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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS – UFPel

ARTES VISUAIS, MÚSICA E LITERATURA INFANTIL

Prof. Edson Ponick


Aluno: Esdras Emmanuel Lins Maia
BRITO, Teca Alencar de. Ferramentas com brinquedos: a caixa da música. Revista da
ABEM, Porto Alegre, v. 24, p. 89-93, set. 2010.

O tema consiste na relação da música com a educação, isto é, do mundo dos sentidos
ou significados que movem a existência os quais são, por sua vez, constituídos das sensações e
sentimentos, da expressividade e da estética com o mundo das questões utilitárias, mecânicas e
funcionais. A propósito, o autor também observa que esta aparente dicotomia se reproduz,
internamente, na própria educação musical entre os conhecimentos teóricos e a música
propriamente dita. Seu objetivo, por sua vez, consiste em oferecer motivos, razões ou
justificativas para a inclusão da música no currículo escolar nacional que estejam
fundamentados na própria música, mais precisamente, nos aspectos que constituem o mundo
dos sentidos existências que também estão presentes no jogo, na brincadeira de criança ou na
ludicidade em geral. Assim, por este denominador comum, ou seja, por sua capacidade própria
de fomentar o prazer e a alegria de viver, a arte e a brincadeira são equiparadas e sua inclusão
no currículo justificada.

Em suma, de acordo com Brito (2010, p.91, grifo nosso), Rubem Alves (1933 - 2014),
o filósofo mineiro, sugere que “...o sentido do brincar [...] deve estar presente e integrado às
ferramentas do aprender.” Portanto, a despeito da cultura ocidental separar as dimensões da
utilidade e do prazer ou da alegria, estas devem ser conjugadas harmoniosamente de tal modo
que as coisas da ordem do poder sejam orientadas pelas coisas da ordem do amor. Em outras
palavras, a técnica, a tecnologia, o conhecimento científico, a arte e todos os demais elementos
da realidade são como brinquedos cuja utilização e seus resultados devem visar a felicidade do
gênero humano.

Como representantes do mundo das coisas da ordem do frui (lt.), a arte em geral e a
música, especificamente, são importantes para a educação porque elas são importantes para a
vida. Ou seja, a música, naturalmente, faz parte da vida e exerce significativa influência sobre
a vida individual ou pessoal e coletiva ou pública. Seu poder consiste na mobilização de
potenciais próprios do humano, fazendo com que este possa acessar sua inteireza ontológica.

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Outrossim, ela é um dos modos que o ser humano dispõe para relacionar-se consigo mesmo,
com o outro e com o seu entorno social e natural mais amplo.
Desse modo, segundo Brito (2010), além de integrar ou harmonizar todas as dimensões
humanas aparentemente antagônicas (ação e reflexão, intuição e lógica, sensibilidade e
intelecto, emoção e razão, corpo e mente) e da sua capacidade de expressar esse mesmo ser ou
sua consciência, a música funciona como uma forma de resistência e reinvenção do que é
próprio ao ser humano frente a uma lógica que poderia ser denominada negacionista. Por outro
lado, ela também fortalece o sentimento de pertencimento a um grupo e a uma cultura.
Assim sendo, um sumário mais completo, oferecido pela autora (idem), das
potencialidades e possibilidades da música no âmbito da educação poderiam ser alistados: o
dinamismo das ideias de música; a integração dos aspectos aparentemente antagônicos do ser,
a superação dos dualismos, o equilíbrio entre os aspectos e conceitos qualitativos e
quantitativos, a criação ou a criatividade, a diversidade, a exploração e a pesquisa, uma
organização curricular aberta ou atualizada dinamicamente, o estreitamento das relações da
música com as diversas áreas do conhecimento e com o viver, o reconhecimento do direito do
aluno à coautoria, a busca de singularidade e sentido e a valorização do humano como objetivo
maior.
Portanto, esse inventário próprio da música deveria ser o fundamento natural para a
justificação da sua inclusão no currículo escolar nacional. E não suas utilidades vinculadas ao
mundo da funcionalidade, da mecanicidade, do utilitarismo ou do poder. No entanto, conforme
Brito (2010), para a inclusão efetiva da música no contexto educacional formal ou informal é
mister a transformação da escola ou da proposta pedagógica pelos princípios da própria música.
Ou seja, os planos de educação devem incorporar os aspectos que constituem a música, a saber,
o movimento, a aventura, a criação, a sensação e o devir. Por conseguinte, de acordo com
Maturana (1999 apud BRITO, 2010), as escolas devem ser espaços de convivência, de
conversações, de aprendizagem mútua e de reinvenções. Ou ainda, ambientes de parceria entre
alunos e professores nos quais os tempos e lugares, alunos e comunidades são respeitados ao
mesmo tempo que, conforme Deleuze (1925-1995), promovam a singularização ou a
diferenciação como uma forma de resistência do que é próprio ao humano.
Para tanto, concretamente, ainda segundo Brito (2010), é mister romper determinadas
regras de modelos e sistemas educacionais estanques e inflexíveis mediante a abertura de
espaços que fomentem a criatividade, a experimentação e as escutas críticas e transformadoras
e nos quais, como indicou Alves (2004), as ferramentas e brinquedos devem se confundir. Nesse
contexto, as ferramentas também são como caminhos ineludíveis a serem palmilhados para o

