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Bastidores do cenário de O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985), direção de arte de Clóvis Bueno
apresenta

A DIREÇÃO
DE ARTE NO
CINEMA
BRASILEIRO

07 A 18
FEVEREIRO
2017

A direção de arte no cinema brasileiro CAIXA Cultural RJ


Débora Butruce e Rodrigo Bouillet (orgs.)
1ª edição
Av. Almirante Barroso, 25 - Centro
2017
ISBN: 978-85-93535-00-0
É com grande honra que a CAIXA apresenta a mostra A direção de
arte no cinema brasileiro. Seu propósito é oferecer um olhar inaugural
sobre a função da direção de arte na realização cinematográfica brasileira.
A mostra procura preencher uma lacuna importante sobre o conhecimento
de aspectos essenciais da produção fílmica no Brasil, contribuindo para a
formação crítica e cultural do público presente.

Os projetos que ocupam os espaços da CAIXA Cultural são escolhi-


dos através de seleção pública, uma opção da CAIXA para tornar mais
democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todo o
país.

Sempre com o intuito de promover a pluralidade de ideias e democratizar


o acesso do grande público a produções artísticas de relevância nacional e
histórica, a CAIXA reafirma seu compromisso com a cidadania, a cultu-
ra e o desenvolvimento do país. É por isso que a CAIXA é reconhecida
como uma das principais patrocinadoras de projetos culturais em todo o
território nacional, porque a vida pede mais que um banco.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 96. FILMES 221.
REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO A OSTRA E O VENTO
10. DA DIREÇÃO DE ARTE: 195.
A DIREÇÃO DE ARTE TRABALHAR CANSA, BRUNA BRAZA DORMIDA 223.
NO CINEMA BRASILEIRO SURFISTINHA, TATUAGEM E AMOR, KENOMA
Débora Butruce PLÁSTICO E BARULHO 197.
Gilka Vargas MARIDINHO DE LUXO 225.
16. ORFEU
UMA HISTÓRIA DO CINEMA 114. 199.
BRASILEIRO A PARTIR DA NOTAS SOBRE O FIGURINO 24 HORAS DE SONHO 227.
DIREÇÃO DE ARTE: NO CINEMA BRASILEIRO – CASTELO RÁ-TIM-BUM, O FILME
PRIMEIRAS IMPRESSÕES DO NOVO AO NOVÍSSIMO 201.
Rodrigo Bouillet Teresa Midori Takeuchi CARNAVAL ATLÂNTIDA 229.
A FESTA DA MENINA MORTA
ARTIGOS 128. 203.
SOBRE A DIREÇÃO DE ARTE AGULHA NO PALHEIRO 231.
24. Luiz Fernando Pereira (LF)
205.
TRABALHAR CANSA
DO MODELO TEATRAL AO
REALISMO CENOGRÁFICO: OS
140. UMA CERTA LUCRÉCIA 233.
DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL: BRUNA SURFISTINHA
PRIMEIROS CINQUENTA ANOS
UM PERCURSO DE FORMAÇÃO 207.
DA DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL
Débora Butruce
ENTRE O ARTESANATO E A EL JUSTICERO 235.
INDÚSTRIA TATUAGEM

58. Tainá Xavier 209.


TERRA EM TRANSE 237.
A DIREÇÃO DE ARTE E A
148. AMOR, PLÁSTICO E BARULHO
CONSTRUÇÃO DE UMA CERTA
DIREÇÃO DE ARTE EM CINEMA: 211.
VISUALIDADE BRASILEIRA LEITURAS DE UM ESPAÇO MACUNAÍMA 238.
Beth Jacob Thales Junqueira CRÉDITOS
213.
70. ENTREVISTA TUDO BEM
O CINEMA É A ARTE DO REAL –
MAS O QUE É O REAL? O PAPEL 160. 215.
DA DIREÇÃO DE ARTE NA ENTREVISTA COM VERA O BEIJO DA MULHER ARANHA
CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS HAMBURGER
Carolina Bassi de Moura 217.
HOMENAGEM ANJOS DA NOITE
82.
A DIREÇÃO DE ARTE E A 184. 219.
CRIAÇÃO DE ATMOSFERAS NO CLÓVIS BUENO: A DIREÇÃO SUPER XUXA CONTRA O BAIXO
CINEMA CONTEMPORÂNEO DE ARTE COMO FRUTO DA ASTRAL
BRASILEIRO VIVÊNCIA
India Mara Martins Rodrigo Bouillet
APRESENTAÇÃO

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A DIREÇÃO DE ARTE como o ponto de vista do espectador sentado na plateia, esteja em maior ou
menor proximidade, sendo que alguns efeitos precisam ser ampliados para
serem percebidos de certa distância. Os atores devem representar para toda
NO CINEMA BRASILEIRO extensão da plateia, e o espaço da encenação deve permitir as entradas, saídas
e outros movimentos dos personagens. O cenário, construído, pintado, ou
somente esquematizado pela representação dos atores é aceito como um
espaço fictício. Esse espaço é claramente demarcado pela iluminação cênica.
Ainda que a encenação teatral fuja do esquema tradicional, como os teatros
em formato de arena, ao ar livre, e outros, o espectador tem de aceitar fazer
parte de regras e convenções sem as quais não há espetáculo teatral.

Por muitas vezes, referir-se à direção de arte em cinema é encarado como O cenário de um filme, entretanto, originariamente simples telas de pano
uma operação artificial. Em uma obra teatral, a cenografia é compreendida pintadas – como nos filmes de Méliès – se desenvolveu de forma diversa,
como algo corriqueiro e evidente, já que o palco é rodeado por paredes e há em direção a uma certa forma de realismo, de autenticidade com o real. Esse
a disposição de objetos em cena que fazem parte da encenação. Os cenários desenvolvimento pode ser explicado pelo fato de que a perspectiva se constrói
construídos, pintados ou, ainda, somente esquematizados pela representação de maneira diferente no cinema. O espectador cinematográfico também está
dos atores são aceitos como um espaço fictício. Dado que a ilusão da encenação sentado diante de um palco, no caso, uma tela, onde ações transcorrem em sua
teatral está às claras, o espectador participa consciente da representação que frente. Mas é a câmera a mediadora de tais ações, acentuando esta ou aquela
aquele cenário propõe. Já em um filme, onde “o palco é o universo”, porque expressão facial, um certo aspecto de um objeto, ambiente ou paisagem. Os
falar em cenário? cenários de um filme servem não somente para emoldurar o movimento dos
atores, mas também o da câmera, já que é através de seu arsenal de trabalho
É justamente nesse momento que surgem grandes confusões na avaliação da que se estabelece a disposição visual dos espaços. A habilidade em isolar ou
contribuição do trabalho da direção de arte. A atuação dos atores, a narrativa aumentar um detalhe, a mobilidade, precisão, até a indiscriminação de certa
e a fotografia de um filme são elementos óbvios para os espectadores – esses tomada constituem a perspectiva fílmica. Tal característica requer controle e
elementos também formam a base da crítica cinematográfica. Mas geralmente exatidão na composição da visualidade de um filme.
é difícil o reconhecimento do papel da direção de arte, seja como elemento
dramático ou como principal elemento na construção da ambiência e atmosfera Antes de mais nada, é preciso ressaltar que a direção de arte visa à criação
do filme, e menos ainda em relação à estruturação da imagem cinematográfica. de um espaço cênico como forma de mediar o verdadeiro objetivo, que é a
obtenção de uma imagem em movimento, ou seja, uma visualidade. As formas,
Tradicionalmente a direção de arte é mais notada em gêneros cinematográficos volumes, massas, profundidades, texturas e outros aspectos constituintes da
específicos, como musicais, filmes de época e ficções científicas, em que criação de um cenário perderão suas características imanentes durante o ato
certos códigos de representação são retratados primordialmente pelos da filmagem e se converterão ao fim em pura visualidade por ocasião do filme
elementos visuais. A atração se dá pela fidelidade de algumas reconstituições montado e projetado, participando nesse momento apenas como elemento
cenográficas e pela grandiosidade de sua aparência decorativa. A confusão intrinsecamente fotográfico, o que talvez acentue o equívoco em relação à qual
acontece, principalmente, pela transposição de conceitos e termos oriundos função detém a responsabilidade na construção da imagem fílmica.
do universo teatral. Já que tal conflito existe, comparemos, brevemente, os
cenários no teatro, no que tange à concepção teatral geral, e no cinema, É evidente que a direção de arte não atua sozinha nessa criação, sendo preciso
integrado primordialmente ao desenvolvimento da ação no filme. considerar também sua articulação com os demais componentes do universo
fílmico, como esclarece a formulação de David Bordwell (1985): “O espaço
Fala-se muito sobre a perspectiva do palco teatral, que pode ser entendida cenográfico de um filme é construído por três fatores condicionantes: espaço

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fotografado da tomada, espaço editado ou montado e espaço sonoro. Cada A mostra “A direção de arte no cinema brasileiro” vem ao encontro desse
uma dessas associações também envolve representação do espaço dentro e fora momento e propõe um olhar inaugural: pensar a produção cinematográfica
de campo”. (BORDWELL, ibid., pp. 99-119). brasileira sob a perspectiva da direção de arte. A escolha de filmes significativos
do campo, do ponto de vista técnico e estético, pretende contribuir para o
A direção de arte e suas técnicas, notoriamente falseadoras do real como forma aprofundamento acerca do estatuto da função e sua consolidação no cinema
de restituir não sua natureza última, mas sua essência conceitual, participam brasileiro.
assim de um movimento mental da obra e não somente de uma operação de
registro. Logo possui, então, autonomia técnica, estética e conceitual frente Para tanto, foram selecionados 22 títulos que percorrem quase 90 anos de
ao todo cinematográfico, que lhes permitem serem tomadas como objeto trajetória da função,2 realizados entre 1928 e 2015.
diferenciado. Se ingressam em um projeto realista, o fazem conscientemente
como uma operação que visa restabelecer e não apenas recolher esse real Serão exibidas obras representativas de cada década, e a programação inicia seu
objetivado pela representação. Se não, estão livres para exercerem em sua percurso nos anos 1920, com Braza dormida, de 1928, clássico de Humberto
plenitude a vocação que seu estatuto ontológico lhes permite. Mauro que já demonstra uma notável diminuição da influência do padrão
teatral utilizado em outros filmes do período. Passamos por Maridinho de
Nota-se que ela pode ir muito além do simplesmente bem-feito, exercer sua luxo, de 1938, do profícuo Luiz de Barros, e 24 horas de sonho, de 1941, de
potencialidade criativa de forma mais incisiva. Ou seja, em vez de exigir da Chianca de Garcia, ambas produções da Cinédia, cujos respectivos cenógrafos,
direção de arte que ela apresente um cenário verossímil, pode-se desejar que Alcebíades Monteiro Filho e Hipólito Collomb, serão bastante atuantes e
este seja também significante. Além de trazer ao espectador a noção ou a introduzirão técnicas inovadoras, tornando-se figuras centrais da cenografia
atmosfera, por exemplo, de um certo acontecimento histórico no final do de cinema dessa época. Da década de 1950 apresentaremos alguns exemplos
século XIX, a direção de arte pode também construir um espaço que permita bem distintos do trabalho da direção de arte: o filme-símbolo da Atlântida,
o questionamento desse momento histórico através da estruturação de Carnaval Atlântida, de José Carlos Burle, 1952, sendo que a cenografia de
determinada visualidade. Isto é, ela deixa de ter um caráter de mimese, estar Martim Gonçalves já apresenta algumas rupturas em relação ao esquema
no lugar de alguma coisa, e passa a desempenhar um papel de reflexão sobre cenográfico recorrente nas chanchadas; Agulha no palheiro, de Alex Viany,
o que representam esses espaços. A direção de arte constrói então um espaço 1952, que se aproxima da matriz realista e pode ser considerado destoante do
que ganha sentido dentro de seus próprios constituintes, e não apenas como cinema de estúdio feito na época; e Uma certa Lucrécia, de Fernando de Barros,
mera informação a ser confrontada. 1957, comédia musical com cenografia extremamente elaborada de Pierino
Massenzi, italiano radicado no Brasil com longa e bem-sucedida trajetória no
cinema brasileiro. O cenógrafo conseguiu recriar parte da cidade de Veneza
A mostra em estúdio, revelando, mais uma vez, engenhosidade e criatividade ímpares.
Dos anos 1960 exibiremos obras de diretores consagrados, mas que raramente
Pensar a direção de arte no cinema brasileiro se mostra uma tarefa complicada. são analisadas a partir da perspectiva da direção de arte, como El Justicero, de
Não existe uma história da direção de arte no Brasil. O vazio teórico acerca do Nelson Pereira dos Santos, e Terra em transe, de Glauber Rocha, ambas de 1967;
assunto nos lança em um terreno praticamente desconhecido: a função, por e Macunaíma, de 1969, dirigida por Joaquim Pedro de Andrade. Profissionais
vezes, é destacada em contextos específicos dentro de uma história do cinema como Luiz Carlos Ripper, que estabelecerá parceria com Nelson Pereira em
brasileiro, mas, em geral, é raro termos análises de fôlego que partam da ótica diversos filmes, e Anísio Medeiros, cenógrafo e figurinista de Macunaíma,
da direção de arte. Apesar disso, essa lacuna vem sendo preenchida aos poucos, entre outros títulos, destacam-se no período. Da década de 1970 selecionamos
sobretudo a partir da metade da década passada.1
2
Deve-se indicar que ao longo da história do cinema brasileiro o termo cenografia era utilizado para designar –
1
Minha dissertação de mestrado, A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no processo de criação do respeitadas as devidas proporções acerca da responsabilidade na criação da visualidade em uma obra fílmica que a
cinema brasileiro dos anos 1990, defendida em 2005, foi realizada em um período em que praticamente não existiam denominação direção de arte carrega – o que entendemos atualmente como a função da direção de arte. Nesse sentido,
pesquisas sobre a área. o termo cenografia e direção de arte podem ser considerados equivalentes.

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Tudo bem, de Arnaldo Jabor, 1978, com cenografia de Hélio Eichbauer, atuante pretende esgotar o tema, mas sim o ampliar, no intuito de potencializar a
em diversas áreas artísticas até hoje. Os anos 1980 demonstrarão o início da reflexão sobre o cinema brasileiro a partir de outros olhares. No caso, o da
consolidação da função, visto que teremos, pela primeira vez, a função de direção de arte, incluídos todos os múltiplos aspectos e profissionais que a área
direção de arte nos créditos de um filme brasileiro. Será para Clóvis Bueno, envolve.
homenageado na Mostra, em O beijo da mulher aranha, de 1985, dirigido ­­
por Hector Babenco. Dessa importante década para a área também serão Débora Butruce
apresentados o trabalho de Cristiano Amaral em Anjos da noite, de Wilson Idealizadora e curadora
Barros, 1986, um dos títulos-símbolo da fase conhecida como neon-realismo,
e Super Xuxa contra o Baixo Astral, de Ana Penido e David So, 1988, filme que
REFERÊNCIAS
ancora sua estratégia comercial sobretudo nas ferramentas da direção de arte,
realizada por Yurika Yamasaki. Da década de 1990 exibiremos: A ostra e o vento,
de Walter Lima Jr., 1997; Kenoma, de Eliane Caffé, 1998; Orfeu, de Carlos AFFRON, Charles e Mirella. Sets in Motion: Art Direction and Film Narrative. New
Brunswick: Rutgers University Press, 1995.
Diegues, e Castelo Rá-Tim-Bum, o filme, de Cao Hamburger, ambos de 1999.
Nestes quatro títulos a direção de arte é assinada por Clóvis Bueno, sendo BARSACQ, Léon. Caligari’s Cabinet and Other Grand Illusions. Boston: New York Graphic
Society, 1976.
que Vera Hamburger divide os créditos na obra de Cao Hamburger, além de
realizar a cenografia dos outros três títulos. De visualidades bem distintas, BORDWELL, D. e THOMPSON, K. Narration in the Fiction Film. Londres: Methuen,
esses trabalhos exemplificam a versatilidade da dupla e sua bela parceria, 1985.
que se estenderá por outras produções. Dos anos 2000 apresentaremos um BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção
conjunto de cinco filmes com propostas estéticas absolutamente diversas: A no processo de criação do filme brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, 2008, e seu Norte místico
e pop da exuberante direção de arte de Renata Pinheiro; Trabalhar cansa, de DOUY, Max. Décors du cinéma: les studios français de Méliès a nous jours. Paris: Éd. du
Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011, com Fernando Zuccolotto como diretor de Collectioneur, 1993.
arte, em um filme cujo mal-estar dos personagens é materializado visualmente HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed.
através do fantástico; Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini, 2011, no qual o SENAC e Edições SESC, 2014.
trabalho de Luiz Roque foge do esquematismo visual que impregna a maior HEISNER, Berverly. Production Design in the Contemporary American Film: A Critical Study
parte dos sucessos comerciais desse período; Tatuagem, de Hilton Lacerda, of 23 Movies and Their Designers. Jefferson: Mcfarland & Co. Inc., 1997.
2013, cuja visualidade criada pela direção de arte de Renata Pinheiro é a LO BRUTTO, Vincent. The Filmmaker’s Guide to Production Design. Nova York: Allworth
força motriz dos personagens; e Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro, Press, 2002.
2015, com Dani Vilela recriando o brilho descartável da ultracolorida cena da
___________________. By Design: Interviews with Film Production Designers. Westport:
música brega do Recife. Praeger, 1992.

PRESTON, Ward. What an Art Director Does: An Introduction to Motion Picture Production
A constituição deste panorama é uma tentativa de reflexão sobre as estratégias Design. Los Angeles: Silman-James Press; Hollywood: S. French Trade, 1994.
de utilização da direção de arte ao longo da realização cinematográfica no Brasil,
além do intuito de valorizar e difundir o trabalho dos diversos profissionais do TASHIRO, Charles Shiro. Pretty Pictures: Production Design and History Film. Austin:
University of Texas Press, 1998.
campo. Buscamos destacar aspectos significativos em determinados contextos
históricos a partir de títulos com propostas visuais bem distintas, a fim de
possibilitar a compreensão da amplitude do alcance do trabalho da direção de
arte. Nesse sentido, a curadoria teve caráter exploratório, ancorando-se em um
conjunto de obras existentes tomadas como exemplificativas de determinado
período ou percurso. A mostra A direção de arte no cinema brasileiro não

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UMA HISTÓRIA DO responsável pela realização de alguns curtas, pelo vestuário de Sangue quente
em tarde fria (Renato Neumann e Fernando Cony Campos, 1970) e pela
cenografia de Fogo morto (Marcos Farias, 1976). No livro, a autora descreve

CINEMA BRASILEIRO seu processo de criação, quando o debate nos termos da direção de arte ainda
não acontecia.

A PARTIR DA DIREÇÃO DE Obra de grande circulação e impacto, a Enciclopédia do cinema brasileiro, de


2000, nasceu anacrônica. A direção de arte já estava consolidada entre os
ARTE: PRIMEIRAS IMPRESSÕES profissionais, mas a publicação não registra direção de arte em verbete; não
faz menção ao termo em Cenografia; não lança mão do verbete Figurinos;
dedicando cinco páginas à Cenografia e o dobro à Fotografia.

Nada além da tradição. A revista Filme Cultura, em todas as 48 edições de sua


primeira fase, só dedicou espaço ao departamento de arte por duas vezes. Um
Assumindo a missão de o catálogo dialogar tanto com profissionais do ramo, depoimento de Ripper na edição 21, por ocasião do troféu Coruja de Ouro, de
entendidos e iniciados de diversas áreas (cinema, artes visuais, artes cênicas, 1971, pelas cenografias e figurinos de Azyllo muito louco (Nelson Pereira dos
design, entre outras) quanto com leigos curiosos, a primeira questão que Santos, 1970), Pindorama (Arnaldo Jabor, 1971) e Faustão (Eduardo Coutinho,
nos colocamos foi averiguar qual o espaço dedicado à direção de arte no 1971); e uma reportagem na edição 43 sobre seu laboratório de pesquisa
cinema brasileiro no mercado editorial do país, ou seja, o que poderia haver visual Uzina Barravento, criado a propósito das filmagens de Quilombo (Cacá
de conhecimento mais difundido, corrente ou disponível. A resposta já era Diegues, 1984).
conhecida. A única publicação existente em português é Arte em cena: a direção
de arte no cinema brasileiro, da diretora de arte e cenógrafa Vera Hamburger Atualmente, os diretores de arte encontram espaço na Associação Brasileira
(que realizou a direção de arte de filmes como Hoje, de Tata Amaral, 2011), de Cinematografia (ABC). Instituição fundada em 2000, visa, sobretudo,
lançada em 2014. atender os diretores de fotografia e realiza, desde 2002, a Semana ABC de
Cinematografia. O evento abrigou debates sobre direção de arte em quase todas
Em entrevista exclusiva para este catálogo, Vera rememora os percalços para a as suas edições e tem cumprido papel interessante ao tratar de diversos temas,
consolidação da função ao longo das décadas de 1980 e 1990. A estratégia de tais como percursos formativos, propostas estéticas e perspectivas de mercado.
estabelecimento da direção de arte não poderia se resumir ao círculo restrito Contudo, a reverberação ainda não atingiu seu ponto máximo. Tal qual os
das produções cinematográficas, seja na reelaboração e reconfiguração do fotógrafos, uma representação própria da categoria talvez pudesse difundir
departamento de arte, seja no diálogo (nem sempre amistoso) com diretores, melhor informações; promover e proteger interesses; enfim, colaborar para a
fotógrafos e produtores por melhores condições de trabalho e reconhecimento construção de uma agenda frente a instituições, profissionais, interessados e o
artístico. Era preciso difundir de forma mais ampla o conceito e as público mais amplo.
potencialidades da direção de arte. Era preciso ir a público, e por isso a decisão
de ministrar cursos e de fazer a pesquisa que resultou em seu livro, dez anos A universidade tem sido local de conquistas para a direção de arte. Na década
depois. de 1990, Luiz Fernando Pereira defendeu a dissertação A direção de arte:
construção de um processo de trabalho (USP, 1993). Mas os trabalhos sobre o
Para termos uma dimensão mais clara da inexistência de estudos ou relatos, tema engrenam a partir de meados de 2000, com as dissertações de Débora
ao que tudo indica, a publicação que a antecede imediatamente no campo Butruce (A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no processo de
do departamento de arte em cinema é Cenografia e vida em Fogo morto, de criação do cinema brasileiro dos anos 1990, UFF, 2005) e Beth Jacob (Um lugar
Rachel Sisson, de 1977. Rachel, assim como Vera, é arquiteta de formação. Foi para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no cinema, UFF, 2006).

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Outros esforços do mesmo período que valem ser citados são a dissertação brasileira ficou a cargo de cenógrafos-figurinistas que contribuíram para a
de Claudia Stancioli Costa Couto (O design do filme, UFMG, 2004) – que renovação de linguagem e a consolidação do projeto moderno para o cinema
lida com direção de arte, mas em outra chave – e, é claro, a pesquisa de Vera e o país. A década de 1980 permanece órfã de estudos próprios. Quando da
Hamburger, financiada pela Bolsa Vitae de Artes 2004, que resultou em Arte prospecção de autores para o catálogo, encontramos a tese de Carolina, um
em cena. Mais recentemente, em 2010, foi criado o primeiro bacharelado em esforço hercúleo de análise da direção de arte em todas as obras audiovisuais
Direção de Arte, na Universidade Federal de Goiás. de Luiz Fernando Carvalho. Apostamos, nós e a autora, que questões como
realismo, ilusionismo, transcriação literária, onirismo, artesania presentes
O microcosmo de colaboradores deste catálogo é um retrato desse início na tese seriam de grande valia para lançar luz ao período. India Mara tem
de especialização e potencialização multi e interdisciplinar das formações importante projeto de pesquisa acerca da direção de arte no cinema brasileiro
acadêmicas no campo da direção de arte. De um lado, Luiz Fernando Pereira pós-retomada. Além disso, vem aprofundando a investigação sobre o papel
trilha o caminho das artes cênicas e Teresa Midori, das artes visuais. De da direção de arte na criação da atmosfera fílmica, conceito relevante à
outro, Débora desbrava o novo campo da direção de arte – do cinema e/ análise de diversos filmes contemporâneos. Nesse sentido, foi convidada a
ou audiovisual, em programas de comunicação. Há espaço para o ecletismo, tratar de filmes do período entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000
Vera vai da arquitetura para as artes cênicas; Carolina Bassi também, mas a entendidos como de cunho mais autoral.1 A dissertação de Gilka é dos mais
partir da comunicação; e Tainá, do cinema para as artes visuais. E os arranjos rigorosos exemplares de análise (alguns diriam dissecação) da direção de arte
podem se tornar mais complexos, basta observar as trajetórias de Beth, que da de um filme, no caso, Amarelo manga (Claúdio Assis, 2003). Tal qualidade
história parte para a comunicação e depois o teatro; India Mara Martins, que associada à familiaridade com a atual cena cinematográfica pernambucana,
conjuga em sua formação jornalismo, multimeios e design; e Gilka Vargas, que seus profissionais e, sobretudo, com o universo criativo de Renata Pinheiro,
costura psicologia, artes plásticas e comunicação. Thales Junqueira (diretor de conferem-lhe um olhar crítico singular para analisar os filmes dos anos 2010
arte, neste caso, com Juliano Dornelles, de filmes como Aquarius, de Kleber destacados pela mostra. Sentimos que, comumente, o debate sobre direção
Mendonça Filho, 2016), com formação em jornalismo, é do aprender-fazendo. de arte confunde-se ou ainda é muito pautado pelas questões da cenografia,
De fato, a escola comum a todos os autores. A partir dela, instigados a pesquisar. conferindo caráter secundário a figurinos e maquiagem. Através de sua tese
O catálogo, portanto, é uma amálgama desses percursos, das impressões desses e de diversos artigos, Teresa tem se preocupado em analisar os figurinos de
pioneiros do estudo da direção arte no cinema brasileiro. filmes de diversas épocas e diferentes tendências estéticas da cinematografia
nacional. Assim, solicitamos um texto, na verdade, notas sobre obras que se
Foi assim que, na ausência de uma obra sobre a história do cinema brasileiro destacam no tema desde a década de 1960 até os dias de hoje.
sob o prisma da direção de arte, lançamos aos autores o desafio de termos uma
publicação que cumpra em parte esse papel. Ou melhor, que através de um O catálogo conta com quatro contribuições especiais. Luiz Fernando abre a
percurso panorâmico suscitado pelos filmes da mostra, seus textos provoquem série chamando a direção de arte à perspectiva da história da arte, eviscerando
os leitores a ver, apreciar e refletir sobre o cinema brasileiro a partir dos desafios a incômoda frequência com que as abordagens sobre uma possível história da
e possibilidades colocados à e pela direção de arte. direção de arte no cinema esquecem (ou fazem questão de esquecer) toda a
linha de experimentação, pensamento e realização vinda (de séculos) do teatro.
A proposta inaugural de Débora para Panorama histórico da direção de arte Nos últimos anos, Tainá tem se dedicado às questões do ensino-aprendizagem
no cinema brasileiro, presente em sua dissertação, permanece uma referência, em direção de arte, bem como ao mapeamento crítico da disciplina nas
sobretudo no que tange às produções realizadas até a década de 1950, em instituições de ensino superior na América Latina. Seu artigo é um panorama
que os estudos ainda não se aprofundaram devidamente. O primeiro artigo histórico sobre as exigências técnico-estéticas colocadas à direção de arte e
do catálogo, dedicado a esse período, ganha cuidadosa revisão da autora. aos seus realizadores, hoje alçados à condição de criadores, e as implicações
Beth, com tese dedicada ao trabalho de Luiz Carlos Ripper, é convidada
a escrever sobre a produção dos anos 1960 e 1970, particularmente aquela 1
Apesar de constarem desde o projeto inicial, infelizmente, os filmes Terra estrangeira (Walter Salles e Daniela
associada ao Cinema Novo, momento no qual a busca por uma visualidade Thomas, 1995, com direção de arte da codiretora) e Veneno da madrugada (Ruy Guerra, de 2005, com direção de arte
de Marcos Flaksman), analisados pela autora em seu artigo, não participam da Mostra por razões diversas.

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decorrentes desse novo momento.Thales, um dos profissionais que vem se
destacando na direção de arte em cinema, escreve relato extremamente pessoal
sobre seu processo criativo, como lida com elementos da direção de arte, suas
preferências, referências, dúvidas e as possibilidades de experimentar. Por fim,
Vera cede-nos entrevista sobre o momento-chave de estabelecimento da função
direção de arte no cinema brasileiro, na virada da década de 1980 para 1990.
Testemunha ocular da história e um dos artífices para a profissionalização
do campo, a diretora de arte, cenógrafa e pesquisadora compartilha com
generosidade suas impressões acerca de ocasiões, filmes, modos de fazer,
diretores e diretores de arte que mudaram definitivamente a ideia sobre o
departamento de arte no cinema brasileiro.

Rodrigo Bouillet
Coordenador editorial

REFERÊNCIAS

BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e


pedagogia. São Paulo: Anna Blume, 1995.

BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.

COUTO, Claudia Stancioli Costa. O design do filme. Dissertação de Mestrado, Escola de


Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed.
SENAC e Edições Sesc, 2014.
JACOB, Elizabeth M. Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no
cinema. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

PEREIRA, Luiz Fernando. A direção de arte: construção de um processo de trabalho. Dissertação


de Mestrado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo,
1993.

RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São
Paulo: Ed. SENAC, 2000.

SISSON, Rachel. Cenografia e vida em Fogo morto. Rio de Janeiro: Editora Artenova/
Embrafilme, 1977.

20
ARTIGOS

22 23
DO MODELO TEATRAL AO de crimes pode ser inserida em uma matriz realista diversa da de outras obras
do período, seja por uma suposta minúcia cenográfica e pela multiplicidade
REALISMO CENOGRÁFICO: OS de cenários, seja pela estratégia semidocumental, intercalando-se imagens de
arquivo do acontecimento real com reencenações de “estúdio” dos momentos
PRIMEIROS CINQUENTA ANOS mais importantes da trama. A necessidade de aproximação entre cenas de
interior e de exterior, entre imagens reais e reconstituídas talvez tenha induzido
DA DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL os responsáveis pelo trabalho cenográfico a acentuarem as correspondências
visuais dos dois momentos, atenuando as descontinuidades de textura, de
DÉBORA BUTRUCE profundidade e presença de objetos de cena.

Essa suposição está em consonância com o conhecimento por parte da


plateia do conteúdo real da encenação, encaminhando-a para uma chave mais
O PRIMEIRO CINEMA naturalista. Sabe-se que a estratégia corrente internacionalmente não era essa.
Era crível também uma simples apropriação das estratégias teatrais, como o
trompe d´oeil usado como “cenário” de fundo. Pelo exame de fotos, nota-se que
A maior parte dos filmes realizados até os primeiros anos do século XX eram vários filmes da chamada Bela Época trabalham com esse recurso.
registros do cotidiano, demonstrando um olhar documental que permite a
tradução da inserção imediata de uma premissa objetiva ao cinema, reforçado Os estranguladores contava com a presença de um diretor de cena, Francisco
pelo que Aumont (2004) denomina efeitos de realidade, e que confirma a Marzullo, e um elenco de atores de origem teatral. A produção é da Photo-
exaltação do paradigma realista desde sempre. O cinema dessa época encontra- Cinematographica Brasileira, fundada pelo italiano Giuseppe Labanca e pelo
se muito próximo do registro jornalístico, sendo justamente nesse aspecto que português Antônio Leal, personagens conhecidos da cena cinematográfica do
vai alicerçar o registro do verdadeiro. período. A produtora carioca contava com estúdios próprios e um quadro fixo
de profissionais, entre os quais um dedicado exclusivamente à cenografia, alusão
O cinema brasileiro integra esse contexto. “Todas as filmagens brasileiras inexistente em estudos sobre outras produtoras da época. “A empresa filma em
realizadas até 1907 limitavam-se a assuntos naturais. A ficção cinematográfica, seus estúdios, possui diretores de cena como Antônio Serra e Eduardo Leite,
ou melhor, a fita de enredo, o filme posado, como se dizia então, só apareceu um cenógrafo como Emílio Silva, além do sempre presente Antônio Leal,
com o surto de 1908” (Sales Gomes, 1996, p. 24). Portanto, será no período atrás da câmera, e elenco fixo” (Miranda et al, 2000, p. 250). Apesar das poucas
conhecido como Bela Época, termo cunhado por Vicente de Paula Araújo informações, as menções ao bom acabamento do filme sugerem a inclusão de
que designa o crescimento da produção de filmes nacionais ocorrido entre uma cenografia cuidadosa no sentido apontado. “A reprodução emociona e
1907 e 1911, que as primeiras produções de caráter ficcional serão realizadas, revolta: tão bem feita é” (Souza, 1981, p. 07).
suscitando um possível exame do trabalho cenográfico.
Mas no cinema brasileiro praticado naquele tempo é menos a forma como
Os estranguladores, lançado em 1908 no Rio de Janeiro, é considerado por se filma que liga o cinema ao teatro, e sim o conteúdo, já que se transpunha
muitos o primeiro filme ficcional brasileiro. Pesquisadores como José Inácio literalmente os conteúdos dos espetáculos do século XIX, tais como pantominas,
de Melo Souza (2003) apontam que o filme também foi recordista de público operetas, números de mágica.
e de bilheteria do cinema brasileiro até então. Copiando um gênero explorado
pelos jornais populares, as abordagens cinematográficas de crimes conhecidos É nesse sentido que caminha um gênero de filmes tipicamente brasileiro
do período constituirão temática recorrente. surgido no período considerado, o filme cantante. “Os filmes cantantes podem
ser compreendidos como um ciclo de filmes que, apropriando-se de espetáculos
Como os filmes se perderam e as fotos são poucas, a cenografia destes filmes do teatro como operetas e revistas musicais, deu início à primeira conjuntura

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de conquista de mercado da produção nacional” (Ramos et al, 2000, p. 241). A cuidadosa cenografia armada para Os óculos do vovô (1913), dirigido por
sonorização consistia na entoação ao vivo, por cantores posicionados atrás da Francisco Santos. Apesar de produzido fora dos grandes centros (Pelotas) e
tela, de músicas que integravam a trilha sonora do filme. talvez premido pela obrigação do trabalho com locações “prontas”, o filme
revela notável domínio da noção de contiguidade espacial e consequente
Estrondoso sucesso do período, o cantante Paz e Amor (Alberto Botelho, 1910) harmonia entre os espaços/cenários representados. É particularmente
combinava a técnica dos filmes cantantes com a estrutura narrativa da revista interessante o recurso a elementos de cena inusitados para aquele momento da
teatral. Jornais da época citarão o bom acabamento dos cenários, executados vida pelotense, como automóveis, telefones, consultórios médicos modernos,
por Crispim do Amaral. “[...] dando-nos com o Paz e amor uma revista de fazendo-se a construção de uma vida burguesa plenamente contemporânea,
ano com todos os matadores [...], com situações hilariantes felicíssimas, racional e eficaz. A simples presença dos objetos e seu uso parcimonioso dentro
músicas alegres, cenários magníficos e apoteoses de uma originalidade de ver dos enquadramentos e cenários faz apelo à uma imagem nova, salientando os
para crer [...]” (apud Araújo, 1976, p. 334). Muito provavelmente reproduz-se elementos de base cenográfica.
aqui as estratégias oriundas da revista de ano levada à cena teatral. Ao trompe
d’oeil somava-se a colocação de objetos de cena, quase sempre móveis, e a Alguns historiadores como Cacciaglia (op. cit.) consideram que motivados
tridimensionalização de algum aspecto arquitetônico como colunas, à maneira pela 1ª Guerra Mundial, pela grave epidemia de gripe espanhola, além da
dos épicos italianos pré-Cabiria. transformação radical por que passava o panorama teatral europeu, os
imigrantes estrangeiros que trabalhavam com entretenimento começam a se
A alusão ao trabalho de cenógrafos como Emilio Silva e Crispim do instalar no Brasil em definitivo.
Amaral não pode ser considerado um fato isolado e eminentemente ligado
às suas atuações na atividade cinematográfica do período, já que a maioria A incipiente indústria cultural brasileira do início do século, na qual as
da equipe que compunha os quadros de então era oriunda de companhias companhias de teatro estrangeiras ocupavam uma importante parcela,
teatrais estrangeiras. Não havia um grupo de profissionais residentes no Brasil dependia em certa instância do conhecimento e da bagagem técnica que esses
atrelados diretamente ao trabalho cenográfico em teatro, e menos ainda em profissionais já possuíam. Haverá a formação de um corpo de cenógrafos,
cinema. A itinerância característica dessas companhias se justificava, em parte, além de outros técnicos, alicerçado nesse imigrante estrangeiro, já que quase
pela ausência, como alguns estudiosos do teatro brasileiro como Cacciaglia não há profissionais brasileiros especializados, o que acarretará por sua vez a
(1986) afirmam, de um panorama teatral brasileiro mais vigoroso. incorporação de técnicas estrangeiras de realização.

A incorporação da técnica e das soluções cênicas do teatro não foram as únicas No depoimento de Alcebíades Monteiro Filho, importante cenógrafo do
e as mais importantes contribuições desta arte para uma embrionária realização cinema brasileiro cujo trabalho poderá ser apreciado em vários títulos da
fílmica local. Pode-se aventar a hipótese de que sendo a arte teatral brasileira Mostra, ele assegura que a oficina de pintura comercial de seu pai, onde ele
daquele tempo tão rudimentar e afeita a uma visualidade oitocentista, que também trabalhava, era uma das poucas instaladas na então capital da república.
encenadores e cenógrafos cinematográficos tenham tido que considerar os Confeccionavam tabuletas, cartazes, painéis, panos de boca (tecidos que
efeitos da imagem construída. Costuma-se afirmar a teatralidade do primeiro emolduram o palco) e cenários para o teatro Lírico e para o São Pedro, atual
cinema, calcada na transposição destas técnicas do palco, o que de resto parece João Caetano, e para os cinemas Polytheama e Pathé. Alcebíades afirma que
ter mesmo acontecido. Mas essa afirmação se mostra insuficiente em relação eles eram uns dos poucos estrangeiros residentes na cidade que realizavam esse
à multiplicidade característica do cinema. A sucessão de planos impunha uma tipo de trabalho, já que a maioria dos profissionais dessa área eram imigrantes
dinâmica própria, ainda que o cenário remeta de imediato ao estilo teatral. que integravam o quadro das companhias itinerantes.
Era preciso convencer o espectador e a crítica. O comentário acima sobre Os
estranguladores evidencia essa afirmação. Configura-se assim a primeira base de trabalho cenográfico em cinema
no Brasil. Tal prática sobressai-se mais pela incorporação de técnicas já
Tal tendência para um maior realismo pode ser confirmada também pela consagradas na Europa do que pela afirmação de uma consciência de

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linguagem para a cenografia, pela atualização diante do espetáculo estrangeiro época. Ao contrário da maioria dos diretores do período, Luiz de Barros tinha
ou desenvolvimento de uma estratégia interna nova. uma formação que o aproximava do conhecimento técnico sobre a concepção
e desenvolvimento de cenários. É importante ressaltar que esta formação no
exterior se assemelha, em certa instância, ao conhecimento dos imigrantes das
A visualidade cinematográfica das primeiras décadas companhias teatrais que realizam cenários nos filmes da época.

A derrocada abrupta da produção ficcional da Bela Época como um todo ainda A partir do ponto de vista da cenografia dos filmes italianos desse período e
é motivo de diversas especulações entre os historiadores do cinema brasileiro. do cinema de David W. Griffith pode-se constatar a criação de uma técnica
A articulação do binômio produção-exibição garantia a rentabilidade total do cenográfica. A cenotécnica dos filmes permanece basicamente a mesma, mas
investimento, o que assegurou o crescimento da produção cinematográfica no os materiais utilizados e a espacialidade não.
país na época.
A produção paulista a partir de 1915 será realizada, em sua maioria, por
Francisco Serrador, dono de quase todo o circuito de exibição na capital imigrantes europeus recém-chegados ao Brasil. Ainda que houvesse um certo
paulista no início da década, inicia a expansão de seus negócios ao Rio de empenho na descoberta técnica dos equipamentos, o que se evidencia é o total
Janeiro, quando funda em 1911 a Companhia Cinematográfica Brasileira. despreparo dos envolvidos. Segundo Maria Rita Galvão (1975), tal ousadia e
Sua associação a setores ligados diretamente ao capital estrangeiro, e o empenho podem ser explicados como uma forma de legitimar uma cidadania
direcionamento do mercado ao filme internacional, é considerado por muitos em vias de concretização. As considerações de Galvão fornecem algumas
estudiosos como o principal fator da estagnação da produção nacional. Melo ideias sobre esse período:
Souza (2003) chama atenção para o equívoco de explicações maniqueístas e Fazia-se cinema sem ter a menor idéia do que fosse fazer cinema a não ser
totalizantes como esta, que não leva em conta o próprio esgotamento natural tentar imitar o que se via na tela vindo de fora; sem conhecimentos técnicos
das temáticas desenvolvidas na época, a mudança no mercado exibidor e, mais que amadorísticos; sem maquinaria e material adequado; e sobretudo sem
respeitáveis capitais. [...] Capital para fazer um filme significava, na realida-
ainda, no público. de, muito pouca coisa. Numa época em que, em Hollywood, pensava-se em
termos de milhões – empregados na construção de cenários grandiosos, em
luxuosa decoração e indumentária, em altos salários que sustentassem o star
O longa-metragem se tornará o produto básico do mercado, o que exigirá system e toda uma equipe de técnicos cada vez mais especializados – no Brasil,
investimentos em padrões de qualidade superiores aos obtidos com o material o dinheiro necessário para fazer um filme era apenas o suficiente para comprar
técnico disponível no país. Dessa forma, a produção nacional de ficção tentará filme virgem, pagar as despesas de laboratório, e eventualmente dar de comer
aos artistas durante o período de filmagem, quando não eram os artistas quem
ressurgir em novas bases, buscando estabelecer um diálogo com o cinema davam de comer aos cinegrafistas e diretores (Galvão, ibid., p. 47).
industrializado.
A autora discorre com eficiência sobre a precariedade da produção,
Mas nossa forma de fazer cinema se verá refletida pela pouca especialização especialmente acerca dos cenários:
técnica dos envolvidos, além da acentuada vocação teatral. O que havia na
época era uma improvisação generalizada, em que apenas uma pessoa acabava Estúdios praticamente não havia [...]; as filmagens eram feitas em qualquer
exercendo quase todas as funções dentro de um filme. Luiz de Barros, barracão onde desse para acomodar alguns móveis à guisa de cenário, e fre-
quentemente os interiores eram filmados nos próprios quintais das casas dos
diretor de filmes como Perdida, de 1915, e Vivo ou morto, de 1918 – além produtores. Os artistas não recebiam salários; muitas vezes, ao contrário, pa-
de uma extensa filmografia que se estende até 1977 – pode ser considerado gavam para trabalhar nos filmes. Técnicos especializados também não havia;
cinegrafistas eram ao mesmo tempo atores, diretores, roteiristas, montadores,
um exemplo de cineasta típico desse momento. “Sempre responsabilizando- laboratoristas (ou vice-versa), em função das necessidades do momento. A im-
se pela autoria da obra, assim como por sua produção, montagem, roteiro, provisação era generalizada em todas as fases da produção, até mesmo na ma-
cenografia e eventualmente fotografia [...]” (Heffner et al, 2000, p. 48). O fator quinaria empregada; há inúmeras referências ao uso de projetores adaptados
para filmar, a construção de rudimentares aparelhos para a captação de luz [...].
que o diferencia da maioria é que foi enviado para Milão, por volta de 1912, Alguns dos nossos técnicos [...], muitas vezes semi ou totalmente analfabetos,
para estudar cenografia e pintura decorativa, fato incomum entre os de sua ficaram famosos entre os seus companheiros por sua extraordinária inventiva e
capacidade de resolver problemas imprevistos durante as filmagens; dotados de

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grande habilidade mecânica, o cinema exercia sobre eles uma fascinação que os Esta fita se distingue principalmente pela inovação da linguagem dos filmes
levava a procurar entender o funcionamento das máquinas, transformava-os em nacionais, até aqui, pelo que sabemos, estruturada com base numa rígida com-
autodidatas (Galvão, ibid., p. 47-48). partimentação em quadros de ação completa, intercalados por letreiros respon-
sáveis pela ordenação dos fatos (Machado et al, 1987, p. 104).
O cinema que se desenvolveu em São Paulo nesse momento tem raízes
intimamente ligadas ao crescimento do teatro em geral, especificamente ao O enredo, bastante simples, consiste em uma lição de moral melodramática
do teatro operário. Esse teatro era composto por grupos amadores ligados nos moldes do ideário cinematográfico que se desenvolveu nas duas primeiras
a associações de imigrantes e sociedades mutuárias de operários. Além de décadas do século, sintetizado na figura de David W. Griffith. A patroa simula
constituírem centros de defesa dos trabalhadores imigrantes, em volume cada com o mordomo um adultério a fim de chamar atenção do marido desleixado
vez maior devido à industrialização crescente de São Paulo, também eram para os deveres conjugais. Mesmo que se constitua como um caso à parte entre
centros de lazer e divertimento. seus contemporâneos, demonstrando agilidade na decupagem dos planos e
uma hábil montagem paralela (enquanto a patroa arruma a simulação vemos o
A relação de proximidade entre o panorama teatral e o cinematográfico pode marido receber o bilhete e sua volta para casa), em relação aos cenários não há
ser explicada pela integração de profissionais oriundos do teatro na maioria grande novidade. A sala, principal foco da ação narrativa, será enquadrada em
das equipes cinematográficas do período, como Vittorio Capellaro, os irmãos um plano fixo e contínuo, com a quebra somente para alguns planos-detalhes
Lambertini, José Medina, entre outros, todos com passagem pelo teatro, de objetos que favorecem a ação dramática do suposto adultério, como os
profissional ou amador, antes de embarcarem no cinema. Não somente o elenco copos vazios e o cinzeiro com o cigarro.
saía de seus quadros, como também a estrutura e a encenação, a interpretação
dos atores, a diferenciação em gêneros, as temáticas, além do que concerne à Em princípio, Exemplo regenerador retoma o esquema cenográfico típico de
cenografia, estreitamente relacionada com a composição cênica da época. um filme de crime: alterna locação e estúdio (no caso o quintal da casa de
Rossi). Nesse sentido pode ser considerado moderno, pois incorpora o que
No depoimento de Vitória Lambertini, ela faz referência à “Casa Teatral seria o real. Contudo, sua defasagem cenográfica se evidencia pelo caráter
Valentini”, lugar de onde eram alugados a maior parte dos costumes e objetos acentuadamente teatral da parte de “estúdio”, isto é, pelo uso de móveis, objetos
utilizados nas peças teatrais e, posteriormente, em quase todos os filmes do e papéis de parede que compõem uma certa visualidade démodé (destaca-se o
período: contraste entre as linhas do automóvel e as suscitadas pelos planos da sala de
casa). A personagem central é rica, mas sua casa não caracteriza esse dado, ao
Em geral, os costumes das peças eram alugados, juntamente com os móveis e
todos os demais acessórios, da Casa Teatral; mas às vezes os italianos ricos de contrário da solução evidenciada em Os óculos do vovô.
São Paulo davam dinheiro para as montagens, e então mandavam fazer cená-
rios e roupas especiais. [...] Mas mesmo quando as roupas e cenários eram alu- Por outro lado, Exemplo regenerador indica uma das questões cenográficas mais
gados, as montagens eram muito bem cuidadas. A Casa Teatral tinha de tudo,
naquela época, e coisas muito boas; seus donos eram os Valentini. Os Valentini importantes da época, justamente a passagem locação/estúdio, o que levaria
vieram para o Brasil em 1907, com Eleonora Duse. Ao desligarem-se da com- os alemães, por exemplo, a uma solução drástica, um cinema de estúdio que
panhia, quando Eleonora voltou à Europa, ficaram com boa parte do guarda-
-roupa, e resolveram abrir uma casa teatral em São Paulo [...]. Quando por aqui pretendia reconstruir totalmente o real através cenografia, inclusive em relação
apareciam outras companhias italianas, os Valentini compravam os costumes à uma cidade contemporânea (ver A última gargalhada, F. W. Murnau, 1924).
de época, acessórios e cenários das peças que já não iriam ser encenadas. Eram
eles que forneciam o guarda-roupa de todas as peças que eram montadas em
São Paulo. Depois, quando os amadores das sociedades italianas começaram a Convencionou-se denominar as produções realizadas fora dos grandes centros
fazer cinema, todos os acessórios e vestimentas dos filmes continuaram a ser neste período como ciclos regionais. A definição de ciclo regional é encarada
fornecidos pelos Valentini (apud Galvão, ibid., pp. 181-182).
de maneira pouca rígida na historiografia do cinema brasileiro. Entendida
como surto regional por Alex Viany (1959), de forma geral é considerada a
Dessa época só chegou até nossos dias o curta-metragem Exemplo regenerador produção de filmes de ficção (os chamados “posados”) fora do eixo Rio-São
( José Medina, 1919). A rigor, é o único filme de ficção remanescente de todo Paulo no período do cinema silencioso. Considerado por alguns historiadores
um período do cinema brasileiro, bastante diverso das temáticas abordadas na um dos momentos mais importantes da história do cinema brasileiro, o ciclo
época, como crimes escandalosos, episódios da história ou literatura brasileira.

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de Cataguases deve tal afirmação ao fato de ter lançado a figura ímpar de Os idílios do casal Luiz e Anita acontecem, em sua maioria, na natureza, já
Humberto Mauro. anunciando o simbolismo que essa característica acarretará ao longo de toda
a obra de Mauro. Além de emoldurar o idílio com belas paisagens, a natureza
Braza dormida, de 1928, que será exibido na Mostra, tem roteiro e direção de é vista como o local da sensualidade, onde o desejo não poderá ser controlado,
Humberto Mauro, sendo considerado um clássico do período silencioso. Em ou seja, o lugar da tentação.
estreia na função de fotógrafo, Edgar Brasil, aquele que seria considerado um
dos maiores profissionais da área no Brasil. A alta burguesia carioca retratada pelo filme está muito mais próxima de
uma burguesia cataguasense, evidenciada pelos figurinos e tipos físicos dos
Segundo Sales Gomes (1974), a preocupação em fazer da capital (nessa personagens, como notado por Sales Gomes (ibid.), exibindo uma atmosfera
época o Rio de Janeiro) um dos centros de acontecimentos do país já fora provinciana que atravessa toda a ação dramática do filme, embora ela pretenda
apontada em Thesouro perdido (1927) e se consolidou em Braza dormida. A ser realista.
produtora Phebo acreditava que tal enfoque facilitaria a circulação do filme
nos principais circuitos de exibição pelo Brasil. Essa preocupação, de certa Em relação à estrutura do filme, percebe-se que está muito mais ancorado na
forma, é concretizada no filme, pelo menos no início, onde se veem diversas fluência das imagens, baseando-se no encadeamento visual dos acontecimentos,
tomadas da cidade do Rio de Janeiro − “[...] quiosques de jornais e transeuntes do que na utilização dos letreiros para o desenrolar da narrativa, localizados de
da Avenida Central, corridas no Jockey ou a fachada de um palacete [...]” maneira muito pontual e concentrados em alguns blocos.
(Sales Gomes, ibid., p. 217). Conforme a narrativa avança a paisagem do Rio A sofisticação nos enquadramentos de Braza dormida, maior do que grande
parte dos filmes do período, se deve principalmente à presença de Edgar
de Janeiro é completamente sobrepujada, mesmo quando a ação se localiza
Brasil, como apontam a maioria dos estudiosos e como sua própria carreira no
na cidade. Perde-se aqui o sentido preciso da dramatização dos espaços antes
cinema brasileiro irá assegurar.
esboçada em Os óculos do vovô.
Em relação ao trabalho cenográfico, o filme pode ser considerado como
A cenografia é creditada a Paschoal Ciodaro, egresso do teatro amador,
um caso à parte entre seus contemporâneos principalmente pela notável
parceiro de Humberto nos filmes desse período. Sua aclimatação ao universo
diminuição da influência do padrão teatral, como já apontado em outras
interiorano é visível pela escolha de chácaras e cottages. O trabalho cenográfico
obras da época. A mobilidade da câmera, garantindo enquadramentos mais
é valorizado pela maior sofisticação na angulação da câmera associada a uma sofisticados e cuidadosos, contribui para a construção de espaços mais ricos
decupagem mais trabalhada do que pela adequação ao enredo. A construção em sua composição e profundidade, garantindo a consolidação de uma
dos ambientes ainda está estreitamente relacionada com a localização da ação, significação ancorada, em sua maior parte, nos elementos visuais do filme.
mas já contribuem para melhor caracterização dos personagens, como o quarto
de Anita (Nita Ney) e o escritório do Sr. Carlos da Silva (Côrtes Real), seu Esse período evidencia a influência da cena teatral no trabalho cenográfico da
pai, representado como um grande usineiro, ou o barracão habitado pelo vilão maioria das obras. A imobilidade da câmera, que privilegia a visão de conjunto,
Pedro Bento (Pedro Fantol), o enteado do vilão (Máximo Serrano) e o bêbado sempre procura enfocar o cenário como um todo, evitando a fragmentação
cômico (Rosendo Franco). Ou seja, para Humberto Mauro a cenografia tem do espaço. Cenas em exteriores apresentarão uma rigidez um pouco menor,
função na narrativa. principalmente pela movimentação interna dos elementos.

