Trilhos no Oblívio é um jogo narrativo, sem dados nem

Mestre de Jogo, onde os jogadores representam um

grupo de amigos que se reúne para relembrar uma
viagem que haviam feito quando eram mais novos, e
que resultou numa série de peripécias inesperadas.
Mas à medida que vão recontando, apercebem-se que
o tempo tem sido inimigo da memória, e que há
detalhes que simplesmente se desvaneceram.
O jogo desenrola-se em volta de uma crescente
sequência de peças de dominó, cada qual guarda um
detalhe relevante da viagem. O que acontece quando
as peças começam a não encaixar? Provavelmente,
uma memória falsa. E felizmente podes contar com os
teus amigos para corrigi-las. Ou infelizmente, às vezes
não…
Um jogo de viagens
perdidas no tempo, e
as histórias contadas
para as relembrar

Dimitri K.
A noite começava a cair quando finalmente nos deparámos com uma clareira, se
é que se possa falar numa clareira onde a vegetação chega aos joelhos. Ainda
assim, após horas a navegar por entre vegetação cerrada, sem sinal do sol, não
termos ramos constantemente a ameaçar os olhos era um enorme alívio. Naquele
dia tinha ficado para mim a tarefa maçadora de carregar a tenda, e fiz questão de
demonstrar o meu descontentamento quando a pude poisar. Enquanto a Carla
começava a recolher ramos e vegetação seca para atear o fogo, eu fui,
esfomeado, verificar a mochila com a comida. Pois não é que, para espanto meu,
a caixa com a carne estava vazia, e apenas restava meia dúzia de alperces com
um ar tristonho! Confrontei o Paulo, perguntando-lhe amigavelmente se ele havia
comido sem dizer nada, uma vez que tinha sido o último com a mochila. Não é
que ele teve a lata de se fingir ultrajado com a simples questão?!
Na mesa, e a este ponto, um dos homens, rosto a denunciar a idade e barba rala
que para seu orgulho apenas pontilhava esparsamente a branco, poisa a sua
caneca na mesa, e apontando para o companheiro à esquerda, o qual entretinha
o resto do grupo e alguns ouvintes interessados, pigarreia de forma evidente.
PAULO - Ei, ei, para logo aí! Quem tentas enganar com essa versão da história?!
BERNARDO - Não sei do que falas, foi exatamente como descrevi!
PAULO - Não, não foi. Não te faças esquecido, o problema tinha sido a falta de
água para fervermos, e tinhas sido tu a acusar-me agressivamente de eu ter
acabado a água, acusação à qual eu respondi de forma civilizada. A Carla pode
comprovar a veracidade das minhas palavras.
BERNARDO - Pffttt, deves estar a brincar comigo, meu. Já que te lembras de tudo
tão bem, desafio-te a contar a tua versão dos acontecimentos.
PAULO - E assim o faria, se me deixasses.
Trocando olhares com a terceira pessoa no grupo, o Bernardo suspira com
enfado, e gesticulando silenciosamente com a mão na direção do amigo, dá-lhe a
permissão para continuar. Com um último trago, o Paulo poisa a caneca, e
repousando o queixo sobre as mãos, a sua vista perde-se num ponto indefinido.
A noite começava a cair, quando finalmente nos deparámos com uma clareira...
Há algo de único no prazer de viajar. Os novos lugares. As novas pessoas. As
novas culturas. O trajeto em si. O rumo ao desconhecido.
Quando eras mais novo, não hesitavas quando uma oportunidade surgia.
Encontravas-te com os teus amigos, estendias-lhes o desafio, sabendo que estes,
tecidos da mesma fibra que tu, nunca hesitariam em o abraçar, e que tendo a
oportunidade, fariam a mesma coisa para contigo. Apenas o tempo suficiente
para enfiar meia dúzia de possíveis necessidades dentro de uma mochila, e
arranjar um meio de deslocação, e já se encontravam a caminho. Porque metade
do gozo era fazê-lo com amigos.
Cidades por todo o mundo, excitantes à sua maneira, florestas verdejantes, ilhas
isoladas, veleiros que alguém aprendeu a manejar, serras inóspitas, estradas e
caminhos-de-ferro a perder de vista. Nada era demasiado para vocês.
Mas isso não significa que nunca pensaste ter dado um passo maior que a perna.
