade de Direitos entre os Estados ......................................................................................... 24
4.2. Autodeterminação dos Povos ........................................................................................................ 25
4.3. Não Intervenção ............................................................................................................................. 25
4.4. Não Indiferença .............................................................................................................................. 25
4.5. Cooperação .................................................................................................................................... 26
4.6. Respeito aos Direitos Humanos ..................................................................................................... 26
4.7. Princípio da boa-fé ......................................................................................................................... 27
4.8. Solução Pacifica de Controvérsias................................................................................................. 27
4.9. Princípios que Regem o Brasil nas suas Relações Internacionais ................................................ 28
4.10. Asilo ............................................................................................................................................ 28
Asilo Político .......................................................................................................................................... 28
Asilo Diplomático ................................................................................................................................... 28
Caso Haya de la Torre .......................................................................................................................... 29
4.11. Caso de Kosovo ......................................................................................................................... 29
Prova Parcial ................................................................................................................................................ 32
Prova Turmas 21-22 ................................................................................................................................. 32
Prova Turmas 23-24 ................................................................................................................................. 32
5. Fontes do Direito Internacional.............................................................................................................. 34
5.1. Tratados ......................................................................................................................................... 34
5.2. Costumes ....................................................................................................................................... 34
5.3. Princípios Gerais de Direito ............................................................................................................ 35
5.4. Fontes Auxiliares ............................................................................................................................ 35
6. Direito dos Tratados .............................................................................................................................. 37
6.1. O Preâmbulo da Convenção de Viena ........................................................................................... 37
6.2. Conceitos Importantes ................................................................................................................... 38
6.2.1. Tratado .................................................................................................................................... 38
6.2.2. Ratificação, aceitação, aprovação e adesão .......................................................................... 38
6.2.3. Depósito .................................................................................................................................. 38
6.2.4. Plenos Poderes ....................................................................................................................... 39
6.2.5. Reserva ................................................................................................................................... 39
6.2.6. Denúncia ................................................................................................................................. 40
Quadro complementar: exemplo de denúncia pelo Presidente ............................................................. 40
6.3. Estrutura dos Tratados ................................................................................................................... 41
6.4. Fases da Elaboração de um Tratado ............................................................................................. 41
6.5. Interpretação de Tratados .............................................................................................................. 43
6.6. Tratados e Terceiros Estados ........................................................................................................ 44
6.7. Emenda e Modificação de Tratados............................................................................................... 44
6.8. Nulidade de Tratados ..................................................................................................................... 45
7. Os Tratados e o Direito Interno ............................................................................................................. 47
7.1. Teoria Dualista e Teoria Monista ................................................................................................... 47
7.2. Recepção de Tratados pelo Brasil ................................................................................................. 48
Quadro Complementar: ADI-MC 1.480-DF ........................................................................................... 49
2
7.3. Posição dos Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro ........................................................... 49
7.4. Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) ...................................................... 50
7.5. Conflitos entre Tratados ................................................................................................................. 50
7.6. STF RE 466.343-1/SP (Leitura Opcional) ...................................................................................... 51
Dispositivos Legais ................................................................................................................................ 51
Controvérsia e voto do Relator Min. CEZAR PELUSO ............................................................................. 51
Voto do Min. GILMAR MENDES ................................................................................................................ 52
Voto do Min. CARLOS BRITTO ................................................................................................................. 53
Voto do Min. CELSO DE MELLO ............................................................................................................... 53
Posição hierárquica ............................................................................................................................... 54
8. Responsabilidade Internacional ............................................................................................................ 56
9. Solução de Controvérsias ..................................................................................................................... 57
9.1. Mecanismos Diplomáticos .............................................................................................................. 57
9.2. Mecanismos Políticos ..................................................................................................................... 57
9.3. Mecanismos Jurídicos .................................................................................................................... 57
9.4. Mecanismos não pacíficos (coercitivos) ......................................................................................... 58
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1. Introdução1
Modernamente, é fundamental a compreensão dos mecanismos de produção e aplicação do direito
internacional e o seu diálogo com os demais ramos do direito. Adicionalmente, no estudo do direito
internacional, há um núcleo teórico comum que é estudado e ensinado em todo o mundo: quando
estudamos o direito penal, na verdade estamos investigando o direito penal brasileiro. Idem para o direito
civil. Mas este não é o caso do direito internacional: seu estudo é semelhante em todas as partes do
mundo.
Nossa perspectiva sobre a disciplina é jurídico-normativa. Poderíamos até mesmo fazer uma
contextualização econômica ou política, mas nossa interpretação será voltada para aplicação e
reconhecimento de normas internacionais, como estas são produzidas e como são aplicadas.
Analisaremos quando tais regras são cumpridas, quando não são cumpridas e qual a lógica jurídica de seu
(des)cumprimento.
Existem diversas maneiras de se interpretar os acontecimentos no plano internacional. Uma lógica que
tentaremos implementar ao longo de nosso curso, é uma lógica jurídica, baseada em regras, em um
sistema jurídico e baseado na teoria das relações internacionais, campo científico que tem crescido
significativamente e que se ocupa de tudo o que ocorre na sociedade internacional. Este campo, contudo,
se distancia do direito internacional porque não trabalha apenas com a condicionante da norma, do dever-
ser, mas também com uma condicionante de poder (político, militar, econômico).
Este poder é exatamente o que direito internacional procura combater: é preciso que o exercício do poder
tenha freios. Não podemos perder o referencial normativo e hermenêutico. Numa visão contemporânea, a
guerra é a negação do direito. Interpretar a guerra segundo o direito é um erro epistemológico – a guerra
é justamente um espaço onde o direito deixou de existir, já tendo sido vilipendiado, prevalecendo a lógica
da barbárie, do não direito. Por isso, não há que se falar em "direito de guerra". No limite, poderíamos falar
de um direito humanitário como um conjunto de regras que existem para resguardar as vítimas de conflitos
armados, regras que visam regular a ajuda humanitária.
Em nosso curso, analisaremos os acontecimentos do plano internacional sob o ponto de vista normativo,
de cumprimento ou violação de normas. Estudaremos o direito dos tratados, que influencia o nosso direito
interno, as regras que são pactuadas pelos Estados, como são produzidas e qual o limite para que sejam
invocadas.
O descumprimento das regras no plano internacional não é problema do direito internacional. Não é
porque há direito penal, que deixa de existir crime. Não é porque há direito civil, que não são praticados
atos ilícitos. A ideia do dever-ser é a compreensão de que não somos perfeitos e de que precisamos de
normas para nos proteger, para nos afastar da barbárie.
A quem interessa o discurso de poder e de hegemonia? A quem interessa uma margem de
discricionariedade na qual a norma não se aplica? A quem tem poder, a Estados que pretendem ser
hegemônicos. O discurso do direito é um instrumento de afirmação de soberania no plano internacional,
não como imposição de soberania, mas como um espaço de resguardo de garantias. Em um sistema
multilateral de produção de regras, estas não resolvem o problema, mas ajudam a estancar situações
problemáticas. Deve haver, ao menos, a oportunidade de invocar uma regra.
A maior crítica que se faz ao direito internacional é a sua falta de coercitividade. No entanto, o direito
internacional público tem uma lógica diversa da lógica do direito interno: é superior porque o seu
cumprimento, aplicação e observação dependem da autocompreensão humana. Uma vez
estabelecido o marco de civilidade que é viver em paz – um respeita o direito do outro e todos cooperem
para o progresso da humanidade -, nos afastamos da barbárie e o direito representa uma conquista
civilizacional, um marco de construção dessa ordem, dessa sociedade. A norma, desse modo, vai
moldando a sociedade de forma pedagógica.
Existe uma distância enorme de perspectivas entre o direito internacional de hoje e o de um século atrás,
graças ao processo civilizatório, à marcha humana em busca de um marco de civilidade.
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Aula de 4/8/2014.
plano internacional: aplica-se o direito nacional de um dos países nos quais um dos envolvidos é
domiciliado.
Uma visão superada é a de que o direito internacional público é internacional mas não é direito (lhe falta
coercitividade) e o direito internacional privado é direito mas não é internacional.
A doutrina contemporânea, principalmente da Academia de Haia, entende que os limites entre o direito
internacional público e privado não estão mais tão bem definidos. A partir da jurisdicionalização (tribunais
internacionais) do direito internacional e da criação e proliferação de normas internacionais, tem sido
superada a carência de mecanismos de coercitividade normativa. Por outro lado, as relações de caráter
privado – direito do consumidor, direito do meio ambiente, etc. – têm sido crescentemente determinadas
por convenções internacionais e tratados.
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2. Evolução Histórica e Fundamento do Direito
Internacional2
Hoje faremos uma análise histórica do direito internacional, relevante para o entendimento acerca da
dimensão de sua aplicabilidade. O conceito de direito internacional está diretamente relacionado a fatores
históricos que moldaram o surgimento e a aplicação destas regras entre nós.
A sedimentação da ideia de direito internacional guarda relação com um processo civilizatório: com a
evolução da sociedade humana, tornam-se necessárias regras para resguardar direitos, estabelecendo
deveres no respeito destes direitos, visando viabilizar o progresso da humanidade. Temos aqui a transição
entre a barbárie que procuramos deixar para trás e nosso marco de civilidade, a perfeição que almejamos.
O Estado, a lei, a norma são ficções criadas por nós para atender a estes objetivos. Com a elaboração de
normas jurídicas, numa perspectiva antropológica das relações entre os povos, “enjaulamos” valores
deixados para trás na história.
Onde encontramos a referência normativa do direito internacional? Por que o Estado brasileiro se
sujeita a estas regras de direito internacional? Nosso ponto de referência é a autoridade estatal, a ideia de
soberania sobre a qual está consolidado o direito interno. O direito é expressão de soberania do Estado e
a jurisdição é o poder que ele tem para solucionar conflitos de ordem interna.
Na sistematização de certo ordenamento jurídico, estudamos um direito que tem como referência o
Estado. A jurisdição é poder dinâmico do Estado de ditar regras, de pacificar conflitos, de estabelecer
normas que regulamentem as nossas relações.
No plano internacional, onde vamos buscar a autoridade normativa de uma regra de direito internacional,
numa relação de horizontalidade entre os Estados tomados individualmente? A construção desta dinâmica
se deu num processo histórico.
Existem regras superiores às regras ditadas pelo Estado? No que se fundamentam? Precisamos buscar
um discurso lógico e sistêmico com conceitos, fontes e princípios do direito internacional, numa
perspectiva normativa.
2
Aula de 11/8/2014.
3
A Anfictionia (do grego αμφικτιονία, por sua vez com origem em αμφί (ambos) + κτίζω (construir), pelo que
etimologicamente significa fundação conjunta) era uma liga religiosa que agrupava doze povos (não cidades), quase
todos da Grécia central, nos tempos do Período Arcaico antes do surgimento da Pólis, e períodos seguintes da
Grécia Antiga. Ao longo da história houve várias anfictionias. As mais importantes foram: a de Argos, junto do templo
de Hera; a das Termópilas, junto do templo de Déméter; e a de Delfos, junto do templo de Apolo.
4
O professor não gosta do conceito de "novo ius gentium" para se referir ao direito internacional, porque em seu
entendimento o ius gentium romano era um direito de exclusão e submissão, exercido sempre em relação a um povo
conquistado, portanto não seria uma referência adequada para tratar das relações atuais de direito internacional.
Durbaton Oaks (1944);
Carta de São Francisco (1945) – criação da Organização das Nações Unidas (ONU).
O termo direito internacional foi referido pela primeira vez de forma despretensiosa em uma obra de
JEREMY BENTHAM. Por agradar aos teóricos, foi adotado amplamente.
7
Depois de 1945, tivemos a Escola Sociológica Francesa (SCELLE e DUGIT), fundada na ideia da prórpia
existência de sociedade internacional de Estados como referência normativa. Contemporaneamente,
surgem outros autores, como, por exemplo, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, membro do Tribunal
Internacional de Justiça, que trouxe o conceito do "novo ius gentium", pelo qual a referência do direito
internacional estaria na imperatividade de uma norma internacional geral e nos direitos humanos. John
Rawls, por seu turno, fala em um "direito dos povos".
Desse modo, a forma de se pensar o fundamento do direito internacional é derivada da percepção do que
ocorre, em um dado momento histórico, na sociedade internacional.
Os conceitos de direito internacional refletem a compreensão de seu fundamento por parte de quem o
formula. Um conceito é o de que o direito internacional é o conjunto de normas que regula as relações
entre Estados e organizações internacionais e que repousa sobre seu consentimento (FRANCISCO REZEK).
Ainda, outro conceito aponta o direito internacional como o conjunto de regras que regula as relações da
sociedade internacional (ALLAIN PELLET). Por trás de cada conceito, há uma formulação teórica elaborada.
Numa discussão sobre a prevalência de uma norma constitucional ou de aplicação de um tratado sobre
direitos humanos, precisamos definir qual é o fundamento em que acreditamos. Se acreditarmos que o
Estado prevalece sobre um direito natural, universal e imutável, temos que fundamentar adequadamente,
com base nas escolas de pensamento sobre o direito internacional.
8
Fichamento 1: Importância e Fundamento do Direito
Internacional
A Importância do Estudo do Direito Internacional5
O direito internacional tem galgado espaço importante nos debates acadêmicos, doutrinários e normativos,
de tal sorte que sua influência nos demais ramos do direito tem motivado uma releitura da própria ciência
jurídica. Os Estados, não mais vistos como ilhas isoladas, mas numa perspectiva de cooperação e
solidariedade, passam a ter sua Constituição analisada sob um prisma transconstitucional.
O Tribunal Penal Internacional e a cooperação para o combate aos crimes transnacionais são fatores que
levaram o direito penal a alcançar uma dimensão universal. O direito empresarial, cosmopolita desde a
sua gênese, também traz à tona temas de relevância internacional. Ainda, os direitos humanos e o direito
ambiental têm como sua principal fonte o direito internacional.
A internacionalização decorre de uma nova realidade global, que demanda uma sistematização
normativa no plano internacional. Com o fim da Segunda Guerra, tivemos a criação da ONU, a
proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a internacionalização da ordem econômica.
Tais elementos repercutiram na esfera jurídica de cada Estado e nas suas relações com os demais,
delineando novos paradigmas jurídicos para compreender a sociedade internacional contemporânea.
No Brasil, o estudo do direito internacional vinha sendo relegado a segundo plano nos estudos
acadêmicos, na jurisprudência e na sua aplicação. Questão controversa envolve o reconhecimento dos
tratados e convenções internacionais na ordem jurídica interna. Nos tribunais, o direito internacional é
aplicado de forma discricionária, residual e com doses de criatividade inventiva. Na realidade global, a
relevância atribuída à disciplina é diversa.