As escolhas das locações também contribuem para a maior riqueza da A época marcará a existência de uma característica recorrente da produção
composição do espaço, como fica exemplificado pelo escritório do pai de Anita, cinematográfica desse momento: o trabalho praticamente artesanal. A mesma
onde as colunas e o cuidado na iluminação garantem maior profundidade, pessoa se encarregava de diversas funções durante a realização de um filme,
também ancorada na disposição dos elementos em cena, especialmente o não havendo trabalho especializado em nenhuma área, inclusive a cenografia.
mobiliário. Nesse contexto, muitos dos profissionais que atuarão nessa área serão os

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cenógrafos das companhias teatrais itinerantes, como apontado anteriormente. administrativo e político, criando vários organismos, como o Ministério do
Muito da técnica cenográfica utilizada no Brasil, além da formação de quadros Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, e o Ministério da Educação e Saúde
especializados, se deve a esse imigrante que começa a fixar residência no país Pública, em 1932. Com a criação do INCE (Instituto Nacional de Cinema
nas primeiras décadas do século. Educativo) em 1937, as preocupações de Vargas com o papel educativo do
cinema se concretizam. Organizado pelo antropólogo Edgar Roquete-Pinto,
Já em meados na década de 1920, influenciados por um modelo calcado o INCE será o primeiro órgão oficial criado especificamente para o cinema,
na produção norte-americana que começa a se consolidar no mercado de caráter absolutamente pedagógico, em consonância com o principal papel
cinematográfico brasileiro, intermediado pela ideologia de revistas como do cinema segundo o presidente − educar as massas sobre os diversos aspectos
a Cinearte, alguns cineastas já apontam certas características típicas desse da cultura brasileira.
novo tipo de cinema. O que triunfa no cinema americano é o realismo, e
sua plasticidade está calcada na ideia de harmonia visual (enquadramentos, Nessa época vislumbram-se as primeiras investidas sérias de uma provável
equilíbrio de luz e pertinência do cenário ao real e ao estilo do filme, que é industrialização da realização cinematográfica no país, com o surgimento de
ditado por códigos como o gênero e o estilo do diretor). A cenografia é espaço estúdios de grande porte como a Cinédia, a Brasil Vita Filme e a Sonofilms. A
preenchido. Somente quando se gera a ideia de contiguidade espacial ela se faz introdução de novas funções artísticas e técnicas nas equipes cinematográficas
notar. Ou seja, surge em toda sua potencialidade com a decupagem da cena. será configurada dentro de um modelo de equipe profissional moldada pelo
cinema industrial, como direção, câmera, montagem e cenografia.
Nessa fase, a direção de arte vai corresponder, a maior parte do tempo, à
ambientação, sendo que filmes que se pretendem realistas em seus universos Com a criação da Cinédia em 1930, os padrões ditados por Hollywood e
ficcionais terão a questão da aderência do espectador “ferida”, pois a realização a ideologia defendida por Cinearte finalmente se concretizam em solos
técnica é ruim. brasileiros.

No início do cinema brasileiro, o espaço cenográfico ainda é reconstituído por Conforme Vieira (1987), a fundação da Cinédia encarnava o ilusório
técnicas teatrais, e esta “licença poética” foi aceita porque o cinema e o teatro clima de euforia do início da década. Devido às mudanças nos mercados
nessa época eram muito próximos. A cena é chapada, como consequência a cinematográficos mundiais com o advento do cinema sonoro, a indústria norte-
cenografia constrói apenas um tableau de fundo. A exceção é o trabalho de americana resolve priorizar o mercado interno na adaptação ao cinema falado,
Francisco Santos em Os óculos do vovô. Merece menção Paschoal Ciodaro nos relegando a um segundo momento as resoluções dos problemas decorrentes da
filmes do Humberto Mauro, pois se arrisca a construir um efeito tridimensional nova tecnologia em outros países.
mas fracassa devido à falta de recursos.
Acredita-se no Brasil que este seria o momento ideal de fortalecimento do
A ausência de uma maior compreensão do processo cenográfico é uma mercado local, já que a rejeição das plateias brasileiras ao filme legendado é
característica do período, o que fica evidenciado pela falta de uma unidade dada como certa. Mas isso não ocorre, já que algum tempo depois o público se
visual entre os espaços interiores e exteriores na maior parte dos filmes. mostrava bastante receptivo ao uso de legendas.

Ao contrário da ideia corrente, os historiadores apontam para a diminuição da


A transição para o cinema de estúdio: o início da utilização de produção com a chegada do cinema sonoro, já que os custos para a realização de
uma técnica cenográfica um filme aumentam substancialmente, além da dispendiosa adaptação técnica
das salas de exibição, estreitando ainda mais nossa relação de dependência.
A partir de 1930 o Estado começa a intervir de forma efetiva na atividade
cinematográfica. Getúlio Vargas assume um papel mais agressivo na defesa A Cinédia é criada nesse contexto, sendo concebida sob uma ótica,
da indústria nacional, implementando uma série de reformas de caráter social, desenvolvida a partir da década de 1920, que propunha a criação de uma

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indústria cinematográfica nacional, ideal especialmente defendido pela revista O retumbante sucesso do filme faz com que a Cinédia se arrisque na comédia
Cinearte. Dirigida pelo próprio Adhemar Gonzaga, pretendia equiparar o romântica Bonequinha de seda, dirigida por Oduvaldo Viana em 1936,
filme brasileiro à produção estrangeira, pregando uma atualização técnica e considerada um marco na história do cinema brasileiro devido à introdução
estética. de diversas inovações técnicas e ao sofisticado trabalho cenográfico para os
padrões da época.
Essa proposta culminou em uma maior especialização das funções dentro do
universo fílmico, ganhando destaque, com toda a infraestrutura necessária O filme é “um bom exemplo de realização que buscava tornar realidade
para a produção e realização de um filme, a função do cenógrafo. os padrões ditados por Cinearte, principalmente no que e refere a valores
cenográficos” (Vieira, 1987, p. 147). O filme representou um considerável
Vieira (1987) aponta que o advento do cinema sonoro possibilitou a avanço técnico para o cinema brasileiro. “As inovações implementadas pelo
personificação de vozes já conhecidas do disco e do rádio por sambas e fotógrafo Edgar Brasil foram consequência do desejo de Oduvaldo em utilizar
marchinhas inseridas em um contexto mais amplo, o do carnaval. Afirma- todos os recursos disponíveis no cinema da época, como planos de grua,
se que esse talvez tenha sido o diferencial do cinema brasileiro do período, maquetes, cenários maiores e mais realistas e trucagens óticas e mecânicas,
apoiando-se justamente em peculiaridades nacionais da língua e da cultura. como o back projection” (Ramos et al, 2000, p. 565).

Embora, como via de saída frente à competição estrangeira ou enquanto pro- A partir da análise mais detalhada de Bonequinha de seda e de outros filmes
posta estética, esse rumo tenha sido combatido durante muitos e muitos anos,
não restam dúvidas de que, nas décadas de 1930, 1940 e 1950, a união entre produzidos pela Cinédia um pouco depois, pode-se notar aspectos um pouco
o cinema e a música brasileira, identificada para sempre com o cinema que se diversos das opiniões consensuais dos historiadores do cinema brasileiro
fez no Rio de Janeiro, possibilitou a sobrevivência e garantiu a permanência do
cinema brasileiro nas telas do país (Vieira, ibid., p. 141). acerca do filme.

Tal constatação é comprovada pelo sucesso de Alô, alô, Brasil, dirigido em Tendo iniciado em Favela dos meus amores sua longa carreira de cenógrafo
1935 por Wallace Downey em produção conjunta com Waldow Filme- na produção cinematográfica brasileira, o português Hipólito Collomb,
Cinédia, consolidando a presença de estrelas do rádio e do disco em produções imigrante e egresso do teatro como outros que apontamos no início da década,
cinematográficas. efetivamente introduzirá algumas inovações em Bonequinha de seda.

O próximo filme da companhia, Alô, alô, carnaval, de 1936, dirigido por Baseado na recorrente história de troca de identidades, Marilda, interpretada
por Gilda de Abreu, se passa por uma moça rica educada em Paris,
Adhemar Gonzaga, repete o sucesso do anterior. A história retrata dois
impressionando a todos da alta sociedade com seu vestuário elegante e modo
autores cariocas interpretados por Pinto Filho e Barbosa Júnior e suas
gracioso e educado, fazendo com que creiam que realmente só poderia ter
aventuras ao tentar convencer o empresário vivido por Jaime Costa a montar
nascido na Europa, bem distante da grosseria brasileira. Mas na verdade
a revista elaborada por eles chamada Banana-da-terra. Apesar de apresentar
Marilda é uma moça pobre que largou seus estudos para ajudar o pai que
uma cenografia calcada no padrão do número musical em estrutura de palco,
se encontra em dificuldades financeiras e está devendo meses de aluguel.
com painéis pintados localizando a temática das canções, característica que
Envolvendo-se romanticamente com seu credor, a quem conquista com sua
se estenderá em outras produções do período, este filme apresenta um fato identidade de mulher rica e sofisticada, Marilda acaba por desmascarar as
curioso. Ao invés de reproduzir em estúdio a casa dos autores da revista, hipocrisias da sociedade brasileira da época. A história de Oduvaldo Viana
apresentados como pessoas simples, será em uma locação, uma casa simplória, revela sutil espírito crítico, já que apesar de pobre e brasileira, a personagem
quase um barraco a opção escolhida pelo cenógrafo. Tal escolha se mostra de Marilda é bem-educada e cheia de atributos.
mais próxima do que seria a representação de moradias de setores populares
naquele momento, como em boa parte de Favela dos meus amores (filme de Em relação ao trabalho cenográfico, a composição dos ambientes é realizada
Humberto Mauro de 1935, considerado perdido). de maneira cuidadosa, na qual os elementos em cena contribuem não só para
a localização da ação como também para a caracterização dos personagens.

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Os espaços indicam a existência de exterior e sugerem sua expansão para além Logo, apesar do evidente apuro estético e da existência de maiores recursos
dos limites do cenário, ou seja, para o espaço fora do enquadramento, como direcionados à cenografia, as inovações estão muito mais presentes no trabalho
na entrada do escritório de João, de onde se vislumbram enormes janelões que da fotografia, personificado na figura de Edgar Brasil, do que no trabalho
possibilitam a visão de supostas árvores na parte exterior do edifício. cenográfico.

As linhas compostas pela disposição dos objetos cenográficos suscitam volume Na tentativa de realizar uma guinada em seu esquema de produção, a Cinédia
e contribuem para a profundidade de campo. A cena em que Marilda canta começa a realizar comédias mais leves e comunicativas, mas sem abdicar dos
para os convidados na festa é exemplar no que diz respeito à decupagem. Os recursos oferecidos pelas filmagens em estúdio, como é o caso de Maridinho de
inúmeros pontos de vista assumidos pela câmera no decorrer da cena compõem luxo (Luiz de Barros, 1938), selecionado para a Mostra. O filme é considerado
a contiguidade espacial que corrobora a ideia de amplitude e sofisticação do o ápice da carreira do diretor na companhia. O cenógrafo Monteiro Filho,
ambiente. ao lado de Alceu Rodrigues, executa com riqueza de detalhes e sofisticação
nos acabamentos a cenografia dos ambientes por onde circula Patrícia (Maria
Os figurinos já anunciam a preocupação com uma certa plasticidade, pois a Amaro), moça rica e mimada que decide comprar um marido para fazer
estamparia dos vestidos está sempre em harmonia com o ambiente. O beijo todas as suas vontades e provocar inveja nas amigas. O escolhido é Marcos,
final entre o casal romântico também assinala tal efeito, já que se vê a silhueta interpretado pelo mais famoso cômico da época, Mesquitinha, em um de seus
dos dois pela grande janela de vidro de forma circular. melhores papéis. A cenografia e os figurinos conseguem dar conta tanto do
retrato de uma elite, representada pelo personagem de Maria Amaro, quanto
O ambiente que pode sugerir realmente o luxo tão propalado por alguns de uma parte da população que tentava sobreviver de um outro modo, como
pesquisadores em relação ao filme é a casa da avó (Conchita de Moraes) é o caso do personagem interpretado por Mesquitinha. O filme acaba por
da personagem interpretada por Déa Selva. A escadaria com corrimão de realizar, de maneira leve e divertida, uma crônica da sociedade brasileira da
inspiração art déco, móveis modernos que remetem ao design da escola de época.
arquitetura Bauhaus e a presença de inúmeros objetos de decoração em todo
o ambiente compõem a atmosfera de refinamento e sofisticação por onde Mas a produção cinematográfica que realmente pode ser considerada um
circulava a alta burguesia carioca. marco para a cenografia no Brasil nesse período é 24 horas de sonho, que será
exibido na Mostra. Filme produzido pela Cinédia em 1941, é dirigido por
A presença constante de signos de uma arte art déco, recorrentes no traçado Chianca de Garcia e conta com cenários e figurinos de Hipólito Collomb.
urbano, arquitetura (externa e interna), móveis e decoração, sugere um O relançamento de uma versão recuperada do filme no cinema Odeon em
planejamento inusitado para um filme brasileiro até então, conferindo-lhe 2004 possibilitou a análise mais cuidadosa e detalhada dessa produção pouco
unidade visual e perspicácia compositiva. pesquisada em estudos sobre o cinema brasileiro.

Apesar desta aparente sofisticação, podemos notar que a maioria dos Dulcina de Moraes interpreta Clarice, uma jovem desiludida com a vida que
acabamentos são feitos de papel e pano e que por vezes denunciam sua resolve se suicidar atirando-se do alto do Corcovado. Não consegue consumar
textura (ou falta de). O depoimento de Monteiro Filho (1988), cenógrafo seu intento mais uma vez, pois sempre acontece algo que a impede. Tudo
que desenhou o painel e o figurino das baianas da peça de teatro que se passa parece dar errado ao seu redor, até que conhece Cícero, o motorista de táxi
dentro do filme, além do cartaz, confirma que os acabamentos da maioria que se torna uma espécie de talismã. Por sugestão dele, resolve aproveitar suas
dos cenários foram realizados com os materiais citados. Monteiro Filho ainda últimas vinte e quatro horas antes da consumação do ato fatal. Passa-se por
afirma que o cartaz criado por ele para o filme, reproduzindo o rosto de Gilda uma condessa refugiada da guerra e se hospeda no Copacabana Palace para
de Abreu, tinha dimensões de 3 × 6 metros e talvez seja o primeiro outdoor de desfrutar o tal dia de sonho. Acaba se envolvendo com Roberto, interpretado
filme de que se tem notícia no país. por Odilon de Azevedo, rapaz galante que passa o dia no hotel tentando se
dar bem.

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A maior parte da ação se passa em ambientes luxuosíssimos, como o referido movimentação interna dos personagens que sugere tal profundidade. Pessoas
hotel, a suposta mansão de Roberto, par romântico de Clarice, e um restaurante e objetos passam pela câmera todo o tempo, e diversas ações se desenrolam
refinado, na verdade o Cassino da Urca. Há também a rádio onde a personagem simultaneamente no plano.
de Dulcina ganha o concurso de “Mulher Sherlock” e o hospital onde Roberto
se recupera do acidente de automóvel. Deve-se frisar que a fotografia de George Fanto contribui de maneira precisa
para a criação de tais efeitos. Ao contrário de outros filmes da época, em que
À primeira vista pode até ser confundido com locação, mas o hotel é uma os poucos recursos de iluminação tendiam a “chapar” os cenários, eliminando
reprodução do Copacabana Palace construída em estúdio. Os acabamentos os volumes dos elementos enquadrados, os recortes de luz de 24 horas de
em estilo art déco se mostram de qualidade bem superior aos de Bonequinha sonho auxiliam a criação de profundidade. Mas destaca-se que tais recursos
de seda, contribuindo em textura e volume para a composição dos ambientes. já se encontram presentes na configuração dos cenários, que exercem sua
A profundidade de campo criada pelos cenários, especialmente o cenário do potencialidade criativa de forma até então inexistente no país.
hotel, demonstra um completo domínio da criação cenográfica por Hipólito
Collomb, introduzindo cenários com teto pela primeira vez no Brasil. Na Collomb se esmera no acabamento, afasta-se dos arremates teatrais de
sequência do roubo das joias de uma princesa, o ladrão tenta fugir descendo Bonequinha de seda e se arrisca na sempre problemática passagem interior/
por uma abertura no teto. Ainda em relação ao hotel, as soluções cenográficas exterior. O desafio de reproduzir um espaço conhecido leva-o a uma harmonia
para a entrada e saída dos atores são extremamente criativas, com inúmeras compositiva solucionada dentro das próprias premissas da narrativa e impõe
portas integrando diversos ambientes. um compromisso realista que ele dilui pela recorrência ao art déco e sua fluidez
visual.
Ainda que a maior parte da ação transcorra no hotel, chama-se atenção para o
fato de que os outros ambientes possuem apuro semelhante em sua composição. Nota-se que a cenografia começa a assumir uma responsabilidade crescente
Nenhum cenário é simples. Os salões da suposta mansão do personagem na criação do espaço fílmico. A representação de lugares, imagens e signos
Roberto são de extremo requinte, com amplitude de espaço semelhante ao do correntes tem de ser transportada para os limites do estúdio e para as
hotel. Aqui, a saturação de objetos de decoração dará conta da suposta riqueza necessidades da narrativa fílmica, com criatividade e não mais como sugestão,
do personagem, onde nenhum detalhe do espaço passa despercebido. efeito típico do teatro. Pode-se dizer que a cenografia em termos modernos
nasce no Brasil nessa época.
O restaurante refinado a que Roberto vai com uma princesa em determinada
sequência representa de forma impressionante o que seria a alta classe carioca A década de 1940 irá pontuar bons e maus momentos para o cinema brasileiro.
da época. A câmera não busca enquadrar uma porção limitada do espaço, Após diversificar a produção, implementando o setor de documentários e
solução utilizada de forma recorrente quando a configuração do cenário é cinejornais, a Cinédia interrompe momentaneamente suas atividades em
limitada. Nesse caso encontramos justamente o oposto, um espaço com grande 1941, tendo seus estúdios reabertos no ano seguinte para a produção de It´s All
profundidade − sustentada pela enorme quantidade de figurantes dispostos ao True, projeto não concluído de Orson Welles. Concomitantemente, a Brasil
longo de todo o ambiente, além de uma banda de música ao fundo e intensa Vita Filme encontrava-se completamente envolvida com a superprodução
movimentação interna −, onde o cenário oferece toda sua potencialidade à Inconfidência Mineira, filme que só chegaria ao público em 1948. Para agravar
câmera. o quadro, a Sonofilms sofre em 1940 um incêndio que destrói por completo
suas instalações, paralisando as atividades no estúdio.
Os outros interiores do filme são constituídos de maneira semelhante, ainda
que não busquem a atmosfera sofisticada dos outros ambientes. Os espaços da A criação da Atlântida em 1941 injetará novo fôlego no cinema brasileiro.
rádio e do hospital também possuem grande profundidade. A disposição do Ainda que seus estúdios fossem de pequeno porte, a intenção de Moacyr
cenário cria este efeito baseado na grande quantidade de figurantes no ambiente, Fenelon e dos irmãos Burle, seus criadores, mostrava-se análoga à da Cinédia,
corroborando o aproveitamento das locações e dos estúdios. Já no hospital é a com a pretensão de contribuir para o desenvolvimento de uma indústria
cinematográfica no país.

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Inicia sua produção de longas metragens ficcionais com Moleque Tião ( José pelo custo mínimo, já que o estúdio se encontrava em situação precária, além
Carlos Burle, 1943) − considerado um filme de pretensões artísticas por alguns das péssimas condições de trabalho alegadas por integrantes da companhia na
historiadores como Miranda (2000). época.

Desaparecido como tantos outros filmes do cinema brasileiro, Alex Viany Em relação ao trabalho cenográfico na companhia, Monteiro Filho (1988)
considera que a obra introduz novidades no cinema brasileiro, inserindo o que afirma que isso acarretava a ausência de recursos mais sofisticados e específicos,
o historiador baliza posteriormente como elementos do neorrealismo italiano, embora já existissem possibilidades de utilização de um maior número de
como as filmagens em locação, a utilização de uma ambientação mais popular materiais, limitando a cenografia em sua potencialidade.
e a valorização do cotidiano dos personagens. Partindo destas afirmações, a
cenografia de Alcebíades Monteiro Filho neste filme poderá ser apontada O trabalho cenográfico dos filmes desse período participa deste esquema
como precursora do estilo realista, onde as condições socioeconômicas dos narrativo básico de forma análoga. Há sempre um ambiente onde se situa e se
personagens serão decisivas para a criação dos ambientes adequados. desenrola a ação, seja a casa da mocinha, o escritório do chefe, ou um lugar que
agregue alguns personagens como um ambiente de trabalho comum. Estes
Parte do possível impacto estético de Moleque Tião pode ter vindo da introdução ambientes geralmente são caracterizados de forma funcional, com elementos
do desenho de produção na etapa de planejamento do filme. Monteiro Filho que indicam a situação econômica dos personagens. A dupla cômica e os vilões
desenhou todo o filme, sequência por sequência, plano por plano, criando um geralmente são apresentados em suas próprias casas, e permanecem circulando
guia de composição visual e racionalização da produção. A possível unidade pelos ambientes comuns durante todo o filme.
visual advinda de tal método parece, porém, não ter sido alcançada por rejeição
do diretor, preocupado com uma diminuição de suas funções. A cenografia dos números musicais constrói a atmosfera pretendida por cada
música, geralmente ilustrando a temática apresentada, inserida no contexto
Com a produção do filme carnavalesco Tristezas não pagam dívidas, de fílmico pela clássica situação de palco ou desencadeada por um sonho ou
1944 e também dirigida por Burle, a Atlântida volta-se para fitas de maior delírio de algum personagem, instaurando um clima fantasioso. Não se busca
apelo popular. Este e Fantasma por acaso (Moacyr Fenelon, 1946), filmes uma representação realista dos temas suscitados por esses números musicais,
remanescentes da primeira fase da companhia, evidenciam a opção contrária à havendo uma certa dose de estilização na composição dos cenários e figurinos.
proposta de Moleque Tião e ensaiam um retorno aos padrões médios dos anos Figurinos estes que servem para marcar ainda mais a tipologia dos personagens,
1930, em termos cenográficos. São produções basicamente de estúdio, com frisando algumas características básicas: a mocinha se apresentará a mais bela
certo grau de estilização e relaxamento na composição das cenas, assumindo possível a maior parte do tempo, com figurinos que valorizem sua silhueta;
propositalmente um caráter “teatral” na composição dos espaços. Significativo igualmente o galã, com roupas básicas e elegantes; a dupla cômica tenderá
desta estratégia típica dos sketchs das revistas é o cenário de abertura de Tristezas para o figurino inusitado, enquanto o vilão terá seu tipo físico desprivilegiado
não pagam dívidas. Trata-se de um cemitério onde não se divisam ruas, muros, acentuado. Ainda que essas personas cinematográficas possuam contornos
céu, nada que lhe dê credibilidade em sentido realista. A simplificação do caricaturais, essa exacerbação opera de maneira significativa na medida em
acabamento remete de imediato a um paradigma anterior ao apogeu do que permitem a sátira dos próprios tipos representados.
cinema clássico narrativo norte-americano.
A década de 1950 irá cristalizar o apogeu da comédia carioca, dentro ou fora
Em 1947, com a entrada do exibidor Luís Severiano Jr. na empresa, estudiosos do gênero carnavalesco, a partir de três diretores consagrados no período:
garantem que a relação produção-distribuição-exibição estava pronta para Watson Macedo, José Carlos Burle e Carlos Manga.
assegurar o dinamismo da atividade cinematográfica carioca de então, e
alcançando o circuito exibidor de todo o país. Em contraponto ao ideal defendido pela Vera Cruz (como veremos mais
adiante), a Atlântida lança o considerado filme-manifesto da companhia,
Vieira (1987) aponta que não se tratava de nenhuma política integrada para o mais uma comédia carnavalesca intitulada apropriadamente como Carnaval
desenvolvimento da atividade cinematográfica e sim a lógica do lucro máximo Atlântida ( José Carlos Burle, 1952), que assistiremos na Mostra. O filme trata

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justamente da impossibilidade de se realizar um determinado tipo de cinema A partir da segunda metade da década de 1950, “a comédia carioca ampliou
de qualidade no Brasil, demonstrando capacidade crítica e reflexiva sobre a o leque de personagens à disposição das tramas com a entrada de novos
nossa forma de fazer cinema. produtores e diretores, a formação de novas duplas cômicas e também a maior
definição dos tipos já esboçados por alguns atores e atrizes do período anterior”
Recorrendo mais uma vez a referências paródicas, principalmente do cinema (Vieira, 1987, p. 174).
norte-americano, o filme demonstra as dificuldades do produtor Cecílio B.
de Milho (Renato Restier) em realizar uma superprodução histórica sobre O ideário de Severiano Ribeiro Jr. se mantinha, com investimentos em
Helena de Tróia. No desenrolar da história, as argumentações contrárias ao produções de baixo custo, filmadas rapidamente, além do pagamento de baixos
desejo do produtor acabam se impondo e o filme carnavalesco toma o lugar salários à equipe e ao elenco associado à ampla penetração popular destes
do épico. Pode-se notar que a cenografia funciona como ícone em um certo filmes, caracterizando as chanchadas como um empreendimento seguro e
tipo de cinema, o de qualidade industrial, dentro da leitura da Atlântida. Esta ideal.
questão culmina com a ideia da cenografia como valor de produção e como
apelo para o público. A exibição ditava, dessa forma, a “solução” ideal para o cinema brasileiro, cele-
brando a repetição contínua de um gênero de inquestionável resposta de pú-
blico, que, por isso mesmo, num mercado inundado de filmes estrangeiros, ga-
A cenografia de Martim Gonçalves representará de forma estilizada o universo rantia a visibilidade de um cinema nacional para um público de massa (Vieira,
ibid., p. 118).
grego nos números musicais enquanto se manteve a produção do épico sobre
Helena de Tróia, partindo para o universo carnavalesco no restante dos Apesar do retorno financeiro garantido que estes filmes proporcionavam,
números musicais. O esquema cenográfico se mantém, mas alguns números Monteiro Filho (1988) afirma que os recursos destinados à cenografia ainda
dirigidos por Manga já assinalam o diferencial que as comédias musicais permaneciam precários. O cenógrafo destaca que os estúdios eram alugados
dirigidas por ele apresentarão. por 30 dias para cada produção, sendo que desde o trabalho de concepção
e confecção dos cenários até a filmagem propriamente dita, teriam de ser
Os dois números musicais destacados evidenciam a admiração de Manga, realizados nesse espaço de tempo. O acabamento dos estúdios era muito
como apontam alguns historiadores, pelos musicais norte-americanos, primário e limitado: galpões forrados de cera cobertos com flanela preta.
embora ainda entremeados de trechos de feitio carnavalesco. No primeiro, Monteiro Filho acredita que essa estrutura deficiente sempre atingiu a
Dick Farney apresenta a composição Alguém como tu em meio a um jogo de cenografia de modo particular. Apesar de a cenografia não possuir uma equipe
luzes acompanhado de círculos brancos pintados no chão que potencializavam formal, havia um grupo constante de técnicos que acompanhava os trabalhos,
o efeito, além de uma elaborada coreografia do corpo de baile. Ainda assim principalmente os técnicos responsáveis pelas estruturas básicas, como os
há um trecho no meio do número em que Maria Antonieta Pons e Caco carpinteiros.
Velho surgem em um plateau sambando e rebolando em figurinos de carnaval.
No segundo número vemos Nora Ney interpretando a melancólica canção Apesar do desprezo da crítica especializada, as comédias musicais atravessavam
Ninguém me ama em um cenário representando uma boate, desencadeado pelo uma fase muito interessante, com diretores como Watson Macedo e Carlos
delírio do vilão Conde Verdura ( José Lewgoy). Também há um trecho em Manga sofisticando suas realizações, exibindo um nível de acabamento
que entra uma rumbeira em trajes estilizados acompanhada de um dançarino técnico inimaginável em décadas passadas, inclusive no apuro na apresentação
com instrumento. Após esse ínterim a bateria jazzística de Cill Farney dos cenários. Macedo é lembrado por Monteiro Filho como um profissional
acompanhada de piano finalizam o número. Para Manga a questão que se totalmente intuitivo, já que não realizava nenhum tipo de planejamento.
coloca é a dinâmica do espaço cênico. Ou seja, como a câmera construirá a Apesar de a maioria dos filmes dirigidos por Macedo instaurarem um clima
imagem, não importando seus elementos internos. São mais importantes o de fantasia em seus números musicais, essa característica se inseria em um
corte e o contraste fotográfico do que o fundo ou as linhas do cenário. contexto bastante determinado. Monteiro Filho destaca a utilização do
esquema conhecido na época como “americano”, onde os personagens se

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encontravam em uma boate e a partir daí se desenrolavam todos os números diversas companhias além da Vera Cruz, caracterizando a chamada indústria
musicais, sendo todo o restante do filme apresentado cenograficamente de cinematográfica paulista, parecia ir ao encontro da intensa movimentação
forma realista. O cenógrafo ainda afirma que Macedo fazia questão que seus cultural que estava ocorrendo em São Paulo naquele momento.
filmes caracterizassem os espaços das diferentes classes sociais, sendo que em
todas as suas produções havia um quarto rico, um quarto pobre e um barraco. Conforme Galvão (1981), em um curto espaço de tempo, em torno de cinco
ou seis anos, a burguesia paulista vai criar um aparato, baseado principalmente
De maneira geral, a Atlântida adere a um conjunto básico de elementos em instituições − escolas, museus, teatros −, para a produção e difusão culturais.
– a uma armação de gênero – criando um repertório de convenções que Remetendo ainda a Galvão (ibid.), é importante destacar que o cinema,
transparece através de um universo fantasioso em suas chanchadas. Seu encarado como arte menor que as tradicionalmente respeitadas, como o teatro,
trabalho cenográfico é marcado pelo parecer e não pelo ser, contornando a literatura ou as artes plásticas, vai fazer parte de um projeto de afirmação
a questão da direção de arte no que tange ao seu realismo ou à criação de dessa burguesia, que tentará impor através das manifestações culturais sua
uma linguagem cenográfica específica para as narrativas. Aperfeiçoam-se as visão de mundo.
técnicas de construção, revestimento e adequação dos cenários ao espaço da
cena cinematográfica, construída e mediada pela câmera. Em sentido gráfico Integrando esse renascimento artístico geral, merece destaque a criação do
e compositivo, galga-se um patamar acima em relação à teatralidade da década TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) em 1948, iniciativa do grupo que no
de 1930. Contudo, os cenários ainda participam de maneira acessória na ano seguinte participaria da fundação da Vera Cruz, principalmente a figura
dinâmica da narrativa. O verdadeiro espetáculo associava-se ao desempenho do empresário Franco Zampari, um dos fundadores. Alguns cenógrafos e
dos atores e não ao universo suscitado pela visualidade. Esta ainda é pano de diretores do TBC viriam a ser contratados para a Companhia Vera Cruz,
fundo. como os italianos Aldo Calvo e Adolfo Celi. A Companhia Cinematográfica
Vera Cruz é apontada (cf. Galvão, ibid.) como a primeira iniciativa desse porte
Nesse sentido, o final da década vai representar o esgotamento natural do que irá contar com o interesse e apoio da elite e dos intelectuais paulistas.
gênero, já que a repetição exacerbada das mesmas estruturas passa a não
encontrar o mesmo respaldo popular. A evolução embutida na qualidade A Vera Cruz pretendia sofisticar a produção cinematográfica brasileira,
do acabamento se atrofia pela não incorporação da dimensão conceitual da distanciando-se ao máximo das comédias carnavalescas cariocas, consideradas
cenografia no conjunto da criação cinematográfica. vulgares e popularescas, estabelecendo um padrão bem afeito ao gosto
apurado das classes abastadas e se aproximando de um cinema de qualidade
internacional. Para a concretização de tal empreitada chega ao país uma leva
A maioridade da direção de arte no Brasil: o realismo cenográfico de profissionais estrangeiros para compor seus quadros.

A intensificação da produção de comédias musicais na década de 1940 não A companhia pode ser considerada um caso à parte entre as suas
encontrava respaldo positivo tanto na crítica do Rio de Janeiro quanto na de contemporâneas, pois constitui-se como a mais ambiciosa tentativa de criação
São Paulo, que vislumbrava, com a criação da Companhia Cinematográfica de uma indústria cinematográfica nacional. O seu modelo é hollywoodiano,
Vera Cruz em 1949, a possibilidade de se fazer um cinema “verdadeiro”, mas a mão de obra importada é europeia. “Os técnicos trazidos por Cavalcanti
distanciado da “indigência” em que se havia transformado o cinema brasileiro [Alberto Cavalcanti] formam brasileiros em áreas tão distintas quanto
visto do Rio de Janeiro (Vieira, 1987, p. 165). a fotografia, a montagem, o som, a produção, a cenografia, os trabalhos de
laboratório, a maquiagem” (Paranaguá, 2000, p. 562).
Com o vertiginoso crescimento da cidade de São Paulo desde o fim da 2ª
Guerra Mundial, a cidade carecia de uma atualização cultural que atendesse Mesmo os críticos mais ferinos da companhia nessa época admitem sua
às necessidades e ao gosto mais apurado de sua elite. O surgimento de contribuição em termos de qualidade técnica. Além de enormes estúdios

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muito bem equipados com o que havia de mais sofisticado, a Vera Cruz É o caso da comédia Uma certa Lucrécia (Fernando de Barros, 1957),
elevou a cenografia a padrões internacionais de qualidade, excelência até então que exibiremos na Mostra, produzido pela companhia e pela Serrador
inexistente no Brasil. Fatores como o nível de acabamento dos cenários, a Cinematográfica. A cenografia é de Pierino Massenzi, italiano radicado no
adequação da cor à atuação da iluminação em preto e branco, a mobilidade da Brasil com longa trajetória no cinema brasileiro, com participação em mais
câmera no cenário, e até a construção de uma cidade cenográfica (para o filme de 50 produções, além de uma profícua carreira como artista plástico. O filme
Tico-tico no fubá, de Adolfo Celi) ganharam extrema importância. tem Dercy Gonçalves como protagonista, no papel de Madame Lucrécia,
costureira de fantasias de carnaval que tem adoração por histórias românticas
A rápida análise do filme Tico-tico no fubá, de 1952, inspirado na biografia e de aventura, além da então novata Odete Lara. Em um de seus sonhos, ela se
de Zequinha de Abreu, demonstra o quanto o projeto de cinema idealizado imagina em Veneza no século XV, onde é Lucrécia Bórgia, famosa personagem
pela Vera Cruz estava em consonância com o modelo ditado por Hollywood. histórica. O filme mescla fatos históricos com fantasia, e o cenógrafo consegue
No que tange ao trabalho cenográfico de Aldo Calvo e Pierino Massenzi a a proeza de recriar Veneza em estúdio, em perfeita contiguidade visual entre
identificação é completa. Embora ocorra uma busca por um certo realismo e interiores e exteriores. Feito extraordinário mesmo para a época, visto que a
verossimilhança na caracterização e composição dos ambientes e personagens, produção do período já tinha conseguido atingir certo patamar de excelência
a sofisticação imposta pelo acabamento dos espaços e figurinos em nada no quesito cenográfico. Massenzi opta por uma cenografia minimalista, mas
nos remete à suposta simplicidade de uma cidade do interior brasileira, engenhosa do ponto de vista da espacialidade, e foca na grandiosidade dos
transformando-a em uma ambientação idealizada. A fotografia de J. M. figurinos, propondo uma solução em harmonia com o que seria o imaginário
Beltrán e H. C. Fowle trabalha em conjunção com os elementos da cenografia, de uma costureira simples, como é a personagem de Dercy Gonçalves. Mesmo
ressaltando suas texturas e volumes. Aliás, a procura por uma plasticidade da sem uma grande diversidade de cenários e concentrando-se em um cenário
imagem é característica recorrente no filme, como podemos notar na sequência principal, o conhecimento arquitetônico do cenógrafo permite que o espaço
do idílio entre o Zequinha de Abreu (Anselmo Duarte) e a personagem de ofereça diversas possibilidades para a fotografia e a direção. O excelente
Tônia Carrero, emoldurados por uma vista de cartão-postal da natureza. acabamento dos cenários e figurinos, além da criatividade nas soluções
visuais propostas lhe renderam diversos prêmios de cenografia. Apesar dessas
De forma geral, o problema da cenografia de Tico-tico no fubá está menos no características únicas, o filme é pouco citado em pesquisas sobre a realização
acabamento em si, perfeito, do que em uma incongruência entre as premissas cinematográfica da época. Esse fato corrobora a ideia de que a engenhosidade
de representação realista e o resultado alcançado. Uma cidadezinha do interior dos profissionais de cenografia, que, inevitavelmente, contribuiu para a
não pode ser tão harmoniosa, limpa, sem rupturas gráficas ou sujeiras. estruturação da visualidade do cinema brasileiro do período, não parece
constituir fato relevante a ser mencionado e/ou pesquisado.
A cenografia de outros filmes da companhia seguirá nessa linha, em que
privilegiar a sofisticação e o requinte da ambientação constituirá o foco
principal, não havendo reflexão sobre uma real contribuição da cenografia para O real como locação e a direção de arte como espaço visual
a significação dos espaços.
A partir de uma maior conscientização dos problemas efetivos da realização
O contexto de efervescência cultural e artística observado em São Paulo a partir cinematográfica no país, desencadeada por dois congressos de cinema
de 1945 propicia o surgimento de outras duas companhias cinematográficas brasileiro – no Rio de Janeiro, em 1952, e em São Paulo, em 1953 –, ganha
de grande porte na cidade: a Companhia Cinematográfica Maristela e a consistência o pensamento de que se torna desnecessário a produção de um
Multifilmes, além de várias outras pequenas produtoras e distribuidoras, cinema de qualidade, de comprovada eficiência técnica, mas culturalmente
como a Cinedistri, que também acabará produzindo ou coproduzindo diversos fragilizado, massacrado pela dominação do produto estrangeiro no mercado
títulos a partir de 1953. nacional. Esse processo levou ao início de uma reflexão sobre o papel cultural
do cinema brasileiro.

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O fracasso da produção paulista dos grandes estúdios e de seu projeto de As paredes e portas são dispostas no cenário de maneira que sempre é possível
cinema de ilusão com aparência de filme internacional, baseada sobretudo em se ter a visão de um outro cômodo, ganhando em profundidade. Toda a casa
critérios de qualidade, acaba suscitando um movimento em direção contrária, possui papel de parede, fazendo com que a plasticidade e textura das estampas
surgindo produções que convencionou-se chamar de “independentes” (cf. tornem o ambiente mais acolhedor e visualmente mais rico. Estampas aliás
Catani, 1987). Segundo alguns cineastas da época, como Roberto Santos não faltam nos figurinos de D. Gisa e sua filha Elisa (Dóris Monteiro), sempre
(apud Galvão, 1981), este cinema independente consistia em um esquema de vestindo roupas com algum motivo floral e outras estampas, como bolas. Os
produção fora dos grandes estúdios, no qual os diretores poderiam desenvolver personagens masculinos também contarão com figurinos com linhas (como,
projetos mais autorais. por exemplo, ternos em rica de giz) e camisas com listras.

Será nesse panorama, contrário à ideologia dos grandes estúdios da época, que Os quartos contarão com diversos elementos que buscam retratar os
Alex Viany estreia na direção com Agulha no palheiro, de 1952. A história se personagens. Por exemplo, o quarto que o motorneiro Edu divide com Baiano.
desenrola em torno de Mariana (Fada Santoro), que vem ao Rio de Janeiro em Vislumbra-se uma estante repleta de livros, além dos rádios que conserta nas
busca do noivo que conheceu em Juiz de Fora. Para a empreitada, conta com horas vagas, elementos que contribuem para a complexidade do personagem,
a ajuda da família de D. Gisa, sua tia carioca. Mariana acaba se envolvendo que saberemos que serviu na Itália durante a guerra.
com o motorneiro Edu (Roberto Bataglin), agregado da casa, mas guarda um
segredo que acredita que irá comprometer o envolvimento dos dois. A casa do compositor de samba Juca, personagem negro, demonstra a
preocupação com a representação das classes sociais e seus integrantes. Ainda
Na esteira de uma aproximação com o neorrealismo italiano, segundo alguns que seja apresentado como pessoa simples, assim como a família de D. Gisa,
historiadores, mas não sem uma certa estilização em alguns momentos, o a casa de Juca revelará o personagem do compositor de samba de forma
filme tenta imprimir as bases de uma imagem calcada na realidade suburbana diferenciada, sempre ao piano ensaiando as músicas com a aspirante a cantora
carioca, enaltecendo a simplicidade e a dignidade popular. Elisa.

Os cenários e figurinos de Monteiro Filho tentarão dar conta das preocupações A dose maior de estilização dos cenários será encontrada na boate Baiuca. A
sociais incluídas na trama, destoando do conjunto de filmes nacionais da busca por uma representação de traços de uma cultura nacional um pouco
época. O estilo realista será reforçado pela larga utilização de objetos de cena diversa da que normalmente se retratava aparece na forma de números musicais,
nos quais ritmos e canções geralmente remetidos à macumba são entoados.
como elementos que constroem a atmosfera e a psicologia dos personagens.
Os cenários do bar são de ornamentos em palha que lembram casas simples,
ainda que com certa dose de estilização, com baianas ao fundo realizando
A composição do espaço neste filme se dará de forma diferente desde a movimentos de umbanda enquanto Carmélia Alves canta. Negros tocam
sequência inicial. Como muitos outros filmes brasileiros, Agulha no palheiro atabaque e outros instrumentos com figurinos padronizados, tipicamente
inicia com planos da cidade, característica recorrente para a localização maior estilizados para um ambiente de boate.
da história. Mas o que se vê não são planos situados do alto ou um plano geral,
e sim o ponto de vista de dentro da lotação do personagem conhecido como A fotografia de Mário Pagés vai privilegiar os contrastes dos ambientes,
Baiano ( Jackson de Sousa), filho de D. Gisa. A cidade vai estar presente em fazendo prevalecer as texturas dos objetos e figurinos, e aproveitando os
todo o filme, já que diversas sequências são localizadas em exteriores (rua onde espaços criados pela cenografia, que possibilitam o ganho de profundidade.
mora a família, praça pública, bonde).
A exaltação desse humanismo da vida cotidiana, direcionado à representação
Além da importância dos exteriores no filme, a casa de D. Gisa se estabelecerá de classes sociais mais pobres, também vai caracterizar o primeiro longa-
como outro importante centro da narrativa, de onde se desenrolará alguns metragem de Nelson Pereira dos Santos, Rio, 40 graus, de 1955. Sua estrutura
cruciais acontecimentos. A forma com que a cenografia apresenta a disposição de produção baseada no sistema de cotas, concretizando a possibilidade de
do espaço na casa pode ser considerada bastante interessante. Não há separação realização fora dos grandes estúdios, e a construção não linear da narrativa
entre a sala e a cozinha, fazendo com que o espaço da sala ganhe amplitude. constituem os maiores diferenciais de outros filmes da época.

50 51
A história gira em torno de meninos vendedores de amendoim, cujas narrativas GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1981.
se desenrolam de forma independente. Nota-se a preocupação constante com
a representação do popular, principalmente o universo da favela, em oposição __________________. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975.
a uma burguesia abastada e insensível, traço estrutural de um considerado
GONZAGA, Alice. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1988.
primeiro momento do Cinema Novo (cf. Ramos, 1987). “O filme é a exaltação
e o deslumbramento de uma imagem ainda desconhecida e que fascinará de HEFFNER, Hernani. Verbete “Luiz de Barros”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz
Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC, 2000, p. 48.
forma intensa mais de uma geração de cineastas brasileiros” (Ramos, 1987,
p. 306). Assim, Rio, 40 graus pode ser considerado pioneiro na utilização de MACHADO, Rubens. O cinema paulistano e os ciclos regionais sul-sudeste (1912-1933).
temáticas e estruturas que mais tarde viriam ser as defendidas pelo movimento. In: RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987.
O Cinema Novo marcará seu nascimento livre da fórmula industrial, calcada no MIRANDA, Luiz Filipe. Verbete “Foto-Cinematográfica Brasileira”. In RAMOS, Fernão e
sistema de produção em estúdio. Com o desenvolvimento de novas propostas MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC,
2000, p. 250.
cinematográficas, o cinema de estúdio realizado até então será posto em xeque,
ocorrendo uma ruptura radical no uso e na significação da cenografia. MONTEIRO FILHO, Alcebíades. Depoimento de “Alcebíades Monteiro Filho”. In Ciclo
Cinema, série 90 anos do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: MIS, out/1988.
Colocada na atualidade como importante ferramenta de composição da PARANAGUÁ, Paulo Antonio. Verbete “Vera Cruz”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA,
visualidade da obra audiovisual em movimento, somente há poucos anos a Luiz Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC, 2000, p. 562.
trajetória da direção de arte em cinema começou a ser investigada entre nós RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987.
com mais acuidade. Além disso, se já são poucas as iniciativas no sentido de se
investigar aspectos mais contemporâneos, praticamente não existem trabalhos ______________. Verbete “Filme cantante”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe
(orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC, 2000, p. 241.
dedicados aos seus primeiros momentos, ainda que, como percebemos,
estes correspondam a um período de afirmação e definição do seu uso na ______________. Verbete “Oduvaldo Viana”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz
Felipe (orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC, 2000, p. 565.
cinematografia brasileira.
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EICHBAUER, Hélio et al. “O que é um cenógrafo? Os cenógrafos respondem: entrevista”.


Entrevista concedida a Elias Fajardo de Fonseca. Rio de Janeiro: O Globo, 23 ago. 1976.
DÉBORA BUTRUCE é bacharel em Cinema, mestre em Comunicação
FONSECA, Carlos. “Luiz de Barros: 60 anos de cinema”. Filme Cultura, Rio de Janeiro, Ano (ambos pela UFF) e doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais (USP).
VIII (24), pp. 16-25, 1973.
Também atua como diretora de arte e preservadora audiovisual.

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Braza dormida (Humberto Mauro, 1928), cenografia de Paschoal Ciodaro 24 horas de sonho (Chianca de Garcia, 1941), cenografia de Hipólito Collomb

Maridinho de luxo (Luiz de Barros, 1938), cenografia de Alcebíades Monteiro Filho Carnaval Atlântida ( José Carlos Burle, 1952), cenografia de Martim Gonçalves

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Agulha no palheiro (AlexViany, 1952), cenografia de Alcebíades Monteiro Filho Uma certa Lucrécia (Fernando de Barros, 1957), cenografia de Pierino Massenzi

Agulha no palheiro (AlexViany, 1952), cenografia de Alcebíades Monteiro Filho Uma certa Lucrécia (Fernando de Barros, 1957), cenografia de Pierino Massenzi

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A DIREÇÃO DE ARTE E engajados em desempenhar um trabalho abrangente que desse conta da
linguagem visual do filme.1

A CONSTRUÇÃO DE UMA Tendo em mente o trabalho realizado por profissionais como Luiz Carlos
Ripper e Anísio Medeiros, vamos perceber a existência de um conceito geral
CERTA VISUALIDADE BRASILEIRA para as suas concepções plásticas dos filmes em que trabalharam desde o início
de suas carreiras no cinema, criando assim as bases sólidas para a construção
BETH JACOB desse campo no Brasil.

