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Teorias da Comunicação Social

PRINCÍPIO, FIM E DILEMAS DOS


MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSAS

Introdução

Os meios de comunicação são parte integrante da vida das sociedades


contemporâneas. Hoje torna-se impossível imaginar alguém que não tenha acesso ao
rádio, à televisão, ao jornal. A própria Internet, surgida em 1969, está num crescente
processo de popularização. A informação passou a ser um gênero de primeira
necessidade e o processo de globalização cria vínculos de interdependência por todo
planeta, mediados pelos veículos de comunicação.
O cinema, com seus primórdios tímidos, configura-se hoje numa indústria de
largo alcance, com produções milionárias. O rádio, inicialmente criticado por ser “um
veículo sem privacidade”, transforma essa sua característica massiva e seu alcance
democrático no principal fator de expansão e aceitação. A televisão, com suas
características audiovisuais, converteu-se no principal instrumento de entretenimento
e informação da sociedade contemporânea. A Internet, em contínuo processo de
expansão, sela definitivamente aquilo que o canadense Marshall McLuhan, também
conhecido como “o profeta da era eletrônica”, denominou “aldeia global”.

Além de assentarem-se no centro da vida das pessoas, cada vez mais os temas
dos meios de comunicação são os assuntos sobre os quais discute a sociedade. E
discute também sobre a qualidade e os efeitos dos conteúdos que são veiculados.
Independentemente de gênero, posição social, idade ou nível cultural, o debate
envolve a todos e oscila entre a sedução e a rejeição. Incensada como bem supremo
ou tachada como usina de alienados, a televisão tem estado no centro desse debate,
não faltando especialistas para propor interpretações do fenômeno.

Situando a origem das teorias

A preocupação com a comunicação não é fenômeno recente. Basta retroceder ao mundo grego
para ali encontrar reflexões que buscam desvendar as implicações das artes da oratória e da retórica.
Aristóteles, na sua Retórica, caracteriza o ato comunicativo como atividade composta de três
elementos: a pessoa que fala, o discurso que faz e a pessoa que ouve, ou seja, locutor, discurso e
ouvinte. Esse é, aliás, o chamado “modelo zero” da comunicação, por ser o primeiro a buscar uma
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explicação para o processo da comunicação, embora pensado em termos de oralidade. Platão, em


Fedro, também manifesta suas apreensões com o aparecimento da escrita, alegando que ela iria
provocar a preguiça mental. A escrita, afirma ele, “tornará os homens mais esquecidos, pois que,
sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória”, explicando que “as pessoas confiarão nas
palavras escritas externamente, e não se lembrarão por elas próprias”. Também em Sétima Carta,
Platão verbera um escrito filosófico de Dionísio, assinalando que “nenhum homem razoável se
arriscará a confiar os seus pensamentos a este veículo, especialmente quando ele é tão rígido como o
são os caracteres escritos”.
No século XV, o invento da prensa de tipos móveis de Johannes Guttemberg acaba por impor a
cultura do livro, mas esse fato não traz ainda consigo um pensamento especulativo, teórico e reflexivo
sobre a comunicação. A leitura se propaga, o preço dos escritos cai vertiginosamente e a sociedade
ingressa em um novo patamar de conhecimentos. Embora se possa considerar a invenção da prensa
tipográfica um protótipo da comunicação de massas, por implicar uma produção em escala industrial,
a reflexão crítica sobre os processos de comunicação ainda não têm consistência. A posterior
passagem do livro para o jornal, com suas tiragens elevadas e seu caráter descartável –
características da cultura de massa – foi mais um passo nessa evolução, mas ainda não determinante
para a criação de teorias explicativas. Esse pensamento teórico-crítico e específico sobre o fazer
comunicativo e sobre os meios de comunicação toma forma no início de século XX e só se consolida
em meados daquele século, com a explosão dos meios de comunicação de massa e a conseqüente
formação da cultura de massas. Com o nascimento e consolidação do rádio e da TV, embalados e
nutridos pela publicidade, ocorre uma radical mudança do perfil da sociedade, surgem novas técnicas
e novas necessidades do uso da comunicação e, sobretudo, resulta numa consolidação da sociedade
de consumo e de novas configurações espaço-temporais. Estudos procuram compreender as
implicações sociais da propaganda, seu poder, suas mensagens, seus efeitos sobre os indivíduos. A
comunicação passa a ter crescente influência na vida das pessoas, permeando as relações através das
mediações e, em conseqüência, gerando a necessidade de estudos e pesquisas nessa área, como um
campo de conhecimento específico e autônomo. Surgem, então, as teorias, modelos, tendências da
pesquisa em comunicação. //

O nascimento de um século midiático

Desde seu aparecimento, os meios massivos encantaram os políticos, que viram


neles um instrumento todo-poderoso, capaz de difundir suas idéias e ajudá-los a
conquistar simpatizantes. A velocidade das novas tecnologias marcam a comunicação e
reduzem as distâncias. Os sonhos se realizam. Já não é impossível ter seus quinze
minutos de fama, como profetizou o artista plástico norte-americano Andy Warhol nos
anos sessenta.
Os meios de comunicação são fábricas que elaboram tantos produtos quanto
sejam os públicos consumidores. A mercadoria é variada: idéias, violência, sexo,
sentimentos, fantasias, mentiras, beleza, morbidez, criatividade...
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A reação instintiva foi um grito: parecia que o trem iria sair da tela e atropelá-
los. Entrando na estação, o trem fora filmado vindo na direção da câmera. Os
espectadores que estavam sentados num café do centro de Paris, assombrados,
levaram as mãos ao rosto para não ver, naqueles eternos segundos, essas imagens
aterradoras. Os irmãos Louis e Auguste Lumière se olharam, orgulhosos. Aqueles 33
pioneiros que se atreveram a participar daquele acontecimento não esqueceram jamais
esse novo mundo recheado de sensações.
A chegada do trem à estação de Ciotat, imagens que os irmãos Lumière
projetaram naquele dia de 1895, marcou o nascimento oficial do cinema, o invento que
revolucionou a sociedade do século XX e foi protagonista fundamental da história dos
meios de comunicação. Os irmãos Lumière procuravam captar o real, documentar e
mostrar cenas da vida tal como ela é. Novos passos dá o cinema com Georges Méliès:
“Se com os Lumière os cinema encontrou sua definição, com Georges Méliès ele
encontraria, logo a seguir, sua vocação”, afirma Inácio Araújo (1995, p. 11). Méliès
deu ao cinema uma nova dimensão: uma máquina capaz de criar sonhos, de
transformar em realidade visível as mirabolantes fantasias da mente humana,
modificando o tempo e o espaço.
Nos começos do século XX o mundo começava a acostumar-se às inovações
tecnológicas na área das comunicações. O telefone, patenteado por Graham Bell em
1876, começou a ser adotado nas casas aristocráticas e dependências oficiais.
Começavam a surgir os discos, rodados em gramofones. Nos primeiros anos do século
XX, os jornais, antes ao alcance apenas dos funcionários públicos, banqueiros e
homens de negócios, chegavam à crescente classe trabalhadora das cidades. Notícias
sobre esportes, crimes e variedades somavam informação, ao tempo em que
incorporavam fotografias e historietas. Nascia assim o jornalismo sensacionalista, cujo
benefício imediato foi um considerável aumento no número de leitores de jornais. A
comunicação se estendia por meio de filmes, telefones, discos e jornais e se tornava
cada vez mais complexa.
A comunicação de massa se impunha nas primeiras décadas do século. Com a
chegada do rádio, nos anos 20, a vida já não seria a mesma. O novo eletrodoméstico
ocupou um lugar central no lar. A família se congregava ao seu redor para ouvir os
seus programas favoritos ou para inteirar-se das últimas notícias. Informação,
entretenimento, poder: uma síntese do fenômeno que começava a ser motivo de
preocupação dos governos e objeto de estudo dos pesquisadores.
Nasciam as grandes empresas jornalísticas. Junto com a consolidação da
radiodifusão, se estabelecia a indústria cinematográfica. O cinema, mudo de início, foi
um êxito e um excelente transmissor de ideologia, que se reforçaria mais tarde com a
chegada do cinema sonoro. Dois exemplos bastam para mostrar a relação entre
cinema e ideologia: O nascimento de uma nação (1915), de David Griffith e O
encouraçado Potemkim (1925), de Serguei Eisenstein. Com o surgimento do rádio, o
cinema foi perdendo adeptos e, por fim, a produção cinematográfica começou a
decrescer. Em 1920 se realizaram 796 longa-metragens nos EUA; em 1925 esta cifra
baixou a 579 e cinco anos depois se produziram somente 509. Na Alemanha a queda
foi ainda maior, restando como exceção apenas a França, onde a produção aumentou.