Apenas com uma maior valorização do direito internacional, será possível a compreensão de seus
fundamentos e sua relação com os outros ramos do Direito. Já há demanda por profissionais capazes
de enfrentar problemas complexos como arbitragem internacional, contratos internacionais, ativismo
internacional dos direitos humanos, integração regional, meio ambiente, questões de propriedade
intelectual e de direito da concorrência envolvendo múltiplos países, entre outros exemplos.
É imprescindível repensar o caráter universal do direito e a percepção da importância do direito
internacional para redimensionar esta universalidade e para compreender o sistema jurídico em sua
totalidade.
5
MENEZES, Wagner. A importância no estudo do direito internacional. In: Revista Consulex, ano XV, n. 357, dez.
2011, p. 27-28.
6
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público, v. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 32-62.
permanentes, tem proferido decisões cuja força coercitiva tem tido como base a boa-fé ou a boa vontade
das partes. A ONU, contudo, já lhes fornece certa força obrigatória.
Seria a coação um elemento essencial do direito? DEL VECCHIO ensina que o direito é essencialmente
coercível e que o caráter da coercibilldade distingue as normas jurídicas de toda outra espécie de normas.
Para o autor, o direito internacional não se encontra ainda numa fase de formação positivamente
completa. Entretanto, não é totalmente desprovido de sanções. Há aquelas que residem na força da
opinião pública e outras que consistem em atos concretos, como a ruptura de relações entre Estados, o
uso da retorsão ou de outras represálias, até mesmo o emprego da força armada em ação coletiva. Para
KELSEN, as sanções do direito internacional seriam as represálias e a guerra. Assim, possuiria todos os
elementos essenciais de uma ordem jurídica.
Fundamento
Um dado ontológico relevante para esta discussão é o fato de que o direito internacional é, em geral,
obedecido e os Estados procuram sempre mostrar ou afirmar que o respeitam.
A partir do fundamento do direito internacional, pode-se deduzir a força ou o valor obrigatório de suas
normas. Os precursores do direito das gentes moderno foram dois grandes teólogos espanhóis:
FRANCISCO DE VITÓRIA e FRANCISCO SUAREZ.
VITÓRIA propôs a ideia de um direito realmente universal, englobando toda a humanidade, distinguindo um
direito internacional natural de um direito internacional positivo. Sua também é a ideia de bem comum. A
lei humana seria desumana e desprovida de razão, não teria força de lei, se, sem motivo razoável,
impedisse seus destinatários de seguir o direito natural e divino.
SUAREZ precisou melhor a ideia universal da comunidade internacional, englobando Estados separados,
mas interdependentes (membros do conjunto que é o gênero humano), demandando a existência de uma
lei internacional, para reger suas relações. Enquanto o direito natural está inscrito no “coração dos
homens”, o direito das gentes foi introduzido pela vontade de toda a humanidade ou de uma maioria
(concepção voluntarista ou mesmo contratual). Sua fonte, assim, não é apenas a razão natural, mas
também os costumes dos povos ou nações, estabelecidos por meio daquela.
As ideias de SUAREZ influenciaram HUGO GRÓCIO, para quem o direito natural não se funda na vontade
divina, tendo valor próprio, seus princípios são claros e evidentes por si mesmos. Junto ao direito
natural, considerava existir um direito voluntário, dividido em direito divino e direito humano, este
subdividido em direito civil e em direito das gentes voluntário, resultante do consentimento expresso ou
tácito dos povos.
PUFENDORF atribuía ao direito internacional uma base única, o direito natural, com o qual se confunde, o
único apto a vincular os Estados, que não reconhecem uma vontade superior e, por isso, não poderia
haver um direito internacional positivo. Esta ideia não teve muitos adeptos.
A escola do direito positivo, de BYNKERSHOEK, MOSER e MARTENS, sustentava que o objeto principal da
ciência do direito das gentes deveria ser o direito positivo: a preocupação deveria ser exclusiva com os
precedentes da prática internacional. MARTENS defendia a existência de uma lei natural ditada pela
razão, porém capaz apenas de produzir obrigações imperfeitas, por não serem passíveis de sanção pela
força.
HEGEL e seus seguidores sustentaram que o direito internacional se funda na vontade dos Estados. O
Estado, ao celebrar tratados, vincula-se até o ponto em que sua vontade assim o decide. O positivismo
encontrou grande dificuldade para resolver o problema da fundamentação do direito internacional. Como
conciliar o princípio da soberania absoluta dos Estados com os preceitos do direito internacional?
Teorias voluntaristas
Pela teoria da autolimitação ou da auto-obrigação do Estado, entidade soberana e que não pode se
subordinar a nenhuma autoridade superior, este obriga-se a si próprio, porque tal é a sua vontade. O
direito das gentes só é obrigatório porque o Estado é capaz de limitar a si mesmo. Esta doutrina foi
formulada por PÜTTER e desenvolvida por JELLINEK. A noção de a obrigatoriedade de uma regra depender
de uma vontade livre é contraditória, pois esta vontade pode desejar não mais se submeter àquela regra.
Outra doutrina de base voluntarista e hegeliana é a teoria da primazia do direito nacional (ZORN,
WENZEL e LASSON). O fundamento não é mais a vontade do Estado, mas o direito interno. A lei interna é a
base da lei externa e direito das gentes emana do Estado.
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A crítica a estas teorias é a de que um direito que só é obrigatório quando o destinatário voluntariamente o
decide, não é direito (AGUILAR NAVARRO).
Concomitantemente, surgiu na França a teoria dos direitos fundamentais dos Estados, direitos
absolutos e inalienáveis que pertencem ao Estado pelo mero fato de sua existência. Esta teoria derivou do
princípio da soberania absoluta do Estado e da concepção individualista de sua época (final do século
XVIII e todo o século XIX).
TRIEPEL propôs uma teoria também voluntarista, mas com base mais ampla, fundada na vontade coletiva
dos Estados (Vereinbarung), uma fusão de vontades diferentes com o mesmo conteúdo. A vontade
isolada de cada Estado contribuiria para a formação da vontade coletiva.
O voluntarismo positivista não conseguiu dar uma resposta ao problema da obrigatoriedade do direito
internacional. Sem o reconhecimento da existência de uma regra superior à vontade dos Estados, não se
pode conceber uma vontade comum que os obrigue uns em relação aos outros. Impôs-se a necessidade
de buscar uma solução para o problema em um princípio transcendente e objetivo.
KELSEN, VERDROSS e ANZILOTTI viam como regra fundamental suprema o pacta sunt servanda, que impõe
aos Estados o respeito pela palavra dada. Tem-se aqui a primazia do direito externo. A soberania dos
Estados estaria sujeita às regras da humanidade e da justiça. Contudo, não foi explicado se tal era
também o caso da aplicação do direito consuetudinário. SPIROPOULOS apontou um defeito nesta teoria:
seria preciso encontrar uma norma mais alta que conferisse obrigatoriedade à regra do pacta sunt
servanda.
A superação das teorias voluntaristas
LÉON DUGUIT também se insurgiu contra o positivismo voluntarista, sendo responsável pela criação da
teoria da solidariedade ou do positivismo sociológico. O direito teria como base a solidariedade e a
interdependência entre os homens, é uma expressão dos fatos sociais, que se impõe aos homens como
regra moral e jurídica. O caráter jurídico decorre do reconhecimento, pelo membros do grupo, da
necessidade de observância das normas para o bom funcionamento do grupo – a regra necessita de uma
sanção positiva.
DUGUIT reconheceu, posteriormente, a insuficiência da solidariedade como fundamento, agregando-lhe o
sentimento de justiça, concepção subjetiva e, por isso, facilmente arbitrária. No limite, o fundamento
seria a razão humana e, por isso, não serviria de base suficiente e razoável para o direito internacional.
SCELLE, influenciado por DUGUIT, propôs a teoria biológica, pois considerava o direito como um fenômeno
biológico: as forças sociais e coletivas coercitivas são de ordem biológica e são responsáveis pela
conservação do equilíbrio social. A fonte profunda ou material da ordem jurídica é a conjunção da ética e
do poder (força social e coletiva progressivamente organizada). O fundamento é uma necessidade
social e, depois, uma utilidade social.
Para SCELLE, o direito internacional tem por origem as relações internacionais, consequência do fato
social. A justiça é uma projeção ou generalização de uma concepção de utilidade individual. É uma noção
subjetiva e, por isso, arbitrária.
SPIROPOULOS desenvolveu a teoria da opinião dominante, um princípio objetivo, porém vago. Dentre
todas as estruturas jurídicas igualmente admissíveis, haveria uma, privilegiada, que seria acolhida pela
opinião dominante, um fator externo, arbitrário e variável.
A Escola de Viena, fundada por HANS KELSEN, a quem estavam ligados KUNZ e VERDROSS, criaram um
neopositivismo (ou normativismo), rechaçando o jusnaturalismo, a partir da ideia de que cada norma
extrai sua validade de outra que a precede, em uma hierarquia de nível superior. No fim deste
encadeamento, no topo da pirâmide normativa, temos a norma fundamental (Grundnorm), uma hipótese
do pensamento jurídico.
No âmbito do direito internacional, esta norma se consubstancia nos costumes: o costume
internacional é um fato criador do direito. O degrau seguinte é o das normas de tratados internacionais.
KELSEN adotou o sistema monista7, com a primazia do direito internacional.
7
A ordem jurídica internacional a ordem jurídica interna são distintas? A resposta vai variar, segundo os monistas e
dualistas. Para os monistas, existe uma única ordem jurídica, e, dentro dela, estariam abrigadas a norma
internacional e a norma interna. Então, para o monista, no momento em que o Estado ratifica um tratado
internacional, ele se compromete no plano internacional, e essa norma já passa a integrar a ordem jurídica interna.
Feito isso, a norma jurídica internacional, que acaba de ser recepcionada, e o conjunto de normas internas passam a
estar na mesma estrutura. Não existem duas ordens jurídicas internacionais para os monistas. Já para os dualistas,
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O costume como norma básica não é direito positivo, é um pressuposto tomado pelos juristas ao
interpretarem juridicamente o comportamento dos Estados. Desta norma hipotética, contudo, num direito
assentado sobre uma ficção, só podemos extrair uma validade hipotética.
A razão da validade dos tratados seria a regra do pacta sunt servanda, fonte de todo o direito criado pelos
tratados. A força obrigatória do direito internacional repousa, em última alçada, num pressuposto
fundamental: na hipótese de que o costume internacional é um fato criador de direito. Esta hipótese é a
norma básica. O direito, se funda, assim, numa pura ficção. Para Le Fur, deste caráter hipotético e fictício
da norma original decorre a impossibilidade de se demonstrar seu caráter obrigatório.
Diante do exposto, chega-se à conclusão de que a razão da obrigatoriedade do direito internacional
deve ser buscada fora das normas positivas, sem prescindirmos de uma ideia de justiça imanente,
objetiva, superior aos Estados e aos indivíduos, verificada pela razão humana, mas não criada pelo
homem. Retorna-se, assim, à doutrina do direito natural.
Direito Natural
VERDROSS afirma que o direito natural consiste nas normas resultam da natureza racional e social do
homem. O homem é um ser social e racional, tem moral e consciência e, por isso, faz juízos de valor,
aprecia atos e ações. As regras normativas que se impõem ao homem decorrem destes julgamentos de
valor. A criação destas regras está acima de seu alcance, podendo, pela razão, apenas verificá-las. São
regras anteriores e superiores à vontade do homem. Este direito é considerado conforme à natureza
humana.
Qual o conteúdo e os princípios do direito natural? TRUYOL afirma que a natureza humana é uma só em
seus traços essenciais. LA FUR afirma que o número de princípios gerais é pequeno e se aplica a todos os
homens. Temos o respeito às normas emanadas pela autoridade competente, aos contratos e à obrigação
de reparar o dano injustamente causado.
Em síntese, o direito natural compreende, em termos gerais, os princípios superiores de justiça
inscritos na razão humana.
Para GÈNY, o caráter do direito natural é universal e imutável, tendo em vista a uniformidade da natureza
humana, a identidade constante de seu destino e a existência de uma ordem natural permanente de
relações entre os elementos do mundo. VERDROSS, no entanto, afirma que esta noção não é inconciliável
com a diversidade de concepções jurídicas segundo os povos. Há, todavia, um fundo jurídico comum. As
aplicações pormenorizadas deste direito imutável podem diferir segundo o grau de civilização das raças ou
das épocas.
Conclusão
O direito internacional não se funda apenas na vontade dos Estados nem tem sua obrigatoriedade
com fundamento no pacta sunt servanda. A essência do direito natural é a ideia de uma justiça
superior aos fatos. Hodiernamente, a maior parte dos internacionalistas entende que o fundamento do
direito internacional é o direito natural. A verdadeira base da obrigatoriedade daquele está na consciência
do homem. O direito internacional se funda na consciência jurídica (SPIROPOULOS).
Pelo artigo 38 de seu Estatuto, a Corte Permanente de Justiça Internacional pode aplicar, em suas
decisões, os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Estes princípios têm
conexão estreita com o direito natural ou objetivo e encontram seu fundamento nas noções de justiça e
moralidade inatas no homem. Ainda, parece que se pode registrar como adesão à doutrina do direito
natural a declaração da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, segundo a qual "o princípio
da boa-fé e o igualmente fundamental princípio do respeito às obrigações de um tratado [...] estão na base
real do direito internacional”.
existem duas ordens jurídicas diferentes. A ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna. A justificativa é
que as duas disciplinam relações sociais distintas. A interna disciplina os indivíduos, e a internacional rege a relação
entre o Estado com os demais Estados soberanos. Por isso duas ordens jurídicas distintas. Qual a conseqüência
disso? É que, para os dualistas, é preciso que haja um mecanismo de inserção formal da norma internacional na
ordem jurídica interna. Os monistas recusam essa idéia; não precisa, não há necessidade de um mecanismo formal
de integração da norma internacional na ordem jurídica interna, pois, desde que o momento em que o Estado se
compromete no plano internacional, essa norma já integra a ordem jurídica interna.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_05-08-09.html
12
3. Sujeitos do Direito Internacional8
3.1. Subjetividade no Direito Internacional
Quem pode ser sujeito do direito internacional? Quem pode utilizar ou consumir a norma internacional?
Esse debate não é estéril. A resposta a essa pergunta é importante para identificar a extensão de
aplicação de uma norma internacional e quando ela pode ser aplicada em um dado ordenamento jurídico.
