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1. INTRODUÇÃO
Desta forma, somente a partir da análise do sistema jurídico posto é que será
possível atingir a meta de construção do conhecimento jurídico, podendo-se
afirmar, como fez o professor Rizzatto Nunes, que "o Direito é o fenômeno e o
sistema jurídico é a maneira de torna-lo inteligível, por intermédio da
identificação do seu repertório e da sua estrutura" [04].
De qualquer forma, e apesar de toda essa dificuldade que leva muitos autores a
questionar a existência de uma ciência do Direito, devemos entender que existe,
sim, uma ciência do Direito, ainda que com diversas formas diferentes de
pesquisa. Fábio Ulhoa Coelho, ao afirmar a existência da ciência do Direito, o faz
com assentamento nas seguintes premissas:
Não se pode olvidar, todavia, que a ciência do Direito, ainda que dogmática – e
especialmente se dogmática – necessita de uma interpretação, pois que se reveste
de uma linguagem técnica e própria. É norma jurídica posta, escrita, o objeto de
estudo da Escola Dogmática do Direito, e cabe ao cientista a sua interpretação.
Utilizando mais uma vez a lição de Sainz Moreno, temos que as leis devem ter um
sentido normativo a ser imediatamente compreendido pelos cidadãos aos quais se
dirigem e dessa compreensão resulta a proximidade necessária que deve haver
ente linguagem das normas e a linguagem comum ou natural que já lhes é
familiar, por ser utilizada pelos indivíduos de uma sociedade nas suas relações
intersubjetivas [21].
A interpretação jurídica, que ocorre sempre que a norma jurídica objeto do estudo
não for suficientemente clara, deve buscar sempre o sentido pretendido pela
própria lei (mens legis) e não o sentido pretendido pelo legislador (mens
legislatoris). É que, após editada uma lei, a opinião do legislador já não tem
importância, pois a norma ganha vida própria, submetendo o próprio legislador,
que também estará obrigado a cumpri-la [26].
Por fim, para fixar o sentido e o alcance da norma, o intérprete deve observar
algumas regras de interpretação, como observa Rizzatto Nunes, no seu Manual
de introdução ao estudo do direito:
Interpretação Gramatical: "É através das palavras da norma jurídica, nas suas
funções sintática e semântica, que o intérprete mantém o primeiro contato com o
texto posto" (p. 262).
Há, por fim, que se considerar o problema das lacunas nas normas jurídicas. Nem
sempre o legislador consegue abranger todas as situações possíveis de acontecer.
Por isso, pode haver casos não estão previstos em lei, criando-se verdadeiro vazio,
ou lacunas, nas normas jurídicas. A superação dessas falhas se dará observando-se
e interpretando-se o sistema jurídico. De acordo com Rizzatto Nunes, "integração
é o meio através do qual o intérprete colmata a lacuna encontrada. (...).
Constatada esta, parte para colmatá-la pela analogia ou pelos princípios gerais do
Direito" [27].
A equidade, por sua vez, "implica um modo de avaliação do ato interpretativo mais
amplo do que apenas o de ser a última alternativa para a colmatação (...).
Equidade é, assim, uma colmatação justa da falha do ordenamento jurídico" [30] .
A coesão demonstra a união íntima dos elementos (normas jurídicas) com o todo
(o sistema jurídico), apontando, por conexão, para ampla harmonia e importando
em coerência.
A unidade dá um fechamento no sistema jurídico como um todo que não pode ser
dividido: qualquer elemento interno (norma jurídica) é sempre conhecido por
referência ao todo unitário (o sistema jurídico). [32]
2. PRINCÍPIOS
Destarte, podemos afirmar que os princípios contêm um norte, uma direção a ser
seguida, mais abrangente do que uma simples regra e que embasa a ciência,
visando sua correta compreensão e interpretação [41].
No caso das ciências jurídicas, os princípios são os fatores mais importantes a ser
considerados por todos aqueles que, de algum modo, a elas se dirijam, e que
devem, primeiramente, considerar os princípios norteadores de todas as demais
normas jurídicas existentes [42]. Todas as normas jurídicas devem ser analisadas à
luz dos princípios que as informam.
Ainda segundo Rizzatto Nunes, princípio é "um axioma inexorável e que, do ponto
de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento.
Não é possível afastá-lo, portanto." [47]
Silvio de Salvo Venosa explica que, por conta dos princípios, "o intérprete
investiga o pensamento mais alto da cultura jurídica universal, buscando uma
orientação geral do pensamento jurídico" [56].
Os princípios jurídicos têm várias funções. Sérgio Sérvulo da Cunha anota seis [57]:
a) gerar normas (função nomogenética); b) orientar a interpretação (função
hermenêutica); d) inibir a eficácia de norma que os contrarie (função inibitória);
d) suprir a falta de norma (função supletiva); e) regular o sistema (função de
regulação do sistema); f) projetar o texto sobre a sociedade (função de projeção).
