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Introdução à

Teologia

Prof. Jairo Demm Junkes


Prof. Rafael Garcia dos Santos
Prof. Teri Roberto Guérios

Indaial – 2021
2a Edição
Elaboração:
Prof. Jairo Demm Junkes
Prof. Rafael Garcia dos Santos
Prof. Teri Roberto Guérios

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

J95i
Junkes, Jairo Demm
Introdução à teologia. / Jairo Demm Junkes; Rafael Garcia dos
Santos; Teri Roberto Guérios. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.
175 p.; il.
ISBN 978-65-5663-578-1
ISBN Digital 978-65-5663-577-4
1. Teologia - Estudo e ensino. - Brasil. I. Junkes, Jairo Demm. II.
Santos, Rafael Garcia dos. III. Guérios, Teri Roberto. IV. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.
CDD 211

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático de Introdução à teologia. Ao
longo do curso de teologia, em geral, o foco é proporcionar a formação sólida, para que
o profissional, no exercício de seu ofício, seja capaz de se deparar com uma série de
situações, que não necessariamente são perceptíveis em outros ramos de atuação.

Na Unidade 1, abordaremos a origem da teologia, tendo a possibilidade de


conhecer um pouco do percurso histórico que deu origem ao campo teológico, com
ênfase na interpretação cristã. Também será possível compreender mais sobre a
natureza dos estudos teológicos, bem como as definições próprias desse universo de
conhecimento, além das divisões da teologia, seu escopo interpretativo e a função a
qual a teologia se destina.

Na Unidade 2, um elemento central é a relação entre a Teologia e a Filosofia. Nessa


direção, será possível conhecer o contexto do pensamento filosófico grego e sua relação
com o contexto pensamento cristão, tendo como grande nome Agostinho de Hipona. Ainda
veremos como a racionalidade cristã permite a ocorrência de transformações internas, as
reformas, sendo igualmente oportuno o contexto da Teologia Contemporânea, compreen-
dendo a relação de uma teologia historicamente construída com o mundo contemporâneo.

Na Unidade 3, compreenderemos como as escrituras se relacionam com o


contexto teológico com as possibilidades interpretativas do contexto cristão, sendo
relevante explorarmos o contexto cultural de momentos da história em que a teologia
foi indispensável nas relações humanas em sociedade. Dessa forma, conheceremos
alguns povos que tiveram uma grande representação na construção do conhecimento
teológico, finalizando com as visões advindas do contexto profético, a fim de entendermos
um pouco mais desse fascinante elemento da fé cristã.

O objetivo deste livro e da disciplina não é transformar o acadêmico no maior


especialista do contexto teológico, mas proporcionar uma noção geral da Teologia, provo-
cando-o a buscar conhecer cada vez mais sobre a área. Esperamos que seja uma leitura
enriquecedora a respeito dos diversos contextos que são as bases teológicas que co-
nhecemos na contemporaneidade, bem como no sentido de levar à reflexão desse tema.

É uma grande satisfação participarmos de sua formação acadêmica e esperamos


que este livro seja uma motivação fascinante para a sua busca do saber!

Bons estudos!

Prof. Jairo Demm Junkes


Prof. Rafael Garcia dos Santos
Prof. Teri Roberto Guérios
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

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dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
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mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
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Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - OS ELEMENTOS A TRANSFORMAÇÃO DA TEOLOGIA OCIDENTAL................. 1

TÓPICO 1 - ORIGEM DA TEOLOGIA.........................................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 A ORIGEM DO CONCEITO DE TEOLOGIA.............................................................................3
3 PLATÃO.................................................................................................................................5
3.1 OS PRÉ-SOCRÁTICOS E AS IDEIAS DE SÓCRATES QUE CONTRIBUÍRAM PARA
A CONSTRUÇÃO DA TEORIA PLATÔNICA DO MUNDO DAS IDEIAS........................................... 5
3.2 PLATÃO: MUNDO DAS IDEIAS (OU TEORIA DAS FORMAS)...........................................................7
4 ARISTÓTELES......................................................................................................................8
4.1 O MOTOR IMÓVEL DE ARISTÓTELES.................................................................................................. 9
4.2 FILOSOFIA GREGA NA EUROPA CRISTÃ......................................................................................... 10
5 PATRÍSTICA........................................................................................................................ 10
5.1 SANTO AGOSTINHO............................................................................................................................... 11
6 ESCOLÁSTICA.................................................................................................................... 12
7 VII PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA NO ADVENTO DA METAFÍSICA RELIGIOSA CRISTÃ..........14
8 A TEOLOGIA ANTES DE CRISTO........................................................................................ 17
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 21
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 22

TÓPICO 2 - NATUREZA E DEFINIÇÃO DO UNIVERSO TEOLÓGICO.................................... 25


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 25
2 A TEOLOGIA COMO CIÊNCIA............................................................................................ 25
2.1 TEOLOGIA, FILOSOFIA E CIÊNCIA.....................................................................................................28
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 32
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 33

TÓPICO 3 - FUNÇÕES E DIVISÕES TEOLÓGICAS............................................................... 35


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 35
2 A FUNÇÃO DA TEOLOGIA.................................................................................................. 35
3 AS DIVISÕES DA TEOLOGIA............................................................................................. 38
3.1 TEOLOGIA BÍBLICA...............................................................................................................................39
3.2 ENFOQUES E RECURSOS DA BÍBLIA............................................................................................. 40
3.3 TEOLOGIA PRÁTICA E SEU ENFOQUE............................................................................................ 41
3.4 TEOLOGIA HISTÓRICA.........................................................................................................................42
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 43
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 45
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................47

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 49
UNIDADE 2 — RAZÃO FILOSÓFICA DA TEOLOGIA.............................................................. 51

TÓPICO 1 — A FILOSOFIA TEOLÓGICA MEDIEVAL.............................................................. 53


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 53
2 HELENISMO....................................................................................................................... 53
3 PATRÍSTICA....................................................................................................................... 56
3.1 ORÍGENES...............................................................................................................................................58
3.2 TERTULIANO.........................................................................................................................................59
3.3 SANTO AGOSTINHO............................................................................................................................60
4 AS DIVISÕES DA ESCOLÁSTICA...................................................................................... 63
4.1 PRÉ-ESCOLÁSTICA (PRÉ-TOMISTA)................................................................................................64
4.1.1 Duns Scoto (1265-1308)............................................................................................................65
4.1.2 Santo Anselmo............................................................................................................................66
4.2 ESCOLÁSTICA (TOMISTA).................................................................................................................. 67
4.2.1 São Tomás de Aquino................................................................................................................ 67
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 69
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 71
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................72

TÓPICO 2 - REFLEXÕES DA REFORMA................................................................................75


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................75
2 A REFORMA........................................................................................................................75
2.1 AS CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS DA REFORMA PROTESTANTE........................................... 76
3 AS MUDANÇAS SOCIAIS E POLÍTICAS PRODUZIDAS PELA REFORMA......................... 77
3.1 UMA NOVA REFLEXÃO SOBRE A TEOLOGIA E A VIDA CRISTÃ..................................................78
3.2 A RESSIGNIFICAÇÃO DA FÉ EM LUTERO ..................................................................................... 80
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 81
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 90
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 91

TÓPICO 3 - A TEOLOGIA DA CONTEMPORANEIDADE........................................................ 93


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 93
2 TEÓLOGOS CONTEMPORÂNEOS.......................................................................................95
2.1 FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768-1834).................................................................................95
2.2 PAUL JOHANNES TILLICH (1866-1965).........................................................................................96
2.3 RUDOLF BULTMANN (1884-1976)....................................................................................................98
2.4 KARL BARTH (1886-1968) ..............................................................................................................100
3 VERTENTES TEOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS...........................................................102
3.1 TEOLOGIA LIBERAL............................................................................................................................103
3.2 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO.............................................................................................................104
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................106
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................107
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................109
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 112

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 114

UNIDADE 3 — A RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E AS ESCRITURAS..................................117

TÓPICO 1 — A RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E AS ESCRITURAS.................................... 119


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 119
2 OS PROFETAS E OS APÓSTOLOS....................................................................................120
3 A VIDA DE JESUS.............................................................................................................123
4 VIVENDO A TEOLOGIA EVANGÉLICA..............................................................................125
5 PERIGOS QUE RONDAM A TEOLOGIA EVANGÉLICA......................................................132
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................136
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 137

TÓPICO 2 - OS POVOS E CULTURAS DE RELEVÂNCIA TEOLÓGICA................................. 141


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 141
2 ANTIGUIDADE ORIENTAL................................................................................................142
2.1 CIVILIZAÇÃO/CULTURA EGÍPCIA.................................................................................................... 142
2.2 CIVILIZAÇÃO/CULTURA MESOPOTÂMICA....................................................................................144
2.3 CIVILIZAÇÃO/CULTURA HEBRAICA.............................................................................................. 145
2.4 CIVILIZAÇÃO/CULTURA FENÍCIA................................................................................................... 147
2.5 CIVILIZAÇÃO/CULTURA PERSA.....................................................................................................148
3 ANTIGUIDADE CLÁSSICA................................................................................................149
3.1 CIVILIZAÇÃO/CULTURA GREGA...................................................................................................... 149
3.1.1 Esparta e Atenas....................................................................................................................... 149
3.1.2 Grécia Clássica..........................................................................................................................150
4 CIVILIZAÇÃO/CULTURA ROMANA.................................................................................. 151
4.1 EXPANSÃO ROMANA..........................................................................................................................151
4.2 O IMPÉRIO ROMANO......................................................................................................................... 152
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................154
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................155
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................156

TÓPICO 3 - AS VISÕES PROFÉTICA DOS ANTIGO E NOVO TESTAMENTOS....................159


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................159
2 AS PROFECIAS.................................................................................................................160
3 PROFECIAS NO ANTIGO TESTAMENTO.......................................................................... 161
4 PROFECIAS NO NOVO TESTAMENTO..............................................................................163
5 CUMPRIMENTO DAS PROFECIAS...................................................................................165
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 167
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................170
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 172

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 174
UNIDADE 1 -

OS ELEMENTOS A
TRANSFORMAÇÃO DA
TEOLOGIA OCIDENTAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o contexto de origem da teologia e das civilizações antigas até o


advento do cristianismo;

• conhecer alguns pensadores que dão à teologia o contexto que se conhece na


contemporaneidade;

• entender a relação entre a teologia e outras áreas do conhecimento, como a Filosofia,


bem como a atividade teológica realizada de maneira científica;

• estudar os recursos e a divisão estrutural dos textos bíblicos.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ORIGEM DA TEOLOGIA


TÓPICO 2 – NATUREZA E DEFINIÇÃO DO UNIVERSO TEOLÓGICO
TÓPICO 3 – FUNÇÕES E DIVISÕES TEOLÓGICAS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
ORIGEM DA TEOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos o conceito de teologia, com a finalidade de
compreendermos melhor tal conceito, percorreremos o contexto histórico da sua
origem. A formação de um teólogo tem como interesse uma interpretação ampla do
universo teológico, bem como toda uma caminhada que fez com que se chegasse ao
que se conhece na contemporaneidade como teologia.

A relação do sujeito com o sagrado remonta a milênios da história da humanidade,


datada desde os primeiros registros escritos, em placas de argila, conhecidos como
escrita cuneiforme. À medida que a humanidade conseguiu compreender com mais
clareza o mundo ao seu redor, também passou a ocorrer algo que podemos chamar,
para fins didáticos e sem conotação pejorativa, de uma maturidade espiritual.

Essa caminhada de milênios fez com que se configurasse todo um universo


de concepção racional e espiritual, que gerou a interpretação que temos na
contemporaneidade. Nesse sentido, esta unidade busca dar um panorama de todo
esse complexo contexto, em que os estudos sugerem uma busca cada vez maior de
conhecimentos, visto que, apesar do esforço de dar uma interpretação introdutória
consistente, se pode deduzir que ainda há muito mais por se conhecer.

2 A ORIGEM DO CONCEITO DE TEOLOGIA


A palavra teologia é formada por termos advindos do latim (Theologia) e também
do grego (Theologos, em que theos significa “deus” e logia ou logos, “estudo”), sendo
entendida como um estudo sobre a existência de Deus, das questões referentes ao
conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e com os homens.

A palavra teologia não tem sua origem no mundo cristão; já na Grécia clássica,
encontramos esse termo ligado à filosofia. A conceituação do termo teologia surgiu,
pela primeira vez, no pensamento grego, no famoso livro A República, do filósofo grego
Platão, o qual fez referência à compreensão da natureza divina por meio da razão, em
oposição à compreensão literária própria da poesia grega.

A filosofia de Platão adquiriu força e espalhou-se pela Europa graças ao


Império Romano e aos padres cristãos, que, após sorverem avidamente as ideias de
Platão, fundindo-as com o cristianismo, num período histórico da filosofia chamado de

3
Helenismo, caracterizado pela fusão e harmonização dos pensamentos greco-romano
e judaico-cristão. Assim, surgiu o movimento chamado de Patrística, no qual o seu mais
eminente representante foi Santo Agostinho.

Aliás, a Teoria da Formas de Platão serviu de maneira perfeita para que os


vindouros filósofos cristãos medievais a adaptassem à ideia de céu, de Deus e das almas
que habitam o paraíso, como veremos mais adiante.

Posteriormente, com a invasão dos árabes na Península Ibérica, as ideias


de Aristóteles, preservadas e trazidas por eles, popularizaram-se na Europa. Nesse
ambiente, Tomás de Aquino, padre católico dominicano italiano do século XIII, erigiu
sua portentosa filosofia. Em sua obra mais famosa, a Suma Teológica, Aquino, imbuído
da concepção bíblica de Deus como criador do Universo, e tendo ele profundo
conhecimento da filosofia de Aristóteles, simplesmente reinterpretou a concepção
aristotélica de Motor Imóvel como sendo este motor o Deus Judaico-Cristão, como
também será visto mais adiante.

Aristóteles não usou o termo teologia ou debateu sua origem de maneira direta,
mas, valendo-se de suas conceituações filosóficas e atinentes ao, por ele, definido Motor
Imóvel, permitiu que os vindouros filósofos medievais, como Tomás de Aquino, o mais
eminente escolástico, erigissem sua Filosofia baseada na fé cristã e calcada em um
Deus único e criador de tudo.

FIGURA 1 – O MOTOR IMÓVEL

FONTE: <https://bit.ly/3psZjAE>. Acesso em: 15 set. 2020.

Assim, é possível entendermos que teologia não é estudar as religiões ou


a história das religiões, pois elas se referem à tradição religiosa ou à fé a partir da
perspectiva de alguém; a teologia busca definir Deus e sua expressão na fé pessoal
desde uma perspectiva interna.

4
3 PLATÃO
Platão foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates, fundador da Academia
Platônica e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido
Arístocles, sendo Platão um apelido que, provavelmente, fazia referência a sua
característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla
capacidade intelectual de tratar de diferentes temas.

Platão ocupou-se de vários temas, como ética, política e teoria do conhecimento.


Por volta dos 20 anos, encontrou o filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo até a
morte deste. Platão também é considerado o pai da Metafísica, devido à conceituação
conhecida como Mundo das Ideias ou Teoria das Formas, a qual erigiu numa tentativa
de conectar ideias advindas de filósofos pré-socráticos com outras ideias advindas de
seu mestre Sócrates.

Em viagens em terras fora da Grécia, buscou implantar seus ideais políticos,


mas não obteve sucesso. Então, retornou à Atenas, onde fundou a Academia Platônica,
instituição que logo adquiriu prestígio e foi procurada por muitos jovens e, até mesmo,
homens ilustres, a fim de debater ideias. Seu aluno mais conhecido foi Aristóteles; Platão
permaneceu na direção da Academia até a sua morte.

FIGURA 2 – PLATÃO (NASCIDO EM ATENAS EM 428/427 A.C., FALECIDO EM ATENAS EM 348/347 A.C.)

FONTE: <https://bit.ly/3zaTXOM>. Acesso em: 6 set. 2020.

3.1 OS PRÉ-SOCRÁTICOS E AS IDEIAS DE SÓCRATES


QUE CONTRIBUÍRAM PARA A CONSTRUÇÃO DA TEORIA
PLATÔNICA DO MUNDO DAS IDEIAS
Para explicar a Teoria das Formas ou Mundo das Ideias, como concebido por
Platão, deve-se revisitar as teorias de outros filósofos que o precederam. Sobre os
conceitos erguidos por filósofos anteriores, Platão conseguiu se apossar e combinar
essas teorias, para moldar a sua famosa teoria Metafísica do Mundo das Ideias.

5
Alguns dos filósofos que inspiraram Platão foram:

• Parmênides, filósofo grego pré-socrático natural da cidade de Eleia, que viveu entre
530 e 460 a.C. Foi o autor da conhecida frase “o ser é, o não ser não é”, o que o tornou
o primeiro pré-socrático a intuir a natureza das nossas percepções a respeito das
coisas humanas, visto que os filósofos pré-socráticos, até então, haviam filosofado
apenas sobre coisas do mundo (ou physis, a palavra para Mundo, em grego). Essa
famosa frase basicamente condensa a ideia da capacidade humana de conhecer.
Assim, ele quis dizer que o que importa é o conhecimento básico e essencial que
temos a respeito de algo, não interessando como esse algo foi ou virá a ser. Nosso
conhecimento se apoia na essência da coisa (para os gregos, a coisa, cada coisa ou
objeto ou corpo é um ser).

GIO
Por exemplo, seu melhor amigo de infância, por acaso, cruzou o seu caminho
após dez anos, mas você o reconheceu, mais gordo ou magro, alto ou baixo;
a essência do seu amigo, a qual você conheceu, em linhas gerais, é a mesma –
portanto, você o reconhece. Assim, o ser é, não interessando o que virá a ser.

• Heráclito, também filósofo grego pré-socrático da cidade de Éfeso, viveu entre 500 e
450 a.C. e foi o autor da conhecida ideia de que “a gente nunca entra duas vezes no
mesmo rio, pois nós e o rio estamos em constante mudança”. Ele afirmou que o mundo
está em constante devir (ou vir a ser). Ou não conseguimos conhecer verdadeiramen-
te o ser, pois este está em constante vir a ser. Portanto, ele defendia que o conheci-
mento absoluto das coisas jamais seria alcançado. Por exemplo, após o dia da compra
de um carro, no dia seguinte, valendo-se da conceituação de Heráclito, esse carro não
seria o mesmo do dia em que foi comprado; ele estará mais sujo e desgastado. Assim,
dizia Heráclito, todo o mundo e tudo nele. A cada fração de tempo, as coisas deixam
de ser como eram e adquirem uma nova realidade, mas que imediatamente também
muda. Tudo muda pela ação física, química e biológica do universo. Portanto, o ser não
nos é possível de ser conhecido e alcançado, pois tudo está em vir a ser.
• Sócrates viveu entre 496 e 399 a.C. Também conceituando sobre a capacidade
do homem conhecer, defendia a ideia de que, em vez de nos preocuparmos com
a apresentação geral de um problema, como a ética, por exemplo, deveríamos
nos centrar na essência da ideia que constrói esse problema. Por exemplo,
quando pensamos sobre o que fazemos para sermos felizes, inúmeras respostas
encontramos. Mas, essencialmente, o que podemos fazer na busca da felicidade
(em grego, eudaimonia)? Poder ou riqueza, ou bens materiais, ou reconhecimento.
Inúmeras respostas seriam possíveis, mas Sócrates, buscando a essência do
conceito felicidade, define que esta só é atingida ao se ter uma vida virtuosa.

6
Somente pelas virtudes e cultivando-as, qualquer homem, seja rico ou pobre, preto
ou branco, qualquer tipo de vida, só gerará uma pessoa completa se ela o conduzir,
por meio das virtudes, para a felicidade. Ainda exemplificando e usando exemplos
mais conhecidos, outros famosos questionamentos de Sócrates foram “O que é o
bem? O que é o belo?”, que remetem ao centro do pensamento socrático. Claro que
sabemos definir o que é belo ou bem, mas o que, em comum, nossas definições
têm? Em geral, o bem é ajudar aos necessitados e ser justo com todos, mas o que
existe de comum nesses “bens”? Sócrates, buscando a essência das coisas, definiu
que a essência do bem é a realização de algo que culmine em gerar a felicidade.

3.2 PLATÃO: MUNDO DAS IDEIAS (OU TEORIA DAS FORMAS)


De posse das concepções advindas dos dois pré-socráticos supracitados mais
a busca das essências advindas de Sócrates, e ciente de que, apesar de todas estarem
corretas, e, em certo grau, até mesmo se contradizerem, Platão conceituou o chamado
Mundo das Ideias, Teoria das Ideias ou Teoria das Formas, que o tornou o fundador da
Metafísica (apesar de este nome ter surgido apenas cinco séculos após Platão).

No Livro XII da obra A República, Platão expos a sua ideia de como aprendemos as
coisas, explicando de que maneira, para ele, o ser humano é capaz de aprender. Para Platão,
nosso espírito existia num plano acima deste em que estamos, onde o espírito existia e tinha
contato com toda e qualquer forma ou ideia ou conhecimento existente no mundo. Nesse
plano em que o espírito se encontrava, as formas ou ideias de todas as coisas do mundo
são perfeitas. Quando estamos prontos para o nascimento, o espírito encarna trazendo toda
essa carga de conhecimento. Entretanto, ao nascermos, não nos lembramos de nada; nas-
cemos como um papel em branco. Conforme somos colocados diante das coisas e das ex-
periências da vida e do mundo, nos lembramos paulatinamente de tudo, ao que entendemos
como “conhecer”. Tudo de real ou irreal que conhecemos já nos era conhecido previamente,
mas na sua forma perfeita. No nosso mundo, porém, as coisas não estão nunca na sua for-
ma perfeita; o que captamos, com nossos sentidos, são as formas imperfeitas. Essa cons-
trução teórica de Platão consegue somar a ideia de ser, de Parmênides, de vir a ser e as
imperfeições deste, de Heráclito, e ainda o conceito das essências das coisas, de Sócrates.

FIGURA 3 – O MITO DA CAVERNA

FONTE: <https://bit.ly/3psrdNb>. Acesso em: 10 set. 2020.

7
Portanto, podemos deduzir que, para Platão, nascemos com todo o arcabouço
do conhecimento, de forma inata, mas inconscientes disso. Sob a égide da Teoria do
Conhecimento, Platão é chamado de inatista (ou racionalista).

INTERESSANTE
A alegoria da caverna pode ajudar a demonstrar isso: em uma caverna
profunda, com uma única abertura para o mundo exterior e por onde a
luz do sol passa, sentado no fundo dessa caverna, acorrentados de costas
para a entrada e de frente para o fundo, existe um grupo de homens,
que sempre esteve assim, sendo a única realidade deles a
projeção das sombras das coisas que passavam pela abertura da
caverna, que se delineavam no fundo. Portanto, qualquer ideia sobre as Mas, este conhecimento, para
coisas do mundo se faria pelas suas formas projetadas no fundo da caverna. Platão, não se reduz ao
Por exemplo, esses homens não conheciam um cavalo real, mas, por cavalo, conhecimento sobre as leis
entendiam a sombra projetada no fundo da caverna. A ideia de cavalo, para eles, que regem o mundo físico,
é essa sombra, pois é apenas isso que eles conhecem. Entretanto, um dia um material ou dos fenômenos
desses homens conseguiu escapar das correntes e dos grilhões que o prendiam naturais, mas, da realidade
e saiu da caverna. Lá fora, ele ficou maravilhado, ao descobrir que o mundo como um todo, pois o ser
que eles conheciam era apenas uma projeção da realidade, e a realidade humano é capaz de
transcender para o mundo
é muito mais complexa e linda. Ele resolveu voltar e contar para os outros
das ideiais que, pode sim, ser
homens que ainda estavam acorrentados. Quando retornou e contou aos seus chamar de espiritual.
companheiros que o mundo deles é apenas uma projeção da realidade, os Somente conhecendo este
outros não acreditaram. A história continua, mas, até aqui, já temos elementos mundo espiritual, portanto, é
suficientes para elucidar o que essa maravilhosa estória nos ensina. possível obter um
Através dessa alegoria do Mundo das Formas, Platão conseguiu juntar tanto conhecimento verdadeiro e
Parmênides e seu “ser é, não ser não é”, Heráclito e seu “devir” ou “vir a preciso da realidade. Pois,
ser” e Sócrates e suas “essências” em uma teoria que a todos abarca, para enquanto o ser humano
explicar como o homem é capaz de obter conhecimento sobre o mundo. continuar restrito no
conhecimento do mundo dos
fenômenos naturais, ele
permanecerá olhando as
sombras no fundo da
4 ARISTÓTELES caverna.

Aristóteles também foi um filósofo grego, nascido na cidade de Estagira, no que,


hoje, chamamos de Grécia, mas que, na época, era pertencente à Macedônia. Todos os
aspectos da filosofia de Aristóteles continuam sendo objeto de estudos acadêmicos.
Embora Aristóteles tenha escrito muitos tratados e diálogos preparados para publicação,
somente um terço de sua produção original sobreviveu. Acredita-se que tudo o que hoje
conhecemos seja, de fato, anotações feitas por seus alunos e outras anotações que
eram usadas por ele mesmo para ensinar.

Apesar disso, sua produção foi profícua; escreveu sobre inúmeros temas do
conhecimento humano, sendo que muitas áreas, como lógica, biologia, física, ótica,
astronomia, psicologia, ética, política, entre outras, o consideram seu estudioso ou até
mesmo seu fundador.

Após a morte de Platão, com quem sempre esteve junto, abriu sua própria escola,
chamada de Liceu, onde seguiu os estudos de seu mestre. Muitas vezes, ele se contrapôs
totalmente às ideias de Platão, inclusive erigindo teorias totalmente diversas.
8
FIGURA 4 – ARISTÓTELES (NASCIDO EM ESTAGIRA EM 384 A.C., FALECIDO EM ATENAS EM 322 A.C.)

FONTE: <https://bit.ly/3w2efbg>. Acesso em: 6 set. 2020.

4.1 O MOTOR IMÓVEL DE ARISTÓTELES


Por meio de sua mente filosófica e partindo da observação do mundo e da
vida, Aristóteles facilmente percebeu, como já havia dito anos antes o filósofo pré-
socrático Heráclito, que tudo está em movimento, entendendo movimento como o
envelhecimento de uma pessoa, o enferrujamento do ferro ou o esfriamento de uma
xícara de café. Tudo isso como um movimento que ia do mais novo para o mais velho, do
metálico ao enferrujado ou do quente para o frio – ir de um estado físico a outro estado
físico é, por ele, entendido como um movimento. Para Aristóteles e sua filosofia, então,
movimento pode ser o deslocamento físico ou o deslocamento de um estado a outro.

Aristóteles também definiu, partindo do mesmo raciocínio, que um movimento


só ocorre em decorrência de um movimento anterior que o preceda e o gere – algo
ocorre, sempre, se outro algo o causar. Isso é chamado de causalidade. Por exemplo,
uma xícara de café esfria na medida em que o calor se “movimenta” e se dissipa do café
quente para o meio, mais frio.

Usando um exemplo mais afeito à atualidade, mas que pode demonstrar isso
mais facilmente: impulsionados pela energia gravitacional, a Via Láctea se movimenta
em relação às demais Galáxias do Universo, o Sistema Solar gira em relação a outros
sistemas locais, os planetas giram em torno do Sol, a lua gira em torno da Terra, os
átomos que compõem as coisas da Terra são formados por partículas que giram ao redor
de outras partículas, e assim repetindo esse movimento indefinidamente. Portanto,
um movimento se segue outro movimento; um movimento causa o outro movimento.
Entendemos, assim, que só haverá um movimento se outro o preceder, o causar.

Se fizermos o raciocínio reverso, ou seja, um movimento só ocorreu porque


outro o precedeu, e este que o precedeu só ocorreu porque um anterior o gerou, e assim
por diante, inexoravelmente deve-se ter algo que origine um primeiro movimento a
partir do qual os outros continuam e por ele foram causados. A essa origem do primeiro
movimento, Aristóteles nominou de Motor Imóvel ou a Causa Primeira. Assim, existe

9
um gerador do primeiro movimento, o primeiro motor, um Motor Imóvel e que imprimiu
o movimento inicial, o qual, então, pôs todo o Universo em movimento perpétuo: “É
necessário chegar a um primeiro motor, não movido por nenhum outro, e este, todos
entendem: é Deus” (AQUINO, 1984, p. 130).

4.2 FILOSOFIA GREGA NA EUROPA CRISTÃ


Os passos da Filosofia advinda da Grécia Antiga para o mundo cristão foram
construídos pelo cultivo de escritos filosóficos que passaram a ser popularizados por
vários pontos do Império Romano. Platão e sua filosofia foram vastamente estudados no
início da era cristã, assim como muitos outros, como os escritos dos filósofos conhecidos
como Estoicos ou Epicuristas, ou Cínicos, e muitos outros.

Nos primeiros anos da era cristã, Aristóteles era um autor praticamente


desconhecido na Europa. Suas ideias só chegaram à Europa pelos escritos de filósofos
árabes, como Avicena e Averróis, após a invasão e a colonização da Península Ibérica
(atual Espanha e Portugal) pelos árabes. Esses filósofos trouxeram a filosofia aristotélica
que, apesar de perdida na Europa, havia sido mantida e estudada no mundo árabe.

IMPORTANTE
CONCEPÇÃO DE MOTOR IMÓVEL OU CAUSA PRIMEIRA

Aristóteles argumenta nos livros 8 da Física e 12 da Metafísica “que deve haver um ser imortal
e imutável, responsável por toda a integridade e ordem no mundo sensível”. O estagirita
(modo muito usado em filosofia para se referir a Aristóteles, que nasceu em Estagira) parte
de uma premissa geral de que tudo o que existe possui uma causa. O Universo existe e
teve um começo. Nem sempre existiu. Portanto, se antes não existia e passa a
existir, sempre se pensa que, para isso ocorrer, houve e há uma causa, pois
não existe a possibilidade de, do nada, vir algo (do não ser, é impossível o ser).
Percebemos facilmente que cada ser, ou ente, possui uma causa, que esta
que o causou também possui uma causa, e assim por diante. Contudo, não
é possível recuar infinitamente numa série de causa; ou seja, o retorno ao
infinito é impossível, pois, senão, o Universo nem existiria, pois não teria um
começo. Portanto, é lógico que deve haver uma causa primeira, a qual é
necessariamente incausada, ou seja, algo que não teve algo anterior que a
causasse. Essa causa incausada gerou tudo o mais, pois desse ser seguiu-
se outro, do qual seguiu-se outro, e assim continuadamente até surgirem
todos os seres que compõe o Universo. Inclusive você.

5 PATRÍSTICA
A Patrística é o período de aproximação entre as concepções teológicas semitas/
cristãs e a filosofia platônica. Coube a Santo Agostinho, o maior filósofo cristão desse
período, o papel de transformar os conceitos, até então existentes na Patrística, em algo
10
mais maduro, vinculado à filosofia. Essa união de cristianismo e filosofia foi conseguida
por Agostinho com tal êxito que a Patrística assumiu seu verdadeiro arcabouço apenas
após a revolução conceitual por ele perpetrada.

FIGURA 5 – CULTURA MEDIEVAL

FONTE: <https://bit.ly/3g0WS5o>. Acesso em: 20 set. 2020.

A Patrística conseguiu êxito total ao aproximar o conceito metafísico de Platão


e seu Mundo das Ideias com o conceito religioso judaico-cristão de Paraíso Celeste. Se
existiu uma forte influência da filosofia pagã (grega) na teologia cristã, também o oposto
se deu; não havia, na época, como chegar aos conceitos filosóficos gregos sem enten-
dê-los como embebidos com a terminologia das Escrituras. Essa aproximação da filoso-
fia com o cristianismo foi de tal magnitude, na Patrística, que o filósofo neoplatônico Nu-
mêncio disse: “Platão é um Moisés falando em grego” (HEBECHE; DUTRA, 2008, p. 27).

5.1 SANTO AGOSTINHO


Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona, nasceu em Tegasta, em 354, e
faleceu em Hipona (Hippos) em 430, mas viveu como um romano, mesmo não residindo
na cidade de Roma, pois sempre esteve em terras pertencentes ao Império, tendo,
inclusive, um cargo de orador dentro do império, na cidade de Milão.

Antes pagão, tornou-se, posteriormente, um dos maiores pensadores e filósofos


cristãos, ajudando a espalhar através das fronteiras do vasto Império Romano a doutrina
cristã, a qual, de bagagem, levava a filosofia grega, pela fusão dessa doutrina religiosa
(cristianismo) com as ideias do filósofo grego Platão. Essa fase da História da Filosofia é
conhecida por Helenismo, quando ocorre a fusão da filosofia grega e da teologia semita,
e emerge a Patrística, período caracterizado pela manutenção e pela interpretação do
pensamento filosófico grego por padres e pensadores cristãos.

Agostinho, antes de se tornar um religioso cristão, era, então, um funcionário,


um orador a serviço do Rei de Milão. Tinha mulher e um filho. Também vivia com sua mãe
que, diferentemente dele, era cristã. Ele se declarava um Maniqueísta (uma espécie de
up grade do Gnosticismo, que se iniciou na Pérsia).
11
Já padre cristão influente, foi nomeado Bispo de Hipona. Naquele período histórico,
o Império Romano do Ocidente estava entrando em crise, principalmente pelas constantes
invasões bárbaras. Num determinado momento desse bispado, a Cidade de Hipona foi sitiada
pelo líder bárbaro germânico Vândalo, chamado de Genserico.

Vendo a cidade em situação irreversível, Agostinho foi até o líder germano e


ofereceu-se em troca da fuga dos inocentes. No entanto, foi poupado e, ao retornar à
cidade, Agostinho proferiu um discurso em que começou a explanar sobre a igualdade
dos homens a despeito da origem, pois enxergou em Genserico a mesma essência de
humanidade do povo ao qual ele próprio pertencia.

FIGURA 6 – SANTO AGOSTINHO (NASCIDO EM TEGASTA EM 354, FALECIDO EM HIPONA EM 430)

FONTE: <https://bit.ly/2SjnxRD>. Acesso em: 6 set. 2020.

ATENÇÃO
Na época de Agostinho, o cristianismo já era a religião oficial do Império
Romano. Entretanto, não havia uma unificação da religião, existindo
inúmeras correntes cristãs: Gnosticismo, Montanismo, Monarquianismo,
Valentianismo, Marcianismo e Patrologia Grega. Além disso, inúmeros
pensadores, como Orígenes, Contra Celso etc., também conduziram as
suas próprias versões do cristianismo. Coube ao esforço e ao pensamento
de Agostinho e sua obra mais famosa, Cidade de Deus, a defesa de
uma verdadeira Igreja Católica Apostólica Romana. Entre as inúmeras
designações cristãs antes existentes, ela foi a que se tornou oficial e
majoritariamente única, até a Reforma Protestante.

6 ESCOLÁSTICA
A harmonização dos preceitos cristãos e as definições e as ideias de Aristóteles
fundaram o movimento filosófico cristão chamado de Escolástica. Tomás de Aquino, com
quem esse movimento filosófico/religioso começou, fez isso sob inúmeros aspectos,
mas, principalmente, sempre apoiando e se valendo da definição de quatro tipos de leis:
12
• I- Lei eterna ou a razão reguladora de Deus.
• II- Lei divina ou os mandamentos revelados.
• III- Lei natural ou a parte da lei eterna em que razão de Deus é aplicada às criaturas
racionais.
• IV- Lei humana ou a lei natural própria das específicas comunidades, sendo esta a
lei epistêmica primeira.

Essas leis, maiormente as leis III e IV, compilam que o ponto central da Filosofia
Moral tomista, ou a lei natural, proclama que se faça o bem e evite-se o mal. Esse é, sem
dúvida, o princípio ético primeiro de Tomás de Aquino, para o qual tanto as leis naturais
como as morais podem ser igualmente apreendidas pela razão.

Mesmo corroborando com Aristóteles e sua observação de que a felicidade é o


fim último e o bem completo, Aquino considera que o fim último só pode estar atrelado
ao que seria tido como a perfeição – esta só pode ser atingida com a contemplação de
Deus após a morte, na vida eterna ao lado de Deus. Em vida, salienta que o bem da alma
é viver segundo a razão e as virtudes a ela atreladas. Sobre isso, Aquino considera as
virtudes como hábito operativo, ou meios em busca de um fim, esclarecendo que, entre
os hábitos operativos, alguns visam sempre ao mal, como os vícios, outros ora o bem
ou o mal, como opiniões que podem ser, de acordo com a circunstância, verdadeiras
ou falsas. Entretanto, ele define que as virtudes não são hábitos operativos cujo fim é,
inexoravelmente, o bem. Como em Aristóteles, ele elege as Virtudes Cardeais: Sabedoria,
Justiça, Coragem e Temperança (Prudência).

FIGURA 7 – ESTUDO TEOLÓGICO

FONTE: <https://bit.ly/3x1xMbX>. Acesso em: 5 set. 2020.

Tomás de Aquino apresenta, ampliando o que os gregos haviam definido, as


chamadas virtudes teológicas ou teologais, distinguindo-as das demais e tendo-as como
as mais perfeitas. Ele reforça que, antes de elas se relacionarem com a felicidade humana,
estão vinculadas com o supra-humano, ordenada por Deus; ou seja, estão vinculadas com
a felicidade sobrenatural, beatitude (felicidade e paz eterna, fim maior de qualquer virtude).

13
Das virtudes teologais, em Aquino, temos, em primeiro lugar, a fé como geradora
das outras duas – a esperança e a caridade (aqui, como a caridade implica amor a Deus
e a todas as criaturas, pode-se trocar ou definir caridade por amor). Assim, estando a
caridade/amor vinculada a um amor incondicional a Deus e aos outros homens, além
de todas as criaturas que são frutos da obra criadora de Deus, a caridade passa a ser a
mais perfeita das virtudes teológicas. Portanto, diferentemente da ordem de geração das
virtudes teologais, quando se analisa sob a ótica da perfeição, a caridade/amor precede a
fé, seguida pela esperança.

NOTA
SÃO TOMÁS DE AQUINO

Tomás de Aquino nasceu na Itália, em Roccasecca, em 1225, e faleceu em Fassanova, em


1274. Foi um filósofo cristão medieval do século XIII, tendo sido o representante maior da
linha filosófica cristã conhecida como Escolástica, na qual a fusão do pensamento judaico-
cristão e as ideias filosóficas de Aristóteles começaram a emergir e ser ensinadas em
inúmeros mosteiros da Europa. As leis divinas cristãs, a virtude grega e sua racionalidade
são harmonizadas e se complementam em Aquino.

TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

FONTE: <https://bit.ly/3prSxLz>. Acesso em: 6 set. 2020.

7 VII PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA NO ADVENTO DA


METAFÍSICA RELIGIOSA CRISTÃ
A Patrística, como já vimos, foi o movimento dos primeiros padres católicos,
cujo maior representante foi Santo Agostinho. A Patrística recebeu esse nome por
abrigar os primeiros padres, “pais”, da Igreja Católica. Em seu início, essa fase da
filosofia serviu ao pensamento cristão por meio das apologias do cristianismo, pois
o pensamento cristão, ainda no século III d.C., não era bem difundido na Europa. Coube
à Patrística fundir a Metafísica Grega com a teologia Judaica e as primeiras escolas
cristãs. A essa nova roupagem advinda dessa fusão entre a Metafísica Filosófica Grega

14
e a Metafísica Religiosa Judaico-Cristã apoia o aparecimento do que chamamos de
Helenismo. Segundo Paul Tillich, foi o Helenismo o movimento que mais influenciou os
novos teólogos e, principalmente, os pensamentos de Platão formaram as bases da fase
do pensamento cristão, os componentes da chamada Patrística. O mesmo Paul Tilich
aponta cinco elementos fundamentais nessa linha:

• o primeiro é o conceito de transcendência;


• o segundo é a desvalorização da existência;
• o terceiro é a doutrina da queda da alma da eterna participação no mundo essencial ou
espiritual, sua degradação terrena num corpo físico, que procura se livrar da escravidão
desse corpo, para, finalmente, se elevar acima do mundo material;
• o quarto é a ideia da providência divina;
• o quinto elemento presente na teologia cristã vem de Aristóteles, que aponta o divino como
forma sem matéria, perfeito em si mesmo (HEBECHE; DUTRA, 2008, p. 37).

A Escolástica, também já citada anteriormente, foi um movimento iniciado no


século XIII, quando as escrituras sagradas cristãs passaram a ser lidas pelos escritos
filosóficos de Aristóteles. Nessa época, pela invasão árabe ocorrida na Península Ibérica,
os ensinamentos de Aristóteles se popularizaram na Europa.

A concepção de Deus, inicialmente sob o viés platônico (Patrística) e,


posteriormente, aristotélico (escolástica), entrou na igreja cristã e exerceu enorme
influência, sobretudo na formulação da teologia medieval.

Assim como a filosofia, a teologia também parte da mesma concepção de algo


que não existe no mundo físico. Foi pelas mãos dos filósofos medievais cristãos que
surgiu a comparação e o paralelismo da teologia Cristã e a Metafísica Platônica (Patrística)
e, posteriormente, a Metafísica Aristotélica (Escolástica). Daí, o entendimento de Deus e
das demais entidades não físicas e atreladas ao cristianismo passam a ser abordadas e
entendidas sob a mesma ótica presente no pensamento platônico e aristotélico.

Hoje, a Metafísica, como disciplina de estudo, pode se dividir em Metafísica


Teológica, Metafísica Filosófica (Ontologia), Metafísica Psicológica, entre outras. No
entanto, em qualquer abordagem, seja teológica, filosófica etc., a concepção de
algo pertencente a uma definição advinda de outro mundo, que não se faz presente
fisicamente no mundo que habitamos, está sempre presente.

15
IMPORTANTE
SE DEUS EXISTE

Pensamento filosófico de Aquino – Metafísica da divindade

Essa questão, ainda tão pujante em nossos dias, também habitava as mentes desde o
aparecimento desse ser inteligente, chamado de Homo sapiens sapiens. Isso não seria
diferente na Europa cristã do século XIII, época do auge da Escolástica. Dessa época,
partiram as demonstrações (tidas, então, como inequívocas) da existência de Deus.

Esse escrito baseia-se no material fornecido sob a forma de livro-texto da matéria História
da Filosofia II, Se Deus existe e Anexo IV – Aquino, disponíveis no site de Ensino a Distância
(EAD) da Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

À época de Aquino, o maior intento da doutrina cristã, além de tentar transmitir a “boa
nova” do cristianismo e toda a benevolência, magnificência e grandeza do Deus cristão,
seria tornar a existência dele ser de maneira in contesti. Daí, partindo-se da essência desse
Deus, formulam-se algumas hipóteses, conforme explicado a seguir.

Se Deus existe

a) Se a existência de Deus é por si mesma conhecida:


• Qualquer homem percebe através de seu intelecto o todo em sua volta e consegue
definir as partes deste todo. Também consegue apreender as maravilhas e a perfeição
desse mesmo todo em volta. Se as partes podem ser identificadas como maravilhosas,
perfeitas, o todo é de tal grandeza repleto de predicados belos que só pode ser domínio
de algo maior, mais belo e perfeito. Como facilmente se apreende no mesmo intelecto
de algo tido como o maior, faz-se impossível algo ainda maior. E este algo maior é Deus.
• A verdade existe a despeito de conceder-se ou não esse predicado (verdade) a um
fato. Ora se essa verdade existe a despeito de seu reconhecimento e “Deus é a própria
verdade” (Jô, 14:6), então, Deus existe. Considerando-se que Deus não é autoevidente, e
em sendo Deus, por exemplo, a felicidade, não se pode atrelar diretamente o fato de se
sentir feliz com Deus. Entretanto, deve-se entender que a verdade, apesar de existir por
si, é fruto da existência de “uma primeira verdade”, e isso não pode ser, de fato por si,
sem essa “primeira verdade” ter sido erigida – esse arquiteto que a erigiu é Deus.
b) Se é demonstrável a existência de Deus:
• Questionamento: por sua existência ser artigo puro da fé, a existência de Deus é
indemonstrável, de maneira direta; poder-se-ia fazê-lo através de seus atos por nós
detectados e a Ele atribuídos.
º Resposta: as coisas existentes e de origem inexplicável existem por si, e necessariamente
precisam de um criador, conectando a existência de “algo” (alegoricamente chamado
de efeito) à existência de “algo que a criou” (causa) –assim, demonstra-se a existência
de um Deus pela ideia causa × efeito.
• Questionamento: sem a possibilidade de se definir algo em relação a Ele, não se pode
constatar sua existência. Deus é indefinível e, portanto, improvável.
º Resposta: ao demonstrar algo através de seu efeito, necessariamente, deve-se
empregar o efeito na definição da causa.
• Questionamento: porém, pode-se alegar que atos são finitos, mas o citado Deus é infinito,
gerando aí uma incongruência que fala a favor da não existência deste Deus.
º Resposta: a isso alegar-se-ia que, a despeito de conhecermos seus atos e podermos
demonstrá-Lo através desses mesmos atos, Deus não se faz possível em se conhecer
em sua essência.