Sabemos que o Estado é o sujeito de direito internacional por excelência. E quanto a organizações
internacionais? Cidadãos? Empresas transnacionais? Organizações não governamentais? Blocos
regionais? Movimentos de insurgência?
Comumente são elencados como sujeitos de direito internacional como "Estados e organizações
internacionais" ou "Estados, organizações internacionais e indivíduos". Esse rol muitas vezes é
apresentado como taxativo, mas essa questão exige maior aprofundamento. Não se trata de uma
discussão meramente acadêmica. A identificação dos sujeitos de direito internacional é mais complexa e
tem suma importância para a prática do direito internacional.
Podemos nos valer dos seguintes critérios para a identificação dos sujeitos internacionais:
Celebração de tratados: os Estados são sujeitos de direito internacional porque podem celebrar
tratados e são destinatários direitos das normas de direito internacional. Esse critério tem base de
interpretação estritamente relacionada com a noção de soberania.
Possibilidade de acesso a tribunais internacionais: Essa concepção abarca também os indivíduos.
O indivíduo tem um conjunto de direitos reconhecidos no plano internacional. Pode demandar um
Estado por questões de direitos humanos e também pode, muitas vezes, ser demandado em um
Tribunal Penal Internacional. Se este critério for tomado, temos um problema adicional: há tribunais
internacionais que permitem que uma empresa transnacional possa demandar um Estado – há
mecanismos no direito do mar para tanto.
Nessa discussão se insere o conceito de direito de legação, direito reconhecido pela comunidade
internacional de que o Estado tenha representação diplomática, que tem origem essencialmente
costumeira. Os representantes dos reinos recebiam determinada proteção pelo exercício de suas funções,
o que foi base para a ideia atual de imunidade de jurisdição – o Estado não se sujeita ao julgamento do
Poder Judiciário de outro Estado.
8
Aula de 18 e 25/8/2014.
Justiça só dava acesso aos atos contenciosos aos Estados, a ONU resolveu recorrer à CIJ, enquanto
principal órgão judicial, para obter um parecer consultivo sobre se a ONU teria personalidade jurídica.
Dado que o requisito para participar do mecanismo de solução de controvérsias seria ser um sujeito de
Direito Internacional, a ONU seria um sujeito de direito internacional?
A posição tomada pelo CIJ foi a de que a ONU é, de fato, um sujeito de direito internacional e não só pode
como deve ter personalidade jurídica de direito internacional, que seria um requisito para a configuração
de qualquer organização internacional. A partir desse caso analisado pela CIJ, as organizações
internacionais passaram a figurar na doutrina e na jurisprudência como sujeitos de direito internacional
Em suma, todas as organizações internacionais têm personalidade jurídica internacional.
Este entendimento resultou, inclusive, em uma alteração em 1985 na Convenção de Viena sobre direito
dos tratados a título de incluir as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional.
3.3. Estados
Para JELLINEK, o Estado é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de
um poder originário de mando.
Para KELSEN, o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à
qual se ajustam as ações humanas, a ideia à qual os indivíduos adaptam sua conduta.
Como contraponto, Ferrajoli aponta que “o Estado tornou-se demasiado pequeno para as coisas
grandes”9.
O que é fundamental para que um Estado exista? A ONU precisa formalmente reconhecer um Estado para
que ele seja constituído? Quais os requisitos para que seja constituído um Estado?
O conceito de Estado tem como base o princípio da igualdade de soberania entre os Estados (defendida
por Ruy Barbosa em Haia) e a doutrina da autodeterminação dos povos.
Do ponto de vista técnico, o reconhecimento do Estado envolve:
É ato unilateral por parte de um Estado, que reconhece o outro.
Pode ser de fato ou tácito ou de direito e expresso. É expresso quando existe, por exemplo, troca de
notas diplomáticas ou a celebração de tratados voltados a esse reconhecimento. É tácito quando
existem relações internacionais desenvolvidas por estes Estados (sejam diplomáticas, sejam tratados
que não versem sobre reconhecimento), entendendo-se assim que essas entidades se reconhecem
como iguais.
É um ato retroativo.
Não tem caráter constitutivo, mas sim declaratório.
É incondicional: não se pode reconhecer um Estado apenas para fins específicos.
É irrevogável, pela própria condição soberana entre Estados.
É diferente do reconhecimento de governo.
O reconhecimento de Estado é uma matéria que interessa ao direito internacional público, enquanto o
reconhecimento de governo é uma matéria que dialoga com a teoria das relações internacionais e com a
ciência política.
O reconhecimento de governo está contido no reconhecimento de Estado, pois quando se reconhece um
Estado automaticamente se reconhece o governo que está no poder naquele determinado momento
naquele Estado. Mas o reconhecimento de um governo não necessariamente é acompanhado do
reconhecimento de Estado, porque pode já existir um Estado em que apenas houve uma alteração de
governo.
Podemos destacar três doutrinas sobre reconhecimento de governo10:
9
FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 50.
10
Carlos Tobar (1853 – 1920) foi Ministro das Relações Exteriores equatoriano no início do século XX. Em 1907, ele
proferiu uma declaração. Disse que a única forma para evitar golpes de Estado na região americana seria a
comunidade internacional se recusar a reconhecer os governos golpistas como legítimos, rompendo relações
diplomáticas e formulando contra eles uma declaração de não-reconhecimento, até que aquele governo fosse
confirmado nas urnas. De fato, essa doutrina esteve presente na América Latina, inclusive na Venezuela, que
14
Doutrina SIMPSON: um Estado deveria reconhecer o governo instaurado em outro Estado desde que
ele tenha se instalado de acordo com uma legalidade de direito internacional. Por esta perspectiva,
o País Basco não seria reconhecido como Estado, dado o caráter terrorista atribuído ao grupo ETA.
Doutrina TOBAR: Após a existência de uma revolução, em que sejam alteradas as estruturas de
governo, esse novo governo só seria reconhecido se houvesse apoio popular.
Doutrina ESTRADA: é mais liberal, defende uma não intervenção dos Estados no ponto de vista do
governo. O mais importante seria o mero reconhecimento de Estado.
O entendimento geral é o da existência de um mínimo constitucional (propriedade, mínima proteção aos
direitos humanos etc.). Os pontos que mais importariam seriam a efetividade e viabilidade para que este
governo seja reconhecido.
aplicou-a rompendo relações com Estados cujos governos não concordava, inclusive o Brasil. Até que em 1930 o
Ministro das Relações Exteriores venezuelano, Genaro Estrada (1887 – 1937), proferiu uma nova declaração. Nela,
ele sustentava o entendimento de que a vocalização do reconhecimento do Estado seria uma ofensa à soberania dos
Estados. A doutrina Estrada defende que a declaração expressa do reconhecimento de uma nova soberania é uma
prática afrontosa, uma falta de respeito à soberania da nação preexistente, pois não é necessário o reconhecimento
para que o Estado inicie suas atividades. Nisso existe uma comparação com a pessoa natural: uma pessoa nasce,
cresce, e quando chega à idade adolescente surge um médico e emite um laudo em que reconhece expressamente
que se trata de um ser humano; nisso, feriu-se a dignidade de um ser humano, que não precisaria ser reconhecido
com tal que iniciasse suas atividades como pessoa. Assim, se o Estado não concorda com determinado governo, ele
tem a opção de simplesmente não manter relações com ele. Mas emitir um juízo de valor seria uma ofensa. Vemos
que essa doutrina não se aplica na Europa, mas mais na América Latina.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_16-09-09.html
11
É o nome da pessoa jurídica, como é conhecida. O local é o Estado da Cidade do Vaticano. Tem território: 0,44
km2. A Santa Sé tem dimensão humana? Ela tem um governo, e uma população de cerca de 1000 pessoas, e o
governo é a Cúria da Igreja Católica. O que falta à Sé para ser um Estado? Entende-se que ela carece da dimensão
humana. Os habitantes têm a nacionalidade vaticana, mas não se considera que se trata daquele vínculo político-
jurídico que liga o indivíduo ao seu Estado. Todas as pessoas do vaticano guardam sua nacionalidade originária. O
vínculo é meramente funcional. Então falta à Sé um povo. Há quem diga também que os objetivos, a finalidade de um
Estado são diferentes da finalidade da Santa Sé. A finalidade dela é administrar a Igreja Católica ao redor do mundo.
Então o que é a Santa Sé? É uma personalidade jurídica internacional anômala. Não é Estado e não é organização
internacional. Mas tem personalidade jurídica porque celebra tratados com outros Estados, tem representação
15
Organizações internacionais podem celebrar tratados (alteração de 1985 na Convenção de Viena sobre
os tratados). A partir do caso Bernadotte, as organizações internacionais obtiveram titularidade subjetiva.
Indivíduos também têm esfera protetiva e há instituições que viabilizam a proteção de seus direitos.
Para fins de provas de concursos, as organizações internacionais são formadas por Estados pela
assinatura de um tratado, possuindo determinada finalidade, órgãos próprios e personalidade jurídica
diferente da dos Estados (podem atuar em seu próprio nome). Essa personalidade jurídica –
imprescindível – pode ser tácita ou atribuída por meio de um tratado.
A ONU é uma organização internacional de vocação universal que tem influência sobre o direito interno
dos Estados. A Carta das Nações Unidas disciplina a distribuição de poder global, sendo base para a
interpretação jurídica dos fatos e das relações de direito internacional.
Podemos interpretar as relações entre Estados pela pura especulação, por meio de uma lógica de poder
ou por uma perspectiva jurídica-normativa. A interpretação dos fatos internacionais precisa ser jurídica e a
Carta das Nações Unidades fornece o ponto de partida para a distribuição do poder global.
Fenômenos associativos se relacionam com a comunitarização de regras, princípios e normas, num
processo complexo de homogeneização de valores que gera redimensionamento no plano internacional.
Alguns entendem que os primeiros fenômenos associativos seriam as Ligas Panjônicas das cidades-
estados gregas. Outros defendem que Simón Bolívar foi o primeiro a fazê-lo, quando queria estabelecer
uma liga protetiva na América. A ideia de Bolívar se diferenciaria das anteriores por apresentar caráter
multilateralista.
A Sociedade das Nações pode ser entendida como a primeira tentativa de organização internacional, por
seu caráter associativismo multilateralista. Contudo, não evitou uma nova Grande Guerra. O Tratado de
Versalhes foi um documento internacional que legitimava a dominação (impondo severas restrições à
Alemanha). A partir da criação da ONU, evoluímos para um conceito de cooperação internacional.
Após a criação da ONU, também houve o aumento no número de organizações internacionais.
Fenômenos associativos levam a uma mudança paradigmática do direito.
Como consequência dos fenômenos associativos, temos a multiplicação dos foros, já que a tendência é
discutir temas no plano internacional, que antes eram gestados internamente pelos Estados. A ordem
internacional existente hoje é baseada na Carta das Nações Unidas, que é mais inclusiva do que o
documento que estabeleceu a Sociedade das Nações.
diplomática, tem chefe de missão diplomática, que é o Núncio Apostólico. Nos tratados bilaterais figura a Santa Sé. A
diferença entre Santa Sé e Vaticano é como a diferença entre Brasil e República Federativa do Brasil.
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_19-09-09.html
16
conjugando as duas uniões aduaneiras regionais: o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade Andina de
Nações (CAN).
UNESCO: A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO - acrônimo de
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) foi fundada em 16/11/1945 com o objetivo de
contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Sua sede
é em Paris. A missão da UNESCO é contribuir para a "construção da paz", reduzindo a pobreza, promovendo o
desenvolvimento sustentável e o diálogo intercultural, através da educação, ciências, cultura, comunicação e
informação. A Organização concentra, em particular, duas prioridades globais: África e igualdade de gênero. Outras
prioridades da Organização incluem a busca da qualidade da educação para todos e da educação continuada,
buscando novos desafios éticos e sociais, promovendo a diversidade cultural, construindo sociedades de
conhecimento inclusivo através da informação e comunicação.
Mercosul: Como é conhecido o Mercado Comum do Sul (em castelhano: Mercado Común del Sur, Mercosur; em
guarani: Ñemby Ñemuha), é a união aduaneira (livre-comércio intrazona e política comercial comum) de cinco países
da América do Sul. Em sua formação original, o bloco era composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No dia
26/3/1991, os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção. Em virtude da
remoção de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do bloco; esse fato
tornou possível a adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul a partir do dia 31/7/2012, inclusão até
então impossível em razão do veto paraguaio. No dia 17/12/2007, Israel assinou o primeiro Tratado de Livre
Comércio (TLC) com o bloco. Em 2/8/2010, foi a vez de o Egito assinar também um TLC.
OMS: A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma agência especializada em saúde, fundada em 7/4/1948 e
subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça.
FMI: Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização internacional criada em 1944 na Conferência de
Bretton Woods (formalmente criada em 27/12/1945 por 29 países-membros e homologado pela ONU em abril de
1964) com o objetivo, inicial, de ajudar na reconstrução do sistema monetário internacional no período pós-Segunda
Guerra Mundial. Os países contribuem com dinheiro para o fundo através de um sistema de quotas a partir das quais
os membros com desequilíbrios de pagamento podem pedir fundos emprestados temporariamente. Através desta e
outras atividades, tais como a vigilância das economias dos seus membros e a demanda por políticas de auto-
correção, o FMI trabalha para melhorar as economias dos países.
OIT: A Organização Internacional do Trabalho (OIT ou ILO, do inglês International Labour Organization) é uma
agência multilateral da Organização das Nações Unidas, especializada nas questões do trabalho, especialmente as
normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações) e o trabalho decente. É composta por 185
estados-membros, em representação tripartida de governos, organizações de empregadores e organizações de
trabalhadores. Tem sede em Genebra, Suíça, além de cerca de 40 escritórios pelo mundo.
OEA: A Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização internacional criada em 1948, com sede
em Washington (Estados Unidos), cujos membros são as 35 nações independentes do continente americano. Seus
membros definiram como prioridade dos seus trabalhos o fortalecimento da democracia e assuntos relacionados com
o comércio e integração econômica, controle de entorpecentes, repressão ao terrorismo e corrupção, lavagem de
dinheiro e questões ambientais.
OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP ou, pelo seu nome em inglês, OPEC) é uma
organização internacional criada em 1960 na Conferência de Bagdá, que visa coordenar de maneira centralizada a
política petrolífera dos países membros, de modo a restringir a oferta de petróleo no mercado internacional,
impulsionando os preços, o que até então era evitado em parte devido à ação das sete irmãs. A OPEP é o exemplo
mais conhecido de cartel: seu objetivo é unificar a política petrolífera dos países membros, além de ser o único Cartel
legalizado do mundo, centralizando a administração da actividade, o que inclui um controle de preços e do volume de
produção, estabelecendo pressões no mercado.
OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN — em francês: Organisation du Traité de l'Atlantique
Nord; em inglês: North Atlantic Treaty Organization - NATO), por vezes chamada Aliança Atlântica, é uma aliança
militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4/4/1949. A organização
constitui um sistema de defesa coletiva através do qual seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em
resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. A sede da OTAN localiza-se em Bruxelas, na
Bélgica, um dos 28 países membros em toda a América do Norte e Europa, sendo que os mais novos (Albânia e
Croácia) associaram-se em abril de 2009. Um adicional de 22 países participam da Parceria para a Paz da OTAN,
com 15 outros países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado. O gasto militar combinado de todos os
membros da organização constitui mais de 70% do total de gastos militares de todo o mundo. Os gastos de defesa
dos países membros devem ser superiores a 2% do PIB.
12
Aula de 1/9/2014 e parte inicial da aula de 15/9/2014.
17
A ONU não é uma organização supranacional, mas sim intergovernamental, e tem vocação universal.
Sua ambição é reunir todos os povos para resolver os problemas do mundo (meio ambiente, água, espaço
aéreo, direito do mar, direito espacial, comércio internacional etc.) 13 . É absolutamente representativa
(quase 200 Estados).
A Carta das Nações Unidas estabelece quatro propósitos para a ONU:
Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para
evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios
pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução
das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz
universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter
econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
O quarto item não constituía propósito da Sociedade das Nações.
No preâmbulo deste documento, poderemos encontrar a menção ao respeito ao direito internacional e a
afirmação dos direitos humanos:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida,
trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações
decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e
a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E para tais fins
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos,e
unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de
princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum,
a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução dêsses objetivos.
Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São
Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma,
concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização
internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.
Se a ONU não é perfeita, esses últimos setenta anos de relativa paz se devem à sua atuação. Existiram
conflitos, abuso de poder por parte de Estados nesse período? Sem dúvida, mas as coisas estão
funcionando dentro de certa lógica e a ONU tem promovido o debate de relações amistosas e pacíficas
entre os povos, com base nos princípios da igualdade e da autodeterminação dos povos.
Observamos, assim, a tendência de ocorrer o deslocamento das decisões para as organizações
internacionais, com o consentimento dos Estados.
A ONU é aberta a todos os Estados. Todo Estado que faz parte da ONU aceitou integralmente o texto da
Carta das Nações Unidas (todos os dispositivos).
A ONU possui órgãos responsáveis pela sua movimentação e pelo alcance de seus objetivos: Conselho
de Segurança, Assembleia Geral, Corte Internacional de Justiça, Secretariado, Conselho de Tutela
(extinto).
Violações sistemáticas ao texto da Carta das Nações Unidas podem acarretar a suspensão ou até mesmo
expulsão do Estado violador. A expulsão nunca ocorreu, mas já houve suspensão pela não contribuição
anual.
13
A União Europeia tem elemento fundamental da supranacionalidade que lhe permite maior coercitividade do que a
ONU possui.
18
A ONU foi criada em 1945 e foi a primeira grande experiência da humanidade no sentido de construção de
um foro multilateral de discussão sobre diversos temas do mundo.
Como já dissemos, a Carta das Nações Unidas é o documento que estabelece as bases de interpretação
jurídico-normativa das relações internacionais. É como uma "Constituição" aplicável à sociedade
internacional. O jurista precisa saber manejar os dispositivos deste documento, no qual as justificativas de
poder devem ser encontradas – o único poder admissível pelo direito é o poder legitimado.
14
Íntegra da resolução em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/39/248. Para ler mais
sobre o assunto: ABREU, Paula Santos de. A proteção do consumidor no âmbito dos tratados da União Européia,
Nafta e Mercosul. In: Revista Jurídica da Presidência da República, Brasília, v. 7, n. 73, , p.01-20, junho/julho, 2005.
Disponível em:
19
1959 (Declaração dos Direitos da Criança)15 sobre a proteção da criança e do adolescente – o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) foi fortemente influenciado por seu conteúdo.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_73/artigos/PDF/PaulaAbreu_Rev73.pdf>
15
Íntegra disponível em http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1386(XIV)
16
Artigo 25. Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de
Segurança, de acordo com a presente Carta.
17
O prof. Wagner, em seu discurso, defendeu que interesse do Brasil em ser membro do Conselho de Segurança é
absolutamente legítimo por razões geopolíticas e históricas. Propôs a ampliação do Conselho de Segurança e o fim
do direito de veto. Disse que foi escrachado por um diplomata que o respondeu argumentando que os atuais
membros do conselho permanente vetariam a reforma proposta. Em sua réplica, o prof. Wagner argumentou que não
se estava discutindo a Carta das Nações Unidas em sua estrutura atual, mas justamente a sua reforma. Sua
argumentação, portanto seria uma contribuição de mudança propositiva.
20
Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança
internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação,
conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio
pacífico à sua escolha.
2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais
meios, suas controvérsias.
Artigo 34. O Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de
provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de
tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais.
[...]
Artigo 36. 1. O conselho de Segurança poderá, em qualquer fase de uma controvérsia da natureza a que se
refere o Artigo 33, ou de uma situação de natureza semelhante, recomendar procedimentos ou métodos
de solução apropriados.
[...]
Artigo 37. 1. No caso em que as partes em controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33 não
conseguirem resolvê-la pelos meios indicados no mesmo Artigo, deverão submetê-la ao Conselho de
Segurança.
2. O Conselho de Segurança, caso julgue que a continuação dessa controvérsia poderá realmente
constituir uma ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais, decidirá sobre a
conveniência de agir de acordo com o Artigo 36 ou recomendar as condições que lhe parecerem
apropriadas à sua solução.
Domínio Reservado e Poderes Implícitos
Estes conceitos são relacionados precipuamente com o exercício dos poderes do Conselho de Segurança.
O princípio do domínio reservado consiste na ideia de que a última decisão sobre o cumprimento de uma
decisão de uma organização internacional é do Estado, com base nos seus poderes soberanos. Muitas
vezes, na prática diplomática ou na discussão jurídica, argumenta-se que, apesar de o Conselho de
Segurança ter aprovado uma resolução, determinada matéria está no campo do domínio reservado dos
Estados.
Nos últimos anos, o Conselho de Segurança tem aprimorado mecanismos de decisões políticas no caso
de conflitos internacionais e de ameaça à paz e à segurança, por conta da expansão dos direitos
humanos. Novas doutrinas, com isso, foram incorporadas às discussões da Assembleia Geral.
Nesse sentido, de acordo com a doutrina dos poderes implícitos, caberia ao Conselho de Segurança,
servindo para que ele aja em situações que coloquem em risco e paz e a segurança internacionais.
Os poderes implícitos são aqueles derivados dos poderes concedidos pela Carta das Nações Unidas e
estariam implicitamente compreendidos nesses dispositivos. O Conselho de Segurança vem alargando o
campo de interpretação dos poderes que lhes foram conferidos pela Carta das Nações Unidas, o que tem
ensejado um embate doutrinário na Corte Internacional de Justiça sobre os limites de atuação desse
órgão.
No caso da criação de tribunais internacionais ad hoc, tivemos como exemplo os criados para as crises na
Iugoslávia, Líbano e Ruanda. Os juristas questionaram a legitimidade do Conselho de Segurança para
criar estas cortes. A justificativa se baseou nos poderes implícitos conferidos pela CNU.
Nas crises de Haiti, Serra Leoa e Timor Leste, a ONU mobilizou os “capacetes azuis” para atuar nesses
Estados, para “garantir a ordem” e “matar se necessário”. A legitimação desta atuação é feita por meio de
Resolução do Conselho de Segurança. Em alguns casos, tem como fundamento o clamor da população
legal por ajuda humanitária por parte da ONU.
Estaríamos caminhando para um modelo no qual os membros permanentes do Conselho de Segurança
seriam os condutores de decisões supranacionais que deveriam ser obedecidas por todos os Estados? E
o domínio reservado do Estado?
3.5.4. Secretariado
O Secretariado é um órgão administrativo. É possível dizer que existe direito administrativo internacional
porque existe um conjunto de regras que norteiam o funcionamento das organizações Internacionais. O
Secretariado é responsável pela contratação de pessoal, pela administração financeira etc. Embora
apareça na mídia com destaque, o Secretário-Geral é apenas um funcionário da ONU, e não tem papel
político.
21
3.5.5. Conselho Econômico e Social
É um órgão cerebral. Sua composição, funções, atribuições e processo são regulados nos arts. 61 a 72 da
CNU. É responsável por articular o diálogo da ONU com diversas entidades, com outras organizações
internacionais e com sociedade civil. Formula as políticas da agenda internacional, promovendo debates
entre Estados e consolidando entendimentos que são posteriormente remetidos à Assembleia Geral,
responsável por elaborar as resoluções.
As Resoluções e demais publicações podem ser consultado em http://www.un.org/en/ecosoc/.
22
Todos os Estados-partes da CNU são parte no Estatuto da CIJ. Por quê? Porque o Estatuto da Corte
integra a Carta das Nações Unidas. Entretanto, a cláusula relativa à aceitação da jurisdição da Corte é
uma cláusula facultativa. Os Estados podem ou não aceitá-la. Se aceitam, eles são potencialmente
jurisdicionáveis ante a Corte. Quer dizer que eles podem, se consentirem, ter seus litígios julgados pela
Corte. A cláusula é facultativa, mas a jurisdição, uma vez aceita, é obrigatória.
Do Estatuto da CIJ, temos:
Artigo 36. 1. A competência da Côrte abrange tôdas as questões que as partes lhe submetam, bem como
todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em
vigor.
2. Os Estados partes no presente Estatuto poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem
como obrigatória, ipso facto e sem acôrdo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a
mesma obrigação, a jurisdição da Côrte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tenham por
objeto:
a) a interpretação de um tratado;
b) qualquer ponto de direito internacional;
c) a existência de qualquer fato que, se verificado, constituiria a violação de um compromisso internacional;
d) a natureza ou a extensão da reparação devida pela rutura de um compromisso internacional.
3. As declarações acima mencionadas poderão ser feitas pura e simplesmente ou sob condição de
reciprocidade da parte de vários ou de certos Estados, ou por -prazo determinado.
A Advocacia-Geral da União (AGU) costuma defender o Brasil perante cortes internacionais. Na Inglaterra
e em Genebra existem escritórios que fazem defesa de Estados na América Latina. A especialidade nessa
atuação consiste em conhecer bem o direito internacional e suas fontes, além de dominar o formato da
argumentação perante as cortes internacionais. Todos os procedimentos estão previstos no estatuto da
CIJ.
23
4. Princípios do Direito Internacional18
Esta discussão tem como base os seguintes dispositivos da Carta das Nações Unidas:
Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para
evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios
pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução
das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de
direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz
universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter
econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e
às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão
de acordo com os seguintes Princípios:
1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.
2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua
qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a
presente Carta.
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo
que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a
integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com
os Propósitos das Nações Unidas.
5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo
com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de
modo preventivo ou coercitivo.
6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com
esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que
dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais
assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação
das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.
A maior parte dos princípios do direito é gestada no direito internacional. Há embates doutrinários entre
internacionalistas e constitucionalistas a respeito da origem dessas normas.
Os princípios vão se redimensionando à medida que os campos se modificam.
Os princípios gerais do direito condicionam o funcionamento de todo o sistema jurídico. Cada campo
tem seus princípios e um conjunto de normas específicas, mas estes não devem se desvincular dos
Princípios gerais, como os de igualdade e justiça.
18
Segunda parte da aula de 15/9/2014 e aula de 22/9/2014.
4.2. Autodeterminação dos Povos
A ideia aqui é de que nada pode ser imposto aos Estados. Nenhum Estado pode impor a outro
determinados valores, padrões culturais, morais, políticos, étnicos etc. Esta noção remonta ao próprio
amadurecimento da população humana e dialoga com o fluxo migratório de etnias.
Na ideia da expansão dos direitos humanos, podemos entender que a interpretação da CNU tem sido feita
de modo equivocado: quando ela menciona a autodeterminação dos povos, na realidade não é uma
autodeterminação de Estados vis a vis, mas de um Estado para Estado, de um Estado para outras
populações, de populações para Estados e de uma população para outra população. Assim, os Estados
precisam reconhecer a autodeterminação dos POVOS, e não de Estados.
Nesse sentido, os Estados precisam reconhecer o direito de grupos étnicos culturais que ocorrem dentro
de sua estrutura normativa, o que alguns autores chamam de pluralismo jurídico. O Estado tem um
sistema jurídico posto, mas, por conta do princípio da autodeterminação dos povos, tem uma "bolha" que
cria uma esfera de direitos tutelados própria e característica de determinado grupo.
Nesse sentido, o Estado brasileiro deveria reconhecer os direitos próprios dos povos indígenas.
Analogamente a Espanha deveria reconhecer a autodeterminação do povo basco. Idem para os povos
africanos e a divisão política artificial delineada no processo de descolonização daquele continente.
A restrição a práticas religiosas por parte de um Estado fere o princípio da autodeterminação dos povos? A
proibição do uso do véu pelas mulheres muçulmanas na França seria um caso de violação?
19
Direito humanitário é o conjunto de regras que visa proteger vitimas de conflitos armados.
25
que as vitimas de conflitos armados sejam auxiliadas pela comunidade internacional. Na base dessa
preocupação estão os direitos humanos e, algumas vezes, o direito humanitário.
Existe uma linha tênue entre aplicação do principio da não intervenção e do principio da não indiferença.
Muitas vezes o discurso sobre a proteção de vitimas de populações minoritárias contém outros objetivos.
No Iraque, tínhamos como justificativa a proteção da população de um ditador sanguinário, mas havia
outras causas, estas ocultas. Neste caso a comunidade internacional não participou, foi uma ação
unilateral dos EUA.
No caso da Líbia, a decisão da França e da Inglaterra foi tomada quando os revolucionários em praça
receberam uma saraivada de bombardeios do governo que desejavam destituir. França e Inglaterra
resolveram criar um bloqueio aéreo e ajudar na derrota do Gaddafi.
Para diferenciar o principio da não intervenção do principio da não indiferença é preciso ponderar sobre a
existência de um processo revolucionário ou não dentro daquele determinado Estado e deixar que as
coisas se conduzam ali sem influenciar, de forma parcial, um ou outro Estado.
