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A importância dos princípios na interpretação da


linguagem jurídica
A importância dos princípios na interpretação da linguagem jurídica

Fernando Augusto Sales

Publicado em 06/2009. Elaborado em 12/2007.

1. INTRODUÇÃO

Muito se discute se o Direito realmente é uma ciência. O conhecimento científico é


aquele resultante do aperfeiçoamento do conhecimento comum, do homem
médio. Conforme Rizzatto Nunes, "o conhecimento científico é uma espécie de
otimização do conhecimento vulgar" [01].

A ciência busca atingir resultados, constatando efeitos a partir de causas, em


estreita relação, que é o caminho a ser percorrido pelo pensamento científico, ao
pretender apontar os elementos futuros. Isso significa que é daquela relação de
causa e efeito que se atinge a comprovação de dados, que se tornarão as leis que
irão ordenar o conhecimento relativo ao campo de estudo [02].

Quando analisamos o Direito, temos de ter em conta que estamos diante de um


fenômeno social, baseado precipuamente nas necessidades humanas. Daí que
torna-se impossível estudar o Direito sem considerar o elemento humano, que
com suas necessidades "provocam uma permanente atualização do sistema
jurídico baseada na força imanente e transcendente do princípio da Justiça" [03].

Desta forma, somente a partir da análise do sistema jurídico posto é que será
possível atingir a meta de construção do conhecimento jurídico, podendo-se
afirmar, como fez o professor Rizzatto Nunes, que "o Direito é o fenômeno e o
sistema jurídico é a maneira de torna-lo inteligível, por intermédio da
identificação do seu repertório e da sua estrutura" [04].

E a dificuldade de se afirmar o Direito como uma ciência advém da própria


complexidade desse sistema jurídico, decorrente da realidade ínsita às relações
pessoais, ou seja, do ser humano junto à sociedade. Desta forma, o sistema
jurídico se revela complexo, posto que
abriga o interior e o exterior do homem no concerto, no acerto e no desacerto, da
sua existência social e natural, de modo que sem a reflexão de cunho filosófico,
que afasta o reducionismo dogmático, e consagra a dignidade da pessoa humana,
não se revela e não se desnuda o conhecimento da essência do Direito como
Justiça [05].

De qualquer forma, e apesar de toda essa dificuldade que leva muitos autores a
questionar a existência de uma ciência do Direito, devemos entender que existe,
sim, uma ciência do Direito, ainda que com diversas formas diferentes de
pesquisa. Fábio Ulhoa Coelho, ao afirmar a existência da ciência do Direito, o faz
com assentamento nas seguintes premissas:

A doutrina reúne conhecimento de caráter tecnológico e científico. Ao afirmar que


determinada norma jurídica deve ser interpretada num sentido, o doutrinador
constrói um saber tecnológico, insuscetível de verificação pelos valores
verdades/falsidades. Apenas ao examinar as razões pelas quais uma sociedade
gerou determinadas normas jurídicas, e não outras, ele desenvolve um
conhecimento científico, cuja veracidade ou falsidade pode ser metodologicamente
verificada. [06]

Sobreleva notar, entrementes, que a ciência do Direito, no estágio atual em que se


encontra, está voltada, na sua quase totalidade, para o estudo da norma jurídica
escrita, com método tipicamente dogmático.

Essa Ciência Dogmática do Direito cumpre as funções típicas de uma tecnologia,


com pensamento vinculado ao Direito positivo. O problema surge porque esse
pensamento tecnológico cria um sistema fechado, onde cria condições para
solucionar conflitos juridicamente definidos, mas não acatando a problematização
de seus próprios pressupostos [07] (dogmas).

1.2. A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA.

1.2.1. LINGUAGEM E INTERPRETAÇÃO.

Não se pode olvidar, todavia, que a ciência do Direito, ainda que dogmática – e
especialmente se dogmática – necessita de uma interpretação, pois que se reveste
de uma linguagem técnica e própria. É norma jurídica posta, escrita, o objeto de
estudo da Escola Dogmática do Direito, e cabe ao cientista a sua interpretação.

Se o objeto do estudo é a norma escrita, obviamente torna-se necessário entender


a linguagem empregada na construção dessa norma para a correta compreensão e
interpretação de seu alcance.

Linguagem é um "sistema de signos articulados ou escritos, possibilitando a


comunicação entre as pessoas" [08]. Desde remotas eras a necessidade de interação
do ser humano com a sociedade (assim entendidas mesmo as mais rudimentares
formas de agrupamentos sociais). A linguagem é, pois, a formam de comunicação
do homem com a sociedade em que vive.

O estudo do Direito passa, necessariamente, pela compreensão dessa linguagem e


da sua interpretação.

Linguagem é "um recurso que lingüístico empregado pelo elaborador da norma


jurídica, com a finalidade de transmitir seu conteúdo a quem cumpre obedecer-
lhe" [09], ao passo que interpretação, nos dizeres de Rizzatto Nunes, é o ato de
"extrair do objeto tudo aquilo que ele tem de essencial" [10]. Ora, se é a norma
jurídica escrita o substrato da ciência dogmática do Direito é dela que se deve
extrair o essencial. É a norma jurídica posta que será levada à interpretação pelo
cientista do Direito.

"A interpretação é um modo de conhecimento de objetos culturais", conforme


entendimento manifestado pelo mestre José Afonso da Silva, de forma que
"quando esses objetos se compõem de palavras, tem-se a interpretação de um
texto que é, ao mesmo tempo, um objeto de significação e um objeto de
comunicação, cujo sentido se capta mediante análise interna e análise externa" [11].

Na interpretação jurídica, o intérprete, além de analisar o seu sentido, deve ainda


fixar o seu alcance, a fim de delimitar as situações e pessoas a que a norma
interpretada se aplica [12], por isso que "cabe verificar como o conteúdo normativo
alcança o seu destinatário, levando-nos a inquirir o modo de sua avaliação ao
mundo exterior – sua linguagem" [13].