16
c) Se Deus existe:
• Pode-se questionar, ainda, a existência de Deus:
a) Se por Deus se apreende o bem infinito, como pode existir o mal?
b) A existência de Deus faz-se desnecessária na medida em que, recorrendo-se a
princípios outros, como o natural, a natureza e o proposital, representado pela ação
voluntariosa do homem, poder-se-ia explicar tudo o que no mundo a nós aparece.
º A resposta a isso se dá em cinco vias, formuladas por Tomás de Aquino:
I- O movimento, pois sempre, quando ocorre, se deve a uma ação de outro. Esse outro,
atuando sobre o objeto a ser movido, imprime a este “um ato” que gera o segundo
ato, o de mover-se. E qual é o ato que gera o calor do fogo que virá a consumir a
madeira, ou o ato que gera o movimento do sol ou da lua, senão Deus? Melhor
explicando: poder-se-ia aventar uma sequência de movimentos que geram outros
movimentos, e que geram outros, e assim indefinidamente. Entretanto, mesmo
nesse raciocínio, o primeiro movimento tem que ser necessariamente gerado por
um antecedente movimento, e, imaginando-se que este último movimento citado é o
primeiro da sequência, algo deve ter sido o responsável por colocá-lo em movimento,
por gerá-lo, e este algo é Deus.
II- A perfeição do mundo, a eficiência das coisas, a correta ordenação e combinação
dos elementos só podem ser oriundas de um criador – uma relação causa × efeito.
Contudo, só ocorrerá o efeito se, e somente se, houver um ser causador, uma causa.
E esse causador é Deus.
III- Obviamente, se algo existe, em dado momento iniciou sua existência. Nem que esse
algo exista sempre e tenha se originado de outra coisa, e esta coisa de outra, e assim
indefinidamente, houve uma primeira coisa. E se essa primeira coisa, hipotética,
existiu, ela obrigatoriamente iniciou-se a partir de algo que a criou. Este algo é
Deus. Novamente, poder-se-ia aventar sobre o que o surgimento de Deus é, e a
isso prontamente se responde que Deus existe em si e é a causa de todos os outros
seres existirem.
IV- O grau em que os predicados se apresentam são uma prova contundente
da existência de Deus. Os predicados variam de intensidade de apresentação
em diferentes indivíduos; se usarmos, por exemplo, a bondade, o máximo
da bondade a que se possa examinar, o que nunca pode ser atribuído a
nada existente no planeta, só pode ser atribuído a Deus.
V- A aparente ordenação do mundo – e aparentemente essa ordenação
tem sempre um objetivo – parece ter controle inteligente. Animais,
mesmo os simples, sempre operam de maneira intencional,
mas não racional, como que ordenados por algo intelectualmente
superior. Esse algo intelectualmente superior, que ordena o mundo
natural e dos homens, se chama Deus.

8 A TEOLOGIA ANTES DE CRISTO


O termo teologia já existia antes de Cristo, embora tenha surgido em Platão, o
conceito estava presente desde os pré-socráticos.

Platão, certamente, foi o mais permanente e influente pensador grego. Em


sua obra Timeu, ele disse: “Tudo o que se gera é necessário que seja gerado por alguma
coisa sem a qual não é possível que alguma coisa seja gerada [...]” (PLATÃO, 2000, p. 28).
Aqui, abertamente, Platão conjectura sobre algo como criador do todo. Esse conceito foi,
posteriormente, mais bem apresentado pelo seu discípulo Aristóteles.

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Como esmiuçado no Mundo das Ideias, visto anteriormente em Platão, ele
acreditava que, ao nascimento, o corpo é encarnado por uma alma advinda do Mundo
das Ideias, e que essa alma traz consigo o conhecimento de todas as coisas do mundo.
Nesse momento da encarnação da alma no corpo, esquecemos de tudo o que a nossa
alma sabe e conhece.

Platão, então, define que conhecer algo, na verdade, é relembrar desse algo que já
era previamente conhecido pela alma. Portanto, em Platão, conhecer é uma anamnese, que
é o oposto de amnésia, que sabemos se referir a não conseguir lembrar de nada. Anamnese
é relembrar, é algo como, confrontados a uma situação, fato ou objeto, nosso cérebro ter que
relembrar o que aquilo é. Platão escreveu em Fédon: “E isto não poderia ser, se a nossa alma
não tivesse vivido em outro lugar, antes de haver entrado nesta forma de homem; pelo que,
ainda por esta razão, se torna evidente que a alma é algo imortal” (PLATÃO, 2000, p. 72-73).

Um conceito advindo também dele e que foi apreendido pelo cristianismo é de


que as almas puras voltam para o lugar de onde vieram, o paraíso das almas, o Mundo
das Ideias, o lugar divino (PLATÃO, 2000, p. 248).

A alma boa “irá para o que lhe assemelha, para o que é invisível, para o que
é eterno, divino, intelectual e imortal, aonde, chegando, será bem-aventurada, livre
dos erros, da insensatez, dos temores dos selvagens amores e das outras desgraças
humanas, passando todo o seu tempo com os deuses” (PLATÃO, 2000, p. 81). “As outras
sofrerão o juízo” (PLATÃO, 2000, p. 249).

Coube ao filósofo Andrônico de Rodes, tabulando e organizando os escritos


de Aristóteles, pela primeira vez, usar o termo Metafísica para nominar um escrito de
Aristóteles que, até hoje, é conhecido por esse nome. O termo se referiria à alguma
ciência que não era a Ética, a Lógica, a Física, ou qualquer outro pensamento de
Aristóteles compilado por Andrônico.

Esse volume era composto por escritos que não se encaixavam em nenhum dos
anteriores. Como era o volume que ocupava, na coleção, o espaço que ficaria depois da
física, Andrônico chamou-o de após física, ou meta física, ou metafísica. A ideia dessa
natureza Metafísica já era presente em Platão e seu Mundo das Ideias, que, inclusive, é
tido como o pai da Metafísica.

Sobre o conceito de Metafísica, explicaremos mais uma vez usando um exemplo


que remete à Teoria das Formas, ou Mundo das Ideias, de Platão: quando alguém pergunta
“o que é uma árvore?”, obviamente respondemos que sim. Ao escutar essa pergunta,
imediatamente vem à mente a ideia de árvore. Não uma árvore específica, mas uma
árvore qualquer, em geral, ou o ser (ou ente) árvore, que não existe necessariamente no
mundo físico, mas existe na sua ideia. E isso é chamado de Metafísica em Filosofia. Isso
pode ser entendido como imaginação: imaginar a essência de uma árvore, ou ter a posse
da “arvidade” daquela forma captada por seus olhos e enviada para sua mente. Em outra
situação, ao andar num deserto, isolado, sabendo que se está perdido, bem ao longe, de

18
repente, é possível avistar uma imagem de um ser em pé, com braços, pernas, um tronco
e uma cabeça, ou seja, um contorno bastante conhecido; imediatamente, seu cérebro,
buscando os arquivos conhecidos, compara e identifica aquela imagem com a de um ser
humano, mesmo estando longe, não sabendo quem é, se é amigo ou hostil, as formas
que estão na mente remetem à ideia de um ser humano, a “humanidade” daquela forma.

Com a expansão do Império Romano e a conquista da Grécia, a sociedade


intelectual Romana sorveu avidamente a cultura Grega (inclusive as divindades romanas
e gregas eram as mesmas, mas com nomes diferentes), expandindo-se fortemente por
todo o Império Romano. Após a conquista do Meio Oriente, surgiu o cristianismo. Essa
nova religião espalhou-se paulatinamente pelo Império, até ser oficializada em 313 d.C.,
por Constantino, e finalmente oficializada em 390 d.C. por Teodósio. Essa expansão
encontrou uma sociedade embebida nos conceitos filosóficos advindos dos gregos.

Ao definirmos o homem, podemos aceitar que existiu sempre a capacidade


imaginativa de lidar e criar com ideias e conceitos não físicos e, portanto, Metafísica. As
imagens pintadas pelo Homo sapiens na caverna de Lascaux, na França, com pictogramas
de animais e homens em uma caçada, por exemplo, permitem facilmente concluir que,
para fazer uma representação como aquela, o homem deveria imaginar, ter a ideia de, por
exemplo, um cavalo. Ou seja, o homem que fez aquelas pinturas conseguia ter uma imagem
Metafísica, dentro de sua mente, do mundo físico.

Também nessa época da história humana, observa-se que os mortos eram enterra-
dos com algum tipo de ornamento ou pintura, o que demonstra que aqueles homens reve-
renciavam seus parentes mortos e pensavam em dar a eles algum conforto numa pós-morte.

Aqui, também, temos nitidamente um sinal de uma crença em uma vivência


humana após a existência física, ou metafísica. De posse dessa habilidade mental,
aquele Homo sapiens, quando se deparava com fatos do mundo que não sabia explicar,
com situações com as quais ficava apreensivo ou alegre, além de ser consciente de sua
finitude, certamente desenvolveu uma Metafísica Religiosa, certamente mais primitiva,
longe da maturidade e riqueza dos conceitos metafísicos que sustentam a cristandade.

FIGURA 8 – PINTURAS RUPRESTES DA CAVERNA DE LASCAUX (CERCA DE 17 MIL ANOS)

FONTE: <https://bit.ly/3vZxtOX>; <https://bit.ly/3z69YFP>. Acesso em: 6 set. 2020.

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Dessa forma, é possível compreender o contexto vasto, mesmo que abordado
de modo breve, de todo um gigantesco universo teológico que foi se moldando com o
passar dos anos, e que, desde as primeiras imagens em rocha, até o período em que
se passa a encontrar um desenvolvimento maior do cristianismo. Assim, foi possível
conhecer um pouco sobre o início de um universo que, hoje, se reconhece como teologia.

20
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Platão, valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelo estudo dos filósofos pré-
socráticos, desenvolveu a chamada Teoria do Mundo das Ideias. Além disso, partiu
de Platão, e até antes dele dos filósofos gregos pré-socráticos, a definição e o uso
das palavras teologia e teólogo.

• A Teoria do Motor Imóvel foi criada por Aristóteles e, posteriormente, usada pelos
filósofos e teólogos medievais, tendo grande importância na história da Filosofia e
da teologia.

• Várias foram as contribuições filosóficas de Santo Agostinho, tanto para a Filosofia


quanto para a teologia cristãs, relacionando suas interpretações filosóficas,
amparadas na filosofia grega de Platão, e o impacto desse pensamento na estrutura
da teologia.

• A Patrística, ramo da Filosofia Medieval que foi desenvolvida por Agostinho, é o


período de aproximação entre as concepções teológicas semitas/cristãs e a filosofia
platônica.

• São Tomás de Aquino, seu papel filosófico e teológico na história do Cristianismo,


sendo o grande nome de outra grande estrutura de interpretação da Filosofia
Medieval, na qual os teólogos eram estudantes dos textos bíblicos e de sua
interpretação, o que recebeu o nome de Escolástica.

• A Patrística conseguiu êxito total ao aproximar o conceito metafísico de Platão e


seu Mundo das Ideias com o conceito religioso judaico-cristão de Paraíso Celeste.

• Tanto a Patrística quanto a Escolástica foram formas de estruturação para a


interpretação da Metafísica Religiosa Cristã.

• O termo teologia já existia antes de Cristo, embora tenha surgido em Platão, o


conceito estava presente desde os pré-socráticos.

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AUTOATIVIDADE
1 Quando pensamos na origem da teologia, conhecer e estudar o filósofo grego Platão
é fundamental. Para explicar essa afirmação, analise as sentenças a seguir:

I- Platão criou a concepção metafísica chamada de Teoria das Formas ou Mundo das
Ideias, usada pelos filósofos e pensadores como uma teoria para explicar o Paraíso
do Deus Cristão. *tentou ou melhor obteve êxito...
II- A criação do Mundo das Ideias, por Platão, surgiu quando ele tentou associar, numa
única ideia, uma concepção que explicasse e validasse tanto a concepção atinente
ao filósofo Parmênides quanto a do filósofo Heráclito e a de seu mestre Sócrates.
III- A importância de Platão para a teologia se dá por ter partido dele a ideia de céu, No entanto,
de fato, a
inferno e purgatório. cultura
IV- O famoso Mito da Caverna foi uma maneira genial de Platão tentar fazer sua Metafísica grega
anterior a
ser entendida, uma vez que defendia que o homem teria apenas contato com as Platão,
formas perfeitas das coisas do mundo antes de nascer e que, após o nascimento, apresenta
seu contato se dá apenas com as formas imperfeitas do mundo. os conceitos
corresponde
Fique de Olho: Em questões de múltipla
ntes a estes
escolha, frequentemente, expressões tais
Assinale a alternativa CORRETA: como "nunca, sempre, somente, apenas..."
conceitos
cristãos.
induzem ao erro e podem estar erradas.
a) ( ) As assertivas I e II estão corretas.
b) ( ) As assertivas I, II e III estão corretas.
c) ( ) As assertivas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as assertivas estão corretas.

2 A construção filosófica de Aristóteles, conhecida como Motor Imóvel, tem enorme


importância para a teologia por demonstrar que algo deve ter gerado o início
da existência, uma vez que, assim, do nada, não pode vir tudo. Considerando a
denominação Motor Imóvel, analise as afirmativas a seguir:

I- Motor Imóvel refere-se a um hipotético motor sem combustível e do qual o homem


surge.
II- Partindo de que algo necessariamente surge de outro algo, ou seja, é impossível algo
surgir de nada, Aristóteles raciocina que se tudo tem uma origem, então o primeiro
componente desse “tudo” foi originado por alguém ou algo. Deve ter algo que o
originou, mas que ele mesmo, este algo, não foi originado por ninguém; esse algo
não foi originado do nada. O movimento de criação, para esse algo, nunca se fez, daí
ele é chamado de Motor Imóvel.
III- A teoria do Motor Imóvel, de Aristóteles, casou muito bem com o conceito teológico
judaico-cristão de um Deus criador de tudo no Universo. Deus como primeiro motor.
IV- Aristóteles foi bem anterior a Platão.

22
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.


b) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
c) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.

3 Santo Agostinho, padre cristão que viveu no início do Cristianismo, sorveu avidamente
os escritos de Platão, do Helenismo e da chamada Patrística, tornando-se um
eminente normatizador do Cristianismo, de seus ritos e de sua teologia. Já no século
XIII, São Tomás de Aquino, valendo-se dos escritos de Aristóteles, deu início a uma
corrente filosófico cristã chamada de Escolástica. Classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Agostinho foi o mais eminente representante da Patrística, uma corrente filosófica


que se caracteriza pela fusão e pela harmonização das concepções Teológicas
Cristãs e o pensamento filosófico de Platão.
( ) A Patrística absorveu tanto as ideias de Platão que um pensador, Numêncio,
afirmou que “Platão é um Moisés falando em grego”.
( ) Coube ao esforço e pensamento de Agostinho e sua obra mais famosa, Cidade de
Deus, a defesa de uma verdadeira Igreja Católica Apostólica Romana.
( ) Tomás de Aquino teve sua filosofia caracterizada pela não harmonização dos
preceitos cristãos e as definições e ideias de Aristóteles, mantendo-se fiel às ideias
de Platão.
( ) No famoso escrito “Se Deus Existe”, Tomás de Aquino apresenta o que é chamado
de “prova Metafísica (Ontológica) de que Deus existe”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – V – F – F.
b) ( ) V – V – F – F – F.
c) ( ) V – V – F – V – F.
d) ( ) V – V – V – V – V.

4 Apesar de a palavra teologia imediatamente remeter à ideia de teologia do Cristianismo,


trata-se de um termo que surgiu muito antes da crença cristã. Dessa forma, analise
as sentenças a seguir:

I- Apesar de o termo teologia surgir pela primeira vez com Platão, sua concepção
já estava presente nos pré-socráticos e na humanidade muito antes do início do
Cristianismo.
II- Advém dos escritos de Platão, na cultura grega, e, posteriormente, incorporada ao
Cristianismo, a noção de um criador de tudo e também a concepção de um mundo
acima deste, em que habitam as almas que já existiam antes mesmo dos nossos

23
corpos, que encarnam, de maneira tal que, ao nascermos, somos seres humanos
com corpo e alma.
III- O filósofo Aristóteles criou o termo Metafísica para designar alguns de seus escritos
compilados.
IV- O poder de imaginar e criar ou conjecturar um mundo com figuras não físicas, ou
metafísicas, só apareceu no Homo sapiens quando este fez contato com a realidade
atinente ao Cristianismo.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As assertivas I e II estão corretas.


b) ( ) As assertivas II e III estão corretas.
c) ( ) As assertivas III e IV estão corretas.
d) ( ) As assertivas I, II e IV estão corretas.

5 Platão foi importante não somente na Filosofia, mas também na teologia. Nesse
sentido, seu universo de interpretação foi indispensável para a formulação de
conceitos cristãos na teologia. Disserte sobre a relação do Mundo das Ideias de Platão
com a noção de Deus, do Cristianismo.

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UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
NATUREZA E DEFINIÇÃO DO UNIVERSO
TEOLÓGICO

1 INTRODUÇÃO
No sentido de reforçar o que foi visto no tópico anterior, a palavra teologia
(de theós + logia) é de origem grega, não só no nome, pois supõe o desenvolvimento
específico do pensamento que se deu na época clássica grega e que deu origem à
filosofia ocidental. Originalmente, portanto, ela vem da filosofia, mesmo que, nessa
época, as distinções não fossem tão severas como hoje, supondo um determinado
modo de pensar, de colocar questões e de buscar respostas.

O encontro entre o modo grego de pensar e a pregação do cristianismo não se


deu sem tensões. A pregação cristã surgiu de dentro de um universo caracterizado por
um modo de pensar bastante distinto, o da cultura judaica.

Interferindo nesses modos de pensar distintos, encontramos alguns conceitos


que dialogam entre si, mas, por vezes, se contradizem. Trata-se de perspectivas distintas
sobre a mesma coisa. Entretanto, se levarmos todos os aspectos em conta, resta margem
para que não possamos analisar os dois modos com a distinta clareza. Essa tensão já
tinha sido experimentada dentro do próprio judaísmo nos séculos anteriores ao advento
do cristianismo, além de textos do Novo Testamento advindos do cristianismo.

Em suma, a teologia é reflexão que se pauta no tempo e na cultura; é dinâmica


e viva. Portanto, é um tipo de saber que se desenvolve a partir das perguntas que o
teólogo faz.

2 A TEOLOGIA COMO CIÊNCIA


Frequentemente, surge a dúvida se a teologia tem lugar na academia, na
comunidade científica, com a filosofia, a história, a sociologia, mas também a física, a
biologia e a matemática.

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FIGURA 9 – LEITURA E VISÃO DE MUNDO

FONTE: <https://bit.ly/34UVtqz>. Acesso em: 2 set. 2020.

NOTA
Ciência é o conhecimento que inclui, em qualquer forma ou medida, uma
garantia da própria validade. Segundo o conceito tradicional, a Ciência inclui
garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como conhecimento, o grau
máximo da certeza. O oposto da Ciências é a opinião, caracterizada pela falta
de garantia acerca de sua validade. As diferentes concepções de Ciência
podem ser distinguidas conforme a garantia de validade que se lhes atribui.

FONTE: CIÊNCIA. In: Só Filosofia. Virtuous Tecnologias da Informação,


Porto Alegre, c2021. Disponível em: https://bit.ly/3z7pgKy. Acesso em: 19
maio 2021.

Enquanto teologia acadêmica, é necessário que a teologia dialogue com as de-


mais searas do conhecimento científico. Precisamente, teologia sistemática procura muito
mais do que afirmar um corpo fixo de proposições, precisa destrinchar os meios de comu-
nicação da fé, através de um compilado de normas, regras e símbolos que norteiam nosso
imaginário (DALFERTH, 1978). Isso produz identidade na fé cristã, pois segura a coerência
nas variadas tentativas de traduzir as narrativas bíblicas em ensinamentos teológicos. Não
é por uma compreensão (supostamente) literal, direta, que nega a diferença de tempo e
contexto entre o momento da escrita e da leitura, como sustenta Schleiermacher.

FIGURA 10 – LEITURA TEOLÓGICA

FONTE: <https://bit.ly/3x312iO>. Acesso em: 15 set. 2020.

26
É possível, então, assumir que a teologia é uma atividade com responsabilidade
metodológica para falar sobre Deus, em uma abordagem que proclama a boa nova e
objetiva difundi-la. Não deve se restringir a teólogos academicamente formados, mas
é, fundamentalmente, dever deles apresentar e desenvolver argumentos de natureza
teológica sobre a fé. É nesse sentido que, sob o prisma epistemológico, podemos afirmar
que a teologia é ciência, uma vez que se dedica a investigar o que se concebe no campo
da fé como verdade, além de apresentar o que dela apreende, por meio de argumentos
que podem ser postos à prova (BARTH, 2000).

IMPORTANTE
Epistemologia (do grego episteme, que significa “ciência”, e logos, “teoria”) é uma disciplina
que toma as ciências como objeto de investigação tentando reagrupar:

• a crítica do conhecimento científico (exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões
das diferentes ciências, tendo em vista determinar seu alcance e seu valor objetivo);
• a filosofia das ciências (empirismo, racionalismo etc.);
• a história das ciências. O simples fato de hesitarmos, hoje, entre duas denominações
(epistemologia e filosofia das ciências) já é sintomático.

Segundo os países e os usos, o conceito de “epistemologia” serve para designar, seja uma
teoria geral do conhecimento (de natureza filosófica), seja estudos mais restritos concernentes
à gênese e à estruturação das ciências. No pensamento anglo-saxão, epistemologia é
sinônimo de teoria do conhecimento (ou gnoseologia), sendo mais conhecida pelo nome de
“philosophy of science”. Nesse sentido, fala-se de epistemologia a propósito dos trabalhos de
Piaget, versando sobre os processos de aquisição dos conhecimentos na criança. O fato é que
um tratado de epistemologia pode receber títulos tão diversos como: “A lógica da pesquisa
científica”, “Os fundamentos da tisica”, “Ciência e sociedade”, “Teoria do conhecimento
científico”, “Metodologia científica”, “Ciência da ciência”, “Sociologia das ciências” etc. Por essa
simples enumeração, podemos ver que a epistemologia é uma disciplina proteiforme que,
segundo as necessidades, se faz “lógica”, “filosofia do conhecimento”, “sociologia”, “psicologia”,
“história” etc. Seu problema central, e que define seu estatuto geral, consiste em estabelecer
se o conhecimento poderá ser reduzido a um puro registro, pelo sujeito, dos
dados já anteriormente organizados, independentemente dele no mundo
exterior, ou se o sujeito poderá intervir ativamente no conhecimento dos objetos.
Em outras palavras, o interesse é voltado para o problema do crescimento dos
conhecimentos científicos. Por isso, podemos defini-la como a disciplina que
toma por objeto não mais a ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer
as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade, mas as ciências
em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de
estruturação progressiva.

FONTE: JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar; 2001.

Isso não significa dizer que a teologia se reduz ao aspecto acadêmico. É possível
que todos nós, em dado momento, sejamos teólogos, uma vez que sejamos cristãos,
como afirmava Lutero (MOLTMANN, 2004).

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A teologia tem como objetivo mais propriamente discutir, proclamar e abordar
Deus do que Deus por si só. Analisa como a fé se manifesta e é explicitada em diversos
meios do cotidiano, principalmente no que diz respeito a aspectos relevantes para o
contexto contemporâneo em determinado lugar.

Sem, de modo algum, querer desrespeitar a última, que é de alta importância


para o esclarecimento do fenômeno religioso, a teologia se distingue claramente
em que enfoca a religião cristã e trata de questões normativas, além de descritivas
(BRANDT, 2006).

2.1 TEOLOGIA, FILOSOFIA E CIÊNCIA


Mesmo que teologia e filosofia/ciência compartilhem, de modo direto, de um ter-
reno de fronteira em que se busca aprimorar o ser humano e sua condição, cada uma
o faz a seu modo: o elemento filosófico/científico no exercício teológico é o da filosofia/
ciência, mas que, ao ser colocado em relação ao olhar teológico, passa por certa transfor-
mação; já o elemento teológico no exercício filosófico/científico é o da teologia, mas que,
ao ser colocado em relação ao olhar filosófico/científico, passa por certa transformação.
Assim, temos o principal ponto, tanto da riqueza como das tensões desse debate.

FIGURA 11 – LEITURA E FÉ

FONTE: <https://ftsa.edu.br/home/images/teologia.png>. Acesso em: 2 set. 2020.

Tanto a teologia como a filosofia falam, cada qual a seu modo, a partir de uma
interpretação dual acerca da realidade e do aprimoramento humano. A filosofia, por
mais que tenha demonstrado tal interesse, não consegue promover uma interpretação
metafísica, a qual pode estar pautada num horizonte atemporal, como na visão do mundo
platônico; ou buscado uma dimensão de exaltação do ser.

A teologia tem como grande tarefa uma fala à luz da condição humana e de seu
aprimoramento. Essa análise teológica da realidade é feita no horizonte da crítica radical
introduzida pela revelação da palavra de Deus em juízo e graça – “juízo” é a radicalização
da krísis, da crítica, que só pode se dar radicalmente à luz da graça e da esperança. Só
a esperança permite a crítica radical.

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Mais do que o objeto da teologia, seu objetivo máximo é, em última análise,
a realidade. A teologia fica atenta à interpretação filosófica do real, da qual, inclusive,
colabora, ao seu modo. Esse seu modo é justamente iluminar o real desde a esperança,
que permite sua crítica mais radical, por um lado, e uma perspectiva transformadora,
por outro, e já iniciada por essa crítica, bem entendida. Interpretar o real à luz da
condição humana é perceber a própria interpretação como momento fecundo da
práxis. Criticar o real e seus conceitos, à luz do aprimoramento da condição humana,
é buscar libertar neles suas possibilidades de ser.

Para a teologia, isso é feito à luz da esperança introduzida com a revelação,


o que constitui uma dupla obrigação metodológica: uma escuta atenta do real e uma
escuta atenta da palavra de Deus, que tem por objeto a mesma realidade à luz de suas
possibilidades escatológicas.

Um olhar radicalmente crítico, um olhar ardentemente sonhador e desejoso,


alimentado pelo próprio desejo divino, é a especialidade dos textos bíblicos. Isso é sua
grande contribuição, e não nas múltiplas racionalizações a que eles sempre têm sido
submetidos, à direita e à esquerda (GEFFRÉ, 1983/1989).

Portanto, neste tópico, conhecemos um pouco mais da fundamentação da


teologia como área do conhecimento, desde o sentido literal da expressão até a forma
como alguns teólogos representam o estudo teológico. Como foi possível perceber, a
teologia é um campo mais vasto do que se poderia supor inicialmente, quando descrita
por leigos como apenas uma relação com sua fé espiritual.

O QUE HAVIA ANTES DO TEMPO?

Em busca das origens do Universo, cientistas e religiosos chegam a algumas


conclusões muito parecidas

Algumas questões povoam a mente humana desde que os primeiros clãs se reuniram
em torno da fogueira na savana africana. A mais intrigante delas é a busca pelo começo
de tudo. Como foi criado tudo à nossa volta – e nós próprios, de onde surgimos? Ao
olhar para o céu, dominado durante o dia pela bola dourada do Sol e, à noite, pontilhado
de luzes, o homem primitivo encontrou elementos para especular. De forma instintiva,
ele estava buscando respostas na porção visível do cosmo. É curioso que seja também
no céu que a ciência moderna tem procurado respostas para as mesmas dúvidas
primordiais da humanidade. Na maioria das culturas humanas, se não em todas elas,
questões dessa natureza foram respondidas com o desenvolvimento do pensamento
simbólico. Os povos antigos vislumbraram na natureza – no Sol, na Lua, nos trovões
– entidades maiores e mais poderosas, capazes de interferir nos acontecimentos e
destinos. Rituais foram criados para reverenciar e apaziguar essas entidades. Estavam
criadas as religiões, que muitos estudiosos acreditam ser a gênese da civilização.

29
O mito da criação do Universo e de tudo o que ele abriga está na base de todas as
religiões. O homem atual, muitas vezes, despreza ou ridiculariza os mitos da criação
porque eles trazem explicações diferentes daquelas oferecidas pela ciência. Contudo,
é preciso considerar os cenários e as etapas do conhecimento humano em que esses
mitos foram criados. Não faz muito tempo, os cientistas acreditavam que a Terra era
plana, encontrava-se no centro do Universo e tinha apenas 6.000 anos de existência.
Não é que nossos antepassados fossem privados de curiosidade científica ou de
raciocínio dedutivo; os mitos da criação surgiram em períodos nos quais muito pouco se
sabia sobre as leis da física ou da química.

O dado surpreendente é que os pensadores do passado e os cientistas modernos


chegaram a conclusões que, em última análise, são bastante similares. Cristãos,
judeus, hindus, astecas e egípcios situam a criação num único momento inicial,
ocorrido sob a vontade divina. Cientistas modernos, armados com as leis da física
e a tecnologia de exploração espacial, também colocam a criação do Universo num
momento único, o Big Bang. Ele consistiu na súbita expansão de uma única partícula,
uma bola de energia e matéria do tamanho de um bilionésimo de um próton. Esse
elemento original é de tão difícil compreensão que é chamado de uma singularidade.
O Big Bang, do qual temos conhecimento há poucas décadas, pode muito bem ser
descrito pela primeira frase do Gênesis: “No princípio, Deus criou o céu e a Terra”.

A semelhança entre a singularidade, a partícula que deu origem ao Universo, e o


pensamento de grandes teólogos chama atenção. Santo Agostinho, o maior dos
pensadores católicos, vislumbrou no século IV um cenário bem próximo das explicações
científicas sobre o que existia antes do Big Bang. Quando os fiéis perguntavam aos
bispos de seu tempo o que Deus fazia antes de criar o céu e a terra, recebiam a
seguinte resposta: “Ele fazia o inferno para quem descrê os mistérios da fé”. Agostinho
recriminava os bispos por darem uma resposta aparentemente tão profunda, mas
que, para ele, refletia apenas a arrogância da ortodoxia. E saiu-se com a resposta que
resvala na ciência: “Deus não fazia nada”. “Mas então ele passava o tempo todo de
papo para o ar?”, era a réplica mais frequente. “Não”, dizia Agostinho, “O tempo não
existia”. Antes da expansão da singularidade, diz hoje a teoria do Big Bang, não havia o
espaço, as forças da natureza – nem o tempo. Glória a Santo Agostinho!

Nas últimas décadas, à medida que as sondas e os telescópios encontravam mais


evidências do Big Bang pelo cosmo, muitos cientistas chegaram a se vangloriar de
um falso feito. Uma vez que a física já explicou como nasceu o Universo, não haveria
mais lugar para deuses e mitos da criação. É notório que os cientistas consideram
que, em seu ofício, não há lugar para o pensamento mágico. No entanto, quanto
mais exploram o cosmo, mais eles deparam com os mesmos mistérios de que
tratam as religiões. Tudo indica que o Universo nasceu com o Big Bang, mas o que
existia antes dele? A resposta, tanto para os cientistas quanto para os metafísicos,
é a mesma: nada. A questão é como algo pode ocupar um espaço que não existia.

30
Após a expansão primordial, os instantes iniciais do Universo foram de caos – uma
sopa de energia e partículas em movimento. É uma descrição similar à dos primeiros
momentos do Universo feita por diversos mitos de origem, como o egípcio e o hindu.

As soluções científicas modernas para o nascimento do Universo, a origem da vida e o


surgimento da humanidade, muitas vezes, parecem extraídas de passagens bíblicas.
O paleontólogo e pensador evolucionista Stephen Jay Gould, que lecionava na
Universidade de Harvard, embora ateu, especulava se o dilúvio bíblico não seria uma
lembrança de uma grande transformação geológica ocorrida na Terra há 13.000 anos.
O fato de as metáforas religiosas guardarem tantas semelhanças com as descobertas
recentes da ciência talvez reflita os limites da capacidade da mente humana de lidar
com assuntos dessa magnitude. Dado determinado problema, pode se chegar a
conclusões parecidas com instrumentos científicos ou simplesmente pelo raciocínio
dedutivo, como fez Santo Agostinho. A diferença básica entre ciência e religião está
em outra esfera: como entender a relação entre causa e efeito. Albert Einstein dizia que
Deus não joga dados com o Universo, ou seja, que as coisas não ocorrem sem uma
causa. Todos os ramos da ciência compartilham dessa convicção. Já o pensamento
religioso acredita que a causa de qualquer acontecimento ou fenômeno pode ser,
simplesmente, a vontade divina. No princípio era a partícula. Essa partícula será Deus?

FONTE: CORRÊA, R. O que havia antes do tempo. Revista Veja, São Paulo, n. 25, p. 122-125, 2008.

31
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A palavra teologia (theós + logia) é de origem grega e surgiu na filosofia, mesmo


que, nessa época, as distinções não fossem tão severas como hoje, supondo um
determinado modo de pensar, de colocar questões e buscar respostas.

• O encontro entre esse modo grego de pensar e a pregação do cristianismo não se


deu sem tensões. A pregação cristã surgiu de um universo caracterizado por um
modo de pensar bastante distinto, o da cultura judaica.

• A teologia é reflexão que se pauta no tempo e na cultura; é dinâmica e viva. Portanto,


é um tipo de saber que se desenvolve a partir das perguntas que o teólogo faz.

• Enquanto teologia acadêmica, a teologia precisa argumentar, dar suporte teórico a


suas afirmações.

• A teologia é a reflexão metodologicamente responsável sobre o falar de Deus,


linguagem primária que proclama a boa nova de Deus e se dirige a Ele em louvor e
oração.

• A teologia não é uma área restrita a teólogos academicamente formados, mas é,


de forma especial, tarefa deles apresentar e discutir argumentos teológicos sobre
determinado assunto da fé.

• Sob o ponto de vista epistemológico, a teologia é uma ciência porque está sempre
à procura da verdade, ainda que não a possua nem possa encontrá-la de forma
absoluta. Além disso, apresenta o que dela se percebe, com argumentos que podem
ser criticados e discutidos.

• O objeto da teologia acadêmica, então, não é propriamente Deus, mas o falar de


Deus.

• A teologia tem como grande tarefa uma fala à luz da condição humana e de seu
aprimoramento.

• Mais do que o objeto da teologia, seu objetivo máximo é, em última análise, a


realidade. A teologia fica atenta à interpretação filosófica do real, na qual, inclusive,
colabora, ao seu modo.

32
AUTOATIVIDADE
1 Uma vez que pairam dúvidas quanto à teologia efetuar um papel científico, disserte a
respeito da possibilidade de definição da teologia como ciência, com base em critérios
epistemológicos.

2 Partindo da premissa de que a pregação cristã surgiu de dentro de um universo


caracterizado por um modo de pensar bastante distinto, o da cultura judaica, e que,
originalmente, a teologia vem da filosofia, supondo um determinado modo de pensar,
de colocar questões e de buscar respostas, determine, de modo sucinto, em que
consiste a reflexão teológica.

3 A teologia tem como grande tarefa uma fala à luz da condição humana e de seu
aprimoramento. Essa análise teológica da realidade é feita no horizonte da crítica
radical introduzida pela revelação da palavra de Deus em juízo e graça – “juízo” é a
radicalização da krísis, da crítica, que só pode se dar radicalmente à luz da graça e
da esperança. A partir dessa análise, assinale a alternativa que indica corretamente o
objetivo da teologia.

a) ( ) O objetivo da teologia confunde-se com seu objeto, que, em última análise,


procura acercar-se dos princípios metafísicos inalcançáveis ao homem.
b) ( ) Mais do que o objeto da teologia, seu objetivo máximo é, em última análise, a
realidade. A teologia fica atenta à interpretação filosófica do real, da qual, inclusive,
colabora, ao seu modo.
c) ( ) Mais do que o objeto da teologia, seu objetivo máximo é, em última análise,
elaborar uma explicação que se desprenda definitivamente da interpretação
filosófica sobre a realidade.
d) ( ) O objetivo da teologia confunde-se com seu objeto, que, em última análise,
procura acercar-se dos princípios metafísicos inalcançáveis ao homem através
de exercícios de reflexão filosófica.
e) ( ) O objetivo da teologia contrapõe-se ao seu objeto, uma vez que a realidade não
pode ser apreendida cientificamente em termos teológicos.

4 Sob o ponto de vista epistemológico, a teologia é uma ciência porque está sempre
à procura da verdade, ainda que não a possua nem possa encontrá-la de forma
absoluta. Além disso, apresenta o que dela se percebe, com argumentos que podem
ser criticados e discutidos. Diante disso, assinale a alternativa que melhor sintetiza o
objeto da teologia acadêmica.

33
a) ( ) O objeto da teologia acadêmica, então, não é propriamente Deus, mas o falar de
Deus.
b) ( ) O objeto da teologia acadêmica é decodificar a natureza de Deus.
c) ( ) O objeto da teologia acadêmica não é propriamente Deus, mas o modo como Ele
é interpretado perante os crentes.
d) ( ) O objeto da teologia acadêmica é tornar plausível e colocar à prova Deus enquanto
divindade.
e) ( ) O objeto da teologia acadêmica é simplesmente Deus e sua influência social,
cultural e histórica perante os crentes e os descrentes em sua existência.

5 A teologia é a reflexão metodologicamente responsável sobre o falar de Deus,


linguagem primária que proclama a boa nova de Deus e se dirige a Ele em louvor e
oração. Isso não significa que a teologia se limita a professar a fé com base científica.
Com relação ao que melhor caracteriza a função e o exercício da teologia acadêmica,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A teologia não é uma área restrita a teólogos academicamente formados, mas é,


de forma especial, tarefa deles apresentar e discutir argumentos teológicos sobre
determinado assunto da fé.
b) ( ) A teologia não é uma área restrita a teólogos academicamente formados, mas
cabe a eles estipular o método adequado de professar a fé.
c) ( ) A teologia é uma área restrita a teólogos academicamente formados.
d) ( ) A teologia não é uma área restrita a teólogos academicamente formados, não
cabendo a eles discutir sobre determinado assunto da fé.
e) ( ) A teologia não é uma área restrita a teólogos academicamente formados, sendo
que o autodidatismo é visto com bons olhos entre os pares acadêmicos.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
FUNÇÕES E DIVISÕES TEOLÓGICAS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, conheceremos a função da teologia como estudo acadêmico,
compreendendo a função da teologia como elemento de estudo do exegeta das
Escrituras, buscando a sua compreensão, que transcende ao simples elemento
literário, no sentido de uma interpretação das escrituras, buscando nelas elementos
determinantes de suas ações cotidianas, bem como a sua atividade pastoral.

No universo de formação do teólogo, estão envolvidos os evidentes estudos


dos textos sagrados, como supracitado, mas também a relação acadêmica de
interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento, principalmente das ciências
humanas. Filosofia, História, Sociologia e Antropologia são áreas formais de conhecimento
que o teólogo deve ter um bom conhecimento para o exercício adequado da teologia.

Outras áreas das ciências humanas, como a Psicologia, também têm relevância
gigantesca no ofício do teólogo, especialmente pelo fato de que o teólogo não somente
irá se dedicar ao estudo dos textos sagrados, mas, em sua função pastoral, terá que lidar
com elementos emocionais de seus fiéis, fazendo com que a Psicologia seja importante
nessa situação.

O horizonte de estudos dos teólogos tem a desafiadora missão de vincular o


universo de suas crenças, com os estudos adequadamente acadêmicos das escrituras,
buscando sempre a ampliação de seu prisma de conhecimentos, relacionando, ainda,
esse complexo contexto com a relação pastoral que será exercida pelo teólogo.

2 A FUNÇÃO DA TEOLOGIA
A função da teologia, enquanto área do conhecimento, e interpretar os aspectos
divinos das Sagradas Escrituras. Nesse sentido, é possível afirmar que o teólogo é um
exegeta, ou seja, um estudioso, um intelectual, que, em sua carreira, irá se relacionar,
direta e intimamente, com os textos bíblicos. O teólogo é, portanto, um pensador que
irá interpretar, de maneira a buscar se manter fiel ao sagrado, o que Deus expressa em
seus textos sagrados.

35
FIGURA 12 – AS ESCRITURAS

FONTE: <https://bit.ly/3prQya7>. Acesso em: 17 set. 2020.

É importante ter a concepção de que um exegeta, de maneira geral, é um


especialista em interpretar determinado tipo e texto, seja referente à bibliografia de
determinado autor, à Literatura, à Historiografia ou à Filosofia. Esse exegeta estudará
esses textos a fundo, buscando compreender essas obras da melhor maneira possível.
Muito frequentemente, escreverá artigos a respeito, participará de eventos acadêmicos
e toda sorte de atividades acadêmicas relacionadas com sua exegese.

FIGURA 13 – A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

FONTE: <https://bit.ly/3z1K06i>. Acesso em: 17 set. 2020.

O teólogo também realizará a atividade de exegese, como os exegetas das


áreas citadas. No entanto, na teologia, há um elemento a mais, o aspecto da crença de
que esse profissional estuda de maneira aprofundada os preceitos da espiritualidade,
costumeiramente, da sua própria fé. Nesse horizonte das coisas, esse profissional precisa
ter uma maturidade acadêmica e um compromisso ético relacionado com a sua função
bastante grande, tendo o discernimento para buscar uma interpretação correta, sem
necessariamente ser sugado pelas suas convicções individuais.

O estudo teológico não representa um isolamento acadêmico de quem cursa


teologia, mas, sim, um diálogo interdisciplinar, no qual áreas do conhecimento, como
a História e a Filosofia, além da Sociologia e da Antropologia, terão uma participação
importante na compreensão da realidade e no aproveitamento dos estudos, por parte
do teólogo. Apesar de ser uma relação de intercâmbio enriquecedora, infelizmente, se
percebe que as áreas de conhecimento, costumam buscar manter-se ensimesmadas
em suas áreas específicas de concentração.

36
Uma das consequências do diálogo interdisciplinar ao qual a teologia
se expõe é sua própria redefinição. Por algum tempo, pensou-se que
o diálogo interdisciplinar representaria uma certa condescendência,
por parte das diversas disciplinas, em vir ao encontro de outras. O
pressuposto é que cada disciplina teria sua configuração natural
e basicamente definida, e que esta não seria transformada pelo
encontro interdisciplinar. Ou seja, tratar-se-ia de naturezas mais
ou menos solidamente definidas e estabelecidas e que procuram o
diálogo por razões outras que sua própria autocompreensão.
O que está por trás desta compreensão é uma determinada imagem
de como funciona a divisão do trabalho nas ciências. Trata-se de uma
imagem mais ou menos estática, semelhante a um prédio com muitas
janelinhas, cada qual dando para uma repartição onde pessoas realizam
seu trabalho dentro de um âmbito preestabelecido. O isolamento de
cada repartição permite um grau maior de concentração na tarefa
própria de cada âmbito. As próprias repartições vão, com o tempo,
dando lugar a novas repartições originadas de um novo arranjo na
divisão interna do trabalho. O prédio como um todo, porém, mantém
a característica de abrigar em seu interior repartições relativamente
isoladas umas das outras (MUELLER, 2007, p. 76).

É percebido pelo teólogo que os textos bíblicos e sua mensagem devem ser compar-
tilhados com as pessoas, tratando-os com o devido respeito e seriedade, visto que são as Sa-
gradas Escrituras; entretanto, também permitido que se compreenda que, nelas, estão diver-
sos textos, de estilos de escrita diferenciados, tendo sido redigidos em momentos diferentes.
Pode-se exemplificar essa situação quando se lança olhar para o Antigo Testamento, que foi
uma compilação de textos que remontam séculos de cultura transmitida através da oralidade.

Dessa maneira, podemos perceber que a atividade do teólogo é muito mais


profunda do que se costuma supor inicialmente. Muitas pessoas, possivelmente,
imaginam o teólogo como alguém que prega mensagens religiosas. Essa definição, por
parte da sociedade de maneira geral, deve-se ao grau de devoção de muitos teólogos
quando comentam alguma situação relacionada às escrituras. Em outros momentos, a
imagem do teólogo pode ser associada ao sacerdote que presta assistência emocional,
ouvindo seus fiéis e dando aconselhamentos.

Todas essas ações associadas ao teólogo são imagens assertivas, o teólogo


realmente é um profissional atuante, que se relaciona diretamente com a sociedade como
um todo, com todos os seus segmentos, não privilegiando especificamente uma categoria.
Por conta disso, a dedicação do estudante de teologia requer muita seriedade e dedicação.

