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História

da Teologia

Prof. Célio dos Santos Ribeiro

Indaial – 2020
1a Edição
Elaboração:
Prof. Célio dos Santos Ribeiro

Copyright © UNIASSELVI 2020

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

R484h

Ribeiro, Célio dos Santos

História da teologia. / Célio dos Santos Ribeiro. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

202 p.; il.

ISBN 978-65-5663-226-1
ISBN Digital 978-65-5663-223-0

1. Teologia. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 230

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
História na concepção hegeliana não é nada linear, mas sempre carregada de
movimentos dialéticos que geram algo novo e melhor. Por Teologia, seria ingenuidade
acolhê-la como mero estudo de Deus e não seria suficiente defini-la enquanto estudo
da revelação de Deus. Deus, o Theos é o infinito, é o Mistério a ser experimentado na
existência, por isso pode ser buscado e encontrado na história, na cultura, nas religiões e
nas relações sociais.

Sobre a História da Teologia há inúmeros trabalhos com a mesma temática e


referências, entre os quais destaco os escritos e orientações de Zwinglio Mota Dias,
quanto ao ecumenismo, João Batista Libânio (in memoriam), com uma vasta produção
teológica; o Professor Faustino Teixeira, grande cientista e filósofo das religiões.
Destacamos, ainda, autores e obras como, Emile Dermenghem, com sua obra Maomé e
Tradição Islâmica; Hans Küng, com Religiões do Mundo; Leonardo Boff com Tempo de
Transcendência; Pedro Iwaschita, com Maria e Iemanjá: análise de um sincretismo e o
Dalai Lama com sua obra Uma Ética para o Novo Milênio.

Numa pesquisa rápida é possível identificar o currículo e genialidade dos


autores. Com maestria, competência e habilidades exclusivas, ofereceram como dádiva
à comunidade científica e aos que buscam por Deus, nobres produções teológicas que
revelam as origens e importância da teologia para a história do conhecimento.

Com as produções de Zwinglio, Hans Küng e Emile Dermenghem é visível a


grandeza da presença da teologia, buscando, via pesquisa, um resgate da Teologia
original, aberta ao diálogo e muito mais do que tolerante, é uma teologia que buscou a
grandeza da coexistência entre os humanos e o mundo.

Com as produções de Libânio, Pedro Iwaschita, Leonardo Boff, Dalai Lama e


Faustino Teixeira, a comunidade científica conseguiu assimilar que a Teologia transcende
os limites estabelecidos pelas igrejas cristãs e que seu discurso tem muito a contribuir
para com o conhecimento e um mundo mais justo, solidário e mais humano.

Ainda, sabendo que Deus é o infinito, é impossível atingir o objeto em sua


plenitude. Podemos fazer o que as diferentes teologias fizeram: aproximar-se do
mistério, experimentá-lo e apresentar conceitos e/ou nomes possíveis para o mistério
e/ou transcendente.

Assim, para narrar, problematizar e refletir sobre a História da Teologia, seria


ingenuidade ficar limitado ao cristianismo, que é um entre tantos caminhos de
buscas por Deus. Por isso, além de recorrer às fontes das demais tradições religiosas,
como Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo, Taoísmo, as múltiplas
experiências de Deus no contexto afro e latino americano, que revelaram esforços,
pesquisas, práticas, experiências de fé, ortodoxias e ortopraxias específicas, torna-
se imprescindível especificar os pontos comuns existentes entre as mesmas para
comprovar a possibilidade de práticas ecumênicas, inter-religiosas e coexistenciais.

Para tal tarefa, você perceberá a sintonia do texto com o pensamento dos autores
citados e outros expressados nas referências bibliográficas. Ainda, esta exposição da
Histórica da Teologia não tem a intenção de esgotar o assunto, mas possibilitar ao
estudante uma noção geral sobre o objeto com possíveis lacunas a serem preenchidas
via pesquisa.

Aqui, os objetivos são: ressaltar uma História da Teologia que transcenda


o discurso eclesiástico e/ou de uma tradição religiosa, produzir um texto que possa
revelar os valores do discurso teológico na história e apresentar referências teológicas
que possibilitam o ecumenismo, o diálogo inter-religioso e a coexistência.

Na Unidade 1, o objeto de estudo será o conceito de Teologia e seus aspectos


metodológicos, a História da teologia judaica, cristã e islâmica. Na Unidade 2 será exposta
a vasta produção teológica hindu, budista, xintoísta e taoísta. E na Unidade 3, além de
contemplar a incansável busca por Deus na experiência afro e latino-americana, serão
analisadas as teologias cristãs, de cunho católico, protestantes, as liberais, a teologia
ecumênica, inter-religiosa e coexistencial, ou seja, atualmente em Teologia a expressão
“tolerância religiosa” vem sendo substituída por “coexistência”, cujo significado é viver com
o diferente, se colocar à disposição para aprender com todas as experiências religiosas.

Prof. Célio dos Santos Ribeiro


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você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados
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com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo
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de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este
livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a
possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular,
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Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo


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relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os
materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade,
possa continuar os seus estudos com um material atualizado
e de qualidade.

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Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS,
HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS................................. 1

TÓPICO 1 - TEOLOGIA, O QUE É ISSO?...................................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 TEOLOGIA É BUSCA POR DEUS..........................................................................................3
3 MÉTODO TRANSCENDENTAL DE BERNARD LONERGAN..................................................5
4 MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO DE CLODOVIS BOFF.........................................6
RESUMO DO TÓPICO 1............................................................................................................8
AUTOATIVIDADE.....................................................................................................................9

TÓPICO 2 - TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO..............................11


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
2 A IMAGEM DE DEUS NO JUDAÍSMO – ONDE DEUS PODE SER ENCONTRADO?............. 13
2.1 A LEI DO SÁBADO................................................................................................................................. 14
2.2 A LEI DA CIRCUNCISÃO...................................................................................................................... 14
3 NEOJUDAISMO..................................................................................................................14
3.1 A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA....................................................................................................... 15
3.2 A TEOLOGIA DA FONTE SACERDOTAL............................................................................................ 15
3.3 A TEOLOGIA NOS ESCRISTOS PROFÉTICOS................................................................................. 16
3.4 ATEOLOGIA PÓS-EXÍLICA (538 – 50 a.C.)..................................................................................... 16
3.5 ENCONTRAR DEUS NO TEMPLO OU NA SINAGOGA?................................................................. 16
3.6 OUTROS ESCRITOS PROFÉTICOS (Séc. VI – II a.C.)......................................................................17
3.7 TEOLOGIA SAPIENCIAL (SÉCULOS VI – I a.C.)................................................................................17
4 PRODUÇÃO TEOLÓGICA PELA LITERATURA MIDRASH.................................................. 18
5 ESCOLAS TEOLÓGICAS JUDAICAS.................................................................................. 19
5.1 ESCOLA DE HILLEL..............................................................................................................................20
5.2 ESCOLA DE SHAMMAI........................................................................................................................20
5.3 ESCOLA DE ZAKKAY OU JÂMNIA OU JABNÉ...............................................................................20
5.4 ESCOLA DE ISMAEL.............................................................................................................................21
5.5 ESCOLA DO RABINO AQUIBA.............................................................................................................21
6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO JUDAÍSMO?..................................................................... 21
7 QUEM É DEUS NO JUDAÍSMO?......................................................................................... 22
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 23
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 24

TÓPICO 3 - TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO........................ 25


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 25
2 A QUESTÃO DA PROFISSÃO DE FÉ NO MESSIAS............................................................ 25
3 O DEBATE TEOLÓGICO NO CRISTIANISMO..................................................................... 28
4 A TEOLOGIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE........................................................................ 29
4.1 TEOLOGIA CLÁSSICA CRISTÃ GREGA..............................................................................................29
4.1.1 Irineu de Lião................................................................................................................................30
4.1.2 Orígenes (185 – 253)..................................................................................................................30
4.1.3 Tertuliano (160 – 220)................................................................................................................30
4.2 TEOLOGIA CLÁSSICA LATINA............................................................................................................31
4.2.1 Agostinho de Hipona (354 – 430)...........................................................................................31
4.2.2 Tomás de Aquino (1224 – 1274)..............................................................................................32
4.2.3 João Duns Scoto (1266 – 1308).............................................................................................33
4.3 TEOLOGIA CLÁSSICA MODERNA.....................................................................................................34
4.3.1 Teologia da reprodução do modelo de vida comunitária judaica
no cristianismo à luz da trindade............................................................................................35
4.3.2 Busca por deus no deserto.....................................................................................................36
4.3.3 Trindade, tradição e pericorese.............................................................................................. 37
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO CRISTIANISMO?............................................................. 38
5.1 O QUERIGMA..........................................................................................................................................38
5.2 OS EVANGELHOS.................................................................................................................................39
5.3 A CARTA DE BARNABÉ.......................................................................................................................39
5.4 A BÍBLIA PARA A IGREJA CATÓLICA............................................................................................... 41
6 O CÂNON BÍBLICO.............................................................................................................. 41
6.1 CÂNON DA ÁFRICA...............................................................................................................................42
6.2 REFORMA PROTESTANTE E O CÂNON PORTESTANTE..............................................................42
6.3 A QUESTÃO DO CÂNON NO CRISTIANISMO ORTODOXO............................................................42
7 QUEM É DEUS NO CRISTIANISMO.................................................................................... 43
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 45
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 46

TÓPICO 4 - TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO.......................... 49


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 49
2 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO ISLÃ.......................................................................... 49
3 ABRAÃO, JESUS E MARIA NA TEOLOGIA ISLÂMICA...................................................... 52
4 AS ESCOLAS TEOLÓGICAS NO ISLAMISMO.................................................................... 53
4.1 A FALSAFA.............................................................................................................................................54
4.2 A KALAM................................................................................................................................................55
4.3 A MUTAZILA..........................................................................................................................................55
4.4 O SUFISMO............................................................................................................................................ 57
5 QUEM É DEUS NO ISLAMISMO?....................................................................................... 58
6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO ISLAMISMO?................................................................... 58
6.1 O ALCORÃO SAGRADO........................................................................................................................58
6.2 A SUNA...................................................................................................................................................59
7 OS CINCO PILARES DO ISLAMISMO..................................................................................59
7.1 SHAHADA: CRER EM ALLAH, O DEUS ÚNICO................................................................................59
7.2 SALAT: REZAR CINCO ORAÇÕES DIÁRIAS VOLTADOS PARA MECA........................................60
7.3 ZAKAT: SER GENEROSO PARA COM OS POBRES.........................................................................60
7.4 RAMADAM: O MÊS DO JEJUM..........................................................................................................60
7.5 HAJJ: IR A MECA AO MENOS UMA VEZ NA VIDA.........................................................................60
8 BUSCA DE PONTOS COMUNS........................................................................................... 61
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 63
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................... 65
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 66

UNIDADE 2 — A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO:


CONCEITOS, HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS........67

TÓPICO 1 — TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS NO HINDUÍSMO................... 69


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 69
2 AS VERDADES ETERNAS...................................................................................................70
2.1 A KAMA.....................................................................................................................................................71
2.2 A ARTHA................................................................................................................................................. 72
2.3 A DHARMA............................................................................................................................................. 72
2.4 A MOKSHA............................................................................................................................................. 73
3 CASTAS, KARMA E O SAMSARA........................................................................................73
3.1 O KARMA................................................................................................................................................. 73
3.2 SAMSARA.............................................................................................................................................. 74
3.3 EXEMPLOS DE CASTAS NA ÍNDIA ANTIGA.................................................................................... 74
4 GHANDI: O VAISHYA ILUMINADO QUE SE FEZ DALIT.....................................................74
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO HINDUÍSMO?....................................................................76
5.1 OS VEDAS............................................................................................................................................... 76
5.2 UPANISSADES OU UPANIXADES.....................................................................................................78
5.3 SMRITS OU CÓDIGO DE MANU......................................................................................................... 79
5.3.1 Livro I dos Smrits........................................................................................................................ 79
5.3.2 Livro II dos Smrits..................................................................................................................... 80
5.3.3 Livro III dos Smrits.................................................................................................................... 80
5.3.4 Livro IV dos Smrits................................................................................................................... 80
5.3.5 Livro V dos Smrits..................................................................................................................... 81
5.3.6 Livro VI dos Smrits.................................................................................................................... 81
5.3.7 Livro VII dos Smrits ................................................................................................................... 81
5.3.8 Livro VIII dos Smrits.................................................................................................................. 81
5.3.9 Livro IX dos Smrits.................................................................................................................... 81
5.3.10 Livro X dos Smrits....................................................................................................................82
5.3.11 Livro XI dos Smrits....................................................................................................................82
5.3.12 Livro XII dos Smrits..................................................................................................................82
6 BHAGAVAD GITA............................................................................................................... 82
7 QUEM É DEUS NO HINDUÍSMO?....................................................................................... 83
8 O HINDUÍSMO CONTEMPORÂNEO................................................................................... 84
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 85
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 86

TÓPICO 2 - TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO.........................87


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................87
2 COSMOGONIA BÚDICA A PARTIR DO TRIPITAKA............................................................87
2.1 O DESPERTAR DO BUDA SEGUNDO OS SUTRAS DO TRIPITAKA............................................. 88
2.2 A EXPERIÊNCIA DO SAMSARA PARA O NIRVANA........................................................................ 91
2.3 AS QUATRO VERDADES DO BUDA OU SERMÃO DE BANARES................................................ 91
2.4 AS “TRÊS JOIAS” DO BUDISMO.......................................................................................................92
3 O DALAI LAMA E O BUDISMO TIBETANO......................................................................... 92
4 BUDISMO ZEN................................................................................................................... 94
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO BUDISMO?........................................................................95
6 QUEM É DEUS NO BUDISMO? ...........................................................................................95
7 BUDISMO CONTEMPORÂNEO............................................................................................96
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................97
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 98

TÓPICO 3 - TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO XINTOÍSMO..................99


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................99
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA COMPREENSÃO
DA TEOLOGIA XINTOÍSTA................................................................................................100
3 O TSUMI............................................................................................................................ 101
4 O QUE É TEXTO SAGRADO NO XINTOÍSMO?.................................................................. 101
5 QUEM É DEUS NO XINTOÍSMO?.......................................................................................102
5.1 KAMI.......................................................................................................................................................103
5.2 EXEMPLOS DE KAMI.........................................................................................................................103
5.3 PARALELO ENTRE KAMI E ANJOS................................................................................................104
5.4 A IDEIA DE TRINDADE NO XINTOÍSMO.........................................................................................104
6 ORIGEM DA VIDA NO XINTOÍSMO....................................................................................105
7 A QUESTÃO DO TEMPO NO XINTOÍSMO..........................................................................105
8 XINTOÍSMO CONTEMPORÂNEO......................................................................................106
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................107
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................108

TÓPICO 4 - TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO........................109


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................109
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A TEOLOGIA DO TAOÍSMO.................................. 110
3 O QUE É TEXTO SAGRADO NO TAOÍSMO?.......................................................................111
3.1 SOBRE LAO TSE....................................................................................................................................111
3.2 ESTRUTURA DO DAOZANG E/OU CÂNON TAOÍSTA....................................................................111
3.3 OUTROS TEXTOS DO TAOÍSMO.......................................................................................................112
3.3.1 Taishang Gareying Plan...........................................................................................................112
3.3.2 Tapijing........................................................................................................................................112
3.3.3 Baopuzi.......................................................................................................................................113
3.3.4 Huainanzi....................................................................................................................................113
3.3.5 Zhuangzi.....................................................................................................................................113
4 QUEM É DEUS NO TAOÍSMO?.......................................................................................... 113
5 YANG E YIN....................................................................................................................... 114
6 TAO ENQUANTO APROXIMAÇÃO DO MISTÉRIO E POSSIBILIDADE
DE COMUNHÃO ENTRE AS DIFERENTES TRADIÇÕES................................................... 115
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 118
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................122
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................123

UNIDADE 3 — TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS,


PROTESTANTES E LIBERAIS: CONCEITOS, HISTÓRIA
E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA............................125

TÓPICO 1 — TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS........127


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 127
2 ÁFRICA: VENTRE ONDE DEUS GESTOU O HUMANO...................................................... 127
3 IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO ORAL...............................................................................129
4 QUEM É DEUS NA TEOLOGIA AFRO................................................................................130
4.1 EXU.........................................................................................................................................................131
4.2 OGUM.....................................................................................................................................................131
4.3 OBÁ....................................................................................................................................................... 132
4.4 OXÓSSÍ................................................................................................................................................. 132
4.5 OXALÁ.................................................................................................................................................. 132
4.6 YEMANJÁ............................................................................................................................................ 132
4.7 YORI....................................................................................................................................................... 132
5 ORIXÁS DO CANDOMBLÉ OU SANTOS CATÓLICOS?.....................................................133
6 ÁFRICA EM TERRAS LATINO-AMERICANAS..................................................................133
6.1 ESCRAVIDÃO SOB BÊNÇÃOS CATÓLICAS E RESISTÊNCIA......................................................134
6.2 ORGANIZAÇÃO E RESISTÊNCIA COM A ENERGIA DOS ORIXÁS............................................. 135
6.3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS.................................................................................................... 136
6.4 O AXÉ DO TERREIRO......................................................................................................................... 136
6.5 RESGATE DA IDENTIDADE AFRO................................................................................................... 137
7 SINCRETISMO: FÉ CRISTÃ E EXPERIÊNCIA DE DEUS COM ROSTO NEGRO.................138
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 141
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................142
TÓPICO 2 - TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS
NA AMÉRICA LATINA.......................................................................................143
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................143
2 A IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONQUISTA DA AMÉRICA LATINA................143
2.1 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO OURO.............................................................................................144
2.2 A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA IDOLATRIA...............................................................................146
2.3 A OPÇÃO PELA MORTE DOS AMERÍNDIOS.................................................................................. 147
2.4 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO PADROADO E O LUCRO...........................................................148
3 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO.........................................................................................150
3.1 SINCRETISMO TEOLÓGICO................................................................................................................151
3.2 AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E O SINCRETISMO DE RESISTÊNCIA................. 152
4 CRISTOLOGIA DA TEOLOGIA LIBERTAÇÃO....................................................................155
4.1 TEOLOGIA E RESGATE DO JESUS HISTÓRICO............................................................................ 155
4.1.1 Conscientização........................................................................................................................ 156
4.1.2 Revisão da prática.................................................................................................................... 157
4.1.3 Revisão da mística...................................................................................................................158
4.2 INCULTURAÇÃO DO TEXTO SAGRADO.........................................................................................158
4.3 RESGATE DO CRISTO DA FÉ........................................................................................................... 159
5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FROFETISMO BÍBLICO NA AMÉRICA LATINA.....................162
6 TEOLOGIA PENTECOSTAL NA AMÉRICA LATINA...........................................................163
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................166
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 167

TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:


DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE..............................................169
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................169
2 TEÓLOGOS LIBERAIS......................................................................................................170
2.1 IMMANUEL KANT E A TEOLOGIA DA IGREJA INVISÍVEL............................................................. 171
2.2 LUDWIG FEUERBACH: TEOLOGIA ENQUANTO ANTROPOLOGIA............................................ 172
2.3 SIGMUND FREUD: TEOLOGIA DA NEUROSE............................................................................... 173
3 TEÓLOGOS CATÓLICOS................................................................................................... 173
3.1 TEILHARD DE CHANDIN: TEOLOGIA A PARTIR DA VISÃO CÓSMICA...................................... 174
3.2 KARL RAHNER: UMA TEOLOGIA ANTROPOLÓGICA TRANSCENDENTAL............................. 175
3.3 YVES CONGAR: UMA TEOLOGIA ECUMÊNICA.............................................................................176
4 TEÓLOGOS PROTESTANTES........................................................................................... 177
4.1 KARL BARTH: UMA TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS............................................................. 178
4.2 RUDOLF BULTMANN: UMA TEOLOGIA EXISTENCIALISTA........................................................ 178
4.3 JÜRGEN MOLTMANN: UMA TEOLOGIA DA ESPERANÇA.......................................................... 179
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 181
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................182

TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL..................183


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................183
2 TEOLOGIA ECUMÊNICA: POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO...........................................183
3 TEOLOGIA INTER-RELIGIOSA: POSSIBILIDADE DE RESPEITO....................................185
4 TEOLOGIA COEXISTENCIAL: POSSIBILIDADE ÉTICA...................................................186
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................188
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................ 191
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................192

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................193

ANOTAÇÕES........................................................................................................................201
UNIDADE 1 -

A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO,
CRISTIANISMO E ISLAMISMO:
CONCEITOS, HISTÓRIA E A
IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS
COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conceituar o que é teologia e expor seus aspectos metodológicos;

• apresentar a origem e desenvolvimento da teologia judaica;

• identificar a origem e desenvolvimento da teologia cristã;

• mostrar a origem e desenvolvimento da teologia islâmica;

• ressaltar os pontos comuns no pensamento teológico no judaísmo, cristianismo


e islamismo.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA, O QUE É ISSO?


TÓPICO 2 – TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO
TÓPICO 3 – TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO
TÓPICO 4 – TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

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UNIDADE 1!

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UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
TEOLOGIA, O QUE É ISSO?

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados três conceitos tradicionais de teologia. A
teologia enquanto “estudo de Deus”, a teologia enquanto “revelação de Deus” e a teologia
enquanto “busca por Deus”. Os dois primeiros partem da ideia cristã, impossibilitando
qualquer outra afirmação sobre Deus. O terceiro amplia o estudo e o debate teológico.
Deus não está totalmente definido, não há como esgotar o mistério.

As expressões gregas “theos” e “logos” apontam que a teologia é o estudo de


Deus ou estudo da Revelação de Deus ao ser humano. Tanto para o judaísmo, quanto para
o cristianismo e islamismo as concepções tradicionais de teologia estão relacionadas
com a ideia de um Deus que se revela, que define o princípio do saber teológico nos
mitos da criação, culminando de forma diferenciada na maneira como cada uma dessas
religiões define ou não quem é Deus.

Continuando o tópico, serão expostos dois métodos para a produção teológica.


O Método Transcendental de Bernard Lonergan e o Método da Teologia da Libertação de
Clodovis Boff, ressaltando a importância de ambos na produção das teologias.

2 TEOLOGIA É BUSCA POR DEUS


É sabido que há diversas culturas, experiências religiosas e diversas teologias.
Assim, podemos sustentar a tese de que Deus é buscado pelo ser humano. É este, na
existência, que define Deus a partir do contexto cultural, geográfico, econômico, social,
mítico e político.

São diversas as culturas que recepcionam a ideia de Absoluto, aquele que está
só, que é causa e/ou essência da existência ou “motor imóvel”. Há pensadores — a
exemplo de Jean Paul Sartre — que se calam diante desta ideia, preferem o silêncio. Há
autores — a exemplo de Ludwig Feuerbach, Karl Marx e Sigmund Freud — que negam
qualquer possibilidade de existir um Criador. Mas as religiões expressam até mesmo
nomes, a partir do próprio contexto, ao Absoluto, aclamando-o enquanto Theós, Deus.

Povos que viviam no deserto pensaram a ideia de um paraíso inverso ao deserto.


Povos que viviam nas margens de rios definiram a água enquanto bem precioso e divino.
Povos que viviam em montanhas, relacionaram o ambiente geográfico com a ideia de

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Deus. Povos que viviam em florestas criaram até mesmo um culto à mãe natureza.
Ainda, povos que viviam em guerras, envolveram Deus em seus conflitos. Vencer a
guerra é ação de Deus e perder a batalha é castigo de Deus. Logo, é a experiência de
transcendência a partir da imanência ou na existência o ser humano define a essência.

Assim, fica nítido que a teologia e/ou a busca por Deus não está limitada ao
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, o planeta já era bem mais extenso em relação à
visão de mundo dos primeiros teólogos judeus, cristãos e islâmicos. China, Índia e a
própria África já haviam iniciado a experiência de buscar por Deus, resultando diferentes
teologias, que culminaram com as profissões de fé afro, hindu, xintoísta, taoísta, budista
e outras.

GIO
É comum a divulgação de cursos de Teologia nos quais a grade curricular é
totalmente voltada para a teologia cristã, teologia judaica ou islâmica. Seria
mais ético que as instituições delimitassem o objeto de estudo na divulgação
do curso de graduação.

Logo, aqui, antes de relatar e pensar a História da Teologia, faz-se justo e


necessário trilhar os caminhos da antropologia. É na existência que o ser humano define
o objeto e/ou professa sua fé. A teologia é a busca incansável do ser humano para
definir, entender, relacionar e amar a Deus na própria existência. Portanto, não é Deus
que se revela, mas o humano que o busca e Deus permite ser encontrado, sem esgotar
o mistério.

Ainda, produzir uma História da Teologia requer um discernimento entre teologia


original e teologia limitada por discursos eclesiásticos e/ou a determinada ortodoxia.
Para isto, é necessário abordar a temática demonstrando o que revela a dimensão
transcendental e sua importância e sentido para a imanência.

Ao expor a história do discurso teológico, sua importância e problemática,


requer o esforço para entender os caminhos da antropologia para acontecer a teologia,
ciente que não há caminho para o transcendente sem passar pelo imanente.

Ainda, pela liberdade humana na existência — na concepção sartreana —


o humano é o único capaz de definir qualquer objeto na própria existência, isto é, a
“existência precede à essência”, o que o faz impreterível para a História da Teologia. E
para definir, entender, delimitar, observar qualquer objeto, torna-se imprescindível um
ou mais métodos.

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3 MÉTODO TRANSCENDENTAL DE BERNARD LONERGAN
Na filosofia não há pensador moderno que não tenha tratado sobre a importância
do método. Isto é fato em Descartes, Spinoza, Leibniz, Bacon e Kant, porém, a teologia
ignorou a questão do método por muito tempo.

Um dos autores que trabalhou o tema com profundidade foi Bernard Lonergan
(1975). Ele desenvolveu o método teológico transcendental, visando estabelecer as
condições gerais que são pressupostas para o estudo aprofundado da teologia, isto é, a
formulação e interpretação da busca por Deus e/ou processo de produção da teologia.

Na busca e/ou estudo de Deus, Lonergan divide seu ensaio em duas partes: a
primeira trata da elaboração do método transcendental e a segunda expõe a aplicação
do mesmo à Teologia.

O método transcendental é uma reflexão filosófica que o autor fornece enquanto


componente antropológico de base a consciência humana, munida de procedimentos
hermenêuticos, que permitem elaborar uma nova interpretação do trabalho do teólogo
e do objeto de estudo da teologia, isto é, a busca por Deus.

Enquanto operações intencionais cognitivas, Lonergan divide as mesmas


em quatro partes: experiência, inteligência, juízo e decisão. Na experiência tem-se a
apreensão dos dados, prestando-lhe a devida atenção; na inteligência, se obtém o
entendimento dos dados apreendidos; no juízo, opera-se a aceitação ou rejeição dos
dados apreendidos e na decisão, se efetua o reconhecimento dos valores ou de outros
meios que levam à sua aplicação.

Nas quatro operações da consciência há uma correspondência com quatro


âmbitos do significado: âmbito do senso comum, âmbito da teoria, âmbito da interioridade
e o âmbito da consciência. A esses quatro âmbitos agregam-se literatura, história, teatro
e crítica e a arte. Dessa forma, os objetos são apreendidos não nas relações que têm
conosco, mas nas relações existentes entre si.

A Lonergan cabe o mérito de ter evidenciado, como poucos souberam fazer,


que em todas as operações intencionais e em todos os níveis do significado teológico
está inserido um movimento de autoconsciência que conduz de forma lógica, ainda que
não necessariamente, ao reconhecimento da transcendência.

Assim, na investigação teológica, nesta incansável busca por Deus, está


presente uma exigência ilimitada de inteligibilidade. No juízo humano, está uma
exigência do incondicionado. Na deliberação humana, está presente um critério que
critica todo bem finito.

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Assim, o ser humano pode chegar a uma melhor compreensão de si, indo além
do senso comum, da teoria da interioridade e do âmbito em que Deus é conhecido e
amado. Dessa forma, Lonergan estabelece o movimento de autoconsciência e deste
deduz quatro regras para o método transcendental: “sê atento, sê inteligente, sê
razoável, sê responsável” (LONERGAN, 1975, p. 43).

4 MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO DE CLODOVIS


BOFF
Ainda, quanto ao método, outro teólogo que propiciou grande contribuição à
Teologia é Clodovis Boff (1998), com sua obra Teoria do Método Teológico, na qual o autor
expõe a prática da teologia, sua gramática, suas regras e sua epistemologia para que o
pesquisador possa articular seus doze elementos fundamentais: a fé, o texto sagrado,
a igreja/instituição, os fiéis, a tradição, o magistério, a filosofia, a prática, a linguagem, a
razão, a ciência e outras teologias.

Para Clodovis, para se fazer teologia, o pesquisador deve dividir o seu trabalho
em quatro partes: técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar de lado a ótica
da libertação. Além desse direcionamento, aponta outros como: consciência ecológica,
étnica, feminista e inter-religiosa.

Ao revelar a fonte da teologia ressalta a fé, o mistério e o amor, rejeitando


uma perspectiva puramente intelectualizante da teologia, critica a razão instrumental
iluminista, propondo o uso de uma razão discursiva e intuitiva e defende a experiência
de fé da comunidade, o ponto de partida da produção teológica e/ou início da busca
por Deus.

Para Clodovis, a fé se ouve, se deixa penetrar pela consciência e se pratica, isto


é, passa pelo ver, julgar e agir, possibilitando sentido para o discurso teológico.

Destarte, neste trabalho, além de acolher as orientações de Losergan, torna-


se impreterível considerar as orientações metodológicas de Clodovis Boff, porque o
teólogo passa por duas fases em sua incansável busca por Deus. Na primeira transcorre
a pesquisa, a interpretação, a história e a dialética. Na segunda, a fundação, a doutrina,
a sistemática e a comunicação.

A pesquisa recolhe dados sobre a relação humana com o divino; a interpretação


assegura o significado; a história revela os dados encarnados em ações e movimentos;
a dialética investiga as conclusões conflitantes dos historiadores, intérpretes e
pesquisadores; a fundação objetiva o horizonte alcançado pela conversão intelectual,
moral e religiosa; a doutrina serve-se da fé como guia para escolher entre as alternativas
propiciadas pela dialética; a sistemática procura um esclarecimento definitivo do
significado das doutrinas e a comunicação tem enquanto finalidade a apresentação
inteligível e eficaz do resultado encontrado na busca por Deus.
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Assim, a História da Teologia tematiza a abertura do ser humano para com
o Mistério que o envolve de maneira positiva ou rejeita-o. Ressalta a relação do ser
humano com seu horizonte utópico, possibilitando melhor compreensão de si e da
própria história porque no fundo de toda situação teológica encontra-se referência
aos fundamentos últimos do ser humano: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à
existência, em que se realiza a teologia.

Em relação a Deus, o teólogo toma a atitude de quem se sente desafiado, de


quem experimenta um apelo para ir ao encontro de algo que está acima da racionalidade.
Por isso, a teologia não fala só de Deus, mas também do ser humano, sistematizando a
relação imanente e transcendente.

Por não estar limitada à pura facticidade, a teologia indaga o fático pelo seu
ser verdadeiro. Em outras palavras, o pensamento teológico não se contenta como
as coisas estão ou são definidas, sempre está no processo de busca, expressado pela
linguagem humana e com categorias humanas.

Logo, a teologia se desenvolve em muitas dimensões, no caminho para fora


do ser humano, conforme faz o judaísmo, cristianismo e islamismo e no caminho para
dentro, como expressa o hinduísmo, o xintoísmo, taoísmo e o budismo.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A teologia é busca, estudo e revelação de Deus.

• Em Teologia é fundamental o uso do método transcendental de Lonergan e o método


da Teologia da Libertação de Clodovis Boff.

• O teólogo deve ter consciência do componente antropológico de base na produção


teológica, sendo esta munida de procedimentos hermenêuticos que permitem
elaborar uma nova interpretação do trabalho pesquisa produzido.

• O pesquisador tem como tarefa recolher dados sobre a relação humana com o divino
e interpretar o significado do objeto em questão.

• Em teologia é importante aplicar a dialética para investigar as conclusões


conflitantes dos historiadores, intérpretes e pesquisadores.

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AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, quanto para o
Cristianismo e Islamismo as concepções tradicionais de teologia estão relacionadas
com a ideia de um Deus que se revela, podendo o teólogo partir da revelação ou não
para elaborar a pesquisa. Assim, na elaboração da pesquisa teológica, o teólogo pode
seguir dois caminhos e/ou métodos especificados a seguir?

a) Partir da transcendência para a imanência ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

b) Partir da imanência para a transcendência ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

2 De acordo com os estudos realizados até agora, são visíveis as diferenças entre
os métodos teológicos dos autores Bernard Lonergan e Clodovis Boff, assim, é
verdadeiro afirmar:

a) ( ) Segundo Bernad Lonergan, o pesquisador deve dividir o seu trabalho em quatro


partes: técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar de lado a ótica
da libertação. Além desse direcionamento, aponta outros como: consciência
ecológica, étnica, feminista e inter-religiosa.
b) ( ) Conforme Clodovis Boff, em todos os níveis do significado teológico está inserido
um movimento de autoconsciência, que conduz de forma lógica, ainda que não
necessariamente, ao reconhecimento da transcendência.
c) ( ) Em teologia não há cientificidade, sendo desnecessária aplicação de qualquer
método.
d) ( ) Em teologia o pesquisador deve dividir o seu trabalho em quatro partes: técnicas,
método, epistemologia e espírito, sem deixar de lado a ótica da libertação. Além
desse direcionamento, aponta outros como: consciência ecológica, étnica,
feminista e inter-religiosa.

3 Em teologia, o teólogo é convidado a fazer uso do auditus fidei para posteriormente


realizar o intelectus fidei. Portanto, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) Seguindo o método proposto parte-se da realidade transcendental para pensar


a fé e as estruturas eclesiásticas.
b) ( ) Na fase do auditus fidei, o teólogo se coloca a escuta e análise da fé da
comunidade cristã.
c) ( ) Na fase do intelectus fidei o teólogo realiza os procedimentos hermenêuticos
necessários para contextualizar a fé.
d) ( ) A tradição oral foi fundamental para a elaboração método teológico em destaque.

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UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS
NO JUDAÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, o objeto é a história da busca por Deus no judaísmo. Para isso,
será enfatizado o processo de construção da identidade judaica a partir dos conflitos
vivenciados pela história dos hebreus, fortemente marcada pela vontade e luta por um
território. Disso brotou o vínculo da religião dos hebreus com a política administrativa
do território conquistado constantemente ameaçado por povos mais preparados
militarmente.

Judaísmo está relacionado a Judá, Iudá, Iahweh ou IHWH. Aquele que é.


Judaísmo é a experiência religiosa dos hebreus ou povo de Israel. É comum a confusão
entre os termos hebreu e judeu.

No contexto bíblico pré-exílio na Babilônia, hebreu é a nacionalidade do povo


que fala o hebraico. Hebreu vem de Héber, aquele que se recusou a construir a “Torre
de Babel” e/ou aquele que preservou o hebraico (Narrativa disponível no Livro do
Gênesis, 11, disponível na Bíblia Judaica e Cristã), o idioma dos hebreus. Héber é neto
de Sem (Livro do Gênesis, 10, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã). Ainda, Abraão
é chamado de “hebreu” (Livro do Gênesis, 14, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã).
Hebreu é o povo, descendente de Abraão, que recebeu a “Terra Prometida”. Hebreu é
utilizado enquanto sinônimo de Judeu nas mesmas bíblias. Após o 538, com o fim do
Exílio na Babilônia, a expressão “judeu” passou a ser utilizada para designar os membros
da tribo ou clã de Judá ou reino do sul. A palavra aparece nas mesmas bíblias nos livros
de Segundo Reis 25 e Jeremias 34. Atualmente, hebreu equivale ao israelita, nascido em
Israel e judeu é aquele que professa o judaísmo.

Ainda, na análise das fontes da história da teologia judaica, nota-se a dificuldade


de afirmar qual é o momento exato da origem histórica da teologia judaica. É uma
teologia que comporta documentos como narrativas, provérbios, sermões, poemas,
mitos e outros. São autênticas fontes ou testemunhos da evolução da busca por Deus
ao longo da história do povo hebreu.

Diante de tamanha diversidade de assuntos, e levando em conta que a redação


desses documentos se estendeu por um período de mil anos, é fácil concluir que não se
pode fazer a leitura e interpretação deles de forma literal e/ou uniforme.

Os antigos hebreus não escreviam como nossos historiadores modernos.


Os onze primeiros capítulos do Gênesis, por exemplo, não foram escritos como um
curso sobre as origens da humanidade, com lições de astronomia, história natural e

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conhecimento biológico. São relatos numa linguagem simples e figurada, adaptada às
inteligências de um povo em desenvolvimento, são verdades fundamentais necessárias
ao conhecimento possível sobre Deus, bem como a descrição popular das origens do
gênero humano.

Sabemos que um teólogo não escreve como um cientista. O teólogo é livre no


uso da linguagem, faz uso de imagens, comparações, amplificações, relatos sem fontes,
que um historiador atual jamais utilizaria.

Ninguém ignora que as tradições populares, em geral, são imprecisas. Sua função
primeira é embelezar os heróis e ofuscar os inimigos. Esse processo literário pode ser
identificado nos mais antigos textos do Judaísmo, que posteriormente foram utilizados pelo
Cristianismo e Islamismo para a elaboração da teologia própria destas tradições.

Ainda, é sabido como a mentalidade popular gosta de fixar em músicas e poemas


a lembrança de seus heróis. E mais, é nítido como a parábola, a comparação, a anedota,
a própria fábula ou lenda, são sugestivas e apropriadas para ajudar na compreensão de
verdades profundas e abstratas.

Os autores hebreus, em suas incansáveis buscas por Deus, não desdenharam de


utilizar esses processos. Assim, eles procuraram inocular mais facilmente no espírito do leitor
um ensinamento de caráter religioso. Atualmente, admite‑se que ao tentar escrever como
teria sido a origem da humanidade, os judeus tenham feito uma descrição paralela, uma
descrição mais ou menos igual àquilo que aconteceu com eles enquanto povo, fazendo a
experiência de buscar por Deus. Exemplo disso é a imagem do oleiro (Livro do Gênesis 1,
disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã): Deus faz o humano a partir do barro, reproduzindo
a atividade profissional dos antepassados do povo hebreu no Egito.

Destarte, essa busca e sua redação foram proporcionando o discurso teológico


judaico, que atinge seu auge com o provável Concílio de Jâmnia (90 e 105 d.C.), ou
Assembleia de Rabinos, ocorrida ao sul da atual Tel Aviv, quando ocorreu a fixação
definitiva do texto denominado por Bíblia Judaica e/ou Antigo Testamento. Esta
data marca a conclusão do processo secular de redação e reunião dos vários livros
considerados sagrados, já aceitos como palavra divina há muito tempo pelo judaísmo.

Este longo processo de redação tem sido estudado por diferentes linhas
teológicas, com resultados satisfatórios, reconhecendo quase unanimemente, por
exemplo, no texto da Torah e/ou Pentatêuco, a presença de quatro fontes ou documentos
principais: a fonte Javista (J), a Eloista (E), a Deuteronomista (D) e a Sacerdotal (P).

Assim, você já pode perceber que a construção do pensamento teológico


judaico não foi linear, mas extremamente influenciado por diversos documentos e/ou
fontes de momentos históricos diversos.

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Um momento histórico de suma importância para o processo de edição da
Teologia Judaica foi a destruição de Jerusalém e do seu Templo, em 586 a.C., pelos
babilônios (Segundo Livro dos Reis, 25, disponível na bíblia judaica e na bíblia cristã), um
século e meio após a destruição da Samaria e do reino do norte (aniquilado em 722‑720
a.C. pelos assírios). Foi um marco histórico fundamental para a compilação da Torah e/
ou livro da Lei, fonte fundamental para o discurso teológico do Judaísmo.

A partir do caos de Jerusalém e de Israel, no processo de reconstrução deste foi


desenvolvida uma teologia fortemente ligada à monarquia e ao templo. O rei é o ungido
(em grego, o Cristo), o escolhido (em hebraico, o Messias). Sua vontade é interpretada
enquanto vontade de Deus.

O ordenamento jurídico da monarquia hebraica é decretado e relatado enquanto


norma divina. Aqui está o motivo da preservação histórica do judaísmo. É uma tradição
religiosa fortemente vinculada ao poder do rei e seu exército. Assim, nas vitórias militares
do rei, é Deus que agiu a favor de Israel. Nas derrotas, Deus é reinterpretado, é aquele
que pune e/ou tem novos propósitos ao seu povo.

Destarte, no processo de exílio para Babilônia, a teologia tornou-se ainda mais


fecunda. Da catástrofe política, econômica e religiosa, que parecia pôr fim ao próprio povo
hebreu, o discurso teológico é remodelado, algo muito presente nas narrativas proféticas.

Os profetas haviam de longa data pronunciado um determinado “juízo divino”, o


“dia das trevas” (Livro de Amós 5,18, disponível na bíblia judaica e na bíblia cristã), mas a
realidade parecia mais desesperadora ainda: nem rei, nem templo, nem a própria terra.
Disso resultou uma teologia da esperança, carregada de messianismo e visões de um
novo tempo. Com estas informações preliminares é possível fazer um estudo da História
da Teologia Judaica, ciente que podemos encontrar insegurança nas fontes, visto
que as principais informações sobre as origens do judaísmo são narrativas sagradas,
fortemente amparadas pela tradição oral, mitos, fatos e prodígios.

2 A IMAGEM DE DEUS NO JUDAÍSMO – ONDE DEUS PODE


SER ENCONTRADO?
Com a construção do templo, o povo hebreu se habituara a encontrar e adorar
o seu Deus em Jerusalém e com a destruição do templo e longe da terra prometida,
os exilados o reencontram, mesmo no Exílio. Redescobrem o conceito dinâmico da
presença divina, como no tempo do nomadismo e do deserto. Interiorizam a ideia de
Deus que se manifesta presente onde quer que se observem seus mandamentos (Livro
do Profeta Jeremias, 7,2‑15; 26,2‑11 disponível na bíblia judaica e bíblia cristã). Por isso
foram delimitadas normas jurídicas e religiosas.

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2.1 A LEI DO SÁBADO
No ambiente babilônico, uma cultura diferente — interpretada como pagã —
os judeus sentiram a necessidade, também por motivos nacionalistas, de reforçar a
observância religiosa do sábado, cuja origem cultual se situa na antiga Mesopotâmia.
Assim, a reunião litúrgica no 7º dia, durante a qual professavam a fé no Deus dos
patriarcas e da Aliança realizada com Moisés no Sinai. Dessa forma, enfatiza uma teologia
da esperança do retorno à terra dada por Deus (Livro do Gênesis, 2,2‑3, disponível na
Bíblia judaica e bíblia cristã). Assim começou a sinagoga, substituindo o templo.

2.2 A LEI DA CIRCUNCISÃO


Embora praticada historicamente, inclusive por outros povos como os egípcios,
a partir do exílio na Babilônia, a circuncisão passou a ser o “sinal” nacional e religioso da
Aliança (Livro do Gênesis, 17,10‑14 disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã), distinguindo
os hebreus fiéis ao judaísmo e os demais que não a praticavam.

A circuncisão é o corte do prepúcio e/ou sinal de aliança com Deus na carne


(anel do prepúcio). Ela deve ser realizada no 8º dia após o nascimento. No Livro do
Levítico 12, disponível na bíblia judaica e cristã, a circuncisão passou a ser lei. Todos os
homens do clã de Abraão foram circuncidados.

3 NEOJUDAISMO
Atualmente não há dúvidas, devido à sucessão de catástrofes históricas do povo
hebreu, que foi gestado um novo judaísmo e/ou recuperação parcial da experiência
religiosa durante e após exílio na Babilônia, incluso uma nova teologia judaica.

Numa releitura histórica do povo hebreu, de Moisés até o Exílio da Babilônia


(Século XII ao século VI a.C.), verifica-se o processo de revisão do judaísmo que culminou
com a denominada teologia deuteronomista, apresentada nos livros: Deuteronômio,
Josué, Juízes, Primeiro Samuel, Segundo Samuel, Primeiro Reis e Segundo Reis.

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ATENÇÃO
O que é sabido da teologia pré-deuteronomista é um parecer da própria
fonte deuteronomista, que confirma a existência histórica de uma tradição
judaica com uma teologia própria, com forte apologia ao monoteísmo.

3.1 A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA


Seus autores e/ou redatores partem do fato teológico de que Deus agiu de modo
constante na história do povo hebreu, aplicando advertências com ameaças e castigos
(Livro do Deuteronômio, 28, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã), chegando a punir
com a destruição quase toda Jerusalém.

Segundo Garcia Lopez (2006), pelo discurso teológico justifica-se a catástrofe,


o exílio da babilônia e a ação de Deus. Esse discurso histórico‑teológico é apresentado
especialmente nos discursos dos grandes personagens da história do povo hebreu:
Moisés, Josué, Samuel e Salomão.

Davi é apresentado como o “rei perfeito”, idealização levada adiante pelos


teólogos judeus. Ele é o referencial de todos os reis de Israel, tanto do passado como
do futuro, alimentando a “Teologia do Messianismo”, isto é, a esperança de um “novo
Davi”, cuja finalidade seria a recuperação política e religiosa do povo hebreu, visto que
em termos econômicos, não houve, na história do povo hebreu, nada mais salutar para
o povo que o próprio exílio.

3.2 A TEOLOGIA DA FONTE SACERDOTAL


Segundo Garcia Lopez (2006, na redação final da Torah, o escrito‑fonte
Sacerdotal (P) ocorreu no exílio na Babilônia, propiciando uma releitura da história do
povo hebreu).

Além de demasiada preocupação com o sábado, a fonte sacerdotal ressalta a


circuncisão, o tabernáculo, a Arca, o sacerdócio, os sacrifícios, a distinção e o cisma
entre sagrado‑profano, puro‑impuro e pecado‑expiação (Livro do Levítico 10, disponível
na bíblia judaica e bíblia cristã).

Dessa forma, o documento sacerdotal e/ou discurso teológico é apresentado


como um projeto para o futuro, isto é, um programa cultural para a restauração
pós‑exílica do povo hebreu, concebido como comunidade religiosa e política. Assim
verifica-se nele uma grande esperança no término do cativeiro babilônico e no retorno
à pátria perdida.

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3.3 A TEOLOGIA NOS ESCRISTOS PROFÉTICOS
No pré-exílio, a teologia dos profetas estava relacionada com a ameaça, durante
o exílio será de consolação. Assim, o profeta‑sacerdote Ezequiel, deportado já após a
primeira tomada de Jerusalém (597 a.C.), após uma primeira fase de ameaças (Livro de
Ezequiel 7, disponível na bíblia hebraica e cristã), procurou sustentar a esperança dos
exilados com as promessas admiráveis de um novo tempo, com uma nova realidade
política, econômica e religiosa.

Pouco antes do fim do exílio (538 a.C.), a teologia de Ezequiel expressa a voz
inflamada de um personagem teológico intitulado de Deutero‑Isaías (Livro de Isaías,
40‑55 disponível na bíblia hebraica e bíblia cristã), que percebeu nas vitórias de Ciro, rei
da Pérsia, os sinais da próxima libertação e/ou redenção do povo hebreu.

Assim, a teologia do profeta, revela um personagem incansável, com intuito de


reanimar e consolar o povo hebreu, anunciando um novo êxodo (Livro de Isaías, 43,16‑21
disponível na bíblia judaica e bíblia cristã) para o sonhado retorno à pátria perdida.

3.4 ATEOLOGIA PÓS-EXÍLICA (538 – 50 a.C.)


Entusiasmados com os oráculos do Dêutero‑Isaías e, finalmente, com o próprio
decreto de Ciro, o persa (538), que possibilitou a volta dos hebreus para sua terra e a
reconstrução do Templo (Livro de Jeremias, 29, 1‑14 disponível na Bíblia judaica e bíblia
cristã), fica nítida a inovação teológica na comunidade que se formou em torno do Templo
de Jerusalém, reconstruído e reinaugurado em 515 a.C.

Importante notar a dificuldade para preservar a unidade entre judeus, tal a


divergência de opinião entre os conservadores, mais apegados ao culto antigo e os
tolerantes, abertos às novidades do contexto, após a experiência do exílio.

Daí a razão de encontrar, nos escritos pós-exílicos, certa “bipolaridade teológica”:


particularismo versus universalismo judaico, devido à influência cultural estrangeira.

3.5 ENCONTRAR DEUS NO TEMPLO OU NA SINAGOGA?


O novo Templo, reconstruído de 521 a 515 a.C., novamente como santuário central,
não foi aceito por todos, principalmente pelos samaritanos, desde então sempre mais
separados, reproduziram a experiência religiosa politeísta assimilada na Babilônia. Aos
hebreus, o Culto e a Lei deram cada vez mais destaques ao “judeu fiel”, especialmente
pelos esforços do Profeta Neemias, sendo protegido pelo sacerdote Esdras, em meados
do século V.

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Nos textos atribuídos a Neemias, há um procedimento normativo oposto aos
casamentos mistos (Livro de Esdras, 10, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã),
observância do sábado e a exigência de taxas para o culto (Livro de Esdras, 13, disponível
na bíblia judaica e bíblia cristã).