A norma jurídica [14] é um comando dirigido à conduta dos cidadãos, individual ou


coletivamente considerados, autoridades e instituições em suas relações com a
sociedade em que vivem, regulando comportamento e assegurando a estabilidade
de tais relações. Por tais razões, ou seja, em razão dessa interação das pessoas com
a sociedade, as normas jurídicas podem sofrer modificações, decorrentes da
adaptação a novas situações surgidas da evolução tecnológica, científica e/ou
sócio-cultural, daí dizer-se que a ciência do Direito é dinâmica, aberta às
modificações sociais [15].

A interpretação da norma jurídica passa, necessariamente, pela sua linguagem.


Segundo Rizzatto Nunes,

a linguagem é um componente importante de qualquer escola ou ciência.


Quando se examina a linguagem utilizada pelas várias ciências, percebe-
se que existe uma tentativa de postular para cada ramo científico uma
linguagem própria, técnica, construída com o propósito de eliminar
ambigüidades que tem a linguagem natural, de uso comum da sociedade.
[16]
Sainz Moreno, citado por Márcia Dominguez Nigro Conceição, adverte para o fato
de que existe entre o Direito e a linguagem uma relação de vinculação essencial,
demonstrando, inegavelmente, a valorização do enunciado lingüístico como
elemento revestidor da norma jurídica, por isso mesmo que a linguagem não é um
instrumento do Direito, mas sim o próprio pensamento jurídico, compondo uma
unicidade [17].

Como lembra Márcia Dominguez Nigro Conceição, "o repertório lingüístico do


enunciado normativo provém primordialmente da linguagem natural ou comum,
sendo-lhe acrescidos termos técnicos" [18]. Segundo essa mesma autora, tal
fenômeno ocorre em razão da "formação das Casas Legislativas nos países
democráticos, cujas vagas são ocupadas por pessoas de nível cultural heterogêneo,
com representantes dos diversos segmentos sociais" [19].

A linguagem comum, ou natural, "nasce espontaneamente no seio da sociedade, e


por isso traz todos os problemas de ambigüidade, incerteza, vagueza,
indeterminação etc. que ali estão presentes" [20]. E é exatamente para solucionar
tais problemas que os cientistas constroem, para suas ciências, linguagens
técnicas, artificiais e com forte rigor na busca por termos claros e precisos, de sorte
a não darem margem a dúvidas.

Com a isso, a Ciência Dogmática do Direito enfrenta um sério problema. Para o


estudo do Direito é essencial a compreensão da norma jurídica. No entanto, essa
mesma norma jurídica deve ser compreendida por toda sociedade, pois é à
sociedade em geral que ela é dirigida, e não apenas aos operadores do Direito.

Como solucionar, então, essa dualidade?

Utilizando mais uma vez a lição de Sainz Moreno, temos que as leis devem ter um
sentido normativo a ser imediatamente compreendido pelos cidadãos aos quais se
dirigem e dessa compreensão resulta a proximidade necessária que deve haver
ente linguagem das normas e a linguagem comum ou natural que já lhes é
familiar, por ser utilizada pelos indivíduos de uma sociedade nas suas relações
intersubjetivas [21].

De maneira contrária, a norma jurídica não cumpriria seu objetivo precípuo de


obrigar a todos o seu cumprimento. Uma vez que ninguém se escusa de
cumprimento alegando desconhecimento da lei, a sua linguagem não pode ater-se
a termos exclusivamente técnicos, próprios dos cientistas do Direito, sob pena de
impedir a comunicação necessária do conteúdo de seus dispositivos por quem,
efetivamente, deve ter acesso a ele. Decorre disso que a maior ou menor agregação
de vocábulos técnico-jurídicos não descaracteriza a linguagem do Direito [22].

Destarte, quando a norma jurídica é clara na sua essência, de fácil compreensão e


entendimento, não há necessidade de interpretação: in claris cessat interpretatio.
A atuação do intérprete vai se fazer necessária apenas quando essa clareza não
estiver presente. Como diz Rizzatto Nunes, "a função do intérprete é trazer para
outra linguagem aquela linguagem da norma jurídica, que não está muito clara"
[23]
, porque "normas jurídicas claras são compreendidas como linguagem natural,
que, pela evidência, dispensam fixação de sentido e alcance" [24] e "as que não são
claras naturalmente precisam do trabalho de interpretação" [25].

A interpretação jurídica, que ocorre sempre que a norma jurídica objeto do estudo
não for suficientemente clara, deve buscar sempre o sentido pretendido pela
própria lei (mens legis) e não o sentido pretendido pelo legislador (mens
legislatoris). É que, após editada uma lei, a opinião do legislador já não tem
importância, pois a norma ganha vida própria, submetendo o próprio legislador,
que também estará obrigado a cumpri-la [26].

Por fim, para fixar o sentido e o alcance da norma, o intérprete deve observar
algumas regras de interpretação, como observa Rizzatto Nunes, no seu Manual
de introdução ao estudo do direito:

Interpretação Gramatical: "É através das palavras da norma jurídica, nas suas
funções sintática e semântica, que o intérprete mantém o primeiro contato com o
texto posto" (p. 262).

Interpretação Lógica: "A interpretação lógica leva em consideração os


instrumentos fornecidos pela lógica para o ato de intelecção, que, naturalmente,
estão presentes no trabalho interpretativo" (p. 265). "A lógica comparece também
através dos raciocínios, como o indutivo e o dedutivo" (p. 266).

Interpretação Sistemática: "cabe ao intérprete levar em conta a norma


jurídica inserida no contexto maior de ordenamento jurídico. (...) . O intérprete,
em função disso, deve dar atenção à estrutura do sistema, isto é, aos comandos
hierárquicos, à coerência das combinações entre as normas e à unidade enquanto
conjunto normativo global" (p. 267). "A interpretação sistemática leva em conta,
também, a estrutura do sistema jurídico: a hierarquia, a coesão e a unidade" (p.
269).