Observamos, todavia, que as funções mais importantes são a informadora, a
normativa e a interpretativa, na esteira do pensamento de Américo Plá Rodrigues,
citado por Arnaldo Süssekind, para quem os princípios são
A função informadora tem por objetivo servir de inspiração ao legislador. Ela serve
de fundamento para as normas jurídicas.
Hoje, porém, os princípios gerais do direito devem ser encarados como muito mais
do que apenas fonte supletiva do direito para serem aplicados na omissão ou
imprecisão da lei. Na lição de Manoel Alonso Oléa, citada por Arnaldo Süssekind
[60]
, eles consistirão num critério geral de ordenação, que inspira todo o sistema,
com múltiplos efeitos.
Necessário, então, fazer uma distinção entre princípio e norma, como forma de
especificar a atuação de um ou de outro dentro do sistema jurídico posto, vez que
não mais se discute a existência de ambos em funcionamento obrigatório [62].
Os princípios, por sua vez, têm um nível mais alto de generalidade e abstração do
que a mais geral e abstrata das normas [63].
Da lição de José Afonso da Silva [64], extrai-se que "normas são preceitos que
tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo" ao passo que "princípios
são ordenações que irradiam ou imantam os sistemas de normas".
Com isso, o autor acima citado cria uma interessante metáfora, na qual "toda
norma deveria ser lida como se fosse o parágrafo de um artigo cujo ‘caput’
compreende os princípios de que se irradia, e que justificam sua existência como
norma" [67].
Na lição de Miguel Reale [69], o Direito é uma das ciências que mais depende do
elemento tipológico (forma adaptável de categorização como momento essencial
do saber científico). E que os tipos são formas de ordenação da realidade em
estruturas ou esquemas, representativos do que há de essencial entre os elementos
de uma série de fatos ou de entes que interessam. E que a razão dessa necessidade
tipológica prende-se a elementos de certeza e de segurança reclamados pela vida
jurídica.
Além do elemento tipológico, as ciências também trabalham com leis. E, lei aqui
deve ser entendida em sua acepção mais geral, devendo abranger tanto as leis que
se enunciam no saber físico-matemático, como as possíveis no plano das
chamadas ciências culturais, em cujo âmbito se situa a Ciência do Direito.
Desse modo, o Direito, como ciência, não pode deixar de considerar as leis que
enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou seja, aqueles
nexos que com certa constância e uniformidade, ligam entre si e governam os
elementos da realidade jurídica, com o fato social.
Entre os juristas, porém, a palavra lei tem outro sentido mais usual, é uma espécie
de regra ou de norma, e sobre as leis desenvolvem doutrinas, ou seja, sobre as
regras jurídicas formuladas pelos órgãos do Estado, diferençando-as das regras
elaboradas pela própria sociedade, através dos usos e costumes, aí não se tratando
mais de juízos enunciativos de realidade, mas de juízos normativos de conduta.
Logo, se percebe que não há ciência sem princípios, e que estes são verdades
válidas para um determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados
lógicos. Daí, que o Direito, como ciência, também se funda em princípios, uns de
alcance universal nos domínios da Lógica Jurídica, outros que se situam no âmbito
de seu campo de pesquisa. Os princípios, no Direito, na definição de Miguel Reale,
são
Para Geraldo Ataliba, citado por Rizzatto Nunes, "princípios são linhas-mestras, os
grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a
serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos
do governo (poderes constituídos)." [72].
Um estudo mais atento das diversas abordagens a respeito dos princípios resulta
na observação de que sempre os princípios foram identificados por sua
generalidade, indeterminação, caráter programático, elevada posição hierárquica,
assumindo função determinante no sistema jurídico e também por desempenhar
função interpretativa.
Paulo Bonavides [74], ao tratar da juridicidade dos princípios, distingue três fases:
a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.
Existem princípios, segundo Miguel Reale, [75] que por serem comuns a todas as
ciências são denominados universais ou omnivalentes, outros regionais ou
plurivalentes por serem comuns a um grupo de ciências, e outros monovalentes
por só servirem de fundamento a um único campo de enunciado científico.
Celso Antonio Bandeira de Mello, nesse diapasão, vai definir interpretação como
"extrair o significado de um texto", vez que, no patamar da linguagem jurídica (a
linguagem natural utilizada na área do Direito), nem sempre os termos
empregados são unívocos [84]. A interpretação é, pois, imprescindível quando se
trata de norma jurídica.
Como enfatiza Sérgio Sérvulo da Cunha, "aplicar uma norma contrariamente aos
respectivos princípios é o mesmo que aplicar outra norma, inexpressa, ou talvez,
inexistente no sistema" [87].