Fica visível na narrativa teológica pouco interesse pelos acontecimentos


contemporâneos, preferindo retomar as antigas tradições e os antigos escritos,
reescrevendo à luz da renovada insistência sobre o culto e a Lei. Dessa forma foi elaborada
a redação final da Torah e a compilação dos escritos dos antigos profetas.

3.6 OUTROS ESCRITOS PROFÉTICOS (Séc. VI – II a.C.)


São escritos teológicos breves, às vezes repetindo os seus predecessores.
Ressaltam o período da reconstrução do Templo, nas teologias do denominado
Trito‑Isaías (Livro de Isaías, 55 — 66, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã), Ageu e
Zacarias, Malaquias, Abdias e Joel, escritos teológicos dos séculos V e IV a.C.

3.7 TEOLOGIA SAPIENCIAL (SÉCULOS VI – I a.C.)


Parcialmente a teologia sapiencial era cultivada no período pré‑exílio, mas
floresceu no pós-exílio, do século VI até o ano 50 a.C., produzindo obras teológicas
importantes como a redação final dos Provérbios, o Cântico dos Cânticos, o pessimista
Eclesiastes, a Sabedoria, Sirácida ou Eclesiástico em meados do século II, traduzido para
o grego, aproximadamente em 130 a.C.); o livro de Baruc, com o seu problema sapiencial
e o livro da Sabedoria (Aproximadamente, ano 50 a.C.), já redigido originalmente
em Grego.

A teologia judaica versou no começo os mesmos temas do humanismo


individualista e terreno encontrados na teologia sapiencial do pré-exílio. Aos poucos foi
permitido penetrar no javismo e procurou descobrir as manifestações da denominada
Sabedoria de Deus na história do povo hebreu.

GIO
O javismo ou javista, ao lado da eloísta, deuteronomista e sacerdotal, é
uma das fontes da Teologia Judaica que deu origem ao Texto Sagrado
denominado de Torah e/ou Livro da Lei. Do ponto de vista teológico,
“esta fonte constitui um documento único, no qual se descreve a
condição humana inspirando-se no estilo de vida do povo hebreu por
volta do século X a.C.” (GARCIA LOPES: 2006, p. 276).

17
Quanto a Eclesiastes (300 a.C.), nota-se que o seu pessimismo e a sua insistência
na vaidade das coisas humanas, no absurdo de tantas situações da vida, na insatisfação
mesmo das situações chamadas felizes, preserva-se a fé do povo hebreu em Deus – um
Deus, aliás, poucas vezes mencionado, a quem a teologia judaica se refere em termos
mais de conformista que de confiança. Em Eclesiastes ainda não contempla, como
no Livro de Daniel, Segundo livro dos Macabeus e o livro da Sabedoria, a teologia da
retribuição em outra vida.

4 PRODUÇÃO TEOLÓGICA PELA LITERATURA MIDRASH


O vocábulo midrash, do hebraico darash, quer dizer “procura, investigação”,
e designa duas coisas diferentes. Primeiro como método exegético designa a própria
interpretação rabínica da denominada Bíblia Judaica e enquanto gênero literário
caracteriza‑se pela amplificação dos textos e fatos anteriores.

As mencionadas fontes teológicas escritas datadas a partir do século X a.C., isto


é, da época davídico‑salomônica em diante, foram demasiadamente influenciadas pela
fase pré-literária, também objeto da História da Teologia, que busca aproximação de
suas tradições, transmitidas oralmente desde muito antes.

No entanto, é possível, com profundidade, formular hipóteses fundamentadas


nos estudos da etnologia e do folclore, constatando que a tradição oral tem uma dinâmica
interna semelhante em diversos povos. Em sua transmissão, podemos distinguir os
seguintes elementos:

• É transmitida por narradores individuais (contadores de histórias, poetas, trovadores,


sacerdotes), de certo modo envolvidos com a comunidade (família, clã, tribo). Aliás,
essas tradições passam de pai para filhos.
• Sua conservação inalterada por longos séculos é obtida, graças a bem-sucedidas
técnicas de memorização que se valem de palavras‑chaves ou do ritmo de versos
curtos, nos quais nenhuma sílaba é alterada.
• No centro das tradições do clã estão pessoas individuais, os heróis do passado, a
cujos feitos incorporam as experiências de toda a comunidade.
• Proclamada em datas marcantes, a tradição oral revestia o caráter de uma celebração
festiva, “litúrgica”, recordando o passado e, a partir do presente, impulsiona o futuro.
• Finalmente, devido a vários fatores como a sedentarização do clã e divulgação da
escrita, a tradição oral é redigida e transformada em Teologia.

Ainda, na história do midrash, foram utilizados dois métodos no processo de


produção teológica: halacá e hagadah.

18
No primeiro, devido à necessidade de assegurar um correto entendimento dos
textos sagrados, exigia-se completar os mandamentos com toda precisão e proteção.
Assim, quando não se dispunha de um texto que havia sido perdido em determinado
momento da história, se recorria à analogia e/ou à interpretação de mestres reconhecidos
pelo judaísmo, via costumes ou precedente admitido.

Já na hagada o procedimento interpretativo dos textos sagrados que estava


fora da norma oficial, principalmente o que estava relacionado à vida moral e edificação
espiritual, era contextualizado. O teólogo, geralmente, parte de acontecimentos ou
supostos acontecimentos antigos para fundamentar e/ou justificar determinada
situação do tempo presente.

Assim, se a teologia judaica levou cerca de mil anos para ser escrita e fixada
(Do século X a.C. até a promulgação do Cânon de Jâmnia, entre 90 e 105 d.C.), quase
outro tanto foi o tempo da formação e crescimento das tradições orais que ligam
Abraão ao aparecimento dos primeiros escritos‑fontes da Torah e outros escritos, para
posteriormente serem definidos os dogmas do Judaísmo.

Historicamente, as fontes revelam a cultura hebraica e a influência de outras


no processo de busca por Deus. Entre elas está Alexandria, no Egito, que promoveu o
encontro da cultura hebraica com a cultura grega.

Durante o século III a.C., os hebreus dedicaram-se às atividades econômicas,


incluindo o comércio e para isso, fizeram uso do grego como língua diária, inclusive nas
sinagogas. Como consequência, surgiu a necessidade de traduzir a Torah para o grego
possibilitando novos procedimentos hermenêuticos.

Segundo Iussim (1996), Ptolomeu II, fundador da Biblioteca de Alexandria, teria


encomenda a tradução da Torah ao sumo sacerdote de Jerusalém, o qual enviou 72
escribas para o trabalho. Disso resultou o texto conhecido por Septuaginta e/ou tradução
dos setenta, texto fundamental para o Judaísmo de Alexandria e ao Cristianismo no
primeiro século.

5 ESCOLAS TEOLÓGICAS JUDAICAS


O grande livro sagrado para o judaísmo é a Torah. A partir da mesma e devido
as constantes surpresas históricas vivenciadas pelo povo hebreu, como invasões
estrangeiras, conflitos internos e crises econômicas, o afastamento da pátria no primeiro
século foi necessário, o que é definido por diáspora judaica.

Longe de Israel, a terra prometida por Deus, surgiu a necessidade de repensar


o judaísmo para não ser extinto. Disso resultou a origem das denominadas escolas
teológicas judaicas.

19
5.1 ESCOLA DE HILLEL
Hillel, um sábio que viveu no período herodiano na primeira metade do século I.
De origem babilônica, não foi seduzido pela teologia de caráter messiânico. Possibilitou
as condições para o controle racional da Torah.

Na Escola de Hillel foi estabelecido um princípio: a interpretação e a aplicação


da Torah em seu sentido literal puro. Porém, em certas ocasiões, pode ser contrária ao
verdadeiro espírito da Lei, porque as circunstâncias históricas são alteradas.

Segundo Barrera (1999), a Escola de Hillel desenvolveu forte apologia a direitos,


principalmente liberdade às mulheres na vida em sociedade. Ainda, esta não se importava
em alterar a Lei, contanto que salvasse o sentido e o fim primordial da própria Torah.

5.2 ESCOLA DE SHAMMAI


Esta escola acusava Hillel de modernismo pelo fato da mesma admitir novas
normas derivadas da Torah. Foi uma escola patriota, conservadora das tradições judaicas.
Essas atitudes revelam a preocupação em salvaguardar os princípios fundamentais da
Torah. Era mais renitente à admissão de estrangeiros e a liberdade feminina.

5.3 ESCOLA DE ZAKKAY OU JÂMNIA OU JABNÉ


Zakkay foi discípulo de Hillel e após a catástrofe ocorrida no ano 70 d.C. em
Jerusalém, fundou a comunidade de Jâmnia com a finalidade de reorganizar o judaísmo
e restaurar as instituições políticas do povo hebreu.

Esta escola desenvolveu um sistema normativo e a interpretação da Torah com


a finalidade de fazer com que as normas e procedimentos interpretativos da Escola de
Hillel pudessem ter força legal e fossem aplicáveis nas novas realidades da diáspora, na
qual o povo hebreu foi obrigado a viver a partir de então.

Em Jâmnia, a bíblia judaica foi definida, sendo acolhidos enquanto sagrados


somente os textos que haviam sido escritos em hebraico, juntamente com a profissão
de fé do judaísmo, excluindo Jesus de Nazaré enquanto Messias, obrigando os cristãos
a fundarem suas próprias comunidades.

20
IMPORTANTE
Uma testemunha da divisão tríplice do cânon hebraico é Flavio Josefo,
fariseu e historiador judaico que testemunhou a queda de Jerusalém em
70 d.C. “Eram apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados
nas três divisões do cânon massorético” (MANZANARES, 1995, p. 93).

5.4 ESCOLA DE ISMAEL


Foi uma escola que surgiu no século II e partia do princípio segundo o qual toda
doutrina ou lei vem expressa em linguagem humana e sua interpretação, portanto, há
de ser regida pela razão. Foi uma escola dotada de rigor crítico, filológico e histórico
(BARRERA: 1999, p. 567).

5.5 ESCOLA DO RABINO AQUIBA


É contemporânea da denominada revolta de Bar-kochba (130/131 d.C.). Aquiba
dava primazia à derivação das leis a partir dos textos sagrados. Assim, toda tradição oral
poderia ser legitimada pela própria Torah.

Segundo Barrera (1999), Aquiba sempre esteve próximo dos movimentos


apocalípticos, messiânicos e políticos. Foi ele que deu interpretação messiânica para
Bar-kochba, quando liderou uma revolta para expulsar os romanos da Palestina. A
obra de Aquiba foi continuada por outros grandes mestres, tendo grande influência na
história posterior do judaísmo.

6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO JUDAÍSMO?


O texto sagrado fundamental é a Torah e/ou os mesmos cinco primeiros livros
que estão na Bíblia Cristã. Entre os séculos II e VII, teólogos judaicos destinaram 613
mandamentos que compõem a vida e os costumes dos judeus.

21
NOTA
O termo Torah pode ser usado para se referir à Bíblia Hebraica ou,
simplesmente “Escrituras”, que é composta por três partes: a Torah
(O Pentatêuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio),
os Nebiim (Os Profetas: Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias,
Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias) e os Ketubim (Os escritos: Salmos,
Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes,
Ester, Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas).

Na Sinagoga, a leitura das Escrituras deu origem a outra designação hebraica:


Miqra (Aquela que é lida). Após a destruição do templo de Jerusalém, no ano 70 d.C.,
a Escola de Zakkay percebeu que a chave para a sobrevivência do judaísmo estava na
transmissão da erudição judaica e na transferência dos símbolos da religião do templo
para outros aspectos da vida judaica. Assim, foi desenvolvido um sistema normativo,
dividido em seis ordens e subdividido em 63 tratados, contendo leis e costumes
judaicos e sua adaptação às novas circunstâncias, sendo compilado pelo Rabino Judá,
o Príncipe, resultando no texto denominado de Mishna (Aquilo que é ensinado).

A seguir, as reflexões e/ou interpretações da Mishna propiciaram a origem do


Talmud de Jerusalém (400 d.C. e o Talmud da Babilônia (500 d.C.). Ambos fazem uso
dos mesmos textos da Mishna, mas diferem na interpretação.

Posteriormente passou a ser usada a expressão Talmud para designar ambos os


textos com status de Texto Sagrado na mesma estatura da Bíblia Judaica. Além destes,
há outros dois livros importantes para o judaísmo. Primeiro, o Siddur, livro de orações
para preces diárias, o Sabá ou dias santificados. E o Hagadah, é o livro da recontagem do
Êxodo, que ocorre na refeição familiar, no cerimonial do Seder (Páscoa), durante a qual
o grande ato divino da libertação dos hebreus no Egito é recitado e revivido de geração
em geração.

7 QUEM É DEUS NO JUDAÍSMO?


O povo hebreu em sua incansável busca definiu Deus com um nome inefável,
atribuindo quatro letras YHWH. O nome é tão sagrado que não pode ser pronunciado,
é Aquele que é. Por isso, durante a história do judaísmo a teologia buscou expressões
substitutas para evitar a palavra YHWH. O mais comum é Adonai (O Senhor!). No judaísmo
Deus não tem forma ou cheiro, é o invisível e está além da capacidade de intelecção dos
seres humanos.

O judaísmo preocupou-se em enfatizar isso evitando representações artísticas


que poderiam ser confundidas por tentativas de retratar Deus. Por isso, “Ouve Israel,
Adonai é nosso Deus, Adonai é Um”.
22
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Os principais elementos históricos e teológicos utilizados pelos hebreus no processo


de busca por Deus até a definição da Torah enquanto Livro Sagrado no denominado
Concílio de Jamnia.

• No percurso histórico, nada linear, foram colocados em evidência personagens de


narrativas sagradas – a exemplo do Deutero-Isaías – seguidos de personagens
históricos – a exemplo do Rabino Aquiba – que passaram a ser de suma importância
para compreender a Teologia Judaica.

• Mesmo com a insegurança das fontes, o que fica fora de dúvidas é que a Teologia
Judaica foi marcada pela forte relação entre poder e religião, ficando difícil definir o
que é religioso e o que é profano. Inicialmente, Deus foi definido a partir do discurso
do patriarcado de Abraão e Moisés, a seguir pelos denominados Juízes e depois pelos
Monarcas e Rabinos.

• Mesmo com os entraves históricos, o judaísmo revela Deus, Aquele que é, conforme
as escrituras, totalmente mistério, algo que o torna difícil para qualquer tentativa de
aproximação mediante uso da razão.

23
AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, onde Deus pode ser
encontrado?

a) No Templo ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

b) Na sinagoga ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

2 De acordo com os estudos realizados até agora, o Judaísmo elaborou uma Teologia
da Esperança a partir do conceito de “Messias”. Assinale a afirmação verdadeira:

a) ( ) Em Jâmnia, a bíblia judaica foi definida, sendo acolhidos enquanto sagrados


somente os textos que haviam sido escritos em hebraico, juntamente com a
profissão de fé do judaísmo, excluindo Jesus de Nazaré enquanto Messias.
b) ( ) Em Jâmnia, a bíblia judaica ficou indefinida, sendo acolhidos enquanto sagrados
somente os textos que haviam sido escritos em hebraico.
c) ( ) Em Jâmnia, a única questão foi em torno da profissão de fé do judaísmo,
excluindo Bar-Kochba e Jesus de Nazaré enquanto Messias.
d) ( ) Em Jâmnia, o Rabino Aquiba, discípulo de Hillel após a catástrofe ocorrida no
ano 70 d.C. em Jerusalém, fundou a comunidade de Jâmnia com a finalidade de
reorganizar o judaísmo e restaurar as instituições políticas do povo hebreu.

3 Na bíblia judaica é possível, com profundidade, formular hipóteses fundamentadas


nos estudos da etnologia e do folclore, constatando que a tradição oral tem uma
dinâmica interna semelhante em diversos povos. Com isso é verdadeiro afirmar:

a) ( ) A tradição oral foi usada apenas no livro do Gênesis.


b) ( ) O folclore hebreu foi fundamental para a elaboração de toda a Torah.
c) ( ) A etnografia foi dispensada na elaboração da Torah.
d) ( ) A tradição oral foi fundamental para a elaboração da Torah.

24
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS
NO CRISTIANISMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a evolução histórica da teologia cristã, ressaltando
o processo de desprendimento do Cristianismo em relação ao judaísmo até a definição
da Teologia da Trindade.

No tópico anterior está nítido que entre os hebreus ocorreu a profissão de fé no


Messias por três vezes. A primeira profissão de fé foi na pessoa de Ciro, o persa (Livro
de Isaías, 43,16‑21. Disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã), devido ao decreto de
deportação dos hebreus da Babilônia para a denominada “Terra Prometida” (585 a.C.). A
segunda profissão de fé no Messias ocorreu na chamada revolta de Bar-kochba (130/131
d.C.), durante o governo do imperador Adriano (117-138 d.C.).

2 A QUESTÃO DA PROFISSÃO DE FÉ NO MESSIAS


Segundo Metzger (1984), Cassius Dio, narra que houve uma última revolta dos
judeus contra tropas do império romano em 130/131 na Palestina. Segundo o cronista,
Adriano empreendeu uma viagem para o oriente, incluindo também a Palestina no
roteiro com a finalidade de reconstruir o Templo de Jerusalém e instaurar um santuário a
Júpiter no mesmo lugar. O fato propiciou a resistência de hebreus, resultando na revolta
de Bar-kochba contra os romanos, o qual saiu vencedor no início e depois derrotado.

O fato proporcionou a afirmação de Bar-kochba como o Messias prometido. Para


o Rabino Aquiba, na pessoa do líder revolucionário se cumpria a promissão messiânica,
que se entrevia no Livro dos Números 24.17 (Disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã).

Os rebeldes, liderados por Bar-Kochba, conseguiram conquistar Jerusalém.


Desse fato muitos hebreus acreditaram que uma nova era se irrompia, o Messias havia
chegado. Os romanos, no entanto, entraram em cena quando Adriano encarregou o
marechal Julio Severo para acabar com a rebelião. No decorrer desta, toda a Judeia
foi devastada.

Os rebeldes e demais, como herodianos, fariseus, saduceus, essênios


(judeus ortodoxos) e hebreus seguidores da doutrina de Jesus de Nazaré, que per
maneceram vivos passaram a viver enquanto refugiados fora de Jerusalém ou
vendidos como escravos.

25
Dessa perseguição resultou a origem de comunidades mistas, contendo
seguidores do judaísmo ortodoxo e de judeus que aderiram ao seguimento de Jesus de
Nazaré, aclamado como o Cristo, o Messias anunciado pelas escrituras. Era a terceira
profissão de fé no Messias.

Era um novo exílio para o judaísmo e ao mesmo tempo a gestação do cristianismo.


Esses judeus-cristãos, em busca de dias melhores num futuro próximo mantiveram-se
ligados às sinagogas e, a exemplo de Paulo, o apóstolo, a princípio sofreram punições,
sendo finalmente expulsos para edificar as comunidades cristãs. Dessas experiências
comunitárias resultou a teologia paulina, fortalecendo o tema da profissão de fé no
Messias com mais evidência. Na pessoa de Jesus de Nazaré, crucificado na Palestina,
no primeiro século, o Deus dos hebreus, confirma a promessa, envia o Messias, o Cristo,
aquele que foi ressuscitado dentre os mortos.

Sem contestação, o tema da profissão de fé no Messias ocupa um primeiro plano


na consciência cristã dos três primeiros séculos. Os cristãos são os que conhecem a
Deus, face a face, na pessoa de Jesus de Nazaré. O incognoscível saiu de seu mistério
e manifestou-se ao humano: primeiro ao povo judeu, pela Lei e pelos profetas, depois
à humanidade pelo Cristo e veio pessoalmente revelar os mistérios de Deus. Daí os
teólogos cristãos enfatizam o tema da revelação.

Esse grande interesse pelo tema da revelação tem diversas causas. As primeiras
gerações cristãs estão ainda sob o impacto da grande manifestação de Deus na pessoa
de Jesus, o Cristo. As consideradas testemunhas e/ou apóstolos, vivem e proclamam o
anúncio da salvação: “O Reino de Deus está próximo”.

A preocupação de atingir os considerados pagãos — povos de demais


culturas vizinhas — leva os teólogos cristãos, a exemplo de Paulo, a procurar pontos
de aproximação entre o cristianismo e o pensamento grego. Por isso, os apologetas
tomaram o conceito de Logos, comum a todas as religiões do império romano e aos
sistemas filosóficos do século III, para fazer a teologia do Logos.

Também os primeiros teólogos cristãos, apontados como hereges na história


refletiram sobre a revelação do Messias na pessoa de Jesus de Nazaré. Os gnósticos,
por exemplo, em certo sentido, elevaram ao máximo o conceito de revelação, mas o
deformam ao mesmo tempo. Defenderam que a salvação se reduz à gnose, em vez de
ser também um conhecimento. Outros teólogos cristãos mostram que o cristianismo
traz a verdadeira gnose, evidenciando, porém, que é ao mesmo tempo inseparavelmente
vida e conhecimento.

Entre os gnósticos, o Cristo revela um Deus totalmente novo, desconhecido do


mundo judeu, estabelecendo uma diferença radical entre o Deus da Teologia Judaica
e o Deus da Teologia Cristã. Mas os primeiros teólogos cristãos mais vinculados às
autoridades eclesiásticas têm a oportunidade para salientar a harmonia e o progresso
da revelação, obra de um só e único Deus por seu Logos, o Cristo anunciado em e

26
por Jesus de Nazaré. No contexto, um dos maiores problemas na teologia cristã é
evidenciado, isto é, o da relação entre Teologia Judaica e Teologia Cristã e/ou os textos
denominados de Antigo e Novo Testamento.

IMPORTANTE
Herege é aquele que defende uma doutrina contrária. Já no início do cristianismo o debate
teológico e filosófico foi intenso. Geralmente, se o teólogo estava mais próximo do bispo de
Roma, sucessor do apóstolo Pedro, o considerado Papa pelo catolicismo, era considerado
apologeta da verdade e outros eram definidos enquanto hereges. Sinal que na
história o poder político-religioso tem força para definir até mesmo quem é Deus.
Partindo deste ponto de vista, o apóstolo Paulo foi considerado um herege pelos
judeus, assim como O Giordano Bruno, Galileu Galilei, Leonardo Boff e Hans
Küng, perseguidos e punidos pelo poder político-religioso.

Nestas disputas teológicas, os judaizantes preservam a primazia da revelação


profética, enquanto grupos cristãos como os marcionitas, seguidores de um líder
religioso chamado de Marcião de Sinope (85 a 150 d.C.), estabelecem oposição entre
Teologia Cristã E Teologia Judaica. Para Marcião, o Deus revelado na pessoa do Cristo
não se identifica e não tem qualquer relação com o Deus definido pelo judaísmo.

Os teólogos cristãos tiveram que examinar a relação entre a teologia judaica


e teologia cristã. Primeiro salientaram a unidade profunda de ambos e confirmam que
há um só e mesmo Deus autor da revelação por seu Verbo ou Logos ou Cristo, sendo a
criação, as teofanias, a Torah, os profetas, a encarnação, etapas dessa única e contínua
manifestação de Deus na existência.

Na Carta de Clemente Romano, considerado o quarto bispo de Roma e/ou Papa,


entre 88 – 97, escrita aos Coríntios, a teologia judaica e/ou Antigo Testamento é o fator
dominante. O autor não só fundamenta suas admoestações morais com frases do Antigo
Testamento, mas busca motivações teológicas. Trevijano (1996), chama a atenção, por
exemplo, quando Clemente Romano trata da ressurreição, ele o faz, sem remeter aos
escritos cristãos disponíveis na teologia paulina, mas sim ao Antigo Testamento, à
Teologia Judaica. Clemente vê o cristianismo enquanto continuidade do judaísmo. Ele é
afirmado por outros teólogos cristãos como Justino e Irineu de Lião.

Todavia, no processo de busca e definição de Deus, a teologia cristã apresenta


um debate ainda mais complexo, a questão da Santíssima Trindade. Três deuses em três
pessoas ou um Deus em três pessoas?

27
3 O DEBATE TEOLÓGICO NO CRISTIANISMO
Um dos primeiros debates ou controvérsias na teologia cristã envolvendo a
questão de Deus-Trindade foi em torno da doutrina de Arius, bispo de Alexandria no
Egito, entre 250 – 336. Para ele não há uma igualdade essencial entre a pessoa de
Jesus e Deus que os torne iguais, definindo Jesus apenas um homem. O Concílio de
Niceia, em 325 condenou Árius por heresia.

Em Roma, no século III, o bispo Sabélio, divulgava que na Santíssima Trindade,


Deus dos cristãos, não há três pessoas e um só Deus, mas modos de Deus atuar na
história, dando origem ao sabelianismo ou monarquismo ou patripacionismo.

Segundo esta teologia, Deus atuou como Pai ao criar o mundo, o mesmo atuou
como Jesus que morreu na cruz e atua na história como Espírito. O principal oponente
de Sabélio foi Tertuliano, que chamou a doutrina de Sabélio de patripassionismo, isto
é, Deus Pai, na afirmação de Sabélio, havia sofrido na cruz. Assim, este foi acusado
de herege.

Em Constantinopla, no século V, o patriarca Nestório afirmava que em Jesus


há duas pessoas, uma humana e outra divina e reprovava o dogma da Theotokos, que
afirmava ser Maria, Mãe de Jesus, a Mãe de Deus. Dessa forma, Nestório discordava da
ortodoxia cristã que afirmava: em Jesus, o Cristo há uma pessoa e duas naturezas, a
humana e divina e que Maria é a Mãe de Deus. Em 431, o Concílio de Éfeso condenou
Nestório por heresia.

Aproximadamente, no ano 400, chegou a Roma um monge de origem britânica,


chamado Pelágio, trazendo um texto que fazia comentários às Cartas Paulinas. Na
teologia pelagiana, a vontade humana é fundamental e decisiva na experiência da
salvação, contrariando a Teologia da Graça de Agostino de Hipona. Para Agostinho o
humano é escravo do pecado e necessita da intervenção da graça, de Deus, para ser
salvo. Mas para Pelágio o humano é livre para ser salvo ou para desistir da salvação, é o
humano que decide pelo seu futuro. O Concílio de Cartago (418), Éfeso (431) e Orange II
(529), recepcionaram a teologia agostiniana e condenaram Pelágio por heresia.

Sobre as controvérsias teológicas não pode ser deixada de lado a questão


envolvendo o Espírito Santo e/ou a doutrina do “Filioque”, isto é, o Espírito Santo procede
do Pai ou procede do Pai e do Filho ou procede do Pai pelo Filho? Foi um debate entre
teólogos latinos e gregos.

Os latinos defendiam a tese que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho,


enquanto os gregos, afirmam que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho. Em 381,
o cristianismo católico ocidental havia afirmado que o Espírito Santo procede do Pai,
porém a teologia latina acrescentou a expressão “Filioque” (do Filho), ou seja, o Espírito

28
Santo procede do Pai e do Filho, enquanto o catolicismo ortodoxo no oriente ficou com
a forma: o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho. A questão foi resolvida, selando o
cisma entre cristianismo ocidental e oriental em 1054.

Dessa forma, aos poucos ocorreu o desenvolvimento da Teologia cristã, mas


fortemente protegida pelos interesses do Império Romano no Ocidente e no Oriente. Se
o judaísmo foi sustentado pela monarquia israelita, o cristianismo recebeu as bênçãos
imperiais romanas. Não foi por disputas teológicas, mas pela força do decreto de
Tessalônica, de 380, que o imperador Teodósio fez do cristianismo a religião oficial do
império romano.

4 A TEOLOGIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE


Diante do mistério radical e absoluto da Santíssima Trindade, o uso da
linguagem é meio de aproximação e figurada. As expressões “causa”, com referência
ao Pai, “geração”, com relação ao Filho e “expiração”, concernindo ao Espírito Santo ou
ainda “processões”, “missões”, “natureza”, “pessoas”, “substância” e “comunidade” são
analogias e não visam ser explicações causais, num sentido filosófico.

A tentativa é apresentar a diversidade e a comunhão existente na realidade divina.


Assim faz-se necessário seguir as orientações de Clodovis Boff (1988), ou seja, fazer a
experiência do auditus fidei para iniciar o processo de intellectus fidei. Na história, a tradição
cristã consagrou três produções teológicas clássicas envolvendo a Santíssima Trindade.

4.1 TEOLOGIA CLÁSSICA CRISTÃ GREGA



A teologia trinitária grega parte do Pai, tido como fonte e princípio de toda
divindade. Do Pai há duas saídas: o Filho pela geração e o Espírito pela processão. O Pai
comunica toda sua substância (Hipóstase, substância que não faz parte de um todo.
É a substância individual, completa, existente em si e por si em eterna comunhão.)
ao Filho e ao Espírito Santo, por isso são consubstanciais ao Pai e igualmente Deus. O
Pai constitui também a Pessoa do Filho e do Espírito Santo num processo eterno. Esta
teologia tem forte vínculo com a heresia do subordinacionismo.

ATENÇÃO
Subordinacionismo é a heresia de Ário, século III, segundo a qual o Filho e
o Espírito Santo estariam subordinados, em relação desigual, ao Pai, não
possuindo de forma idêntica a mesma natureza; ou então seriam criaturas
excelsas, mas apenas adotadas (adocionismo) pelo Pai em sua divindade.
O Concílio de Niceia, em 325, condenou o arianismo (FRANGIOTTI, 1995).

29
A teologia clássica grega em torno da questão da Trindade, teve três principais
representantes:

4.1.1 Irineu de Lião


Exímio teólogo do século II, possivelmente caiba a ele a honra de ter sido o
primeiro a formular sistematicamente a fé cristã. Irineu considera o Filho gerado e não
criado, deixando de explicar o mistério, porque o Mistério não pode ser contemplado e
jamais explicado.

Sua tese de recapitulação de todas as coisas em Cristo constitui o eixo de sua


teologia, ou seja, Cristo se fez humano para divinizar a humanidade, restaura o humano,
“imagem e semelhança do Criador.

4.1.2 Orígenes (185 – 253)


É o sábio mais fecundo da antiguidade cristã. Quanto às relações das Três
Pessoas em Deus, chegou a aderir ao subordinacionismo. Embora defenda a divindade
do Filho, Orígenes acentua também sua inferioridade. Foi o primeiro a utilizar o termo
homousios (consubstancial), termo que fez carreira nas controvérsias dogmáticas.

Disso resultou a expressão dogmática Nicena-constantinopolitana (Concílio de


Niceia, em 325 e Constantinopla em 381), definindo o dogma homousiano, afirmando a
igualdade de natureza entre o Pai e o Filho.

4.1.3 Tertuliano (160 – 220)


Faz a exposição pré-nicena mais nítida da doutrina da Trindade. Foi o primeiro
a expressar os termos “Trindade e Pessoa” na teologia cristã. Para ele, o Pai possui a
plenitude da divindade (toda substância); o Filho apenas uma parte.

Assim, o Filho procede do Pai como o raio se irradia do Sol. Foi ele quem
abriu caminho para a expressão dogmática cristológica da união hipostática das
duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina. Os milagres de Jesus revelam sua
divindade, os sentimentos e a paixão sua humanidade.

30
4.2 TEOLOGIA CLÁSSICA LATINA
A teologia trinitária latina parte da natureza (substância única, é a graça e união
em Deus) divina, igual nas três pessoas. Esta natureza divina é espiritual; por isso possui
um dinamismo interno. O espírito absoluto é o Pai, a inteligência é o Filho e a vontade o
Espírito Santo.

Dessa forma, os Três se apropriam de modo distinto da mesma natureza. O


Pai sem princípio, o Filho por geração do Pai e Espírito Santo espirado pelo Pai e pelo
Filho. Logo, os três estão na mesma natureza, são consubstanciais e por isso há um só
Deus. O Concílio Ecumênico Lateranense IV em 1215 expressou a teologia dogmática
latina. Esta teologia corre o risco de ser entendida como sabelianismo ou modalismo,
isto é, a heresia de Sabélio, século III, segundo a qual o Filho e o Espírito Santo seriam
simples modos de manifestação da divindade e não pessoas distintas. Também pode
ser denominada de modalismo, doutrina que apresenta a Trindade como três modos de
ver humanos do único e mesmo Deus, ou então três modos (máscaras) do mesmo e
único Deus se manifestar aos seres humanos.

Assim, Deus não seria Trindade em si, seria um e único. Segundo Fragiotti
(1995), Sabélio foi condenado por heresia. A teologia latina sobre a Trindade teve
grandes representante. A exemplo de Agostinho de Hipona, Tomas de Aquino e João
Dunus Scoto.

4.2.1 Agostinho de Hipona (354 – 430)


O Tratado sobre a Trindade de Agostinho é uma obra de maturidade, longamente
meditada (de 388 – 419), interrompida e retomada por Agostinho.

Até o livro VII expõe o dogma trinitário. Agostinho investiga a Trindade, que é
Deus, nas realidades eternas, incorpóreas e imutáveis, cuja perfeita contemplação será
a vida bem-aventurada que não pode ser senão eterna.

Para ele, a existência de Deus não é proclamada somente pela autoridade dos
textos sagrados, mas por toda a natureza, inclusive a comunidade criada à imagem e
semelhança do Criador. Essa questão pode ser encontrada mais precisamente no Livro
VI, onde Agostinho ressalta que sua sabedoria é uma substância incorpórea e uma luz
que permite que se veja o que os nossos olhos carnais não conseguem ver.

No capítulo VIII, Agostinho procura definir Deus partindo das criaturas,


reproduzindo a teoria das ideias de Platão. Para atingir a prova de que Deus existe, faz
duas exigências: “crer para compreender e compreender para crer”. É o debate teológico
e filosófico sobre fé e razão.

31
No capítulo IX, o autor delimita o ato de procurar e encontrar Deus como
procedimentos a serem adotados neste desafio humano, completando fé e razão que
culminam com a afirmação na qual Deus é “Aquele a quem o bem nada falta” ou como já
havia afirmado nas Confissões, capítulo XIII: “Tu que és o bem não te falta nenhum bem”.

Após refletir acerca de passagens bíblicas sobre o apóstolo Paulo sobre a palavra
espelho (Primeira Carta aos Coríntios 13, disponível na Bíblia Cristã), afirma:

[...] Devido à semelhança imperfeita, como dissemos, diz-se que


o homem é à imagem e nossa, para que o homem fosse imagem
da Trindade, não igual à Trindade como o Filho é igual ao Pai, mas
aproximativa, conforme já se disse, em certa semelhança. O mesmo
acontece com relação a coisas que dizemos ser vizinhas, não pelo
lugar, mas por certa imitação... Dissemos em outro lugar que os
diferentes nomes aplicados a cada uma das três pessoas na Trindade,
traduzem relação recíproca, tais como: Pai e Filho e o Dom de ambos,
o Espírito Santo. Com efeito não se pode dizer que o Pai é a Trindade,
ou que o Filho é a Trindade, nem o Dom ser a Trindade. O que é dito,
porém, de cada um dos três em relação a si mesmo, é dito não no
plural, mas no singular, pois é referente a uma única realidade: a
própria Trindade... Não são três deuses, três bons ou três onipotentes,
mas um só Deus (AGOSTINHO, 1994, p. 258).

A partir do livro VIII, procura os sinais de Deus na criação e na estrutura ternária


do humano, que traz em si seu movimento, que é seu princípio e seu fim. Agostinho
se lança na investigação da verdade, porém, curva-se perante o mistério ao perceber
os limites da pesquisa humana, buscando sempre mais corrigir os resultados de
suas descobertas.

4.2.2 Tomás de Aquino (1224 – 1274)



A teologia tomista da Santíssima Trindade completa a obra agostiniana. Preserva
o caráter divino e consubstancial das Três Pessoas, aprofundando as formas distintas
de uma prover da outra, analisando as relações reais entre elas. Neste tópico, Tomás de
Aquino complementa Agostinho. Afirma o teólogo:

[...] é necessário admitir em Deus somente Três Pessoas. Pois como


demonstramos, várias pessoas supõem várias relações subsistentes
entre si realmente distintas”. Na Trindade há três relações: a
paternidade, a filiação e a processão. “Chamam-se propriedades
pessoais, sendo como pessoas constituintes: a paternidade do Pai
é a Pessoa do Pai, a filiação a do Filho e a processão é a do Espírito
Santo procedente” (AQUINO, 1980, p. 288).

Outro tópico de suma importância no pensamento teológico de Tomás de
Aquino é o que ele chama de “cinco vias que comprovariam a existência de Deus”,
fundamentadas na própria existência, na experiência humana, no mundo e em seu
contato com o pensamento aristotélico. Afirma Aquino (1980):

32
a) A primeira prova e/ou primeiro motor, tudo aquilo que se move é
movido por outro ser. Este para ser movido necessita também ser
movido. Se não houvesse um primeiro ser movente, cairíamos em
um processo indefinido. Logo, é necessário admitir a existência
de um Ser que não seja movido, o próprio Deus;
b) A segunda prova e/ou causa eficiente, todas as coisas existentes
no mundo não possuem em si a causa eficiente de suas
existências. Devem ser consideradas efeitos de uma causa.
Logo, é necessário admitir a existência de uma causa eficiente,
fonte da sucessão de efeitos, o próprio Deus;
c) A terceira prova e/ou ser necessário e ser contingente, é um
argumento variante da segunda prova. Todo ser contingente do
mesmo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas
que existem podem deixar de ser, então, em algum momento,
nada existiu. Mas se assim fosse, também no atual momento,
nada existiria, pois aquilo que não existe somente começa a
existir em função de algo que já existia. Logo, é necessário admitir
a existência de um ser que sempre existiu, um ser absolutamente
necessário, que não tenha fora de si a causa de sua existência,
que seja a causa da necessidade de todos os seres contingentes,
o próprio Deus;
d) A quarta prova e/ou graus de perfeição, está em relação à
qualidade de todas as coisas existentes. Há graus diversos
de perfeição. Estabelecemos que tal coisa é melhor ou mais
bela, mais poderosa ou mais verdadeira que a outra. Se uma
coisa possui mais ou menos determinada qualidade positiva,
isso supõe que existe um ser com o máximo dessa qualidade.
Logo, devemos admitir que existe um ser com máximo de
bondade, beleza, poder e verdade, sendo um máximo e pleno, o
próprio Deus.
e) A quinta prova e/ou finalidade do ser, está relacionada a finalidade
das coisas. Todas as coisas brutas que não possuem inteligência,
estão cumprindo uma finalidade. Logo, devemos admitir a
existência de um ser dirige todas as coisas naturais para que
cumpram cada uma de suas finalidades, o próprio Deus.

4.2.3 João Duns Scoto (1266 – 1308)


A grande tarefa deste teólogo foi distanciar a fé da razão, defendendo que
o objeto da Teologia é Deus, enquanto o problema a ser enfrentado pela Filosofia/
Metafísica é o ser.

Para Immarrone (2003), na teologia de Scoto, provar a existência de Deus não


é meramente provar a ideia de infinito. Para cumprir sua tarefa, rejeita o pensamento
de Agostinho, se afasta do platonismo e recorre a Aristóteles, como havia feito Tomás
de Aquino.

O ponto de partida do teólogo é o próprio infinito, o qual defende ser este


necessário, capaz de propiciar a criação por ato livre. Logo, recorre também à metafísica
aristotélica, isto é, Deus é o “Motor Imóvel”, é Ato puro, porém não conhecido em essência
pelo humano.

33
Ainda, segundo Immarrone (2003), não satisfeito, Scoto rebate a ideia de
essência necessária para afirmar a existência porque o infinito é uma ideia derivada da
própria ideia de finito, isto é, o infinito é transcendental, abismo e liberdade, impossível
de ser compreendido pela razão, podendo portanto, o humano expressar o desejo de
amar não um bem qualquer e passageiro, mas o Bem Infinito, o próprio Deus.

DICA
Para um melhor aprofundamento sobre João Duns Scoto leia: IMMARRONE.
L. Giovanni Duns Scoto, metafisico e teologo le tematiche fondamentali
della sua filosofia e teologia. Roma: Miscellanea Francescana, 2003.

4.3 TEOLOGIA CLÁSSICA MODERNA



A teologia trinitária moderna parte das Três Pessoas divinas, Pai-Filho-Espírito
Santo e faz uso de uma expressão grega, o termo pericorese, para expressar que Deus
é Trindade.

GIO
O termo grego perikoresiV (pericoresis ou girar ao redor) é utilizado
para designar a comunhão ou a recíproca efusão de amor entre os três
eternos amantes. No latim foi traduzido por circuminsesseio (de circum,
equivalente à “em redor” e ou “estar sobre ou dentro” e ou coabitação) ou
circumincessio (incidire e ou avançar). A palavra quer designar a verdade
da Trindade, fazendo a ligação entre a unidade e a Trindade, isto é, a
comunhão existente no Pai-Filho-Espírito Santo.

Verifica que na teologia da Santíssima Trindade, há Um só Deus em Três Pessoas.


Os Três vivem em eterna pericorese, sendo um no outro, pelo outro, com o outro e para
o outro. A unidade trinitária significa a união em virtude da pericorese e da comunhão
eterna. Esta união, porque é eterna e infinita, permite falar de um só Deus.

Ainda, parte do dado da fé, a existência do Pai-Filho-Espírito Santo como


distintos e em eterna comunhão. O Concílio Católico de Florença expressou a teologia
dogmática moderna (DENZINGER: 1991, p. 593).

34
4.3.1 Teologia da reprodução do modelo de vida comunitária
judaica no cristianismo à luz da trindade
A partir da Galileia – enquanto ambiente teológico – os primeiros cristãos
instituíram com seus discípulos uma forma de vida comunitária que não era novidade
aos hebreus do primeiro século. Esta mesma estrutura foi acolhida no decorrer dos
séculos e também assumida por seguidores diversos, buscando atingir a perfeição
e/ou aguardar a parusia, o final dos tempos, porque “O reino dos céus está próximo
[...] Arrependei-vos porque é chegado o Reino de Deus” (Evangelho de Mateus, 3 e 4,
disponível na bíblia cristã).

O judaísmo foi a referência para as denominadas comunidades cristãs. Um


desses modelos de comunidades pode ser identificado nos escritos de Qumrã.

GIO
Qumrã, local habitado por judeus essênios, nas proximidades do Mar
Morto, atualmente entre Jordânia e Israel, provavelmente surgiu após a
queda de Jerusalém no ano 70 d.C. Foi uma comunidade, muito preocupada
em preservar o judaísmo sem a profissão de fé nos Messias Jesus de
Nazaré e Bar Kochba, mas preservavam a fé na vinda de aCuriosamente,
“foi um pastor de nome Muhammed que em 1947 encontrou talhas de
barros contendo manuscritos do Antigo e Novo Testamento” (HORSLEY;
HANSON, 1995, p. 40).

Segundo Berger (1995), a comunidade de Qumrã tinha governo comunitário


muito parecido com o que descreve o Livro de Atos dos Apóstolos, 6 e 15 (Disponível na
Bíblia Cristã).

A análise da obra deixa entrever a existência de comunidades,


entendidas como conjuntos de homens e mulheres que assumiram o
projeto de Jesus, o Messias crucificado, que se distinguem uma das
outras pelo lugar em que residem os seus membros e pelos seus
responsáveis, denominados apóstolos e profetas(Livro de Atos dos
Apóstolos, 11, disponível na Bíblia Cristã) (ALMEIDA, 2001, p. 91).

Em Qumrã havia um conselho formado por doze homens e três sacerdotes que
formavam um organismo mais elevado no âmbito da assembleia. Os paralelos entre a
Assembleia de Qumrã e a Multidão dos Cristãos de Jerusalém são evidentes.

35
4.3.2 Busca por deus no deserto
O que há no deserto a não ser o nada e a necessidade de buscar o que está
distante, o infinito? Foi o que fizeram os denominados “monges do deserto”. Eram
cristãos influenciados por experiências iguais aquela encontrada em Qumrã.

Na primeira metade do século IV, com a falsa liberdade concedida aos cristãos
por Constantino (313 d.C.), a instauração de comunidades cristãs, a exemplo daquela de
Qumrã, foi em demasia.

No Egito podemos encontrar testemunhos dos monges do deserto sob duas


formas de vida: a eremita com Antão de Coná (RODRIGUEZ: 1994), falecido em 356, e a
vida em comunidade ou cenobita, cujo idealizador foi Pacômio de Tebas (GOMEZ, 1992),
falecido em 325.

Os mosteiros ou cenóbios difundiram-se no Oriente de um modo excepcional.


Entre homens e mulheres, que optando pela castidade, pobreza e obediência viviam
juntos orando, trabalhando e ajudando-se fraternalmente.

Segundo Gomez (1992) foi Eusébio de Cagliari, bispo de Vercelli, falecido em 371,
o primeiro a introduzir o estilo de vida cenobita no ocidente. Quando no ano 345 foi eleito
bispo de Vercelli, realizou com seus clérigos, aquele ideal de vida comunitária que não era
somente coabitação, mas também comunhão de culto, de fé, de caridade e de bens.

Semelhante à instituição de Eusébio é a de Agostinho, bispo de Hipona (354-


430). Agostinho não conheceu Eusébio nem seu cenóbio, porém, conheceu os monges
de Milão. Recebendo o episcopado, em sua residência em Hipona, continuou vivendo
com clérigos em perfeita comunhão de bens.

Agostinho de Hipona assumiu a vida fraterna, todavia, apresenta a vida


comunitária sem nada de próprio como “união de mentes e de corações”; pressupõe
identidade de fé e de culto, como também atividade na caridade, além da comunhão de
bens que o bispo de Hipona considerava necessária para a vida comunitária ideal:

[...] muitos de vós conheceis, por ter lido a Sagrada Escritura, como
queremos viver e como vivemos graças à misericórdia de Deus.
Contudo, para que recordeis, ser-vos-á lido o texto mesmo do livro
dos Atos dos Apóstolos, a fim de que possais ver onde está descrita
a forma de vida que queremos cumprir. Quero ver-vos atentos
enquanto dura a leitura, para falar-vos depois dela e com a ajuda do
Senhor, sobre o que eu vos tinha prometido (AGOSTINHO apud BOFF,
1988, p. 185).

Essa maneira de viver não era obrigatória para todos os clérigos, porém, aos
que voluntariamente a aceitavam, Agostinho impunha a observância dos preceitos de
Cristo como obediência ao bispo, ou seja, a castidade e a atitude evangélica de não
possuir nada de próprio, vivendo cada um do que a comunidade podia oferecer e que se
distribuía conforme as diversas necessidades:
36
Quem quiser ter alguma coisa privada e viver dela, agindo contra
nossas normas, é pouco dizer que não continuará comigo; não
continuará nem como clérigo. É verdade: havia dito, e estou consciente
disso, que se não quisessem assumir comigo a vida comunitária, não
lhes tiraria o clericato, o qual poderiam manter, vivendo sozinhos e
servindo a Deus como quisessem. Contudo, coloquei-lhes diante
dos olhos o grande mal que significa decair do propósito. Preferi Ter
coxos a chorar mortos. Com efeito, quem é hipócrita, está morto. A
quem encontrar vivendo na hipocrisia, a quem achar possuindo algo
privado, não lhes permitirei fazer testamento, mas o riscarei da lista
dos clérigos (AGOSTINHO apud BOFF, 1988, p. 194).

Tal gênero de vida assumido por Agostinho e por seus discípulos subsiste, ainda
hoje, embora que no decorrer dos tempos tenha ficado influenciado por superestruturas
nos moldes de micros, médias e grandes empresas multinacionais (Atualmente, no
Brasil, as principais empresas que exploram o mercado — editorial, clínico e educacional
— estão concentradas nas mãos e no poder de Congregações ou Ordens Religiosas que
se consagraram com a força da filantropia e muito capital).

4.3.3 Trindade, tradição e pericorese


A tradição cristã, ao combater o monarquismo, o patripassionismo, o sabelianismo
e o arianismo, afirmou a consubstancialidade na Trindade. O Concílio Católico de Toledo
(675) expressou: “Não se deve pensar que as Três Pessoas sejam separáveis, pois não
se há de crer que existiu ou atuou uma antes da outra, ou depois da outra, ou sem a
outra, porquanto são inseparáveis tanto no que são quanto no que fazem” (DENZINGER:
1995, p. 301).

A pericorese pressupõe absoluta paridade ontológica entre as Três Pessoas


Divinas, mas diz mais ao dirigir a atenção para doação recíproca do Pai-Filho-Espírito
Santo que se fazem de todo o próprio Ser.

Com a expressão pericorese, a teologia cristã afirma a completa efusão do próprio


ser e coloca em circulação total aquilo que possui cada uma das Pessoas trinitárias. “Eu
e o Pai somos um [...]” (Evangelho Segundo João, 10, disponível na bíblia cristã).

Segundo Boff (1984), há uma circulação total da vida e uma coigualdade perfeita
entre as Pessoas da Trindade, Deus dos cristãos, sem qualquer superioridade de uma
à outra.

Ainda, na Trindade tudo é comunitário e comunicado entre si, menos o que é


impossível de comunicar: o que as distingue uma das outras. O Pai está todo no Filho e
no Espírito Santo e o Espírito Santo está todo no Pai e no Filho.

Daqui deriva a igualdade, respeitadas as diferenças, da comunhão plena e das


relações justas para a sociedade e a história.

37
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO CRISTIANISMO?
É fato que após a queda de Jerusalém, no ano 70 d.C., os judeus foram
submetidos a um novo exílio, mas preservaram sua identidade enquanto povo, o
monoteísmo e seus textos sagrados em hebraico.