Interpretação Teleológica: "A interpretação é teleológica quando considera os


fins aos quais a norma jurídica se dirige" (p. 269).

Interpretação Histórica: "é a que se preocupa em investigar os antecedentes


da norma" (p. 272)

Interpretação quanto a seus efeitos:

Declarativa ou especificadora: "aquela em que o intérprete se limita a


‘declarar’ o sentido da norma jurídica interpretada, sem amplia-la nem restringi-
la. (...). A declarativa, que pode ser chamada também de especificadora, seria o
resultado normal e rotineiro do trabalho do intérprete na fixação do sentido e
alcance da norma jurídica" (p. 273).

Restritiva: "é a que restringe o sentido e alcance apresentado pela expressão


literal da norma jurídica. (...). O resultado, ainda que conhecido como restritivo,
de fato, fixa o sentido e o alcance da norma jurídica, nos limites exatos em que ela
já deveria estar" (p. 274).

Extensiva: "amplia o sentido e o alcance apresentado pelo que dispõe


literalmente o texto da norma jurídica" (p. 274).

Há, por fim, que se considerar o problema das lacunas nas normas jurídicas. Nem
sempre o legislador consegue abranger todas as situações possíveis de acontecer.
Por isso, pode haver casos não estão previstos em lei, criando-se verdadeiro vazio,
ou lacunas, nas normas jurídicas. A superação dessas falhas se dará observando-se
e interpretando-se o sistema jurídico. De acordo com Rizzatto Nunes, "integração
é o meio através do qual o intérprete colmata a lacuna encontrada. (...).
Constatada esta, parte para colmatá-la pela analogia ou pelos princípios gerais do
Direito" [27].

Analogia é a passagem de um caso particular para outro particular, sem a


necessidade da generalização [28]. Assim, "se o intérprete não conseguir preencher
a lacuna pelo uso da analogia, por ausência de casos semelhantes normatizados,
deve, então, servir-se dos ‘princípios gerais do Direito’ para a colmatação" [29].

A equidade, por sua vez, "implica um modo de avaliação do ato interpretativo mais
amplo do que apenas o de ser a última alternativa para a colmatação (...).
Equidade é, assim, uma colmatação justa da falha do ordenamento jurídico" [30] .

1.2.2. O SISTEMA JURÍDICO

Tivemos oportunidade de mencionar, alhures, que a norma jurídica está vinculada


a um sistema jurídico e sua interpretação deve ser feita sempre com base nesse
mesmo sistema.

Resta saber, entrementes, o que é o sistema jurídico.

Segundo lição do professor Rizzatto Nunes, "sistema é uma construção científica


composta por um conjunto de elementos. Estes se inter-relacionam mediante
regras. Tais regras, que determinam as relações entre os elementos do sistema,
forma sua estrutura" [31].

No caso do sistema jurídico, os elementos serão as normas jurídicas, e a sua


estrutura é formada pela hierarquia, pela coesão e pela unidade, assim definidos
por Rizzatto Nunes:
A hierarquia vai permitir que a norma jurídica fundamental (a
Constituição Federal) determine a validade de todas as demais normas de
hierarquia inferior.

A coesão demonstra a união íntima dos elementos (normas jurídicas) com o todo
(o sistema jurídico), apontando, por conexão, para ampla harmonia e importando
em coerência.

A unidade dá um fechamento no sistema jurídico como um todo que não pode ser
dividido: qualquer elemento interno (norma jurídica) é sempre conhecido por
referência ao todo unitário (o sistema jurídico). [32]

As normas jurídicas estão não só vinculadas como inseridas num ordenamento


jurídico que tem um formato que permite o seu funcionamento e que dá sentido a
si mesmo como um todo complexo de normas, que se inter-relacionam e influem
como comandos no meio social [33].

A referência a essa inter-relação das normas jurídicas pressupõe a existência de


elementos que estabeleçam uma ligação, obtendo assim o conceito de sistema. Tais
elementos, que têm a função de amarra-las numa coerência lógica, são os
princípios, que tendo alto grau de abstração e generalidade, irão permear todo o
sistema jurídico [34].

A noção de sistema jurídico é imprescindível para o sucesso da interpretação.


Qualquer trabalho de interpretação jurídica deve, necessariamente, observar o
sistema jurídico vigente. Nos dizeres de Rizzatto Nunes, "a maneira pelo qual o
sistema jurídico é encarado, suas qualidades, suas características são
fundamentais para a elaboração do trabalho de interpretação" [35].

2. PRINCÍPIOS

Princípios são as bases fundamentais de qualquer ciência. São as diretrizes básicas


que irão guiar o caminho a ser trilhado por aquela ciência. Conforme definição de
José Cretella Jr., "princípios de uma ciência são as proposições básicas
fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subseqüentes.
Princípios, nesse sentido, são os alicerces da ciência" [36].

Para Miguel Reale, "princípios são verdades fundantes de um sistema de


conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido
comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,
isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis" [37].

Celso Bandeira de Melo informa que princípio é o "mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico" [38].

Encontramos diversas acepções para o termo princípio, com significados diversos.


Todavia, todas elas ressaltam um aspecto seminal e organizativo. Com base nisso,
pode-se dizer que o termo "princípio" designa uma entidade presente em qualquer
objeto que se possa intencionar, que faz parte desse objeto como seu início,
fundamento, idéia ou forma [39].

É assim, o princípio, o primeiro passo na consecução de uma regulação, ao qual


devem se seguir todos os demais. De acordo com a lição de José Afonso da Silva,
"os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas,
são (como observam Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de condensações’ nos
quais confluem valores e bens constitucionais." [40].

