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htm 12/02/2005

Pós-Modernidade, Rock'n'Roll e Individualismo no cenário do


'Neotribalismo'
Por Efrain Moreira Jr.

Os conceitos e discussões acerca do pós-moderno trazem à tona um homem que não é novo, pelo menos em
essência, mas que mostra um outro lado na forma de apreensão da realidade que o circunda. Não mais movido
pela paixão de transformar seu cotidiano, ele transformou-se no próprio cotidiano. As coisas não se
transformam a cada dia com o caráter revolucionário do passado. As novidades são captadas, a cada
momento, com a mesma banalidade a que se assiste os índices de violência e analfabetismo no telejornal da
televisão. A vida desse homem "novo", em suma, se constitui numa programação de horário nobre. O
velocidade com que as tecnologias vêm modificando o meio social tem transposto o indivíduo da condição de
participante a mero observador. E o pior, um observador não apenas passivo, mas que tende a sujeitar-se ao
que é oferecido como sensações de prazer e bem-estar. O próprio caráter hedonista atribuído a esse homem,
como traço herdado desse "admirável mundo novo", refuta de uma inércia em busca do que realmente ele
possa desejar obter de sua realidade. O consumismo virou moda em todas as sociedades, e a produção cedeu
lugar a um processo de troca constante, que traz ao mundo uma enorme sensação de mesmice, de
artificialidade. Aliás, essa parece ser a tônica das próprias relações interpessoais, e do homem com as coisas:
a artificialidade. Uma traço que marca todos os setores da vida humana, atrelado à virtualização promovida
pelas novas formas de comunicação digital, através do computador. Os meios de comunicação e o telefone já
prenunciavam isso, junto a uma série de teóricos apocalípticos. A música, e em particular o Rock'n'roll, em
estudo no presente artigo, sofreu diretamente a influência dessas novas características pós-modernas
desenvolvidas ao longo das últimas quatro décadas no meio social. A implementação de tecnologias cada vez
mais avançadas transformou o fazer das coisas, inclusive as produções artísticas. E o acentuado caráter
consumista terminou por "consumir" o traço de originalidade que detinha a obra musical. A seguir será
esboçada uma realidade musical percebida no universo do rock, que serviu para transformar a história de
muitos acontecimentos das últimas décadas. O processo de construção dos discursos sociais é tratado sob a
ênfase da sua adoção para adquirir não apenas mudança, novidade, mas para um apropriação objetivando
cifras de vendagens de discos. Em seguida, a notoriedade da construção musical do rock enquanto legítima
obra de arte. Uma legitimidade presa não apenas pela aceitação do discurso, mas também pelas formas de
produção das músicas. O conflito que fica claro será entre o caráter artificialista e consumista das obras da
indústria fonográfica, com a utilização de elementos de informática, de samplers e outros, e as formas de
construção dadas como "puras", que tendem a trazer crescimento ao mundo do rock, seja na forma dos
discursos, ou no som. O mundo das avançadas tecnologias traz consigo uma nova postura a ser adotada pelo
homem. A tendência numa introspeção, no olhar para dentro torna-se a tônica de uma sociedade movida não
mais apenas pelos laços cotidianos tradicionais, mas por formas diferentes de relacionar-se com os outros,
com o contexto. O homem quer mudar sua realidade, mas para isso não necessita ir às ruas protestar, nem
tampouco pegar em armas e fazer uma revolução. Basta filiar-se numa Organização Não-Governamental que
já se sentirá fazendo algo pela sociedade que tanto almeja. Por outro lado, as formas de busca da satisfação e
do prazer estão cada vez mais presos ao pessoal, ao individualismo. O êxtase demonstra bem o quanto o
universo humano foi modificado este século. A idéia de grupo, de coletivo tem se modificado a cada instante.