No culto sinagogal do século I, a leitura da Torah tinha precedência em relação


aos profetas, mas nas comunidades de origem grega era divulgada a tradução da Bíblia
traduzida em Alexandria, durante o governo de Ptolomeu II, no século III, a denominada
tradução dos LXX, que recebeu novas composições escritas em grego.

Essas traduções, posteriormente, sofreram restrições dos judeus mais


ortodoxos e o catálogo, a lista ou Canôn dos Textos Sagrados para o judaísmo estava
praticamente definido.

Para os judeus ortodoxos, somente os textos escritos em hebraico foram


considerados sagrados e os escritos produzidos em grego — denominados de
deuterocanônicos — foram recusados, a exemplo dos livros de Tobias, Judite, Primeiro
Macabeus, Segundo Macabeus, Sabedoria, Baruc e Eclesiástico.

Entretanto, nas primeiras comunidades cristãs, no século III, o uso das


Escrituras é fato, isto é, a versão grega da Bíblia Judaica, os escritos definidos como
deuterocanônicos, os Evangelhos e outros escritos, aos poucos foram aclamados
enquanto Palavra de Deus.

5.1 O QUERIGMA
Não foi um texto escrito, mas constituiu no Anúncio dos acontecimentos históricos
ou deutero-históricos relacionados a pessoa de Jesus e o significado soteriológico que
lhe foi atribuído com referência aos escritos proféticos da Bíblia Hebraica.

Com o Querigma, contata-se uma convicção de fé pascal relacionada aos


desígnios de Deus manifestados pelos textos sagrados, considerados por judeus e
também pelos cristãos. Este documento, fruto da tradição oral, foi de suma importância
para elaboração dos textos definidos enquanto Novo Testamento.

38
INTERESSANTE
O cristianismo não surgiu enquanto religião do livro. O ponto de partida
da fé cristã foi a partir da profissão de fé na pessoa de Jesus. Os fatores
decisivos foram as pregações dos seguidores que encontram na pessoa
de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Messias anunciado, prometido na Bíblia
Hebraica, que confirmava o messianismo.

5.2 OS EVANGELHOS
No denominado Novo Testamento da Bíblia Cristã, foram acolhidos enquanto
sagrados, os Evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João. O primeiro apelara para a
tradição oral como tantos outros autores antigos. Já Lucas se revela enquanto teólogo e
historiador e serviu de fonte para o Evangelho de Mateus, provavelmente ao Evangelho
de Tiago e, ao Evangelho de Tomé e ao Evangelho aos Hebreus.

Além destes, é bom ressaltar que outros evangelhos foram produzidos:


Evangelho de Pedro, Evangelho dos Nazarenos, Evangelho dos Ebionitas e o Evangelho
Secreto de Marcos.

Ainda, no Novo Testamento encontramos as denominadas Cartas, mas outras


cartas com estrutura e conteúdo próximos ao que está disponível na atual lista, também
foram aclamadas como sagradas.

O que há de comum nestes textos? Todos foram utilizados como textos sagrados
no início do cristianismo entre os séculos II, III e IV, porém, a quem foi dada a missão de
afirmar estes que são considerados sagrados e aqueles que são apócrifos?

É fato afirmar quanto assunto, que o procedimento hermenêutico jamais é


imparcial, o teólogo o faz a partir do seu contexto, isto é, o gnóstico parte da gnose, os
sabelianos justificam o sabelianismo, o ariano, o arianismo, os pelagianos, o pelagianismo
e aquele que está ocupando um poder, justifica o próprio poder, sua fé, seus interesses.

5.3 A CARTA DE BARNABÉ


Foi utilizada, enquanto sagrada, em Alexandria entre os séculos II e III e preservada
pelo Código Sinaítico ou Bíblia do Sinai, datada do século IV, mas foi descartada pelo
denominado Código de Muratori, provavelmente do séculos II e III, e conhecido através
de um manuscrito produzido no mosteiro de Bobbio, norte da Itália, no século VIII, sendo
reencontrado encontrado em Milão no século XVIII.

39
Na Carta, Jesus é aclamado enquanto Messias, o Cristo, em apenas cinco
momentos (Carta a Barnabé, 1,1; 2,6; 12, 1; 12,10-11). Ainda, poucas vezes é chamado
de Senhor.

Na mesma carta fica nítido o amor de Jesus pelos cristãos; que com sua morte,
Jesus exclui da história todos os rituais relacionados aos sacrifícios judaicos. Define a
cruz enquanto cumprimento das profecias da Bíblia judaica.

Com a morte de Jesus na cruz, o autor afirma ser um sacrifício perfeito em


relação ao sacrifício de Isaac, apresentado a Deus por Abraão. Jesus é a ovelha perfeita
que a Torah exigia para o sacrifício expiatório. Disso vai resultar a fonte da teologia do
apóstolo Paulo sobre a Eucaristia ou a teologia do pão descido do céu para saciar e
salvar a humanidade.

No texto, o autor revela ser um profundo conhecedor do judaísmo e a influência


exegética do próprio judaísmo no cristianismo que estava sendo gestado, confirmando
a tese que o cristianismo foi possível via crise institucional e/teológica no judaísmo.

Aos judeus que acolheram a profissão de fé que em Jesus de Nazaré estava a


figura do Cristo, o Messias anunciado pelas Escrituras, o cristianismo é a continuação
do Antigo Testamento, enquanto que aos judeus que rejeitaram a profissão de fé cristã,
o judaísmo segue sua história.

ATENÇÃO
Surgiram as expressões “Código e Cânon”. O termo deriva do grego Kanôn,
que designa uma vara de junco, um caniço empregado para medições; daí
o significado de medida, ou, figuradamente, de norma ou regra. Os termos
foram demasiadamente utilizados pelo cristianismo primitivo e medieval
para delimitar as diversas listas de livros sagrados. Isso comprova que
a Bíblia Cristã não foi confeccionada como ela é publicada atualmente.
A história revela grandes divergências quanto ao assunto se um livro é
sagrado ou apócrifo.

Sobre o Código de Muratori, Bruce (2011) afirma que recebeu este título devido
ao bibliotecário, um sacerdote italiano chamado Ludovico Antonio Muratori, que o
encontrou na Biblioteca Ambrosiana de Milão, no século XVIII. Muratori publicou seu
achado em 1740.

A lista do Código de Muratori no Novo Testamento começa por Marcos, Lucas,


João, Atos dos Apóstolos, 13 Cartas Paulinas, 2 Cartas de Judas e o Apocalipse. Além
de ser um Tratado de Cristologia, recepciona o que conhecemos por Novo Testamento,
porém, acrescenta o Pastor de Hermas enquanto livro sagrado, após o Apocalipse.

40
Segundo Trevijano (1996), o livro O Pastor de Hermas também foi classificado
pelo Código Claremontano do século VI, o qual ressalta o livro Atos dos Apóstolos e a
Carta aos Hebreus.

5.4 A BÍBLIA PARA A IGREJA CATÓLICA


A Bíblia ou Escrituras dos católicos, recepcionou a Bíblia dos LXX ou Septuaginta,
os textos deuterocanônicos e o atual Novo Testamento contendo 27 livros. Seguindo
as orientações da expressão dogmática Católica, afirmada pelos Concílios de Trento,
Vaticano I e Vaticano II, a Bíblia é a Palavra de Deus, contendo 73 livros.

Partindo das variadas e antigas denominações aplicadas à Bíblia, assim como


da história do cânon, código ou lista de livros, é possível concluir que tanto judeus como
cristãos estimavam os livros sacros mais do que qualquer outro gênero de literatura.

Os livros eram consultados não apenas por ocasião de problemas religiosos,


mas deles era deduzida toda a moral e toda a teologia. Destarte, que o Concílio de Trento
designou os livros bíblicos de “sacros” e “canônicos”. “Sacro” refere‑se a uma relação
especial a Deus como autor; “canônico” exprime a autoridade singular em questão de
fé e de moral. Na IV Sessão de 8 de abril de 1546, o Concílio de Trento aprovou o cânon
bíblico da tradução denominada de Vulgata ou tradução para o latim de autoria de
Jerônimo de Estridão, a pedido do Papa Dâmaso, entre 366 a 380 e destacou de modo
especial o critério da canonicidade.

Em seguida, o Concílio resume a decisão sobre o cânon e a origem divina dos


livros canônicos, dizendo: “Se alguém não acatar como sacros e canônicos os livros
da Escritura Sagrada, conforme enumerados pelo Concílio de Trento, ou lhes negar a
inspiração divina – seja excomungado” (DENZINGER: 1995, p. 639).

Dessa forma, no cristianismo de tradição católica, por inspiração divina, os


hagiógrafos produziram os textos que o futuro definiu como sagrados. Porém, é sabido
que os primeiros teólogos cristãos não tinham qualquer noção de que estavam sob
impulso do Espírito Santo. Por exemplo, quando o apóstolo Paulo escreveu a Timóteo,
pedindo que viesse a Roma e trouxesse os livros, apetrechos de escrivão e o manto
perdido em Trôade (Segunda Carta do Apóstolo Paulo a Timóteo, 4), certamente não
estava movido pelo Espírito Santo.

6 O CÂNON BÍBLICO
Em teologia, você já sabe que canôn é a lista dos livros pertencentes à Bíblia.
A partir do século IV d.C. os escritores cristãos começam a empregar as palavras
“kanonizómena” ou “kanoniká” para aqueles livros que “regulamentavam” a fé e os
costumes cristãos, sendo por esse motivo arrolados no catálogo das Escrituras Sagradas.
Assim, o cânon é o elenco, estabelecido pelas lideranças cristãs, dos livros que devem
normatizar a fé e a vida dos cristãos.
41
6.1 CÂNON DA ÁFRICA
O primeiro catálogo oficial dum sínodo que enumera todos os livros do cânon
atual é o sínodo de Hipona, na África, do ano 393. O Papa Inocêncio I, em 405, enviou
um catálogo igual ao bispo do sul da França, Eusébio.

O Concílio Trulano (692) aceitou o mesmo cânon na sua íntegra. No cristianismo


ocidental encontramos iguais resenhas de livros sacros no Decreto Gelasianodo Papa
Gelásio (492‑496), bem como no decreto do Concílio de Florença para os Jacobitas (1441).
Com tudo isso, o debate sobre a extensão do cânon bíblico parecia encerrado (DENZINGER,
1995). Porém, em 1534, Martinho Lutero, traduziu a Bíblia para o alemão e relegou os livros
deuterocanônicos de apócrifos, isto é, não pertencentes à Escritura Sagrada. Devido ao
fato, o Concílio de Trento, 1546, retomou a questão da canonicidade dos textos bíblicos,
decretando a lista da atual Bíblia Católica, enquanto sagrada com 73 livros.

6.2 REFORMA PROTESTANTE E O CÂNON PORTESTANTE


A Reforma protestante dos séculos XVI e XVII avançou o debate sobre a
canonicidade bíblica. Aos primeiros reformadores – Martinho Lutero, João Calvino, Martin
Butzer, Menno Simons, Ulrico Zwinglio – a canonização só pode ser obra do Espírito Santo.
Assim, a canonização está diretamente relacionada à inspiração divina. Não é alguém que
afirma, impõe ou decreta a inspiração, mas deriva da própria Escritura Sagrada.

Logo, só a Bíblia pode atestar a canonicidade de um livro bíblico. Por exemplo,


em Lucas 24, “Jesus explica a lei e os profetas”, confirmando que a Torah e os profetas
são livros inspirados. Por isso, os denominados livros deuterocanônicos (Tobias, Judite,
Primeiro Macabeus, Segundo Macabeus, Sabedoria, Baruc e Eclesiástico) foram
considerados apócrifos, isto é, não inspirados porque não derivam da profecia, tem
historicidade comprometida e não são confirmados pela própria Sagrada Escritura,
ficando a bíblia protestante com 66 livros.

6.3 A QUESTÃO DO CÂNON NO CRISTIANISMO ORTODOXO


O catolicismo ortodoxo grego, além dos livros canônicos do Concílio de Trento,
considera ainda como canônicos um suposto Terceiro Livro de Esdras e Terceiro
Macabeus, ambos apócrifos na Igreja católica latina.

Na Igreja Ortodoxa Russa, sob a influência protestante, desde o século XVIII,


discute‑se a canonicidade dos livros deuterocanônicos. A mais recente tradução russa
da Bíblia, editada pelo patriarcado de Moscou, contém todos os livros deuterocanônicos
na ordem da Septuaginta e ainda o terceiro e Quarto Livro de Esdras e o Terceiro
Macabeus. Para nenhum desses livros o patriarcado manifesta a mínima dúvida no
tocante à canonicidade: chama a atenção somente o fato de que o Quarto Livro de

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Esdras está depois dos três livros de Macabeus e o Terceiro Esdras vem após Neemias.
A maioria das igrejas protestantes, que surgiram após século XV, concordaram com
Lutero na rejeição dos livros deuterocanônicos. Quanto ao Novo Testamento, não há
divergências entre católicos, gregos, russos e protestantes.

7 QUEM É DEUS NO CRISTIANISMO


Deus é Trindade e a encarnação de Jesus na história significa a saída da
Trindade de si mesma para ir ao encontro com o “outro”, o ser humano. É o mistério do
aniquilamento, do despojamento por amor e misericórdia, é o processo de esvaziamento
de Deus. Com os Judeus os cristãos partilham a intuição que do lado da Trindade existe
uma dramática história de solidarização com o gênero humano. Diante do clamor
do povo no Egito, a Trindade se revela no Êxodo como “Eu sou aquele que é”, que
está presente.

No clamor do crucificado, clamor da Trindade, é o humano que ajuda a carregar


a cruz, empresta o túmulo e professa diante daquele que sangra na cruz, que ali está
Deus, ali está o pão descido do céu. A glória da Trindade é que o povo viva em comunhão,
esteja em comunhão. Assim se identificam o desejo de Deus com o desejo humano: vida
nova, chave para compreender a lógica do cristianismo. Reconhecer o Deus no partir do
pão na comunidade, na Eucaristia.

As cenas do batismo de Jesus, narrado segundo o Evangelho de Lucas, o autor


retrata uma recriação da comunidade cristã com diversos enfoques. Por detrás do fato
teológico do batismo de Jesus por João Batista, o evangelista vê um evento maior e
mais significativo. É o Pai quem batiza Jesus dando-lhe o Espírito para uma missão.
Desce sobre Jesus o Espírito Santo em forma de uma pomba, lembrando da mensageira
que a Noé anunciou o fim do dilúvio. Além disso, no mundo antigo, ela é o símbolo do
amor, do ágape fraterno.

Assim, unem-se estes dois significados na descida do Espírito Santo: a pomba,


mensageira entre a Trindade e a humanidade, transmite a mensagem de amor do
Pai para com o Filho. Mas a descida do Espírito inclui mais um significado: o sopro da
comunhão, carregada de amor e vida, sinal da realização das antigas profecias. Se, na
cena do batismo, Deus foi o protagonista, na das tentações, encontramos o diabo como
personagem principal atuando sobre Jesus. O diabo seduz o humano, “filhos de Adão”,
a desconfiar do amor de Deus. Sugere ao humano, que ele está na história só pela mera
sobrevivência e suscita nele fortes instintos de garantir-se a si mesmo: vontade de
poder e egoísmo.

Na primeira tentação, o diabo toca na necessidade vital e elementar de viver: a


comida, que quando é buscada de forma egoísta nada mais é do que a realização do
prazer de ter. A segunda tentação mostra “os reinos da terra”, explana diante de Jesus
as vantagens da acumulação da riqueza e poder. Na terceira o diabo lhe propõe uma
vida de messias diferente daquela à qual Deus no batismo o chamou.
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Jesus, incluso a de ser o Messias, resiste às tentações continuando fiel à
experiência do batismo. É o amor de Deus que garante a sua vida desde as necessidades
básicas até o modo de desenvolver a missão. Os seus desejos e anseios se encontram
seguros com este Deus que o ama. Em vez de acolher o “pão diabólico”, mantém-se fiel ao
Reino da Trindade, que culmina na cena do “fazer-se pão” que desce do céu para todos.

O pão descido do céu assegura e comunica o perdão de Deus ao ser humano,


reergue os desprezados e marginalizados, liberta-os de complexos de culpas paralisantes
que lhes destruíram a consciência, devolvendo-lhes a integridade e a dignidade humana,
ressuscitando neles a esperança que os leva a uma nova prática: o partir do pão.

Em Jesus de Nazaré o “ser filho” é, segundo o Evangelho de Lucas, um processo.


Toda a vida pública foi aprendizagem. Na cruz Jesus passa pela última vez pelas tentações
do poder econômico, político e messiânico, mas desta vez, de ordem invertida.

Primeiro são elites religiosas que o seduzem a usar seu poder de messias para
livrar-se da cruz. Em seguida, os soldados aludem ao seu poder político, instrumento
capaz de libertá-lo da morte. Por último, um dos ladrões se aproxima para que o também
crucificado lhe garanta a mera sobrevivência. Mas, completam-se o “Ser Filho” em Jesus
e o “Ser Pai” em Deus, quando, numa situação dramática de abandono, Jesus morre...
com as palavras: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”, ou seja, entrega aquele
que foi recebido no batismo.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O teólogo deve ter a consciência enquanto componente antropológico de base munida


de procedimentos hermenêuticos, permitindo elaborar uma nova interpretação do
trabalho do teólogo e do objeto de estudo da teologia, isto é, a busca por Deus.

• Os pressupostos teológicos do Cristianismo e o grande debate em torno da definição


de quem é Deus para os cristãos, incluso as controvérsias teológicas que resultaram
na definição da fé e na origem do termo heresia.

• Após o cisma entre Judaísmo e Cristianismo, a teologia cristã possibilitou o processo


histórico para definir a Bíblia Católica que levou também a afirmação canônica da
Bíblia Protestante.

• Ficou visível a influência do poder do Império Romano, principalmente no governo de


Teodósio para afirmar em 483 o Cristianismo enquanto Tradição Religiosa.

• Ao expor os fundamentos históricos da Teologia Cristã, fica em evidência a imagem de


um Deus com rosto e atitudes humanas. Tão humano que revela Deus.

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AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Cristianismo, Deus é
Trindade, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Os Três estão na mesma natureza, são
consubstanciais e por isso há um só Deus. O Concílio Ecumênico Lateranense IV em
1215 expressou a teologia dogmática latina. Considerando os estudos realizados, é
verdadeiro afirmar:

a) ( ) Esta teologia corre o risco de ser entendida como sabelianismo ou modalismo,


isto é, a heresia de Sabélio, século III, segundo a qual o Filho e o Espírito Santo
seriam simples modos de manifestação da divindade e não pessoas distintas.
b) ( ) Esta teologia corre o risco de ser entendida como arianismo, isto é, a heresia de
Ário, século III, segundo a qual o Filho e o Espírito Santo seriam simples modos
de manifestação da divindade e não pessoas distintas.
c) ( ) Pode ser denominada de patripassinismo, doutrina que apresenta a Trindade
como três modos de ver humanos do único e mesmo Deus, ou então três modos
do mesmo e único Deus se manifestar aos seres humanos.
d) ( ) Pode ser denominada de nestoricismo, doutrina que apresenta a Trindade como
três modos de ver humanos do único e mesmo Deus, ou então três modos do
mesmo e único Deus se manifestar aos seres humanos.

2 A canonicidade bíblica é o resultado de um intenso debate teológico. De acordo com


os estudos realizados sobre o assunto, assinale (V) Verdadeiro ou (F) Falso.

( ) O Concílio de Trento, 1546, retomou a questão da canonicidade dos textos bíblicos,


decretando a lista da atual bíblia católica, definindo a mesma com 73 livros sagrados.
( ) São Livros deuterocanônicos: Tobias, Judite, Primeiro Macabeus, Segundo
Macabeus, Sabedoria, Baruc e Eclesiástico.
( ) Segundo a tradição católica, somente a bíblia pode atestar a canonicidade de um
livro bíblico. Por exemplo, a Lei e os Profetas são livros inspirados.
( ) A mais recente tradução russa da bíblia, editada pelo patriarcado de Moscou,
contém todos 66 livros.

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3 No cristianismo há diversos textos sagrados, porém na denominado igreja primitiva,
existiu, segundo a tradição um “texto” sagrado denominado de QUERIGMA. Sobre
este é verdadeiro afirmar:

a) ( ) No Querigma contata-se uma convicção de fé na paixão de Cristo, relacionada


aos desígnios de Deus manifestados pelos textos sagrados, considerados por
judeus e pelos cristãos.
b) ( ) No Querigma contata-se uma convicção de fé pascal relacionada aos desígnios
de Deus manifestados pelos textos sagrados, considerados por judeus e pelos
cristãos.
c) ( ) Foi um Texto Sagrado acolhido no início do primeiro século, porém dispensado
pelo Concílio de Trento em 1545.
d) ( ) Foi um texto sagrado, porém não escrito, constando os principais momento da
vida de Cristo e acolhido pelo Concílio de Trento em 1545.

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UNIDADE 1 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS
NO ISLAMISMO
1 INTRODUÇÃO
Chegamos até aqui construindo o conhecimento em torno da História da Teologia
judaica e cristã. Agora, você entrará em contato com outra riquíssima experiência
teológica, na qual Deus também é buscado e encontrado. É a concepção teológica do
Islamismo e/ou islã.

Neste tópico, além da origem e contexto em que o Islã foi gestado, também
serão enfatizados os pontos comuns existentes no islamismo, cristianismo e judaísmo e
as expressões teológicas coincidentes entre elas, por exemplo, o monoteísmo, o mesmo
procedimento de busca, a importância do texto sagrado escrito e a forte ligação entre
comunidade política e comunidade religiosa.

2 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO ISLÃ


A região da Península Arábia, entre os séculos V e VII foi habitada por povos
sedentários e seminômades. Os primeiros viviam em cidades e dedicavam-se ao
comércio. Os seminômades vagavam pelo deserto, sempre organizados em tribos
dedicadas à pecuária.

Situada na região do Hegaz está uma das cidades mais importantes da Arábia,
Makka ou Meca, a Honrada. Fecunda para o comércio, foi uma das principais rotas dos
produtos do oriente para o ocidente. Meca, por muito tempo esteve sob domínio do
Império Otomano.

Segundo Dermenghem (1978), em 570 na cidade de Meca, nasceu Muhammad


e/ou Maomé, filho de Abdallah e Amina. Perdeu os pais ainda na infância, foi beduíno
da tribo dos coraixitas, que dominava a cidade de Meca e tinha como missão zelar pela
Caaba de Meca.

Maomé foi pastor de ovelhas, identidade igual a de Davi, o grande rei do povo
hebreu (Primeiro Livro de Samuel, 16, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã) e um
dos profetas que antecederam a Maomé, segundo o Alcorão Sagrado. Foi criado pelo tio
Abu Talif, mercador.

Devido às viagens com seu tio, entrou em contato com outras culturas, incluso
o judaísmo e o cristianismo. Seu avô era muito influente, comerciante de destaque e
líder religioso na Caaba.
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Aos 20 anos Maomé prestava serviço à Khadija, viúva e herdeira de um grande
patrimônio. Aos 25 anos, Maomé casou-se com Khadija, passou a administrar os bens
da esposa, permaneceu frequentando a Caaba e realizou viagens pela Síria, vindo a
fortalecer os laços com o monoteísmo existente no Judaísmo e Cristianismo (WALKER,
1998). Maomé e Khadija tiveram quatro filhos, dos quais três faleceram ainda criança,
ficando apenas Fátima.

Em Meca, a classe sacerdotal que governava a Caaba, preservava enquanto


ambiente de peregrinação politeísta, fortalecendo a identidade de Meca enquanto
centro comercial. Muitos estrangeiros ainda a frequentavam com fortes laços com a
Caaba original.

Aos 40 anos, aproximadamente, no ano 610, segundo a tradição muçulmana,


Maomé recebeu a revelação do Anjo Gabriel: “Quem se declarará inimigo de Gabriel?
Ele com beneplácito de Deus, impregnou-to (O Alcorão) no coração, para corroborar o
que fora revelado antes; é guia e alvíssara de boas novas para os crentes” (ALCORÃO
SAGRADO, SURATA 2ª 97).

A partir da revelação no Monte Hira, em Meca, Maomé começou a divulgar


a sua própria experiência religiosa monoteísta, muito influenciada pelo judaísmo e
cristianismo. Porém, a mensagem de Maomé não foi bem acolhida em Meca, obrigando
o profeta a buscar refúgio em Medina, dando início a Hégira e/ou exílio no ano 622.

IMPORTANTE
Os grandes personagens dos textos sagrados no judaísmo e cristianismo pas-
saram pela experiência de exílio. Assim foi com Moisés no Egito, Jesus, já na
infância foi até o Egito, muitos dos profetas viveram no exílio da Babilônia etc.
Com Maomé não foi diferente.

Todavia, em 630, com forte exército, o profeta entra em Meca, toma a cidade e
faz dela um grande centro religioso, cujo culto é dirigido a Deus e/ou Allah. Aos poucos,
Maomé tornou-se líder religioso e político, unificou as tribos da Península Arábica, criando
um Estado, cujo povo passou a professar que Allah é Deus e Maomé o seu profeta.

Enquanto líder político-religioso, Maomé viu que o politeísmo mais dividia do


que fortalecia as tribos árabes. Seguindo o modelo, principalmente do cristianismo,
fortemente vinculado ao império romano, implanta um Estado monoteísta.

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Para Dermenghem (1978), Maomé, melhor que ninguém, conheceu também
as virtudes e os defeitos nas tribos árabes. Inspirado, que nem um dia sequer pensou
vencer sem sob a proteção de Allah, sabia, entretanto, prever o futuro e medir as forças
e as fraquezas do adversário. Apesar de quanto se tenha dito a seu respeito, foi homem
bom e generoso. Sua clemência na tomada de Meca foi mais do que um ato político.

Com a morte de Maomé em 632, a figura do sucessor ou califa ficou indefinida.


A entidade responsável pela escolha do sucessor seria a Ummah e/ou comunidade
de fiéis.

ATENÇÃO
Há muita confusão com a expressão Ummah. É comum a tradução do árabe
por Nação, com limites geográficos. O melhor sinônimo seria Comunidade dos
seguidores de Allah, independentemente do local onde esteja um muçulmano,
ele é membro da Ummah.

A primeira possibilidade para suceder a Maomé era Ali ibn Abi Talib, primo e
genro do profeta, mas o escolhido foi Abu Bakr (632-634), um dos sogros do profeta e
um dos primeiros a se converter ao Islã.

Paulatinamente, o califado muçulmano conquistou a Península Ibérica, a Pérsia,


o Norte da África e o Império Bizantino decadente, mas na Batalha de Poitiers, quando a
intenção era conquistar o Império Carolíngio, foram vencidos pelos francos. Assim, o islã
era divulgado, conquistando seguidores.

Para a sucessão, Abu Barkr indicou Umar ibn al-Kattab, como segundo califa,
que governou entre 634 e 644. Este foi responsável pela expansão árabe-muçulmana,
conquistando a Síria, a Palestina, o Egito e parte da Pérsia. Com sua morte, foi sucedido
por Uthman ibn Affan (644-656) e foi neste califado que o texto oficial do Alcorão foi
confeccionado e as conquistas árabes ampliadas pelo norte da África e pela Ásia Menor,
além da conquista total da Pérsia.

Já no século X, Meca passou a ser governada por xarifes ou xerifes, os


descendentes do Profeta Maomé. Além do comércio, Meca passou a ser a cidade mais
importante para o Islamismo. A partir de Meca, a incansável busca por Deus é retomada.
A partir de Meca, foi confeccionada a Teologia Islâmica.

Atualmente, com quase dois milhões de habitantes, Meca é visitada anualmente


por mais de 10 milhões de peregrinos. É voltado para Meca que cada islã faz suas orações
diárias. Lá está a Caaba, uma construção cúbica, com aproximadamente 15 metros de
altura, sempre coberta por um manto escuro.

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No interior da Caaba está a “Pedra Escura”, tem em torno de 50 centímetros e é a
relíquia mais sagrada para o povo muçulmano. Segundo a tradição islâmica, ficou escura
por causa dos pecados da humanidade, mas quando Abraão a recebeu do Arcanjo
Gabriel, no período de construção da Caaba, era totalmente branca. A Caaba é cercada
por muros e ao lado está a grande Mesquita de Meca, porém, antes do Islamismo, a
Caaba, possivelmente era um centro de observação de astronomia e/ou astrologia e
possível ambiente de culto e/ou observatório científico árabe.

3 ABRAÃO, JESUS E MARIA NA TEOLOGIA ISLÂMICA


No livro do Gênesis podemos verificar: "O Senhor apareceu a Abrão
(Posteriormente será chamado de Abraão) e disse: É a tua posteridade que eu darei
esta terra. Abrão construiu ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera [...]” (Livro do
Gênesis, 12, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã). Este relato foi recepcionado pelo
Alcorão: “Designar-te-ei Imame dos homens. Abraão perguntou: e o serão os meus
descendentes? Respondeu-lhe: Minha promessa não alcançará os iníquos [...] E quando
estabelecemos a Casa (Caaba) para congresso e asilo da humanidade, dissemos: Adotai
a instância de Abraão por oratório [...]” (2ª SURATA, 124-125).

Nesta surata encontramos o principal ponto comum entre judaísmo, cristianismo


e islamismo, isto é, a fé das três grandes tradições tem como ponto de partida a
experiência religiosa de Abraão e seus dois filhos: Ismael, o primogênito, gerado por Agar
(a escrava) e Isaac, gerado por Sara, a esposa legítima (Livro do Gênesis, 21, disponível
na Bíblia judaica e bíblia cristã).

Segundo Feiler (2003), se o judaísmo e o cristianismo fundamentam a fé a


partir de Abraão e Isaac, o Islamismo faz a fundamentação a partir de Abraão e Ismael.
Assim, podemos afirmar que as mencionadas religiões são abraâmicas, com pontos
comuns e diferenças.

Segundo o Alcorão sagrado, "Abraão jamais foi judeu ou cristão; foi, outrossim,
monoteísta, submisso, e nunca se contou entre os idólatras" (ALCORÃO SAGRADO,
SURATA 3ª, 67). E diz a respeito de Abraão e de Ismael:

E quando Abraão implorou: Senhor meu, faze com que esta cidade
seja de paz, e agracia com seus frutos os seus habitantes que creem
em Deus e no Dia do Juízo Final e Deus respondeu: Também aos
incrédulos agraciarei um pouco; mas depois serão condenados ao
tormento infernal. Que funesto Destino! E quando Abraão e Ismael
levantaram os alicerces da Casa, exclamaram: Ó Senhor nosso,
aceita-a de nós pois Tu és Exorável, Sapientíssimo. Ó Senhor nosso,
permite que nos submetamos a Ti e que surja de nossa descendência
uma nação submissa à Tua vontade (ALCORÃO, 2ª SURATA, 126-128).

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O Islã é a submissão e a obediência a Deus. Assim, todo aquele que obedecer
a Deus e agir de acordo com a sua vontade, são seus seguidores, são muçulmanos. Os
profetas e os mensageiros, por obedecerem e se submeterem a Deus, são muçulmanos.
Por isso, os profetas, também personagens da Torah judaica e da Bíblia cristã, são definidos
pela teologia islâmica enquanto seguidores de Allah.

Aqui você pode perceber que a expressão de fé no Islamismo é edificada sobre três
fundamentos: a) A fé em Uno e Único, b) A fé na profecia e c) A fé no mundo da eternidade.

É notável que a fé na profecia e na eternidade está ligada diretamente à fé em
Allah, o Clemente. E aquele que professa a fé em Allah, é envolvido pela fé na profecia e
na eternidade e em tudo o que está em Allah, incluso punições e recompensas.

Todavia, é interessante a maneira respeitosa como o Alcorão Sagrado expressa


sobre personagens bíblicos e personagens da Torah. Além de Abraão, ressalta Maria,
Mãe de Jesus: "Ó Senhor, meu Deus, concebi uma mulher — mas Deus bem sabia o que
havia concebido, e um varão não é o mesmo que uma mulher — eis que a chamo Maria:
ponho-a, bem como a sua descendência, sob a Tua proteção [...]" (ALCORÃO SAGRADO,
SURATA 3ª, 36).

A respeito de Jesus, o Filho de Maria, segundo o Alcorão, ele é o penúltimo


dos profetas de Deus, aquele que fez o anúncio da vinda do Profeta Maomé: "De tais
apóstolos preferimos uns mais do que os outros. Entre eles, se encontram aqueles a
quem Allah falou, e aqueles que elevou em dignidade. E concebemos a Jesus, filho de
Maria" (ALCORÃO SAGRADO, SURATA 2ª, 253).

GIO
Nestas citações do Alcorão Sagrado é possível identificar pontos comuns
entre judaísmo, cristianismo e islamismo pela forte ligação existente entre os
personagens e o Absoluto e/ou Deus.

Porém, a novidade do islamismo não é ter reproduzido mais uma ideia de


salvação, mas em ter transformada a ideia de salvação em monoteísmo semita, abrindo
uma nova perspectiva religiosa para o ser humano.

4 AS ESCOLAS TEOLÓGICAS NO ISLAMISMO


Com o poder de persuasão do império muçulmano, a língua árabe passou a
ser conhecida e aceita por outros povos, principalmente pelos vencidos em guerras.
Se o judaísmo era divulgado em hebraico, o cristianismo em grego e latim, o idioma
oficial do islamismo era o árabe. Para Attie Filho (2002), o anúncio do Alcorão Sagrado
era realizado em árabe, é a Palavra de Deus transmitida pelo Anjo Gabriel a Maomé, o
terceiro grande profeta, sendo antecedido por Abraão e Jesus.

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Com a expansão do império islâmico, entre os séculos VII e VIII, não tardou que a
filosofia grega, por intermédio da Síria, chegasse ao mundo árabe. Enquanto o judaísmo
se fechava nas sinagogas e o cristianismo se enclausurava nos mosteiros, o islamismo
surgia para o mundo, tomando para si a herança filosófica dos principais centros de
cultura da época.

Quando os árabes conquistaram a Síria, Pérsia e o Egito (630-640), a filosofia


grega estava mais do que viva entre as escolas monásticas, ou seja, entre o sabeus de
Harnan, nestorianos e jacobitas.

Entre 813-833, Al-Ma’mun assumiu o poder no império muçulmano. Em 830,


este califa demonstrou interesse nos escritos de Aristóteles. Em Bagdá, capital do
império, fundou as “Casa da Sabedoria”, com museus, bibliotecas e centros de traduções.

De libera (1998), destaca Hunayn ibn Ishaq (808-873) como um dos maiores
sábios e grande tradutor da época. Assim, os principais centros culturais, Alexandria
e Bizâncio, sob domínio muçulmano, tiveram toda cultura migrada para Bagdá,
influenciando a produção teológica islâmica, com demasiado auxílio de melquitas,
nestorianos e jacobitas.

Logo, da mesma forma que o “Motor Imóvel” de Aristóteles servirá de base para
a teologia de Tomás de Aquino durante o século XIII, já no califado de Al-Ma’mun, a
filosofia grega, principalmente Platão e Aristóteles, constituía o paradigma para definir
quem é Deus. Dessa forma, o politeísmo perdia espaço e Deus que já era chamado de
IHWH pelos judeus e TRINDADE pelos cristãos, passa a ser chamado também de Allah
pelos muçulmanos.

Attie Filho (2002), chama a atenção para as obras apócrifas produzidas no


contexto. Um exemplo é a Teologia do Pseudo Aristóteles. É uma obra, como muitas
da Idade Média, recebeu por título o nome de um filósofo antigo, cujo objetivo era obter
maior aceitação, credibilidade, despertar curiosidade ou valor de mercado. A autoria do
texto é desconhecida, segundo Fakhry (1989), há indícios de ter sido elaborada entre os
séculos VIII e IX em Bagdá. Sem pretensão, a obra une a Filosofia à Teologia, Platão a
Aristóteles para fundamentar quem é Allah.

Destarte, com aprovação e reprovação, a filosofia grega propiciou uma renovação


na maneira como interpretar o islamismo. Além da fé, aplica-se a lógica aristotélica para
ler e interpretar o Alcorão Sagrado. As principais escolas teológicas e filosóficas que
surgiram foram a Falsafa, a Kalam e a Mutazila.

4.1 A FALSAFA
A expressão árabe Falsafa é traduzida por filosofia, mas constituiu uma escola
de procedimento filosófico, teológico e hermenêutico ligada ao islamismo. Surgiu em
meio ao processo de expansão do império islâmico, entre os séculos VIII e IX, recebendo
forte influência da cultura religiosa e filosófica estrangeira.

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Para Giordani (1992), a tratar da Falsafa, ressalta: o deserto foi marcante para
o povo árabe. O deserto é instável, da noite para o dia podem desaparecer estradas.
Por isso, o árabe não pode confiar como os gregos, na uniformidade da natureza. A
instabilidade do deserto obriga a profissão de fé no destino misterioso que constitui a
essência das coisas. Por isso, na concepção islâmica, o mundo e o humano nasceram
com um destino irrevogável diante do qual só cabe dizer “Deus quer”.

Assim, na Falsafa, a relação Criador e criatura passou a ser objeto de análise


e paradigma filosófico e teológico. Outro tema de destaque foi a fundamentação
da profissão de fé islâmica. Para essa tarefa foi imprescindível a lógica aristotélica,
fortalecendo os dogmas do Alcorão Sagrado.

Logo, a razão passa a ser um meio para o ser humano conquistar a verdade
independentemente da revelação. Mas não demorou para a Falsafa ser interpretada
como perigo às leis previstas no islamismo, ultrapassando os limites da tolerância
religiosa, chegando ao fim após a morte do filósofo Averróis em 1198.

4.2 A KALAM

O termo usado no islamismo para teologia é a expressão Kalam. Foi uma escola
que surgiu durante o século VIII, devido ao debate teológico com os cristãos e/ou
monges nestorianos e jacobitas.

Visto que o alcorão sagrado fomenta reflexões filosóficas e teológicas a


respeito da existência e a relação Mundo, Natureza e Deus, a Kalam passou a ressaltar
a importância da legitimidade do chefe na comunidade, da responsabilidade de cada
muçulmano, bem como a forma em que cada humano seria punido pelos seus atos
considerados pecaminosos.

Assim foi sendo estabelecida uma vasta produção teológica de caráter moral e
dogmática, fortalecendo as verdades de fé para o islamismo e fortalecendo os dados da
revelação e tradição.

4.3 A MUTAZILA
A expressão pode ser traduzida por “isolados”. Foi uma escola teológica que
surgiu em Basra, século VIII, no interior do mundo muçulmano. É a escola oficial dos
islâmicos de cunho sunita.

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NOTA
Os sunitas são seguidores dos califas abássidas, descendentes do tio do profeta Maomé,
chamado por Al-Abas. Sustentam que o califado pertenceria aos que foram considerados
dignos pelo consenso da Ummah. Segundo Elias (2003), aproximadamente, 85% dos
muçulmanos são sunitas. Seguem a Suna, também livro sagrado que apresenta a
trajetória do Profeta Maomé. Além desse grupo, há a oposição, os xiitas, a minoria,
que não reconhece a Suna, fazem a leitura literal do Alcorão Sagrado e defendem
que o autêntico sucessor de Maomé seria Ali ibn Abi Talib, primo e genro do Profeta.

Com a finalidade de desenvolver uma leitura do Alcorão Sagrado tendo por base
a razão, argumentavam que por meio desta, seria possível separar a revelação autêntica
da fantasia.

Na Mutazila defende-se a unidade divina. Ainda, Deus é aquele que toma


conhecimento do fato quando este se realiza. E para atribuir uma dimensão mais racional
sobre Deus, foi aplicada a filosofia grega, exceto Aristóteles. Ao analisar a produção
teológica desta escola, Dermeghem, ressalta:

Para evitar o antropomorfismo e o que julgavam politeísmo disfarçado,


rejeitavam os Atributos. Declaravam que só a Essência divina e o
Corão, sua palavra criada, eram eternos, ao passo que os sunitas
na grande maioria criam que os Atributos fossem coeternos e que
o Corão fosse incriado (o que coincide, talvez, com o que os cristãos
entendem pelo Verbo (DERMEGHEM, 1978, p. 18).

Na segunda metade do século VIII, começou a fazer parte da Mutazila, um sábio


chamado Ali ben Ismail al-Ashariya (874-936), que após permanecer, durante algum
tempo na escola, proclamou em público que havia professado doutrinas heréticas,
embora nunca tenha escrito um texto refutando o pensamento mutazila.

Em seguida, os membro da Escola de Mutazila passaram a sofrer perseguições,


começaram a perder espaço e foram substituídos pelos discípulos de Ashariya,
responsável pelas principais obras de teologia islâmica.

No que tange ao pensamento doutrinário, os Ashariya muito se distinguiram


dos pensadores da Escola de Mutazila, principalmente em relação à forma como
compreendiam a razão e o intelecto do homem. Verifica-se, com a seguinte definição:

56
As divergências entre os Mutazila e os Ashariya derivavam do
diferente entendimento que tinham do poder da razão humana.
Os Ashariya reconhecem que os seres humanos possuem alguma
vontade própria e poder de raciocínio, mas consideram que estas
capacidades humanas são extremamente limitadas quando
comparadas com a onisciência e onipotência de Deus. Os Mutazila,
por outro lado, tinham uma grande fé nos poderes do intelecto
humano e recusavam-se a aceitar que algumas coisas estivessem
para lá do entendimento humano. Ambas as posições se baseiam
na tradição filosófica islâmica, à qual a teologia islâmica foi buscar
muitas das suas ideias (ELIAS, 2003. p. 47).

4.4 O SUFISMO
Sufismo é a tradução da expressão árabe Tasawwuf, derivada de Suf, cujo significado
é “lã”, devido à veste simples utilizada pelos mestres sufis. Seja no judaísmo, quanto no
cristianismo, há movimentos mistagógicos, totalmente voltados para a espiritualidade. No
islamismo, identificamos a experiência do sufismo.

Para Roger Garaudy (1988), o sufismo é a dimensão mística do Islã, que procura
concretizar os ensinamentos do Alcorão Sagrado, a Suna e os clássicos pilares do islamismo.
Segundo o mesmo autor, é verdadeiro afirmar que a espiritualidade dos monges do deserto
do cristianismo, os mestres espirituais do judaísmo, a ascese budista e o gnosticismo de
Alexandria também influenciaram o sufismo.

Os primeiros mestres do sufismo estão situados nas origens do islamismo, quando a


expansão política do império muçulmano propiciou um contexto de riqueza, poder e prazer. Em
oposição à vaidade e imoralidade, os mestres sufis passaram a propagar a pobreza, a humildade
e o despojamento de tudo o que não é vontade de Allah.

O sufismo também é definido a partir da palavra Suffa, cujo significado é “banco”


de praças ou disponível ao público. Este conceito está relacionado ao grupo, seguidores
de Maomé, que não tinham casas e dormiam nos bancos disponíveis para descanso.
Esse grupo, segundo Garaudy (1988) formou uma grande comunidade onde todos
partilhavam o pão e não havia necessitados entre eles.

Ainda, “tornar-se sufi é assumir a espiritualidade islâmica, é iniciar ou percorrer


o caminho para a iluminação até a Haqiqa e/ou Gnose e/ou Conhecimento. Para isso
cada tradição ou escola sufi tem suas orientações e metodologia própria” (GARAUDY,
1988, p. 49).

Sobre o caminho, também são diversos. Pode ser o jejum, a caridade, a recitação
do Alcorão Sagrado, a meditação, o cultivo do diálogo, o silêncio e/ou a busca coletiva
do discernimento espiritual. Assim, o sufi transcorre para a liberdade, encontra paz,
e encontra Deus. Logo, no sufismo parte da existência do ser humano para atingir a
transcendência, o próprio Deus.

57
GIO
Percebeu a relação entre as primeiras comunidades sufis e a comunidade
judaica de Qumrã ou a comunidade narrada no Livro Atos dos Apóstolos,
2 (Disponível na Bíblia Cristã). Ainda, a relação do sufismo com as Ordem
de São Francisco de Assis?

5 QUEM É DEUS NO ISLAMISMO?


Deus é Allah, o clemente, o misericordioso... o muçulmano faz a Tawhid
(Profissão de Fé), podendo assim, ser chamado de Mwahhid (Aquele que confessa que
Deus é único e uno). Por esta atitude outras são acolhidas, pois a profissão de fé acarreta
consequências teológicas, pois o Alcorão Sagrado não separa a fé da prática diária, logo
vigora não uma ortodoxia, mas a ortopraxia islâmica.

Allah é o Criador, é totalmente outro e se faz presente, é compassivo e íntimo,


nada pode ser comparado a Allah. Além de clemente e misericordioso, ele é santo,
onipotente, onisciente, onipresente, sábio, bondade, amável, poderoso, único, uno... No
alcorão sagrado são noventa e nove nomes atribuídos a Allah. O centésimo nome é
“al ism” que não pode ser traduzido, é o segredo que Allah guarda, é o Mistério. Aqui
podemos perceber convergências com o Judaísmo e Cristianismo. No Judaísmo se faz
uso da expressão IHWH, quatro letras que não são pronunciadas ou “Aquele que é”, o
Senhor, o Mistério. Também no Cristianismo identificamos a Trindade em pericorese, isto
é, o Mistério existente em Deus.

Oportuno o discurso de Agostinho de Hipona sobre Deus. A partir do capítulo VIII


do Tratado sobre a Trindade, dispensa as Escrituras e a Razão para ressaltar o Amor que
irradia o humano a partir de Deus. “Se vê o Amor, vê a Trindade”.

6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO ISLAMISMO?


Segundo a tradição islâmica, o Alcorão Sagrado e/ou Corão, foi revelado por
comunicação direta entre Deus e o Profeta, por mediação do Anjo Gabriel em língua
árabe. Além do grande texto, há a suna, o caminho a ser seguido.

6.1 O ALCORÃO SAGRADO


Segundo Samuel (1997), o Alcorão Sagrado está dividido em 114 suratas
(capítulos), que abordam a vida espiritual, jurídica, social e política dos muçulmanos.
Está dividido em três partes: na primeira revela a profissão de fé islâmica e os atos dos
profetas que antecederam a Maomé, a segunda expõe a vida e/ou peregrinação do
profeta e a terceira constitui um sistema normativo).
58
Segundo Hayek (2001) foi após a morte de Maomé (632), no califado de Abu
Bark (632-634), o Alcorão Sagrado ganhou forma de texto escrito, sendo conservado no
califado de Omar Ibn Al Khattab (634-644).

No entanto, a primeira tradução é datada de 1143, mas atualmente existem


traduções nas principais línguas do mundo, mas somente a versão árabe é considerada
Texto Sagrado (SAMUEL, 1997. Ainda, o alcorão sagrado pode ser interpretado, mas
jamais alterado.

6.2 A SUNA
Não tem a mesma importância que o alcorão sagrado, mas é um documento que
retrata as orientações do Profeta Maomé, preceitos além do alcorão sagrado e virtudes
a serem seguidas pelo muçulmano. É uma fonte posterior, foi o meio encontrado por
Maomé para ensinar os seus seguidores.

7 OS CINCO PILARES DO ISLAMISMO


A grandeza do Islamismo não está apenas na submissão do homem ao seu
Criador, mas no comprometimento com a divindade e com o próprio ser humano, algo
que também é nítido no Judaísmo e no Cristianismo.

Ainda, é um movimento monoteísta mais amplo. O islamismo é uma experiência


de Deus comunitária, com seu modo próprio de viver, que normatiza todos os setores
da vida. Tudo se concentra num sistema normativo-religioso denominado de xaria e/
ou o caminho correto que foi estruturado a partir das fontes sagradas no princípio do
islamismo, através de uma classe de sábios denominados de ulemás e/ou intérpretes
ou legisladores do islã. Disso resultaram os cinco pilares do islã.

7.1 SHAHADA: CRER EM ALLAH, O DEUS ÚNICO


Pode ser definida com a expressão árabe Shahada, o testemunho. O seguidor ou
submisso assume e repete a fórmula “Não há outro Deus e Maomé é seu Profeta”. Deus
é eterno, inato, onisciente, onipresente. E a função humana é se submeter a Deus e
servi-lo. Deus é incomensurável e os homens, incluso Maomé, o Profeta, são mortais. Ao
chegar no fim da vida, Deus julgará a todos os humanos, separando bons para o paraíso
e os maus aos infernos.

59
7.2 SALAT: REZAR CINCO ORAÇÕES DIÁRIAS VOLTADOS
PARA MECA
Todo muçulmano é chamado pela torre da Mesquita. É uma veneração a Deus,
é a submissão ou prostração. É possível fazer em qualquer lugar, mas de preferência
de forma coletiva na Mesquita. Geralmente, na sexta-feira, a comunidade se reúne na
Mesquita para a oração comunitária.

7.3 ZAKAT: SER GENEROSO PARA COM OS POBRES


Todo seguidor ou submisso entrega uma parte de sua renda para obras
assistenciais. É um símbolo da solidariedade coletiva dos fiéis que constituem a Ummah,
a comunidade islâmica.

7.4 RAMADAM: O MÊS DO JEJUM


Ramadã é o mês sagrado para os muçulmanos, é o tempo de ascese e purificação.
É o mês do recebimento do alcorão sagrado. É tempo de se abster, do nascer ao pôr do
sol, de relações sexuais, alimentos e bebidas. Mas vive-se um tempo de alegria, visitas
aos familiares e confraternizações que ocorrem ao anoitecer e seguem até a madrugada.