Destarte, podemos afirmar que os princípios contêm um norte, uma direção a ser
seguida, mais abrangente do que uma simples regra e que embasa a ciência,
visando sua correta compreensão e interpretação [41].

Os princípios informam, orientam e inspiram as normas jurídicas, além de


sistematizarem e darem organicidade aos institutos.

2.2. PRINCÍPIOS JURÍDICOS

No caso das ciências jurídicas, os princípios são os fatores mais importantes a ser
considerados por todos aqueles que, de algum modo, a elas se dirijam, e que
devem, primeiramente, considerar os princípios norteadores de todas as demais
normas jurídicas existentes [42]. Todas as normas jurídicas devem ser analisadas à
luz dos princípios que as informam.

Princípio é aqui utilizado como alicerce ou fundamento do Direito, como observa


Paulo Affonso Leme Machado, que cita a lição de Gomes Canotilho:

Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optmização,


compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionalismos fácticos e jurídicos. Permitem o balanceamento de
valores e interesses (não obedecem, como as regras, à "lógica do tudo ou
nada"), consoante o seu peso e ponderação de outros princípios
eventualmente conflitantes. São "padrões juridicamente vinculantes
radicados nas exigências de justiça" (Dworkin) ou na "idéia de direito"
(Larenz). [43]

Segundo esclarece o professor Rizzatto Nunes, "nenhuma interpretação será bem


feita ser for desprezado um princípio" [44]. Para Sérgio Sérvulo da Cunha,
"princípio jurídico é uma prescrição que estabelece para o legislador uma
preferência, ou mediante a qual o legislador estabelece uma preferência" [45].
Conforme observa Robert Alexy [46], princípios seriam mandados de
otimização, ou seja, normas que ordenam algo que deve ser realizado na maior
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; que podem
ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento
depende não somente das possibilidades reais, mas também das jurídicas.

Ainda segundo Rizzatto Nunes, princípio é "um axioma inexorável e que, do ponto
de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento.
Não é possível afastá-lo, portanto." [47]

É de ressaltar, todavia, que um princípio não dispõe sobre as condições que


tornam sua aplicação necessária. Ao contrário, ele vai estabelecer um motivo
(razão ou fundamento) que servirá de guia para o intérprete, mas que não exige
uma decisão única. Pode ocorrer de um princípio, em determinada situação fática,
e em confronto com outro princípio, não prevaleça. Mas isso não vai significar, de
maneira nenhuma, que ele tenha pedido sua condição de princípio, que não
pertença mais ao sistema jurídico [48].

Princípios jurídicos são os princípios relacionados ao Direito. Roque Carraza,


citado por Márcia Dominguez Nigro Conceição, define princípio jurídico como
sendo "um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande
generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e,
por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das
normas jurídicas que com ele se conectam" [49].

Os princípios jurídicos podem ser explícitos ou implícitos. São implícitos quando


permanecem ocultos sob a materialidade dos elementos, sob a literalidade do
texto. Serão explícitos quando são expressamente formulados, independentemente
de sua natureza, manifestando-se como elementos do sistema [50].

Os princípios jurídicos constituem uma vertente particular da Ciência do Direito.


R. Limongi França [51] anota a existência de três correntes que procuram defini-
los:

a) positivista, que afirma se tratar tão-só dos princípios esposados expressa ou


implicitamente pelo legislador.

b) científica estrita, que reconhece além daqueles a possibilidade do recurso a


princípios que "correspondem àquele ordenamento imanente às relações da vida"

c) científica propriamente dita, que esclarece de modo iniludível que,


juntamente com princípios do ordenamento, se incluem os princípios do direito
natural.

Somente o princípio que não é expresso reclama a atenção do intérprete. O


princípio explícito, aquele que já está expresso na norma jurídica, não carece de
interpretação. Por outro lado, o princípio implícito, ou seja, aquele não expresso
em dispositivo legal, será revelado pelo intérprete, pelo cientista do Direito, com
base na norma jurídica posta. Conforme entendimento de Fábio Ulhoa Coelho,

os princípios do direito, quando não se expressam por um dispositivo, são


revelados pela tecnologia jurídica. Debruçam os tecnólogos sobre o ordenamento
jurídico e procuram encontrar os valores fundamentais que o inspiram.
Sintetizam, então, esses valores em preceitos com a mesma estrutura das normas
jurídicas. [52]

Dentro do sistema, os princípios estão situados na mais alta posição. São os


princípios as estrelas máximas do universo ético-jurídico [53]. Eles encontram-se
"no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata,
mas essa abstração não significa inincidência no plano da realidade." [54]. Tal
afirmação decorre do fato de que norma jurídica incide no plano real e, uma vez
que elas devem respeitar os princípios, acabam por conduzi-los à concretude [55].

Silvio de Salvo Venosa explica que, por conta dos princípios, "o intérprete
investiga o pensamento mais alto da cultura jurídica universal, buscando uma
orientação geral do pensamento jurídico" [56].

Assim, podemos afirmar que os princípios jurídicos são o ponto de partida do


sistema jurídico, normas centrais das quais se origina todo o ordenamento
jurídico, correspondendo ao seu alicerce e atribuindo-lhe sustentação e unidade.

Os princípios jurídicos têm várias funções. Sérgio Sérvulo da Cunha anota seis [57]:
a) gerar normas (função nomogenética); b) orientar a interpretação (função
hermenêutica); d) inibir a eficácia de norma que os contrarie (função inibitória);
d) suprir a falta de norma (função supletiva); e) regular o sistema (função de
regulação do sistema); f) projetar o texto sobre a sociedade (função de projeção).
Observamos, todavia, que as funções mais importantes são a informadora, a
normativa e a interpretativa, na esteira do pensamento de Américo Plá Rodrigues,
citado por Arnaldo Süssekind, para quem os princípios são

linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou


indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e
embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e
resolver casos não previstos [58].

A função informadora tem por objetivo servir de inspiração ao legislador. Ela serve
de fundamento para as normas jurídicas.

A função normativa age como uma fonte supletiva, em casos de lacuna ou de


omissão da lei.

A função interpretativa atua como norte para os intérpretes e operadores do


Direito.
No Brasil, começamos a nos dar conta da existência dos princípios quando o
Código Civil de 1916, no art. 7º de sua introdução, incluiu os "princípios gerais de
direito" entre as fontes de Direito: "Aplicam-se nos casos omissos as disposições
concernentes aos casos análogos, e, não as havendo, os princípios gerais de
direito" [59].

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657) traz em seu art. 4º o


comando de que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito", idéia repetida no art. 126
do Código de Processo Civil:

O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da


lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Hoje, porém, os princípios gerais do direito devem ser encarados como muito mais
do que apenas fonte supletiva do direito para serem aplicados na omissão ou
imprecisão da lei. Na lição de Manoel Alonso Oléa, citada por Arnaldo Süssekind
[60]
, eles consistirão num critério geral de ordenação, que inspira todo o sistema,
com múltiplos efeitos.

A melhor forma de se interpretar tais dispositivos legais, fazendo uso das


anotações de Rizzatto Nunes, é de que "o intérprete tem sempre de constatar que o
sistema jurídico legal – escrito e não escrito (costumes) – está assentado em
princípios. Em última instância haverá sempre um princípio a ser invocado..." [61].

Necessário, então, fazer uma distinção entre princípio e norma, como forma de
especificar a atuação de um ou de outro dentro do sistema jurídico posto, vez que
não mais se discute a existência de ambos em funcionamento obrigatório [62].

Normas jurídicas tem a função de regras, estando fundamentadas nos princípios,


que no nosso sistema constitucional agasalham os direitos fundamentais.

Os princípios, por sua vez, têm um nível mais alto de generalidade e abstração do
que a mais geral e abstrata das normas [63].

Da lição de José Afonso da Silva [64], extrai-se que "normas são preceitos que
tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo" ao passo que "princípios
são ordenações que irradiam ou imantam os sistemas de normas".

Esclarece Sérgio Sérvulo da Cunha que

normas jurídicas não consistem simplesmente em proposição de dever-


ser: são proposições hipotéticas de dever-ser, que dispõem abstratamente
para o que pode vir a acontecer. Sua fórmula canônica é esta: se x, logo y;
ou seja: acontecendo x, deve seguir-se y. Distinguem-se portanto de
determinações, por um lado, e de princípios, por outro [65].
Já os princípios "são opções valorativas implicadas, como fundamento, no
enunciado das normas" [66].

Com isso, o autor acima citado cria uma interessante metáfora, na qual "toda
norma deveria ser lida como se fosse o parágrafo de um artigo cujo ‘caput’
compreende os princípios de que se irradia, e que justificam sua existência como
norma" [67].

Mas é importante lembrar, como o faz Sérgio Sérvulo da Cunha, de que é


impossível construir um sistema jurídico composto apenas por princípios, pois sua
exigibilidade supõe a existência das normas. Para o referido autor, "a mediatidade
é característica do princípio jurídico, assim como a imediatidade é característica
da norma" [68].

2.3. PRINCÍPIOS COMO INFLUENCIADORES DAS NORMAS

A doutrina é unânime em considerar que nenhum ramo jurídico é autônomo,


porque sempre mantém relações com outros ramos, valendo-se de institutos e
conceitos destes, ou emprestando-lhes esses mesmos elementos. Portanto, não há
um ramo jurídico isolado ou que não recorra a institutos de outros ramos para
regular o comportamento humano. Entretanto, essa regulação pode ocorrer com
maior ou menor rigor formal, segundo esquemas normativos, que correlacionam
uma dada classe de ações à classe de sanções que melhor se adequa, uma vez
normatizada, à espécie de conduta praticada, podendo corresponder ou não a uma
violação penal.

Na lição de Miguel Reale [69], o Direito é uma das ciências que mais depende do
elemento tipológico (forma adaptável de categorização como momento essencial
do saber científico). E que os tipos são formas de ordenação da realidade em
estruturas ou esquemas, representativos do que há de essencial entre os elementos
de uma série de fatos ou de entes que interessam. E que a razão dessa necessidade
tipológica prende-se a elementos de certeza e de segurança reclamados pela vida
jurídica.

Importante observar, ainda, conforme o mesmo autor, que a Ciência Jurídica,


como as demais ciências, processa-se sempre segundo dupla ordenação, uma de
natureza tipológica e outra de natureza legal.

Além do elemento tipológico, as ciências também trabalham com leis. E, lei aqui
deve ser entendida em sua acepção mais geral, devendo abranger tanto as leis que
se enunciam no saber físico-matemático, como as possíveis no plano das
chamadas ciências culturais, em cujo âmbito se situa a Ciência do Direito.

Desse modo, o Direito, como ciência, não pode deixar de considerar as leis que
enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou seja, aqueles
nexos que com certa constância e uniformidade, ligam entre si e governam os
elementos da realidade jurídica, com o fato social.
Entre os juristas, porém, a palavra lei tem outro sentido mais usual, é uma espécie
de regra ou de norma, e sobre as leis desenvolvem doutrinas, ou seja, sobre as
regras jurídicas formuladas pelos órgãos do Estado, diferençando-as das regras
elaboradas pela própria sociedade, através dos usos e costumes, aí não se tratando
mais de juízos enunciativos de realidade, mas de juízos normativos de conduta.

Tanto no Direito quanto nas demais ciências, o trabalho da inteligência se


desenvolve através de três ordenações, que são os tipos, as leis e os princípios, de
cuja relação resulta a unidade de um sistema, no presente caso, o sistema jurídico.