Os estudos das Sagradas Escrituras devem ser realizados de maneira séria,


deixando, muitas vezes, de lado convicções pessoais, para compreender o texto pelo
texto, ou seja, permitir que as mensagens estudadas sejam expressadas em sua plenitude.

Nessa formação, então, a teologia exige a dedicação não somente aos textos
sagrados, mas a diversas searas do saber, como Psicologia, que será importantíssima
para o exercício do “Bom Pastor”, uma vez que ele irá se relacionar com um universo
emocional adverso, para poder, da maneira mais sóbria que as possibilidades permitam,
dar um aparo adequado ao fiel, bem como o aconselhar de maneira adequada.

37
FIGURA 14 – BOM PASTOR

FONTE: <https://bit.ly/34UNLN5>. Acesso em: 17 set. 2020.

Nessa direção, dissertando sobre a necessidade de interdisciplinaridade, é


possível se afirmar que:

Porque a reforma do pensamento, longe de constituir um luxo intelec-


tual, responde a uma necessidade vital: é um dos componentes funda-
mentais para “salvarmos” a humanidade das forças terríveis e irracionais
que desencadeou sem possuir as condições de controlá-las. Se a noção
de interdisciplinaridade já pode ser considerada bem aceita em pesqui-
sas coletivas, permanece ainda bastante contestada no nível individual.
O pesquisador que a escolhe toma um caminho difícil e arriscado: ao
deixar seu meio cultural e profissional de origem, fica meio perdido ou
depaysé em outros campos (terras estrangeiras). Após longa formação,
se vê diante da seguinte situação: deve, não somente atualizar e apro-
fundar seus conhecimentos em sua própria disciplina, mas familiarizar-
-se com um novo campo de estudo a fim de dominá-lo e poder melhor
dialogar (JAPIASSÚ, 1975 apud BOTELHO, 2015, p. 168).

Nessa direção, percebe-se não somente a necessidade de uma


interdisciplinaridade, mas também uma eventual insegurança, pois, após anos
de formação, a interdisciplinaridade, sendo um elemento novo, causa, como dito,
insegurança e, nessa direção, é possível compreender porque alguns teólogos resolvem
não se arriscar em uma interpretação dotada de interdisciplinaridade.

3 AS DIVISÕES DA TEOLOGIA
O teólogo, em sua formação acadêmica, no que diz respeito especificamente
às Escrituras, buscará compreender esses textos e sua complexidade da maneira mais
ampla possível. Isso é indispensável, visto que o exercício do ofício teológico terá duas
particularidades importantes, uma delas o constante estudo das escrituras, buscando,
em sua exegese, a leitura não somente das Escrituras, mas também de materiais
especializados, artigos, revistas e livros, para se manter atualizado em seus estudos
teológicos. Outro elemento importante é a aplicação desses elementos, dessa verdade
revelada nas Escrituras. A seguir, será abordado esse contexto de aperfeiçoamento
teológico e suas divisões.

38
3.1 TEOLOGIA BÍBLICA
A teologia bíblica promove uma investigação dos textos das Escrituras em si,
busca uma interpretação para compreender a mensagem que se pretendia pregar, pelo
autor do texto sagrado, dentro do contexto por ele vivido em sua época. Esse estudo
procura compreender os tipos literários e as especificidades que esses estilos podem
representar na revelação da palavra de Deus.

Assim, essa exegese é um exercício bastante profundo, que busca compreender


o sentido da Palavra, evitando uma interpretação equivocada. Na contemporaneidade,
a maioria das denominações cristãs considera equivocadas as interpretações que têm
tendência a analisar os textos sagrados de modo radical, de forma fundamentalista.

Uma coisa é a Bíblia para a pessoa crente comum, não importa se


pertence a uma Igreja e a que Igreja, outra coisa é a Bíblia para o
exegeta. No entanto, o bom seria que a distância entre ambos fosse
pequena. Que a fronteira entre os dois lados fosse tênue e estivesse
sempre aberta. Que houvesse trânsito livre e que esse trânsito fosse
constante, principalmente da via que leva o exegeta ao povo.
Talvez o estudioso possa nos interpelar se não estamos enveredando
mais para o campo da pastoral que para o acadêmico. Correto! Aliás,
é exatamente aqui que se encontra o ponto nevrálgico de nosso
ensaio: a hermenêutica tem a ver mais com o cotidiano, com o
popular, com a aplicação do conteúdo na vivência e convivência do
dia a dia do que com a exegese propriamente dita. É por isso que é tão
importante produzir um estudo bíblico que não esteja desvinculado
da realidade popular (KAEFER, 2014, p. 117).

Essa atividade de exegese hermenêutica é um dos elementos que deve ser


observado de maneira atenta e cuidadosa, visto que, como citado, faz com que essa
realidade bíblica, estudada pelo teólogo, se relacione com a realidade das pessoas
de maneira mais popular. Nessa direção, é necessário ter não somente um estudo
detalhado, mas uma compreensão acadêmica dos temas abordados.

A teologia Bíblica buscou dar ao teólogo uma interpretação para além da teologia
Sistemática, que, em suas interpretações, carrega uma visão pesadamente dogmática
em sua construção e uma hermenêutica. A concepção de teologia Bíblica, como prática
mais habitual, em grande parte se desenvolve com mais intensidade a partir do século
XVI, com os pensadores reformistas, como é o caso de Martim Lutero (1483-1546).

39
FIGURA 15 – DIVISÕES DA BÍBLIA

FONTE: <https://bit.ly/3w42y3Z>. Acesso em: 20 set. 2020.

No contexto desses estudos mais técnicos, pode-se perceber também que há


uma importante divisão, que não pode ser esquecida, entre os estudiosos que irão se
dedicar ao estudo de uma teologia Bíblica do Antigo Testamento e aqueles que, por sua
vez, irão se concentrar ao estudo dos textos do Novo Testamento. Nesse contexto de
exegese, é possível observar que não há uma única interpretação, uma única linha de
estudos da teologia Bíblica, e sim diversas abordagens.

3.2 ENFOQUES E RECURSOS DA BÍBLIA


Como vimos, um dos principais enfoques do estudo de um teólogo são as
Sagradas Escrituras, ou seja, os textos bíblicos; o grande diferencial para os outros
estudos acadêmicos é o fato de esses textos estarem relacionados com o universo
espiritual, com um elemento que diz respeito à crença de milhões de pessoas, tendo,
nesse contexto, uma forte relação com seu aspecto emocional.

Os recursos de pesquisa, utilizados pelo teólogo em sua caminhada acadêmica,


relacionam-se profundamente com as metodologias acadêmicas (seguindo os padrões
adequados, como as da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT) de pesqui-
sa e análise das ciências humanas. Essas metodologias, empregadas nas pesquisas
das diversas áreas das ciências humanas, passam por constantes transformações e
aprimoramentos analíticos. Esse imbricamento constante entre essas diversas especi-
ficidades faz com que essas metodologias de pesquisa sejam dinâmicas, sempre bus-
cando uma interpretação mais aperfeiçoada do que é o escopo do objeto de pesquisa.

40
É importante que o teólogo tenha consciência, quando realizar a sua atividade
de maneira acadêmica, de que ele está lindando, geralmente, com elementos que lhe
são caros, por conta de sua fé, e que, nesse momento, deve sobressair o pesquisador,
a fim de estabelecer uma atividade acadêmica que terá como ação a busca de uma
relação harmoniosa entre sua pesquisa, e seus ideais espirituais.

3.3 TEOLOGIA PRÁTICA E SEU ENFOQUE


Esse ramo da teologia busca compreender os padrões éticos aplicados
em sociedades cristãs, relacionando essas práticas com os valores de um senso de
moralidade cristão, presentes nas Sagradas Escrituras. Os textos sagrados têm padrões
considerados, por muitos, os mais adequados na reflexão do fiel no momento que
antecede a uma ação.

FIGURA 16 – TEOLOGIA PRÁTICA

FONTE: <https://bit.ly/3gioPUT>. Acesso em: 20 set. 2020.

O enfoque da abordagem teológica tem grande ação ao relacionar os textos


sagrados, elemento basilar da crença cristã, com a ação pastoral do teólogo, que buscará
conduzir a comunidade de fiéis, o seu rebanho, para o caminho mais virtuoso das bem-
aventuranças. Esse caminho a ser traçado buscará uma relação que compreenda tanto
a noção moral e espiritual como o contexto ao redor, no qual está inserido o teólogo e
seus irmãos.

Dessa maneira, é necessário que o pastor saiba orientar os seus, e que confiam
em sua liderança, para compreender o mundo ao redor. Percebendo a complexa e, muitas
vezes, contraditória realidade em que o fiel está inserido, deve conseguir compreender
a sua ação mediante os preceitos espirituais que possui, que, por sua vez, devem ser
refletidos no contexto prático das ações do teólogo, bem como daqueles que ele guia.

41
3.4 TEOLOGIA HISTÓRICA
Essa linha de interpretação teológica busca uma abordagem com relação mais
aproximada da historiografia, para compreender a relação do homem com o sagrado.

Em cada momento da História, os cristãos sentiram a necessidade de


definir sua fé, explicá-la em linguagem compreensível aos homens
de seu tempo e defendê-la contra distorções e ensinos contrários. A
igreja cristã presenciou, assim, o surgimento e desenvolvimento de
muitas doutrinas e heresias no decurso dos seus quase dois mil anos
de existência. Resulta daí a importância de conhecer os fatos que
cercam a origem e o desenvolvimento da formulação de determinada
doutrina a fim de poder compreendê-la e avaliá-la plenamente. Esse
conhecimento histórico oferece, também, a partir disso, melhores
condições para se determinar até que ponto uma formulação
doutrinária está fundamentada na Escritura e até que ponto ela é
fruto de circunstâncias transitórias (HÄGGLUND, 1999, p. 7).

Um elemento importante na análise do teólogo é a compreensão do contexto


histórico da caminhada do povo de Deus, que possibilita relacionar o contexto de seu
rebanho com toda a caminhada e os percursos percorridos pelo povo de Deus durante
a história, seja nos mais de 2 mil anos do Cristianismo ou do prisma mais amplo e mais
antigo, que remonta aos períodos das escrituras hebraicas.

Outro fator importante, na teologia Histórica, como o próprio nome sugere, é a


relação histórica na abordagem da teologia, que afirma também que, nessa direção, para
alcançar uma interpretação mais adequada, se deve compreender o contexto teológico
como um contexto histórico; dessa maneira, é possível perceber que se trata de um fato
histórico, sendo esse tipo de abordagem defendido por teólogos reconhecidos, como
Schleiermacher (1768-1834).

42
LEITURA
COMPLEMENTAR
TEOLOGIA E CIÊNCIA

Robert Charles Sproul

Ciência vem da palavra latina que significa “conhecimento”. Os cristãos


acreditam que, por meio da revelação divina, temos conhecimento real de Deus. teologia
não poderia ser chamada corretamente de ciência se o conhecimento de Deus fosse
impossível. A busca por conhecimento é a essência da ciência. A ciência de biologia
é uma busca para obter um conhecimento das coisas vivas; a ciência de física é uma
tentativa de obter conhecimento sobre coisas físicas; e a ciência de teologia é uma
tentativa para obter um conhecimento coerente e consistente de Deus.

Todas as ciências usam paradigmas ou modelos que mudam ou alteram com o


passar do tempo. Uma mudança de paradigma é uma mudança significativa na teoria
científica de uma determinada disciplina. Se você se deparasse com um livro de física
do ensino médio dos anos 1950, veria que algumas das teorias apresentadas naquele
tempo foram demolidas. Ninguém pensa nelas seriamente porque houve mudanças
significativas nas teorias da física nos anos posteriores àquele tempo.

A mesma coisa aconteceu quando os físicos newtonianos substituíram teorias


anteriores da física. Então, apareceu Albert Einstein e criou uma nova revolução, e
tivemos de ajustar outra vez nosso entendimento de física. Uma mudança de paradigma
acontece quando uma nova teoria substitui uma teoria antiga.

Geralmente, o que provoca mudanças de paradigma nas ciências naturais é


a presença de anomalias. Uma anomalia é um detalhe ou um ponto menor que não
se encaixa numa teoria específica; é algo que a teoria não pode explicar. Se alguém
tenta encaixar 10.000 detalhes num quadro coerente, como se estivesse trabalhando
num quebra-cabeça de 10.000 peças, e pudesse fazer todas as peças se encaixarem,
exceto uma, a maioria dos cientistas consideraria isso um bom paradigma. A estrutura
reunida que se ajusta em 9.999 maneiras dará sentido a e explicará quase todo pedaço
de informação explorada. No entanto, se há muitas anomalias – se uma quantidade
significativa de informações não pode ser encaixada na estrutura – a teoria cai por terra.

Quando anomalias se tornam muito numerosas ou muito importantes, o cientista


é forçado a retornar à prancheta de desenhos, confrontar as suposições de gerações
anteriores e construir um novo modelo que dará sentido às novas descobertas ou às

43
novas peças de informação. Essa é uma das razões por que vemos mudança constante
e progresso significativo nas ciências.

No que diz respeito ao entendimento da Bíblia, a abordagem é diferente.


Teólogos eruditos têm trabalhado com a mesma informação por 2.000 anos, sendo
isso o motivo por que uma mudança gritante de paradigma é improvável. É claro que
ganhamos novas pepitas de entendimento exato, como as nuanças de uma palavra
grega ou hebraica que gerações de eruditos anteriores não tinham à sua disposição.
No entanto, em sua maior parte as mudanças na teologia contemporânea não são
compelidas por novas descobertas da arqueologia ou pelo estudo de línguas antigas; na
maioria, elas são muito frequentemente compelidas por novas filosofias que aparecem
no mundo secular e por tentativas de fazer síntese e integração entre essas filosofias
modernas e a religião antiga revelada na Escritura.

É por isso que tendo a ser um teólogo conservador. Duvido que jamais aparecerei
com um discernimento que ainda não foi considerado em grande detalhe por mentes
maiores do que a minha. De fato, no que diz respeito à teologia, não estou interessado
em novidade. Se eu fosse um físico, apareceria constantemente com novas teorias que
explicariam anomalias inquietantes, mas refreio-me conscientemente de fazer isso no
que diz respeito à ciência de teologia.

Infelizmente, muitos estão dispostos a achar novidades. Na academia, há


sempre a pressão para aparecer com algo novo e criativo. Lembro-me de um homem
que procurava provar que Jesus de Nazaré nunca existira e que fora uma criação
mitológica de membros de um culto de fertilidade, enquanto estiveram sob a influência
de cogumelos psicoativos.

É claro que essa fascinação por novidades não é exclusiva à nossa época. O
apóstolo Paulo a encontrou entre os filósofos no areópago em Atenas (At 17.16-34).
Queremos progresso em nosso conhecimento e crescimento em nosso entendimento,
mas temos de ser cuidadosos para não sermos seduzidos à tentação de aparecer com
algo novo apenas para sermos originais.

FONTE: SPROUL, R. C. Somos todos teólogos: uma introdução à teologia sistemática. São José dos Cam-
pos: Fiel, 2017. p. 14-15.

44
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A função da teologia, enquanto área do conhecimento, é interpretar os aspectos


divinos através das Sagradas Escrituras. Nesse sentido, é possível afirmar que o
teólogo é um exegeta; ou se um estudioso, um intelectual, que, em sua carreira, irá
se relacionar direta e intimamente com os textos bíblicos.

• O teólogo também realizará a atividade de exegese, como os exegetas das áreas


citadas. No entanto, na teologia, há um elemento a mais, o aspecto da fé de que esse
profissional estuda, de maneira aprofundada, os preceitos da fé, costumeiramente,
da sua própria fé.

• O estudante de teologia estuda os textos bíblicos com sua mensagem, que deve ser
compartilhada com as pessoas, tratando-a com o devido respeito e seriedade, visto
que são as Sagradas Escrituras, mas também permitindo que se compreenda que,
nessas escrituras, estão diversos textos, de estilos de escrita diferenciados, tendo
sido redigidos em momentos diferentes.

• A formação acadêmica do teólogo, no que diz respeito especificamente às Escrituras,


busca compreender esses textos e sua complexidade da maneira mais ampla
possível. Isso é indispensável, visto que o exercício do ofício teológico tem duas
particularidades importantíssimas, uma delas o constante estudo das escrituras,
buscando, em sua exegese, a leitura não somente das Escrituras, mas também de
materiais especializados, artigos, revistas e livros, para se manter atualizado em
seus estudos teológicos.

• A teologia bíblica promove uma investigação dos textos das Escrituras em si; busca
uma interpretação, para compreender a mensagem que se pretendia pregar, pelo
autor do texto sagrado, dentro do contexto por ele vivido em sua época.

• Há uma importante divisão no estudo teológico, que não pode ser esquecida, entre os
aqueles que irão se dedicar ao estudo de uma teologia Bíblica do Antigo Testamento e
aqueles que, por sua vez, irão se concentrar ao estudo dos textos do Novo Testamento.
Nesse contexto de exegese, pode-se perceber que não há uma única interpretação,
uma única linha de estudos da teologia Bíblica, e sim diversas abordagens.

• Um dos principais enfoques do estudo de um teólogo são as Sagradas Escrituras, ou


seja, os textos bíblicos; o grande diferencial para os outros estudos acadêmicos é o
fato de estarem relacionados com o universo espiritual, com um elemento que diz
respeito à crença de milhões de pessoas, tendo, nesse contexto, uma forte relação
com seu aspecto emocional.

45
• Os textos sagrados têm padrões que são considerados os mais adequados para a
reflexão do fiel no momento que antecede a uma ação.

• O enfoque da abordagem teológica tem uma grande ação ao relacionar os textos


sagrados, elemento basilar da crença cristã, com a ação pastoral do teólogo, que
buscará conduzir a comunidade de fiéis, o seu rebanho, para o caminho mais
virtuoso das bem-aventuranças.

• É um elemento importante na análise do teólogo a compreensão do contexto


histórico da caminhada do povo de Deus; dessa maneira, é possível relacionar o
contexto de seu rebanho, com toda a caminhada e os percursos percorridos pelo
povo de Deus durante a história.

46
AUTOATIVIDADE
1 A formação sólida do teólogo é muito mais complexa do que se imagina num primeiro
momento, pois a sua atuação irá muito além do discurso, realizando uma atividade
pastoral muito mais ampla. Sabendo disso, analise as sentenças a seguir:

I- O teólogo deve, em sua formação, preocupar-se, de maneira destacada, com a sua


oratória no púlpito, como forma de condução de seu rebanho de fiéis.
II- A formação de um acadêmico de teologia visa a preparar o profissional no estudo
das escrituras, proporcionando uma formação interdisciplinar, para que, em sua ação
pastoral, possa dar um suporte amplo aos fiéis, o que vai além da pregação da Palavra.
III- A formação do acadêmico de teologia deve se centrar no estudo das Escrituras, visto
que é, a partir daí, que se organiza toda a ação do pastor.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) Somente a sentença II está correta.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

2 Quando abordamos a formação do teólogo, é importante ter em mente que falamos


de uma formação ampla, a qual deve dar ao profissional uma estrutura que lhe permita
ter as noções necessárias para lidar com uma série de circunstâncias no exercício de
seu ministério. Seguindo esse raciocínio, no que diz respeito à formação acadêmica
do teólogo, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O teólogo, além de sua atividade pastoral, é também um pensador, fazendo


reflexões sobre a realidade em que está inserido.
( ) A formação do teólogo, em nível acadêmico, pode ser considerada uma formação
purista, ou seja, centrada nos estudos nas escrituras.
( ) O teólogo, fazendo uso da interdisciplinaridade, buscará ampliar o horizonte de sua
atuação, tendo uma compreensão mais ampla do contexto em que está inserido,
mas, evidentemente, não se esquecendo de sua formação pastoral.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V.
b) ( ) F – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) V – V – V.

47
3 O curso de teologia não representa um isolamento acadêmico, e sim um diálogo
interdisciplinar, no qual áreas do conhecimento, como a História e a Filosofia, além da
Sociologia e da Antropologia, terão uma participação importante na compreensão da
realidade e no aproveitamento dos estudos, por parte do teólogo. Mesmo sabendo
dessa interdisciplinaridade e tendo em mente a ação do teólogo enquanto exegeta,
analise as afirmativas a seguir:

I- O exegeta realizará suas leituras nas Sagradas Escrituras, tendo como outras
fontes de pesquisa artigos relacionados aos seus estudos; nesse sentido, o exegeta
exercerá uma ação teológica profunda e academicamente especializada.
II- O exegeta estudará apenas os textos sagrados, vinculando, em muitos momentos,
o Antigo e o Novo Testamentos, tendo, nesses livros, todo o material necessário
para a sua ação.
III- O exegeta não irá pensar necessariamente no contexto bíblico, a priori, mas em uma
interdisciplinaridade das ações teológicas, deixando as interpretações bíblicas em
segundo plano.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Todas as afirmativas estão corretas.


b) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
c) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
d) ( ) Somente a afirmativa I está correta.

4 Os textos bíblicos, tanto para os fiéis quanto para o teólogo que exerce uma função
de especialista, representam um amparo emocional, mas terão uma aplicação muito
mais direta na vida das pessoas. Sobre a Teologia Prática, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Na Teologia Prática, o teólogo realizará um estudo histórico aprofundado dos


elementos bíblicos, sendo uma prática interdisciplinar.
b) ( ) A Teologia Prática irá pôr em prática os estudos teóricos do teólogo, através de
suas pregações aos seus fiéis.
c) ( ) Na Teologia Prática, o teólogo buscará compreender os padrões éticos aplicados
em sociedades cristãs, relacionando essas práticas com os valores morais
cristãos, presentes nas Sagradas Escrituras.
d) ( ) A Teologia Prática diz respeito às práticas de caridade, que devem ser exercidas
como prioridade do elemento pastoral, seguindo o exemplo do Salvador.

5 A teologia promove uma interpretação acadêmica do universo sagrado, com


uma abordagem mais focada no contexto cristão, sendo, portanto, uma forma de
compreender a realidade da fé a partir dos estudos da Bíblia. Disserte sobre a relação
das escrituras com o universo acadêmico no processo da formação teológica.
A Teologia, de fato, parte dos estudos da Bíblia ou da perspectiva bíblica. No entanto, embora
seu interesse precípuo esteja no contexto da realidade da Fé cristã, sua perspectiva bíblica e
seu interesse não se limitam ou se reduzem a este contexto religioso, mas também se estende
48 para todos os aspectos da realidade e da vida.
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MUELLER, E. R. A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão


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2, p. 88-103, 2007.

PLATÃO. A República. 3. ed. Belém: EDUFPA; 2000.

PLATÃO. Fédon. Tradução: Jorge Paleikat, João Cruz Costa. São Paulo: Victor Civita;
1972. (Coleção Os Pensadores).

RIBEIRO, L. F. B. História da filosofia I. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC; 2008.

RORTY, R. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Don Quixote; 1988.

SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica e crítica. Tradução: Aloísio Ruedell. Ijuí:


Editora Ijuí; 2005.

SÓCRATES. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Tradução: Jaime Bruna,
Libero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale Strazynski. São Paulo: Nova Cultural; 1987.
(Coleção Os Pensadores). Disponível em: https://bit.ly/2T0aFQt. Acesso em: 10 maio
2021.

SPROUL, R. C. Somos todos teólogos: uma introdução à teologia sistemática. São


José dos Campos: Fiel; 2017.

50
UNIDADE 2 —

RAZÃO FILOSÓFICA DA
TEOLOGIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a teologia Filosófica do período Medieval, por meio do Helenismo, da


Patrística e da Escolástica;

• entender o contexto teológico da Reforma;

• conhecer a teologia Contemporânea;

• compreender como a teologia se relaciona com as realidades em que está inserida,


seja por movimentos de categorias, como igualdade de gênero, ou pela política.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A FILOSOFIA TEOLÓGICA MEDIEVAL


TÓPICO 2 – REFLEXÕES DA REFORMA
TÓPICO 3 – A TEOLOGIA DA CONTEMPORANEIDADE

CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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52
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
A FILOSOFIA TEOLÓGICA MEDIEVAL

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, apresentaremos a Filosofia Teológica Medieval, desde o seu
alvorecer, com a Patrística, até a sua segunda fase, conhecida como Escolástica. Além
de explorarmos a história e os feitos de alguns personagens do período da Patrística,
daremos especial atenção ao pensador mais importante dessa fase da filosofia: Santo
Agostinho.

Já na Escolástica, após uma breve citação de outros importantes pensadores


da época, o nosso foco será a mais eminente figura desse período e a quem, inclusive,
imputa-se a sua fundação: São Tomás de Aquino.

Inicialmente, veremos uma breve revisão do período histórico conhecido como


Helenismo, e sua implicação na história e no pensamento filosófico.

2 HELENISMO
A Filosofia Teológica Medieval, cronologicamente, está relacionada aos
acontecimentos pertinentes ao tema Filosofia e sua conexão e interpretação teológica,
atinentes aos períodos conhecidos como Patrística e Escolástica. O surgimento tanto
da Patrística quanto da Escolástica, já após o advento do Cristianismo, só foi possível
devido à pavimentação deixada pela História da Filosofia e da teologia ocorrida no
período pré-cristão, conhecido como Helenismo.

Helenismo é entendido como a difusão para quase todo o mundo Ocidental,


e parte significativa do Oriental, da cultura grega, o que ocorreu após a expansão dos
gregos, que haviam, nesse período da história, sido dominados pelos macedônicos. Os
macedônicos, na verdade, eram também considerados gregos, mas que moravam em
uma província ao norte da Grécia peninsular, e não na região compreendida pelas cidades
de Atenas, Esparta, Corinto etc. Essa expansão militar e territorial macedônica se deu,
inicialmente, na figura do rei Felipe II e, posteriormente, pelo seu filho Alexandre, o Grande.
Junto com essa expansão territorial, os gregos macedônicos levaram a cultura, a política,
a religião e a filosofia gregas.

Esse movimento, chamado de Helenismo, continuou com a queda do Império


de Alexandre, o Grande, e a ascensão de Roma (que conquistou as terras que os
macedônicos haviam dominado em todo o mundo conhecido e ainda outros lugares,
incluindo a própria Grécia peninsular). Vale destacar que os romanos idolatravam os

53
gregos, do ponto de vista da cultura, filosofia, política, religião e até mesmo a língua, o
que é tão notável que a própria religião pagã romana era a mesma religião grega, da qual
os romanos se apropriaram, mudando, quando muito, o nome dos deuses (por exemplo,
Zeus grego = Júpiter romano).

IMPORTANTE
Deuses gregos e seus equivalentes romanos:

QUADRO – DEUSES GREGOS E SEUS EQUIVALENTES ROMANOS

Deus romano Deus grego Função


Júpiter Zeus Pai dos deuses
Juno Hera Esposam deusa do casamento
Vênus Afrodite Deusa da beleza e do amor
Apolo Apolo Deus do amor
Diana Artemis Deusa da caça
Netuno Poseidon Deus do Mar
Plutão Hades Deus dos mortos
Marte Ares Deus da Guerra
Minerva Atena Deusa da sabedoria
Ceres Deméter Deusa das colheiras
Baco Dionísio Deus da alegria e do vinho
Mercúrio Hermes Deus do comércio; mensageiro
Vulcano Hefesto Deus do fogo e dos artesãos
FONTE: <https://bit.ly/3pwc0Le>. Acesso em: 11 set. 2020.

Os gregos macedônicos antes, e os romanos depois, espalharam a cultura grega


por todos os seus territórios conquistados, que incluiu quase toda a Europa, o Oriente
Próximo, o Oriente Médio e até as fronteiras da Índia. Foi a mistura da cultura grega e
das culturas locais de cada país que gerou uma série de modificações nesses países
dominados pelos gregos.

Esses países foram influenciados pela cultura, pela língua, pela religião, pelos
costumes etc. helênicos (gregos), que, como já falamos, foram antes espalhados pelos
próprios gregos macedônicos de Alexandre, o Grande, e após pelos romanos, que
absorveram e se apossaram também dessa cultura na sua integralidade.

54
FIGURA 1 – IMPÉRIO DE ALEXANDRE, O GRANDE

FONTE: <https://bit.ly/34XfgFW>. Acesso em: 9 set. 2020.

FIGURA 2 – ALEXANDRE MAGNO E SEU CAVALO BUCÉFALO, NA BATALHA DE ISSO. MOSAICO ENCONTRA-
DO EM POMPEIA, HOJE NO MUSEU ARQUEOLÓGICO NACIONAL, EM NÁPOLES

FONTE: <https://bit.ly/3v4xqQp>. Acesso em: 9 set. 2020.

Por Helenismo, compreendemos, portanto, historicamente, o período de


domínio da cultura grega no mundo antigo, que se seguiu após a morte do Imperador
Alexandre, o Grande, e continuou com a ascensão, sobre essa mesma parte do mundo
antigo, pelos romanos.

Já no início da era Cristã, na época em que Cristo nasceu, o Oriente Médio


era um território dominado e pertencente ao Império romano. O Helenismo estava
vividamente espalhado nas elites culturais da região, principalmente na aristocracia
romana que ali morava. O apóstolo Paulo, nascido posteriormente a Cristo (5-67 d.C.)
e que, originalmente, era um aristocrata romano (e, tardiamente, foi convertido ao
Cristianismo), é um exemplo do que representava a cultura grega e o Helenismo na
história do Império romano.

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Paulo, mesmo não tendo nascido em Roma (nasceu em Tarso, Cilícia, atual Tur-
quia), teve seu nascimento dado em terras pertencentes ao Império romano. Pelas suas
origens nobres, era um cidadão romano típico. Originalmente, um judeu aristocrata, Paulo
era fluente na língua tida como culta à época, o grego. Todos os romanos cultos, apesar
de falarem sua língua nativa, o latim, geralmente também eram versados em grego, que
era a língua da elite e na qual a produção cultural se difundia pelo mundo romano. Na-
quele tempo, a língua grega ocupava o mesmo posto que, posteriormente, o latim, e hoje
o inglês, tem para a sociedade: a língua mais utilizada tanto para entendimento universal
como para a publicação de textos e livros que buscam um alcance mundial.

O marco mais importante na história da Filosofia Teológica Medieval foi o nascimento


de Cristo. Outros momentos importantes foram a queda do Império Romano do Ocidente
(no ano de 476 d.C.), indo até a queda do Império Romano do Oriente (em 1453 d.C.).

Nesse momento, nosso foco será a definição e a importância da teologia, de


conceitos como Helenismo, Patrística e Escolástica, pelo estudo dos principais pen-
sadores adstritos a esses períodos – anteriormente, na Unidade 1, vimos alguns pon-
tos desses conceitos. Entretanto, além de aprofundarmos mais esses períodos e seus
principais pensadores, demonstraremos como, após essa evolução histórica natural da
Filosofia Teológica, desde o nascimento de Cristo, passando pela Patrística e culminan-
do na Escolástica, o Cristianismo já se encontrava maduro para a eclosão da Reforma
perpetrada por Matinho Lutero no início da Idade Moderna da História.

É importante ressaltar que Martinho Lutero não pertence a essa fase da Filosofia Te-
ológica – nem mesmo da História. Lutero afixou as 95 teses na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg, na Alemanha, em 1517, portanto, já no período histórico chamado de Idade Moderna.

3 PATRÍSTICA
O nascimento de Jesus de Nazaré é o fato infinitamente mais importante para a
fé e a teologia Cristã, assim como para a História, do que toda e qualquer conquista de
Alexandre ou influência do Helenismo na trajetória da humanidade.

Trata-se de uma maravilhosa nova crença, de que o próprio Deus se faz humano,
Jesus de Nazaré, e desce para estar entre seus filhos, buscando orientá-los e redimi-los
de seus erros. Deus, então, diferente de todas as outras diversas religiões existentes
anteriormente, fez-se carne, viveu entre nós, foi morto em meio a nós, ressuscitou
entre os mortos e ascendeu aos céus, para junto de seu Pai. Isso deixa aos homens
a mensagem de como o mal e a morte podem ser vencidos e o próprio homem pode
alcançar a vida eterna, junto a Deus Pai.

É exatamente essa mensagem que impulsiona a Patrística, que se nutre dos


acontecimentos da vida, da morte e da ressurreição de Jesus, através dos quais tudo
passa a ser interpretado e compreendido. O mundo, então, passa a ser visto sob a ótica

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da revelação do Redentor. Essa nova visão de Deus permitiu a possibilidade de uma nova
descida do Messias, que, agora, irá anunciar o fim do mundo e aplicar a justiça final. Essa
nova visão de Deus era um absurdo escandaloso para qualquer sábio judeu ou grego.

Se, antes da mensagem Cristã, deuses eram sempre vistos como portadores
de uma mensagem heroica de conquistas pela luta com violência e pela guerra, com o
Cristianismo, surgiu uma nova arma de conquista e heroísmo: o martírio pessoal. Diferente
daqueles deuses heroicos, temos Deus, aquele que, de posse da mensagem da vida eterna,
suporta, em silêncio, os piores sofrimentos e humilhações.

Essa nova mensagem, esse novo Deus, não distingue os homens pela sua origem.
Todos os homens são seus filhos e todos têm o mesmo respeito e consideração. A religião
passa de algo aristocrático e guiado por nobres deuses para algo verdadeiramente popular,
em que um pescador, oriundo das camadas mais populares da multidão, passa a ser tido
como o filho de Deus, e o próprio Deus encarnado, e que a todos, indistintamente, acolhe.

A distinção entre Cristianismo e judaísmo foi acentuando-se cada vez mais, o


que, aliás, pode se apreender e entender claramente com a leitura de A carta aos Gálatas
e Evangelho de João, dois textos que compõe a Bíblia Cristã e expõe uma realidade
apreendida no estudo das origens do Cristianismo. A realidade de que, pela maneira
como a Igreja Cristã foi fundada e conduzida, e pelos acontecimentos documentados
por seus seguidores e apóstolos, não se pode separar a história de como se deu seu
surgimento dos teólogos que a estudaram e ajudaram em sua definição, uma vez que:

A Igreja tal como foi concebida por Deus, como órgão da salvação da hu-
manidade, a prolongação da obra redentora de seu Filho único, aparece
assim aos olhos do teólogo à escuta da Palavra de Deus como um ‘gran-
de sacramento’, onde tudo significa sensivelmente e procura ao mesmo
tempo eficazmente a via da graça (DANIELOU; MARROU, 1984, p. 89).

Assim como o Cristianismo estava ainda longe de se normatizar, principalmente


nos primeiros anos após a morte de Cristo, a própria Igreja ainda era primitiva. Todavia,
em meio à crise que o judaísmo enfrentava no início da Era Cristã, começou a se abrir
a possibilidade de desenvolvimento da Igreja Cristã primitiva. Esta incluía, majoritaria-
mente, gente simples e analfabeta, cativada pela mensagem que dizia que o povo es-
colhido do Cristianismo era toda a humanidade, sem distinção. Somado a isso, a missão
evangelizadora de Paulo, junto aos gentios (os não judeus), foi magistral e fundamental.
Esses fatores somados foram de vital importância para que o Cristianismo, nos seus
primórdios, não virasse apenas uma seita judaica ou uma religião desfigurada e influen-
ciada pelo gnosticismo e até não se desfigurasse pelas religiões e místicas orientais.

A Filosofia Patrística surge, então, com a incorporação da verdade advinda


do Cristianismo. Os Patrísticos (Padres) eram tidos como os protetores das bases
doutrinárias dessa nova religião, o Cristianismo. Contudo, longe de ser um uníssono, a
Patrística, principalmente nos seus primeiros anos, apresentava inúmeras maneira de
interpretar e incorporar o Helenismo, o Cristianismo e o judaísmo.

57
Dentro do Neoplatonismo, muito presente na cidade de Alexandria, Plotino era
a figura mais influente e marcante. Plotino, que era de Alexandria e não era cristão, in-
fluenciou por demais os escritores e pensadores Cristãos. De outra corrente filosófica, o
Estoicismo, que inclusive teve um Imperador romano, Marco Aurélio, como um de seus
pensadores mais profícuos, definiu-se grande parte da concepção filosófica moral, a
qual foi vasta e totalmente incorporada ao Cristianismo.

3.1 ORÍGENES
Orígenes foi um pensador que nasceu em Alexandria, em 184. De criação e forma-
ção Cristã, e sendo um indivíduo altamente intelectualizado, teve influências grega, roma-
na e judaica na formação de seu pensamento religioso e filosófico. Teve aulas com Amônio
Saccas, o fundador do Neoplatonismo e, a partir desses ensinamentos, consolidou suas
interpretações do Cristianismo à luz dessa doutrina (Neoplatonismo). Ordenou-se sacer-
dote em 231, mas, por inveja do bispo de Alexandria, perdeu tudo, inclusive sua ordenação.
Mudou-se, então, para Cesareia, na Palestina, onde pregou por mais de 20 anos.

Sua obra é vasta e, dentro da Patrística, só é superada por Santo Agostinho. Seu
trabalho é caracterizado, maiormente, pela filosofia e pela teologia, e, em grande parte,
seus textos são erigidos sob a estrutura de interpretações alegóricas das escrituras. E
toda a sua erudição e domínio do grego e do hebraico, o transformaram em um profícuo
escritor Cristão Patrístico. Sua obra mais importante é De Principii (“Do Princípio”).

Orígenes, bem antes de Agostinho, primou pela fusão entre as mensagens Cristãs
e as filosofias e teologias pagãs. Devido a isso, é dele considerada a primeira suma teológica
(sumarização ou fusão de conceitos). Orígenes colocou, então, o Helenismo de seu tempo
para trabalhar a favor do Cristianismo. Gregório Taumaturgo (213-270 d.C.) escreve:

A fim de evitar que nos viesse a acontecer o que ocorre com a multidão
de pessoas inexperientes, ele não nos introduzia em um único siste-
ma filosófico, nem nos deixava deter-nos nele, mas nos guiava através
de todos, não permitindo que ignorássemos qualquer doutrina dos gre-
gos. Ele próprio nos orientava nessa busca, à semelhança de um hábil
artista que, por um experiente uso da filosofia, conhecesse tudo, discer-
nindo o que era bom e útil em cada sistema para chamar nossa atenção
precisamente para esse aspecto, não deixando de afastar os erros.
E nos aconselhava a evitarmos o apego a qualquer filósofo, mesmo
que tivesse sido declarado por todos os homens como perfeitamente
sábio, para aderirmos somente a Deus e a seus profetas. Nada era
proibido, nem ocultado, nem inacessível. Podíamos aprender qualquer
doutrina, bárbara ou grega, mística ou mora, examinar em profusão
todas as ideias, empanturrar-nos com todos os bens da alma. Qualquer
pensamento antigo que fosse verdadeiro acabava por nos pertencer,
por nossa própria vontade, com a possibilidade maravilhosa das mais
belas contemplações; para nós, era verdadeiramente uma imagem do
paraíso (TAUMATURGO apud LELOUP apud DUTRA, 2008, p. 43-45).

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FIGURA 3 – ORÍGENES

FONTE: <https://bit.ly/3g1qZJX>. Acessado em: 11 set. 2020.

3.2 TERTULIANO
Quintus Septimus Florens Tertullianus nasceu em Cartago, em 160, e faleceu
por volta de 235. Oriundo de família romana pagã, converteu-se ao Cristianismo já na
meia idade. Na juventude, teve sólida formação intelectual. Filosoficamente, inclusive,
era um profundo conhecedor do Estoicismo.

FIGURA 4 – TERTULIANO

FONTE: <https://bit.ly/2Sj4G9t>. Acesso em: 13 set. 2020.

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Como escritor e pensador, produziu muito, mesmo antes de sua conversão ao
Cristianismo. No entanto, infelizmente, poucos escritos dele restaram, exceto por um
importante escrito: Escritos Apologéticos contra judeus, pagãos e Cristãos gnósticos. Sua
defesa dos dogmas católicos se tornou cada vez mais intensa com o passar do tempo.

Tertuliano é um importante e marcante exemplo da Patrística Latina e Africana, e


um dos grandes intelectuais do seu tempo. Por escrever em latim, contribuiu fortemente
para que essa língua, paulatinamente, passasse a ser assumida como difusora do
Cristianismo. Entre suas obras preservadas, destacam-se Ad nationes, Apologeticum,
De preaescriptione haereticorum, Adversus Praxean e De carne Christi.

3.3 SANTO AGOSTINHO

GIO
Agostinho de Hipona foi parcialmente apresentado no Tópico 3 da Unidade
1, quando abordamos resumidamente sua vida, sua aproximação com
a Patrística e a filosofia de Platão, apontando que ele foi o mais profícuo
representante desse período da história da filosofia e da teologia.

Sua própria história pessoal fez com que ele, tendo vivido e praticado atos, por
ele mesmo, vistos como maus, passasse a entender melhor a mensagem de Cristo.
Lutou avidamente para compreender a si mesmo pela verdade transcendente, acessível
e clareável, segundo suas próprias conclusões, apenas através do Cristianismo.

Em sua obra, vemos retomados, de forma esmiuçada e mesclada, temas atinen-


tes ao Cristianismo, à Patrística, ao Helenismo e ao paganismo do filósofo Plotino. Essa
mistura conceitual gera a sua obra, o que, talvez, pela primeira vez na história ocidental,
demonstre a vida teórica de um homem passa a ser entendida de um ponto de vista exis-
tencial – por vida teórica, devemos entender os questionamentos pertinentes a qualquer
homem, na busca de um sentido para sua existência. Ávido seguidor das tradições ad-
vindas do Evangelista Paulo de Tarso e na continuidade dos ensinamentos advindos dele,
Agostinho cunhou a famosa frase “credo quia absurdum” (“crer mesmo que absurdo”), ou
seja, se a mensagem Cristã parecer loucura ou absurda, não pode isso atingir a fé. “Ter fé é
muito mais do que ter crença” – colocado de outra maneira, “crer para entender, entender
para crer” (intellege ut credas, crede ut intellegas) (RIBEIRO, 2008, p. 113).

Agostinho defendeu sempre e avidamente que é possível uma fé sem grandes co-
nhecimentos filosóficos e teológicos, mas um conhecimento sem fé carece precisamente da-
quilo que, desde os filósofos gregos, seria o objetivo de todo o conhecimento: Deus. Devido a

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isso, não incomumente, alguns teólogos o classificam como um teólogo Existencial. Filósofos
existenciais, como Heidegger ou Sartre, se caracterizam por filosofar no âmbito do cognitivo
(no sentido de como se dá o conhecimento), enquanto Agostinho, mantendo a teologia vincu-
lada à existência, também recorreu ao caráter racionalista e cognitivo da filosofia para explicar
a mesma coisa, ou seja, explicar como se dá o conhecimento. Como teólogo, Agostinho se es-
merava em explicar a fé em Deus. Entretanto, como filósofo, buscava explicar racionalmente o
mundo. “Se a fé vem antes, isso não significa que não possa ser auxiliada pela razão” (RIBEIRO,
2008, p. 114). No seu livro Confissões, percebe-se a tensão entre as duas forças motrizes do
espírito de Agostinho: de um lado um mundo cheio de erros, acertos, racional e finito e do ou-
tro a busca incessante pela salvação final no mundo eterno. Ele aponta que o objetivo maior
da existência Cristã é a salvação em direção a esse mundo eterno.

Talvez sua obra mais magistral seja o portentoso livro A cidade de Deus, no
qual, historicamente, se percebe que todo o alfarrábio versa sobre um período em que o
Império Romano se desmoronava, tinha seus últimos estertores nas mãos dos bárbaros
que o invadiam e o esfacelavam. Agostinho mostra, claramente, que o estilo de vida
adstrito ao Império Romano está ruindo, enquanto uma nova ordem social e um novo
modo de vida floresciam.

Antes de ser um padre católico, Agostinho foi pagão e conduziu sua própria vida
de modo depravado. Com a maturidade, começou a ter questionamentos espirituais
e intelectuais. Por experiências passadas por ele em sua própria vida, iniciou com
questões como “qual a origem do mal?”. Nesse momento, apenas um caminho se abriu
ao jovem Agostinho: a Filosofia, o que o levou ao maniqueísmo, que, por sinal, frente ao
seu questionamento, tinha uma resposta simples e cabal. Nessa fase de sua vida, e já
atuante maniqueu, conseguiu um emprego em Milão.