7.5 HAJJ: IR A MECA AO MENOS UMA VEZ NA VIDA


É a peregrinação que deve ocorrer até Meca ao menos uma vez na vida pelo
muçulmano saudável e que disponha de condições para o feito. É a Casa dos seguidores
e submissos de Allah. Atualmente, Meca tem estrutura para acolher até dois milhões
de seguidores.

Segundo Geiger (1970), o islamismo deve ser analisado como uma continuidade
para os árabes do monoteísmo herdado do judaísmo e do próprio cristianismo. Há uma
possível influência de uma ramificação posterior da comunidade corânica e de cristãos
ou de árabes monoteístas influenciados pelo judaísmo.

Assim, fortalece a tese que os pilares da fé islâmica, tem origem no judaísmo


e no cristianismo primitivo (RABIN, 1957). Portanto, qualquer reutilização que deles se
faça será apenas a interpretação daquilo que originalmente pertenceu a estas tradições,
o que é até mesmo reconhecido pelos primeiros exegetas muçulmanos, que não
demonstraram qualquer hesitação em reconhecer a origem judaica e cristã em muitos
termos religiosos contidos no Alcorão.

60
8 BUSCA DE PONTOS COMUNS
Então, nesta unidade os objetivos a serem alcançados eram, primeiramente,
conceituar o que é Teologia e expor seus aspectos metodológicos, para que fosse
possível perceber que não há construção científica sem método.

A seguir, o assunto esteve relacionado com a origem e desenvolvimento da


Teologia Judaica, que fez uso de diversas fontes, inclusa a oralidade e a escrita. Num
terceiro momento, a reflexão foi em torno da teologia cristã, que surgiu via problemático-
teológica vivenciada pelo judaísmo após a queda de Jerusalém no ano 70 d.C. E para
fechar a unidade, foi apresentada a origem e desenvolvimento da teologia islâmica,
ressaltando a influência das tradições anteriores, divergências e pontos comuns no
processo de construção da teologia islâmica.

Sobre os pontos comuns, é muito oportuna a posição do Papa João Paulo II, quando
discursou aos jovens, em Casablanca, Marrocos, em 19 de agosto de 1985. Disse o Papa:

Cremos no mesmo Deus, o Deus único, o Deus vivo, o Deus que cria
os mundos e leva os mundos à sua perfeição”. Embora se possa
afirmar que cristãos, muçulmanos e judeus creem em um mesmo
Deus, a forma de conceber sua unicidade é diferente. No Judaísmo o
monoteísmo é soteriológico e surge no âmbito da Aliança entre Deus
e o povo escolhido. No Cristianismo, este monoteísmo é mediado por
Jesus Cristo e assumido no seio de uma diferenciação intratrinitária.
No Islã, por sua vez, o monoteísmo é ontológico e dogmático, sem
ligação direta com uma aliança histórica. A unicidade de Deus
está inscrita na natureza original da criação e do ser humano, pois,
segundo o Alcorão Sagrado, Surata 7, 172-173, na pré-eternidade já
se realizou uma profissão de fé nesta unicidade. Por isto, segundo um
Hadi de Maomé, “Todo recém-nascido é muçulmano; seus pais é que
o fazem judeu, cristão, muçulmano” (GEFFRÉ, 2001, p. 92).

Ainda, no texto teológico foram feitos apontamentos da história da teologia


com a experiência religiosa de hebreus, gregos, romanos e árabes, inclusa a influência
política no monoteísmo das mesmas religiões.

Assim, podemos concluir que a força e persuasão das tradições — judaísmo,


cristianismo e islamismo — está mais na espada do que na fé? O judaísmo faria história
sem estar ligado ao trono de Davi? Teria sobrevivido o cristianismo sem o Império
Romano? O islamismo seria o que é sem o poder do Império Árabe?

E mais, nas tradições religiosas debatidas durante a unidade, é inegável a


vasta produção teológica, mistagógica e artística. Os grandes sábios judeus, cristãos e
islâmicos, antes de expressarem sobre Deus, fizeram uma antropologia na qual ressalta
que o ser humano em torno do Mistério existente em Deus, torna-se é mais humano e
responsável por tudo o que Deus fez de melhor, o próprio ser humano e a Terra, nossa
casa, mas diante do excesso de interrogações, seria fundamental ouvir os grandes
mestres da Teologia.

61
GIO
Sugestão para aprofundar o assunto estudado:
• BOFF, Leonardo. Definição de Deus. Disponível em: https://bit.ly/3lkWW06.
• TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: a
arte do possível. São Paulo: Santuário, p. 119-221, 2008.

62
LEITURA
COMPLEMENTAR
DO PLURALISMO RELIGIOSO À DIVERSIDADE CULTURAL: A FRANÇA ENFRENTA O
MEDO DA FRAGMENTAÇÃO SOCIAL

Martine Cohen

A visão histórica panorâmica primeiro nos mostrou o progressivo alargamento


do pluralismo religioso em relação à única religião não cristão presente na França no
século XIX, o Judaísmo. Mas o não respeito desse princípio no que diz respeito aos
muçulmanos na Argélia Colonial demonstrou a relutância de uma França culturalmente
(religiosamente) cristã, quando frente a “outros” que estavam numa posição demográfica
que lhes possibilitaria oporem-se a seu poder colonial se tivessem direito à cidadania
plena. Os judeus argelinos (entre 15 e 20 mil pessoas em 1831), por contraste, receberam
o mesmo status político que os judeus franceses, a saber, aqueles de um cidadão
francês que goza de plenos direitos. Entretanto, as duas maiores crises que colocaram
em perigo seu lugar dentro da estrutura nacional e até mesmo os excluíram por alguns
anos (o Caso Dreyfus e o Governo de Vichy) mostraram a persistente concepção de uma
identidade francesa católica.

Quando a França do pós-guerra os reintegrou, a aceitação explícita do secularismo


pela Igreja Católica assegurou o regime republicano, que começou a ampliar seus princípios
de pluralismo religioso e a incluir outros grupos minoritários. Mais tarde, o contínuo
processo de secularização, assim como o bem-estar econômico e o individualismo moral
permitiram uma abertura da sociedade francesa à diversidade cultural. A persistente
discriminação contra imigrantes árabes-muçulmanos, porém, colocou em dúvida a
eficiência do modelo do “direito à diferença” como meio de integração.

O desejo de retornar ao “modelo republicano” e de considerar os imigrantes e


seus filhos como “muçulmanos”, de acordo com o antigo padrão denominacional, foi
então reforçado na opinião pública por novos fatores: o surgimento do Islã político tanto
no cenário internacional quanto no cenário nacional, assim como o crescente impacto
dos conflitos religiosos e políticos no Oriente Médio nas relações entre os judeus e os
muçulmanos franceses.

O medo da fragmentação social a partir de diferenças “étnicas” ou religiosas


resultou, desta maneira, em um novo debate sobre a laïcité enquanto realidade oposta
ao multiculturalismo, termo que se tornou sinônimo de “separatismo”. Multiculturalismo
em um mundo global vs secularização em “velhas” identidades nacionais A secularização
implica não apenas na limitação da religião à esfera específica da realidade social de

63
cada um e o declínio da prática religiosa, mas também na possível transformação de
alguns símbolos e celebrações religiosas em festivais seculares ou sinais patrimoniais.
Esses processos de secularização hoje em dia são questionados pela globalização
e pelo crescimento de um Islã radical. Com a globalização, as sociedades ocidentais
desenvolveram relações íntimas com sociedades não-secularizadas a partir de onde
imigrantes podem ou fazer parte do processo de secularização de suas estruturas
nacionais (esse parece ser o caso da maioria deles), ou não. Destarte, símbolos
secularizados como a árvore de Natal, por exemplo, podem agora ser considerados “não
neutros” e relacionados ao seu contexto cristão, como é o caso em vários países do
Ocidente (França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, etc.).

Em reposta, a opinião pública pode reconsiderar esse símbolo ou como parte de


uma identidade coletiva comum – e defender seu uso – ou como a sobrevivência de um
símbolo religioso que deve ser removido para não ofender os recém-chegados – isso
foi feito, por exemplo, com a transformação dos desejos de “Feliz Natal” em desejos
de “Boas Festas”. Desta maneira, sinais “religiosos” podem ser usados por sociedades
ocidentais como parte de seu contexto cultural, definindo uma identidade mais ou
menos nacional (assim como no plano local ou europeu), incluindo ou em conflito com
as culturas imigrantes. Essa possibilidade de conflito pode, por sua vez, ser explorada
pelo Islã político radical, especialmente (mas não apenas) quando a integração de
imigrantes muçulmanos é difícil e até mesmo falha (por conta de discriminação, crise
econômica ou pelas enfraquecidas capacidades de integração do Estado). Confrontando
essa proposta alternativa para uma identidade transnacional muçulmana, o debate
sobre “símbolos religiosos” se transformou em um debate sobre “identidade nacional”.
Identidades religiosas globais se tornaram uma estrutura competidora possível para
aquelas dos Estados Nacionais. Em um mundo global, o multiculturalismo desestabiliza
“velhas” identidades nacionais.

Ele coloca em questão a suposta neutralidade dos Estados liberais modernos


que foram construídos no mundo ocidental – especialmente na França, onde o modelo
político de uma nação construída sobre bases cívicas “encobriu” a realidade social de
uma maioria cultural católica. Desta forma, se nós pretendemos preservar a existência
de uma estrutura nacional, como podemos elaborar novos “compromissos” em um
contexto de um mundo global conflituoso? Como podem as democracias continuar a
manter e administrar seu pluralismo existente – que inclui o direito de cada indivíduo a
sair de seu grupo primário – contra ataques extremistas e identidades radicais?

FONTE: Revista de Estudos da Religião setembro, 2010, p. 48-69. Disponível em: https://bit.ly/3jhH5hl.
Acesso em: 3 fev. 2020.

64
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• Os elementos fundamentais da evolução histórica da Teologia Islâmica. Entre eles,


a transição do politeísmo para o monoteísmo, algo semelhante também ocorrido na
origem do Cristianismo quando Teodósio definiu a fé cristã enquanto fé para todos do
Império Romano.

• No processo de elaboração da ortodoxia islâmica, fica nítida a preocupação com o


Texto Sagrado e a valorização da tradição oral, o que foi muito importante na história
da teologia judaica.

• No final, há a busca dos pontos comuns existentes nas três grandes tradições
religiosas aqui analisadas.

65
AUTOATIVIDADE
1 No decorrer dos estudos foram expressos diversos discursos teológicos que ressaltam
a presença de teólogos que investigaram sobre Deus. Ainda, “[...] todas as religiões
devem ser mais sensíveis às exigências do humano. Este patrimônio humano de todos
os seres humanos é um critério ético geral, válido para todas elas em seu conjunto.
Mas as religiões também devem lembrar-se continuamente de sua essência primitiva,
que resplandece em suas origens, em seus escritos canônicos e em suas instituições
básicas. Ao mesmo tempo, deverão estar muito atentas a seus críticos e reformadores,
profetas e sábios, que lhes lembram constantemente as infidelidades [...]” (KÜNG, 1999,
p. 280). Há atitudes nas tradições religiosas estudadas que confirmam a afirmação?

a) Islamismo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:


b) Cristianismo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:
c) Judaísmo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:

2 De acordo com os estudos realizados até agora, são visíveis as diferenças e os


pontos comuns nas tradições religiosas da Unidade I, entre as semelhanças, é
verdadeiro afirmar:

( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados dispensou a


tradição oral, passando a fazer uso da escrita e hermenêutica.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados fez uso
apenas de escritos abraânicos e a hermenêutica.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados fez uso
apenas da tradição oral e escrita.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados fez uso da
tradição oral, escrita e hermenêutica.

3 O islamismo tem os “cinco pilares” ou atitudes sagradas como parte da ortodoxia,


revelando que a fé não está limitada à submissão do ser humano ao seu Criador,
mas no comprometimento com a divindade e com o próprio ser humano, algo que
também é nítido no Judaísmo e no Cristianismo. Conforme os estudos realizados, é
verdadeiro afirmar que os “cinco pilares” são:

a) ( ) Jejum, confissão, crer em Allah, páscoa e ir a Medina uma vez na vida.


b) ( ) Confissão, crer em Allah, oração, esmola e ir a Meca uma vez na vida.
c) ( ) Jejum, crer em Allah, prece coletiva, meditação e ir a Jerusalém uma vez na vida.
d) ( ) Oração, jejum, caridade, crer em Allah e ir a Meca uma vez na vida, conforme
a possibilidade.

66
UNIDADE 2 —

A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO,
BUDISMO, XINTOÍSMO
E TAOÍSMO: CONCEITOS,
HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO
DOS PONTOS COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a origem e desenvolvimento teológico no Hinduísmo;

• entender a origem e desenvolvimento da Teologia no Budismo;

• identificar a origem e desenvolvimento da Teologia no Xintoísmo;

• assimilar a origem e desenvolvimento da Teologia Taoísta;

• ressaltar os pontos comuns no pensamento teológico oriental, assimilando o


conceito de teologia em nós e/ou o que pode ser alcançado pelo humano na História
da Teologia no Oriente.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS NO HINDUÍSMO


TÓPICO 2 – TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO
TÓPICO 3 – TEOLOGIA NO XINTOISMO: A BUSCA POR DEUS NO XINTOISMO
TÓPICO 4 – TEOLOGIA NO TAOISMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO

CHAMADA
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67
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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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68
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR
DEUS NO HINDUÍSMO

1 INTRODUÇÃO
Percebemos que as experiências religiosas e teológicas e/ou a busca por Deus
no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo percorreram um caminho de dentro para fora,
de forma horizontal e vertical. Foram buscas e definições que resultaram convergências
e divergências. Nestas, Deus é Um e Único, tem um nome, é distante e ao mesmo
tempo próximo.

Entre as convergências identifica-se um Deus, porém com infinitas


interpretações. Cada leitor dos textos sagrados, seja vinculado ou não ao Judaísmo,
Cristianismo ou Islamismo, a partir do contexto vital em que está inserido, com sua
economia, situação geográfica, política, social e cultural poderá fazer uma interpretação,
podendo resultar em novas compreensões sobre Deus, resultando em escolas teológicas
ou comunidades de fé.

Ainda, a partir das interpretações teológicas pode ser feita uma releitura de
Textos Sagrados para justificar guerras, fogueiras, inquisições, xenofobias, homofobias e
outros males que nada tem em Deus. Mas as interpretações podem resultar também em
amorosidade, altruísmo, sustentabilidade, comunhão, irmandade, fraternidade, direitos
humanos, coexistência e justiça social.

No ocidente há uma “Teologia em Si”, na qual o teólogo busca e atinge seu


objeto na medida exata em que este se revela. Daí procede a contextualização teológica
e os procedimentos hermenêuticos.

No oriente, há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo busca e expressa aquilo


que alcançou mediante experiência com o Mistério e seus procedimentos hermenêuticos.
Por isso, ao tratar da História da Teologia no Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo e Taoísmo,
mais oportuno será o auditus fidei para o intelectus fidei, ou seja, vamos ouvir antes do
que pensar o percurso trilhado para buscar por Deus.

Destarte, neste tópico, o caminho a ser percorrido para a busca de Deus é


inverso, buscar Deus no próprio humano. É na interioridade que está o Mistério. É um
caminho talvez mais difícil de ser percorrido. É no encontro com o eu, que Deus pode ser
encontrado, sinal que não há necessidade de sair do planeta para experimentar Deus.

69
Ao conceituar a Teologia, não ficamos delimitados às orientações de uma
determinada tradição religiosa, ampliamos a ideia de Teologia enquanto estudo de Deus
ou da Revelação de Deus, para afirmar que Teologia é busca pelo absoluto na própria
existência e/ou busca por Deus. Sartre (1978, p. 5) já havia orientado: “A existência
precede a essência”.

NOTA
Em sua famosa conferência de 1946, em Paris, o filósofo Jean Paul Sartre (1905-
1980) apresentou o conceito de “Existencialismo”. Segundo o autor, a essência é
definida pelas suas escolhas, pela interpretação que o ser humano faz do mundo
a sua volta, de suas experiências. Ao ser lançado no mundo o ser humano tem
tudo indefinido, mas tem a liberdade para fazer suas escolhas (SARTRE, 1978).

Ainda, faremos, neste tópico, um resgate histórico da teologia e/ou busca por
Deus no Hinduísmo, que ao lado da religião do Zoroastro, é a mais antiga experiência
religiosa da história. Veremos que a expressão Hinduísmo está relacionada ao rio Sindhu
ou Hindu, situado entre a antiga Pérsia e a antiga Índia.

2 AS VERDADES ETERNAS
Na Índia antiga, aproximadamente, há cinco mil anos, viviam os arianos ou indo-
arianos e tinham como experiência religiosa a Ária Dharma, ou religião dos Arianos.
Também era definida por Manava Dharma ou Religião do Homem. Ainda, há a expressão
Sanatana Dharma ou a Religião Eterna. Os persas chamavam os arianos de povos do
Hindú e a religião deste de Religião dos Hindus. Daí resultou a expressão Hinduísmo.

No Hinduísmo não há um personagem protagonista como encontramos


no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Enquanto religião eterna, o Hinduísmo tem
enquanto fundamento as “Verdades Eternas” ou “Verdades Sagradas”, definidas por
diversos sábios anônimos, pessoas iluminadas que fizeram o caminho de busca por
Deus e/ou teólogos.

Por muito tempo estas “Verdades Eternas” foram preservadas pela tradição oral
e ensinadas pelos sábios, pessoas que falavam mais pelo exemplo do que por palavras.

A fonte das “verdades eternas” são sábios desconhecidos e reconhecidos pela


tradição. Devido à moral ilibada, eram considerados sábios ou aqueles que encontraram
Deus. Estas “Verdades Eternas” são definidas por “Vedas”, devido ao trabalho de um
sábio hindu, chamado de Krishna Dvaipayana Vyasa, que decidiu transcrever os grandes

70
ensinamentos recebidos de sábios que o antecederam. Desse trabalho resultou o livro
mais sagrado no Hinduísmo, o Livro dos Vedas, dividido em quatro partes: Rig-Veda,
Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda.

Como gesto de gratidão pelo trabalho realizado por Krishna, ele passou a ser
chamado de Veda Vyasa. Anualmente, os hindus celebram o aniversário deste sábio, é
o dia do guru ou Professor Vyasa.

NOTA
É possível encontrar textos que aclamam Krishna como um Deus. No
Hinduísmo, ele está entre os heróis do passado. É um sábio muito próximo
da expressão “santidade” do cristianismo. Porém, há uma criatura sagrada
denominada de Krishna, ela é a manifestação de Brahma, a suprema
divindade no Hinduísmo.

Todavia, a origem do povo hindu é bem mais antiga que o Hinduísmo, é marcada
por dois períodos históricos da Índia antiga: o período harappeano e o védico. No período
harappeano (aproximadamente entre 3300 e 1700 a.C.), chegaram a desenvolver a
metalurgia e a arte em cerâmica. Nas cidades havia uma organização social, política,
econômica e religiosa. No período védico, (aproximadamente entre 1750 e 500 a.C.) foi
gestado o Hinduísmo.

No Hinduísmo, a vida é um processo de sucessivas reencarnações. Cada


reencarnação pode gerar um humano mais humano, mais capaz, completo, ético,
consciente e livre. Haverá um momento em que não será mais necessária uma nova
reencarnação porque o humano atingiu o ápice do Hinduísmo, a Moksha, o estágio
da libertação.

Porém, antes da experiência espiritual da Moksha e/ou santidade na linguagem


cristã, cada humano tem uma razão de ser, cada vida tem um sentido. Ninguém nasce
para sofrer, a felicidade é a vida. E para que isso aconteça, o hindu tem plena consciência
da dimensão da Kama, Artha e Dharma para um dia concretizar em seu ser a realidade
da Moksha.

2.1 A KAMA
O humano é por excelência um ser do prazer, o que para o catolicismo foi
definido por “pecado”, caminho para eventuais impurezas. No Hinduísmo, Kamadeva é
uma ação sagrada que estimula o humano a vivenciar o prazer. Kama está relacionada à
dimensão do amor enquanto Eros e/ou sexual. Kama é o sentimento profundo da erótica,

71
a vontade de dar e receber carinho ao mesmo tempo. Kamadeva é divino, definindo
a erótica enquanto sagrada, bela e parte do humano. Sem o Eros, o humano torna-
se fonte de traumas, incompleto, triste, podendo passar a vida em conflitos diversos e
sendo causa de conflitos. Ainda, na solidão o humano pode substituir o vazio pelo poder,
ganância e outras vaidades.

2.2 A ARTHA
Como viver sem o necessário para a própria subsistência? A Artha não pode
ser entendida enquanto meio de estímulo ao capitalismo, mas enquanto dimensão
sagrada, parte da vida, que propicia o bem-estar. As principais causas do sofrimento
humano estão relacionadas à falta do imprescindível para a vida. Assim, as atividades
profissionais e/ou laborais estão ligadas à religião, recebendo estímulos e valorização.

2.3 A DHARMA
No percurso histórico de cada humano, seja nas relações sociais e vida familiar,
cada um tem suas próprias obrigações. Quando criança, deveres de criança, quando
adolescente deveres de adolescente, quando adulto, deveres de adulto e quando idoso,
deveres de idoso. Cada um tem um sentido próprio. A vida não é um vazio inútil. Cada
humano tem o seu valor, independente da faixa etária ou gênero. Cada humano é único,
com suas habilidades e competências.

A palavra Dharma pode ser definida por “missão do eu” e/ou “a identidade de
cada humano no Cosmo”. O Dharma é o nascimento dentro do espaço e tempo. Ainda,
pelo Dharma explica-se e justifica-se a classe social na qual o humano está.

Assim, aquele que nasceu nas instâncias do poder tem o dever de saber
governar e legislar partindo do princípio que Brahma é perfeito e justo. O agricultor tem
a função pré-estabelecida de cultivar a terra e o sacerdote de aprender e viver os rituais,
sem desejar o poder.

Isso pode ser interpretado, sem os princípios básicos do Hinduísmo, enquanto


feudalismo ou conformismo ou legitimação do poder através da religião como ocorreu
com o “culto aos imperadores romanos” implantado no governo de Otávio, o Augustus
(27 a.C. – 14 d.C.). Ainda, pode legitimar poderes a exemplo da Monarquia no Estado do
Vaticano, na qual o sucessor do apóstolo Pedro, também exerce o governo.

No Hinduísmo todo humano tem um “dever ser”, muito próximo do imperativo


categórico de Immanuel Kant (1724-1804). Cada um cumpre sua função pelo bem de
todo um sistema cósmico, cada um tem o seu karma, isto é, um agir que pode possibilitar
a evolução ou o declínio do humano.

72
2.4 A MOKSHA
Da mesma forma que no Budismo, o hindu confia na possibilidade de um dia
atingir um nível espiritual superior a ponto de dispensar a realidade material, sendo, a
partir desta experiência, desnecessária a reencarnação. No Budismo é a experiência
do Nirvana enquanto no Hinduísmo é a Moksha, porém, não há outro caminho para a
liberdade a não ser a própria existência. Logo, Kama, Artha e Dharma são instrumentos
ou caminho para a Moksha.

3 CASTAS, KARMA E O SAMSARA


No Hinduísmo tudo está inter-relacionado e/ou cada ser vivo e cada objeto
existente está conectado. Independentemente do tamanho ou lugar que ocupe
na imensidão do universo, nada deixa de ser parte de um todo, cada um com uma
identidade própria, cada um com sua importância.

O âmago da teologia hindu é o “dever ser”, uma vida de acordo com a moral e a
lei para o processo de libertação no ciclo de reencarnações. A vida tem uma organização
lógica, quase matemática, logo, a experiência religiosa hindu fortalece a tese da
predestinação ou Dharma, no qual tudo está determinado, incluso a possibilidade de
o humano evoluir até um determinado limite, isto é, a iluminação ou santidade, na
perspectiva cristã ou perfeição segundo o Islamismo.

3.1 O KARMA
O Karma é o agir ou fazer. É a ação do humano a partir do seu próprio Dharma.
Incluindo outras experiências vitais do ser humano, o sistema cósmico reage, definindo
o que cada um passa a ser. Na teologia hindu podemos identificar três conceitos
de Karma.

• Sanchita Karma: nas experiências vitais do passado, as ações positivas e negativas,


são preservadas no humano e repercutem no presente, assim como repercutirão no
futuro, definindo sua real identidade.
• Agami Karma: cada ação há uma reação. Passado, presente e futuro estão interligados.
O que plantei, planto, também colho e colherei. Assim, sejam ações positivas quanto
negativas surtem efeitos no humano.
• Prarabdha Karma: é o que o humano é no tempo presente. É o humano como ele é e
está na existência, isto é, é o ser livre, aberto à transcendência. É o efeito das ações
passadas, é o ponto de partida para evoluir ou não.

73
3.2 SAMSARA
Pelo conceito de Dharma e Karma, o humano é parte de um sistema que envolve
nascimento, vida, morte e renascimento. É o Samsara, é o ciclo da vida. Enquanto estiver
apegado ao prazer e à matéria, o humano acumula karmas, permanece na imaturidade.
Para atingir a libertação e/ou a maturidade, para migrar do Samsara para a iluminação,
faz-se necessária a intervenção de Shiva, o Senhor dos Crematórios, é o sopro da vida,
“é aquele que vem em auxílio de nossa fraqueza” (Carta aos Romanos 8, disponível na
Bíblia Cristã), é a mesma imagem do Espírito Santo do Cristianismo. É Shiva que desce
no mais profundo da existência humana, é Ele que liberta o humano das trevas para
Brahma, a luz.

3.3 EXEMPLOS DE CASTAS NA ÍNDIA ANTIGA


Não há um número definido sobre as castas no Hinduísmo. O que se sabe é que
são milhares ou como as estrelas do céu. Na história da índia, antes de 1947, ano da
Independência política, foram delimitadas quatro castas.

• Brahmanes: os iluminados, que era uma minoria, classe social formada por intelectuais,
sábios e sacerdotes.
• Kshatriya: os braços de Brahma, que eram os políticos e militares, que deveriam
seguir as orientações dos brahmanes.
• Vaishyas: as coxas de Brahma, cuja função era cultivar a agricultura e desenvolver
o comércio.
• Sudras: a classe predominante, constituída de artesãos, pequenos camponeses
e operários.

Além das castas, há ainda, os Dalits, os intocáveis. São os que violaram o sistema
de castas em vidas passadas. São aqueles que exercem atividades como limpeza de
esgoto, lixo e manejo dos mortos.

4 GHANDI: O VAISHYA ILUMINADO QUE SE FEZ DALIT


Mahatma Gandhi nasceu em 1869, quando a Índia já era colônia da Inglaterra.
Sua casta era a dos Vaishyas, dedicada ao comércio. Em 1891, Gandhi foi a Londres
onde se graduou em Direito. Em 1893 foi à África do Sul, onde viu os horrores sofridos
pelo povo hindu, como perseguição e preconceitos. Aprofundou os estudos sobre o
Hinduísmo, analisou o Cristianismo e o Islamismo.

Em 1884, já na Índia, ingressou na política, passando a fazer oposição ao sistema


político que oprimia os indianos. Em 1908, ele publicou o livro Autonomia Indiana, no
qual questiona os valores ocidentais.

74
Com o final da Primeira Guerra Mundial, em 1917, fortaleceu o movimento
nacionalista através da participação ativa no Partido do Congresso Nacional Indiano,
cujo objetivo era a Independência da Índia, a democracia, a igualdade política entre os
Estados, a tolerância religiosa entre Hinduísmo e Islamismo, as reformas econômicas
necessárias na Índia e o fim do sistema de castas. Gandhi foi o Vaishya que se fez
Dalit, visto que era comum encontrá-lo lavando latrinas, dando o exemplo aos
seus seguidores.

Em 1922, na greve contra o aumento de impostos, Gandhi reuniu milhares de


pessoas. Na oportunidade, ele foi acusado de danificar o patrimônio público, sendo
processado e condenado a seis anos de prisão.

Em 1924 foi libertado, se afastou do ativismo político, passando a dedicar ainda


mais à meditação. Em 1930, organizou e liderou a “Marcha para o Mar” ou “Marcha
para o Sal”, percorrendo mais de 300 quilômetros, sendo acompanhado por milhares
de pessoas para protestar contra a dominação inglesa e os sucessivos aumentos de
impostos, entre eles o imposto do sal. Em seus discursos, Gandhi, dizia “vamos buscar
o sal...”

Além de enfrentar de forma pacífica o problema político, Gandhi, enfrentou o


problema político religioso, talvez o mais violento da história da Índia. Gandhi defendia a
tolerância religiosa entre Hinduísmo e Islamismo, mas Mohammed Ali Jinnuah projetou
a instalação de um Estado Muçulmano na Índia, que resultou em intensos conflitos.

Em 1932, Gandhi chama a atenção da comunidade internacional pela greve


de fome, exigindo a retirada imediata dos ingleses da Índia. Em 1942 foi preso mais
uma vez.

Em 1947, os ingleses reconheceram a independência da Índia, mas preservaram


sua dependência econômica. A seguir, os conflitos entre seguidores do Hinduísmo e
Islamismo se espalharam por toda a Índia., resultando na aprovação do cisma entre
Índia hindu e o lado muçulmano, onde está o atual Paquistão.

Um desses conflitos ocasionou o assassinato de Gandhi em 30 de janeiro 1948,


tendo como autor um brâmane fundamentalista que refutava o diálogo inter-religioso
entre Hinduísmo e Islamismo.

A filosofia de Gandhi foi a conquista de direitos sem violência. Para ele a


libertação humana era possível pela meditação e o jejum, instrumentos viáveis para o
domínio dos sentidos e sentimentos.

Segundo Lopez Martinez (2006), Gandhi encontrou a Ahimsa, uma filosofia


ou teologia hindu que normatiza o comportamento humano para a não violência, e a
Satyagraha, texto sagrado hindu no qual consta que a ausência total do desejo de fazer
o mal a qualquer ser vivo é regra de vida.

75
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO HINDUÍSMO?
No Hinduísmo contata-se a existência de um forte vínculo entre arte, ciência e a
teologia. O humano deve adaptar-se à ordem natural do cosmo, aceitar a vida e a morte,
admitindo a ideia de absoluto, infinito e finitude.

A arte hindu vincula os seres existentes e o Cosmo, unificando o material com o


espiritual, possibilitando ao humano a visualização do mundo espiritual. Na antiguidade,
por volta de 1500 a.C., a arte hindu era esculpida em rochas e/ou regiões montanhosas,
delimitando o espaço enquanto sagrado. Ainda, procura comunicar humor, beleza e gosto.
Elgood (2011) ressalta que no Templo de Kandariya Mahaveda, do século XI, as imagens
são carregadas de exuberância erótica, certificando que a Kama e/ou prazer constitui uma
dimensão humana sagrada.

A ciência proporciona a felicidade suprema e para atingir este nível é


imprescindível a meditação. A consciência deve constituir um único pensamento, capaz
de fazer do humano um ser indiferente em relação a tudo o que há no mundo material.
É uma experiência em que o humano não alimenta desejo algum.

Até o final do período védico, 500 a.C., era permitido sacrificar animais e comer a
carne, mas com o Budismo e Jainismo foi introduzido no Hinduísmo o princípio da não
violência, evitando efeitos para o kharma. Logo, a ideia de coisa ou experiência sagrada
no Hinduísmo difere de tudo o que encontramos na Unidade 1, incluso o conceito de Livro
Sagrado. São sagrados porque estão relacionados com o humano e própria natureza.

Quando algo é definido enquanto sagrado, automaticamente, há a delimitação de


um sistema de normas punitivas. Por exemplo, aquele que maltratar um animal, poderá
ser submetido ao sistema punitivo religioso. Logo, a dimensão espiritual torna-se fonte
jurídica, ponto comum entre as tradições religiosas.

Historicamente, nada diferente do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, o


Hinduísmo produziu uma vasta produção teológica, resultando em seus próprios textos
sagrados. São eles: Vedas, Upanissades, Smrits e Bhagavad Gita.

5.1 OS VEDAS
O Livro dos Vedas é o Livro da Sabedoria, um dos mais antigos da literatura
teológica, tendo aproximadamente 4000 anos de existência. É totalmente vinculado ao
transcendente. Disso resulta a dogmática dos Vedas, sua ortodoxia e sistema normativo,
isto é, não recebeu qualquer intervenção humana.

76
A expressão “Veda” significa céu, luz ou sabedoria. Cada Veda, cada ensinamento
é separado em dois momentos: o mantra (samhita) e a interpretação (brahmana). A
literatura védica é composta por quatros livros que compõem uma teologia védica
que está dividida em Rig-Veda, Sama-Veda (A Sabedoria dos Cânticos), Yajur-Veda
(Sabedoria dos Sacrifícios) e Atharva-Veda (Sabedoria dos Sacerdotes).

Nos Vedas está a fonte do conhecimento teológico, filosófico, antropológico e


medicinal no Hinduísmo, no qual tudo está integrado. Humano, Deus e Natureza formam
um corpo cósmico.

No texto são inúmeros os rituais, que revelam a intimidade entre humano,


divindade e natureza, através de hinos e/ou mantras (a mente livre), podendo ser gerar
ao recitador uma vida longa, saudável, próspera e iluminada.

O resultado de práticas espirituais a partir de mantras pode propiciar ao


praticante, além de uma vida ética, pacífica e feliz, elevar a pessoa à experiência pessoal
com o transcendente, Deus, o Único ou Absoluto, aquele que não é criado.

Os hinos ou mantras formam uma grande coletânea extraída dos grandes sábios
do Hinduísmo, os heróis, personagens iluminados da história e da tradição oral. Muitos
eram sacerdotes, mas nem todos.

Estes sábios eram aclamados como visionários. Pela iluminação revelaram a


verdade ao humano comum. São eles que portam o segredo que conduz o humano a
Deus, Único, o não nascido.

O mantra deve ser repetido por várias vezes até a conexão com a energia divina.
É a ligação direta com Deus. Há mantra para a limpeza da mente, prosperidade, amor,
compaixão etc. Por exemplo:

• Mantra OM: é o som do Uni-Verso, unindo o Humano ao Cosmo.


• Mantra OM Namah Shivaya: é o som da purificação do corpo e da mente.
• OM Ganapataye Namaha: é o som da prosperidade e bem-estar.
• OM Mani Padme Hum: é o som da compaixão, para bloquear que a maldade alheia
contamine o recitador do mantra.
• Har Krishna, Hare Rama, Rama Hare: é o som da iluminação, podendo levar o recitador
até Deus.

No Rig-Veda é comum a presença de mantras que ressaltam a medicina hindu


ou medicina sagrada: “Os médicos, curadores dos humanos curaram com o frio e o
calor. Nutriram com o alimento e o livraram da escuridão” (RIG-VEDA,1957, p. 111).

Segundo Keneth Zysk (1985), o Livro Sagrado Rig-Veda faz importante menção
às profissões existentes na antiguidade. Entre elas destacam-se o médico, o marceneiro
e o sacerdote (RIG-VEDA, 1957). Keneth Zysk (1985). Ainda destaca que a medicina hindu
era inseparável da religião.

77
Quanto à medicina, destacam-se a plantas medicinais e o uso da água enquanto
remédio principal ao humano. “A água elimina doenças de qualquer ser vivo... que a água
seja seu remédio para o acontecer da sua felicidade” (RIG-VEDA, 1957, p. 118).

5.2 UPANISSADES OU UPANIXADES


Não é possível definir a data correta e nem os autores deste texto sagrado.
Provavelmente, o Upassades ou Upaxades foram escritos durante o século XVI a VII
a.C., bem antes que a Bíblia Judaica e Cristã. É o livro de invocações. É uma teologia
ad intra, isto é, em vez de buscar Deus fora do humano, faz o caminho inverso, procura
Deus na interioridade, levando ao autoconhecimento. É a busca pela dimensão sagrada
que habita em cada humano.

O princípio básico do livro é a realidade intrínseca existente entre humano e


o mundo. A sabedoria proporciona a paz e a felicidade, objetivos possíveis, mediante
prática da meditação.

As narrativas se dividem em profissões de fé no espírito particular e o espírito


universal. São elencados diversos seres, como semideuses, próximo do humano, mas que
vivem em sintonia direta com Brahma, o Absoluto, que não é feminino e nem masculino.

Os autores sagrados tiveram também grande preocupação com a consciência


e a mente humana. Aqui fica nítida a preocupação com o ego, a interioridade e a
espiritualidade. Muito distantes da origem da psicanálise, os hindus estavam muito
avançados no processo de busca e entendimento da psiqué humana.

Uma frase muito comum no Livro é “No princípio era Água...” o Germe nascido
na Água é fonte para Brahma, que sai do “Ovo de Ouro” para ser o Criador do Céu, Terra,
Humano... o Germe é um Ovo de Ouro, é brilho, é Luz, irradia vida.

Para Shattuck (2001), esta teologia passou a ser dominante a partir do século
IV, considerando a nova cosmovisão que apresenta a ideia de unificação de tudo e de
todos, muito próxima da ideia de comunhão e consubstancialidade entre imanência e
transcendência no Cristianismo, algo também semelhante na física quântica. Para a
autora o Hinduísmo vem evoluindo. Por exemplo, a questão do dote foi sendo extinta
enquanto ritual, devido às mudanças sociais. Como no universo, no Hinduísmo nada é
estático, tudo é reinterpretado a partir das Escrituras védicas.

Da mesma forma que no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, há muitas


interpretações e reinterpretações das Escrituras. Há procedimentos hermenêuticos e
há o perigo do fundamentalismo. Ora interpretam-se os textos sagrados, ora repete-se
ao pé da letra, sem qualquer contextualização. É o grande perigo de ler o texto fora do
contexto com pretextos militares, políticos e econômicos.

78
Seja qual for o texto sagrado, pode ser feita uma leitura para a paz, cuja finalidade
é o crescimento espiritual, podendo fazer um ser humano melhor, mais voltado para o
bem-estar humano, porém, podem ocorrer leituras e interpretações tendo por objetivo
a preservação ou busca do poder, legitimando barbáries, o que foi demasiadamente
utilizado no processo de conquistas de territórios onde estavam culturas milenares.

5.3 SMRITS OU CÓDIGO DE MANU


Manu, segundo a ortodoxia Hinduísta é o filho de Brahma e o grande legislador. Foi
aquele, a exemplo de Moisés, foi o mediador entre o Absoluto e o Humano. Foi através de
Manu, que o Livro da Lei (Torah no Judaísmo) chegou e foi revelada à humanidade. O texto
é do período védico (1750 – 500 a.C.) e constitui um sistema normativo civil e penal com o
intuito de evitar o caos social, religioso e moral.

Segundo Garcia-Gallo (1972), o Código, em suma, normatiza o agir humano com


relação ao dever ser social e religioso, tendo enquanto princípio o Dharma, isto é, as
obrigações naturais que cada humano membro de uma das castas deve realizar durante
a vida.

Logo, o determinismo e/ou teologia da predestinação é bem mais antiga que o


discurso teológico cristão no contexto do protestantismo do século XVI, que resultou
em grandes debates entre católicos e protestantes.

NOTA
Castas é a classe social, econômica, política e religiosa a qual pertence cada
hindu. No Tópico 4 será mais detalhada esta questão.

Ainda, segundo Garcia-Gallo (1972), o texto sagrado e/ou Smrits tem uma
estrutura lógica, composta por doze livros, que via pesquisa, merecem melhor
aprofundamento, sempre via paralelo com o Livro do Gênesis, texto estruturado durante
o exílio da Babilônia no ano 587 a.C., isto é, posterior ao período védico.

5.3.1 Livro I dos Smrits


A exemplo do Livro do Gênesis (Disponível na Bíblia Judaica e Cristã), começa
com a justificativa ou fundamentação para a origem da vida, sinal que Filosofia, Ciência
e Religião estavam unidas.

79
Se os hebreus, com a mitologia, procuraram fundamentar a origem do Planeta
Terra e da vida, os hindus fundamentam a origem do Universo, os dois lados da
existência. Fazem uso da expressão “Cosmo”, muito além da ideia de origem de Mundo
ou Terra, expressão clássicas do Gênesis.

Se no Gênesis encontramos a narrativa “No princípio Deus criou o Céu e a


Terra... a Terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo e o Espírito pairava sobre
as águas... Deus disse haja luz e houve luz... após criar tudo, Deus disse: façamos o
homem, homem e mulher os criou...” (Narrativa da fonte Javista de Gênesis 1, disponível
na Bíblia Judaica e Cristã) ou “No tempo em que Deus fez a Terra e o Céu, não havia
nenhum arbusto... Deus fez chover nos campos... Deus modelou o homem com argila...
e da costela do homem, Deus fez a mulher...” (Narrativa da Fonte Eloísta de Gênesis,
4, disponível em na Bíblia Judaica e Cristã), no Código de Manu, “Tudo era silêncio
e escuridão...”

Na narrativa sagrada hindu, a partir do silêncio,

Brahma, que não tinha forma (espírito e/ou mistério) fez surgir as
águas cósmicas e nela depositou uma semente... com o tempo a
semente gerou o “Ovo Dourado” e Brahma (que não tinha forma, foi
gerado e não criado) se revela com pele vermelha, quatro braços,
quatro cabeças e oito olhos voltados para os quatro cantos do
universo... ficou um ano cósmico no “Ovo Dourado...” quando o Ovo
se quebrou a casca se tornou a esfera celeste e o interior a terrestre.
Brahma deu forma à esfera celeste... Brahma integrou a Trimurti,
uma espécie de união hipostática, pericorética e/ou comunhão entre
Brahma, Shiva e Vhisnu... Brahma criou uma filha do próprio corpo,
dando origem a Manu, o primeiro homem.

5.3.2 Livro II dos Smrits


São relatadas as regras de condutas aos Brahmanes e descendentes. É a mais
alta classe social, política e religiosa no Hinduísmo.

5.3.3 Livro III dos Smrits


São regras ao proprietário de uma casa, alguém de posse. É um sistema
normativo para esfera familiar. Enfatiza em demasia o “pátrio poder”, o poder do homem.

5.3.4 Livro IV dos Smrits


Novamente enfatiza o instituto jurídico do “pátrio poder”, além de estabelecer
uma moral doméstica, delimitando as normas do casamento e rituais a serem praticados
no âmbito familiar.

80
5.3.5 Livro V dos Smrits
É dedicado às mulheres e normatiza a submissão do feminino ao masculino,
devendo a esposa obedecer em tudo ao esposo. Ainda, ressalta a importância do
trabalho e rituais de purificação da mente e corpo no ambiente doméstico.

5.3.6 Livro VI dos Smrits


Neste livro surgem outros dois grupos de pessoas, os ascetas e os anacoretas.
Os primeiros são pessoas iluminadas que se entregam a práticas religiosas e/ou à
espiritualidade, mediante meditação, contemplação e mortificação. E os anacoretas
são os que vivem na solidão, dedicando-se à meditação em busca da iluminação, a
denominada Moksha. Devido à iluminação, são sábios e intérpretes da verdade, podendo
prescrevem as regras para os brahmanes.

5.3.7 Livro VII dos Smrits


É o dever ser das autoridades e funcionários do Estado. Normatiza as atividades
do governante, dos militares e cobradores de impostos. Logo, por vontade divina,
regulamenta o direto do Estado tributar e o dever de a sociedade não sonegar.

5.3.8 Livro VIII dos Smrits


Se do Livro primeiro ao sétimo, o direito material é estruturado, o Livro VII
expressa o direito formal. É um Código de Processo Civil e Penal, revelando como a Lei
deve ser praticada. Há, ainda, um procedimento hermenêutico, isto é, determina quem
tem poder para interpretar, fiscalizar e aplicar a lei.

5.3.9 Livro IX dos Smrits


Retoma o direito material, porém, na esfera penal. É o Direito Penal hindu.
Estabelece as normas penais, define os crimes e penalidades, sempre partindo do
princípio que qualquer norma é uma determinação sagrada, tendo como fonte o
Absoluto, a vontade de Deus.

81
5.3.10 Livro X dos Smrits
É uma continuação do Livro IX, sinal que outras normas foram sendo instituídas
no decorrer do tempo e outras sendo contextualizadas, demonstrando o dinamismo do
Direito Hindu. Ainda, tanto no Livro IX quanto no Livro X, a lei penal não é a mesma para
as diferentes “castas”. Há uma interpretação da lei para cada casta e seus descentes.

5.3.11 Livro XI dos Smrits


É o livro que estabelece as bases de uma teologia moral, apresenta o conceito
e lista de “pecados”, separando a expressão “pecado” de “crimes”. O crime deve ser
punido, mas o “pecado” pode ser expiado, revelando o mesmo princípio da compaixão,
do perdão e reconciliação entre humano e humano e humano e divindade. Ainda,
especifica os rituais de expiação, sempre relacionado com a água, o grande remédio
que cura e purifica o humano.

5.3.12 Livro XII dos Smrits


Neste livro fica visível uma escatologia, a narrativa sobre a vida após a morte,
muito ligada à teologia da retribuição, podendo ser revertida em punição ou processo de
purificação da alma para o tão esperado retorno ao Absoluto, ao coração de Brahma e/
ou comunhão eterna com a força cósmica do Universo.

6 BHAGAVAD GITA
É datado do século IV a.C. Relata a sabedoria de Krishna. É um texto muito
usado para fins de meditação ou práticas yóguicas. Transmite o conhecimento do ser e
orientações para o agir humano.

Os personagens principais são Krishna e Arjuna. O primeiro, totalmente iluminado


e sábio conversa com Arjuna, o guerreiro. Em 70 versos, Krishna impulsiona Arjuna a
cumprir o seu dever ser de guerreiro. Mas Arjuna vive o dilema de lutar ou fugir da guerra
para preservar a paz. É o dilema humano universal. Enfrentar os obstáculos praticando
nossos desejos ou optar pelo silêncio e paz.

O objetivo do Gita é auxiliar o humano a romper com a escuridão e a ignorância


para reencarnar para a libertação espiritual. Pelo Gita, purifica-se o corpo, a mente
e o intelecto para atingir a autodisciplina, austeridade, honestidade, o desapego,
autocontrole e a sabedoria.

82
7 QUEM É DEUS NO HINDUÍSMO?
Há diversas interpretações sobre a real identidade de Deus. No Hinduísmo
primitivo constata-se um monismo religioso. Deus é Brahma, o Criador, mas sempre está
em relação e/ou em comunhão com Vishnu (A preservação) e Shiva (a transformação).

Para Hans Küng (2005), no Hinduísmo, Deus é Trindade. É um corpo com três
cabeças, revelando a unidade na Trindade. Brahma, Vishnu e Shiva são os três eternos
que vivem em pericorese. Mas quem é Ganesha? Ganesha é aquele que tem corpo
humano e cabeça de elefante, outra definição de Deus no Hinduísmo.

Segundo Wilkinson (2002), há 91 interpretações sobre Ganesha. Da mesma forma


que no Cristianismo, no qual pessoas fazem a interpretação, sempre vinculadas com
alguma espécie de poder, afirmando Deus como aquele que gosta de incenso, músicas,
louvores, procissões, castigos, fogueiras, torturas, guerras, genocídios e ecocídios ou
aqueles que recepcionam Deus enquanto amor, libertador, comunhão, fraternidade,
aquele que ouve o grito do seu povo e desce para estender a mão ou Deus é aquele que
se identifica com o “Pai do Filho Pródigo...” (Evangelho de Lucas 15, disponível na Bíblia
Cristã), que respeita a liberdade do filho, mas fica todos os dias à beira da estrada... e
quando o filho volta quase morto, ressuscita o filho, pega o “cordeiro pascal” que deveria
ser ofertado a Deus e faz uma grande festa. No Hinduísmo não é nada diferente.

No Hinduísmo Deus é interpretado e reinterpretado. Sobre Ganesha, a interpretação


mais convincente define como aquele que remove obstáculos. O elefante é grande e forte,
mas usa um rato para o movimento, serve-se do insignificante, do humano. Ganesha
identifica-se com Shiva (o transformador). Ainda, culturalmente está relacionado com a
domestificação dos elefantes que foram utilizados na agricultura hindu, unindo humanos e
elefantes na produção agrícola e prosperidade.

Onde há produção agrícola há armazenamento e ratos. Ganesha não seria outro


Deus, mas outra interpretação de Deus. Seria como Nossa Senhora no catolicismo
popular na América Latina. São poucos, até entre os sacerdotes católicos, aqueles que
saberiam explicar o sistema pericorética e consubstancial existente na Trindade Cristã,
porém, aclamam com facilidade a figura de Nossa Senhora enquanto protetora, rainha
do céu, Santa milagrosa, intercessora, medianeira, aquela que transforma, protege etc.
No Hinduísmo Ganesha é uma interpretação popular de Deus e muito vinculado ao
ambiente agrícola.

A teologia hindu é marcada pela forte relação com a natureza, principalmente


com as imagens de montanhas e rios. A primeira é onde Deus habita. É da montanha
que vem a água, que formam os rios, a fonte da vida.

83
Ainda, cada hindu, além de experimentar Deus Trindade, carrega algo próximo
ao devocionismo popular do cristianismo católico. Todavia, em vez de prestar culto ao
anjo ou santo, o teísta hindu presta culto às variadas manifestações de Deus Brahma,
Vishnu e Shiva, que recebem outras denominações. Entre elas destacam-se Ganesha
(O transformador), Krishna (O iluminado), Murugan (A bondade), Dhanvantari (A saúde
ou cura), Darshan (A visão), Sarasvati (A sabedoria) e Lakshmi (A beleza). Dessa forma, o
Hinduísmo revela que Deus está em todos, é infinito, onipresente e onisciente.