Situações que te fizeram questionar o bom senso das tuas decisões. Momentos
em que amizades foram testadas. Ocasiões que ameaçaram tirar proveito da
vossa intrepidez cega.
Todavia, são essas experiências que em retrospetiva foram as mais deliciosas.
Que te ataram ainda mais aos teus companheiros de viagem.
Hoje, olhas para esses tempos com nostalgia. Porque o tempo não se fez esperar,
e primeiro a vida adulta e depois a idade se meteram no caminho. E quando te
tentas lembrar de algumas das vossas aventuras, tristemente apercebes-te que os
detalhes se vão dissolvendo.
Então reúnes todos os teus companheiros de outrora. Combinam um encontro na
casa de alguém, num café, num banco de jardim. E juntos voltam a tecer os fios
das vossas peripécias. E todas as sensações e emoções reemergem do seu sono
profundo, para gáudio vosso e do eventual ouvinte incrédulo.
 Jogando o RPG
Numa sessão de Trilhos no Oblívio, cada jogador representa um Narrador, uma
pessoa que procura lembrar-se das suas viagens aventurosas, recontando-as. Um
conjunto de Narradores constitui o grupo de amigos e velhos conhecidos que se
reuniu para partilhar as memórias dessa viagem. Cada jogador pode representar
também um Viajante, o qual corresponde ao Narrador na época da história
contada. Mais do que uma correspondência exata, o Viajante é fruto da soma das
memórias que cada um dos Narradores guarda dessa pessoa. Ao longo da sessão,
cada jogador poderá também representar diferentes NPCs (personagens que não
são Narradores nem Viajantes, como pessoas importantes encontradas nas
diversas aventuras ou ouvintes que estejam interessados nas histórias contadas).
Nesta versão o jogo traz 2 modos diferentes: Revivendo a Viagem (pg. xx) e
Recontando a História (pg. xx), com várias diferenças entre si.
Independentemente do escolhido, ambos têm Aspetos (pg.xx), Cenas (pg.xx),
Criação de Personagens (pg. xx), um jogo de Dominó (pg. xx) e uma alternância
estruturada entre Narrador e Viajante.
Provisões e Equipamento
Segue-se uma lista de materiais e necessidades para Trilhar o Oblívio:
 3 a 4 Jogadores, com pelo menos um que tenha lido este documento;
 2 a 4 horas (mas o jogo pode ser mais curto/longo);
 1 Sessão (idealmente);
 Este documento, impresso e de fácil alcance para qualquer jogador;
 O resumo das regras, impresso e de fácil alcance para qualquer jogador;
 Lápis/Caneta e Papel, para ir apontando os Aspetos definidos e as
memórias recordadas;
 1 a 2 conjuntos de Dominó (com peças de pedra/cartão/papel);
 Espaço para os itens acima.
Em caso de ser jogado online, fiz uma pequena pesquisa para hipóteses
alternativas. A maioria delas ainda não testei, por isso não dou garantias:
 Jogadores e Tempo não mudam em formato digital;
 Não esperando que todos os jogadores adquiram o jogo, recomendo ter o
documento e os resumos num lugar digital de acesso partilhado, mas
exclusivo aos membros do grupo.
 Uma whiteboard partilhada para escrita e/ou desenho (Milanote, Miro,
Jamboard, …);
 Algum tipo de sandbox com peças de dominó (uma simples aplicação de
dominó não serve, visto isto não seguir exatamente nenhuma das regras):
 Tabletop Simulator
 Roll20, por exemplo:
(https://marketplace.roll20.net/browse/gameaddon/459
/uncle-bobs-dynamite-dominoes)
 PlayingCards.io, por exemplo:
(https://www.reddit.com/r/PlayingCardsIO/comments/j1
3rk0/dominos/)
 https://mathsbot.com/manipulatives/dominoes
O nosso voo tinha aterrado atrasado em Londres, e a ligação para Lima, Perú
não esperava por nós. Como não tínhamos escolhido um voo de escala, ainda
tínhamos que ir a correr apanhar a bagagem, por entre a multidão que
irritantemente insiste em andar a ritmo de fim-de-semana, como se não tivesse
pressas na vida. Acho que era o Tomás que estava a cair para trás, porque tinha
enchido os braços com sacos de compras no duty-free à saída de Lisboa, os quais
ele mal conseguia equilibrar.