Teoria Hipodérmica

No período entre as duas guerras mundiais se consolidaram o comunismo na


União Soviética, o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha – inimigos da
democracia e do liberalismo.
Entre 1938 e 1945 a Alemanha nazista produziu cerca de 1.100 filmes. O
ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, controlava todos os aspectos da produção
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comunicativa do regime, especialmente durante a guerra. No último ano do conflito


foram lançaram nada menos que 70 filmes.
Assustados com a manipulação que faziam os nazistas dos meios massivos, os
estudiosos norte-americanos inauguraram a Communication Research, ou seja, a
pesquisa sobre a comunicação.
No período entre guerras se consolidou nos Estados Unidos a Teoria
Hipodérmica, vinculada à ação da propaganda na sociedade e, de forma mais geral,
dos meios massivos de comunicação. Segundo essa teoria, as pessoas recebem dos
emissores todo-poderosos as mensagens sem opor-se nem reagir a elas. É como se
fossem “injetadas” nos receptores. Vivem em uma “sociedade de massas”. Os homens-
massa, elementos passivos – sustenta essa corrente – são facilmente manipuláveis e,
por conseguinte, os meios podem condicionar suas condutas.
Simultaneamente, nesses anos, se desenvolveram os primeiros estudos sobre
opinião pública. Em 1935 Horace Gallup, um professor de jornalismo, criou o instituto
de pesquisa que leva seu nome. Gallup buscava conhecer as opiniões das pessoas
sobre determinados temas (um produto, um fato político). Mas logo viu a possibilidade
de, através da persuasão (mediante avisos publicitários, campanhas propagandísticas,
etc.), gerar nos receptores determinadas opiniões e condutas.
Os políticos perceberam que o fenômeno da radiodifusão não devia limitar-se ao
entretenimento, e rapidamente o colocaram a seu serviço. Nos Estados Unidos,
Herbert Hoover venceu as eleições graças ao rádio. Seu sucessor, Franklin D.
Roosevelt, tratou de levantar o ânimo da população, abatida pela crise financeira e
pelo desemprego, com suas conversas diárias pelo rádio irradiadas a todo país.
Do outro lado do Atlântico, os regimes nazista de Adolf Hitler e fascista de
Benito Mussolini utilizavam o rádio para difundir suas longas mensagens aos mais
distantes rincões de seus domínios.
Em 1938, Orson Welles atemorizava os EUA com a emissão radiofônica, pela
CBS, de A Guerra dos Mundos, descrevendo em pormenores a invasão de
extraterrestres e espalhando pânico entre ouvintes atônitos.

Escola de Frankfurt – a Teoria Crítica de Walter Benjamin

Um grupo de intelectuais alemães, pertencente à Escola de Frankfurt – Max


Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin (mais tarde Jürgen
Habermas) – começou a refletir o novo modelo de sociedade que emergia com as
novas tecnologias.
Walter Benjamin inaugurou as reflexões sobre os meios de comunicação em seu
ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, incluído no livro
Discursos interrompidos, editado em 1936.
Com o cinema e o rádio em plena evolução, já vislumbrava os efeitos da técnica
na vida cotidiana e, sobretudo, nas artes, que iam perdendo seu antigo lugar de
privilégio para dar lugar à degradação que significavam os produtos culturais de
consumo massivo.
Por exemplo, o espaço reservado anteriormente para a pintura foi então
ocupado pela fotografia, a qual se reproduz sem limites até um ponto em que não se
sabe qual é o original e qual é a cópia. A Monalisa não pode ser reproduzida sem se
incorrer em plágio. É única. Mas as cópias circulam aos milhares, processadas e
reproduzidas tecnicamente, sem que se diferenciem umas das outras, gerando um
produto denominado kitsch. Kitsch é um produto de fabricação em série com
pretensões de ser arte, mas com meros objetivos de consumo. É hoje um conceito
vinculado ao mau gosto, à massificação de certos objetos pretensamente artísticos.
A autenticidade que a obra de arte irradia e sua dimensão de culto por seu
caráter único e artesanal – a que Benjamin denomina “aura” – se perde na
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reprodução. Essa luminosidade, essa dimensão mística que emana das obras-primas
por serem objetos únicos já não se encontra nas produções modernas, sustenta
Benjamin.
Benjamin também se preocupou com a degradação da cultura nesse momento
histórico, dominado pela técnica, e se perguntou sobre as causas das preferências do
público por filmes de Chaplin em vez dos quadros de Pablo Picasso.
Analisando o cinema, Benjamin dizia que o ator não tinha aura, porque sua
máxima aspiração era converter-se em estrela, cuja luminosidade não era própria,
mas emprestada pela maquinaria cinematográfica, pela publicidade e pela difusão em
rádio, jornais e revistas. Essa “estrela” de cinema, que se converte em uma
mercadoria a mais de uma sociedade tecnificada, é comparável à figura do ditador.
Benjamin afirmava que o auge do fascismo e a sociedade de massas eram
sintomas de uma era degradada em que a arte só constituía uma fonte de gratificação
para ser consumida, mas que bem podia servir de veículo de difusão do comunismo,
para conscientizar as massas.
Perseguido pelo nazismo, Benjamin foi retido na fronteira espanhola e cometeu
suicídio no início dos anos 40.

A Indústria Cultural

Em 1947, Adorno e Horkheimer publicaram a Dialética do Esclarecimento, um


dos livros fundamentais nascidos das reflexões do grupo de pensadores da Escola de
Frankfurt. O capítulo “A indústria cultural. Iluminismo como mistificação das massas”
resume seus questionamentos ante os meios de comunicação.
O termo “indústria cultural”, introduzido por eles, designa as produções dos
meios de comunicação (em especial o cinema e o rádio) que se massificam e
adquirem um caráter repetitivo e mercantilista, em contraposição às obras de arte. A
produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função da sua possibilidade de
consumo no mercado.
Adorno e Horkheimer usam o conceito de “indústria cultural” e não “cultura de
massas” para acentuar a “fabricação” da cultura por parte da classe dominante, em
oposição ao surgimento espontâneo, desde as massas, das manifestações artísticas.
As produções culturais em série são reproduções consumidas de maneira
uniforme por pessoas de qualquer lugar do mundo. Segundo eles, as imagens
publicitárias, televisivas e outras, em seu acúmulo acrítico, nos impedem de pensar.
Elas tudo convertem em entretenimento e mercadoria: guerras, genocídios, greves,
cerimônias religiosas, catástrofes naturais e das cidades, obras de arte, obras de
pensamento. Esse pensamento crítico foi enunciado mais de meio século antes da
consagração da palavra “globalização”.
O triunfo da sociedade industrial – afirmam – se reflete nos meios massivos. A
variedade de modelos e marcas de automóveis é comparável às distintas classes de
filmes e de gêneros, que abarcam todos os públicos.
O cinema é analisado minuciosamente e os questionamentos se multiplicam. As
tramas repetitivas, a falta de imaginação e criatividade, a violência são itens que se
repetem nos filmes, em que o espectador pode adivinhar como seguirá a história sem
muito esforço.
A passividade do espectador, semelhante à do ouvinte de rádio, está
relacionada com outra característica da indústria cultural: suas produções podem ser
consumidas (vistas, ouvidas) sem necessidade de uma grande atenção. A intenção é
que o espectador saia do cinema e não encontre diferenças entre a vida que transcorre
no filme e a vida que o rodeia na rua.
A indústria cultural, como oposição à arte de vanguarda, aplica as leis da oferta
e da procura para os bens que produz. O fim é a diversão das pessoas, bem como o
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negócio e o lucro dos donos das rádios e das produtoras cinematográficas. Exerce um
controle social (poder que se exerce sobre a população para manter o sistema)
buscando o conformismo dos cidadãos que são, por sua vez, empregados e clientes
dessa fábrica.
Nos filmes, a tragédia e o sexo, só para citar dois exemplos, estão banalizados
e se transformam no elemento primordial de evasão social. Segundo os pensadores
alemães, essa distração é incentivada “de cima”, desde o poder, para desviar a
atenção da sociedade de seus verdadeiros problemas.
Na Dialética do Esclarecimento, Horkheimer e Adorno analisam o uso que Hitler
fez do rádio para consolidar o regime nazista. Os discursos do Führer chegavam a cada
lar, a cada lugar de reunião, a cada povo longínquo da Alemanha cobertos de uma
aura mística. O jazz também é criticado com dureza porque, segundo os autores,
contribui para a vulgarização da música. Também questionam a difusão radiofônica da
música clássica porque ela perde seu valor de obra de arte: uma ópera não deve ser
reproduzida entre duas publicidades.

A hora da televisão

Em 1948, George Orwell escreve 1984, uma novela em que o autor imagina um
regime político, mescla de nazismo e estalinismo, que utiliza os meios de comunicação
para dominar a sociedade, controlada pelo olho do grande irmão, o big brother.
As primeiras emissões de televisão se desenvolvem de maneira experimental
nos EUA e Europa ao longo das décadas de 20 e 30, assumindo regularidade depois da
Segunda Guerra, quando as transmissões se intensificam, tomando um impulso
inusitado.
A distração massiva já não pertencia exclusivamente ao cinema e ao rádio: a
tela televisiva era o novo ímã que atraía toda a família. Um americano médio passava
aproximadamente três horas diante da tela, ao tempo em que se incrementava a
venda de aparelhos.
A irrupção da TV nos lares modificou os hábitos de vida da sociedade. Agora, a
tela passava a ser o centro das atenções. As séries televisivas surgiam em larga
escala. Adorno já então advertia sobre a mediocridade das mensagens televisivas, que
não faziam mais do que imobilizar a sociedade e neutralizar qualquer atitude crítica.
Essas mensagens – afirmava – estavam eivadas de estereótipos, que fomentavam
uma visão parcializada da realidade imediata do mundo (a mulher tinha que ser mãe e
dona de casa; os alemães, japoneses e comunistas eram maus; os negros não tinham
que ter os mesmos direitos dos brancos, etc.).
Isto ocorria num contexto marcado pela Guerra Fria, uma época em que os
combates diretos se transferiram para outros campos de batalha (espionagem,
conflitos em países periféricos, conflitos de informação, etc.). As emissoras de rádio de
ondas curtas, que tinham a particularidade de serem captadas a grandes distâncias, se
somaram a essa disputa ideológica. Os EUA criaram a estação “A Voz da América”,
encarregada de difundir programas que exaltavam o estilo de vida de seu país (o
american way of life). Por outro lado, a União Soviética instalou a Rádio Moscou,
difusora das políticas do Kremlin.
A associação de capitais norte-americanos com produtores locais imprimiu
grande desenvolvimento à televisão na América Latina (por exemplo, a Rede Globo,
associada ao grupo Time Life) o qual permitiu o apoio da nova tecnologia e sua
incorporação imediata por parte das classes mais privilegiadas da sociedade.