8 O HINDUÍSMO CONTEMPORÂNEO
No Hinduísmo não há um cisma entre vida religiosa e vida civil. Não há o uso da
religião como instrumento de poder social, político e econômico. Há uma moral definida,
porém, contextualizada, a exemplo do sistema de castas. É fruto de uma época, de um
determinado contexto.

Os sacrifícios são momentos festivos, nos quais todas as criaturas sagradas


participam da grande ceia. Pede-se a Deus a proteção, bênção, saúde e prosperidade,
enquanto cada ser humano assume o compromisso de uma vida ética. Frequentando
um templo ou não, o ser humano não deixa de ser hindu. Não é o culto, não são os ritos
que fazem de alguém um ser religioso ou não. O Hinduísmo é prático, não podendo
jamais ser separado da vida.

No Hinduísmo há duas estruturas, aquela vinculada à natureza e outra à


coletividade. A primeira é obra divina, é Deus materializado, por isso deve ser cuidado,
preservado e recuperado. Um exemplo é o Rio Ganges, que por muito tempo foi poluído,
mas para que Deus não deixe a Índia, o Ganges deve ser recuperado. A segunda é obra
humana, que resulta em ambição, egoísmo e mortes. O ser humano deve entender que
é obra divina como os demais seres naturais e sobrenaturais, tendo como dever resgatar
sua real identidade.

Segundo Sharttuck (2001), o Hinduísmo está muito diferente daquele do passado.


Com os avanços científicos e tecnológicos muitos hindus viajaram em peregrinação aos
templos principais, leram as escrituras pessoalmente, aprenderam os mitos através de
filmes ao invés de aldeões contadores de histórias. Ao mesmo tempo, o mundo moderno
criou novos desafios visto que muitos hindus agora vivem fora da Índia, e a Índia em si
está mudando rapidamente. A urbanização e o crescimento da classe média moderna
demonstram que os gurus estão adaptando os ensinamentos para um novo tipo de
sociedade. Os hindus da classe média urbana preferem pensar Deus como o Brahma
impessoal e fazem menos rituais que os camponeses. Isso também é verdade em relação
aos hindus que vivem na Europa e nos Estados Unidos. O velho sistema de castas está
sendo substituído por uma sociedade democrática, e, em alguns lugares, as mulheres
estão se tornando sacerdotisas. Tradições culturais como o dote, que já foi considerado
parte da religião, foram afastadas por não se adequarem ao mundo moderno.

84
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A evolução teológica do Hinduísmo parte do princípio da profissão de fé na Trindade


Hindu e da mesma derivam outras expressões para definir quem é Deus.

• A importância dos Textos Sagrados para os hindus, como a literatura védica, os Smrits
e seus procedimentos hermenêuticos propiciam a evolução teológica.

• A cosmogonia do Hinduísmo a partir da ideia do “Ovo de Ouro” é a gênese da


teologia hindu.

• A experiência religiosa de Mahatma Gandhi e sua luta pacifista no processo de


Independência da Índia, caracterizam a influência religiosa no meio político e social.

• A importância do Hinduísmo Contemporâneo enquanto experiência religiosa


fortemente envolvida com a natureza, pode ser uma contribuição para um mundo
mais sustentável.

85
AUTOATIVIDADE
1 No Hinduísmo, Deus é revelado enquanto Trindade, Brahma, Shiva e Vhisnu.
Considerando os estudos realizados, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) A teologia hindu é marcada pela forte relação com a natureza, principalmente


com as imagens de montanhas e rios. A primeira é onde Deus habita. É da
montanha que vem a água, que formam os rios, a fonte da vida.
b) ( ) Segundo o Livro dos Vedas, Brahma criou uma filha do próprio corpo, dando
origem a Manu, a primeira mulher.
c) ( ) No Hinduísmo, verifica-se que há uma reprodução da ideia de Deus enquanto
Trindade, reproduzindo o politeísmo cristão.
d) ( ) Na teologia hindu Brahma é o Criador, Shiva o Redentor e Vhisnu é o espírito
Santificador.

2 Os Vedas é um dos livros sagrados para o Hinduísmo. De acordo com os estudos


realizados sobre o assunto, assinale (V) Verdadeiro ou (F) Falso.

( ) Segundo os Vedas, Deus fez chover nos campos... Deus modelou o homem com
argila... e da costela do homem, Deus fez a mulher.
( ) O princípio básico do Livro é a realidade intrínseca existente entre humano e o
mundo. A Sabedoria proporciona a paz e a felicidade, objetivos possíveis, mediante
prática da meditação.
( ) As narrativas se dividem em profissões de fé no espírito particular e o espírito
universal. São elencados diversos seres, como semideuses, próximos do humano,
mas que vivem em sintonia direta com Brahman, o Absoluto, que não é feminino e
nem masculino.
( ) Segundo o Hinduísmo, para dar origem ao primeiro ser humano, Deus, criou a partir
de si mesmo.

3 No Hinduísmo há uma forte relação de fé com água e tudo o que está na natureza.
Quanto às águas do Rio Ganges, o hindu considera:

a) ( ) O Ganges é o ambiente apenas de banho sagrado.


b) ( ) No Ganges ocorrem os rituais de purificação do corpo e alma, atingindo sua
finalidade no Hinduísmo.
c) ( ) O Ganges é um Deus como qualquer outro.
d) ( ) Segundo o Hinduísmo, banhar-se no Ganges é entrar em comunhão com a
Ganges, uma divindade.

86
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR
DEUS NO BUDISMO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós seguiremos o processo de busca por um melhor entendimento
da Teologia. Agora, vamos analisar os momentos mais importantes da Teologia Budista,
tendo consciência que nas publicações sobre Budismo, há um número insignificante de
publicações que fazem uso da expressão “Teologia Budista”.

É sabido que o budismo é uma das mais antigas experiências religiosas. Sua
origem está na região norte da Índia, na aldeia de Kapilavastu, aos pés do Himalaia,
situada no reino de Kosala, atualmente Nepal.

Vale ressaltar que no oriente há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo


busca e expressa aquilo que alcançou mediante experiência com o Mistério e seus
procedimentos hermenêuticos. Por isso, também é oportuno o auditus fidei para o
intelectus fidei, ou seja, vamos ouvir antes do que pensar o percurso de busca por Deus
no Budismo.

Segundo a tradição budista, da infância à juventude, o príncipe Sidarta conheceu


apenas riqueza, poder e prazer. Foi superprotegido pela coorte de seu pai a ponto de ser
proibido de ultrapassar os limites das muralhas do palácio real. Viveu até a juventude
sem contradições, desconhecendo a dor, a fome e a morte. Seu pai arranjou-lhe uma
esposa, com quem teve um filho, para que o mesmo se apegasse à vida no reino e
assumisse a função de sucessor do pai.

Família, filhos e o poder não era o conceito de felicidade para Sidarta. Ainda na
juventude, o príncipe Sidarta, consciente de seu despertar e/ou libertar-se de tudo que
se passou desde o infinito, transmite aos seus discípulos a história das vidas anteriores
do próprio Buda e/ou a Cosmogonia búdica, que segundo a profissão de fé budista
constitui um dogma.

2 COSMOGONIA BÚDICA A PARTIR DO TRIPITAKA


O Tripitaka é o Livro sagrado por excelência ao Budismo. A segunda parte é
intitulada de “Sutra”, que contempla a história e fundamentação do Budismo. Pode ser
entendido enquanto conjunto de lendas, nada diferente das narrativas sobre prodígios
e milagres dos personagens bíblicos, a exemplo dos milagres de Jesus narrados nos
Evangelhos ou origem do mundo no Gênesis (Disponíveis na Bíblia Cristã).
87
No Sutra, não é possível delimitar o que é mito, lenda e história, porém, tratando
de teologia, a linguagem transcende a razão, o auditus fidei e/ou escuta da fé torna-se
regra fundamental.

Segundo HUAI-CHIN (1999) o Sutra menciona que, o Universo é infinito e


contempla inúmeros mundos, tendo cada um uma montanha-eixo denominada de
Sumeru. Em torno de Sumeru giram o Sol, a Lua e outros astros. Todo o conjunto
apresenta uma forma de cilindro ou quando visto de cima é semelhante um disco
(interessante que a narrativa datada antes de Cristo contempla uma cosmogonia na
qual o mundo é esférico e o sistema é geocêntrico, enquanto no ocidente, até o século
XV, o mundo era quadrado e aos que discordassem, a exemplo de Giordano Bruno e
Galileu Galilei, em vez de serem aclamados enquanto iluminados, foram processados,
julgados e condenados, em nome de Deus, à fogueira em praça pública).

Na periferia do Sameru há uma cadeia de montanhas que faz limite com o


oceano. Entre essas montanhas exteriores e o monte Sumeru se acham sete cadeias de
montanhas separadas por mares, onde há ilhas, o ambiente onde habitam os humanos.

A estrutura cósmica é composta por três planos. O primeiro é o “plano sem


forma”, ambiente do pensamento puro e das Devas, as criaturas puras, que na teologia
cristã pode ser equiparada ao conceito ocidental de “pneuma ou espírito”. O segundo é
o “plano com formas”, ambiente das Devas com corpos e livres do desejo, semelhante
ao conceito ocidental de “anguelós ou anjo”. O terceiro é o “plano do desejo”, ambiente
onde vivem as Devas do desejo, que pode ser equiparado aos santos católicos. Quanto
aos homens habitam as ilhas, das quais Jambudvipa é a mais importante, onde pode
nascer um Buda.

Ainda, os seres existentes – incluso Humanos, Devas, Deuses e o Buda – em


todos os níveis do Universo infinito são prisioneiros do ciclo de reencarnações, colhendo
os frutos do seu próprio karma. Logo, cada ser tem vidas anteriores, fundamentando e
definindo quem é o Buda.

2.1 O DESPERTAR DO BUDA SEGUNDO OS SUTRAS DO


TRIPITAKA
As fontes principais que narram a vida do Buda são provenientes da tradição
oral, que resultou o Tripitaka, o livro mais sagrado para o Budismo.

Aproximadamente, em 565 a.C. nasceu o príncipe Sidarta Gautama, filho do rei


Sudodhana. Era de família nobre, da casta dos guerreiros e príncipes, uma casta abaixo
dos brahmanes do Hinduísmo.

88
A segundo HUAI-CHIN, o Sutra ressalta que quando jovem, o príncipe Sidarta
foi para um passeio além do palácio e fez quatro experiências. Na primeira encontrou
um idoso e entendeu que o humano definha no tempo. Na segunda viu um enfermo e
se despertou para o limite humano perante a enfermidade. Na terceira se deparou com
um cadáver e conheceu a fraqueza humana perante a morte. No caminho de retorno ao
palácio, conheceu um Sadhu indiano, sábio, despojado, pobre, humilde e em paz.

NOTA
Sadhu significa “o bom homem” ou “homens sagrados. Não constituem
família, renunciam a vida em sociedade. Fazem opção pela vida mística, asceta,
itinerante, são praticantes exemplares da yoga e dependem da caridade
alheia. Também são chamados de Baba ou Pai espiritual.

A partir das experiências com os quatro humanos, meditou sobre o humano


no tempo com suas três marcas: a enfermidade, a velhice e a morte. Ainda, assimilou
do sábio Sadhu que o conforto para a angustia humana é possível mediante desapego
físico e mental.

Após as experiências, Sidarta iniciou o caminho de busca por sabedoria e


entendimento do Mistério que envolve o próprio humano. Fez o caminho ad extra,
buscando respostas nas mais diversas literaturas e filosofias. Mas foi aos 35 anos, no
caminho ad intra, no profundo silêncio e no encontro consigo mesmo que Sidarta fez
a experiência do Nirvana, parte da espiritualidade do Hinduísmo e/ou o encontro da
consciência perfeita do ser. Foi o caminho da espiritualidade que fez Sidarta despertar e/
ou libertar-se para revelar a sua real identidade, o Buda que pode ser chamado também
de Sakiamuni.

Ainda, segundo a literatura Sutra, após o despertar do Buda, o rei de Kosala, pai
de Sidarta, ordenou que aumentasse a guarda e que as mulheres mais belas e sedutoras
do reino fizessem tudo o que seria possível para distrair o príncipe, mas Sidarta ou Buda
e/ou Sakiamuni, revelou seu projeto de deixar o reino e seguir sua missão.

Ainda, segundo HUAI-CHIN (1999), no Sutra, o pai de Sidarta prometeu ao


príncipe que o mesmo poderia fazer e ter o que desejasse, desde que permanecesse no
palácio real. Sidarta disse então: “Desejo quatro coisas: permanecer de posse de minha
juventude, que jamais a doença toque o meu corpo, que minha vida nunca chegue ao
fim e que meu corpo não se decomponha jamais”.

89
Impotente perante o pedido do filho, o rei nada respondeu e permitiu que Sidarta
partisse a fim de percorrer o caminho de busca da verdade. Foram seis anos de buscas.
Leu e ouviu os grandes mestres do brahmanismo, leu e ouviu os grandes mestres da
yoga e experimentou a ascese hindu (práticas de mortificação como o jejum, prender
a respiração até perder o fôlego), mas nada novo aconteceu, mas aprendeu que toda
atitude extrema é prejudicial ao humano.

A seguir, Sidarta tomou a decisão de ficar em silêncio em Bodhgaya, debaixo de


uma árvore denominada de bodhi, adotando o “caminho do meio”, no qual o alimento
não era totalmente negado e nem exagerado na meditação. Foram 49 dias de profunda
meditação, de busca da verdade, do absoluto, Deus em si mesmo.

A seguir passou a ter seguidores, estabelecendo moradia na bacia do Ganges.


Buda, após vida longa, fez a experiência do paranirvana ou extinção eterna e/ou morte,
na região de Kusinagara, Índia.

Antes de sua morte, aos 80 anos, realizou inúmeras viagens pela Índia
transmitindo sua sabedoria para diversos discípulos. Mas o budismo não foi aceito na
Índia, bem provável devido ao sistema de castas que vigorava. Assim, da mesma forma
como no Cristianismo, o Budismo fez a experiência da diáspora ou êxodo, espalhando-
se por diversas regiões da Terra, mas principalmente na Ásia.

Com a morte do Buda seus seguidores instituíram as Sanghas, comunidades


de monges ou monastérios. Para ingressar havia dois requisitos: afastamento da vida
social e a promessa de não causar escândalos à Sangha. Para alimentação, dependiam
da caridade da vizinhança. A única refeição era encerrada às 12 horas do dia. A cada
mudança da Lua celebravam a Uposadha, na qual cada monge expressava os próprios
sofrimentos e/ou pecados para o ocidente.

Na origem da Sangha, as regras eram amenas, porém, com o tempo foi sendo
redigido um sistema normativo, que adotou até mesmo práticas penais como castigo e
expulsão aos monges delinquentes.

Assim, não demorou muito tempo para surgirem os primeiros conflitos e


cismas, que deram origem a três concepções de Budismo: a Thevarada (Doutrina dos
antepassados) ou Hinagana, Mahayana (grande veículo) e a Vajrayana.

O Budismo Theravada (ou Hinayana) ou Budismo primitivo é mais direcionado


aos monges. A questão do puro e impuro é bastante enfatizada pela Theravada.
O Budismo Mahayana, que é mais contextualizado, faz uso de procedimentos
hermenêuticos na produção teológica e/ou doutrinária, gerando duas fontes: o
budismo Bodhisattava e o Budismo Zen, sendo reestruturados na Coreia do Sul, Japão
e Tibete. Foi o Budismo Mahayana que atribuiu o nome de Hinayana à Thevarada, cujo
significado é “Pequeno Veículo”.

90
Ainda, a terceira é a Vajrayana (também é conhecido por Mantrayana ou Tantrayana).
Esta enfatiza as recitações de mantras, é mais esotérica e ressalta a importância dos
Mandalas. Também surgiu enquanto dissidente da Theravada, contestando o rigor desta
na questão do puro e impuro. Radicalizou a expressão “Vacuidade” e faz apologia à
transgressão como instrumento para a iluminação, isto é, o uso de carne, peixe, vinho,
grãos torrados e o sexo passaram a ser algo comum em seus rituais.

Destas concepções ou escolas budistas surgiram outras como o Budismo Tibetano


e o Budismo Zen. Ainda foi a partir da Rota da Seda, ou seja, o conjunto de estradas entre
Índia, China e Síria, que o Budismo foi se espalhando, conhecido e praticado.

2.2 A EXPERIÊNCIA DO SAMSARA PARA O NIRVANA


No Budismo, todos, incluindo Devas e Deuses, estão envolvidos num incessante
ciclo de nascimentos e mortes, sem princípio e sem fim. É o processo de reencarnações.
Qualquer ser poderá renascer, seja Deus, Deva, humano, animal irracional, espírito
maligno ou até os que habitam os infernos. No Samsara há Mara, o Deus da morte que
vigia para que ninguém e nada escape do ciclo de reencarnações.

No silêncio, debaixo da árvore, percebendo que Sidarta estava para despertar


e/ou libertar, Mara convocou todos os demônios para impedir o processo. Sidarta
venceu Mara e fez a experiência do Nirvana, a libertação de todos os desejos, medos
e preocupações que propiciam a ilusão de que exista um “eu permanente”, esgotando
todo traço do karma, isto é, a libertação total das paixões efêmeras.

2.3 AS QUATRO VERDADES DO BUDA OU SERMÃO DE


BANARES
Após o despertar do Buda ou Sakiamuni (ex-Sidarta Gautama) foi Brahma, o
Criador, que intercedeu ao Buda para que revelasse a verdade libertadora à humanidade.
Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar o processo de
libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro sermão, na aldeia de Benares, Índia,
ensinou “As Quatro Verdades”.

A primeira é a Dukkha, isto é, na vida tudo é sofrimento porque não há algo


que não está em processo de mudanças e quanto mais o humano busca alguma coisa
permanente no mundo efêmero para se apegar, maior é a Dukkha, a imperfeição que
afeta a existência. A Dukkha tem como causa a Tanha ou segunda verdade, isto é, o
desejo que não pode ser confundido com o objetivo da vida, a grande iluminação.

No Budismo, todo desejo leva à cobiça, ganância, ao que é efêmero e ao


prazer. A terceira verdade é a libertação, isto é, o rompimento com os desejos,
preocupações e medos.

91
E a quarta é o Caminho Óctuplo, isto é, as práticas a serem seguidas para a
libertação: reconhecer as quatro verdades, estar focado na libertação, evitar palavras que
causem sofrimento ao outro, conduta correta, promover a vida, libertar de estados mentais
destrutivos, preservar pensamentos corretos e concentração correta.

2.4 AS “TRÊS JOIAS” DO BUDISMO


O Budismo é mais ortopraxia do que ortodoxia, devido à importância do agir ético,
a meditação, a contemplação e a compaixão. Os principais objetos de contemplação
são as “Três Joias”: o Buda (o sábio), o Dharma (a sabedoria) e a Sangha (a comunidade
budista). O sábio é referencial a ser ouvido e seguido, a sabedoria é o caminho para a
iluminação e a comunidade é o meio para preservar e viver o Budismo. Ao contemplar as
“Três Joias”, o budista faz um resgate de sua própria natureza, reafirma sua real identidade
na existência e unifica passado, presente e futuro, possibilitando a evolução do humano.

3 O DALAI LAMA E O BUDISMO TIBETANO


Ao norte da Cordilheira do Himalaia com mais de 2100 anos e 4900 metros de
altitude, está o Tibete. Mesmo sob soberania da China, há um governo estabelecido pela
sucessão dos Dalai Lamas.

Segundo a profissão de fé do Budismo Tibetano, o Dalai Lama é o líder espiritual


e político do Tibete. No Dalai Lama está o “Oceano da Sabedoria”. É ele que tem o
conhecimento e sabe o que é melhor para o povo tibetano. É o Dalai Lama que tem o
segredo para a paz e a felicidade de todos.

Em 1913 os chineses foram expulsos do Tibete, sendo proclamada a


independência pelo 13º Dalai Lama, porém jamais aceita pelo governo chinês.

No dia 6 de julho de 1935 nasceu um menino chamado Lhamo Dhondup que


foi reconhecido pelos monges budistas do Tibete como a reencarnação do Dalai Lama.
Ainda aos quatro anos de idade foi levado por monges budistas ao palácio Potala, na
montanha de Hongsham, em Lhasa, capital do Tibete, para iniciar sua formação para
assumir sua real identidade. Em 1939 foi aclamado publicamente como o 14º Dalai
Lama, recebendo o nome de Jamphel Ngawang Lobsang Yeshe Tenzin Gyatso ou
simplesmente Tenzin Gyatso.

Em 1950, Mao Tse-Tung ordenou a intervenção militar no Tibete e a partir de 23


de maio de 1951, pelo Acordo dos 17 Pontos, o Tibete passou a ser parte da China, mas
liderado pelo 14º Dalai Lama.

Entre 1956 e 1957, com auxílio dos Estados Unidos, grupos armados tibetanos
resistiram contra o exército chinês. Em 1959, na “Revolta de Lhasa”, o governo chinês ameaçou
prender o Dalai Lama. Devido ao fato, sob proteção dos Estados Unidos, o Dalai Lama foi
obrigado a buscar refúgio na Índia, fundando um “governo do Tibete” em pleno exílio na cidade
de Dharamsala, tendo mais de 100 mil tibetanos refugiados.

92
No Tibete, entre 1956 e 1957, mais de 87 mil tibetanos foram mortos, monges
foram encarcerados e mais de 6000 monastérios budistas foram destruídos. Por isso,
em 1967, o Dalai Lama saiu pelo mundo anunciando sua fé e clamando pela paz no
Tibete e no mundo. Tendo o reconhecimento da comunidade internacional, em 1989, o
Dalai Lama, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Na perspectiva do Dalai Lama, para entender o Budismo há a necessidade de


entender a existência. Vivemos uma sucessão de “Eras”. O conceito de existência é
definido por “Era dos mil Budas”. Vieram três Budas e se foram. O quarto Buda é o ex-
príncipe Sidarta Gautama, o Sakiamuni.

Entende o Budismo quem entende o sofrimento. A causa do sofrimento pode ser


negativa ou positiva. Logo, o sofrimento está numa relação causa e efeito, manifestada
a partir da ignorância que impede o humano de ver além da imanência. E para superar a
ignorância há a necessidade de superar o medo da velhice e morte.

O primeiro passo é o conhecimento das três formas de sofrimentos. Conhecer


o sofrimento do sofrimento, isto é, as doenças físicas. Conhecer o sofrimento das
mudanças, isto é, as experiências prazerosas que ocasionam frustrações. Conhecer
o sofrimento do nascimento, ou seja, ao nascer o humano se apega à ignorância, à
existência e ao que é efêmero.

Quanto à causa das três formas de sofrimentos o karma é a causa, isto é,


condutas que podem se desenvolver com o tempo. Há duas espécies de condutas.
As maléficas que são motivadas pela ignorância (o mesmo conceito de pecado do
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) e benéficas que são motivadas pela sabedoria (as
boas obras do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo).

Assim, resta ao humano eliminar as emoções maléficas e estabelecer enquanto


objetivo na vida o encontro da verdadeira natureza da mente, a verdade última da existência,
denominada de Sunya (vacuidade), isto é, a consciência de que tudo e todos existem sob
dependência e interdependência. Nada pode existir isoladamente.

No Brasil, o Dalai Lama esteve em 1992, 1999, 2006 e 2019. Na segunda passagem,
palestrou em diversos lugares, mas em São Paulo deixou esta mensagem:

Sou um pouco crítico quanto aos ocidentais que entram em


contato com as tradições orientais, como por exemplo a budista, e
começam a mudar seus hábitos exteriores. Primeiro, abandonam
suas tradições de origem. Depois, mudam suas roupas, vestindo-
se como os orientais se vestem. Em seguida, mudam os móveis de
sua casa. Mudam seu comportamento, mudam seus gestos... vemos
ocidentais que abraçam por exemplo o sikkismo, ou tornam-se
hare krishnas, e de repente saem as ruas com o cabelo raspado, as
vestes laranja no estilo oriental... acho que isso não é bom... prefiro
pessoas que conservem suas tradições de origem e aprendam o que
podem aprender com o budismo, aplicando suas novas descobertas
dentro de sua maneira cultural própria. O budismo não está nas
regras monásticas nem na aparência. Olhem para o nosso mestre,
Buda Sakiamuni. Ele criou um conjunto de regras a serem seguidas,
mas seu grande ensinamento está em conhecermos a nossa própria
mente (MONJA COHEN, s.d., s.p.).

93
4 BUDISMO ZEN
Da mesma forma que no Cristianismo e nas demais tradições religiosas, não
é possível falar do Budismo no singular. Na história foram instituídos cristianismos,
hinduísmos, islamismos e outros. No Budismo, o pluralismo também é fato. O Budismo
Zen é um entre tantos, mas com uma identidade própria.

No Budismo Zen se faz um resgate da natureza do Buda. É um gesto que


transcende a ação humana. Busca-se a concentração plena mediante comunhão
corpo e mente. Para Forzani (2007), o Zen expressa uma “trama existencial”, misturando
espiritualidade e filosofia, cuja finalidade é conduzir o ser humano ao processo de
purificação e concentração para acontecer a comunhão com o mundo, ampliando o olhar
sobre o eu e tudo o que está na existência. Ainda, o Zen é o ensinamento silencioso do
Buda. Dispensando o recurso verbal, o mestre fez uso de uma flor (Udumbara) e ao girá-
la transmite sua sabedoria. Este gesto foi preservado na China até chegar no Japão.

Em vez de leituras, sermões, debates, meditações de livros sagrados, o silêncio


tornou-se prioridade. Para Yapolski (2007), os primeiros monastérios do Budismo Zen
são datados da época de Hung-Jen, patriarca Chinês (601-674), sendo preservados
dois meios de espiritualidade: a vida monástica e a comunhão com a natureza.

A chegada do Budismo ao Japão foi no século VI, após a “Reforma de Taika” (a


Grande Reforma) em 645, no início do período Assuka (604 – 1192). Devido às relações
comerciais entre China e Japão, o imperador japonês, Shotoku, com auxílio de monges
coreanos, edificou mosteiros e templos, difundindo o Budismo.

Sob proteção do Estado, o Budismo prosperou no Japão. Também, nesta época,


chegou ao Japão o monge Ganjin para transmitir o Ritsu, ou seja, aplicar as regras dos
monges previstas no Tripitaka, uma das ramificações do Budismo chinês. Posterior a esta,
outras escolas budistas migraram para o Japão, incluso o Budismo Zen no século XII.

O século XII é marcado pelo período Kamakura. Neste século, chegaram ao


Japão duas tradições budistas: a Rizai, liderada pelo monge Eisai Myosen (1184-1225)
e a Soto, tendo como principal representante o mestre Eihei Zenji Dogen. Enquanto a
Rinzai praticava koans (atividade mental de meditação), a Soto praticava o zazen, isto é,
“sentar zen” em profundo silêncio, atento à respiração e ao livre fluir dos pensamentos,
sem fixar em nada, afastando a agitação mental. Segundo Fazion (2003), uma das
melhores definições do Budismo Zen é de Kodo Sawaki (1880 – 1965): “Os homens
acumulam conhecimentos, mas eu penso que o fim último seja poder sentir o som dos
vales e olhar as cores da montanha” (FAZION, 2003, p. 1001).

94
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO BUDISMO?
Buda nada escreveu. Tudo o que sabemos é fruto da tradição oral. Após a morte
de Buda, seus seguidores preservaram a sabedoria do mestre. De maneira geral, o
Budismo tem o Tripitaka (pode ser transcrito como Tipitaka) e/ou Três Cestos enquanto
texto sagrado.

O Tripitaka está estruturado em três partes. A primeira intitulada de Vinaya, a


qual apresenta um conjunto de regras monásticas, delimitando os aspectos morais
da tradição. A segunda é o Sutra (pode ser transcrito como Sutta), que revela os
ensinamentos do Buda. E na terceira parte, a Abhidhamma, isto é, a teologia budista via
procedimentos hermenêuticos das regras e ensinamentos do Buda.

O Budismo Mahayana, além do Tripitaka, recepciona, enquanto sagrados,


os livros: Prajnaparamita Sutra (expressa a sabedoria do Budismo), o Lankavatara
(revelações) e o Saddharmapundmika (Sistema normativo do Budismo).

6 QUEM É DEUS NO BUDISMO?


Para entender Deus no Budismo é necessário afirmar o que Deus não é ao
Budismo. Há uma recepção do politeísmo. No Sutra identificamos Brahma intercedendo
ao Buda para divulgar sua sabedoria à humanidade. Ainda, no próprio Sutra, Mara, o
Deus da Morte vigia o ciclo de reencarnações e reúne demônios para evitar a iluminação
de Buda.

Quanto à imagem de Deus, o Budismo rejeita a teologia de um Deus Criador,


Juiz, Inquisitor, Redentor, Salvador, Santificador, Castigador, Vingador e/ou que retribui a
alguns e não faz o mesmo a outros. Ainda, a ideia de uma alma permanente e a vida num
paraíso eterno via julgamento ou tribunal celestial ou juízo final, também é dispensada.

A opção budista é pelo “silêncio”, a ponto de experimentar, encontrar no silêncio


algo que move a vida. No silêncio, o budista se depara com a grandeza do mistério sem
a pretensão de investigá-lo, conceituá-lo ou defini-lo.

No Budismo Zen, a expressão “Sunyata”, que pode ser conceituada por


“vacuidade” envolve o ser humano no mistério. É a experiência de comunhão do
imanente com o transcendente. É a experiência de ir além do que o ser humano está
habituado a definir como ser humano ou realidade imanente.

95
O primeiro passo para a experiência com o silêncio é o próprio “eu”, é uma
atitude humana que visa atingir o próprio humano. É a busca “ad intra” que proporciona
o esvaziamento do “eu” e o despojamento do apego a si e coisas existentes. Nessa
experiência, com o “silêncio” algo acolhe, envolve o humano. Isso é comunhão, isso é
amor, compaixão, mansidão, é transcendência. É algo muito acima do que a razão pode
atingir. Isso é Deus.

7 BUDISMO CONTEMPORÂNEO
Na atualidade podemos afirmar que o Budismo tem por princípios a valorização da
vida e o agir ético. Para isso, preserva Deus enquanto “silêncio”, não dando motivos para
eventuais conflitos religiosos e faz uso da meditação no e com o “silêncio”.

Para o budismo, cada ser humano tem seu karma, mas não como estímulo para o
conformismo e sim como ponto de partida para que cada ser assuma sua real identidade
para uma autoconstrução e/ou busca de um ser cada vez mais humano.

O budismo tem ensinado que não podemos repetir os mesmos erros. O


sofrimento é fato e tem o seu valor, mas não nascemos para ele e sim para sermos
melhores. Se há trevas em nossa casa (Terra) devemos iniciar o caminho para o Nirvana,
a iluminação para que possamos contagiar cada ambiente com a luz que temos. É o que
tem feito pelo mundo o próprio Dalai Lama, um dos budistas mais conhecidos como um
autenticamente budista. Em uma de suas palestras no Brasil, disse o Dalai Lama:

[...] nada adianta você fazer um retiro tradicional de três anos, três
meses e três dias. Pode ser até que a sua mente, ao longo desse
tempo, em vez de melhorar, piore... a única coisa certa que se pode
dizer é que depois desse tempo todo seu cabelo vai crescer... “Mas há
um pequeno problema. No mundo de hoje, há vários “businessmen”
que, visando obter dinheiro, dão ensinamentos religiosos. Isso
acontece cada vez mais frequentemente; ocorre muito na China, que
importa “mestres” tibetanos, mas também no resto do mundo. Esses
não são mestres genuínos. Apresentam-se como grandes mestres,
mas não são. Seu propósito é unicamente o de obter dinheiro (MONJA
COHEN, s.d., s.p.).

Ser budista é sentir-se parte do mistério que engloba o universo e ao mesmo tempo
voltar-se para si para perceber que a arrogância e o egoísmo maculam a real identidade
do ser humano, assumindo de forma imprescindível a humildade a compaixão, enquanto
sinônimos da sabedoria. E com a sabedoria podemos encontrar alívio no sofrimento e
continuar trilhando o caminho até o nirvana, a iluminação.

Porém, o grande drama do budismo pode ser o excesso de técnicas e/ou ritos
e consequentemente a carência de práticas, atitudes de compaixão e/ou a ética do
cuidado que em outras tradições religiosas podem ser definidas por caridade, kama,
sustentabilidade, respeito e/ou simplesmente de amor.

96
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A origem e desenvolvimento do Budismo ocorreu a partir do Hinduísmo.

• A construção teológica a partir da experiência do Buda instaura a busca pelo


transcendente na interioridade.

• Os Textos Sagrados budistas, o legado de Buda e a multiplicação de experiências


budistas a partir da Índia, contribui para o encontro do humano com o humano.

• A opção pelo “Silêncio”, no Budismo, enquanto aproximação do Mistério, algo próximo


do conceito de Deus, revela o humano enquanto projeto infinito.

97
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:

I- Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar o processo


de libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro Sermão, na aldeia de
Benares, Índia, ensinou “As Quatro Verdades”: a Tahavana, Mahayana, a Vajrayana
e o Budismo Zen.
II- Dukkha tem como causa a Tanha, a segunda verdade revelada pelo Buda.
III- Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar o processo
de libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro Sermão, na aldeia de
Benares, Índia, ensinou “As Quatro Verdades”: o sofrimento, o desejo, a felicidade e
a ressurreição.

a) ( ) Estão corretas I e II.


b) ( ) Somente a III é correta.
c) ( ) Nenhuma está correta.
d) ( ) A II está correta e I e III incorretas.

2 Tripitaka ou Tipitaka é o Livro mais sagrado do Budismo e está dividido em três partes.
Considerando os estudos realizados, assinale a alternativa verdadeira.

a) ( ) Na Vinaya há um conjunto de regras estatais que delimitam os aspectos morais


do Budismo.
b) ( ) No Sutra está estruturada a teologia da ressurreição.
c) ( ) Na Abhidharma há procedimentos hermenêuticos que sistematizam a teologia
budista.
d) ( ) No Sutta há 12 sermões do Buda.

3 O Budismo Mahayana, além do Tripitaka, recepciona também enquanto sagrado


o livro:

a) ( ) Prajnaparamita Sutra, o qual contempla a sabedoria do Budismo.


b) ( ) Lankavatara, o qual expressa a vida do Buda.
c) ( ) Saddharmapundmika, o qual define as regras para a prática da meditação.
d) ( ) Sutta, o Sistema normativo do Budismo.

98
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR
DEUS NO XINTOÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será analisado o momento histórico em que o Xintoísmo desperta
enquanto religião no Japão e o processo de construção de uma teologia enquanto busca
por Deus. É uma experiência religiosa diferente em relação ao Hinduísmo e Budismo,
porém há pontos comuns com estas e as tradições do ocidente.

Seria possível uma religião sem mandamentos, sem um Deus, senhor absoluto
que interage com a humanidade? Seria possível uma religião sem templo ou regras
morais? Seria possível uma religião sem ao menos um livro sagrado? No Xintô ou
Xintoísmo podemos encontrar respostas para estas questões.

Da mesma forma que enfatizamos para o Hinduísmo e Budismo, vale frisar que
no Oriente, há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo busca e expressa aquilo que
alcançou mediante experiência com o Mistério e seus procedimentos hermenêuticos.
Por isso, mais oportuno será o auditus fidei para o intelectus fidei, ou seja, vamos ouvir
antes do que pensar o percurso de busca por Deus no Oriente.

Até o século VI, quando o Budismo foi colocado como religião do Estado
nipônico, não havia qualquer menção ao Xintoísmo, porém havia uma prática religiosa
no arquipélago onde está o atual Japão.

Segundo Herbert (1967), foi na “Reforma Taika” (A Grande Reforma), sob


comando do Imperador Kotoku, em 645, que ocorreu a estatização da propriedade
privada na região que definimos hoje como Japão. Neste contexto, sob proteção do
Estado, o Budismo prosperou, mas a antiga prática religiosa do arquipélago nipônico
foi preservada e praticada sob título de Kannagara no Michi ou “Xintô” (Caminho dos
deuses) para diferenciar do Budismo.

Antes do Budismo não havia um cisma entre imanência e transcendência,


humano e natureza, deuses e humanos. Não havia um objeto de adoração. Tudo estava
integrado, tudo no todo, isto é, mortos, vivos e não nascidos.

Assim, mesmo sem haver uma teologia sistemática ou ortodoxia xintoísta,


façamos a análise a partir das fontes do próprio Xintoísmo e autores que publicaram
trabalhos sobre o assunto.

99
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA COMPREENSÃO
DA TEOLOGIA XINTOÍSTA
No estudo da Teologia Xintoísta, temos que deixar de lado a ideia de revelação. A
Teologia deve ser entendida por busca por Deus, pois no Xintoísmo não há uma teologia
sistemática como podemos encontrar no ocidente, porém, há uma experiência religiosa
diferenciada. Logo, podemos resgatar o histórico da maneira de buscar Deus, deuses ou
o Mistério na história do Japão.

O Xintoísmo é definido por religião do Japão. Assim, vejamos alguns elementos


fundamentais para a compreensão dessa busca por Deus. O Japão, enquanto nação
organizada, já era fato há dois séculos a.C., mas o primeiro período da história do Japão
é a Era Jamon (10.000 a.C. a 200 a.C.). Na Era Yayoi, quando já havia o cultivo do arroz
e o domínio do metal, a região do atual Japão já estava organizada enquanto nação.

A expressão Japão vem de Nippon, cujo significado é “origem do Sol” ou “Terra


do Sol Nascente”, bem relacionado com o nome da Deusa Amaterasu Omikami, que é
nada mais que a Deusa Sol. Segundo a tradição nipônica, o imperador é descendente
da Deusa Sol.

ATENÇÃO
É comum a menção em torno da “Rainha Himiko” e do suposto Reino
Yamatai na história do Japão, mas a afirmação não é unanimidade. Segun-
do Iamamura (1996), Himiko está mais próxima de uma lenda ou mais um
mito da cultura nipônica.

De 660 a 585 a.C., Kamuyamato deu início ao “Reino Yamato”, na ilha central
de Honshu, tendo Yamato como o grande rei. A seguir recebeu o título de imperador,
assumindo o nome de JIMMU, dando início à dinastia dos imperadores japoneses. Foi
com JIMMU que o Japão tomou forma de Estado.

Com o fim do período Yayoi, veio o período Assuka (604-1192). Foi neste período que
ocorreu o processo de unificação do arquipélago, formando o atual Japão.

De 593 a 622, Shotoku Taishi governou o que conhecemos por Japão, sendo
até cultuado como “protetor do Japão”. Neste período, o Japão intensificou as relações
comerciais com a China, passando a ser influenciado pelo Budismo. E com o auxílio de
monges coreanos, o próprio imperador começou a difundir o Budismo. Monastérios e
templos budistas foram edificados. Do tempo deste imperador ainda há o templo de
Horyuti, localizado na cidade de Nara.

100
Com o Budismo em evidência, houve a necessidade de atribuir um nome às
experiências religiosas já existentes anteriores ao Budismo. Surgiu então a expressão
“Xintô ou Kannagara no Michi” e/ou “Caminho dos Deuses”.

Segundo Littleton (2002), a arqueologia encontrou altares esculpidos em


rochas e outros preparados no meio da floresta, confirmando a existência de uma
prática religiosa, com oferendas e culto próprio do lugar destinado à Natureza como
um todo. Assim, no Xintoísmo tudo é sagrado. Sol, Lua, chuva, mares, rios, fauna, flora,
montanhas, raios, ventos etc. Tudo parte de um Todo, sem qualquer personificação de
um Deus, isto é, é o humano envolvido no Mistério.

3 O TSUMI
É comum afirmações sobre a não existência de uma moral no Xintoísmo. Pela
expressão “Tsumi” é possível afirmar que há uma moral estabelecida, logo, um sistema de
regras não positivadas. Tsumi equivale à impureza, sendo possível quando há o contato
com cadáveres, sangue e morte, ou seja, um ato violento é um contato com sangue,
um ato criminoso é um contato com a morte ou um ato com um cadáver pode haver
contaminação. Assim, há o permitido e o proibido, logo, há um ordenamento moral.

Interessante é o meio para ficar livre da impureza. Torna-se puro o impuro


através da passagem pela água, isto é, o ato de banhar-se. Aqui percebemos o mesmo
conceito de bapta, ou batismo da tradição cristã, ou o “banhar-se nas águas do Ganges”,
no Hinduísmo.

Kami Izanagi banhou-se no rio após a saída do “Mundo dos Mortos”. Banhar-se no
Xintonismo é recomeçar a vida, dar sequência ao sentido da vida, sem as impurezas.

4 O QUE É TEXTO SAGRADO NO XINTOÍSMO?


Quando uma narrativa é histórica, preservada e referencial para um determinado
povo ou tradição, tem um valor inestimável. Ainda, é insubstituída, mesmo com os
avanços na pesquisa histórica e arqueológica. Quando uma narrativa, mesmo com suas
lendas, mitos, alegorias e mistérios, ela ganha uma dimensão sagrada devido a sua
historicidade e vínculo com os costumes. Assim, podemos afirmar, no Xintoísmo há
textos insubstituíveis, uma literatura que irá se perpetuar na história porque é fruto de
uma construção cultural.

• Kojiki: é um livro datado do ano 712, o qual apresenta a narrativa mítica da tradição
oral do Xintoísmo, da origem da experiência religiosa até o ano 628.
• Nihongi: datado do ano 720, continua a narrativa da tradição oral.
• Kogoshui: datado do ano 807, o livro narra os rituais do xintoísmo.

101
• Sendai Kuy Hongi: datado do final do século IX, narra de forma mítica a história do
Japão até o século VII.
• Engi-Shiki: datado do ano 967, cujo conteúdo é uma coletânea de rituais oferecidos
aos Kami.

5 QUEM É DEUS NO XINTOÍSMO?


Qualquer historiador afirmaria que o Xintoísmo tem uma infinidade de deuses e
que não há uma teologia ou moral definida. Mas Teologia não é história ou arqueologia.
A Teologia nem sempre usa a razão. A razão pode mais atrapalhar do que ajudar no
entendimento sobre Deus e/ou Mistério, por isso em Teologia é aconselhável fazer
auditus fidei para realizar o intelectus fidei.

Partindo do Kojiki, a principal fonte do Xintoísmo, portador de um gênero literário


próprio, que faz uso de uma rica mitologia, podemos se aproximar do mistério, da fé, da
moral e buscar Deus e/ou relatar a teologia xintoísta.

O Kojiki expressa a sabedoria dos antepassados com suas alegorias, poesias,


cantos e relatos sobre os heróis. No início faz menção ao Takama no Hara, o mais alto
céu, isto é, ao Absoluto.

No Takama no Hara, segundo Chamberlain (2013), há um Mestre Divino do


Centro Celestial, que permanece ao lado do Kami Alto Divino Maravilhoso e que
está ao lado do Kami Divino que produz. Seria uma reprodução da Trindade Hindu
(Brahma-Shiva-Vhisnu), ou algo próximo da Trindade Cristã (Pai-Filho-Espírito Santo)?
São realidades não criadas. Seria o Motor Imóvel de Aristóteles? Fica difícil afirmar, mas
deixando a razão de lado, podemos silenciar, ajoelhar e contemplar.

Além da suposta Trindade Xintoísta, o Kojiki relata uma infinidade de Kami (É


uma expressão que não tem singular e plural. De forma racional seria como colocar as
águas do oceano Índico e as águas do Atlântico uma ao lado da outra no mesmo espaço.
Seriam duas águas?). Kami são criaturas sobrenaturais que na linguagem judeu-cristã-
islã, pode ser comparada com os anjos. Anjo não tem forma, cheiro, substância etc.
Segundo Littleton (2010), no Xintoísmo há uma infinidade de Kami. A maioria são
imagens míticas extraídas do Budismo e Taoísmo.

A seguir, o Kojiki relata a comunhão amorosa de Kami, o feminino e o masculino.


Izanami e Izanagi gestam a vida na Terra, cercada pelo primeiro oceano. Com uma
espada mexem as águas do oceano fazendo ondas ou espumas... ao puxar de volta
a espada uma gota saiu dando origem a Onogoro, a primeira ilha do Japão. Ainda, a
partir da relação sexual dos Kami nasceram aberrações e/ou o ser humano. Na segunda
relação, Izanami morre no parto, mas deu à luz a Kayutsuchi, o Kami de fogo.

102
Triste e revoltado, Izanagi vai buscar seu amor no “Mundo dos Mortos”, mas
sem sucesso. No retorno ao “Mundo dos Vivos” lava seu rosto em um rio para tirar as
impurezas que trouxera do Mundo dos Mortos... da impureza do olho esquerdo nasceu
Amaterasu Omikami, a “Kami Sol”. Das impurezas do olho direito nasceu Tsikiyomi, a
“Kami Lua”. E das impurezas do nariz nasceu Suzanoo, “Kami das Tempestades”. Ainda,
de Amaterasu nasceu Jummo Tenno, O primeiro imperador do Japão.

As narrativas do Kojiki reproduziram uma Consmogonia e ao mesmo tempo


uma genealogia, justificando a divinização da figura do imperador. É nítida a estrutura
hierárquica que liga o transcendente ao imanente, as realidades “Mundo Celestial,
Mundo dos Mortos e Mundo dos Vivos”, puro e impuro, finito e infinito e outros dualismos.

5.1 KAMI
Há publicações que traduzem Kami por deuses ou entidades divinas, mas o
próprio Kojiki expressa que há uma hierarquia que parte de uma realidade absoluta, a
suposta Trindade Xinto.

Para uma melhor compreensão do termo Kami, vamos analisar a expressão


Kamikaze, algo mais familiar no Ocidente. Kami = Divino + Kaze = Vento. Kamikaze é
a expressão usada para definir o tufão que impediu a conquista do Japão pelo império
Mongol no século XIII. Ainda, a expressão foi atribuída aos pilotos japoneses, por amor e
honra ao Japão, pilotavam aviões carregados de bombas e realizavam ataques suicidas
contra navios e bases militares dos países aliados na Segunda Guerra Mundial.

Muito oportuna a palavra Kami separada de Kaze, isto é, Kami não tem forma,
é algo que sai de uma realidade ainda maior. É fonte divina que gera vida, podendo
ser perfeita, pura, forte, positiva ou impura e negativa. Ainda, pode gerar criaturas ou
aberrações, seres perfeitos e outros imperfeitos. Numa linguagem cristã, é um “Espírito
que sopra onde quer” ou energia que revigora o ser humano.

Kami aclama-se em altares nas montanhas, florestas e casas. Logo, estão


nestes ambientes e também nos sábios, mares, rios, florestas, nas pequenas e grandes
criaturas, nos alimentos, em cada ser e no imperador. Um Kami bom gera o positivo, um
Kami mau gera o negativo.

5.2 EXEMPLOS DE KAMI


Quantos Kami podem ser identificados no Xintoísmo? Quantos santos há no
catolicismo? Quantos anjos há no islamismo? Quantos orixás há no Candomblé? É uma
pergunta que poucos conseguiriam responder. Há Kami que ainda não foram revelados
ou não nascidos, mas fazem parte do Panteão Xinto. Vejamos alguns.

103
• Maakyury: é o Kami da Sabedoria.
• Kami Inari: usa corpo de raposa para levar fertilidade, prosperidade e amor aos
agricultores e na vida de cada pessoa.
• Kami Rijin: é o Kami dos trovões, tempestades.
• Kami Fujin: é o Kami dos ventos.
• Kami Hachiman: é o Kami dos guerreiros, é o protetor.
• Sakuya Hime: é a Kami do Monte Fuji que expressa poder e eternidade.
• Kami Jizo: vive nas margens do Rio Sanzu. O outro lado do Rio Sanzu é o lugar onde as
pessoas que fizeram o bem partem após a morte. Mas as crianças não conseguiram
evoluir o suficiente para realizar a travessia. É o Kami Jizo que coloca as crianças
debaixo de seu manto e ajuda a cada uma delas a cruzar o rio. Kami Jizo também vem
em auxílio das crianças na hora do parto.

5.3 PARALELO ENTRE KAMI E ANJOS


Nas teologias judeu-cristã-islã, a Revelação dos anjos é fato. Diz-nos, porém,
que são criaturas, a exemplo dos Kami. A ­revela­ção diz também que são seres pessoais
que pertencem ao mundo invisível. São, portanto, espirituais porque os anjos são puros
espíritos compostos somente de essência e existência, mas não de matéria e forma.
Segundo a teologia, os anjos são i­ncorpo­rais, mas compostos de forma e de “matéria
espiritual”. Todos, porém, reconhecem que são superiores ao ser humano. Ainda, cada
anjo e cada kami, realiza plenamente as características de sua espécie. E mais, devemos
dizer que eles são seres duma plena maturidade, duma intensa vida interior e totalmente
senhores de si.

5.4 A IDEIA DE TRINDADE NO XINTOÍSMO


Antes é bom frisar que não há qualquer afirmação dos autores citados nas
referências bibliográficas que reportam para a possibilidade de uma teologia trinitária
no Xintoísmo. Ainda, ao elaborar uma história da teologia faz-se necessário os métodos
propostos na introdução e a Hermenêutica. Assim, deve-se aplicar o auditus fidei para
depois realizar o intelectus fidei. Daí chegamos à conclusão de que há a possibilidade de
afirmar uma Trindade Xintoísta.