Não, não era o Tomás, mas sim o Carlos que tinha exagerado nas compras e que
por esse motivo não estava a conseguir acompanhar a nossa passada. Quando
chegámos à zona de Baggage Claim, já o havíamos perdido de vista. A situação só
não ficou mais aflita porque tivemos de ficar mesmo muito tempo à espera das
malas. O tempo passava, a multidão diminuía, e da nossa bagagem nem sinal. O
Tomás começou a listar os prós e contras entre esperarmos e arriscarmos perder o
voo, ou ir para o avião sem as nossas coisas.
Até parece que não me conheces, sou completamente incapaz desses
pensamentos racionais em situações apertadas. Nah, quem estava a fazer esse
balanço era a Lina. Eu estava a ficar ainda mais irritado com isso.
Aspetos
No momento em que vives determinado evento, e se este for marcante, durante
os próximos tempos, consegues recordar vários dos detalhes ao pormenor. O
nome e personalidade de cada pessoa envolvida, o cheiro no ar, a hora exata, as
cores vibrantes, toda a cadeia de acontecimentos, como te estavas a sentir, o
local, …
Muitos anos depois, essas memórias resumem-se a Aspetos-chave.
Com sorte lembras-te de um ou outro indivíduo presente, de nome pelo menos;
decerto sabes se era em montanha, numa cidade, junto ao mar, … mas quanto
mais conseguirias descrever?
Inevitavelmente lembras-te do que aconteceu, porque dificilmente seria uma
memória se não o fizesses, mas o que despoletou esse acontecimento?
E como te ficaste a sentir, é menos desafiante do que recordar como as várias
pessoas em volta reagiram.
No segmento narrativo da página anterior, podemos ver alguns dos Aspetos mais
relevantes marcados a negrito, para exemplificar.
Assim, podemos considerar 4 Aspetos principais que governam as memórias, e
consequentemente a narração. Cada um pode ser definido por uma pergunta, ou
por um simples termo.
 Onde?
Este Aspeto governa o Local onde decorre a ação, o palco onde cada uma das
memórias se desenrola. É aqui que encontramos as memórias sensoriais do
ambiente circundante, seja este natural ou não: as cores verdejantes da floresta;
o cheiro da maresia junto à costa; o som abafado numa gruta escura; as barras
metálicas frias e escorregadias que separavam-te da queda do barco; o murmúrio
incessante de uma multidão, …
Pode também incluir o tempo (clima) e o Tempo (altura do dia), caso estes não
estejam intimamente ligados ao problema efetivo na situação: o cheiro a terra
húmida após um dia de chuva; o tom rosado do céu no fim do dia a prometer um
amanhã mais solarengo, …, desde que a chuva, ou o cair da noite, não tenham
sido a Ameaça naquele momento (ver página seguinte).
Quem?
Este Aspeto governa as Pessoas e outras criaturas relevantes no palco onde as
memórias se desenrolam. Pode passar apenas pelos nomes ou descrição física de
indivíduos menos conhecidos. Também há muito que as expressões faciais,
roupagem e adereços, ou contexto, nos podem dizer sobre cada pessoa presente:
o guia destacava-se dos demais pela sua estatura imponente e mochila ainda
maior; um pequeno veado denunciava a sua presença ao restolhar na vegetação;
ao lado de nós um viajante olhava para o Baggage Claim com ar stressado, …
No caso de gente mais próxima ou relevante, pode passar por uma caracterização
mais profunda: a Francisca tinha ficado de ir falar com barqueiros, uma vez que
como pescadora amadora, era mais capaz de os envolver numa conversa; o Carlos
arrastava-se cada vez mais a subir a montanha, claramente em baixo de forma,
depois de passar as últimas semanas em frente da televisão, …
Este Aspeto não se concentra nas emoções mais fortes, ou relevantes para a
situação (por exemplo, quando o Carlos se sente frustrado a ponto de abandonar
o grupo).
Como?
Este Aspeto governa as Emoções presentes nas memórias dos Narradores. A
forma como cada um dos Viajantes ou um dos principais NPCs se sentia: o
cansaço e arrependimento do Pedro em ter convidado os amigos para uma
situação tão complicada; a alegria do guia por conseguir extorquir mais uns
trocos ao grupo, …
A disposição geral das pessoas em volta: a revolta generalizada com o
cancelamento do voo; o entusiasmo e excitação perante a reabertura do museu
nacional, …
As emoções despoletadas por consequência de outras: a indignação do grupo
perante o aumento do custo do guia; a resignação perante a perceção que não foi
apenas o voo deles cancelado, …
Porquê?