A virtualidade toma conta das pessoas, e das relações entre elas, e delas com os objetos também. O
computador, o telefone celular, o carro, e tantos outros utensílios que marcam nosso tempo, não são
adquiridos pela necessidade de tê-los, simplesmente, mas pela pressão social que cria valor ao produto que
não está ligado exatamente ao que ele realmente faz. A pessoa que não tem acesso à rede mundial de
computadores, a internet, passa a ser vista como antiquada, retrógrada, atrasada no tempo, não antenada com
as novas tecnologias. O homem se vê, nesse sentido, frente a um mundo que não corresponde ao seu, mas que
ao mesmo tempo o é. Ao mesmo tempo em que ele se mostra inserido numa determinada realidade, numa
cultura nitidamente massificada, seu mundo corresponde exatamente a anseios individualistas, e a
experiências não compartilhadas. Ainda assim, esse individualismo vê-se ligado a grupos ou tribos,
classificadas por Michel Maffesoli¹ como "neotribos". Uma nova formulação tribal que une antigos laços de
união - como religião, política, etc - com elementos novos, trazidos pelos avanços tecnológicos, como a
informática, as drogas que levam ao êxtase, as danceterias. O texto tentará expor uma idéia que não é nova,
mas apresentada de uma ótica simples e objetiva, tomando como ponto de partida a música e a proposta do
Rock'n'roll. Nenhuma das afirmações pretende ser definitivas, visto que as teorias sociais se constróem a cada
momento, junto a uma construção social que modifica seu projeto na medida em que surgem novas formas de
interação, e de concepção das relações interpessoais, e de agrupamento tribal. 1. A construção dos discursos
musicais: os mitos e fenômenos O homem moderno do início do século convivia num contexto onde as
tecnologias eram produzidas em pequena escala, além de acessíveis a apenas uma parcela da população. O
consumo de produtos culturais não correspondia a uma escala muito grande até meados de 1940, quando o
rádio ainda era o principal aparelho eletrônico nas casas das pessoas. A recente indústria produtora de bens de
consumo relacionados com a música vivia da difusão de seus produtos através das emissoras de rádio, ou da
venda de discos de vinil a uma pequena parcela da população que já tinham as vitrolas em suas residências. O
final da década de 50, início dos anos sessenta trouxe uma realidade nova: o consumismo começava a alçar
vôo em busca do mercado fonográfico, que crescia em importância e batia recordes de vendas. Essa nova
realidade, que fermentava o nascimento de um novo tipo de indivíduo, de sociedade, traz consigo o
surgimento de uma vertente musical, porque não um gênero novo?!?, o "Rock'n'Roll". O novo ritmo
desenhava modificações provenientes do Rithym'n'Blues e da música negra, e começava a ganhar
reconhecimento frente os mais diversos públicos. Carl Perkins e Bill Haley acabaram por 'inventar' a mais
nova coqueluxe que viria a transformar a vida do homem desse novo tempo pós-guerras, ansioso por olhar
para dentro de si mesmo. Começa a surgir o homem pós-moderno, não em contradição ao moderno, anterior e
contemporâneo, ao mesmo tempo, mas como um prosseguimento daquilo que aquele almejava chegar.
Enquanto as máquinas e o trabalho funcionaram como o retrato e a prisão do homem moderno, esse novo tipo
musical, seguido por seus padrões comportamentais sendo a cada dia construídos, e o desejo de se entregar a
si próprio, e ao prazer, será um dos símbolos marcantes do homem pós-moderno. A ordem agora, desenhada a
partir dessa construção musical, que começava a vender de forma assustadora, era encontrar imagens,
símbolos, signos, mitos, para servirem de guia da nova ordem. A indústria cultural passou a desenhar sua
estrada em cima da criação de verdadeiros fenômenos musicais: Elvis Preasley, The Beatles, Rolling Stones e
Led Zeppelin, apenas para citar alguns. Todos, apesar de inseridos em contextos diferenciados, tinham a
peculiaridade de terem construído um discurso calcado em contradizer o sistema vigente em suas épocas.