Morin e a cultura de massas


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O estabelecimento da televisão, o auge da cinematografia, a difusão da música


através do disco de vinil e a diversificação dos meios gráficos foram acontecimentos
que consolidaram definitivamente a cultura de massas. Frente à necessidade de
averiguar esse fenômeno, um grupo de pesquisadores franceses fundou, ao fim da
década de 50, o Centro de Estudos de Comunicação de Massas.
O crítico cinematográfico Edgar Morin, um dos mais destacados pensadores
desta escola, mergulhou, com o semiólogo Roland Barthes, no estudo das relações
entre cultura e meios de comunicação. Em 1957 publicou As estrelas do cinema, uma
análise sociológica acerca da importância dos grandes atores e atrizes
cinematográficos no mundo contemporâneo. No livro destaca, entre outros conceitos,
o valor das estrelas na indústria cultural. Afirma, por exemplo, que o descobrimento
da atriz Marilyn Monroe, em 1948, salvou Hollywood de uma crise terminal ante a
chegada avassaladora da televisão.
Em O espírito do tempo (1962), Morin desenvolve suas idéias sobre os meios de
comunicação numa cultura dominada cada vez mais pelas imagens. Esta nova cultura
visual – interpreta o autor - tende à velocidade e à instantaneidade. Há um discurso
novo que reelabora a realidade.
Morin faz uma nova leitura dos trabalhos da Escola de Frankfurt e redefine o
conceito de indústria cultural criado por aquela corrente marxista da qual ele se
considera herdeiro.
Para ele, o termo indústria cultural já não tem uma valoração negativa, mas
que encerra os processos de criação que culminam na produção de novas mensagens.
A arte mediante o uso da tecnologia, segundo ele, é possível: o cinema é o exemplo
mais contundente.
Além do mais, afirma que a cultura de massas não é a única cultura na
sociedade contemporânea, porém mais uma dentro de um universo complexo.
Para Morin, a cultura de massas bombardeia cada vez mais com mais produtos
a uma sociedade que não está preparada para receber tal quantidade de estímulos. Ao
colocar dessa maneira a incapacidade das pessoas em discernir entre as opções
oferecidas, descrê da teoria que sustenta que os meios de comunicação produzem uma
democratização na sociedade. Fala de “reações pavlovianas” das pessoas, em alusão à
experiência realizada pelo fisiólogo russo Iván Pavlov, sob os comportamentos
reflexos, ou seja, as respostas involuntárias ante um estímulo.
Afirma que os conteúdos da cultura de massa se adaptam ao homem médio
ideal criado pela opinião pública e pelos meios. Além do mais, fala de “sincretização”,
isto é, a tendência para a homogeneização dos conteúdos diversos, e põe como
exemplo a mistura de gêneros discursivos entre a informação e a ficção. Da união
entre ambos, surge uma nova forma de contar a realidade, mediante a qual o
jornalista entrelaça os dados de uma narração que se carrega de elementos
novelescos. Os casos típicos são os noticiários televisivos que “reconstroem” a notícia.
No jornalismo gráfico, esse gênero recebe o nome de não-ficção ou “novo jornalismo”.

Novo jornalismo e pop-art

O novo jornalismo foi uma das tantas inovações que a cultura e os meios de
comunicação trouxeram e experimentaram durante a década de 60 nos Estados
Unidos.
Com o estilo baseado na inclusão de diálogos, pensamentos do autor e
subjetividades impróprias da “objetividade jornalística” tradicional, esta corrente de
jornalistas enamorados da literatura e da informação revolucionou os jornais e revistas
com suas crônicas e levou os meios de comunicação a revitalizar seus conteúdos.
A Sangue Frio, de Truman Capote, pode ser considerada a pioneira das novelas
de não-ficção. Nela, o autor reconstrói a história verídica de uma família de um vilarejo
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do Texas que havia sido massacrada por dois jovens sem outras aspirações além de
conseguir dinheiro para viajar ao México.
Capote foi à vila em que se sucederam os fatos e entrevistou os protagonistas
com o propósito de escrever um artigo para a revista The New Yorker. Anos depois,
em 1965, publicou o livro com a investigação, num estilo sedutor. Essa tendência
dessacralizou a literatura, fundindo-a com o jornalismo, considerado por alguns
escritores como “um filho bastardo das letras”.
Da mesma forma, no campo das artes plásticas, a pop-art desmistificou a
produção artística incorporando-a à cultura de massas. Este movimento que se
desenvolveu nos anos 60 teve entre seus representantes mais criativos Roy
Lichtenstein e Andy Warhol. A irreverência e a apropriação de elementos da cultura de
massas foram duas características dessa corrente. A idéia era criar obras de arte por
meio de objetos de uso corrente e da publicidade. Esses objetos triviais dispostos
adequadamente atraíram a atenção do público, que viu neles uma “crítica do mundo
consumista”.

McLuhan e Eco, frente a frente

Marshall McLuhan, professor canadense de literatura e um dos mais lúcidos


pensadores das novas tecnologias, começou a interessar-se pelo mundo dos meios de
comunicação na década de 40. Em 1951 publicou seu primeiro livro, A noiva
mecânica: folclore do homem industrial, que passou despercebido entre os leitores e
pesquisadores dos fenômenos comunicacionais. Dez anos depois voltou à carga com a
publicação de A galáxia de Guttemberg: a criação do homem tipográfico. Num
ambiente mais sensibilizado e alerta, suas idéias causaram impacto tanto no público
quanto nos especialistas.
Segundo sua teoria, a era que havia começado em 1440 com a invenção da
imprensa de tipos móveis, criada pelo alemão Johannes Guttemberg, havia chegado ao
fim com o surgimento dos meios eletrônicos. Nesse novo fenômeno – sobretudo com a
aparição da televisão – McLuhan intuía o início de uma nova era nos meios de
comunicação, a qual chamou de “aldeia global”.
Quando apareceu o texto Os meios de comunicação como extensões do homem
(1964), ele já era um ensaísta reconhecido e, igualmente, criticado por suas posturas
polêmicas.
Segundo McLuhan, o surgimento dos meios massivos de comunicação,
especialmente a televisão, estava dando lugar a um novo tipo de indivíduo, que se
desprendia pouco a pouco da cultura baseada em livros e jornais para transformar-se
num ser conectado de maneira inevitável à tela da televisão. “Os homens criam as
ferramentas; as ferramentas, por sua vez, recriam os homens” afirma. A popularidade
e difusão da TV, as transmissões internacionais e os satélites de comunicação
transformaram o mapa do mundo. A instantaneidade informativa que conectava os
países havia sido imaginada algumas décadas antes. As imagens se converteram na
linguagem da nova época.
Neste novo universo das comunicações, McLuhan assinalou a existência de
meios “frios” e “quentes”. Um meio “frio” é aquele que requer muita participação do
público, que exige vários sentidos para que se compreenda a mensagem e provoca um
efeito de “alucinação” nos receptores. Por exemplo: o telefone, a comunicação oral.
Por outro lado, um meio “quente” necessita de pouca participação das pessoas: a
informação é completa e produz um estado de hipnose. Como exemplo colocava a
imprensa, a fotografia, o rádio, os filmes.
Os defensores de McLuhan assinalam que ele foi o primeiro a advertir que o
poder ilimitado dos meios podia ter conseqüências nefastas para a sociedade. Muito
criticado, o intelectual canadense não se calou: “Nossa cultura só aceita aqueles que
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se mantêm em posições fixas”, escreveu. “O que se move e vai além dos limites é um
delinqüente e um belicoso”.

Entre Apocalípticos e Integrados


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Em 1964, o mesmo ano em que McLuhan publicou Compreendendo os Meios,


um filósofo e semiólogo italiano com experiência em programas culturais da televisão
estatal de seu país, dedicado à docência universitária, publicou um livro com um
curioso título: Apocalípticos e Integrados.
Umberto Eco, que já havia editado Obra Aberta (1962), sacudiu o ambiente
cultural da Itália com seu segundo trabalho, que reúne uma série de ensaios sobre
distintos aspectos da cultura popular: o kitsch, as histórias em quadrinhos (Steve
Canyon, Superman, Charlie Brown), a canção popular e os meios audiovisuais.
Na introdução do livro, Eco define como “apocalíptico” a quem questiona os
novos meios de comunicação, tanto da direita quanto da esquerda. Pode ser um
“conservador amargo” ou um “progressista em tensão”.
O apocalíptico critica a “vulgarização” da cultura e a sua perda de hierarquia
como conseqüência das tecnologias de massa. Essa postura, a qual Eco caracteriza
também como “aristocrática”, remonta aos tempos em que a cultura era para uma
elite e se queixa da falsa democratização da produção artística que pregam os
defensores incondicionais das novas tecnologias, a quem Eco rotula de “integrados”.
Os integrados acreditam que a tecnologia a serviço da comunicação de massas
multiplicará o acesso das pessoas à cultura. São, segundo Eco, otimistas e acríticos,
que se negam a aceitar a teoria dos possíveis efeitos nocivos dos mass media. A
confiança nas virtudes dos meios é o eixo fundamental na concepção do integrado, que
não se questiona se a cultura de massas é um produto nascido e elaborado nas bases
populares ou se, na realidade, como dizem os críticos de esquerda, é um produto do
establishment, que não busca senão reafirmar os privilégios dos emissores de
mensagens.
Com esta concepção, Eco pensou e fez os estudiosos refletirem sobre a nova
realidade cultural que se estava gestando com a penetração dos meios de comunicação
nas diversas manifestações artísticas da década de 60. À massificação da televisão se
somava o auge do rock and roll, com The Beatles e The Rolling´s Stones; os
movimentos das minorias que reclamavam distintas liberdades (políticas, sexuais,
raciais); o nascimento do movimento hippie, com sua mensagem de “paz e amor”; e a
modificação radical de costumes e condutas, sobretudo entre os jovens.
Estas novas pautas se difundiram rapidamente nas sociedades ocidentais mais
desenvolvidas, especialmente nos Estados Unidos, onde surgiram vários fenômenos de
massa que entrariam para a história: os beatniks, um movimento social e cultural que
estabeleceu novas propostas estéticas; o movimento hippie, nascido para protestar
contra o recrutamento de jovens americanos enviados ao Vietnã; o ativismo da
minoria negra, reclamando seus direitos.
Herbert Marcuse, companheiro de jornada de Benjamin, Adorno e Horkheimer
na Escola de Frankfurt, radicado nos Estados Unidos, publicou, em 1964, a obra O
Homem Unidimensional, onde defende que o avanço do capitalismo criou uma
sociedade dominada pelo consumo e a passividade.
Segundo a teoria de Marcuse, o homem se debate entre duas dimensões: por
um lado, a assimilação das normas sociais e, por outro, a possibilidade de impugnar
essa mesma sociedade. A resolução deste conflito é a construção da liberdade
humana. Mas, segundo ele, o capitalismo consumista reduziu o homem moderno a
uma unidimensionalidade: o único caminho possível é a adaptação.
Desse sistema, insiste, surge um homem sem capacidade de reação ante as
injustiças, com um pensamento submisso ao poder, que o isola e o anula.
Essa característica da sociedade moderna, segundo Marcuse, não só transforma
o indivíduo de classe média, mas também o operário, que se vão integrando à nova
forma de vida estimulada pelos meios massivos de comunicação.
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A televisão, o rádio e o cinema são parte da maquinaria empregada pela