Quando o FMI empresta dinheiro e depois demanda que o Estado cumpra certas exigências, estaríamos
diante de uma afronta ao principio da não intervenção? Os defensores dizem que quando o Estado
assinou o acordo, o fez livremente. Desse modo, um acordo prévio com outra organização ou Estado que
pode exigir o cumprimento de certas regras não viria a ferir o principio da não intervenção.
Quando o Brasil tomou recursos em empréstimo do FMI, se responsabilizou por aumentar o número de
vagas nas universidades e melhorar o ensino básico, diminuindo os índices de repetência. O Brasil criou o
ciclo básico e facilitou a criação de universidades privadas. Os requisitos do FMI foram atendidos, mas os
resultados não necessariamente refletem na melhora da educação. A atuação do FMI não viola o principio
da não intervenção porque o Estado aceitou prévia e livremente o acordo.
4.5. Cooperação
O princípio da cooperação está expresso na Carta das Nações Unidas, e motiva da criação de
organizações internacionais. Esse processo associativo se da pela ideia de cooperação.
Esse principio começa a compartilhar espaço com o princípio da solidariedade, que envolve uma
corresponsabilidade comum para com outro Estado. Não basta criar projetos comuns de cooperação, mas
também se faz necessário suportar certas responsabilidades conforme a base de solidariedade.
O princípio da solidariedade concretamente tende a moldar instituições de integração regional (União
Europeia). Os PIGS20 tiveram que se adequar a um conjunto de regras estabelecidas pela Alemanha, mas
a UE suportou os custos do processo de integração com base nesse principio. Houve o sacrifício dos
Estados que suportaram os custos da crise financeira e ao mesmo tempo a contraprestação dos Estados
que aceitaram essas regras. Neste caso, não se fere o principio da autodeterminação tampouco o da não
intervenção.
20
A sigla compreende as iniciais dos nomes, em inglês de Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (Portugal, Ireland,
Greece and Spain), países que se encontram em grave crise fiscal, a ponto de ameaçar a saúde financeira da União
Europeia.
26
O debate sobre direitos humanos não começa na Constituição, nem nos direitos fundamentais. Está
interligado ao principio da Carta das Nações Unidas, a qual representou o marco inicial para o
reconhecimento internacional e interno dos Estados do respeito aos direitos humanos.
27
4.9. Princípios que Regem o Brasil nas suas Relações
Internacionais
A partir da dicção do art. 4o da CF/88, podemos constatar que o Brasil incorporou os princípios dos arts. 1
e 2 da Carta das Nações Unidas. Temos os chamados princípios que regem o Brasil nas suas relações
internacionais:
Independência nacional: o Brasil é sujeito de direito internacional;
Prevalência dos direitos humanos;
Autodeterminação dos povos
Não intervenção;
Igualdade entre os Estados: o Brasil reconhece a igualdade soberana no plano internacional;
Defesa da paz;
Solução pacifica de controvérsias: a adesão do Brasil ao Tratado de Roma, que definiu os crimes
contra a humanidade, levou o repúdio terrorismo e racismo a outras proporções;
Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade: participação de organização
internacionais para promover o progresso da humanidade;
Parágrafo único do art. 4: integração econômica, cultural e politica da América Latina. Justifica a
participação do Brasil em todos os processos de integração regional – Mercosul, CEPAL, Unasul.
4.10. Asilo
O asilo não se encontra expresso na Carta das Nações Unidas. É um principio tipicamente latino-
americano. Está na base das relações costumeiras na América Latina, se desenvolveu aqui porque
tivemos sucessivas crises políticas. O perseguido hoje é presidente de amanhã. O presidente de hoje é o
destituído de amanhã. O principio do asilo político Se consolidou nos costumes latino-americanos.
O Brasil é um dos países que mais concedeu asilo aos demais países latino-americanos. O ditador do
Paraguai viveu aqui até o ultimo de seus dias. Em determinado momento a diplomacia brasileira ofereceu
asilo a Snowden.
Existem dois tipos de asilo: o asilo político e o asilo diplomático.
Asilo Político
O asilo político basicamente se volta para a proteção da vida humana contra crimes de opinião.
Suponhamos um caso hipotético envolvendo Brasil e Colômbia. Um cidadão colombiano está sofrendo
ameaças dos seus direitos fundamentais por conta de crimes de opinião e na Colômbia há um
recrudescimento da repressão a opiniões divergentes do regime atual. O indivíduo corre risco de morte,
porque se opõe ao regime e não dispõe dos mecanismos jurídicos para se defender. Ele cruza a fronteira
do Estado, procura as autoridades brasileiras e pede clemência, asilo, proteção do Estado brasileiro. Essa
é uma decisão de governo, de Estado, quem pode conceder o asilo é o Presidente da República. Esse é o
asilo político. Foi o que ocorreu no caso Cesare Battisti. Sua configuração não é tão simples em outros
países quanto é no Brasil.
Asilo Diplomático
Para ilustrar o asilo diplomático, suponhamos que o mesmo individuo do exemplo anterior não consegue
atravessar a fronteira do Estado, então ingressa na embaixada brasileira na Colômbia.
Não é de todo verdadeira a afirmação de que “a embaixada é uma extensão do território brasileiro”. O que
existe é a projeção da soberania do Estado brasileiro naquele Estado. O asilo diplomático consiste na
possibilidade de o individuo ficar na embaixada brasileira. As autoridades brasileiras que têm poder de
conceder o asilo remetem uma carta ao governo repressor, solicitando uma carta de salvo conduto, uma
autorização para as autoridades brasileiras retirarem com integridade física o individuo de dentro do
território, seja por vias aérea, terrestres ou marinhas.
Tivemos recentemente o episódio no qual um Senador boliviano entrou na embaixada brasileira. O
governo brasileiro disse que solicitou o salvo conduto, mas as autoridades bolivianas não tiveram tempo
de analisar. Passou um ano, dois anos e o senador ficou na embaixada. Um diplomata que se sensibilizou
com a situação, sem autorização do governo brasileiro, enfiou o senador no porta malas e levou o
28
boliviano para o território brasileiro. Não se sabe onde esse diplomata está: desrespeitou ordens públicas.
O senador boliviano hoje está no Brasil e já foi garantido asilo a ele.
21
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_08-09-09.html.
29
ao direito internacional. Prevaleceu a autodeterminação dos povos em relação a integridade territorial da
Sérvia.
A decisão da CIJ poderia abrir precedente para outros movimentos separatistas. O conflito de princípios
fez prevalecer a autodeterminação dos povos mas não abriu precedente para outros movimentos, pois a
decisão fez ressalvas de que seria um caso específico: a declaração de independência de Kosovo não
afrontaria o direito internacional; não se decidiu, ainda, sobre a validade ou efeitos legais do
reconhecimento de Kosovo por outros Estados.
Afirmou a CIJ que a questão proposta não suscitou posicionamento sobre se o direito internacional
conferiria a Kosovo o direito de declarar unilateralmente sua independência ou se o direito internacional,
de um modo geral, conferiria o direito a entidades situadas dentro de um Estado a unilateralmente se
romper.
Vale ressaltar que na própria declaração de independência constava menção ao respeito ao direito
internacional e seus princípios.
A CIJ não teve coragem para afirmar que o principio da autodeterminação tem prevalência sobre a
integridade territorial, até mesmo porque a Corte se ateve à pergunta feita dentro das Nações Unidas – se
a declaração de independência estava de acordo com o direito internacional. A corte, desse modo, ficou
em uma posição cômoda, evitando abrir precedentes para outras situações similares separatistas.
31
Prova Parcial22
Prova Turmas 21-22
1. Disserte e contextualize as teorias sobre o fundamento do Direito Internacional, com a teoria do domínio
reservado e a teoria dos poderes implícitos, analisando o impacto de sua perspectiva sobre a “Cláusula
facultativa de jurisdição obrigatória – “Cláusula Raul Fernandes”. De que maneira os temas dialogam e em
quais aspectos podem ser assimétricos?
2. O internacionalista Jesus Maria Yepes defendeu que a consolidação do Direito Internacional Americano
parte de valores que surgem com a dinâmica das relações internacionais instituídas pelo Novo Mundo,
defendendo nos seguintes termos:
1. O Novo Mundo aceita a universalidade dos princípios fundamentais do Direito Internacional, mas, ao
mesmo tempo, afirma que à medida que novas situações se produzem, novos princípios jurídicos devem ser
formulados para resolver problemas que não haviam sido considerados anteriormente porque eles não
existiam.
2. Os Estados da América têm o direito de não reconhecer algum valor jurídico das instituições e dos
princípios em vigor na Europa, tais como, por exemplo, a intervenção de um Estado nos negócios de um
outro, a nacionalidade jure sanguinis, a política de hegemonia, a responsabilidade sem falta, a proteção
diplomática ilimitada acordada aos nacionais, etc., que não correspondem às suas condições geográficas,
políticas e históricas. Isto, eles reprisaram várias vezes apesar da resistência das velhas nações européias.
3. Eles têm o direito de proclamar sobre quaisquer matérias que lhes são dos princípios e das doutrinas
desconhecidas ou mesmo desconhecidas no resto do mundo. Do mesmo
direito, eles podem regrar por meio de convenções entre eles das questões ao sujeito das quais um acordo
universal é impossível.
4. Os Estados do Novo Mundo desenvolveram uma consciência, uma psicologia, que é inata ao continente
americano, uma consciência jurídica especial e que a habilita a exercer uma influência sobre a evolução do
Direito Internacional. (YEPES, Jesus Maria. Droit des Gens em Amérique. Reuceil dês Cours. Paris, n. 1, v.
47, 1934. p. 7-8, tradução livre)
Tendo em vista a afirmação do referido internacionalista responda: È possível relativizar princípios no
Direito Internacional? Qual a força e o papel normativo dos princípios no atual contexto da sociedade
internacional? Explique. Existe algum princípio vinculado diretamente ao conceito de sujeito de direito
internacional? Sim? Não? Por qual motivo? Relacione a citação à aplicação concreta de princípios
segundo exemplos dados em sala de aula.
22
Prova realizada em 29/9/2014.
2. A) Situe o debate sobre o caso Bernadotte (Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre
a "Reparação de danos sofridos a serviço da Organização", de 1949) na matéria trabalhada em sala de
aula e explique de que forma poderia interferir ou influenciar na aceitação da palestina como membro da
Organização das Nações Unidas – seja como Estado ou observador – na contemporaneidade.
B) É possível estabelecer conexão do Direito de veto prescrito na Carta das nações Unidas e o debate
sobre o fundamento do direito internacional? Em quais aspectos essas proposições dialogam?
Contextualize.
33
5. Fontes do Direito Internacional23
A importância desta discussão envolve a interpretação de fatos jurídicos ocorridos no plano internacional.
A fonte serve como instrumento de interpretação e colmatação de lacunas na aplicação do direito
internacional. É nas fontes que buscamos o sustentáculo da argumentação jurídica envolvendo regras de
direito internacional.
O rol de fontes encontrado na maioria dos manuais – art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça
– foi concebido num modelo do século passado, com a ideia subjacente de protagonismo total do Estado.
Artigo 38. 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe
forem submetidas, aplicará:
a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais. que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição do art. 5924, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais
qualificados das diferentes Nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Côrte de decidir uma questão ex aeque et bano, se
as partes com isto concordarem.
Quando estudamos os sujeitos do direito internacional, vimos que novos elementos foram inseridos, tais
como as organizações internacionais e mesmo os indivíduos. Em virtude disso, as fontes classicamente
estudadas devem ser redimensionadas à luz de uma sociedade internacional mais ampla. Não poderemos
ignorar esta informação para a discussão a seguir.
Não existe uma hierarquia entre as fontes do direito internacional. Podem ser utilizados tratados,
costumes, princípios gerais do direito e mesmo equidade.
A doutrina caracteriza os tratados, os costumes e os princípios com caráter de fonte autônoma. Os demais
– decisões judiciárias e doutrina – só poderiam ser aplicados em conjunto com fontes autônomas. No
entanto, isso já não é mais tão verdadeiro.
5.1. Tratados
A primeira fonte a ser estudada são os tratados. Numa perspectiva voluntarista, analisa-se a manifestação
da vontade do Estado no sentido de se submeter a um tratado, a fim de aferir sua validade. Há quem
pense que o direito internacional começa e termina no direito dos tratados, em especial os positivistas: se
não há tratados, então o Estado não está obrigado a nada.
Tratado é um acordo formal celebrado entre Estados ou organizações internacionais que geram direitos e
obrigações para seus signatários.
Só existe tratado internacional. Na acepção correta da palavra, tratado é o documento solene, firmado
dentro do quadro do ajustamento de interesses e acordos entre Estados soberanos.
Em 1969, a ONU patrocinou a Convenção de Viena25 que padronizou a celebração de tratados. Em 1985,
esta Convenção foi reformada para permitir que as organizações internacionais também pudessem
celebrar tratados.
5.2. Costumes
A segunda fonte são os costumes, o direito internacional consuetudinário. A grande maioria das regras
convencionadas tem origem costumeira – é o que a doutrina chama de fenômeno convencional, a
redação de tratados que convencionam costumes. A definição do mar territorial, a imunidade dos
diplomatas, estas regras são provenientes de costumes que foram traduzidos em documentos.
O costume internacional possui dois elementos fundamentais para sua caracterização: a prática geral e
reiterada e a opinio iuris, isto é, a aceitação da prática como um direito invocável, a configuração como
uma opinião de direito, revestindo-se de certa juridicidade na perspectiva dos envolvidos.
23
Aula de 6/10/2014.
24
Artigo 59. A decisão da Côrte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão.
25
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm.
5.3. Princípios Gerais de Direito
A terceira fonte são os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Quando da
redação do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, não havia sido editada a Carta das Nações Unidas,
com o estabelecimento dos princípios do direito internacional, enumerados em seus arts. 1o e 2o. Assim,
estes princípios têm seu fundamento naqueles (princípios gerais de direito), deles deduzindo sua força.
Não podemos perder de vista o conteúdo epistemológico do direito internacional: o direito internacional é
direito. Devem ser levados em conta todos os valores que nutrem o sistema jurídico, que não estão na
força, não estão no poder de barganha.
A doutrina critica a expressão "nações civilizadas", por não haver, em tese, a possibilidade de concepção
de nações que não sejam civilizadas. Contudo, acredita-se que a expressão busca mover os Estados à
conscientização de que reconhecer e aplicar os princípios do direito internacional faz parte da concepção
de maturidade civilizacional de uma dada nação, de civilidade de um povo.