Este Aspeto governa a Ameaça/Ocasião Inesperada que complicou a situação, ou
que a tornou uma peripécia memorável em primeiro lugar. Uma catástrofe
natural (fomos apanhados de surpresa pela súbita tempestade), um incidente
humano (um acidente grave na estrada bloqueava o acesso ao centro histórico),
uma tensão interna ao grupo (a comida tem desaparecido e não se sabe quem),
ou externa (sempre que a viagem se complicava, o guia subia a sua taxa horária),
entre muitas outras opções apenas limitadas pela imaginação.
Recomendo ser parcimonioso com este Aspeto, de forma a permitir focar no
ambiente e palco das memórias sem estar sempre a atirar com Ocasiões
Inesperadas. E também para que estas não deixem de se sentir como o nome
indica. Em caso de tensões internas ao grupo recomendo também o acordo
prévio entre todos os jogadores para que estas situações sejam interessantes
para todos de igual forma.
 Criação de Personagem
Sendo este um jogo relativamente minimalista, a criação de personagens é rápida
e maioritariamente serve para os jogadores terem uma melhor perceção de como
é cada um dos seus amigos Narradores, e de como se poderiam lembrar dos seus
companheiros Viajantes. Assim, não há necessidade de ter uma folha de
personagem completa, bastando um a folha de papel onde anotam os elementos
mais importantes. Exceto um ou outro caso, até sugiro que a informação
relevante a cada um dos personagens seja visível por todos à mesa, uma vez que
poderão ter que a referenciar com alguma frequência. Seguem-se então os
elementos principais:
 Nome: o nome pelo qual és chamado mais frequentemente
 Arquétipo: explicado nas próximas páginas. Evitar tê-lo repetido
 Narrador: uma pequena descrição tua como Narrador
 Viajante: cada jogador sugere um adjetivo de como se lembra do teu
Viajante. Tu sugeres dois adjetivos (emoções, descrição física/mental, …)
 Peculiaridade: um hábito muito próprio do Narrador, e outro do Viajante
 Memória Marcante: escolhe um dos 4 Aspetos listados. Descreve-o de
forma relativamente vaga, e guarda uma peça que não tenha os 2 lados
iguais. Mantém ambos secretos. Para mais informação, pg. xx
Arquétipos
As pessoas não são todas iguais. Não prestam atenção aos mesmos detalhes, e
muito menos recordam um momento da mesma forma. Esse é o caso dos nossos
Narradores. Há quem consiga enumerar as pessoas que conheceu numa viagem
anos antes. Outros têm uma ligação mais emocional às suas memórias: cada
ocasião lembrada é associada a como se sentiram na altura. Há ainda os viajantes
com excelente memória fotográfica e que conseguem pintar um quadro mental
dos locais visitados. E depois há quem seja mais pragmático e recorde cada
ocasião pelos eventos que ocorreram.
Isto para dizer que os Arquétipos não definem áreas em que cada pessoa é
melhor. Os Arquétipos refletem os interesses das personagens, e os Aspetos que
recordam melhor à medida que o tempo passa. Nas próximas páginas será
abordado ao pormenor cada um deles. Os jogadores devem procurar chegar a um
consenso em que cada Arquétipo pertence a somente uma personagem.
Mas como é que os Arquétipos funcionam em jogo?
Independentemente do modo de jogo, o Narrador de determinado Arquétipo,
quando vai buscar uma peça para, no dominó, definir o Aspeto pelo qual é
responsável, pode ir buscar uma segunda peça caso a primeira não encaixe.
De resto, os Arquétipos são também mais um elemento que permite orientar e
inspirar cada jogador para melhor personalizar o seu Narrador e Viajante.
 O Cartógrafo (“onde?”)
O Cartógrafo sonha com ambientes e paisagens há muito esquecidas por outros.
Locais visitados, mesmo que tenha sido décadas antes, ainda deixam vestígios na
sua memória. Crepúsculos em falésias, cascatas
frescas no meio de bosques, rios congelados em
invernos rígidos, linhas de metro em grandes
e labirínticas metrópoles, são tudo imagens
que parecem tão recentes como sendo da
véspera.
Quando em viagem, o olhar
inevitavelmente prende-se nos detalhes
paisagísticos. Todos os sentidos focados em
absorver e captar o máximo do que o rodeia.
Delicia-se em decorar os nomes de todos os
sítios visitados, e os seus atrativos naturais.