sociedade industrial avançada para sufocar qualquer crítica. Agora, o patrão e o
trabalhador desfrutam dos mesmos programas de TV, olham os mesmos filmes e se
informam pelos mesmos jornais.
Eco adverte que a postura “apocalíptica” de Marcuse nega a capacidade de
reação das pessoas ante as mensagens e não considera a capacidade de reflexão dos
indivíduos sobre os conteúdos recebidos através dos meios massivos.
As mensagens divulgadas pelos meios massivos não geram inevitavelmente um
homem unidimensional, afirma Eco. A capacidade dos destinatários é ampla. Alguns
podem entregar-se ao consumo massivo sem nenhuma reação, mas outros têm as
ferramentas para rechaçar o bombardeio oficial. Propõe explorar as contradições do
sistema com práticas alternativas de comunicação.

O meio é a mensagem?

Com a fama obtida graças a seus livros anteriores, McLuhan voltou a inquietar
os âmbitos acadêmicos e publicou O meio é a mensagem – um inventário de efeitos
(1967), em que advoga a sua teoria a partir da frase do título: “o meio é a
mensagem”.
McLuhan, um amante dos jogos de palavras e de aforismos, colocou em ação
nessa nova obra a sua imaginação. O termo inglês para “mensagem” é massage, que,
por sua vez, encerra outras duas palavras, mass (massivo) e age (idade).
Ao afirmar que “o meio é a mensagem”, diz que não importa o que se diz, mas
de onde se faz o discurso. Sempre prevalecerá a forma sobre o conteúdo. Estabelece
que “meio” é qualquer uma das novas tecnologias comunicacionais. Considera que os
elementos técnicos constituem extensões do corpo humano – como se fossem
próteses. Assim, o telefone seria a extensão da orelha e da boca, os veículos
automotores seriam extensões das pernas e as telas televisivas a extensão dos olhos.
Além do mais, amplia o conceito de “mensagem”. Para ele, ela é mais do que a
informação propriamente dita; está vinculada à transformação que produz esse meio
na sociedade moderna, caracterizada pelo consumo de todo tipo de produtos. Eco, no
ensaio Para uma guerrilha semiológica (1967), questiona a afirmação de McLuhan e
critica que confunda o termo “meio” com outros componentes da comunicação como o
canal (o telefone) pelo qual circula a mensagem ou o código (idioma) que se emprega
entre os participantes.
Umberto Eco reivindica o poder das pessoas para “decodificar” de maneira
diferente as mensagens que recebem. Coloca o exemplo de um chefe canibal que
numa história em quadrinhos encontra um relógio de mesa e o coloca no colo. Assim
como o indígena dá ao relógio uma função que não é a habitual (não é melhor nem
pior), também as pessoas recebem as mensagens de diferentes maneiras. “O meio não
é a mensagem, mas a mensagem depende do código”, sustenta Eco.
Para alcançar uma “recepção crítica”, Eco propõe uma estratégia de “guerrilha”
que atue em relação aos meios massivos. Para o semiólogo italiano, a batalha não se
deve dar onde se origina a mensagem, mas no espaço dos receptores.

Contra o Pato Donald

Na década de 60, os meios massivos de comunicação começaram a ser


analisados de maneira global, a partir de diferentes disciplinas das ciências sociais.
Sociólogos, semiólogos, antropólogos, psicólogos e filósofos se atreveram a lançar
proposições acerca da influência da TV, do cinema, da música e do rádio na vida das
pessoas e da sociedade como um todo.
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Os estudos que se difundiram desde os países centrais eram realizados pelos


pesquisadores dessas nações e chegavam à América Latina com bastante atraso. E as
realidades que se viviam nos países subdesenvolvidos eram muito diferentes das dos
Estados Unidos, Europa ou URSS.
Enquanto várias colônias africanas como Gana, Somália, Zaire e Guiné
Equatorial, entre outras, consolidavam sua independência depois de décadas de
ocupação colonial, a América Latina assistia o fortalecimento de um poder militar que
suplantava os frágeis regimes democráticos da maioria das nações da região.
A Argentina intercalava governos eleitos pelo voto popular com ditaduras. No
Brasil, depois do golpe militar de 1964, se perpetuava um sistema de opressão. As
Forças Armadas do Uruguai se encaminhavam para um controle total da
administração. No Chile, a chegada ao poder do socialista Salvador Allende, em 1970,
provocou uma reação do establishment político e econômico, apoiado pelos EUA, que
culminou, três anos depois, com a intervenção militar do general Augusto Pinochet.
Nesse contexto, o escritor chileno Ariel Dorfman publicou, em parceria como
pesquisador belga Armand Mattelart, Para ler o Pato Donald (1972), um livro
fundamental para compreender a comunicação desde uma perspectiva distanciada da
postura do Primeiro Mundo.
Com um pensamento próximo aos herdeiros da Escola de Frankfurt, Dorfman e
Mattelart propuseram em seu livro uma leitura “não-ingênua” das histórias de Walt
Disney, à luz de uma visão comprometida com a realidade latino-americana.
Os autores destroem o mito da “ingenuidade” e da “ausência de ideologia” dos
quadrinhos importados dos EUA e consumidos por milhões de leitores em todo mundo.
Denunciam o “imperialismo cultural” subjacente nas mensagens envoltas em uma
atmosfera agradável para as crianças (personificação de animais, histórias de viagens
e aventuras, simplicidade dos relatos). Na família de Donald não existem os pais: as
relações de parentesco que se estabelecem são de tio-sobrinho. Essa falta de uma
família gera outra ausência: não há amor de pais para com os filhos, e vice-versa. Sem
casamentos, tampouco há nascimentos. É difícil falar de sexo com as crianças, mas
mais complicado ainda é inventar um mundo onde não se estabelecem relações entre
homens e mulheres.
A competição, a violência e o afã de lucro predominam nos vínculos dos
personagens com o resto dos habitantes da “Patolândia” e entre eles próprios. A
solidariedade e o respeito pelo próximo são valores que não aparecem nas histórias.
Os protagonistas dos quadrinhos se convertem em representantes do poder e em
donos do saber. Assim como os EUA são a potência dominante na América Latina, o
Pato Donald e seus sobrinhos são os heróis que vencem em “Aztecland” (México),
“Instaveistão” (Vietnã) ou “São Bananador” (qualquer país do Caribe, em especial
Cuba).
Os personagens visitam países cujos habitantes representam os estereótipos
difundidos pelo “imperialismo”: os africanos e os asiáticos vivem como em séculos
passados, subjugados por terríveis guerreiros e repletos de tesouros que escondem e
dos quais não sabem extrair lucros. Nos povos latino-americanos, os homens são
preguiçosos, sem muitas idéias, facilmente enganáveis e necessitados de um
“estrangeiro” que ponha ordem em suas sociedades.
Anos mais tarde, Mattelart aprofundou suas pesquisas com obras como A
comunicação massiva no processo de libertação e Multinacionais e sistemas de
comunicação. Em Agressão desde o espaço: cultura e napalm na era dos satélites faz
alusão às “armas” que possuem os EUA para difundir seu pensamento ao Terceiro
Mundo: a “cultura de massas” e o “napalm”, um elemento químico que integrava as
bombas que se utilizaram no final da Segunda Guerra e que se fizeram tristemente
célebres no Vietnã (1965-1975).
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Mattelart retoma o conceito de “fetiche”, cunhado pela Escola de Frankfurt, para


associá-lo aos meios de comunicação. Como em algumas civilizações nativas, o
capitalismo rende culto a novos “fetiches” – a TV, o rádio, o cinema, a imprensa. Esses
são, segundo Mattelart, uma forma moderna de colonização.
Essa visão de colonialismo se choca com aqueles que sustentam a
“neutralidade” dos meios e o “fim das ideologias”. Segundo os integrados, agora ricos
e pobres, habitantes do Primeiro e do Terceiro Mundo, colonos ou citadinos podem
desfrutar dos mesmos produtos.
A anulação dos conflitos sociais leva a uma concepção “a-histórica” da
realidade. Não se tem em conta o passado, só importa o futuro, e esse futuro será
possível graças às novas tecnologias, afirmam os apologistas deslumbrados aos quais
Mattelart censura.

O império da imagem

Nascida nos começos da Segunda Guerra Mundial, a expansão da televisão teve


de esperar umas três décadas – sobretudo até aparecer a imagem em cores em fins
dos anos 60 (em 72 no Brasil) – para desbancar o rádio na preferência das pessoas.
Diminuiu drasticamente o número daqueles que se contentavam em ouvir a partida de
futebol através de um relato longínquo, que os obrigava a seguir cada jogada com a
imaginação. Embora a aparição do walkman, em 1979, pudesse fazer supor que
haveria um renascimento do rádio, especialmente entre os jovens, a força arrasadora
da imagem televisiva, aguçada com a expansão do vídeo e, mais tarde, pela TV a
cabo, se impôs de forma impossível de conter.

TV: a máquina do simulacro

A sociedade moderna encontra-se imersa na cultura audiovisual, dela


absorvendo formas de expressão, enunciados, valores, ideologias e informações.
Echeverría fala da criação, a partir da TV, de uma nova forma social:
A segunda metade do século XX está dando lugar à aparição de uma nova
forma de coexistência entre os seres humanos, que já não está baseada na
concentração de grandes massas de população em um território mais ou menos
extenso, mas em sua dispersão geográfica. Apesar dessa disseminação
territorial, os laços cidadãos vão sendo suficientemente estreitados para que se
possa falar de uma nova forma de polis, a cidade a distância, a que chamamos
telépolis. (ECHEVERRÍA, Javier. Telépolis. Barcelona: Destino, 1994, p. 18,19).
Essa nova telépolis é a redefinição do espaço social: introduz novas formas de
contigüidade que não correspondem à proximidade do espaço físico, mas que se
baseiam na nova materialidade alcançada pelo imaginário. É uma contigüidade
imaginária, da imagem compartilhada. Essa nova cidade redefine o público e o privado,
confundindo-os e acabando por globalizar a existência humana ao fazer de todos os
habitantes do planeta vizinhos próximos.
A televisão, com seu poder de registrar e difundir acontecimentos enquanto
estão ocorrendo, instaurou a simultaneidade dos processos sociais. Sua tecnologia está
dedicada a difundir e amplificar – quase ao mesmo tempo em que se produzem – e dar
transcendência aos acontecimentos particulares.
A modificação coincide com uma transformação profunda do paradigma cultural
dominante em nossas sociedades, que corresponde a uma modificação na utilização do
tempo: o predomínio da atualidade.
Régis Debray (Vida e morte da imagem. Barcelona: Paidós, 1994) destaca três
etapas na história recente da humanidade, dependendo do meio de comunicação (e
meio cultural) privilegiado: a logosfera – domínio da palavra, que instaura uma
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concepção de tempo baseada na eternidade (a repetição, a duração e o ritual); a


grafosfera - domínio da escritura, que introduz a idéia da imortalidade (a tradição); e
a videosfera – o domínio da imagem eletrônica e da televisão, que favorece a
atualidade (a inovação).
Na videosfera, através da TV, conhecem-se - ou tende-se a conhecer - os fatos
diretamente. Os cidadãos têm a sensação de estar permanentemente em contato com
a realidade presente. Os media instauram o conceito de atualidade que não é só uma
categoria temporal, mas valorativa, qualitativa, que aparece. São entrevistas quentes
com personalidades célebres ou anônimas, pobres em conteúdo ou ricas em efeito de
realidade, afirma Lipovetsky. Na hipermediatização, o essencial é produzir a vertigem
de “ver tudo” o mais rapidamente possível, como se fosse possível abolir a distância
entre os fatos e suas representações, como se bastasse acelerar o ritmo da informação
para compreender melhor a história no momento em que se produz; a partir de agora,
a lógica da comunicação se impõe à da informação, o imperativo é o efeito de
presença, de hiper-realidade e de imediatez. (LIPOVETSKY, G. O crepúsculo do dever:
a ética indolor dos novos tempos democráticos. Paris: Gallimard, 1992.)
O tempo das sociedades tradicionais, a duração que assegurava a sedimentação
das ações, desaparece com a aceleração, com a compulsão de simultaneidade que
proporciona a televisão. Tudo se faz um imenso presente. O cenário televisivo é o da
atualização – de um presente estendido. O que conta é a reação instantânea de um
novo sujeito que se apropria do panorama social: a opinião pública.
A grande conseqüência do surgimento e popularização da televisão é a
expansão do número de relações sociais vicárias e o enfraquecimento das relações
sociais efetivas. Os indivíduos da era televisiva mantêm cada vez mais relações
imaginárias com heróis, personagens e protagonistas do presente mostrados pela
televisão, e cada vez menos - ou pelo menos mais superficiais e débeis – com
indivíduos reais de carne e osso com os quais tenham contato direto. A mesma
volatilização do espaço real que se constata em virtude da amplitude da tecnologia
televisiva e a mesma conversão da duração temporal num presente estendido se
verificam, ainda que de outro modo, no campo das relações sociais.
Como conseqüência do caráter centralizado da tecnologia televisiva, o meio se
converte em um amplificador extraordinário das ações de uns poucos indivíduos que
podem chegar a influir em um número cada vez maior de cidadãos.
O impacto dos modelos propostos pela televisão – cada vez mais difundidos e
repetidos – tendem a homogeneizar o comportamento dos indivíduos e, em
conseqüência, criar fôrmas, banais e estereotipadas, para a conduta, a estética e a
sensibilidade social.

Nova cultura a partir da comunicação

O latino-americano Jesús Martín-Barbero revaloriza a cultura popular (o


folhetim, o circo, o melodrama e as telenovelas) e critica os teóricos que sustentam
que as pessoas reagem de maneira passiva ante os discursos dos meios. Estudioso dos
fenômenos culturais e comunicacionais, adverte sobre a incidência da televisão na vida
familiar e nas relações sociais. Fala de TV-foco, porque todos os integrantes da família
olham para ela, sem falar entre si. É uma luz que monopoliza a atenção. O aparelho de
TV leva as famílias a reunir-se diante da tela numa reclusão de vida que descarta toda
participação social. O ócio e o descanso são “privatizados”. A televisão e o
videocassete levaram a diversão ao living da casa, com o que se aumentou o
isolamento familiar e social. No livro De los medios a las mediaciones, analisa as
articulações que se estabelecem entre as práticas de comunicação e os movimentos
sociais, considerando as mediações do contexto cultural dos receptores. Ele conceitua
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mediação como a instância “desde onde” o público dos meios produz e se apropria do
significado e do sentido do processo comunicativo.
Segundo Barbero, é preciso levar em conta a realidade cultural complexa, a
“mestiçagem”, quando se analisam práticas e expressões culturais, inclusive estudos
de telenovelas. Sustenta que telenovelas podem ser recebidas diferentemente se a
recepção se dá na Dinamarca ou no Brasil, porque a competência de decodificação é
diferente nesses dois países.
Afirma ainda que devemos estender o estudo da comunicação para além dos
meios. O importante é deslocar-se para o cotidiano e aí estudar como as pessoas se
comunicam. Diz que é necessário estudar “os processos de comunicação que
acontecem na praça, no mercado, no cemitério, nas festas, nos ritos religiosos...”.
Defende a necessidade de uma teoria que não se restrinja ao problema da informação
(pois a informação já se tornou capital, mercadoria). Segundo ele, se analisarmos os
processos comunicativos numa festa, num baile, num sacramento religioso, fica difícil
explicitar o emissor, o receptor, a mensagem. O comunicacional nestas práticas vai
muito além das explicações da teoria da informação. “Falar de comunicação é falar de
práticas sociais e se quisermos responder a todas as perguntas devemos repensar a
comunicação desde estas práticas”. No pensar de Barbero, a cultura constitui-se no
lugar privilegiado desde o qual se pode interpretar os fenômenos e processos de
comunicação.
Para o francês Jean-François Lyotard, a idéia de realidade está no entrecruzar
das múltiplas imagens, interpretações e reconstruções que chegam aos meios e,
através deles, ao público. Isso gera o que ele denomina de “estranhamento”.
Estranhamento é, por exemplo, perceber que minha não é a única língua, mas um
dialeto entre outros. Viver nesse mundo múltiplo significa experimentar a liberdade
como oscilação contínua entre o “pertencer” e o “estranhamento”.
David Harvey fala, nesse contexto de pós-modernidade, na transformação de
conceitos. Cita como exemplo as atuais formas imateriais de dinheiro. Aplica-se na
bolsa de valores de Nova Iorque e, utilizando da rapidez e da imaterialização das
novas tecnologias, esse mesmo dinheiro pode ser transferido para o Japão – sem ir
para lá. É dinheiro virtual. É a passagem do ouro ao papel, do papel ao magnético, do
magnético ao imaterial - que representa uma mudança no conceito de tempo-espaço-
materialidade.
Nestor Garcia Canclini, antropólogo mexicano, fala do nosso tempo como o
tempo das culturas híbridas: são culturas que trazem a noção de tradição, do nativo,
do que nasceu no local, e também a noção do colonizador, aquele que veio de fora.
São culturas que trabalham nas fronteiras das diferenças, pois não possuem mais a
tradição e tampouco têm a cultura do colonizador. Está presente o mercado global de
estilos, lugares e imagens, viagens internacionais, imagens de mídia e sistemas de
comunicação globalmente interligados. Migrações, mudanças nas forças de trabalho,
adaptação do imigrante ao processo de produção urbano tecem um novo cotidiano.
Assim, as identidades se tornam desvinculadas – ou desalojadas – de tempos, lugares,
histórias e tradições e parecem flutuar livremente (Stuart Hall). Valores, desejos estão
em permanente mudança - pela velocidade – criando instabilidade de sentidos. É uma
nova complexidade.
Há, nos estudos recentes, uma revalorização do receptor. Reafirma-se a
capacidade de ouvintes, telespectadores e leitores analisarem as mensagens que
recebem dos meios massivos de comunicação e criar suas próprias idéias. Sepulta-se,
definitivamente, a Teoria Hipodérmica, que defendia a onipotência dos meios e sua
capacidade para “injetar” qualquer discurso na sociedade.