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acesso ao território dos brinquedos, visto permitirem explorações mais profundas com o
aumento, gradual, da sua complexidade. A qual não somente se refere à aquisição de técnicas
e conhecimentos, mas, sobretudo, da capacidade expressiva que, por sua vez, cria condições
ideais para o prazeroso jogo das experimentações onde não há perdedores ou vencedores e cuja
finalidade consiste em representar, da melhor forma possível, sensações, devires e territórios
subjetivos a serem criados e destruídos. Enfim, compreendendo desse modo as ferramentas,
para o aprendizado efetivo não seria mais necessária a prática de exercícios alheios ao fato
musical, contribuindo dessa forma para a superação da velha dualidade entre teoria e prática.
Para este jogo ou brincadeira artística é especialmente útil estar ciente da existência de
muitas possibilidades de organizar, expressivamente, o som e o silêncio no tempo-espaço, além
da organização tonal ocidental. Ademais, é útil estar consciente das transformações que sofrem
as experiências infantis as quais alteram as relações dos alunos com os sons e com as músicas,
exigindo do professor a escuta, a observação e o acompanhamento pari-passu, digamos assim,
das suas respectivas músicas existenciais. Atitude esta que denota respeito pela idiossincrasia
ou cosmovisão dos pupilos.
Outrossim, a fim de não contaminar os projetos educacionais que devem ser isentos de
pretensões profissionais, é imprescindível não confundi-los com a formação profissional de
músicos ou com a produção de espetáculos, festas e comemorações. Especialmente na escola,
a música deve ser viva, isto é, o cotidiano deve atualizar o fazer musical e vice-versa. E, desse
modo, a experiência musical escolar deve fazer parte do jogo da vida.
Esta preponderância da música sobre a educação parece partir do princípio
nietzschiano que aponta para esta expressão artística em específico como aquela que mais se
aproxima da substância, essência, natureza ou lógica da vida ou da realidade com o seu poder
de integrar, harmoniosamente, suas dimensões e elementos constitutivos e aparentemente
divorciados.

Considerando que seja verdadeira ou viável esta perspectiva, a música poderia fornecer
princípios para atualizar os conteúdos dos cursos de teologia e as fôrmas nas quais eles são
transmitidos para que incorporem os aspectos do movimento, da aventura, da criação, da
sensação e do devir, ressignificando ou transformando determinados dogmas que, há séculos,
têm sido questionados pelos próprios teólogos. Outrossim, mas desta feita de maneira mais
superficial, a música, por exemplo, também poderia ser incorporada para ressaltar e transmitir
conceitos a partir de eventos significantes da história antiga e clássica judaico-cristã. E, ao que
parece, de maneira intuitiva, já de longa data as comunidades cristãs veem realizando isto.

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