Daí se dizer que não se basta o sentido literal da norma jurídica: é necessário
buscar sempre o seu espírito.
BIBLIOGRAFIA
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil – vol. 1. São Paulo. Saraiva. 2003.
RT. 2004.
Saraiva. 2005.
2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo.
Malheiros.
1999.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – parte geral. São Paulo. Atlas. 2003.
NOTAS
1. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 28.
2. Nesse sentido, ver Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., pp. 28-
29.
3. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit, p. 33.
4. Manual de introdução..., cit., p. 32.
5. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 34.
6. Curso de direito civil, vol. 1, p. 05.
7. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 65.
8. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, Conceitos indeterminados na
constituição, p. 19.
9. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
10. Manual de introdução..., cit., p. 245.
11. Comentário contextual à constituição, p. 13.
12. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 246.
13. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
14. Segundo José Afonso da Silva, "normas são preceitos que tutelam situações
subjetivas de vantagem ou de vínculo – ou seja, reconhecem, por um lado, a
pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato
próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem ou, por outro lado,
vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de
realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem."
(Comentário contextual à constituição, p. 28).
15. No mesmo sentido, Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 27.
16. Manual de introdução..., cit., p. 249.
17. Op. cit., p. 29.
18. Op. cit., p. 29.
19. Op. cit., p. 29.
20. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 249.
21. apud Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
22. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 31.
23. Manual de introdução..., cit., p. 253.
24. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 254.
25. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 254.
26. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., pp. 258-259.
27. Manual de introdução..., cit., p. 277.
28. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 278.
29. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 279.
30. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 279.
31. Manual de introdução..., cit., p. 204.
32. Manual de introdução..., cit., p. 262.
33. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de filosofia do direito, p. 295.
34. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 62.
35. Manual de introdução..., cit., p. 260.
36. Apud Sérgio Pinto Martins, Manual de direito do trabalho, p. 73.
37. Apud Sérgio Pinto Martins, op. cit., p. 73.
38. Elementos de direito administrativo, pp. 299 e 300.
39. Cf. Sérgio Sérvulo da Cunha, Princípios constitucionais, cit., p. 65.
40. Comentário contextual à constituição, p. 28.
41. Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins, Manual de direito do trabalho, p.
73.
42. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 178.
43. Direito ambiental brasileiro, p. 53.
44. Manual de introdução..., cit., p. 178.
45. Princípios constitucionais, p. 18.
46. Apud Fernando F. Santos, Princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, pp. 48-49.
47. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, p. 05.
48. Vide, a propósito, Fernando Ferreira dos Santos, op. cit., p. 44.
49. Op. cit., pp. 62-63.
50. Nesse sentido, Sérgio Sérvulo da Cunha, Pincípios constitucionais, p. 45.
51. Ver, a propósito, Instituições de direito civil, p. 17.
52. Curso de direito civil, vol. 1, p. 69.
53. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 19.
54. Rizzatto Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 178.
55. Extrai-se da lição do professor Rizzatto Nunes, que "o princípio, em qualquer
caso concreto de aplicação das normas jurídicas, da mais simples à mais
complexa, desce das altas esferas do sistema ético-jurídico em que se
encontra para imediata e concretamente ser implementado no caso real que
se está a analisar." (O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 19).
56. Direito civil – parte geral, p. 50.
57. Princípios constitucionais, p. 191.
58. Instituições de direito do trabalho, p. 146.
59. Cf. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 65.
60. Direito constitucional do trabalho, p. 64.
61. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 180.
62. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 20.
63. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 20.
64. Curso de direito constitucional positivo, p. 93.
65. Princípios constitucionais, p. 54.
66. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit. p. 54.
67. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 54.
68. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 55.
69. Filosofia do direito, p. 57.
70. Filosofia do direito, p. 60.
71. Elementos de direito administrativo, pp. 299 e 300.
72. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 185.
73. Curso de direito constitucional, p. 232.
74. Curso de direito constitucional, p. 232.
75. Filosofia do direito, pp. 60-61.
76. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 37.
77. Direito constitucional e teoria da constituição, pp. 1038/1041.
78. Curso de direito constitucional positivo, p. 98.
79. Nesse sentido, Rizzatto Nunes, Manual de introdução ao estudo do
direito, p. 185.
80. Rizzato Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 186.
81. Rizzato Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 186.
82. No mesmo sentido, ver Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., pp. 64-
65.
83. Teoria geral do processo, p. 56.
84. Apud Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit. p. 64.
85. Nesse sentido, Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit. p. 66.
86. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, p. 20.
87. Princípios constitucionais, p. 54.
88. Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do
consumidor, p. 31.
89. Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 31.
Autor
Fernando Augusto Sales