Ao falar do cinema dessa época, não se poderia esquivar do legado deixado por
Nelson Pereira dos Santos. Em diversos de seus filmes, contou com a parceria
O cinema brasileiro vai ser marcado nas décadas de 1950 a 1970 pelo trabalho de Luiz Carlos Ripper. Isso vem a ocorrer em El Justicero (Nelson Pereira dos
de jovens realizadores que imprimirão fortes transformações a nível estético Santos , 1967).
e político ao reivindicar para si a criação de uma estética própria, nascida
da necessidade de expressar a realidade nacional e de se afastar da tradição, O filme trata de forma irônica o comportamento das camadas médias no que
arraigada em nosso solo, do cinema hegemônico. tange a moral e os costumes, vindo a ser uma adaptação da novela de João
Bittencourt As vidas de El Justicero, uma sátira urbana na qual um surfista,
A partir desse desejo se consolidavam valores que seriam os elementos filho de um general, se encontra com um intelectual de esquerda que deseja
capazes de identificar o que é o Brasil e sua cultura. Desse modo, o processo escrever/filmar sua biografia. A adaptação é bastante rica, com críticas ao
de configuração da visualidade que aí vai surgir se funda numa determinada governo e aos costumes tradicionais e modernos. O filme foi liberado pela
interpretação da tradição cultural brasileira amparada pelas leituras modernista censura, mas logo depois, censurado na íntegra.
e tropicalista da mesma.
A opção estética adotada tira partido das locações compostas por obras de arte
e de mobiliário de estilo moderno. A seu serviço encontramos os trabalhos
Se tivermos em mente a tradição forjada nesse momento pelo Cinema
de Franz Weissmann, Rubens Gerchman, Sergio Rodrigues, Edgar Duvivier
Novo vamos perceber as importantes mudanças estéticas que nesse período
e Farnese de Andrade, artistas estes que estão trabalhando em criações
ocorreram na busca por um cinema de caráter autoral, de baixo orçamento e
relacionadas com a cultura, a tradição e os valores nacionais. A locação
com a renovação da linguagem e da forma, constituindo-se então enquanto principal, casa de Jorge, é a loja L’Atelier Móveis, cujo projeto deu a Roberto
uma ferramenta política e poética. Isso implicou um tratamento novo e Cruz o prêmio de Arquitetura – IAB-RJ.
particular dos sons e das imagens. Esse estilo acabou consolidado numa nova
linguagem cinematográfica aonde se buscava revelar a sociedade brasileira O filme em preto e branco revela a potência dos contrastes empreendendo
para si própria, buscando temas nacionais e apresentando, grosso modo, uma uma composição rigorosa de valores cromáticos e equilíbrio compositivo
temática popular, se afirmando como uma produção genuinamente brasileira. quadro a quadro. Na medida em que não há a possibilidade de usar cor, dada a
Para se solidificar essa imagem e a visualidade própria do cinema nacional, a opção por película em preto e branco, a exuberância das imagens é dada pelo
direção de arte vai ter grande relevância. Nesse momento do desenvolvimento contraste e o desenho gráfico que apresenta.
do cinema brasileiro, o campo da direção de arte não estava ainda plenamente
definido. Observando os créditos dos filmes deste período percebemos, em O uso de listras normalmente é reduzido no cinema a fim de evitar efeitos
geral, a ausência da menção ao cargo de diretor de arte. Normalmente vemos a
indicação do nome do cenógrafo e do figurinista. Mas, o fato dessa função não 1
Para mais esclarecimentos desse tema, ver JACOB, Elizabeth Motta. “Espaço e visualidade: a construção da imagem
em Luiz Carlos Ripper”. Disponível em: <www.seer.unirio.br/index.php/pesqcenicas/article/view/160>.
estar consolidada nos créditos não significa que não houvesse profissionais

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de vibração na imagem ou uma composição poluída. Ripper, no entanto, tem Os armamentos utilizados em cena sinalizam a permanente tensão e a
extremo sucesso obtendo uma composição dinâmica que ordena a imagem. Os subjacente possibilidade do uso da violência como mecanismo de resolução
figurinos são ponto igualmente forte da direção de arte desse filme na medida dos conflitos, não apenas na repressão à população, mas também na imposição
que suas estampas dialogam intensamente com os cenários, intensificando o de um grupo das classes dominantes sobre os demais.
potencial gráfico das imagens.
Em cenas em que o filme flerta com o realismo mágico e em que os figurinos
Um contraponto importante é o apartamento do intelectual Lenine. Se na idealizados por Clóvis Bornay prevalecem, assistimos a um coroamento
casa de Jorge o design moderno predomina pontuado por cerâmica nordestina, como metáfora da expansão do poder de Porfírio. Os demais personagens
na casa de Lenine isso se inverte, tendo uma dominância de cerâmicas e transitam em ambientes burgueses, casas com terraços e roupas formais da
imagens de orixás, assim como a cabeça de burro, signo das secas nordestinas, época – ternos para os homens e vestidos longos e mídis para as mulheres. O
decorando o ambiente. O confronto dos padrões de moralidade do meio social povo, quando aparece, traja a roupagem característica da população rural, não
em que vivem os dois personagens também aparece. Se Jorge recebe nu suas havendo cenas de manifestações populares em locações urbanas. O ambiente
convidadas, Lenine tem problemas com a síndica por levar moças para o seu do jornal do personagem Paulo Martins reproduz uma redação jornalística
apartamento. São esses conflitos morais e a ética dessa sociedade que vão ser
dos anos 1960, enquanto a residência de Júlio Fuentes é composta por amplos
postos em xeque por Nelson Pereira dos Santos.
salões atapetados e a dimensão dos cômodos sugere o poder social e político
do personagem.
Ao contrário de El Justicero, Terra em transe (Glauber Rocha, 1967) não
tem como objeto a crítica aos costumes, mas enfoca de forma alegórica os
profundos conflitos políticos de sua época. Nos créditos do filme, Paulo Gil Já em Macunaíma o componente alegórico é predominante. Esse filme vem
Soares aparece como supervisor artístico e, juntamente com Clóvis Bornay e a ser uma adaptação feita por Joaquim Pedro de Andrade da obra homônima
Guilherme Guimarães, assina os figurinos. de Mário de Andrade. Nos créditos podemos ler que cenários e figurinos
foram concebidos por Anísio Medeiros. O filme trata da trajetória do herói-
O conflito social aparece nesse filme a partir das dissenções no seio da própria título caracterizado como sem nenhum caráter. Como é bastante frequente
classe dominante em um imaginário país sul-americano chamado Eldorado. nos filmes deste período, a tratativa aborda a vida do homem do campo e
Dada essa abordagem, os cenários irão privilegiar ambientes habitados pelos sua passagem para a vida na cidade. A ambientação inicial do filme busca
setores dominantes da sociedade. Mais uma vez, como em Macunaíma aquilo que é conhecido como as raízes do Brasil e valores que acompanham a
( Joaquim Pedro de Andrade, 1969), o Cinema Novo irá recorrer ao Parque formação social brasileira até a época de realização dessas obras.
Lage como locação.
Quando nos detemos em Macunaíma, já nas primeiras cenas, a ambientação
No centro do conflito entre os diferentes segmentos da classe dominante rural alude a múltipla origem do povo brasileiro. A figura materna,
estará o papel e amplitude das concessões a serem feitas às camadas populares. representada por um homem, veste um traje que dialoga com a vestimenta
Se Vieira oscila entre um grau maior ou menor de cooptação das chamadas do campesinato europeu, acrescida de um turbante que resgata a presença
“bases eleitorais”, Porfírio encarna o discurso da radicalidade conservadora. africana. Esse personagem está sempre manipulando um pilão, elemento
O primeiro traja sempre um terno branco, que evoca políticos e figuras de eivado de brasilidade, posto que desse ferramental muitas gerações extraíram
mando de caráter popular. Já Porfírio tem no terno escuro e na gravata com a farinha de mandioca, alimento essencial de nossa cultura.
modelo clássico de nó uma expressão de vestuário das camadas dominantes
conservadoras. A vestimenta do irmão mais velho apresenta uma raiz cromática africana em
padronagem com arabescos. O outro irmão veste uma espécie de camisola
No campo alegórico, o personagem de Porfírio empunha uma bandeira preta rasgada que remete à miséria da população rural. O componente europeu
negra em sua mão esquerda e um crucifixo na direita. Fala na liberdade como irá reaparecer na transmutação de Macunaíma em príncipe após fumar a erva
contraponto às reivindicações populares as quais são por ele tratadas como oferecida pela sua cunhada. As cores são bastante saturadas e apresentam-se
ameaça ao status quo.

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com grande contraste entre si. Uma capa com flores estilizadas complementa A antropofagia, símbolo do capitalismo voraz, atinge seu ápice na feijoada
o traje em uma composição vibrante, jocosa, carnavalizada. servida, literalmente, na piscina do Casarão Lage. A piscina é cheia de feijoada
onde boiam corpos dilacerados e balões de gás vermelhos, que compõem de
As referências ao Brasil interiorano e seus hábitos são expressas na folha de forma festiva e escatológica o sangue e as vísceras.
bananeira, na atividade de coleta e caça como atividade permanente para a
alimentação do núcleo familiar, nas referências verbais à mandioca, nas redes A esperteza simplória de Macunaíma coexiste o tempo todo com uma
onde os personagens dormem mesmo quando estão em ambientes urbanos e ingenuidade daquele que é guiado apenas pelos seus desejos primários e,
que faz as vezes de caixão para o enterro da mãe. portanto, sujeito às armadilhas que usam como isca a cupidez e a ganância do
personagem. Essas características apontam também para a obra de Mazzaropi,
O componente antropofágico perpassa a narrativa em diferentes momentos. cujo personagem caipira padece de sua ingenuidade e de sua esperteza.
A primeira referência é a mordida voraz da cunhada de Macunaíma em seu pé
no jogo erótico. Mais tarde, Macunaíma encontra o Curupira que lhe dá um O retorno ao campo é uma importante alegoria que se expressa na história de
pedaço de sua própria carne. A carne engolida grita sinalizando a localização Macunaíma. Após todos os percalços da passagem pelo ambiente urbano, o
do herói, permitindo ao Curupira rastreá-lo em sua busca para devorá-lo. retorno à tapera de origem é marcado pelas incorporações em suas vidas dos
frutos da modernidade, representados pelos eletrodomésticos que carregam
Macunaíma manifesta uma malícia ingênua na busca da satisfação de seus na embarcação. No entanto, seu uso é impossível naquele local, dado a falta
desejos primários. Faz sexo com as cunhadas, esconde a comida dos irmãos, se de energia elétrica. Desse modo fica expressa a fratura entre as ambições de
esquiva do trabalho cooperativo com a família e mente o tempo todo. consumo que a cidade suscita e a realidade então vigente no interior do país.

Nesta volta às origens, o oportunismo do personagem principal é revelado em


A relação com a guerrilheira é movida pelo desejo sexual e pelo dinheiro
toda a sua nudez, o que o leva a acordar só, um dia, abandonado por aqueles
que ela lhe oferece. A analogia com as ações dos grupos de esquerda que
que formavam sua família. Entregue à solidão e ao envelhecimento que se
resistiram armados à ditadura militar e os próprios trajes desta personagem,
manifesta na ausência de dentes, nas conversas com o papagaio, Macunaíma
que reproduzem a vestimenta típica dos estudantes insurgentes, sugere,
sucumbe à letal sedução da Uiara.
mas em momento algum explicita, o componente político da personagem.
O corpo explodido sem vestígio e o enterro sem corpo alude evidentemente
O filme Tudo bem (Arnaldo Jabor, 1978) conta com cenário e figurinos de
aos desaparecimentos, ou seja, aos assassinatos políticos não assumidos
Hélio Eichbauer. A locação onde transcorre a maior parte das filmagens é o
pela ditadura. O muiraquitã, pedra protetora da personagem, irá se perder interior de um apartamento de classe média do Rio de Janeiro.
e reaparecer em posse do industrial paulista, que alega tê-lo encontrado na
barriga de um bagre.
Numa das cenas iniciais, os operários da construção civil literalmente assistem
e interagem com a família pequeno burguesa durante o café. Pendurados no
O desejo de recuperar o muiraquitã é o mote para o embate entre Macunaíma e jaú e cuidando do revestimento do prédio, os operários indagam quando será
o capitalista. Este personagem vai ser chamado de Gigante e é a personificação feita a obra no interior do apartamento da família, e essa questão traz à tona
do grupo capitalista em ascensão que domina a sociedade brasileira e a o assunto das eventuais restrições financeiras enfrentadas por Juarez e Elvira.
canibaliza. De fato, o canibalismo irá ressurgir associado as práticas do gigante, Ainda que as dimensões do apartamento e a dinâmica social explicitada pelos
de sua mulher e suas filhas. filhos mostrem uma situação distante da penúria, o casal tem limites para os
seus gastos, que se manifestam no fato de que a dita reforma do apartamento
A casa do Gigante é formada por duas locações icônicas. A fachada, o pátio foi postergada por 26 anos.
interno e a piscina fazem parte do casarão do Parque Lage; o interior é
filmado no Salão Assyrio do Theatro Municipal, onde homens e mulheres são O apartamento, palco maior de toda a trama, é também um amalgama de
utilizados como objetos de coleção expostos em vitrine. artefatos e objetos de arte que expressam o acesso a bens culturais de significativo

62 63
valor pela família e alguns elementos da modernidade contemporânea, como como uma santa em cujo peito se vê fincados diversos punhos de faca
aparelhagem de som. Esta serve para que Juarez ouça cantigas indígenas em movimento. A religiosidade popular aparece representada. Mas essa
dos xavantes num culto ao nacionalismo naturalista, que é corroborado pela representação não se esgota aí. A figura da empregada nordestina que se diz
coleção de animais empalhados e a sonoridade do canto do uirapuru. filha de uma seguidora de Lampião é bastante importante. Ela se apresenta
como rezadeira e executa ritos ao longo do filme. O ápice dessa performance
O escritório de Juarez é também bem emblemático desse caldo de cultura: por se dá pelo aparecimento das chagas de Cristo em suas mãos, o que leva a
entre livros encadernados figuram imagens religiosas e a bandeira do Brasil, verdadeiras romarias no apartamento e sua consagração pública como
um rádio bem antigo e artefatos decorativos de tons sóbrios. milagreira.

Se os animais empalhados geram estranhamento, as telas de Oswaldo Teixeira As hipocrisias sociais ou os constrangimentos dos conflitos entre classes
expressam um dos pontos altos da pintura acadêmica brasileira, demonstrando sociais diversas atinge seu ponto alto quando o operário despejado leva ao
a sensibilidade artística do casal e sua inserção sociocultural. apartamento seus pais, esposa e filhos. O casal acolhe a família, mas sente o peso
insuportável da convivência representado pelo choro do bebê e pela barraca
As entranhas da personalidade de Juarez se materializam nas figuras de trapos, o fogareiro de querosene e o canto do repentista. As condições de
fantasmagóricas de seus três falecidos amigos, com os quais mantém vida do retirante são reconstituídas no interior do apartamento, o que vem a
permanente interlocução. O poeta lírico tuberculoso, o veterinário integralista gerar um enorme desconforto, em especial na filha que não quer trazer seu
e o industrial paulista de origem italiana são arquétipos de uma brasilidade que namorado, promessa de casamento, para casa enquanto aquela situação ali
se forma e em parte se esgota na primeira década do século XX. O patronato perdurar. A imagem dos retirantes nordestinos é replicada quando a família
imigrante, a tuberculose lírica e o nacionalismo que acreditava na constituição é instada a deixar o apartamento mediante um ardil de Juarez com o síndico
de um homo brasiliensis pela síntese do branco, do negro e do índio num único do prédio.
fenótipo, estão encarnados nesses personagens fantasmas que evocam as
noitadas em puteiros, onde polacas eram compartilhadas. Em Tudo bem, a direção de arte, a partir do invólucro de um apartamento da
pequena burguesia urbana do Rio de Janeiro, faz uma síntese de um certo
No figurino de cada um estão expressas as respectivas trajetórias culturais, século XX, no qual a trajetória de um funcionário público aposentado é
econômicas e políticas. O líder integralista vestido a caráter com seu uniforme, manifesta pelas dimensões da casa, pelos adereços evocativos de um recorte da
versão tupiniquim dos uniformes nazi fascistas; o industrial de origem italiana cultura nacional e pelo trio de interlocutores fantasmagóricos que manifestam
com seu terno e colete, risca de giz, gravata em tecido brocado arrematada por as raízes culturais e ideológicas do personagem masculino principal. É um
alfinete e a corrente de um possível relógio de algibeira; e o poeta caracterizado projeto de Brasil lírico, ancorado nos mitos indígenas da nacionalidade e
pela posse de um livro, a tosse e uma echarpe – que também lhe serve de lenço que se pretendeu empreendedor e industrializante, ao mesmo tempo que
– em uma composição anacrônica, posto que do início do século XX. estabelece uma relação ambivalente com as camadas populares que são em
parte paternalizadas e em parte expurgadas.
Ao contrário de Macunaíma, em que a epopeia realizada pelo herói sem caráter
descreve o circuito rural – urbano – rural, Tudo bem é uma história estritamente Mas todo este nacionalismo é confrontado na cena final com os olhares
urbana, na qual a dicotomia rural e urbano se traduz no conflito existencial fascinados dos convidados para o noivo americano da filha do casal, que
entre, de um lado, os operários de origem nordestina e as domésticas que na catalisa todas as atenções ao falar da exploração da malacacheta e seu hipotético
casa trabalham e dormem, e, de outro, a família pequeno burguesa e demais vínculo com o lançamento de satélites. Vê-se por fim as cataratas do Iguaçu,
moradores do edifício. cujas águas pesadas caem juntamente com o projeto nacional.

A questão da sexualidade do casal de meia idade também aparece, e nesses Pode-se verificar, observando esses filmes, que o período de 1967 a 1978
momentos Elvira evoca sua avó. Imageticamente esta aparece representada produziu obras de caracteres diferentes, sendo todos os filmes selecionados

64 65
marcados por uma abordagem de cunho sociopolítico. Em alguns deles existe ___________________. Cinema Novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Editora
o recurso da alegoria, resultante em parte da repressão política que marcou o Brasiliense, 1993.
período; em outros é a crítica franca de costumes que vem à tona. Podemos, ___________________. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
no entanto, compreender que todos eles estão funcionando no sentido de
construir uma imagem particular do Brasil e operam a partir dos signos de ___________________ e PONTES, Ipojuca. “Cinema brasileiro, os anos 70”. In Perspectivas
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XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico. A opacidade e a transparência. 2. ed. revisada. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

____________________. Alegorias do subdesenvolvimento. São Paulo: Editora Brasiliense,


1993.

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El Justicero (Nelson Pereira dos Santos, 1967), cenografia e figurinos de Luiz Carlos Ripper Terra em transe (Glauber Rocha, 1967), supervisão artística de Paulo Gil Soares

Macunaíma ( Joaquim Pedro de Andrade, 1969), cenografia e figurinos de Anísio Medeiros Tudo bem (Arnaldo Jabor, 1978), cenografia e figurinos de Hélio Eichbauer

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O CINEMA É A ARTE DO O beijo da mulher aranha

REAL – MAS O QUE É O REAL? Este, entre os três filmes, se destaca como o mais complexo e também como o
mais bem executado. Sendo uma adaptação literária, acrescenta a dificuldade
O PAPEL DA DIREÇÃO DE ARTE de se manter fiel à obra original no desafio de entender como transcriá-la para
a linguagem do cinema, cujos recursos linguísticos são outros.
NA CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS
O filme, indicado a prêmios (Oscar, Cannes e Bafta) em várias categorias,
CAROLINA BASSI DE MOURA conta a história de dois presos que dividem uma mesma cela em uma
penitenciária. Um está preso por crime político, e o outro, por aliciamento de
menores. São pessoas completamente diferentes, com prioridades diferentes e
que, a princípio, mantêm uma forte tensão permeando a convivência que lhes
Ser convidada a tratar do assunto da direção de arte no cinema brasileiro dos é imposta. No entanto, essa tensão se dilui à medida que ambos se conhecem
anos 1980 é, de fato, um desafio. Não apenas porque o tema da direção de arte melhor e travam contato, um com a humanidade do outro. Ao longo do filme,
no Brasil seja um assunto pouco explorado e haja pouco material em que se alterna-se a importância dada às questões humanas, pertencentes a uma esfera
possa pesquisar para reunir informações a respeito desse tema. Mas porque individual e emocional; e às questões políticas, pertencentes a uma esfera coletiva
o cinema dos anos 1980 em nosso país se estabeleceu sem muita unidade e mais racional.
estética, com vertentes bastante diferentes, de diretor para diretor.
Essa dicotomia é notada nos diálogos que permeiam a relação entre os dois
O cinema nacional já tinha passado pelo apelo popular da chanchada; pelo personagens centrais, Molina e Valentin. Na primeira metade do filme, notamos
fechamento dos estúdios da Vera Cruz; pelas reformulações de linguagem que toda a carga emocional trazida por Molina, homossexual sensível que
propostas pelo Cinema Novo; pela ditadura militar; e passaria pela extinção
passa as horas a descrever ao colega um antigo filme para passarem o tempo, é
da Embrafilme e toda a crise financeira que se seguiu com o governo Collor. É
uma pena que estes graves problemas tenham ocorrido e dificultado o crescente banalizada por Valentin, que o critica violentamente. O filme narrado se passa
processo de desenvolvimento do cinema, que passou por sérias dificuldades num contexto político, mas Molina dá ênfase à história de amor contida nele,
na década de 1990. Nos anos 1980, uma gama de diretores que já estavam envolvendo-se e tentando envolver o outro por aquele sentimento. Essa carga
na ativa há algumas décadas se mantiveram em atividade seguindo uma emocional, a princípio, parece ser vista como algo fútil, pois é comparada aos
determinada linha de trabalho. Mas houve também diretores novos, oriundos ideais de luta política do colega de cela.
de uma formação diferenciada, trabalhando construções mais conceituais em
seus filmes, e outros, mais ligados a apelos populares daquela década, que Na segunda metade do filme, vemos o contrário. Valentin, por ser preso
fizeram concomitantemente trabalhos para a TV, de seriados, como Armação político, está sendo cada vez mais torturado na prisão, corre risco de vida e,
ilimitada (1985-88), que está entre os produtos televisivos mais bem realizados diante dessa ameaça, começa a se questionar sobre a importância de sua causa
da época, com referência na linguagem do vídeo e do videoclipe. perante a vontade de permanecer vivo. Entra em conflito com seus ideais uma
vez que se percebe apaixonado por uma mulher burguesa e inteligente, Marta,
Os três filmes selecionados para esta mostra, O beijo da mulher aranha (Hector e não por sua namorada, Lídia, uma mulher simples, que mal sabe escrever. Ao
Babenco, 1985), Anjos da noite (Wilson Barros, 1986) e Super Xuxa contra
confrontar razão e emoção, política e afetos, as causas humanas parecem fazer
o Baixo Astral (Anna Penido e David Sonnenschein, 1988) possuem alguns
pontos em comum e vários pontos diferentes, que serão identificados numa muito mais sentido.
breve análise a seguir. Nosso intuito será o de identificar a importância da
direção de arte para a construção desses determinados filmes, o de verificar Tais questões são atemporais, independentes de espaços culturais e recebem,
possíveis unidades de estilo para a época e qual a importância dada no período no filme, um tratamento mais universalizante. Isso se nota na direção de
para a construção de uma linguagem estética em nosso cinema. arte, pois, embora o filme tenha sido feito na década de 1980, não se vê tão

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claramente marcas temporais nos trajes de cena criados. Molina usa um robe de forma estilizada, a giz, na parede ao lado de sua cama na cela da prisão,
de seda japonês sobre o uniforme da prisão em muitas cenas. Segundo o onde também figuram retratos de belas atrizes da história do cinema, tal como
diretor de arte, Clóvis Bueno, esse elemento de cena foi comprado no bairro a andrógina Marlene Dietrich – certamente escolhida “a dedo” por esta sua
da Liberdade, em São Paulo, para ajudar na composição do personagem ao característica.
longo dos ensaios. Não se pretendia que fosse o definitivo, mas o ator William
Hurt adotou-o como peça-chave e o elemento permaneceu em cena. Trata-se Enquanto isso, os trajes de cena adotados por Valentin são construídos em
de um robe que poderia ser encontrado ainda nos dias de hoje, mantendo igual oposição. Ele aparece usando ou o uniforme da prisão, sempre sujo de sangue
nível de excentricidade. O ator às vezes se vale também de um lenço vermelho, pelas torturas sofridas, ou, quando se trata de uma roupa propriamente sua,
que amarra na cabeça como um turbante, e brincos de pressão nas orelhas – camiseta branca e calça jeans que são seus elementos mais pessoais no filme.
poucos elementos que usa em algumas das vezes em que se imagina sendo a Esse traje simples e ordinário de trabalhador, proletário, deixar transparecer sua
protagonista do filme que ele narra. Tais elementos do figurino são precários, luta política, sua causa de igualdade entre os menos favorecidos socialmente e
mas suficientes não só para acrescentar verossimilhança à cena, já que um preso
sua preocupação apenas com o que é essencial.
não teria mesmo um vestuário variado, mas também para acrescentar uma
identidade poética a Molina. Aliados aos elementos da cenografia e à atuação
de Hurt, tais recursos contribuem para que notemos toda a sua delicadeza e Todos esses aspectos são atemporais, como já apontamos, mas também não
fragilidade, e a sua necessidade de tornar a realidade mais bela, mesmo em se vê marcações geográficas tão importantes que queiram localizar a história
situação tão hostil. Assim, se num momento ele parece usar a narração de “seu de forma precisa. É claro que há locações como o largo de São Bento, o
filme” como uma válvula de escape, noutro parece usá-lo como ferramenta de Pátio do Colégio, a vista do “Minhocão” que, a um paulistano, não passam
resistência àquela realidade opressora. Por fim, acaba por fazer pensar se as despercebidas, mas se o espectador não conhece a cidade de São Paulo, onde
suas atitudes de delicadeza e gentileza, quase incondicionais, não seriam, entre foi gravada grande parte das sequências externas, talvez não fique com uma
todas, as mais subversivas no desejo de transformação da sociedade. O amor impressão tão forte de onde se passa a história ou de que ela se passa no
parece mesmo mais revolucionário. Brasil. Acredito nisso pois são locações marcadamente urbanas, incluindo
edificações de temporalidades diferentes, todas misturadas, exibindo um
Merece destaque a reinvenção da realidade feita por ele, que é ressignificada conjunto correspondente ao de qualquer grande metrópole do mundo.
pelo seu ponto de vista e transparece por meio da visualidade construída para
as histórias que ele conta. Poderia se dizer que há duas abordagens durante o O fato de não ter um espaço e um tempo precisamente demarcados é
filme também nesse sentido – uma do plano da realidade e outra do plano da reforçado pelo diretor, Hector Babenco – argentino, radicado no Brasil –, por
ficção, separadas claramente pela direção de arte e pela direção de fotografia. ter misturado os atores americanos William Hurt e Raul Julia, que fazem os
É possível perceber correspondências, posteriormente, entre o figurino e a papéis principais, aos atores brasileiros do elenco. A partir dessa escolha, fez
caracterização de Leni, a cantora francesa interpretada por Sonia Braga, e com que todo o filme fosse falado em inglês, mesmo pelos atores brasileiros,
a da performer do bar decadente frequentado por Molina em sua cidade. A que foram trabalhados exaustivamente para que não apresentassem sotaque.
de Leni nos é apresentada de forma impecável, glamorosa, elegante. Há um O livro homônimo a partir do qual o filme foi adaptado, de autoria do escritor
“choque” quando, mais tarde, vemos a dançarina do bar em que Molina se argentino Manuel Puig, tinha um cunho mais fortemente político, o que na
encontra com os amigos – pois ela é tão decadente quanto aquele ambiente e versão fílmica de Babenco foi mantido, mas expandido. O filme foi gravado
tão desajeitada quanto sua caracterização, mas preserva elementos de conexão em 1985, quando grande parte dos países latino-americanos vivia sob o regime
com a primeira. Essa discrepância e aproximação na representação das duas ditatorial, mas pretendia fazer pensar sobre a realidade de regimes como esse,
serve para evidenciar a sofisticação da sensibilidade de Molina e sua tendência sem se referir a nenhum em especial.
a enxergar beleza e poesia até mesmo onde parece não haver.
Há uma interessante metalinguagem contida no filme que não pode deixar de
Ao fundo do cenário onde encontra-se essa dançarina há um tecido pintado, ser mencionada, já presente também no livro se considerarmos que as histórias
repleto de nuvens brancas. Essas mesmas nuvens encontram-se desenhadas, contadas por Molina são narradas por ele, como um narrador em primeira

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pessoa. Sentimos como que uma homenagem pura e simples do cinema ao Também não é à toa que os registros audiovisuais pela televisão e pelo videotape
próprio cinema, e a exaltação da arte enquanto importante ferramenta de aparecem, como que para dar estatuto de verdade àquilo que é dito por quem
resistência e de reinvenção da realidade. se deixa registrar. Grandes veículos da imagem que são, constroem a imagem
que se deseja e a eternizam de certa maneira, reproduzindo ao infinito uma
fala, um discurso, uma memória, ainda que sejam vazias e mentirosas.
Anjos da noite
A dubiedade entre o que é, ou não é, real tem ainda diversos outros
A reinvenção da realidade, a qual destacamos no filme anterior, que transparece desdobramentos. Há uma curiosa mistura na diegese entre a ficção da trama
na construção poética da imagem, isenta de preocupações naturalistas, é o e uma outra, que nela se insere. Isso se dá pelo fato de o enredo contar, entre
aspecto de maior destaque em Anjos da noite. Podemos afirmar que as propostas os personagens, com um diretor que ensaia uma peça de teatro e seus atores,
da direção de arte colaboraram para construir a ideia central do filme – a justificando que cenários apareçam repentinamente e nos façam confundir o
solidão que permeia as relações humanas e o vazio existencial que habita todos plano da ficção do espetáculo e o da “realidade” dos personagens do longa-
aqueles personagens. metragem.

Há uma coerência na paleta, que mantém na tônica dominante os tons de azul, Fora isso, há ainda momentos de abstração dessa realidade, construindo
vermelho, preto e branco, um colorido bem típico da década de 1980, em que um plano poético, onírico, como na cena em que o garoto de programa e a
o trabalho foi executado. Em relação ao filme anterior, é um trabalho mais atriz decadente dançam lindamente num palco montado sob a grande área
datado, pois conseguimos com mais facilidade identificar a influência da moda vazada do edifício do Masp, em São Paulo, após conversarem sobre o amor.
da década sobre os trajes de cena, a caracterização e a cenografia. É interessante notar como esse caráter revaloriza, à maneira do espetáculo,
a beleza desse instante correspondendo à beleza da verdadeira cumplicidade
O filme se desenvolve em ambientes urbanos, quase todo em cenas noturnas, entre os personagens naquele momento.
e os personagens escolhidos são típicos da vida na noite – um garoto de
programa, um playboy que pode pagar por seus serviços, uma atriz velha e O filme, no entanto, ganharia ainda mais se insistisse no conceito de realidade,
decadente, travestis e transexuais que trabalham em boates, um artista plástico retrabalhando as formas de representação, não ocasionalmente, mas todo o
fracassado em seu ofício, mafiosos criminosos e seus subalternos que acabam tempo. Se a vida daquelas pessoas é tão falsa e artificial, por que não usar
assassinando um inocente. Vemos ao longo do filme que todas essas pessoas apenas cenários que se denunciassem enquanto cenários? A direção de arte
são extremamente solitárias e buscam algum alento no contato com o outro. existe para se criar uma linguagem, um discurso, e, para tanto, às vezes precisa
Mas busca-se o contato superficial para que não haja grande envolvimento ser mais contundente em sua estética. O cinema é “a arte do real”, já nos
e responsabilidade nas relações, para que não haja grande investimento de apontava Tarkóvski, cineasta russo, em seu Esculpir o tempo, mas é a arte de uma
tempo, sem se dar conta de que, assim, também não há o cultivo do afeto. As realidade transfigurada, transcriada e precisa sê-lo sem limites, sem pudores.
atitudes, em geral, são de uma autodefesa prévia contra a dor da frustração. Por essa razão, penso que Anjos da noite ganha muito com essa linguagem toda
Sendo assim, o filme concentra uma série de artificialidades que combinam vez que ela se estabelece, mas ela poderia ter sido ainda mais empregada em
com os sentimentos e as atitudes falsas, as representações vazias, posadas para toda a obra, e não apenas em alguns momentos.
a câmera, pois não há nada de verdadeiro, consistente a se dizer, e tudo são
aparências.
Super Xuxa contra o Baixo Astral
Não é à toa que o único artista representado no enredo é um artista frustrado
– não pela incompreensão de uma arte brilhante, mas pelo esvaziamento do A década de 1980 foi o momento propício para grandes produções estrangeiras
discurso. Nada se sente, não há nada pelo que se deixe afetar, como é possível como a dos estúdios de Jim Henson, Labirinto, a magia do tempo (Labyrinth,
a produção da arte nesses termos? 1986), estrelada pelo músico e ator David Bowie, além de outras produções,

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como A história sem fim (Die unendliche Geschichte, Wolfgang Petersen, 1984) e Jackson. As jaquetas de couro usadas pelo músico americano, com tachas, são
A lenda (Legend, Ridley Scott, 1985). Esses filmes tiveram grandes orçamentos copiadas para o figurino de Xuxa, na versão branca. Quanto ao short, também
e equipes de proporções assombrosas para os nossos padrões, próprias de é branco e parece ser de couro como a jaqueta, mas é extremamente curto,
uma indústria cinematográfica já consolidada. Tinham como ponto comum visa ser sensual. Tal intenção é descabida e incompreensível, uma vez que o
o fato de criarem universos fantásticos e de contarem com um tipo de público a que se destina o filme é infantil. Esse erro praticado no filme era
experimentalismo jamais visto, incluindo excelentes trabalhos em adereços, também diariamente cometido no programa de TV e parecia ser acatado, sem
manipulação de formas animadas, cenários totalmente construídos em estúdio contestações, pelo público da época no Brasil. Outros adereços são usados
e muita tecnologia. por Xuxa em desconexão com seu papel e com seu público, como as botas
longas brancas e os braceletes largos e brilhantes de metal. Seria uma estética
Super Xuxa contra o Baixo Astral é um filme brasileiro de 1988 que queria nacional nos anos 1980? Porque é possível ver esse mesmo tratamento sensual
seguir nos mesmos moldes, mas tinha alguns problemas para isso. Não tinha o em outros figurinos exibidos pela TV para crianças, como, por exemplo, no
mesmo tipo de equipe especializada, os profissionais disponíveis no mercado especial da Globo de 1983, para divulgação da canção Sereia, com Fafá de
nacional não eram provenientes de uma indústria cinematográfica consolidada Belém.1 O vestido da cantora não só era justíssimo, como possuía uma fenda,
– ainda hoje não podemos dizer que a tenhamos – e não tínhamos tradição um decote frontal excessivamente cavado e aberto, cobrindo apenas o bico
na construção de histórias fantásticas no cinema. Outro entrave evidente dos seios. Não havia nenhuma preocupação com a sexualização precoce das
era a falta generalizada de orçamento, que impossibilitaria a importação e/ crianças.
ou capacitação de profissionais a contento, a construção desses cenários em
estúdios e a confecção de figurinos e adereços com tantos detalhes e perfeição Por outro lado, as criaturas fantásticas são mais bem construídas e em acordo
quanto os que eram vistos nas produções estrangeiras citadas. com a história que se queria contar. Nota-se inspiração no filme A história
sem fim para a criação do personagem da tartaruga sábia, interpretada por
Para driblar esse problema, o filme conta com uma listagem incomensurável de Heriqueta Brieba, e na lagarta presente no início de Labirinto para a criação
marcas patrocinadoras, que tiveram seus nomes inseridos na película de forma do personagem da lagarta Xixa no filme brasileiro. Há muitos outros elementos
massiva, nos mesmos moldes de merchandising adotado pela televisão. Nomes inseridos em Super Xuxa que claramente foram extraídos do filme Labirinto
como Coca-Cola e Bob’s são vistos em diversas cenas, mas também brinquedos – os seres da floresta que se parecem com os pássaros que tentam atrapalhar
da marca Estrela são inseridos na narrativa (os bonecos Lango Lango), e até a subida de Xuxa pela árvore do conhecimento; as mãos que aparecem nessa
marca de pasta de dente. Nessas condições, poderíamos nos perguntar até que árvore nos lembram as mãos que aparecem no cenário de um fosso em que o
ponto, os patrocinadores também não detinham forte controle sobre o modo personagem de Jennifer Conelly despenca; o próprio labirinto cujas paredes
de se produzir, sobre a escolha dos profissionais e sobre o resultado final. se movem com a imaginação; o reino do inimigo que se pode ver ao longe,
em um lugar inacessível, ao longo da caminhada, tanto num filme quanto no
Dispensando apresentações, a personagem principal desta história é Xuxa outro. Nesse contexto, o momento mais interessante dessa produção nacional
Meneguel, apresentadora do programa matinal infantil da Rede Globo. Parece é a autêntica aparição do personagem Baixo Astral, merecendo elogios tanto
ter havido uma aposta em sua figura, como se ela fosse uma possível pop star, a caracterização de Guilherme Karam quanto a sua interpretação do papel.
correspondente no Brasil ao impacto de David Bowie no resto do mundo O cenário em que esse personagem se insere também parece muito bem
como agente promotor do sucesso de Labirinto. Mas é evidente que nem tudo construído, rico em detalhes e convincente.
pode ser construído pelos canais midiáticos e, não conseguindo atingir os
talentos de Bowie, a apresentadora não alcança o mesmo sucesso. Fica-se com a sensação de que o pensamento por trás de uma produção como
esta era de que, apoiando-se no sucesso do filme estrangeiro, em sua estética
O figurino da personagem de Xuxa, que mantém sua persona televisiva, é e em seu modelo de produção, o sucesso da obra nacional estaria garantido.
semelhante ao que ela usa em seu “show” diariamente na TV. Notamos
nele influências da moda da época e de trajes de outro pop star, Michael 1
Canção inserida no álbum Plunct Plact Zum, de músicas voltadas ao público infantil.

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No entanto, com esse raciocínio, perde-se a chance de desenvolver uma de mistério e suspense policial, como A dama do Cine Shanghai (Guilherme
estética própria, genuína, coerente com a nossa cultura. Perde-se a chance de de Almeida Prado, 1988) e Faca de dois gumes (Murilo Salles, 1989); cinema
descobrir como tirar partido de um cinema que, ainda neste momento, não se político com Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho, 1984), entre
industrializou, não está refém de um modelo engessado de produção. outros, e há também aqueles de inspiração videográfica, que mais tarde
migraram para a televisão.
A direção de arte nesse filme, portanto, se mantém na esfera dos clichês, na
superfície das coisas, na construção de bem e mal, considerando o branco e o A direção de arte ainda é um campo pouco discutido e pouco entendido,
azul para o bem e o preto para o mal, desprezando toda a riqueza dos arquétipos mesmo entre os profissionais de cinema em nosso país, por isso é necessário
que poderiam ser explorados ao empreender uma jornada de aventuras como que coloquemos mais luz sobre o tema. Espera-se que um ensaio como este
a que se pretende. É curioso que justamente a televisão seja um elemento tenha demonstrado a importância da direção de arte na construção dos
associado ao personagem do Baixo Astral quando o mau uso desse meio de discursos apontados nos filmes selecionados e possa instigar o espectador
comunicação poderia ser considerado um dos incentivadores desse modo de depois a observar como isso se dá em outros casos. Que possa despertar a
produção, que mais copia do que cria e aborda de maneira tão rasa todas as curiosidade também de pesquisadores e profissionais da área a conhecer mais
questões. sobre o cinema produzido em nosso país e sobre a nossa relação com essa arte.
O desejo é o de que saibamos cada vez mais sobre essa linguagem e sobre
quem somos, para que nos expressemos com mais propriedade e autonomia, e
Considerações finais para que sejamos autênticos, não uma cópia – bem ou mal-acabada – do que
já foi posto.
Fazendo uma ligeira digressão, podemos nos lembrar de que antes da
década de 1960 o cinema era considerado um veículo de entretenimento e
era comum que as sessões começassem divulgando notícias em programetes, REFERÊNCIAS
como telejornais, nos momentos hoje reservados aos trailers de outros filmes. CORSEUIL, Anelise Reich. A intersecção narrativa na versão hollywoodiana de O beijo da
É depois da década de 1960, com o surgimento da nouvelle vague na França, mulher aranha. Revista de Estudos de Literatura, v. 5, pp. 205-218. Belo Horizonte, out. 1997.
do neorrealismo na Itália e do Cinema Novo no Brasil, que as construções dos HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte do cinema brasileiro. São Paulo: Ed.
filmes atingem um estatuto mais “cerebral” e o cinema avança para a esfera das SENAC e Edições SESC, 2014.
universidades, estudado enquanto linguagem em constante transformação, e
MOURA, Carolina Bassi de. A direção e a direção de arte – construções poéticas das imagens em
suas obras são tomadas como objetos de reflexão conceitual. Luiz Fernando Carvalho. Tese de Doutorado, Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2015.
Por outro lado, se a produção se intelectualizou na década de 1960, também PUIG, Manuel. O beijo da mulher aranha. São Paulo: José Olympio, 2003.
perdeu público. Isto vai refletir no apelo popular das produções do cinema da
década de 1970, que investiram num estilo que se denominou pornochanchada. SCHVARZMAN, Sheila. “História e historiografia do cinema brasileiro: objetos do
historiador”. In Dossiê: Literatura, Cinema e Sociedade, publicado em: Cadernos de Ciências
Humanas – Especiaria, v. 10, n. 17, pp. 15-40, jan./jun. 2007.
Já o cinema da década de 1980, reunindo cineastas com apelos e preocupações
artísticas diferentes, não pode ser encerrado em nenhuma classificação TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
específica. Conforme se pôde notar, por esta pequena amostragem de três
filmes do período, o cinema da década de 1980 é bastante variado. Há espaço
para filmes urbanos e não urbanos, mas que não têm pudor de se voltar CAROLINA BASSI DE MOURA é bacharel em Comunicação Social
para o nosso contexto e nossa cultura. São filmes realistas, mas tão poéticos (UNESP), mestre e doutora em Artes Cênicas (USP). Professora do curso de
e delicados como A hora da estrela (Suzana Amaral, 1986), transcriação da Cenografia e Indumentária (UNIRIO), também atua como diretora de arte,
história de Macabéa, escrita por Clarice Lispector; A marvada carne (André cenógrafa e figurinista.
Klotzel, 1986); Caramujo-flor ( Joel Pizzini, 1988). Há espaço para histórias

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Anjos da noite (Wilson Barros, 1986), direção de arte de Cristiano Amaral O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985), direção de arte de Clóvis Bueno

Anjos da noite (Wilson Barros, 1986), direção de arte de Cristiano Amaral Super Xuxa contra o Baixo Astral (Ana Penido e David So, 1988), direção de arte de Yurika Yamasaki

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A DIREÇÃO DE ARTE contradição teórica, mas não dentro de uma Hollywood excessivamente
departamentalizada” (CORLISS e CLARENS, 1978).2

E A CRIAÇÃO DE ATMOSFERAS NO No contexto contemporâneo, a percepção de Aumont pode ser bastante


problemática, pois, além de muitos filmes prescindirem da presença do
CINEMA CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO cenário – Capitão Sky e o mundo de amanhã3(Sky Captain and the World of
Tomorrow, Kerry Conran, 2004); Sin City: A cidade do pecado (Sin City, Frank
INDIA MARA MARTINS Miller, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, 2005) –, o espaço que estaria
relacionado com a encenação, que será colocado na pós-produção, algumas
vezes também prescinde do corpo, pois, muitas vezes, os atores presentes
fisicamente se relacionam com atores virtuais – O Senhor dos Anéis: O retorno
A direção de arte é uma área de especialização da atividade audiovisual do rei (The Lord of the Rings: The Return of the King, Peter Jackson, 2003)
que dialoga e se confunde com outras áreas, como a direção, a produção e –, que também serão inseridos posteriormente. Por isso, independentemente
a fotografia. Por isso, para pensarmos nas suas especificidades é importante do modelo produtivo, cada vez mais a presença do diretor de arte se estende
delimitar seu campo de atuação. Autores como Jacques Aumont e Éric até a pós-produção, pois muitos elementos da composição visual são agora
Rohmer1 entendem que a direção de arte faz parte das etapas de pré-produção adicionados computacionalmente na finalização.
e da produção de um filme, perspectiva bastante associada à atividade no set
de filmagem e à mise-en-scène. Para alguns autores, é nesse momento que se dá David Bordwell (1997), quando destaca que é a partir das mudanças dos
a organização da representação a fim de transformá-la num filme. No cinema, aspectos da imagem, no espaço e no tempo, que os elementos da mise-en-
mise-en-scène é definida como o ato de “levar alguma coisa à cena para mostrá- scène mais afetam nossa atenção em um filme, e, simultaneamente, nosso
la” (AUMONT, 1993, p. 158). sistema visual, vai incluir na mise-en-scène aspectos da composição visual. Das
diversas mudanças que podem ocorrer no espaço, Bordwell cita o movimento,
Para Aumont, a mise-en-scène se refere apenas ao momento do registro pela as diferenças de cor, o equilíbrio de elementos distintos e as variações de
câmera, que envolveria muito mais a direção e os atores do que o trabalho tamanho. Sobre o tempo, o autor ressalta sobretudo a duração do plano e
da direção de arte. O autor francês também não acredita no controle que a maneira como as relações construídas a partir desse fator atingem nossa
se poderia exercer através da composição visual. Contudo vale lembrar que, percepção do conjunto.
em determinados momentos da história, os Departamentos de Arte eram
tão influentes em Hollywood que uma questão era sempre colocada: quem De forma geral, Bordwell localiza a mise-en-scène como uma importante
é o responsável pela aparência visual de um filme. “Uma mise-en-scène fraca ferramenta para a composição do plano no espaço e no tempo. A interação
pode ser dominada por um diretor de arte forte – aparentemente uma
2
Nos anos 1930, início da chamada Idade de Ouro de Hollywood, os diretores de arte estabeleciam o próprio de
1
Para Éric Rohmer, o termo espaço em cinema pode designar três noções diferentes: Espaço pictural: A imagem cada estúdio. Nessa época, por vezes se acreditou que pela forte departamentalização dos estúdios hollywoodianos, o
cinematográfica, projetada sobre o retângulo da tela – por fugitiva e móvel que seja – é vista e apreciada como a chefe do Departamento de Arte ou production designer poderia estilizar um filme a tal ponto que uma mise-en-scène
representação mais ou menos fiel, mais ou menos bela, de tal ou tal parte do mundo exterior. Espaço arquitetural: fraca poderia ser dominada pelo diretor de arte. Um bom exemplo é Cedric Gibbons, que deteve o controle artístico
Essas partes do mundo, naturais ou fabricadas, tais como nos são representadas na projeção sobre a tela, são dotadas da Metro-Goldwyn-Mayer durante quase três décadas. Gibbons era chefe do Departamento de Arte da Metro e foi
de uma existência objetiva, podendo ser, também elas, objeto de um julgamento estético. É com essa realidade que o criador do estilo original e rico do estúdio. É creditada a ele uma evolução da direção de arte hollywoodiana, no
o cineasta se defronta no momento da filmagem, seja para reconstruí-la, seja para desfigurá-la. Espaço fílmico: sentido de inovar em grandeza e consolidar o visual do estúdio ao mesmo tempo. Nenhum outro estúdio manteve
Com efeito, não é do espaço filmado que o espectador tem a ilusão, mas de um espaço virtual reconstituído em por tanto tempo um mesmo chefe de departamento no comando.
3
seu espírito, com a ajuda dos elementos fragmentários que o filme lhe fornece. Para Rohmer, essas três noções de Capitão Sky e o mundo de amanhã foi considerado o primeiro filme com cenários totalmente digitais. O que diferencia
espaço correspondem a três modos de percepção da matéria fílmica pelo espectador. Eles resultam também de três a obra é o fato de ter produzido cenários e elementos da história de forma totalmente digital. Radicalizando um
abordagens, em geral distintas, do pensamento do cineasta e de três etapas de seu trabalho, em que ele utiliza a cada processo que Steven Spielberg já utilizara em A.I. – Inteligência Artificial (Artificial Intelligence: AI, 2001), este filme
vez técnicas diferentes. A da fotografia no primeiro caso; a da direção de arte no segundo; a da direção e da montagem não foi o primeiro a empregar a técnica em escala tão extensa: o filme francês Immortel (ad vitam) (Enki Bilal, 2004)
no terceiro. Em cada uma delas, ele conta com a ajuda de colaboradores especializados, cabendo-lhes entrosar as é que reivindica esta posição. Mas no contexto de Steampunk, Capitão Sky e o mundo de amanhã é com certeza o
sensibilidades, a fim de que sua obra forme um todo coerente (ROHMER, 1977). primeiro.

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entre seus diversos elementos, segundo o autor, cria padrões de movimento, pudesse representar o campo todo. É o crédito adotado em muitos filmes
cor e profundidade, linha e forma, claro e escuro, definindo e desenvolvendo brasileiros até os anos de 1990.
aspectos relevantes ao espaço da diegese. E a utilização da mise-en-scène pelo
diretor serve não somente para guiar nossa percepção entre determinados Embora tenhamos ao longo da história do cinema brasileiro algumas
momentos, mas também para auxiliar na criação da composição visual geral experiências que já se estruturavam de forma diferente. O estúdio da
do filme. Cinédia foi o primeiro no Brasil a investir na construção de uma estrutura de
“departamento de cenários”, nos padrões hollywoodianos. Com a passagem
No cinema hollywoodiano, que desde o princípio se organiza como uma do cinema mudo para sonoro, os filmes da Cinédia deram um passo decisivo
atividade industrial, setorizada e planificada, a direção de arte desde 19384 na tentativa de industrialização do cinema brasileiro, realizando produções
é considerada de forma mais ampla e adota a terminologia production design reconhecidas mundialmente, como os filmes Ganga bruta (Humberto Mauro,
1933) e O ébrio (Gilda de Abreu, 1946), que ficou 35 anos em cartaz pelo país.
para definir esse campo. O termo não tem tradução para o português e não
As chanchadas, como ficaram conhecidas as comédias produzidas nos anos
pode ser entendido como correspondente à direção de arte, pois se refere a
1950 pelos estúdios cariocas e mais tarde produzidas também por estúdios
uma atividade que tem presença no filme da pré (pesquisa de referências, paulistas, foram as grandes molas impulsoras da produção de cenografia
conceito visual, sketches) à pós-produção (inserção de cenários digitais até dos departamentos de arte no início dessa tentativa de industrialização da
a produção de material publicitário para os produtos licenciados). Esse é o produção cinematográfica brasileira.
termo mais adotado nas pesquisas sobre direção de arte que trabalham a partir
da perspectiva do design cinematográfico, pois valoriza o trabalho de pesquisa Nos Estados Unidos, o título de mais alto escalão da equipe de arte é de
de referências visuais e estéticas e dá ênfase ao desenvolvimento do processo production designer. Isso quer dizer que para as produções norte-americanas, o
projetual, que resulta no projeto visual que orienta o conceito visual do filme “cabeça de equipe” da arte é também produtor; e deveria ser, porque ele pensa
inteiro, da pré à pós-produção. o filme junto com o diretor e tenta solucioná-lo da melhor forma possível,
estética e financeiramente. A definição de production designer, segundo
Essa perspectiva, que pensa a direção de arte como um processo projetual, Vincent LoBrutto, é de que ele concebe toda a visualidade da imagem fílmica,
ainda é bastante rara no Brasil. Isso se deve principalmente à ausência de uma sendo não só responsável pela criação dos cenários e coordenando equipes
indústria audiovisual mais estabelecida, que resulta num modelo produtivo que de figurinistas, maquiadores, cenotécnicos e contra-regras. Ele é responsável,
não tem continuidade e recursos econômicos para viabilizar a permanência da portanto, pela criação de uma paleta de cores, a definição de detalhes periódicos
equipe de arte da pré à pós-produção. Mas também se deve a uma cultura e arquitetônicos relacionados ao roteiro, a seleção de locações em função disto
que não compreende e não valoriza os profissionais que atuam em campos e de outras questões, como o desenho e a decoração de set.
específicos da produção audiovisual. A direção de arte no Brasil, enquanto
Vê-se, portanto, a necessidade de construção de um espaço diegético plausível
uma atividade que tem especificidades, foi ignorada até recentemente. Um
e verossimilhante e que possua as metáforas intrínsecas à construção de
bom exemplo é a Enciclopédia do Cinema Brasileiro, dos anos 2000, que significado dentro da narrativa. LoBrutto analisa que o “espaço pode
apresenta a definição de nomes e termos significativos para o cinema brasileiro. expressar poder, opressão, liberdade, medo, alegria, paranoia, e um misto de
A expressão adotada para falar sobre direção de arte é Cenografia, como se emoções, estados e atmosferas baseados na relação entre os personagens e seus
apenas uma das atividades concernentes ao campo (a construção cenográfica) ambientes” (LoBRUTTO, 2002, p. 99).5 Aqui o autor se refere à capacidade
do espaço de agir como potência narrativa na imagem fílmica, possuindo uma
4
função direta de transmissão de sensações e significado. Posto isso, notamos
“Foi para apaziguar os vários diretores envolvidos na realização de ...E o vento levou (Gone with the Wind, Victor
Fleming, 1939), incluindo o diretor musical e o diretor de fotografia, sem mencionar os vários que não foram
a importância do papel do diretor de arte como figura atuante no processo de
creditados, que o produtor, David O. Selznick, outorgou pela primeira vez o crédito production design a William composição da visualidade fílmica.
Cameron Menzies. Esse inesquecível filme de Hollywood foi o resultado de uma combinação de esforços de quatro
grandes diretores, meia dúzia de roteiristas e editores, e um exército de técnicos. Visualmente nunca vacilou porque
5
Menzies tinha desenhado mil pequenos sketches, perfeitamente compostos para a câmera seguir – cada take estava Do original: “Space can express power, oppression, freedom, fear, joy, paranoia, and a myriad of emotions, moods,
no papel, inclusive o efeito de luz – e vários egos se renderam à visão de Menzies.” (CORLISS e CLARENS, 1978). and atmospheres based on the relationship between the characters and their environment”. [Tradução nossa.]