O Social (“quem?”)
O Social relembra e aprecia todos os encontros
com diferentes Pessoas. Cada uma delas
ensina-lhe algo diferente, e mostra uma forma
diferente de ver o mundo. Humanos são tão
diferentes na sua forma de ser e de estar que
nunca pode dizer ter interagido com pessoas
suficientes na sua vida. Há um número sem-fim
de culturas variadas por todo o globo, cada uma
mais interessante que a anterior. E quando a
idade o apanha, e já não consegue conhecer mais
gente, as memórias de cada encontro passado são o
suficiente para encher o dia de conversas e impressões. E a visão do mundo de
cada um tece um filme que nunca é igual duas vezes seguidas.
O Empático (“como?”)
Menos ligado aos aspetos palpáveis em volta, o Empático navega nas ondas
emocionais que são percetíveis para quem está atento. A postura, as expressões
faciais, os hábitos, as reações ao mundo em volta, são
todas claras indicações do que se passa no interior de
cada um. Para uma pessoa atenta a esses detalhes
como é o caso do Empático, o mundo pode ser visto
por uma lente de energias que são transmitidas por
cada indivíduo.
Quanto mais familiar é uma pessoa, mais fácil é ler as
suas Emoções. É por isso que é o primeiro a detetar se
há algum problema a surgir dentro do grupo, às vezes
antes do próprio amigo o perceber.
O Cronista (“porquê?”)
O Cronista vive de experiências. Procura acumulá-las e registá-las. O que
interessa é viver situações e ocasiões inesperadas. Para
quê recordar lugares, pessoas ou sensações se as
memórias dos eventos em que esteve envolvido
são um alimento espiritual tão gratificante?
Ninguém se lembra melhor dos eventos
realmente interessantes. Para quem vive no
risco, é preciso saber equilibrar uma excitação
saudável. Tal como numa boa estória, estas
situações devem ser consideradas com
parcimónia.
Estando acompanhado de amigos que talvez sejam
menos propenso a tais situações, convém estar atento
para ser o primeiro a alertar e evitar ameaças com que o grupo não esteja
preparado para lidar.
 O Tabuleiro de Dominó
Em Trilhos no Oblívio, o dominó representa um elemento central ao jogo que não
apenas mapeia as memórias contadas pelos Narradores, como também
determina se estas ainda são recordadas ou se foram mais ou menos olvidadas.
Para tal, precisamos primeiro de nos familiarizar com a forma como o dominó irá
funcionar. Primeiro passo? Ignorar as verdadeiras regras desse jogo.
Preparação
Independentemente do modo de jogo escolhido, as peças são todas dispostas na
mesa. Em seguida, põe-se de parte as peças com 2 lados iguais (6:6, 5:5, …, 0:0), e
misturam-se as restantes, das quais cada jogador depois pega numa peça
aleatória (ou dispõem as peças ao contrário, ou colocam num saco. Essa pedra de
dominó representará a Memória Marcante de cada protagonista (pg. xx).
Depois, voltam a juntar as peças com 2 lados iguais que puseram de parte, e
misturam-nas com as peças que sobraram, e reservam-nas algures ao lado do
centro da mesa.
Exceto a Memória Marcante, todos os jogadores começam sem pedras de
dominó.
Recomendo ter uma folha de fácil acesso para todos irem apontando os Aspetos
associados a cada peça, e resumidamente as memórias recontadas.
Início
Os jogadores decidem no início qual o palco geral da memória, o contexto/sítio
para o qual viajaram. Depois, retiram uma peça aleatoriamente e colocam-na ao
centro da mesa. Alternativamente, podem colocar uma peça aleatória ao centro
da mesa, e ler na tabela de Destino da Viagem (pg. xx) qual o sítio em que se
aventuraram. Opcionalmente, os jogadores podem optar por apenas definir nesta
fase qual é que é a sua Memória Marcante, para que tenham algum contexto.
Fig.1: Jogadores acabam de sacar da Fig.2: Jogadores acordaram um
Memória Marcante cenário no aeroporto
Procedimento Geral
Dependendo do modo de jogo (pg. xx), as peças são jogadas em momentos
específicos. Mas a regra geral é que, quando as regras dizem para adicionar uma
peça ao dominó, essa pedra é retirada aleatoriamente da pilha ao lado. Se for
possível jogá-la, então a recordação é correta. Em caso negativo, o Narrador
esqueceu-se pelo menos parcialmente do que realmente ocorreu.