Da paleotelevisão à neotelevisão
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No início dos anos 80, Umberto Eco advertiu que a televisão em seu país e, em
geral, na Europa, estava mudando. O surgimento das cadeias privadas foi um fator
determinante neste novo rumo que tomou o meio. A prolixidade, a moderação e até a
calma dos programas começou a sumir das telas para dar lugar a uma outra vida
dentro dos estúdios: desordenada, desmedida e provocativa.
Com talento criativo, Eco usa o prefixo “paleo”, que significa “velho”, “antigo”,
para dar idéia de uma TV fora de moda, da era paleolítica, ou seja, da idade da pedra.
Caracteriza-a de “paleotelevisão”. Esta, segundo ele, deu lugar à “neotelevisão”.
Num artigo sob o título “TV: a transparência perdida”, Eco analisa em
profundidade as transformações produzidas no meio, seu alcance e o papel dos
telespectadores, cujas vidas se transformam devido ao novo modo de relacionar-se
com as emissões e seus conteúdos.
A paleotelevisão se caracteriza por sua inocência e pela cobertura formal de
uma notícia. Não há palavrões e poucos escândalos, porque as mensagens sofrem o
rigor da censura. Está pensada para um público ideal, feliz, que depois de sua jornada
de trabalho encontra distração na tela. Os personagens que desfilam pela “janela
mágica” são poucos e conhecidos: apresentadores, animadores, atores, jornalistas.
A neotelevisão, ao contrário, é produto das novas tecnologias e da privatização
dos canais. É auto-referencial, a saber, fala de si mesma e não do exterior. O
espectador se reconhece nela e perde a “transparência” do contato com o mundo. Os
personagens que participam deste novo estilo são muitos, mas sua transcendência é
efêmera. Irrompem na tela vencedores de concursos que têm uma imagem televisiva,
vizinhos de um bairro que buscam a câmara para aparecer no noticiário de maior
audiência, comentaristas que se exaltam para falar de temas que desconhecem. A
neotelevisão os reúne e os faz participar da festa. Nela se atua como se a censura não
existisse. Os apresentadores abandonam a linguagem bonita e buscam “falar como o
povo”.
Essa nova televisão fala de si mesma e de sua relação com o público. O
surgimento do controle remoto instaurou um novo hábito que espanta os produtores: o
zapping.
A antiga televisão buscava alimentar e manter o mito. Não se podiam ver os
microfones “girafa”, as câmeras e os operadores e cinegrafistas. Na neotelevisão, é
tudo ao contrário.
Antes, os aplausos eram estimulados por meio de cartazes que os
colaboradores do programa mostravam ao público sentado na platéia. Tudo devia
parecer natural, ainda que os espectadores soubessem dos truques. Agora, as salvas
de palmas e os gritos são pedidos pelo próprio apresentador.
Realidade, fantasia e ficção já não são claramente distinguidos na programação.
Segundo Eco, essa interrelação dos gêneros é parte da neotelevisão. Nos programas
de entretenimento já não há somente concursos, mas também se debate a situação do
país. A verdade se mescla com a ficção. O que na paleotelevisão era um sacrilégio, na
neotelevisão se converte em hábito.

A Hipótese do Agenda Setting

Já na década de 70, novos olhares se lançaram sobre a relação da sociedade


com os meios de comunicação de massas. A evidência das influências dos veículos de
comunicação sobre o cotidiano das pessoas levou a uma conclusão: as pessoas
agendam seus assuntos e suas conversas em função do que a mídia veicula. É o que
sustenta a hipótese do Agenda Setting. Essa hipótese foi desenvolvida pelos teóricos
americanos Malcolm McCombs e Donald Shaw. O conceito que a fundamenta
determina que os meios de comunicação de massas, pelo simples fato de prestarem
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atenção a certos acontecimentos e ignorarem outros, produzem efeitos sobre as


pessoas que os consomem. Ou seja, a mídia, pela seleção, disposição e incidência de
suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará ou discutirá. A
agenda dos meios transforma-se na agenda pública.
Segundo esses estudos, a mídia, ao nos impor um menu seletivo de
informações como sendo “o que aconteceu”, impede que outros temas sejam
conhecidos e, portanto, comentados. Ao decretar seu desconhecimento pela sociedade,
condena-os à inexistência social.
Fixar a agenda é fixar o calendário dos acontecimentos, é dizer o que é
importante e o que não é, é chamar a atenção sobre um certo problema, é destacar
um assunto, é criar o clima no qual será recebida a informação. É fixar não só o que
vai ser discutido, mas como e por quem.
O Agenda Setting constitui, na verdade, um problema de representação do real.
Cada vez mais, o grande público que vive nas sociedades industrializadas deixou de ter
contato com importantes fatias da realidade, ficando por isso dependente da mediação
exercida pelos meios de comunicação de massas. A comunicação social transformou-se
numa espécie de extensão cognitiva do homem, um pouco na linha do que havia sido
preconizado por McLuhan. O seu efeito de agendamento parece refletir-se, a um
primeiro nível, na definição do que constitui ou não um tema da atualidade. A um
segundo nível, o Agenda Setting vai ainda mais longe, ao estabelecer a própria
hierarquia e prioridade dos temas. Ou seja, são os meios de comunicação de massas
que determinam, por exemplo, que o meio ambiente é um tema da atualidade, cuja
importância só é ultrapassada pelo ataque às torres gêmeas do World Trade Center e
pelo problema do Afeganistão pós-massacre.
Essas definições levam, no entanto, a subestimar-se o valor do próprio real,
algo que pesquisas posteriores vieram a verificar. Um estudo sobre eleições
dinamarquesas, publicado em 1975, constatou que, em determinadas circunstâncias, a
agenda estabelecida pelos meios de comunicação de massas é diferente da agenda do
público. Os investigadores notaram que, apesar de a comunicação social ter ignorado
durante a campanha temas como a política de habitação e de ambiente, essas
questões eram consideradas prioritárias pelo eleitorado. Neste caso, o público
valorizou sua percepção do real, em detrimento da percepção que lhe era transmitida
pela imprensa, rádio e televisão. Na verdade, verificou-se que a dependência do
público em relação aos meios de comunicação de massas é inversamente proporcional
ao seu conhecimento direto de um determinado tema. Assim, ninguém necessita de ler
jornais para perceber que o pão está mais caro, mas todos precisam ligar a televisão
para saber que houve um atentado em Nova Iorque. O pão constitui uma realidade
imediata, enquanto Nova Iorque é uma realidade midiática. Nessa mesma linha de
pensamento situa-se o recente caso venezuelano, onde as grandes redes de
comunicação do país se esmeraram no ataque a Hugo Chávez que, no entanto, se
sobrepôs ao massacre midiático, obtendo da população, via plebiscito, o aval para o
seu governo.
Seja como for, a generalidade dos estudos demonstra que os temas abordados
pelos jornais são os mesmos que o público considera prioritários. Isto talvez se deva,
em grande parte, ao poder de agendamento dos meios de comunicação de massas,
mas também, de algum modo, à capacidade dos jornalistas em perceber quais são as
questões que interessam ao seu público. Esta relação parece ser dinâmica, sugerindo
que, em certos casos, é a comunicação social que chama atenção para um problema e,
noutros, é o público que, pela violência da sua reação a uma determinada política,
atrai a atenção dos jornalistas.
O Agenda Setting faz, de algum modo, regressar a noção de que os meios de
comunicação de massas exercem uma grande influência sobre a população. Mas este
conceito já não é enunciado nos termos de uma grande manipulação conspirativa,
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sendo antes resultado da própria natureza da comunicação social. Os seus efeitos não
são imediatos e controlados, mas algo imprevisíveis e a longo prazo.

A Espiral do Silêncio

Em 1974, uma socióloga alemã de nome Elisabeth Noelle-Neumann propôs o


modelo que se denominou “espiral do silêncio”. O ponto de partida da análise da
professora alemã é o medo inato das pessoas em geral de se encontrarem isoladas em
seus comportamentos, atitudes e opiniões. Esse medo do isolamento social faz com
que as pessoas tendencialmente evitem expressar opiniões que não coincidam com a
opinião dominante. Esse silêncio tendencial é possível porque, sustenta Noelle-
Neumann, os agentes sociais têm aguda percepção de qual é a opinião dominante, que
seria, em grande parte, imposta pelos meios de comunicação. Resumindo, há uma
tendência ao silêncio quando o indivíduo, por medo de isolamento, não expressa sua
opinião quando ela é minoritária. Assim, a tendência de um grupo em manifestar suas
opiniões e de outro em calar-se desencadeia um processo em espiral que estabelece,
de maneira crescente, uma opinião como prevalecente. Quando alguém pertence, ou
julga pertencer, a um movimento de opinião minoritário, então terá tendência para
não exprimir o seu pensamento, por recear o isolamento. É nesse processo que
emerge a espiral do silêncio, um círculo vicioso que distorce a imagem da realidade e
desacredita qualquer definição de opinião pública. O que é maioria fica “cada vez mais
maioria”, sufocando os tímidos calados das minorias.