35
influenciarão, posteriormente, a ratificação de novos tratados, ou mesmo, no plano interno, o entendimento
jurídico normativo dos Estados. Este é o efeito reprodutivo, impactante, da soft law. Por isso, muitas vezes
seu impacto é maior que os tratados.
A grande diferença entre os tratados e o soft law envolve a força cogente que aqueles carregam.
Estes têm servido como inspiração do entendimento jurídico-normativo dos Estados no plano interno.
Em sua origem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos seria um exemplo de soft law por
excelência, tendo sido posteriormente incorporado em tratados e reproduzidos no plano interno dos
tratados. Outro exemplo é a Agenda 2126.
A soft law tem servido como um instrumento de diálogo entre o plano interno e plano internacional –
localismo globalizado (fenômeno local levado ao foro internacional) e globalismo localizado (uma
discussão global é incorporada no plano interno), faces da relação dialógica jurídico-normativa e também
cultural da sociedade contemporânea.
26
A Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência Eco-92 ou Rio-92, ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil,
em 1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e
localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da
sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. Cada país desenvolve a
sua Agenda 21 e no Brasil as discussões são coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento
Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS). A Agenda 21 se constitui num poderoso instrumento de reconversão
da sociedade industrial rumo a um novo paradigma, que exige a reinterpretação do conceito de progresso,
contemplando maior harmonia e equilíbrio holístico entre o todo e as partes, promovendo a qualidade, não apenas a
quantidade do crescimento.
36
6. Direito dos Tratados27
Na perspectiva mais positivista do direito internacional, este acaba por se confundir com o direito dos
tratados. Em linha com a doutrina clássica, estudaremos este tema a partir de agora com mais vagar.
Como vimos, tratado é todo acordo formal celebrado entre Estados e/ou organizações internacionais que
geram direitos e obrigações entre os signatários. É cogente, deve ser solene e é definitivo. É um acordo
entre vontades soberanas.
Em 1969, a ONU patrocinou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, reformada em 1985 com
a possibilidade de as organizações internacionais celebrarem tratados. Há entendimento no sentido que
essa Convenção teria apenas consagrado o costume28, já que os tratados já eram celebrados (o Tratado
de Tordesilhas, a Bula Inter Coetera, entre outros, já apresentavam certos aspectos rituais e de forma, por
exemplo). Sua importância é a da disciplina dos tratados, que antes elam celebrados de maneira não
uniforme.
27
Aulas de 13 e 20/10/2014.
28
O fenômeno convencional consiste na positivação dos costumes nos tratados, no âmbito do direito internacional.
O Brasil só veio a ratificar a Convenção de Viena em 2009. Até ali, o Brasil aplicava costumeiramente as
regras sobre o direito dos tratados29.
6.2.3. Depósito
Esse conceito envolve a dificuldade de ratificação por todos os Estados, na prática. Em geral, um Estado é
escolhido como depositário do tratado.
29
DECRETO Nº 7.030, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66.
38
Depósito é o ato instrumental pelo qual o Estado entrega formalmente um ato de ratificação a um Estado
determinado. Normalmente, o efeito prático envolve a entrada em vigor de um tratado, que é vinculada a
alguma data de depósito.
Nesse sentido, o art. 84 da Convenção de Viena dispõe:
1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo
quinto instrumento de ratificação ou adesão.
2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do trigésimo quinto
instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por
esse Estado, de seu instrumento de ratificação ou adesão.
O depositário do Tratado de Assunção é o Paraguai:
O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro
instrumento de ratificação. Os Instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República
do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demais Estados Partes.
6.2.5. Reserva
Reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por
um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou
modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.
O art. 19 da Convenção de Viena regula a matéria:
Artigo 19
Formulação de Reservas
Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a
não ser que:
a) a reserva seja proibida pelo tratado;
b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a
reserva em questão; ou
c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do
tratado.
O Brasil ratificou a Convenção de Viena, com reserva aos seus artigos 25 (Aplicação Provisória) e 66
(Processo de Solução Judicial, de Arbitragem e de Conciliação).
Outro exemplo foi a reserva oposta pelo Brasil ao Código Bustamante (Convenção Internacional de Direito
Privado de Havana, Decreto nº 18.871, de 13 de Agosto de 1929), que dizia respeito ao divórcio,
inadmissível em nosso país à época de sua ratificação:
RESERVA DE LA DELEGACIÓN DE BRASIL
30
Embaixador é diferente de cônsul. Enquanto o primeiro age representando um Estado (direito internacional
público), o segundo trata de interesses de particulares.
39
Rechazada la enmienda substitutiva que propuso para el artículo 53, la Delegación de Brasil niega su
aprobación al artículo 52, que establece la competencia de la ley del domicilio conyugal para regular la
separación de cuerpos y el divorcio, así como también al artículo 54.
A Carta das Nações Unidas, como vimos, não admitia reservas.
6.2.6. Denúncia
Da mesma forma que um Estado é livre para aceitar um tratado, pode, a qualquer momento, dele se
desvincular.
Consideremos o art. 56 da Convenção de Viena:
Artigo 56
Denúncia, ou Retirada, de um Tratado que não Contém Disposições sobre Extinção, Denúncia ou Retirada
1. Um tratado que não contém disposição relativa à sua extinção, e que não prevê denúncia ou retirada, não
é suscetível de denúncia ou retirada, a não ser que:
a) se estabeleça terem as partes tencionado admitir a possibilidade da denúncia ou retirada; ou
b) um direito de denúncia ou retirada possa ser deduzido da natureza do tratado.
2. Uma parte deverá notificar, com pelo menos doze meses de antecedência, a sua intenção de denunciar ou
de se retirar de um tratado, nos termos do parágrafo 1.
Em regra, a denúncia ou retirada, não é possível se o tratado não contiver disposição expressa sobre a
matéria. O dispositivo acima reproduzido traz as exceções admissíveis.
O Tratado de Assunção, a título de ilustração, regula a denúncia em seus arts. 21 e 22:
ARTIGO 21
O Estado Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá comunicar essa intenção aos demais
Estados Partes de maneira expressa e formal, efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do
documento de denúncia ao Ministério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuirá
aos demais Estados Partes.
ARTIGO 22
Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos e obrigações que correspondam a
sua condição de Estado Parte, mantendo-se os referentes ao programa de liberação do presente Tratado e
outros aspectos que os Estados Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta
(60) dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado denunciante continuarão
em vigor por um período de dois (2) anos a partir da data da mencionada formalização.
A parte final do art. 22 estabelece uma regra que vincula o Estado por um período posterior à formalização
da denúncia.
31
Quadro complementar: exemplo de denúncia pelo Presidente
No dia 14 de fevereiro de 2008, o presidente Lula encaminhou para apreciação do Congresso Nacional as
convenções 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção 151 trata da organização
sindical e do processo de negociação dos trabalhadores do serviço público. Já a Convenção 158 tem como tema a
garantia do emprego contra a dispensa imotivada.
Conforme prevê a Constituição Federal, a ratificação de uma convenção internacional pelo país depende da
aprovação de seus dispositivos pelo Congresso Nacional. No que se refere à Convenção 158 da OIT, essa
aprovação já ocorreu em 1992, conforme o Decreto Legislativo nº 68, de 17 de setembro daquele ano.
Aprovada pelo Congresso Nacional, coube ao governo solicitar o registro da ratificação da Convenção junto ao diretor
geral da OIT, o que só foi feito na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 5 de janeiro de 1995. A
partir desta data, iniciou-se a contagem de 12 meses para que a Convenção 158 entrasse em vigor no país, em 5 de
janeiro de 1996.
Na ocasião, entretanto, boa parte do empresariado e de sua assessoria jurídica reagiu à entrada em vigor da
Convenção 158, alegando que sua aplicação dependeria da regulamentação do inciso I do Art. 7º da Constituição
Federal. Diante do debate aí instalado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expediu o Decreto 1.855, de 10
de abril de 1996, determinando que “A Convenção 158 da OIT deverá ser executada e cumprida tão inteiramente
como nela se contém”. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT), entidade patronal, entrou, então, com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para contestar a vigência e a auto-
aplicabilidade da Convenção 158. Porém, antes mesmo que o Judiciário se pronunciasse sobre a matéria, o governo
editou novo decreto (Decreto 2.100/96), em novembro do mesmo ano, denunciando a Convenção 158, o que, na
31
Fonte: http://www.fup.org.br/2012/images/dieese/dieese9.pdf
40
linguagem jurídica, significa declarar encerrado o compromisso anteriormente assumido de cumprir os seus
dispositivos. A alegação do governo foi a de que manutenção da adesão à Convenção 158 acarretaria ao Brasil
perda de competitividade internacional, além de a medida estar gerando confusão jurídica, devido às conflitantes
decisões dos tribunais durante o curto espaço de tempo em que vigorou no país. O texto do decreto presidencial é
mostrado abaixo.
Torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158 relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do
Empregador.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997,
a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em
22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho,
tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.
41
Constituem a versão autêntica os textos que servem de base para a interpretação em caso de controvérsia
– são os textos nos idiomas reconhecidos para fins de interpretação. Na Convenção de Viena, temos o art.
85, que estabelece como idiomas reconhecidos o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo:
Artigo 85
Textos Autênticos
O original da presente Convenção, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo fazem
igualmente fé, será depositado junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.
Em fé do que, os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente autorizados por seus respectivos
Governos, assinaram a presente Convenção.
Feita em Viena, aos vinte e três dias de maio de mil novecentos e sessenta e nove.
A versão oficial, por sua vez, envolve as traduções em idiomas não reconhecidos para fins de versão
autêntica. Quando um tratado é incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, seu conteúdo é traduzido:
assim, a versão oficial em português é relevante para discussões perante tribunais brasileiros. Numa
discussão jurídica perante um tribunal internacional, poder-se-ia exigir a utilização do texto em algum dos
idiomas da versão autêntica, apontando, por exemplo, inadequações na tradução para o português.
Uma questão importante foi a recente utilização do instituto do auxílio direto no caso Berezovsky 32 ,
utilizado para quebrar seu sigilo bancário. Seus advogados argumentaram que se tratava de um instituto
não positivado no direito brasileiro e o Ministério Público alegou que poderia ser incorporado em função da
sua previsão em tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário.
A próxima fase é a autenticação, que é a rubrica dos representantes dos Estados, que configura a versão
autêntica, a qual não mais será modificada. A Carta de Plenos poderes permite a participação até esta
fase.
A ratificação sucede a autenticação. É o ato inequívoco pelo qual o Estado se submete a determinado
tratado. É um ato jurídico que se realiza no plano internacional. Cada Estado disciplina quem é
competente para a ratificação de tratados. No Brasil, com base no art. 84, VIII, tal competência é exclusiva
do Presidente da República. É importante ressaltar que o texto constitucional utiliza o verbo “celebrar” em
vez de ratificar, porém o sentido é o mesmo.
A entrada em vigor pode ser automática ou diferida.
Por fim, temos o registro e a publicação. A esse respeito, vale reproduzir o art. 102 da Carta das Nações
Unidas:
Artigo 102. 1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações Unidas
depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados
e publicados pelo Secretariado.
2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de
conformidade com as disposições do parágrafo 1 deste Artigo poderá invocar tal tratado ou acordo perante
qualquer órgão das Nações Unidas.
A publicação, assim, é requisito para a invocação de um tratado.
Resumindo, as fases são: negociação, adoção do texto, autenticação, ratificação, entrada em vigor,
registro e publicação.
Entre a autenticação e a ratificação, existe um procedimento interno de ebulição psicológica do Estado no
sentido de determinar se deverá ou não se submeter a um dado tratado. Essa discussão é fundamental: a
partir de que momento um tratado pode ser invocado perante o ordenamento jurídico brasileiro?
32
O caso trata do compartilhamento de provas sobre o empresário Bóris Abramovich Berezovsky entre a Justiça
Brasileira e o Ministério Público russo. O empresário era acusado de lavagem de dinheiro e investigado também pelo
país estrangeiro. Sabendo do processo no Brasil, o Ministério Público russo pediu cópias dos hard disks apreendidos
como provas. O pedido foi encaminhado ao Brasil por meio de ofícios, o juiz federal atendeu ao pedido e enviou as
cópias à Rússia antes de o material ser periciado. Bóris Berezovsky entrou com um recurso no STJ alegando que o
pedido não foi feito por carta rogatória, e sua análise deveria ser de competência do STJ. Discute-se então se o que
está disposto na Constituição Federal é taxativo quanto às formas de cooperação internacional, por estabelecer que
é competência do STJ conceder o exequatur de cartas rogatórias e realizar homologação de sentenças estrangeiras.
42
6.5. Interpretação de Tratados33
Neste tópico, analisaremos as regras trazidas pela Convenção de Viena a respeito da interpretação dos
tratados. Devemos sempre ter em mente que a Convenção de Viena traz, além de uma perspectiva
civilista, um enfoque positivista para o estudo do direito internacional.
Consideremos a dicção dos arts. 31 a 33:
Artigo 31
Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado
em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e
anexos:
a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;
b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e
aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas
disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das
partes relativo à sua interpretação;
c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das
partes.
Artigo 32
Meios Suplementares de Interpretação
Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado
e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou
de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:
a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.
Artigo 33
Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas
1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma
delas, a não ser que o tratado disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um
texto determinado.
2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi autenticado só será considerada
texto autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso concordarem.
3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos.
4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do parágrafo 1, quando a comparação
dos textos autênticos revela uma diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina,
adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor conciliar os
textos.
Pelo princípio da boa fé, tudo o que está escrito nos tratados deve ser entendido como expressão da
vontade das partes. Não se busca questões obscuras de poder, apenas o que está nos dispositivos, o
sentido comum de seus termos em face do contexto, à luz do objeto e finalidade do tratado.
O objeto do tratado se encontra em seus dispositivos. A finalidade se encontra em seu preâmbulo.
Anexos e outros instrumentos podem ser considerados, conforme as hipóteses do art. 31.
33
Aula de 10/11/2014. Esta aula foi ministrada depois do estudo da relação entre os tratados e o direito interno, mas
optei por inseri-la no ponto relativo ao direito dos tratados, por maior afinidade com os conteúdos estudados
anteriormente.
43
6.6. Tratados e Terceiros Estados
Uma outra questão relevante é: pode um tratado gerar obrigações para um Estado que não o ratificou? A
Convenção de Viena tem espaços de discricionariedade, possibilitando a avaliação de circunstâncias
excepcionais. Temos os seguintes dispositivos:
Tratados e Terceiros Estados
Artigo 34
Regra Geral com Relação a Terceiros Estados
Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento.