É sabido que a Trindade Hindu, a Trindade Cristã e a Trindade Xintoísta revelam


o que não devemos entender de Deus Uno como uma unidade fria e rígida, mas como a
plenitude da vida e de comunhão. O protótipo mais sublime da unidade é a unidade que
desabrocha na comunhão. A “pluriunidade” que floresce na comunhão, é mais radical,
mais verdadeira do que a unidade do “átomo”.

Embora o mistério transcendental seja o simplesmente Uno, uma única


substância existe nele, ao mesmo tempo, também um diálogo interno, uma troca interna
de amor entre os três da Trindade, seja no Cristianismo, Hinduísmo e no Xintoísmo. Sem

104
este diálogo absolutamente não existiriam três criaturas e tudo nele seria rígida unidade.
Os personagens do Takama no Hara devem todo o seu ser ao relacionamento recíproco
de um com o outro e nada diferente nas teologias cristã e hindu.

Desse mistério transcendental se irradia também uma luz interpretativa


do ser humano. O que somos como humanos, não o podemos ser por nós mesmos.
O transcendente realiza em nós aquilo que perfaz o nosso ser, ele nos coloca numa
nova relação consigo mesmo. Quando entramos em comunhão com a realidade
transcendental, o Kami, a energia ou o espírito se faz presente em nós e assim podemos
chamar o transcendente de Deus Conosco.

6 ORIGEM DA VIDA NO XINTOÍSMO


Nas teologias orientais podemos dizer algo semelhante que vigora nas teologias
judias-cristã-islã, a relação entre a geração do humano e a criação divina e/ou fonte
de um mistério. Sobre isso, deve buscar-se na categoria da “causalidade instrumental”,
isto é, trata-se de uma ação pela qual uma causa produz um efeito que supera a sua
capacidade, enquanto a sua ação é movida, elevada e guiada por uma causa superior,
seja qual for o nome atribuído ao absoluto ou causa superior.

A causa superior não se limita a dar o toque inicial a um outro ser a fim de que ele
produza o seu efeito, mas opera junto com a causa inferior, de maneira que o resultado da
ação seja inteiramente efeito da causa principal e inteiramente efeito da causa instrumental,
agindo assim cada uma na sua ordem própria e formando uma unidade.

Assim, cada nova pessoa humana é fruto da ação imediata do transcendente.


A ação transcendental se distingue no Xintoísmo tanto da criação do nada como do
­concur­so ordinário. Pode-se falar, então, de “concurso criativo”. O absoluto não age
­externa­mente, de fora ou paralelamente, mas opera através da ação de Kami como
origem transcendente, enquanto eleva esta ação internamente, capacitando-a para a
realização daquilo que por si mesma não poderia realizar.

7 A QUESTÃO DO TEMPO NO XINTOÍSMO


Como fica a questão do tempo no Xintoísmo? O tempo só existe para as coisas
“temporais”, isto é, as coisas que se transformam; ele é coextensivo à realidade criada. Por
isso não existe tempo no Xintoísmo, pois no Takara no Hara nada se altera.

O mundo, em cada um de seus i­nstan­tes, depende da Trindade Xintoísta, como


se fosse o primeiro. O mundo não cessa de ser criado. Ser criado consiste em receber-se
totalmente, a cada instante, das mãos de um criador. A criação do ser que dura é chamada
conservação, mas no Xintoísmo, criação e conservação são uma e mesma realidade, pois, a

105
criação é algo de sempre atual, permanente. Daqui a doutrina do Kami. Através de Kami se
conserva, governa, orienta a existência para sua finalidade. Crer na criação Xinto é, portanto,
professar um otimismo diante dum mundo que não é absurdo, porque pensado e conduzido
por um amor inefável na e com a natureza.

8 XINTOÍSMO CONTEMPORÂNEO
No Xintoísmo a comunhão profunda do humano com a natureza se funde com
um sentimento carregado de respeito e amorosidade. É parte da identidade xintoísta
preservar e cuidar de parques e jardins. O mesmo gesto silencioso é prática perante os
animais, flores, frutos e a água de um rio ou de uma pequena cascata artificial em um
apartamento na cidade, porque na beleza natural venera-se a energia de Kami.

As regras xintoístas não provêm de um Deus legislador e/ou de uma autoridade


religiosa fora de contexto, mas cada ser humano é desafiado a encontrá-las na própria
natureza, no encontro com o desconhecido ou mistério.

No Xintoísmo não há expressado o conceito de “pecado”, mas qualquer ato


contra a natureza é um ato vergonhoso e/ou anti-humano. Ainda, na cidade, por
menor que seja, em cada lar há uma conexão com o natural através do cuidado com a
alimentação e a higiene. Disso resulta uma ética voltada para a sustentabilidade e paixão
pelo próprio ser humano, tão urgente neste mundo carente de práticas que ressaltam
a vida enquanto valor. Ser xintoísta é ser autoconsciente e/ou praticar o “dever ser”.
Assim, tudo o que propicia morte deve ser evitado para abrir espaço para Kami, a energia
que gera e revigora a vida.

106
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A evolução histórica da teologia xintoísta, especifica a relação transcendência e


imanência, cujo ponto de partida é o alto Plano Celestial.

• A experiência com Deus é possível através dos Kami, criaturas sobrenaturais, podendo
ser força, fraqueza, sabedoria, ignorância e tudo o que é contemplado pela Natureza.

• No texto há a tese que afirmar a Trindade Xintoísta, a qual não tem a pretensão de
esgotar o Mistério existente na realidade transcendental.

• A ação transcendental se distingue no Xintoísmo tanto da criação do nada como do


­concur­so ordinário. Pode-se falar, então, de “concurso criativo”, fora da compreensão
de tempo e eternidade.

• Enquanto experiência religiosa com forte vínculo com a natureza, o Xintoísmo pode
propiciar práticas religiosas de caráter ecológico, um mundo mais sustentável.

107
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:

I- Na realidade denominada de Takama no Hara no Xintoísmo há um “Mestre Divino


do Centro Celestial, que permanece ao lado do “Kami Alto Divino Maravilhoso” e que
está ao lado do “Kami Divino que Produz”. Estas são realidades não criadas.
II- Deus Trindade é uma expressão do Cristianismo e não há qualquer fundamento no
Kojiki xintoísta.
III- Na realidade denominada de Takama no Hara no Xintoísmo há um “Mestre Divino
do Centro Celestial, que permanece ao lado do “Kami Alto Divino Maravilhoso” e que
está ao lado do “Kami Divino que Produz”. Estas são realidades criadas

a) ( ) Estão corretas as afirmativas I e II.


b) ( ) Somente a afirmativa I é correta.
c) ( ) Nenhuma das afirmativas está correta.
d) ( ) As afirmativas II e III são corretas.

2 Segundo o Kojiki, livro sagrado para o Xintoísmo, a vida na terra foi possível pela ação
de dois Kami. Considerando os estudos realizados, assinale a alternativa que aponta
para a narrativa sobre origem da vida na terra.

a) ( ) Kami Sakuya Hime, Kami do Monte Fuji, que expressa poder e eternidade
b) ( ) Kami Jizo, o Kami Criador.
c) ( ) Kami Hime e Jizo, autores da realidade terrena.
d) ( ) Izanami e Izanagi gestaram a vida na Terra.

3 Conforme os estudos realizados, as regras xintoístas não provêm de um Deus


legislador e/ou de uma autoridade religiosa fora de contexto. Quanto à origem das
regras xintoístas é verdadeiro afirmar:

a) ( ) O xintoísta em si a crença nos Kami, fonte de regras.


b) ( ) O livro sagrado denominado de Sutra emana as regras.
c) ( ) As regras têm origem na tradição oral.
d) ( ) Cada ser humano é desafiado a encontrar as regras na própria natureza, no
encontro com o desconhecido ou mistério.

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UNIDADE 2 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR
DEUS NO TAOÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados os elementos fundamentais da produção
teológica do Taoísmo, destacando sua origem e desenvolvimento via busca pelo Tao,
a força cósmica que gestou o universo e tudo o que podemos perceber na existência.

Neste tópico optamos pela expressão Tao, porém a tradução do chinês para a
língua portuguesa, de forma literal, segundo Robinet (1997), sugere a expressão DAO.
Assim, esta tradição religiosa pode ser denominada de Taoísmo ou Daoísmo, ou seja, é
a fonte que jamais se esgota, para a qual todos devem expressar admiração e permitir
ser envolvido pelo mistério.

No Taoísmo, a grande mãe é a natureza, é dela que vem a vida e a energia


que revigora todas as criaturas, restando ao ser humano atitudes de reverência,
contemplação e respeito, permitindo que realize o seu ciclo. Vivendo em equilíbrio e
comunhão com a natureza, o ser humano pode esperar vida longa, paz e felicidade.

Da mesma forma como Espírito, Kami, Anjo, Trindade e outros termos teológicos,
perante o TAO, a linguagem apresenta limitações para definir ou conceituar. Explicar e
definir via razão ou empiria, é a grande tentação humana.

É bom frisar, que qualquer relato de “visão” de Anjo, Santo, Nossa Senhora,
Kami ou Demônio, nada mais é do que enfermidade ou tentativa de alienar ou fomentar
um doentio proselitismo, ou ainda, meio de edificar impérios. Logo, em teologia, o
racionalismo e o empirismo podem mais atrapalhar do que servir. Ainda, a expressão
“visão” não pode ser confundida com “experiência mística”, por exemplo: “Moisés no
Monte Tabor”, o “Profeta Elias perante a brisa suave”, “Os grandes sábios desconhecidos
do Hinduísmo perante a Trindade Hindu”, o “Profeta Maomé perante o Anjo Gabriel, “Buda
debaixo da árvore bodhi”, “Maria perante o Anjo Gabriel”, Lao Tse perante o Tao” etc.

No Taoísmo são muitas as expressões utilizadas para traduzir as diversas


experiências com o Tao. Assim, focaremos a construção teológica não enquanto
“revelação”, mas faremos um distanciamento da ideia de “Teologia em Si” para uma
“Teologia em Nós”. Como já foi mencionado, na primeira, o teólogo atinge o objeto da
Teologia, define e interpreta. Na segunda, o teólogo expressa o que alcançou, relata sua
experiência com o mistério, pensa o que o intelecto captou e realiza os procedimentos
hermenêuticos, isto é, faz o auditus fidei para prosseguir seu trabalho de intelectus fidei.

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Logo, falaremos da busca por Deus, dos diversos conceitos do Tao, suas
práticas e fontes, que devido à historicidade, importância e paradigma para o Taoísmo,
apresentaremos o Texto Sagrado o Tao Te Ching. E partir deste faremos a narrativa em
torno da ideia de Deus Trindade e a importância das demais criaturas divinas cultuadas
nesta tradição.

2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A TEOLOGIA


DO TAOÍSMO
Na China, entre os séculos XVIII e XI a.C., reinou a dinastia Shang, na qual foram
encontrados, segundo Miller (2008), praticas religiosas que se identificam com as do
Taoísmo. Ainda, havia uma classe sacerdotal que zelava pelos sacrifícios em honra de
heróis e divindades. Robinet (1997) confirma o culto aos ancestrais no reino do Norte
e o Xamanismo enquanto religião do reino do Sul e a existência da Escola filosófica-
teológica denominada de Yang e Yin, aproximadamente no ano 300 a.C.

No entanto, o Taoísmo institucionalizado somente pode ser fundamentado na


dinastia Han (25-220 d.C.). Segundo Miller (2008), a fundação do Taoísmo ocorreu no
ano 142 d.C. No contexto surgiram duas escolas com cunho político-religioso: o “Tao
Para a Paz” e o “Tao da Ortodoxia Unitária”. Segundo Robinet (1997), a primeira se rebelou
contra o império Han, mas sem êxito. A segunda criou um Estado Taoísta em Suchuan,
mas antes de ser combatida cedeu ao poder do império, preservou as práticas religiosas
e chegou a ser a religião oficial.

No sul da China, durante o século IV, sob inspiração do “Tao da Ortodoxia


Unitária”, surgiram outras duas escolas: o “Tao da Suprema Caridade” e o “Tao do Tesouro
Numinoso”. A primeira ressaltava a importância da meditação, profilaxia e definições
de divindades internas no ser humano enquanto meio para a imortalidade. A segunda
incorporou práticas budistas no Taoísmo como a reencarnação e o karma.

Já no século V, entrou em evidência o estilo de vida monástica e sacerdotal. E


na dinastia Tang (618-907), o Taoísmo foi considerado religião oficial da China. Segundo
Robinet (1997), mosteiros e templos foram edificados pelo próprio império.

No final da dinastia Tang, o Confucionismo e o Budismo foram popularizados,


influenciando também o Taoísmo, dando origem a mais uma escola, sendo denominada
de “Tao da Completa perfeição”, que buscou novos seguidores e abriu o Taoísmo para uma
grande participação ativa das mulheres. Novos templos e monastérios foram edificados
e devido à popularidade do Taoísmo, os governos propiciaram grande incentivo até o
final do século XIX.

Todavia, com a revolução chinesa de 1911, o Taoísmo sofreu intensa perseguição


por um breve período. E com a instalação da República Popular da China em 1949, o
governo reprimiu práticas religiosas, incluindo o Taoísmo, sendo necessário um êxodo
Taoísta nos demais continentes.
110
Devido à prática da profilaxia, alquimia e a busca pela imortalidade, o Taoísmo
influenciou em demasia a medicina chinesa, propiciando pesquisas para a farmacologia
e a fitoterapia.

3 O QUE É TEXTO SAGRADO NO TAOÍSMO?


O texto mais sagrado no Taoísmo é o Livro do Tao e/ou Tao Te Ching ou “Caminho
da Virtude”. Segundo a tradição, foi Lao Tse o autor do livro, mas segundo Cherng (2008),
o livro é resultado de trabalhos de autores que antecederam Lao Tse há cinco séculos,
aproximadamente, mas uma coisa é certa, com a instituição do Taoísmo no século II,
Lao Tse e seu livro passaram a ser sagrados aos seguidores desta tradição.

3.1 SOBRE LAO TSE


Segundo a tradição taoísta, Lao (Velho) Tsé (Sábio) teria vivido no século VI a.C.
e teria sido bibliotecário na coorte imperial chinesa. Insatisfeito com o regime imperial
buscou refúgio na floresta, passando a viver como místico e totalmente despojado. No
final da vida, antes de migrar para o Tibete, deixou na China um livro com o título Tao Te
Ching, o Livro do Caminho e da Virtude.

Pode ser que Lao Tse seja apenas um personagem mítico do Taoísmo, mas a
tradição aponta que ele foi discípulo de Kung Fu Tse (O Filósofo Confúcio), que viveu
entre 551 e 479 a.C., um dos principais sábios da China.

3.2 ESTRUTURA DO DAOZANG E/OU CÂNON TAOÍSTA


Segundo Robinet (1997), na dinastia Ming (1368-1644), por ordem do imperador
Chengzu (1402-1424), copistas juntaram manuscritos e textos que tratavam da religião
oficial do império. Ainda, nesta dinastia, o sábio Zhang Yuchu recebeu ordens para
reeditar uma completa coletânea da Sabedoria Taoísta. E fazendo uso dos escritos
taoístas da biblioteca de Jiangxi, incluso o Tao Te Ching, o sábio iniciou os trabalhos.

O denominado Cânon do Taoísmo foi publicado pela primeira vez em 1447 no


governo de Yingzong (1436-1449) com o título Escritos Taoístas da Grande Ming. Este
cânon preservou um importante legado da cultura literária taoísta. Este cânon e/ou
DAOZANG é dividido em duas partes:

111
PARTE I: AS TRÊS CAVERNAS

São os graus superior, mediano e inferior do rito de iniciação para a classe


sacerdotal no Taoísmo.  Cada “caverna” tem obras dividas nas seguintes categorias:
textos, talismãs, comentários, diagramas e ilustrações, histórias e genealogias, preceitos,
cerimônias, magias, artes, biografias, hinos e memoriais. Eis as cavernas:

I. O Zhen, a Caverna da Verdade: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro


Celeste, é o caminho do grande veículo.
II. O Xuan, a Caverna do Mistério: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro
Espiritual, é o caminho do veículo médio.
III. O Shuan, a Caverna Sagrada: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro Divino,
é o caminho do pequeno veículo.

PARTE II: OS QUATRO COMPLEMENTOS

I. Sublime mistério, formado pelo texto Tao Te Ching de Lao Tse e todos os tratados
abaixo dele. É usado para complementar a Caverna da Verdade.
II. Sublime paz, formado pelo Tratado da sublime paz: usado para complementar a
Caverna do Mistério.
III. Sublime transparência, formado por todos os tratados do elixir de ouro, usado para
complementar a Caverna Sagrada.
IV. Ortodoxa unitária é uma coletânea de textos que contextualizam as três cavernas e
os três primeiros complementos.

3.3 OUTROS TEXTOS DO TAOÍSMO


Segundo Robinet (1997), atualmente são mais de 1500 textos que compõem a
literatura do Taoísmo, sendo que muitos não fazem parte do Cânon desta tradição.

3.3.1 Taishang Gareying Plan


É um tratado que expressa as respostas e a retribuição. É ainda um sistema
normativo que retrata o permitido e o proibido, ou seja, expõe a moral taoísta e aplica as
consequências ao infrator. Elenca ainda uma teologia da prosperidade, com a retribuição
aos que preservarem na harmonia com o Tao, incluso a eternidade.

3.3.2 Tapijing
É o livro que pode ser definido por Livro da Grande Paz. É um clássico da
espiritualidade taoísta.

112
3.3.3 Baopuzi
Robinet (1997) define por Livro do Sábio, conceituando a sabedoria taoísta
enquanto simplicidade e despojamento da materialidade. Trata ainda das receitas
para uma boa alquimia, muito próximas do conceito atual de fitoterapia, cuja finalidade
é a eternidade.

3.3.4 Huainanzi
Robinet (1997) confirma que trata de uma coletânea de textos muito próximos
de um Manual de Filosofia, no qual os autores fizeram um entrelaçamento do Taoísmo
primitivo com o Confucionismo e o Direito do império da dinastia Ming, incluindo a teoria
do Yang e Yin.

3.3.5 Zhuangzi
É um livro que tem por título o nome de seu autor. Robinet (1997) diz que ele teria
vivido durante o século IV a.C. Podemos defini-lo como o “Francisco de Assis” do Taoísmo.
No livro, ele expressa que o caminho da iluminação é o desapego material. Zhuangzi sempre
evitou riquezas, fama e cargo político junto ao governo, mesmo sendo convidado para
ocupar o cargo de primeiro ministro no império.

O livro trata de dois temas cruciais do Tao Te Ching. A questão do materialismo


consequente da civilização chinesa e o caminho para o progresso espiritual, ou seja, a
busca pelo equilíbrio e harmonia com a ordem natural.

4 QUEM É DEUS NO TAOÍSMO?


Segundo o Tao Te Ching, no Taoísmo, a natureza é um grande mistério vivo, é
tudo com todos. O Tao é o princípio ou caminho a ser seguido para que jamais sejam
abalados o equilíbrio e a harmonia com a própria natureza, que tem duas forças
primordiais, o Yin e o Yang, um dualismo nada maniqueísta.

No Capítulo 25 do Tao Te Ching, o autor do livro, Tao Tse, nomeia o Tao: “Uma coisa
existe formando o caos [...] antes de nascerem o céu e a terra... eu não sei o seu nome, dou-
lhe a grafia DAO (Tao)... forçado a nomeá-lo digo: Supremo Um”.

O Tao é mistério, é um princípio, está em tudo e em todos. Para ganhar forma,


materializou-se através de Avatares, podendo ser em corpo humano ou qualquer
espécie. Ele vai onde quer, sopra onde quer, gera vida e “renova a face da Terra”. É uma
imagem muito próxima ao “Espírito Santo” da tradição cristã.

113
Ainda, no Taoísmo há uma criatura divina para cada dia do ano, para cada
espaço celestial e terrestre e para cada criatura há protetores e guerreiros. Ainda, todas
as criaturas divinas são lideradas pelo Imperador Jade. É Deus com Deus e em Deus
porque está interligado com a Trindade Taoísta.

No entanto, ao tratar de Deus, tratamos do mistério. Logo, ao fazer teologia,


realizamos a “Teologia em Nós”, isto é, perante o que alcançamos com nossas limitações
intelectuais, expressamos nosso conceito.

Assim, via auditus fidei contemplamos o Panteão Taoísta ou “Reino dos Céus”
ou “Reino de Deus”, considerando que há o “Imperador Jade” que governa todas as
criaturas divinas, que na maioria são heróis do passado (algo muito próximo do conceito
de mártires e santos do Catolicismo ou profetas do Islamismo), ou criaturas sagradas
emprestadas do Budismo. Segundo Robinet (1997), as criaturas divinas constituem a
emanação do Tao.

Todavia, interligado com o “Imperador de Jade” está o Mistério e/ou a gênese do


Tao, os “Três Puros” ou Sanqing ou a Trindade do Taoísmo: o Taiqing ou Supremo
Puro, o Yuqing ou Puro Jade e o Shangqing ou Altíssimo Puro (ROBINET, 1997).
Esta seria a Trindade Taoísta?

O que é fato no Panteão Taoísta ou Reino dos Céus é a comunhão entre o céu e a
Terra ou o Transcendente com o Imanente ou, segundo Robinet (1997), é o microcosmo no
macrocosmo ou a unidade da interioridade com a exterioridade humana.

Ainda, segundo o Tao Te Ching, dos Três Puros e/ou Trindade saiu o “sopro
primordial”, que se repartiu em Yang e Yin. O primeiro por ser puro e leve moveu-se
para o alto, gerando o céu. O segundo, por ser denso e pesado, moveu-se para baixo,
gerando a Terra, mas preservam a conexão original. Assim, em cada ser Yang e Yin
estão presentes.

5 YANG E YIN
Seja na vida social ou religiosa, o Yang e o Yin estão presentes. São duas forças
antagônicas, mas juntas constituem a unidade. O Yang é o transcendente, o sagrado, o
masculino, a luz, a racionalidade, o bem, o externo etc. O Yin é a imanência, o profano, o
feminino, a escuridão, a interioridade, o afeto, a intuição, o mal, a passividade etc. Isso
nada tem de maniqueísmo. Cada ser, homem ou mulher comporta o Yang e o Yin. Um
complementa o outro para o acontecer da existência.

Segundo Granet (1997), o documento mais antigo que trata do Yang e o Yin é
um Tratado anexo ao Livro “I Ching”, de autoria de Confúcio, porém, antes da instituição
do Taoísmo, havia uma Escola filosófica chinesa, aproximadamente do ano 300 a.C., que
fazia menção ao “Yang e Yin”.

114
Segundo Capra (1982), todos os seres humanos passam pelas fases do Yang
e Yin porque a personalidade de cada um não é estática, há um dinamismo resultante
do encontro entre masculino e feminino. Assim, quando Yang atinge seu ápice se volta
para o Yin e este quando atinge seu ápice se volta para o Yang.

No Taoísmo, todas as ações do Tao são refletidas pelo dinamismo de ambos


os polos. Nada é Yang e nada é Yin em todo momento. Para Hirsch (1995), Yang e Yin
refletem as transformações contínuas do próprio universo e nos leva à compreensão da
realidade sempre relativa, carregada de inovações e/ou fenômenos. Assim, Yang e Yin
são forças que garantes o ritmo e evolução do Universo e do próprio ser humano.

Ainda, para Capra (1982), a ideia mecanicista de mundo, herdada de Descartes e


Newton deve ser substituída por uma visão de mundo interligada, na qual os fenômenos
biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são interdependentes. Aos sábios chineses,
os fenômenos que analisamos participam de um processo cósmico e dinâmico. Assim,
todas as transformações ocorrem gradualmente numa progressão ininterrupta.

Destarte, é neste movimento cíclico do Yang e Yin que deve ocorrer o equilíbrio
dinâmico que propicia o positivo, isto é, a bondade, compaixão, ética, práticas
sustentáveis, fraternidade e paz; porém, com o desequilíbrio, as catástrofes pessoais,
sociais e globais, são inevitáveis. Disso resulta um Taoísmo sempre atual, podendo ser
uma grande contribuição para a vida e o resgate dela na história.

6 TAO ENQUANTO APROXIMAÇÃO DO MISTÉRIO E


POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO ENTRE AS DIFERENTES
TRADIÇÕES
No Taoísmo percebe-se que o ser humano busca o conhecimento do que
transcende a realidade, buscando contato consigo mesmo e o cosmo com suas forças
ou energias que apontam para lugares especiais que entrelaçam os acontecimentos
da vida humana. Onde o ser humano fazia a experiência do divino, seja na natureza e
na vida cotidiana se depararam com a grandeza do mistério, que recebeu conceitos
humanos, mesmo com as limitações da linguagem e da razão.

Ainda, as múltiplas experiências com a natureza e limitações do próprio humano


no tempo levaram a uma multiplicidade de imagens que aproximam o humano do divino.
Com certa razão se poderia dizer que uma divindade não fora um ser subsistente em si,
mas a denominação de uma possibilidade concreta, entre muitas, de se encontrar com
a incompreensível e/ou a transcendência de Deus.

No entanto, se esta é a natureza de Deus, compreende-se imediatamente


porque a realidade transcendental do Taoísmo é múltipla, isto é, podem se dividir e
novamente reunir, porque principalmente um Deus único entre os muitos, nos quais se
crê, pode em seguida, quando venerado, reunir em si todos os elementos divinos.

115
Isso se deu também com Ihwh no Judaísmo, com a Trindade no Cristianismo
e Alla no Islamismo. Porém, ao mesmo tempo, aconteceu também algo diferente em
relação ao Taoísmo, seja com Ihwh, a Trindade e com Alla, não ocorreu a desagregação
em diversos deuses, subsistindo em harmonia ao lado de outros, isso foi entendido
enquanto artifício político e religioso. A multiplicação de deuses no contexto histórico
destas tradições religiosas facilitaria o apogeu político e econômico de nações inimigas
ou os procedimentos hermenêuticos foram limitados. Por isso, houve um grande esforço
teológico para definir Deus enquanto ser Único.

Assim, as três teologias deram mais do que significados para o conhecimento


de Deus, apontaram caminhos para encontrar Deus. E perante árdua tarefa, apontaram
para lugares onde Deus não poderia estar jamais, ou seja, nas instâncias do poder.
Ainda, apontaram para lugares que coincidem com o Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo e
Taoísmo, isto é, no “Silêncio”, na água, na montanha, na natureza e no próprio humano,
confirmando que é na própria existência que o teólogo define ou apresenta conceitos
sobre a essência.

Assim, o Taoísmo, perfila a revelação judeu-cristã-islã, tem um dado


absolutamente positivo, apresenta que “Deus é espírito e verdade”.

Ainda, conhecendo mais das tradições religiosas do Oriente, podemos afirmar


que a teologia deu um caráter privado às tradições religiosas ocidentais, reduziu a
prática da fé à decisão do indivíduo, sem relação com o cosmo, a natureza e o mundo,
colocando em primeira linha as categorias do íntimo, do privado e do não político.

Tem sido frequente a privatização da mensagem religiosa ocidental. As


diferentes teologias, sejam elas ocidentais ou orientais são muito mais que promessas
relacionadas com o ser humano. A primeira tarefa da Teologia é a ação política, isto
é, operar uma desprivatização das bases da teologia, tarefa tão importante como o
programa de desmitologização do sagrado.

Atualmente, cabe à teologia determinar novamente as relações entre a religião,


sociedade e natureza. A teologia deve acentuar que em qualquer discurso religioso está
permanentemente relacionado com o mundo, não num sentido cosmológico natural,
mas num sentido político social e sustentável ou como elemento crítico libertador deste
atual contexto e de seu processo histórico.

As grandes promessas escatológicas das diferentes tradições religiosas não


podem ser privatizadas, mas devem estar abertas a uma nova responsabilidade social
e ecológica, porque essas promessas não se identificam com nenhum determinado
sistema social, elas são para teístas e não teístas um constante imperativo crítico
libertador frente a qualquer modelo de sociedade que fere diariamente o planeta, nosso
paraíso ferido.

116
Um adepto de qualquer tradição religiosa, individualmente, é incapaz de fazer
valer tais promessas. Por isso e para isso temos a coletividade humana e as instituições
religiosas, que podem possibilitar uma eficiente consciência crítica. A religião não surge
a par ou acima da realidade, mas dentro dela enquanto instituição da liberdade crítico-
social-política-ecológica da fé.

Exercendo sua função crítico-libertadora, as instituições religiosas, perante a


sociedade contemporânea, propiciarão a consciência crítica e a energia necessária para
revitalizar o mundo enfermo e ordem estabelecida. Aí estão as premissas e as bases
para o, assim chamado, “senso crítico” e para a, assim chamada, “Teologia em Nós”.

Atualmente, as religiões se dividem entre as de “epifanias” e as de “promessas”.


Nas religiões de epifania dá se ênfase a doutrina e ao culto. Numa religião de promessa
urge dar importância à prática. Eis o desafio: aceitar o mundo já pronto e acabado,
também no âmbito da fé ou encarar o mundo como tarefa a ser realizada por todos.

É puro atraso transferir a fé de seu objeto próprio, que é Deus à ordem temporal e
moral imposta por uma instituição. Assim, Deus perderia o posto de Absoluto e Mistério,
isto é, a um conjunto de costumes e afirmações dogmáticas com seus badulaques. Isso
só é admissível quando a religião é apenas ópio.

Todavia, neste contexto de secularização, em que se dá tanto valor à pessoa


humana e às suas descobertas e experiências pessoais, os valores da mística oriental
do Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo e Taoísmo ganham espaço, tendo muito a ensinar à
trilogia Judaísmo, Cristianismo e Islamismo e vice e versa.

117
LEITURA
COMPLEMENTAR
O BUDISMO E O “SILÊNCIO SOBRE DEUS”

Entrevista com o Teólogo Dr. Faustino Teixeira sobre “Deus nas Religiões
Orientais”, sendo indagado pela Monja Budista Coen Roshi.

Monja Coen Roshi: Quais são as narrativas de Deus nas religiões não
monoteístas?
Faustino Teixeira: Alguns autores tendem a indicar essas tradições não monoteístas
como religiões místicas, distinguindo-as das religiões monoteístas, identificadas como
proféticas. Esta distinção, porém, não nos autoriza a concluir em favor de uma separação
rígida, que excluiria qualquer significado profético nas religiões orientais ou dimensão mística
nas religiões proféticas. O caminho para se atingir a “Realidade” nas religiões orientais é
encontrado na interioridade. Trata-se de uma busca do Mistério desconhecido na “gruta
do coração”. A ênfase recai no caminho do “êntase” e não do “êxtase”, ou seja, o caminho
da descoberta do Mistério maior acontece no “íntimo do Si substancial”. A tradição oriental
enfatiza mais o apofatismo teológico, excluindo assim a possibilidade de se alcançar o Mistério
mediante conceitos. A mediação para esse encontro se dá pela experiência. Uma conhecida
sentença zen afirma: “melhor ver a face do que ouvir o nome”. Encontramos uma expressão
desse apofatismo na experiência budista do sunyata (vazio). Esse conceito vem empregado
como expressão da inefabilidade e indizibilidade da realidade do Mistério. Não indica niilismo
ou relatividade, mas a radical diversidade que separa esse Mistério de todo e qualquer atributo
possível de ser concretizado ou simbolizado. Na mística advaita hindu, a dinâmica religiosa
vem concebida como uma experiência kenótica, de radical esvaziamento do sujeito humano
e seu potenciamento para perceber a transparência do Mistério transcendente/imanente
no mundo dos fenômenos. O sujeito esvaziado de sua densidade ontológica reencontra sua
identidade com o Brahman, que pode ser reconhecido como “a unidade última da realidade. É
o centro profundo da nossa existência, isto é, a consciência (cit), e também a alegria e a bem-
aventurança (ananda)”.

Monja Coen Roshi: O que os monoteísmos podem aprender com essas


religiões, sobretudo no que diz respeito ao diálogo inter-religioso?
Faustino Teixeira: Um traço peculiar que envolve as tradições religiosas não
monoteístas, em particular as tradições do Oriente, é a ênfase dada no caminho místico.
O estudioso das religiões, R.C. Zaehner, apontou, com acerto, que “a religião da Índia se
caracteriza por fazer da experiência mística a verdadeira base da religião”. É no âmbito da
mística que acontece a contribuição decisiva dessas tradições religiosas: são “escolas”
singulares do cultivo da mística. Podemos sublinhar traços importantes como a atenção dada
à experiência, o incentivo ao desapego, o cultivo da interioridade, a ruptura da arrogância
e da hybris totalitária, a abertura ao Mistério do Real. Vale ressaltar, seguindo a trilha do
clássico documento Diálogo e Missão (1984), do Secretariado para os não-cristãos, que é
118
no âmbito do diálogo das experiências de oração e contemplação – dos caminhos de busca
do Mistério -, que se dá o nível mais profundo do diálogo inter-religioso. É nesse âmbito
de profundidade que podem acontecer, substantivamente, o “enriquecimento recíproco
e cooperação fecunda” entre as distintas tradições religiosas, no sentido da afirmação e
preservação dos valores e dos ideais espirituais mais sublimes do ser humano.

Monja Coen Rohi: O que é a Escola de Kyoto e como a sua visão de mundo
provoca uma quebra da hegemonia da racionalidade grega e ocidental?
Faustino Teixeira: A Escola de Kyoto, ou Kyoto-ha, envolve um grupo de
pensadores japoneses que contribuíram de forma singular, e em perspectiva oriental,
para a articulação criativa da filosofia ocidental. Entre esses pensadores podem ser
elencados: Nishida Kitaro (1870-1945), Tanabe Hajime (1885-1962), Nishitani Keiji (1900-
1990) e Ueda Shizutero (1926). Segundo James Heisig, a investigação filosófica levada
a cabo por esses pensadores “nunca se separou do cultivo da consciência humana
como participação no real. Inspirando-se na filosofia antiga e moderna ocidental, bem
como em sua própria herança budista, e aliando as exigências do pensamento crítico
à busca da sabedoria religiosa, eles enriqueceram a história intelectual do mundo com
uma perspectiva japonesa renovada e reacenderam a questão da dimensão espiritual
da filosofia”. Uma contundente crítica ao conceito egocêntrico do ego, firmado na
racionalidade filosófica ocidental, vem tecida por Keiji Nishitani, em sua obra A religião
e o nada (1960). A centralidade do ego cogito, a partir de Descartes, resultou numa
tal dinâmica ego-centrada que confinou o sujeito numa limitada perspectiva de
autoimanência. Como consequência inevitável, firmou-se um modo narcísico de ser.
Com base no aporte da tradição budista e da mística eckhartiana, Nishitani propõe um
conceito peculiar de subjetividade, que se contrapõe à subjetividade do ego: trata-se de
uma subjetividade que se afirma em razão da morte absoluta do ego. É curioso constatar
a sintonia dessa reflexão de Nishitani com os questionamentos feitos por Henrique
Cláudio de Lima Vaz à modernidade moderna. Em sua obra sobre a experiência mística e
filosófica na tradição ocidental, Vaz sinaliza que a revolução antropocêntrica da filosofia
moderna acabou resultando na “dissolução da inteligência espiritual”. Na inflexão noética
da modernidade moderna, marcada pela primazia gnosiológica e ontológica do sujeito, a
dimensão transcendente do ser vem absorvida na imanência do sujeito.

Monja Coen Roshi: Em que aspectos existe uma afinidade entre a Escola
de Kyoto, o pensamento existencialista e a mística cristã do Mestre Eckhart?
Faustino Teixeira: Os pensadores da Escola de Kyoto dedicaram-se intensamente
ao estudo da filosofia ocidental. Nishitani chegou a seguir, em 1938, os seminários de
Heidegger sobre Nietzsche em Friburg. Também Ueda Shizuteru teve uma formação
alemã, passando três anos na Universidade de Marburg, sob a orientação de Friederich
Heiler e Ernst Benz. Ali concluiu sua tese doutoral sobre a antropologia mística de
Meister Eckhart em confronto com o zen budismo (tese publicada em 1965). Fixo-me
aqui em dois aspectos de sintonia entre a Escola de Kyoto e a mística de Meister Eckhart.
Com base no pensamento de Nishitani, há que sublinhar a centralidade da ideia de
Abgeschiedenheit (desprendimento), tomada do pensamento de Eckhart. Esse conceito
é empregado por Nishitani para falar da subjetividade elemental, ou seja, da subjetividade
que emerge da morte absoluta do ego, e que faculta a experiência da unidade com

119
Deus. Assim como na tradição zen budista, também no pensamento de Eckhart a noção
de vazio ganha centralidade. Pode-se afirmar que a presença do Mistério se firma mais
claramente no ser humano à medida que se amplia o seu vazio: nada querer, nada saber
e nada ter. Trata-se de um desprendimento que é bem distinto da ataraxia. Na verdade,
o ser desprendido é alguém que se abre de forma distinta para a realidade, pois para ele
“toda realidade reencontra sua densidade verdadeira”. O outro traço de sintonia pode ser
encontrado na noção transpessoal de Deus. Nishitani sublinha como um dos aspectos
de originalidade do pensamento de Eckhart, a noção de Deidade: situar a essência de
Deus numa região para além do Deus pessoal, ou o Deus das criaturas. Também nessa
linha da transpersonalidade de Deus vai a reflexão da Escola de Kyoto. Enfatiza-se a ideia
de um Deus transcendente e imanente: de Deus como realidade onipresente em todas
as coisas do mundo e, simultaneamente, um mistério que escapa a qualquer tentativa
de determinação.

Monja Coen Roshi: Como compreende a acusação de que o budismo é


niilista ao projetar um além nunca alcançável ao homem?
Faustino Teixeira: Contra essa absurda acusação, posicionou-se criticamente o
grande pensador Daisetz Teitaro Suzuki, que também manteve um rico relacionamento
com Nishida Kitaro. Há um capítulo específico em sua Introdução ao zen-budismo (1969)
sobre esta questão. Há também uma larga reflexão a propósito no terceiro volume de
seus ensaios sobre o budismo zen (1940). É captar de forma superficial ou equivocada
a noção central de sunyata ou vacuidade nessa tradição espiritual. O que o budismo
zen ensina sobre o vazio é bem diferente: não se trata de negar a existência ou o seu
valor, mas de apontar para além de sua realidade, ou melhor ainda, para a “outra orelha
da realidade” e captar o fato central da vida. Não se trata de negação em sentido lógico,
mas de extremo cuidado em “preservar a condição misteriosa do último”. Trata-se da
“negação como cifra da transcendência”. Como mostra Suzuki, “Buda revela-se a si
mesmo quando não é mais afirmado. Para encontrar o Buda temos que renunciar ao
Buda. Este é o único caminho para obter a verdade do Zen”.

Monja Coen Roshi: A recusa de uma “palavra supérflua sobre Deus”,


que explica o fato de se calar sobre Ele, aproxima o budismo da filosofia de
Wittgenstein, com as categorias do silêncio e do inefável?
Faustino Teixeira: Num de seus clássicos dísticos do Peregrino Querubínico, o
místico Angelus Silesius  (1624-1677) dizia que “nenhuma criatura sonda a Divindade”
(PQ V, 339). Também João da Cruz (1542-1591) assinala em seu Cântico Espiritual que
Deus é uma “ilha estranha”: estranha aos homens, aos santos e aos anjos (CB 14,8), e
que nenhum intermediário consegue dar a notícia de seu significado: “não sabem dizer-
me o que desejo” (CB 6). Assim é na mística cristã, mas também nas outras tradições
místicas. A linguagem mística “enuncia a ausência como presença e a presença como
ausência”, sempre recusando qualquer palavra supérflua sobre o Mistério sempre
maior. Com respeito ao budismo, não se pode defini-lo como uma tradição ateia, como
alguns defendem de forma equivocada. O que ocorre é um “silêncio sobre Deus”. A
esse respeito gosto sempre de citar uma passagem preciosa do livro de Juan Martin
Velasco sobre o Fenômeno místico (1999). Para ele, “o silêncio de Deus que o Buda tão
consequentemente pratica é a forma mais radical de preservar a condição misteriosa do

120
último, o supremo, a que toda religião aponta”. Ao se calar sobre Deus, essa tradição está
questionando as tentativas ilusórias e problemáticas que acompanham as tradicionais
perguntas sobre Deus: muitas vezes são perguntas incorretas, indevidas e lesivas da
“transcendência da realidade à qual se referem”.

Monja Coen Roshi: O que o Ocidente pode aprender com a compreensão


budista do caminho que “vai do eu ao si mesmo”? Como essa passagem pode
tornar o sujeito pós-moderno menos orgulhoso e arrogante, menos preso ao
desejo e, por conseguinte, ao sofrimento?
Faustino Teixeira: Ao escrever o prefácio à obra de Suzuki, A grande libertação,
Carl Gustav Jung aborda a distinção entre o eu e o si mesmo. O si mesmo traduz uma
compreensão mais elevada do eu, agora despojado de seu apego a si e às coisas. Daí
ser necessário trabalhar a ideia de si mesmo como um não eu. Essa passagem de nível
vem observada na experiência da iluminação (satori). Trata-se “de uma ruptura e uma
passagem da consciência limitada na forma do eu para a forma do si-mesmo que não tem
um eu. Essa concepção corresponde ao zen, bem como à mística do mestre Eckhart”. Essa
mudança de perspectiva vem também trabalhada por Nishitani, ao abordar o significado
da subjetividade elemental, ou seja, a subjetividade que emerge da morte do ego. A chave
de compreensão dessa passagem do eu ao si mesmo pode ser encontrada no clássico
sermão de Benares, ocorrido logo após a iluminação de Buda, onde se fala das quatro
nobres verdades. Ali se diz que na raiz de todo sofrimento está o “anseio compulsivo pelas
coisas da vida”, o apego desestabilizador (tanha). Só mediante a superação desse apego,
mediante o nobre caminho óctuplo, é que se abrem as veredas da iluminação.

Monja Coen Roshi: De que forma a inversão do cartesianismo promovida


por Thomas Merton (existo, logo penso) pode inspirar um novo posicionamento
do sujeito em relação à forma como lida com sua espiritualidade e racionalidade?
Faustino Teixeira: É sabido o influxo da perspectiva zen budista sobre o
pensamento de Thomas Merton. Mas há também que sublinhar a presença de Nishida
Kitaro em sua reflexão. Na clássica obra de Thomas Merton sobre o Zen e as aves de
rapina (1968), há um capítulo dedicado ao pensamento de Nishida. Para o místico
trapista, Nishida revela-se como um autêntico filósofo zen. Merton indica que essa
inversão do cartesianismo, provocada pela Escola de Kyoto, traduz uma nova atenção
ao real. O caminho essencial vai do ser ao pensar e não o contrário. Nishida vai conferir
uma importância central à ideia de “consciência pura”, que é ponto de partida para
qualquer despertar filosófico. Trata-se de uma atenção particular ao caráter trivial da
experiência, que antecede qualquer distinção entre sujeito e objeto. O que ocorre com
a consciência pura é um refinado fenômeno de consciência, que confere prioridade
ontológica ao mundo. É evidente que essa perspectiva inspira um posicionamento que
é novo e problematizador. Há que lidar com o mundo e com a natureza de outra forma;
há que conceder uma atenção particular ao que é vivido e experimentado.

FONTE: <https://bit.ly/2YBkvbs>. Acesso em: 9 jul. 2020.

121
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• Os elementos fundamentais para a compreensão da Teologia na Tradição Taoísta


estão na história das dinastias chinesas.

• A importância e dificuldade para traduzir a experiência com o Tao propicia a ideia de


mistério e/ou Deus.

• É possível afirmar uma teologia trinitária no Taoísmo, fundamentada nos Tao Te Ching,
o livro sagrado para esta tradição.

• A filosofia do Yiang e Yin e o Tao são possibilidades de comunhão entre as diferentes


tradições religiosas.

122
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:

I- Na dinastia Ming, o Confucionismo e o Budismo foram popularizados, influenciando


também o Taoísmo, dando origem a escola denominada de “Tao da Completa
perfeição”, que buscou novos alunos, incluindo mulheres, que tiveram uma
participação ativa.
II- Yang e Yin refletem as transformações contínuas do próprio Universo e nos
levam à compreensão da realidade sempre relativa, carregada de inovações e/
ou fenômenos. Assim, Yang e Yin são forças que garantem o ritmo e evolução do
Universo e do próprio ser humano.
III- No Taoísmo há uma criatura divina para cada dia do ano, para cada espaço celestial
e terrestre e para cada criatura há protetores e guerreiros. Todas as criaturas divinas
são lideradas pelo Imperador Jade.

a) ( ) Estão corretas I e II.


b) ( ) Somente a I é correta.
c) ( ) Todas estão corretas.
d) ( ) A II está correta e I e III estão incorretas.

2 No Taoísmo todas as ações do Tao são refletidas pelo dinamismo de ambos os polos.
Nada é Yang e nada é Yin a todo momento. Conforme os estudos realizados, assinale
a concepção Yang e Yin de Fritjof Capra.

a) ( ) Para Capra, o documento mais antigo que trata do Yang e o Yin é um Tratado
anexo ao Livro “I Ching” de autoria de Confúcio.
b) ( ) Capra afirma que antes da instituição do Taoísmo, havia uma Escola filosófica
chinesa, aproximadamente do ano 300 a.C., que fazia menção ao “Yang e Yin”.
c) ( ) Capra afirma que todos os seres humanos passam pelas fases do Yang e Yin
porque a personalidade de cada um não é estática, há um dinamismo resultante
do encontro entre masculino e feminino.
d) ( ) Para Capra, quando Yang atinge seu ápice se volta para o Yin, mas não o contrário.

123
3 De acordo com os estudos realizados, o “Canon Taoísta” está estruturado em duas
partes. Assinale V para as afirmações verdadeiras e F para as falsas.

( ) Na Caverna da Verdade há 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro Celeste, é


o caminho do grande veículo.
( ) O Xuan ou Mito da Caverna tem 12 doze tratados revelados pelo Senhor do Tesouro
Espiritual, é o caminho do veículo médio.
( ) Na Caverna Sagrada há 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro Divino, é o
caminho do pequeno veículo.
( ) O Sublime mistério, formado pelo texto Tao Te Ching de Lao Tse, foi inspirado
nos Vedas.
( ) A Sublime paz forma o Tratado da sublime paz, usado para complementar o Mito da
Caverna do Mistério, sendo este datado no contento da dinastia Han.
( ) A Sublime transparência é formada por todos os tratados do elixir de ouro, usado
para complementar a Caverna Sagrada.

124
UNIDADE 3 —

TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-


AMERICANA, CATÓLICAS,
PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E
COEXISTÊNCIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a origem do desenvolvimento da Teologia a partir das matrizes


africanas e da Teologia na América Latina;

• identificar a origem e desenvolvimento das Teologias Católicas e Protestantes;

• conhecer a origem e desenvolvimento das Teologias Liberais;

• assimilar a importância e possibilidade de uma Teologia Ecumênica, inter-religiosa


e coexistencial.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS


TÓPICO 2 – TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS NA AMÉRICA LATINA
TÓPICO 3 – TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES: DA MODERNIDADE
À CONTEMPORANEIDADE
TÓPICO 4 – TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

125
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A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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126
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS
NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será realizada uma breve apresentação da história da África e a
sua defesa enquanto gênese da humanidade. Se Deus fez tudo, logo, Ele escolheu a
África enquanto “berço” para a humanidade. Serão apresentadas as principais fontes
para a afirmação.

Na narrativa histórica serão identificados os fenômenos culturais, míticos e


religiosos, incluso a ideia de tradição oral enquanto texto sagrado. Ainda será ressaltado
o processo de sistematização da opção dos colonizadores da América Latina pela
escravização de povos africanos e a apologia do catolicismo a este sistema.

A seguir será analisada a reprodução da Teologia de matriz africana na América


Latina, incluso o processo de sincretismo religioso para afirmar que a busca por Deus e o
conceito do mesmo se faz a partir da coletividade sem qualquer imposição eclesiástica
e/ou qualquer forma de poder.

Na sequência será desenvolvida uma síntese dos principais movimentos sociais


de cunho religioso afro que resistiram ao sistema escravocrata e ao racismo.

2 ÁFRICA: VENTRE ONDE DEUS GESTOU O HUMANO


Escrever a história da teologia na África é urgente e de grande responsabilidade.
São milhões de oprimidos e crentes que tomam cada vez mais consciência das reais
causas de sua opressão e tem cada vez mais o desejo de resgatar sua história, sua real
identidade para o acontecer da tão sonhada liberdade.

Por teologia, aqui entende-se, além da busca de Deus, a reflexão sobre a fé de


um povo, que recebeu influências diversas, seja da própria cultura e do poder da cruz
e da espada dos colonizadores. Assim, a História da Teologia na África será o resultado
dos estudos das diversas maneiras como a fé foi concebida, imposta e praticada ao
longo do tempo.

É sabido que a África é o “berço” do ser humano. Ali está sem qualquer dúvida o
“sopro da vida”. Se Deus fez o humano de barro, os elementos água e terra eram de solo
africano. Se Deus fez o humano a partir da água, terra, fogo e/ou ar, foram na Mãe África
as primeiras experiências, relações sociais, políticas e religiosas.
127
Segundo Hugot (2010), já na pré-história da África (10.000-4000 a.C.) havia
técnicas avançadas no polimento da pedra, no processo de domestificação de animais
selvagens, na agricultura, urbanização, na arte e na religião.