Logo, se percebe que não há ciência sem princípios, e que estes são verdades
válidas para um determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados
lógicos. Daí, que o Direito, como ciência, também se funda em princípios, uns de
alcance universal nos domínios da Lógica Jurídica, outros que se situam no âmbito
de seu campo de pesquisa. Os princípios, no Direito, na definição de Miguel Reale,
são

verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia


de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de
conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se
denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem
evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes de
validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus
pressupostos necessários [70].

Nos dizeres de Celso Antonio Bandeira de Mello,

é o mandamento nuclear de um determinado sistema; é o alicerce do


sistema jurídico; é aquela disposição fundamental que, por ser de
hierarquia superior, influencia e repercute sobre todas as demais normas
do sistema e sobre o modo de aplicá-las [71].

Para Geraldo Ataliba, citado por Rizzatto Nunes, "princípios são linhas-mestras, os
grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a
serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos
do governo (poderes constituídos)." [72].

Reconhece-se, assim, a relevância dos princípios para a formação,


desenvolvimento e interpretação do sistema jurídico. Paulo Bonavides [73]
reconhece que os princípios, ao saírem dos códigos para as constituições, do
Direito Privado para o Direito Público, da dogmática civilista para a dogmática
constitucional, promoveram uma completa revolução no modo de se
compreender, interpretar e aplicar as normas integrantes do sistema jurídico.

Os princípios, portanto, são comandos genéricos dispostos em normas ou


doutrinas com o intuito maior de servir de fonte de inspiração ao legislador e
determinar o modo de atuação do administrador. Não se trata unicamente de
elemento genérico a ser apenas comentado em textos doutrinários e criados a
parte de instrumentos normativos. São bases estruturais que devem,
necessariamente, ser observados pelos comandos normativos subseqüentes a sua
afirmação.

Justifica-se, assim, a necessidade de aprofundar o estudo dos princípios utilizados


no Direito, enquanto ciência.

2.4. PRINCÍPIOS: FUNÇÃO E ESPÉCIES

Um estudo mais atento das diversas abordagens a respeito dos princípios resulta
na observação de que sempre os princípios foram identificados por sua
generalidade, indeterminação, caráter programático, elevada posição hierárquica,
assumindo função determinante no sistema jurídico e também por desempenhar
função interpretativa.

Paulo Bonavides [74], ao tratar da juridicidade dos princípios, distingue três fases:
a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

A fase jusnaturalista vislumbra os princípios numa dimensão ético-


valorativa, identificando-os com o direito ideal, com os postulados de
justiça, sempre baseados na justa razão e visto como "um conjunto de
verdades objetivas derivadas da lei divina e humana", onde é nula e
duvidosa a normatividade dos princípios e onde a insuficiência do
ordenamento jurídico deveria ser suprida pelo recurso a uma lei natural,
eterna e imutável, distinta do sistema normativo institucionalizado.

Existem princípios, segundo Miguel Reale, [75] que por serem comuns a todas as
ciências são denominados universais ou omnivalentes, outros regionais ou
plurivalentes por serem comuns a um grupo de ciências, e outros monovalentes
por só servirem de fundamento a um único campo de enunciado científico.

Portanto são os princípios elementos básicos que sustentam as ciências existindo


entre eles diferenças de delimitação e de amplitude na estrutura geral do
conhecimento humano.

Resultado do estabelecimento da norma na ordem democrática do Estado de


Direito, principalmente no atual momento em que se encontra grande parte dos
países com legislação mais avançada, os princípios são identificados como
sustentáculos das normas jurídicas, exercendo sobre elas influência decisiva.

2.5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Atualmente, o estudo dos princípios ocupa significativo espaço na teoria do


Direito, com reflexos diretos na compreensão do Direito como um todo, mormente
o constitucional. Os princípios em termos constitucionais adotam posição de
norma de observância obrigatória e de proteção de uma classe de bens ou
categoria de pessoas que a norma, por bem, quis albergar.

Os princípios constitucionais são o ponto mais importante do sistema normativo,


constituindo verdadeiras vigas mestras, que alicerçam o sistema jurídico. O
princípio jurídico constitucional irá influir na interpretação até mesmo das
próprias normas constitucionais [76].

Ao falar-se em princípios, expressivo número de entendimentos e de variáveis


pode ser levantado, o que permite constatar a existência de várias categorias de
princípios. Os aqui enfocados têm maior relevância por serem expressos na
Constituição.

Canotilho [77] ao classificar os princípios constitucionais apresenta a seguinte


tipologia: Princípios jurídicos fundamentais, que são "os princípios
historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência
jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto
constitucional". Princípios politicamente conformadores, que condensam as
opções políticas mais importantes e traduzem a ideologia que inspira a
constituição, compondo o "cerne político de uma constituição política", ou seja,
são os princípios que definem a forma e a estrutura de Estado e fixa as estruturas
do regime político, da forma de governo e da organização política. Princípios
impositivos são considerados aqueles princípios que impõem aos órgãos do
Estado e principalmente ao legislador a realização de fins e a execução de tarefas,
traçando linhas de atividade política e legislativa. Princípios–garantia, aqueles
que objetivam instituir de maneira direta e imediata uma garantia, possuindo
menor grau de vagueza e com maior força normativa, por isso se aproximam das
regras, vinculando o legislador diretamente na sua aplicação.

Os princípios constitucionais são de duas categorias: princípios políticos e


princípios jurídicos. Os primeiros constituem-se daquelas decisões políticas
fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional
positivo, também conhecidas como normas-princípio, das quais derivam as
normas particulares que regulam relações específicas da vida social. Por sua vez,
os segundos são os princípios constitucionais gerais, informadores da ordem
jurídica nacional. Estes princípios decorrem de certas normas constitucionais e,
são desdobramentos ou princípios derivados dos princípios fundamentais.