Uma peça pode ser colocada num espaço da mesa adjacente a outra peça apenas
se partilhar uma aresta com um número em comum. Todas as arestas em
contacto têm que ser entre o mesmo número. Pensem como se fosse Scrabble,
onde todas as letras adjacentes têm de formar uma palavra. De resto, as peças
não têm que ser jogadas como no dominó normal. Sejam criativos.

Fig.3: como posso colocar as peças? Fig.4: a peça não encaixa, mais uma
memória perdida
Memórias Marcantes
Há sempre algo que fica eternamente gravado na memória de um viajante, por
muitos anos que passem, e voltas que a vida dê. Cada Narrador tem uma
recordação desse tipo.
Quando cada jogador cria uma no início do jogo, escolhe um dos 4 Aspetos e
descreve-a de forma genérica. Só ao longo da sessão é que será percetível em
mais detalhe. Exemplo: o Marco decide que o seu Narrador guarda uma memória
marcante da viagem que assenta em alguém que conheceu. Para si mesmo ele
anota “espaço relativamente escuro. o vulto de uma pessoa a correr contra mim.
uma pessoa que se revelou importante”
Essa Memória tem uma peça de dominó associada que apenas o jogador
conhece. A qualquer ponto do jogo, independentemente de quem esteja naquele
momento a colocar peças, o jogador pode interromper para inserir no jogo a sua
memória, desde que faça algum sentido narrativo, e a peça seja encaixável.
Modos de Jogo
Como foi referido em Jogando o RPG, este documento traz dois Modos de Jogo
possíveis para Trilhar o Oblívio dos nossos Narradores.
Em Revivendo a Viagem, os Narradores recordam a viagem como se estivesse a
ser vivida no momento, pelos olhos dos Viajantes. Os jogadores descrevem o que
vêm, fazem e dizem. E quando querem introduzir um Aspeto de forma relevante,
jogam peças de dominó.
Em Recontando a História, os jogadores vão-se rodando a contar a história pelos
olhos dos Narradores, no passado. Quando querem introduzir um Aspeto de
forma relevante, jogam peças de dominó, mas com diferentes consequências que
no modo de jogo anterior.
Cenas
A nossa mente recorda momentos específicos, e não continuados. A memória é
mais como uma série de fotografias, em vez de um filme. E neste caso, as
fotografias foram completamente baralhadas, e como queremos mesmo rever e
mostrar as fotografias, não temos paciência para tentar ordená-las primeiro.
É por isso que o jogo é jogado com recurso a cenas. Geralmente, estas decorrem
em espaços diferentes, talvez com outras pessoas e emoções, e novas ocasiões
inesperadas. E elas não estão ordenadas. A primeira cena numa sessão pode ser
uma das últimas memórias da viagem, e vice-versa.
Cada Modo de Jogo tem sugestões de como tentar lidar com Cenas.
 Revivendo a Viagem
Após terem preparado a secção de dominó, e terem a primeira peça em campo, o
jogador que mais recentemente viajou começa a narrar o que o seu Viajante está
a fazer/pensar, …
No momento em que quiser introduzir um dos Aspetos que seja relevante, deve
adicionar uma peça ao dominó. Caso esta encaixe, essa memória é real, e passa
para o próximo jogador em sentido anti-horário (à sua direita isto é). Este depois,
tendo em conta a nova informação, narra o que o seu Viajante está a
fazer/pensar, …
Caso a peça não encaixe, esse momento foi esquecido pelo Narrador, que fica
preso sem poder continuar. A cena termina, e o próximo jogador em sentido anti-
horário assume a vez. Como a cena mudou, vários dos Aspetos definidos
anteriormente podem ser ignorados (mas não esquecidos, uma vez que estando
em jogo, já não saem). No final da sessão, os Narradores voltam às pontas que
ficaram por atar. Aquele que tiver o Arquétipo responsável pelo Aspeto que
causou a indefinição pode sugerir aos restantes jogadores uma possível memória
que preencha aquele espaço, memória a qual nunca saberão quão verdadeira é.
Se os restantes jogadores recusarem a sugestão, saem do convívio com os amigos
com a noção de que se esqueceram de algo importante, o que causa algum
desconforto.
Em cada momento de transição de Cena, o foco muda temporariamente dos
Viajantes para os Narradores, no espaço onde estão a conviver, altura na qual
podem e devem contar um pouco de como os Narradores reagem às novas
memórias/informações, ou aos eventuais esquecimentos.
O jogo acaba quando:
- as peças de dominó acabam, após o qual tentam atar as pontas soltas;
- durante 3 cenas seguidas ninguém consegue colocar uma peça, após o qual os
Narradores voltam para casa frustrados porque se esqueceram d’A Viagem.
Relembrando a História
Após terem preparado a secção de dominó, e terem a primeira peça em campo, o
jogador que já não viaja há mais tempo começa a recontar, no passado, um
momento à sua escolha. Por cada Aspeto relevante que quiser incorporar, deve
adicionar uma peça ao dominó.
Caso esta encaixe, a recordação é verdadeira, e o Narrador continua a sua
história.
Caso esta não encaixe, o foco muda temporariamente para o local de convívio dos
Narradores no presente. O próximo jogador em sentido horário (à sua esquerda)
pode corrigir o Aspeto que o seu companheiro tentou introduzir (ao mesmo
tempo que argumenta com o amigo no papel de Narrador), e por sua vez jogar
uma peça. Se esta encaixar, o foco retoma na história, contada agora pelo novo
Narrador. Se esta não encaixar, os 2 Narradores envolvidos envolvem-se num
pequeno argumento, ao fim do qual, mais ou menos relutantemente, irão desistir
de recontar aquele momento, e o jogador seguinte (um terceiro jogador) começa
uma nova Cena. Nesta nova cena, vários dos Aspetos anteriores poderão ser
ignorados, mas nunca esquecidos.
O grupo de amigos reunido a contar memórias também está, ao mesmo tempo, a
jogar dominó. Isto permite que quando o foco está nos Narradores, os jogadores
possam fingir que o jogar da peça de dominó está a acontecer na ficção.
O jogo acaba quando:
- as peças de dominó acabam, após o qual tentam atar as pontas soltas;
- a Narração dá a volta à mesa 2 vezes completas durante as quais não tenham
sido jogadas 2 peças seguidas, ou 3 no total.
Na página xx podem consultar um exemplo deste modo de jogo.
Relembro que a Memória Marcante pode ser colocada se a peça que foram
buscar não encaixa em jogo, desde que satisfaça as condições (sentido narrativo e
possibilidade posicional). Esta Memória também pode ser usada para pausar a
Narração do amigo, para que o Narrador possa inserir a sua memória, antes de
retomar a vez de quem foi interrompido, e que tem que lidar com o novo Aspeto
introduzido (modo Relembrando a História). Também é importante relembrar
que, quando um Narrador define um Aspeto pelo qual é responsável, pode buscar
uma segunda peça caso não consiga colocar a primeira. Se a segunda for jogável,
a primeira deve voltar a ser misturada.
Estrutura do Jogo
Após a explicação de todos estes elementos anteriores, fica um guião da
estrutura básica do jogo, com as sequências de jogador a normal, as do Narrador
a itálico e as do Viajante a negrito:
1. Narradores encontram-se num local de convívio e cumprimentam-se
2. Jogadores preparam o jogo e combinam o destino da viagem
3. Viajante narra as suas ações / Narrador recorda um momento
4. Jogadores tentam jogar uma peça e reagem de acordo
5. Transição de Cena, na pele dos Narradores no local de convívio
6. Repetir passos 3 a 5 até ao fim da sessão
7. Narradores atam pontas soltas, e despedem-se
Regra Opcional: Na fase de transição de Cena, quando se foca
na interação dos Narradores no local de convívio, os jogadores
podem, no início do jogo, combinar incluir uma audiência que
ficou especada a ouvir as histórias contadas, e que pode
também reagir de forma apropriada nesta fase de transição
(tanto os jogadores como pessoas de fora podem fazer de
audiência)
Dicas para criação de Memórias, Cenas e Sessões
Ajustando a Sessão
A dificuldade e duração de um jogo são flexíveis e ajustáveis.
Para um jogo menos focado em memórias esquecidas, e mais rápido, usem
apenas as peças com 0 a 4 pintas.
Para um jogo intermédio, retirem do jogo todas as peças com 6 pintas.
Para um jogo mais longo e centrado no que os Narradores esqueceram, usem
todas as peças.
Geradores Vários e Tabelas Aleatórias
Uma curiosidade nas peças de dominó é que há várias formas de ver o seu valor.