Com mais evidência, o mesmo autor menciona a expressão “Neolítico Africano”


(9000-3000 a.C.), no qual havia uma forma de povoamento denominada de “Povo do
Saara”, os quais constituíram uma civilização seminômade, muito dedicada ao cultivo de
rebanhos de grande e pequeno porte.

Sutton (2010) defende a tese que afirma ter existido na África (8000-5000 a.C.)
uma “Civilização das Águas”, de economia sedentária. Tal civilização teria se estendido
de oeste a leste ao longo de rios e lagos até o norte pelo Rio Nilo e até o sul pelos
Grandes Lagos africanos. Segundo o mesmo autor, esta civilização sobreviveu através
da pesca e caça de hipopótamos e crocodilos.

Ambos os autores, apoiados em dados linguísticos e arqueológicos, são de


pleno acordo que entre estas civilizações havia uma infinidade de etnias, a exemplo
dos “Cuchitas”, etnia responsável pela entrada de cabras e rebanhos de grande porte na
África devido à aversão ao peixe e a prática da circuncisão. Estes ocuparam o Quênia,
Etiópia e a atual África do Sul, enquanto que os Bantos ocuparam onde está o Zaire,
Angola e Moçambique. Quanto aos Orubás e/ou Nagôs, ocuparam a atual Nigéria. Tanto
os bantos quanto os nagôs desenvolveram a agricultura e fizeram uso de ferramentas
de metal.

Outro ponto que os autores são de pleno acordo é referente à rota comercial no
Mediterrâneo, ligando a África com o mundo árabe, que consolidou o desenvolvimento
de sociedades complexas na África há mais de 5000 a.C.

Para Salama (2010a), merece destaque a civilização Garamantes do século II


a.C. Foi este povo que forneceu elefantes, leões e tigres aos romanos. Foram muito
importantes para o desenvolvimento comercial entre África e Roma, além de contribuírem
para a extinção de muitas espécies.

Entre os séculos VII e XV, como consequência das intensas rotas comerciais e
entre estas o Islamismo, a África sofreu forte influência dos seguidores de Allá. Segundo
Hrbek (2010), a conversão de soberanos da África Sudanesa teria sido estimulada pelo
engodo do Islamismo ser uma religião universal, isto é, o Islã chegou à África como
uma espécie de solução ideológica, cuja finalidade era preservar o poder dos soberanos.
Isso comprova que os muçulmanos foram eloquentes junto aos líderes de clãs e
reinos da África. Converteram governantes para depois converterem os governados,
fazendo da África uma extensão da Ummah (comunidade dos fiéis do Islã), porém, não
ocorreu o mesmo entre os séculos XVI e XIX. Com a presença europeia, principalmente
da Inglaterra, pioneira no processo de conquista do território africano, enquanto os
governantes africanos ofereciam ouro, esmeralda, diamante e mão de obra escrava, os
europeus ofereciam quinquilharias e bugigangas.

128
Com a instalação do tráfico de seres humanos pelo Atlântico, a África conheceu
o subdesenvolvimento e a miséria, sendo tudo isso mediante aprovação de reis e outros
governantes africanos, vassalos de cortes europeias, principalmente da coroa inglesa.
E quando a Inglaterra proibiu o tráfico de seres humanos para alimentar o sistema
escravocrata, consolidou ainda mais a miséria na África, monopolizando a produção
agrícola e pastoril do continente durante o século XIX, ampliando a dependência
econômica da África com a Inglaterra.

Quanto à religião, já na pré-história da África havia um pluralismo religioso muito


vinculado com a natureza e influenciado por questões geográficas, culminando no
sincretismo religioso e teológico. Mas a partir da presença romana, hebraica e islâmica,
chegou à África a ideia de monoteísmo e da fé vinculada ao poder político.

3 IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO ORAL


Não há qualquer texto escrito considerado sagrado na história da África, porém
com a publicação das obras, The History of the Yorubas e a História Geral da África,
escrita por intelectuais africanos sob coordenação de Joseph Ki-Zerbo, devemos
valorizar ainda mais a tradição oral na história da teologia afro.

A primeira obra é de autoria do reverendo Samuel Johnson, nascido em


Serra Leoa, em 1846. Ali, o autor resgata a cosmogonia Yorubá, fundamental para
a compreensão do Candomblé. A obra de Johnson foi publicada em 1921, sendo
fundamental e aporte crítico na compreensão das etnias no processo de criação do
Estado Nigeriano, servindo de fonte para qualquer estudioso da africanalidade.

A segunda obra teve início no Primeiro Congresso Internacional de Africanistas,


realizado em Acra, capital de Gana, em 1962, sob patrocínio da UNESCO. Na ocasião,
o evento reuniu mais de 500 especialistas em África. O projeto foi aprovado na 16ª
Assembleia Geral da UNESCO no ano seguinte. Foi um árduo trabalho de síntese a partir
dos dados da arqueologia e outras fontes. O mesmo abordou as relações históricas
entre as diversas regiões do continente em diferentes períodos históricos, partindo da
pré-história da África. Ainda foram contempladas no trabalho as múltiplas civilizações
do continente africano e suas principais instituições.

DICA
História Geral da África, escrita por intelectuais africanos sob coordenação
de Joseph Ki-Zerbo, está dividida em oito volumes já publicados em língua
portuguesa e disponibilizados no Brasil.

129
No sétimo volume, mesmo sendo alvo de severa crítica, apresenta uma boa
síntese da arte e da religião afro. São seis capítulos que enfatizam a “voz dos vencidos”
e/ou práticas de resistências perante o processo de conquista do continente africano
em diferentes regiões, omitindo as alianças ocorridas entre conquistadores e lideranças
dos próprios conquistados durante o século XIX.

No entanto, as duas obras valorizam e confirmam o que sabemos via tradição


oral banto e nagô, etnias que chegaram ao Brasil via brutalidade europeia e suas práticas
de tráfico de seres humanos para alimentar o sistema escravagista, protegido pelas
bênçãos do catolicismo.

Ainda, os textos citados confirmam a existência de uma teologia de matriz


africana e asseguram a veracidade da tradição oral, tão presente nos terreiros de
Candomblé e/ou Umbanda e/ou Macumba e tornam-se de suma importância para
buscar e entender Deus com rosto negro.

4 QUEM É DEUS NA TEOLOGIA AFRO


Nas diversas tradições religiosas já afirmamos que Espírito, Anjo, Kami, Tao e
Energia não têm formas, são criaturas envolvidas no mistério, ao absoluto e/ou infinito,
ao Theós, que foi traduzido por Deus, a quem as tradições religiosas apresentaram
conceitos ou definições, deram nomes ao Theós, sempre a partir do contexto vital e/ou
da existência. Por exemplo, no Cristianismo Deus é Trindade, mas há outras criaturas
divinas como os arcanjos e querubins, os santos do cristianismo católico e, mais
especificamente, a imagem de Nossa Senhora Mãe de Deus e/ou de um da Trindade.

Na teologia afro a tradição oral preservou as mais diferentes imagens de Deus,


sendo todas vinculadas e/ou em comunhão com a Mãe Terra. São os orixás, a energia
que envolve o humano e a natureza, a imanência com a transcendência.

Segundo Johnson (1921), a cosmogonia afro contempla OLORUM (OLODUMARE),


a energia primordial, o Mistério, o infinito, Aquele que é, o Criador que criou o ORUN, o
mundo espiritual. Nada a ver com o conceito de céu do Cristianismo e Islamismo. Está
mais próximo do conceito dado ao Panteão Xintoísta. No ORUN estão os orixás, os filhos
de OLORUM. Entre eles, OXALÁ, o mais velho e os demais como ODUDUWA, OBATALÁ,
EXU, YEMANJÁ e tantos outros.

OLORUM confiou a OXALÁ a substância escura para criar AIYE, o mundo material,
mas OXALÁ (Masculino) recusou a fazer os rituais necessários para dar origem a AIYE.
EXU não gostou da atitude racional de OXALÁ (Atitude própria do masculino) ... antes
que OXALÁ saísse do ORUN, EXU fez com que OXALÁ sentisse sede, obrigando OXALÁ
furar uma palmeira... dela saiu um líquido saboroso, era vinho de palma. OXALÁ bebeu,
saciou a sede e dormiu... ODUDUWA vendo que OXALÁ dormia, pegou a substância
escura e levou até OLORUM. Este permitiu que ODUDUWA partisse... ao chegar de
ORUN, ODUDUWA (Feminino) em comunhão e amor com OBATALÁ (Masculino), lançou

130
a substância escura sobre as águas, formando um pequeno monte... sobre o monte
sentou uma ave que ciscou com seus cinco dedos (Visão dos cinco continentes?),
espalhando a substância, dando origem a AIYE, a Terra, a Mãe Natureza.

Entre ORUN e AIYE há uma união hipostática ou comunhão. Assim, terra e vida são
os princípios básicos do Candomblé, razão de ser do terreiro. Com os pés ao chão, terra e
vida celebram a unidade, a comunhão e o amor. Daí a necessidade de resgate da teologia
de matriz africana, sempre vinculada com o meio ambiente, podendo ser de grande valia
para a formatação da consciência humana para gestar um espírito sustentável.

E como acontece essa comunhão entre ORUN e AIYE? Qual é o elo de ligação
entre ambas as realidades? O que liga as duas realidades são os ORIXÁS, criaturas
sagradas que estão no ORUN, mas atuam em AIYE, a realidade material ou natural. Em
ORUM há mais de 400 ORIXÁS, tendo cada um alguma espécie de missão em e com a
AIYE. Vejamos sete exemplos de ORIXÁS, os mais populares no Candomblé de origem
Yorubá, muito presentes no Brasil.

4.1 EXU
A comunicação entre imanência e transcendência só é possível via aprovação
de EXU. Sem EXU, AIYE, o terreiro e tudo o que está em AIYE, ficam desprotegidos. Deixar
EXU de lado é caminhar sozinho na estrada da vida. Sem EXU nada evolui, nada cura,
nada melhora, podendo até mesmo retroceder. Em vez de bênçãos, ocorre perdição
ou maldição.

Na liturgia do Terreiro Sagrado de Candomblé, primeiro invoca-se EXU com o rito


do “Padê de EXU”, no qual são oferecidos alimentos e bebidas ao Orixá. EXU é alegria,
ninguém fica deprimido.

Os ambientes preferidos para invocar EXU são as encruzilhadas da vida. Na


dúvida e insegurança da vida, EXU aponta o caminho e a verdade. Suas cores são o
vermelho e preto e têm a segunda-feira enquanto dia em que sua energia está em maior
evidência. Seus filhos são festivos e justos.

4.2 OGUM
É filho de ODUDUWA. Após a criação de AIYE, OGUM, diante de tanta beleza e
amorosidade da própria Mãe, OGUM ficou apaixonado por ela (Seria o complexo de Édipo
africano?). Por isso, OGUM passou a ser desprezado pelas mulheres e foi expulso para
AIYE, a Terra, passando a viver nas matas e tendo que fazer suas próprias ferramentas
para o trabalho e defesa pessoal. OGUM é venerado apenas pelos homens. OGUM é o
Senhor da guerra e da agricultura. Suas cores são o azul e branco. Sua energia é mais
forte ainda na terça-feira. Seus filhos são valentes e vencedores.

131
4.3 OBÁ
Com sua doçura e beleza é a senhora que controla as águas doces, evitando
tormentas e enchentes. Tem em si a força natural do feminino. É a protetora das
mulheres e sua beleza vai além do físico. É ainda a Orixá que faz justiça. Na quarta-
feira sua energia é mais radiante. Suas cores são o vermelho e branco com detalhes
amarelos. Com OBÁ, as mulheres são mais fortes do que já são.

4.4 OXÓSSÍ
É filho de OXALÁ e YEMANJÁ. Vive nas matas, é a força que domina a Natureza. Com
OXÓSSI presente a morte não chega. Com OXÓSSI não há fome. É protetor dos caçadores,
mas também das florestas, permitindo apenas a retirada da vida para saciar a fome. Suas
cores são o verde e o azul. Na quinta-feira sua energia é mais forte que a morte.

4.5 OXALÁ
É o orixá mais velho. Manifesta-se como idoso vestido de branco ou jovem vestindo
roupa prateada. Rejeita a violência e conflitos. É o Orixá da esperança e da paz. Sua cor é o
branco. Na sexta-feira sua energia erradia com mais força. Seus filhos são pacifistas.

4.6 YEMANJÁ
É a Orixá, Mãe de todos os demais Orixás. É a rainha dos mares, protetora dos
pescadores e marinheiros. É ela que restaura as emoções e propicia a fecundidade.
YEMANJÁ está sempre com seios volumosos, pronta para alimentar os seus filhos. É a
Mãe por excelência. Suas cores são o azul e branco. Aos sábados sua energia contagia
a todos com mais evidência.

4.7 YORI
São dois Orixás, os protetores das crianças. Estão sempre em comunhão com
tudo o que nasce. São as criaturas mais puras do ORUN. YORI têm a cura para qualquer
enfermidade das crianças. O domingo é dedicado a YORI, a força e energia das crianças.
YO é a vitalidade que sai da energia e RI é a potência que se manifesta, gerando vida.

132
5 ORIXÁS DO CANDOMBLÉ OU SANTOS CATÓLICOS?
Os ORIXÁS, os mais populares no Candomblé de origem Yorubá, muito
presentes no Brasil, foram e continuam sendo invocados nos terreiros e até nas missas e
celebrações católicas no Brasil. Do século XVI até os dias atuais, através das imagens de
santos e anjos católicos foi brotando o fenômeno denominado de sincretismo religioso,
motivo de grandes conflitos na história do Brasil.

Diante disso foram inúmeras as tentativas do catolicismo e protestantismo


de conceituar EXU enquanto a personificação do diabo e os demais ORIXÁS enquanto
demônios, fomentando a doentia intolerância religiosa católica e protestante, que tanto
mal ainda faz ao mundo.

Por exemplo, na festa de Nossa Senhora Mãe de Deus no dia 1º de janeiro,


enquanto o católico louva a santa, olhando para a mesma imagem, o candombleteiro
olha para a santa e invoca YEMANJÁ. Na festa de São Sebastião no dia 20 de janeiro,
enquanto o católico celebra o santo, o candombleteiro invoca OXÓSSI. Na festa de São
Miguel Arcanjo, no dia 29 de setembro, enquanto o católico invoca o Arcanjo Miguel,
o candombleteiro invoca EXU. Na festa de São Jorge, no dia 24 de abril, enquanto o
católico venera o santo, o candombleteiro invoca OGUM. Na festa de Natal e no dia 15 de
janeiro, festa de Nosso Senhor do Bonfim, que é o próprio Jesus Crucificado, enquanto os
cristãos celebram o nascimento de Jesus e adoram o Cristo, o candombleteiro também
está em festa, é dia de OXALÁ. No dia 30 de maio, enquanto os cristãos católicos
celebram Santa Joana D’Arc, o candombleteiro celebra OBÁ, a protetora das mulheres.
No dia 27 de setembro, quando os católicos celebram São Cosme e São Damião, o
candombleteiro invoca YORI, os Orixás das crianças.

6 ÁFRICA EM TERRAS LATINO-AMERICANAS


Desde meados do século XV, navegadores portugueses tinham capturado na
costa da Guiné alguns africanos, que depois tinham sido vendidos na Europa. O tráfico era
uma prática habitual no contexto, mas aos poucos foi sendo limitado, ficando sob domínio
de Portugal e, em pequena parte, da Espanha. Las Casas, para defender com mais eficácia
os indígenas americanos, teve uma ideia, cujas consequências não podia prever:

Sua Majestade poderá dar por alguns anos a algumas pessoas


assinaladas e fazer mercê a um de cinquenta mil maravedis; a
outro de cem; a outros de mais; a outros de menos, para serem
ajudados a povoar a terra até se arraigarem nela... e também
mandar emprestar ou fiar a eles alguns escravos negros a serem
pagos dentro de três ou quatro anos, ou como for sua real vontade
e mercê (SUESS, 1992, p. 753).

O generoso Las Casas, embora impetuoso defensor dos oprimidos indígenas
da América não suspeitava jamais ter cooperado involuntária ou voluntariamente
para uma opressão ainda mais dura e desumana. A escravidão dos índios foi de fato
133
substituída pela escravidão e comércio dos africanos, porém, com o tempo, a iniciativa
se desenvolveu até assumir proporções gigantescas, sobretudo, quando, em meados do
século XVII, já estavam se exaurindo as minas de ouro e de prata na América, exploradas
vorazmente pelas primeiras gerações de conquistadores.

Foram incrementadas em grande escala no Brasil as plantações de açúcar, de


algodão e de fumo, bastante lucrativas, mas que exigiam uma mão de obra cada vez
maior de pessoas vinculadas à agricultura, a exemplo dos bantos e nagôs.

Navios espanhóis e portugueses se juntaram a franceses e ingleses, que


acabaram depois suplantando totalmente os primeiros. Em 1713, o tratado de Utrecht,
pôs fim à guerra da sucessão espanhola. A partir dele, a Inglaterra chegou até a garantir
para si o monopólio do tráfico negreiro.

No início, os traficantes promoviam uma espécie de caçada: chegavam às terras


africanas, invadiam as aldeias, perseguiam e prendiam seus habitantes, destruindo toda
organização social e familiar.

Chegando ao Brasil, o país que mais recebeu escravos, havia um processo


de tentativa de aniquilamento cultural e religioso. Posterior ao batismo exigido pelo
catolicismo, os africanos eram comercializados como objetos.

No trabalho, bantos e nagôs, sempre estavam sob vigilância de capatazes.


Qualquer deslize era motivo para torturas com a máxima severidade. Alguns castigos
mais conhecidos ocorriam no pelourinho. A castração, a amputação de seios e a quebra
de dentes com martelo, foram meios para estabelecer o poder sobre os africanos, sob
bênção do catolicismo.

Assim, o sistema ia se consolidando. E no meio do sistema escravagista estavam


as dioceses e mosteiros com seus bispos e abades que legitimavam a prática diante da
cruz, do ouro e do sangue dos africanos. A própria hierarquia católica se via diante de
um sistema que legitimava a morte em nome de Deus.

6.1 ESCRAVIDÃO SOB BÊNÇÃOS CATÓLICAS E RESISTÊNCIA


A escravidão foi uma forma extrema de exploração de mão de obra pela qual o
poder estatal transformou o ser humano afro em propriedade. O escravo era reduzido a
mero ”objeto”, podendo ser comprado e vendido, emprestado ou alugado, como qualquer
outra mercadoria ou como um animal.

A escravidão e o tráfico de seres humanos foram essenciais para a montagem


da estrutura do sistema colonial da América Latina entre o final do século XV e o início
do século XIX. As terras conquistadas pelos colonizadores portugueses e espanhóis

134
necessitavam de mão de obra abundante para o comércio que se expandia. Após a
primeira tentativa fracassada de escravizar a população indígena, que resistiu, a solução
encontrada foi buscar no continente africano uma população que já experimentava o
trabalho agrícola, a exemplo de bantos e nagôs.

A escravidão tornou-se uma instituição que ocupou o centro do sistema


colonial. Toda a sociedade estava assentada sobre o trabalho escravo. O Brasil foi uma
das primeiras colônias da América onde se explorou o trabalho do negro em regime
de escravidão e também foi a colônia que mais recebeu escravos durante os quatro
séculos de escravidão.

6.2 ORGANIZAÇÃO E RESISTÊNCIA COM A ENERGIA DOS


ORIXÁS
A presença associativa e organizada da comunidade negra na sociedade
brasileira não é um fato novo. Entre as organizações negras, às vezes, frágeis e um tanto
desarticuladas, mas sempre constantes, merecem destaques os quilombos.

Os conquistadores dos séculos XVII e XVIII diziam que os quilombos eram


habitações de negros fugitivos em lugares despovoados. Na verdade, os quilombos eram
mais do que isso. Foram organizações políticas e comunitárias, alternativas ao sistema de
dominação escravagista. Neles, os escravos se organizavam à margem, em oposição à
sociedade escravocrata, formando uma sociedade alternativa.

O quilombo mais conhecido foi Palmares, propriamente uma federação de


quilombos, um verdadeiro sistema de produção alternativa à sociedade colonial. Resistiu
quase cem anos às tentativas de destruição e foi preciso formar um exército de quase
seis mil mercenários para destruí-lo.

Em seu percurso histórico as organizações negras tiveram ainda nas confrarias


religiosas e nas irmandades, ambientes expressivos de manutenção da unidade social.
Grupos religiosos como o Candomblé, Terreiros de Xangô e da Umbanda constituíram
formas de organizações negras e de resistência.

Os primeiros sinais de resistência apareceram logo nos navios que cruzavam o


Atlântico, carregados de africanos. Há registro de práticas de resistência nos navios como
aconteceu no navio “L’ Africain”, em 1738 e na Revolta dos Macuas em 1823.

Ainda, a prática do aborto, para não dar à luz um filho escravo, a do suicídio, a greve
de fome e o banzo não devem ser lidas como desespero, mas como último recurso de
resistência que prejudicava os senhores do regime escravagista brasileiro.

Como no período da escravidão, depois da “abolição” o negro resistiu à


dominação em suas formas. Desde as revoltas dos marinheiros negros como João
Cândido em 1910, surgiram outras organizações negras.
135
INTERESSANTE
Em 1931, nasceu a Frente Negra Brasileira, que foi cassada pelo Estado
Novo do governo Getúlio Vargas e o Movimento Negro Unificado – MNU
em São Paulo, em 18 de junho de 1978. No início de 1930, houve a
formação da “Frente Negra”, uma organização que teve grande influência
e foi o centro convergente de uma série de entidades e grupos afros.

Outra forma de resistência cultural e política ocorreu através da arte nas


atividades das Escolas de Samba a partir de 1928 e no Teatro Experimental do Negro em
1944 no Rio de janeiro. E na Bahia, as organizações carnavalescas como o “Afoxé Filhos
de Gandhi”, em 1949 e o Bloco “Ilê Aiyê”, em 1974 expressaram gritos de resistência e
resgate da identidade cultural. O que seriam apenas grupos carnavalescos tornaram-se
fortes movimentos sociais afros em terras brasileiras.

6.3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS


Uma das primeiras religiões afro é o Candomblé. Dependendo do contexto,
pode receber outros nomes como Xangô, em Recife, Alagoas e Paraíba; Candomblé, na
Bahia; Tambor, no Maranhão; Batuque e Baçuê, na Amazônia; Batuque, no Rio Grande
do Sul; Macumba, em São Paulo e Rio de Janeiro. De origem sudanesa, os terreiros de
Candomblé preservaram o culto aos orixás.

É uma experiência religiosa de grande beleza em suas celebrações. A comunhão


entre o humano e o divino ocorre por meio da dança. É talvez a mais intensa experiência
religiosa da humanidade. O candomblé procura a harmonia entre o ser humano e a
natureza, porém, as formas difundidas da tradição afro no Brasil são aquelas que
genericamente se chamam de Umbanda. Tecnicamente, o nome mais correto seria a
Macumba, no entanto, a Macumba ganhou uma conotação pejorativa no catolicismo e
no protestantismo, devido à intolerância religiosa, que propagaram a descriminação e
estimularam a perseguição religiosa.

6.4 O AXÉ DO TERREIRO


Sempre houve uma íntima ligação entre o candomblé e as lutas de resistência
do povo negro. Em Salvador, por muito tempo, estar ligado aos cultos africanos era
motivo de prisão por suspeita de ligação com as revoltas. Fé nos orixás e a luta por
libertação do sistema escravocrata constituíam a mesma experiência. Muitas histórias
de formação de quilombos na Bahia estão ligadas à constituição de um terreiro como o
Ilê Axé Opôs Afonja.

136
O espaço do candomblé é a natureza. É uma religião ligada à terra. É necessário
que haja plantas, água corrente e animais para as obrigações e os sacrifícios aos orixás.
Por isso é necessária a luta por terra e liberdade onde o povo negro possa celebrar
os orixás.

O terreiro deve estar sempre aberto a todos. Se alguém deseja fazer a iniciação, faz-
se necessária a ligação do candidato ao seu Orixá e incorporá-lo. Cada pessoa nasce com seu
orixá. Todo orixá tem sua planta específica, que geralmente é medicinal.

O mistério e/ou transcendente no terreiro é vivenciado através dos orixás.


Celebrar o culto aos orixás é receber a “AXÉ”, a força da natureza e dos ancestrais que
possibilita vida nova e liberdade. Participar do terreiro é entrar em comunhão com os
ancestrais, resgatando a real identidade do ser humano.

O terreiro se torna um espaço onde é possível viver a esperança da libertação.


Atualmente é possível encontrar momentos onde se percebe a ligação dos Terreiros
de Candomblé às lutas populares. Segundo Felix (1987), O movimento do Afoxé Filhos
de Gandhi, surgiu a partir de um grupo de 40 homens que eram estivadores ligados ao
Candomblé do Terreiro do Ilê Axé Opô Ajanju. Essa categoria de trabalhadores foi a mais
organizada e consciente da história da Bahia. O nome escolhido foi em homenagem a
Mahatma Gandhi, o grande líder da luta pela emancipação do povo da Índia contra o
colonialismo inglês e o racismo na África do Sul. Na época, Gandhi acabara de falecer.

6.5 RESGATE DA IDENTIDADE AFRO


O objetivo da sociedade escravocrata era destruir a identidade do africano para
dominá-lo. Para isso, foi estruturado um mecanismo para apagar da memória do negro
o seu passado. Oficialmente, não se reconhecia a maneira de trabalhar, de cultivar, de
fazer casas, de educar os filhos, de fazer a experiência religiosa, nem a língua dos povos
afros. Até as práticas medicinais foram reconhecidas como bruxarias na América.

Para aniquilar a identidade afro bantos e nagôs foram privados da terra, família
e liberdade. Foi negada a história e controladas as manifestações étnicas e culturais,
via “demonização” da vivência religiosa. Assim, o sistema escravocrata tentou eliminar a
história e a identidade cultural africana na América.

Ideologicamente, a destruição dessa identidade era reforçada pela brutalidade


da relação branco-senhor e negro-escravo. O negro devia ser reduzido à identidade de
“não humano” e/ou apenas uma mercadoria nas relações econômicas. Era considerado
rude nas relações pessoais e religiosas, incapaz de entender, merecendo ser tratado
como animal. Ser negro era sinônimo de “sem cultura e sem alma”.

137
No espaço do terreiro é que se reconstruíam os laços familiares de forma ampla,
ao redor dos orixás. Participar de um terreiro era pertencer a uma família; significava
recuperar e reconstruir uma dignidade pessoal e comunitária. No terreiro, bantos e
nagôs encontraram apoio numa organização com normas, hierarquia reconhecida,
costumes, conhecimento transmitido, relações afetivas, celebrações, festas etc. – tudo
o que era integrante da identidade de um povo. Foi no espaço religioso do terreiro que
o povo negro começou a recuperar a sua identidade como povo que tem uma história a
ser contada e resgatada.

Segundo Boff (1992), os negros escravizados tiveram de ouvir o catolicismo de


seus senhores. Afinal, que evangelho uma raposa pode anunciar em um galinheiro? Um
senhor de escravos a seus escravizados? Apesar das imposições dos escravocratas,
os negros souberam guardar sua própria religião. A experiência de Deus africana
sincretizou-se com elementos ibérico, indígena e mestiço, mas conservou suas matrizes
africanas e não ocidentais. Por ela, puderam resistir. No espaço não controlado de seus
cultos viveram uma liberdade mínima e se sentiram dignificados por serem portadores,
em seus próprios corpos em transe, da vinda das divindades.

7 SINCRETISMO: FÉ CRISTÃ E EXPERIÊNCIA DE DEUS


COM ROSTO NEGRO
A denominada evangelização ou desevangelização dos escravos negros foi
um processo forçado e, além disso, superficial. A esse respeito, Kloppenburg (1982)
fala que os negros no Brasil, apesar da afirmação de que são cristãos, continuam no
fundo a ser ligados à sua religião de origem. Chamá-los simplesmente de cristãos
seria cair numa ilusão.

Ainda, não há como manipular o Espírito que sopra e paira onde quer. Deus
é espírito e verdade. Os próprios cristãos estão cansados de ler isso na própria Bíblia,
mas parece que não entenderam ainda o básico de uma catequese pneumatológica.
No contexto histórico e/ou no processo de conquista da América, principalmente, o
catolicismo da cabeça dos bispos tentaram “engaiolar” o Espírito, que também pairou
em cada terreiro revelando que Deus é mais Mãe do que o Pai da Trindade.

Os bispos católicos jamais entenderam isso. Os pastores protestantes podem


captar melhor os anseios do espírito porque vivem e servem o Evangelho a partir de uma
experiência familiar. Os bispos católicos nunca foram pais e dificilmente serão, logo,
jamais entenderão. Ser pai é ser mais racional do que afetivo. O pai da bronca, impõe
normas e delimita o agir, a mãe é carinhosa, afeto, totalmente amorosidade para com
s seus filhos. Daí o motivo do povo negro ter encontrado no terreiro a experiência da
liberdade e do amor de Deus, que tem como fonte Iemanjá, a rainha da terra e das
águas. Com sua beleza e encanto não impõe os absurdos textos normativos episcopais,
mas simplesmente ama e permite transbordar seu amor a todos os seus filhos, sejam
eles negros, pardos, amarelos ou brancos.
138
DICA
Boaventura Kloppenburg é um dos mais bem informados estudiosos das
religiões afro. Em seu artigo Ensaio de uma nova posição pastoral para a
Umbanda, na Revista Eclesiástica Brasileira, nº 48 (1982), p. 506-527, retoma
um estudo publicado na mesma revista no número 28 de 1968, p. 404-417.

Por outro lado, também é fato que a maioria dos negros se fizeram católicos
após o forçado batismo. Entretanto, coloca-se o problema teológico-pastoral. Seriam
católicos ou do candomblé ou da umbanda? Ou então, as duas coisas juntas, ainda
que alternadas? É exatamente esse entrelaçamento complexo e contraditório da
religião e cultura católica e afro-latina que caracteriza um fenômeno chamado de
sincretismo cultural.

A origem desse sincretismo é atribuída normalmente ao disfarce ao qual eram


constrangidos os escravos. Eles invocavam suas divindades sob o nome de santos
católicos e dançavam suas danças sagradas como se fossem formas de diversão. Assim,
abraçavam a atitude católica imposta pelos bispos católicos, porém, continuavam
religiosamente africanos. No Brasil, os povos afros sofreram uma violência concentrada:
a da escravidão econômica no seu corpo e a da proibição da sua cultura e da religião
na sua alma.

Outro modo de sincretismo mais eficaz foram as inúmeras e difundidas


“Confrarias do Rosário dos Homens Negros”. Elas realizaram uma interpretação mais
distintamente catolicizante das religiões africanas. Aqui, o catolicismo não foi mais que
um simples verniz. Assim, nota-se que o sincretismo é histórico e repercutiu um forte
grito que ecoou aos ouvidos de muitos e nos apresentou um novo modo de experimentar
Deus na perspectiva africana.

Ainda, o encontro das religiões afro, indígena e o cristianismo, não resultaram


apenas num sincretismo estratégico, mas também em formas de combinações
espontâneas e criativas onde operava a lógica da livre associação, da correspondência
livre dos elementos dos sistemas religiosos em questão, propiciando uma maior
compreensão da diversidade cultural.

139
IMPORTANTE
Para Eliade (1980), o grande acontecimento do século XX, mais importante
do que as grandes guerras e as grandes revoluções foram o descobrimento
da diversidade das culturas. Até o século XX houve casos de justaposição ou
mesmo de compenetração inconsciente de culturas múltiplas. Cada povo
enxergava as culturas de outros povos como barbárie ou falta de cultura.

Todavia, o importante é contemplar a maneira como se relacionam as diversas


culturas nos dias atuais. Estão longe de ocuparem uma posição semelhante. Há
culturas conquistadoras, invasoras e culturas invadidas e conquistadas, no entanto, as
culturas invadidas procuram resistir para salvar a sua identidade. A modernidade só
não provocou mais estragos porque o que ainda existe resiste e quer permanecer na
existência apesar da crítica. E se cultura significa algo existente, um conjunto de formas
e de estruturas, um conjunto de valores ou de objetos materiais e culturais situados,
definidos, reconhecidos e interiorizados por um certo número de pessoas, devemos
dizer que a modernidade é anticultura.

No Brasil, a questão sobre a importância da cultura nacional enquanto fator de


mobilização e resistência à invasão da cultura europeia surgiu no século passado. A
Igreja Católica não percebeu a problemática e o desafio porque estava comprometida
demais no processo de romanização da fé e com o lucro.

140
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A África tem uma história a ser contada.

• Se Deus fez o humano de barro, foi com terra e água da África que Ele gestou a vida.

• Historicamente é possível fundamentar a existência de uma Cosmogonia africana,


muito próxima do Xintoísmo.

• A experiência religiosa afro tem uma teologia a partir do Panteão Afro, com seus orixás.

• A presença afro na América, além da opressão sofrida pelos bantos e nagôs, deu origem
a movimentos de resistência e propagação do candomblé e seus orixás.

141
AUTOATIVIDADE
1 Segundo Johnson (2011), a cosmogonia afro contempla OLORUM, a energia primordial,
o Criador que criou o ORUN, o mundo espiritual. No ORUN estão os orixás, os filhos de
OLORUM. Entre eles, OXALÁ, o mais velho e os demais como ODUDUWA, OBATALÁ,
EXE, IEMANJÁ e tantos outros. Conforme os estudos realizados, quanto à origem da
Terra, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Iemanjá.
b) ( ) Oxalá.
c) ( ) Exu.
d) ( ) Oduduwa.

2 Os ORIXÁS, os mais populares no candomblé de origem Yorubá, muito presentes no


Brasil, foram e continuam invocados nos terreiros e até nas missas e celebrações
católicas no Brasil. Do século XVI até os dias atuais, através das imagens de santos
e anjos católicos, foi brotando o fenômeno denominado de sincretismo religioso.
Conforme os estudos realizados, quanto a OXALÁ, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) É celebrado na sexta-feira santa.


b) ( ) É celebrado no dia 15 de janeiro, dia de Nosso Senhor do Bonfim.
c) ( ) É celebrado no dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida.
d) ( ) É celebrado no dia 24 de abril, dia de São Jorge.

3 Segundo Boff (1992), os negros escravizados no Brasil tiveram de ouvir o catolicismo


de seus senhores. Segundo o autor, que evangelho uma raposa pode anunciar em
um galinheiro? Apesar das imposições dos escravocratas, os negros souberam
guardar sua própria religião. A experiência de Deus africana sincretizou-se com
elementos ibérico, indígena e mestiço, mas conservou suas matrizes africanas e
não ocidentais. Por ela, puderam resistir. No espaço não controlado de seus cultos
viveram uma liberdade mínima e se sentiram dignificados por serem portadores, em
seus próprios corpos em transe, da vinda das divindades. Quanto aos povos africanos
que chegaram ao Brasil, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Cuchitas e Aiye.
b) ( ) Bantos e Nagôs.
c) ( ) Garamantes e Orubás.
d) ( ) Etíopes e sudaneses.

142
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA
POR DEUS NA AMÉRICA LATINA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a Teologia na América Latina e/ou a busca por
Deus numa releitura do processo de conquista do território por ação dos conquistadores
europeus. Será feita a análise dos modelos eclesiais que fincaram raízes na história
do povo latino. Será detalhada a teoria da ”opção pelos pobres” enquanto chave
hermenêutica teológica que delimita o conceito de teologia latino-americana, suas
consequências políticas e a reação dos bastidores da Igreja Católica a partir dos bispos
romanizados, que ainda acreditam que são príncipes de um império que não mais existe.
A seguir, a Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino, Juan Luiz Segundo,
Leonardo Boff e outros, partindo da “denúncia dos vencidos”, incluso ameríndios, povos
afros, sofredores e profetas da América Latina para afirmar que Deus ouviu o grito dos
pobres e quer libertá-los, definindo o conceito de Deus da Vida e a Cristologia que
enfatiza a imagem do Cristo Libertador.

Continuando a reflexão, serão apresentadas outras práticas da Igreja Católica,


incluindo suas opções por um projeto de cristandade e/ou padroado e o desenvolvimento
das comunidades eclesiais de base. E ao final narra a propagação da Teologia Pentecostal
e Neopentecostal nas igrejas, principalmente no catolicismo.

2 A IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONQUISTA DA


AMÉRICA LATINA
Para expor a Teologia da América Latina faz-se necessário ressaltar a denúncia
das vítimas que acusam a devastação feita pelos colonizadores. A conquista da América
Latina significou um dos genocídios da história. Os sobreviventes são povos crucificados,
submetidos a condições piores que a dos judeus na Segunda Guerra Mundial e dos
cristãos sob os imperadores romanos.

Hoje, esse processo continua pelos dois terços que passam fome, pela
favelização das cidades, agressão ecológica e subemprego, robotização industrial,
agronegócio, êxodo rural e a política de um Estado mínimo, cuja finalidade é preservar
o subdesenvolvimento. Nesse processo, os empobrecidos são os mais ameaçados
de extermínio.

143
Segundo Gutierrez (1989), na América Latina o deus-mercado se instalou,
ele é um deus assassino. Muito se derrama no afã do lucro. Na ânsia da riqueza e do
poder, nada o detém, atropela o direito dos empobrecidos, pisoteia o projeto do Deus
professado pelos cristãos.

Ainda, a partir da morte dos pobres e lucro exacerbado de muitos religiosos das
paradas de “sucesso”, os teólogos latino-americanos afirmam a fé em um Deus, que se
revelou nas pequenas comunidades e movimentos revolucionários, pois, esse Deus é
princípio de tudo, vivifica porque é vida, transborda de amor porque é pai e mãe, se faz
presente na história do continente dos empobrecidos e, como afirma Gustavo Gutierrez
(1989, p. 72), “Ele liberta porque é libertador”.

Segundo Enrique Dussel (1992), na história da América Latina podemos


identificar duas fases e três modelos de catolicismos. No início se formou o regime de
cristandade colonial, fortalecido pelo sistema do padroado (1492-1808), baseado na
aliança entre Igreja e Estado, entre uma falsa evangelização e o poder temporal, entre
a cruz e a espada; regime justificado pela bula Inter Caetera do Papa Alexandre VI de
quatro de maio de 1493. Essa fase é encerrada com o período de 1808 a 1930, que
marca a crise da cristandade colonial, ligada à independência das colônias espanholas
e aos governos liberais neocoloniais, dependentes primeiro da Inglaterra e da França
e, depois, dos EUA anexado ao liberalismo que introduziu o protestantismo; e a Igreja
católica começou a depender diretamente de Roma e não mais da Espanha.

Na segunda fase (1930-1962), surgiu um projeto de neocristandade, que ainda


não desapareceu totalmente, projeto baseado na Doutrina Social da Igreja. E em seguida,
a partir do Vaticano II (1962-1965), a Igreja da cristandade teve que se confrontar com
a Igreja dos pobres, nascida na América Latina, para a libertação dos pobres. Era mais
uma fase (1962-1985).

2.1 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO OURO


Navegar foi preciso, principalmente para o catolicismo europeu do século XVI,
caso contrário, a miséria seria inevitável. A expansão marítima europeia dos séculos XV
e XVI foi consequência da necessidade de encontrar novos mercados fornecedores. A
nação pioneira nesse processo foi Portugal. Tendo como marco inicial a Conquista de
Ceuta (1415). Situada na costa marroquina, Ceuta simbolizava o poderio muçulmano.
Como dessa região partiam piratas árabes, a conquista foi justificada por Portugal como
uma reação católica aos ataques muçulmanos. No entanto, a burguesia lusitana saiu
frustrada em seus objetivos. A intenção era interceptar as caravanas de ouro, marfim,
pimenta e escravos que faziam parada em Ceuta. Os lusitanos prosseguiram sua
expansão contornando a África e chegando às Índias e ao Brasil, porém, seguindo o
exemplo lusitano, em 1492, após expulsar os mouros de seu território, os reis espanhóis
Fernando e Isabel dispuseram a patrocinar uma viagem ao oriente para Cristóvão
Colombo, que resultou com a chegada ao território americano. Além dos espanhóis,
franceses, ingleses e holandeses seguiram o mesmo curso.
144
Segundo Boff (1992), a Inglaterra chegou ao ponto de oficializar a pirataria. Os
piratas foram transformados em corsários e receberam do poder real a Carta de Corso.
Por esse documento, a monarquia inglesa autorizava ataques e pilhagens contra navios
de nações inimigas, desde que os lucros dos saques fossem divididos.

Esses fatos marcam o princípio do domínio europeu em terras latino-americanos
sob bênçãos do catolicismo, que perdia adeptos para o movimento reformista protestante
na Europa. A ganância e a opção preferencial pelo ouro já se encontram muito presentes
na época. Dada sua importância para a história é fundamental ressaltar as principais
consequências do contato do europeu com a América Latina. Consequências que serão
abordadas sob o ângulo dos conquistados.

Segundo Boff (1992), há estimativas de que antes da conquista havia cerca


de 88 milhões de habitantes em todo continente americano. Nessa época, Espanha
e Portugal não possuíam, juntos, 11 milhões de habitantes. Foi principalmente através
dessas duas nações que se empreendeu a conquista brutal dos povos pré-colombianos,
num dos mais sangrentos massacres da história humana.

ATENÇÃO
Conforme Ruggiero Romano (1973), os mecanismos básicos da conquista
colonial americana (principalmente no caso da América espanhola) podem ser
sintetizados em três elementos fundamentais: a espada, a cruz e a fome.

Ainda, a superioridade do armamento não constituiu condição única para


explicar a vitória do conquistador sobre os nativos. Os índios eram numericamente
superiores. Na revolução, além de seu armamento, os conquistadores contaram com o
vírus de inúmeras doenças infecciosas trazidas da Europa (sarampo, tifo, gripe, malária),
causando grandes epidemias entre as tribos indígenas, que não tinham resistência
orgânica contra essas infecções.

Contaminado por doenças, que ignorava e não sabia combater, o indígena sofria
duplo impacto, físico e psicológico, pois supunha, muitas vezes, ser castigado pelos deuses.
E aproveitando-se dos mitos existentes entre os habitantes da terra e das profecias sobre
as catástrofes vindouras, o conquistador foi fincando a cruz católica sobre o vazio gerado
pelo medo e pela desorientação de populações estarrecidas.

Como as autoridades políticas e religiosas entre os povos latino-americanos


fundiam-se na figura de um único chefe, o conquistador, ao liquidar o poder político
indígena, também atacava seu poder religioso. Como demonstração de sua força, o
conquistador europeu construía igrejas e capelas católicas sobre as ruínas dos velhos
templos indígenas.

145
O termo fome aqui não se refere apenas à questão alimentar dos povos latino-
americanos. A fome é símbolo de um conjunto de fatores econômicos que foram
alterados com a conquista, por exemplo, alterações no ritmo de trabalho, deslocamentos
de populações e modo de vida. No que diz respeito aos deslocamentos, devemos notar
que tiveram um caráter brutal, uma vez que transportavam tribos inteiras de povos
litorâneos para regiões de altiplano ou, então, tribos moradoras de lugares quentes para
regiões subtropicais.

Em suma foram esses, os complexos e eficientes mecanismos da conquista


colonial da América Latina. Conquista trágica que conjugando espada, cruz e fome,
encontramos os meios para a sustentação da opção preferencial pelo ouro e o poder.

Terminada a conquista parcial, abriu-se espaço para a imposição do sistema


de exploração colonial católico, que funcionou como uma das principais alavancas no
desenvolvimento do capitalismo na América Latina.

Segundo Boff (1992), para alguns, o descobrimento da América significa a


incorporação das novas terras à cultura europeia. É a visão daqueles que estavam nas
caravelas e aportaram a 12 de outubro de 1492 na atual ilha de hoje Santo Domingo.
Para eles, a descoberta corresponde à dilatação da fé e a expansão dos valores da
civilização ocidental, porém, há os que denunciam a invasão e a conquista violenta, com
o consequente etnocídio numa proporção inimaginável. É a perspectiva dos que estão
na periferia porque foram e permanecem vítimas da voracidade dos conquistadores. Não
aceitam a versão de que a América foi descoberta. Ela já existia há mais de 40 mil anos.

Ainda, há um terceiro grupo, que toma distância da denúncia e procura


um caminho original. É a oportunidade para as culturas autóctones realizarem um
autodescobrimento, resgatando sua identidade sufocada e as exigências de um diálogo
profundo com a cultura europeia e as religiões.

2.2 A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA IDOLATRIA


Afirmar um falso deus é idolatria. Esta é uma problemática que está muito
presente na história da conquista do terreiro latino-americano. Nas bíblias, a idolatria é
percebida enquanto perigo ao ser humano. Não afirmar a Aliança com o Deus da vida é
romper com o seu projeto e assumir o projeto da morte. Quem não proporciona vida é
partidário da morte, mesmo na mediocridade.

Segundo Gutierrez (1989), o tema da idolatria nasce num contexto cultural. A


idolatria é antes de tudo uma prática. Por isso se pergunta: a quem se serve de fato? Ao
Deus da vida ou a um ídolo de morte e que estimula a matança?

Para entrar na dinâmica da idolatria faz-se necessário a confiança no que ilude


e a submissão ao que aliena. Submeter a própria vida aos ditames do poder é oposição
ao que proporciona vida. Para Gutierrez (1989), o ídolo é o que o ser humano forja com
as mãos, convertendo-o em um fetiche e a ele se submete.

146
O ídolo é incapaz de caminhar ao lado de um povo. Cai na idolatria quando se
coloca o ouro e a prata acima de quem os fez e de seu projeto. Neste caso, o dinheiro
escraviza quem o fabricou. Assim, o fetichismo do dinheiro, portanto, passa a ser a
veneração das armas ideológicas de morte. Muito sangue se derrama no afã do lucro.
Na ânsia da riqueza e do poder, nada detém o ídolo, isto é, atropela o direito dos pobres
e pisoteia o projeto de Deus que exige a defesa do oprimido.

Segundo Gutierrez (1989), a opressão do pobre tem que ser chamada por
seu verdadeiro nome, é um assassinato. Através das vítimas do fetiche, apreciamos
com maior nitidez o sentido da idolatria e a razão de sua rejeição radical por parte
da Teologia latino-americana. A idolatria acarreta a morte do pobre, o dinheiro vitima
os despossuídos.

2.3 A OPÇÃO PELA MORTE DOS AMERÍNDIOS


O processo da conquista é complexo. Muitos são os fatores que impulsionam
os europeus a deixar o Mediterrâneo e alcançar o Atlântico e preferir as rotas marítimas
àquelas terrestres para chegar às fontes da riqueza comercial. Não é este ou outro fator
que determina a expansão. É uma totalidade complexa, portadora de uma dimensão
econômica, política, ideológica e evidentemente também religiosa que se coloca em
movimento de expansão e de conquista.

Primeiramente se conquista, sempre com a mão armada, os espaços dos


muçulmanos, depois a costa atlântica da África e das Ilhas Canárias e finalmente o vasto
oceano. Por ser um movimento global, a conquista reunia os atores sociais do tempo.

Junto com soldados vinham missionários, junto com colonizadores chegavam


funcionários, ao lado de plebeus se incorporavam nobres, criminosos banidos da
sociedade e prostitutas discriminadas se agregavam a fidalgos e doutores. Cada
segmento tinha seu objetivo particular, que não raro, entravam em conflito quando se
encontravam sobre o mesmo chão na colônia.

Todavia, há exceção de alguns poucos missionários religiosos, nos quais se


constata um potencial fantástico de utopia e de generosidade, mas a maioria queria
mesmo enriquecer. Segundo Boff (1992), paradigmática é a resposta de Francisco
Pizarro, o destruidor do império inca, ao missionário que o increpta por se preocupar
não com a evangelização, mas excessivamente com o ouro dos indígenas: “Não vim a
isso; vim pelo ouro”. A sede do ouro e prata os fazia cometer barbaridades.

Quanto aos Maias, numa única palavra conseguiram expressar a consequência


funesta da conquista: “Castrar o sol! Para fazer isso vieram estes estrangeiros!” (BOFF,
1992, p. 60) O sol era a divindade suprema, a fonte da vida do universo, o sentido de
todas as coisas. Intentar destruir tal significado foi o maior crime da conquista, na
perspectiva das vítimas.

147
Esse processo de invasão e submetimento pela violência dura ou doce não foi
apenas inicial, nos primórdios do século XVI, ele fundou a lógica das relações entre
as potências colonizadoras e os espaços ocupados durante os séculos subsequentes.
Será sempre uma relação desigual, de dependência e de reprodução daquilo que ocorria
nas metrópoles.

Ainda, o saque do ouro e das riquezas naturais perpetrado pelos conquistadores


não é quase nada em comparação com o sequestro da identidade e da memória histórica
que as culturas indígenas sofreram. Mutilou-se o homem originário, sua sabedoria, sua
ciência, suas religiões e seu senso comunitário. Segundo Boff (1992), agora se apresenta
a ocasião singular de recuperar a história anterior a 1492. Não no sentido dos arqueólogos
e dos etno-historiadores, mas na perspectiva dos próprios povos indígenas e afros que
valorizam a memória ainda viva de seu passado.