Os princípios fundamentais da Constituição de 1988 foram identificados por José


Afonso da Silva [78], que lhes atribuiu a seguinte classificação:

a) princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República


Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º);

b) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes:


República e separação dos poderes (arts. 1º e 2º);
c) princípios relativos à organização da sociedade: principio da livre organização
social, principio de convivência justa e principio da solidariedade (art. 3º, I);

d) princípios relativos ao regime político: principio da cidadania, principio da


dignidade da pessoa, principio do pluralismo, principio da soberania popular,
principio da representação política e principio da participação popular direta (art.
1º, parágrafo único);

e) princípios relativos à prestação positiva do Estado: principio da independência


e do desenvolvimento nacional (art. 3º, II), principio da justiça social (art. 3º, III)
e principio da não discriminação (art. 3º IV);

f) princípios relativos à comunidade internacional: da independência nacional,


do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, da autodeterminação
dos povos, da não-intervenção, da igualdade dos Estados, da solução pacifica dos
conflitos e da defesa da paz, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, da cooperação
entre os povos e o da integração da América Latina (art. 4º)"

O princípio da unidade da constituição estabelece que o ordenamento jurídico


constitui uma unidade, tendo as normas à mesma importância e sendo
interdependentes, daí porque a classificação dos princípios constitucionais, antes
de implicar em uma hierarquia normativa, que não existe, implica numa análise
em conjunto, devendo os princípios ser examinados procurando-se harmonizar
tensões e contradições existentes entre eles.

Assim, tendo abordado a classificação, que se apresenta como relevante, a questão


dos princípios plurivalentes ou onivalentes e aqueles monovalentes ou setoriais.

Os princípios de ordem constitucionais têm relevante papel no ordenamento


jurídico nacional, eis que orientam, informam, condicionam e iluminam o
caminho da interpretação jurídica, servindo de guia mor ao cientista do Direito.
Sendo normas qualificadas, eles irão dar coesão ao sistema jurídico, exercendo
importante fator de aglutinação [79].

Ao contrário dos ordenamentos hodiernos, que se deixa à doutrina e a lei


infraconstitucional a tarefa de reconhecer os princípios, nossa Magna Carta
preferiu alberga-los de maneira a torná-los mais sólidos e expressivos em face dos
existentes em nível hierárquico inferior e é por tal razão que podemos classifica-
los como "verdadeiras supranormas" [80], porque, "uma vez identificados, agem
como regras hierarquicamente superiores às próprias normas positivadas no
conjunto das proposições escritas ou mesmo às normas costumeiras." [81].
3. CONCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS NA
INTERPRETAÇÃO DA LINGUAGEM JURÍDICA

Se a linguagem é a representação simbólica de um sistema que permite a


comunicação entre as pessoas, o entendimento desse sistema passa
necessariamente pela interpretação desses símbolos. E a correta interpretação
depende da análise de uma série de fatores (gramaticais, contextuais, históricos,
etc.), cabendo ao intérprete saber quais utilizar para melhor desenvolver o seu
mister.

A linguagem jurídica, assim, é igualmente dependente daqueles fatores.


Linguagem jurídica é a forma simbólica de comunicação referente ao sistema
jurídico.

Para um correta interpretação do sistema jurídico, cabe, pois, ao cientista do


Direito fazer a analise do objeto de seu estudo à luz dos fatores dantes
mencionados. A interpretação, nesse caso, é a operação mental com a finalidade de
apreender o conteúdo semântico do enunciado lingüístico pelo qual a norma
jurídica se manifesta no nível externo [82].

De acordo com Candido Rangel Dinamarco, a experiência jurídica pode ser


estudada por três aspectos: norma, valor e fato. Sob o ângulo da norma, constrói-
se a epistemologia (ciência do direito positivo), à qual pertence a dogmática
jurídica, que estuda o direito como ordem normativa. Os valores éticos do direito
são objeto da deontologia jurídica. O fato é estudado pela culturologia [83].

O objeto de estudo do cientista do Direito é a norma jurídica (epistemologia), de


forma que a sua função é interpreta-la a partir de determinados fatores. O
intérprete tem por função buscar o verdadeiro sentido e alcance da norma jurídica.

Celso Antonio Bandeira de Mello, nesse diapasão, vai definir interpretação como
"extrair o significado de um texto", vez que, no patamar da linguagem jurídica (a
linguagem natural utilizada na área do Direito), nem sempre os termos
empregados são unívocos [84]. A interpretação é, pois, imprescindível quando se
trata de norma jurídica.

Assim, a interpretação da linguagem jurídica de uma determinada norma vai estar


baseada na análise conjunta de várias outras normas e princípios do sistema
jurídico que ela compõe. Estes, por sua vez, se apóiam nos conceitos da realidade
exterior para o qual a norma jurídica é direcionada.

A função do intérprete terá sua importância derivada dessa interdependência


entre a norma jurídica e o contexto social, político e econômico no qual e para o
qual a interpretação se destina [85].
A idéia de sistema jurídico dá suporte à idéia de interpretação por outros fatores
referentes à interveniência dos princípios informadores do ordenamento jurídico
que têm a função de adequar a interpretação à ordem jurídica sob a qual ele se
debruça. Em razão disso, tem-se por inadmissível a realização da interpretação de
uma norma jurídica que não esteja em conformidade com os seus princípios
informadores.

Decorre daí a principal importância dos princípios na interpretação da linguagem


jurídica.

Como já cuidamos de especificar linhas atrás, apoiados na lição de Rizzatto Nunes,


nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. Seguindo a
lição do mestre, "cabe ao intérprete equacionar os problemas que encontra no
ordenamento, obedecendo à ordem fundamental dos princípios" [86].

Como enfatiza Sérgio Sérvulo da Cunha, "aplicar uma norma contrariamente aos
respectivos princípios é o mesmo que aplicar outra norma, inexpressa, ou talvez,
inexistente no sistema" [87].

A importância dos princípios se revela quando há a necessidade de contornar a


antinomia eventualmente existente entre duas ou mais normas, lembrando que o
conflito das normas somente se revela quando o campo de aplicação das leis é o
mesmo caso concreto [88].