Nesse período, casou-se por conveniência, e, apesar de convertido ao


maniqueísmo já por um certo tempo, não tinha suas dúvidas sanadas. Daí converteu-
se novamente, e por curto espaço de tempo, ao ceticismo. Essa virada ao ceticismo
nada mais foi que uma continuidade de sua inquietante busca pela verdade. Nessa
mesma época, em Milão, entrou em contato com os escritos de Platão, através do
Neoplatonismo de Plotino, quando surgiu a influência de um grande intelectual, que foi
decisivo na sua trajetória e no rumo que a própria Igreja tomaria nos próximos mil anos,
Ambrósio, o bispo de Milão. Ambrósio, que era extremamente versado nas Epístolas
Paulinas, encorajou Agostinho a ler tanto Paulo como Platão. Nesse ambiente em que
Agostinho vivia, ocorreu o famoso episódio de sua conversão:

Estava ele em meio a uma discussão com seus amigos quando ouviu
uma voz que provinha da casa ao lado e que repetia “Toma e lê, toma e
lê” (Tolle, lege, tolle, lege) e entendeu-as como um aviso da Providência
para que abrisse precisamente o livro que tinha ao seu alcance. Abriu,
então, a Bíblia na passagem de Epístola aos romanos (13, 13s): “não em
orgias e bebedeiras, em concubinato e libertinagem, em rixas e ciúmes,
mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne para
lhe satisfazer os apetites”. Ao término da leitura, a luz de uma certeza
inabalável inundou-lhe o coração (Confissões, VIII, 12, 29) (DROBNER,
apud DUTRA, 2008, p. 122).

61
Agostinho, então, havia encontrado a verdade que tanto buscava, e a partir
desse dia, a maior parte de seus escritos e ensinamentos versaram sobre o tema da
defesa da unidade e da imortalidade da alma. Após a sua conversão e de ter visitado e
vivido em muitos lugares, sua fama cresceu. Em 391, chegou a Hipona e lá se deparou
com intensas disputas entre a Igreja Católica e antigas religiões pagãs locais. Em 395,
tornou-se bispo e iniciou um enérgico ataque às antigas religiões pagãs e a outras
seitas, mesmo as seitas Cristãs.

Somente a partir da obra agostiniana Confissões, a comunidade cristã enxergou


que a humanidade estava trilhando um caminho não isento do mal e das tentações.
Percebeu-se que cabia aos cristãos, como membros dessa comunidade, não deixar que
sua vontade pela salvação esmorecesse, devendo eles estar com suas vidas sempre
focadas na salvação ao final de sua jornada na Terra. Essa busca pela salvação, então,
tornou-se a força que conduz à superação desse mal e dessas tentações. Assim,
mesmo eventuais erros não são como um ceder para o mal, mas faz parte da mais
íntima condição humana cometê-los, o que, portanto, não deve ser encarado como uma
queda para o mal: “Se erro, sou” (“Si fallor sum”) (RIBEIRO, 2008, p. 127).

No livro A cidade de Deus, Agostinho cita os poderes seculares que já existiram,


que o preferível seria o romano, pois tornara o Cristianismo a sua religião oficial; também
fala que, apesar de algumas seitas profetizarem fanaticamente que o reino de Deus seria
o verdadeiro local bom de se estar, há também coisas boas nesse mundo. O problema
dos homens é sua insistência em se mover em meio à penumbra da falta de fé.

FIGURA 5 – SANTO AGOSTINHO

FONTE: <https://bit.ly/3gdoKSB>. Acesso em: 15 set. 2020.

DICAS
Assista ao filme Santo Agostinho de Hipona, disponível no Youtube (completo e dublado), que
mostra um período da vida de Agostinho antes de se tornar um religioso cristão. Era, então,
um funcionário, um orador a serviço do Rei de Milão. Tinha mulher e um filho. Também vivia
com sua mãe que, diferentemente dele, era cristã. Nesse período de sua vida, declarava-se
um Maniqueísta (uma espécie de upgrade do Gnosticismo, que se iniciou na Pérsia). Nessa
altura, sua esposa, ao perceber a ganância do marido e frente à possibilidade de ela mesma
se tornar um percalço para ele, ela fugiu.

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Numa determinada passagem, havia uma disputa entre o Rei, um pagão, e o bispo católico
da cidade, pela posse do templo onde esse bispo proferia as missas. Num conflito entre
os soldados do rei e os cristãos devido a esse templo, os cristãos foram covardemente
atacados pelo exército real, na presença de Agostinho. Esse momento, somado ao fato de
ele ter que tentar proferir um discurso em defesa da atitude covarde dos servidores reais, e
mais ainda, o fato de ter sofrido forte revés com a fuga de sua esposa, fez Agostinho entrar
numa intensa crise, que culminou com a sua total conversão ao Cristianismo.

É nesse momento que sua vida, no filme, reaparece com fatos relacionados a Hipona, onde
ele está morando e é um bispo católico. Naquele momento histórico, Hipona está sitiada
pelo Bárbaro germânico Vândalo, chamado Genserico. Vendo estar a cidade em situação
irreversível, Agostinho vai até este líder germano Genserico e oferece-se em troca da fuga
da cidade dos inocentes. Ao retornar, Agostinho iniciou a proferir um discurso em que, além
de oferecer barcos que seriam fornecidos pela Igreja Católica para a fuga dos que assim o
quisessem, ele começou a explanar sobre a igualdade dos homens a despeito da origem.
Nesse momento, é interrompido pelo governador da cidade que, diferentemente da proposta
de Agostinho, conclama o povo a se unir e resistir aos Vândalos, que não são romanos,
e, portanto, são bárbaros, diferentes. Com esse discurso, o governador está tentando
desqualificar o conceito de igualdade humana colocado por Agostinho. O governador ainda
disse que uma frota romana estava chegando para defendê-los. Essa frota, porém, foi
dizimada pelos mesmos Vândalos antes mesmo de chegar à cidade. A essa altura, a parte da
população que opta por fugir nos barcos oferecidos por Agostinho, o faz, enquanto o resto
da população, inclusive Agostinho, é morto na cidade pelos invasores. Assim, termina o filme.

No filme, fica patente que vem de Agostinho, após contato inicial, a iniciativa de fundir
conceitos cristãos com conceitos advindos da filosofia grego, principalmente de Platão, com
os quais teve contato através do Bispo de Milão, seu amigo. Coube a Agostinho o papel de
transformar os conceitos, até então, existentes na Patrística, em algo mais maduro, vinculado
à filosofia. Essa união Cristianismo/filosofia foi conseguida por Agostinho com tal êxito que
a Patrística assumiu seu verdadeiro arcabouço apenas após a revolução conceitual
por ele perpetrada. A seguinte definição expõe soberbamente a Patrística: “A
Patrística auxilia a exposição racional da doutrina religiosa, preocupando-se
principalmente com a relação entre fé e ciência, com a vida moral, com a natureza
de Deus e da alma” (SCHINEIDER, 2007). Tudo isso não poderia ter ocorrido em
ambiente mais fértil: dentro do Império mais extenso territorialmente do mundo
conhecido, detentor da maior influência cultural (greco-romana) existente
dentro desse vasto império e através da língua latina que, era a mais falada
do mundo ocidental, e escrita por toda a elite cultural. Nesse terreno fértil,
foi muito fácil para que a Filosofia, sob a forma de Patrística e atrelada à força
maior, o Cristianismo, se popularizasse a ponto de, hoje, ter alcançado expresso
reconhecimento e ser o Cristianismo a religião mais praticada no mundo.

4 AS DIVISÕES DA ESCOLÁSTICA
Como São Tomás de Aquino é a figura central desse período chamado de
Escolástica (anteriormente abordado na Unidade 1), parte da história da filosofia que
é dividida em Pré-tomista (Pré-escolástica), Tomista (Escolástica) e Pós-tomista (Pós-
escolástica). Nesse momento, veremos tanto a Escolástica Pré-tomista quanto a
Escolástica Tomista, pois a Escolástica Pós-tomista não participa de maneira incisiva
no entendimento e na edificação de uma Razão Filosófica da teologia. A seguir, serão
apresentados dois pré-escolásticos: Duns Scoto Erígina e Santo Anselmo.

63
4.1 PRÉ-ESCOLÁSTICA (PRÉ-TOMISTA)
Anteriormente, relembramos em vários pontos do texto que a base filosófica do
período conhecido como Patrística era, em sua totalidade, calcada na filosofia advinda
de Platão. Os europeus pouco ou nada conheciam de Aristóteles. Em verdade, muito
pouco dos ensinamentos oriundos de Aristóteles chegou até os Patrísticos.

Entretanto, no mundo árabe, Aristóteles era conhecido, lido e estudado. Toda


a obra desse filósofo foi lá preservada e era profundamente conhecida. No início do
século VIII, com as invasões de árabes oriundos do norte da África e que adentraram à
Península Ibérica (Espanha e Portugal), os árabes trouxeram sua cultura e, com ela, a
filosofia de Aristóteles para a Europa, por meio de Avicena (que era persa e viveu de 980
a 1037) e Averróis (1126-1198).

O conhecimento de Aristóteles preservado e trazido à Europa pelos árabes


que a invadiram espalhou o conhecimento filosófico do qual germinou uma mudança
intelectual que originou o movimento chamado de Escolástica. Moisés Maimônides
(1135-1204), filósofo judeu, e Alberto Magno (1193-1280) também pertencem ao grupo
de pensadores árabes que auxiliaram na difusão de Aristóteles na Europa.

NOTA
“Aristóteles chegou ao conhecimento europeu por meio dos árabes, os
quais haviam preservado o pensamento de Aristóteles durante as invasões
bárbaras. Avicena e Averróes foram os dois maiores filósofos aristotélicos
árabes que influenciaram o Ocidente no período aqui considerado. Aliás, a
tradução do grego para o latim das obras de Aristóteles foi feita por Guilherme
de Maerbeke, por conselho do próprio Tomás” (RIBEIRO, 2008, p. 159).

FIGURA 6 – AVICENA

FONTE: <http://www.filosofia.com.br/figuras/biblioteca/avicena3.jpg>. Acesso em: 2 fev. 2021.

64
FIGURA 7 – AVERRÓIS – ESTÁTUA DE AVERRÓIS EM CÓRDOBA, ESPANHA

FONTE: <https://bit.ly/3w2sflB>. Acesso em: 2 fev. 2021.

4.1.1 Duns Scoto (1265-1308)


João Duns Scoto era um pensador sustentava que a realidade é racional e uni-
tária, e, portanto, o mundo e Deus não são realidades separadas. Ou seja, tanto pela
razão quanto pela fé, a realidade pode ser correta e validamente acessada. Para ele,
Filosofia e teologia se identificam, uma vez que a verdadeira Filosofia é a verdadeira
religião e a verdadeira religião é a verdadeira Filosofia. Scoto considerava a fé e a razão
como tendo o mesmo fundamento, a mesma causa, qual seja, a sabedoria divina pre-
sente nas escrituras sagradas. A fé tem que ter uma razão explicável, senão a fé pode
ter suas certezas abaladas.

FIGURA 8 – DUNS SCOTO

FONTE: <https://bit.ly/34TbflT>. Acesso em: 14 set. 2020.

65
Para Duns Scoto, o respeito pela lei divina é mais importante que a busca da felicidade;
e a verdadeira lei natural é formada pelas verdades necessárias, antes mesmo, até, da vontade
divina (por exemplo, Deus não pode querer que o odiemos). Portanto, apesar de Patrístico e
seguidor do platonismo, a lei natural é a sustentação da moralidade, diferentemente do que
dizia Platão, que sustentava a moralidade nas virtudes.

Sua obra mais conhecida e também a mais importante é De divisione naturae


(“Sobre a divisão da natureza”, de 862-866 d.C.). Apesar da influência que exerceu sobre
o pensamento religioso ocidental, foi proscrita pela igreja por seu conteúdo panteísta.
Scoto, que sempre seguiu o platonismo, retoma, nessa obra, o debate entre Universais
(formas ou ser) e os Existenciais (vir a ser), que remete à metafísica de Platão e seu
conceito sobre a concepção de Mundo das Ideias, em que as formas Universais dos
seres (no céu das almas) estão na Terra sob a forma de existenciais (como já foi abordado
anteriormente na Unidade 1).

4.1.2 Santo Anselmo


Santo Anselmo da Cantuário ou Anselmo de Aosta (cidade natal), ou ainda
Anselmo de Bec (local de seu mosteiro), foi um monge Beneditino que escreveu uma obra
literária das mais importantes e influentes na história da teologia. Nasceu em 1033, na
cidade de Aosta, Reino de Borgonha, atual Itália, e morreu em 1109, Cantuária, Inglaterra.
Pelos seus escritos, é considerado o fundador da Escolástica.

Talvez, o seu escrito mais famoso seja o chamado Prova Ontológica (Metafísica) da
Existência de Deus. Destacamos parte do segmento mais marcante desse escrito a seguir.

FIGURA 9 – SANTO ANSELMO

FONTE: <https://bit.ly/3z7XugN>. Acessado em: 14 set. 2020.

66
4.2 ESCOLÁSTICA (TOMISTA)
A Escolástica corresponde a um período que ficou conhecido como Idade
Média. Nesse contexto, os pensadores da escola (de onde advém o termo escolástico)
representam outro grande momento da Filosofia Medieval. Tomás de Aquino, que
foi aclamado santo pela Igreja Católica, foi um pensador cujas análises promoveram
estudos aprofundados, transformando definitivamente a interpretação cristã, acerca
das escrituras, e sua relação com a Filosofia.

4.2.1 São Tomás de Aquino


São Tomás de Aquino foi um pensador tão importante que a Escolástica, no seu
auge, é representada exclusivamente por seu trabalho como filósofo e teólogo. Como
visto anteriormente na Unidade 1, ele nasceu em Roccasecca, Itália, em 1225, e faleceu
em Fassanova, Itália, em 1274.

FIGURA 10 – SANTO TOMÁS DE AQUINO

FONTE: <https://bit.ly/2T1XQVQ>. Acesso em: 15 set. 2020.

Na Filosofia, é tido como um precursor do pensamento moderno, pois foi dele


a origem do conceito de que a razão seria uma ferramenta suficiente para adquirirmos
pleno e total conhecimento do mundo. Exemplo disso seria apreendido através das
famosas cinco vias demonstráveis racionalmente da existência de Deus.

DICA
Leia um fragmento do texto Se deus existe na Leitura Complementar, que
apresenta as cinco vias demonstráveis racionalmente da existência de Deus.

67
No primeiro ponto dessa demonstração, quando se fala “Se a existência de Deus é por
si mesma conhecida”, Aquino reflete que uma coisa, para ser autoevidente, poderia o ser de
duas maneiras: essa coisa pode ser autoevidente para si mesma, mas não para nós; ou pode
ser autoevidente para si mesma e para nós. A partir disso, Aquino afirma que a proposição “Se
Deus existe” é autoevidente, pois o predicado existe é o mesmo que o sujeito Deus; Deus é a
própria existência. No entanto, como não conhecemos a sua essência, a proposição “Se Deus
existe” não é evidente para nós. Daí a necessidade de Deus nos ser demonstrado e conhecido
pelos seus efeitos. Com relação ao segundo ponto, em que Aquino escreve “Se é demonstrável
a existência de Deus” (RIBEIRO, 2008, p. 160), abrem-se duas vias de demonstração: uma cha-
mada a priori, ou pela causa, que nos vêm antes; a outra é chamada de a posteriori, ou o efeito,
que nos vêm depois. E o efeito da existência de Deus é conhecido e facilmente perceptível pela
simples observação e contemplação do mundo e das coisas. Então, se os seus efeitos são co-
nhecidos e existem, esse algo pode ser conhecido pelos seus efeitos conhecidos. Assim, apesar
de Deus não ser diretamente evidente a nós, ele é indiretamente evidente pelos seus efeitos.

A ética, defendida por Tomás de Aquino, ou Ética Tomista, baseia-se em uma har-
monização entre os ensinamentos morais cristãos e os ensinamentos éticos advindos dos
gregos, maiormente Aristóteles, e sua Ética das Virtudes. Quando Aquino defende uma nor-
matização ética dada pelas virtudes, ele defende que agir com ética é algo autônomo, ou
seja, ser ético se dá por uma escolha do indivíduo. Isso é bastante diferente de alguém que
age de maneira ética porque a lei (jurídica ou um mandamento) o ordena. Alguém, portanto,
que age de maneira heterônoma. O indivíduo age corretamente ou eticamente se, ao pe-
sar em sua mente, e de modo racional, concluir que, atuando de maneira virtuosa (seguindo
as virtudes), ele atingirá felicidade (ou Eudaimonia – expressão derivada do grego) para si e
para os outros indivíduos da sociedade. Aristóteles enumerava várias virtudes, assim como
Aquino; porém elencava as chamadas Virtudes Cardeais como as mais importantes, das
quais as outras se derivam e a elas se atrelam: temperança, justiça, coragem e sabedoria
para Aristóteles e prudência (no lugar de sabedoria) para Aquino como as principais.

IMPORTANTE
VIRTUDES E SUAS ORIGENS (POR ARISTÓTELES E AQUINO)

Tornamo-nos justos praticando Justiça. Como em toda virtude moral, segundo Aristóteles
(e reforçado por Aquino), a Justiça não surge em nós por natureza. O aprimoramento
moral se relaciona com práticas prazerosas ou dolorosas e é devido aos prazeres que se
praticam as boas e/ou as más ações. É certo afirmar que, pela prática de atos justos, se
gera um homem justo. A felicidade, via práticas prazerosas, só é atingida ao se conseguir
a excelência moral (na busca do aprimoramento dessa moral). E isso se dá frente ao agir
virtuosamente ou sob a égide da ἀρετή (aretê – virtude). Por ἀρετή (virtude), Aristóteles
entende como a predisposição para se desempenhar o bem: ser justo se caracteriza por se
ter a virtude da Justiça, ser bom a da Bondade, ser generoso a do indivíduo Magnânimo etc.

Em Tomás de Aquino ainda se definem as Virtudes Teológicas, as distinguido das demais e


as tendo como as mais perfeitas. E ele reforça que, antes de estas se relacionarem com a
felicidade humana ou eudaimonia, elas estão vinculadas com o supra-humano, ordenada por

68
Deus; ou seja, estão vinculadas com a felicidade sobrenatural, beatitude
(felicidade e paz eterna, fim maior de qualquer virtude). Das Virtudes
Teológicas, em Aquino temos em primeiro lugar a Fé, como geradora das
outras duas, quais sejam a Esperança e a Caridade (aqui, como a Caridade
implica amor a Deus e a todas as criaturas, pode-se trocar ou definir
Caridade por Amor). Assim, estando a Caridade/Amor vinculada a um Amor
incondicional a Deus e aos outros homens, além de todas as criaturas que
são frutos da obra criadora de Deus, esta, a Caridade passa a ser a mais
perfeita das Virtudes Teológicas. Portanto, diferentemente da ordem em
que são geradas as Virtudes Teológicas, quando se analisa sob a ótica da
perfeição, a Caridade/Amor precede a Fé que é seguida pela Esperança.

IMPORTANTE
AQUINO E A PENA DE MORTE

Segundo Finnis, a posição de Tomás é que o que é mau em si não pode ser transformado em
algo bom em razão do fim a que servir como meio (FINNIS, 1998, p. 280). Tomás considera,
na Summa Theologiae (II-II, q. 64 a. 2), a objeção segundo a qual matar um homem seria um
mal em si mesmo, por isso não se deveria condenar ninguém à morte. Na resposta, porém,
ele afirma ser legítimo matar animais irracionais, na medida em que estão destinados ao
uso humano, como o imperfeito está dirigido ao perfeito. Assim, se a saúde de todo o corpo
demandar a amputação de um membro que poderia comprometer os outros, é elogiável e
vantajoso extirpá-lo. Assim, da mesma forma, cada membro da comunidade é uma parte de
um todo, sendo permitido matar alguém para o bem comum. Inclusive, na réplica à objeção,
pode-se ler o seguinte: pelo mal, o homem aparta-se da razão e, consequentemente, decai
da dignidade de sua humanidade, na medida em que é naturalmente livre e existente para
si mesmo (naturaliter liber et propter seipsum existens), ficando reduzido à condição escrava
das bestas (in servitutem bestiarum). Portanto, ainda que seja mau em si mesmo matar um
homem enquanto ele preserva sua dignidade, poderá ser bom matar um homem
que praticou o mal, assim como é bom matar os animais, pois um homem mau
é pior do que um animal e mesmo mais danoso (Summa Theologiae, II-II, q. 64
a. 2). Finnis anota que o argumento da equiparação aos animais prova demais,
pois despe o ser humano da dignidade, privando-o, por exemplo, das liberdades
morais, como a de lutar para preservar sua vida (FINNIS, 1998, p. 282).

FONTE: DUTRA, D. J. V.; HEBECHE, L. A. História da filosofia II. Florianópolis: FILO-


SOFIA/EAD/UFSC, 2008.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tópico, foi possível revisar toda a história da filosofia do período iniciado
com o nascimento de Cristo, atendo-se aos pontos mais relevantes dos períodos
conhecidos como Patrística, Pré-escolástica e Escolástica.

Contudo, antes das colocações pertinentes aos filósofos de cada fase e que foram
importantes à razão filosófica da teologia, foi fundamental localizarmos, através de uma
rápida revisão, tanto do Helenismo e de sua conceituação quanto das conquistas do Império

69
de Alexandre Magno, a superposição, ou ligação da cultura ocidental grega com as culturas
locais de todas as terras conquistadas por Alexandre, o que culminou com o Helenismo.
Dentro desse caldo cultural capitaneado pela cultura grega, o Helenismo, nasceu Cristo,
culminando com a ascensão do Cristianismo por Europa, Norte da África e Ásia.

No início, e majoritariamente sob influência dos escritos do filósofo Platão,


surgiu a Patrística, cujos nomes de destaque foram Orígenes e Tertuliano. Nessa fase, o
maior representante e influenciador, tanto da história da Patrística quanto da edificação
das bases da própria igreja Cristã, foi Santo Agostinho.

Relembramos a chamada Pré-escolástica, inicialmente por dois filósofos árabes,


Avicena e Averróis, que reconduziram os escritos de Aristóteles à Europa, uma vez que
eles haviam sido preservados pelos árabes, mas não na Europa. Vimos, ainda, os padres
cristãos e filósofos Duns Scoto e Santo Anselmo.

Por fim, chegamos à fase Escolástica, cujo único representante foi São Tomás
de Aquino, que edificou uma obra tão marcante e influente, que, por si só, é uma fase
inteira da filosofia medieval, a Escolástica.

70
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O Helenismo teve importância na consolidação do Cristianismo através tanto da


expansão do Império Pré-Cristão de Alexandre, o Grande, quanto do Império romano.
Os gregos macedônicos e os romanos espalharam a cultura grega por todos os
territórios conquistados.

• São pontos do nascimento do Cristianismo e de suas características:


º O fato de a Filosofia estar presente na religião cristã, tendo sido diferenciada de
outras já existentes.
º O advento da Patrística e como esta se nutre dos acontecimentos da vida, da
morte e da ressurreição de Jesus, através dos quais tudo passa a ser interpretado
e compreendido.
º Orígenes, como patrístico, primou pela fusão entre as mensagens Cristãs e as
filosofias e teologias pagãs.
º Tertuliano e sua defesa dos dogmas católicos.
º Santo Anselmo da Cantuário ou Anselmo de Aosta ou ainda Anselmo de Bec, e
sua Prova Ontológica da existência de Deus.
º O surgimento da Escolástica com São Tomás de Aquino.

• A Ética defendida por Tomás de Aquino, ou Ética Tomista, que se baseia em uma
harmonização entre os ensinamentos morais cristãos e os ensinamentos éticos
advindos dos gregos, maiormente Aristóteles, e sua Ética das Virtudes.

• Como argumentos tomistas a favor da pena de morte, temos, por exemplo, que
“ainda que seja mau em si mesmo matar um homem enquanto ele preserva sua
dignidade, poderá ser bom matar um homem que praticou o mal, assim como é
bom matar os animais, pois um homem mau é pior do que um animal e mesmo mais
danoso”.

71
AUTOATIVIDADE
1 Helenismo é entendido como a difusão para quase todo o mundo Ocidental, e parte
significativa do Oriental, da cultura grega. Sobre isso, analise as sentenças a seguir:

I- Essa expansão, iniciada por Alexandre, o Grande, e, depois da morte deste, continuada
pelo Império romano, foi de fundamental importância para a difusão da cultura, da política
e das filosofias gregas para todo o mundo conhecido.
II- Graças a essa expansão e assimilação da cultura local, também por parte dos
invasores, primeiramente gregos e, depois romanos, a língua grega, e depois a latina,
facilitou a difusão do Cristianismo pelo mundo.
III- Paulo de Tarso era romano, nascido e criado em Roma, e de origem Cristã.
IV- O marco mais importante na história da Filosofia Teológica Medieval ocorreu com
o nascimento de Cristo. Outros momentos importantes foram a queda do Império
Romano do Ocidente (no ano de 476 d.C.) e a queda do Império Romano do Ocidente
(em 1453 d.C.).

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

2 A Patrística foi uma representação de grande importância de adaptação no


relacionamento entre a Filosofia de origem grega e as concepções nascentes que
surgiam com o Cristianismo, pois tornava possível relacionar o pensamento da tradição
filosófica grega, anteriormente considerada paganismo, com as interpretações dos
Pais da Igreja. Sobre o Cristianismo e a Patrística, analise as afirmativas a seguir:

I- O nascimento de Jesus de Nazaré é um fato infinitamente mais importante para a


fé e a teologia, assim como para a História, do que toda e qualquer conquista de
Alexandre ou influência do Helenismo na trajetória da humanidade.
II- A nova mensagem, esse novo Deus, não distingue os homens pela sua origem. Todos
os homens são seus filhos e todos têm o mesmo respeito e consideração. A religião
passa de algo aristocrático e guiada por nobres deuses para algo verdadeiramente
popular, em que um pescador, oriundo das camadas mais populares da multidão,
passa a ser tido como o filho de Deus, e o próprio Deus encarnado, e que a todos,
indistintamente, acolhe.
III- A Filosofia Patrística, então, surge com a negação da verdade advinda do Cristianismo
e a tentativa de fundi-lo com o platonismo.

72
IV- Dentro do Neoplatonismo, muito presente na cidade de Alexandria, Plotino era
a figura mais influente e marcante. Plotino, um cristão pregador de Alexandria,
influenciou demais os escritores e pensadores cristãos depois dele.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as afirmativas estão corretas.

3 Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, foi, sem sombra de dúvida, o pensador


mais produtivo do período chamado Patrística. Analise as proposições a seguir:

I- Ávido seguidor das tradições advindas do Evangelista Paulo de Tarso e da


continuidade dos ensinamentos advindos dele, Agostinho cunha a famosa frase
“credo quia absurdum” (crer mesmo que absurdo). Ou seja, se a mensagem cristã
parecer loucura ou absurda, não pode isso atingir a fé. “Ter fé é muito mais do que
ter crença” ­– colocado de outra maneira, “crer para entender, entender para crer”
(intellege ut credas, crede ut intellegas).
II- Agostinho, filho de mãe católica, também sempre foi um católico fervoroso e, a partir
disso, produziu uma série de obras literárias.
III- Agostinho afirmava que a busca pela salvação tornar-se-ia a força que conduziria
à superação do mal e das tentações. Entretanto, ele afirmou que eventuais erros
não são como um ceder para o mal, mas faz parte da mais íntima condição humana
cometê-los. Cometer erros, portanto, não deve ser encarado como uma queda para o
mal: “Se erro, sou (Si fallor sum)”.
IV- O filme Santo Agostinho de Hipona é um fiel relato de parte importante da história da
vida desse filósofo da Patrística.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) As proposições I e III estão corretas.


b) ( ) As proposições I e IV estão corretas.
c) ( ) As proposições I, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as proposições estão corretas.

4 A Escolástica pode ser dividida em Pré-tomista (Pré-escolástica), Tomista (Escolástica)


e Pós-tomista (Pós-escolástica). Desse modo, analise as sentenças a seguir:

I- João Duns Scoto e Santo Anselmo são representantes do período conhecido por
Pré-tomista (Pré-escolástica).
II- É de Santo Anselmo a famosa obra Prova Ontológica (Metafísica) da existência de Deus.

73
III- Aquino é, em Filosofia, tido como um precursor do pensamento moderno, pois foi
dele a origem do conceito de que a razão seria uma ferramenta suficiente para
adquirirmos pleno e total conhecimento do mundo. Exemplo disso seria apreendido
através das famosas cinco vias demonstráveis racionalmente da existência de Deus.
IV- Quando Aquino defende uma normatização ética dada pelas virtudes, defende
que agir com ética é algo autônomo, ou seja, ser ético se dá por uma escolha do
indivíduo. Isso é bastante diferente de alguém que age de maneira ética porque a
lei (jurídica ou um mandamento) o ordena. Alguém, portanto, que age de maneira
heterônoma.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

5 Tomás de Aquino foi um grande nome do pensamento medieval e suas reflexões


tornaram possível a explicação filosófica de diversos elementos da presença e vontade
de Deus. Segundo os preceitos de São Tomás de Aquino e da Pós-Escolástica, analise
as afirmativas a seguir:

I- Diferentemente dos gregos, que defendiam que o fim último do homem, conduzido
pelas virtudes (principalmente as Virtudes Cardinais: sabedoria, justiça, coragem e
prudência), é sempre a busca pela felicidade, Aquino defende que essas virtudes
deveriam aproximar o homem do supra-humano, através da felicidade sobrenatural
(beatitude).
II- Em Aquino, acima das Virtudes Cardinais, temos as chamadas Virtudes Teologais:
a fé, como geradora das outras duas, a esperança e a caridade (como a caridade
implica amor a Deus e a todas as criaturas, pode-se trocar ou definir caridade por
amor).
III- Por se um cristão fervoroso e dono de uma obra magistral e profícua, Aquino foi
contrário à pena de morte em qualquer situação.
IV- O período chamado de Pós-Escolástica foi marcado pela manutenção do pensamento
de Tomás de Aquino e pelo esquecimento por completo das ideias oriundas de Santo
Agostinho.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
e) ( ) As afirmativas I, II e III corretas.

74
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
REFLEXÕES DA REFORMA

1 INTRODUÇÃO
No século XVI, a Reforma modificou o ambiente do Cristianismo em relação
à Roma. A princípio, pode-se dizer que foi obra de Martinho Lutero que difundiu sua
doutrina em países germânicos e escandinavos. A partir da Reforma Protestante, houve
a sucessão de diversas consequências históricas, porém, talvez o principal fenômeno
decorrente desse período tenha sidp o movimento que, mais tarde, ficou conhecido
como Contrarreforma.

A Reforma Protestante readequou as relações existentes entre a sociedade e


a instituição estatal, apresentando novas tendências políticas através das disposições
monárquicas, além de aprofundar a representação popular e a liberdade do homem.
Forneceu novas oportunidades à reformulação das relações sociedade-estado, ao
apresentar elementos que combinavam os fundamentos das doutrinas teológicas do
Cristianismo e aspectos específicos do exercício político do período da Idade Média.

O pensamento protestante adentrou em uma sociedade estafada de um tipo de


religiosidade que já não se mostrava atrativa, reorientando o cotidiano e o modo de os
indivíduos lidarem consigo e com o mundo. Para os críticos, o protestantismo anulou
ideologicamente elementos religiosos medievais, colocando-os em conformidade com
a burguesia. Contudo, além disso, a Reforma Protestante trouxe uma nova forma de
pensar a vida cristã. A consequência primária disso era que cada cristão precisaria ter
acesso à Escritura em sua própria língua. Não por acaso, os protestantes são o grupo
religioso que mais se preocupa em traduzir a Bíblia Sagrada para diversas línguas.

2 A REFORMA
A Reforma foi um movimento religioso que retirou parte da cristandade europeia
de sua ligação com Roma, dando origem às Igrejas Protestantes. Em princípio, a Reforma
foi obra de Martinho Lutero, depois foi difundida nos países germânicos e escandinavos,
onde foram erigidas importantes Igrejas de Estado.

Como sustenta Mondin (1981, p. 27), “a Reforma Protestante foi um acontecimento


essencialmente religioso, mas causou, ao mesmo tempo, profundas transformações
políticas, sociais, econômicas e culturais”.

Como consequência desse período, a Reforma precisa ser estudada e avaliada de


acordo com critérios religiosos oriundos da fé cristã, a qual a Reforma se propunha a resgatar.

75
Os países de língua francesa, através de Calvino, tinham um orientador da
renovação religiosa. Sua obra em Genebra, junto aos huguenotes franceses, fez da
Suíça e da França representantes de um novo tipo de protestantismo (o Calvinismo), o
qual se espalhou para Polônia, Boêmia, Hungria e Ilhas Britânicas, marcando a Reforma
Anglicana, que se apresentou como uma nova via entre o Catolicismo e o Protestantismo.

Para além das três grandes correntes da Reforma (Reforma Luterana, Reforma
Calvinista e Reforma Anglicana), as quais conformaram igrejas organizadas, surgiram
correntes alternativas, que rejeitaram laços institucionais, como os anabatistas e os
movimentos ligados ao Iluminismo e ao milenarismo.

Contudo, a Reforma marcou historicamente o pensamento cristão. O rompimento


por ela provocado fez surgir uma nova reflexão sobre a teologia e a vida cristã.

2.1 AS CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS DA REFORMA


PROTESTANTE
Diversas consequências podem ser percebidas após a Reforma Protestante. No
entanto, a maior oposição ao movimento reformista recebeu o nome de Contrarreforma
ou Reforma Católica. Ordoñez e Quevedo (2004, p. 104) registram que:

As primeiras experiências efetivas ocorreram na Espanha. Os reis


católicos, Fernando e Isabel, impulsionaram a reforma do clero,
intelectual e moralmente, o que foi possível porque a Igreja era
dependente do Estado, dessa maneira, as iniciativas partiram da
Coroa, com a participação direta do confessor da rainha, o primaz
da Espanha e inquisitor-mor de Castela e Leão, o Cardeal Francisco
Ximenez de Cisneros.

A Reforma Católica perdurou durante o século XVI. Nessa época, podemos dar
destaque aos seguintes papas reformistas: Paulo III, Paulo IV, Pio V e Xisto IV. O êxito da
Reforma Católica, porém, se deve ao engajamento dos padres da Companhia de Jesus,
ordem fundada por Inácio de Loyola, em 1534.

Para Gonzalez (1986), a Companhia de Jesus buscou reforçar a organização da


Igreja, efetuando os ditames da educação de importantes setores da sociedade, além do
forte combate ao protestantismo, reafirmando todos os dogmas católicos.

É importante destacar que a ordem executou um papel fundamental na


conversão ao catolicismo de grande parte dos povos indígenas do continente americano
(COTRIM, 2004).

Em 1545, o papa Paulo III convocou o Concílio de Trento para posicionar-se às


críticas protestantes. Os bispos estiveram reunidos de 1545 a 1547, de 1551 a 1552 e, por
fim, de 1562 a 1563.

76
Segundo Ordoñez e Quevedo (2004), no Concílio de Trento, a Igreja Católica:

• condenou a doutrina protestante da justificação pela fé;


• proibiu a intervenção dos príncipes nos assuntos eclesiásticos e a acumulação de
benefícios, pois confirmava que o papa e os bispos detinham os poderes outorgados
por Jesus Cristo a São Pedro e aos apóstolos;
• definiu o pecado original;
• manteve os setes sacramentos, o celibato clerical e a indissolubilidade do
matrimônio, o culto aos santos – com procissões e rezas – e as relíquias;
• disciplinou a formação e regrou a vida dos padres e dos regulares à administração
dos sacramentos;
• confirmou que o dogma está fundado nas Sagradas Escrituras, cabendo somente à
Igreja Católica o poder de interpretação;
• determinou a publicação de um resumo da doutrina cristã – o catecismo.

O Concílio de Trento definiu, para a perspectiva dos católicos, que o pecado não
é definitivo para macular o homem e sua natureza. Além disso, reforçou que a luz natural
da graça inata deve ser defendida o elemento basilar para os códigos de governança
das instituições dos homens (HANSEN, 2001).

Ao mesmo tempo em que o Concílio de Trento definiu ideias acerca do pecado


e da importância da graça inata para o exercício do governo dos homens, em 1599 criou
o índice de Livros Proibidos, relativos a um compilado de obras que não deveriam ser
lidas, uma vez que atentariam contra os princípios da fé católica (HANSEN, 2001).

3 AS MUDANÇAS SOCIAIS E POLÍTICAS PRODUZIDAS


PELA REFORMA
A Reforma Protestante alterou de maneira significativa os mecanismos e a
forma de interferência do Estado junto à sociedade, além de ter estabelecido uma nova
forma de primogenitura. Isso pode ser observado com base na afirmação de Mettenheim
(2004, p. 35), que indica que “enquanto as novas nações europeias buscavam expandir
seu poder no exterior, por meio da aquisição colonial, a legitimidade interna dos estados
era abalada por um simples monge”.

No início da reforma Protestante, Martinho Lutero foi além de fatores relativos


à liturgia, atribuindo maior responsabilidade do indivíduo na sua relação com a fé,
retirando o peso de autoridade da Igreja como definidora das normas de relação do
homem entre seus semelhantes e transformando o “fazei aos outros...” um princípio de
responsabilidade de fé (METTENHEIM, 2004).

O processo de Reformas Religiosas iniciado no século XVI também foi um


importante impulsionador da disseminação dos impressos e do processo educativo.

77
De acordo com Nohl (1978), os reformadores do século XVII são diretamente
responsáveis pela “autoconsciência” do procedimento educativo, retirando as cogitações
didático-pedagógicas da Filosofia, da teologia ou da Literatura.

Entretanto, os protestantes não se limitaram à questão educativa. O pensamento


reformista foi muito importante para a formação da pedagogia que se vigora atualmente.
De acordo com Ferrari (2005, p. 30-32):

Lutero não somente atinge a igreja católica com suas críticas, mas
influencia a educação quando produziu uma reestruturação no
sistema de ensino alemão, inaugurando uma escola moderna. A ideia
da escola pública e para todos, organizada em três grandes ciclos
(fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil nasceu do
projeto educacional de Lutero.

O ensino das camadas populares teve grande relevância para a reforma religiosa.
A busca por métodos que tornassem possível o aumento da disseminação do ensino
tornou-se uma meta. Em uma época em que o latim vigorava, os reformistas ajudaram
a instituir o ensino da língua materna e dos livros ilustrados.

Era quase consenso entre os reformistas a expansão do processo educativo para


o homem, independentemente de sua origem, do aprendizado da leitura e da escrita,
além do estudo das Escrituras Sagradas. Essa iniciativa marcou um movimento contrário
ao modelo de ensino concebido pela Igreja Católica Medieval, que, até então, se limitava
aos mais ricos. Essa percepção passou ficou conhecida como teísmo pedagógico, que
pressupõe o conhecimento como um amparo para a fé (FERRARI, 2005).

3.1 UMA NOVA REFLEXÃO SOBRE A TEOLOGIA E A VIDA CRISTÃ


Os reformadores romperam com a concepção católica romana da igreja.
Contudo, tiveram diferenças entre si em algumas singularidades.

A ideia de uma igreja infalível e hierárquica, e de um sacerdócio es-


pecial, que dispensa a salvação por intermédio dos sacramentos, não
teve o apoio de Lutero. Ele considerava a igreja como a comunhão
espiritual daqueles que creem em Cristo e restabeleceu a ideia es-
criturística do sacerdócio de todos os crentes (BACICH, 2004, p. 16).

Lutero defendia a unidade da igreja. No entanto, via de forma distinta dois fa-
tores, um visível e outro invisível. Ele assinalou que não existem duas igrejas, mas sim-
plesmente dois fatores de uma só igreja. Para o reformista alemão, a igreja invisível se
torna visível não por sua estrutura interna, tampouco pela autoridade papal, mas pela
Palavra e pelos sacramentos.

A Igreja visível era contemplada por Lutero como constituída por fiéis e
pecadores, aspecto que o fez defender, em contrariedade aos princípios do catolicismo
romano, o predomínio do Estado sobre a Igreja, com exceção ao que correspondia à
pregação da Palavra. Sobre isso, Bacich (2004, p. 17) afirma que:

78
Os anabatistas não ficaram satisfeitos com a posição de Lutero e insis-
tiam numa igreja só de crentes. Em muitos casos, eles zombavam da
igreja visível e dos meios de graça. Além disso, exigiam completa sepa-
ração de igreja e estado. Calvino e os teólogos reformados estavam de
acordo com Lutero quanto à confissão de que a Igreja é essencialmen-
te uma Communio Sanctorum, uma comunhão de santos.

Os anabatistas, diferentemente dos luteranos, não visavam à unidade e à


santidade da igreja, além de encontrarem as verdadeiras marcas da igreja não somente
na administração da Palavra e dos Sacramentos, mas também na fiel administração da
disciplina na igreja.

Até mesmo Calvino e os teólogos reformados do século dezessete


fomentaram, em certa medida, a ideia da sujeição da igreja do
estado. Contudo estabeleceram uma forma de governo da igreja que
propiciava maior grau de independência e poder eclesiásticos que o
que se conhecia na Igreja Luterana (MAFRA, 2001, p. 112).

Os teólogos luteranos e os reformados (calvinistas) visavam, igualmente, à


manutenção da melhor relação entre a igreja visível e a invisível. Os socinianos e os
arminianos do século XVII, ainda que admitissem uma igreja invisível, não colocavam
em prática essa premissa.

Para Cavalcanti (1985), sob a ótica calvinista, o homem é um ser integralmente


unificado e Cristo é o Senhor tanto na Igreja quanto na Sociedade. Desta feita, os cristãos
devem empreender esforços para manter a presença do Reino de Deus, ainda que sua
plenitude só se possa alcançar definitivamente com o retorno de Cristo.

Todavia, é preciso registrar que, na ótica calvinista, a igreja é um centro de


arregimentação de pessoas que se reformam e, a partir disso, irão reformar (CAVALCANTI,
1985). Reforça Bernhardt (2004, p. 60) que:

Na doutrina reformista, a distinção entre lei e evangelho pôde ser


aplicada por Lutero (e, a partir dele, em todo o protestantismo) como
princípio de crítica à religião que é aplicável de igual maneira tanto em
termos intra-religiosos quanto inter-religiosos. E aí a interpretação
dessa distinção em termos de teologia da revelação passou para
segundo plano, e o contexto interpretativo soteriológico da doutrina
da justificação passou para o primeiro plano.

Dessa forma, a lei e o evangelho não é como se houvesse duas maneiras de


se realizar a autocomunicação de Deus, mas como os dois “caminhos” entre Deus e o
ser humano, que se deslocam mutuamente. Em consequência disso, a proclamação da
graça, presenteada de Deus com base no evangelho, se opõe a toda forma de religião
legalista que vincule a salvação à necessidade de boas obras.

Conforme Lutero, o evangelho constitui os fundamentos da fé cristã, porém


esta só pode ser exercida em sua plenitude se estiver em sintonia com a vontade do
criador. Portanto, o ser cristão se distingue por uma vida situada na aceitação da graça
atribuída por Deus a Cristo.

79
3.2 A RESSIGNIFICAÇÃO DA FÉ EM LUTERO
Na Idade Média, a busca pela fé teve grande influência da Escolástica, fortemente
influenciada pelos pensamentos facere quod ince est (isto é, faz o melhor que podes) e
imitiatio christi (ou seja, imitação de Cristo). Entretanto, tais princípios não lograram êxito
pastoral e o exercício de conexão com a fé também foi atributo de Lutero, que manteve
o intuito de professar a fé na busca e em função de um Deus misericordioso – muito
embora surgisse uma série de novos questionamentos a partir do pensamento luterano.

De acordo com Dreher (1996, p. 451 apud EBELING, 2014, p. 68):

A fé acolhe Cristo e, ao acolhê-lo, vive em mim. Cristo e minha


consciência são um só. Mas, qual o efeito prático dessa afirmação
teológica? Se o caminho das obras meritórias exige sempre mais obra
penitencial da pessoa pecadora e essas não conseguem tranquilizar
almas e vidas, a novidade está em que Cristo é o autor da libertação.
Cristo liberta o pecador das tentações.

Pode-se afirmar, portanto, que o objetivo de Lutero com esses questionamentos


era libertar o homem de falsas esperanças relacionadas à fé, como os preceitos medievais
de que as obras eram um fim em si mesmas e que somente seguir os escritos poderia
garantir a salvação ou estabelecer uma conexão plena entre o homem e o Criador.

De acordo com Lutero, o homem seria dotado de uma natureza dupla, a nature-
za corporal e a natureza espiritual. Com base em sua natureza corporal, deve ser reco-
nhecido enquanto carne, pessoa velha. Quanto a sua natureza espiritual, está atrelado
à alma e deve ser reconhecido como pessoa espiritual, interior, nova (EBELING, 2014).

Com base na dualidade na natureza humana, para Lutero, sua natureza espiritual
é independente e não pode ser condicionada por nenhum aspecto ou elemento ao bom
caminho, à justiça ou à salvação.

Na perspectiva antropológica luterana, o ser humano é dotado de características


pecaminosas e naturalmente culpáveis, porém, pode ter sua natureza justificada pelo
perdão e pela bondade de Deus.