84 85
Atmosfera fílmica e a direção de arte de um filme), mas que não é visível porque não está materializada através de
uma forma concreta.
Pensar o trabalho da direção de arte a partir de uma concepção projetual também
envolve recorrer a um pensamento ancorado nos estudos de composição visual, A nossa hipótese é que determinadas estratégias utilizadas pelo production
que vão favorecer a criação de significados e potencializar a narrativa, e, mais designer/diretor de arte podem levar à constituição de certas atmosferas e
do que isso, a atmosfera fílmica. O conceito de atmosfera fílmica vem sendo favorecer a sua criação, dando-lhe tangibilidade e permitindo, inclusive,
pesquisado pela teórica portuguesa Inês Gil e propõe uma categoria filosófica a análise de sua eficácia no campo da recepção. O que se busca mostrar é
que envolve todos os campos da produção fílmica (fotografia, arte, som e que a atmosfera pode ser tratada como um elemento concreto de criação,6
montagem). O nosso trabalho está focado em compreender a importância da viabilizada por diferentes técnicas pró-fílmicas, alcançadas com a composição
direção de arte na criação da atmosfera fílmica. No cinema, a atmosfera é o que visual, a escolha de locações, a construção cenográfica, a iluminação e, extra-
dá o tom à representação. É ela que a caracteriza, atribuindo-lhe propriedades, fílmicas, como efeitos visuais e especiais, fazendo uso das tecnologias digitais
qualidades e intensidades. disponíveis na atualidade. Enquanto metodologia no ensino da direção de
arte na Universidade Federal Fluminense, o conceito de atmosfera fílmica
Inês Gil diz que “pode-se definir a atmosfera como sendo um espaço mais ou tem se revelado uma estratégia potente, pois desloca a direção de arte de
menos energético, composto por forças visíveis ou invisíveis, que têm o poder uma perspectiva material para mobilizar aspectos conceituais e sensoriais,
de desencadear sensações e afetos nos receptores. É a natureza dessas forças, o produzindo significados que contribuem para o desenvolvimento de filmes de
seu ritmo e a sua relação que determinam o seu caráter”. De acordo com Gil todos os estilos (narrativos, documentais e experimentais) e gêneros.
temos duas grandes categorias de atmosfera: a dramática e a fílmica.
É na perspectiva da constituição da atmosfera fílmica pela direção de arte que
A primeira é a atmosfera dramática, porque é expressa essencialmente a partir refletimos sobre o filme Terra estrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas,
da diegese. Podemos dizer que essa é a atmosfera encontrada especialmente 1995), com direção de arte de Daniela Thomas e Cássio Amarante. Os filmes
em alguns gêneros (drama, terror) e para se concretizar nas telas do cinema realizados nos anos de 1990 fazem parte de um momento importante para a
dependia de uma série de fatores e sua interrelação (a direção, a fotografia, cinematografia brasileira, inclusive para direção de arte. O chamado cinema
a iluminação, a cenografia, a performance dos atores e a própria relação da da retomada estabelece um novo patamar para a produção nacional. Não há
equipe, que colaborava para criar um clima propício para o desenvolvimento nenhuma relação evidente no estilo desses filmes, mas claramente percebemos
de certas atmosferas), fundamentalmente da mise en scéne. A segunda categoria uma produção mais estruturada nos moldes internacionais. Nesse sentido, o
de atmosfera é associada aos elementos plásticos porque diz respeito à forma departamento de arte se estrutura com a presença do diretor de arte, figurinista,
da imagem fílmica, e aos elementos que constituem o espaço plástico. A maquiador, produtor de objetos etc.
atmosfera fílmica se diferencia da dramática por ter sua ênfase nos aspectos
visuais e por poder ser constituída de forma independente, sem a presença de Na pesquisa intitulada “A influência da tecnologia nos processos da direção
todos os elementos citados anteriormente. de arte no cinema brasileiro pós-retomada (anos 90)”, desenvolvida com
apoio do edital Universal do CNPq, de 2011 a 2013, constatou-se que no
Também podemos falar em dois tipos de atmosfera considerando sua cinema brasileiro, que até pouco tempo antes apresentava equipes reduzidas,
materialidade. A concreta, geralmente visível e controlada, por exemplo, geralmente este papel era exercido pelo diretor de fotografia; eventualmente,
através da técnica (pela luz, pelo cenário etc.) e muito utilizada no cinema havia a participação de outros profissionais da área (figurinista, maquiador,
para criar efeitos, que podem ter um papel importante no desenvolvimento cabeleireiro etc.), mas não um responsável pela área e pelo projeto visual
dramático do filme, ou a que se limita a criar um mero efeito estético que vale do filme. A nossa hipótese é que a partir do que foi chamado de cinema da
por si próprio, mas que também pode ter uma ressonância de sensações no
espectador, e eventualmente nas personagens diegéticas. A atmosfera abstrata 6
Estamos associando o termo criação nos referindo ao trabalho executado pela equipe técnica, ou, como prefere
é aquela que se liberta de um plano ou de uma cena (e às vezes da integralidade chamar Marcos Flaksman (production designer brasileiro), equipe de criação, que inclui diretor de arte, cenotécnicos,
figurinistas, maquiadores e responsáveis pelo efeitos especiais e efeitos visuais.

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retomada (NAGIB, 2002), nos anos de 1990, houve uma profissionalização do comemora a Festa da Menina Morta. O evento celebra o milagre realizado
cinema brasileiro, com a consequente departamentalização ou atribuição das por Santinho, que após o suicídio da mãe recebeu em suas mãos, da boca de
atividades concernentes ao departamento de arte a profissionais que vinham um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. A menina
de experiências na publicidade e na televisão. jamais foi encontrada, mas o tecido rasgado e manchado de sangue passa a
ser adorado e considerado sagrado. A cada ano as pessoas visitam o local para
Essa profissionalização é visível nos filmes realizados no período de 1990- rezar, pedir e aguardar as “revelações” da menina, que através de Santinho se
2010. Por exemplo, O veneno da madrugada (Ruy Guerra, 2005) obteve os manifestam no ápice da cerimônia.
prêmios de melhor direção de arte e de melhor fotografia no Festival de
Cinema de Brasília em 2005. A trama é inspirada no livro A má hora, de A ideia para A festa da menina morta surgiu quando Nachtergaele filmava
Gabriel García Márquez, e aborda 24 horas na vida de uma cidade, onde não O auto da compadecida em Cabaceiras, interior da Paraíba, e presenciou uma
pára de chover e os conflitos entre as famílias mais poderosas e o prefeito estão cerimônia religiosa na casa de uma família que oferecia seu terreno para a
em ponto de explosão, num clima de guerra de todos contra todos. Alguém celebração do milagre de sua filha, que havia desaparecido, mas enviado seu
começa a colar nas portas das casas cartas que revelam a todos os segredos que vestido após muitas preces. Diversas críticas na internet ressaltam a influência
boa parte da cidade já conhece, mas que ninguém ousava revelar em público. de Cláudio Assis na realização do filme, seja pela presença de Lula Carvalho,
filho de Walter Carvalho que faz a direção de fotografia, seja pela presença do
roteirista Hilton Lacerda. Vamos incluir nessa influência a direção de arte de
O veneno da madrugada é o 17º longa-metragem dirigido por Ruy Guerra,
Renata Pinheiro, que também assina como production designer e diretora de
e este é o 4º livro de Gabriel García Márquez que Ruy Guerra adapta. Os
arte o filme Amarelo manga, de Cláudio Assis. A outra referência estética de
anteriores foram em Erêndira (1983), A bela palomera (1987) e a série de
Nachtergaele citada recorrentemente é O baixio da bestas, também de Cláudio
TV Me alquilo para soñar (1991). O projeto de adaptar o livro La mala hora Assis, com roteiro de Hilton Lacerda e arte de Renata Pinheiro.
nasceu em 1990, através de sugestão dos diretores Paulo Thiago e Joaquim
Vaz Carvalho. Na época o filme seria produzido pela Embrafilme, mas com Nos parece oportuno enfatizar que tanto em O veneno da madrugada como
a desativação da agência no governo Collor o projeto foi interrompido. A em A festa da menina morta temos créditos para a direção de arte no início e
presença da direção de arte é bastante definida, pois para as filmagens foi no final do filme. Em Terra estrangeira, filme sobre o qual iremos refletir de
construída uma cidade cenográfica na cidade de Xerém, no Rio de Janeiro. forma mais detalhada, o figurino e a direção de arte aparecem nos créditos
O filme também teve filmagens em locações em Buenos Aires, na Argentina. iniciais, e nos créditos finais temos a equipe completa, que inclui assistência
Um elemento atmosférico de destaque é a chuva constante, que acentua o de direção de arte, figurino e assistência de figurino, objetos, assistência de
suspense. Esta sensação de incerteza também é favorecida pela iluminação, que objetos e maquiagem.
recorta os espaços e objetos revelando apenas partes dos eventos que ocorrem
no filme. Essa é uma estratégia recorrente nos filmes de suspense, geralmente Curiosamente, o filme Terra estrangeira parte de uma premissa que parece
favorecida pelo diálogo entre a direção de arte e a fotografia. bastante atual: sem perspectiva de vida num Brasil tomado pelo caos em plena
era Collor, os personagens se mudam para Portugal. A sinopse informa o
Em A festa da menina morta (2008), primeiro filme dirigido por Matheus seguinte: Paco (Fernando Alves Pinto) decide viajar para Portugal após a morte
Nachtergaele, a paisagem tropical de cidade de interior, com suas casas simples da mãe, Manuela (Laura Cardoso), levando uma misteriosa encomenda. Em
e suas palmeiras verdes, resulta numa atmosfera tranquila e bucólica, que se Lisboa, ele conhece Alex (Fernanda Torres), brasileira namorada de Miguel
contrapõe à intensidade dos sentimentos experimentados pelos personagens (Alexandre Borges); todos se vêem envolvidos num esquema de contrabando
no ritual religioso de adoração e catarse. Podemos dizer que o filme trabalha de pedras preciosas controlado por Igor (Luiz Melo).
a partir de dois registros: um quase documental do espaço físico e social da
região e um outro extremamente construído, a partir de uma mise-en-scène Terra estrangeira é um dos filmes do chamado cinema da retomada com uma
excessivamente presente. O filme traz o enredo inspirado numa crença extensa e bem sucedida trajetória internacional (exibição e premiação em
ribeirinha do Amazonas e foi rodado em Barcelos (AM). A sinopse informa festivais e mostras). Talvez isso bastasse para justificar sua escolha como objeto
que há muitos anos uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas de análise, mas em nosso entendimento vai muito além disso. Na perspectiva

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da direção de arte, ele representa um bem sucedido projeto de estética realista, em duas, coloca os prédios à esquerda e o viaduto do “Minhocão” em São
que busca através da utilização de locações e do acúmulo de elementos criar Paulo à direita. Nesta visão panorâmica vemos um único apartamento com
uma percepção absolutamente verossímil do espaço. as luzes acesas. A próxima imagem traz uma composição visual que favorece
uma grande profundidade de campo, pois a iluminação do viaduto juntamente
Quando André Bazin define que o realismo é “todo sistema de expressão, com as linhas da pista convergem de forma diagonal para um ponto do lado
todo processo de narrativa que tende a fazer aparecer mais realidade na tela” esquerdo da tela. Na sequência vemos Paco declamando uma poesia sentado
(BAZIN, 1991, p. 244), deixa claro que o cinema se diferencia das outras no peitoril da janela, ao fundo vemos o intenso tráfego de veículos no viaduto.
artes por registrar os objetos em sua própria espacialidade e a relação dos
[…] é através da direção de arte que a gente consegue transformar a cidade
objetos entre si. Por isso em sua teoria valoriza técnicas que respeitam esta em personagem. E eu acho que isso é fundamental para a formação da nossa
espacialidade: o plano-sequência (quando a duração do plano coincide com a identidade. Quando você vai atrás da geografia de um país, eu acho que você
duração do evento) e a profundidade de campo (quando todos os elementos tem que mostrar algumas coisas, não é só a paisagem. A gente acabou de fazer
o Xingu, que é um filme que trata disso, de geografia física e geografia humana.
dentro do campo estão igualmente focados, quer se encontrem em primeiro E essa geografia humana está no campo e na cidade tão viva como em qualquer
plano, em segundo plano e/ou em plano recuado). outra cidade do mundo, ela tem que ser registrada. E essa geografia física da
paisagem, ora ela é realmente o rio com os índios andando na canoa naquela
imensidão, ora é uma rua do Bom Retiro. (AMARANTE, 2013)
Terra estrangeira é também a estreia do diretor de arte Cássio Amarante no
cinema. Esta paisagem industrial de São Paulo, representada pelo ícone do
Eu quando caí dentro do cinema, caí nas mãos do Walter Salles e do Walter “Minhocão”, que revela uma certa opção por um modelo de cidade atravessada
Carvalho, fotógrafo, ambos documentaristas, ambos com um background de do- por veículos, é alternada com a paisagem bucólica de Lisboa, com seu bonde
cumentário muito forte. Então quando eles vieram para ficção para fazer no elétrico e estreitas vielas, na qual são localizados os demais personagens.
início dos anos 90 o Terra Estrangeira, eles não conseguiam se desassociar dessa
condição, então eles não queriam vender barato nada. E a Daniela estava vindo Alex (Fernanda Torres) se encontra trabalhando como garçonete num café e
do teatro, e ela é uma pessoa com uma visão muito aguçada das coisas, ela não Miguel (Alexandre Borges), tocando saxofone no palco de um bar. A próxima
estava vindo com nada estereotipado. E nem o trabalho dentro de teatro dela imagem revela um outro ponto de vista da mesma região de São Paulo. Neste,
tinha a ver com o teatrão que tem por aí, quer dizer, era um trabalho visceral,
com uma outra pegada. Então, essa ligação com o teatro da Daniela e essa dis- a personagem Manuela se encontra embaixo do viaduto e vemos dois enormes
posição documentarista dos dois, pra mim foi uma escola de cinema. Porque eu outdoors instalados na lateral dos prédios, um de calcinha Hope e outro de
passei a fazer as coisas para que elas parecessem de verdade (AMARANTE, cueca Mash. A opressão da cidade, evidenciada pelo viaduto e pelos outdoors,
entrevista realizada pela autora em 2013).
se transformará em opressão política com o confisco do dinheiro da poupança
O espaço é por excelência o elemento material onde se estabelece a atmosfera de Manuela, situação emblemática que marca a Era Collor.
fílmica. A representação do espaço no cinema é uma instância narrativa e
também uma opção política e estética. Em Terra estrangeira a opção pela Assim como o filme inicia como um realismo social de cotidiano, em seguida
estética realista é visível desde a escolha da película P&B. Conhecido por se desloca para uma narrativa policial, a estética noir é favorecida pelo P&B,
trabalhar com película em P&B, o cineasta alemão Wim Wenders, quando que, por sua vez, cede lugar ao road movie nas sequências no interior de
justifica a opção pelo P&B, ressalta essa qualidade da ausência de cor. “A vida Portugal. A marcação desses gêneros no filme se dá pelo desenvolvimento
é colorida, mas o preto e branco é mais realista” (Wenders, 1990, p. 58). Nesse da narrativa, mas também pelas referências visuais enfatizadas pela direção
sentido, fica evidente sua opção por uma estética colada no documental, que de arte. Contudo, a marca do realismo e de um registro quase documental,
se tornará uma questão de estilo no cinema de Walter Salles e uma recorrência principalmente se tratando das paisagens, revela um estilo que se tornará
na carreira de Cássio Amarante. recorrente na cinematografia de Walter Salles e do próprio Cássio Amarante,
que divide a direção de arte com Daniela Thomas.7
A presença da paisagem e da cidade também evidencia esta relação com a
experiência espacial. Assim que vemos os créditos iniciais acompanhados pelo O peso desse realismo, extremamente construído, só é reduzido na sequência
piano de José Miguel Wisnik – o qual já estabelece uma atmosfera melancólica,
7
que vai permear o filme todo –, temos um plano frontal que divide a tela É interessante observar que Daniela Thomas também divide a direção com Walter Salles; isso pode levar a certas
questões sobre a influência da direção de arte na própria mise-en-scène.

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em que Paco, após a morte da mãe, toma um longo banho e alaga o apartamento. predominante no filme: a perda da identidade dos dois personagens, que estão
Através de um efeito visual, temos uma cena onírica e uma atmosfera de vivendo uma situação de exílio.
absoluta tristeza, que inicia com uma música de violino e reflexos da água na
parede do apartamento, em seguida vemos as fotos da família de Manuela, A escolha de Terra estrangeira para refletir sobre o papel da direção de arte
boiando num rio de água sobre o piso do apartamento. Essa sequência é uma na constituição da atmosfera fílmica, filme que aparentemente revela pouca
das últimas no Brasil; em seguida, Paco conhece Igor e atravessa o Atlântico intervenção da direção de arte, vem contribuir para uma discussão que nos
em direção a Portugal, na tentativa de realizar o sonho de sua mãe: conhecer é muito cara: a importância da direção de arte na construção de um espaço
San Sebastian, sua terra de origem na Espanha. Curiosamente essa etapa da diegético plausível e verossímil, e, a partir deste espaço concreto, permitir a
vida de Paco em São Paulo, centrada num realismo cotidiano, encerra em uma constituição de atmosferas. Mesmo em contextos em que a direção de arte
sequência onírica antes de ele atravessar o Atlântico em busca de uma utopia. parece ausente, há uma construção visual que busca, a partir do espaço,
representar sensações e contribuir para a criação de significados importantes
Se no Brasil a paisagem urbana e grandiloquente de São Paulo resulta numa para a narrativa. Nesse sentido, reforçamos o papel do diretor de arte como
atmosfera de opressão, nas sequências realizadas em Portugal encontramos figura importante no processo de criação do espaço fílmico, seja através da
uma atmosfera de estranhamento enfatizada pelos ambientes internos e as cenografia, ou da composição visual.
pequenas vielas e becos da cidade. É o momento em que observamos alguns
códigos que remetem a visualidade do filme ao gênero noir. A narrativa nos
conduz de uma espera em Lisboa com lances policialescos para uma fuga REFERÊNCIAS
de carro pelas estradas secundárias do interior de Portugal, numa tentativa
AMARANTE, Cássio. “A influência da tecnologia nos processos da direção de arte no cinema
de chegar a uma fronteira menos vigiada da Espanha. A atmosfera de brasileiro pós-retomada (anos 90)”. In Relatório de pesquisa CNPq. Rio de Janeiro, 2013
deslocamento e errância é reforçada pela paisagem, captada por travellings
laterais e panorâmicas. AUMONT, Jacques. A imagem. 2ª ed. São Paulo: Papirus, 1995.
________________. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
Há nessa viagem um retorno à uma certa atmosfera de expectativa, quase
BAZIN, André. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. p. 22.
alegre, que o deslocamento para outro lugar acompanhado de uma situação
romântica pode provocar. Algumas pausas durante esse deslocamento BORDWELL, David. On the History of Film Style. Cambridge, Mass., London: Harvard
enfatizam a atmosfera romântica, que é contaminada pela sensação University Press, 2007.
melancólica do desgarramento e ausência de identidade. Isso fica evidente BUTRUCE, Débora Lúcia Viera. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
quando Paco e Alex se encontram diante de um imenso navio encalhado,8 processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
que se destaca na fotografia P&B. Nos dois quadros, temos uma composição
visual instigante. No primeiro, um plano geral, o navio ocupa a maior parte CORLIS, Mary e CLARENS, Carlos. “Designed for Film: the Hollywood Art Director”. In
do quadro com seu fundo enegrecido pelo tempo, e o casal se torna muito Film Comment. Nova York, maio/jun. 1978.
pequeno diante da imensidão da paisagem. No segundo, o casal se encontra ETTEDGUI, Peter. Diseño de Producción & Dirección Artística. Barcelona: Oceano, 2001.
abraçado no lado esquerdo do quadro e o navio no lado direito, quase que na
FLAKSMAN, Marcos. “A influência da tecnologia nos processos da direção de arte no cinema
mesma proporção, graças à distância que se encontra da praia. Em outra cena, brasileiro pós-retomada (anos 90)”. In Relatório de pesquisa CNPq. Rio de Janeiro, 2013.
igualmente importante, em Cabo Espichel, ponto mais extremo da Europa, o
casal está sentado à beira de um precipício, diante do mar, olhando em direção GARDIES, André. L’ Espace au Cinema. Paris: Méridiens Klincksieck, 1993.
ao que se pressupõe ser o Brasil, pelo diálogo que se estabelece entre eles. Essas GIBBS, John. Mise-en-scène: Film Style and Interpretation. Londres: Wallflower Press, 2002.
duas sequências emblemáticas ressaltam a atmosfera que podemos considerar
GIL, Inês. A atmosfera no cinema: o caso de A sombra do caçador de Charles Laughton entre o
onirismo e realismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a
8
Tecnologia, Ministério da Ciência e do Ensino Superior, 2005.
Segundo Walter Salles, foi uma fotografia desse navio encalhado feita por Jean-Pierre Favreau que inspirou a
realização do filme Terra estrangeira.

92 93
LoBRUTTO, Vincent. The Filmmakers’s Guide to production design. Nova York: Allworth
Press, 2002.

NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo:
Editora 34, 2002.

NAGIB, Lúcia. A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias. São Paulo: Cosac
Naify, 2006.

ROHMER, Éric. L’ Organization de l’ espace dans le Faust, de Murnau. UGE 10/18 n. 1145,
1977.

THOMAS, Daniela, BERNSTEIN, Marcos, SALLES, Walter. Terra estrangeira. Rio de


Janeiro: Rocco, 1996.

WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Lisboa: Edições 70, 1990.

INDIA MARA MARTINS é bacharel em Jornalismo (UEPG), mestre


em Multimeios (Unicamp) e doutora em Design (PUC-Rio). Também é
professora de Cinema e Vídeo (UFF).

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A festa da menina morta (Matheus Nachtergaele, 2008), direção de arte de Renata Pinheiro
REFLEXÕES SOBRE O história pode ser contada de diversas maneiras visualmente, e o diretor de arte
deve considerá-las, a fim de oferecer diferentes opções ao diretor.

TRABALHO DA DIREÇÃO DE ARTE: Cada filme é singular, e a cada projeto o diretor de arte investe sua cultura
TRABALHAR CANSA, BRUNA SURFISTINHA, visual, suas experiências anteriores, sua capacidade de observar o mundo ao seu
redor, seu conhecimento técnico sobre as demais funções cinematográficas, seu
TATUAGEM E AMOR, PLÁSTICO E BARULHO modo pessoal de escolher e articular os elementos que tem à sua disposição.

GILKA VARGAS Não existem receitas, fórmulas ou estratégias estanques para instituir um
projeto de direção de arte; a cada filme trabalhado são distintas as opções, as
articulações. Os filmes Trabalhar cansa (Marco Dutra e Juliana Rojas, 2011),
Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013)
O cinema nacional contemporâneo traz consigo a riqueza cultural do país. e Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2013) ajudam a exemplificar as
Por sua extensão, pela pluralidade de seu povo, por suas distintas geografias, possibilidades do trabalho da direção de arte e o seu potencial narrativo,
o Brasil proporciona diferentes olhares. Cineastas estreantes e veteranos em dramático, simbólico e estético.
longa-metragem lançam produções oriundas de variadas regiões, oferecendo
ao espectador uma diversidade de propostas, de temáticas, de discursos Trabalhar cansa, com direção de Juliana Rojas e Marco Dutra, aborda
estéticos, de formas de narrativa. temática atual e universal: como a crise econômica pode afetar uma família de
classe média tradicional, as relações empregado-empregador e as consequentes
Como parte integrante desse multifacetado fazer cinematográfico, encontra- relações de poder. É uma reflexão sobre as relações de classes e como estas
se a direção de arte. Função relativamente recente em nosso país, são poucos podem ser assustadoras na medida em que embrutecem e desumanizam os
os escritos e estudos no Brasil que tenham como objeto seu entendimento, seu indivíduos. A direção opta pela estranheza, apresentando um drama social com
potencial, sua competência e especificidade. toques do fantástico, trazendo uma narrativa permeada de acontecimentos
misteriosos, colocando em cena elementos que remetem à degradação e à
O que é necessário, em termos de tempo e espaço, para situar o espectador em podridão.
relação à história? Qual o seu contexto, seu gênero, sua natureza psicológica?
Quem são seus personagens? Quais cores e texturas melhor servirão ao visual
Dutra e Rojas narram a trajetória de Helena, que, cansada de sua rotina de
desejado para o filme? Como, efetivamente, transpor a escrita do roteiro para
dona de casa, resolve se tornar uma empreendedora como proprietária de um
a materialidade, utilizando elementos visuais e visíveis que tragam em si
mercadinho de bairro. Entretanto, no mesmo dia em que encontra a sede que
significados, sentidos, estados psicológicos, unificando a linha estética de um
para ela é a ideal, Otávio, seu marido, é demitido. Helena opta por assumir o
filme?
desafio e segue com seus planos, que incluem contratar a doméstica Paula para
cuidar da filha Vanessa e da casa.
Essas são questões essenciais a serem discutidas pela direção de arte com o
diretor e o diretor de fotografia; é a partir delas e de suas respostas, aliadas
às informações e indicações contidas no roteiro, do ponto de vista do diretor Ao tomar essa decisão Helena, que “parou de estudar para casar”, passa a viver
e de suas intenções ou do gênero que se inicia sua participação no processo uma realidade totalmente desconhecida para ela: ter seu próprio negócio e
de construção da imagem cinematográfica que, além de sua materialidade, exercer o papel de empregadora e chefe. Ao mesmo tempo, com a demissão
constitua o universo diegético necessário à narrativa. de Otávio é obrigada a assumir o suporte financeiro familiar, o que modifica
sua posição também em seu ambiente pessoal: prioriza o trabalho e passa mais
São vários os caminhos que podem ser seguidos, diferentes processos de tempo fora deixando casa e filha nas mãos do marido e da doméstica.
criação artística vivenciados, e cada diretor de arte estabelece o seu. Uma

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Elementos como textura, cor, objetos simbólicos e dramáticos, arquitetura são animal que provavelmente fez as grandes ranhuras que ele vê na parede marrom
estrategicamente articulados pela direção de arte de Fernando Zuccolotto, do depósito. Otávio diz que vai colocar nela, “pra ver se você se acalma”.
a fim de participar na construção da dramaticidade, da atmosfera de tensão
e suspense, despertando a sensação de estranhamento no espectador. É no No carnaval, Helena leva Paula para limpar o mercado, e a doméstica
universo do Mercado Curumim, lugar no qual transcorre a maior parte da encontra uma espécie de garra no local. Depois disso, enquanto Helena
narrativa, que o espectador se depara com uma variedade de metáforas visuais observa a parede, agora totalmente escura, Ricardo entra no mercado para
estabelecidas para que esses objetivos sejam alcançados. fazer compras; desconfiada, ela pede que Gilda o vigie de perto e acompanha
a movimentação dos dois pelo sistema de câmeras que instalou em pontos
O mercado é o lugar que apresenta, de forma clara e evidente, as escolhas, estratégicos do mercado. Em seguida, depois da saída de Gilda, Helena apaga
as articulações e os jogos engendrados pela direção de arte, estabelecendo a algumas luzes, vai até o depósito, pega a grande marreta que encontrou em seu
partir de seus elementos concretos e visuais, várias camadas de leitura. Cada primeiro dia no imóvel e se dirige lentamente à parede, decidida a descobrir o
situação conflitante vivenciada por Helena é associada a algo físico, concreto; que há ali. Dá alguns golpes e o material cede, fazendo com que caiam sobre
suas relações com os funcionários, seus temores enquanto empreendedora são ela os restos de um grande animal.
materializados pela direção de arte, que se utiliza de vários elementos como a
marreta, as correntes, a coleira de metal envelhecida, o líquido preto que brota Até esse momento, Helena conta com os homens para resolver os problemas
do chão, a mancha na parede que aumenta pouco a pouco, a bola de pelos com nesse ambiente: Seu Antunes conserta o vazamento, retira a bola de pelos, ajuda
larvas, as mercadorias que desaparecem, o boneco do Papai Noel, as câmeras a esconder com uma tela a mancha que cresce cada vez mais na parede; Otávio
de segurança, os móveis que ocultam coisas, a garra estranha e o cadáver de limpa o líquido do vazamento, além de deslocar expositores com produtos para
um animal fera emparedado. Ao mesmo tempo, essas reações visíveis acabam cobrir a mancha, coisa que também o açougueiro faz. Entretanto, por opção
por contribuir na criação de um clima de expectativa. própria, na noite de carnaval encontra-se sozinha e decide abrir a parede.

Os conflitos materializados no mercado fazem com que o ambiente O grotesco animal enclausurado, que lembra a figura de um lobisomem –
acompanhe visualmente a transformação de Helena e de suas relações com um ser humano que se transforma em fera –, remete à transformação sofrida
seus funcionários. O mercado “reage” e a associação entre os fatos é imediata: pela personagem. É preciso limpar o mercado, retirar dali o monstro, ou a
Helena cobra de Ricardo o desaparecimento de leite e é descoberta a mancha monstruosidade, que é a relação de poder que acabou estabelecendo com seus
na parede; Helena detecta a falta de panetones e é destacado o mau cheiro e empregados baseada na desconfiança, na rigidez, na frieza, na repressão de
encontrado o vazamento de líquido escuro e viscoso no piso; ao mesmo tempo afetos solidários; é preciso expurgar a fera capaz de demitir um funcionário
em que Helena observa Gilda conferindo e guardando dinheiro no caixa, é por uma suspeita de furto sem comprovação às vésperas do Natal.
retirada do encanamento uma bola de pelos escuros, coberta por larvas.
Helena inicia sua libertação sozinha, mas precisa da participação de Otávio
Em seu cotidiano, Helena adota postura rígida e vigilante, controla seus para concluí-la: é ele quem termina de quebrar a parede e dela retira o crânio
funcionários, demite Ricardo por suspeita de furto, instala sistema de câmeras. do animal. Os dois levam o cadáver para fora da cidade; Helena joga sal grosso
Segundo indicação visual realizada por objetos, figurinos e adereços, esse é e querosene sobre ele e Otávio risca o fósforo. Purificados magicamente pelo
um processo que leva alguns meses – o mercado é aberto em estação fria, sal grosso e pelo fogo em seu ritual pagão particular, nada é dito; não falam
sobre o ocorrido e continuam suas vidas. Ele decide libertar seu animal interior
passa o Natal, e o desfecho da narrativa ocorre no carnaval, período no qual
e se tornar capaz de lutar na selva profissional; ela volta ao trabalho e leva
a população brasileira tem a cultura de “soltar seus monstros”, liberar seus
consigo a filha, verbalizando que dinheiro “é sujo”, mas integrando a menina
instintos. É no período de carnaval que Helena insiste em abrir o mercado,
ao seu ‘mundo dos negócios’.
obrigando os empregados a trabalhar, revista a bolsa de Gilda e, quando ela
e Otávio estão fechando o lugar, o marido arreda um móvel e encontra uma
Trabalhar cansa é um filme híbrido que faz uso do fantástico para falar dos
corrente grande, com traços de ferrugem e forte o suficiente para segurar o
medos, angústias, receios e problemas da classe média tradicional que se vê

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disputando espaços e empregos com a classe média emergente. Trabalhadores contemporânea, organizada, em cores neutras, sem muitas indicações sobre a
experientes como Otávio são descartados e trocados por jovens recém-saídos personalidade de quem ali vive. Os enquadramentos estabelecidos pela câmera
das universidades, preparados e ousados o bastante para competir e vencer não proporcionam a visão do ambiente por completo; percebe-se a existência
no mercado de trabalho. Mulheres como Helena enfrentam o risco de perder de porta-retratos, porém as fotos que contêm não são vistas. Assim como a
o poder dentro da própria casa para obter sucesso como empreendedoras. personagem não fala de seu passado, de sua vida como filha adotiva dessa
Helena vê despertar em si a fera, o monstro que luta com unhas e dentes para família, também o lugar não é descortinado ao espectador.
obter lucro, seja acusando, humilhando ou vigiando funcionários.
Quando foge da casa dos pais, a jovem vai para a casa de encontros administrada
Bruna Surfistinha, adaptação do livro O doce veneno do escorpião – o diário de por Larissa para trabalhar como garota de programa. Esse espaço não oferece
uma garota de programa, autobiografia de Raquel Pacheco, tem como diretor privacidade às suas habitantes: Raquel dorme em um quarto com mais duas
Marcus Baldini. O filme mostra os caminhos percorridos por Raquel, que colegas; os objetos pessoais de todas são guardados em pequenos armários
aos dezessete anos decide sair de casa e se tornar garota de programa. No localizados no espaço de convivência, uma espécie de sala/copa/cozinha/
lavanderia onde as seis mulheres passam a maior parte do tempo.
decorrer da narrativa, o espectador acompanha a jovem em sua jornada, sua
transformação de adolescente em mulher que obtém seu sustento por meio do
No pequeno quarto de Raquel, há duas camas: uma de casal e outra de solteiro;
sexo; sua ambição; seu ápice profissional proporcionado pelo sucesso do blog
vemos poucos móveis e sobre eles roupas, cremes, desodorantes, xampus,
no qual descreve seu cotidiano de garota de programa; sua fase de celebridade;
bijuterias, roupas secando penduradas no cabide de pé. A câmera faz um passeio
sua decadência em função das drogas; sua recuperação após reconhecer que nesse ambiente, mostrando sua desorganização, e também como o mundo da
depende apenas de si mesma para alcançar seus objetivos, e sua decisão de jovem coube em sua mochila, que está pendurada na cabeceira da cama, e
trabalhar apenas por mais seis meses como garota de programa. como seus poucos pertences se mesclaram aos demais, já existentes na casa.
No criado-mudo ao seu lado percebe-se o pequeno relógio despertador laranja
Participando de forma efetiva na construção da visualidade do filme, a (que vimos em seu quarto na casa dos pais) e seu relógio de pulso vermelho
direção de arte concebida por Luiz Roque estabelece estratégias e articulações junto a esmalte, acetona, algodão, provavelmente de sua companheira de cama,
entre seus elementos de trabalho, desempenhando a função de dar suporte uma vez que Raquel ainda não pinta as unhas.
à narrativa. Em momentos distintos vividos por Raquel, percebe-se que
sua caracterização visual e os diferentes ambientes pelos quais circula estão Quanto ao espaço de convivência, a articulação entre arquitetura, cor,
impregnados de verossimilhança e coesos entre si e com a narrativa. São três textura, objetos e acessórios estabelece a verossimilhança, apresentando uma
os principais espaços do filme: a casa dos pais adotivos, a casa de encontros de desorganização orgânica, com roupas, revistas e diversos objetos de uso pessoal
Larissa e o apartamento de Raquel – codinome Bruna Surfistinha. sobre os móveis. O ambiente concebido pela direção de arte traz ao espectador
um lugar com objetos de uso diário, eletrodomésticos e móveis simples e
A personagem é apresentada em seu quarto, realizando uma dança erótica desgastados. Trata-se de ambiente que não oferece conforto algum além do
frente à câmera do computador e se despedindo de seu público virtual como necessário. É nele que as mulheres cozinham, comem, fazem as unhas, lavam
Raquel Sensual. O ambiente enquadrado é composto por móveis brancos, roupa, veem TV, jogam cartas e esperam pelos clientes. Quando acende a luz
uma das paredes na cor rosa claro; veste uma camiseta larga, calcinhas na cor vermelha intermitente e toca a antiga campainha de metal, elas ajeitam roupas
rosa e um top branco. Raquel veste-se como uma adolescente típica e se expõe e cabelos para serem escolhidas por Larissa.
na internet explorando sua sensualidade, mostrando seu corpo. Essa cena pode
sugerir um desejo de mudança: seu quarto e suas roupas apresentam a cor Raquel/Bruna é mostrada mantendo relações sexuais com vários homens;
rosa, que em nossa cultura remete a meninas mais jovens e Raquel, entretanto, esses encontros ocorrem em diversos quartos que possuem praticamente a
adota uma postura sensual e provocativa. mesma arquitetura, com a textura mostrando a passagem do tempo nos móveis
e acessórios, os recentes remendos nas paredes, as diferentes estampas das
cortinas plásticas que isolam o vaso sanitário, o chuveiro e a pia. São ambientes
Nos poucos momentos em que é mostrado seu ambiente familiar, vemos
pequenos, neutros e sem requintes, tendo apenas o necessário para atender os
uma jovem estudante de tradicional escola particular com uma camiseta
clientes.
de uniforme folgada que esconde as formas do corpo; uma sala de jantar

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Ao sair da casa de Larissa, Raquel/Bruna busca ter o seu próprio espaço e ser unhas estão pintadas de vermelho e descascadas; seu figurino retorna à grande
independente, sem ter uma cafetina. Para isso, investe em um apartamento camiseta que a protegia enquanto adolescente.
de alto padrão. Arquitetura, textura e cor são articuladas pela direção de arte
para estabelecer um ambiente requintado, um lugar diferenciado que pode Quando volta ao seu apartamento e decide dedicar-se ao trabalho com mais
ser oferecido a clientes com maior poder aquisitivo. Raquel/Bruna cria um seriedade, de “cara limpa”, tanto seu espaço como sua caracterização visual
blog escrevendo detalhes sobre sua vida de garota de programa e passa a ter encontram-se coesos: o apartamento está impecável, Raquel/Bruna veste um
milhares de acessos diários e a atender inúmeros clientes VIPs. belo, justo e curto vestido vermelho que realça seu corpo; seu cabelo está solto
e bem cuidado e ela está sem olheiras.
Ao mesmo tempo, a frieza transmitida pela textura dos vidros, metais e
móveis brancos indica ao espectador o quanto falta afeto na vida da jovem. Bruna Surfistinha é um filme no qual a direção de arte, por meio da
Raquel/Bruna é ambiciosa e nunca mediu esforços para ser a melhor garota de verossimilhança dos ambientes e da caracterização dos personagens, e do
programa. Seus relacionamentos se dão em função de lucros financeiros. Isso suporte à narrativa, acompanha a protagonista em suas conquistas e derrotas;
é reforçado quando Hudson, seu primeiro cliente, lhe oferece um conjunto de sua determinação e seu empenho em ser a melhor, sua busca constante por
colar e brincos semelhante ao de sua mãe e ela recusa exigindo o pagamento independência financeira; seu deslumbramento por ter se tornado uma
do encontro, deixando claro que não está disponível para relacionamentos celebridade, conhecida como a mais famosa garota de programa do país.
afetivos, somente para os profissionais.
Tatuagem tem roteiro e direção de Hilton Lacerda e traz à tela um sonho de
No momento em que intensifica o uso de drogas e vive sua decadência pessoal liberdade e a esperança de um futuro melhor. Com universo ambientado no
e profissional, seu apartamento a acompanha sendo visto sujo, desarrumado, final dos anos 1970 e baseado nas lembranças afetivas do diretor, não há o rigor
com restos de comida e bebida, retratando a confusão interna vivida pela
das reconstituições, a preocupação com reproduções fidedignas. O que importa
personagem.
é colocar na tela a utopia vivida pelos personagens, seu espírito de luta pela
liberdade, a esperança de viver em um mundo diferente, sem preconceitos; é
A caracterização visual da personagem – figurino, cabelo e maquiagem – é
transpor questionamentos do passado para os tempos atuais, renovar e manter
trabalhada pela direção de arte para mostrar a trajetória de Raquel e apontar
viva a discussão sobre a liberdade e os sonhos de futuros possíveis.
seu estado de espírito em diferentes momentos: adolescente, sentindo-se feia
e deslocada na escola, tem seu cabelo longo, solto e levemente desgrenhado,
Tendo como pano de fundo a ditadura militar já agonizante, mas ainda viva e
com uma pequena franja; veste camiseta e moletom grandes. Ao começar sua
vida de garota de programa, continua por algum tempo vestindo-se dessa presente em 1978, Lacerda apresenta a relação amorosa entre Clécio Wanderley
maneira, cobrindo o corpo em demasia para a profissão. Quando já tem um e Arlindo Araújo, conhecido como Fininha. Eles representam duas fatias bem
certo sucesso junto à clientela, modifica seu vestir, investindo em camisetas distintas da sociedade da época: Clécio, um ator anarquista, e Fininha, um
mais cavadas e curtas, jeans justos – afinal, “tem que saber se vender”. Seu jovem do interior que está prestando serviço militar como soldado no Exército
auge profissional vem acompanhado por longos cabelos tratados, sem franja Nacional em Recife. Conflitos são inerentes a essa relação, pois Clécio lidera
e, portanto, mais mulher; por roupas com muito brilho, curtas e justas; por o Chão de Estrelas, uma trupe de artistas que desafia os postulados do regime
brincos grandes e chamativos e unhas bem-feitas. vigente, e Fininha encontra-se inserido na instituição que estabelece e faz
cumprir esses postulados.
Para mostrar sua decadência devido ao uso de drogas, Raquel/Bruna é vista
se prostituindo nas ruas e em casas de encontros paupérrimas, que cobram Em Tatuagem, com direção de arte realizada por Renata Pinheiro, esses dois
vinte reais pelo atendimento. Sua pele está sem brilho; possui olheiras que mundos são mostrados e articulados pelo viés do contraste de seus ambientes.
aumentam gradativamente; seu cabelo torna-se novamente descuidado, suas Vemos o cabaré-teatro Chão de Estrelas e a casa onde vivem os artistas,
simbolizando o desejo de liberdade; o quartel, que representa o regime

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opressor; e a casa da mãe de Fininha, lugar marcado pela religiosidade e pelos Em seu interior a arquitetura, aliada à textura e à cor, reforça ainda mais a ideia
valores morais conservadores. de resistência, pois se percebe que o teatro é construído de forma a aproveitar
a estrutura das grossas paredes. A trupe realça algumas partes corroídas da
Para constituir esses espaços fílmicos, Pinheiro utiliza a articulação entre antiga construção, feita com grandes tijolos, com tinta vermelha e purpurina;
textura, cor, objetos – tanto simbólicos como dramáticos –, arquitetura e a estrelas coloridas e brilhantes estão espalhadas pelas paredes, que ainda
caracterização visual dos personagens. Como resultado, cada lugar tem suas contêm resquícios de reboco; vigas de madeira dão suporte ao telhado. Os
próprias características, indicando claramente ao espectador quem ali vive, móveis, mesas e cadeiras, são em cor pura; luminárias têm a cor improvisada
quais são os seus valores, os seus anseios, as suas condutas e sentimentos pelo papel celofane; as barras da janela são embrulhadas por papel metálico
perante a vida. vermelho. Esse ambiente materializa a ânsia pela construção da liberdade –
sobre a estrutura alquebrada da ditadura, vêm a cor e o brilho da arte; vêm a
No ambiente do quartel, temos a conjunção arquitetura, textura, cor, figurino, alegria, a ironia e a irreverência representadas pelo Chão de Estrelas.
cabelo e perspectiva trabalhada para que o espectador perceba a uniformidade
exigida pelo militarismo – seja pelo figurino, pelo cabelo, pelos movimentos O casarão, uma espécie de república onde moram os artistas, homens e
das corridas em pelotão, pelos beliches rigorosamente alinhados. Existe a mulheres vivem em liberdade de pensamento e de atitudes, em um local
exigência de comportamento padrão: todos dormem no mesmo horário, todos também rico visualmente, que reflete a ebulição criativa dos atores. É onde
tomam banho juntos. Há a indicação de falta de individualidade, o rigor de confeccionam, a partir de sucata, os figurinos, os objetos e os adereços a serem
seguir as regras. Trata-se de prédio antigo, bem cuidado e organizado, com utilizados nos espetáculos.
pé direito alto, com espaços amplos, nas cores branco, verde e preto. Na
primeira cena em que vemos o dormitório, o enquadramento faz com que as A direção de arte usa e abusa dos elementos plásticos, buscando mostrar um
linhas verticais formadas pelo alinhamento dos beliches “desenhem” grades, universo extremamente colorido e cheio de texturas para representar o estado
indicando a sensação de aprisionamento do personagem Fininha. de espírito, a riqueza do pensamento, a criatividade e o posicionamento dessa
trupe de artistas de periferia. A utopia da liberdade total, seja ela intelectual,
Quanto à casa da mãe de Fininha, a direção de arte articula arquitetura, textura, sexual, política, artística, move o Chão de Estrelas, que em seu dia a dia desafia
cor e objetos com o movimento de câmera e o cenário sonoro, apresentando “os bons costumes” em um momento em que o Brasil ainda está sob um
ao espectador uma residência humilde do interior. Vemos quatro mulheres regime que reprime manifestações críticas e questionadoras. Ainda há censura,
– mãe, irmã e duas tias – ouvindo a Ave Maria pelo rádio enquanto fazem repressão violenta, valores morais rígidos, que também estão simbolizados pela
suas orações. A câmera passeia pela pequena sala mostrando fotos antigas frieza das cores no quartel; ainda há a alienação religiosa indicada na casa da
da família, e ao fundo, na copa, há um quadro da Santa Ceia. As paredes, em mãe de Fininha, que observa a vida passar rezando ou olhando o movimento
amarelo claro, têm rachaduras e estão com a pintura descascada em alguns da rua sem esboçar reações.
pontos. As mulheres se mostram conservadoras, regidas pela religiosidade
e pelos valores tradicionais da família. Percebe-se um ambiente sem vida, Amor, plástico e barulho tem roteiro e direção de Renata Pinheiro e apresenta os
monótono, sem autonomia; levam a vida seguindo a vontade de Deus. As conflitos provocados pela efemeridade do sucesso, pelo caráter descartável de
cores do lugar são em tons pastéis, o que reforça sua atmosfera de apatia. coisas e pessoas. Para falar sobre isso, a diretora desenvolve sua narrativa nos
bastidores da música brega da periferia de Recife, mostrando a decadência da
A casa de espetáculos do Chão de Estrelas é um lugar pobre, localizado na cantora Jaqueline e a tentativa de ascensão da dançarina Shelly, integrantes da
periferia de Recife. É mostrado como um ponto de cor em meio ao cinza; banda Amor com Veneno.
está rodeado por entulhos e escombros de fábricas com suas longas chaminés
carcomidas pelo tempo, representando a vida que resiste ao sistema decadente, Passando pelo experimental, pelo dramático e pelo musical, mescla imagens
a resistência frente ao regime militar que já foi poderoso e que agora está extraídas da internet, trechos de animações, utilização de efeitos especiais,
próximo do fim. Em seu texto de abertura do espetáculo, Clécio anuncia que é imagens capturadas nas ruas da cidade que, em alguns momentos, dão um
ali que acontece “a noite que faz tremer toda a forma de autoridade”. tom documental ao filme. A inserção intencional de vídeos e imagens de

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baixa resolução, nada sofisticadas e elegantes, sem preciosismo técnico algum, As diferenças entre as personagens também são assinaladas por seus ambientes.
pode causar no espectador desconforto sensorial. Entretanto, essa é a quebra Ambas vivem em uma espécie de cortiço de propriedade de Amadeo, empresário
proposta pela direção; esse é o contraste entre os brilhos, as cores, o glamour da da banda, e cada uma tem seu quarto. Para o ambiente de Jaqueline, a direção
noite e a realidade cinzenta, como o cimento das novas construções. de arte coloca móveis de melhor qualidade, dentre os quais se sobressai uma
penteadeira com espelho e, sobre ela, um amuleto japonês da prosperidade.
Dani Vilela assina a direção de arte de Amor, plástico e barulho, cuja narrativa Já no quarto de Shelly, há menos móveis, um espelho improvisado sobre uma
é extremamente visual. Ambientes, paisagens, arquitetura, objetos, figurino, cadeira, e, na mesinha lateral que está junto à sua cama, há um boneco do
maquiagem, cabelos, cor, textura, traduzem visualmente o percurso e as personagem Pica-Pau. Com esta breve descrição, percebe-se a preocupação
transformações de Jaqueline e Shelly. Acompanhando o trabalho da direção de Jaqueline com o retorno financeiro proporcionado por sua carreira, uma
de arte realizado junto às personagens, vemos como a cor do cabelo pode vez que precisa sustentar a filha. Shelly, por sua vez, tem seu lado infantil e
mudar a vida de alguém, como um lápis de maquiagem pode indicar uma sonhador pontuado pelo boneco do personagem de animação.
decisão e como a acetona pode retirar algo além do esmalte.
Buscando mostrar a crueza e a crueldade da realidade nos ambientes pelos
Jaqueline e Shelly são interpretadas por atrizes fisicamente diferentes, quais as personagens circulam e o brilho dos plásticos descartáveis, a direção
e a direção de arte explora isso para acentuar o contraste existente entre a
de arte encontra na textura uma função importante. É a textura que indica
personalidade de ambas quando estabelece a caracterização visual das
a precariedade dos lugares: do local onde as jovens moram, das casas de
personagens. Jaqueline é uma mulher madura, sensual, que vivencia o declínio
shows, dos programas televisivos nos quais se apresentam, do pavilhão onde
de sua carreira. Percebe-se que suas roupas acentuam sua sensualidade, sua
feminilidade sem, no entanto, torná-la vulgar. Shelly é mais jovem, com o passam o som. Nesse pavilhão velho, desgastado, com as paredes marcadas
corpo mais delgado, ingênua, sonhadora e ambiciona tornar-se cantora. Em pelo tempo vemos Jaqueline cantando sozinha no palco. O ambiente reflete o
suas primeiras aparições, tem seus aspectos mais infantis ressaltados pelo estado de espírito da personagem, que nesse momento percebe sua situação,
figurino em tons pastéis, com o predomínio da cor rosa. reconhecendo a efemeridade de sua carreira em decadência. Na cena seguinte,
em um pequeno quarto de hotel, pobre e com o ar condicionado quebrado,
Para as cenas diurnas, o figurino traz descontração e simplicidade, mas persiste essa decadência é materializada e reforçada. Jaqueline então afirma que não
pontuando os status diferenciados de Jaqueline e Shelly dentro da banda. A adianta sonhar, pois a carreira das cantoras “é como um copo plástico, que
veterana usa roupas coloridas, com tecidos de melhor qualidade, cortes mais bebem até a última gota, amassam e jogam fora”. A carreira, a fama e o sucesso
elaborados, não dispensando o salto alto e as bijuterias coloridas e douradas. são tão descartáveis quanto o plástico colorido do fundo do palco da casa de
Quanto à novata, apresenta roupas mais baratas e sem muitos recortes, chinelos shows, quanto a capa plástica que Shelly usa em seu sonho de romance na
ou sandálias baixas e bijuterias discretas e prateadas. À noite, o figurino ganha praia, quanto os sacos plásticos utilizados no figurino do programa de TV. O
outra dimensão. Composto por roupas com cor, brilho e texturas chamativas, brilho dos plásticos é tão passageiro quanto o brilho da purpurina que vemos
além de indicar diferenças de personalidade e reafirmar o status de cada uma, em todos os cantos e no rosto de Shelly durante o filme ou em seu sonho no
modela seus corpos, deixando-os à mostra, acentuando a sensualidade, com ônibus, na cena final. O olhar do espectador é conduzido por um mundo onde
claro apelo à sedução e ao erotismo. Ambas buscam chamar a atenção sobre si, as coisas e as pessoas brilham, são coloridas e descartáveis, tecendo uma linha
utilizando o corpo como objeto de sedução. tênue entre a realidade e o sonho.

Quanto ao trabalho da maquiagem e do cabelo, Jaqueline é mostrada com A trajetória das personagens é marcada por decisões e mudanças, e a direção
a pele maltratada pela vida noturna e pelo álcool; ostenta longas unhas de arte acompanha e pontua esses momentos. Shelly, buscando se destacar,
alaranjadas. Durante o dia não usa sequer batom e, à noite, tem sua beleza torna-se loira, adotando uma postura autoconfiante; muda de atitude e deixa
realçada por uma maquiagem carregada. Shelly também não usa maquiagem de ser uma menina para se tornar uma mulher sedutora. Passa a apresentar
durante o dia e, em suas cenas noturnas, encontra-se maquiada discretamente, muito brilho em sua maquiagem, usa batom vermelho; suas unhas agora
com a mesma sombra carregada usada por Jaqueline, mas com batom rosa e estão longas, com base clara, o que indica que sua transformação ainda está
unhas curtas nas cores rosa ou azul.

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acontecendo, ainda não alcançou a fama com a qual tanto sonha. Quando irreverência e a ironia do grupo Chão de Estrelas, a felicidade de Shelly em
Jaqueline se dá conta de que seu tempo como cantora já passou e opta por seus sonhos e a decepção de Jaqueline em seu canto a capella.
viver com a família, é por meio do lápis de maquiagem que simbolicamente
‘passa o bastão’ para Shelly, autorizando-a a tomar o seu lugar na banda e Sensações de estranhamento, de asco, de alegria, de tristeza e decepção, de
incentivando-a a continuar lutando por seus sonhos. Figurino e maquiagem desconforto são provocadas pelo resultado do trabalho da direção de arte
assinalam a decisão de Jaqueline: veste-se mais à vontade, suas roupas já não articulando-se com a direção e a direção de fotografia. Esse tripé da visualidade,
têm a cor e a modelagem de antes; vemos ainda, em plano fechado, quando em conjunto com o desenho de som e com a montagem, constrói momentos
esfrega fortemente o algodão com acetona em suas unhas para retirar o esmalte, que são detalhadamente planejados de modo a fazer com que o espectador se
que ela já não precisa ou deseja seduzir, querendo apenas abandonar o mundo emocione, sinta medo, alegria, compaixão. Movimentos lentos acompanhando
da música e estar próxima da filha. Helena com a marreta, mostrando seu caminhar enquadrando apenas os pés
e parte do objeto em um ambiente de cor fria, com a luz rebaixada, são um
Imagens de vídeos da internet trazendo o mundo real com seu esgoto a céu exemplo de como esse trabalho conjunto pode estabelecer uma atmosfera de
aberto, com seus canteiros de obras, com o descarte imposto pelo consumo suspense e despertar diferentes sensações em diferentes espectadores. A câmera
contrastam diretamente com o universo mostrado pela visualidade estabelecida entra lentamente em um ambiente pobre, mostra em detalhe um pedaço de
pela direção de arte para os brilhos, as cores, as luzes das casas de shows nas papelão no qual se lê “R$ 20,00” e segue por um corredor estreito onde há
quais as personagens se apresentam e para os sonhos de Shelly. A fama, o uma fila formada por onze homens à espera de Raquel/Bruna, que abre a
amor, a cidade: tudo é descartável. porta do quarto e diz “o próximo”; a montagem que mostra como a jovem
se droga antes de atender a cada um deles e a maquiagem que acentua seu
Visitamos quatro universos completamente diferentes nos quais são claros os esgotamento físico desencadeiam diferentes emoções no espectador. A câmera
também diferentes caminhos percorridos pela direção de arte para participar solta, inserida no espetáculo final do Chão de Estrelas conduz o espectador
na sua construção. Para contemplar a diversidade dos universos diegéticos para dentro da cena em meio a toda a cor, brilho e luzes do lugar, tornando-se
de Trabalhar Cansa, Bruna Surfistinha, Tatuagem e Amor, plástico e barulho, mais um membro do público, que canta e dança. Da mesma forma, a câmera
escolhas muito particulares e específicas são realizadas. com seus enquadramentos, as luzes, os brilhos, a trilha, o ritmo impresso pela
montagem, convidam o espectador a participar do sonho de Shelly no interior
Os exemplos trazidos possuem, em comum, a busca pela verossimilhança, do ônibus.
pela credibilidade, pelo estabelecer emoção, pelo servir de suporte à narrativa,
pelo comunicar tempo e espaço, pelo caracterizar visualmente os personagens, Estratégias, jogos e articulações são estabelecidos; épocas passadas são
indicando seu caráter, suas condições socioeconômicas; pelo cuidado em mostradas carregadas de significado; é clara a integração do trabalho do
compor ambientes que também forneçam tais indícios, seja pelo detalhamento, tripé da visualidade; há uma cuidadosa preocupação com a verossimilhança.
seja pela simplicidade, seja pelo uso de metáforas. Aspectos como esses indicam que o trabalho da direção de arte nesses filmes
demonstra um melhor entendimento da função e, consequentemente, uma
Metáforas visuais, caracterização dos personagens, ambientes que se melhor utilização do seu potencial narrativo, dramático, simbólico e estético.
transformam visualmente acompanhando as modificações psicológicas do
personagem, ambientes contrastantes entre si; cenografias, texturas e cores
exuberantes são algumas das peças do jogo estratégico utilizado pela direção REFERÊNCIAS
de arte para desempenhar sua função de suporte da narrativa. Mercadinho de BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
bairro, casa de encontros em São Paulo, apartamento de luxo, cabaré-teatro, processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
casa de show de música brega na periferia de Recife e quartel são ambientes em Comunicação, Imagem e Informação, UFF, Niterói, 2005.
que cumprem sua missão: convidam o espectador para neles entrar e sentir
ETTEDGUI, Peter. Diseño de Producción y Dirección Artística. Barcelona: Océano, 2001.
os temores de Helena, a determinação e a ambição de Raquel/Bruna, a

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JACOB, Elizabeth M. Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no
cinema. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

LO BRUTTO, Vincent. The Filmmaker’s Guide to Production Design. Nova York: Allworth
Press, 2002.

VARGAS, Gilka Padilha de. Direção de arte: um estudo sobre sua contribuição na construção dos
personagens Lígia, Kika e Wellington do filme Amarelo manga. Dissertação de Mestrado, Pós-
graduação em Comunicação Social, PUC-RS, Porto Alegre, 2014.

GILKA VARGAS é bacharel em Psicologia (PUC-RS) e Artes Plásticas


(UFRGS), mestre em Comunicação Social (PUC-RS), além de licenciada em
Artes Visuais (UFRGS). Também atua como diretora de arte, pesquisadora e
educadora.

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Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2015), direção de arte de Dani Vilela
Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), direção de arte de Luiz Roque Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

Trabalhar cansa ( Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011), direção de arte de Fernando Zuccolotto Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

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NOTAS SOBRE O FIGURINO que a elegância europeia causa sob clima de verão no sertão brasileiro. No
outro quadro, a bota envernizada do soldado amarelo (Orlando Macedo) pisa

NO CINEMA BRASILEIRO o pé descalço de Fabiano como a hierarquia social consumada pela visibilidade
da indumentária.

– DO NOVO AO NOVÍSSIMO Na primeira fase do ciclo do Cinema Novo o figurino soube corresponder ao
engajamento político e à representação do misticismo religioso dos personagens
TERESA MIDORI TAKEUCHI nordestinos – o sertanejo, os retirantes, o soldado, o matador de aluguel e
os cangaceiros. O foco está na indumentária do vaqueiro, dos beatos, do
cangaceiro e o simbolismo dos objetos místicos que eles carregam, conotando
poder e status social como forma de insurreição ao sistema estabelecido. O
O figurino colabora com a construção e na caracterização dos personagens figurino se apresenta de maneira alegórica e, ao mesmo tempo, realista.
de obras cinematográficas, e para sua análise mais atenta deve-se ter,
primeiramente, um olhar panorâmico antes de captar os detalhes. O que Em El Justicero (Nelson Pereira dos Santos, 1967), Jorge Dias das Neves
define a tônica do figurino, se realista, alegórico, simbólico ou intemporal? (Arduíno Colassanti), vulgo “El Justicero”, ou simplesmente “El Jus”, aproveita
Seria a visão ideológica e experimental do cineasta? Esta pode ser a força mais com sabedoria os fartos recursos de seu pai. Ambientado na vida citadina de
evidente que refletirá no trabalho do (a) figurinista, que delineia a estética de Copacabana dos anos 1960, o cenógrafo e figurinista Luiz Carlos Ripper veste
seu trabalho como fio condutor de seu processo criativo na construção de seus o protagonista como um verdadeiro playboy: roupa esporte, moda praia ou
personagens. E para que se possa compreender a escolha dos trajes do elenco, piscina, e o desnuda quando se envolve com belas mulheres. Ou seja, veste-se
de acordo com a ocasião.
deve-se também estudar o contexto sociopolítico e cultural do período em que
os filmes foram produzidos. A conjuntura de época reflete significativamente
Em Terra em transe (Glauber Rocha, 1967) há um contraponto entre a tônica
na maneira de se fazer cinema, caracterizando-se por momentos de inflexão da
política e a poesia, e para traduzi-lo para o figurino o estilista Guilherme
ruptura estética da história do cinema brasileiro. E é claro, a do figurino, pois
Guimarães foi contratado pelo cineasta para glamorizar a modelo Danuza
este não é um elemento isolado da linguagem cinematográfica. O figurinista
Leão no papel de Sílvia, amante do tecnocrata Porfírio Diaz (Paulo Autran).
ou o diretor de arte têm as suas opções estéticas, e os personagens, vestidos ou
Mas é um glamour silencioso, como um sonho. Os figurinos de época foram
não, mais do que um gesto comportamental, a roupa (ou a nudez) é um signo
escolhidos por Clóvis Bornay, muséologo e carnavalesco, que impregnou em
associado aos códigos sociais. seus figurinos a passagem do tempo, amarrotando a gravata do personagem
protagonista Paulo Martins como signo de sua instabilidade moral e política,
No caso do Cinema Novo os figurinos não tinham como o foco a moda, e se ela uma espécie de metáfora da impotência inconciliável entre a arte e o ativismo
aparece, apresenta-se para contrapor os elementos populares, sobretudo como engajado.
crítica da luta de classes, quando a hegemonia cultural se mostra elemento
diferenciador da estrutura do poder. O foco do figurino desse ciclo configura- No filme Macunaíma ( Joaquim Pedro de Andrade, 1969), a seleção criativa
se ao engajamento político, enfatizando o poder simbólico do personagem de cenário e do figurino de Anísio Medeiros destacam as cores regionais
e das imagens. Nesse contexto, é pontual a definição de figurino para Cao brasileiras da fase antropofágico-tropicalista, que resgatam o tom jocoso e
Albuquerque (2007) quando o associa a vestimenta à trama escrita: “o figurino irônico da estética modernista da 1ª fase, próprio do romance de Mário de
veste a palavra”. Em Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), cujo figurino Andrade, que originou o filme.
não foi creditado, por exemplo, há cenas intrigantes dos retirantes – Sinha
Vitória (Maria Ribeiro) livra-se do scarpin de verniz por um tempo, Fabiano O paradigma clássico de Hollywood ou cinema europeu sempre tinham
(Átila Iório) tira as botinas e afrouxa o colarinho apertado quando estão a parcerias com a alta costura para vestir suas estrelas, e devemos atentar para
caminho da cidade para assistir à novena de Natal. É explícito o desconforto as referências estrangeiras adaptadas ao estilo nacional. Na década de 1960,

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alguns filmes têm parcerias com grifes da alta costura. Exemplos não faltam, Tudo Bem (Arnaldo Jabor, 1978) critica a classe média alta brasileira de
como no filme Noite vazia (Walter Hugo Khouri, 1964), em que o próprio maneira tragicômica, o microcosmo dos conflitos sociais ambientado no Rio
diretor solicitava às atrizes trazerem as roupas de seu vestuário pessoal e de Janeiro dos anos 1970. Uma família de classe média decide reformar o
Norma Bengell, na personagem de Mara, usou o próprio tailleur de couro apartamento para o noivado de Vera Lúcia (Regina Cazé), filha do casal,
preto da Gucci. As personagens usam a maquiagem estilo Twiggy anos 1960, irônica e alienada. Elvira (Fernanda Montenegro) é rejeitada pelo marido
realçada pelo delineador, mas com o guarda-roupa mais sensual que o modelo Juarez (Paulo Gracindo), funcionário público aposentado, o que a faz pensar
andrógino ditado pelos EUA. Odete Lara usa penteado estilo leonino, que que ele tenha uma amante. Na concepção de figurino de Hélio Eichbauer, a
define a personagem. O cenógrafo Pierino Massenzi escolhia os figurinos e personagem, em sua tentativa de atrair atenção do esposo, veste-se de cetim,
Nadir Khouri, esposa do diretor, complementava do próprio guarda-roupa o vestidos vaporosos e camisolas sensuais, de cores não definidas, próximo ao
que faltava. Em São Paulo S.A. (1965), o diretor Luiz Sergio Person contratou rosa pálido, que não surte efeito, e então arranja-lhe uma amante imaginária
a estilista Regina Tomaso para o guarda-roupa das atrizes, Ana Esmeralda, e a descreve minuciosamente de maneira sexy. Ao mesmo tempo, fantasia ser
Darlene Glória e Eva Wilma. uma santa inatingível, mas desejada, e depois sacrificada. Juarez está a maior
parte do tempo de pijama vermelho escuro, o que conota vigor (o de querer
A geração de cineastas da década de 1970 responde à nova situação política do mudar o mundo com suas ideias revolucionárias, mas sem sair de casa), e,
país de maneira radical: a estética do lixo, o cinema marginal, o údigrudi. Pode- ao mesmo tempo, a cor do pôr-do-sol de sua existência e a sua impotência
se afirmar que a forma como é tratado o figurino permaneceu como na fase psíquica e física. Dialoga com os seus personagens alter ego do passado,
do Cinema Novo, muitas vezes delegada ao próprio diretor, à assistência de identificados com o guarda-roupa dos anos 1930 e o uniforme usado pelo
direção e ao elenco, que trazia as próprias roupas, mas escolhidos coletivamente. movimento da Ação Integralista de 1932 a 1937 – camisa verde, com a letra
Do cinema marginal, destaca-se o longa Esta noite encarnarei no teu cadáver grega sigma, ao estilo da suástica nazista, no braço e na bandeira. Em meio
(1966), de José Mojica Marins, que idealizou o personagem icônico do terror às obras, todos os personagens desse microcosmo social, a ópera que ouve o
– o Zé do Caixão –, conhecido pela criação de seu clássico figurino (porém burguês se materializa no figurino de um quadro barroco com as figuras dos
não creditado) com orçamento limitado, a capa preta de cetim com a gola alta, pedreiros, que curtem o samba junto com a cozinheira porta-estandarte. Na
inspirado no personagem do conde Drácula de Bram Stoker. Para reforçar a cena final da agitação da reunião social da classe média alta, prevalece a cor
imagem macabra e um pouco kitch, adotou as unhas compridas. preta simbolizando a elegância, o poder, a globalização e o ócio, que demarca
as diferenças sociais do país com a classe popular – a marmita com arroz, feijão
O filme As cangaceiras eróticas (Roberto Mauro, 1974) é interessante por e linguiça ou macarrão com frango, a banana, a camiseta puída escrito “Brasil”
refletir o papel da mulher como protagonista e a inversão dos valores culturais. e os “sem-teto”.
Apresentando nos créditos Terezinha como guarda-roupa e Tereza Garcia
como vestuário, o figurino também expressa visualmente seus valores de Produzido após o auge da repressão política na América Latina, o filme O beijo
exacerbação da transgressão social pelo seu alto teor de sensualidade aliado da mulher aranha (Hector Babenco, 1985) conta a relação de um prisioneiro
à ascensão social dentro do gênero comédia, um gênero femme fatale da Boca político, Valentín (Raúl Juliá), que é um personagem-espectador e ouvinte
do Lixo. Pelo teor erótico, o figurino corrobora com a construção da persona da história narrada (no filme sobre um filme) por seu companheiro de cela –
social e psicológica. Molina (William Hurt), homossexual cumprindo pena por pederastia. Este
é apaixonado pelo cinema noir e narra as histórias de um drama romântico
Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976) é baseado no romance ambientado na Alemanha nazista, no qual a heroína espiã francesa é Leni
de igual título de Jorge Amado, ambientado na Bahia de 1943. O figurinista Lamaison (Sônia Braga). O figurino de época de Patrício Bisso é impecável,
Anísio Medeiros transportou para as telas a sensualidade da mulher baiana bem no tom do cinema hollywoodiano. Molina tem na atriz a sua musa
ressaltada pelo escritor. Apesar de o figurino contextualizado à época do inspiradora, e é com quem se identifica e em quem se projeta. Essa projeção
romance, o que se destaca nesse filme é a nudez do finado Vadinho ( José é visível por meio dos disfarces que utiliza – como echarpe mesclado de
Wilker). rosa e roxo, saída de banho com estampa florida, toalha enrolada na cabeça,
maquiagem e trejeitos delicados, de acordo com os momentos da narrativa.

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O filme Anjos da noite (Wilson Barros, 1986) integra o ciclo dos longas- filme, e um olhar mais atento sob o ponto de vista dos trajes. Isso é necessário
metragens paulistanos que em meados dos anos 1980 receberam o cognome para que a leitura visual possibilite o confronto de épocas dentro da narrativa
“neon-realistas”. Neon pela artificialidade visual, contrária aos cânones realistas do filme, quando dialoga ou faz referências com outra época e culturas. Nesse
tradicionais. Realista porque a realidade se apresenta entre parênteses dentro momento de produção, os filmes enfatizam no figurino a construção de época,
do lúdico. O tema do filme é o painel da noite paulista, que trata da história como uma volta nostálgica para rever a história presente, criando hiatos para
de diversos personagens de uma cidade grande, e o trabalho da figurinista refletir a conjuntura de época da realidade brasileira em que fora produzida a
Mariza Guimarães consegue representar fielmente cada um dos diferentes película, e com a própria linguagem cinematográfica via metalinguagem e de
perfis e comportamento social com seus personagens mais característicos, maneira lúdica.
como artistas, mafiosos, matador de aluguel, travestis, garotos de programa,
homossexuais, estudante, por meio dos trajes idealizados: vestidos vermelhos Do cinema da retomada, dentre muitos filmes, destaca-se Terra estrangeira
decotados, casaco de pele, colares, brincos, amplos decotes, terno e gravata,  (Walter Salles e Daniela Thomas, 1995). O filme luso-brasileiro trata da
calças, regatas, corset com cinta-liga, botas de couro e maquiagens marcantes, história de brasileiros, num contexto do período do plano Collor, que sonham
além das roupas esporte e informais como camisa e calça de jeans. As cenas com uma vida melhor na Europa, e se deparam com as contradições entre
realistas são estruturadas dentro de parênteses em um jogo de metalinguagem sonhos e ilusões em uma terra estrangeira. Os figurinos dos protagonistas
– teatro dentro do filme, vídeo dentro do filme, referência de um filme dentro – o paulistano Paco (Fernando Alves Pinto) e Alex (Fernanda Torres) são
de outro. O figurino também trabalha conjuntamente neste jogo lúdico, a displicentes e destoados do resto das pessoas, enfatizando o sentimento de
exemplo da personagem de Marília Pêra, na pele de Marta Brum, que faz o estranheza de um estrangeiro em Portugal. Alex descreve as vestes de Paco
papel de uma estrela decadente que se ironiza, sem perder a pose fake e gestos como calça xadrez horrível e um blazer azul marinho escuro, três vezes maior
afetados de estrela de cinema. Veste-se como sua personagem no comercial: do que ele. A sua jaqueta de brim havia sido jogada no lixo do banheiro para
vestido vermelho, luvas compridas da mesma cor, casaco branco de pele, falso ser trocada por uma roupa mais formal pelo contrabandista internacional,
colar de pérolas, brincos de argolas de brilhantes falsos, amplos decotes e uma personagem antagônico da trama (a fim de que não levantasse suspeitas pela
piteira comprida. A cena em que ela dança com Teddy (Guilherme Leme) polícia federal). O que equivale dizer que a identidade de seu antigo “eu” havia
pode ser lida como paródia lúdica de um musical hollywoodiano, bem como sido descartada. Com certeza a figurinista Cristina Camargo e os diretores
o seu figurino. A demarcação de hipertexto do filme dentro do filme ocorre intentaram passar a impressão de que suas identidades (Alex tinha vendido
com a mudança de plano na mesma cena, com uma mudança sutil do vestido seu passaporte), como suas vestimentas, não lhe pertencessem, assim como a
de Marta – a parte da saia fica mais ampla para a cena da dança, com os eles àquele lugar, sentindo-se desenraizados. Outros personagens imigrantes,
holofotes acompanhando-os. O estilo fake do figurino também veste e pinta os angolanos, confirmam a particularidade cultural em suas roupas. Como os
outros personagens da vida noturna, como Lola/Mauro (Chiquinho Brandão), protagonistas, compartilham o sentimento de identidades fragmentadas.
o cantor travesti, que depois de retirar a maquiagem se arruma vestindo
roupas masculinas de couro, para trabalhar como garoto de programa, um Importante mencionar o trabalho da figurinista Rita Murtinho em A ostra e
visual estereótipo gay em referência ao filme estadunidense Parceiros da noite o vento (Walter Lima Jr., 1997), filme carregado de simbolismos e poesia. A
(Cruising, William Friedkin, 1980).  alegoria do amor – o vento é representado pelo personagem Saulo, idealizado
por Marcela (Leandra Leal). Na sequência em que uma rajada faz voar
seu lençol branco do varal e ela não consegue pegá-lo, já que este se eleva
Em Super Xuxa contra o Baixo Astral (Anna Penido e David Sonnenschein,
caprichosamente dançando no ar, a pequena cansada cai na areia e então o
1988), com direção de arte de Yurika Yamazaki, o figurino de Xuxa é inspirado
lençol lentamente começa a descer e cobre o corpo da menina, como possuída
no curta Captain EO, estrelado por Michael Jackson em 1987.
pelo seu amante. Imediatamente aflora uma mancha  vermelha no branco
lençol, o que apavora a criança, que corre para se lavar no mar. Saulo, o vento,
As reflexões que colocam ao figurino, tecidas na década de 1980, identificam
era amado e desejado por uma, agora, jovem mulher. O figurino do príncipe
que a roupa, nos filmes analisados, propõe dispositivos sígnicos, ora sutis, ora
do vento é alegoricamente representado pelo lençol branco voando e pelo
explícitos, que buscam um olhar distanciado sob o aspecto estético geral do
agitar do vestido da protagonista Marcela.

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Em Kenoma (Eliane Caffé, 1998), o mote do filme é o fracasso do projeto Segundo Vasconcelos Oliveira (2014), o novíssimo cinema brasileiro
modernizador, que é a reforma de um velho moinho abandonado. Lineu ( José caracteriza-se pela produção de cinema feita com baixos orçamentos baseada
Dumont) protagoniza uma espécie de mago do moinho que tem se dedicado há em estruturas de organização menos especializadas e hierárquicas, que ganha
muitos anos à tarefa de construir uma máquina: o moto-perpétuo. Idealizado reconhecimento no país no final da década de 2010.
desde a Idade Medieval, tendo atingido o apogeu na Idade Moderna, os
perpetuístas tentavam construir um motor contínuo autossuficiente, que não Em Trabalhar cansa ( Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011) o figurino de Graciela
necessitasse de energia ou combustível. O vilarejo é habitado por trabalhadores Martins traz à tona o elemento simbólico do vestuário dos personagens que
rurais, garimpeiros e pequenos comerciantes onde a vida parece em estado definem a sua função social: Helena (Helena Albergaria) não usa uniforme de
medieval. Portanto, o diretor de arte Clóvis Bueno e o figurinista Moacyr trabalho como dona do minimercado, seus funcionários, sim, e Paula, a babá e
Gramacho conceberam um figurino para Lineu, o perpetuísta, que parece empregada doméstica, usa um avental estilo bata de professora. Ironicamente
ter sido feito à mão e puído com o tempo, como o seu trabalho artesanal em um contexto de drama social empregatício e de convenções sociais, os
com a máquina do moinho. Para enfatizar a rusticidade, antes de se deitar, homens que supostamente aparentam status de poder por estarem vestidos
o personagem remenda suas próprias vestes. A personagem Tari (Mariana de preto, terno e gravata, no momento de dinâmica de grupo de que Otávio
Lima) também costura na máquina manual e à mão um vestido igual àquele (Marat Descartes) participa em seu novo emprego, o palestrante de capacitação
que supostamente a sua mãe usava na imagem de uma foto já amarelada. Tari motivacional induz os presentes a afrouxarem suas gravatas, tirarem o paletó e
o veste quando abandona a casa. a camisa, enfim, a se livrarem daquela “fantasia”, deixando à mostra o peito e
a urrarem feito animais, a fim de liberarem o “lado primitivo” dentro de cada
Em A festa da menina morta (Matheus Nachtergaele, 2008), pessoas adoravam um.
pedaços do vestido de uma menina desaparecida. Como a menina jamais foi
encontrada, e, em seu lugar, apenas o seu vestido rasgado, esse objeto passa Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013) aborda a Recife de 1978 e se passa ainda
a ser adorado e considerado sagrado. O personagem central da história, no contexto final da ditadura militar, em que atua uma trupe intitulada
Santinho (Daniel de Oliveira), é eleito líder espiritual da região, uma espécie “Chão de Estrelas”, inspirada no grupo de teatro marxista que existiu nos
de pajé e pai-de-santo, porque se acredita que ele ouve a voz da menina anos 1970 em Pernambuco. Os jovens vestem roupas desalinhadas, regatas
morta e retransmite mensagens aos seguidores. A figurinista Kika Lopes, no e shortinhos típicos da juventude liberal, que contrasta com a vestimenta da
intuito de levar à pele de Santinho os dois mundos que habita – o profano e personagem dos soldados, limpas e pulcras. No filme existe uma luta de ideias,
o sagrado –, entre a docilidade da androgenia e a acidez de sua histeria, veste o comportamento libertino do grupo de artistas que, com muito deboche,
os protagonistas  com muito realismo, ou os desnuda, simbolizando o lado
oferece uma crítica quase subversiva aos padrões morais impostos pelo regime
profano e ambíguo do ser humano. A nudez nas cenas de incesto desvela a
de turno. A prática da liberdade dionisíaca permeia o universo artístico, ao
sombra psicológica que se projeta na penumbra. No seu dia a dia, Santinho
mesmo tempo com o universo racional e apolíneo, cujo trabalho de direção de
usa chinelas e uma bata de cor natural, exteriorizando um comportamento
arte e figurino de Chris Garrido moldam poeticamente ambos os ambientes
andrógino e histérico. Para caracterizar o outro lado de sua persona, no dia da
em que transita o personagem protagonista Fininha ( Jesuíta Barbosa). As
cerimônia, veste vagarosamente uma camisa de cetim azul celestial e calça da
cores alegres, o humor e a descontração com que desfrutam da liberdade sexual
mesma cor, cinturão e sapatos pretos, adquirindo um ar sagrado e teatral. Os
onde mora e atua a trupe contrapõem o ambiente de cores frias e rígido do
habitantes que assistem massivamente à celebração estão vestidos com suas
quartel do Exército onde Fininha é soldado, e que, por sua vez, coaduna com
(ainda que simples) melhores roupas, deixando para trás sua rotina de camisas
o ambiente da pequena casa simples do interior e de tradições conservadoras,
regata, bermudas e chinelas, o que denota a importância, para eles, deste dia de
celebração da “Festa da menina morta”. A figuração apresenta vestes simples na qual a família matriarcal de Fininha mora.
dos moradores dessa região tropical, que transmite otimismo e alegria; por
outro lado, a poeira que metaforicamente dá um verniz de aridez ao ambiente Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2015) é a história de duas mulheres
adquire significado de ódio, jactância e irritação, característica estas que do show business, ambientado em um cenário tecnobrega contemporâneo
permeiam muitas cenas do filme. recifense. A figurinista Joana Gatis explora a visão dos corpos femininos como

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obras de arte, às vezes seminuas, em contato com as texturas – fios-dentais SARAIVA, Vítor do Nascimento. Estudo do figurino em filmes brasileiros dos anos 80.
na praia, lençol com a imagem de mulher nua, roupas colantes sintéticas, o Dissertação de Mestrado, Instituto de Artes e Comunicação Social – Cinema, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2010.
plástico, esmaltes, tintura para cabelo, maquiagem, espuma, óleo – tudo com
muito brilho e muita cor. TAKEUCHI, Teresa M. Do texto literário às imagens: retalhos simbólicos do figurino no cinema
brasileiro. Tese de Doutorado, Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo,
2016.
O cinema brasileiro recente, com a geração nova que está iniciando,
descortina, talvez, um novo espírito para a renovada estética, atendendo ou
SITES CONSULTADOS
não às exigências do modo de produção, distribuição e exibição. Novas linhas
de força se evidenciam – esses filmes trabalham com o espaço, tempo e planos ARTHUSO, Raul. “Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra (Brasil, 2011)”. Jul.
diversificados, explorando singularidades ou mazelas sociais em variadas 2011. Disponível em: <http://www.revistacinetica.com.br/trabalharcansa.htm>. (Acesso em
11/12/2016)
abordagens. E o figurino, em conjunto com a morfologia visual – a cenografia,
espaço, iluminação, montagem, planos –, molda-se à estética da linguagem BANNWART, Elizabeth. “Crítica do filme Tudo bem (1978)”. Publicado em 19/10/2011 por
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TERESA MIDORI TAKEUCHI é bacharel em Artes Plásticas (UNESP),


licenciada em Educação Artística (FEBASP), mestre e doutora em Artes
Visuais (UNESP). É também professora na rede pública de ensino, artesã e
figurinista teatral.

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O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985), direção de arte de Clóvis Bueno
O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985), direção de arte de Clóvis Bueno Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

Super Xuxa contra o Baixo Astral (Ana Penido e David So, 1988), direção de arte de Yurika Yamasaki Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2015), direção de arte de Dani Vilela

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SOBRE A DIREÇÃO DE ARTE sem que tivessem seus nomes ligados à direção de arte, embora suas ações
alcançassem esse patamar.

LUIZ FERNANDO PEREIRA (LF) A equipe de produção de um filme tem como foco primeiramente criar um
universo narrativo para aquele roteiro escolhido pelo diretor e/ou produtor.
O objetivo é produzir no espectador um momento único a ser desfrutado na
sala escura de um cinema, levando-o a se entregar totalmente à história ali
contada. Um dos elementos mais importantes que provocará essa entrega é
A direção de arte é a regente maior de toda a organização artística de um o aspecto visual, que auxiliado pelo áudio e por outros recursos sensibilizará
projeto visual para um espetáculo cênico, um filme ou outro produto outros sentidos do espectador. A linguagem plástica de determinado projeto
audiovisual. Ao responder pela “arte”, pela concepção visual, é ela quem vai é compreendida tanto pela visualidade do espaço e dos elementos cênicos
fornecer a linguagem plástica de um projeto, de uma montagem teatral, de uma quanto pela caracterização das personagens que circulam por este espaço, pois
produção cinematográfica. Por essa razão, ela é equivalente à “obra de arte”, através de suas ações dramáticas e seus diálogos tem-se o enredo desenvolvido.
pois se apropria de códigos e procedimentos de diversas linguagens, como a
Ao escolher um roteiro, o diretor irá buscar dois colaboradores para dar
pintura, a fotografia, o desenho, gerando um projeto e uma “criação”. Mas, e
andamento à sua ideia pré-elaborada sobre o mesmo: o diretor de arte e o
esta é sua característica mais importante, ela não é uma obra autônoma em si
diretor de fotografia. Está assim montado o tripé no qual se assentarão todas
mesma; existe em função de algo, ou seja, em todo seu universo a direção de
arte se justifica para concretizar uma produção teatral, um roteiro audiovisual as características visuais e artísticas do projeto e que se configura no que
etc., projetos que, até então, são potências virtuais de sentido. denomino de o triunvirato. A cumplicidade, a colaboração, a criação de cada
um, individual e conjuntamente, determinará o perfil do filme.
Uma direção de arte bem elaborada, seja em uma montagem teatral ou em
um filme, vai evidenciar conteúdos latentes nos roteiros originais colocando O diretor de arte por sua vez faz suas escolhas estéticas quanto ao espaço
questões para o público, procurando afinidades entre elementos semelhantes, arquitetônico, os elementos cênicos e escolhe seus auxiliares diretos: o
usando conceitos de semiótica facilmente identificáveis, ajudando a materializar cenógrafo e o figurinista, bem como os maquiadores e a equipe de efeitos
o argumento. A relação entre o espaço e a direção de arte adquiriu, tanto no especiais, estabelecendo a linguagem do projeto. De certa forma, assim
teatro quanto no cinema, uma importância-chave no desenvolvimento cênico funciona a concepção artística de um filme brasileiro a partir de então.
e tornou-se um dos principais elementos receptores da visualidade que revela
o espaço do cenário e o espaço das personagens. A direção de arte estabelece Muitos profissionais, talvez por uma herança do teatro, atuam de modo
um vínculo entre os espectadores e o produto final, muitas vezes tornando-se semelhante acumulando as funções da direção de arte, da cenografia e dos
ela mesma um elemento narrativo percebido por eles. figurinos. Está se tornando uma prática comum na produção nacional
a contratação de um diretor de arte e toda a sua equipe para estabelecer a
O cinema, desde seu surgimento, vem constantemente se desenvolvendo, e linguagem plástica, o tratamento visual do produto, o filme.
junto com ele a direção de arte, ainda que distanciada de sua origem teatral.
Nos primórdios do teatro, o projeto visual compunha-se de cenografia e
figurino; não existia o conceito de se conceber, sob a ótica unificadora da De como surgiu a profissão de diretor de arte e a direção de arte
direção de arte, a visualidade de um espetáculo. A pintura de cenários, pínakes,
quando solicitada por Sófocles, foi realizada por artistas os mais diversos: No início do século XX, com o nascimento do cinema americano, não existia a
pintores, escultores, artistas plásticos, arquitetos. E assim se manteve por toda profissão de production designer (desenhista de produção) como encontrada nos
sua história. filmes produzidos atualmente. Havia sim os diretores artísticos que atuavam
como “diretores de arte”. Nas primeiras películas produzidas em Hollywood,
No cinema brasileiro, muitos cenógrafos, oriundos do teatro ou da televisão, um nome que se destaca como um dos primeiros, se não o primeiro “diretor
acumulavam a função de figurinistas e orientavam também a maquiagem,

128 129
de arte”, é o de Wilfred Buckland (1866-1946). Originário dos teatros da prova do seu talento e flexibilidade como o primeiro diretor de arte surgido
Broadway nova-iorquina, foi convidado em 1913 por Cecil B. DeMille para em Hollywood.
trabalhar em Hollywood no filme O homem branco (The Squaw Man, Cecil B.
DeMille e Oscar Apfel, 1914). O paradigma mudou em 1939 com William Cameron Menzies, discípulo de
Buckland, que estabeleceu um novo padrão de excelência visual ao realizar o
Em 1916, quando uma revista americana especializada em cinema escreveu hoje clássico ...E o vento levou (Gone with the Wind, Victor Fleming, 1939). A
sobre o surgimento e o crescimento da profissão do executivo artístico, ou seja, produção contava com Lyle R. Wheeler na direção de arte e Walter Plunket
o diretor de arte, Buckland já trabalhava para DeMille e para a Paramount como figurinista. Menzies acumulava as funções de cenógrafo, desenhista
onde seguiria com o diretor até 1927. Os termos para designar a função do de produção e diretor da segunda unidade. Realizou esboços e storyboards
que viria a ser posteriormente o production designer ainda eram confusos e detalhados e insistiu para que fossem utilizados como guias para as filmagens.
pouco estabelecidos. O produtor David O. Selznick, reconhecendo seus esforços e procurando
recompensá-lo por organizar detalhadamente cada aspecto visual do filme,
A função e título de diretor de arte permaneceram intactos nas décadas seguin- atribuiu-lhe o título de production designer, inaugurando assim essa função no
tes, antes que o surgimento do departamento de arte mudasse esta situação para
sempre. A partir do aparecimento de Buckland, os encarregados da criação vi- cinema norte-americano.
sual de Hollywood eram chamados simplesmente de diretores artísticos. Cada
um dos estúdios que existiam na época, incluindo 20th Century Fox, Colum-
bia Pictures, Paramount Pictures, Metro-Goldwyn-Mayer e Warner Brothers, A percepção da qualidade artística, o envolvimento com a visibilidade, o olhar
contavam com uma equipe de diretores artísticos supervisionados pelo chefe do cuidadoso, o detalhe, a dedicação completa e o esforço acompanharam muitos
departamento de arte (RIZZO, 2007, p. 15). homens do teatro em todos os tempos. Destacaram-se com seus projetos
artísticos, suas criações para grandes eventos, a construção de teatros, projetos
Com sua experiência na Broadway, Wilfred Buckland desenvolveu na de cenários e figurinos, máscaras e adereços. Seriam eles os antecedentes dos
emergente indústria do cinema americano uma forma minimalista de diretores de arte como conhecemos nos dias atuais.
iluminação que podia ser comparada às pinturas de Caravaggio.1 Buckland
cercava as personagens de obscuridades e aplicava-lhes somente uma fonte Seu campo de conhecimento abrangia uma gama de múltiplas atividades.
de luz lateral, provocando um efeito dramático e teatral que rapidamente se Foram engenheiros, arquitetos, construtores, artistas, pintores, escultores,
converteu numa marca do cinema mudo, conhecida como Iluminação Lasky. inventores, cientistas e visionários e deixaram um legado até hoje usado por
O primeiro filme no qual aplicou seus conhecimentos e que se tornaria sua todos que se dedicam à arte do espetáculo.
película mais famosa foi Enganar e perdoar (The Cheat, Cecil B. DeMille,
1915). Enquanto exercia a função de diretor de arte, ele criava a luz das cenas Se a direção de arte teve sua origem no teatro, foram esses artistas, com suas
para o filme. múltiplas atividades, que ao se dedicarem aos projetos para um espetáculo
deram origem e contribuíram para sua definição.
Como diretor de arte, Wilfred Buckland criou para Robin Hood (Allan Dwan,
1922), escrito, produzido e interpretado por Douglas Fairbank, o castelo do Uma profissão ou uma atividade não surge simplesmente do nada, de repente;
rei Ricardo, cenário central da película. O castelo com 12 metros de altura era vai se formando, estabelecendo seus contornos. Manifesta-se nas atividades
visto a quilômetros de distância e de todos os ângulos acima do Boulevard de de um ou outro artista até se sedimentar com todas as suas especificidades.
Santa Mônica em Los Angeles. Foram necessários três meses e mais de 500 Muitos profissionais da arte da cena agiam como diretores da arte, embora não
trabalhadores para construí-lo. Tornou-se o exemplo perfeito da tendência de fossem assim denominados, e se envolviam em todos os aspectos da criação e
Buckland em criar cenários grandiosos, extravagantes e naturalistas. Foi uma do fazer da direção de arte.

1
Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, foi um pintor barroco nascido em Milão provavelmente em 29 No século V a.C., na Grécia, dois artistas passaram à história por suas
de setembro de 1571 e que morreu em 1610. Adotou o nome Caravaggio por ser o nome do vilarejo de origem de contribuições para as montagens teatrais.
sua família.

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O primeiro foi Phormis de Siracusa, que ao pintar os painéis de tecidos eles estão Leonardo da Vinci (1452-1519), que trabalhava na corte de Milão
das katablematas,2 e trocá-los, mostrando uma nova pintura para cada cena, exercendo as funções de engenheiro militar, inventor, construtor e pintor para
desenvolve uma ambientação cenográfica diferente e, mais ainda, sugere uma projetar os cenários e organizar os planos das celebrações que aconteciam
pintura em perspectiva com traços ilusionistas, podendo ser talvez o primeiro na corte; Nicola Sabbattini,4 cujo livro Prática di Fabricare Scene e Macchine
trompe l’oeil da história da cenografia. nei’Teatri se transformou em um manual sobre montagens teatrais de sua
época, além de descrever como desenvolver uma série de traquitanas teatrais
O segundo foi Agatarcus de Samos, que atendendo às exigências de Ésquilo que são até hoje muito usadas.
para a apresentação da grande trilogia de Oréstia, no ano de 458 a.C., integrou
unitariamente os pavilhões e os objetos. Supõe-se que foram montados pela Atuaram muito além dessas funções, convertendo-se em especialistas em
primeira vez à frente do proscênio, criando um local de representação, e arquitetura cênica e cenografia, dando origem a um modelo de espetáculo no
revelavam diferentes estilos de cenários. Agatarcus cria com esse projeto o qual realizavam o projeto completo, ou seja, a direção de arte.
primeiro cenário móvel de toda a história do teatro. Agindo como um artista
múltiplo, suas criações remetem à postura exigida para um diretor de arte. Esses artistas arquitetos-cenógrafos do teatro renascentista, além de colocar à
disposição do teatro seus engenhos mecânicos e suas invenções, redescobrir e
No final da Idade Média, por volta do século XV, a igreja passa a contar com reinventar as leis da perspectiva, inventar cenários e criar figurinos suntuosos,
a imaginação de artistas – arquitetos, escultores, pintores – para criar cenários e desenvolver os primeiros equipamentos técnicos para a iluminação cênica,
que podem ser considerados precursores dos diretores de arte. projetaram grandes edifícios teatrais, dentre eles o mais antigo e perene espaço,
o teatro à italiana. Conseguiram maravilhar a Europa pelos séculos seguintes,
Filippo Brunellesch:3 demonstrando preocupações ligadas às exigências do revelando-se os primeiros diretores de arte de que se tem notícia em toda a
ponto de vista artístico e técnico, assume uma postura de “diretor de arte” história das artes cênicas.
frente ao problema de construir um “engenho” para uma representação sacra.
Procurando solucionar as dificuldades que para si mesmo havia imposto, No alvorecer do século XVII, o chamado Século de Ouro, surge uma nova
teve imaginação e intuição para realizar toda a “traquitana” necessária para manifestação artística, a Arte Barroca. Em contraponto à linearidade, à
a Representação da Anunciação, encenada na Igreja de San Feliz no século XV claridade e à arte clássica da Renascença, deu lugar ao exagero, vestiu os trajes
em Florença. Esse artifício cênico era a representação do paraíso acima de um da alegoria, fazendo a realidade perder-se num reino de ilusão. Apontado
tablado com uma visão frontal para o público. por muitos como o período de maior criatividade da cenografia teatral, é o
berço da técnica do inganno, que traz embutida em seu próprio nome uma
O Renascimento foi um dos movimentos artísticos e culturais mais importantes deturpação estética que se estendeu aos séculos seguintes.
surgidos na Europa. Situa-se em torno de 1300 a 1650, entre o final da Idade
Média e a Idade Moderna. O primeiro nome alçado ao pódio de grande estrela da visualidade barroca é
Ludovico Burnacini, que pode ser considerado um diretor de arte, tão hábil
Um dos grandes legados do Renascimento foi a quantidade de artistas que quanto famoso.
se dedicaram ao teatro, fato que fez surgir os arquitetos-cenógrafos. Dentre
Outros expoentes dessa leva de cenógrafos/diretores de arte foram Giuseppe
2
Galli-Bibiena e Ferdinando Galli-Bibiena que lideraram uma família de
Katablemata: série de painéis sobrepostos e retirados gradativamente no curso do espetáculo, pintados com
cenografia. Segundo Aristóteles, a katablemata foi solicitada por Sófocles (NERO, 2009, p. 355).
3
BRUNELLESCHI, Filippo. Arquiteto, escultor engenheiro e cenotécnico italiano. É considerado o pai do 4
Renascimento italiano. Como arquiteto, sua obra maior, a cúpula da catedral de Florença, Santa Maria del Fiore, SABBATTINI, Nicola (1574-1654). Famoso e importantíssimo cenógrafo e cenotécnico. Autor do livro Pratica
além de sua beleza, representa uma conquista da engenharia, com seus 42 metros de diâmetro, completada por uma per fabbricare scene e macchine di teatro. Homem de genialidade única, previu a solução de todo e qualquer problema
elegante lanterna em forma de oratório. Constrói uma complexa máquina para a Rappresentazione dell’Annunziata técnico que pudesse se apresentar na montagem de espetáculos, incluindo nisso uma intuição técnica sobre o uso da
na igreja de Santa Maria del Fiore. Sua codificação da lei da perspectiva revoluciona definitivamente as concepções luz, cuja função dramática não lhe passou despercebida (RATTO, 1999, p. 172).
cenográficas e levará o espetáculo a resultantes mágicas vigorantes até os dias de hoje (RATTO, 1999, p. 156).

132 133
cenógrafos. Francesco, Antonio e Carlo juntos com os dois primeiros foram de verdade para serem fotografadas com precisão pela câmera. Considero-o
os cenógrafos mais influentes do século XVIII. Mestres no uso e aplicação um dos primeiros diretores de arte do cinema, embora nessa época não se
da perspectiva diagonal ou a scena per angolo, Ferdinando e seus parentes se imaginasse que essa função viria a fazer parte de uma equipe cinematográfica.
tornaram conhecidos por projetarem e construírem teatros para seus cenários
assimétricos e extravagantes com profundidade ilimitada, compostos de colunas No surgimento do cinema, a arte teatral era reconhecida e o público
em parafuso, mistura de formas curvilíneas com retangulares, complicadas compreendia e aceitava seus códigos. Assim, as primeiras representações
escadarias, arcadas, que extrapolavam o palco e que se tornaram superlativos cinematográficas não puderam ser mais do que um teatro filmado, uma vez
na tradição do palco ilusionista que chegaram ao século XIX. que a câmera, devido ao seu peso e volume, ocupava sempre a mesma posição
estática enquadrando a cena num plano aberto.
No final deste século, surgem dois dos maiores cenógrafos de todos os
tempos: Adolphe Appia e Edward Gordon Craig, que com suas propostas A cenografia, ao obedecer às convenções teatrais, consistia de painéis pintados
antinaturalistas modificaram substancialmente a visualidade e o conceito com a técnica trompe l’oeil em perspectiva. Tinham um fundo de telão fixo
cênico. e constante. Os figurinos e caracterizações quase sempre imprimiam certa
comicidade à cena.
As mudanças que Appia e Graig propiciaram, em relação à cenografia e ao
espaço da representação, foram tão significativas que podemos considerar Méliès, na sua busca por resultados, construiu um estúdio todo envidraçado no
como uma revolução, substituindo a narrativa pictórica dos desenhos teatrais qual passou a utilizar bambolinas, portas e bastidores de madeira. Sobre eles
por efêmeras arquiteturas de luz e som. criava efeitos visuais como relevos, vistas em perspectiva, móveis e quadros. Sua
criatividade cenográfica estava longe de ser considerada primitiva. Quando
Graig foi conhecido mais por seus projetos no campo da cenografia. Mas os custos de produção se tornaram muito altos, valeu-se de maquetes para
suas propostas abrangeram também a criação de figurinos, o design, a teoria representar cenas como as de uma guerra, por exemplo.
da “marionetização” do ator. Ele poderia ser considerado nos dias de hoje um
artista multimídia. Após quase dez anos, o interesse do público pela magia de Méliès começou a
decrescer. Algumas razões deste declínio foram, além do avanço de poderosas
companhias cinematográficas americanas e europeias, a predileção do público
O cinema por cenografias mais simplistas, contextualizadas por ambientes burgueses
próprios do teatro naturalista. Os realizadores deveriam então se adaptar a
No final do século XIX, uma linguagem completamente nova foi acrescentada esse gosto, deixando de lado o simbólico e o poético dos cenários. O que
ao universo das artes: o cinema, inventado por Thomas Edison e os irmãos Méliès se recusou a fazer.
Lumière.
A consequência imediata foi a descoberta da movimentação da câmera e
À medida que o cinema desenvolvia sua linguagem artística, através da captação o uso de cenografia natural. As locações passam a fazer parte dos projetos
de cenas da vida real, ele monopolizava a atenção de todos. Mas com o passar cenográficos. A cenografia, emergente no cinema, se distanciou do trompe l’oeil
do tempo, o público perdeu interesse por essa nova arte e, consequentemente, e das perspectivas pintadas em painéis de tecido utilizadas no teatro e recorreu
suas possibilidades expressivas pareciam fadadas ao esquecimento. a arquitetos para construir uma cidade, um forte ou ainda um palácio. Surge
assim uma nova profissão, a do cenógrafo cinematográfico, que criaria um
Um dos responsáveis por injetar novo interesse pelo cinema foi Georges conceito arquitetônico tecnicamente mais evoluído que permitiu a execução
Méliès, que, no alvorecer do século XX, se transforma na figura-chave da de cenografias de grandes dimensões.
criação artística para a visualidade que acompanhará o cinema por todos os
tempos. Escrevia roteiros, dirigia filmes, projetava e construía os cenários e as Os italianos foram os precursores da organização arquitetônica do espaço em
maquetes, e desenhava os figurinos. Cuidava para que tudo tivesse a aparência função da narrativa fílmica. Lançaram um conceito arquitetônico culminando
no termo cenoarquitetura. Com cenários de Camillo Innocenti, um dos

134 135
primeiros “diretores de arte cinematográficos”, estreia em 18 de abril de Inintencionalmente, os cenógrafos no início do cinema tinham uma atitude
1914, em Turim, Cabiria (Giovanni Pastrone), que quebra os paradigmas ao criar que corrobora o conceito de diretor de arte.
cenográficos utilizados nos filmes que o antecederam. Introduz novidades
técnicas incorporando majestosos cenários tridimensionais que possibilitaram O filme Metrópolis (Fritz Lang, 1927) se transformou num marco da corrente
um grande aproveitamento espacial, pois a partir de agora a câmera desfruta expressionista alemã no que diz respeito a sua cenografia. Fritz Lang propôs
de uma grande mobilidade. O diretor de fotografia espanhol Segundo de construir monumentais cenários em volume para seu filme, considerado uma
Chomón coloca a câmera sobre uma plataforma móvel que se desloca pelo superprodução. O filme se tornou um clássico não pela qualidade de seu
cenário, revelando o espaço em toda a sua extensão, criando a possibilidade roteiro, mas pela maestria imaginativa e arquitetônica do diretor, que usou de
para que o cinema deixe de ser plano e obtenha profundidades e volumes. Este grande habilidade para filmar os espaços, volumes e seus contrastes.
pode ter sido o primeiro travelling do cinema.
No cinema norte-americano, com o desenvolvimento da criação cenográfica,
Com a superprodução Intolerância (Intolerance: Love’s Struggle Throughout the a direção de arte torna-se uma das mais importantes atividades artísticas na
Ages, D.W. Griffith, 1916), David Llewelyn Wark Griffith realizou um filme emergente indústria. Na maioria das produtoras, os responsáveis por criar e
cuja cenografia foi inspirada na de Cabiria. As influências do filme italiano projetar a cenografia eram quase todos cenógrafos provenientes do teatro ou
no de Griffith são visíveis, principalmente nos desenhos e no gigantismo dos
da ópera, que contribuíram com suas experiências e conhecimentos para o
cenários. Walter Hall foi o responsável por criar a cenografia e comandar a
universo do cinema.
equipe de arte de um filme que é um marco do período do cinema mudo.
Os cenários construídos pelo carpinteiro Huck Wortman, (precursor do
cenotécnico), tinham 70 metros de altura por 1,6 mil metros de profundidade, A escola cenográfica americana, diferente da escola do resto do mundo,
aproximadamente 13 quilômetros quadrados. Tornaram-se os maiores cenários é considerada independente, desprovida de precedentes. Em geral, cada
jamais construídos, ocupando um espaço externo que em determinados dias de produtora tinha um cenógrafo principal, que controlava todas as cenografias
filmagens chegou a ser ocupado por 22 mil pessoas entre técnicos e figurantes. construídas para diferentes filmes. Esses “diretores de cenografia” contavam
Na Alemanha, após o fim da Primeira Guerra Mundial, surge um movimento com especialistas para determinadas áreas que ajudavam nos projetos:
em oposição às cores e formas do impressionismo e, sob uma forte influência cenógrafos, desenhistas, figurinistas, pesquisadores, decoradores, aderecistas
da escola nórdica, nasce em Munique uma corrente expressiva cujos objetivos etc.
foram representar afetiva e subjetivamente a realidade. O movimento
expressionista surge utilizando, para tanto, formas quebradas e contrastes Com o passar dos anos, a indústria cinematográfica se tornou cada vez mais
simultâneos que dotavam a imagem de uma crueza e forte agressividade visual. dependente do retorno financeiro de seus filmes. A atuação cada vez mais
O filme O gabinete do Doutor Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert vigilante dos sindicatos dos trabalhadores provocou a segmentação das
Wiene, 1919) abriu as portas do movimento expressionista ao mundo. funções, surgindo assim uma especificidade não encontrada em outros países.
Naqueles primórdios do cinema americano, por ainda inexistir a função
O cenário era composto de painéis pintados com chaminés oblíquas, janelas de production designer, tal como conhecida hoje, os diretores de arte eram
em forma de flechas, portas inclinadas, elementos cênicos organizados em chamados de diretores artísticos ou diretores técnicos. Os profissionais eram
forma labiríntica, criando uma atmosfera inquietante e ameaçadora que originários dos teatros da Broadway. Nem a terminologia nem suas funções
representava o mundo interior de uma personagem louca. A iluminação, numa estavam claramente definidas. O profissional denominado no teatro de
clara integração com os cenários, teve papel fundamental. A maioria das luzes desenhista cênico se transformou em art director, diretor de arte no cinema.
e sombras no filme está pintada (desenhada) sobre os painéis do cenário,
reforçando a carga dramática. O desenhista de produção (production designer), função de que Menzies foi
o precursor, tinha a atribuição de estabelecer o ponto de partida para rodar
O gabinete do Doutor Caligari nos apresenta um resultado revolucionário através o filme, pois era ele quem determinava os planos, realizava os esboços
do exemplo de integração entre a direção de arte e a direção de fotografia. (storyboards) para o diretor e o diretor de fotografia, estabelecia a escolha de

136 137
lentes, posições e movimentos das personagens. Além de tudo isso, tinha sob
sua responsabilidade a criação da iluminação.