Verdadeiras legiões tribais passaram a se formar a todo momento para seguir os diversos movimentos e
bandeiras levantadas pela nova musica. Sexo, drogas, rock, aliados ao prazer, descompromisso,
desreferencialização, virtualização. Sentimentos diversos passaram a tomar conta do imaginário humano,
desde o início da caminhada do rock, até os anos noventa, levando-o a um grau de individualismo
exageradamente impensável na época do racionalismo. Esse novo homem, volto a repetir, irá se desenhar não
apenas pelo que lhe vem de fora, as imagens, informações, mas pela própria ânsia de satisfação individual e
egoística, suprimida pelos ideais modernistas. Isso porque, no período moderno, a predominância de ideais
coletivistas era a tônica do processo, uma bandeira levantada em meio a um contexto desenvolvimentista e
industrial que necessitava de uma união das classes em geral. O que se passa a querer, a partir de um dado
momento, é se desvincular de tudo que traz sofrimento, desconforto, entregando-se a uma vida hedonista,
buscando o prazer em tudo. Não se fala mais em produção, energia, máquina. O homem que saber dele
mesmo. Esses mesmos filhos e descendentes dos que ajudaram a construir a sociedade coletivista irão gritar
contra o sistema ao qual estavam inseridos. A própria noção de sujeito passa a mudar significativamente.
Enquanto nas sociedades tradicionais as pessoas estavam sujeitas a forças impessoais, ou a um destino ao qual
não podiam interferir. O grau de importância das questões religiosas era tão grande que a ação das pessoas era
condicionada por uma ordem já concebida, e baseadas numa concepção racionalista. O mundo movido pelo
sagrado é aquele guiado por um Deus, ou entidades diversas, e é, ao mesmo tempo, um mundo inteligível.
Alain Touraine, em seu livro "Crítica da Modernidade", mostra o renascimento desse sujeito, colocando o
mundo moderno ainda preso a essa concepção transcendental. "Nossa modernidade não rompe com um
mundo à mercê de intenções favoráveis ou desfavoráveis de forças ocultas e sim com um mundo que é ao
mesmo tempo criado por um sujeito oculto e organizado segundo leis racionais"². É a partir de uma
necessidade de penetração interior que esse homem passa a querer momentos de extravasamento. Um
momento de liberação de uma ordem onde o que predomina é a razão, a tecnologia, a produção, para uma
outra realidade, pessoal, intransferível, onde a satisfação das sensações de prazer e gozo falarão mais alto. A
música, nesse sentido, servirá de catarse para que o homem se libere das suas prisões, e, a princípio, o Rock
traduzirá esse ideal com perfeição. A partir de Elvis Preasley, um dos primeiros mitos da música em alcance
mundial, a indústria de discos passa a criar a sua fórmula de ação frente as pessoas. A forma começa aí a
deixar de ter uma relevância na produção-elaboração, em detrimento da formulação do pacote que irá ser
vendido. Como Umberto Eco coloca, em seu ensaio "Apocalípticos e Integrados", "onde a fórmula substitui a
forma, só se alcança êxito decalcando os parâmetros, e uma das características do produto de consumo é que
ele nos diverte não por revelar-nos algo novo, mas por repetir-nos o que já sabíamos, o que esperávamos
ansiosamente ouvir repetir e que é a única coisa que nos diverte .."³. O caminho da construção musical passa a
transcorrer pela tomada para si, do músico, do discurso voltado para assegurar sua colocação dentro da tribo a
quem se dirige. O tribalismo, ou "neotribalismo", como o prega Mafessoli, torna-se uma das características
marcantes do nosso meio pós-moderno. Não mais aquela idéia simplista e reducionista de tribo, mas a
multipolarização do homem frente as diversas interlocuções que ele faz na sociedade. Ele já não é apenas de
um meio específico, mas transcorre sua vida adentrando grupos diversos, e mantendo níveis variados de
interação com esses grupos. Nesse meio termo, observa-se no próprio Rock o início da desmitificação
musical, quando começam a ocorrer a formação de vertentes diferenciadas da base rocker, como as bandas do
final dos anos 60 o foram. O Led Zeppelin, Frank Zappa, e outros, fincaram a bandeira de um novo refúgio do
homem pós-moderno no momento em que suas músicas tornaram-se bandeiras para essas tribos que não
queriam se misturar ao rock das massas, representado naquele momento por Elvis e The Beatles. Começa a
surgir uma nova proposta, onde o homem passará a estar mais e mais só, dentro do seu individualismo. As
idéias de desprendimento, descompromiso, típicas desse hedonismo corrente, passam a ganhar força, e o
homem começa a viver em busca do 'extase', uma busca que irá marcar toda a trajetória do rock até os dias
atuais, acompanhando todas as suas mutações, até a musica tipicamente eletrônica. O contexto começa a ser