De acordo com Lienhard (1998, p. 91 apud EBELING, 2014, p. 69), o ser humano
interior é criado na alma pela palavra de Deus; o ser humano exterior insiste em alcançar a
justificação pela via das obras meritórias. Ambos, alma e corpo, são valorizados por Lutero:
a alma ganha eminência somente quando tocada pela Palavra de Deus; já o corpo é impor-
tante porque Deus se dirige ao ser humano por sinais exteriores, que passam pelo corpo, e,
sobretudo, na expressão do amor ao próximo que, inevitavelmente, passa pelo corpo.

Logo, para Lutero, o homem não está indelevelmente condenado a sua condição
de pecador, uma vez que, através da palavra de Deus, dotada de santidade, verdade e
justiça, o homem, por meio da atenção devota a esses atributos, pode estender sua
natureza espiritual e retribuir o que emana da natureza divina de Deus.

80
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, a Reforma Protestante foi um movimento de caráter reformista, tendo
as 95 teses de Lutero como documento mais representativo, o que ocorreu no período
de declínio do modelo medieval, envolto por uma série de mudanças políticas e sociais,
culturais e econômicos.

O antropocentrismo renascentista ganhava força e, dessa forma, a aceitação


de um centralismo autoritário, como estabelecido pelo catolicismo romano, se tornava
cada vez menos coerente. Entre as principais contestações da reforma estavam a
venda de indulgências, em que se trocava o perdão por dinheiro, e a venda de cargos
eclesiásticos e de relíquias sagradas.

A reforma coincidiu com o processo de surgimento dos Estados nacionais, o


que fez com que os interesses políticos se tornassem mais variados e complexos, não
podendo ser determinados pelo desejo do papa.

Uma vez que Lutero compreendia que a Igreja era composta por pela sacralidade
da fé e por pecadores, defendeu que ela deveria se submeter ao Estado, ainda que não
no sentido de pregação da fé. Essa perspectiva foi determinante para que a nobreza
apoiasse a reforma visando à maior autonomia política e também econômica, já que isso
garantiria o fim de pagamento de impostos para a Igreja.

A Igreja Católica Romana rejeitou a Reforma Protestante e, em 1540, convocou


o Concílio de Trento, que estabeleceu a Contrarreforma, fixando uma série de critérios
mais rigorosos do que os empregados até aquele momento para a formação clerical.

A Contrarreforma conseguiu, em certa medida, barrar o avanço do protestan-


tismo, porém, em países como Alemanha, Suíça, Dinamarca, Suécia e Inglaterra, essa
vertente ganhou força contínua até se tornar tendência religiosa dominante, semeando
terreno frutífero para a disseminação de seus princípios para a posteridade.

AS 95 TESES AFIXADAS POR MARTINHO LUTERO NA ABADIA DE WITTENBERG


EM 31 DE OUTUBRO DE 1517, FUNDAMENTALMENTE “CONTRA O COMÉRCIO
DAS INDULGÊNCIAS”

Martinho Lutero afixou na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg as 95 teses,


fazendo um desafio para que seu rebanho viesse a refletir sobre fatos e princípios
bíblicos relevantes. Introduzindo suas teses ele escreveu:

Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da


verdade, discutir-se-á em Wittenberg sob a presidência do Rev.
Padre Martinho Lutero o que segue. Aqueles que não puderem estar
presentes para tratar do assunto verbalmente conosco, poderão
fazê-lo por escrito. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

81
Esse era o modo usual de se anunciar uma disputa. Era a instituição regular da vida
universitária e não havia nada de dramático no ato. Devido à incontrolável repercussão,
eclodiu o movimento que ficou conhecido como Reforma Religiosa do século XVI
e 31 de outubro foi estabelecido como o seu dia oficial. Passados tantos anos, as
verdades, então proclamadas, permanecem inteiramente oportunas, verdadeiras e
indispensáveis. “Sola Scriptura, Solo Christus, Sola Gratia, Sola Fide, Solo Deo Gloria”.

1ª Tese: Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc.,


certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto
arrependimento.

2ª Tese: E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se
ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes.

3ª Tese: Todavia, não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o


arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento
quando não produz toda sorte de mortificação da carne.

4ª Tese: Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência,


perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para
a vida eterna.

5ª Tese: O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs
ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais.

6ª Tese: O papa não pode perdoar dívida, senão, declarar e confirmar aquilo que já
foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nesses
casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada.

7ª Tese: Deus a ninguém perdoa a dívida sem que, ao mesmo tempo, o subordine,
em sincera humildade, ao ministro, seu substituto.

8ª Tese: Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira


em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com
as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.

9ª Tese: Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este
de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema.

10ª Tese: Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem


aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório, a fim de ali serem
cumpridas.

82
11ª Tese: Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista pelos
cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto
os bispos dormiam.

12ª Tese: Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por pecados
cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de
provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.

13ª Tese: Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o
direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.

14ª Tese: Piedade ou amor imperfeitos, da parte daquele que se acha às portas da
morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menos amor tanto
maior o temor.

15ª Tese: Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras coisas,
basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se avizinham da angústia
do desespero.

16ª Tese: Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do
outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.

17ª Tese: Parece que, assim como, no purgatório, diminuem a angústia e o espanto
das almas, também deve crescer e aumentar o amor.

18ª Tese: Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões nem pela
Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito
ou do crescimento no amor.

19ª Tese: Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham
certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não obstante nós termos essa certeza.

20ª Tese: Por isso, o papa não quer dizer nem compreender com as palavras “perdão
plenário de todas as penas” o perdão de todo o tormento, mas tão só as penas por
ele impostas.

21ª Tese: Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o
homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do papa.

22ª Tese: Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das
que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na presente vida.

23ª Tese: Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas
será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos.

83
24ª Tese: Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do
indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.

25ª Tese: Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório,
qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo
especial, quer para com os seus em particular.

26ª Tese: O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude do
poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.

27ª Tese: Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a
moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.

28ª Tese: Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e o
amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só
correspondem à vontade e ao agrado de Deus.

29ª Tese: E, quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas,
quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal.

30ª Tese: Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar verdadeiros,


muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.

31ª Tese: Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar
verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência,
sendo bem poucos os que se encontram.

32ª Tese: Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam
obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.

33ª Tese: Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência
do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o
homem é reconciliado com Deus.

34ª Tese: Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória,
estipulada por homens.

35ª Tese: Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem
livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de
arrependimento e pesar.

36ª Tese: Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e
sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que
lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.

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37ª Tese: Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos
os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.

38ª Tese: Entretanto, se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste


pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa declaração do
perdão divino.

39ª Tese: É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar
diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao contrário, o
verdadeiro arrependimento e pesar.

40ª Tese: O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a


profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos
quando há oportunidade para tanto.

41ª Tese: É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para que o
homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência preferível às demais obras
de caridade ou melhor do que elas.

42ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que
a aquisição de indulgências, de alguma maneira, possa ser comparada com qualquer
obra de caridade.

43ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou
empresta ao necessitado do que os que compram indulgência.

44ª Tese: É que, pela obra de caridade, cresce o amor ao próximo e o homem torna-
se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro
e livre da pena.

45ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, que aquele que vê seu próximo padecer
necessidade e, a despeito disso, gasta dinheiro com indulgências não adquire
indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus.

46ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, que, se não tiverem fartura, fiquem com o
necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.

47ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, ser a compra de indulgência livre e não
ordenada.

48ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, que se o papa precisa conceder mais
indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.

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49ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, serem muito boas as indulgências do
papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em
consequência delas, se perde o temor de Deus.

50ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, que se o papa tivesse conhecimento da
traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de São Pedro
ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51ª Tese: Deve-se ensinar, aos cristãos, que o papa, por um dever seu, preferiria
distribuir o seu dinheiro aos que, em geral, são despojados do dinheiro pelos apre-
goadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.

52ª Tese: Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira,
mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma
como garantia.

53ª Tese: São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de
indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas.

54ª Tese: Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão,
se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do
Senhor.

55ª Tese: A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que
é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma cerimônia, enquanto o
evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem toques de sino,
centenas de pompas e solenidades.

56ª Tese: Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não
são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.

57ª Tese: É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores não
os distribuem com facilidade, antes os ajuntam.

58ª Tese: Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto este
sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do homem interior e
são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior.

59ª Tese: São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja, tesouros
da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.

60ª Tese: Afirmamos, com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que esses
tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo merecimento de Cristo.

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61ª Tese: Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em
determinados casos, o poder do papa por si só basta.

62ª Tese: O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da


graça de Deus.

63ª Tese: Esse tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que
os primeiros sejam os últimos.

64ª Tese: Enquanto isso, o tesouro das indulgências é notoriamente o mais apreciado,
porque faz com que os últimos sejam os primeiros.

65ª Tese: Por essa razão, os tesouros evangélicos foram outrora as redes com que
se apanhavam os ricos e abastados.

66ª Tese: Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se
apanham as riquezas dos homens.

67ª Tese: As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime
graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.

68ª Tese: Nem, por isso, semelhante indulgência é a mais ínfima graça, comparada
com a graça de Deus e a piedade da cruz.

69ª Tese: Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das


indulgências apostólicas com toda reverência.

70ª Tese: Entretanto, tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e ouvidos,
para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não
apregoem os seus próprios sonhos.

71ª Tese: Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é
excomungado e maldito.

72ª Tese: Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes
dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.

73ª Tese: Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com
a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem
astuciosamente.

74ª Tese: Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que,
sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a verdade pela sua
maneira de agirem.

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75ª Tese: Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver alguém
dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar) tivesse deflorado a mãe
de Deus, significa ser demente.

76ª Tese: Bem ao contrário, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo pode
anular o menor pecado venial, no que diz respeito à culpa que representa.

77ª Tese: Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa, poderia
dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e o papa.

78ª Tese: Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam,
é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar etc., de
acordo com o que diz 1 Corinto 12.6-9.

79ª Tese: Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas do
papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo, é blasfêmia.

80ª Tese: Os bispos, padres e teólogos que consentem, em semelhante linguagem


diante do povo, terão de prestar contas dessa atitude.

81ª Tese: Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência,


torna difícil até homens doutos defenderem a honra e dignidade do papa contra a
calúnia e as perguntas mordazes e astutas dos leigos.

82ª Tese: Haja vista exemplo como este: por que o papa não livra duma só vez todas
as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais
premente necessidade delas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de
vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por
motivo bastante infundado?

83ª Tese: Outrossim: por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio
das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para esse fim ou não
se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos
em favor dos mortos, quando já não é justo continuar a rezar pelos que se acham
remidos?

84ª Tese: E que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio
e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e
não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor
espontâneo e sem paga?

85ª Tese: E por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de penitência, que
faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso, tornam a remir mediante di-
nheiro, pela concessão de indulgência, como se continuassem em vigor e bem vivos?

88
86ª Tese: E por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso, não
prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com
o dinheiro de cristãos pobres?

87ª Tese: E que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que, pelo
arrependimento completo, têm direito ao perdão ou indulgência plenária?

88ª Tese: Afinal, que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que
atualmente o faz uma vez ao dia, cem vezes ao dia concedesse aos fiéis este perdão
a título gratuito?

89ª Tese: Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência
do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência outrora por ele
concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes?

90ª Tese: Desfazer esses argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas à
força, e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e o papa ao
escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos.

91ª Tese: Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do papa,
essas objeções poderiam ser facilmente respondidas, nem mesmo teriam surgido.

92ª Tese: Fora, pois, com todos estes pregadores que dizem à igreja de Cristo: Paz!
Paz! Sem que haja paz!

93ª Tese: Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja de
Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz!

94ª Tese: Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu cabeça,


Cristo, através da cruz, da morte e do inferno.

95ª Tese: E, dessa maneira, mais esperem entrar no reino dos céus por muitas
aflições do que confiando em promessas de paz infundadas.

FONTE: Adaptado de As 95 Teses afixadas por Martinho Lutero na Abadia de Wittenberg em 31


de outubro de 1517, fundamentalmente “Contra o Comércio das Indulgências”. Disponível em: https://bit.
ly/3w1n3OR. Acesso em: 9 maio 2021.

89
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A Reforma Protestante mudou, de forma considerável, o entendimento humano


sobre a fé, pois possibilitou o enfraquecimento do poder político da Igreja Católica e,
em contrapartida, aumentou o poder real.

• A mudança radical que a Reforma introduziu, na vivência religiosa dos que a ela
aderiram, está no fato de que colocam em primeiro plano a responsabilidade individual.

• Após o advento da Reforma, os Estados fortaleceram-se como nações, isentas da


interferência papal. Por outro lado, a Reforma serviu como justificativa ideológica
para o enriquecimento da burguesia, principalmente através da difusão das ideias
de Calvino, que legitimavam o lucro, anteriormente proibido pela Igreja Católica.

• As consequências da Reforma também se fizeram presentes no campo da


instrução, pois os protestantes recebiam instrução básica de leitura e escrita. Para
os reformistas, a Bíblia deveria ser lida e consultada por todos os fiéis. Essa iniciativa
protestante não se limitou apenas aos adeptos da religião reformista.

• Muitos católicos foram estimulados a aprofundarem os seus conhecimentos da


doutrina católica. Dessa forma, indiretamente, a Reforma Protestante influenciou
as reformas que se processaram no seio da Igreja Católica.

• O pensamento reformista ensina o sacerdócio universal de todos os crentes, entre


outras coisas, o que significa que cada cristão tem o privilégio e a responsabilidade
de conhecer a Deus e sua revelação nas Escrituras.

• A mensagem protestante achou espaço numa sociedade que já não via mais
respostas na religiosidade e, por vislumbrar uma perspectiva de maior inclusão
popular aos princípios da fé, transformou-se em uma resposta às necessidades
humanas do indivíduo que ansiava por ser norteado e relacionar-se com o seu
próprio mundo.

• Para os críticos, o protestantismo, entre outras coisas, liberou o homem de


impedimentos teológicos medievais, atrelando a Reforma à burguesia.

• A Reforma Protestante trouxe uma nova reflexão sobre a teologia e a vida cristã.
A consequência natural desses princípios é que cada cristão necessita ter acesso
à Escritura em sua própria linguagem. De fato, os protestantes, mais do que
qualquer outro grupo religioso, têm se preocupado em traduzir a Bíblia Sagrada
para outras línguas.

90
AUTOATIVIDADE
1 Entre as principais mudanças trazidas pela Reforma protestante, podemos citar a
readequação das relações existentes entre a sociedade e a instituição estatal. Nesse
sentido, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A readequação apresentou elementos que combinavam os fundamentos das


doutrinas teológicas do Cristianismo e os aspectos políticos anteriores aos da
Idade Média.
b) ( ) A readequação apresentou elementos políticos que combinavam os fundamentos
da Idade Média e da cultura germânica.
c) ( ) A readequação apresentou elementos que combinavam os fundamentos das
doutrinas teológicas do Cristianismo e os aspectos específicos do exercício
político da Idade Média.
d) ( ) A readequação apresentou elementos que combinavam os fundamentos das
doutrinas teológicas do Cristianismo e da cultura germânica.
e) ( ) A readequação apresentou elementos que combinavam os fundamentos das
doutrinas divergentes do Cristianismo.

2 O principal elemento de oposição à Reforma ficou conhecido como Contrarreforma.


Durante a Contrarreforma, ocorreu o Concílio de Trento, que apregoava diversos
aspectos. Com base no Concílio de Trento, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Definiu a condenação da doutrina protestante.


b) ( ) Proibiu a intervenção dos príncipes nos assuntos eclesiásticos.
c) ( ) Definiu o pecado original.
d) ( ) Permitiu a acumulação de benefícios para o papa e para os bispos.
e) ( ) Manteve os sete sacramentos, o celibato clerical e a indissolubilidade do
matrimônio.

3 Lutero defendia a unidade da igreja, porém via, de forma distinta, dois fatores: um
visível e outro invisível. Cite quais são esses fatores e disserte a respeito.

4 Lutero manteve, conforme a escolástica da Idade Média, o intuito de professar a fé na


busca e em função de um Deus misericordioso – muito embora tenha surgido uma
série de novos questionamentos a partir do pensamento luterano. Discorra sobre o
objetivo de Lutero em função desses novos questionamentos.

5 De acordo com Lutero, o homem seria dotado de uma natureza dupla – a natureza
corporal e a espiritual. Considerando o que melhor caracteriza esses dois conceitos,
assinale a alternativa CORRETA:

91
a) ( ) Com base em sua natureza corporal, o homem deve ser reconhecido enquanto
carne, pessoa velha. Quanto a sua natureza espiritual, está atrelado à alma e deve
ser reconhecido como pessoa espiritual, interior, nova.
b) ( ) Com base em sua natureza corporal, deve ser reconhecido enquanto carne,
pessoa velha. Pessoa espiritual, interior, nova. Quanto a sua natureza espiritual,
está atrelado à alma e à divindade.
c) ( ) Com base em sua natureza corporal, deve ser reconhecido enquanto pecado
carnal. Quanto a sua natureza espiritual, enquanto a pureza da alma.
d) ( ) Com base em sua natureza corporal, deve ser reconhecido enquanto carne,
pessoa velha. Pessoa espiritual, interior, nova. Quanto a sua natureza espiritual,
está atrelado à alma, ainda que pecaminosa
e) ( ) Com base em sua natureza corporal, deve ser reconhecido enquanto o homem e
sua fé. Quanto a sua natureza espiritual, enquanto alma e sua abstração perante
a percepção humana.

92
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
A TEOLOGIA DA CONTEMPORANEIDADE

1 INTRODUÇÃO
A teologia é muito mais do que uma simples via formal de relação entre o ser
humano e a esfera do Sagrado; é uma ação dinâmica, que envolve o estudo dedicado
dos textos sagrados, vinculado às obras dos teólogos acadêmicos, além da ação de
afinidade emocional envolvendo o teólogo/fiel com sua relação espiritual e pastoral.

Assim, o teólogo precisa conhecer as Escrituras, mas também estar em


constante atualização, lendo, estudando e inteirando-se dos textos produzidos no meio
acadêmico, sendo evidentemente também de grande importância a sua participação,
com contribuinte (autor) nas discussões teológicas contemporâneas.

Nesse sentido, percebe-se que a ação teológica é uma atividade dinâmica, que en-
volve o aperfeiçoamento constante, como forma de crescimento pessoal e acadêmico (con-
sequentemente, profissional), de modo indispensável nas atividades exercidas pelo teólogo.

Dessa forma, pode-se afirmar que o estudo da teologia não tem semelhança
com o estudo da tabuada, por exemplo, em que os valores são fixos e nunca sofrerão
nenhuma alteração, com 2 × 2 sempre tendo, como resultado, 4. Portanto, o estudo e o
aperfeiçoamento constante se tornam não somente uma forma de compreensão mais
clara dos textos das Escrituras, mas também um caminho do contínuo amadurecimento
intelectual do estudioso.

É exatamente nesse exercício de amadurecimento que, neste tópico,


conheceremos um pouco sobre os pensadores da teologia Contemporânea,
demonstrando que esses estudiosos foram pensadores incansáveis no estudo das
Escrituras, das manifestações teológicas e da relação entre o mundo acadêmico e a
ação pastoral do exercício do sacerdócio.

Assim, veremos alguns pensadores da teologia que expandiram as discussões


teológicas de modo interdisciplinar, como forma de dar um corpo mais robusto às
discussões teológicas, relacionando-se, em grande medida, com áreas como a
Historiografia, a Psicologia e, principalmente, com a Filosofia.

É importante ter em mente que essa ação interdisciplinar, na análise teológica,


não é necessariamente algo inédito, visto que essa ação, ligando principalmente
teologia e Filosofia, já havia sido efetuada por pensadores no período Medievo, através
dos Doutores da Igreja já estudados anteriormente. Em grande parte, a relação da
teologia Contemporânea ocorre quando parte da exegese bíblica, através das teorias

93
de interpretação, representadas pela Hermenêutica, passam a ser estudadas de modo
interdisciplinar de maneira mais aprofundada pela Filosofia. Esse aprofundamento
dos estudos faz com que se desenvolvam áreas mais especializadas da teologia, bem
como causam um reflexo direto nas ações e aplicações delas, com a ação pastoral dos
representantes da Igreja.

A definição de tempos e períodos históricos é sempre uma discussão bastante


controversa, visto que não existe uma unanimidade de datas que separem, de modo
estático, a mudança de um período para outro. É muito corriqueiro que diversas áreas
de conhecimento tenham algumas pequenas variações para definir o início ou o termino
de um período histórico dentro de sua seara de saber. Na teologia, de modo geral, é
atribuído ao século XIX o início da denominada teologia Contemporânea. Contudo, para
compreender e ter a devida clareza dessa divisão, é necessário considerar o século XVIII
no raciocínio, visto que foi, nesse período, que se iniciaram as reflexões que tornaram
possível o surgimento da visão Contemporânea das intepretações teológicas.

Essas interpretações têm grande participação de uma das mais antigas ativida-
des reflexivas humanas, a Filosofia. Isso ocorre, em grande parte, pelo fato de a teologia
ter, gradativamente, se aproximado das chamadas Ciências Humanas (muito embora a
Filosofia realize reflexões que vão muito além da simples divisão das Ciências Humanas).
A busca da teologia como área de conhecimento, de um diálogo interdisciplinar com
outras áreas de conhecimento a ela próximas, fez, em especial da Hermenêutica, uma
área de concentração interpretativa dividida entre teólogos e filósofos.

NOTA
Hermenêutica é a filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode
se referir tanto à arte da interpretação quanto à prática e ao treino de
interpretação. A hermenêutica tradicional está relacionada ao estudo da
interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de literatura,
religião e direito. Os principais métodos de interpretação constitucional,
defendidos pela Moderna Hermenêutica, são:

• Método Tópico-Problemático.
• Método Hermenêutico-Concretizador.
• Método Científico-Estrutural.
• Método Normativo-Estruturante.

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/2S8x5PD>; <https://bit.ly/3x0YqBS>. Acesso


em: 22 nov. 2020.

94
2 TEÓLOGOS CONTEMPORÂNEOS
A teologia Contemporânea buscou realizar uma relação de maior interdiscipli-
naridade com outros conhecimentos formais, de modo a promover uma interpreta-
ção mais esclarecida das Escrituras. Seja buscando uma interpretação metafórica ou
tendo um direcionamento mais literal dos textos bíblicos, os teólogos contemporâneos
procuram fundamentos, em grande parte filosóficos, como forma de definir suas con-
cepções acerca da Palavra.

ATENÇÃO
A Filosofia tem divisões, como a Ética, a Lógica e a Filosofia da Linguagem,
que são apenas algumas demonstrações da dificuldade que é situar os
filósofos simplesmente como pertencentes às Ciências Humanas. Só os
ramos filosóficos citados já fazem com que os filósofos se relacionem com
as Ciências Exatas e Naturais e as Linguagens.

2.1 FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768-1834)


Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher foi um filósofo de língua alemã e um dos
pensadores que realizou a análise das Hermenêutica, com uma interpretação que le-
vou em conta as reflexões filosóficas. Suas reflexões filosófico-teológicas iniciaram uma
visão teológica conhecida como teologia Liberal. Esse pensador é considerado autor
do Modernismo Romântico; para ele, há uma relação de identidade entre o Espírito e a
Natureza, e ambos ocorrem em Deus. Em grande medida, percebe-se uma forte relação
da influência que Schleiermacher recebeu de sua família, que pertencia a uma vertente
do luteranismo, cuja concepção basilar são as experiências espirituais do fiel. Essa de-
nominação, seguida pela família Schleiermacher, era o pietismo.

Vejo a história recente da hermenêutica dominada por duas preo-


cupações. A primeira tende a ampliar progressivamente a visada da
hermenêutica, de tal modo que todas as hermenêuticas regionais
sejam incluídas numa hermenêutica geral. Mas esse movimento de
desregionalização não pode ser levado a bom termo sem que, ao
mesmo tempo, as preocupações propriamente epistemológicas da
hermenêutica, ou seja, seu esforço para constituir-se em saber de
reputação científica, estejam subordinadas a preocupações ontoló-
gicas segundo as quais compreender deixa de aparecer como um
simples modo de conhecer para tornar-se uma maneira de ser e de
relacionar-se com os seres e com o ser. O verdadeiro movimento de
desregionalização começa com o esforço para se extrair um proble-
ma geral da atividade de interpretação cada vez engajada em textos
diferentes. O discernimento dessa problemática central e unitária de-
ve-se à obra de F. Schleiermacher (RICOUER, 1990, p. 18).

95
FIGURA 11 – FRIEDRICH SCHLEIERMACHER

FONTE: <https://bit.ly/3pyXjXx>. Acesso em: 22 nov. 2020.

Para Ricouer (1990), antes de Schleiermacher, era possível compreender o cam-


po da Hermenêutica, dividido em duas áreas distintas, sendo um dos lados representa-
dos pelos linguistas estudiosos da Filosofia, em especial no que diz respeito aos textos
considerados clássicos, e, de outro, os estudiosos da teologia, que buscavam um es-
tudo mais aprofundado e, muitas vezes, não contextualizado dos textos das Escritu-
ras. Schleiermacher promoveu uma interpretação mais amplificada, em grande parte,
por conta dos seus estudos filosóficos, os quais foram aprofundados quando atuou na
Universidade de Berlim, onde foi professor de Filosofia da teologia, principalmente, de
Baruch de Espinosa (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804).

2.2 PAUL JOHANNES TILLICH (1866-1965)


Paul Johannes Tillich era filho de pastor luterano, portanto, bastante familiarizado
com o contexto das ideias cristãs tradicionais. O início do século XX, com todo seu
contexto de violências, fez com que esse pensador revisse suas concepções do mundo
ao seu redor, realizando uma reflexão profunda.

Foi preciso uma guerra para que ele viesse a romper com sua criação
burguesa e aristocrática, romper com o sistema no qual vivia, a
fim de que pudesse afirmar a fé, não só religiosa, mas também nos
ideais democráticos e na revolução social. Iniciou seus estudos em
Berlim e conseguiu a láurea em filosofia em Tünbigen e em Halle a
de teologia. É importante destacarmos que teve um conhecimento
dos grandes filósofos alemães, sobretudo Schelling. Inclusive as duas
teses de Tillich são direcionadas a este autor. Teve contato com os
grandes teólogos de sua época. Dialogou e dialogou muito com estes
(MATHIAS, 2007, p. 38).

96
FIGURA 12 – PAUL JOHANNES OSKAR TILLICH

FONTE: <https://bit.ly/34ZHnEp>. Acesso em: 2 nov. 2020.

Dessa maneira, pode-se perceber que Tillich, em sua racionalidade, buscou, na


Filosofia, uma possibilidade de observação dos paradigmas religiosos de maneira mais
próxima do padrão racional, advindo da tradição filosófica, como forma de lançar um
olhar diferenciado em direção às escrituras. Além de Schelling, é possível perceber uma
grande participação de pensadores da tradição filosófica nas análises de Tillich.

Tillich bebeu das seguintes fontes: Schelling (doutrina da presença


do Absoluto em toda a coisa), Heidegger (existencialismo), Kähler
(ceticismo em relação ao Cristo histórico). Deve ainda a Platão (par-
ticipação e alienação), Kant (instância crítica e dicotomia entre o fe-
nômeno e o númeno), Hegel (dialética, em que ele transforma em
dialética dos correlativos), Freud (psicanálise e psicologia do profun-
do), Lutero (doutrina da sola gratia, simuljustus et peccator), Böehme
(misticismo). Na sua tarefa como teólogo, vive o contexto por um lado
da teologia liberal e de outro a neo-ortodoxia (MATHIAS, 2007, p. 38).

Muito embora Tillich considerasse as escrituras como fonte única para o acesso
às revelações, o pensador considerava importante uma compreensão que se aproxi-
masse da realidade humana, com todas as suas contradições e dificuldades, inserida
nos mais diversos contextos. Em grande parte, essa interpretação ocorre por conta do
fato de ter sido capelão no exército. Essa experiência revelou-se bastante traumática
emocional e racionalmente. Nesse momento, ao tomar contato com o niilismo de parte
da Filosofia Alemã, Tillich refletiu sobre a definição de que Deus está morto; essa refle-
xão fez com que ele percebesse que o que realmente estava morto, na verdade, não era
Deus, como havia refletido Nietzsche, mas a interpretação tradicional do divino, cons-
truída durante séculos.

Um grande avanço promovido na interpretação de Tillich, em suas reflexões,


possibilitou a construção de uma maior interdisciplinaridade nas abordagens da teologia.
Como vimos em Schleiermacher, a interdisciplinaridade nos estudos teológicos permitiu
não somente uma expansão do paradigma interpretativo da teologia, mas também se
valeu dos avanços nessas áreas de conhecimento – a Psicologia foi uma dessas áreas
que teve muito de seu potencial interpretativo obtido durante os últimos 250 anos. As

97
reflexões de Tillich passam pela análise de um cenário pessoal, em que ele percebe a
relação com a religiosidade, de maneiras diferentes, com base na observação de sua
própria vivencia familiar, como a diferença de concepção da vida de seu pai e de sua mãe.

Seu pai era da Alemanha oriental tendo como características a tendência


meditativa e melancólica, uma elevada consciência de dever e pecado e
um forte senso de autoridade. Sua mãe, por outro lado, era da Alemanha
ocidental, tendo como distintivo o seu gosto pela vida, a alegria, a
sensualidade, a versatilidade e um espírito democrático. Ele ressalta, por
conseguinte, que a importância do conflito em seu pensamento advém
dessa herança dupla (SILVA; HOLANDA, 2010, p. 68).

Essas reflexões, a partir de uma realidade pessoal, pertencentes ao ser humano,


para depois promover uma análise mais ampla do contexto social, fizeram com que Tillich
obtivesse grande reconhecimento, mas, por infelicidade, muito do reconhecimento ao va-
lor de sua obra, através de uma maior circulação de suas ideias, ocorreu após a sua morte.
As reflexões, por ele promovidas, foram uma das bases para um sistema teológico que
ganhou bastante popularidade no século XX, a teologia Liberal. A projeção de suas ideias,
mesmo que tardias, em grande parte, foi possível pela sua ação acadêmica, que tornou
possível uma constante interlocução com muitos dos grandes teólogos do século XX.

2.3 RUDOLF BULTMANN (1884-1976)


O pensador Rudolf Bultmann foi uma mente de relevância teológica, cujas
concepções foram discutidas por teólogos católicos e protestantes. No entanto, foi
no contexto protestante que ele teve maior visibilidade, ao afirmar que a fé cristã não
tem necessidade de se amparar apenas na figura histórica de Jesus Cristo para ser
fundamentada, pois queria promover uma separação entre a fé e o Cristo histórico, que,
segundo Bultmann, não é seguramente retratado no contexto histórico, de modo que,
por conta das imprecisões, seria necessário que se pudesse conceber a fé de maneira
central, que se relaciona com a figura de Cristo, mas não com a tradicional dependência.

Rudolf Bultmann (1884-1976), que fixou uma separação fundamental


entre o Jesus da história e o Cristo da fé. Quem foi Jesus não é possível
dizer, insistia ele, e não se deve querer saber. Para o pesquisador
protestante, somente o Cristo da fé é importante para o crente. Para
Bultmann, a pregação da Páscoa exige uma adesão, ou seja, o ser
humano é chamado a responder existencialmente a Cristo presente
aqui e agora, como Senhor crucificado e ressuscitado. Assim, não
importa o Jesus da história, aliás, incognoscível (BULTMANN, 1958,
p. 16-17); não é ele o objeto da fé. Para o teólogo protestante, é
impossível descobrir, por trás dos Evangelhos, os bruta facta sobre
Jesus. Interpretando Paulo, Bultmann não quis conhecer “o Cristo
segundo a carne” (2Cor 5,16). Pouco importava se há continuidade
ou rompimento entre o Jesus da história e o Cristo da fé. Crer no
Cristo, presente nos Evangelhos, é a única atitude que conta. Para
o pesquisador, a verdade de fé e a verdade histórica não andam
juntas, exceto alguns fatos como, por exemplo, a crucifixão (CARMO;
ANDRADE, 2015, p. 205-206).

98
FIGURA 13 – RUDOLF BULTMANN

FONTE: <https://bit.ly/3giV7iz>. Acesso em: 7 nov. 2020.

Bultmann foi outro grande exemplo de pensador da teologia fortemente


influenciado pela tradição filosófica. Tendo sido professor da Universidade de Marburg,
a partir de 1916, inspirou-se, em grande medida, nas interpretações de um colega do
curso de filosofia, que se tornou bastante famoso por sua obra O Ser e o Tempo (1927), o
também alemão Martin Heidegger.

Depois que Bultmann acentuou a importância do kérygma


proclamado pela Igreja primitiva, em contraposição com a busca
do Jesus histórico, houve um período aproximadamente até 1950,
sem grandes e valiosas produções em torno desse tema. Alguns
estudiosos denominaram essa fase de “no quest”. Além da teologia
de Bultmann, a obra de Wrede havia desacreditado completamente o
Evangelho de Marcos, entendido por muitos como aquele que melhor
conduziria ao Jesus histórico (CARMO; ANDRADE, 2015. p. 207).

A palavra kerigma ou kérygma (do grego κήρυγμα) está relacionada com a men-
sagem a ser anunciada, em específico no Novo Testamento. Essa linha de interpretação
preocupa-se menos com as figuras históricas e mais com as mensagens anunciadas
nas escrituras, que, segundo os seus estudiosos, deveria ser o centro das interpreta-
ções teológicas. Essa interpretação de Bultmann foi aperfeiçoada por seus discípulos.

E foi assim que as perspectivas e os métodos adotados pelos


discípulos de Bultmann tomaram, em alguns aspectos, um rumo
diferente da proposta desse exegeta. Um marco importante para firmar
essa distinção foi a conferência pronunciada por Ernst Käsemann
(1906-1998) sobre “o problema do Jesus histórico” (KÄSEMANN, 1972,
p. 145-17). Käsemann tomou uma posição aberta contra Joachim
Jeremias, acusando-o de tornar a fé cristã dependente da análise
histórica. Jeremias quis oferecer uma imagem autêntica de Jesus
assegurando possuir critérios e balizas dignos de confiança. Mas, de
acordo com Käsemann, as pretensões de Jeremias configuraram-se
como mais um ídolo fabricado pelas ideologias modernas. Além disso,
seus esforços pareciam inúteis, dizia Käsemann, pois os resultados
da ciência não são capazes de suscitar a fé. Para ele, o crente é posto

99
diante da interpelação decisiva que lhe vem da pregação, não da
pesquisa histórica.
Com respeito ao pensamento de Bultmann, Käsemann criticou,
principalmente, a total desconexão entre história e fé e enfatizou
que a pesquisa deveria procurar o enraizamento de Jesus na
história, evitando assim, um tipo de docetismo, capaz de permitir
aos estudiosos a construção de um Cristo conforme seus interesses
(CARMO; ANDRADE, 2015, p. 209).

Bultmann, para compor seu ponto de vista das escrituras, que não se baseava
unicamente no Jesus histórico, fez uso de uma concepção chamada de “sola fides”,
uma das denominações dessa interpretação. Esse termo, oriundo do latim, pode ser
livremente traduzido como “somente pela fé”. É importante novamente ressaltar que
esse é um posicionamento adotado pelas vertentes protestantes, não sendo, portanto,
uma forma de compreensão utilizada pelas igrejas Católica e Ortodoxa.

2.4 KARL BARTH (1886-1968)


Karl Barth foi outro exemplo de pensador de língua teuto, que exerceu importante
participação no contexto teológico, durante o século XX. É considerado por muitos um
dos maiores da teologia daquele século. Sua formação teve início com uma grande influ-
ência das correntes teológicas liberais, das quais pouco tempo depois se afastou. É muito
comum imaginar que, ao se afastar de uma interpretação mais liberal, Barth fosse abraçar
como base uma concepção mais conservadora, o que não foi o caso. Ele foi defensor de
uma interpretação mais moderada, de modo a se situar entre essas duas visões. Filho de
pastor, Karl, já desde a infância, teve uma vida bastante próxima à da teologia.

FIGURA 14 – KARL BART

FONTE: <https://bit.ly/2TF9K8k>. Acesso em: 27 nov. 2020.

Como vimos em outros pensadores da teologia Contemporânea, os teólogos


da família Barth também receberam grande influência da Filosofia. Seu pai, Johann
Friedrich Barth (1856-1912, conhecido como Fritz), em seus estudos teológicos,
impressionou-se profundamente com a interpretação de Nietzsche (1844-1900), em
grande parte sobre o livre arbítrio. Karl, por sua vez, inspirou-se em outro pensador,
Søren Kierkegaard (1813-1855), cuja grande influência em suas concepções teológicas

100
pode ser percebida na obra A Carta aos romanos (1922), em que os conceitos do filósofo
são vistos com frequência. São percebidas obras da filosofia kiekegaardiana como
Prática no Cristianismo, O Momento e Uma Antologia.

Muitos estudiosos afirmam que a teologia de Karl Barth é uma reação ao


pensamento teológico de Friedrich Schleiermacher. Para Barth, é equivocada e enganosa
a relação entre o elemento sagrado e divino, com concepções que justificavam, de
maneira falaciosa, usando pressupostos culturais, que levaram o ser humano às guerras
ocorridas, em grande escala, duas vezes, no continente europeu. A concepção teológica
de Barth não se encaixa facilmente em uma das vertentes teológicas constituídas
durante o século XX. Os teólogos de uma vertente conservadora dizem que ele não está
alinhado com as concepções propostas pela Reforma, ao passo que os liberais afirmam
que suas observações não têm relevância no contexto teológico contemporâneo.

FIGURA 15 – KARL BARTH E MARTIN LUTHER KING

FONTE: <https://bit.ly/3cq9zUT>. Acesso em: 27 nov. 2020.

A projeção de Barth, no contexto teológico, fez com que suas declarações


reverberassem com maior intensidade. A Figura 15, de Barth com Martin Luther King
(1929-1968), demonstra que a ação teológica de Barth contempla uma reflexão que não
age de forma dissociada da realidade ao seu redor.

Uma grande demonstração desse contexto é o fato de Barth lecionar na


Alemanha na década de 1930 e sair do país por ser um opositor às concepções nazistas,
que buscavam vincular as crenças religiosas com o governo proposto pelo partido
de Hitler. Para Barth, essa vinculação seria uma tentativa não de aproximar o povo
alemão de Deus, mas de divinizar alguns representantes do partido nazista, sendo uma
ferramenta de manutenção do poder daqueles governantes.
Barth pretendeu redescobrir o Evangelho sem o auxílio de um
sistema filosófico. Assim, teve início a teologia da Palavra de Deus,
outra designação para a teologia dialética ou da crise. Seu postulado
teológico é que “a possibilidade do conhecimento de Deus encontra-
se na Palavra de Deus e em nenhum outro lugar”. Portanto, “O Deus
eterno deve ser conhecido em Jesus Cristo e não em outro lugar”.
A teologia dialética não rejeita, mas questiona o método histórico-crítico
como chave de interpretação da Bíblia. A interpretação do método his-

101
tórico-crítico se concentrava, em demasia, nas questões periféricas, ao
passo que Barth enfatizava a proclamação como sendo o fundamental.
A autoridade da Palavra de Deus, segundo Barth, não pode ser
submetida a critérios de pesquisa. A razão humana não pode ser
o critério último para análise dos escritos bíblicos; a dimensão
escatológica do ser divino deve ser preservada. “A única resposta que
possui genuína transcendência, e assim pode resolver o enigma da
imanência, é a Palavra de Deus – notem: a Palavra de Deus”.
Com muita veemência, Barth rejeita qualquer modalidade de teologia na-
tural. Para ele, Deus não pode ser conhecido pela capacidade da razão
humana, nem se revela na natureza ou na história (MORAIS, 2010, p. 73).

É importante que, ao Barth afirmar que “redescobrir o Evangelho sem o auxílio


de um sistema filosófico”, ele tem por intuito não, necessariamente, dissociar a teologia
e a Filosofia, mas, sim, dar uma liberdade para a interpretação teológica da realidade em
que o teólogo está inserido.

A concepção da teologia Dialética segue exatamente esse sentido, buscando,


através das escrituras, um “diálogo” com o contexto do ser humano. Nessa direção, é
possível compreender a postura de Barth em relação à gestão de Estado nazista, pois
é uma demonstração dessa dialética entre a fé expressa nas Escrituras e a realidade
do momento que os governantes buscavam assumir um caráter divino, fazendo uso de
subversões dos textos bíblicos.

3 VERTENTES TEOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS


As teologias ditas contemporâneas, ou recentes, têm por interesse tornar
contemporâneo o significado das escrituras, a fim de manter a Palavra viva, através
das dinâmicas da linguagem, mostrando aos fiéis a mensagem do Salvador sempre
presente em suas vidas. A relação da teologia com a Filosofia, nesse momento, tornou-
se novamente bastante intensa, relembrando o período medieval, quando os teólogos
tinham uma grande imersão na Filosofia – mas é vidente que a interpretação filosófico/
teológica é diferente do período medievo.

FIGURA 16 – TEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

FONTE: <https://bit.ly/3w2yNjV>. Acesso em: 27 nov. 2020.

102
3.1 TEOLOGIA LIBERAL
A teologia Liberal busca dar uma interpretação histórica para a figura de Jesus
Cristo, através das escrituras, ressaltando questões morais e éticas, que, para esses
estudiosos, devem ser a base teológica a ser compreendida. É um direcionamento que
teve grande desenvolvimento durante o século XX. Schleiermacher é um dos pensadores
que inspirou essa corrente teológica, que acabou sendo mais permissiva com a
liberdade de expressão, pois a racionalidade (fortemente ligada à Filosofia) na relação
com as escrituras deu menos relevância à autoridade institucionalizada do clero. Essa
racionalidade ainda permite uma projeção otimista do fiel no que diz respeito ao futuro,
tomando como produtivo o aparecimento e o desenvolvimento de novas tecnologias.

FIGURA 17 – TEOLOGIA LIBERAL

FONTE: <https://bit.ly/3x3r31f>. Acesso em: 28 nov. 2020.

Como já visto, os teólogos europeus, em especial os de língua germânica,


foram figuras de destaque em muitas das correntes que tiveram impacto nas novas
interpretações e ações teológicas. Essa caminhada, saindo dessas regiões da Europa,
passou a ter uma projeção maior quando penetrou nos Estados Unidos, em grande
parte, por teólogos que realizaram sua formação em terras europeias.
Os simpatizantes e defensores do modernismo teológico, após estu-
darem nos principais centros de difusão do pensamento liberal (princi-
palmente a Alemanha), retornaram aos EUA, e passaram a ensinar nos
seminários teológicos financiados pela SBC a nova perspectiva teoló-
gica. Não é demais lembrar que esses professores eram remunerados
pelos batistas do Sul através do Plano Cooperativo da SBC e escreviam
textos publicados pela editora dessa denominação. O suporte para
esta atividade docente e literária foi dado pela burocracia institucio-
nal da referida denominação, adepta da nova teologia liberal, mas que
através da estratégia de manter a “unidade em meio à diversidade”,
abriu-se à uma variedade maior de opções teológicas visando assim
manter o status quo denominacional (ANDRADE; SILVA, 2013, p. 63).

O caminho acadêmico da teologia Liberal realiza suas investigações por uma


metodologia que ficou conhecida como História das Religiões Comparadas. Nesse
sistema de análise, o teólogo busca encontrar, através de uma abordagem historiográfica,
a análise comparada entre diversas culturas diferentes, em que as simbologias e todo
um contexto das culturas locais são levados em consideração.

103
Nessa direção, a exegese bíblica deixa de assumir um aspecto estático, com
base na interpretação institucional, passando a fazer uso da experiência pessoal, mais
emocional, como elemento de aplicação prática.

3.2 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO


A Teologia da Libertação, na verdade, é uma forma teológica múltipla. Com
isso, pretende-se afirmar que existem várias visões teológicas que não vão buscar
compreender a Palavra, nos mais diversos contextos, na difícil realidade das comunidades
em que estão inseridas, principalmente na América Latina. Esse seguimento teológico
é uma vertente do catolicismo.

A Teologia da Libertação é um movimento sócio-eclesial que surgiu


dentro da Igreja Católica na década de 1960 e que, por meio de uma
análise crítica da realidade social, buscou auxiliar a população pobre
e oprimida na luta por direitos. Contudo, ao proceder assim, seus
adeptos chocaram-se contra o Estado, interesses econômicos e até
mesmo a hierarquia da instituição Católica. Com o passar dos anos,
mudanças importantes ocorreram em virtude do fim da Ditadura
Militar, do fortalecimento de outras crenças religiosas e de uma nova
filosofia dentro do catolicismo. Essa nova realidade se constituiu em
grandes desafios para a Teologia da Libertação (CAMILO, 2011, p. 1).