No Brasil, as funções production designer e art director, existentes no cinema


americano, fundiram-se, sendo denominada de direção de arte. Algumas
atribuições, como determinar o início das filmagens, os planos, a escolha das
lentes, posição e movimento das personagens, são atribuídas ao triunvirato. O
storyboard muitas vezes é realizado por um especialista.

A partir dos anos 1980, várias produções nacionais passam a apresentar em


seus créditos a função de diretor de arte, fator que foi imprescindível para a
projeção e a competitividade do cinema brasileiro no mercado internacional,
no qual alguns longas-metragens conquistaram prêmios na categoria Direção
de Arte.

Embora a direção de arte venha sendo sistematicamente incorporada nas


produções do cinema brasileiro, ressalto que ainda é preciso que se discuta,
nos meios acadêmicos e artísticos, o seu valor imprescindível como elemento
da linguagem narrativa fílmica e a valorização no mercado do profissional
responsável pelo desenvolvimento dessa função.

REFERÊNCIAS

NERO, Cyro Del. Máquina para os deuses – Anotações de um cenógrafo e o discurso da cenografia.
São Paulo: Ed. Senac e Edições Sesc, 2009.

RATTO, Gianni. Antitratado da cenografia – Variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Ed.
Senac, 1999.

RIZZO, Michael. Manual de dirección artística cinematográfica. Trad. Sylvia Steinbrecht Aleix.
Barcelona: Ediciones Omega S.A., 2007.

LUIZ FERNANDO PEREIRA (LF) é bacharel em Artes Plásticas


(UFRGS), mestre em Artes (USP) e doutor em Teatro (UDESC). Professor
do curso de Artes Cênicas (UFSC), também atua como diretor de arte,
cenógrafo e figurinista.

138 139
O gabinete do Doutor Caligari (Robert Wiene, 1919), production design de Hermann Warm, Walter Reimann e Walter Röhrig
DIREÇÃO DE ARTE NO Situada na fronteira do artesanal com o industrial, a prática cinematográfica
brasileira desenvolve-se marcada por modelos externos em diversos âmbitos.

BRASIL: UM PERCURSO
Tal marca estrutural não pode ser negligenciada, pois possui implicações
importantes na atividade cinematográfica, desde os modelos narrativos
decorrentes da ocupação do mercado de exibição por produtos estrangeiros,
DE FORMAÇÃO ENTRE O passando pelas formas de estruturação da produção, até as técnicas que orientam
a prática dos diferentes ofícios, implantadas por profissionais estrangeiros.
ARTESANATO E A INDÚSTRIA Um exemplo de tal implicação pode ser apontado no cinema dos pioneiros, no
qual os filmes de base documental, “naturais”, ou cinejornais se beneficiavam
TAINÁ XAVIER
da abordagem de assuntos de alcance local para ocupar um espaço mínimo nos
circuitos de exibição; já nos filmes de bases ficcionais, ou “posados”, percebe-se
o grande sucesso da recriação de um crime de grande repercussão nacional (Os
estranguladores, de Francisco Marzullo, 1908). A atividade cinematográfica dos
Inexistente nos créditos da cinematografia nacional até meados dos anos
primórdios até os anos 1920 é produzida de forma artesanal por realizadores,
1980, a direção de arte apresenta-se atualmente como um campo de trabalho
em sua maior parte estrangeiros, que se dividem nas mais diversas funções,
consolidado no Brasil. As especialidades envolvidas na atividade são diversas
sem formação especializada.3 É a partir dessa época que se registra a presença
e sua formação é consequentemente multidisciplinar. Diante da falta de
de escolas de cinema no Brasil, como a Escola de Artes Cinematográficas
espaços de formação especializada no passado, cada profissional trilhava seus
Azzurri, em São Paulo, do “cavador”4 italiano Arturo Carrari: “um misto de
próprios caminhos na busca pelo conhecimento, em geral em formações em
escola e empresa de cinema”.5
artes plásticas e cênicas ou arquitetura, que buscavam complementar com
conhecimentos relacionados à construção da narrativa audiovisual. Ilustrativo
Como nos reporta o teórico João Luiz Vieira, os primeiros estúdios de maior
desse percurso é o depoimento de Tulé Peake na semana ABC de 2015:
porte instalados no Brasil – Cinédia, Brasil Vita Filmes e Sonofilmes –
Quando eu estava terminando o curso de arquitetura surgiu a oportunidade de surgem, na década de 1930, beneficiados pelo advento do cinema sonoro e
trabalhar num longa. Isso foi uma coisa paralela, não foi uma oportunidade que pela diminuição da pressão exercida pelo produto estrangeiro,6 e se apresentam
eu busquei. Ali eu descobri que eu podia exercer a arquitetura de uma maneira calcados na universalização do modelo de produção de Hollywood, cuja
que me interessava muito, mas [...] demorou um tempo até eu entender quais
eram as diferenças entre a visão do espaço do arquiteto e a visão do espaço do unidade industrial “estúdio” era defendida no Brasil pela possibilidade de
cenógrafo e do diretor de arte.1 maior qualidade de iluminação, posicionamentos de câmera e construção de
cenários, que ficavam à cargo de profissionais dedicados à cenografia, com uso
Intrinsecamente ligada à estrutura de produção de cinema em moldes das técnicas apreendidas nas belas artes. Em sua pesquisa acerca do advento
industriais, a prática da direção de arte2 se consolida de formas diversas de da direção de arte no Brasil, Débora Butruce afirma que essa fase irá lançar as
acordo com arranjos regionais e configurações particulares dos mercados de bases para uma direção de arte cinematográfica.7
produção, sendo creditada pela primeira vez no Brasil para Clóvis Bueno, no
filme O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985), não por acaso, uma 3
Salvo exceções como Luiz de Barros, que estudou na Europa, e o italiano Paschoal Ciodaro, conforme BUTRUCE,
coprodução estadunidense. 2005, pp. 69-75.
4
O termo se refere, de forma preconceituosa, à prática dos artesãos pioneiros do cinema, que buscavam oportunidades
de efetuar registros cinematográficos a serem vendidos posteriormente. Ver RODRIGUES In MARQUES;
RODRIGUES; 2014, p. 37.
5
1
Depoimento na mesa “Direção de arte – do atelier para a universidade”, Semana ABC 2015. Disponível em: Ibid.
6
<http://www.abcine.org.br/semana-abc/?id=1602&/semana-abc-2015>. (Acesso em 16/12/2016) VIEIRA, In RAMOS (org.), 1990, pp. 134-135.
2 7
Utiliza-se no presente texto o termo direção de arte em uma acepção abrangente desse ofício, entendido como A autora destaca nessa fase as contribuições dos portugueses Hipólito Collomb e Ruy Costa e do húngaro Lazlo
instância criativa da imagem cinematográfica, responsável pela estruturação visual dos elementos profílmicos e Meitner. Para uma maior aproximação com o trabalho desses cenógrafos, ver catálogo da mostra “Cenógrafos de
alinhamento estético do trabalho de cenografia, figurino, caracterização e efeitos. cinema”, ocorrida na Caixa Cultural RJ em setembro de 2007.

140 141
Após restabelecimento da presença maciça do filme sonoro estrangeiro no a primeira cidade cenográfica da América Latina13 projetada pelos italianos
circuito exibidor, é mais uma vez devido à possibilidade de diálogo com as Aldo Calvo e Pierino Massenzi. Apesar das temáticas brasileiras particulares,
particularidades locais que se constituirá efetivamente algo que se aproxima como vê-se em O cangaceiro (Lima Barreto, 1953), os filmes da Vera Cruz se
de uma dinâmica verdadeiramente industrial no cinema brasileiro. Caberá ao afastavam de uma expressão estética genuína da realidade brasileira. Inegável,
estadunidense Wallace Downey a iniciativa de produção daquele que será um no entanto, é sua contribuição para a formação técnica em cinema no Brasil
dos formatos mais populares do filme nacional, a comédia musical, inaugurada que, segundo depoimento de Galileu Garcia para Maria Rita Galvão: “era um
em Coisas nossas, de 1931, e consolidada em Alô, alô, Brasil, de 1935. Nota-se a estúdio metódico, basicamente orientado pelos ingleses”.14
exploração do universo de hotéis e cassinos, um retorno às bases cenográficas
teatrais, influenciadas pela conformação espacial dos teatros de revista, A partir de fins dos anos 1950 e início de 1960, a chegada de novas tecnologias
populares na época e tematizados nos filmes, bem como a influência do de captação de som e imagem acompanha o surgimento de inovadoras formas
artifício carnavalesco em cenários e trajes de cena. de produção que buscam incorporar técnica e esteticamente a escassez de
recursos através da produção independente. Esse cinema apresenta o uso de
Fundada em agosto de 1941, a Atlântida Cinematográfica igualmente expressa locações, tanto para ambientes de exterior quanto de interior. Tal escolha
intenções industriais, no entanto, como destacado pelo pesquisador Arthur se utiliza de metáforas visuais do espaço cênico, valorizadas pela encenação
Autran, a empresa colocava-se “ideologicamente em favor da observação cinematográfica, como em Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha,
das condições reais de mercado e da elaboração de um sistema de produção 1964), no qual texturas da terra e da pedra, linhas da vegetação e figurinos de
que levasse tais condições em conta”.8 O primeiro filme do estúdio a obter Paulo Gil Soares mobilizam para o universo diegético códigos extrafílmicos,
maior repercussão é Moleque Tião ( José Carlos Burle, 1943), em que destaca- pontuando a narrativa com objetos vivos, testemunho e memória do povo
se a introdução de alguns elementos do neorrealismo italiano.9 Desse modo, retratado por Glauber Rocha. Inspirada pelos realizadores europeus do pós-
verifica-se, ao longo deste e de outros filmes da Atlântida, a articulação de guerra, a reivindicação do espaço “real” aponta para a negação à falsidade dos
ambientes de matrizes naturalistas com espaços teatrais, justificados pela cenários de estúdio e prega a obsolescência desse sistema de produção, cujo
presença na diegese de episódios de encenação musical ou teatral. Com o fracasso da Vera Cruz veio a ratificar em meados dos anos 1950.
advento da Lei de Reserva de Mercado, em 1947 a maior empresa exibidora
do país, de Luis Severiano Ribeiro Jr., irá se tornar a principal acionista do Temas relevantes para a formação são discutidos em 1952, no I Congresso
estúdio. Tal associação gera um modelo de produção industrial paradoxalmente Paulista de Cinema Brasileiro, como a recomendação de equipes técnicas
artesanal, já que, visando obter maiores lucros, trabalhava-se com o mínimo conformadas por no mínimo dois terços de profissionais brasileiros, a criação
de recursos.10 de um sindicato de classe e a “necessidade imediata da criação dos cursos
de cinema”.15 Estes surgem em 1962, na Universidade Católica de Minas
Com o lema “Produção brasileira de padrão internacional”, a ser garantido Gerais e na Escola Superior de Cinema São Luiz, em São Paulo, com “raízes
por estúdios e equipamentos ao estilo de Hollywood e por diretores e técnicos fundas no movimento cineclubista e na Igreja Católica”,16 e fecham devido aos
europeus escolhidos por Alberto Cavalcanti,11 surge, em 1949, endossada pela altos custos. No mesmo ano é criado o curso de cinema da Universidade de
intelectualidade e financiada pela elite de São Paulo, a Cia Cinematográfica Brasília; o da Universidade de São Paulo abrirá em 1966, e o da Universidade
Vera Cruz. Segundo Butruce, atinge-se assim a “maioridade da direção de Federal Fluminense, em 1969. Segundo Maria Dora Mourão,17 ambos
arte no Brasil”.12 No filme Tico-tico no fubá (Adolfo Celi, 1952) se constrói surgem amparados na ideologia do “cinema de autor” e se estruturam a partir
de modelos de produção independente, com o objetivo principal de formar
8
AUTRAN, 2004, p. 140.
13
9
VIEIRA, op. cit., p. 155. HAMBURGER, 2014 - 1, p. 69.
14
10
Ibid, p. 160. GALVÃO, 1981, p. 139.
15
11
Formado em arquitetura na Suíça, Cavalcanti atuara no cinema francês e inglês. Tais atributos expressavam os CATANI In RAMOS (org.), 1990, pp. 279- 280.
16
desejos de aceitação internacional da burguesia paulista em ascensão. RODRIGUES In MARQUES; RODRIGUES; 2014, pp. 49-50.
12 17
BUTRUCE, 2005, pp. 95-99. MOURÃO In MARQUES; RODRIGUES; 2014, pp. 101-102.

142 143
diretores, não apresentando inicialmente componentes especializados de Dez anos após a aprovação das diretrizes, um levantamento produzido em
amparo às práticas envolvidas na ambientação cênica ou na caracterização de sites de instituições de ensino, com base no artigo de Danielle Ribeiro e
personagens. outros, apresentado no XII Congresso do FORCINE,21 nos indica que dentre
os cursos de formação superior tecnológica em cinema e/ou audiovisual, 21
Conforme apontado pelo teórico Ismail Xavier, com a crise “de um projeto de IES não ofertavam componentes obrigatórios no campo da direção de arte
sociedade, de um projeto de cinema”18 que se instaura após o golpe militar e e 9 ofertavam. Já nos cursos de bacharelado, 28 IES ofertavam componentes
seu recrudescimento em 1968 surgirão filmes que expressam a “incompletude obrigatórios no campo da direção de arte e 17 não ofertavam.
reconhecida”, cujas alegorias dialogam com o contexto nacional e a narrativa
clássica, com maior ou menor preocupação com os parâmetros de mercado. Em Analisando os números pode-se apontar a menor presença da direção de arte
tais obras pode-se apontar a importância narrativa de objetos, que adquirem nos cursos tecnológicos, justificável por um perfil de egresso voltado para
valores simbólicos, fundamentais para as leituras das obras, como o cetro, a capa absorção rápida no mercado, sendo privilegiadas funções relativas ao manejo
e a coroa em Terra em transe (Glauber Rocha, 1967), a rede em Macunaíma da técnica diretamente relacionada aos aparatos do audiovisual. Já a maior
( Joaquim Pedro de Andrade, 1969), ou o carro conversível em Bang Bang presença nos cursos de bacharelado parece indicar um processo formativo que
(Andrea Tonacci, 1971). Por outro lado, ganha espaço no país um cinema valorize a expressão de pensamentos audiovisuais mais abrangentes. A baixa
comercial esvaziado de propostas revolucionárias, no qual são perceptíveis carga horária destinada aos componentes técnicos na formação generalista,
valores estéticos consonantes com a produção televisiva que se consolidava e à direção de arte em particular, não permite uma capacitação plena, sendo
fortemente no país e o mercado publicitário que se desenvolve, ampliando as necessária uma complementação, especialmente no que compete às técnicas
oportunidades de trabalho para os profissionais de cinema e estabelecendo de desenho, projeto e execução, em cenografia e figurino. Acredita-se, no
novos padrões técnicos. Com Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, entanto, que a apresentação de um corpus de conhecimento da direção de arte
1976) há o reencontro do público com o cinema nacional. na formação em cinema e/ou audiovisual beneficie o desenvolvimento e a
inovação, num processo de dissolução das fronteiras entre a especialização de
A partir dos anos 1980, diversas crises terão seu auge no fechamento da modelos industriais, que poderá favorecer novas experimentações, tanto no
empresa estatal cinematográfica, a Embrafilme, por Fernando Collor, em campo da direção de arte quanto nas diferentes áreas envolvidas na produção
1990. Em fins desta década novas políticas governamentais e dinâmicas de audiovisual.
coprodução internacional implicarão a retomada da produção, aumento nas
cifras orçamentárias, mais preocupação com a recepção e maior apuro técnico A valorização técnica que caracteriza o cinema brasileiro pós-retomada
em diversas áreas, especialmente na direção de arte que passa a deter, a partir impulsionou a criação de diversas iniciativas de formação, como a Escola
de então, “status de saber especializado”,19 passível de valoração do produto Vídeo Fundição, no Rio de Janeiro, cuja oferta de cursos livres em direção
cinematográfico, como é o caso de A Guerra de Canudos (Sergio Rezende, de arte a partir de 2002 é registrada por Vera Hamburger em sua dissertação
1997), cujas cifras superlativas da direção de arte eram propagadas nos meios de mestrado. Neste importante material a autora registra experiências em
de comunicação por ocasião de seu lançamento comercial. cursos livres em instituições de ensino superior, teatros, centros culturais
e fundações em diversos estados do Brasil. Cabe ressaltar nesse trabalho o
Em fins dos anos 1990, vemos o aumento dos cursos superiores de cinema apuro na exposição das metodologias de ensino calcadas na experiência e na
audiovisual no Brasil, que passam de 3, nos anos 1960, para a 87 em 2016.20 presença, a partir dos parâmetros teóricos de John Dewey e U. H. Gumbrecht.22
Em 2006, as novas Diretrizes Curriculares do MEC para o Ensino de Cinema Também merece atenção o relato do Laboratório Interdisciplinar de Fronteiras
e Audiovisual incluem Cenografia e Figurino dentre as capacitações esperadas Permeáveis realizado junto ao Departamento de Cinema, Rádio e Televisão
dos egressos, a serem cobertas pelo eixo “a) Técnica e formação profissional”. da ECA-USP e oferecido aos estudantes do próprio curso e de Artes Cênicas,
Artes Plásticas e Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição.
18
XAVIER, 2012, p. 31.
19 21
BUTRUCE, op. cit, p. 142. Ibid.
20 22
RIBEIRO et al, 2006, p. 5. HAMBURGER, 2014-2.

144 145
Em 2004 é inaugurada a Academia Internacional de Cinema. Com instalações e a necessidade de atingir patamares preestabelecidos. Tal processo pode ser
em São Paulo e no Rio de Janeiro, a escola oferece cursos de direção de arte apontado na relação orgânica que os espaços construídos ou adaptados pela
de curta duração, além da formação livre, de dois semestres. Importantes direção de arte estabelecem com a narrativa audiovisual em filmes como
também são os cursos oferecidos pelo Centro de Audiovisual Norte-Nordeste Trabalhar cansa ( Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011), em que os diretores
(CANNE), em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco, cuja implantação constroem, através de imagens e sons, uma narrativa intrinsecamente marcada
em 2008 foi um marco na descentralização da produção audiovisual brasileira. pelo ambiente de crescente suspense que emana do cenário do mercadinho,
No âmbito da graduação, destaca-se o bacharelado em Direção de Arte da desenvolvido pelo diretor de arte Fernando Zucolotto. Já a trajetória de
Universidade Federal de Goiás. Aberto em agosto de 2010, na Escola de Renata Pinheiro, formada em artes com especialização em audiovisual, revela
Música e Artes Cênicas, o curso estabelece seu foco “em aspectos técnicos da as possibilidades expressivas de uma atuação profissional múltipla em que o
composição visual de espetáculos de caráter cênico, como o teatro, a dança, a trabalho em direção de arte contribua com a experiência criativa da direção e
performance e a ópera, com abertura para aplicações nas áreas do cinema e vice-versa.
da televisão”.23 Já como especialização, merecem menção a pós-graduação em
Direção de Arte para TV e Cinema na UNESA, RJ, idealizada e coordenada
REFERÊNCIAS
pela professora Elizabeth Jacob, que teve início em 2007, e a do Centro
Universitário Senac Santo Amaro SP, com professores convidados como AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. Tese de Doutorado em
Multimeios, Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas, 2004.
Monica Palazzo e Dicezar Leandro, profissionais atuantes no mercado.
BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
O ano de 2016 se encerra com um filme brasileiro à frente do ranking de processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
público: Os dez mandamentos (Alexandre Avancini). Compilação da telenovela
exibida na Rede Record e cenas inéditas, representa um cinema popular GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: O caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1981.
vinculado à televisão, implementado desde a criação da Globo Filmes. Por
outro lado, o filme de maior repercussão do ano, Aquarius (Kleber Mendonça HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed.
Filho) não consta dentre as 10 maiores bilheterias nacionais, mas estreou no SENAC e Edições Sesc, 2014.
Festival de Cannes e recebeu elogios da crítica especializada internacional. __________________. O desenho do espaço cênico: da experiência vivencial à forma. Dissertação
Esses exemplos ilustram a atual coexistência de dois modelos de produto de Mestrado, Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
audiovisual nacional, um resultante do pensamento industrial, que se consolida MARQUES, Aída e RODRIGUES, Luciana (org.). Cadernos do FORCINE. Fórum
de fato nas emissoras de TV, e outro, o cinema de autor contemporâneo, Brasileiro de Ensino do Cinema e Audiovisual. 2014
que dialoga mais amplamente com temáticas políticas e sociais nacionais, RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1990.
realizado em grande parte por egressos de cursos superiores, como Kleber
Mendonça, Gabriel Mascaro e Marcelo Lordelo, graduados em comunicação; RIBEIRO et al. Mercado audiovisual e formação profissional: o perfil dos cursos superiores em
cinema e audiovisual no Brasil. São Paulo: Forcine, 2016.
Anna Muylaert, Adirley Queirós, Marco Dutra e Juliana Rojas, em cinema; e
Karim Aïnouz, Marília Rocha e Aly Muritiba, pós-graduados na área. Se nota XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema novo, tropicalismo e cinema marginal.
também a presença de diretores de arte egressos de escolas de comunicação ou São Paulo: Cosac Naify, 2012.
cinema, como Monica Palazzo, Fernando Zucolotto e Thales Junqueira. Essa
nova geração se beneficia de políticas estáveis para o setor e oportunidades de
formação que facilitam o conhecimento dos principais paradigmas da atividade TAINÁ XAVIER é bacharel em Cinema (UFF) e mestre em Artes Visuais
audiovisual. Conscientes de seu papel social, os artífices contemporâneos (UFRJ). Professora no curso de Cinema (UNILA), também atua como diretora
podem se preocupar menos com a constituição da indústria cinematográfica de arte.

23
Informação constante no site da instituição, disponível em <https://prograd.ufg.br/p/8918-direcao-de-arte-
goiania>. (Acesso em 16/12/2016)

146 147
DIREÇÃO DE ARTE EM Mas na primeira conversa que tivemos, disse que também desejava fazer
direção de arte. E assim eu comecei: procurando pessoas que poderiam viver
elas mesmas – aquelas personagens que estavam no roteiro – e também as
CINEMA: LEITURAS DE UM ESPAÇO locações, os lugares onde viviam, transitavam e se encontravam. Na época,
nem sabia bem o que era direção de arte, mas me interessava muito a maneira
THALES JUNQUEIRA como as personagens se relacionavam com o espaço e o que se revelava a partir
dessas relações. Eu mesmo fazia a produção dos objetos, realizava as mínimas
modificações que considerávamos necessárias no espaço, ia ao guarda-roupa
de cada personagem para definir seus figurinos.
O ponto de partida é memória e imaginação. É através delas que vou inventando
as respostas, pois nem tudo está no roteiro: como pensa esse personagem? Na transfiguração dos dados da dramaturgia em imagens, cria-se uma
Como ele se veste, com o que trabalha, como se organiza? Em quem votou unidade visual para o filme, uma gramática própria que atende aos contextos
para Presidente? O espaço é grande? Quais são suas recordações imperecíveis? sociopolíticos, históricos e psicológicos em que a história acontece, a partir
Qual é o cheiro daquele lugar? O quarto é cheio de coisas? De onde vem a de signos que valorizam a apreensão do filme. Acredito que a direção de arte
luz? Com quem ele se parece? O que ele come, o que bebe, do que gosta? Qual funciona quando é capaz de criar sentidos nos ambientes em que se passa
a paisagem que se vê da janela? Na rua escura por onde caminha, o lixo está a história, de maneira que o espectador identifique referências e tenha uma
espalhado pelo chão? E a arquitetura, que linhas abrigam sua intimidade? O apreensão convincente, cumprindo uma função narrativa. Isso não significa,
filho mais novo teria rabiscado um canto da parede, ou não? E assim começo a claro, que a direção de arte só atenda ao filme na medida em que seja capaz
ler o quarto, a sala, a rua, a floresta, a fábrica, o bar, enfim, o cosmos que acolhe de elaborar um contexto naturalista, reconhecível. Dependendo do filme
as histórias que vamos contar. e da proposta que o diretor idealize, ela pode atuar no sentido oposto ao
da verossimilhança, rompendo com o que pode promover familiaridade,
Ao fazer um filme, passo semanas investigando obsessivamente a vida de buscando não a identificação, mas o estranhamento, ultrapassando os limites
pessoas que não existem, mas que precisam ser reais. Vou em busca: nos livros, da identificação. De toda maneira, a visualidade de um filme funciona quando
em outros filmes, no Instagram, no Facebook, nas pinturas, nos álbuns de fotos convence, fazendo o espectador acreditar na autenticidade do que vê, seja
da minha mãe, na rua, no ônibus, na favela, no shopping... É preciso procurá- através do naturalismo ou do artifício.
los por todos os lados. O universo que inventamos num filme transforma-se
em algo real, mesmo que seja fantasioso, ainda que seja absurdo. Como discurso estético, o primeiro filme brasileiro que me marcou
profundamente foi Macunaíma ( Joaquim Pedro de Andrade, 1969). A fábula
Ao ler um roteiro, muitas vezes a cara do filme se impõe de maneira muito multicolorida, barroca e cafona – síntese entre o modernismo, a chanchada,
natural. Em outras, é difícil e demora, o filme vai se revelando aos poucos. De o carnaval e o tropicalismo, com cenografia e figurinos de Anísio Medeiros
toda forma, sempre que leio um roteiro, faço um exercício de visualização da – é algo muito impressionante. A excelente direção de arte do filme é um
história e procuro me convencer do que está escrito. Discuto muito o filme caleidoscópio de referências, uma aposta radicalmente colorida na celebração-
com o diretor. Converso sobre os personagens, sobre o universo deles, sobre as depreciação de seu “herói sem caráter”, esse tragicômico ser brasileiro.
cenas, os climas, sugiro mudanças e, principalmente, escuto. Eletrodomésticos, objetos vindos do mundo indígena, do candomblé e da
cultura pop internacional; as armas da guerrilha urbana e a arte de vanguarda:
Meu primeiro trabalho em cinema – Avenida Brasília Formosa (Gabriel todas as relíquias brasileiras no contexto dos anos 1960 parecem se reunir
Mascaro, 2010) – é um documentário que acompanha a vida de alguns nessa usina de ideias e provocações.
moradores do bairro Brasília Teimosa, no Recife, filmado a partir de uma
estrutura de ficção, com cenas roteirizadas. Eu ainda era estudante de A festa da menina morta (Matheus Nachtergaele, 2008) – com direção de arte
jornalismo e Gabriel precisava de alguém para fazer a pesquisa de personagens. de Renata Pinheiro e figurino de Kika Lopes – também me marcou muito.

148 149
A invenção de uma festa mística-religiosa comemorada anualmente por uma Ali, se cria uma nova paisagem, sem a escandalosa deformação urbana que
pequena população do Amazonas revela todo o poder criativo da imaginação as torres representam, uma mensagem política, de não aceitação do cenário
que a direção de arte é capaz de evocar. O colorido pop das perucas de camelô violento que nos é imposto.
das Trigêmeas Espaciais com seus trajes futuristas; todo o relicário que envolve
a morte da menina – o vestidinho azul rasgado e emoldurado num quadro de Já em A seita (André Antônio, 2015), filme que se passa numa decadente e
vidro, o manto cuidadosamente bordado pelo Santo como um Arthur Bispo futurista Recife de 2040, nas locações externas foram poucas as intervenções
do Rosário; o sincrético altar na casa do personagem e seu São Sebastião com diretas da direção de arte, principalmente considerando-se que o filme se
cabeça de Barbie; o fantástico, o religioso e o mundano. Tudo nessa direção de passa no futuro. O interessante era construir esse imaginário futuro a partir
arte é de uma exuberância e verdade comoventes. do registro do abandono atual de inúmeras áreas da cidade. Ali havia a
possibilidade de criar, na direção de arte, um filme cuja visualidade tivesse um
É a dramaturgia que sempre norteia minhas ideias na realização de um filme. aspecto polissêmico. Uma miragem futurista que se constrói a partir do registro
Criar um espaço belo, nas formas, composições, cores e texturas, não faz parte da cidade hoje, o documento de uma Recife contemporânea – as ruínas, o
das minhas preocupações e interesses a princípio, a menos que seja necessário abandono, o sintoma evidente de um projeto urbano fracassado. Além disso, A
do ponto de vista dramático. O importante é criar enunciados visuais seita tem um protagonista que no gosto, no modo de viver, se filia a uma certa
tradição do dândi que nos leva ao século XIX. Para a casa do personagem,
interessantes, que permitam ao espectador penetrar num universo subjetivo a
pensei numa edificação de arquitetura eclética, com uma sobreposição afetada
partir de suas complexidades simbólicas.
de ornamentos diversos de origem europeia e que fazem parte da paisagem
do Bairro do Recife. Me parecia uma boa escolha para a casa deste dândi
Após a leitura do roteiro e a partir das pesquisas de referências, iniciam- do futuro, na chave do artifício camp que o filme buscava. Passado, presente,
se as buscas pelas locações. No cinema brasileiro contemporâneo, há uma futuro. 
imensa versatilidade dos discursos estéticos, dada a sua pluralidade temática.
Também ganhou força uma forma mais naturalista de representação: obras Com as locações definidas, iniciam-se os projetos de arte. Levantamentos
que se aproximam da “realidade”, que trazem um desejo de verossimilhança, dos espaços, desenhos, maquetes, tudo que seja necessário para apresentar
personagens anônimos e comuns. Nesse contexto, de modo geral, trabalho com as propostas à produção, direção e direção de fotografia. Com projeto e
locações preexistentes, mas não faz diferença se os cenários são construídos orçamento aprovados, iniciam-se uma série de intervenções no espaço no
em locações ou estúdios: é sempre um cenário. As  filmagens em locações sentido de aproximá-los do que se deseja para o filme. É possível filmar numa
revelam uma preocupação com a “verdade”, inclusive na relação do elenco locação sem que se realize qualquer modificação no espaço, mas é raro que
com o espaço. Não raro, atores e atrizes vivem na casa de seus personagens isso aconteça. A ambientação de um cenário, seja interno ou externo, é uma
durante algum tempo antes do início das filmagens, com o cenário já pronto, configuração de elementos, através de arranjos que envolvem escolhas diversas:
explorando e ganhando intimidade com o espaço. Mas cenários construídos de cores, texturas, objetos, efeitos, figuração.
em estúdio também podem ser absolutamente convincentes.
O ambiente é não apenas o espaço em que se passam as ações do filme como
Quando se trabalha com locações, há um investimento nos valores que o também um conjunto de mensagens que contribuem para a construção de
reconhecimento desses lugares envolve. Também é interessante quando se faz uma personalidade e de uma situação, um mapa cujos conteúdos ajudam o
intervenções nos espaços de modo a criar uma discordância entre o que é de espectador a entender quem são aquelas pessoas e o que vivem, mesmo que
conhecimento público sobre o lugar e a sua representação alterada no filme, não se lembre dos detalhes que compõem o cenário ou sequer reparem neles.
capaz de criar sentidos poderosos. Isso é algo que se faz com frequência em É a ambientação que traz informações sobre quem habita aquele espaço, seus
filmes de época ou futuristas. Mas não apenas. Fiquei fascinado quando, numa gostos, qual estrutura familiar e a classe social em que se insere. O mobiliário
conversa na pré-produção de Aquarius (2016), Kleber Mendonça Filho disse e os objetos que habitam um determinado lugar se estruturam de maneira
que queria apagar digitalmente as torres gêmeas – prédios com mais de 40 simbólica e subjetiva. São uma sobreposição de tempos, afetos e memórias,
andares construídos no centro do Recife – de um grande plano geral da cidade. vestígios de quem nele mora. Penso que fazer um cenário é um trabalho de
invenção cartográfica.

150 151
Em Aquarius, o apartamento de Clara é um personagem importante. Ele comunicação com o público. Há uma crença de que filmes com maior apelo
precisava ser confortável, aconchegante, absolutamente avesso à ideia de popular precisem assimilar uma estética televisiva e publicitária. No ensaio
abandono e decadência com que a construtora via o prédio. Um apartamento “Cidade de Deus faz turismo no inferno” (2002),1 a pesquisadora Ivana
moderno, contemporâneo, embora com matéria carregada de memória. Bentes reflete: “[...] a linguagem da publicidade e da televisão pode muito
Um espaço de bem-estar (e também de sombras) que fosse a topografia da bem ser utilizada. A questão é que, quando confrontada com temas complexos
intimidade de Clara, reunindo suas histórias, afetos, assombros e arquivos. e difíceis, essa estética tende a criar uma embalagem que neutralize todo o
Usamos texturas que poderiam trazer esse aconchego praiano. O linhão do sofá, potencial perturbador ou as questões éticas que envolvem certos temas”. Em
a palhinha das cadeiras, o couro da poltrona, a peroba do campo na estante dos Que horas ela volta? e Aquarius, por exemplo, a direção de arte trabalhou a
discos, a cortina de linho tremulando com o vento, o cheiro da praia, a areia no partir de um desejo de representação naturalista, sem qualquer intenção de
chão do hall de entrada – com suas cangas e chapéus pendurados. O cinema é absorver códigos estéticos do que se convencionou como “cinema comercial”.
tátil, a natureza dos materiais que vemos despertam sensações e cada matéria
oferece novos atributos ao espaço visualizado, pois as lembranças individuais
Na construção da visualidade de um filme, a cor é uma ferramenta importante,
de cada um são capazes de acionar sentidos na percepção do que é visto.
que opera na maneira como o espectador sente a cena. O manejo cromático
pode ser potente na criação do clima de cada sequência do filme. Ele constrói
No filme, um objeto específico atravessa os tempos e contém o valor inestimável
conceitos articulados por uma poética própria. A cor pode ser luz ou pigmento,
das relíquias dos dias antigos: a cômoda de Tia Lúcia está no apartamento de
Clara em 1980, está nas lembranças de Tia Lúcia das tardes de sexo com estar na matéria ou entre ela e a luz, preenchendo o ar. Gosto de pensar na
seu amante décadas atrás, está no apartamento de Clara em 2015 e também maneira como as cores se comportam em cada espaço e cena ao longo do
é vista num pesadelo da personagem, num assombroso futuro em que sua filme, mas de modo geral não trabalho com uma paleta de cores formalizada.
casa, abandonada, ainda preserva a cômoda esquecida no centro da sala, com Também não compreendo um certo uso emocional das cores que vejo em
suas portas-olhos abertas, vazia. Agora lembro que era na antiga cômoda muitos filmes, uma “psicologização” do recurso cromático a partir de conceitos
que Clara guardava os álbuns com fotos da família. Creio não ter sido uma primários. Cores são mais complexas e misteriosas do que isso e objetivamente
escolha consciente, minha, de Juliano Dornelles (também diretor de arte do pouco sei sobre elas.
filme) ou de Kleber. Mas não haveria melhor lugar para acolher aqueles álbuns
de fotografia do que a cômoda de Tia Lúcia, este receptáculo de passados A seita foi uma oportunidade de fugir completamente de um regime de
preservados na matéria e na memória. cores estéril, limpo, tão comum no cinema ocidental contemporâneo. A
predominância do rosa e azul veio de imediato, talvez por influência dos filmes
Objetos são capazes de carregar mensagens que dão corpo, materialidade a um de James Bibdgood, sobretudo Pink Narcissus (1971) – embora nele a cor esteja
discurso, no contexto da linguagem simbólica, agregando novos significados mais na luz do que na matéria. E também a exuberância do dourado, barroco,
além dos verbais e gestuais ao filme. Em Que horas ela volta? (Anna Muylaert, além dos vermelhos e púrpuras. Para essa cromofilia queer que desejávamos,
2015), com direção de arte minha e de Marcos Pedroso, as relações de poder pensei nos filmes do moderno cinema europeu que fizeram da cor uma
e suas barreiras invisíveis estão na organização do espaço, da casa de família, aposta estética, como nos de Jacques Demy, Agnès Varda, Rohmer. Não nos
e também são narradas através de objetos: o sorvete de Fabinho, a piscina, interessava fazer um filme futurista de adesão aos códigos do gênero, com um
a bandeja de prata que pertenceu à bisavó de Dona Bárbara, o conjunto de visual cartunesco dos Jetsons, engenhocas moderníssimas e a cromofobia que
café com que Val, a empregada, presenteia a patroa, os eletrodomésticos que repete o preto, o prata e o cinza. 
se empilham no quartinho de Val aguardando “a casa nova”. Eles reverberam
relações humanas e sociais, carregando conteúdos que as pessoas depositam Todo universo criado pela direção de arte a partir de seus múltiplos recursos
neles. E que reconhecem neles. precisa convencer o elenco. Atores e atrizes são grandes cúmplices da direção
de arte. Para mim, é da maior importância escutá-los, saber o que pensam com
Que horas ela volta? e Aquarius tiveram uma bilheteria expressiva, ou seja,
conseguiram uma abrangência de público sem que para isso precisassem
repetir velhas fórmulas e seus recursos estéticos considerados de fácil 1
In: O Estado de S. Paulo, 31 ago. 2002, p. D7.

152 153
relação aos cenários e caracterização. Acompanhá-los (re)conhecendo o lugar Animal político, de Tião
Produção de objetos
em que vivem seus personagens é um dos momentos mais preciosos do processo Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes
da direção de arte. Mudanças podem surgir desse encontro, sugestões podem
e devem ser feitas: é preciso que aqueles personagens que estão construindo 2013
Assistência de arte
dentro e fora de si encontrem aqueles personagens que projetei no espaço. E O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho
se reconheçam. Permanência, de Leonardo Lacca
Rio cigano, de Julia Zakia
Produção de objetos
O figurino é uma arquitetura, é tudo que veste os corpos em cena, fazendo Tatuagem, de Hilton Lacerda
parte da vasta e complexa rede de signos que são impressos num filme. De 2014
modo geral, colho referências e monto uma proposta de figurino que serve Direção de arte
como pontapé inicial para o trabalho do figurinista. Indicações de forma, Prometo um dia deixar essa cidade, de Daniel Aragão
Cenografia
estilo, cores, texturas. A partir daí, muita coisa se transforma. Quanto mais Brasil S/A, de Marcelo Pedroso
transgressões, mais enriquecedor pode ser um processo. Novos caminhos são Produção de objetos
apresentados e é fundamental a troca com o elenco, que precisa estar bem O homem das multidões, de Marcelo Gomes e Cao Guimarães
convencido de que o que veste pertence aos seus personagens ao entrar em 2015
cena. Cada ator e cada atriz traz à cena a vivência da matéria. É aí que corpo, Direção de arte
com Marcos Pedroso em Que horas ela volta?, de Anna Muylaert
espaço e tempo se encontram. Mãe só há uma, de Anna Muylaert
A seita, de André Antônio
O cinema é um exercício radicalmente coletivo. Muitas subjetividades Assistência de arte
Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro
depositam imensa energia criativa durante todo o processo. Quando estou Produção de objetos
fazendo um filme, posso contar com muitas parcerias: cenógrafos, produtores Campo Grande, de Sandra Kogut
de arte e objetos, contrarregras, pintores, escultores, serralheiros, cenotécnicos, 2016
técnicos em envelhecimento, figurinistas, costureiras, aderecistas, maquiadores, Direção de arte
efeitistas, artistas gráficos. Cada pessoa que entra no processo traz seus com Juliano Dornelles em Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
Coiote, de Sérgio Borges
próprios repertórios, suas visões de mundo. O ponto de partida é memória e
imaginação. A direção de arte orquestra sua equipe, aponta os caminhos, mas
todos ajudam a responder comigo cada uma daquelas perguntas que um filme
evoca.

THALES JUNQUEIRA é bacharel em Jornalismo (UNICAP) e diretor de


arte.

FILMOGRAFIA
(longas-metragens)
2010
Direção de arte
Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro

2012
Assistência de arte

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Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2010), direção de arte de Thales Junqueira Que horas ela volta? (Anna Muylaert. 2015), direção de arte de Thales Junqueira (com Marcos Pedroso)

A seita (André Antônio, 2015), direção de arte de Thales Junqueira Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016), direção de arte de Thales Junqueira (com Juliano Dornelles)

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ENTREVISTA

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ENTREVISTA COM
Eu tinha 23 anos. Pra mim era um mundo a ser descoberto. Entrei como
estagiária e virei assistente do Beto Mainieri.* Ele era cenógrafo e figurinista
[figurinos também assinados por Tereza Berlink], não tinha direção de arte.

VERA HAMBURGER Depois disso, veio O corpo, do José Antônio Garcia [1991, direção de arte
e cenografia de Felippe Crescenti* e figurinos de Luiz Fernando Pereira,
autor de artigo presente neste catálogo]. Fui assistente do cenógrafo Felippe
Crescenti, com quem trabalhei durante vários anos. Também nessa produção
não havia a função diretor de arte. Cenografia, figurino, maquiagem e efeitos
eram departamentos independentes. Não houve espaço para que Felippe
pudesse desenvolver um pensamento estético global, apesar de ser um desejo
Vera Império Hamburger é diretora de arte e cenógrafa formada em Arquitetura dele, não havia essa compreensão na equipe. De qualquer maneira para mim
e Urbanismo e com mestrado em Artes Cênicas, ambos pela USP. Possui foi um importante aprendizado. Imagine que o cenário principal desse filme
mais de 30 anos de experiência na área, com atuação em cinema, televisão, acabou sendo meu trabalho de fim de curso na FAU-USP. A banca foi até o
publicidade e teatro, além de exposições, espetáculos de dança e óperas. Em estúdio e apresentei o processo desenvolvido para o filme, com todos sentados
2014 lançou o livro Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro (Editora nas poltronas da casa cenográfica. Estavam presentes meu orientador oficial,
Senac São Paulo e Edições Sesc São Paulo). Também desenvolve atividades o professor Minoru Naruto, o arquiteto e professor Haron Cohen e o Felippe
de ensino de direção de arte e cenografia, tanto em cursos livres quanto em – que foi quem realmente me orientou.
instituições de nível superior.
Quer dizer, aprendi fazendo. Na escola eu estudava História da Arquitetura e
DÉBORA BUTRUCE: Como você começou no cinema? da Arte, experimentava o desenho, descobria o pensamento e os instrumentos
fundamentais de projeto, investigava as questões do espaço da arquitetura
VERA HAMBURGER: Eu havia feito a cenografia e figurinos de duas como algo idealizado. No cinema eu pude estudar na prática, no processo do
leituras dramáticas dirigidas por José Celso Martinez Corrêa, recém-chegado fazer – projetando e montando cenários.
do exílio, em 1985. Um projeto que apareceu de repente, por indicação de
amigos que estavam em convívio direto com o Zé. Foram duas montagens: DB: Então você não conhecia ninguém?
Roda Viva (Chico Buarque) e O homem e o cavalo (Oswald de Andrade). Fiquei
apaixonada por cenografia! Nessa época, meados dos anos 1980, meu irmão, VH: Eu não conhecia ninguém, para mim era um universo muito novo.
Cao Hamburger [diretor de Castelo Rá-Tim-Bum, o filme, de 1999, presente Quando entrei na equipe do filme O beijo 2348-72, o Chiquinho Andrade
na Mostra, no qual Vera assina a direção de arte com Clóvis Bueno*] estava [Francisco Andrade]* era o cenógrafo. Hoje é um colega querido. A equipe
começando a trabalhar com cinema. Ainda não era diretor, ele fazia efeitos que a produção ofereceu a ele era formada por três estagiárias e só! Pode isso?
especiais. Perguntei a ele se sabia de algum estágio em cinema. Ele já tinha [risos] E nenhuma das três tinha qualquer experiência em cenografia! Eu sabia
vários conhecidos na área e indicou alguns nomes para que eu fosse conversar. desenhar um pouco, estava no terceiro ano da FAU, eu já sabia fazer uma
O cinema estava vivendo uma grande crise, com o fim da Embrafilme. Os planta, corte, detalhamento... essas coisas. A base da faculdade de arquitetura
filmes eram feitos com muito pouco dinheiro. Uma loucura [risos]! foi essencial. No fim o Chiquinho teve que sair e o Beto Mainieri foi quem
assumiu a cenografia e viu que eu poderia fazer os desenhos de projeto. Ele me
Fui fazer estágio na equipe de cenografia do filme O beijo 2348-72 [1987- passava os rafes [do inglês roughs; em português, rascunhos] e eu fui fazendo:
1994], dirigido pelo Walter Luiz Rogério, técnico de som muito ativo em São planta, vista; projetando o cenário de estúdio. O desenho arquitetônico era
Paulo, que fazia seu primeiro longa-metragem. Aí eu vi a loucura que era fazer uma ferramenta que eu tinha, que vinha da escola. E aí ele me promoveu.
cinema, além do mais, sem dinheiro. Era um “filme da Vila Madalena”[bairro
de São Paulo, sede de produtoras da então nova geração paulista de cineastas]. DB: Teve um curta...

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VH: Sim, A mulher do atirador de facas [de Nilson Villas Bôas, 1988, com Boca do Lixo”, em São Paulo. E eu pude ver como ele trabalhava. Tinha visto
direção de arte de Tânia Mills e Mario Cafiero, e cenografia de Tânia Mills], em o Adrian, super cuidadoso, ficava no milímetro, da luz que batia não sei onde.
que eu fui assistente da Tânia Mills [assistente de cenografia em Anjos da noite, E o Toninho: pá, pá, pá [faz mímica de refletores sendo ligados], “tô pronto!”.
de Wilson Barros, 1986, filme presente na Mostra]. Tânia era bem atuante E eu atônita! Como assim tão rápido? Era meu segundo filme e a dinâmica da
no cinema da Vila Madalena, como produtora de objetos e coordenadora de equipe de fotografia, seus equipamentos, eram totalmente diferentes. Eu havia
arte. Foi uma experiência maravilhosa. A gente construiu o circo e o trailer em chamado pra contrarregragem, um amigo meu que estava voltando da Europa.
estúdio. É um filme muito delicado, gosto muito desse trabalho. Tive bastante Não havia contrarregras no mercado em São Paulo naquele momento. No
liberdade de projeto e novamente pude acompanhar a construção cenográfica. Rio de Janeiro tinha. Bom, segundo a minha grande experiência no primeiro
Lembro que eu levei emprestado muitos objetos da casa de meus pais, porque, longa-metragem, falei para ele ficar tranquilo, pois o fotógrafo demoraria para
novamente, a produção não tinha um tostão! preparar a luz e os movimentos de câmera, e nesse tempo daria pra ele arranjar
os últimos detalhes dos cenários a cada plano. Era o que eu tinha aprendido
DB: Na década de 1980, o cinema paulista passa por uma renovação com o no primeiro filme [risos]. Quando eu vi o ritmo do Toninho Meliande – pá,
cinema da Vila Madalena, de alunos da Escola de Comunicações e Artes da pá, pá, “tô pronto!”! –, eu falei “uau, que é isso?”. Era outra coisa, totalmente
Universidade de São Paulo (ECA). O Walter Rogério (1946) é das primeiras outra dinâmica. O Adrian e o Walter Rogério conversavam, experimentavam,
turmas da ECA, de 1966. Já o José Antônio Garcia (1955-2005) ingressou na procuravam juntos. O Toninho era super rápido, sem devaneios! Foi muito
de 1973. Como foi encontrar esses diretores numa fase consolidada de suas interessante, uma produção era da Vila Madalena, outra da Boca. Quanto aos
carreiras, já de 10, 15 anos? Como foi participar desses filmes? diretores, não sei o que eu poderia dizer sobre sua origem universitária.