A solução, apontada por Cláudia Lima Marques, é a convergência dos princípios,


que conduz ao cominho para o diálogo entre as fontes: "a convergência de
princípios é vista hoje como um fato bastante positivo para a co-habitação (ou
diálogo) das leis novas e antigas no mesmo sistema jurídico" [89].

Devemos ter em mente, como já mencionamos alhures, que os princípios não


devem ser encarados apenas como elementos supletivos, para omissão ou
insuficiência da lei. É claro que eles exerceram um importante papel na solução de
problemas relativos às lacunas da lei. Mas não somente isso.

Na interpretação na linguagem jurídica, o intérprete deve ter como guia os


princípios jurídicos que inspiraram o legislador. Qualquer interpretação que se
fizer desprezando os princípios, será uma interpretação equivocada.

Daí se dizer que não se basta o sentido literal da norma jurídica: é necessário
buscar sempre o seu espírito.

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NOTAS
1. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 28.
2. Nesse sentido, ver Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., pp. 28-
29.
3. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit, p. 33.
4. Manual de introdução..., cit., p. 32.
5. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 34.
6. Curso de direito civil, vol. 1, p. 05.
7. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 65.
8. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, Conceitos indeterminados na
constituição, p. 19.
9. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
10. Manual de introdução..., cit., p. 245.
11. Comentário contextual à constituição, p. 13.
12. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 246.
13. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
14. Segundo José Afonso da Silva, "normas são preceitos que tutelam situações
subjetivas de vantagem ou de vínculo – ou seja, reconhecem, por um lado, a
pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato
próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem ou, por outro lado,
vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de
realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem."
(Comentário contextual à constituição, p. 28).
15. No mesmo sentido, Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 27.
16. Manual de introdução..., cit., p. 249.
17. Op. cit., p. 29.
18. Op. cit., p. 29.
19. Op. cit., p. 29.
20. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 249.
21. apud Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 29.
22. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 31.
23. Manual de introdução..., cit., p. 253.
24. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 254.
25. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 254.
26. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., pp. 258-259.
27. Manual de introdução..., cit., p. 277.
28. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 278.
29. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 279.
30. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 279.
31. Manual de introdução..., cit., p. 204.
32. Manual de introdução..., cit., p. 262.
33. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de filosofia do direito, p. 295.
34. Cf. Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., p. 62.
35. Manual de introdução..., cit., p. 260.
36. Apud Sérgio Pinto Martins, Manual de direito do trabalho, p. 73.
37. Apud Sérgio Pinto Martins, op. cit., p. 73.
38. Elementos de direito administrativo, pp. 299 e 300.
39. Cf. Sérgio Sérvulo da Cunha, Princípios constitucionais, cit., p. 65.
40. Comentário contextual à constituição, p. 28.
41. Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins, Manual de direito do trabalho, p.
73.
42. Cf. Rizzatto Nunes, Manual de introdução..., cit., p. 178.
43. Direito ambiental brasileiro, p. 53.
44. Manual de introdução..., cit., p. 178.
45. Princípios constitucionais, p. 18.
46. Apud Fernando F. Santos, Princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, pp. 48-49.
47. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, p. 05.
48. Vide, a propósito, Fernando Ferreira dos Santos, op. cit., p. 44.
49. Op. cit., pp. 62-63.
50. Nesse sentido, Sérgio Sérvulo da Cunha, Pincípios constitucionais, p. 45.
51. Ver, a propósito, Instituições de direito civil, p. 17.
52. Curso de direito civil, vol. 1, p. 69.
53. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 19.
54. Rizzatto Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 178.
55. Extrai-se da lição do professor Rizzatto Nunes, que "o princípio, em qualquer
caso concreto de aplicação das normas jurídicas, da mais simples à mais
complexa, desce das altas esferas do sistema ético-jurídico em que se
encontra para imediata e concretamente ser implementado no caso real que
se está a analisar." (O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 19).
56. Direito civil – parte geral, p. 50.
57. Princípios constitucionais, p. 191.
58. Instituições de direito do trabalho, p. 146.
59. Cf. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 65.
60. Direito constitucional do trabalho, p. 64.
61. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 180.
62. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 20.
63. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 20.
64. Curso de direito constitucional positivo, p. 93.
65. Princípios constitucionais, p. 54.
66. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit. p. 54.
67. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 54.
68. Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., p. 55.
69. Filosofia do direito, p. 57.
70. Filosofia do direito, p. 60.
71. Elementos de direito administrativo, pp. 299 e 300.
72. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 185.
73. Curso de direito constitucional, p. 232.
74. Curso de direito constitucional, p. 232.
75. Filosofia do direito, pp. 60-61.
76. Cf. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, p. 37.
77. Direito constitucional e teoria da constituição, pp. 1038/1041.
78. Curso de direito constitucional positivo, p. 98.
79. Nesse sentido, Rizzatto Nunes, Manual de introdução ao estudo do
direito, p. 185.
80. Rizzato Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 186.
81. Rizzato Nunes, Manual de introdução ao estudo do direito, p. 186.
82. No mesmo sentido, ver Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit., pp. 64-
65.
83. Teoria geral do processo, p. 56.
84. Apud Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit. p. 64.
85. Nesse sentido, Márcia Dominguez Nigro Conceição, op. cit. p. 66.
86. Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, p. 20.
87. Princípios constitucionais, p. 54.
88. Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do
consumidor, p. 31.
89. Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 31.
Autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da


Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo -
FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros:
Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST
comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC
Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC
de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e
Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental
Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em
Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora
Rumo Legal; Manual de Direito do Consumidor, Direito Digital e as relações
privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil;
Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas
Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação;
Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e
Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernando Augusto. A importância dos princípios na interpretação da


linguagem jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14,
n. 2188, 28 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13049. Acesso
em: 2 abr. 2024.

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