FIGURA 18 – TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/34Y4JKo>. Acesso em: 2 nov. 2020.

A Teologia da Libertação surge em meio aos complexos contextos sociais e


políticos, quando as diferenças entre os estratos da sociedade são gigantescas, portanto,
fomentam e criam movimentos sociais que têm como interesse diminuir esse abismo
social. A segunda metade do século XX foi um período de grandes transformações na
parte latina do Continente Americano. A divulgação de ideais socialistas, bem como a
adoção de sistemas neossocialistas em algumas nações como Cuba, com Fidel Castro,
ajudou a popularizar o movimento da Teologia da Libertação, dando-lhe um poder que
a ajudou a continuar existindo, visto que esse movimento não era muito bem recebido
pelas tendências mais conservadoras e tradicionais da Igreja Católica.

104
Algumas segmentações teológicas tiveram um grande impulso com a Teologia
da Libertação, como segmentos teológicos como as teologias que aproximam os mo-
vimentos indígenas e os movimentos negros – apesar de serem chamados de teologia
Indígena e teologia Negra, essas duas linhas de interpretação são consideradas inte-
grantes da Teologia da Libertação. Em grande parte, essa multiplicidade de tendências
acontece pelo fato de as ações teológicas serem exercidas pelos sacerdotes, com for-
mação formal, mas também pela ação dos leigos, que recebem formação para a sua
participação, permitindo um alcance maior da presença da Palavra aos fiéis. Essa ação,
envolvendo a interpretação teológica com o envolvimento político como forma de bus-
car uma maior igualdade de direitos aos menos favorecidos, é o elemento que garante
uma dinâmica a esta linha da teologia.

A Teologia da Libertação é sem dúvida alguma a maior expressão de


sensibilidade que surgiu nos últimos trinta anos na história da teologia.
Ela rompe com conceitos tradicionais da Igreja institucional introduzindo
na história da Igreja ideias de igualdade social e direitos humanos,
reivindicando para si como herança os lemas: liberdade, igualdade e
fraternidade advindos da Revolução Francesa (NORONHA, 2012, p. 185)

As perspectivas teológicas, propostas pela Teologia da Libertação, causaram


grandes discussões dentro da Igreja de sede no Vaticano. Evidentemente que as linhas
mais tradicionais, por estranhamento a essa manifestação de ecumenismo e sincretismo,
fizeram com que muitas figuras que ganharam projeção com essa linha teológica fossem
censuradas por hierarquias internas do Catolicismo, como declara Roberto E. Zwetsch.

Li então o famoso livro Jesus Cristo Libertador, que tanta polêmica


causou na Igreja Católica Romana por aqueles anos. A cada capítulo,
um assombro. “Este homem é um protestante”, cheguei a exclamar,
por certo não com o ar de censura da Sagrada Congregação da Fé e
da Doutrina, mas com um espírito aberto à vivência ecumênica que
ensaiava no Recife. Lembro-me de duas percepções importantes
que a leitura me deixou:
1) A primeira diz respeito ao próprio Jesus. Calou fundo em minha
experiência de estudante de teologia conhecer de modo tão
profundo a importância da humanidade de Jesus de Nazaré.
Nunca esqueci aquela genial formulação de Boff: “Humano assim
só pode ser Deus mesmo!” que procurava traduzir o velho latim de
Ecce homo. Se Boff tivesse errado em toda a sua teologia, ainda
assim esta confissão o manteria de pé e o salvaria (cf. 1 Jo 4.1-
3). Querem saber quem é Deus, o que ele faz por nós e o que
deseja de nós? Aí vocês têm a resposta: olhem para este Jesus
de Nazaré! Ele é o nosso passado, o nosso futuro e aquele que no
presente nos chama para a verdadeira vida.
2) A segunda percepção é crítica. Diz respeito ao seu dogma
eclesiológico. Naquele livro, Boff defendia que a Igreja Católica
Romana era a “articulação institucionalmente mais perfeita do
Cristianismo”. Para um protestante evangélico luterano, ainda que
aberto e de espírito ecumênico, tal afirmação era demais. Não dava
para aceitar. Bem mais tarde, Boff escreveu Igreja: carisma e poder,
onde se pode constatar como ele avançou em seu pensamento
e em sua crítica à Igreja da qual é servidor. E quem o conhece
sabe os sofrimentos por que passou devido às teses defendidas
com profunda honestidade nesse novo livro. O doloroso debate

105
com a hierarquia do Vaticano acabou por levá-lo ao afastamento
voluntário do sacerdócio, mas não da teologia e da assessoria às
pastorais populares. Podemos ver assim como os caminhos da
vida, e neles a ação do Espírito Santo, vão movendo a história e
transformando mentes e corações (ZWETSCH, 1998, p. 141-142).

O teólogo catarinense Genézio Darci Boff (1938-), sob o pseudônimo Leonardo


Boff, é uma das figuras mais conhecidas da Teologia da Libertação no Brasil, o que, em
grande parte, ocorreu por conta das sanções institucionais que a Igreja Católica lhe impôs.

FIGURA 19 – LEONARDO BOFF

FONTE: <https://bit.ly/3gjRTvg>. Acesso em: 29 nov. 2020.

Leonardo Boff ficou conhecido não somente por conta de seus posicionamentos,
em suas obras, como Igreja, Carisma e Poder, publicado em 1981, mas pelos
desdobramentos institucionais, em grande medida por ter passado por um processo
institucional de um órgão da Igreja chamado de Congregação Para a Doutrina da Fé. Essa
hierarquia interna do Vaticano, na época, era presidida pelo Cardeal Joseph Ratzinger
(1927-), que, mais tarde, foi eleito o 265º Papa, com o nome de Bento XVI.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na pós-modernidade, foi possível se contemplar o horizonte teológico de
maneira que não era apenas relacionado à tradução, em termos mais acessíveis dos
textos bíblicos, mas também à possibilidade de uma interpretação teológica mais próxima
das pessoas. Tanto com as diferentes interpretações protestantes, que buscavam
aproximar as escrituras e a sua mensagem dos fiéis, quanto pelo catolicismo romano,
que também objetivou se aproximar do seu rebanho ao redor do globo, percebemos
uma aproximação da Igreja, enquanto instituição, com o seu fiel.

Esse processo, como visto, nem sempre foi muito bem recebido pelas alas mais
conservadoras da Igreja, independentemente da denominação, mas, com o passar
do tempo, mediante um resultado mais efetivo no processo de aproximação dos fiéis,
acabou se fortalecendo e se consolidando.

106
LEITURA
COMPLEMENTAR
PROVA ONTOLÓGICA (METAFÍSICA) DA EXISTÊNCIA DE DEUS

Luiz Alberto Dutra


Delamar José Volpato Hebeche

Capítulo II – Que Deus existe verdadeiramente

Então, ó Senhor, tu que nos concedestes a razão em defesa da fé, faze com que eu conheça,
até quanto me é possível, que tu existes assim como acreditamos, e que és aquilo que acredi-
tamos. Cremos, pois com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior.
Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não
existe?”. Entretanto, o insipiente quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensa nada maior”,
ouve o que digo e o compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inte-
ligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. Na verdade, ter a ideia de
um objeto qualquer na inteligência, e compreender que existe realmente, são coisas distintas.
Um pintor, por exemplo, ao imaginar a obra que vai fazer, sem dúvida, a possui em sua inteli-
gência; porém, nada compreende da existência real da mesma, porque ainda não a executou.
Quando, ao contrário, a tiver pintado, não a possuir. apenas na mente; mas também lhe com-
preender. a existência, porque já a executou. O insipiente há de convir igualmente que existe
na sua inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, porque ouve e compreende
essa frase; e tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência. Mas “o ser do qual
não é possível ensinar nada maior” não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse
apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que h. outro ser existente também na realidade; e
que seria maior. Se, portanto, “o ser do qual não é possível pensar nada maior” existisse so-
mente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia
o ser do qual é possível, ao contrário, pensar algo maior: o que, certamente, absurdo. Logo, “o
ser do qual não se pode pensar nada maior” existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade.

Capítulo III – Que não é possível pensar que Deus não existe

O que acabamos de dizer é tão verdadeiro que nem é possível sequer pensar que Deus não
existe. Com efeito, pode-se pensar na existência de um ser que não admite ser pensado,
como não existente. Ora, aquilo que não pode ser pensado como não existente, sem dúvida,
é maior que aquilo que pode ser pensado como não existência. Por isso, “o ser do qual não
é possível pensar nada maior”, se se admitisse ser pensado como não existente, ele mesmo,
que é “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, não seria “o ser do qual não é possível
pensar nada maior”, o que é ilógico. Existe, portanto, verdadeiramente “o ser do qual não é
possível pensar nada maior”; e existe de tal forma, que nem sequer é admiti-lo pensá-lo como
não existente. E esse ser é. Senhor, nosso Deus, és tu. Assim, tu existes és. Senhor, meu Deus,

107
e de tal forma existes que nem é possível pensar-te não existente. E com razão. Se a mente
humana conseguisse conceber algo maior que tu, a criatura elevar-se-ia acima do Criador
e formularia um juízo acerca do Criador. Coisa extremamente absurda. E, enquanto tudo,
excluindo a ti, pode ser pensado como não existente, tu és o único, ao contrário, que existes
realmente, entre todas as coisas, e em sumo grau. Então, por que o insipiente disse em seu
coração: “Não existe Deus”, quando é tão evidente, à razão humana, que tu existes com maior
certeza que todas as coisas? Justamente porque ele é insensato e carente de raciocínio.

Capítulo IV – Que o insipiente disse em seu coração aquilo que é impossível pensar

Mas como o insipiente pôde dizer, em seu coração, aquilo que nem sequer é possível
pensar? Ou como pôde pensar aquilo em seu coração, quando “dizer no coração” nada
mais é do que pensar? Se, verdadeiramente, ele disse isso em seu coração, na verdade,
também, o pensou. Mas, na verdade, ele não disse isso em seu coração, porque, jus-
tamente, não podia pensá-lo. Com efeito, pode-se pensar, ou dizer no coração, uma
coisa de duas maneiras: pensando na palavra que expressa a coisa, ou compreenden-
do a própria coisa. No primeiro sentido, é possível pensar que Deus não existe’ no seu
mundo, não. Quem, por exemplo, compreende o que são a água e o fogo, sem dúvida:
não pode pensar que os dois elementos sejam realmente a mesma coisa. Entretanto, se
pensar apenas nas palavras água e fogo, pode imaginar as duas coisas como idênticas.
Assim, quem compreende o que Deus é, certamente, não pode pensar que ele não exis-
te, mas o poderia, se repetisse na mente apenas a palavra Deus, sem atribuir-lhe ne-
nhum significado, ou significando coisa completamente diferente. Deus, porém, é “o ser
do qual não é possível pensar nada maior”, e quem compreende bem isso sem dúvida
compreende, também, que Deus é um ser que não pode encontrar-se no pensamento.
Quem, portanto, compreende que Deus é assim, não consegue sequer imaginar que
ele não exista. Obrigado, meu Deus. Agradeço-te, meu Deus, por ter-me permitido ver,
iluminado por ti, com a luz da razão, aquilo em que, antes, acreditava pelo dom da fé que
me deste. Assim, agora, encontro-me na condição em que, ainda que não quisesse crer
na tua existência, seria obrigado a admitir racionalmente que tu existes.

Capítulo V

Que Deus é tudo aquilo que é melhor que exista do que não exista, e que é o único
existente por si mesmo, tendo feito todas as outras coisas do nada.

Portanto, o que és tu, ó Senhor, Deus meu, tu de quem não é possível pensar nada maior?
Mas, quem poderia ser, senão aquele que supremo entre todas as coisas, único existente
por si mesmo – criou tudo do nada? Com efeito, o que não é tudo isso é inferior àquilo que
o pensamento pode compreender no seu mais alto grau. Mas isso não pode ser pensado
de ti. Que tipo de bem poderia faltar, então, ao bem supremo, donde deriva toda espécie
de bem? És, portanto, justo, verdadeiro, feliz e tudo aquilo que é melhor que exista do que
não exista. De fato, é melhor ser justo do que não ser justo, ser feliz do que não ser feliz.

FONTE: Adaptado de DUTRA, D. J. V.; HEBECHE, L. A. História da filosofia II. Florianópolis: FILOSOFIA/EAD/
UFSC, 2008.

108
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O teólogo precisa conhecer as Escrituras e estar em constante atualização, lendo,


estudando e se inteirando dos textos produzidos no meio acadêmico, sendo,
evidentemente, também, de grande importância, a sua participação.

• A definição de tempos e períodos históricos é sempre uma discussão bastante contro-


versa, visto que não existe uma unanimidade de datas que separem, de modo estático,
a mudança de um período a outro. É muito corriqueiro que diversas áreas de conhe-
cimento tenham algumas pequenas variações para definir o início ou o termino de um
período histórico dentro de sua seara de saber. Na teologia, de modo geral, é atribuído
ao século XIX o início da denominada teologia Contemporânea. No entanto, para com-
preender e ter a devida clareza dessa divisão, é necessário considerar o século XVIII
no raciocínio, visto que foi, nesse período, que se iniciaram as reflexões que tornaram
possível o surgimento da visão contemporânea das intepretações teológicas.

• A busca da teologia como área de conhecimento, de um diálogo interdisciplinar com


outras áreas de conhecimento a ela próximas, fez, em especial da Hermenêutica,
uma área de concentração interpretativa dividida entre teólogos e filósofos.

• Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher foi um filósofo de língua alemã e um dos


pensadores que realizou a análise da Hermenêutica, com uma interpretação que
levou em conta as reflexões filosóficas. Suas reflexões filosófico-teológicas iniciaram
uma visão teológica conhecida como teologia Liberal. Esse pensador é considerado
autor do Modernismo Romântico; para ele, há uma relação de identidade entre o
Espírito e a Natureza, e ambos ocorrem em Deus.

• Schleiermacher promoveu uma interpretação mais amplificada, em grande parte, por


conta dos seus estudos filosóficos, os quais foram aprofundados quando atuou na
Universidade de Berlim, onde foi professor de Filosofia da teologia e, principalmente,
de Baruch de Espinosa (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804).

• Paul Johannes Tillich era filho de pastor luterano, portanto, bastante familiarizado
com o contexto das ideias cristãs tradicionais. O início do século XX, com todo o
seu contexto de violências, fez com que esse pensador revisse suas concepções
do mundo ao seu redor, realizando uma reflexão profunda. Com o grande avanço
promovido na interpretação de Tillich, em suas reflexões, foi possível construir uma
maior interdisciplinaridade nas abordagens da teologia, o que permitiu não somente
uma expansão do paradigma interpretativo da teologia, mas também se valeu dos
avanços nessas áreas de conhecimento.

109
• O pensador Rudolf Bultmann foi uma mente de relevância teológica, cujas
concepções foram discutidas por teólogos católicos e protestantes. No entanto, foi
no contexto protestante que ele teve maior visibilidade, ao afirmar que a fé cristã não
tem necessidade de se amparar apenas na figura histórica de Jesus Cristo para ser
fundamentada.

• Bultmann, para compor seu ponto de vista das escrituras, que não se baseava
unicamente no Jesus histórico, fez uso de uma concepção chamada de “sola fides”,
uma das denominações dessa interpretação. Esse termo, oriundo do latim, pode ser
livremente traduzido como “somente pela fé”.

• Karl Barth foi outro exemplo de pensador de língua teuto, que exerceu importante
participação no contexto teológico, durante o século XX. É considerado por muitos
um dos maiores da teologia daquele século. Sua formação teve início com uma
grande influência das correntes teológicas liberais, das quais pouco tempo depois
se afastou. É muito comum imaginar que, ao se afastar de uma interpretação mais
liberal, Barth fosse abraçar como base uma concepção mais conservadora, o que não
foi o caso. Ele foi defensor de uma interpretação mais moderada, de modo a se situar
entre essas duas visões.

• Muitos estudiosos afirmam que a teologia de Karl Barth é uma reação ao pensamento
teológico de Friedrich Schleiermacher. Para Barth, é equivocada e enganosa a relação
entre o elemento sagrado e divino, com concepções que justificavam, de maneira
falaciosa, usando pressupostos culturais, que levaram o ser humano às guerras
ocorridas, em grande escala, duas vezes, no continente europeu. A concepção
teológica de Barth não se encaixa facilmente em uma das vertentes teológicas
constituídas durante o século XX.

• É importante que, ao Barth afirmar que “redescobrir o Evangelho sem o auxílio de um


sistema filosófico”, ele tem por intuito não, necessariamente, dissociar a teologia e a
Filosofia, mas, sim, dar uma liberdade para a interpretação teológica da realidade em
que o teólogo está inserido. A concepção da teologia Dialética segue exatamente esse
sentido, buscando, através das escrituras, um “diálogo” com o contexto do ser humano.

• As teologias ditas contemporâneas, ou recentes, têm por interesse tornar


contemporâneo o significado das escrituras, a fim de manter a Palavra viva, através
das dinâmicas da linguagem, mostrando aos fiéis a mensagem do Salvador sempre
presente em suas vidas.

• A teologia Liberal busca dar uma interpretação histórica para a figura de Jesus
Cristo, através das escrituras, ressaltando questões morais e éticas, que, para esses
estudiosos, devem ser a base teológica a ser compreendida. É um direcionamento
que teve grande desenvolvimento durante o século XX. Schleiermacher é um dos
pensadores que inspirou essa corrente teológica.

110
• A Teologia da Libertação surge em meio aos complexos contextos sociais e políticos,
em que as diferenças entre os estratos da sociedade são gigantescas, portanto,
fomentam e criam movimento sociais que têm como interesse diminuir esse abismo
social. A segunda metade do século XX foi um período de grandes transformações na
parte latina do Continente Americano. A divulgação de ideais socialistas, bem como
a adoção de sistemas neossocialistas em algumas nações, como Cuba, com Fidel
Castro, ajudou a popularizar o movimento da Teologia da Libertação.

• Leonardo Boff ficou conhecido não somente por conta de seus posicionamentos
em suas obras, como Igreja, Carisma e Poder, publicado em 1981, mas pelos
desdobramentos institucionais, em grande medida por ter passado por um processo
institucional de um órgão da Igreja chamado de Congregação Para a Doutrina da Fé.

111
AUTOATIVIDADE
1 O estudo da teologia, no período Contemporâneo, passou a ter um caráter diferente
do que era conhecido anteriormente. Nesse sentido, uma interpretação da teologia,
relacionando-a, de maneira mais próxima, com outras áreas de conhecimento, em
especial as ditas Ciências Humanas, permitiu uma análise teológica mais ampla. É
evidente que essas discussões absorvem elementos das outras áreas, que podem
ser aperfeiçoados em suas especificidades, adotando ou desenvolvendo algumas
interpretações. Um bom exemplo é a abordagem entre a teologia e a Historiografia.
Considerando a época em que teve início a interpretação teológica conhecida como
contemporânea, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A interpretação teológica contemporânea surgiu no século XX.


b) ( ) A interpretação teológica contemporânea surgiu no século XIX.
c) ( ) A interpretação teológica contemporânea surgiu no século XVII.
d) ( ) A interpretação teológica contemporânea surgiu no século XVIII.
e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

2 Durante séculos, a teologia não se debruçou somente sobre os estudos qualificados


das escrituras, mas também se preocupou em como essa mensagem era recebida
e interpretada pelos fiéis. Nessa perspectiva, durante o século XX, muitas linhas da
teologia se relacionaram com as vertentes políticas. Com base na interpretação que
se aproximou da política Neossocialista, assinale a alternativa CORRETA:
"A divulgação de ideais socialistas, bem como a adoção de
a) ( ) Teologia da Libertação. sistemas neossocialistas em algumas nações como Cuba, com
Fidel Castro, ajudou a popularizar o movimento da Teologia da
b) ( ) Teologia Liberal. Libertação, dando-lhe um poder que a ajudou a continuar
c) ( ) Teologia Clássica. existindo, visto que esse movimento não era muito bem
d) ( ) Teologia Católica. recebido pelas tendências mais conservadoras e tradicionais
da Igreja Católica." (JUNKES, SANTOS, GUÉRIOS, 2021,
e) ( ) Teologia Luterana. p.104)

3 Durante o século XX, era comum a participação de teólogos em movimentos acerca


das realidades em que estavam inseridos. A situação do continente europeu, durante
a primeira metade desse século, é um bom exemplo disso. Considerando o teólogo
que foi um crítico da ideia de Hitler de tornar o Estado uma figura de culto, semelhante
à religião, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher.


b) ( ) Paul Johannes Tillich.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Rudolf Bultmann.
e) ( ) Santo Agostinho.

112
4 A palavra kerigma está relacionada com a mensagem a ser anunciada, em específico
no Novo Testamento. Essa linha de interpretação preocupa-se menos com as figuras
históricas e mais com as mensagens anunciadas nas escrituras, que, segundo os
seus estudiosos, deveria ser o centro das interpretações teológicas. Com base no
teólogo que se preocupou com essa forma de intepretação das Escrituras, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher.


b) ( ) Paul Johannes Tillich.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Rudolf Bultmann.
e) ( ) Santo Agostinho.

5 O contexto da Teologia da Libertação ficou conhecido não somente por conta de


seus posicionamentos em obras como Igreja, Carisma e Poder, de 1981, mas pelos
desdobramentos institucionais, em grande medida por ter passado por um processo
institucional de um órgão da Igreja chamado de Congregação Para a Doutrina da Fé.
Acerca desse contexto, considerando o teólogo que ficou conhecido como grande
expoente da Teologia da Libertação, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher.


b) ( ) Paul Johannes Tillich.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Leonardo Boff.
e) ( ) Santo Agostinho.

113
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Democrática de Weber a Hegel. Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo, São Paulo, n. 4, p. 36-51, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3gjTkd8.
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MONDIN, B. Curso de filosofia. São Paulo: Paulinas. 1981.

MORAIS, J. E. T. Palavra de Deus, na Neo-ortodoxia, Segundo Karl Barth. Revista de


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NOHL, H. Teoria da educação. Rio de Janeiro: Zahar; 1978.

NORONHA, C. U. A. Teologia da Libertação: Origem e Desenvolvimento. Revista


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Acesso em: 10 maio 2021.

115
ORDOÑEZ, M.; QUEVEDO, J. História geral. São Paulo: IBEP; 2004.

PESSINA, R. M.; RUEDELL, A. A Hermenêutica de Schleiermacher: a arte da compreensão


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PLATÃO. A República. 3. ed. Belém: EDUFPA; 2000.

RIBEIRO, L. F. B. História da filosofia I. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC; 2008.


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Bruna, Libero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale Strazynski. São Paulo: Nova Cultural;
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Schleiermacher. Revista Eletrônica do Grupo PET, São João Del-Rei, a. 5, n. 5, p. 1-16,
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ZEFERINO, J. Karl Barth: uma breve introdução a seu pensamento no horizonte da ética
teológica. Revista de Cultura Teológica – PUC/SP, São Paulo, a. 25, n. 89, p. 300-331,
jan./jun. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3fYUMTq. Acesso em 10 maio 2021.

ZWETSCH, R. E. Espiritualidade e antropologia: um diálogo com Leonardo Boff. Revista


Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 38, n. 2, p. 141-155, 1998. Disponível em: https://
bit.ly/3gibfBa. Acesso em 10 maio 2021.

116
UNIDADE 3 —

A RELAÇÃO ENTRE
A TEOLOGIA E AS
ESCRITURAS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer mais os Profetas e Apóstolos;

• conhecer mais a vivência através da Teologia Evangélica;

• compreender um pouco mais da vida de Jesus;

• conhecer os povos da Antiguidade no Oriente e na Antiguidade Clássica;

• compreender um pouco mais as Profecias, tanto do Antigo quanto do Novo


Testamento.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar
o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E AS ESCRITURAS


TÓPICO 2 – OS POVOS E CULTURAS DE RELEVÂNCIA TEOLÓGICA
TÓPICO 3 – AS VISÕES PROFÉTICA DOS ANTIGO E NOVO TESTAMENTOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

117
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A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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118
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E AS
ESCRITURAS

1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, nosso foco será a fundação e a origem da chamada teologia
Cristã, mais especificamente, a Teologia Evangélica. Para isso, falaremos sobre os
profetas, apóstolos e alguns aspectos da vida de Jesus, e, por fim, desenvolveremos o
tema da Teologia Evangélica.

Como já dito, teologia é uma palavra formada pelos termos advindos do latim
(Theologia) e do grego (Theologos) – theos (deus) e logia ou logos (estudo). Assim,
entendemos teologia como um estudo sobre a existência de Deus, das questões
referentes ao conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e
com os homens. Também é costumeiramente entendida como uma ciência, cujo fim é
compreender e tematizar uma área do conhecimento humano, e isso dentro do caminho
indicado pelo próprio objeto em questão. O nome teologia remete à ideia de que essa área
do conhecimento seria a única a ocupar-se em compreender e tematizar Deus. Contudo,
Barth (1996, p. 10) cita que: “[...] não há nem religião, nem filosofia, nem cosmovisão que –
quer seja profunda, quer superficial – não se relacione com alguma divindade, interpretada
e circunscrita desta ou daquela forma, e que, portanto, não seja teologia”.

Nesse escopo, muitas ideologias, aparentemente não relacionadas a divindades,


são entendidas como teologias. Nesses casos, a divindade e a própria função do conceito
divindade são transferidos para entidades como a natureza ou alguma coisa que assuma
o papel de redentor da humanidade. A despeito de qual seja o tema dessas variadas
teologias, cada uma delas se arvora e se imbui de ser a única correta, a melhor. O atual
entendimento de teologia como ciência permite, a partir de seu ninho de surgimento
ocidental (como ciência), confrontar outras teologias não cristãs, de tradições religiosas
orientais, africanas e nativas americanas. Ao mesmo tempo, cresce o número de
pessoas que buscam uma espiritualidade mais acadêmica, ou mais teológica, o que traz
um efeito colateral: a chamada Nova Era, que tem abastecido as livrarias com livros de
espiritualidade distantes da visão cristã.

Voltando ao estudo acadêmico da teologia, e em especial à teologia Cristã, o foco


não são as novidades teológicas, mas, sim, a leitura das Escrituras e de toda a tradição
cristã. O objetivo dessa leitura é que o teólogo, munido de um profundo esclarecimento
com base nessas Escrituras, aja como um aglutinador de sua comunidade.

119
Como afirma Barth (1996), a melhor e única teologia correta é a do Deus único,
verdadeiro, a qual deveria ser a única – que é o que todas as outras, erradamente,
alegam ser. Esse Deus é o que se revela nos escritos do Antigo Testamento.

A Igreja Cristã herdou essas Escrituras e as considera sagradas, sendo compostas


por Velho Testamento e Novo Testamento. No Novo Testamento, Jesus afirma que o
Velho Testamento é também Palavra de Deus. Os apóstolos, disseminando as palavras
de Jesus, deram continuidade a essa afirmação. Posteriormente, os escritores da Bíblia
Cristã afirmaram que os dois Testamentos são a inspiração do Espírito.

Dentro disso tudo, a Teologia Evangélica conecta-se com o Novo Testamento; a


partir dos escritos de evangelistas, apóstolos e profetas do Novo Testamento, veio à luz
para ser redescoberta e revivida na Reforma do século XVI.

É importante ressaltar que uma teologia, ao ser classificada como teologia


Protestante, não é necessariamente evangélica, pois existe Teologia Evangélica, por
exemplo, no Catolicismo Romano e no Catolicismo Ortodoxo Oriental. Portanto, para
definir exatamente o campo, entenderemos como Evangélico toda e qualquer teologia
que procure compreender e tornar manifesto o Deus do Evangelho.

2 OS PROFETAS E OS APÓSTOLOS
Para limitarmos o lugar da chamada teologia, faz-se fundamental aceitarmos
que existem seres humanos aos quais compete uma posição toda particular no que
concerne à palavra de Deus, tidos como Profetas do Antigo Testamento e os apóstolos
do Novo Testamento. Através desses homens, as palavras de Javé e sua história com
Israel fez-se ouvir pelo povo, tendo sido por eles registradas (ou que mandaram registrar)
nos escritos para o conhecimento das gerações futuras.

Os profetas bíblicos do Velho Testamento eram homens ou mulheres a quem foi


dada uma palavra especial de Deus para que a anunciassem para suas próprias gerações.
Muitos desses profetas foram chamados para ministrar durante toda a sua vida; outros
estiveram nesse ofício por pouco tempo, voltando à vida comum após terem cumprido uma
missão específica. A experiência imediata de Deus, a revelação da santidade de Deus e
de Sua vontade fazem do profeta um homem que julga o presente e vê o futuro à luz de
Deus, sendo enviado por Ele para recordar aos homens Suas exigências e conduzi-los pelo
caminho da obediência e do amor a Deus:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era


Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas
por intermédio dele e, sem ele, nada do que foi feito existiria... E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós, pleno de graça e de verdade;
e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai. [...] Ninguém
jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está ao lado do Pai, foi quem
o revelou (Jo 1.1-3,14,18) (GOLDSWORTHY, 2018, p. 82).

120
A Teologia Evangélica entende os testemunhos dos Profetas do Velho
Testamento não apenas como um prelúdio do Novo Testamento, mas com a máxima
seriedade a eles possível de se atribuir. “O Novo Testamento está latente no Antigo, e o
Antigo se torna patente no Novo” (BARTH, 1996, p. 24). Segundo a Bíblia:

O testemunho apostólico somente reafirmou o que Cristo mesmo


disse quando afirmou ser o conteúdo do Antigo Testamento (BÍBLIA,
Lc. 24.27,44; Jo. 5.39).
Com base nisso, ele abriu as mentes dos discípulos para
compreenderem o Antigo Testamento (BÍBLIA, Lc. 24.45).
Então ele lhes disse: Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo
o que os profetas disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas
coisas e entrar na sua glória? E, começando por Moisés e todos os
profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as
Escrituras (BÍBLIA, Lc. 24.25-27).

A história de Jesus Cristo se consolida no testemunho das pessoas apostólicas


do Novo Testamento:

Essa história era real, e era real para elas exclusivamente como tal
história de salvação e revelação; Jesus lhes era real exclusivamente
como aquele que anunciavam (baseado em sua autoproclamação)
como kyrios, Filho de Deus e Filho do homem. Assim, não sabiam e
falavam nem de um “Jesus histórico” nem de um “Cristo da fé”: nem
(abstraindo) de um Cristo no qual ainda não criam nem (abstraindo
mais uma vez) de um Cristo em que haveriam de crer mais tarde. Fa-
lavam de modo concreto do Jesus Cristo uno com quem se tinham
encontrado como aquele que ele era, como o que se lhes dera a co-
nhecer, mesmo quando ainda não acreditavam nele. [...] A origem, o
assunto, o conteúdo do testemunho neotestamentário foram e con-
tinuam sendo a história da salvação e da revelação, tornada evento
em Jesus Cristo, como ação e palavra de Deus (BARTH, 1996, p. 25).

Jesus e seus apóstolos estavam absolutamente convictos da autoridade


suprema do Antigo Testamento e o veneravam como a palavra como Deus falada ao
seu povo, considerando-o como o registro fiel do que Deus disse através dos profetas.

IMPORTANTE
A relação entre a Teologia Evangélica e o testemunho bíblico acerca da palavra de Deus:
1. Como acontece no profetismo e no apostolado, a teologia tem por objetivo dar respostas
humanas à palavra divina. Também as testemunhas do Antigo e as do Novo Testamento
tinham ouvido a palavra como tal, testemunhando-a humanamente, em linguagem
humana, dentro de seu modo de pensar condicionado pelo tempo e pelo espaço em
que viviam – foram, portanto, teólogos (e teólogos muito distintos entre si, embora todos
se orientassem pelo mesmo objetivo). Assim, também a Teologia Evangélica não poderá
ser nem mais nem menos: sua intenção será a das testemunhas bíblicas.

121
2. No entanto, por outro lado, a teologia não é nem profetismo nem apostolado. O seu
lugar, portanto, não se encontra no mesmo plano – ou em plano semelhante – daquele
das primeiras testemunhas.
3. Menos ainda, o lugar da teologia se situará em qualquer nível acima do das testemunhas
bíblicas.
4. Assim, a teologia terá seu lugar definitivo abaixo dos escritos bíblicos. Terá de permitir,
de bom grado, que aquelas lhe olhem sobre os ombros e lhe corrijam os cadernos, por
serem melhores peritos nesse único assunto que realmente importa.
5. O único assunto que importa é o conhecimento do Deus do evangelho tão estranhamente
distinto dos deuses de todas as demais teologias. A teologia recebe este seu assunto
partindo da Escritura Sagrada e aproximando-se continuamente desta.
6. Na aprendizagem da Escritura, a teologia é confrontada com o Deus uno –
mas que é uno na plenitude de sua existência, ação e revelação. Nessa
aprendizagem não será possível que ela se torne monolítica, monomaníaca e
monótona – e, portanto, infalivelmente tediosa –, assim como será incapaz de
fixar ou de limitar sua atenção a este ou àquele detalhe.
7. A teologia responde ao logos de Deus, tentando ouvi-lo e interpretá-
lo em seu testemunho bíblico de maneira sempre nova. Pesquisa as
Escrituras, auscultando os seus textos: quer saber se e em que medida
dão testemunho dele.

FONTE: BARTH, K. Introdução à Teologia Evangélica. Tradução: Lindolfo Weingârt-


ner, 5. ed. rev. São Leopoldo: Sinodal; 1996. p. 25-28.

Retomemos, como exemplo, os profetas do Velho Testamento que profetizaram


sobre Jesus: o Messias nasceria na cidade de Belém (BÍBLIA, Mq. 5:2), seria humilde e
entraria em Jerusalém montado num jumento (BÍBLIA, Zc. 9:9). Embora fosse gentil e
bondoso, seria impopular e muitos o rejeitariam (BÍBLIA, Is. 42:1-3; 53:1, 3). Sofreria uma
morte cruel, mas que não seria esse o fim definitivo de sua vida, pois o seu sacrifício
visava a possibilitar, para muitos, o perdão de seus pecados (BÍBLIA, Is. 53:4, 5, 9-12).

• Profetas maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Baruc e Lamentações.


• Profetas menores: Jonas, Joel, Amós, Oséias, Miquéias, Naum, Sofonias, Habacuc,
Abdia, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Com base no que Jesus e os apóstolos ensinaram, apreendemos que, mesmo


com um grande número de expressões, a Bíblia não foge de um núcleo coeso. Nesse
núcleo, Jesus é a nossa autoridade final e definitiva. Ele e os apóstolos pregavam o
Evangelho usando o Antigo Testamento como as Escrituras que eles seguiam.

122
IMPORTANTE
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ATOS

Depois da ascensão de Jesus, os seus discípulos aguardaram em


Jerusalém. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre eles, que,
então, começaram a obra de proclamar Jesus. Quando as implicações
missionárias do evangelho se tornaram mais claras para os primeiros
cristãos, a proclamação local se estendeu para a evangelização mundial.
O apóstolo Paulo levou o evangelho para a Ásia Menor e para a Grécia,
fundando muitas igrejas em seu caminho. Uma igreja acabou florescendo
em Roma, no centro do Império (GOLDSWORTHY, 2018, p. 223).

Desse modo, Pentecostes significa uma experiência única para os discípulos,


pois marca um ponto de transição.

FIGURA 1 – APÓSTOLOS: SIMÃO, CHAMADO DE PEDRO, ANDRÉ, TIAGO, FILHO DE ZEBEDEU, JOÃO, FILIPE,
BARTOLOMEU, TOMÉ, MATEUS, TIAGO, FILHO DE ALFEU, TADEU, SIMÃO, O ZELOTE E JUDAS ISCARIOTES

FONTE: <https://bit.ly/3uXVdS5>. Acesso em: 1º nov. 2020.

3 A VIDA DE JESUS
O casamento de José e Maria anunciava o advento de alguma coisa, de algum
acontecimento, de algum ser misterioso e incompreensível à lógica comum. Um Deus
iria nascer:

Apesar de profeta e rabi, Jesus é também um homem da terra. Vive


em contato com a natureza, cujo esplendor transparece em suas
palavras. Fala nos pássaros do céu que não semeiam nem colhem
nem armazenam em seus celeiros e que nem por isso passam falta;
nos lírios dos campos que não se preocupam com suas vestes,
todavia mais belas do que as do rei Salomão; na figueira que, através
do broto de suas folhas, anuncia a primavera; na semente que dorme
escondida no seio da terra, para em seguida brotar, crescer e se
transformar em árvore que dá flores e frutos. Toda a criação renasce
e se ilumina sob o olhar penetrante de Jesus [...]. Há nesse judeu
da Galileia muita ternura, a par de uma grande força de caráter. Se

123
o poeta é quem sabe expressar com palavras o sentido oculto das
coisas e os sentimentos mais íntimos do ser humano, Jesus foi um
grande poeta (ROCHA, 1973, p. 16).

O Novo Testamento, portanto, mostra que o desejo de Deus é restabelecer a


harmonia de todas as coisas e, para isso, Deus se vale da própria pessoa de Cristo. Deus
une o seu povo em Cristo pela fé e oferece a seu povo a perfeição que há em Cristo.

Com base no que os cristãos são considerados por estarem em Cristo, Deus,
mediante o seu Espírito e o evangelho, dá-se o começo da obra restauradora das
relações de toda a comunidade cristã. E todos, sem exceção, anseiam pela vida de
Cristo, em sua máxima glória.

Para muitos cristãos, Jesus de Nazaré é um ser extraordinário e que não


tem grande consistência humana. Sua divindade o absorve em tal magnitude que a
humanidade se evapora e quase desaparece. Ele toma dimensões fantásticas, mas, ao
mesmo tempo, perde a dimensão de homem comum.

Entretanto, Jesus era também um homem, e nada revela melhor o homem Jesus
do que os seus sentimentos em face da morte. Quando chegou a hora, ele sentiu-se
apavorado, como um homem comum: “Ele começou a sentir pavor e angústia” (BÍBLIA,
Mc., 14:34). E mais, Jesus fala aos Apóstolos: “Minha alma está numa tristeza mortal”
(BÍBLIA, Mt., 26:38).

DICAS
Leia o texto O Cordeiro de Deus na Leitura Complementar, ao final do Tópico 3.

DICAS
“Dois mil anos se passaram... e sua vida continua sendo um enigma
perturbador para toda a humanidade” (PAGLIARIN, 2006, p. 73). Uma boa
sugestão de leitura é o livro Jesus – a pessoa mais intrigante e influente que
já viveu neste mundo.

124
FIGURA 2 – JESUS E FELICIDADE

FONTE: <https://bit.ly/3zlEqvU>. Acesso em: 21 mar. 2021.

4 VIVENDO A TEOLOGIA EVANGÉLICA


A primeira e mais importante tarefa do teólogo é dominar e aplicar a Hermenêutica.
Somente com essa ferramenta, o estudo da revelação e da compreensão dos escritos,
sempre dentro da abordagem histórica, social e cultural, dar-se-á à luz do tempo em
que se escreve e se analisa.

NOTA
HERMENÊUTICA

Em uma definição mais geral, hermenêutica é uma parte da Filosofia dedicada à interpretação.
Apesar de não ter esse nome ainda, foi tema de especulação quando da análise da
linguagem, desde a Antiguidade, por Platão. A hermenêutica fundou-se, inicialmente, como
uma teoria interpretativa de textos cristãos. Na primeira leva de autores dessa linha de
pensamento, também poderiam ser acoplados os intérpretes não só dos textos canônicos,
mas também dos textos jurídicos, como Schleiermacher e Dilthey. Schleiermacher tentou
criar uma arte e ciência da compreensão em geral. Já o filósofo Wilhelm Dilthey iniciou
uma nova abordagem de um ramo da compreensão geral, reconhecendo uma relação
de circularidade existente entre objeto a ser estudado de modo científico e o indivíduo
que o estuda, e procurando associar validade epistemológica à interpretação geradora da
definição de hermenêutica.

FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768-1834)

FONTE: <https://bit.ly/3zb73vK>. Acesso em: 2 nov. 2020.

125
RESENHA DA OBRA: HERMENÊUTICA – ARTE E TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO
DE FRIEDRICH D. E. SCHLEIERMACHER

Com Schleiermacher, as ciências humanas ganharam inteligibilidade compreensiva,


objetivando a apreensão do sentido na interpretação de textos, de maneira distinta
da característica explicativa das ciências naturais, as quais buscavam determinar as
causas de um fenômeno através da observação e da quantificação.

A compreensão hermenêutica proposta por Schleiermacher, em suma, põe à prova


a objetividade científica das ciências naturais ao estabelecer a inseparabilidade de
sujeito e objeto; o condicionamento de toda expressão do humano a um determinado
horizonte linguístico; a circularidade entre o todo e o particular, que impede a
compreensão por mera indução, e a referência à pré-compreensão, a qual destaca a
prioridade da pergunta sobre a resposta e a problematiza a noção de dado empírico
puro. Schleiermacher utiliza-se da dialética para demonstrar a relatividade do saber,
diante da inseparabilidade de pensamento e linguagem e a inexistência de uma
linguagem universal, pois a linguagem é algo histórico.

Segundo Braida, a hermenêutica de Schleiermacher surgiu da necessidade de in-


terpretar e traduzir os textos antigos clássicos, que careciam de um tratamento sis-
temático: “Era preciso criar uma arte da compreensão em geral” (p. 15). Schleierma-
cher assim o faz ao deslocar a hermenêutica do domínio técnico e científico para o
domínio filosófico, sob o argumento de que aquela está ligada à arte de falar e à arte
de pensar. Explica Braida que o objetivo da hermenêutica de Schleiermacher é a
compreensão do autor e não apenas a compreensão do texto enquanto texto, o que
caracteriza o enfoque teórico da hermenêutica romântica como psicológico (p. 20).

Na parte I – Discursos Acadêmicos – 1829, Schleiermacher explica a origem de seus


estudos na falta de uma sistematização da arte de interpretar, uma vez que, à época,
a hermenêutica era configurada de forma especial como órganon para uma esfera
determinada (filologia clássica, literatura sagrada, hermenêutica jurídica etc.). No seu
entender, porém, em todas elas deveria haver qualquer coisa de comum e de mais
elevada: “uma hermenêutica geral” (p. 29). Aduz Schleiermacher que a teoria científica
pura nada acrescenta. Somente é útil aquela ciência que reúne as observações com
escopo de se chegar a um fim.

Para os antecessores do autor, a hermenêutica apenas seria necessária para traduzir


textos estrangeiros ou para entender os escritores. Ele questiona tal posicionamento
ao provar que a dificuldade de entendimento de qualquer texto ou qualquer narrativa,
mesmo quando não se trata de literatura, enseja a aplicabilidade de uma teoria geral
hermenêutica. Defende o autor que a prática da hermenêutica se dá também na lín-
gua materna e no relacionamento imediato como os homens. Para ele, a hermenêutica
não pode mais ser tratada como degrau, apêndice ou conhecimento complementar.

126
Estudando os métodos de Ast e Wolf, Schleiermacher pontua que quando a
compreensão segura e completa não se realiza simultânea e imediatamente com
a percepção, os métodos comparativo e divinatório deverão ser utilizados, nos
graus proporcionais de necessidade do objeto de estudo, até que se chegue a uma
satisfação tão semelhante quanto à compreensão imediata do texto (p. 43). Todavia,
o autor questiona como podem as crianças compreender o que é dito sem que
conheçam ainda a atividade do pensamento, nem tenham pontos de comparação.

O autor conclui que os adultos se encontram em cada instante de não compreensão na


mesma situação que tais crianças, apenas num grau menor (p. 45). Explica ele que se
trata da autodescoberta do espírito pensamente, ou seja, que se inicia num processo
divinatório, mas que pouco a pouco se apoia nos pontos de comparação e de analogia.

A doutrina hermenêutica que propõe somente pode começar quanto tanto a língua em
sua objetividade quanto o processo de formação do pensamento forem vistos enquanto
funções da vida espiritual individual em sua referência ao próprio pensamento, a partir
do modo como se procede no encadeamento e comunicação dos pensamentos, como
também do modo como se deve proceder na compreensão (p. 46).

No próximo discurso (outubro de 1829), o autor trata da ideia, que diz ter sido inspirada
em Ast, de que cada particular apenas pode ser compreendido por meio do todo e,
portanto, toda explicação do particular pressupõe já a compreensão do todo.

Este princípio hermenêutico é tão elementar para a hermenêutica de Schleiermacher


que deve ser aplicado indiscutivelmente nas primeiras operações de interpretação
de um texto. Esclarece que compreender a parte pelo todo vale não apenas para
a escolha entre os múltiplos significados de uma palavra, mas também em todas
as palavras suscetíveis de gradações diferentes e no caso de múltipla ocorrência
de palavras no texto. De fato, como cada palavra é elemento e uma parte na frase,
assim também se porta a frase no contexto de um discurso, o que torna uma frase
de um escritor lida isoladamente passível de interpretações totalmente errôneas,
quando não há a conexão com seu contexto original.

O mesmo raciocínio vale para uma obra por inteiro. Uma obra deve ser interpretada
sobre um duplo ponto de vista, pois cada obra é um particular no domínio da literatura
ao qual pertence, mas também é um particular enquanto ato de seu autor e forma,
com outras suas ações, o todo de sua vida.

A hermenêutica deve produzir um conjunto coeso de regras a partir da natureza


da linguagem e das condições fundamentais da relação entre o falante e o ouvinte
para evitar a nefasta existência de múltiplas interpretações com sentidos totalmente
diferentes. A partir desse momento, o autor (texto II – Hermenêutica, primeiro projeto:
1809-1810 – e Segunda Parte – Da interpretação técnica) trabalha com as regras de
interpretação de uma Hermenêutica geral.

127
Das regras mais relevantes, podem-se destacar as seguintes:

• Partir do objeto mais restrito, porque mesmo que haja uma hermenêutica
particular, a exemplo da hermenêutica religiosa, o particular é compreendido
apenas através do universal (p. 67).
• A hermenêutica parte de dois pontos distintos: compreender na linguagem e
compreender no falante. A interpretação é, por esse motivo, arte, pois nenhum
deles se completa por si. Deve-se compreender tão bem e melhor que o escritor.
• Não se pode esquecer o escritor na gramática e a linguagem na técnica, evitando
as incompreensões qualitativas e quantitativas, respectivamente.

A interpretação gramatical constitui na arte de encontrar o sentido determinado de


um determinado discurso, com o auxílio da linguagem, construindo a partir do inteiro
valor prévio da língua, comum ao escritor e o intérprete, e procurando somente
neste a possibilidade de interpretação (p. 70). Entretanto, quando o discurso portar
múltiplos significados, o intérprete deve se utilizar da intuição para subsumir qual
conceito melhor se encaixa ao texto.

Destarte, Schleiermacher divide a tarefa da interpretação gramatical em duas partes:


determinar o significado a partir do emprego dado e encontrar o emprego posto como
desconhecido a partir do significado. Em outras palavras, a tarefa da interpretação
é, conforme o pressuposto conhecimento do significado, encontrar para cada caso
dado o verdadeiro uso que o autor tinha em mente, evitando tanto os falsos como
também o muito e o pouco.

Com esse objetivo posto, percebe-se o tom psicologista da hermenêutica


de Schleiermacher. Nesse diapasão, Schleiermacher passa a falar sobre as
determinabilidades dos elementos formais e materiais, advertindo que os contextos
indicam o acento e o tom do conjunto, que pode se enveredar numa relação
equivocada se nisso se busca muito ou pouco (p. 85).

Em sequência, trata o autor da tarefa de encontrar a originalidade da composição


a partir da ideia da obra ao determinar o domínio linguístico do escritor e a
particularidade a partir deste. Na parte III (Exposição separada da segunda parte –
1826-1827), o autor trata da interpretação técnica que busca a compreensão como
composição do pensamento, a partir do homem, em contraposição à interpretação
gramatical que busca compreender o discurso e a composição a partir da língua.

Na interpretação técnica, a língua é apenas o órgão do homem, a serviço de sua


individualidade (p. 93). Por fim, Schleiermacher fala da descoberta da unidade de estilo
do autor através da comparação com outros e através de consideração em e por si,
do encontro da unidade interna ou o tema da obra e da originalidade da composição.

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/2SikSI2>. Acesso em: 17 maio 2021.

128
Através de uma Hermenêutica bem conduzida, o teólogo torna-se capaz e está
apoiado a lançar sua Igreja a suas realizações pastorais. Vemos que, desde o Concílio
de Trento, a teologia voltou-se, quase exclusivamente, para a formação de futuros
sacerdotes. Entretanto, mais recentemente, a teologia aparece para leigos, sob a forma
de cursos em que professores os colocam em contato com toda a metodologia da
teologia (LIBANIO, 1996).

Pela longa história do Cristianismo e das Igrejas Cristãs, diferenças aparecem


quanto a imputar diferente autoridade a diversos elementos da Bíblia. Contudo, a Bíblia
só pode ser corretamente interpretada por uma Igreja que tenha autoridade, com
tradição eclesiástica:

Se a Bíblia realmente contém uma mescla de verdade e erro, então


a base para identificar o que nela é verdadeiro passa a ser uma
autoridade mais elevada do que a própria Bíblia. Quando os cristãos
concordam que a Bíblia é a autoridade suprema, as diferenças
costumam surgir no nível de querer saber o que o texto bíblico de fato
diz e como ele deve ser interpretado (GOLDSWORTHY, 2018, p. 24).

Por exemplo, um adventista do sétimo dia, que gosta de uma boa discussão, se
aproxima de um jovem pároco anglicano e pergunta: “com licença, que dia é o Sabbath?”,
e o anglicano responde: “domingo”.

Obviamente, o adventista não concorda, pois, para ele, Sabbath é sábado. Os


dois falam com base na aceitação da Bíblia como a autoridade final. No entanto, os
dois divergem acerca de qual dia os cristãos devem ir à igreja, embora isso não surja
na conversa. Se ela fosse discutida, sem dúvida, exemplificaria o problema de como
interpretar a Bíblia. Isso é um exemplo de Hermenêutica Bíblica.

A Teologia Evangélica é uma realidade que acontece e emana da figura do teólogo.


Essa teologia, em toda a pesquisa e as reflexões a ela atreladas, só acontece por ser
permeada por uma admiração específica, fazendo, então, da teologia, e das declarações
e conclusões dela advindas, um campo propício para que nasça constantemente uma
ciência ao mesmo tempo crítica, mas também alegre, modesta e também livre.

E é essa admiração que se entende como verdadeiro motor do empreendimento


teológico, sem o qual a teologia se tornaria doente e fraca em sua mais profunda
essência. Isso permite que um teólogo sem potência, mas imbuído dessa admiração,
cumpra seu empreendimento com galhardia.

Entretanto, a admiração que se apodera da pessoa envolvida com a teologia é


específica –nesse sentido, admiração advém do milagre. Assim, quem se envolve com
a teologia, envolve-se com o milagre durante toda a sua vida de teólogo – o termo
milagre tem o sentido específico do professado na Bíblia: integrante do testemunho
bíblico referente à história da aliança da graça. Os milagres, porém, são apenas um
elemento do testemunho bíblico. Por Barth (1996):

129
A novidade verdadeira e decisiva vem a ser o novo ser humano que,
conforme o testemunho bíblico, agiu naqueles feitos em meio às
outras pessoas, como senhor, servo e fiador de todas elas, e neles
anunciou a si mesmo e, com isso, a justiça e o juízo de Deus, e assim
revelou a sua glória... nova é sua vontade que nele já foi feita assim
na terra como no céu (BARTH, 1996, p. 47).

Portanto, nova é a história de Jesus Cristo, que consuma a história de Israel.

Não existe nenhuma pessoa que, em se propondo a ser um teólogo, possa


se questionar das verdades da teologia daí advindas, a ponto de ser abalada nas
suas bases dogmáticas, ou a ponto de perder o fascínio, que, em essência, é o motor
epistemológico da teologia.

O teólogo não poderá deixar de perceber que, tanto a sua época como nas passadas
e futuras, sempre é, foi e será tempo de um mesmo Jesus. Ou seja, a graça de Deus sempre
esteve e estará presente. Disso, aduzimos a existência de alguém que professa essa
ciência, mas também: “E que ele não está apenas dentro do mundo nem apenas dentro da
comunidade, mas também simplesmente em si e consigo” (BARTH, 1996, p. 56).

A comunidade de Deus, da qual o teólogo atua e faz parte, é o mesmo grupo ao


qual ele pertence e no qual está cultural e moralmente inserido.

O teólogo deve ser um ente, na sua totalidade, comprometido com a teologia, pois,
apenas assim, será, então, chamado a uma forma específica de percepção, pesquisa, raciocí-
nio e discurso. Se o teólogo deseja ser fiel à sua ciência, deve se obrigar a assumir o tema de
teologia, apropriar-se, ser persistente e ser recordado constantemente do tema que a teologia
versa. Só assim será totalmente fiel ao cerne da ciência a que se dedicou e deseja exercer.

O teólogo apenas não seria considerado comprometido, mas antes, coagido


ao exercício dessa ciência, se ele não estivesse, de modo consciente, entregue às
verdades dela advindas. Também não seria um teólogo comprometido se, por algum
motivo, tivesse se desviado dos assuntos pertinentes ao exercício da teologia.

Barth (1996) lembra que a teologia é uma ciência humana, e, por isso, usa, como
ferramenta para circunscrever suas ideias e imagens, os recursos linguísticos. A dinâmica
da língua fará encontrar a fé. Fé é condição sine qua non da ciência teológica. Por Barth:
“Isso quer dizer: a fé é o evento, a história sem os quais uma pessoa, não obstante todas
as demais possibilidades e qualidades boas que lhe possam ser peculiares, em verdade
não poderá se tornar e ser cristão e, portanto, teólogo” (BARTH, 1996, p. 65).

Barth (1996) afirma que a fé é o elemento constitutivo da existência cristã e, por


consequência, da existência da teologia. Pela fé é que os elementos como admiração
e comprometimento fazem o teólogo. É na fé que a palavra de Deus liberta as pessoas

130
para aceitar essa mesma palavra, reconhecendo-a como confortadora. O maravilhoso
disso é que, por se originar da palavra do próprio Deus, se torna, de modo autêntico e
livre, uma ação da própria pessoa.

Ser teólogo é trabalhar, laborar teologia. E orar é o primeiro e mais fundamental


ato do trabalho do teólogo. A oração, como parte de seu trabalho, estará presente em
todas as suas ações, como o ato mais básico a ser executado.

O labor teológico é peculiar. Realiza-se sempre em meio ao ato de oração. E orar é


um trabalho, que, apesar de não braçal, é muito duro. Sempre será preciso começar a ação
teológica com o ato de orar, e que, no mais das vezes, se segue e acompanha a ação de
laborar. Agir teologicamente caracteriza a atuação do teólogo na Igreja e na comunidade
que o circunda, e, sobretudo o trabalho está intimamente conectado à palavra de Deus.

O teólogo tem a obrigação e a certeza de que a palavra desse Uno não é um anúncio
neutro, mas, sim, forte e ativo da relação entre Deus e o ser humano. Por Barth (1996):

O objeto do labor teológico não é um “Algo” – também não um Algo


supremo ou absoluto (mesmo que fosse o “fundamento do ser” ou
coisa que o valha); ele é, antes, “Alguém” – não um “isso”, mas um
“Ele” –, e esse Ele, o Uno, não qual “ser em si” ocioso e mudo, mas
Ele justamente em sua obra, que como tal é também a sua palavra
(BARTH, 1996, p. 103).

O trabalho teológico distingue-se de outras atividades, pois a teologia nunca parte


de questões respondidas, conclusões certas ou de resultados já obtidos. A teologia, dife-
rentemente da ciência, jamais poderá construir o hoje sobre os fundamentos estabelecidos
ontem. O trabalho do teológico sempre será uma ação de orar, com base em um “Não como
eu quero, mas, sim, como Tu queres”, desde que o teólogo coloque esse “como tu queres”
em prática. Dessa feita, esse trabalho gera a busca humana em face à obra de Deus.

IMPORTANTE
O AMOR
Barth (1996) afirma que o trabalho do teólogo só será obra boa se puder ser realizado sob o
verbo amor e onde, de fato, for realizado com amor. Paulo afirma que: “mesmo sendo capaz
de anunciar mensagem profética, mesmo sendo sabedor de todos os mistérios, e mesmo
possuindo e usufruindo todo o conhecimento, sem amor não seria nada, absolutamente
nada” (PAULO apud BARTH, 1996, p. 124). A palavra que o Novo Testamento usa para definir
o amor é ágape. E amor no sentido de ágape:

trata-se de uma procura cuja origem a pessoa que ama nunca


compreenderá como impulso próprio, mas sempre como uma
liberdade que lhe foi dada, portanto que originariamente lhe é
estranha, uma liberdade totalmente nova para o outro. Ela, por
si mesma, não precisaria amar o outro e nem o faria; mas, por
receber a permissão de amá-lo, ela o ama (BARTH, 1996, p. 126).

131
Em Cristo, no qual a aliança entre Deus e o ser humano foi consumada, o
amor permanece, mesmo que os teólogos surjam e desapareçam, mesmo
que, no âmbito da teologia, se alternem períodos de claridade com outros
de escuridão, pois o sol, mesmo oculto por detrás das nuvens, permanece
sendo o sol fulgente.

FIGURA 3 – KARL BARTH – A LUCIDEZ DA FÉ E O LABOR TEOLOGAL

FONTE: <https://bit.ly/3fYkyqR>. Acesso em: 1 nov. 2020.a

5 PERIGOS QUE RONDAM A TEOLOGIA EVANGÉLICA


O teólogo, durante sua jornada de labor, pode ser acometido ou tentado por
situações e perigos que coloquem em dúvida a sua missão. Essa dúvida pode ser de
dois tipos: da natureza do empreendimento teológico e religioso, e se o teólogo irá aturar
e suportar a demanda exigida para a sua função.

A primeira está centrada numa dúvida sobre a palavra do próprio Deus. Tal dúvida
expõe o fato de que, em teologia, nada é gratuito, e que, então, tudo deve ser conseguido
mediante o trabalho na busca de ser aceito e corroborado. “Isso se aplica tanto ao pastor
que prepara o seu sermão no sábado quanto ao estudante que assiste a uma preleção
ou lê um livro” (BARTH, 1996, p. 79) e, frente a essa dúvida, devemos nos pautar nos
ensinamentos atribuídos a Anselmo de Cantuária, para enfrentá-la de forma adequada.

132
INTERESSANTE
SANTO ANSELMO (ANSELMO DA CANTUÁRIA)

Que Deus existe verdadeiramente


Podemos imaginar a dúvida: será verdadeiro, será real o objeto da teologia,
independentemente de todos os argumentos histórico, psicológico e
especulativo? Observemos que dúvida, também nesse sentido, não é sinônimo
de negação. Dúvida significa apenas justamente vacilar, ter uma incerteza.

IMPORTANTE
Sobre a dúvida, Barth (1996, p. 83) erigiu três aforismas provisórios:

1. Nenhum teólogo, seja jovem ou idoso, crente ou menos


crente, experiente ou não, deveria pôr em dúvida o fato de
que também ele próprio, por qualquer motivo e de qualquer
maneira, é uma pessoa que duvida – e que tem dúvidas
daquela segunda espécie antinatural a que aludimos
acima – e que de nenhum modo suas dúvidas são coisas
do passado. Com a mesma razão – mas isso decididamente
não seria bom – poderia duvidar que também ele seja um
mísero pecador que, na melhor das hipóteses, foi salvo que
nem tição que se tira do fogo.
2. Ele não deverá negar, também, que sua dúvida – a deste
segundo tipo – seja uma coisa totalmente maligna, que não
tem sua origem na boa criação de Deus, mas na nulidade,
lá onde não só raposas e lebres, mas também os mais
diversos demônios se despedem com um “boa noite” [N.
do T.: Referência a um provérbio popular alemão: aí onde
o mundo acaba, onde não existem mais condições de vida].
Há, por certo, um a justificação da pessoa que duvida. Não
há, porém – e isto eu gostaria de cochichar ao ouvido de
Paul Tillich – justificação da dúvida. Ninguém, portanto, pelo
simples fato de duvidar, deveria considerar-se especialmente
sincero, profundo, refinado e nobre. Não deveríamos flertar
nem com nossa descrença, nem com nossa dúvida. O que
deveríamos fazer é envergonhar-nos dela, de coração.
3. Entretanto, o teólogo confrontado com a dúvida, mesmo
a mais radical, não deve se entregar ao desespero. Não o
deverá porque, embora a dúvida tenha seu espaço – a saber,
o presente século – no qual ninguém, inclusive o teólogo,
a consegue evitar, esse espaço é um espaço limitado. Com

133
a prece: “Venha o teu reino!” ele, a cada
momento, poderá olhar para além desse
espaço, e mesmo dentro dele poderá pelo
menos opor-lhe resistência, mesmo que não
o possa simplesmente eliminar. No mínimo,
poderá, de modo semelhante àquela mulher
huguenote, riscar um Resistez! na vidraça da
janela do calabouço. Aturar e suportar!

A esperança, em si mesma, é o impulso para um labor teológico incansável. O


labor teológico pode e deve ser iniciado e realizado em esperança.

A teologia age sempre norteada pela realidade da obra de Deus e,


portanto, pela verdade da palavra de Deus, essencialmente superior a ela.
Esta realidade e verdade precedem a teologia, e precedem-na de forma
absoluta. Sempre e em toda parte, representam o futuro da teologia;
jamais, portanto, se acham a sua disposição, sob o poder de seu raciocínio
e discurso; jamais se acham à mercê do pôr e dispor do teólogo (BARTH,
1996, p. 93).

É por causa da esperança que o teólogo sofre de solidão e de dúvida, mais que
qualquer outra pessoa, e por crer, com Abraão (BÍBLIA, Rm. 4.18), “esperando contra a
esperança”, ele deverá e poderá aturá-las e suportá-las. Em tendo-se Deus a esperança
da teologia e depositando sua esperança nele, a teologia não será confundida:

Deus com igual fidelidade, que vive em paz com Ele, que vive para Sua
glória. Ora, o Deus que age e se revela na morte de seu Filho amado
realmente representa ameaça mortal, mas também a esperança
vivificante para o ser humano, para o cristão e, portanto, também
para o teólogo (BARTH, 1996, p. 97).

FIGURA 4 – KARL BARTH (1886-1968)

FONTE: <https://bit.ly/34Y9Wlt>. Acesso em: 1 nov. 2020.

134
Neste tópico, vimos a definição de teologia como defendida pelo pensador
Carl Barth, delimitando o estudo à teologia Cristã, mais especificamente à Teologia
Evangélica. De forma muito resumida, citamos a importância dos profetas e dos
apóstolos na estruturação do que, hoje, entendemos por Cristianismo, bem como de
seu estudo, a teologia.

Em outro ponto, estudamos a vida de Jesus e como a vinda dele, de alguma


forma e em muitas passagens, já se apresentava como um acontecimento misterioso
e incompreensível à lógica comum. Além disso, esclarecemos como a Hermenêutica
é uma ferramenta fundamental para a interpretação da Bíblia, pois é com ela que o
teólogo irá trabalhar.

135
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A Teologia Evangélica tem uma grande participação na interpretação dos textos das
Escrituras, principalmente no que tange a Teologia Contemporânea.

• O teólogo, enquanto um intérprete dos textos das escrituras, só será elemento da


obra boa se puder concebê-la como imbuída no amor, sendo importante destacarmos
contribuição da delimitação da Teologia Evangélica no contexto teológico cristão.

• Profetas e apóstolos foram essenciais para a construção da Teologia Evangélica,


sendo importante destacarmos a relação entre o contexto em que foram escritas as
profecias e sua mensagem divina aos fiéis.

• A leitura das Escrituras e de toda a tradição cristã tem como objetivo munir o teólogo
de um profundo esclarecimento, sendo importante que ele aja como um aglutinador
de sua comunidade

• Existem perigos que rondam o ofício do teólogo, o qual atua não somente na
pregação da mensagem de Deus, mas no cultivo do amor entre as pessoas das
mais diferentes culturas, através do respeito e da caridade, além do carinho do
acolhimento a todos, demonstrando o amor de Cristo acima de tudo.

• Barth foi considerado o pensador da Teologia que outorgou três aforismas atinentes
à dúvida que, eventualmente, pode se apossar do teólogo quando do exercício de
seu ofício.

• Deus é a esperança da Teologia e da profícua vida de Jesus.

136
AUTOATIVIDADE
1 A Teologia Evangélica conecta-se com o Novo Testamento; a partir dos escritos de
evangelistas, apóstolos e profetas do Novo Testamento, veio à luz para ser redescoberta
e revivida na Reforma do século XVI. Considerando a Teologia Evangélica desde as
suas raízes, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A Teologia Evangélica conecta-se com o Novo Testamento e estrutura-se após a


Reforma do século XVI.
( ) A Teologia Evangélica veio à luz a partir dos escritos de evangelistas, apóstolos e
profetas do Novo Testamento, sendo redescoberta e revivida na Reforma do século
XVI.
( ) Existe Teologia Evangélica, por exemplo, no Catolicismo Romano e no Catolicismo
Ortodoxo Oriental. Portanto, para definir exatamente o campo, entende-se como
Evangélica toda e qualquer teologia que procure compreender e tornar manifesto o
Deus do Evangelho.
( ) Os escritores da Bíblia Cristã afirmaram que os dois Testamentos são a inspiração
do Espírito.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – V – V.

2 Os profetas bíblicos do Velho Testamento eram homens ou mulheres a quem foi dada
uma palavra especial de Deus para que a anunciassem para suas próprias gerações.
Muitos desses profetas foram chamados para ministrar durante toda a sua vida;
outros estiveram nesse ofício por pouco tempo, voltando à vida comum após terem
cumprido uma missão específica. Sobre profetas e apóstolos e suas relações com a
estruturação do Cristianismo e da Teologia Evangélica, analise as afirmativas a seguir:

I- Os profetas bíblicos do Velho Testamento eram apenas homens, a quem foi dada
uma palavra especial de Deus para que a anunciassem a suas próprias gerações.
II- A Teologia Evangélica entende os testemunhos dos profetas do Velho Testamento
como um prelúdio do Novo Testamento.
III- Jesus e seus apóstolos estavam absolutamente convictos da autoridade suprema
do Antigo Testamento e o veneravam como a palavra como Deus falada ao seu
povo, considerando-o como o registro fiel do que Deus disse através dos profetas.
IV- Profetas do Velho Testamento não fizeram menção de Jesus nem de maneira direta
nem de maneira indireta.

137
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
c) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as afirmativas estão corretas.

3 Para muitos cristãos, Jesus de Nazaré é um ser extraordinário e que não tem grande
consistência humana. Sua divindade o absorve em tal magnitude que a humanidade
se evapora e quase desaparece. Ele toma dimensões fantásticas, mas, ao mesmo
tempo, perde a dimensão de homem comum. Com base nos temas pertinentes à
vida de um teólogo e nas ferramentas necessárias ao exercício da teologia, analise as
assertivas a seguir:

I- Hermenêutica é uma parte da Filosofia dedicada à interpretação, que, quando bem


conduzida, torna o teólogo capaz de lançar sua Igreja a suas realizações pastorais.
II- É possível que exista uma pessoa que, em se propondo a ser um teólogo, possa
se questionar das verdades advindas da teologia, a ponto de ser abalada nas suas
bases dogmáticas, ou a ponto de perder o fascínio, que, em essência, é o motor
epistemológico da teologia.
III- A afirmação de que a fé é o elemento constitutivo da existência cristã e, por
consequência, da existência da teologia, foi feita por Barth (1996).
IV- A teologia, diferentemente da ciência, jamais poderá construir o hoje sobre os
fundamentos estabelecidos ontem. A afirmação de que o trabalho do teólogo sempre
será uma ação de orar, com base em um “Não como eu quero, mas, sim, como Tu
queres”, desde que ele coloque esse “como tu queres” em prática, é verdadeira e
atinente ao ofício do teólogo, segundo Barth.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As assertivas I e III estão corretas.


b) ( ) As assertivas II e III estão corretas.
c) ( ) As assertivas I, III e IV estão corretas.
d) ( ) Todas as assertivas estão corretas.

4 A primeira e mais importante tarefa do teólogo é dominar e aplicar a Hermenêutica.


Somente com essa ferramenta, o estudo da revelação e da compreensão dos escritos,
sempre dentro da abordagem histórica, social e cultural, dar-se-á à luz do tempo
em que se escreve e se analisa. Com relação a alguns temas pertinentes ao labor
teológico, analise as proposições a seguir:

I- Entre os perigos que rondam o labor do teólogo, a dúvida é um deles. Essa dúvida
pode ser de dois tipos: da natureza do empreendimento teológico e religioso; e se o
teólogo irá aturar e suportar a demanda exigida à função de teólogo.

138
II- A esperança, em si mesma, não é o impulso para um labor teológico incansável. O
labor teológico pode ser exercido sem esperança.
III- Deus une o seu povo em Cristo pela fé, e oferece a seu povo a perfeição que há em
Cristo. Com base no que os cristãos são considerados por estarem em Cristo, Deus,
mediante o seu Espírito e o evangelho, dá-se o começo da obra restauradora das
relações de toda a comunidade cristã.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a proposição I está correta.


b) ( ) As proposições II e III estão corretas.
c) ( ) As proposições I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as proposições estão corretas.

5 “A teologia age sempre norteada pela realidade da obra de Deus e, portanto, pela
verdade da palavra de Deus, essencialmente superior a ela. Esta realidade e verdade
precedem a teologia, e precedem-na de forma absoluta. Sempre e em toda parte,
representam o futuro da teologia; jamais, portanto, se acham a sua disposição, sob
o poder de seu raciocínio e discurso; jamais se acham à mercê do pôr e dispor do
teólogo” (BARTH, 1996, p. 93). Considerando esse contexto, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A teologia preocupa-se com a mensagem de Deus, representada através das


escrituras. Essa mensagem é imutável.
b) ( ) A teologia tem interpretações relativistas nas interpretações das escrituras.
c) ( ) A teologia coloca as escrituras em segundo plano no que tange à revelação.
d) ( ) A teologia afirma que a mensagem divina pode ser relativizada diante das
transformações pelas quais as sociedades passam.

139
140
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
OS POVOS E CULTURAS DE RELEVÂNCIA
TEOLÓGICA

1 INTRODUÇÃO
Passados séculos, ocorreram diversas transformações de todos os matizes,
sendo que tais mudanças foram determinantes para que, hoje, tenhamos uma
concepção acerca do termo civilização. As diversas culturas e costumes, os aspectos
sociais e políticos, a linguagem etc., tudo é característica fundante do ser humano e
configura os símbolos políticos e sociais que demarcam sua comunidade, ou, em outras
palavras, sua civilização.

Há um consenso histórico sobre, antes das inúmeras culturas e civilizações


que testemunhamos hodiernamente, ter havido um período que podemos denominar
como Idade Antiga, ou Antiguidade. Falamos dos pioneiros, de aspectos racionais de
organização coletiva, os quais podemos chamar de civilizações pioneiras.

A Idade Antiga corresponde ao período em que ocorreu a primeira forma escrita


pelo homem, o que, de acordo com pesquisas historiográficas, teria surgido na Suméria,
onde se caracterizou a escrita cuneiforme. Esse período perdurou até a queda do
Império Romano e o advento da Idade Média, por volta de 476 d.C.

A Idade Antiga, composta pela cultura Oriental e pela cultura Ocidental, traz
no seu bojo diversas civilizações das quais temos registros e estudos consolidados,
havendo, porém, uma série de civilizações desse mesmo período que ainda não foram
desvendadas, ou que ainda não podemos especular com legítima precisão. Em suma,
nessa época precursora de grandes acontecimentos civilizacionais, ocorreu uma série
de grandes construções de cunho urbano, criação de leis e de organizações políticas, o
ímpeto da expansão territorial e, consequentemente, das guerras.

Com base nessas informações, neste tópico, apresentaremos a Antiguidade


em suas matrizes oriental e ocidental e uma breve exposição de elementos de
notáveis civilizações que constituem esses períodos. Por meio da apresentação dos
povos antigos, objetiva-se demonstrar como aspectos de sua natureza política, social,
econômica, jurídica e religiosa legaram para a modernidade e para o que muitos autores
convencionam denominar como pós-modernidade, elementos centrais da cultura
contemporânea.

141
Da mesma forma, esperamos subsidiar algumas informações que reforcem
a herança, principalmente científica e religiosa, desses povos no estabelecimento
das religiões vigentes nos dias atuais – especialmente as três religiões monoteístas
fundamentais: o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo –, assim como do surgimento
da teologia enquanto ferramenta de compreensão da fé.

NOTA
Considerada a mais antiga língua humana escrita conhecida, a escrita
cuneiforme é definida como uma escrita produzida com o auxílio de
objetos em formato de cunha, que é uma pequena ferramenta de entalhe.
Foi criada pelos sumérios por volta de 3.500 a.C., na antiga Mesopotâmia.

FONTE: <https://bit.ly/3gy5j7l>. Acesso em: 16 fev. 2021.

2 ANTIGUIDADE ORIENTAL
Composta por civilizações entranhadas no Oriente Médio, caracterizava-se pelo
maciço uso do meio natural de que dispunham, uma vez que se cercavam de extensas
porções de terra e de água. Por estarem, em sua maioria, próximas a um crescente
fértil que abrigava rios como Nilo, Tigre, Eufrates e Jordão, exploraram a agricultura e a
pecuária. Também se caracterizaram pelo uso de mão de obra escrava.

2.1 CIVILIZAÇÃO/CULTURA EGÍPCIA


Surgida em torno do Rio Nilo, a civilização egípcia se solidificou com a coroação
do faraó Menés, já que, inicialmente, se dividia entre os reinos do Baixo Egito e do
Alto Egito. Uma vez que as terras egípcias eram férteis e banhadas continuamente,
sua economia dependia diretamente do Nilo e sua dinâmica se dava em função de sua
localização geográfica. Politicamente, os egípcios se organizavam em torno de diversos
deuses (religião politeísta), que se manifestavam na figura do faraó, ao qual se devia
obediência e lealdade cegas (governo teocrático).

A astrologia era de extrema importância para a civilização egípcia, sendo,


inclusive, a eles atribuída a criação do calendário solar. Seus costumes, crenças e
comportamento cotidianos eram norteados por esse ciclo solar e esse fator pode ser
considerado fundamental para o perfil comportamental dessa civilização.

Atualmente, os egípcios são constantemente lembrados por diversos motivos,


como o processo de mumificação dos faraós, que chamou muita atenção, inclusive de
cineastas, ao longo do último século.

142
O certo é que esse processo se dava em função da forte ligação dos egípcios
com a morte, uma vez que acreditavam que ela representava o desligamento entre
corpo e alma. Assim, o corpo era preservado, por meio de um ritual fúnebre, com o
intuito de prepará-lo para uma nova vida no post mortem.

Esse arcabouço cultural configurava uma civilização extremamente religiosa e


politicamente consolidada em meio a um tipo de monarquia teocrática aristocrática.
Segundo Melo (2014), todo esse processo se personificava na figura do faraó:

O rei, chamado faraó, era apresentado pelos sacerdotes como “filho de


Osíris”, divindade encarnada e rigorosamente vigiado em sua função. Ao
aparecer em público, cercava-se de um ritual misterioso, acreditando-se
ser ele imortal. Em caso de extinção da dinastia faraônica, um guerreiro
entre os mais ilustres era eleito pelos sacerdotes, submetendo-se a uma
iniciação religiosa e governamental. Considerado um semideus, o faraó
era senhor absoluto. Sabemos, por outro lado, que interpretava o querer
da casta sacerdotal, a qual de fato detinha poderes sem limites. O regime
egípcio era, pois, a monarquia com aristocracia, ou seja, o poder real era
limitado pelo poder político/religioso dos sacerdotes (MELO, 2014, p. 32).

Apesar de extremamente sofisticada, a sociedade egípcia apresentava traços,


hoje, considerados indesejáveis, ou, no mínimo, questionáveis, de acordo com o padrão
pós-iluminista. Bastante desigual e distribuída por meio de estratos sociais demarcados
hierarquicamente, a mão de obra escrava estava presente e, paradoxalmente, esse tipo
de exploração propiciou a criação de muitas obras arquitetônicas que influenciaram no
aprimoramento da matemática e da engenharia.

FIGURA 5 – RITUAL FUNERÁRIO EGÍPCIO

FONTE: <https://bit.ly/3uYbV3L>. Acesso: 18/02/2021.

143
NOTA
• Politeísmo: sistema de crenças em que mais de um deus é cultuado, ou
venerado.
• Teocracia: modalidade de governo em que o poder possui fundamento
religioso. Normalmente, a manifestação do poder se dá através da
figura de um governante, que simboliza uma ou mais divindades, como
no Egito dos faraós, ou por sua escolha direta, como nas monarquias
absolutistas.

2.2 CIVILIZAÇÃO/CULTURA MESOPOTÂMICA


A antiga Mesopotâmia reunia uma série de civilizações, todas elas banhadas
pelos rios Tigre e Eufrates. É historicamente denominada como o berço da civilização,
pioneira em grandes feitos da humanidade, como o desenvolvimento da agricultura, da
escrita cuneiforme e de diversas outras invenções.

NOTA
Por ter se desenvolvido no entorno de dois rios, que compunham o
crescente fértil da região, os rios Tigre e Eufrates, o nome Mesopotâmia
significa “a região entre rios” ou “terra entre rios”.

Entre os povos que compuseram a grande civilização mesopotâmica, podemos


citar os sumérios, os assírios, os caldeus, os acárdios e os babilônicos – estes últimos
tiveram grande destaque na história, em função do advento do Código de Hamurabi, um
sistema de leis com base em extrema severidade, com regras e punições previstas com
o intuito de manter a organização social estável.

Nesse período marcado pela solidificação de um vasto império composto por


diversos povos, o rei Hamurabi determinou que a unificação através da língua e do
direito seriam os fundamentos de coesão social necessários. Nas palavras de Melo
(2014, p. 43):

No terreno religioso, Hamurabi procurou estabelecer a unificação, criando


uma religião de Estado sem, contudo, suprimir as divindades locais. Marduk, deus da
Babilônia, foi proclamado deus supremo. E as suas leis, o Código de Hamurabi (creditada
como se oriundas do deus Shamash, o deus da justiça), aproveitou toda a legislação
precedente, sintetizando o direito antigo dos sumérios e as tradições semitas. A vida
social, econômica e política ficou completamente regulada pela legislação de Hamurabi.

144
Inicialmente, a agricultura era o elemento fundamental da economia e da
subsistência da civilização mesopotâmica, porém, o advento de novas descobertas
dinamizou esse processo e o tornou mais sofisticado, por meio do uso de artefatos
como a roda e do advento do comércio com regiões com terras menos agricultáveis.

O politeísmo prevalecia na religiosidade mesopotâmica, e muitas de suas


divindades possuíam características humanas; além disso, a religião era bastante
maniqueísta, estabelecendo comportamentos e padrões que determinavam e
reforçavam o certo e o errado, o bem e o mal. Como dito anteriormente, a Mesopotâmia
é tida como o berço da civilização tal como hoje concebemos seu significado, pois
diversos aspectos ligados a ela são tidos como pioneiros, como a arquitetura e as artes
– dotadas de grandiosidade e certa megalomania –, a matemática e a astronomia, sendo
esta a ciência que determinou o surgimento do calendário lunar.

FIGURA 6 – OS JARDINS DA BABILÔNIA, MARCO DA ARQUITETURA MESOPOTÂMICA

FONTE: <https://bit.ly/3pxNuJl>. Acesso em: 18 fev. 2021.

2.3 CIVILIZAÇÃO/CULTURA HEBRAICA


A civilização hebraica se originou do nomadismo, por meio de habitantes da
Mesopotâmia que se fixaram na Palestina por volta de 2000 a.C. Mais tarde, eles ficaram
conhecidos como judeus, e sua cultura era alicerçada no patriarcado, fator essencial
para as normas de conduta de suas organizações e instituições sociais, como o
governo e a família. A origem da civilização hebraica remonta a Abraão, personagem
bíblico que estabeleceu a atividade agropastoril como um modo de subsistência e, por
consequência, como base socioeconômica. Os hebreus caracterizavam-se por ser um
povo extremamente religioso e, diferentemente de civilizações vizinhas, fundamentavam
sua fé no monoteísmo. Sua crença tinha como divindade fundante a figura de Jeová/
Javé, que era adorado de forma abstrata, sem representações materiais em seu tributo.

145
NOTA
Monoteísmo é o sistema doutrinário que admite a existência de apenas
uma divindade, seguindo uma única religião. Atualmente, as principais
religiões monoteístas são o islamismo, o judaísmo e o cristianismo. Os
monoteístas acreditam que o responsável pela criação de todas as coisas
no Universo seja apenas um único Deus.

FONTE: <https://www.significados.com.br/monoteismo/>. Acesso em: 18 fev. 2021.

Em um primeiro período, a civilização hebraica era pequena e não tinha grande


influência sobre populações vizinhas. Antes do advento do Império formado pelos
hebreus, havia apenas as chamadas 12 tribos estabelecidas em 12 territórios, quando
ainda não contavam com governo nem rei (MELO, 2014). Tal período se estendeu por
mais de 200 anos e, como aponta Melo (2014), teve fim com o início do reinado de Saul:

Os israelitas viviam em lutas contínuas com os antigos moradores


dessas regiões. Este período ficou conhecido como dos “Juízes”
e durou cerca de 200 anos, sobre os quais os israelitas ainda não
tinham governo ou rei. O pequeno povo hebreu foi se desenvolvendo
aos poucos, até que conseguiu organizar-se como um reino no meio
de seus vizinhos. O último juiz, Samuel, que era também um profeta,
terminou, também depois de não pequena hesitação, por conceder ao
povo a constituição de um reino. Saul foi sagrado rei pelo ano 1000 a.C.
(MELO, 2014, p. 61).

Após a escravização dos hebreus pelos egípcios, Davi, posteriormente conhecido


como Rei Davi, deu início a uma monarquia, tendo o aramaico como idioma oficial e
ambições expansionistas, estabelecendo um vasto território que se estendia para
além do Rio Jordão, cujas margens determinavam os limites territoriais dos hebreus.
Esse processo concretizou a monarquia de Israel através do sucessor Salomão, o que
fez da civilização hebraica um centro comercial e político no espaço geográfico, hoje,
conhecido como Oriente Médio.

FIGURA 7 – HEBREUS ESCRAVIZADOS PELOS EGÍPCIOS

FONTE: <https://bit.ly/3csjAAX>. Acesso em: 18 fev. 2021.

146
2.4 CIVILIZAÇÃO/CULTURA FENÍCIA
A civilização fenícia teve origem por volta de 3000 a.C., embora sua consolidação
tenha ocorrido com o incremento da arquitetura, o que fez surgir enormes centros
urbanos. Tais estruturas, porém, eram independentes entre si e tinham características
e formas de governança autônoma, distinguindo-se, por exemplo, de grandes impérios
estabelecidos por monarquiais expansionistas, como é o caso da monarquia de Israel.
Uma vez que o território fenício não contava com imensas áreas férteis e agricultáveis,
a agricultura não se sustentava como atividade socioeconômica viável. Por outro lado,
vastas áreas compostas por florestas permitiram a estruturação de uma base comercial
sólida a partir da construção de artefatos voltados para a navegação.

A principal atividade socioeconômica fenícia se deu, portanto, no comércio,


fator que permitiu aos comerciantes se estabelecerem como elementos centrais no
equilíbrio de poder, dado que havia uma eminente descentralização do poder. Em
função da propensão ao comércio marítimo, cabe destacar que os fenícios tiveram
primazia em incursões em terras longínquas, sendo responsáveis por colonizar parte
dos territórios próximos ao Mediterrâneo, especialmente o Norte da África. Vale ressaltar
que os fenícios não viviam somente do comércio marítimo, já que eram muito talentosos
na produção artesanal, principalmente joias e tecidos, os quais eram muito cobiçados
por civilizações vizinhas.

Em função do dinamismo necessário para manter o comércio marítimo em


pleno funcionamento, os fenícios aprimoraram o alfabeto, até então, caracterizado pela
estrutura deixada pelos sumérios, tornando-o mais simples, excluindo detalhes e símbolos,
deixando-o mais prático. Mais tarde, gregos e romanos adotaram esse sistema de escrita e
o adaptaram, formando a estrutura que utilizamos ainda hoje.

FIGURA 8 – ABJAD, A ESCRITA FENÍCIA

FONTE: <https://bit.ly/34ZsbqO>. Acesso em: 18 fev. 2021.

147
2.5 CIVILIZAÇÃO/CULTURA PERSA
Os persas destacam-se por uma forte tendência expansionista, o que propiciou a
essa civilização conquistar uma série de territórios, constituindo um verdadeiro império. Por
volta do ano de 550 a.C., comandado por Ciro, o Grande, o império Persa estabeleceu seus
domínios em cidades gregas na Turquia, além de territórios sírios, babilônicos e fenícios.
Após 25 anos de governo de Ciro, o Grande, e com a morte de seu sucessor, Cambises, deu-
se um processo de descentralização política e territorial, encabeçada por Dario I.

Com a ascensão de Dario I, o território persa passou por uma profunda divisão
política, organizada por organismos que realizavam a coleta de tributos, os sataprias,
que, por sua vez, eram inspecionados por uma organização criada especificamente
para o controle dessa atividade. Outro pioneirismo dos persas foi o advento de um
sistema monetário de moeda única, tornando mais dinâmico e prático o comércio entre
os territórios de sua civilização. Nessa mesma direção, houve maciço investimento na
construção de estradas que interligavam territórios persas distantes, o que facilitou não
somente a circulação de mercadorias, mas também de pessoas.

Os persas eram adeptos do Zoroastrismo, crença na qual se estabelece o manique-


ísmo entre o bem e o mal, em uma perspectiva de se colocar de acordo com os princípios do
bem. Além disso, apesar do vasto território, os persas não se notabilizaram pela imposição de
seus costumes e tradições, permitindo certa autonomia aos territórios conquistados. Outro
importante aspecto dos persas está na ligação da religiosidade com o direito. As leis eram per-
sonificadas na figura do soberano; dessa forma, transgredi-las significava, simultaneamente,
transgredir a vontade dos deuses (MELO, 2014). Vale ressaltar que a civilização persa também
foi bastante influente na arquitetura e no artesanato, sendo a confecção de tapetes o maior
destaque, inclusive havendo fortes referências sobre esse assunto até os dias atuais.

FIGURA 9 – MAPA RELATIVO AO EXPANSIONISMO PERSA COM SEUS DIFERENTES LÍDERES

FONTE: <https://bit.ly/34Ygvo7>. Acesso em: 18 fev. 2021.

148
3 ANTIGUIDADE CLÁSSICA
O período conhecido como Antiguidade Clássica remete a um conjunto de
civilizações, formadas em território europeu, que serviu de base para a formação da
cultura Ocidental. Esse período teve forte influência da filosofia e da arte, especialmente
na poesia. Nomes como os dos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, além do poeta
Homero, a quem se atribui a autoria de Ilíada, que narra, de modo romantizado, a Guerra
de Troia, dão conta da efervescência cultural e intelectual dessa época, que influenciou
diretamente, mais tarde, o medievo e, de maneira geral, o cristianismo.

3.1 CIVILIZAÇÃO/CULTURA GREGA


A Grécia é regularmente conhecida como o berço da civilização Ocidental.
Sua influência na filosofia, na lógica, na matemática, na poesia e no teatro, além da
democracia, demarcam a fonte de diversos aspectos cultuados até os dias de hoje.

Ainda que cercada pelas referências de uma sofisticada civilização, há registro


de civilização anterior à escrita em território grego, como no caso dos pelágios – nome
dado para designar populações que teriam sido ancestrais dos gregos, ou de forma mais
sucinta, para se referir aos habitantes autóctones da Grécia.

A civilização grega como concebemos hoje, porém, teve início por volta do ano
2000 a.C., a partir de fluxos migratórios compostos por jônios, aqueus, eólios e dórios,
que se fixaram na área correspondente à Ilha de Creta.

3.1.1 Esparta e Atenas


É conhecido e notório o domínio da cultura grega em diversas regiões da Europa
durante seu auge, porém, esse processo se deu de maneira descentralizada, com base
na pólis, cidades-estados autônomas sob o ponto de vista político, militar e econômico
(autarquias). Os exemplos de maior destaque foram Atenas e Esparta.

149
FIGURA 10 – SIMULAÇÃO DE UMA CIDADE-ESTADO GREGA

FONTE: <https://bit.ly/3x5BPUJ>. Acesso em: 18 fev. 2021.

Enquanto Atenas notabilizava-se por uma oligarquia aristocrática baseada nos


Eupátridas, uma classe de detentores de grandes terras e que se responsabilizavam pela
organização social e política da pólis, Esparta, por sua vez, apresentava uma aristocracia
militar, representada pelos Esparciatas, aos quais se atribuía os rumos de Esparta. Ainda
assim, é possível dizer que Atenas praticava um tipo, ainda que restrito, de democracia
direta, uma vez que somente os Eupátridas tinham poder de opinião.

3.1.2 Grécia Clássica


Os gregos tiveram, como é notório, grande influência cultural em outros povos,
especialmente europeus, podendo-se destacar os romanos, que, a partir de suas
incursões expansionistas, foram fortemente influenciados pelos gregos.

A extensão da influência cultural grega é percebida nos contornos das


esculturas e da filosofia renascentistas, fundamentalmente no apelo às formas e ao
antropocentrismo, que incutiu, em uma série de pensadores renascentistas, a retomada
em uma reflexão do mundo com base em sua percepção de si e do que está além de si,
sua relevância através das artes e de seu significado e impacto na natureza.

Uma das mais recorrentes e propaladas heranças da civilização grega é sua


mitologia, um conjunto de seres e narrativas que emulam o comportamento humano e
aspectos do seu cotidiano, visando, por um lado, a gerar uma reflexão sobre a realidade
e, por outro, a reforçar normas e padrões comportamentais e sociais.

A cultura esportiva é outro marco dos gregos, uma vez que os Jogos Olímpicos,
hoje festejados e alvos de investimentos de diversas fontes, se originaram em função
de honrarias prestadas pelos gregos a Zeus (deus máximo da mitologia grega).

150
Indivíduos de diferentes localidades reuniam-se em Olímpia para a disputa de
competições esportivas, como o arremesso de objetos e corridas. Esse acontecimento,
inclusive, era explicado com base na mitologia, já que teria sido o grande herói Hércules
o responsável por inaugurar esse evento em Olímpia, após o término do quinto daqueles
que ficaram conhecidos na literatura como “Os Doze Trabalhos de Hércules”.

4 CIVILIZAÇÃO/CULTURA ROMANA
De modo similar ao arcabouço cultural grego, os romanos tiveram decisiva
influência da formação dos elementos culturais que compõem a base do que chamamos
de cultura Ocidental. Com vocação expansionista, os romanos constituíram um vasto
império que, durante muito tempo, foi o alicerce da civilização europeia e do Médio Oriente.

A cultura romana legou formas de governo como o senado, que funcionava


como uma assembleia para tomada de decisões, e o direito romano, que estabelecia,
entre outras coisas, a lei comum a todos os homens e o direito à propriedade privada,
aspectos relevantes na cultura jurídica de todo o Ocidente até os dias atuais. Além disso,
contribuíram com inovações na arquitetura, como no caso da criação dos aquedutos –
canal subterrâneo criado com o objetivo de conduzir a água de um lugar para outro, e
obras como o Coliseu. Cabe também destacarmos a poesia e a dramaturgia, além de
fatores de caráter urbanístico, como os fortes investimentos em saneamento básico.

Naturalmente expansionista, a civilização romana fez notáveis esforços com


a finalidade de desenvolver uma estrutura armada que objetivava a formação de um
instrumento de expansão, mas também de salvaguarda de seus domínios e instituições.
Tais esforços geraram um nível de sofisticação novo, como a sistematização de funções,
a ponto de estabelecer seu braço armado entre marinha e exército.

Herdeiros dos gregos em diversos aspectos, sob o mesmo prisma religioso,


atrelaram-se ao politeísmo. Igualmente aos deuses gregos, as divindades romanas
carregavam sentimentos humanos e representavam aspectos cotidianos, como
elementos da natureza ou virtudes idílicas. É válido mencionar que, em função de sua
expansão territorial, os romanos adotaram divindades estrangeiras do Oriente, como
Mitra, deus cultuado pela civilização persa.

4.1 EXPANSÃO ROMANA


A origem da civilização romana é incerta e, até mesmo, a historiografia elaborou
seus diagnósticos com base em narrativas de cunho mitológico. É consenso que os
primeiros habitantes de Roma foram tribos de origem latina – referente a Lácio, região
que, hoje, se refere a uma localidade na Itália Central.

151
As tribos latinas teriam se reunido aos arredores do Rio Tibre, sob a liderança
dos irmãos Rômulo e Remo, que seriam descendentes do herói Eneas, o qual tem sua
epopeia narrada no conto grego de Homero, Ilíada. Dessa forma, temos a conjugação
das culturas grega e romana (cultura greco-romana) já em sua origem.

Devido a sua vocação expansionista, os romanos tornaram-se a maior potência


do Mediterrâneo. Por uma série de razões, como a manutenção da segurança contra
ataques vizinhos e as necessidades econômicas, a relação entre aristocratas e pequenos
proprietários impeliu cada vez mais os romanos para o comércio com o estrangeiro.
O império conquistado pelos romanos abrangeu o Mediterrâneo, a Europa Central e
partes da Europa Setentrional e Oriental, além do norte da África. Concretizando sua
herança grega, os territórios e culturas, outrora de domínio grego, foram subjugados e
assimilados por Roma.

FIGURA 11 – A EXPANSÃO ROMANA

FONTE: <https://bit.ly/3g2tH1L>. Acesso em: 22 fev. 2021.

4.2 O IMPÉRIO ROMANO


Roma passou por diversas mudanças durante sua existência. Em um primeiro
período (753-509 a.C.), houve o advento da Monarquia Romana, na qual o rei exercia
função central, encabeçando todas as dimensões sociais. Na monarquia, a sociedade
romana dividia-se em três classes sociais fundamentais:

152
• Os patrícios, que representavam a aristocracia dos grandes proprietários de terra.
• Os plebeus, constituídos por artesãos camponeses, pequenos proprietários e
comerciantes.
• Os clientes, conjunto de homens que serviam aos patrícios e aos plebeus, de maneira
similar aos trabalhadores assalariados no mundo capitalista como conhecemos hoje.

No período monárquico de Roma, a Assembleia Curiata, formata por membros


de famílias romanas, serviam como um grupo de conselheiros do rei. Nessa assembleia,
eram discutidas as leis e a amplitude do poder do rei. O senado, por sua vez, era formado
por patrícios e tinha o poder de vetar as leis elaboradas pela Assembleia Curiata e
chanceladas pelo rei.

A República Romana representa o marco do humanismo na política e estabelece


a prioridade do senado na gestão comunitária. Nesse período, os responsáveis por
colocar em prática as deliberações do senado eram um conjunto de magistrados
oriundos da classe dos plebeus. Essa fase ficou marcada pelo acirramento das relações
entre patrícios e plebeus, uma vez que os patrícios deliberavam com a finalidade de
manter sua condição dominante e sua predominância econômica e social.

A tensão entre patrícios e plebeus estimulou estes a se revoltarem e investirem


contra o poder dos patrícios, o que culminou em seguidas e decisivas vitórias dos plebeus
na relação de poder entre as duas classes, como se verificou nos Tribunos da plebe,
nas Leis das XII tábuas, nas Leis Licínias e na Lei Canuleia. Essas medidas anularam
a prerrogativa decisória dos patrícios e tornaram a divisão de poder entre patrícios e
plebeus bastante simétrica.

Apesar da igualdade alcançada entre patrícios e plebeus, a quantidade de escravos


que prestavam serviços para as classes dominantes só aumentava, o que culminou em
revoltas, como a Revolta de Espártaco, que ambicionava tomar o poder de Roma.

Com o intuito de dar fim aos conflitos, no senado, foi deliberada a formação do
que se chamou, mais tarde, de Primeiro Triunvirato, um grupo de líderes encabeçados por
Pompeu, Crasso e Júlio César. Logo após o falecimento de Júlio César, houve a segunda
versão do Triunvirato, dessa vez sob a égide de Marco Aurélio, Otávio Augusto e Lépido.

Como as disputas internas se tornavam cada vez mais acirradas, extravasando


o que ocorrera anteriormente entre Pompeu e Júlio César, o senado concedeu a Otávio
Augusto o título de princeps (primeiro cidadão), o que marcou a transição da fase
republicana para a fase imperial.

Sob o domínio de Otávio Augusto, Roma presenciou uma sólida expansão


comercial e a massificação da produção e distribuição de alimentos. Além disso, foi
nessa fase que o império passou a investir no lazer como forma de entretenimento
social, o que, somado ao aumento da distribuição de alimentos, criou o termo “pão e

153
circo”, hoje muito popular e considerado uma forma de manter a população anestesiada
quanto aos problemas e a sua condição de subserviência, ao mesmo tempo que se
mantinha suficientemente saudável para se sentir satisfeita e apta ao trabalho.

Após Otávio Augusto, foram imperadores Tibério, Calígula, Nero, Tito, Trajano,
Adriano e Marco Aurélio. Em seguida, o Império romano iniciou um processo de
decadência a partir do século III d.C., quando, já há muitos anos, estava sob o domínio
de imperadores-soldados, que se revezavam, uma vez que Roma estava sob constante
ameaça de invasores bárbaros estrangeiros.

Após a morte de Teodósio, por volta do ano de 395, o Império Romano dividiu-
se em Império Ocidental e Império Oriental, os quais ficaram, respectivamente, sob a
liderança de seus herdeiros Honório e Arcádio.

A intensificação da crise agrícola e a morte do imperador Rômulo Augusto, em


476, deram fim ao império ocidental, relegando a, então poderosa Roma, ao Império do
Oriente, o qual se desintegrou em 1453, quando o chamado período antigo já havia sido
superado e se vivia, desde 476, de acordo com a historiografia, a Idade Média.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período conhecido como Antiguidade legou à posteridade grandes civilizações
com grandes feitos. Com variáveis étnicas e geográficas, diversas vocações e circunstân-
cias impeliram uma série de povos do passado à criação de elementos, hoje, imprescindí-
veis, como a política, o direito, a astronomia, a matemática, a filosofia e as artes.

Primeiramente no Oriente, em territórios que, hoje, denominamos como


Oriente Médio, os primeiros passos do que chamamos de civilização foram dados e
concretizados no período da Antiguidade Clássica, assentada no Ocidente através da
cultura greco-romana.

A verdade é que civilizações como a mesopotâmica, a fenícia, a hebraica, a


persa, a grega e a romana elaboraram elementos e símbolos culturais que se verificam
na linguagem falada e escrita, nos ritos, nos costumes morais e na religiosidade. Os
múltiplos elementos da religiosidade desses povos forneceram um ferramental teórico e
analítico que não apenas permitiu o surgimento das três principais religiões monoteístas
– o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo –, como também da própria teologia, que
através de traços religiosos múltiplos e decifráveis pela historiografia e pela arqueologia,
pôde desenvolver estudos confiáveis alicerçados no saber científico com a finalidade de
desnudar e difundir a fé.

154
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Através dos séculos, ocorreram diversas transformações de todos os matizes, sendo


que tais mudanças foram determinantes para que, hoje, a nossa concepção acerca
do termo civilização.

• Há um consenso histórico sobre, antes das inúmeras culturas e civilizações as quais


testemunhamos hodiernamente, ter havido um período que podemos denominar
como Idade Antiga, ou Antiguidade.

• A Idade Antiga corresponde ao período em que ocorreu a primeira forma escrita pelo
homem, o que, de acordo com pesquisas historiográficas, teria surgido na Suméria,
onde se caracterizou a escrita cuneiforme.

• A Civilização Antiga Oriental, composta por civilizações entranhadas no Oriente Médio,


caracterizava-se pelo maciço uso do meio natural de que dispunham, uma vez que
se cercavam de extensas porções de terra e de água, e, por essa razão, exploravam a
agricultura e a pecuária.

• A antiga Mesopotâmia é, historicamente, denominada como o berço da civilização,


pioneira em grandes feitos da humanidade, como o desenvolvimento da agricultura,
da escrita cuneiforme e de diversas outras invenções.

• A Idade Antiga, composta pela cultura Oriental e pela cultura Ocidental, traz no seu
bojo diversas civilizações das quais temos registros e estudos consolidados.

• O período conhecido como Antiguidade Clássica remete a um conjunto de civilizações,


formadas em território europeu, que serviu de base para a formação da cultura Ocidental.

• A Grécia é regularmente conhecida como o berço da civilização ocidental. Sua


influência na filosofia, na lógica, na matemática, na poesia e no teatro, além da
democracia, demarcam a fonte de diversos aspectos cultuados até os dias de hoje.

• De modo similar ao arcabouço cultural grego, os romanos tiveram decisiva influência


na formação dos elementos culturais que compõem a base do que chamamos de
cultura Ocidental.

• A cultura romana legou formas de governo, como o senado, que funcionava como
uma assembleia para tomada de decisões, e o direito romano, que estabelecia, entre
outras coisas, a lei comum a todos os homens e o direito à propriedade privada,
aspectos relevantes na cultura jurídica de todo o Ocidente até os dias atuais.

155
AUTOATIVIDADE
1 Através dos séculos, ocorreram diversas transformações de todos os matizes, sendo
que tais mudanças foram determinantes para a concepção que temos hoje acerca
do termo civilização. Considerando o aspecto fundante das comunidades humanas
relacionados com as diversas culturas e costumes, e os aspectos sociais e políticos,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Aspectos psicológicos e políticos.


b) ( ) Aspectos sociais e religiosos.
c) ( ) Aspectos psicológicos e sociais.
d) ( ) Aspectos sociais e políticos.
e) ( ) Aspectos sociais e individuais.

2 A Antiguidade Oriental é composta por civilizações entranhadas no Oriente Médio e


caracterizava-se pelo maciço uso do meio natural de que dispunham, uma vez que
se cercavam de extensas porções de terra e de água. Com base nos fatores que
explicam isso, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Por estarem, em sua maioria, próximas a um crescente fértil, que abrigava rios
como Nilo, Tigre, Eufrates e Jordão, exploraram a agricultura e a pecuária.
b) ( ) Por estarem próximas aos arredores do rio Tibre, exploraram a agricultura e a pecuária.
c) ( ) Por estarem, em sua maioria, afastadas de um crescente fértil, exploraram o
comércio.
d) ( ) Por estarem próximas aos arredores do rio Tibre, exploraram a agricultura e a coleta.
e) ( ) Por estarem, em sua maioria, próximas a um crescente fértil, que abrigava rios
como Nilo, Tigre, Eufrates e Jordão, exploraram a psicultura.

3 Civilizações como a mesopotâmica, a fenícia, a hebraica, a persa, a grega e a romana


elaboraram elementos e símbolos culturais que se verificam na linguagem falada e
escrita, nos ritos, nos costumes morais e na religiosidade. Com base nisso, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( )
Isso permitiu o surgimento das religiões e da metafísica.
b) ( )
Isso permitiu o surgimento do politeísmo como religião dominante.
c) ( )
Isso permitiu o surgimento do monoteísmo como religião dominante.
d) ( )
Isso permitiu o surgimento das três principais religiões politeístas – o Cristianismo,
o Islamismo e o Judaísmo.
e) ( ) Isso permitiu o surgimento das três principais religiões monoteístas: o
Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo, assim como o da própria teologia, capaz
de desenvolver estudos confiáveis alicerçados no saber científico com a finalidade
de desnudar e difundir a fé.

156
4 A Civilização grega exerceu forte influência em civilizações posteriores, como é o
caso dos romanos. Ainda mais recentemente, o arcabouço cultural grego teve
influência decisiva no movimento renascentista. Em quais aspectos a cultura grega
foi determinante para a formação do perfil renascentista?

5 A Civilização Romana, sob o ponto de vista histórico, possui três fases marcantes: a
monarquia, a república e o império. Caracterize os três períodos, procurando destacar
aspectos políticos e sociais marcantes.

157
158
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
AS VISÕES PROFÉTICA DOS ANTIGO E NOVO
TESTAMENTOS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, veremos os contextos do Antigo Testamento, bem como do Novo
Testamento, no que tange o horizonte dos elementos que ficaram conhecidos como
visões proféticas, promovendo a interpretação acadêmica do significado do que é uma
profecia, oportunizando o conhecimento de alguns nomes que se tornaram famosos
enquanto interlocutores de algumas dessas profecias.

As formas de expressão das determinações divinas são um elemento de grande


importância na Biblioteca do Espírito, as Sagradas Escrituras. Apesar de serem sempre
demonstrações da vontade de Deus, expressada através de enviados especiais, os
profetas, pode-se perceber uma certa dinâmica nessa linguagem profética. Se, no início
das Escrituras, essa linguagem tem como interesse orientar e confortar o povo hebreu
diante de todas as adversidades que eles encontravam, como pode ser percebido no
Antigo Testamento, há uma mensagem muito mais amplificada no Novo Testamento,
que pode ser percebida pela quantidade, nesse segundo momento, muito maior, de
corações que o conjunto das escrituras irá tocar.

No Antigo Testamento, havia uma grande importância na expressão das


Escrituras, principalmente através da oralidade, visto que o povo hebreu passava por
diversas provações nas regiões onde vivia. Sendo através de condições em que estavam
submetidos à uma condição de escravidão, tendo que ser seguidores de rígidas normas,
que muitas vezes, estrangulavam sua espiritualidade, seja em períodos como a fuga rumo
a uma liberdade, cujo horizonte se provavam incerto, havendo apenas a possibilidade
de uma realidade mais favorável através da fé no cumprimento das profecias, como se
pode perceber na fuga do Egito, bem como nas décadas vagando pelo deserto, tendo
como grande farol as pregações do profeta, rumo a Terra Prometida.

No Novo Testamento, as demonstrações acontecem não somente através


do anúncio da vinda do Messias, mas por meio do registro da sua caminhada entre
os homens, as perseguições que sofreu, a humildade com que exerceu suas ações,
buscando dar uma mensagem de paz e esperança aos menos favorecidos.

A caminhada do Messias entre os humanos, aos quais ele veio salvar, representa,
de maneira muito importante e com grande destaque, a relação profética que coloca
sob a proteção de Deus os justos e os humildes, sendo essas características de grande
importância na pregação messiânicas, bem como nas proféticas, tendo, assim, uma
garantia da salvação de sua alma e as bênçãos divinas no futuro.

159
2 AS PROFECIAS
As profecias são uma parte constitutiva importante do corpo dos livros bíblicos.
Há estimativas que afirmam que, entre 20% e 30% do conteúdo total da Bíblia, seja
escrito em linguagem profética, contido em mais de 5 mil versículos. A utilização desse
tipo de estilo literário tem como interesse dar orientações aos fiéis, em grande medida,
referindo-se ao futuro. Costuma não ter muita produção, sendo direta, uma vez que
a mensagem de Deus é escrita de maneira clara. Dessa forma, as determinações
da vontade divina podem ser compreendidas sem muita dificuldade, assim como as
promessas do Criador, que constam nessas profecias.

FIGURA 12 – PROFECIAS

FONTE: <https://bit.ly/2TaadPE>. Acesso em: 4 dez. 2020.

No contexto das recomendações de Deus, geralmente, são utilizadas expres-


sões bem emblemáticas, como “Ai daquele”, que caracteristicamente têm como inten-
ção parecer um tom ameaçador. Logo, o objetivo é advertir do curso de ações que deve
ser evitado pelos fiéis. Essa direção de declaração tem como intuito promover ações
consideradas mais adequadas, projetando que, no futuro, essas ações sejam evitadas.
Da mesma forma, há declarações com “Bem aventurado”, que têm por ensejo demons-
trar as virtudes e as ações que devem ser praticadas como adequadas ao bom fiel. Esse
tom de declarações proféticas gera toda uma forma metafórica que aparece nas prega-
ções da cultura judaico-cristã.

Esse uso metafórico do conceito de profecia, que o distancia de seu


aspecto extático e de previsão sobrenatural do futuro, característico
do uso mais primitivo do termo, remonta à certas vertentes das
tradições tanto judaica quanto cristã. No primeiro contexto, temos
a tradição que concebe os profetas bíblicos como expositores e
pregadores da Lei mosaica, no segundo, podemos citar como exemplo
o uso do termo “profecia” para se referir à pregação de sermões no
contexto do puritanismo inglês do século XVII (SOUSA, 2017, p. 931).

Como as escrituras são transcrições que registram séculos de tradição oral,


de maneira mais constante, o Antigo Testamento tem como interesse não somente
delimitar os cursos de ação desejados pelo Criador, mas também traçar elementos de
identidade do povo de Deus. Como o povo hebreu vagou por diversas regiões fugindo de
160
perseguições, esses caracteres de identidade são elementos de grande relevância, para
manter a unidade do povo de Israel, tendo sido importantes para criar um princípio de
identidade, bem como promover uma disciplina para com os líderes, que representavam
uma função não somente social, mas sagrada, como condutores do povo, segundo a
vontade do Criador.

3 PROFECIAS NO ANTIGO TESTAMENTO


Como visto anteriormente, para o povo hebreu, o contexto e sentido profético
tem uma mensagem que transcendia o contexto religioso. O contexto religioso era um
dos elementos que ajudavam a manter a união do povo de Israel. Isso pode ser percebido
pela própria etimologia da palavra profeta.

O termo hebraico nãbî, significa porta-voz, orador, profeta. A origem


de nãbî é incerta. Existem basicamente quatro teorias sobre sua
origem. A primeira é de que venha da palavra árabe naba’a que
significa “anunciar”. A segunda é de que tenha seu étimo no verbo
hebraico nãbã, significando “borbulhar” e, consequentemente,
“extravasar palavras”. Outra teoria diz que pertence a raiz acadiana
nabû, que quer dizer “chamar”, dando a ideia de “aquele que é
chamado (por Deus)”. A última teoria é de que sua origem seja de
uma raiz desconhecida. Os contextos nos quais o termo aparece
nos permite melhor entender o conceito de nãbî, mas já podemos
entender que a ideia básica de um anunciador divino que fala sob
a autoridade e convocação da divindade está implícita no termo
(GONÇALVES; SANTOS, 2016, p. 153).

Nesse contexto, o profeta tinha uma função bastante relevante, fazendo a


função de mediador da vontade de Deus, servindo como instrumento de pregação de
sua mensagem. No contexto do Antigo Testamento, ainda havia a grande necessidade
de o profeta anunciar a vontade divina, condenando a idolatria a falsos deuses, as ações
imorais cometidas por parte de seu povo, bem como denunciando a falta de virtude na
corrupção de muitos sacerdotes e governantes.

O exercício da ação do profeta nem sempre era uma tarefa fácil; se, em alguns
momentos, eles serviam ao rei como mediadores da vontade divina, como Natã, que foi
servo do rei Davi, em outras situações, no exercício público de seu ministério, tinham
que se defender de perseguições dos falsos profetas.

A linguagem do profeta, segundo as escrituras, muitas vezes, costumava remeter


à comunicação direta entre Deus e o receptor da profecia, fazendo o uso de expressões
como “Assim disse o Senhor” ou “Veio a mim, a palavra do Senhor”. Essa comunicação
entre Deus e o profeta, na maioria das vezes, era o caminho para a vontade divina se
fazer ouvida declaradamente aos seus fiéis.

161
FIGURA 13 – PROFETA MOISÉS

FONTE: <https://bit.ly/3x776qA>. Acesso em: 8 nov. 2020.

FIGURA 14 – AÇÃO DO PROFETA

FONTE: <https://bit.ly/3g2DFA7>. Acesso em: 8 nov. 2020.

A literatura bíblica coloca a figura do profeta em um contexto bastante


particular. Ele tem uma missão, uma função de grande relevância, não chegando
próximo à condição do Messias, mas, mesmo assim, tinha um especial apreço de Deus.
Esse apreço é demonstrado através do fato de muitos profetas terem sido chamados à
função profética já adultos, tendo, antes disso, levado uma vida normal, muitas vezes,
tendo como diferencial alguma característica que deveria ser presente em todos os fiéis,
como a obediência a Deus, a retidão de conduta etc. Em alguns casos, o profeta podia ter
tido uma vida herética, mas, após sua conversão, buscou seguir o que foi determinado
pelo Criador. Essa situação do profeta também tinha uma função didática altamente
relevante, demonstrando o amor e a presença de Deus entre os seus fiéis, colocando
todos como especiais e amados, e também cumpridores de suas determinações.

Nas escrituras, muitos livros, entre eles os de Josué, Juízes, I e II Samuel, I e II


Reis, têm autoria atribuída a profetas. Nessa perspectiva, pode-se perceber a importância
da ação dos profetas, bem como seus registros de determinações, conselhos e demais
expressões de Deus através das escrituras.

162
4 PROFECIAS NO NOVO TESTAMENTO
No Novo Testamento, João, filho de Zacarias, é considerado o autor das
primeiras escrituras proféticas, que aparecem após os livros que constituem o Antigo
Testamento. Acredita-se que o período cronológico, entre as profecias em João e os
que lhe antecederam, giram em torno de 300 anos.

FIGURA 15 – ZACARIAS, MARIA E SEU FILHO JOÃO

FONTE: <https://bit.ly/3v2MjmC>. Acesso em: 8 nov. 2020.

Nessa direção, o profeta João veio por meio de sua ação profética anunciar
a tão esperada vinda do Salvador. Assim, ele anunciou a realização da palavra do Pai,
através da vinda de seu filho, o Libertador.

O contexto sobre os profetas, no Novo Testamento, é bastante interessante,


visto que a palavra profeta aparece dezenas de vezes, embora, em sua esmagadora
maioria, essas menções estejam relacionadas aos profetas do Antigo Testamento. Isso
não significa necessariamente que tenham havido menos profeta no período em que foi
composto o Novo Testamento.

Pode-se, nesse contexto, citar os nomes de Ágabo (BÍBLIA, At. 11:27-28; 21:10),
profetas em Antioquia (BÍBLIA, At. 13:1), Judas e Silas (BÍBLIA, At. 15:32), e as quatro
filhas de Filipe, o evangelista (BÍBLIA, At. 21:9).

É importante ter em mente que as profecias no Novo Testamento, além de


fazerem as usuais previsões sobre o futuro, também fazem referência às profecias
relacionadas ao Messias e que foram cumpridas, bem como às profecias feitas sobre as
promessas do Criador e que foram concretizadas.

João, o autor do Apocalipse, é um grande expoente autor das profecias. No que


diz respeito ao contexto dessas profecias, não se pode deixar de fazer referência ao
Livro do Apocalipse, que contém profecias sobre o futuro.
163
O livro de Apocalipse foi escrito por volta do ano 95 (d.C.) no século I da
era Cristã, no fim do reinado de Domiciano, Imperador romano (81-96
d.C.). Cabe ressaltar que Domiciano foi um dos imperadores romanos
que também perseguiu os cristãos de sua época. O Cristianismo
estava em seus anos iniciais, e apesar das grandes perseguições e
adversidades, novos cristãos surgiram, e com a fé cristã, constituíram
um importante espaço religioso que, aos poucos, sufocou as
religiões pagãs greco-romanas, como demonstrou Le Goff: “O grande
acontecimento da Antiguidade Tardia, do ponto de vista do dogma
religioso, foi a substituição do politeísmo pagão pelo monoteísmo
[...]” (LE GOFF, 2013, p. 117). A essência religiosa que marcou o período
mencionado, também gerou na sociedade da época uma mentalidade
distinta, ao mesmo tempo similar a dos dias atuais. Discorrer sobre
mentalidade é delicado, pois com apresentou Hilário Franco Júnior
(1991, p. 25) ela possui um ritmo histórico muito mais lento que os fatos
sociais, econômicos ou políticos. Nesse caso, nos deparamos com uma
sociedade que traz consigo uma ideia de que o mundo terá seu fim e
que todos os sofrimentos se acabarão com o advento da vida eterna.
Podemos concluir que o mais importante para essa sociedade era viver
de forma que a salvação fosse alcançada: “Na ideologia cristã, os bons
(cristãos) iam para o céu, protegidos de Deus; e os maus (pagãos), para
o inferno, protegidos do diabo” (BORGES, 2013, p. 45). Esses são alguns
dos componentes que explicam como uma parcela considerável da
sociedade que foi esfolada viva, perseguida e presa, ainda tiveram
forças para defender a fé cristã (OLIVEIRA; PIEREZAN, 2016, p. 3).

Isso demonstra o poder das profecias, embora seja interessante ressaltar


que não haviam, naquele contexto, os livros das escrituras como se conhece na
contemporaneidade.

FIGURA 16 – CAVALEIROS DO APOCALIPSE

FONTE: <https://bit.ly/353PvU8>. Acesso em: 9 nov. 2020.

No entanto, como não existia o livro sagrado para os cristãos se agarrarem,


havia os profetas, que, de maneira vigorosa, pregavam a palavra do Pai, ajudando o
povo cristão, em franco crescimento, a suportar as adversidades, tendo como certeza o
fato de estarem protegidos pela Graça Divina, de modo que estariam ajudando a garantir
as promessas de Deus e que, diante do sofrimento no qual se encontravam, teriam a
certeza de sua recompensa através da vida no paraíso.

164
5 CUMPRIMENTO DAS PROFECIAS
No contexto profético, diante de todos os cenários que se encontram nas
escrituras, como citado acerca do Apocalipse, entre tantas outras expressões proféticas,
certamente, o momento, a promessa que gera maior ansiedade dos fiéis, pelo seu
cumprimento, é a vida do governo de Deus, junto ao Messias. Contudo, é importante
salientar que o cumprimento das profecias ocorre também de outras maneiras, como a
presença da graça do Espírito Santo.

Algumas demonstrações dessas profecias podem ser demonstradas por meio


da previsão de que o povo de Israel passaria por um período de escravidão em território
egípcio, do tempo que ficariam vagando pelo deserto, em busca da Terra Prometida.

Outra demonstração bastante presente nas escrituras são os Dons do Espírito


Santo, que aparecem como forma de anunciar uma realidade abençoada no futuro.
Esses dons aparecem de três maneiras nas escrituras:

(1) Garantia de cumprimento das promessas escatológica: No Novo


Testamento encontra-se a palavra arrabon que possui o sentido
de dom antecipado, representa algo dado como garantia para
cumprir o prometido. Das três vezes que este conceito aparece no
Novo Testamento, todos estão relacionados com o “Dom do Espírito
Santo”. “Assim como se dá às crianças uma pequena porção de doce
antes do banquete, assim na experiência do Espírito, os crentes por
enquanto apenas “provaram... as virtudes do século futuro” (Heb.
6:5). A partir deste conceito, pode-se afirmar que o “Dom do Espírito”
é um dom antecipado, algo dado como sinal de um pagamento total,
para demonstrar confiança no cumprimento do pacto entre Deus e
os Homens. Antes do scaton, ou seja, o cumprimento dos últimos
acontecimentos, Deus mandou o Seu Espírito como prova de que
nada pode evitar o desfeche Bíblico da Obra da Redenção.
(2) A atuação constante do Espírito Santo: desde Gêneses ao
Apocalipse, o Espírito Santo aparece atuando ininterruptamente na
obra de redenção do homem perante Deus.
(3) O “Dom do Espírito” prometido: alguns textos do Antigo
Testamento apresentam a promessa do derramamento do Espírito,
a Bíblia apresenta o dia de Pentecostes como o cumprimento desta
promessa (MORÓZ, 2009, p. 9).

Dessa forma, textualmente registradas as ações dos profetas, bem como as


profecias divinas por eles expressadas, enseja continuar inspirando o povo de Deus
no cumprimento dos Mandamentos, bem como de todas as determinações divinas.
Essas escrituras não servem somente como caráter normativo, mas como forma de
amparar os seguidores de Deus e do Messias, nos momentos de dificuldade, lembrando
da graça de poder perceber os Dons do Espírito Santo, tendo a segurança de contar com
a certeza do advento da Nova Jerusalém.

Assim, vimos mais do significado de uma profecia, bem como a ação dos profetas
como interlocutores de uma revelação divina para o seu povo. Foi possível reconhecer,
na forma profética, que esta sempre tem um tom de anunciação, seja de castigos, para

165
aqueles que se desviam do caminho das recomendações e das determinações do que
consta na Palavra, bem como apresentar promessas para aqueles que se mostram
fiéis às convicções pertinentes ao Povo de Deus. Ainda nesse contexto, é expressado
também o anúncio de um retorno do Messias como uma forma de demonstrar a
importância atribuída ao contexto dos textos proféticos.

166
LEITURA
COMPLEMENTAR
O CORDEIRO DE DEUS

Plínio Salgado

Era um homem de pouco mais de 30 anos. Veio sozinho e misturou-se à


multidão. Não tinha aspecto áspero dos profetas nem atitude autoritária dos escribas e
doutores da Lei.

Vestia uma túnica talar de linho branco e um manto de lã, avermelhado, dos
tecidos de Damasco, Magdala ou Tiro. Os cabelos louro-escuros, penteados à moda
nazarena, e a barba lhe davam o semblante reflexo de ouro antigo.

Ninguém notara a presença daquele homem no meio da turba que se


aglomerava em Salim, junto ao rio, onde João batizava e pregava. Ninguém notara.
Os futuros biógrafos, que seriam admiradores e discípulos, poderiam ter iluminado a
narrativa do episódio mais importante do seu aparecimento na vida pública, referindo
coisas prodigiosas. Entretanto, a honestidade e a veracidade dos biógrafos não deixam
margem para sequer imaginar o efeito da presença daquele homem no ânimo da
multidão.

Concluímos, pois, que a chegada do moço de Nazaré não impressionou a


ninguém. Para todos, era um dos milhares de peregrinos ou curiosos que acorriam à
notícia de que um estranho profeta dizia coisas à margem do Jordão. Pelo asseio e
pela compostura, dir-se-ia um saduceu, mas os saduceus eram ricos e o moço parecia
pobre. Talvez fosse um fariseu, mas os fariseus eram untuosos e maneirosos, e o moço
tinha um ar de perfeita naturalidade. Podia também ser um essênio, mas os essênios
eram ásperos e ascetas, como João Batista, e o nazareno trazia na luz do olhar, cheio
de juventude, a alegria de viver.

Os zelotes, inçados das reminiscências de Judas, o Gaulonita, eram soturnos


e agressivos patriotas, de aspectos sombrios; os publicanos, eram conhecidos pelos
trajes, pelos gestos burocráticos sem nenhuma distinção. Tais confrontos tê-los-iam
feito os vizinhos ao lado do homem nazareno; ou nem chegaram a fazer qualquer
confronto, porque ele não feriu as atenções da turba.

Entretanto, o recém-vindo detém-se na encosta que desliza para as margens


do rio. Lá embaixo, com água até a cintura, apoiando-se pela mão esquerda ao longo do
cajado, o Batista ergue a destra e despeja, na cabeça dos penitentes, a linfa cristalina.

167
Ondula a multidão entre os penedos, os caniços, os tufos de palmeiras e de
junco; espalha-se pelos barrancos e recôncavos estremes dos rebalsados ribeirinhos.

É uma linda manhã de céu azul com nuvens esparsas, de brancura alvinitente.
Brilha o sol nas copas do arvoredo; cintila nos penhascos úmidos; crepita no dorso
claro do rio. Do alto da encosta, o jovem nazareno contempla o espetáculo da multidão
ondulante, no cenário de pedras e palmeiras.

Do outro lado, sobre a linha verde-escura do barranco, aflora o perfil dos


cumes de Galaad. Em frente à turba heterogênea de camponeses, artífices, soldados,
publicanos, homens e mulheres de todas as idades e condições, ergue-se o profeta
atlético e áspero, de cuja boca se desprendem, como raios, fuzilantes anátemas contra
os pecados, e de cujas mãos jorra, com água lustral, a misericórdia divina e a consolação
para as almas arrependidas.

O homem de Nazaré considera aquele povo e aquele profeta, cuja fama chegara
ao Esdrelão e às montanhas setentrionais, pela voz das caravanas e dos peregrinos. E,
rompendo caminho entre a turba, dirige-se para João, detendo-se à margem do rio.
João estremece fitando-o. Esse encontro estava marcado desde a aurora dos tempos.

A primeira impressão do Batista é a do seu espantoso isolamento em face da


terra e dos homens. Sente-se extremamente só, com a sua certeza; reconhece aquele
cujos caminhos está preparando.

Tudo no homem de túnica branca e manto encarnado difere do profeta de torso


nu e de pernas nuas com o cinto de couro de camelo, o rude bordão, o olhar chamejante,
que parece despedir fagulhas. O homem que se aproxima é másculo, porém, delicado;
é puro, sem afetação de santidade; é austero, sem aspereza; humilde, sem ares
subservientes; é todo espírito, sem menosprezo e degradação do corpo. Realiza-se
nele (e João bem o percebe) a harmonia dos ritmos perfeitos, o sentido dos equilíbrios
exatos. Aquele homem não é propriamente um homem e, entretanto, e apesar de tudo,
é o homem. É o filho do homem e, por conseguinte, na suprema expressão humana, o
Filho de Deus.

Nas longas meditações pelo deserto, o Batista refletira muitas vezes acerca da
espantosa revelação que lhe fizera. Aquele, cuja voz escutara no desmesurado silêncio
ignorava, porém, o aspecto sob o qual apareceria o Cristo. Era provável que o supusesse,
segundo o modelo dos profetas: híspido, de ar severo, algo apavorante, como Isaías,
Ezequiel, Jeremias, irradiando aquela terrível luz que fazia os próprios justos arrojarem-
se por terra. Descoberta do esperado entre os milhares de rostos que se voltavam para o
rio, nunca sentira, nem no semblante taciturno dos essênios nem nas faces formalizadas
dos fariseus, nem nos rudes perfis dos soldados nem nas silhuetas dos publicanos, ou
mesmo na efígie dos homens mais santos, a “presença” por ele aguardada como sinal
comovedor do próprio encerramento da sua missão apostolar.

168
João sabe que seus dias estão contados, pois já não terá o que fazer no mundo,
quando os clarins da boa nova começarem a despertar o Gênero Humano do longo
sono pagão. Ao contemplar o homem de 30 anos que se aproxima do rio, João põe-se
a exclamar: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!”.

Todos os olhares se voltam para o jovem de manto rubro, que marcha


resolutamente, rompendo as águas na direção de João Batista. “Eu é que devia ser
batizado por ti”, diz João, “e, entretanto, és tu que vens a mim?”.

“Consente, por agora”, responde o outro, “porque assim nos convém cumprir
toda a justiça”.

João Batista ergue os olhos ao céu e depois curva a cabeça leonina. Enche o
púcaro de água e despeja-a sobre a cabeça do neófito. A multidão vê os dois homens
como arrebatados num êxtase. João Batista escuta uma voz: “Este é o meu filho muito
amado em quem me comprazo!”.

Uma luz mais viva que a manhã fulgurante desce das alturas e o Espírito de
Deus, tomando a forma de uma pomba, resplandece.

Por que a forma de uma pomba?

Outrora, foi a sarça ardente aos olhos de Moisés; depois, foram os raios e trovões
no Sinai; e, agora, uma pomba. A graça divina tinha sido a fé no Deus uno e tinha sido,
mais tarde, o terror dos crimes e pecados. Agora, era a paz que descia sobre o mundo.

O Cordeiro de Deus, a vítima inocente de todos os crimes, revelava, aos olhos de


João, o pássaro anunciador da aliança de Deus com Noé e com a terra depois do dilúvio.

Uma noite, nos campos de Belém, não tinham os pastores ouvido o anúncio dos
tempos, proclamando “paz na terra aos homens de boa vontade”? João compreende tudo.

E, quando a multidão se dispersa no crepúsculo, reúne alguns discípulos,


dizendo-lhes: “Eu não o conhecia; mas O que me mandou batizar com água, Esse disse:
‘Sobre aquele que vires descer o Espírito e sobre ele repousar, esse é o que batiza com
o Espírito Santo’. E eu vi, e tenho testificado que Ele é o Filho de Deus”.

FONTE: Adaptado de SALGADO, P. Vida de Jesus. São Paulo: Voz do Oeste; 1978. p. 85-88.

169
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• As profecias são uma parte constitutiva importante do corpo dos livros bíblicos.
Há estimativas que afirmam que, entre 20% e 30% do conteúdo total da Bíblia, seja
escrito em linguagem profética, contido em mais de 5 mil versículos. A utilização
desse tipo de estilo literário tem como interesse dar orientações aos fiéis, em grande
medida, referindo-se ao futuro. Costuma não ter muita produção, sendo direta, uma
vez que a mensagem de Deus é escrita de maneira clara.

• As escrituras são transcrições que registram séculos de tradição oral, de maneira


mais constante, o Antigo Testamento tem como interesse não somente delimitar os
cursos de ação desejados pelo Criador, mas também traçar elementos de identidade
do povo de Deus. Como o povo hebreu vagou por diversas regiões fugindo de
perseguições, esses caracteres de identidade são elementos de grande relevância,
para manter a unidade do povo de Israel.

• O exercício da ação do profeta nem sempre era uma tarefa fácil; se, em alguns
momentos, eles serviam ao rei como mediadores da vontade divina, como Natã, que
foi servo do rei Davi, em outras situações, no exercício público de seu ministério,
tinham que se defender de perseguições dos falsos profetas. A linguagem do
profeta, segundo as escrituras, muitas vezes, costumava remeter à comunicação
direta entre Deus e o receptor da profecia, fazendo o uso de expressões como
“Assim disse o Senhor” ou “Veio a mim, a palavra do Senhor”.

• O contexto sobre os profetas no Novo Testamento é bastante interessante, visto que


a palavra profeta aparece dezenas de vezes, embora, em sua esmagadora maioria,
essas menções estejam relacionadas aos profetas do Antigo Testamento.

• É importante ter em mente que as profecias no Novo Testamento, além de fazerem as


usuais previsões sobre o futuro, também fazem referência às profecias relacionadas
ao Messias e que foram cumpridas, bem como às profecias feitas sobre promessas
do Criador e que foram concretizadas.

• João, o autor do Apocalipse, faz menções a alguns profetas do período. No que diz
respeito ao contexto das profecias, não se pode deixar de fazer referência ao Livro
do Apocalipse, que contém profecias sobre o futuro.

• No contexto profético, diante de todos os cenários que se encontram nas escrituras,


como o Apocalipse, entre tantas outras expressões proféticas, certamente o
momento, a promessa que gera maior ansiedade dos fiéis, pelo seu cumprimento, é
a vida do governo de Deus, junto ao Messias.

170
• As escrituras não servem somente como caráter normativo, mas como forma
de amparar os seguidores de Deus e do Messias nos momentos de dificuldade,
lembrando da graça de poder perceber os Dons do Espírito Santo, tendo a segurança
de contar com a certeza do advento da Nova Jerusalém.

171
AUTOATIVIDADE
1 As profecias têm como interesse a pregação de uma mensagem de Deus, através do
profeta. Nessa direção, de acordo com os tipos de conteúdo que costumeiramente se
encontra nas profecias, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Determinações e promessas.
b) ( ) Determinações e punições.
c) ( ) Promessas e desejos.
d) ( ) Determinações e desejos.
e) ( ) Promessas e punições.

2 No que diz respeito ao contexto das profecias, não se pode deixar de fazer referência
ao Livro do Apocalipse, que contém profecias muito importantes ao povo de Deus.
Segundo o tipo de conteúdo encontrado nesse livro bíblico, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Conselhos.
b) ( ) Desejos.
c) ( ) Promessas.
d) ( ) Determinações.
e) ( ) Punições.

3 O exercício da ação do profeta nem sempre era uma tarefa fácil; se, em alguns
momentos, eles serviam ao rei como mediadores da vontade divina, como Natã, que
foi servo do rei Davi, em outras situações, no exercício público de seu ministério,
tinham que se defender de perseguições dos falsos profetas. A linguagem do profeta,
segundo as escrituras, muitas vezes, costumava remeter à comunicação direta entre
Deus e o receptor da profecia. Com base no tipo de expressão costumeiramente
utilizado nessas situações, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Foi Ele quem o afirmou.


b) ( ) Assim disse o Senhor.
c) ( ) Me afirmou o Pai.
d) ( ) O Senhor me procurou.
e) ( ) O Altíssimo me enviou esta mensagem.

4 A tônica da profecia é bastante presente no contexto das Escrituras. É através desse


tipo de escrita que Deus coloca mais diretamente suas determinações aos seus fiéis,
fazendo-o de maneira clara e objetiva, para que a mensagem seja compreendida sem
que restem muitas dúvidas. Tendo tido conhecimento dessa direção de muitos textos
da Bíblia, quantos deles, aproximadamente, adotam um tom profético?

172
a) ( ) De 50% a 60%.
b) ( ) De 40% a 50%.
c) ( ) De 10% a 20%.
d) ( ) De 30% a 40%.
e) ( ) De 20% a 30%.

5 O livro de Apocalipse foi escrito por volta do ano 95 (d.C.) no século I da Era Cristã,
no fim do reinado de Domiciano, imperador romano (81-96 d.C.). Cabe ressaltar que
Domiciano foi um dos imperadores que também perseguiu os cristãos de sua época.
O Cristianismo estava em seus anos iniciais, e apesar das grandes perseguições e
adversidades, novos cristãos surgiram, e com a fé cristã, constituíram um importante
espaço religioso que, aos poucos, sufocou as religiões pagãs greco-romanas. Nesse
sentido, considere o autor ao qual é atribuída a autoria do Apocalipse e assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Mateus.
b) ( ) João.
c) ( ) Moisés.
d) ( ) Pedro.
e) ( ) Paulo.

173
REFERÊNCIAS
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