modificado e a idéia pós-moderna se desenha a cada momento dentro do homem, que se vê realizado dentro
das opções que aparecem. A própria indústria musical passa a transferir o sentimento dessa nova era para o
grande público através das performances dos artistas. O que se vê, a partir de uma dado momento, é a
valorização do espetáculo individual, do mito musical, e a interação deste com o público. Enquanto se
constrói um quadro de coletivismo aparente nos anos 60, com os hippies e a revolução de 68, o homem
caminha, paralelamente ao rock, para um individualismo extremado, que se mostrará com ênfase maior na
década de 90. Ao analisarmos a construção dos discursos musicais decorrentes nesse período, formulados e
abrandados pela indústria cultural, e dentro não apenas do rock, mas nas diversas manifestações musicais,
verificaremos uma enorme tendência à criação de produtos identificados com realidades culturais que não são,
necessariamente, aquelas que pertencem como indivíduos, mas inserem-se como fenômenos artísticos. A
imagem ganha notoriedade em nosso tempo, e tudo que o homem capta, abraça, come, em suma, vive, decorre
da impressão que teve de imagens transmitidas, e direcionadas com um objetivo específico: criar, nesse
homem, um processo de identificação com o produto mostrado, a tal ponto que se veja como parte de tal
produto, e o consuma quase que de forma arbitrária. Erving Goffman4 trata do indivíduo enquanto ator social,
no livro "As representações do Eu no cotidiano", e coloca o que chama de "veículos de indícios", como ponto
de partida do processo de interação humana, tanto de captação como de transmissão de realidades e
impressões. No mesmo sentido, William Thomas5, mencionado por Goffman em seu livro, cita o termo
"inferências", de uma forma mais abrangente, podendo ser transportado para a nova realidade tecnológica,
escrava das imagens, quando afirma que "vivemos de inferências", e a partir delas é que guiamos nossas
vidas. O homem pós-moderno vive, a partir dessas formas de apreensão e emissão de conteúdos, sujeito a
uma gama tão extensa de informações, oriundas das mais diversas tecnologias de comunicação, que muitas
das vezes pode não se dar conta daquilo a que se está deixando expor. E mesmo no momento em que
transmite idéias, comportamentos, frente diversas situações e públicos, determinados circunstancialmente,
corre o risco de não ser mais ele, mas o produto do que captara através de suas inferências, interações, por
meio dos veículos de indícios existentes e criados, a fim de que se identifique e participe do fato social. Isso
por estar sendo intercalado por uma indústria de produção de comportamentos e discursos. As pessoas passam
a exigir, umas das outras, certos tipos comportamentais baseados em cada situação, tribo, grupo, crença, seja
ela religiosa ou filosófica. Os estilos de vida começam a ser desenhados de acordo com a aproximação do
indivíduo com um mundo de produção desenfreada de modismos, discursos, tenham eles legitimidade ou não.
O consumo, por si só, trata de uma forma de legitimidade dada a esses discursos. É importante perceber,
entretanto, que o mundo dos discursos musicais nem sempre estarão atrelados a uma simples produção
baseada no consumismo. Há várias situações onde a construção de bandeiras se deu pela real necessidade que
impunha o contexto sócio-histórico, e pelos sentimentos de repúdio ou amabilidade dos criadores para com os
objetos de suas concepções. Mas, de qualquer forma, é notório enfatizar a apropriação dessas bandeiras, pela
indústria cultural, para produção de produtos de vendagem garantida. Assim, podemos ver melhor a maneira
como os artistas de forma geral, se apropriam do discurso corrente do grupo onde está inserido, ou pretende
inserção, ou até cria todo um novo conjunto de discursos para atrair grupos que estão à deriva dos discursos
correntes. A produção musical, e a imagem do artista, passa a ser construída, formulada, levando-se em conta
os objetivos de venda, e de inserção em grupos determinados da sociedade. As particularidades das diversas
comunidades, antes fechadas, vêem-se assaltadas para um prisma diferente, mais abundantemente difundido
pelos meios, e passa a ganhar roupagens que antes nem imaginara que teriam. Esse processo, e isso se dá de
forma processual, planejada, objetivando ganhar notoriedade dentro dessas comunidades, passa a suplantar a
própria individualidade, não apenas do artista, que passa a se ver dentro de um universo ao qual não tem
afinidade, não conhece, nem se vê (via) pertencente, como também transfere o discurso, antes fechado,
comunitário, tribal, a um patamar de visibilidade inimaginado, ou às vezes nem pretendido pelas partes, e
outras vezes, não desejado, ou identificado pelo grande público, a massa, como pertencente a sua realidade.