VH: O Walter era bastante experiente na equipe de som; o José Antônio já DB: Muito se escreveu sobre o apuro técnico que era buscado por este cinema
havia feito alguns longa-metragens em parceria com o Ícaro Martins. Eles da Vila. Falavam sobre isso nas filmagens de O corpo e O beijo 2348-72? Era
fizeram um dos filmes mais importantes dos anos 1980, o cult O olho mágico uma preocupação? Como essa questão chegava à direção de arte?
do amor [1982], de que eu gostava muito. Foi interessante, foram momentos
de importante aprendizado. VH: Foi uma experiência muito diferente da outra, mas me parece que os dois
filmes procuravam apuro técnico, os dois diretores e as equipes. O Walter era
Tem uma história muito engraçada: no filme O beijo 2348-72, que foi a até mais despreocupado. Os dois filmes tinham um visual meio... como eu
primeira vez que eu pisei num set, o fotógrafo era o Adrian Cooper.* Eu posso dizer... um grau a mais no realismo. Em ambos, a cenografia, figurinos
fazia assistência de cenografia no set e também de “defeitos especiais” [risos]. e maquiagem tinham um quê além do real.
Naquela época não havia monitor no set para a equipe, nem para ninguém.
Quem olhava a cena do ponto de vista do enquadramento eram o fotógrafo e Voltando para a questão do apuro técnico, acho que a gente pode pensar
o diretor. Era raro o cenógrafo olhar no visor da câmera, imagina o assistente! que, nos anos 1980, os profissionais do cinema nacional passaram a atuar
Me lembro que eu tinha que perguntar para o fotógrafo quais eram os limites frequentemente em comerciais estrangeiros, ou mesmo brasileiros. Eram
do quadro para saber qual era realmente a parte do cenário que estava em projetos com muita verba e estrutura mais complexa do que estávamos
jogo a cada plano: “de onde até onde?”. Assim eu ia imaginando, começando acostumados em nossas produções. Ao mesmo tempo, havia uma geração nova
a imaginar, a exercitar a imaginação da imagem... sem realmente enxergá-la. formada pela universidade, estudada. O cinema dos oitenta adotou formas
É claro que, de vez em quando, os meninos – normalmente eram homens que de produção e novos parâmetros de qualidade, indo contra a vulgarização da
dominavam a câmera – me deixavam olhar. E assim nasciam as lentes e os linguagem que tivemos na década anterior, dominada pela pornochanchada.
enquadramentos para mim. Estamos falando assim, em décadas e isso é um perigo, pois generalizamos.
Em todos os tempos tivemos diretores e equipes preocupados com a questão
Quando chegou em O corpo, o fotógrafo era o Toninho Meliande [Antonio técnica e fazendo filmes maravilhosos em todos os gêneros. Mas existe sim
Meliande], que foi um fotógrafo importantíssimo, atuante no “cinema da uma aposta técnica dos anos 1980, e a reestruturação da equipe e modos de

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trabalho. Inclusive foi nessa década que adotamos a figura do diretor de arte, da arte, pelo que sabemos até agora, foi o primeiro filme que adotou a função
centralizando as decisões da visualidade dos filmes, reunindo cenografia, de direção de arte. Segundo Clóvis Bueno conta no livro Arte em cena, a direção
figurino, maquiagem e efeitos especiais em um pensamento global. de arte no cinema brasileiro, a iniciativa partiu de Hector Babenco, diretor e
produtor do projeto, ao convidá-lo para mais essa empreitada – eles já tinham
Para o pessoal da Vila Madalena com quem eu trabalhei, eu sentia que tinha feito Pixote juntos. Como passou a ser comum desde os anos 1960/1970
a questão desse “a mais”, dessa supra realidade. entre os cenógrafos, Clóvis fazia cenários e figurinos das produções de que
participava. O beijo da mulher aranha tinha uma questão particular em sua
DB: Um artificialismo? estrutura narrativa. Havia dois mundos que se cruzavam no filme: o da
“realidade” – um preso político e um preso comum em convivência em uma
VH: Isso. Tem um artificialismo que faz parte do código de linguagem que cela – e o da “ficção” – da história narrada pelo preso comum. Então o Hector
eles estão falando. A cenografia dos anos 1960, o pessoal do Cinema Novo, propõe a Clóvis: “você faz o cenário e o figurino da parte real, realista, e chama
explorou a visualidade de uma maneira muito forte. O que eles recusaram foi o Felippe Crescenti [cenografia] e o Patrício Bisso* [figurinos] para fazerem a
a cenografia artificial. Os anos 1970 foram também baseados no realismo. parte da ficção”; você faz a “direção de arte”. Nenhum deles havia trabalhado
Quando veio os 1980, veio esse artificialismo. dessa maneira antes, mas foram experimentando e deu certo. O filme é lindo
e a partir daí as iniciativas nesse sentido foram se proliferando, até que o
DB: O que parecia estar em jogo no cinema brasileiro dos anos 1980? Ou, ao mercado de produção adotou definitivamente a nova função.
menos, para o Cinema da Vila? O que se exigia da direção de arte?
DB: A direção de arte já estava sendo feita...
VH: O cinema dos anos 1980 não é só o da Vila Madalena. Não podemos
falar só da Vila. Temos de lembrar que tem o Hector produzindo o Lúcio VH: Sim, quando os cenógrafos resolveram se preocupar não só com o cenário,
Flávio [o Passageiro da agonia, de 1977, com cenografia e figurinos de Mariza mas também com o figurino, já estava embutida a ideia desse olhar único
Leão], o Pixote, a lei do mais fraco [de Hector Babenco, 1980, com cenografia e sobre todos os aspectos visuais do filme. Tivemos cenógrafos-figurinistas
muito bons, com trabalhos muito interessantes: Luiz Carlos Ripper, Anísio
figurinos do Clóvis Bueno], tem o Walter Lima Jr., tem todo mundo aí. Tem o
Medeiros, Régis Monteiro foram alguns deles.
Bye, Bye, Brasil [de Cacá Diegues, 1980, com cenografia e figurinos de Anísio
Medeiros*].
DB: E o Babenco nisso?
Tem um trabalho nos anos 1980 que eu acho muito interessante em todas
VH: O Hector tem um papel importante na evolução da direção de arte, como
as vertentes, que é uma compreensão da cor... Porque a cor nasceu nos anos
diretor e produtor. Em O beijo da mulher aranha, o Clóvis assina a direção
1950, mas até ser incorporada como linguagem, e ser realmente trabalhada...
de arte, mas a maneira de produzir continua sendo a mesma: equipe super
Nos anos 1970 teve gente que fez maravilhosamente bem. Régis Monteiro* é
reduzida, quase que só ele e uma assistente para pesquisar desde as locações,
um cara cujo trabalho na cor eu admiro demais. É incrível o trabalho dele. O
projetar, construir, produzir objetos e dressar os cenários da “realidade”. No
Anísio Medeiros, o Luiz Carlos Ripper,* são pessoas que exploraram muito
Brincando nos campos do Senhor [Hector Babenco, 1991] já tinha uma equipe
a cor nos setenta, a cor-matéria. Mas os anos 1980 trabalhou com a cor-luz,
super profissional em todas as áreas, e na equipe da direção de arte havia três
partiu para uma cor etérea.
cenógrafos – um para cada set principal. O Hector era um cara que prezava a
especialização da equipe, fazia questão que houvesse profissionais adequados
DB: Falando em apuro técnico, direção de arte e década de 1980, temos nosso
para cada setor de suas produções.
primeiro grande marco com O beijo da mulher aranha [de Hector Babenco, de
1985, com direção de arte de Clóvis Bueno].
DB: O cenógrafo de O beijo da mulher aranha foi Felippe Crescenti, que
assinou a direção de arte e a cenografia de O corpo. Como foi trabalhar com ele
VH: O beijo da mulher aranha foi um marco em diversos sentidos. Na questão
já tendo passado pela experiência de O beijo?

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VH: Eu não fiz O beijo da mulher aranha. Quando fui trabalhar com Felippe botou o porta-talher que era verde-limão, botou umas coisas na mesa e eu
Crescenti pela primeira vez, não tinha ideia da estrutura de trabalho em devo ter feito uma cara... que que você tá fazendo? [risos] E ele falou – não sei
cinema e nem tinha reparado nos créditos de O beijo. Com o Felippe foi uma se foram exatamente estas as palavras – “tem de criar o desequilíbrio”. Lição:
experiência incrível. Olhando para trás, acho que posso pensar que o Zé Celso o desequilíbrio faz parte do momento da cena, o desequilíbrio no cenário,
me apresentou a coisa, que já vivia por questões familiares, mas nunca imaginei uma coisa que você não entende, que você não domina, é uma mancha de cor,
fazer [Vera é sobrinha do cenógrafo, figurinista, diretor, arquiteto, professor e uma bagunça... Aí eu pude ver essa propriedade, essa qualidade do trabalho
artista plástico  Flávio Império]. O Zé Celso me instigou. O Beto me acolheu do Clóvis, que é um trabalho absolutamente vivo, o cenário do Clóvis é um
na primeira experiência. E o Felippe Crescenti me ensinou muita coisa, porque cenário vivo, que traz circunstância para a ação.
eu fiquei com ele muitos anos. O Felippe tem um jeito de trabalhar em que faz
muita coisa ao mesmo tempo, então ele deixa muito na sua mão. Não que ele A cenografia está muito longe da decoração, porque a cenografia, quando é
não participe, participa completamente, mas você que vai desenvolvendo, ele instigante, que é o nosso objetivo, ela provoca, apresenta uma circunstância do
tem uma coisa de trocar muita ideia, de aceitar sugestões, pelo menos assim
espaço para o espectador. O espaço em alguma circunstância, que está ligado
foi a nossa relação. Então, eu aprendi muito com ele. Porque eu não só fiz esse
à ação ou à trama ou ao percurso do personagem, ou ao momento da criação.
filme com ele, que foi nosso primeiro trabalho juntos. Fiquei com ele acho
que cinco anos. Depois ele me deu a oportunidade de trabalhar em ópera.
Ópera é uma outra escala. Você trabalha com uma parede de sete metros de DB: Brincando é a primeira das seis parcerias entre você na cenografia, o
altura. A cenografia ganha outras dimensões. Depois trabalhei com ele no Clóvis na direção de arte e a Rita Murtinho* nos figurinos.
projeto expográfico da 21ª Bienal Internacional de São Paulo. O Felippe foi
meu primeiro professor, mestre. VH: Eu conheci o Clóvis e a Rita no Brincando nos campos do Senhor. Tinha
uma coincidência do nosso olhar, dos três, muito grande. Da forma de ver as
DB: E a sua experiência com o Brincando nos campos do Senhor? coisas mesmo e isso a gente exercitou muito, tivemos oportunidade de fazer
vários filmes. Você me falou seis, eu não sabia... como você disse, além de
VH: O Brincando nos campos do Senhor foi um divisor de águas completo, em Brincando nos campos do Senhor…
que entendi outra dimensão do cinema. O Brincando nos campos do Senhor é
um épico e, como tal, em todas as direções. Então, a produção do Brincando: DB: Lamarca [Sérgio Rezende, 1994], Jenipapo [Monique Gardenberg,
balsas, construção de uma cidade, construção da oca no meio da mata. Foi 1996], O monge e a filha do carrasco, de Walter Lima Jr., 1996], A ostra e o vento
realmente onde eu pude ver, na nossa escala, a grandeza da produção do cinema, [Walter Lima Jr., 1997], Amor e cia [Helvécio Ratton, 1998]...
até que ponto podíamos chegar, o “pensa grande”, o grande ensinamento do
Hector, ele nos falava isso o tempo inteiro. E onde eu conheci o Clóvis, que VH: São filmes totalmente diferentes, com diretores diferentes, com estruturas
realmente mudou minha vida totalmente. Quem me levou para lá foi o Beto de produção diferentes, e essa equipe da arte se manteve. Teve também um
Mainieri, com quem eu já tinha trabalhado antes. Entrei para ser assistente quarto elemento que se repetiu em alguns desses projetos: Pedro Farkas na
do Beto, mas fui ficando, ficando... até acabar toda a parte que era do Beto, fotografia. Jenipapo, O monge e A ostra [Pedro Farkas também fez assistência
porque eu fui para fazer só a cidade cenográfica de Madre de Deus. Entrei de fotografia e direção de fotografia da segunda unidade em Brincando nos
para trabalhar na produção de objetos, minha única experiência nessa área, e campos do Senhor]. A Rita tem uma capacidade de leitura do personagem e da
fiz set durante os dois primeiros módulos. Porque eram três grandes módulos: dinâmica do percurso de cada personagem muito interessante, que o Clóvis
a cidade cenográfica, a missão e a oca indígena. A gente filmou durante muito tem também.
tempo, nem sei quanto tempo.
DB: Brincando, Jenipapo e O monge são marcados pelo fim da Embrafilme,
Eu me lembro de um dia em que o Clóvis chegou, estávamos quase para assim como pela opção de serem falados em outra língua. É um período bem
filmar no salão do hotel, e ele pediu para esperarmos, e entrou correndo, pegou característico na filmografia nacional. Temos desde A grande arte (Walter
um porta-talheres, tinham vários, no hotel, ali, e fez uma bagunça numa mesa, Salles, 1991) até Como nascem os anjos (Murilo Salles, 1996), passando por

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vários outros filmes. O objetivo era o mercado globalizado? O processo de DB: E os anos 1990...
realização dos filmes foi diferente? Teve alguma mudança que tenha exigido
um reposicionamento da direção de arte? VH: Nos anos 1990 eu fui trabalhar com o Clóvis Bueno. Fizemos o Lamarca,
e uma série de filmes com a turma da geração dele. Foi uma sorte para mim,
VH: Cada um desses filmes tem uma história particular que definiu a opção pois pude trabalhar com o Walter Lima Jr., o Hector, o Cacá Diegues.
pela língua estrangeira. O Brincando era uma produção norte americana – a Enfim, em filmes mais estruturados do que os que eu havia feito no início,
Saul Zaentz Co. O elenco principal era dos EUA, o projeto era internacional. com profissionais mais experientes e que vinham de uma outra história. Era
O Jenipapo foi uma opção da Monique como diretora. O personagem principal uma turma ligada ao Cinema Novo que continuava a produzir. Trabalhamos
era um jornalista estrangeiro. Ela optou em fazer o filme falado todo em também com pessoas que estavam começando, como a Eliane Caffé, que
inglês. O monge e a filha do carrasco era um projeto que nasceu no exterior. O fazia seu primeiro longa, o Kenoma [1998], além de diretores de geração
produtor também era norte americano e o elenco misturava atores americanos intermediária como o Sérgio Rezende e o Helvécio Ratton
e brasileiros. Não sei se foi uma tendência, mas de qualquer maneira havia um
movimento de globalização no mundo todo e também no cinema brasileiro. DB: Foi a retomada...

A direção de arte estava se estabelecendo como função essencial e transformando VH: Nos anos 1990 foi a retomada, passou o pesadelo Collor e o cinema foi
o modus operandi de toda a equipe. A relação entre diretores, fotógrafos e a se reerguendo aos poucos. O Lamarca entrou nessa onda da retomada. Se o
arte do filme se reconfigurava. Agora tínhamos três diretores trabalhando em Lamarca foi feito com muito pouco recurso – quase guerrilha, que tinha até a
posição mais equivalente. ver com o tema [risos] –, no A ostra e o vento a gente já tinha mais. A produção
já estava muito mais estabelecida com as leis de incentivo. O audiovisual
Eu acho que a gente pode explicar essa transformação em primeiro lugar por estava mais estruturado nos anos 1990. Eu via o audiovisual se fortalecendo e
uma iniciativa dos cenógrafos que atuaram desde os anos 1960 e também nos a posição do diretor de arte se estabelecendo.
1970, como cenógrafos-figurinistas, inaugurando a existência de uma visão
especializada sobre todos os aspectos visuais do filme. Os produtores e diretores Foi muito interessante ver como é que o Clóvis foi uma peça importantíssima
apoiaram essa iniciativa. Já falamos que a primeira vez que isso ocorreu foi por nesse empoderamento do diretor de arte. O Clóvis, o Marcos Flaksman,*
iniciativa do próprio diretor-produtor, no caso o Hector Babenco. Ao mesmo o Adrian Cooper... O Clóvis entrava em um filme e a primeira coisa que
tempo o cinema publicitário estava, nessa época, muito ligado à produção fazia era estabelecer seu espaço frente ao diretor de fotografia. Era uma luta
estrangeira, como falamos antes. Imagino que essa convivência influenciou cotidiana não só com o fotógrafo, mas com a produção, com o próprio diretor.
a adoção da função direção de arte, do production designer. Simultaneamente Essa posição do diretor de arte estava se desenhando pelos diretores de arte
tivemos muitos profissionais formados em meio universitário. Acho que, de em atividade. [Esse momento] provocou muita inquietação, porque eu via que
modo geral, as equipes de cinema passavam a ter mais “especialistas” e menos nas próprias equipes em que trabalhávamos ninguém entendia direito qual era
profissionais de funções múltiplas, como era comum nas décadas anteriores,
o nosso papel – do diretor de arte, do fotógrafo, do figurinista. O desrespeito
principalmente na arte. Foram movimentos simultâneos. O que eu vi acontecer
era frequente, a incompreensão dos papéis de cada um, desde a concepção
foi isso.
até a realização efetiva do projeto, uma constante. O cenógrafo já foi muito
confundido com o decorador, o figurinista com o estilista. A compreensão
Com a adoção da direção de arte, o departamento ganhou mais autonomia e
de que o desenho do espaço da cena e da visualidade de um filme é parte
provocou também uma reestruturação da equipe de produção. Imagino que
fundamental tanto da experiência do espectador como da construção da obra
facilitou o trabalho de todos.
e de cada profissional envolvido era rara. Muitos se confundiam pensando que
o conteúdo estava apenas na narrativa textual ou na eficiência fotográfica, que
No Cinema Novo, tinha uma vontade de encontrar a sua própria linguagem e
o projeto espaço-visual era algo supérfluo, decorativo, irrisório e... fácil.
através dela dialogar com o estrangeiro. Nos anos 1980, o que eu senti, foi uma
apropriação do sistema estrangeiro.

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Por isso fui dar aula, fui fazer a pesquisa que resultou no livro Arte em cena, DB: E a elaboração?
a direção de arte no cinema brasileiro. Por isso me coloquei ao lado de Clóvis
nesse enfrentamento, que na época era necessário. O Clóvis foi um guerreiro VH: A conceituação e a construção do projeto é bastante similar ao cinema.
nesse sentido, eu o vi brigar com produtor, com fotógrafo, até com diretores Na série você tem uma multiplicidade de diretores e de diretores de fotografia
pelo respeito ao espaço do diretor de arte. Me coloquei a campo pelo respeito como parceiros. Você não tem um diretor e um diretor de fotografia, como
ao cenógrafo. Nos filmes que fizemos nos anos 1990, a cenografia entrou no cinema. Normalmente, é um diretor de arte que faz a série inteira, um
como cartela de início, o que antes não acontecia. Foi uma conquista junto aos diretor de fotografia que é responsável por fazer a conceituação fotográfica
produtores. A gente tinha que provar e peitar isso. Acho que nossa parceria foi da série, mas a cada episódio tem um diretor de fotografia diferente. Tem
importante para o reconhecimento, um apoiava o outro nesse embate. até experiências, como o [diretor] Fernando Meirelles fez naquela série de
Brasília [Felizes para sempre, Rede Globo, 2015], se não me engano, em que
DB: A fotografia sempre teve uma primazia no cinema brasileiro. a ordem de filmagem era definida pela entrada em locação, não por episódio,
como é feito normalmente. Também estão sendo experimentadas diferentes
VH: A fotografia teve uma primazia no cinema brasileiro até chegar o formas narrativas. Por exemplo, eu fiz uma série agora que na verdade eram
monitor no set e até chegar esse conceito do tripé de direção da imagem: o seis curtas, porque cada episódio tratava de um universo completamente
diretor, o diretor de fotografia e o diretor de arte. Sem o trabalho de um, o do diferente do outro. O projeto, de Fabio Mendonça, já está na terceira edição.
outro se complica. É um tripé de pensamento e de realização. São fronteiras Começou como Destino São Paulo, depois Destino Rio de Janeiro e depois
que se permeiam, são parcerias em que um está dentro do trabalho do outro. Destino Salvador.
Essa dinâmica da equipe tendo esse novo elemento que é o diretor de arte
foi se construindo durante os anos 1990. Nos anos 1980 ela surge como uma Enfim, as séries são mais um campo de atuação para os profissionais do
necessidade tanto do profissional, da equipe, quanto da produção, todo mundo audiovisual em que se está experimentando estruturas narrativas e de produção
começa a perceber que aquilo faz sentido e nos anos 1990 ela se consolida. novas. A estrutura fundamental continua parecida com a do cinema, mas traz
elementos do mercado televisivo. É interessante e estimulante de fazer, mas
DB: Como foi fazer a direção de arte de uma série, a Filhos do carnaval [direção penoso.
geral de Cao Hamburger, 2006]?
DB: Então, não tem diferenças?
VH: Eu gosto muito de variar os suportes, acho importante. Cada projeto é
uma pesquisa. A série é algo entre cinema e novela. Atinge o espectador em VH: Acho que tem mais pontos em comum do que diferenças. É mais uma
sua casa ou em qualquer lugar em que esteja, e tem de prender sua atenção até experiência em que a gente lida com os mesmos instrumentos e a partir das
o próximo capítulo. Trabalha com o tempo de forma diversa do cinema. Não mesmas premissas. Então, não acho que tenha uma especialidade da direção
acontece em uma hora e meia ou três horas na sala escura. Tem de reconquistar de arte para série, uma especialidade para novela, para cinema. A gente está
o espectador a cada capítulo. Fazê-lo retomar ganchos que ficaram no ar de lidando com a linguagem do espaço e da visualidade em movimento em todos
um episódio a outro. Atualmente a estética das séries se aproxima da do eles.
cinema. Porém, como modo de produção é um pouco diferente. A mesma
equipe, ou às vezes uma equipe bem menor do que a que faria um longa, DB: Como deve ser o trabalho em direção de arte? O que alimenta esse
tem um tempo menor para preparação e filmagem. Não entendo muito bem trabalho?
porquê, mas tem sido assim. Apesar de atingir um grande número de pessoas
e produzir muito mais horas de material editado, seu orçamento é bem menor VH: A primeira coisa do trabalho é se apropriar do roteiro. E esse se apropriar
do que os longas. O trabalho é intenso, mais ainda do que no cinema. E,
quer dizer dirigir seu olhar na vida, quando você sai de casa, quando você abre
ao mesmo tempo, a comunicação com o espectador é diferente porque você
a porta... tudo o que você passa a fazer tem a ver com aquilo que você está
está realizando material para ser assistido em pequenos monitores, seja TV,
elaborando. A pesquisa? A pesquisa é tudo. Você começa a olhar para tudo
computador ou telefone.

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com olhar de quem está tentando compreender os caminhos que vão te levar portanto, enriquece o projeto, quando ele parte realmente da nossa própria
à criação de um universo particular pra aquele projeto. A partir do enredo e experiência como referência básica.
principalmente das intenções do projeto. O que se pretende com o projeto,
qual sua essência? A partir da análise do roteiro e das premissas básicas do A entrevista foi realizada nos dias 7 e 14 de dezembro de 2016 no apartamento
projeto você começa a trabalhar. O cinema vai muito além da história, da de Vera Hamburger em Pinheiros, na cidade de São Paulo.
narrativa, ele é uma experiência de corpo inteiro. Quando você trabalha com
direção de arte, está trabalhando com as diversas formas de percepção do seu
FILMOGRAFIA Deus é brasileiro, de Cacá Diegues
corpo, que interferem nas suas percepções cognitivas. Você provoca frio, calor, (longas-metragens)
sensação de peso, perigo, instabilidade, de repente, com uma cadeira, quando 2003
você escolhe uma cadeira onde o cara senta. Cenografia
VERA HAMBURGER Carandiru, de Hector Babenco

As matérias da direção de arte são matérias com as quais a gente convive 1987-1994 2004
Assistência de cenografia Direção de arte
no nosso dia a dia e cada um de nós tem uma experiência muito particular. O beijo 2348-72, de Walter Rogério Solo Dios sabe, de Carlos Bolado
Você está sentada nesse sofá que tem uma textura, tem um molejo, tem uma
posição, que te provoca um gesto ou outro. Então, quando a gente faz as nossas 1991 2007
Assistência de cenografia Direção de arte
escolhas na direção de arte, seja com relação à arquitetura, à paisagem, às cores, O corpo, de José Antônio Garcia Não por acaso, de Philippe Barcinski
texturas ou à organização dos objetos e pontos de ação do espaço, estamos Brincando nos campos do Senhor, de Hector Ó paí, ó, de Monique Gardenberg
Babenco El pasado, de Hector Babenco
provocando o ator e a câmera a ir por ali ou por aqui, pegar esse ponto de
vista ou aquele, mexer no vaso ou sentar na cadeira. O momento do projeto é 1994 2009
um momento em que vamos construindo a cena na nossa cabeça. Isso é o que Cenografia Direção de arte
Lamarca, de Sérgio Rezende Salve geral, de Sérgio Rezende
que nos norteia. A gente pensa 3D para chegar na imagem 2D, pretendendo
atingir a emoção daquele que nos vê. O objetivo do diretor de arte é instigar, 1995 2011
Cenografia Direção de arte
provocar o espectador, assim como o ator, o diretor e o fotógrafo. Vamos O menino maluquinho, de Helvécio Ratton Hoje, de Tata Amaral
lidando com as nossas escolhas de forma a criar um percurso de experiência. É
um percurso narrativo, mas é um percurso da experiência global, que envolve 1996 2014
Cenografia Direção de arte
todas as formas de percepção do ser humano em simultaneidade. Jenipapo, de Monique Gardenberg Os homens são de Marte e é prá lá que eu vou, de
O monge e a filha do carrasco, de Walter Lima Marcus Baldini
Jr.
DB: Quais trabalhos em direção de arte te despertam atenção? Algum trabalho 2016
como referência, influência? 1997 Direção de arte
Cenografia Do outro lado, de Luiz Villaça
A ostra e o vento, de Walter Lima Jr.
VH: Foi na prática que eu fui me formando na profissão, aprendendo e 2017 (previsão)
pesquisando. Nunca fui cinéfila, eu fui uma permanente estudiosa, uma 1998 Direção de arte
Cenografia O homem perfeito, de Marcus Baldini
permanente curiosa. A minha grande referência foram as pessoas com que Amor e cia, de Helvécio Ratton
eu convivi e o trabalho, o fazer. Não só os profissionais de cinema, mas com a Kenoma, de Eliane Caffé
população da cidade de Araçuaí [Minas Gerais], que nos ajudou a construir a 1999
máquina do moto perpetuo de Kenoma [nome da cidade fictícia que dá título Direção de arte
ao filme], por exemplo. Cada projeto me lança numa grande dúvida de como com Clóvis Bueno em Castelo Rá-Tim-Bum,
o filme *Relacionamos a seguir as filmografias
encontrá-lo. A cada projeto percorro caminhos de pesquisa diferentes. Vou (longas-metragens) dos profissionais citados
construindo os repertórios formais de cada produção de modo não linear. Eu 2002 na entrevista que atuam no departamento de
Direção de arte Arte, exceto a de Clóvis Bueno, que consta ao
acredito que a gente constrói um método de trabalho que nos enriquece e, Uma onda no ar, de Helvécio Ratton final do texto na seção Homenagem.

172 173
ADRIAN COOPER ANÍSIO MEDEIROS Cenografia 2000
Parceiros da aventura, de José Medeiros Cenografia
1986 1968 Contos eróticos (episódio “O arremate”), de com Maria Helena Alvarenga e Mônica
Direção de arte Cenografia e figurinos Eduardo Escorel, Roberto Santos, Joaquim Rochlin em Amélia, de Ana Carolina
Marvada carne, de André Klotzel Capitu, de Paulo César Saraceni Pedro de Andrade e Roberto Palmari
2001
Cenografia 1969 1982 Cenografia
Sonho sem fim, de Lauro Escorel Filho Cenografia e figurinos Memórias póstumas, de André Klotzel
Cenografia e figurinos
Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade com Pedro Nicolao Nanni Amor e traição, de
1987-1995 2004
Direção de arte Pedro Camargo
1970 Direção de arte
Prova de fogo, de Marco Altberg
O judeu, de Jom Tob Azulay Cenografia, vestuário e consultoria de cor Vida de menina, de Helena Solberg
É Simonal, de Domingos de Oliveira
Cenografia 1984
2001 Cenografia e figurinos
Direção de arte Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa, de FELIPPE CRESCENTI
Roberto Farias Noites do Sertão, de Carlos Alberto Prates
Memórias póstumas, de André Klotzel Correia 1982
Uma vida em segredo, de Suzana Amaral 1972 Cenografia e figurinos
Cenografia 1986 cenografia com Jefferson Albuquerque e
2003 Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Direção de arte figurinos com Tania Magaldi em Asa branca,
Direção de arte Andrade A dança dos bonecos, de Helvécio Ratton um sonho brasileiro, de Djalma Limongi
Jogo subterrâneo, de Roberto Gervitz O rei do Rio, de Fábio Barreto Batista
com Francisco Andrade em Desmundo, de 1973
Alain Fresnot Cenografia e figurinos 1989 1985
Joanna Francesa, de Cacá Diegues Direção de arte, cenografia e figurinos Cenografia
2005 O pica-pau amarelo, de Geraldo Sarno O grande mentecapto, de Oswaldo Caldeira O beijo da mulher aranha, de Hector Babenco
Direção de arte
1974 1998 1986
O coronel e o lobisomem, de Maurício Farias Cenografia e figurinos Cenografia e figurinos Cenografia
A estrela sobe, de Bruno Barreto Tiradentes, de Oswaldo Caldeira Brasa adormecida, de Djalma Limongi Batista
2006
Direção de arte 1975 1989
Batismo de sangue, de Helvécio Ratton Cenografia e figurinos Cenografia
Guerra conjugal, de Joaquim Pedro de BETO MAINIERI Fogo e paixão, de Isay Weinfeld e Márcio
2009 Andrade Kogan
Direção de arte 1986
O menino da porteira, de Jeremias Moreira 1976 Cenografia
Filho Cenografia e figurinos Marvada carne, de André Klotzel FRANCISCO ANDRADE
Lição de amor, de Eduardo Escorel
Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno 1987-1995 1986
2010 Barreto Cenografia
Direção de arte Cenografia
O judeu, de Jom Tob Azulay com Cristiano Amaral em Anjos da noite, de
Quincas Berro d´Água, de Sérgio Machado 1977 Wilson Barros
Cenografia e figurinos
2011 Ajuricaba, o rebelde da Amazônia, de Oswaldo 1991 1988
Direção de arte Caldeira Cenografia Cenografia
Capitães de areia, de Cecília Amado Cenografia Brincando nos campos do Senhor, de Hector A dama do Cine Shangai, de Guilherme
Coronel Delmiro Gouveia, de Geraldo Sarno Babenco Almeida Prado
2014
1978 1994 1998
Direção de arte Cenografia e figurinos Direção de arte e cenografia Direção de arte
O segredo dos diamantes, de Helvécio Ratton Amor bandido, de Bruno Barreto Caminho dos sonhos, de Lucas Amberg
Capitalismo selvagem, de André Klotzel
2015 1980 1999
Direção de arte e cenografia 1998
Cenografia e figurinos Direção de arte
Prova de coragem, de Roberto Gervitz Bye, Bye, Brasil, de Cacá Diegues, Direção de arte Hans Staden, de Luiz Alberto Pereira
Le Comptoir, de Sophie Tatischeff

174 175
2003 Como era gostoso o meu francês, de Nelson 1991 Se eu fosse você 2, de Daniel Filho
Direção de arte Pereira dos Santos Direção de arte Tempos de paz, de Daniel Filho
com Adrian Cooper em Desmundo, de Alain Os Trapalhões e a árvore da juventude, de José Budapeste, de Walter Carvalho
Fresnot 1973 Alvarenga Jr.
Cenografia e figurinos 2010
2005 com Julio Costa em São Bernardo, de Leon 1994 Direção de arte
Direção de arte Hirszman Direção de arte e assistência de direção High School Musical: O desafio, de Cesar
Tapete vermelho, de Luiz Alberto Pereira Barrela, de Marco Antonio Cury Rodrigues
Cabra-cega, de Toni Venturi 1976
Cenografia e figurinos 1997 2011
2006 Xica da Silva, de Cacá Diegues Direção de arte Direção de arte
Direção de arte O que é isso companheiro?, de Bruno Barreto Não se preocupe, nada vai dar certo, de Hugo
Doze horas até o amanhecer, de Eric Eason 1984 Carvana
Cenografia e figurinos 2000
2008 Quilombo, de Cacá Diegues Direção de arte
Direção de arte Villa-Lobos, uma vida de paixão, de Zelito 2013
Olho de boi, de Hermano Penna Vianna Direção de arte
MARCOS FLAKSMAN Casa da Mãe Joana 2, de Hugo Carvana
2011 2001 Confissões de adolescente, de Daniel Filho e
Direção de arte 1967 Direção de arte Chris D´Amato
As doze estrelas, de Luiz Alberto Pereira Cenografia e figurinos A partilha, de Daniel Filho
Garota de Ipanema, de Leon Hirszman O Xangô de Baker Street, de Miguel Faria 2015
O vestido, de Paulo Thiago Direção de arte
LUIZ CARLOS RIPPER 1968 Art director Sorria, você está sendo filmado, de Daniel Filho
Cenografia A garota do Rio, de Christopher Monger Linda de morrer, de Chris D´Amato
1967 com Vicente Más em Brasil, ano 2000, de Mike Bassett: O treinador inglês, de Steve O duelo, de Marcos Jorge
Cenografia e figurinos Walter Lima Jr. Barron Chico: artista brasileiro, de Miguel Faria Jr.
El Justicero, de Nelson Pereira dos Santos
Fome de amor, de Nelson Pereira dos Santos 1980 2003 2016
Cenografia Cenografia Direção de arte Direção de arte
Cara a cara, de Júlio Bressane Os sete gatinhos, de Neville D´Almeida Benjamim, de Monique Gardenberg É Fada!, de Chris D´Amato
1998 1984 2004
Cenografia Art director Direção de arte PATRÍCIO BISSO
Papai trapalhão, de Victor Lima Feitiço do Rio, de Stanley Donen Sexo, amor e traição, de Jorge Fernando
Balada da página três, de Luiz Rosemberg 1985
Filho 1985 2005 Figurinos
Figurinos e assistência de cenografia Art director Direção de arte O beijo da mulher aranha, de Hector Babenco
Brasil, ano 2000, de Walter Lima Jr. A floresta das esmeraldas, de John Boorman O veneno da madrugada, de Ruy Guerra
Se eu fosse você, de Daniel Filho
Vinícius, de Miguel Faria Jr. 1986
1969 1986
Cenografia e vestuário Production designer Figurinos
Os herdeiros, de Cacá Diegues Selva viva, de Christopher Cain 2006 Brasa adormecida, de Djalma Limongi Batista
Ruas de ouro, de Joe Roth Direção de arte
1970 com Daniel Flaksman em Irma Vap, o retorno, 1990
Cenografia e figurinos 1987 de Carla Camurati Figurinos
Azyllo muito louco, de Nelson Pereira dos Production designer Casa da Mãe Joana, de Hugo Carvana Naked Tango, de Leonard Schrader
Santos Running Out Of Luck, de Julien Temple Zuzu Angel, de Sérgio Rezende
Cenografia e vestuário 1988
A vingança dos doze, de Marcos Farias Art director 2007 RÉGIS MONTEIRO
Luar sobre parador, de Paul Mazursky Direção de arte
1971 Primo Basílio, de Daniel Filho 1964
Cenografia e figurinos 1990 A grande família, de Maurício Farias Cenografia e figurinos
Pindorama, de Arnaldo Jabor Direção de arte e cenografia Ganga Zumba, de Cacá Diegues
Faustão, de Eduardo Coutinho O mistério de Robin Hood, de José Alvarenga 2009 Cenografia
Pesquisa etnográfica Jr. Direção de arte Crime do Sacopã, de Roberto Pires

176 177
1965 1975 2002 1997
Cenografia Cenografia Cenografia Figurinos
A falecida, de Leon Hirszman A lenda do Ubirajara, de André Luiz Oliveira Poeta de sete faces, de Paulo Thiago A ostra e o vento, de Walter Lima Jr.
Ana, a libertina, de Alberto Salvá
1966 1997-2015
Cenografia 1976 RITA MURTINHO Figurinos
ABC do Amor (episódio “O Pacto”), de Cenografia Chatô, o Rei do Brasil, de Guilherme Fontes
Eduardo Coutinho, Rodolfo Kuhn e Hélvio Marília e Marina, de Luiz Fernando Goulart
Souto Simbad, o marujo trapalhão, de J. B. Tanko 1982
1998
O Trapalhão no Planalto dos Macacos, de J. B. Cenografia e figurinos Figurinos
1967 Tanko O sonho não acabou, de Sérgio Rezende Amor e cia, de Helvécio Ratton
Cenografia Soledade - a bagaceira, de Paulo Thiago
Entre o amor e o cangaço, de Aurélio Teixeira 1983 2000
Em busca do tesouro, de Carlos Alberto de 1977 Figurinos em Bar Esperança, de Hugo Figurinos
Souza Barros Cenografia e figurinos Carvana Bufo & Spallanzani, de Flávio R. Tambellini
Morte e vida severina, de Zelito Viana
1968 1984 2001
Cenografia e figurinos 1978 Figurinos em Cavalinho azul, de Eduardo Figurinos
Como vai, vai bem?, de Alberto Salvá, Cenografia e figurinos Escorel Vestido de noiva, de Joffre Rodrigues
Carlos Abreu, Carlos Camayrano; Daniel O cortiço, de Francisco Ramalho Jr.
Chutorianscy, Valquíria Salva, Paulo Cenografia 1985 2002
Veríssimo A lira do delírio, de Walter Lima Jr. Figurinos em Tensão no Rio, de Gustavo Figurinos
O homem que comprou o mundo, de Eduardo Madame Satã, de Karim Aïnouz
Coutinho 1979 Dahl
Cenografia Cenografia e figurinos 2006
A vida provisória, de Maurício Gomes Leite As borboletas também amam, de J. B. Tanko 1986 Figurinos
Inquietações de uma mulher casada, de Alberto Direção de arte e figurinos em O homem da Anjos do sol, de Rudi Lagemann
1969 Salvá capa preta, de Sérgio Rezende
Cenografia Cenografia Figurinos 2010
Máscara da traição, de Roberto Pires Na boca do mundo, de Antonio Pitanga Sonho sem fim, de Lauro Escorel Filho Figurinos
Meu nome é Lampião, de Mozael Silveira Amante latino, de Pedro Carlos Rovai A suprema felicidade, de Arnaldo Jabor
Tempo de violência, de Hugo Kusnet 1988
1981 Figurinos 2011
1970 Figurinos Romance da empregada, de Bruno Barreto Figurinos
Cenografia Os saltimbancos trapalhões, de J. B. Tanko, Heleno, de José Henrique Fonseca
Pedro Diabo ama Rosa Meia-Noite, de Miguel Dedé Santana, Adriano Stuart 1991
Faria Jr. Figurinos 2016
1982 Figurinos
1971 Cenografia e figurinos Brincando nos campos do Senhor, de Hector
Babenco Meu amigo hindu, de Hector Babenco
Cenografia e vestuário Álbum de família, de Braz Chediak
Aventuras com o Tio Maneco, de Flávio
Migliaccio 1983 1992
Cenografia Cenografia e figurinos Figurinos
Como era gostoso o meu francês, de Nelson Escalada da violência, de Milton Alencar Jr. O curandeiro da selva, de John McTiernan
Pereira dos Santos
1986 1994
1972 Direção de arte Figurinos
Cenografia e figurinos Pedro Mico, de Ipojuca Pontes Lamarca, de Sérgio Rezende
Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor
1988 1996
1973 Cenografia Figurinos
Cenografia e figurinos Imagens do inconsciente, de Leon Hirszman Jenipapo, de Monique Gardenberg
Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana
Cenografia 2001 O monge e a filha do carrasco, de Walter Lima
Perpétuo contra o esquadrão da morte, de Direção de arte Jr.
Miguel Borges Nelson Gonçalves, de Elizeu Ewald As meninas, de Emiliano Ribeiro

178 179
A ostra e o vento (Walter Lima Jr., 1997), direção de arte de Clóvis Bueno e cenografia de Vera Hamburger Kenoma (Eliane Caffé, 1998), direção de arte de Clóvis Bueno e cenografia de Vera Hamburger

Orfeu (Cacá Diegues, 1999), direção de arte de Clóvis Bueno e colaboração de Vera Hamburger no projeto cenográfico Castelo Rá-Tim-Bum, o filme (Cao Hamburger, 1999), direção de arte de Clóvis Bueno e Vera Hamburger

180 181
HOMENAGEM

182 183
CLÓVIS BUENO:
Sempre me perguntam: “como é a sua pesquisa para fazer um filme?”. Meu
deus do céu!!! [risos] Eu fiz uns dois, três filmes sobre cadeia: Carandiru, Pi-
xote, O beijo da mulher aranha – aí todo mundo pergunta: como é a pesquisa?
A pesquisa é a seguinte: eu já fui preso, fiquei quase um ano preso [risos]. A

A DIREÇÃO DE ARTE
pesquisa vem da vida, mesmo... 5

Clóvis prega a imaginação, a emoção, o ato criador, a individualidade de quem

COMO FRUTO DA VIVÊNCIA cria e a singularidade de cada cena que é criada.

***
RODRIGO BOUILLET
Clóvis Bueno nasce em Santos, em 1940. Por volta dos sete anos de idade, toca
piano em uma rádio. Apresenta-se com teatro de bonecos em asilos e escolas,
faz teatro na igreja. Como estudante, opta pela Engenharia Metalúrgica,
Assim como em tudo, e na arte em particular, não existe uma regra ou um cri-
tério ortodoxo de como devem ser as coisas. Para mim as coisas podem ser de momento em que conhece Fauzi Arap, também da engenharia, só que civil.
todas as maneiras possíveis. Há infinitas maneiras de se fazer uma obra prima, Foi Fauzi que o apresentou aos grupos Arena e Oficina, dos quais era ator.
você pode pesquisar, programar, projetar, ou então não fazer nada disso.1

Clóvis não fazia nada disso. Segundo Hector Babenco, sua opção por convocá- Nesse momento, virada para a década de 1960, o Teatro de Arena (fundado em
lo para a direção de arte de Carandiru explica-se assim: “Para um trabalho 1953) encena, com direção de José Renato, as peças Eles não usam black-tie (de
desta magnitude, num clima de improvisação e demência, só o Clóvis”.2 Gianfrancesco Guarnieri, 1958) e Revolução na América do Sul (de Augusto
Boal, 1960); e, com direção de Augusto Boal, Chapetuba Futebol Clube (de
Declara-se avesso à ideia da pesquisa e da tecnologia como aspectos Oduvaldo Vianna Filho, 1959), Gente como a gente (de Roberto Freire, 1959),
determinantes para uma boa direção de arte. Reconhece-os como ferramentas Fogo frio (de Benedito Ruy Barbosa, 1960) e O testamento do cangaceiro (de
à disposição, como tantas outras. Que devem, sim, ajudar e facilitar os trabalhos, Francisco de Assis, 1961).
mas que nunca podem aprisioná-los.
A primeira participação de Clóvis em uma peça é a encenação de Verde
Mesmo que se trate de um assunto social, de denúncia [...], estamos sempre
contando uma história. [...] Então, quando contamos uma história, não é ques- que te quero verde, em 1960, com autoria de Federico García Lorca, roteiro
tão de enfeitar ou glamorizar, mas de emprestar a emoção, que você tem a sua de Aldomar Conrado, direção de Amir Haddad, pela Companhia Maria
visão da história. Você não é aquela história do Brecht ou do Stanislavski… A Fernanda, na qual fica responsável pela cenografia.6 No ano seguinte, pelo
gente tem um aspecto crítico, mas o Brecht sozinho não funciona, ele fica frio…
Tem de ter a convivência entre a crítica e a emoção da coisa. A emoção não é Teatro Oficina (fundado em 1958 por Amir Haddad, José Celso Martinez
fruto de pesquisa, é fruto de vivência.3 Corrêa, Fauzi Arap, entre outros), atua e assina a cenografia e os figurinos (com
João Alberto Uriartt) da peça José, do parto à sepultura, escrita por Augusto
Então, para Orfeu, vale o tempo em que viveu na favela do Vidigal (“favela Boal, com direção de Antônio Abujamra. Em 1962, Eugênio Kusnet passa a
não é uma coisa que tá no livro, ela tá ali, no lado da gente”);4 para os filmes integrar a companhia como ator e ministrando aulas.
ambientados em prisões:

1
Clóvis apoia os trabalhos iniciais do grupo Decisão (Antônio Abujamra,
“Diretor de arte de O observador de pássaros concede entrevista exclusiva ao Dourados News”. Dourados News,
18/9/2007. Caderno Cultura. Disponível em: <http://www.douradosnews.com.br/arquivo/diretor-de-arte-de-o-
Antônio Ghigonetto e Emilio di Biasi), de forte influência brechtiana. No
observador-de-passaros-concede-entrevista-exclusiva-ao-dourados-news-930ab488b09c2eac730c67cc0cf1af2a>.
(Acesso em 25/1/2017) 5
BUNGARTEN, Vera. A imagem cinematográfica: convergências entre design e cinema. Tese de Doutorado, Pós-
2
CARVALHO, Mario Cesar. Carandiru: registro geral. São Paulo: Editora Wide, 2003. graduação em Design, PUC-Rio, 2013. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/22953/22953_1.
3
Entrevista com Clóvis Bueno no programa Sala de Cinema, Sesc TV, 2010. Disponível em: <http://contraplano. PDF>. (Acesso em 25/1/2017)
sesctv.org.br/entrevista/clovis-bueno>. (Acesso em 25/1/2017) 6
Enciclopédia Itaú Cultural: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa14165/clovis-bueno>. (Acesso em
4
Ibidem. 25/1/2017)

184 185
ano de estreia do grupo, 1963, atua em Terror e miséria do III Reich, do autor Em 1967, participa da montagem de Homens de papel, com autoria de Plínio
alemão, com direção de Abujamra, ao lado de Sérgio Mamberti e Glauce Marcos e direção de Jairo Arco e Flexa, pelo já tradicional Teatro Maria Della
Rocha. Costa (TMDC), assinando cenografia e figurino. No ano seguinte, tem sua
estreia em longa-metragem, na assistência de direção do colega Francisco
O cinema, nesse período, chega através do cineclubismo.7 Clóvis, Francisco Ramalho Jr. em Anuska, manequim e mulher. Em 1969 vem a primeira direção
Ramalho Jr. e José Américo Viana já constituíam um grupo e filmavam em teatral, com a premiada Fala baixo senão eu grito, com autoria de Leilah
super-8. Com a chegada de João Batista de Andrade e de uma câmera Paillard Assumpção e tendo Marília Pêra e Paulo Villaça no elenco, que ficou três
16mm, em 1963, fundam o Grupo Kuatro de Cinema. Certa vez, disse que anos em cartaz. A parceria com Leilah é repetida em Jorginho, o machão, o qual
adorava as chanchadas, mas que foram as obras da geração do Cinema Novo rende um curta-metragem também sob sua direção.9
que instigaram seu envolvimento com o cinema.
Em 1971, dirige A última peça, de José Vicente (de Hoje é dia de rock e O assalto),
Em 1964, pelo Teatro Popular Nacional, de Ruth Escobar, participa de duas interpretada por Ricardo Petraglia e os Tigres da Noite (grupo composto
das quatro peças da companhia: A farsa do mestre Patelin, escrita por um por Sergio Mamberti, Clovis Bueno, Mitota, Seme Lufti, Ezequiel Neves,
anônimo francês medieval, com direção de Cláudio Mamberti, na qual assina Cláudio Mamberti, Vivian Mamberti e Zé Brasil). Sobre ela, o crítico Sábato
cenografia e figurino, e também atua ao lado de Mamberti e Escobar; e A pena Magaldi escreve:
e a lei, de autoria de Ariano Suassuna, dirigida por Antônio Abujamra, em que
é somente ator, com Fauzi Arap e Ary Toledo. Vendo tanta gente que se formou no teatro declamado se esbaldar na música,
minha vontade era a de esquecer a desagradável função de crítico e ir para
o palco, para me divertir também com um instrumento. Gostosa brincadeira,
Na memória de João Batista: relaxada e repousante, sem nenhum compromisso com regras ou intenções.10
Nós começamos a filmar, nesse ano de 1963, dois projetos quase que consecu- Com o dinheiro vindo do sucesso de Fala baixo senão eu grito, vai viajar.
tivamente: um documentário sobre os catadores do lixão paulista e outro sobre
o TPN – Teatro Popular Nacional, criado pela Ruth Escobar e que apresentava Fiquei três anos na Inglaterra e na França. Isso mudou muito a minha cabeça,
espetáculos de teatro numa estrutura ambulante montada numa “jamanta” (ca- então eu saí desse sufoco político aqui e encontrei na Inglaterra o auge do
minhão de carroceria tipo baú e muito grande). Nós filmamos muita coisa do rock’n roll, da revolução hippie, isso não tinha chegado aqui ainda e eu caí de
lixão, mas não tínhamos muita noção de estrutura. O material se acumulava, joelho, caí de boca. Quando eu cheguei no Brasil, nos anos 70, eu tinha outra
um pouco sem destino. O filme ficou inacabado, destruído na sede da UEE cabeça e não tinha mais cabeça para fazer coisa de teatro. Mas aí já tinha um
(União Estadual dos Estudantes) depois da invasão do CCC (Comando de certo prestígio em ter dirigido coisas de sucesso e ainda fiz algumas coisas, eu
Caça aos Comunistas), durante o golpe militar. O filme era financiado por uma estava muito louco assim, fiz umas peças que não deram certo, que interessavam
pessoa muito especial: a Assunção Hernandes, em nome do Movimento de a um público muito restrito…
Cultura Popular, da UEE de São Paulo.
Fiz uma motocicleta para ir aos Estados Unidos e acabei sendo preso no meio
Quanto ao filme da Ruth Escobar, esse também ficou inacabado. A Ruth pa- do caminho, voltei, comprei uma Kombi, fiquei dois anos viajando de Kombi,
trocinava o filme, que serviria para ela procurar apoios financeiros para o pro- fui até o Alaska. Quando eu voltei desta aventura toda, eu resolvi fazer cinema.
jeto. Nós fomos filmando e ela ia pagando, devagar. E a gente ia continuando, Conhecia muita gente da área, diretor de teatro e tal, tinha contato com todo
seguindo a “jamanta” pelos bairros e nos divertindo com as palhaçadas e piadas mundo.11
do ator Ary Toledo, no Auto do novilho roubado, de Ariano Suassuna. Tendo um
material mínimo para uma primeira montagem, montamos o filme. A Ruth
marcou então um dia para que mostrássemos o filme em sua casa: ali estariam Em 1976, faz a cenografia de Quarteto, de autoria de Antônio Bivar e direção
várias autoridades (falava-se de Jânio, Faria Lima e outros peso-pesados). O de Ziembinski, no Teatro Ipanema. Naquela fase do teatro de Rubens Corrêa
filme chegou a ser exibido, numa improvisada banda dupla com projetor e gra- e de Ivan Albuquerque, a maioria dos cenários e figurinos era concebida por
vador.
Anísio Medeiros, com espaço para nomes como Hélio Eichbauer e Luiz
E nós não conseguimos mais finalizar o filme. O copião montado ainda foi vis- Carlos Ripper. Nessa trajetória teatral, vale registrar o encontro de Clóvis com
to por gente como o Jean-Claude Bernadet que já era uma de nossas referências
cinematográficas em São Paulo. Mas depois, com o abandono do projeto, o 9
material foi literalmente mastigado pelas pequenas filhas do Ramalho.8 Filmografia Brasileira da Cinemateca Brasileira (Ministério da Cultura): <http://bases.cinemateca.gov.br/>.
(Acesso em 25/1/2017)
10
STEEN, Edla van e VENDRAMINI, José Eduardo (orgs.). Amor ao teatro: Sábato Magaldi. São Paulo: Edições
7
RAMOS,Fernão e MIRANDA,Luiz Felipe (orgs.).Enciclopédia do cinema brasileiro.São Paulo: Editora SENAC,2000. SESC, 2015.
8 11
Site João Batista de Andrade: <http://www2.uol.com.br/joaobatistadeandrade/index.htm>. (Acesso em 25/1/2017) “Diretor de arte de O observador de pássaros concede entrevista exclusiva ao Dourados News”, op. cit.