Artigo 35
Tratados que Criam Obrigações para Terceiros Estados
Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado
tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro Estado aceitar expressamente,
por escrito, essa obrigação.
Artigo 36
Tratados que Criam Direitos para Terceiros Estados
1. Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem
a intenção de conferir, por meio dessa disposição, esse direito quer a um terceiro Estado, quer a um grupo de
Estados a que pertença, quer a todos os Estados, e o terceiro Estado nisso consentir. Presume-se o seu
consentimento até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente.
2. Um Estado que exerce um direito nos termos do parágrafo 1 deve respeitar, para o exercício desse direito,
as condições previstas no tratado ou estabelecidas de acordo com o tratado.
Artigo 37
Revogação ou Modificação de Obrigações ou Direitos de Terceiros Estados
1. Qualquer obrigação que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 35 só poderá ser
revogada ou modificada com o consentimento das partes no tratado e do terceiro Estado, salvo se ficar
estabelecido que elas haviam acordado diversamente.
2. Qualquer direito que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 36 não poderá ser
revogado ou modificado pelas partes, se ficar estabelecido ter havido a intenção de que o direito não fosse
revogável ou sujeito a modificação sem o consentimento do terceiro Estado.
Artigo 38
Regras de um Tratado Tornadas Obrigatórias para Terceiros Estados por
Força do Costume Internacional
Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para
terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.
A cláusula da nação mais favorecida no comércio internacional é um exemplo de direito criado para
terceiro Estado. Um exemplo de criação de obrigação para terceiro Estado foram os encargos que tiveram
que ser suportados pela Argentina por conta da criação da Itaipu Binacional, acordada entre Paraguai e
Brasil.
44
a) na decisão quanto à ação a ser tomada sobre essa proposta;
b) na negociação e conclusão de qualquer acordo para a emenda do tratado.
3. Todo Estado que possa ser parte no tratado poderá igualmente ser parte no tratado emendado.
4. O acordo de emenda não vincula os Estados que já são partes no tratado e que não se tornaram
partes no acordo de emenda; em relação a esses Estados, aplicar-se-á o artigo 30, parágrafo 4 (b).
5. Qualquer Estado que se torne parte no tratado após a entrada em vigor do acordo de emenda será
considerado, a menos que manifeste intenção diferente:
a) parte no tratado emendado; e
b) parte no tratado não emendado em relação às partes no tratado não vinculadas pelo acordo de emenda.
Artigo 41
Acordos para Modificar Tratados Multilaterais somente entre Algumas Partes
1. Duas ou mais partes num tratado multilateral podem concluir um acordo para modificar o tratado, somente
entre si, desde que:
a) a possibilidade de tal modificação seja prevista no tratado; ou
b) a modificação em questão não seja proibida pelo tratado; e
i) não prejudique o gozo pelas outras partes dos direitos provenientes do tratado nem o cumprimento de suas
obrigações
ii) não diga respeito a uma disposição cuja derrogação seja incompatível com a execução efetiva do objeto e
da finalidade do tratado em seu conjunto.
2. A não ser que, no caso previsto na alínea a do parágrafo 1, o tratado disponha de outra forma, as partes
em questão notificarão às outras partes sua intenção de concluir o acordo e as modificações que este
introduz no tratado.
Porque foi criada a ALADI e não simplesmente emendado o tratado que criou a ALALC? Exatamente pela
dificuldade do processo de emenda.
Este procedimento dificulta sobremaneira a reforma da estrutura da ONU, dada a quantidade de países
que precisam ratificar as alterações necessárias na Carta das Nações Unidas. Se algum dos Estados
opuser reserva, como gerenciar regimes mistos, por exemplo, para a composição do Conselho de
Segurança? Seria inviável se isto ocorresse. Talvez fosse mais fácil extinguir a ONU e criar uma nova
organização, com novos termos.
NOTA DO AUTOR DO CADERNO: Após realizar uma pesquisa, constatei que, em verdade, em 21 de março de 1986 foi
celebrada a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre
Organizações Internacionais, que incorporou em seu texto as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de
1969 e trouxe as modificações necessárias para tornar as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional. Em
seu preâmbulo, temos:
Bearing in mind the provisions of the Vienna Convention on the Law of Treaties of 1969,
Recognizing the relationship between the law of treaties between States and the law of treaties between States and
international organizations or between international organizations,
Considering the importance of treaties between States and international organizations or between international
organizations as a useful means of developing international relations and ensuring conditions for peaceful cooperation
among nations, whatever their constitutional and social systems,
Having in mind the specific features of treaties to which international organizations are parties as subjects of international
law distinct from States,
Noting that international organizations possess the capacity to conclude treaties, which is necessary for the exercise of
their functions and the fulfilment of their purposes,
O artigo 85 da Convenção estabelece que ela entrará em vigor depois que seja ratificada por 35 Estados (organizações
internacionais podem ratificá-la, mas tais ratificações não entram na totalização do número necessário para entrada em vigor). O
status de ratificação e as reservas dos signatários podem ser acessadas em:
https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XXIII-3&chapter=23&lang=en
46
7. Os Tratados e o Direito Interno34
7.1. Teoria Dualista e Teoria Monista
Há duas teorias clássicas que procuram explicar a relação entre o direito internacional e o direito interno: a
teoria dualista e a teoria monista.
A teoria dualista foi pensada em 1889, tendo como patronos TRIPPEL (na Alemanha) e ANZILOTTI (na
Itálida). Para os dualistas, que pensaram o pacta sunt servanda como fundamento do direito internacional,
existem dois ordenamentos jurídicos distintos: o internacional e o interno, com diversidade de fontes,
objeto e sujeitos. As normas internacionais e as normas de direito interno, assim, não se relacionariam.
Para a aplicação de normas internacionais no plano interno, é preciso haver um processo de recepção –
de recodificação da norma para seu ingresso no ordenamento jurídico de um Estado.
Assim, se o Estado brasileiro adota a teoria dualista, só será possível invocar a aplicação de um tratado no
momento em que este for recepcionado pelo ordenamento brasileiro.
Em 1910, HANS KELSEN formulou a teoria monista. Por esta teoria, direito internacional e direito interno
fazem parte de um único sistema jurídico. O direito internacional encontra sua força normativa por conta
da norma hipotética fundamental. Os monistas se dividiram entre os que defendiam a primazia do direito
internacional e os que defendiam a primazia do direito interno para a solução de antinomias.
Modernamente, há a teoria da transnormatividade, que entende um diálogo entre as normas de direito
internacional e as de direito interno que supera a necessidade de uma compreensão segundo a teoria
monista ou a teoria dualista.
Seria o Brasil monista ou dualista?
Quando a CF foi redigida, o Brasil não havia ratificado a Convenção de Viena (o que ocorreu apenas em
2009). O direito dos tratados é matéria de pouquíssimos dispositivos na Carta da República. O
entendimento do STF, que traduz um entendimento retrógrado sobre o assunto, é de que nosso
ordenamento adotou a teoria dualista, devendo os tratados serem recepcionados para que sejam
invocados.
Encontramos hoje um tratamento monista apenas em algumas matérias nos tratados celebrados na União
Europeia. As Constituições dos Estados tiveram que ser alteradas para reconhecer a aplicação direta das
normas internacionais em certas matérias.
O dualismo, assim, é majoritário no mundo atual.
É relevante para esta discussão a leitura do art. 27 da Convenção de Viena:
Artigo 27
Direito Interno e Observância de Tratados
Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de
um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.
Qual a autoridade normativa da Convenção de Viena para submeter o ordenamento jurídico interno à luz
do seu art. 27? Seu conteúdo traduz uma ideia de primazia do direito internacional.
Como conciliar este artigo, por exemplo, com o seguinte entendimento do STF?
"Supremacia da CR sobre todos os tratados internacionais. O exercício do 'treaty-making power’, pelo Estado
brasileiro, está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional. Os tratados
celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da CR. Nenhum valor jurídico terá o
tratado internacional, que, incorporado ao sistema de direito positivo interno, transgredir, formal ou
materialmente, o texto da Carta Política. Precedentes." (MI 772-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 24-10-2007, Plenário, DJE de 20-3-2009.)
Será que a ratificação, pelo Brasil, da Convenção de Viena em 2009 trouxe novas possibilidades em
matéria de interpretação e aplicação dos tratados no direito brasileiro?
No mesmo sentido, vale a pena mencionar a regra do art. 46 da Convenção de Viena:
Artigo 46
Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados
1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso
em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser
34
Parte final da aula de 20/10 e aula de 3/11.
que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância
fundamental.
2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de
conformidade com a prática normal e de boa fé.
35
Relativamente ao locus da apreciação do Parlamento no processo (iter) de celebração de tratados, a primeira ideia
a fixar-se é a de que sua manifestação para resolver sobre tratados (art. 49, inc. I) tem lugar sempre depois da
assinatura do instrumento convencional e antes de sua ratificação. Trata-se, portanto, de uma fase intermediária
entre a assinatura e a ratificação do tratado pelo Presidente da República, que não internaliza o ato internacional ao
direito estatal, apenas dando condições jurídicas para que o Chefe de Estado leve a cabo o procedimento de
assunção do compromisso internacional. Em outras palavras, a manifestação congressual tão somente autoriza o
Presidente da República à ratificação do tratado (ratificação esta que é discricionária, todavia). A
materialização da decisão (referendum) do Parlamento se dá, no Brasil, por meio da edição de um decreto legislativo,
espécie normativa prevista no art. art. 59, inc. VI, da Constituição. Não há edição de tal medida em caso de rejeição
do tratado, quando então apenas se comunica a decisão do Congresso, mediante mensagem, ao Chefe do Poder
Executivo. Neste caso, o Presidente fica impedido de ratificar o tratado, podendo responder por crime de
responsabilidade pela prática de ato atentatório ao livre exercício do Poder Legislativo (CF, art. 85, inc. II) se assim o
fizer (o que se conhece em Direito Internacional Público por ratificação imperfeita ou inconstitucionalidade
extrínseca). (MAZZUOLI, Valério de Olivera. Comentário ao art. 49, I. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES,
Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; ________ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013).
36
MAZZUOLI, op. cit.: Depositado o instrumento de ratificação junto ao Governo ou organismo responsável pelas
funções de depositário, a prática brasileira, seguindo a tradição lusitana, tem exigido deva o Presidente da República
expedir um decreto de execução, promulgando e publicando no Diário Oficial da União o conteúdo dos tratados,
materializando-os, assim, internamente. Não há regra na Constituição de 1988, entretanto, que estabeleça esse
procedimento, sendo produto de uma praxe nascida com o primeiro tratado concluído pelo Império Brasileiro.
O decreto executivo, assinado pelo Presidente da República, é ainda referendado pelo Ministro das Relações
Exteriores e acompanhado de cópia do texto do ato. A partir de então, tem o tratado plena vigência na ordem
interna, devendo, por isso, ser obedecido tanto pelos particulares, como pelos juízes e tribunais nacionais. O
Judiciário, a partir da integração do tratado à ordem jurídica interna, já está apto a aplicá-lo, independentemente de
qualquer condição externa àquela vontade do Estado de engajar-se no compromisso internacional, devendo fazê-lo
de imediato tal qual quando aplica uma norma constitucional, uma lei complementar, uma lei ordinária, uma lei
delegada, e assim por diante. A não-aplicação do compromisso internacional pelo Judiciário pode, inclusive, acarretar
a responsabilidade internacional do Estado, que passa então a descumprir (por ato de um dos seus Poderes
constituídos) aquilo que se comprometeu a acatar, junto a outros atores internacionais, no plano do Direito
Internacional Público.
48
As Constituições, em geral, determinam que a ratificação de tratados deve se dar após o referendo do
Poder Legislativo37. Entretanto, a aprovação do Parlamento em relação ao tratado não obriga o Chefe do
Executivo na sua ratificação, podendo este decidir discricionariamente. É dizer, após a aprovação do
tratado pelo Parlamento, pode ou não o governo ratificá-lo, segundo o que julgar mais conveniente
(característica política), ou ainda, segundo as circunstâncias (característica circunstancial), não
significando eventual não-ratificação a prática de ilícito internacional. De seu caráter dúplice decorre a falta
de prazo para que seja levada a efeito no cenário internacional, a menos que o tratado expressamente fixe
um prazo determinado para ela.
A conjugação da vontade do Parlamento com a vontade do Executivo para completar o processo de
celebração de tratados no Brasil é decorrência da teoria dos atos complexos, onde a vontade de uma
parte é necessária, mas não suficiente.
No caso de denúncia de tratados, entende-se que não há necessidade de consulta ao Congresso
Nacional, porém a matéria não se encontra consolidada na doutrina.
A compreensão deste procedimento tem grande relevância prática. A partir de que momento você, como
advogado ou cidadão, pode se invocar tratado?
Se o STF entendeu que o Brasil adotou a teoria dualista, então um tratado só pode ser invocado quando o
decreto presidencial (editado após o decreto legislativo que o autoriza a proceder à ratificação) for
promulgado internamente. O STF se pronunciou nesse sentido na ADI-MC 1.480-DF, julgada em 4/9/97.
No plano externo, o tratado vincula o Brasil desde a sua ratificação, a não ser que existam disposições
expressas em sentido.
37
MAZZUOLI, Valério de Olivera. Comentário ao art. 84, VIII. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; ________ (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
49
Esse entendimento submete os tratados estejam submetidos ao princípio cronológico lex posterior derogat
legi priori, do que decorre a possibilidade de disposições de um tratado poderem ser revogadas por mera
lei ordinária no plano interno, apesar de estarmos obrigados no plano externo.
Porém, como já mencionamos, vivemos um momento de mudança, após a ratificação da Convenção de
Viena em 2009, em face do art. 27: O Brasil não pode invocar norma interna para descumprir norma
internacional. Assim, a jurisprudência deverá ser revista em breve.
Há exceções à regra geral de equiparação de tratados a leis ordinárias.
De acordo com o art. 5º, §§ 2º a 4º da CF/88:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado
adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Assim, pelo § 3º, incluído pela EC 45/2004, desde que submetidos a um iter específco, os tratados que
versem sobre direitos humanos terão força normativa de preceitos constitucionais (status de emenda
constitucional). Até o momento, apenas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi
submetida a este procedimento.
O STF discutiu o status dos tratados sobre direitos humanos que não foram submetidos a este
procedimento e que foram ratificados pelo Brasil antes da CF/88, depois de sua vigência e antes da EC
45/2004 e depois da EC 45/2004. As conclusões encontram-se no julgado do RE 466.343-1/SP (ver seção
7.6).
Convém discutir se a regra do § 2º já não alçaria os princípios contidos em tratados internacionais nos
quais o Brasil seja parte a um status constitucional. O professor Wagner acredita que a inclusão do § 3º
teve como intenção afastar completamente esta tese.
50
1. Sem prejuízo das disposições do artigo 103 da Carta das Nações Unidas, os direitos e obrigações dos
Estados partes em tratados sucessivos sobre o mesmo assunto serão determinados de conformidade com os
parágrafos seguintes.
2. Quando um tratado estipular que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser
considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições deste último prevalecerão.
3. Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado posterior, sem que o
tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do
artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis
com as do tratado posterior.
4. Quando as partes no tratado posterior não incluem todas a partes no tratado anterior:
a) nas relações entre os Estados partes nos dois tratados, aplica-se o disposto no parágrafo 3;
b) nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte apenas em um desses
tratados, o tratado em que os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações recíprocos.
5. O parágrafo 4 aplica-se sem prejuízo do artigo 41, ou de qualquer questão relativa à extinção ou
suspensão da execução de um tratado nos termos do artigo 60 ou de qualquer questão de responsabilidade
que possa surgir para um Estado da conclusão ou da aplicação de um tratado cujas disposições sejam
incompatíveis com suas obrigações em relação a outro Estado nos termos de outro tratado.
Dispositivos Legais
O art. 5º, LXVII da Constituição Federal traz a seguinte disposição:
Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
O Decreto-Lei 911/1969 traz o seguinte preceito:
Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do
devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos
autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de
Processo Civil.
Esta norma concede ao credor fiduciário ação de depósito fundada no contrato de alienação fiduciária em
garantia, quando não encontre o bem ou não se ache este na posse do devedor fiduciante. O diploma
legal, assim, atribui ao devedor inadimplente da operação de crédito garantida pela alienação fiduciária as
responsabilidades do depositário.
O art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 1969
traz a seguinte norma:
Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade
judiciária competente expedidos em virtude de inadiplemento de obrigação alimentar.
38
Nota do autor do caderno: incluí este fichamento, que fiz para a disciplina Direitos Fundamentais I, acerca da
decisão do STF na qual se discutiu a posição dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.
51
teórica entre os dois modelos jurídicos que permitissem a referida equiparação39. A discussão se deu à luz
das disposições da EC no 1/1969 e não da CF.
Para o eminente ministro, à lei só é dado equiparar pessoas ao depositário, para o fim de lhes autorizar a
prisão civil como meio para as compelir ao adimplemento de obrigação quando não se deforme nem
deturpe, na situação jurídica equiparada, o arquétipo do depósito convencional, em que o sujeito passivo
contrai obrigação de custodiar e devolver. Fora daí, seria arbitrária a lei.
Para o Min. CEZAR PELUSO, não seria necessário recorrer à disposição do Pacto de São José da Costa
Rica. A única interpretação harmônica com a Constituição seria a de que ao fiduciário está autorizado o
uso da ação de depósito, mas sem cominação nem decretação da prisão civil do fiduciante vencido.
39
Na origem da alienação fiduciária, o fiduciante recebe a posse da coisa, não para custódia desta, nem o credor
fiduciário a deixa (e não “entrega”) para esse fim, senão para dela usar e gozar em posição idêntica à do
compromissário comprador, e, por consequência, nenhuma obrigação tem de restituir, salvo na hipótese de
descumprimento do contrato e não na execução dele como é a essência do depósito (termo prefixado no depósito ou
à requisição do depositante). Se o suposto depositário adquire o direito de usar da coisa, já não há aí depósito.
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Internacional Público constituem parte integrante do direito federal [...] prevalecem sobre as leis e
produzem diretamente direitos e deveres para os habitantes do território nacional”.
Diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos
humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do
procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda
e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.
Assim, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel NÃO foi revogada pelo ato de adesão
do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, MAS deixou de ter aplicabilidade diante do efeito
paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (art. 1.287
do CC/1916 e Decreto-Lei 911/1969). Dado o caráter supralegal dos diplomas normativos internacionais, a
legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada
(caso do art. 652 do CC/2002).
Argumentos adicionais
Por fim, o legislador constitucional não é impedido de submeter os tratados sobre direitos humanos ao
procedimento de aprovação especial de aprovação previsto no art. 5º, § 3º, conferindo-lhes status de
emenda constitucional.
Ainda, a prisão civil do depositário infiel já contrariava à Constituição mesmo antes de 1992 (adesão ao
Pacto de São José da Costa Rica), por afronta ao princípio da proporcionalidade, dado que o ordenamento
jurídico prevê outros meios processuais executórios menos gravosos postos à disposição do credor
fiduciário. Ainda, a equiparação instituída pelo Decreto-Lei 911/1969 criou uma figura atípica de depósito,
transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º,
LXVII da CF.
Não há dúvida de que a prisão civil é uma medida executória extrema de coerção do devedor-fiduciante
inadimplente, que não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice
configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A violação ao princípio da proibição do excesso se revela mediante contraditoriedade, incongruência e
irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. Um meio de se concretizar um princípio infringirá a
proibição do excesso se for possível constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos
lesivas.
O subprincípio da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os
objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade significa que nenhum meio menos gravoso para o
indivíduos se revelaria igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Na proporcionalidade
em sentido estrito, temos a ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos
perseguidos pelo legislador.
No caso em exame, a existência de outros meios processuais executórios postos à disposição do credor
fiduciário para a garantia eficaz do crédito torna patente a desnecessidade da prisão civil do devedor
fiduciante.
A restrição à liberdade individual do fiduciante não é justificada pela realização do direito de crédito do
fiduciário. No exame da proporcionalidade em sentido estrito, prevalece a liberdade do devedor.
A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo
Estado constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais
entidades soberanas, em contexto internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos
direitos humanos.
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A relevância da matéria em discussão impõe um exame do processo de crescente internacionalização dos
direitos humanos e a análise das relações entre o direito nacional (direito positivo interno do Brasil) e o
direito internacional dos direitos humanos, notadamente em face do art. 5º, § 3º da CF.
O Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel
de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa
humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar no processo de tutela das
liberdades públicas fundamentais.
O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrar-se, também, na
dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas
declarações e pactos internacionais, como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o
edifício institucional dos Estados nacionais.
As exceções à cláusula vedatória da prisão civil por dívida devem ser compreendidas como um
afastamento meramente pontual da interdição constitucional dessa modalidade extraordinária de coerção,
em ordem a facultar, ao legislador comum, a criação desse meio instrumental nos casos de
inadimplemento voluntário e injustificável de obrigação alimentar e de infidelidade depositária.
Isso significa que, sem lei veiculadora da disciplina da prisão civil nas situações excepcionais referidas,
não se torna juridicamente viável a decretação judicial desse meio de coerção processual.
O espaço de autonomia decisória, proporcionado, ainda que de maneira limitada, ao legislador comum,
pela própria Constituição da República, poderá ser ocupado, de modo plenamente legítimo, pela
normatividade emergente dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos.
A controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou,
mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de
convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação
comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional
e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.
Posição hierárquica
É necessário distinguir, para efeito da posição hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e tratados internacionais sobre as demais
matérias.
Há expressivas lições doutrinárias que sustentam que os tratados internacionais de direitos humanos
assume, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as
convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da
EC 45/2004 revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção
conceitual de bloco de constitucionalidade, conjunto normativo que contém disposições, princípios e
valores que são materialmente constitucionais ainda que estejam fora do texto da Constituição
documental. O bloco de constitucionalidade é a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita,
em função dos valores e princípios nela consagrados.
A partir da vigência da Constituição de 1988 e a entrada da EC 45/2004, os tratados internacionais de
direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro não são meras leis ordinárias, pois
têm a hierarquia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade. Há três situações distintas:
Antes de 1988: antes da Constituição de 1988, os tratados internacionais de direitos humanos
celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso país aderiu) e que foram regularmente incorporados à
ordem interna antes de 5 de outubro de 1988 revestem-se de índole constitucional, porque
formalmente recebidas pelo art. 5º, § 2º;
Entre 1988 e 2004: Se a celebração ou adesão for posterior à vigência da Constituição de 1988 e
anterior à EC 45/2004, têm caráter materialmente constitucional, porque essa qualificação
hierárquica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade;
Após 2004: Se a celebração ou adesão for posterior à EC 45/2004, para terem natureza
constitucional deverão observar o procedimento estabelecido pelo art. 5º, § 3º da CF.
Destaco o seguinte fragmento do voto:
Como precedentemente salientei neste voto [..], evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir,
aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da
generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais,
nos termos que venho de expor, qualificação constitucional.
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Tenho por irrecusável, de outro lado, a supremacia da Constituição sobre todos os tratados
internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive aqueles que versarem o tema dos
direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha
celebrado (ou a que tenha aderido) importem em supressão, modificação gravosa ou restrição a
prerrogativas essenciais ou a liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pelo próprio
texto constitucional, eis que os direitos e garantias individuais qualificam-se, como sabemos, como
limitações materiais ao poder reformador do Congresso Nacional.
[...] Desse modo, a relação de eventual antinomia entre os tratados internacionais em geral (que
não versem o tema dos direitos humanos) e a Constituição da República impõe que se atribua,
dentro do sistema de direito positivo vigente no Brasil, irrestrita precedência hierárquica à ordem
normativa consubstanciada no texto constitucional, ressalvadas as hipóteses excepcionais
previstas nos §§ 2º e 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental, que conferem hierarquia
constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos.
Todas as leis e tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da
Constituição. Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional que, incorporado ao sistema de direito
positivo interno, transgredir o texto da Carta Política.
O entendimento segundo o qual existe relação de paridade normativa entre convenções internacionais e
leis internas brasileiras há de ser considerado, unicamente, quanto aos tratados internacionais cujo
conteúdo seja materialmente estranho ao tema dos direitos humanos.
Diante do exposto:
Essas razões que venho de referir levam-me a reconhecer que o Decreto-lei nº 911/69 – no ponto
em que, mediante remissão ao que consta do Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do CPC (art. 904
e respectivo parágrafo único), permite a prisão civil do devedor fiduciante – não foi recebido pelo
vigente ordenamento constitucional, considerada a existência de incompatibilidade material
superveniente entre referido diploma legislativo e a vigente Constituição da República.
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8. Responsabilidade Internacional40
Este tema não está disciplinado explicitamente em nenhum tratado, constituindo uma construção
doutrinária e também fruto de alguns dispositivos esparsos previstos em tratados e do costume
internacional. É um mecanismo que vem sendo muito discutido nos últimos anos.
Quando um Estado, em virtude de um ato ilícito, causar dano a outro Estado, deve reparar este dano. Sua
natureza não é condenatória, mas meramente compensatória. Por exemplo, o órgão de solução de
controvérsias da Organização Mundial de Comércio usualmente impõe sanções que busquem compensar
um prejuízo sofrido em função de uma prática material.
O dano em questão não se restringe a dano material. A ideia é fazer com que seja restabelecido o status
quo ante. No direito do mar e em direito ambiental, discute-se a responsabilidade internacional de Estados
por danos ao meio ambiente.
Uma discussão contemporânea inclui o papel do indivíduo: aquele que pratica um crime contra a
humanidade deve responder perante a comunidade internacional. Pelo menos esse pode ser o
entendimento extraído a partir da instituição do Tribunal Penal Internacional.
Discute-se também a responsabilidade das organizações internacionais. Um dos novos ministros da CIJ é
o professor James Crawford, responsável pelo anteprojeto de artigos sobre a responsabilidade dos
Estados, que não chegaram a ser positivados.
Após a consolidação desse entendimento com respeito aos Estados, a ONU decidiu se debruçar sobre a
responsabilidade das organizações internacionais: a questão poderia ser resolvida pela a
responsabilização dos Estados que sediassem as organizações? Optou-se pela necessidade de um
conceito ampliado de organização internacional, que não constituísse meramente uma associação de
Estados, mas também entidades sui generis (ex. Organização Árabe de Telecomunicações, a União
Europeia) ou mesmo outras organizações internacionais.
A responsabilidade decorreria não apenas de tratados, mas também de atos constitutivos das
organizações internacionais.
Vejamos o caso Folke Bernardotte41. Conde Bernadotte era um nobre sueco, diplomata, que havia tido
uma conduta muito importante na segunda guerra mundial, negociando com o governo alemão a liberação
de milhares de judeus. E, por conta dessa atuação, as Nações Unidas entenderam que ele poderia ser um
excelente interlocutor, então o Conselho de Segurança o escolheu como mediador do conflito entre Israel
e Palestina. Quando chegou a Jerusalém acompanhado de uma comitiva da ONU, ele foi vítima de uma
emboscada e foi assassinado por extremistas judeus. Parte de sua agenda era promover o retorno das
famílias árabes. As Nações Unidas então se viram na obrigação de indenizar as famílias dos mortos, até
porque houve mais vítimas, que acompanhavam Folke. As Nações Unidas então solicitam um parecer
consultivo à CIJ. Pode uma organização internacional ser vítima de uma conduta ilícita? Afinal Israel falhou
em seu dever de garantir a segurança territorial. A Corte disse que a organização internacional pode sim
ser vítima do outro sujeito de Direito Internacional (o Estado de Israel). Se as organizações internacionais
podem ser vítimas, também podem ser autoras.
Na responsabilidade internacional, os particulares não são vítimas, somente a organização internacional
que teve um funcionário seu vitimado. Ou então a vítima pode ser um Estado, que teve a imunidade de
seus agentes violada, ou a ampla defesa de um nacional seu foi cerceada por outro Estado. Quando uma
norma processual for descumprida, o Estado da vítima se torna ele mesmo a vítima desse ato.
40
Aula de 14/11/2014.
41
Fonte: http://notasdeaula.org/dir4/direito_int_publico_06-10-09.html
9. Solução de Controvérsias
Um princípio basilar das relações entre Estados é o da solução pacífica de controvérsias. Esta noção
decorre do objetivo do direito internacional é manter a paz e a segurança internacionais. Existe margem,
contudo, para a adoção de medidas coercitivas.
Há três mecanismos de solução pacífica de controvérsia: os diplomáticos, os políticos e os jurídicos.
A diferença entre os mecanismos jurídicos e os diplomáticos ou políticos é que apenas os jurídicos
produzem obrigações aos Estados, podendo levar à caracterização de um ilícito internacional no
caso do não cumprimento das decisões.
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