Muitas bandas assim o foram a nível mundial, transportando o discurso cultural ocidental através das diversas
comunidades em que penetraram. Um discurso que poderia não ser o deles, como indivíduos, pessoas
pensantes, mas que tinham que assimilar a fim de criarem a afinidade necessária à recepção de suas músicas
em escala mundial. De qualquer forma, esse discurso favoreceu o amadurecimento do homem pós-moderno,
das idéias hedonistas, ficando isentas quaisquer preocupações de mudança social. O objetivo intrínseco a essa
nova ordem é o de curtição dos momentos, não como fuga, ou medo da morte, mas como desdém da
realidade. Não se procura mais transformar o mundo, embora alguns discursos ainda persistam nesse âmbito,
mas sem maiores extensões. O que passa a valer, agora, é atingir o prazer total. O homem vive por consumir,
e consumir, cada vez mais, a cada dia, não coisas novas, mas sensações de prazer repetidos, em doses cada
vez mais cavalares. A música, em um dado momento, passa a transpor suas letras de um universo onde se
queria falar algo, de consistência, com consciência, para um outro campo, onde o que vale é valorizar o Eu, as
imagens, as sensações que traduzem, e levam, ao prazer. É bem verdade que outras tantas manifestações
continham em si o conteúdo necessário apara que ganhassem personalidade de arte e, portanto, seu discurso
tivesse alguma importância e notoriedade para as tribos as quais se dirigiam. Os Beatles representaram, de
início, a construção de um rock leve, melódico, com letras desinteressadas e, até, inocentes. Mas, ao final da
década de 60, quando do seu fim, começou por delinear uma mensagem mais crítica e de aversão ao sistema
que antes representavam. A música tratada por Elvis fora marcada mais pela sua performance estética pessoal
do que pelas letras que cantava. "Jailhouse Rock", um de seus primeiros sucessos, já desenhava o que seria a
sua postura nas apresentações e concertos. A sua pélvis, e todos os movimentos de corpo, aliados à
vestimenta, representavam sua parcela discursiva de crítica ao sistema que estava inserido. E mesmo assim, o
mercado comercial de discos se apoderou desse fato para fazê-lo vender mais, como o fizeram com os
Beatles. Eles não continuam a vender tanto, nos dias de hoje, devido à fase mais singela de suas construções
musicais, mas pelo que formaram nos discursos e posicionamentos contra uma ordem a qual estavam
inseridos, pela rebeldia empreendida nos seus últimos discos, e pela postura contestatória de John Lennon e
Paul McCartney nas carreiras solo. O caminho do rock, da década de sessenta aos dias atuais foi marcado por
isso: de um lado, o aparecimento de fenômenos e mitos que tinham um postura artística atrelada a um
discurso consistente e com posicionamento definido em questões sociais polêmicas; de outro, e paralelo a
esses fenômenos, a se aproveitarem da "onda", uma série imensa de produtores de sons sem palavras e
consistência, que pretendiam vender tão somente um ritmo, sem consistência, conteúdo discursivo de valor
social, e que pregavam apenas uma orgia e apologia ao prazer de se "mexer" com o nada. Um exemplo
recente fora o grupo de Nova Iorque, "New Kids On The Block", que faziam músicas saudando uma
juventude que queria vestir marcas, namorar garotas bonitas, sair aos sábados à noite para beber, e não
conseguiram construir um discurso que tivesse a importância de mitos como The Doors, ou Queen, entre
outros. E nessa onda, pode-se perceber o caráter pós-moderno de criar sobre o já existente, muitas vezes
chegando ao "plágio". Podemos ver, a todo momento, o surgimento de grupos como o "'nsinc", "Beckstreets
boys", "Five", produtos comerciais que repetem ritmos e cantam letras que já foram ouvidas, de certa forma,
com as mesmas palavras em outros tempos. Dentro dessa realidade, temos a chegada dos anos noventa, do
"extase", da música eletrônica, que já se anunciava desde a década de setenta com as danceterias, mas que
ganhou representatividade apenas com o retorno do homem a ele mesmo, buscando uma introspeção através
das drogas, de formas diferentes do uso habitual das mesmas nas décadas anteriores. Hoje o homem entra
numa dessas casas de dança, compra sua viagem, particular e egoística, e fica a mexer-se como se estivesse
num limbo musical, ao som de ruídos sem sentido, mas que ganham uma conotação única dentro de sua
realidade e das suas necessidades de extravasamento. E é justamente esse homem que consome o novo
discurso, que não quer estar atrelado a coisas politizadas, a uma postura socialmente transformador, mas que
apresenta-se como uma saída para todo o estress proporcionado pela vida moderna. O Rock, porém,
representou, e representa, muito mais do que apenas um ritmo, com unicidade, ou pobreza de variações. Ao
contrário, desde os anos sessenta vem mostrando sua força, calcada nas diversas facções criadas,
caracterizadas não apenas pela intensidade do discurso, mas pelos elementos constituintes do som. Muitos,
ainda hoje, são adeptos do 'psicodelismo' da banda inglesa Pink Floyd, ou do peso da guitarra e dos vocais
melódicos do Queen. Outros preferem novas ondas, que atrelam guitarras com o hap, com elementos
eletrônicos, samplers, mas todos vindos de uma fonte única, que ao mesmo tempo se mostrou multi-facetária.
Conclusão: Adeus ao "hec te nunc"6 "A massa é uma matriz de onde brota, atualmente, todo um conjunto de
novas atitudes em face da obra de arte. A quantidade tornou-se qualidade"7. Nada se compara ao original.
Mas, se tomarmos como referência a nossa sociedade, a das altas tecnologias de reprodução, a do consumo
desenfreado, como poderemos falar em original? Seria o produto de origem conhecida, esclarecida, com
garantias de "qualidade", de que irá funcionar. Ou aquele o qual se pode identificar seu autor, ou uma outra
versão feita por ele próprio da sua obra. A relação de valor de uma obra de arte, e a música se enquadra como
tal, e também o Rock'n'Roll, até que me provem do contrário, esteve, por muito tempo atrelada a fatores tais
como a 'aura', a autenticidade, o valor de culto, o valor cultural. Numa sociedade onde as culturas se
interpenetram, onde vivemos uma proliferação desenfreada de produtos a um nível global, o que pertencia a
um grupo passa a estar disponível a todos os grupos. O processo de apropriação de elementos de outras
culturas parece ser a tônica do mundo moderno. Da mesma forma, a produção artística parece ter perdido o
sentido de experiência, acima de tudo, próxima ao "sagrado", a um ritual "religioso". Como o próprio Walter
Benjamin anuncia, a quantidade, já no tempo em que escreveu seu famoso artigo, era mais importante, ou
ganhava notoriedade, frente ao caráter artístico, à qualidade da obra em si. Ma a que qualidade poderia estar
se referindo? O objeto artístico tinha, como natureza criadora, um caráter sagrado, empregado a uma
inspiração provinda da divindade. Por isso mesmo ganhava conotação de produção intelectualizada, de uma
elite de pessoas que tinham essa capacidade produtora, por um lado, e de outra elite, que detinha o
conhecimento necessário à apreciação dessas obras. A qualidade esteve sempre presa, de acordo com
Benjamin, a algo que tinha a obra de arte, a sua "aura". Uma série de características transformariam o produto
cultural em obra de arte: o valor cultural da obra, autenticidade, unicidade, tudo isso compondo a 'aura'. O
processo de reprodução, viria a compor um momento diferente, recente, baseado no consumo pela massa de
construções artísticas banais, ou banalizadas, baseadas em imitações da verdadeira arte. Pode-se perceber a
inclusão dessa concepção no mundo do discurso 'rocker' de um a forma, até certo ponto, coerente. O espírito
musical permanece "puro" até o momento em que ocorre a apropriação do sistema produtor, que almeja
difundir seus produtos às massas. O fato de os artistas estarem ligados ao sistema, a fim de conseguirem
produzir sua música, levanta a suspeita de que esse sistema o faça desta forma. Utiliza-se desses discursos
contrários aos seus objetivos, e a sua própria razão de existir, e os transforma em discurso corrente. Mas uma
coisa que não se pode deixar de afirmar, é a maneira como alguns discurso ganham notoriedade pela sua
substancialidade, e vendem ainda sem a aprovação do sistema. O "hec te nunc", a aura, propostas por