A nova leitura que vem dos britânicos

Mudando de país, podemos viajar para a terra dos lordes e descobrir ali um
centro de estudos revolucionário – no bom sentido. Em 1957 alguns teóricos britânicos
juntaram-se em torno do Centro para Estudos Culturais Contemporâneos da
Universidade de Birmingham, na Inglaterra, para fundar uma nova corrente crítica
denominada Cultural Studies. Tinha como principais nomes Richard Hoggart, Stuart
Hall, E.P. Thompson e, sobretudo, Raymond Williams.
Seus estudos, na década de 60, vão em duas direções: 1. Análise do papel dos
meios de comunicação (sobretudo a televisão) como lugar de produção da cultura
contemporânea; 2. Análise da audiência e dos contextos de recepção (marcados pelas
relações familiares, de gênero, etc.).
No centro de Birmingham, a comunicação emergiu como um processo primordial,
porque é através dela que, segundo os intelectuais ingleses, se torna possível
interpretar a sociedade. Williams sublinhava a importância da cultura no estudo das
comunicações e que a teoria das comunicações era uma evolução necessária para
poder compreender as relações entre os indivíduos e a sociedade.
Rompem com o senso comum de que o telespectador é passivo diante do poder
“diabólico” dos meios massivos. Substituem esse conceito por audiências plurais,
consideram a recepção como o lugar onde ocorrem a negociação e a produção de
sentido.
Com Stuart Hall surge a idéia da “recepção negociada”. A “recepção negociada”
supõe que os receptores decodificam as mensagens, modificando os significados
preferenciais de acordo com seus interesses e práticas culturais. Alguns autores
afirmam que a negociação se tornou a categoria principal da análise da recepção dos
meios de comunicação, porque esse modelo leva em conta as práticas mais
freqüentes, entre a recusa e a aceitação completa. Segundo essa visão, um grupo
social negocia sua recepção a partir de sua cultura própria, com o que ela tem de
memória social específica, de conhecimentos armazenados, de grandes expectativas,
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de recursos simbólicos. Da mesma forma, os indivíduos realizam negociações entre o


que vêem na televisão ou na página impressa e o que carregam em si mesmos por
causa de sua história pessoal ou da situação em que se encontram.
Dessa forma, o emissor não é onipotente, nem o receptor mero depositário de
mensagens dos outros. Há, nos Estudos Culturais, uma valorização da competência
comunicativa dos receptores e há um papel fundamental atribuído à cultura para o
estudo da comunicação. Sendo o receptor ativo, as leituras e interpretações não são
homogêneas, havendo variações de interesses e de produção de sentido diante de uma
mesma mensagem. O sentido não é imposto, mas negociado.

Foco na Cultura
Estudos Culturais são uma crítica especificamente britânica da cultura
contemporânea dentro do marxismo ocidental. Após o fim da Segunda Guerra, havia
um olhar, tanto nos EUA quanto entre os britânicos, sobre a volta de uma economia de
paz e a conseqüente expansão da sociedade. Um ativo e diverso contexto político
ajudou a criar as condições para um amplo debate público na Inglaterra. Naquela
época, o socialismo não era apenas historicamente fundamentado e aceito como
forma de olhar o mundo, mas também exercia uma forte influência nos debates sobre
o futuro da sociedade, especialmente entre aqueles cujos interesses políticos e buscas
acadêmicas convergiam para questões que tratavam da vida das pessoas, suas
condições sociais ou suas aspirações econômicas.
Mas nos anos 50 e princípio dos 60, a Grã-Bretanha também experimentou o
surgimento do radicalismo, agravado pela imigração e tensões raciais, inúmeros
problemas sociais, incluindo-se aí reações à ameaça de uma guerra nuclear e os
efeitos centralizadores da indústria midiática. Diante disso, a redescoberta do cidadão
comum como consumidor numa indústria cultural pós-guerra se fazia acompanhar de
uma crescente literatura crítica que buscava resgatar a vida cotidiana de indivíduos em
suas condições locais e regionais. Na tentativa de compreender e identificar esse
período histórico, surgiram muitos textos que representavam e sintetizavam as
preocupações intelectuais dessa era, entre os quais encontra Richard Hoggart com The
Uses of Literacy em 1957, Raymond Williams com The Long Revolution em 1961 e E.
P. Thompson com The Making of the English Working Class, em 1963.
A matriz de literatura, crítica literária e marxismo produziram um necessário e
conveniente contexto para se questionar atividades culturais, incluindo-se aí a
comunicação social. Tal contextualização e a localização da problemática no processo
cultural, especificamente entre os fenômenos culturais, políticos e econômicos
restabelecia a complexidade teórica e o poder descritivo à análise da comunicação e
práticas da mídia. Esses estudos literários, com sua curiosidade sobre os processos de
comunicação social – incluindo o papel da mídia - moveu-se livremente entre as
correntes intelectuais de peso, criando toda uma reflexão britânica que viria a
contribuir muito para os posteriores debates modernos e pós-modernos.
Autores como Williams, Hoggart e Thompson compartilharam um compromisso
intelectual ao estudarem a cultura britânica de forma concreta e forneceram um foco
ideológico para um debate sobre a necessidade de uma análise cultural. Introduziram
igualmente compreensão preliminar do que é cultura. Thompson, por exemplo,
procurou demonstrar como a “consciência transformada” das pessoas era resultado de
um processo cultural. O principal conceito nesses debates culturais era o de “cultura da
classe trabalhadora” (working-class culture), que entendiam como idéia coletiva
básica de onde procediam condutas, hábitos de pensamento e intenções, em contraste
com a cultura burguesa, de caráter individualista.

O sujeito fractal de Baudrillard


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Os avanços tecnológicos aplicados às comunicações transformaram os hábitos


da sociedade. Agora, por exemplo, podemos programar o videocassete para deixar
copiando nossos programas favoritos quando não estamos em casa. Já não sofremos
porque não podemos ver nosso seriado preferido ou capítulo de telenovela devido a
uma reunião familiar: podemos postergar o desfrute do nosso programa até a hora
que mais nos convenha.
Ordenar o tempo é outra das possibilidades que oferece esta nova etapa dos
meios. A paleotelevisão encerrava sua programação à meia-noite. Agora, a
programação continua na madrugada. O homem está cada vez mais apegado à tela,
restando-lhe pouco tempo para sair à rua e compartilhar a vida com seus semelhantes.
Segundo o pensador francês Jean Baudrillard, cumpre-se aquela profecia de
McLuhan nos anos 60: os meios de comunicação como extensões do ser humano. Para
Baudrillard, estas “próteses” já são parte da nova raça que cresce com a TV como
companheira inseparável. Ele descreve o homem atual como um “sujeito fractal”, ou
seja, fraturado, fragmentado, habitante de um mundo hiperconectado e
hiperinformado que depende de sua tela para saber o que ocorre à sua volta. Está
“acompanhado”, mas na realidade vive só. O homem e os meios audiovisuais
conformam um circuito fechado. Baudrillard descreve o surgimento de uma nova
sociedade pós-moderna organizada em torno da simulação, com subjetividades
fragmentadas e perdidas.
Esse sujeito fractal é tanto um adolescente que se diverte com seu skate
enquanto ouve em seu walkman a sua banda de rock preferida, quanto o intelectual
que passa horas diante de seu computador sem aproximar-se da janela.
A solidão o conduz ao narcisismo, e esse amor por si mesmo o leva a celebrar o
culto do corpo, em busca de uma “juventude utópica”: ginástica e malhação, dietas,
botox, cosméticos, silicones...
Baudrillard é certamente o teórico mais provocante da cultura da mídia nos
anos recentes o que lhe valeu o epíteto de profeta da pós-modernidade. Cria termos
para nominar esse mundo dominado pela tela: videosfera, videocultura, videoética. Os
contatos que se estabelecem são “virtuais”. Existe uma relação próximo-distante entre
o olhar do telespectador e a imagem que oferece a tela. A imagem virtual, diz o
filósofo, não é verdadeira nem falsa, já que está em uma dimensão distinta: não é
humana.
O “homem virtual” deseja fotografar, filmar, gravar, “virtualizar” o mundo e
fazê-lo reproduzível. Não tem liberdade, não pode desconectar-se da comunicação e da
informação, tampouco goza de tempo livre. Está forçado a continuar com o feedback
do circuito fechado. “Já não neutralizarão o homem com a repressão e o controle, mas
com a informação e a comunicação, porque o algemarão na única necessidade da
tela”, sentencia Baudrillard em Videosfera e sujeito fractal.
O autor retoma o conceito de “alienação”, usado, entre outros, pelo sociólogo
alemão Karl Marx, para falar da relação entre homem e tela. Marx dizia que na
sociedade capitalista o enfrentamento entre o operário e o objeto produzido pela
divisão social do trabalho gerava um distanciamento do homem consigo mesmo. O
“homem virtual”, ao contrário, não se sente alienado pelas máquinas, que estão
integradas a ele e conformam uma unidade.
O mundo de Baudrillard é uma implosão dramática: nele os sexos, as classes,
as diferenças políticas e os reinos de outrora autônomos da sociedade e da cultura
implodem uns sobre os outros, apagando as fronteiras e as diferenças num
caleidoscópio pós-moderno. O universo pós-moderno de Baudrillard também é o da
hiper-realidade; nele, modelos e códigos determinam pensamentos e comportamentos,
e o entretenimento, a informação e a comunicação fornecem uma experiência mais
intensa e envolvente do que as cenas banais da vida diária. Em seu mundo pós-
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moderno, os indivíduos abandonam o “deserto do real” pelo êxtase da hiper-realidade


e pelo novo reino do computador, da mídia e da tecnologia.
A pós-modernidade, que se estendeu nos anos 80 a todos os âmbitos da
sociedade (cultura, política, costumes) como reação às certezas do mundo moderno, é
o domínio da fragmentação, do efêmero, do narcisismo.
Precisamente, a explosão das tecnologias da informação e a conseqüente
facilidade de acesso a uma monumental quantidade de materiais de origem
aparentemente anônima é, segundo o filósofo francês Jean-François Lyotard, parte
integrante da cultura pós-moderna.

Principais características do Pós-Modernismo

Pós-Modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas


artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o
Modernismo (1900-1950). O Pós-Modernismo nasce com a arquitetura e a computação
nos anos 50, toma corpo com a arte pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia,
durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se
na moda, no cinema, na música, no cotidiano programado pela tecnologia, sem que
ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.
Em Poética do Pós-modernismo, Linda Hutcheon inicia a sua reflexão dizendo
que o Pós-Modernismo “é um fenômeno contraditório, que usa e abusa, instala e
depois subverte, os próprios conceitos que desafia”. É uma realidade presente em
diversas áreas, entre elas na arquitetura, na literatura, na pintura, na escultura, no
cinema, no vídeo, na dança, na televisão, na música, na filosofia, na teoria estética, na
psicanálise, na lingüística ou na historiografia.
Através de uma análise dos termos que são utilizados para definir o Pós-
Modernismo (descentralização, descontinuidade, indeterminação, por exemplo) é
possível concluir que assim como acontece com estas palavras, o Pós-Modernismo
incorpora aquilo que pretende contestar.

Abaixo estão relacionados alguns elementos típicos da sociedade pós-moderna:

- Tecnologia
Para começar, o cotidiano foi invadido pela tecnologia eletrônica de massa e individual,
visando à saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática
lidamos mais com signos do que com coisas. É a ascensão do simulacro, da visão
espetacular. Satélite, antena parabólica, videocassete, fibra ótica, celular, fax, controle
remoto, PC, disc-laser, etc. possibilitam divulgar, armazenar, copiar, captar e produzir
elevado número de informações, facultando a cada indivíduo uma atuação mais ampla
do que a de mero receptor; pode tornar-se emissor, criar novos códigos e interferir na
mensagem.

- Consumismo e hedonismo
Economicamente, vivemos a fase do consumo personalizado, que busca a sedução do
indivíduo isolado, até arrebanhá-lo para sua moral hedonista – valores calcados no
prazer de usar bens e serviços. O consumo passa a ser o espaço da diferenciação. A
compulsão consumista gera o fenômeno do hedonismo, do individualismo exacerbado.

- Tempo
Antigüidade e Idade Média orientavam-se para o passado. A modernidade para o
futuro. O Pós-Modernismo tem como referência o presente, falta a crença do que pode
ser aprendido com o passado e do que pode acontecer no futuro.
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- Niilismo
Dando adeus aos ideais do passado, o homem pós-moderno não vê sentido na História
e se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. Com tanta
informação e discussão, não há mais temas relevantes, as ideologias ficaram obsoletas
e perderam o sentido, os discursos repetem o que já foi dito e ouvido. O vazio e a
redundância tomam conta das manifestações artísticas e intelectuais. Cria-se uma
expectativa pessimista, que se evidencia pela supremacia da forma sobre o conteúdo.
Não se espera mais nenhuma criação original, pois já se esgotaram todas as
possibilidades teóricas, estéticas e ideológicas.

- Queda das fronteiras


Os limites, os contornos, as fronteiras tornam-se tênues ou mesmo desaparecem:
limites entre disciplina do saber; contorno das sociedades, fronteiras entre práticas
sociais, na educação, política, psicoterapia, religião, etc.

- Perda da essência
Trata-se da destruição completa das substancialidades, o abandono do pensamento
que afirma e busca idoneidade estáveis e demarcadas.

- Simulacro
É a prevalência da imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução
técnica) ao real. O simulacro apaga a diferença entre o real e o imaginário, ficando só
a aparência. O simulacro apresenta um mundo falso mais atraente que o verdadeiro.

- Fragmentação
O mundo não é mais um todo, com um centro. Estamos na era dos micro-espaços,
micro-poderes. O homem pós-moderno dedica-se às minorias – sexuais, raciais,
culturais – atuando nos pequenos mundos cotidianos.

- Pastiche
Na escassez de originalidade, a cultura pós-moderna busca retrabalhar velhos temas,
dar nova roupagem a antigos produtos, misturar estilos (pastiche), fazer citações. A
nostalgia – olhar saudosista que revela um passado ideal – é uma fórmula bastante
usada na moda, TV, cinema, publicidade e música.

- Tautologia
Em relação à comunicação, ela entra numa espiral delirante e tautológica, a saber,
“tautista” (neologismo criado por Sfez, formado pela contração de “tautologia” – o
“repito, logo provo”, tão atuante nos media – e “autismo”, o sistema de comunicação
surdo-mudo, isolado dos outros, à imagem do autismo patológico) [Sfez, 1988, p.13],
na qual o excesso produz exatamente a perda da informação. A comunicação –
referindo-se só a si mesma, recriando o mundo nos seus estúdios e vendendo-o como
único mundo – diz “eu sou a sociedade”. A realidade representada passa a ser a
realidade diretamente expressa. Os meios de comunicação fabricam os dados
exteriores e os eventos, até mesmo os reais nascem falsos, pois são pré-encenados
em estúdios. O tautismo que, segundo Sfez, é aquilo pelo qual uma nova realidade
chega a nós, sem distância entre o sujeito e o objeto.

- Circularidade
Os meios de comunicação funcionam como alto-falantes gerais da sociedade. As
coisas só existem quando são veiculadas pelos meios de comunicação, caso contrário
jamais teriam de fato existido. Não só retratam a realidade: criam a realidade. Não
existe mais a troca pessoal de informações e, quando há troca, o que é intercambiado
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é só o que está expresso nos meios de comunicação, informação circulante. O produtor


é ao mesmo tempo produto. O emissor também é receptor. Não há começo nem fim.
Em vez do E-M-R (emissor-mensagem-receptor), o que temos agora é uma espécie de
circularidade da comunicação. A mensagem não contém mais nenhum conteúdo. Não
há transmissão de dados, apenas um agir ritualístico. É um girar sideral em que a
informação não transcende, não se reflete no infinito, tampouco toca o real.

- Hipertelia
A hipertelia ocorre quando a comunicação se torna inviável por causa do excesso
de informação. Ela reproduz eternamente um único mundo, havendo uma manutenção
regular do mesmo e provocando uma indiferença em relação a ele. A abundância da
informação torna-se oposto ao estar informado. A hipertelia é a negação, o excesso, o
fim da comunicação mas não pela escassez. O jornalismo é um exemplo claro disso,
pois, embora tenha a obsessão de tudo devassar, implode os movimentos sociais pela
repetida, viciada, desgastada informação sobre o mesmo, esvaziando seu potencial
explosivo. Neutraliza tudo pela indiferença.

- Comutação
Na nova teoria da comunicação, as lógicas que se impõe são marcadas pelo
movimento, velocidade, crescimento, expansão, divisão, multiplicação. É a era do
móvel, dinâmico, do que está em permanente mutação, subdivisão, clonagem,
fractalização, espectralização e sideralização. Vive-se a relatividade total, a comutação,
a aleatoriedade e a simulação. Os acontecimentos são precedidos pelos modelos, que
compõem o quadro das cenas e dispensam a existência do original.

Da comunicação ao controle social

Existe um novo cotidiano. A máquina foi substituída pela informação; a fábrica,


pelo shopping center; o contato pessoa a pessoa pela relação com a tela. A estética
impregna os objetos para que se tornem mais atraentes. Há uma crescente
personalização e erotização do mundo das mercadorias e o homem é seduzido pelo
objeto para se integrar no circuito do capitalismo. O mundo social se desmaterializa,
passa a ser signo, simulacro, hiper-realidade. Só o impulso e o prazer são reais e
afirmadores da vida; o resto é neurose e morte.
As possibilidades que oferecem as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) para cobrir as expectativas do homem parecem ilimitadas. A expansão da
Internet é tão vertiginosa que ninguém se atreve a projetar até onde chegará seu
impacto social.
As comunicações cada vez mais rápidas, sintéticas e urgentes – tornadas
possíveis pelas novas tecnologias - têm implicação direta na configuração do modo de
ser e estar no mundo. O cotidiano é vivido como conjunto de sensações fluidas e em
trânsito, no qual toda a presença objetiva tende a se dissolver no elemento líquido do
movimento. Entre diversas abordagens descritivas desse tempo, John Lanier, por
exemplo, fala agora em comunicação pós-simbólica. Segundo ele, estaríamos entrando
numa era de interação imediata, tornada possível pelas tecnologias da realidade virtual
e seus mecanismos de imersão. Gilles Lipovetsky fala na hipermodernidade, a era dos
extremos, da ausência de limites, dos superlativos. Vivemos no tempo e no espaço dos
meios, respiramos um mundo midiático.
Observando com atenção, nos damos conta de que quase tudo que sabemos do
mundo, do que percebemos da realidade à nossa volta nos chega através dos meios de
comunicação. A vantagem essencial das tecnologias da comunicação é que ampliam
nossa capacidade de captar o mundo, como nunca antes havia sido possível na história
da humanidade. Hoje já não educam somente a escola, a igreja ou a família como
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micro ou mesosistemas sociais. Existe um poderoso exosistema, os meios de


comunicação – especialmente a televisão – que cada vez mais detêm a batuta da
socialização com a sua onipresença, regendo um novo modo de vida e traçando um
novo desenho social.
No momento, só uma ínfima porção da população mundial tem acesso a essas
tecnologias. Se ampliará seu consumo ou só servirá para aumentar as diferenças
sociais? Na crescente convergência de mídias, elas restarão em mãos de uns poucos
empresários globalizados com interesses financeiros?
A tecnologia – que, como diria Marcuse, não é neutra – deverá estar a serviço
da luta contra o analfabetismo, o desemprego e a pobreza para que realmente seja
motor de transformações sociais. Como “instrumentos de emancipação”, reeditando o
sonho dos teóricos frankfurtianos.
Assim como há telas para a distração e para informação, há câmeras para a
vigilância de estacionamentos, bancos, ruas, elevadores e fábricas. O uso de beepers
(localizadores) em algumas empresas é outra forma de combinar comunicação e
controle social.
Mas não termina aqui o debate comunicacional; aliás, começa aqui. Durante
décadas as teorias têm buscado cristalizar pensamentos e fazer projeções a favor de
uma verdade que o futuro, mais de uma vez, declarou suspeita ou infundada. As
teorias, no dizer do filósofo e historiador Michel Foucault, devem funcionar como uma
“caixa de ferramentas”. Em seu livro, Microfísica do poder, o intelectual francês
sustenta que as teorias devem “construir não um sistema, mas um instrumento: uma
lógica própria às relações de poder e das lutas que se estabelecem ao redor delas”. As
influências e transformações provocadas pelas tecnologias no âmbito da sociedade
redundam num debate largo e complexo, como largas e complexas são as
comunicações.

Astomiro Romais - Porto Alegre, junho de 2006

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