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DISCIPLINA: Brasil V
DOCENTE: Carlos Alberto Pereira
DISCENTES: Gabriela Alves e Luana Barros
Como início deste ponto, é necessário destacar a priori que o objetivo de utilizar
da análise comparativa, enquanto abordagem teórica, se fundamenta no princípio de
destacar similitudes e contrastes entre os períodos, levando em consideração suas
especificidades dentro do processo histórico. Outra questão que também merece
destaque é o conceito de noosfera, que aqui será retratado enquanto “espírito do tempo”,
que abarca teorias, pensamentos, noções, ideologias de uma determinada época.
No século XIX a Europa se depara com uma modernidade industrial que
influenciava ao mesmo tempo que se desenvolvia junto a um conjunto de fatores
fenomenológicos: as bases sociais e familiares são transformadas, a vida urbana impacta
na cultura e na economia das cidades, o capitalismo assume uma nova roupagem, além
de haver uma dissociação entre a esfera pública e privada. Sem sombra de dúvidas, o
desenvolvimento tecnológico e industrial propicia um encantamento nessa sociedade do
final do século XIX. Observamos também que o indivíduo vai sendo condicionado a
uma uniformização de padrões, como as vestimentas por exemplo, e uma unicidade
dentre as categorias sociais.
Nesse período de secularização, e da emergência da modernidade, o consumo já
não estava mais restrito à aquisição de bens de necessidades diárias, mas assumia um
caráter de personalidade, moda e, sobretudo, do novo. Progresso e Futuro são palavras-
chaves quem compõem o cenário da modernidade, uma era de invenções e descoberta,
como a eletricidade, a fotografia, a introdução da ferrovia como um grande marco
secular que contribuiu para o processo de urbanização e, consequentemente, o acesso a
lugares, produtos e pessoas como nunca tinha se visto até então. O “tempo moderno” é
um tempo de aceleração, o tempo da nova cidade-urbano-industrial densamente
povoada e cheia de contradições, tal como a sociedade do século XXI, mas essa uma
escala de aceleração máxima ou, se nos atermos aos conceitos aqui destacados,
podemos tratar como uma hiperaceleração em todos os âmbitos da vida me sociedade.
As duas ultimas décadas marcam uma era das mídias digitais, onde todos os
âmbitos da vida privada são acessados, compartilhados sob a influência ampla e efetiva
da tecnologia. A modernidade atingiu o seu extremo, com uma diferença significativa
que vai alterar o comportamento desses indivíduos. Se no século XIX temos uma
dissociação do público e do privado, em que a cultura pública passou a seguir não só
uma ética antropocêntrica, como guiada por princípios fundamentalmente narcisistas,
com uma passividade de opiniões intensificada pela manipulação das mídias, no século
XXI o que é público e o que é privado se confundem, a necessidade de constante
interação com as plataformas digitais, a observação do outro e o ser observado cria um
quadro de obsessão para a construção de uma imagem não apenas aceitável, mas de
destaque, o que gera também uma cobrança continua sobre si mesmo.
Ao mesmo tempo em que se busca destacar, o sujeito desse mundo
hipermoderno não está alheio aos padrões socialmente impostos. Entre descrenças,
frustações, desamparos, nos deparamos com um quadro extremo do hedonismo: o
sintomático; da euforia progressista, passamos para o convívio diário com a ansiedade,
onde o surto de entretenimento e de fácil acesso a qualquer tipo de conteúdo coexiste
com isolacionismo e a desmotivação. Há uma compressão do espaço-tempo, mas uma
permanência e até mesmo aumento das desigualdades. Vivemos na radicalização da
modernidade, o indivíduo que critica uma pauta urbana, como a falta de infraestrutura
para o trânsito é o mesmo que viola regras das quais ele convence a si mesmo de sua
justificativa.
Algo que também merece destaque seguindo essa análise comparativa é uma
possível alteração cultural na sociedade globalizada do século XXI, no qual o Futuro e o
Progresso destacados anteriormente enquanto palavras-chaves na modernidade
emergente no século XIX, são afetadas pela atmosfera de incertezas, não se têm mais o
conforto, a esperança e o sentimento de transformação que se tinha com grandes utopias
essas, por sua vez, estão desacreditadas. Nessa sociedade conceituada por Lipovetsky
como sociedade da decepção, nos tornamos sedentários por influência dessa cultura
tecnológica e globalizante, com deficiência de afeto ou mesmo de contato físico. O
enfraquecimento do vínculo entre o individual e o comunitário influência ainda mais o
consumismo exacerbado no qual busca-se a sensação de bem-estar que, longe de ser
eficiente e saudável, é insatisfatório.