Benjamin, deixa de ser levada em conta, a partir do contexto tecnológico vigente: samplers, programas de
produção de músicas (letras e melodias), transposição do objeto artístico para um contexto impessoal com o
seu autor, pirataria, fuga da originalidade. Esses e outros elementos de nosso tempo, tendem a deslocar a obra
artística a um outro patamar de adoração, não mais aquele ao qual se viu preso no decorrer da história. A
música dada como pura, no universo do rock'n'roll, sempre esteve ligada a uma forma de concepção quase
que "artesanal". O rock básico, com bateria, contra-baixo e guitarra como instrumentos básicos. Elementos
como teclados, quando instituídos no universo rocker sofreram uma grande aversão por parte do público fiel
ao estilo. E a própria penetração de parafernália cada vez mais avançada traz, além de uma nova forma de
fazer rock, um novo consumidor, um novo indivíduo. Não se está falando, agora, de uma música que se fazia
presente através do contato banda, ou músico, com o público. Busca-se a interiorização desse novo som de
uma forma mais particularizada, vistas as possibilidades de apreensão estarem modificadas. A indústria da
música, e mesmo os seus autores, passam a trabalhar em busca da reconstrução de sons em cima do que já
existiu. Muitos programas de computação, samplers, e um conjunto variado de tecnologias transformam, a
cada dia, a forma de produzir "arte" musical, retirando o autor de sua posição paterna em relação ao produto,
sendo encaixado na condição de compilador de sucessos e fórmulas musicais. Sente-se bem isso quando é
mostrada a necessidade de renovação de um estilo musical que parece inerte em meio de um contexto
totalmente mutante. Raramente se vê aparecer nomes que tragam algo novo, ainda que o novo não descarta a
necessidade de possuir elementos já estandardizados. No final dos anos 80, por exemplo, o grupo norte-
americano Guns'n'Roses, trazia uma forma nova para o cenário rocker, injetando ânimo em todo o mundo nos
fãs desse estilo. Era um som com densidade em todos os instrumentos, mas que continha em sua essência,
uma melosidade garantida pela guitarra do guitarrista da banda Slash. O novo se apresentava, e a indústria
cultural já se apressava em busca de clones, que viessem a lhes garantir um aproveitamento maior da onda
trazida pelos garotos do Guns. Passados alguns anos, já no início dos anos 90, a banda volta a gravar dois
discos duplos, somando 40 músicas. Nesse momento, percebeu-se uma brusca alteração no som da banda,
voltando com uma tendência mais suave, principalmente com a adoção do teclado, e com a utilização de
muitos elementos como pedais e samplers. Os fãs da banda dividiram-se, e muitos declaram, ainda hoje, que a
melhor produção feita pelo conjunto fora o primeiro disco, que mantinha uma linha de concepção quase
experimentalista, mais presa às tradições do rock'n'roll. Em detrimento da qualidade musical, e da produção
de obras que detenham a "aura" proposta por Walter Benjamin, o mundo do rock vem se transformando,
entregando-se às novas tecnologias, e modificando sua roupagem a cada dia. O "pop" se apresenta como
tendência a superá-lo. Apresenta-se como um estilo alinhado às condições do homem pós-moderno, mais
flexível a mudanças. O U2, a banda irlandesa mais famosa do mundo, transformou seu fazer musical no
último disco, também intitulado "Pop", pretendendo mostra justamente isso. O mundo virou-se de vez para a
tecologia, e as mudanças que ela traz para o universo musical. Eles garantem que não abandonaram o bom e
velho rock'n'roll, mas custa a acreditar que, um dia, veremos surgir boas novidades como o foram os Beatles,
os Rolling Stones, e outros mais. Em suma, Adeus "hec te nunc".

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5. Idem. p. 13.

6. BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica. In.: LIMA, Luís Costa
(Org.). Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Saga, 1969. p. 210.

7. Idem. ibdem. p. 234. Sugestões de Leitura Livros e Textos: ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER,
Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

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