Podemos olhar para as pintas em apenas um dos lados, podemos contemplar a
soma dos dois lados, ou mesmo ter uma matriz de 7x7 (números vão de 0 a 6).
Uma peça de dominó efetivamente pode ser vista como 2d7.
Isto reflete-se numa enorme diversidade possível em tabelas aleatórias.
Para tirar o máximo de proveito delas, recomendo a utilização de um segundo set
de dominó, para que não façam falta peças ao jogo.
Podem optar por retirar as peças definitivamente caso queiram que cada entrada
apenas ocorra uma vez, ou podem voltar a meter as peças no saco/mesa para que
as probabilidades não mudem, e para que cada entrada possa voltar a sair.
Destino Índice
da 0 1 2 3 4 5 6
Viagem  Introdução ---------------------------------------------------------- pg. 2
Despor
Mangais Ilha + Oceaná- Cruzeiro Estância  Jogando o RPG ----------------------------------------------------- pg. 3
0 -to Ártico  Provisões e Equipamento --------------------------------------- pg. 3
/Recifes Vulcão rio no Mar Balnear
Água
 Aspetos -------------------------------------------------------------- pg. 4
Man-
Floresta Reserva Sava- Arboris- Jardim  “Onde?” ------------------------------------------------- pg. 5
1 gais / Vindimas
Tropical Natural na mo Botânico  “Quem?” ------------------------------------------------ pg. 5
Recifes
Ruínas  “Como?” ------------------------------------------------- pg. 5
Ilha + Reserva Grutas/ Esca- Geopar-
2 Templo/ Serra  “Porquê?” ----------------------------------------------- pg. 5
Vulcão Natural Minas lada que
Castelo  Criação de Personagens ---------------------------------------- pg. 6
Ruínas Tribos Retiro Festas  Arquétipos ---------------------------------------------------------- pg. 6
Ocea- Vindi-
3 Templo/ Indíge- Espiri- Interrail Tradicio-
nário mas  O Cartógrafo ------------------------------------------- pg. 7
Castelo nas tual nais
Escala- Retiro Tun-  O Social -------------------------------------------------- pg. 7
4 Ártico Savana Deserto Prisão  O Empático --------------------------------------------- pg. 7
da Espiritual dra
Cruzei-  O Cronista ----------------------------------------------- pg. 7
Arboris- Deser- Road
5 ro no Serra Interrail Resort  O Tabuleiro de Dominó ------------------------------------------ pg. 8
mo to Trip
Mar  Preparação --------------------------------------------- pg. 8
Estân- Festas  Início ----------------------------------------------------- pg. 8
Jardim Geopar-
6 cia Tradicio- Prisão Resort Concerto
Botânico que  Procedimento Geral ---------------------------------- pg. 8
Balnear nais
 Memórias Marcantes -------------------------------- pg. 9
 Modos de Jogo ----------------------------------------------------- pg. 9
 Cenas ----------------------------------------------------- pg. 9
 Revivendo a Viagem -------------------------------- pg. 10
 Relembrando a História ---------------------------- pg. 10
 Estrutura do Jogo ------------------------------------ pg. 11
 Dicas para criação de Memórias, Cenas e Sessões ----- pg. 11
 Ajustando a Sessão --------------------------------- pg. 11
 Geradores Vários e Tabelas Aleatórias --------- pg. 11
 Índice --------------------------------------------------------------- pg. 12
 Créditos ------------------------------------------------------------ pg. 13
 Créditos
Trilhos no Oblívio foi criado para o RPGenesis 2021, uma game jam comunitária
cujo objetivo passa por desenvolver um jogo original, com pelo menos 5000
palavras, em 7 dias. Esta edição acarretou toda uma outra série de desafios, em
parte por a meio do prazo ter ficado bloqueado com um obstáculo que demorou
uns 2 dias a ultrapassar.

Como tal, estou extremamente agradecido a toda a comunidade do RPG Portugal.

Em https://theludonarrativegivaca.wordpress.com/category/o-trilho-para-o-
rpgenesis-2021/ escrevi um pouco sobre o processo criativo durante as semanas
prévias ao evento.

Podem encontrar o autor deste jogo, Dimitri K. / Dimitri, Dr. Givaca no blog
mencionado acima, o qual também lista a possibilidade de o contactar pelo
twitter, e-mail, ou pelo próprio itch.io. Qualquer feedback é extremamente
apreciado.