Nesse poema da portuguesa Sophia de Mello podemos refletir sobre alguns dos
sentimentos que vivenciamos durante o período da quarentena frete à pandemia de
Covid-19 a partir de 2019 e que ainda estamos enfrentando hoje em 2022. A morte de
milhares de pessoas, as ruínas da vida social, da saúde física e psicológica, do
desemprego dos pais e mães de família que se viram desamparados. Todos nós, de
alguma forma, sentimos a efemeridade da vida passar por nossos olhos ao sentarmos
nos sofás de nossas casas ou mesmos na tela dos nossos celulares e vermos uma
situação que nem mesmo nossos pais compreendiam ou sentiam certeza no consolo
vago de que tudo iria passar. Falar sobre a história do tempo presente, a nossa história,
não é fácil e não há nenhuma abordagem teórica que dê conta de analisar esse processo
tão fresco em nossa memória que não seja movida pelas experiências e pelos
sentimentos vividos.
Contudo, Sophia de Mello também fala sobre a força de sonhar, de renascer e de
receber algo como se não estivéssemos desamparados ou sozinhos. É nesse sentido que
percebemos, talvez com mais clareza nos dias de hoje, de que nem tudo são espinhos.
No contexto brasileiro, podemos observar que um dos efeitos que esse cenário de crise
pandêmica despertou reflexões nos mais diversos âmbitos da vida social e, para além
das reflexões, uma área específica da vida em sociedade foi posta em destaque: a
solidariedade. Observamos ao longo desse período uma mobilização dentro da
sociedade civil de mover forças a fim de auxiliar as pessoas em situação de maior
vulnerabilidade (afetados pela estrutura de um país extremamente desigual) com
doações diretas de recursos financeiros e de bens e utensílios de higiene como mascaras
descartáveis e confeccionadas, além de cestas básicas e materiais de uso diário. Isso
teve que ser feito sob condições extremamente novas, para isso utilizou-se, sobretudo,
das ferramentas e plataformas eletrônicas a fim de divulgar e promover essa economia
solidária. Algumas ações tiveram que seguir também por outras vias, como o caso de
jovens que fizeram compras para pessoas idosas ou com algum tipo de comorbidade e
risco, deixando a compra na porta de suas casas.
O distanciamento social reavivou esse sentimento de solidariedade e de
organização coletiva, como podemos observar na comunidade Vergel do Lago, em
Alagoas, que promoveram uma ação conjunta beneficiando 5 mil famílias com mais de
100 toneladas de produtos alimentícios e de higiene. Esse apoio conjunto foi
fundamental no enfrentamento da pandemia, além disso, é possível notar uma
reconstituição também dos vínculos sociais e troca de experiências, o uso da tecnologia
social tanto para organização de movimentos quanto para fins de protesto,
manifestações, petições alimentadas pelo inconformismo com a atual conjuntura
política. A conduta individualista, caraterística do espírito do tempo na sociedade
moderna, sofre um certo abalo com essas posturas de caráter solidário que podemos
observar no tempo de pandemia.
Além desses aspectos, podemos destacar também que o em toda história da
humanidade nós, enquanto indivíduos que sobrevivem a relacionando com o meio
(natureza), passamos por constantes processos de adaptação. Tivemos que reaprender
coisas básicas que na aceleração do dia-a-dia não nos passava pela cabeça. Pais
buscando formas de entreter os filhos, casais testando receitas culinárias, pessoas
redescobrindo o seu próprio lar no sentido material e familiar.
Tanto pelo efeito do distanciamento social quanto pelos sintomas de
contaminação do Covid-19, tivemos um aumento substancial de pessoas com ansiedade,
crise de pânico, depressão, situação que preocupou a comunidade de apoio à saúde
psicológica e começou a realizar atendimentos online e gratuitos por meio de
plataformas e também promovidos por grupos da comunidade acadêmica.
Referências Bibliográficas
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Coral e outros poemas. Editora Companhia das Letras, 2018.
BRANDINI, Valéria. Moda, cultura de consumo e modernidade no século XIX. Signos do Consumo, v.
1, n. 1, p. 74-100, 2009.
LIMA, Brunna Guedes Marques de. A cidade toda em contramão: uma leitura da hipermodernidade nas
canções contemporâneas de Chico. 2015.
LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla,
2004.
MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna.
Unesp/Facamp: Campinas, 2009.