Lugar especial nesse processo de resgate ocupa a religião. Ela foi negada pelos
missionários ou folclorizada pela cultura dominante. Agora se faz necessário reconhecer
sua validade e legitimidade. Não apenas como um dado axial da cultura, mas em sua
significação estritamente teológica. Deus não chegou aqui com missionários católicos
ou protestantes. Na verdade, Deus já estava presente nas culturas: a revelação não se
restringiu à experiência judia-cristã-islã, recolhida canonicamente nos textos sagrados.

Segundo Boff (1992), esta teologia insiste no fato de que os indígenas não são
apenas pobres e por isso devam ser apoiados em suas lutas. Eles não gostam de ser
vistos como pequenos, porque culturalmente não o são. Eles são outros, diferentes em
sua cultura e em sua religião, ricos em grandes valores pessoais e comunitários. Essa
diferença precisa ser acolhida e valorizada como uma grandeza que revela Deus em
formas distintas da realização do mistério humano. Foram de fato empobrecidos num
processo de ganância e violência.

2.4 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO PADROADO E O LUCRO


Desde a metade do século XV até o século XVII, os pontífices concederam aos
soberanos da Espanha e de Portugal privilégios cada vez mais importantes, exigindo
contemporaneamente deles, em compensação, que se encarregassem da evangelização
nas terras invadidas.

O Papa Alexandre VI adotara essa linha por diversas causas: absorvido por outras
preocupações delegava a outros a evangelização e as missões. Assim, os papados
julgavam que o apoio das autoridades civis e militares constituía o caminho mais seguro
e eficaz para a catolicização da América Latina, e que a descoberta e ocupação de novas
terras eram consideradas como a continuação da libertação da península ibérica do
jugo islâmico, isto é, como um empreendimento essencialmente sagrado.

148
Cada uma dessas teses tem sua parte de verdade, mas o sistema não é
totalmente compreensível se não levam em conta as condições gerais do tempo e a
mentalidade da época, em particular a estreitíssima união do Estado com a Igreja, típica
dos regimes absolutos.

Prescindindo de controvérsias, é certo que o padroado foi atribuído aos


soberanos da Espanha e Portugal, porém, foram determinados direitos e deveres, que
faziam da evangelização na América Latina um dever do Estado, mas que ao mesmo
tempo, atribuíam plena autoridade sobre a Igreja no território das missões.

Entre os direitos do Estado estavam: nomeação para todos os benefícios;


admissão ou exclusão de missionários confiada ao arbítrio soberano, e com a condição,
de qualquer modo, de que eles partissem sobretudo de Lisboa, de Sevilla ou de Cádiz.
Segundo Boff (1992), os missionários não podiam partir sem a autorização régia.

Ainda, o segundo Martina (1996), o Estado deveria prover todas as despesas do


culto, o sustento e viagens dos missionários, do bispo ao sacristão; cuidar da manutenção
e restauração dos edifícios de culto. Em síntese, a autoridade civil na América Latina
gozava de direitos muito superiores aos que dispunham na Europa.

No padroado, o número de espanhóis e portugueses não era suficiente para


explorar as imensas riquezas que a América Latina oferecia com seus metais preciosos
e produtos agrícolas. Era mais simples e mais cômodo fazer os índios trabalharem.
No entanto, o egoísmo dos conquistadores e dos colonos encontrou um inesperado
profetismo de oposição.

Os primeiros a levantarem a voz contra a opressão dos índios foram alguns


dominicanos. No quarto Domingo do advento de 1511, em Santo Domingo, o Padre
Antonio Montesinos, sem considerações e eufemismos, chamou seus ouvintes a
responsabilidade:

Com que direito e com que justiça tendes em tão cruel e horrível
servidão estes índios? Com que autoridades tendes feito tão
detestáveis guerras a estas gentes que estavam em suas terras
mansas e pacíficas, onde tão infinitas delas, com mortes e estragos
nunca ouvidos, tendes consumido? Como os tendes tão oprimidos e
fatigados, sem lhes dar de comer nem curá-los em suas enfermidades
em que incorrem pelos excessivos trabalhos que lhes dais e morrem,
dizendo melhor, os matais, para tirar e adquirir ouro a cada dia?
(SUESS, 1992, p. 407).

Foi um escândalo sem precedentes que custou ao pregador uma pena


semelhante a que foi conferida pelo Vaticano ao teólogo Leonardo Boff, em 1989. Se
alguns dos dominicanos defendiam a liberdade dos índios, outros não tinham a mesma
prática e chegavam até receber recomendações para conter os exageros:

149
Os religiosos das ordens de São Francisco, São Domingos e Santo
Agostinho, que residem nessa terra, têm em seus mosteiros troncos
para pôr os índios que querem, os prendem e açoitam, pelo que lhes
parece, e os tosquiam, que é um gênero de pena que se costuma dar
aos índios (SUESS, 1992, p. 753).

Contudo, a escravidão continuou e contra ela se multiplicaram então opúsculos


e disputas públicas que resultaram na liberdade dos índios e escravidão dos negros
provindos da África.

3 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Gutierrez (1989), partindo da experiência do Êxodo israelita estrutura os
fundamentos da Teologia Libertação. Para ele, Êxodo é o acontecimento no qual se
baseia a fé do povo judeu e também dos cristãos. As cenas do Livro Sagrado revelam
a experiência histórica da ação do Pai dos empobrecidos no processo de libertação da
opressão e da marcha rumo à terra prometida.

Este é o ato funcional da Teologia da Libertação. Trata-se da vivência de um
povo. Segundo Gutierrez (1989), o Pai dos empobrecidos se revela como libertador,
através de um gesto que acompanha e dá sentido a todo itinerário que leva seu povo ao
encontro com ele. Por isso, libertação e culto estão estreitamente ligados. No entanto, a
libertação, por sua vez, chega à plenitude no grito dirigido àquele que se identifica como
Abba, o Pai dos oprimidos.

Durante cinco séculos, os ameríndios, afros e demais empobrecidos da América


Latina nunca foram ouvidos. A cultura europeia e os modelos eclesiásticos que foram
adotados andaram por um caminho de mão única. Segundo Boff (1992), agora é a vez
de ouvir o reverso da conquista. Dar a vez ao discurso dos empobrecidos desta terra. A
presença europeia significou genocídio e etnocídio.

O desenvolvimento autônomo das culturas aqui presentes foi interrompido


abruptamente. De autônomas passaram a dependentes e subjugadas. Tornaram-se
culturas do silêncio e da resistência. Não puderam exercitar sua criatividade e dar sua
contribuição à experiência universal do ser humano ou à experiência cristã. Tiveram de
ser eco da voz dos outros. Somente nos dias atuais despertam, com renovada força e
buscam autonomia, liberdade e solidariedade com todas as raças e línguas.

Somos obrigados, por consciência a ouvi-los. É nosso dever ético, que


corresponde ao seu direito de falar, de proclamar sua versão dos fatos e de querer ajudar
na construção de um continente mais sensato, solidário e feliz.

150
3.1 SINCRETISMO TEOLÓGICO
Por sincretismo entende-se o encontro de culturas e teologias, resultando
em uma nova expressão teológica, algo muito comum na história da Teologia na
América Latina. O sincretismo surge com a ideia de “missão” ou levar Deus. É uma
ideia medieval e arcaica. É a tentativa de engaiolar o Espírito Santo ou manipular Deus
e usá-lo com pretensões políticas, algo comum na história da presença da Igreja
Católica na América Latina.

A Igreja católica concede, no mês de outubro, uma atenção especial à sua


atividade missionária. Para balizar sua catequese, escolhe como lema: “ Ide e anunciai!”
Ir aonde e anunciar o quê? O anúncio é sempre desdobrado em renúncia e denúncia.
Neste triângulo de renúncia, denúncia e anúncio, a missão ganha chão, vida e força para
resistir às tentações de um discurso evasivo, fora de lugar e fora de tempo.

Seria mais adequado o lema “Ide e renunciai!” Atualmente, a Igreja católica


procura renunciar os erros históricos, pede perdão aos povos da América Latina, procura
se colocar à escuta e aprende com os empobrecidos. Esta escuta é condição prévia da
fé. O missionário aprende a escutar primeiramente no lugar do empobrecido, na sua
cultura, nas suas assembleias.

O primeiro anúncio do Evangelho é prático. É a mudança de lugar do missionário.


Sua sorte dependerá, a partir desta mudança, da sorte dos empobrecidos. Para o
missionário não existe mais texto decorado. Sua opção não é apenas no espírito. Ele não
vem para expor prédicas ou propor uma nova teoria, mas uma práxis transformadora.

Esta práxis não se refere à transformação da cultura, mas à transformação


global da sociedade, que ameaça a sobrevivência dos oprimidos. Esta transformação é
condição para a simples sobrevivência física dos empobrecidos e é condição do Deus
entendido na America Latina, que sintoniza a fraternidade entre raças e línguas com a
filiação divina. Assim, a libertação não se reduz à sobrevivência física, mas não se realiza
independente dela.

Tanto para os judeus, como para os povos empobrecidos da América Latina, a


revelação de Deus, marcada por lugares, está profundamente vinculada à terra sobre a
qual se atam os laços da Aliança e se alicerçam as promessas de um futuro sem morte.
A conquista da terra prometida é penhor da fidelidade do Deus dos oprimidos e também
é prova da fidelidade do seu povo. É horizonte de um mundo novo e redimido, condição
apocalíptica de “ um novo céu e uma nova terra”.

Assim, a missão fundada na justiça refaz todas as relações pela base, suprimindo
completamente toda a injustiça. Este ato de refazer define o novo do céu e o novo da
terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram. E o ambiente propício para refazer
é aqui na história, que deve ser construída por meio da resistência e denúncia.

151
A opção preferencial pelos empobrecidos da América Latina força a
redimensionar o sentido da salvação. Uma visão dualista da salvação não pode servir
dentro de um compromisso de luta pela reconquista da terra alienada.

Segundo Boff (1992), a boa notícia da salvação do humano por ação de Deus,
que extrapola a questão da terra, não responde às más notícias que inquietam os
empobrecidos. Este evangelho seria um projeto de amor sem prática, um resíduo de
religião-ópio, um calmante que não cura as causas do sofrimento.

Parafraseando os profetas bíblicos poderíamos dizer aos jesuítas, dominicanos,


agostinianos, franciscanos, camilianos, paulinos e outros do mesmo ramo do mercado da
Educação, Saúde e Comunicação: ai de vós que ajuntam casa a casa, colégios a colégios,
latifúndios a latifúndios e ficam proprietários ou acionistas. Nada tem em nome próprio, mas
tem usufruto de todo o patrimônio da empresa disfarçada de Vida Religiosa Consagrada.

Outro tema explorado por Gutierrez (1989) é o tema do “ano santo” do Antigo
Testamento bíblico, chamado “ano jubilar”, que era celebrado, sempre depois de sete
anos sabáticos, de 50 em 50 anos, fazendo voltar a “propriedade alienada” aos seus
donos originais.

No Livro do Êxodo, a redistribuição das terras e casas era base da reconciliação


com Deus e com a comunidade. Não havia reconciliação interclassista.

Dessa forma, percebemos que reconciliação e conversão significam então


desfazer a acumulação ou promover a comunhão. A conversão tem sempre uma
incidência sobre a comunhão dos bens terrestres e sobre a participação na administração
do bem comum e dos frutos da terra.

Assim, o ambiente de fraternidade definitiva é a “terra prometida”. Para o povo


contemplado no Livro do Êxodo a terra prometida era o retorno ao “paraíso terrestre” do
qual o humano havia sido expulso Também, no Novo Testamento, a terra e a história do
povo messiânico são o ambiente, onde começa a eternidade. A terra que Jesus promete
aos mansos, humildes e pobres, é a terra molhada pelo sangue dos denominados
mártires cristãos. Porém, diante dos sinais da morte, cresce a esperança numa justiça
definitiva e numa redistribuição da vida, que a Teologia cristã chama de ressurreição, um
fenômeno que será analisado na sequência com mais cuidado porque mostra traços de
libertação, sinônimo da ânsia e desejo do personagem Jesus de Nazaré.

3.2 AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E O SINCRETISMO


DE RESISTÊNCIA
Outro fenômeno muito importante para a Teologia da Libertação foi a formação
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Estas pequenas comunidades surgiram entre
1950 e 1960, após a efervescência representada pelas várias pastorais sociais em diferentes
152
igrejas cristãs. Com a iniciativa do alto clero católico, surgiram as denominadas CEBs,
um modelo eclesial de comunhão-participação. Eram populares em suas expressões e
profundamente evangélicas em seu espírito. Era um novo jeito de ser igreja, que nascia
da base e na Bíblia bem aberta encontraram a luz certa para denunciar e resistir contra a
opressão, dominação estrangeira e o poder dominante nacional.

Nas quatro instâncias constitutivas da Igreja, enquanto grandeza teológica,


as CEBs trouxeram contribuições notáveis: à palavra (apropriação pelos leigos do
comentário bíblico e da reflexão), à celebração (criação de novos ritos e reintegração
dos ritos tradicionais), ao ministério (surgimento de vasta gama de serviços, mistérios
laicais e carismas); por fim à missão (com a criação de outras comunidades e inserção
na realidade local, social e política de forma transformadora).

Inegavelmente esse novo modo de ser Igreja representava uma distribuição


distinta do poder religioso, produziu muitos bens simbólicos e elaborou um consenso
eclesial diferente daquele da Igreja hierárquica.

Este modelo eclesial e original vem baseado nas primeiras comunidades cristãs,
no pão dividido pela metade, na pedagogia de baixo para cima, na rotatividade das
funções, na centralidade do empobrecido, de sua libertação e na importância de uma
Cristologia na vida daqueles que optaram de maneira preferencial pelo cristianismo.

Apesar de certas contradições e dependências do velho modelo eclesial, não


se pode negar a novidade teológica adotada pelo novo modelo de Igreja presente na
América Latina.

O modelo eclesial de CEBs conseguiu atrair para parcelas importantes do


cristianismo hierárquico. Estas comunidades realizaram muitos milagres. Conseguiram
fazer os “cegos” enxergarem a realidade que exclui, oprime e mata. Com a visão
adquirida a partir dos pequenos tão presentes nas CEBs, muitos teólogos e membros
do clero passaram a enxergar e presenciar o milagre do “pão multiplicado” e partilhado.
Assumindo a ética cristã, pautada na comunhão, as comunidades conseguiram
desmascarar a idolatria, o mal-uso do sagrado na história da América Latina e o falso
poder através da denúncia e da resistência.

Concretamente foi decisiva na formulação da opção preferencial de toda a Igreja


Católica pelos pobres, contra sua pobreza e em prol de sua libertação, marca registrada
do novo cristianismo, definido como consequência da denominada e perseguida
Teologia da Libertação.

A partir dos anos 1960, por todos os cantos da América Latina irromperam
movimentos organizados pelos pobres e oprimidos. Eles já não aceitavam pacificamente
os níveis de miséria a que estavam condenados. Começavam a se dar conta do caráter

153
perverso do capitalismo, construído à custa da miséria de muitos. As CEBs buscavam
um caminho de libertação, uma sociedade diferente, onde os oprimidos conscientizados
e organizados fossem os principais sujeitos da transformação necessária.

Junto desses movimentos estavam muitos teólogos e bispos, a exemplo de


Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Rubem Alves, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Luciano
Mendes, Dom Pedro Casaldáliga e outros desconhecidos. Eles se associaram ao projeto
político de uma sociedade democrática, participativa, igualitária e sensível aos valores
religiosos. Estes cristãos militantes começaram a se perguntar em que medida o Reino
de Deus e a salvação se articulavam com suas lutas de salvação-libertação.

Concluíram que a salvação integral passa também pela salvação social e que
a salvação é sinônimo de libertação. Os círculos bíblicos e as pequenas comunidades
aprofundavam essas convicções, bem como iam dando expressões religiosas às lutas
no sindicato, no campo e no partido político.

Assim, o modelo eclesial de CEBs tornou-se o núcleo onde se faz a experiência


de viver como cristão e continuar na história a missão de Jesus e do Espírito. É onde
acontece o encontro da fé e da vida, como experiência e missão.

No entanto, a grande novidade das CEBs foi e permanece, sem dúvidas, a


militância política. Aos poucos, as CEBs foram elaborando seu projeto político popular
que chegou a causar inveja até mesmo nos grandes comunistas que não acreditavam
que era possível sair algo revolucionário da religião.

As CEBs representaram a aliança concreta entre a fé e a vida dos oprimidos num


comunismo popular. Em outras palavras: a base da Igreja na base é constituída pelos
empobrecidos que lutam pela política de Jesus, que ele denomina “Reino de Deus”,
entrando em contraste com o arranjo socioeconômico neoliberal da sociedade fundada
na injustiça que gera opressão e exploração.

Na perspectiva da Teologia da Libertação, evangelizar, é bem sabido, significa


proclamar, anunciar a boa nova de Jesus, o Cristo de Deus. No entanto, ser evangelizado
é ser cativado e apaixonado pela pessoa de Jesus e querer estar bem perto dele, isto é,
desejar encontrar com o seu projeto e sua práxis.

Contudo, podemos chegar na seguinte conclusão: os povos pobres, pobres de


diversos modos, não só carentes de pão, mas também privados de liberdade e direitos
humanos, são os meios que Deus utiliza para julgar os que lhes arrebatam suas vidas
e os que acumulam impérios. É a partir dos pobres que o Deus “de” e “em “Jesus de
Nazaré questiona e interpela, sobretudo como fizeram os bispos católicos em Puebla:

A situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real,


feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições
sofredoras de Cristo, o Senhor: feições dos povos indígenas e,
com frequência também dos povos afro-americanos, que vivendo

154
segregados e em situações desumanas, podem ser considerados
como os mais pobres dentre os pobres; feições de camponeses
que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso
continente, vivendo sem-terra e sem teto, vivendo em situação de
extrema dependência interna e externa, submetidos ao sistema
de comércio que os enganam e os exploram; feições de operários,
que têm dificuldades de se organizar e defender os próprios direitos
e as feições de menores e idosos, cada dia mais numerosos,
frequentemente postos à margem da sociedade... (PUEBLA, 1979, 31).

Que futuro têm esses pobres e esse cristianismo popular? É o futuro carregado
de sonhos e vontades de sobrevivência. O cristianismo dos pobres reassume a grande
tradição latino-americana dos indígenas, dos negros, dos pobres em geral e confere a
ela uma expressão eclesial. Pela metodologia das CEBs, de confronto entre fé e vida,
partindo sempre das demandas da realidade, se torna mais fácil a inculturação do
evangelho pelos próprios empobrecidos.

No entanto, configura-se um novo desafio às igrejas cristãs: separar o evangelho


do poder para originar um modelo eclesial original. Assim, o cristianismo não será mais
romanizado ou americanizado, mas muito mais mestiço, afro-brasileiro e caipira, a ponto
de entender Deus mais como imagem feminina do que masculina. Na América Latina
não é a Trindade Cristã que faz milagre e abençoa, mas é Nossa Senhora, que tem uma
intimidade extraordinária com os pobres ou um simples pastor protestante com sua
forma de orar.

4 CRISTOLOGIA DA TEOLOGIA LIBERTAÇÃO


A opção preferencial pelos pobres, contra sua pobreza e em prol de sua libertação
dá à Igreja da América Latina, no decurso dos anos, um novo jeito de ser. A Teologia
da Libertação, as CEBs, o engajamento político e as pastorais populares, e por último,
a necessidade sentida de uma “evangelização inculturada” marcaram uma identidade
nova, na qual a inspiração antropocêntrica da teologia se conjuga com a progressiva
aproximação dos empobrecidos. Esta trajetória é um indício de sua conversão, da sua
criatividade como também do seu amadurecimento.

4.1 TEOLOGIA E RESGATE DO JESUS HISTÓRICO


Quando se fala da opção preferencial pelos pobres, faz-se necessário ressaltar
três etapas na evolução da mesma opção, isto é, da “conscientização”, da “inserção” e da
“evangelização inculturada”. Não se trata, primeiramente, de etapas cronologicamente
sucessivas. O desdobramento em três etapas é, antes, resultado de uma releitura
teológica explicitada na própria opção do personagem Jesus de Nazaré. Segundo Boff
(1992), a mesma opção significou uma aprendizagem progressiva a respeito do Cristo
Libertador, presente na história da Igreja.

155
4.1.1 Conscientização
Esta primeira fase é marcada pela atitude profética de “somente anunciar”
Deus vinculado com a vida dos empobrecidos da América Latina e demais continentes.
Apesar de uma realidade marcada por injustiças, as igrejas cristãs contemplando a dor
e a miséria de tantos filhos e filhas de Deus insistem que Deus é amor e vida. Assim,
elas se propõem a lutar pela libertação dos povos oprimidos dentro de um conflituoso
processo econômico, social e político.

Em suas diversas atividades pastorais quer ser voz daqueles que não têm voz.
Passa a agir dentro de um otimismo moderno. Partindo do princípio de que Deus ouve
o clamor de seu povo e liberta porque é libertador, os cristãos procuram sua presença
perscrutando os “sinais dos tempos”.

Sob a influência moderna do imperativo categórico de Kant e ou da filosofia


dialética de Marx, considerando, sobretudo, os movimentos sociais liderados por
“agentes pastorais” como sinais da ação divina, ocorrem para cristãos modernos os
exigidos “sinais” da presença de Deus quando os “agentes” conseguem transformar
a realidade do jeito como entendem que devem. A atuação eficiente do homem
transformador virou metáfora e sinal do Deus transformador. O agente requer para a
própria prática a presença de Deus.

Surge na “mística” a prática de “construir o Reino de Deus”, na qual os “agentes” se


propõem a converter o povo, “ignorante e alienado”, à sua visão de vida e história. São eles
que “conscientizam o povo” e “conduzem o processo de libertação”.

Dessa forma, a Fé foi transformada em sinônimo da possibilidade de construir o


projeto de Jesus. Mas orquestrando todo esse projeto utópico, estava a razão “iluminista”
com um messianismo nos moldes modernos que não atingiu a meta que se propôs. A
crise se fez notada pela perda de incidência das práticas políticas na sociedade. Os
assessores, animadores e promotores sociais se confessam desiludidos pelo caminho
que a história levou à consciência da incapacidade de instalar um novo sistema religioso,
social, político e econômico.

Ainda, a visão linear da História, subjacente à ideia da “construção de um


novo sistema”, perdeu substância e relevância. Não contaram com a contingência e as
ambiguidades da história concreta. Querendo construir o “sistema imaginado”, fugiram
às pressas das incertezas da história para abrigar-se na paz ilusória de uma proposta
definitiva. Exigiram para a sua prática todo respeito da presença de Deus, mas uma vez
malsucedidos, sentiram-se abandonados.

156
Assim, o Deus hegemônico que as elites pensantes imaginaram, falhou. A sua
“força” não foi suficiente para convencer os ricos a abandonarem suas táticas opressoras,
mas foi suficiente para passar por cima da fé e da esperança dos empobrecidos, não
lhes respeitando a sua identidade.

De certa maneira, tinham-se tornado infiéis à revelação de Deus. Tinham largado


a inspiração inicial. Deus estava no início de sua prática, na indignação ética que o
sofrimento dos oprimidos lhes causava. Manifestava-se a eles no próprio sofrimento
do empobrecido. Mas em vez de continuarem fiéis a esta manifestação, queriam toda
a presença de Deus para a prática própria. O Deus da misericórdia cuja presença
captava no rosto e no grito das vítimas foi usurpado pelas elites e voltou a ser um Deus
hegemônico que lhes dava todo aval para uma “prática transformadora” elitista.

A “conscientização” encontra o seu auge a partir da década de 1980. É nesta
época em que dentro da própria Teologia da Libertação surgiu a crítica. Os pobres também
desejam esta libertação elitista? O impasse exigia uma maior empatia com as bases a fim
de que fosse superado o verticalismo ideológico dos “agentes”.

Deste modo, a teologia via a necessidade de uma revisão da opção preferencial


pelos pobres em seus dois polos: no polo político era necessário reexaminar as categorias
da interpretação social e as subsequentes estratégias pastorais e, no polo místico, a
dimensão espiritual deste compromisso social e político.

4.1.2 Revisão da prática


Cresceu a percepção por parte dos teólogos da libertação que o povo estava
empenhado no processo de libertação, mas com táticas diferentes daquelas exigidas pela
elite pastoral. Enquanto as práticas clássicas dos “agentes” eram dirigidas por políticos ou
revolucionários profissionais, as práticas populares negligenciavam as elites libertadoras.

A meta da luta popular não era tanto a tomada de poder, mas uma vida melhor
com tudo o que isto podia significar. O povo não lutava tanto a partir de uma consciência
de classe adquirida reclamando como tal os seus direitos, mas a partir da experiência
concreta de miséria e opressão. A utopia desta gente não era o “paraíso já”, mas
condições dignas de vida.

Assim, quando pela revisão do polo da prática política começaram a valorizar a


vida e a luta do povo pobre, a Teologia da Libertação tomou consciência da alteridade
dos empobrecidos. Descobriram que os excluídos têm um rosto definido. São indígenas,
negros, posseiros, trabalhadores, homens e mulheres unidos na luta pela vida. É a
cultura do salário mínimo, popular, que não conta numa economia de mercado. São
pessoas, privadas de vida e liberdade, sedentos por pão e ternura.

Economicamente falando, estão destituídos de quase tudo. Todavia, isto não


significa que culturalmente eles sejam pobres. Ao contrário, agora se reparam os valores
de sua sociabilidade. É a revisão do polo místico, que vai aprofundar o processo de
ensino e aprendizagem a partir dos empobrecidos.

157
4.1.3 Revisão da mística
Nota-se que a prática dos novos agentes populares tem um polo místico: a
luta dos empobrecidos é sustentada pela fé. Querem sobreviver na esperança, apesar
de todas as forças de morte que penetram em seu cotidiano. E é nesse cotidiano dos
oprimidos que se busca a sobrevivência constantemente negada.

A vida negada é a base material de uma passagem, é o chão histórico de uma


caminhada que é, na concretude da luta cotidiana, uma busca da transcendência. A
exigência do milagre da vida vale-se da dimensão religiosa. A incrível persistência da fé
na vida alimenta-se de um Deus experimentado, próximo e favorável à vida dos pobres.
Conquistam a proximidade de Deus e ganham fôlego para viver. E o Deus recuperado
como Deus da vida, Deus dos perdidos, Pai dos pobres, torna-se fonte para o acontecer
de um mundo diferente na mesma Mãe-Terra, Mãe de muitos seios.

Percebendo esta grande força da fé dos empobrecidos e a grande incidência que


ela tem, na luta do dia a dia, os teólogos interpelam para uma conversão dos agentes: a
Igreja deve deixar de ser apenas “mãe e mestra” e tornar-se também “ aluna e aprendiz”
dos empobrecidos. Em vez de converter os empobrecidos para suas concepções de
vida e de Deus, ela deve converter-se aos empobrecidos, pois lá com os pequenos,
Deus e vida falam mais alto.

4.2 INCULTURAÇÃO DO TEXTO SAGRADO


Para a Teologia da Libertação, o contexto da convocação da Igreja para uma
reevangelização é a realidade histórica, carente de uma nova pedagogia para fazer
frente à secularização pós-moderna.

A cultura moderna ocidental, depois de ter sido forjada pelo catolicismo, nada
ou pouco tem de cristianismo. Ela dispensa as referências cristãs porque não lhe
são mais necessárias do ponto de vista socioeconômico e menos ainda do ponto de
vista moral e religioso. É tempo de pós – catolicismo. Surge assim a necessidade de
reafirmar a identidade cristã e evangelizar outra vez a cultura moderna devido ao novo
contexto histórico. É necessário dar continuidade à “primeira evangelização”, libertando
o Evangelho das amarras da colonização.

A meta da reevangelização será a salvação e a libertação integral de determinado


povo ou grupo humano para que a missão das igrejas continuem sendo a de restaurar
o rosto desfigurado de Jesus no mundo. Assim, a reevangelização se revela como nova
fase teológica e a inserção é confirmada como pressuposto necessário de um novo jeito
de evangelizar.

158
Somente evangelizadores próximos ao povo poderão perceber que o desafio
de reevangelizar é grande. A igualdade em termos econômicos e políticos é condição
para ser acreditável na evangelização: quem tem suas esperanças garantidas por
posição e domínio na sociedade não é acreditável quando quer ensinar o empobrecido
a colocar suas esperanças em Deus. As virtudes misericórdia, compaixão, solidariedade,
delicadeza e humildade, formam o lado interior da reevangelização. Os evangelizadores
devem ser pessoas compadecidas, dispostas a carregar junto com os marginalizados a
realidade ferida dos mesmos.

São evangelizadores aqueles que experimentam um Deus condescendente, um


Deus despojado, amante dos empobrecidos, e que descobrem o seu Messias no Jesus
manso, humilde e sofredor, revolucionário, e que sendo Filho de Deus teve de tornar-
se um entre os empobrecidos. É o mais divino no mais humano. Não é um Deus que
repousa em si mesmo, mas que sai de si para encontrar-se no “outro”. O que o leva a
procurar o ser humano ameaçado pela morte é a sua condescendência e compaixão. É
um Deus que encontra a sua glória quando o ser humano vive.

4.3 RESGATE DO CRISTO DA FÉ


A Teologia da Libertação estabeleceu uma cristologia original, reinterpretando a
teologia da encarnação, vida, paixão e ressurreição de Cristo em diálogo com o contexto
social e político da América Latina. Autores como Jon Sobrino, Juan Luiz Segundo e
Leonardo Boff, assumiram este trabalho.

Encarnação é o termo teológico que corresponde à prática da opção preferencial


pelos pobres. Encarnação significa a saída de Deus de si mesmo para ir ao encontro com
o outro, o ser humano. É o mistério do aniquilamento, do despojamento por amor e
misericórdia. É a base da reevangelização.

Com os judeus, os cristãos partilham a intuição, que ao lado de Deus, existe


uma dramática história de solidarização com o gênero humano. Intuímos que Deus
esteja numa incansável procura do ser humano para resgatar-lhe a vida.

A teologia da encarnação tem seu auge no evento pascal. Assim a história da


condescendência de Deus ostenta dois polos: o grito dos pobres e o grito de Jesus no
Calvário. E, nos dois, Deus ouve o clamor dos aniquilados e socorre a vítima que grita.
Diante do grito de um povo, Deus se revela como Libertador. E se aproxima da miséria
do povo: vê, escuta, conhece, desce... toma partido e faz uma opção preferencial
pelos empobrecidos.

A glória de Deus é a vida de seu povo. A identificação do interesse de Deus com


os desejos de vida de um povo é a chave para compreender a lógica da teologia da
Aliança do Sinai. A gratuidade da libertação exige a igualdade e misericórdia para com
aqueles que sofrem pondo ênfase na defesa dos direitos dos empobrecidos.

159
Ao cristão não é dado escolher a quem amar, não é dado discernir se a pessoa
merece ou não o nosso amor e a nossa dedicação. Assim os destinatários do amor de
Deus estão nos becos e ruas, favelas e sertões; são índios, negros, brancos, morenos,
presos, operários, menores e tantos outros, privados de vida, liberdade e ternura.

As cenas do batismo de Jesus é uma recriação das comunidades primitivas


com diversos enfoques. Seguindo o Evangelho de Lucas descobrimos o nascimento do
homem novo, ancorado no amor de Deus e enviado aos empobrecidos. Nas entrelinhas
do batismo o evangelista vê um evento maior e mais significativo. É o Pai quem batiza
Jesus dando-lhe o Espírito Santo para uma missão. Assim, a Trindade mostra sua face
em pericórese-comunhão.

Se, na cena do batismo, Deus foi o protagonista, na das tentações, encontramos


o diabo e ou o império como personagem principal atuando sobre Jesus. O diabo e ou
o mercado seduz os seres humanos, procura suscitar em Jesus fortes instintos para
garantir-se a si mesmo: vontade de poder, ganância, cobiça, egoísmo que, por sua vez,
o levam a oprimir e marginalizar os seus semelhantes.

Na primeira tentação o diabo toca na necessidade vital e elementar do ser


humano: a comida, a mesma que é retirada do prato dos empobrecidos que sobrevivem
no Brasil. A segunda tentação mostra “os reinos da terra”, explana diante de Jesus as
vantagens da acumulação, de riqueza e poder. Na terceira, o diabo lhe propõe uma vida
de Messias diferente daquela à qual Deus no batismo o chamou.

A proposta é a de um Messias dos meios eficazes: prodígios e milagres – no estilo


pentecostal – para impressionar e influenciar os setores da sociedade. Jesus resiste a
todas as tentações continuando fiel à experiência do batismo. É a paixão trinitária de
Deus que garante a sua vida desde as necessidades básicas até o modo de desenvolver
a missão. Os seus desejos e anseios se encontram seguros com este Deus que o ama
e se sente profundamente amado. Numa irrestrita confiança nesse Deus aceita e vive a
sua fragilidade humana, recebendo do amor do Pai forças para resistir às tentações que
exaltam o “ter”, o “poder” e “o valer-se”: ele recusa o poder econômico, político e religioso
para ser um entre os empobrecidos e com eles edificar instaurar uma política que ele
chama de Reino de Deus.

A genealogia de Jesus tem seu lugar estratégico entre o batismo e as tentações,


entre, por assim dizer, Deus e o diabo, isto é, entre a vida e a morte. Num mundo
dominado pelo diabo que procura desviar os caminhos dos filhos de Deus, Jesus,
inserido na humanidade, participando da filiação adâmica é chamado a viver o que vem
a ser a verdadeira natureza humana e a verdadeira natureza divina.

O anúncio de Jesus de Nazaré e sua revelação como Messias dos empobrecidos


e oprimidos indicam o porquê de sua opção por meios fracos. A recusa do messianismo
do poder é condição prévia de encontrar-se com os pobres. A vulnerabilidade e
fragilidade humanas aceitas e vividas em plena confiança em Deus dispõem Jesus a
ser o Messias dos empobrecidos.

160
Da gratuidade próxima de um Deus, que se revela Pai no batismo de Jesus,
resultou um projeto inovador do ser humano e da convivência humana. O homem novo
nascido de Deus, vive totalmente a partir da gratuidade do Pai e, assim, torna-se capaz
de chegar aos outros para restituir-lhes a vida.

Na ética cristã, todo agir contra a moral tem sua gênese no ato idolátrico, e todo
agir ético tem uma fonte teologal. O pecado não é constituído somente pela infração de
uma lei, mas implica uma ruptura mais profunda, que expressa o modo de se colocar
perante Deus e a comunidade.

Na Teologia da Libertação, na cruz, Jesus passa pela última vez pelas tentações
dos “filhos de Adão”: pela tentação do poder econômico, político e messiânico. A entrega
de Jesus de Nazaré à morte parecia ter sido a vitória do negativo, mas a sua morte se
distingue de outras mortes pela sua fidelidade ao projeto libertador. Esta entrega deixa
transparecer que a fidelidade de Jesus ao projeto não foi fácil, pois, lhe custou dores e
angústias: trouxe o abandono do próprio Deus, o Pai entrega o próprio Filho, que grita por
vida. Este grito parece contradizer violentamente todo o movimento anterior da história
da paixão, que de entrega em entrega chega à autoentrega incondicional do crucificado.
Esta palavra do abandono por parte de Deus soa como algo escandaloso e blasfemo, o
que mostra ao mesmo tempo a autenticidade e a dificuldade de interpretação.

No entanto, esta morte tem um significado. No contexto pascal, a Palestina se


encontra sob domínio do império romano; portanto, a pena de morte judaica pela cruz
não pode ser aplicada. Tem Pôncio Pilatos como governador e Herodes Antipas que se
diz o rei. Neste contexto, os movimentos populares estão presentes: galileus, essênios,
zelotas, fariseus, batistas e outros. Estes se dividem e almejam transformações. Jesus
tem um movimento particular com o projeto do Reino de Deus.

Diante do escândalo da morte, a experiência da ressurreição significa uma


revolução. A morte escandalosa se torna salvação-libertação. Para os primeiros cristãos
a ressurreição revela uma verdade inédita e inesperada sobre o homem crucificado. Ela
é uma nova Páscoa, é a esperança dos empobrecidos, é a libertação e posição definitiva
de Deus sobre o que termina na cruz. Deus revela o messias humano. As forças do
império e do falso poder caem como o tombo da besta da literatura apocalíptica. Com a
sua ação, Deus se apresenta como aquele que ouve a clamor dos pequenos porque é,
de fato, o Pai dos pobres.

A ressurreição deve ser comprometida mais como um agir de Deus. Assim, o


fato de Deus ter ressuscitado Jesus se torna uma autodefinição na qual Deus declara
que está ao lado dos oprimidos. É a partir deste enfoque também que se abre um
caminho para superar uma religiosidade egocêntrica e mesquinha. A ressurreição de
Jesus pressupõe esperança e consciência histórica, conforme a qual a história é o lugar
de uma prática concreta que se orienta pela prática de Jesus.

Esta confiança num Deus que ressuscita pode romper o pensamento legalista
de tantos cristãos, pensamento este que no fundo se baseia no medo e na insegurança
perante um Deus que, para muitos, veste características de vingador e que para acalmar

161
a sua ira, exige boas obras. Em vista do agir de Deus que ressuscitou Jesus, o partidário
do cristianismo deve adotar outra postura de vida. Deve assumir uma atitude em que
amor é predominante. As práticas não visam, de maneira mercantilista, garantir a
salvação individual.

5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FROFETISMO BÍBLICO NA


AMÉRICA LATINA
Para a Teologia da Libertação a fé é prática, logo todo religioso deve sentir-se
mais à vontade junto aos empobrecidos. E se chegar a sentar-se junto dos ricos, deve
ser como Cristo, para lembrar-lhes, sem meios termos, que eles devem transformar suas
riquezas num serviço aos empobrecidos, porém, este profetismo, às vezes, propicia
desafios. Entre eles pode estar o martírio.

De modo exemplar, Frei Tito de Alencar Lima encarnou todos os horrores do


regime ditatorial implantado na América Latina sob a tutela da dominação norte-
americana. Frei Tito permanece como símbolo das atrocidades infindáveis do poder
ilimitado, prepotente e arbitrário. Ficou, sobretudo, como exemplo a todos que resistem
à dominação, lutam por justiça e liberdade, aprendendo, na difícil escola da esperança,
que é preferível “morrer do que perder a vida”. Frei Tito foi preso em novembro de 1969.
Foi vítima das maiores atrocidades, principalmente entres os dias 17 e 27 de fevereiro de
1970. Seu relato de torturas, redigido na prisão, foi divulgado pela primeira vez no Jornal
Publik na Alemanha e depois readaptado por Frei Betto em 1982.

Preso desde novembro de 1969, eu já havia sido torturado no DOPS. Ao


chegar à OBAN, no dia 17 de fevereiro de 1970, terça-feira às 14 horas,
fui conduzido à sala de interrogatórios. O assunto era o Congresso da
UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse
fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber,
insistiam para que eu confessasse. Pouco depois, levaram-me para
o pau de arara. Dependurado, nu, com mãos e pés amarrados, recebi
choques elétricos nos tendões e na cabeça. Eram seis torturadores.
Davam-me tapas nos ouvidos e berravam impropérios. Ao sair da
sala, tinha o corpo marcado por hematomas, o rosto inchado, a
cabeça pesada e dolorida. Um soldado carregou-me até a cela, onde
fiquei sozinho. Era uma cela de 3 x 2,5m, cheia de pulas, de ratos e de
baratas. Terrível mal cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga
vazia sobre o cimento úmido, frio e sujo. Na quarta-feira, fui acordado
às 8 horas e conduzido à sala de interrogatórios... na quinta-feira, três
policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De estômago
vazio, fui para a sala de interrogatórios e lá fiquei por 10 horas... uma
hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui
desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que
passariam a descarga elétrica para 220 volts a fim de que eu falasse
antes de morrer. ‘Nosso assunto agora é especial’, disse o capitão
Albernaz ligando os fios em meus membros. ‘Tenho verdadeiro pavor
a padre’. O capitão queria que eu dissesse onde estava o Frei Ratton.
Como não soubesse, levei choques durante quarenta minutos.

162
Queria também os nomes de outros padres de São Paulo, Diante
das minhas negativas aplicavam-me mais choques, davam-me
socos, pontapés e pauladas nas costas. Gritavam difamações contra
a Igreja. Encerrando a sessão daquele dia, carregado, voltei à cela,
onde fiquei (BETTO, 1982, p. 227).

Frei Tito foi libertado e banido do Brasil em troca de um embaixador suíço,
que havia sido sequestrado no Rio de Janeiro pela Vanguarda Revolucionária. Frei Tito
peregrinou pelo exílio no Chile, Itália e França, encontrando-se definitivamente com
a ressurreição. Muitos outros padres e não padres, como Schael Schreiber, Vladimir
Hersog e Virgílio Gomes da Silva, morreram em salas de torturas. Outros ficaram surdos,
estéreis ou com defeitos físicos e mentais. A esperança desses presos se colocava nas
Igrejas, instituições que parcialmente estavam fora do controle estatal-militar.

Na perspectiva da Teologia da Libertação, o cristianismo tem sentido enquanto


defesa da dignidade humana. Onde houver um sofredor, lá está o próprio Deus. As
Igrejas não podem pecar por omissão.

Denunciar abertamente as violações como estas e também aquelas que


são praticadas contra a vida dos empobrecidos na América Latina é sem dúvidas, a
função primordial daqueles que realmente assumiram os empobrecidos como opção e
companheiros na missão.

Segundo Boff (2002), atualmente a burguesia se revela incapaz de controlar e


administrar o desenvolvimento industrial que suscitou, negando a Terra como pátria comum.
E negando a Terra, nega também os empobrecidos, nega a si mesma e produz seus próprios
coveiros, isto é, fortalece o crescimento incontrolável da violência e da luta armada.

Os empobrecidos não podem se calar diante da fome. Na cidade e no campo os


conflitos se alastram. Na luta pela terra e vida, muitos são os mártires – Josimo, Rodolfo,
Ezequiel, Chico Mendes, Doroty Stang etc. – que foram plantados por todos os cantos
da Mãe-Terra, causando a indignação social.

Segundo Boff (2002), se a finalidade da Igreja católica fosse evangelizar os ricos,


deter-se-ia na particularidade de um modelo econômico selvagem histórico, porque o
rico depende, adora e defende o capital que lhe concede a riqueza. Isto é, graças ao
sistema que oprime, exclui e mata, o rico é rico.

6 TEOLOGIA PENTECOSTAL NA AMÉRICA LATINA


Em tempos de globalização e exclusão social, econômica e eclesial, torna-se
propícia a revitalização de demônios e a confecção de milagres. É tempo de suplicar aos
céus o que na terra parece impossível.

Assim, podemos afirmar a concretização da opção pelo cristianismo


mercadológico e televiso. É um novo modelo eclesial que passou a vigorar na América
Latina com mais destaque na década de 1990, sem qualquer originalidade. E um modelo
eclesial copiado do pentecostalismo norte-americano.

163
Nesse modelo, o batismo com o Espírito Santo é o âmago da experiência
do crente. O pentecostal é aquele que foi batizado no Espírito, transbordando graça
recebida, sendo muitas delas em dólar e ou prosperidade. Mas a chegada da teologia
pentecostal na América Latina é datada de 1910.

Gunnar Vigran e Daniel Berg, dois suecos naturalizados americanos,


chegaram a Belém do Pará no dia 19 de novembro de 1910 a bordo
de um navio de terceira classe e se alojaram no abafado e calorento
porão da Igreja Batista da rua São João Balby, dormindo numa só
cama, estavam longe de supor que o acontecimento marcava o
início do maior fenômeno religioso experimentado na América Latina
(LIMA, 1987, p. 62).

A origem do movimento pentecostal nos Estados Unidos começou por volta


de 1890, quando o pastor Daniel Awrey, em Delaware, Ohio, já reunia fiéis em cultos
caracterizados pentecostais. Em 1900, no Estado de Tenesse ocorreu uma concentração
com centenas de adeptos, com desdobramentos no Kansas, Oklaroma e Texas. Um
encontro com grande público teve lugar em Los Angeles em abril de 1906 e, a partir
daí o movimento espalhou-se pelos quatro cantos dos Estados Unidos, contagiando a
América Latina.

Em 1967, por iniciativa de professores e alunos da Universidade de Duquesne,


pequena cidade aos arredores de Pittsburgh, nos Estados Unidos, surge a Renovação
Carismática, reproduzindo a experiência pentecostal na Igreja católica. Mas a confirmação
do movimento veio em 1973, em Gottaferrara, perto de Roma, quando os participantes
do primeiro congresso de lideranças de 34 países do pentecostalismo católico ouviram
do Papa Paulo VI o seguinte pronunciamento:

Estamos sumamente interessados no que estais fazendo. Ouvimos


falar muito sobre o que acontece entre vós e nos regozijamos.
Alegram-nos convosco, queridos amigos, pela renovação de vida
espiritual que hoje em dia se manifesta na Igreja, sob diferentes
formas e em diferentes ambientes (LIMA, 1987, p. 96).

Mais tarde, no quarto congresso internacional dos pentecostais católicos, que


foram recebidos em audiência especial nos jardins do Vaticano, endossou:

Sinto-me verdadeiramente feliz em ter esta oportunidade para falar


de coração aberto a vós que viestes de todo o mundo para participar
desta conferência estabelecida para assistir-vos no cumprimento de
vossa tarefa como dirigentes da Renovação Carismática. De modo
especial quero assinalar a necessidade de enriquecer e tornar essa
visão eclesial que é tão essencial para a renovação, nesta etapa de
seu desenvolvimento (LIMA, 1987, p. 97).

No Brasil, a Renovação Carismática Católica (RCC) foi importada pelos padres


jesuítas em 1972, espalhando-se por todo o território nacional, pregando um proselitismo
mercadológico e anulando as pequenas comunidades eclesiais de base.

164
A direção internacional da RCC é o International Catholic Charismatic Renewal
Office, que funciona em Roma. Na América Latina, a sede está em Bogotá, Colômbia.
Em Dallas, Estados Unidos, funciona um centro especializado na preparação de jovens
da América Latina para utilização dos meios de comunicação no trabalho missionário. É
uma Igreja disfarçada de movimento, que atua livremente dentro de outra Igreja.

No Brasil, pela força da mídia e da prática mercadológica, a RCC está em todas


as instâncias da Igreja. O trabalho de envolvimento e a infraestrutura é espantoso.
Centenas de milhares de pessoas estão comprometidas. Bispos e padres que apreciam
palcos e a mídia foram convertidos. Vejamos a afirmação de Caetano Minette de Tellesse,
o teólogo da Renovação Carismática: “O cristão é aquele que não tem projeto para o
nosso momento histórico, ou seja, nada tem a fazer aqui. O cristão é aquele que espera
no céu outro mundo” (TELLESSE, 1986, p. 32).

165
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A Teologia na América Latina é associada à histórica da conquista do continente.

• O cristianismo católico foi fundamental no projeto de colonização e conquista


da América.

• A Teologia que surgiu na América Latina parte do princípio que Deus é o Libertador
das vítimas do processo de conquista.

• A Teologia da Libertação fez o resgate da identidade cultural e religiosa dos povos


pré-colombianos e da africanalidade.

• As Comunidades Eclesiais de Base fundaram uma nova eclesiologia na América


Latina, mas foram ofuscadas pelo pentecostalismo católico.

• A imagem de Deus é plural ou resultado de um sincretismo religioso.

166
AUTOATIVIDADE
1 Nas quatro instâncias constitutivas da Igreja, enquanto grandeza teológica, as
Comunidades Eclesiais de Base trouxeram contribuições notáveis à Teologia da América
Latina: à palavra (apropriação pelos leigos do comentário bíblico e da reflexão), à
celebração (criação de novos ritos e reintegração dos ritos tradicionais), ao ministério
(surgimento de vasta gama de serviços, mistérios laicais e carismas); por fim à missão
(com a criação de outras comunidades e inserção na realidade local, social e política de
forma transformadora). Quanto à origem das CEBS é CORRETO afirmar:

a) ( ) Teve início com o Quilombo dos Palmares.


b) ( ) A origem está nos movimentos sociais de cunho político.
c) ( ) Surgiram por determinação do Vaticano.
d) ( ) Surgiram por iniciativa do alto clero brasileiro.

2 A Teologia da Libertação estabeleceu uma cristologia original, reinterpretando


a teologia da encarnação, vida, paixão e ressurreição de Cristo em diálogo com o
contexto social e político da América Latina. Conforme os estudos realizados,
assinale a alternativa que aponta para o teólogo fundador da Teologia da Libertação
na América Latina.

a) ( ) Gustavo Gutierrez.
b) ( ) Caetano Tellese.
c) ( ) Leonardo Boff.
d) ( ) Jacques Maritan.

3 Quando a Teologia da Libertação cita a opção preferencial pelos pobres, faz-


se necessário ressaltar três etapas na evolução da mesma opção. Não se trata,
primeiramente, de etapas cronologicamente sucessivas. O desdobramento em três
etapas é, antes, resultado de uma releitura teológica do Evangelho, Texto Sagrado
aos cristãos. Quanto às etapas, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Revisão da prática, mística e libertação.


b) ( ) Conscientização, inserção e evangelização inculturada.
c) ( ) Releitura bíblica, oração e libertação.
d) ( ) Inculturação da fé, meditação e revolução.

167
168
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS
E PROTESTANTES: DA MODERNIDADE
À CONTEMPORANEIDADE
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a narrativa histórica dos principais discursos
teológicos desenvolvidos da modernidade à contemporaneidade. