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A RELAÇÃO INTRÍNSECA ENTRE O DIREITO, LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

Rodrigo de Abreu Rodrigues(1)

1. INTRODUÇÃO

É cediço que o Direito surge como uma atividade social, ou seja, necessariamente esta ciência volta-
se para os reflexos externos das atuações humanas e seus impactos para os demais elementos e seres
humanos que o circunscrevem.
Analisando a própria natureza intrínseca do ser humano pode-se observar que este a necessidade
natural do homem em se agrupar e viver em sociedade.
Segundo esta linha, leciona a Professora REGINA TOLEDO DAMIÃO, para quem “Há uma relação
intrínseca entre o Direito e a Sociedade na qual a sua atuação tem por impacto os seus resultados na
sociedade como um todo. Por isso é possível observar o desinteresse do legislador em situações de auto-
lesão ou da tentativa de suicídio como tipos penais”.
Por outro lado, existem determinadas atitudes personalíssimas que não podem ser renegadas tendo
em vista o impacto que tais atitudes gerariam no âmbito social, tais como, o consumo de substâncias
entorpecentes ou a renúncia de determinados direitos vinculados à personalidade.
Ou seja, as ações humanas que verdadeiramente importam à ciência jurídica dizem respeito aos
reflexos que estas podem gerar à sociedade ou aos demais membros que o circunscrevem. Denota-se que
a existência do Direito tem por objetivo a regulamentação dos atos que geram impactos aos membros da
sociedade.
Com base nesta conclusão, é possível observar um terceiro elemento integrante entre o Direito e a
Sociedade. Para tanto, temos que compreender a sociedade como entes comunicantes e o Direito como a
plataforma de comunicação que têm por objetivo precípuo a regulamentação das relações humanas.
Segundo DOMENICO TOSINI, as organizações sociais devem ser compreendidas sob a ótica das
redes de comunicação, ou seja, sem uma plataforma de comunicação não é possível encarar os membros
que convivem conjuntamente como membros de uma organização social ou de uma sociedade.
A partir da teoria de NIKLAS LUHMANN, extrai-se três elementos que tornam possível a
compreensão dos sistemas sociais: (i) interação (diz respeito às relações entre os agentes comunicativos);
(ii) organizações (consistentes em rede de decisões) e (iii) sociedades (sistema que inclui tudo o que é
social). Estes três elementos trazem à tona, através da teoria dos sistemas, que a sociedade é composta de
microssistemas relativamente fechados e mantêm determinados graus de comunicação e impactos com os
demais microssistemas sociais. Assim não há como dissociar a linguagem e a comunicação do Direito,
tendo em vista o caráter teleológico que esta disciplina carrega consigo.
Neste sentido, o jusfilósofo MIGUEL REALE leciona acerca deste caráter indissociável:
“O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser
concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua
qualidade de ser social.”
Como compreender a interação entre o sistema jurídico posto e a sua aplicação na sociedade? Uma
das respostas plausíveis de explicação pode ser observada na semiótica, principalmente através de um de
seus precursores Ferdinand de Saussure e sua análise diacrônica do processo comunicativo.
A aplicação dos conceitos de linguagem desenvolvidos por Ferdinand de Saussure expandiu conceitos nas
mais diversas áreas do conhecimento, extrapolando sua configuração do campo linguístico, visto a
concepção sociológica que abarcam nesta teoria.

2. A LÍNGUA E A PALAVRA
Através da teoria da linguagem de Saussure, denota-se claramente a necessidade de se separar o
social e o individual, fruto de uma perspectiva diacrônica, conforme mencionado acima. Sob a perspectiva
de WATERMAN, tal teoria pode ser compreendida através de dois enfoques: (i) um herdado sistema social
de signos arbitrários e (ii) a atividade social de uso do sistema exposto.
Ou seja, ao ser humano lhe é imediatamente imposto um conjunto de elementos, denominados de
signos arbitrários, fruto de um desenvolvimento hereditário desenvolvido no âmbito de cada sistema social.
Porém, através desta base estrutural lingüística, o ser humano no seu contexto social irá desenvolvê-la e,
acima de tudo, aplicá-la de acordo com o seu prisma individual.
A fala promove a existência da linguagem como processo comunicativo, ou seja, a língua é um
sistema abstrato que se manifesta através de um procedimento individual denominado “fala”.
Conforme as lições de COELHO NETTO, “a fala surge assim como um instrumento legitimador da
existência da língua, que por sua vez autoriza a fala”.
Segundo o Professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ Jr., a “abstração implica sempre em um aumento
de complexidade no interior da própria língua, no sentido de que não podemos apenas falá-la, mas,
metalinguisticamente, falar sobre ela”.
No contexto jurídico, é possível denotar que os comandos da comunicação essencialmente jurídicos
se encontram nos mais diversos âmbitos dos ordenamentos jurídicos, podendo ser observados desde a
Constituição Federal até uma circular ou uma resolução conferindo aplicabilidade ou regulamentação a um
instituto previsto em lei.
A norma, inicialmente, é um sistema de regulamentação aparentemente hereditário e abstrato que é
imposto fruto de uma experiência jurídica anterior e de suas relações intersubjetivas. É possível observar o
grau de aproximação da estrutura da linguagem proposta pelo filósofo estruturalista e da estrutura
normativa, cada qual nos seus respectivos âmbitos de observação e atuação.
Segundo ELDEMAN e SUCHMAN, o Direito apresenta-se como um modelo de uma vida
organizacional, definindo normas para a organização dos “agentes” e significados dos eventos
organizacionais. Isto significa que a partir do momento em que aos agentes são imputados ordenamentos
jurídicos e normas de conduta, a estes cabe a adaptação destas com a presente realidade. Justamente por
ser um modelo de conduta coercitivo a ser adotado, a fala confere ao agente a capacidade de assimilar tal
sistemática proposta e exteriorizá-la.

3. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO COMUNICATIVO

A comunicação jurídica, principalmente com relação à elaboração e aplicação normativa consiste em


um diálogo sinalagmático entre os agentes envolvidos nestes respectivos processos. A linha comunicativa
tradicionalmente conhecida consiste em uma linha de comunicação unilateral entre o emissor e receptor,
denominada tecnicamente como direção *semasiológica e **onomasiológica, não pode ser concebida na
sua integralidade no âmbito das relações jurídicas, tendo em vista a complexidade das linhas
comunicativas.
Assim, a comunicação jurídica assume dois polos de emissão e recepção simultâneos, resultando
assim em um processo comunicativo na qual o receptor, ao assimilar a experiência exposta pelo emissor,
posiciona-se nesta experiência como via de estabelecimento de seu particular ponto de vista(9).
Este papel de assimilação do posicionamento realizado pelo emissor é denominado por TÉRCIO SAMPAIO
FERRAZ Jr. como role-talking e este se apresenta como um elemento essencial para o transporte da norma
abstrata ao mundo real.
Pode-se tomar como exemplo da natural manifestação deste fenômeno comunicacional as disciplinas
processuais que são asseguradas pelo princípio da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV da
Constituição Federal), exigindo para a aplicação normativa a realização desta comunicação emissor-
receptor, que tem por base a formação da convicção e do entendimento do julgador.
Em que pese a participação do juiz como um componente de um dos pólos do triângulo processual, a
comunicação gira em torno do emissor-receptor, variando de posições com o objetivo de atingir o mútuo-
consentimento ou a consentimento final do Magistrado que determina o posicionamento final do órgão
jurisdicional da lei abstrata com relação caso concreto.

*semasiologia: estudo da significação cuja metodologia de análise parte das formas linguísticas para indicar as
noções ou conceitos a elas correspondentes;
**onomasiologia: ramo da linguística que estuda as diversas relações lexicais de uma mesma noção
dentro de uma ou mais línguas.
4. O DISCURSO JURÍDICO

BRITO (2009), em seu artigo, traz algumas considerações sobre o discurso jurídico. Segundo a
pesquisadora, tal discurso tem servido como um exemplo da linguagem de poder e da ordem nas análises
dos discursos realizados no âmbito jurídico. Cada sujeito do discurso jurídico, ao se manifestar, aciona
certas convenções reguladoras das relações entre os vários sujeitos, que produzem mudanças nas
atividades da linguagem. A tomada da palavra concede a cada sujeito certo lugar complementar ao outro,
exigindo que esse outro se mantenha ali e saiba exatamente o lugar ocupado pelo “eu” que fala de seu
próprio lugar. No discurso em tela, há uma posição de poder ocupada pelo juiz que coloca o acusado na
condição de obedecer, sem que se questione essa competência. É o discurso autoritário, incontestável, que
leva a supor que desfaz quaisquer ambiguidades, cristalizando-se numa verdade única. Como o Direito faz
parte de inúmeras relações do homem com seu semelhante é, portanto, intrínseca a relação entre o Direito
e a linguagem, já que o operador daquele argumenta seus atos pela palavra, pelo discurso. É indiscutível
que a linguagem forense possui especificidades que a tornam um dialeto inconfundível com os outros do
cotidiano do falante e, os que a usam, procuram cultivar essa individualidade, tornando, na maioria das
vezes, extremamente complexo o acesso àqueles que pleiteiam a Justiça, retardando a prestação
jurisdicional. É um discurso em que figuram expressões em latim, palavras arcaicas e eruditas que, pode-se
dizer, são relacionadas à coerção do “outro” na relação dialógica. Considerando-se que o discurso jurídico
emprega um conjunto lexical de uma área muito específica – a linguagem jurídica –, é fundamental refletir
inicialmente acerca desse gênero, já que o mesmo impõe uma determinada maneira de se escrever e de se
expressar. A escolha lexical que falante faz ao elaborar um enunciado está relacionada à coerção do
gênero textual.
Assim, é possível afirmar que as unidades lexicais, que figuram nas petições, por exemplo, estão
submetidas a esse tipo de coerção, retrato do poder. Uma abordagem do discurso jurídico sob as lentes
dessa perspectiva, pode conduzir a uma leitura satisfatória de expressões arcaicas presentes em petições,
tendo em vista que as unidades lexicais eruditas figurantes no cenário jurídico são hoje alvo de
controvérsias, pois, tanto magistrados, quanto os não iniciados, ora criticam ora defendem o emprego do
“juridiquês” nas práticas jurídicas. Essa complexidade do discurso ajuda a sustentar a concepção de que a
linguagem do poder dá “prestígio” àquele que a emprega e, por isso, tem maior poder de convencimento, já
que, na sua elaboração e por meio de seus termos específicos, impressiona o ouvinte que, se estiver em
esfera social diferente, sente-se “impotente” para contra-argumentar.
Além dessas especificidades do próprio gênero do discurso jurídico, é importante estar atento ao
aspecto dos “tabus” linguísticos que estiveram sempre presentes na linguagem, nesse tipo de enunciado,
em especial. Por se tratar de uma área que estabelece regras de relacionamento social, preservando
direitos e estabelecendo obrigações entre os indivíduos, como é o Direito, reveste-se de um caráter voltado
à moral, à ética, aos princípios de justiça e respeito ao cidadão em toda a sua plenitude. Assim, o
vocabulário, ainda que deixe transparecer o desejo de persuasão e a rigidez da norma, apóia-se na
ideologia do falante no que tange à seleção dos termos a serem empregados, de modo a construir um
discurso que não constranja, que não assuste os interlocutores, evitando termos chulos e descrições
vexatórias que possam comprometer a intimidade dos envolvidos. O discurso jurídico, portanto, caracteriza-
se por descrições científicas e/ou uso de termos técnicos em praticamente todas as suas aplicações. Isso,
logicamente, é o que faz a linguagem ali empregada, ser diferenciada, específica, complexa, muitas vezes
ininteligível à maioria dos falantes. Isso se percebe, principalmente nos casos em que se analisam, estudam
ou julgam os crimes contra os Costumes, previstos pelo Código Penal, como os de estupro e os de atentado
violento ao pudor. Nos dias atuais, o discurso dos processos que tratam tais casos já está mais explícito,
apesar de não ter perdido a aura de “rigor linguístico”, ou seja, não está banalizado, apenas mais claro, até
mesmo para que os envolvidos possam entender os questionamentos da autoridade e fazer a descrição dos
fatos, de modo a ser feita uma investigação melhor e mais completa para ser juntada aos Autos. Mesmo
assim, o operador do Direito busca uma cuidadosa seleção lexical, usando um estilo de construção textual,
por meio de uma linguagem velada e discreta, própria de uma área reservada a falar do mais íntimo das
pessoas.
5. CONCLUSÃO

O Direito constitui-se por ser uma ciência eminentemente comunicativa, ou seja, sem a existência de
um procedimento comunicativo não é possível afirmar a manifestação da atividade jurídica.
Justamente através desta relação intrínseca que a Comunicação mantém com o Direito, com base na
teoria da comunicação introduzida por Ferdinand de Saussure, é possível analisar determinados elementos,
(ex. língua e a fala), que possuem suas devidas correspondências com o mundo jurídico, demonstrando a
correspondência da norma abstrata e da existência de determinados procedimentos individuais de aplicação
desta norma de cunho abstrato a uma determinada situação real.
Este procedimento é baseado na teoria da argumentação nas quais os sujeitos da comunicação
exercem alternativamente os papéis de emissores e receptores, tendo por objetivo final o mútuo
entendimento ou o posicionamento final do poder jurisdicional.
No discurso jurídico, são frequentes as ocorrências de estratégias de persuasão; inúmeras também
são as expressões específicas da linguagem processual dentro dos Autos, bem como as expressões
latinas, por exemplo, o que corrobora a acepção de um sujeito que aproveita os momentos de “poder” que
desfruta para assumir uma posição efetiva de domínio e envolvimento do enunciatário.
No caso do discurso jurídico, portanto, a Denúncia, o Decreto de Prisão Preventiva, as Alegações
Finais (tanto da Acusação como da Defesa) e outros, são exercícios ou funções que caracterizam a prática
discursiva de cada sujeito que participa de julgamentos. Todavia, tais discursos provocam, muitas vezes,
estranhamento ao sujeito que está fora deste cenário, portanto, aumentando o distanciamento entre os
magistrados e os não iniciados. É preciso considerar, porém, que o gênero de discurso jurídico permite esta
forma de se comunicar; mesmo que não seja muito democrática, a forma erudita só faz afastar o leigo dos
sujeitos do Direito.
Dessa forma, um aprofundamento do entendimento dos procedimentos da comunicação apresenta-se
atualmente como uma possível solução aos diversos conflitos que circunscrevem a presente ciência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Leia
mais: http://profabreu.webnode.com.br/news/a%20rela%C3%A7%C3%A3o%20intrinseca%20entre%20o%2
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