186 187
Flávio Império (que integra o Arena a partir de 1958 e o Oficina em 1962) FILMOGRAFIA 1988
e Anísio Medeiros (Oficina em 1963, Decisão em 1965, Ipanema em 1970). (longas-metragens) Direção de arte
Feliz ano velho, de Roberto Gervitz
A primeira cenografia em cinema vem com a pornochanchada metalinguística Cenografia
Luz, cama, ação!, do “amigo de maluquices” Cláudio MacDowell, em 1976. CLÓVIS BUENO O mistério no Colégio Brasil, de José Frazão
Trabalha em apenas outros três filmes até realizar cenografia e figurinos 1976 1989
de Pixote, a lei do mais fraco, 1980, de Hector Babenco, diretor com quem Cenografia e figurinos Direção de arte
estabeleceu o maior número de parcerias. Reeditaram o encontro mais quatro O pai do povo, de Jô Soares Doida demais, de Sérgio Rezende
Cenografia Cenografia
vezes: O beijo da mulher aranha, 1985; Brincando nos campos do Senhor, 1991; Luz, cama, ação!, de Cláudio MacDowell Jorge, um brasileiro, de Paulo Thiago
Carandiru, 2003; e Meu amigo hindu, 2016. Também esteve de forma mais
recorrente com Walter Lima Jr. (O monge e a filha do carrasco, 1996; A ostra e 1978 1991
Cenografia e figurinos Direção de arte
o vento, 1997; Os desafinados, 2008; Através da sombra, 2016), Paulo Thiago O escolhido de Iemanjá, de Jorge Durán Brincando nos campos do Senhor, de Hector
(Águia na cabeça, 1984; Jorge, um brasileiro, 1989; Vagas para moças de fino trato, Babenco
1993) e Sérgio Rezende (Doida demais, 1989; Lamarca, 1994; Onde anda você, 1980
Cenografia e figurinos 1992
2003). Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco Production designer
Cenografia Kickboxer 3: A arte da Guerra, de Rick King
Contudo, seus maiores parceiros profissionais são Vera Hamburger (cenógrafa), O torturador, de Antônio Calmon
Rita Murtinho (figurinista) e Pedro Farkas (fotógrafo). Essa escalação, 1993
1981 Direção de arte e cenografia
especificamente, está presente em seis longas-metragens da década de 1990 Cenografia e figurinos Vagas para moças de fino trato, de Paulo Thiago
– Brincando nos campos do Senhor, Lamarca, Jenipapo (Monique Gardenberg, Fruto do amor, de Milton Alencar Jr.
Cenografia 1994
1996), O monge e a filha do carrasco, A ostra e o vento, Amor e Cia. (Helvécio O sequestro, de Victor Di Mello Direção de arte
Ratton, 1998) – deixando impressa uma certa visualidade para a direção de Lamarca, de Sérgio Rezende
arte do então recente período chamado de “retomada” do cinema brasileiro. 1982
Cenografia e figurinos
com Nara Cardoso em Índia, a filha do sol, de 1995
Fábio Barreto Direção de arte
Clóvis escreve o roteiro de Os três palhaços e o menino (Milton Alencar Jr., O menino maluquinho, de Helvécio Ratton
1983), mas só em 2005 dirige (com Paulo Betti) seu primeiro longa-metragem, 1983
Cafundó. No mesmo ano, afirma ter outro projeto para longa-metragem, Cenografia e figurinos 1996
intitulado No fim todo mundo morre. Incitado, talvez, pela transitoriedade Viagem ao céu da boca, de Roberto Mauro Direção de arte
Aventuras de um Paraíba, de Marco Altberg As meninas, de Emiliano Ribeiro
e impermanência das coisas, como sempre destacava. Em 2014, anuncia o Os três palhaços e o menino, de Milton Alencar Jenipapo, de Monique Gardenberg
projeto de rodar, com Josmar Bueno Jr., uma cinebiografia do pugilista Jr. O monge e a filha do carrasco, de Walter Lima
sergipano José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, com Babu Santana Jr.
1984
como protagonista principal.12 Cenografia 1997
Águia na cabeça, de Paulo Thiago Direção de arte
Clóvis Bueno parte em sua Kombi, repleta de vivências e emoções, em 25 de A ostra e o vento, de Walter Lima Jr.
1985
junho de 2015. Direção de arte 1998
O beijo da mulher aranha, de Hector Babenco Direção de arte
Eu venho de uma formação totalmente espontânea, nunca tive por objetivo ser Costume designer Amor e cia, de Helvécio Ratton
nada na vida, sempre estive disponível para as coisas acontecerem. [...] Dizem A floresta das esmeraldas, de John Boorman Kenoma, de Eliane Caffé
que o mais importante de tudo é a vida. E a arte, no fundo, é um jeito de a gente
expressar o mistério da vida.13 1986 1999
Direção de arte Direção de arte
A cor do seu destino, de Jorge Durán com Vera Hamburger em Castelo Rá-Tim-
12
“Ator que viveu Tim Maia será Maguila no cinema e terá de perder 25 kg”. Uol, 30/10/2014. Disponível em: Cenografia e figurinos Bum, o filme, de Cao Hamburger
<https://esporte.uol.com.br/boxe/ultimas-noticias/2014/10/30/ator-que-viveu-tim-maia-sera-maguila-no-cinema- A hora da estrela, de Suzana Amaral Orfeu, de Cacá Diegues
e-tera-de-perder-25-kg.htm>. (Acesso em 25/1/2017)
13
Semana ABC da Associação Brasileira de Cinematografia, 2014, mesa 12. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=-Lp9NYDLhik&t=794s >. (Acesso em 25/1/2017)

188 189
2002
Direção de arte
Lara, de Ana Maria Magalhães
2003
Direção de arte
Onde anda você, de Sérgio Rezende
Carandiru, de Hector Babenco
2004
Direção de arte
A dona da história, de Daniel Filho
2007
Direção de arte
Os porralokinhas, de Lui Farias
O magnata, de Johnny Araújo
O homem que desafiou o diabo, de Moacyr
Góes
2008
Direção de arte
Os desafinados, de Walter Lima Jr.
Terra vermelha, de Marco Bechis
O incrível Hulk, de Louis Letterrier (cenas
rodadas no Brasil)
2009
Direção de arte
Lula, o filho do Brasil, de Fábio Barreto
2012
Direção de arte
As aventuras de Agamenon, o repórter, de
Victor Lopes

2016
Direção de arte
Através da sombra, de Walter Lima Jr.
Designer de produção
com Caroline Schamall, Isabel Xavier, Luís
Oliveira e Clissia Morais em Meu amigo
hindu, de Hector Babenco, 2016

Todas as informações, créditos e datas (de


lançamento) dos filmes foram colhidas
na base de dados Filmografia Brasileira,
da Cinemateca Brasileira (Ministério da
Cultura). Disponível em: http://bases.
cinemateca.gov.br

190 191
Clóvis Bueno
FILMES

192 193
BRAZA DORMIDA, DE HUMBERTO MAURO, 1928, 98MIN

Cenografia: Paschoal Ciodaro


Desenhos de letreiros de apresentação: Silvio de Figueiredo

Luis Soares, estroina carioca, é contratado por Carlos Silva para a gerência de sua usina no interior de
Minas Gerais. O rapaz conhece Anita, filha do usineiro, e a paixão é à primeira vista. Ressentido, Pedro
Bento, funcionário demitido que Luis vem substituir, passa a escrever cartas ao ex-patrão denunciando
o namoro. Carlos Silva afasta sua filha da usina, mas o namoro prossegue em segredo. Pedro não desiste
de sua vingança.

Produtora: Phebo Brasil Filme


Distribuidora: Universal Pictures do Brasil S.A.
Produção: Agenor Cortes de Barros; Homero Cortes Domingues
Direção e roteiro: Humberto Mauro
Direção de fotografia: Edgar Brasil
Elenco: Nita Ney (Anita Silva), Luis Soroa (Luis Soares), Máximo Serrano (Máximo), Pedro Fantol
(Pedro Bento), Rosendo Franco (empregado antigo).

194 195
MARIDINHO DE LUXO, DE LUIZ DE BARROS, 1938, 87MIN

Cenografia: Alcebíades Monteiro Filho


Carpintaria: Alexandrino Castro; Joaquim Pereira; José Queiroz; Gabriel Queiroz; Arthenio Barossi
Responsável por construções: Alcebíades Monteiro Filho; Alceu Rodrigues
Cabelo: João Bráulio
Maquiagem: Diva de Assis

Patrícia é uma moça rica e mimada. O pai faz-lhe todas as vontades, até mesmo quando ela resolve
“comprar um marido”. Um anúncio no jornal atrai diversos pretendentes. O escolhido é Marcos, que
viu na proposta uma bela forma de conseguir dinheiro fácil. O contrato, no entanto, estipula que deve
submeter-se a todos os caprichos da noiva. No começo Marcos aguenta as idiossincrasias, mas aos
poucos vai revoltando-se com a situação. Quando percebem, as coisas estão em um rumo diferente do
planejado pelos dois.

Produtora: Cinédia
Distribuidora: D.F.B. - Distribuidora de Filmes Brasileiros Ltda.
Produção: Adhemar Gonzaga
Direção e roteiro: Luiz de Barros
Direção de fotografia e câmera: Afrodísio P. Castro
Direção de som e sonografia: Hélio Barrozo Netto
Montagem: Luiz de Barros
Direção musical: Ernani Amorim
Coreografia: Valery Oiser
Elenco: Maria Amaro (Patrícia), Ana de Alencar (Zélia), Lúcia Lamour (segundo papel feminino),
Maria Lina (Tia Clementina), Oscar Soares (Sr. Castro, pai), Rodolpho Mayer (amigo de Marcos),
Carlos Barbosa (Cacholote, mordomo de Marcos), Arnaldo Coutinho (Ernesto), Augusto Annibal (juiz
de casamento), Bandeira Duarte (Secretário Barbosinha), Candido Botelho, Carlos Ruel (mordomo de
Patrícia), Mesquitinha (Marcos), Fada Santoro (no casamento, atrás da noiva), Maria Lisboa (empregada
de Anna).

196 197
24 HORAS DE SONHO, DE CHIANCA DE GARCIA, 1941, 100MIN

Cenografia: Hipólito Collomb


Figurinos: Iracema Gomes Marques
Carpintaria: Francisco Silva; Carlos Ferreira; Pedro Mário;
Maquiagem: Fernando de Barros

Clarice tenta se matar pulando do alto de um morro do Rio de Janeiro, mas é impedida por um policial.
Na beira da praia, ela pega o táxi de Cícero. No caminho, escutam um programa de rádio que promove
o concurso “Mulher Sherlock”, cuja vencedora receberá 100 mil-réis de prêmio. Ela se inscreve, vence,
e os dois saem para comemorar. Clarice lhe diz que planeja se suicidar no dia seguinte, e ele sugere que
ela transforme em 24 horas de sonho seu último dia de vida.

Produtora e distribuidora: Cinédia


Produção: Adhemar Gonzaga
Argumento: Joracy Camargo
Direção: Chianca de Garcia
Direção de fotografia: George Fanto
Direção de som: Hélio Barrozo Netto
Música: Arthur Brosmans
Elenco: Dulcina de Moraes (Clarice, baronesa das Torres Altas), Odilon Azevedo (Roberto Rei),
Oscarito, Aristóteles Pena (Cícero, taxista), Laura Suarez (Princesa Merly de Aubignon), Sadi Cabral
(gerente do hotel), Paulo Gracindo (diretor da rádio).

198 199
CARNAVAL ATLÂNTIDA, DE JOSÉ CARLOS BURLE, 1952, 92MIN

Cenografia: Martim Gonçalves


Cenografia (números musicais): Pablo Olivo
Figurinos: Gilda Bastos
Figurinos (números musicais): Osvaldo Mota
Assistência de cenografia e figurinos: Maria de Souza
Contrarregra: Arnóbio Carvalho
Maquiagem: Paulo Carias
Assistência de maquiagem: Raymundo Campesatto

Piro e Miro são dois malandros que apresentam ao dr. Cecílio B. de Milho, produtor da Acrópoles
Filmes, o argumento de uma chanchada carnavalesca. O produtor emprega os dois como faxineiros.
Decidido a realizar seu filme sério, dr. Cecílio contrata o professor Xenofontes, um especialista em
história antiga. Mas a dupla não vai desistir tão facilmente assim.

Produtora: Atlântida
Distribuidora: U.C.B. - União Cinematográfica Brasileira
Gerência de produção: Guido Martinelli
Roteiro: José Carlos Burle; Berliet Jr.; Victor Lima
Direção: José Carlos Burle
Direção de fotografia: Amleto Daissé
Técnicos de som: Aloisio Viana; Jesus Narvaez; Ercole Baschera
Montagem: Wilson Monteiro
Direção musical: Lirio Panicalli
Elenco: Oscarito (Prof. Xenofontes), Grande Otelo (Miro), Cyll Farney (Augusto), Eliana (Regina),
José Lewgoy (Conde de Verdura), Colé (Piro), Renato Restier (Cecílio B. de Milho), Wilson Grey
(adestrador de pulgas), Iracema Vitória (Aurélia), Carlos Alberto, Blecaute, Francisco Carlos, Bill
Farr, Nora Ney, Dick Farney, Orquestra de Chiquinho, Aurélio Teixeira. Participação especial: Maria
Antonieta Pons (Lolita).

200 201
AGULHA NO PALHEIRO, DE ALEX VIANY, 1952, 97MIN

Cenografia: Alcebíades Monteiro Filho


Assistência de cenografia: Boris Carlow
Contrarregra: Manoel Rocha
Construção de cenário: Nathan Giraldes
Esculturas e pinturas: Ayres Baldissara
Cabelo: Yolanda Bianchi
Costura e guarda-roupa: Julieta Lombardo; Amelia Paula

Mariana é uma jovem do interior de Minas Gerais que parte para o Rio de Janeiro em busca de um
homem que a seduziu e a engravidou. Mas o malandro lhe deu o endereço falso, tendo ela como
referência apenas uma foto. Hospedada na casa de sua tia, no subúrbio carioca, ela se depara com as
dificuldades de viver na cidade grande, vendo que encontrar seu marido no Rio é como buscar uma
agulha em um palheiro.

Produtora: Flama Produtora Cinematográfica


Distribuidora: Unida Filmes
Produção: Moacyr Fenelon
Gerência de produção: Raymundo Higino
Direção e roteiro: Alex Viany
Direção de fotografia: Mário Pagés
Sonografia: Luiz Braga Jr.
Montagem: Rafael Justo Valverde; Mário Del Rio; Alex Viany; Cláudio Santoro
Direção musical: Cláudio Santoro
Elenco: Fada Santoro (Mariana), Jackson de Souza (Baiano), Roberto Bataglin (Eduardo), Sarah Nobre
(Dona Adalgisa, mãe de Elisa), Dóris Monteiro (Elisa), Hélio Souto ( José da Silva).

202 203
UMA CERTA LUCRÉCIA, DE FERNANDO DE BARROS, 1957, 75MIN

Cenografia: Pierino Massenzi
Construção: José Dreuss
Guarda-roupa: Oswaldo Mota
Maquiagem: Ernesto Dagostinho

Uma costureira, às voltas com uma fantasia em forma de gôndola veneziana, sonha que é Lucrécia Bórgia
em meio à disputa de poder pelo trono que envolve seu pai, seu irmão, seu marido e mesmo sua camareira.

Produtora: Companhia Cinematográfica Serrador


Distribuidora: Cinedistri
Produção: Florentino Llorente
Produtor associado: Oswaldo Massaini
Argumento e diálogos: Thalma de Oliveira
Roteiro: Fernando de Barros; José Cañizares
Direção: Fernando de Barros
Direção de fotografia: Mario Pagés
Som: Juarez Dagoberto da Costa
Técnico de gravações: Ernst Hack
Montagem: José Cañizares
Trilha musical: Enrico Simonetti
Coreografia: Ismael Guizer
Elenco: Dercy Gonçalves (Lucrécia), Odete Lara ( Júlia), Aurélio Teixeira (César), José Parisi
(Aragão), Luciano Gregory (Manuel e Maquiavel), Ana Maria Nabuco (Cosetta), Eugenio Kusnet
(Alexandre), Maurício Nabuco (Leonardo), Labiby Madi (Mme. Trejoli), Mauro Mendonça
(Michele), Ruth Prado (Aia), Joana D’Arc (Aia), Yolanda Cardoso (Aia), Americo Taricano (Sicaro),
Nelson Mengarelli (amigo de Aragão), Lyris Castellani (bailarina cigana).

204 205
EL JUSTICERO, DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS, 1967, 80MIN

Cenografia e figurinos: Luiz Carlos Ripper

As aventuras políticas e sexuais de um bon-vivant burguês, cuja biografia está sendo filmada por um
amigo jornalista.

Produtora e distribuidora: Condor Filmes


Produção: Nelson Pereira dos Santos
Direção e roteiro: Nelson Pereira dos Santos
Direção de fotografia: Hélio Silva
Direção de som: Sidney Paiva Lopes; Luiz Carlos Carneiro
Montagem: Nello Melli; Raimundo Hygino
Música: Carlos Monteiro de Souza
Elenco: Arduino Colasanti (El Justicero), Emanuel Cavalcanti (Lenine), Adriana Prieto (Ana Maria),
Marcia Rodrigues (Araci), Rosita Tomás Lopes (Mãe de Ana Maria), Selma Caronezzi, Otávio José,
Luiz Carlos Carneiro, Emilson Froes, Otavio Matesco (General), Germano Filho, Marilia Branco,
Maria Rodrigues, Olga Danicht, Tânia Scheer, Antonio Carnera, Ronaldo Canto e Mello, Zózimo
Bulbul.

206 207
TERRA EM TRANSE, DE GLAUBER ROCHA, 1967, 105MIN

Supervisão artística: Paulo Gil Soares


Figurinos de época: Clovis Bornay
Modelos: Danuza Leão e Guilherme Guimarães

O jornalista e poeta Paulo Martins oscila entre diversas forças políticas que lutam pelo poder no fictício
país de Eldorado: Porfírio Diaz, um líder de direita e político de tradição, Felipe Vieira, líder populista
e demagógico, e Julio Fuentes, poderoso empresário dono de um império de comunicação. Dividido
entre a poesia e a política, Paulo agoniza sem conseguir solucionar as incoerências de Eldorado e as suas
próprias contradições.

Produtora: Mapa Produções Cinematográficas


Distribuidora: Difilm - Distribuição e Produção de Filmes Brasileiros Ltda.
Produção: Zelito Viana
Direção e roteiro: Glauber Rocha
Direção de fotografia: Luiz Carlos Barreto
Engenharia de som: Aloisio Viana
Montagem: Eduardo Escorel
Música original: Sérgio Ricardo
Elenco: Jardel Filho (Paulo Martins), Paulo Autran (Porfirio Diaz), José Lewgoy (Felipe Vieira),
Glauce Rocha (Sara), Paulo Gracindo ( Julio Fuentes), Hugo Carvana (Álvaro), Danuza Leão (Silvia),
Jofre Soares (Padre Gil), Modesto de Souza (senador), Francisco Milani (Aldo, assessor de Vieira),
Echio Reis (Marinho), Mário Lago (Capitão), Flavio Migliaccio (homem do povo), Maurício do Valle
(segurança de Vieira), Paulo César Pereio (estudante, assessor de Vieira), Thelma Reston (esposa de
Felício), Emanuel Cavalcanti (Felício), José Marinho ( Jerônimo) e Zózimo Bulbul (repórter).

208 209
MACUNAÍMA, DE JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE, 1969, 108MIN

Cenografia e figurinos: Anísio Medeiros


Objetos especiais: Pedro Louzada
Guarda-roupa: Magdalena de Albuquerque
Maquiagem: Ronaldo Abreu
Assistência de maquiagem: Márcia Vasconcelos

No fundo da mata virgem nasce Macunaíma. Depois de adulto, deixa o sertão. Na cidade, estranha e
hostil, envolve-se com a guerrilheira Cy e inúmeras outras mulheres, enfrentando o vilão milionário
Venceslau Pietro Pietra, na busca de reconquistar a pedra mágica que herdara de Cy, o muirakitã.

Produtoras: Difilm; Filmes do Serro; Grupo Filmes; Condor Filmes


Distribuidoras: Difilm; Condor Filmes; Embrafilme
Direção e roteiro: Joaquim Pedro de Andrade
Direção de fotografia: Guido Cosulich
Direção de som: Juarez Dagoberto Costa; Walter Goulart
Montagem: Eduardo Escorel
Música de: Mário de Andrade; Orestes Barbosa; Silvio Caldas; Geraldo Nunes; Antonio Maria; Heitor
Villa-Lobos; Borodin; Strauss; Sady Cabral; Jards Macalé
Elenco: Grande Otelo (Macunaíma preto), Paulo José (Macunaíma branco e mãe), Jardel Filho (Gigante
Wenceslau Pietro Pietra), Milton Gonçalves ( Jigué), Dina Sfat (Cy), Rodolfo Arena (Maanape), Joana
Fomm (Sofará), Maria do Rosário (Iriqui), Rafael de Carvalho (Curupira).

210 211
TUDO BEM, DE ARNALDO JABOR, 1978, 110MIN

Cenografia e figurinos: Hélio Eichbauer


Guarda-roupa: Cacilda Fernandes
Carpintaria: Cosme Sacramento
Maquiagem: Antonio Pacheco

Juarez é um aposentado e pai de família de classe média cercado pelos fantasmas de amigos que
morreram. Sua esposa, Elvira, não aceita sua impotência e acredita que ele tenha uma amante. A filha do
casal só pensa em comprar roupas e o filho é um executivo oportunista. Quando Elvira resolve reformar
o apartamento e um bando de operários passa a conviver com a família, o pandemônio e a mistura de
tipos se completam.

Produtora: Sagitário Produções


Distribuidora: Embrafilme
Produção executiva: Arnaldo Jabor
Roteiro: Arnaldo Jabor; Leopoldo Serran
Direção: Arnaldo Jabor
Direção de fotografia e câmera: Dib Lutfi
Som direto: Vitor Raposeiro
Montagem: Gilberto Santeiro
Seleção musical: Arnaldo Jabor
Elenco: Fernanda Montenegro (Elvira), Paulo Gracindo ( Juarez), Maria Silvia (Aparecida de Fátima),
Zezé Motta (Zezé), Stênio Garcia (Zeca Maluco), José Dumont (Piauí), Anselmo Vasconcellos
(Washington), Regina Casé (Vera Lúcia), Luiz Fernando Guimarães (Zé Roberto), Fernando Torres
(Giacometti). Participações especiais: Paulo Cesar Pereio, Wellington Botelho e Alvaro Freire.

212 213
O BEIJO DA MULHER ARANHA, DE HECTOR BABENCO, 1985, 120MIN

Direção de arte: Clóvis Bueno


Cenografia: Felipe Crescenti
Figurinos: Patricio Bisso
Assistência de arte: Berta Segall, Miqui Stédile; Solange Magerowski, Cecilia Ribeiro
Contrarregra: Nanci Audi
Cabelo: Nilda de Moura
Cabelo (Sônia Braga): Marco Simon
Maquiagem: Nena de Oliveira
Maquiagem (Sônia Braga): Guilherme Pereira
Costureiras: Therezinha Ferreira; Jacira Marciano
Costureira (Sônia Braga): Zezé Braga
Guarda-roupa: Marico Kawamura

No presídio de um país latino-americano não especificado, dois prisioneiros ensaiam uma difícil
convivência. Um deles, Molina, é um homossexual condenado por corrupção de menores. O outro,
Valentin, é um militante político. Noite após noite, Molina reconstitui as lembranças de um filme. Os
delírios cinematográficos de um e os sofrimentos físicos do outro vão, pouco a pouco, aproximá-los.

Produtora: HB Filmes
Produção: Hector Babenco; David Weisman
Roteiro: Leonard Schrader
Direção: Hector Babenco
Direção de fotografia: Rodolfo Sanchez
Direção de som: Ismael Monteiro
Montagem: Mauro Alice
Música: John Neschling
Elenco: William Hurt (Luis Molina), Raul Julia (Valentim Arregui), Sônia Braga, (Marta/Leni
Lamaison/Mulher Aranha), José Lewgoy (diretor do presídio), Nuno Leal Maia (Gabriel, o garçom)
Miriam Pires (mãe de Molina), Milton Gonçalves (Pedro, inspetor de polícia), Patrício Bisso (Greta,
amigo de Molina), Fernando Torres (Américo, prisioneiro político), Herson Capri (Werner).

214 215
ANJOS DA NOITE, DE WILSON BARROS, 1986, 98MIN

Direção de arte: Cristiano Amaral


Cenografia: Cristiano Amaral; Francisco Andrade
Figurinos: Mariza Guimarães
Produção de cenografia: Léa Van Steen
Produção de figurinos: Selene Gonçalves
Assistência de cenografia: Duto Simões; Ana Maria Abreu; Tânia Mills
Maquiagem: Maria Antônia Lombardi
Maquiagem de efeito: Darcy
Costureira: Cícera Slama
Guarda-roupa: Mariko Kawamura
Painel: Marcos Sachs
Cenotécnica: Pinicão
Equipe extra de cenografia: Renatão, Juracy e Miltinho

Um vasto painel fragmentado sobre uma noite da metrópole. Uma série de pessoas – uma ex-manequim
negra, um diretor teatral, um homossexual, uma atriz decadente, um gigolô, um transformista, uma
estudante de sociologia, um sujeito misto de gangster e delegado corrupto, entre outras – estão
relacionadas com dois crimes aparentemente gratuitos e impunes até o amanhecer.

Produtora: Superfilmes
Distribuidora: Embrafilme
Produção executiva: André Klotzel; Zita Carvalhosa
Direção e roteiro: Wilson Barros
Direção de fotografia: José Roberto Eliezer
Montagem: Renato Neiva Moreira
Música: Sérvulo Augusto
Elenco: Zezé Motta (Malú), Antônio Fagundes ( Jorge), Marco Nanini (Guto), Chiquinho Brandão
(Lola, Mauro), Aida Leiner (Milene), Cláudio Mamberti (Fôfo), Aldo Bueno (Bimbo), Ana Ramalho
(M. Clara), José Rubens Chachá (Leger), Apresentando: Guilherme Leme (Teddy). Atores convidados:
Sérgio Mamberti e Arrigo Barnabé. Participação especial: Marília Pêra (Marta Brum).

216 217
SUPER XUXA CONTRA O BAIXO ASTRAL, DE ANA PENIDO E DAVID
SO, 1988, 100MIN

Direção de arte: Yurika Yamazaki Xuxa desperta a ira do vilão Baixo Astral
Figurino Xuxa: Alda Meneghel quando chama os baixinhos para uma campanha
Maquiagem: Antonio Pacheco para colorir o mundo. O vilão então sequestra
Assistência de arte: Eugênio Luiz seu cachorro Xuxo, que tem que enfrentar os
Assistência de cenografia: Oswaldo Lioi frequentes assédios de Titica e Morcegão, os
Estágio em cenografia: André Scalazzari assistentes de Baixo Astral. Acompanhada da
lagarta Xixa, Xuxa enfrenta diversas armadilhas
Assistência de produção de cenografia: Claudia
para recuperar o cão.
Tenemblat
Estágio em produção de cenografia: Monica Produtoras: DreamVision; Yan Arte e
Rochin Comunicação
Cenotécnica: José Luiz Cristofaro; Catatau Distribuidoras: DreamVision; V. Prod.; Grupos
Adereços: Sérgio Silveira Severiano Ribeiro; Wermar
Assistência de adereços: Sandra Guarani; Paula Produção: Diler Trindade
Bastos Cruz Roteiro: Anna Penido
Assistência de figurino: Sandro Dutro; Natália Direção: Anna Penido e David Sonnenschein
Stefamenico Direção de fotografia: Nonato Estrela
Camareira: Ana Rosa Direção de som: David Sonnenschein
Costureiras: Maria Vandete da Silva; Ivone Montagem: Vera Freire; Carlos Cox
Contrarregra: Teko Música: Michael Sullivan; Paulo Massadas; Anna
Penido
Assistência de cenografia - filmagens
Elenco: Maria da Graça Meneghel (Super
complementares: Charles Pagani
Xuxa), Jonas Torres (Rafa), Paolo Pacelli (Thico),
Cabelo: Renato David Alves Roberto Guimarães (Morcegão), Guilherme
Cabelo Xuxa: Márcia Regina Elias; Fátima Karan (Baixo Astral), Participação especial:
Lisboa Henriqueta Brieba (Vó Cascadura).

218 219
A OSTRA E O VENTO, DE WALTER LIMA JR., 1997, 109MIN

Direção de arte: Clóvis Bueno


Cenografia: Vera Hamburger
Figurinos: Rita Murtinho
Cabelo e maquiagem: Ana Van Steen
Assistência de cenografia: Ana Paula Guimarães; Rosa Freire; Luciana Lamounier
Estágio em cenografia: Maria Farkas
Contrarregra: Sérgio Albuquerque
Cenotécnica: Olber Leão; Chiquinho
Assistência de figurino: Flávia Cole
Camareira: Ana Rosa

A jovem Marcela, seu pai José e o velho vivem na ilha dos Afogados, em meio às aves e ao som do vento
que sopra permanentemente. Nesta solidão, Marcela torna-se adolescente e descobre seu corpo. Sozinha
e de imaginação fértil, Marcela cria Saulo, um ser fictício que acaba adquirindo tal realidade que domina
a moça, os dois velhos e a própria ilha.

Produtora: Ravina
Distribuidora: Riofilme
Produção: Flávio R. Tambellini
Direção e roteiro: Walter Lima Jr.
Direção de fotografia: Pedro Farkas
Direção de som: Márcio Câmara
Montagem: Sérgio Mekler
Música: Wagner Tiso
Elenco: Lima Duarte ( José), Fernando Torres (Daniel), Floriano Peixoto (Roberto), Castrinho (Pepe),
Débora Bloch (Mãe), Arduino Colasanti (Marinheiro Magari), Apresentando: Leandra Leal (Marcela).

220 221
KENOMA, DE ELIANE CAFFÉ, 1998, 110MIN

Direção de arte: Clóvis Bueno Distribuidora: Riofilme


Cenografia: Vera Hamburger Produção: Alain Fresnot
Figurinos: Moacyr Gramacho Roteiro: Luiz Alberto de Abreu; Eliane Caffé
Maquiagem: Gabi Moraes Direção: Eliane Caffé
Assistência de cenografia: Vinícius Andrade Direção de fotografia: Hugo Kovensky
Preparação de objetos: Ana Paula Guimarães; Técnico de som: Nério Barberis
Claudia Veloso Montagem: Idê Lacreta
Estágio em cenografia: Patrícia Rabat Direção musical: Marco Antonio Guimarães
Contrarregra: Magrão Elenco: José Dumont (Lineu), Enrique Diaz
Cenotécnica: José Pupe; Lázaro Ferreira; Manoel ( Jonas), Jonas Bloch (Gerônimo), Mariana Lima
Silva; Titão; Valdir Fernandes (Tari), Matheus Nachtergaele (Pedro), Eliana
1ª Assistência de figurino: Yara Vasconcelos Carneiro (Helena).
2ª Assistência de figurino: Mariana de Oliveira
Fresnot
Camareira: Auxilia Maria de Toledo
Costureiras: Ana Maria Vogesanger; Irma; Maria
Cecília dos Santos; Tia Nice

Obcecado em construir um moto-perpétuo,


o artesão Lineu dedica todo seu esforço nesta
empreitada. Com o auxílio de Jonas, um forasteiro,
Lineu acelera a construção pois Gerônimo,
o proprietário do terreno onde se encontra a
máquina, necessita do local para desenvolver seu
projeto de modernização do povoado de Kenoma.

Produtora: A. F. Cinema e Vídeo

222 223
ORFEU, DE CARLOS DIEGUES, 1999, 110MIN

Direção de arte: Clóvis Bueno Orfeu é um jovem líder de Escola de Samba, seu
Cenografia: Cláudio Amaral Peixoto principal poeta e compositor. Morador de uma
Colaboração projeto cenográfico: Vera Hamburger favela, ele se apaixona perdidamente quando
Figurinos: Emília Duncan conhece a bela Eurídice, jovem que acaba de
Maquiagem: Luis Michelotti se mudar para o local. Mas entre eles existe
Assistência de cenografia: Ricardo Ferreira, Olinto Lucinho, chefe do tráfico local, que irá modificar
Produção de arte: Zilda Moschkovich, Ana Anet; drasticamente a vida de ambos.
Luís Costa, Marcello Duarte, Claudia Velloso
Pintura de arte: Ruço, João Bueno Produtora: Rio Vermelho
Pinturas de Maicol: Celinho do Cantagalo Produção: Renato de Almeida Magalhães; Paula
Estágio em cenografia: Simone Aquino Lavigne
Ajudante de cenografia: Nilo Bellezia Direção e roteiro: Cacá Diegues
Contrarregra: Magrão Direção de fotografia: Affonso Beato
Assistente de contrarregra: Ana Tati, Joca Direção de som: Tom Paul
Cenotécnica favela cenográfica: Bahia Montagem: Sérgio Mekler
Cenotécnica estúdio: João dos Santos Fernandes Trilha musical: Caetano Veloso
e equipe Elenco: Toni Garrido (Orfeu), Patrícia França
Assistência de figurino: Patrícia Monteiro; (Eurídice), Murilo Benício (Lucinho), Zezé
Luciana Cardoso Motta (Conceição), Milton Gonçalves (Inácio),
Alfaiate: Alexandre Brasil Isabel Fillardis (Mira), Maria Ceiça (Carmem),
Costureira: Maria Helena Stepan Nercessian (Pacheco), Silvio Guindane
Camareiros: Ana Rosa; Renatinho (Maicol), Castrinho (Oswaldo), Sérgio Loroza
Assistência de maquiagem: Edna Soares (Coice), Rui Polanah (Velho da Jumelice), Cássio
Equipe de cabelo e maquiagem: Cristina Gabus Mendes (Pedro), Léa Garcia (Mãe de
Mont’Serrat, Helena D’Araújo, Inês D’Araújo Maicol).
Cabelo Patrícia França: Jean Yves

224 225
CASTELO RÁ-TIM-BUM, O FILME, DE CAO HAMBURGER, 1999,
108MIN

Direção de arte: Clóvis Bueno e Vera Hamburger O menino e aprendiz de feiticeiro, Nino, de 300
Figurinos: Verônica Julian anos, vive em um castelo encantado com seus tios
Maquiagem e cabelo: Fábio Namatame e mentores: Morgana, a poderosa feiticeira, e o
Assistência de arte: Tieko Irii Doutor Vitor, o grande sábio feiticeiro. O Castelo
Coordenação de cenografia: Ana Paula Guimarães e seus tios, porém, estão ameaçados pela maldição
Produção de cenografia: Paschoal Samora, Flávio da bruxa Losângela. Somente através do livro
“Carin” Frederico de encantamentos é que Nino poderá se tornar
Assistência de cenografia: Ana Tatit, Cláudia um verdadeiro feiticeiro, para então salvá-los.
Gama Entretanto, o livro de Nino continua em branco.
Produção de objetos: Patrícia Perla
Assistência de produção de objetos: Adriana Tada Produtora: Columbia, Sony Pictures, A. F. Cinema e Vídeo
Coordenação cenotécnica: Pupe, Lázaro Distribuidora: Columbia
Adereços: Beto Paiva, José Carlos Couto Produção: Van Fresnot, Alain Fresnot, Cao
Pintura de arte: Akira Gote, Bia Pessôa Hamburger
base: Cidinho de Souza Roteiro: Cao Hamburger, José Rubens Chachá,
Assistência de cenografia: Andres Sandova, Joe José Carvalho de Azevedo, João Emanuel
Ogassawara, Marcelo Temponi Carneiro Silva, Fernando Bonassi, Victor Mavas
Contrarregra: Magrão e Anna Muylaert
Assistência de projeto e construção: José G. Direção: Cao Hamburger
Silveira Jr. Direção de fotografia: Marcelo Durst, George de
Maquetes: Sérgio Macedo Genevraye
1ª Assistência de figurino: Juliana Prysthon Técnico de som: Romeu Quinto
2ª Assistência de figurino: Foquinha Montagem: Michael Ruman
Modelista: Kazuê Arimoto Noritake Música: Lulu Camargo
Produção de figurino do baile: Mariza Guimarães Elenco: Marieta Severo (Losângela), Rosi Campos
Camareira: Yuki Uemura (Morgana), Sérgio Mamberti (Dr. Vitor), Pascoal
1ª Assistência de maquiagem: Oswaldo Pires da Conceição (Abobrinha), Mayara Constantino
2ª Assistência de maquiagem: Gabi Moraes (Cacau), Oscar Neto (Ronaldo), Leandro Léo
Cabelo: Emy Sato ( João). Apresentando: Diegho Kozievitch (Nino).

226 227
A FESTA DA MENINA MORTA, DE MATHEUS NACHTERGAELE,
2008, 110MIN

Direção de arte: Renata Pinheiro Produtora: Bananeira Filmes


Cenografia: Karen Araújo Distribuidora: Imovision
Figurinos: Kika Lopes Produção: Vânia Catani
Maquiagem: Marquinhos Freire Roteiro: Matheus Nachtergaele; Hilton Lacerda
Produção de arte e objetos: Ananias de Caldas Direção: Matheus Nachtergaele
Contrarregra: Rodrigo Neves Direção de fotografia: Lula Carvalho
Assistente de contrarregra: Chingo; Cleidinaldo Técnico de som: Paulo Ricardo Nunes
Santos Montagem: Karen Harley; Cao Guimarães
Cenotécnica: Márcio Frank Fernandes Trilha musical: Matheus Nachtergaele
Estágio em arte: Dayanne Elenco: Aninha Bimba (mãe da Menina Morta),
Adereços: D. Mariana Bitta Catão (Cabocla), Cássia Kiss (Mãe),
Assistência de figurino: Masta Ariane Conceição Camarotti (Das Graças), Daniel de
Estágio Rio de Janeiro: Fofa Oliveira (Santinho), Dira Paes (Diana), Douglas
Costureira Rio de Janeiro: Nena Rocha Teixeira (Índio Breaker), Ednelza Sahdo (Tia),
Costureira Barcelos: Glória Francisco Mendes (Anderson), Jackson Antunes
Camareiras: Marenice; Edelna (Pai), Juliano Cazarré (Tadeu), Laureane Gomes
Assistência de maquiagem e cabelo: Cris Malta (Lúcia), Papaguara (Seu Ciço), Paulo José (Padre).

Há 20 anos uma pequena população ribeirinha


do alto Amazonas comemora a Festa da Menina
Morta. O evento celebra o milagre realizado por
Santinho, que após o suicídio da mãe recebeu em
suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do
vestido de uma menina desaparecida. A menina
jamais foi encontrada, mas o tecido rasgado
e manchado de sangue passa a ser adorado e
considerado sagrado. A festa cresceu indiferente à
dor do irmão da menina morta, Tadeu.

228 229
TRABALHAR CANSA, DE JULIANA ROJAS E MARCO DUTRA, 2011, 99MIN

Direção de arte: Fernando Zuccolotto Cenotécnica: Abiel Martins Gois, Aparecido


Cenografia: Luana Demange do Carmo Camargo, Benedito Luiz Camargo,
Figurino: Graciela Martins Daniel Bernardes dos Santos, Paulo Sérgio de
Maquiagem: Rosemary Paiva Souza, Vanderlei Donizete Zacari, Wilson Pereira
Assistência de arte: Joana Rougier de Souza Filho
Produção de arte: Ronald Kashima
Assistência de produção de arte: Sachais Couto A jovem dona de casa Helena resolve realizar
Produção de objetos: Isabella Yumi um desejo antigo e abrir seu primeiro
Assistência de produção de objetos: André Saito empreendimento: um minimercado. Ela contrata a
Peças gráficas: Andrea Lorca empregada doméstica Paula para tomar conta das
Contrarregra: Chiquinho Ribeiro tarefas do lar e de Vanessa, sua filha. Quando seu
Assistente de contrarregra: Fernando Pirata marido, Otávio, perde o emprego como gerente
Ajudantes de arte: Caio, Daniel Rodrigues dos em uma grande corporação, as relações pessoais e
Santos, Elton Hipólito, Fernando Reimberg, de trabalho entre os três personagens sofrem uma
Flavinho, Kraftman, Rogel Campos dos Santos inversão inesperada, ao mesmo tempo em que
Construção de cenários: Equipe Gaúcho ocorrências perturbadoras passam a ameaçar os
Serralheria: Paulão negócios de Helena.
Pintura: Clayton Torres Andrada, Jorge Robério,
Nilson Teodoro de Freitas, Walteliton Santos Produtora: Dezenove Som e Imagens
Costa Produtoras associadas: África Filmes e Filmes do
Efeitos: Martão Caixote
Assistência de figurino: Inaê Luz Distribuidora: Polifilmes
Camareira: Maria de Lourdes Amorim Produção: Maria Ionescu; Sara Silveira
Costureira: Sueli Ribeiro de Aguiar Direção e roteiro: Juliana Rojas; Marco Dutra
Adereços “A besta”: Dimitre Kuriki e equipe Direção de fotografia: Matheus Rocha
Assistência de maquiagem: Bruna dos Santos Som direto: Gabriela Cunha
Montagem: Caetano Gotardo
EQUIPE PAULÍNIA Elenco: Helena Albergaria (Helena), Marat
Assistência de produção de arte: Ivi Vitoriano Descartes (Otávio), Naloana Lima (Paula),
Ribeiro Marina Flores (Vanessa), Lilian Blanc (Inês),
Assistência de objetos: Marcelo Gabbania Gilda Nomacce (Gilda), Thiago Carreira
Camareira: Ana Lea Moreira (Ricardo), Hugo Villacenzio ( Jorge), Clarissa
Assistência de maquiagem: Priscila D’Elia Kiste (Márcia), Daniela Smith (Samanta).

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BRUNA SURFISTINHA, DE MARCUS BALDINI, 2011, 108MIN

Direção de arte: Luiz Roque Aos 17 anos, Raquel se sente desajustada na


Cenografia: Dani Vilela escola, onde é ridicularizada pelos colegas, e
Figurinos: Letícia Barbieri em casa, onde vive em conflito com a família.
Maquiagem: Gabi Moraes Um dia, a menina de classe média toma uma
Produção de arte: Ana Paula Guimarães decisão surpreendente: virar garota de programa.
Produção de objetos: Stella Paiva De ingênua e desajeitada, ganha fama nacional
Assistência de cenografia: Helga Queiroz quando, com o nome Bruna Surfistinha, passa
Assistência de produção de objetos: Amanda de a contar em um blog suas aventuras sexuais e
Stéfani afetivas como garota de programa.
Assistência de produção de arte: Caio Muniz
Contrarregra: João Ricardo Produtora: TVZero
Cenotécnica: Gaúcho e Equipe, Oscar Gustavo Coprodutoras: Damasco Filmes; RioFilme;
Perez, Aleixo - Pigari Cenografia Telecine
Pintura: Adão Sir Ávila de Almeida e Equipe, Distribuidora: Imagem Filmes
Clayton Torres Andrada Produção: Roberto Berliner; Rodrigo Letier;
Serralheria: Gildo Batista Reis de Santana Marcus Baldini
Assistência de figurino: Andresa Moraes, Flavia Roteiro: José Carvalho; Homero Olivetto;
Lhacer Antonia Pellegrino
Camareira: Lúcia Teodoro Direção: Marcus Baldini
Cabelo: Aurialex Mota Direção de fotografia: Marcelo Corpanni
Assistência de maquiagem e cabelo: Roger Ferrari Som direto: Louis Robin
Consultoria de cabelo: Emi Sato Edição de som: Miriam Biderman; Ricardo Reis
Colaboração maquiagem: Marcos Ribeiro, Rachel Montagem: Manga Campion; Oswaldo Santana
Ramos, Valter Paixão Correia, Jô Castro Trilha sonora: Gui Amabis; Rica Amabis; Tejo
Equipe Arte Paulínia Damasceno
Cenotécnica: Aparecido do Carmo Camargo Elenco: Deborah Secco (Raquel e Bruna), Cassio
Assistência de cenotecnia: Vanderlai Donizete Gabus Mendes (Huldson), Drica Moraes (Larissa),
Zacari, Jonathan Antonio da Silva Fabíula Nascimento ( Janine), Cris Lago (Gabi),
Assistência de produção de arte: Gustavo Freitas Erika Puga (Mel), Simone Iliescu (Yasmin),
Azevedo Brenda Ligia (Kelly), Guta Ruiz (Carol), Juliano
Pintura figurativa: Rogério Mantovani Cazarré (Gustavo), Clarisse Abujamra (Celeste),
Assistente de contrarregra: Bellamir (Bêlla) Luciano Chiroli (Otto), Sérgio Guizé (Rodrigo),
Marcenaria: Vital Vilela da Silveira Gustavo Machado (Miguel).

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TATUAGEM, DE HILTON LACERDA, 2013, 110MIN

Direção de arte: Renata Pinheiro do Nordeste do Brasil, um grupo de artistas


Cenografia: Dani Vilela provoca o poder e a moral estabelecida com seus
Figurinos: Chris Garrido espetáculos e interferências públicas. Liderado por
Maquiagem: Donna Meirelles Clécio Wanderley, a trupe conhecida como Chão
Produção de arte: Elaine Soares de Azevedo de Estrelas, juntamente com intelectuais e artistas,
Produção de objetos: Thales Junqueira além de seu tradicional público de homossexuais,
Assistência de produção de objetos: Neca Lucena ensaiam resistência política a partir do deboche e
Produção de veículos: Lellye Lima da anarquia.
Contrarregra: Pedro Von Tiesenhausen
Assistente de contrarregra: Regis Alves Produtora: REC Produtores Associados
Assistência de arte: Fernanda Pagnossin Distribuidora: Imovision
Indumentárias dos espetáculos; Renata Pinheiro Produção: João Vieira Jr.; Chico Ribeiro; Ofir
Design gráfico: Dani Brilhante Figueiredo; Dedete Parente
Cenotécnica: Fernandes Soares Direção e roteiro: Hilton Lacerda
Costureira: Dona Nice Direção de fotografia: Ivo Lopes Araújo
Adereços de arame: Everton Gomes Som direto: Danilo Carvalho
Estágio em arte: Priscilla Duarte Montagem: Mair Tavares
Produção de figurino: Tarcila Jacob Música original: DJ Dolores
Assistência de figurino: Mônica Pantoja e Thais Elenco: Irandhir Santos (Clécio), Jesuíta Barbosa
de Campos (Fininha), Silvia Prado (Deusa), Rodrigo Garcia
Camareira: Mauricea Conceição (Paulete), Silvio Restiffe (professor Joubert), Nash
Estágio em figurino: Cora Viterbo Laila (Chão de estrelas).
Assistência de maquiagem: Cris Malta

Brasil, 1978. A ditadura militar, ainda atuante,


mostra sinais de esgotamento. Em um teatro/
cabaré, localizado na periferia entre duas cidades

234 235
AMOR, PLÁSTICO E BARULHO, DE RENATA PINHEIRO, 2015, 86MIN

Direção de Arte: Dani Vilela Produtora: Aroma Filmes


Figurinista: Joana Gatis Coprodutora: Boulevard Filmes e Canal Brasil
Maquiagem: Donna Meirelles Distribuidora: Boulevard Filmes
1ª Assistência de arte / Produção de objetos: Roteiro: Sergio Oliveira; Renata Pinheiro
Thales Junqueira Direção: Renata Pinheiro
Produção de arte: Luísa Accetti Diretor assistente: Sergio Oliveira
Assistência de arte: Ariana Gondim Direção de fotografia: Fernando Lockett
Design gráfico: Daniela Brilhante Som direto/Edição de som: Manuel de Andrés
Cenotécnica: Fernandez Montagem: Eva Randolph
Assistência de cenografia: Everton Henrique Trilha sonora original: DJ Dolores e Yuri Queiroga
Contrarregra: Rodrigo Bernardi Elenco: Nash Laila (Shelly), Maeve Jinkings
Produção de locação: Brenda da Mata; Luísa ( Jaqueline), Samuel Vieira, Rodrigo García, Leo
Accetti Pyrata.
Produção de figurino: Catarina Jacobsen
Assistência de figurino: Cora Viterbo; Maria
Esther de Albuquerque
Assistência de maquiagem: Jennyfer Caldas

Shelly é uma jovem dançarina que sonha se tornar


cantora. Jaqueline, uma experiente cantora que já
emplacou alguns sucessos e amarga o declínio da
sua carreira. As duas são companheiras em uma
banda de música brega, num cenário que mescla o
romantismo e a sensualidade da periferia brasileira.
Inseridas no universo do show business, entre
nightclubs e programas de TV local, descobrem
que tudo é descartável, como o sucesso, o amor e
as demais relações humanas.

236 237
CRÉDITOS
patrocínio textos agradecimentos
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DÉBORA BUTRUCE Aleques Eiterer
GOVERNO FEDERAL BETH JACOB Ana Vasconcellos
CAROLINA BASSI DE MOURA Anderson Perri
produção INDIA MARA MARTINS Anna Karinne Ballalai
MNEMOSINE SERVIÇOS GILKA VARGAS Betina Viany
AUDIOVISUAIS TERESA MIDORI TAKEUCHI Breno Lira Gomes
LUIZ FERNANDO PEREIRA Carlos Augusto Calil
apoio TAINÁ XAVIER CTAv – Centro Técnico Audiovisual
ASSOCIAÇÃO CULTURAL TELA THALES JUNQUEIRA Dalva Araújo
BRASILIS RODRIGO BOUILLET Daniela Pfeiffer
CINEMATECA DO MAM-RJ Eduardo Ades
entrevista Fábio Vellozo (Cinemateca do MAM-RJ)
idealização e curadoria DÉBORA BUTRUCE Fausto Júnior
DÉBORA BUTRUCE Glória Ferreira Brauniger (CEDOC/Furnarte)
pesquisa e transcrição da entrevista Ivelise Ferreira
coordenação geral e coordenação executiva RODRIGO BOUILLET Janeide Caldas
DÉBORA BUTRUCE
Janine Paim
revisão de textos João Bueno
coordenação de produção
RAFAELA CERA José Maria Pereira Lopes
RAUL FERNANDO
Leonardo Spitz
assessoria de imprensa Luís Alberto Rocha Melo
produção executiva
CLAUDIA OLIVEIRA Luiz Baez
VIVIANE AYRES
PATRICIA FERREIRA Marcelo de Castro (CEDOC/Funarte)
assessoria mídias sociais Paloma Rocha
produção local SILVANA BAHIA Paulo Rocha
FLÁVIO OZÓRIO RAIKA JULIE MOISÉS Pedro Nogueira
Rafael Rodrigues
produção de cópias registro videográfico Rodrigo Amin
FABRICIO FELICE LUÍS GOMES Sérgio Caldeira
Simone Massenzi
coordenação editorial registro fotográfico
DÉBORA BUTRUCE RODRIGO GOROSITO
RODRIGO BOUILLET As imagens publicadas neste catálogo têm como detentoras as seguintes instituições,
revisão de cópias distribuidoras e produtoras: Aroma Filmes, Bananeira Filmes, CEDOC/Funarte,
pesquisa de imagens CAROLINE NASCIMENTO Cinédia, Cinemateca do MAM-RJ, CTAv, Diler & Associados, Filmes do Serro,
RODRIGO BOUILLET SUZANA TORRES CORRÊA HB Filmes, Luz Mágica Produções, REC Filmes, Cinematográfica Polifilmes,
Politheama Filmes e TVZero, A organização da mostra lamenta profundamente
pesquisa adicional de imagens agradecimentos especiais se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
FABRICIO FELICE Jorge Butruce Comprometemo-nos a reparar tais incidentes em caso de novas edições.
Verena Butruce Borges
projeto gráfico, webdesign e vinheta Terezinha Brum Felice
RICARDO RODRIGUES Hernani Heffner
Vera Hamburger
música da vinheta Rita Murtinho
GUNN. R Walter Lima Jr.

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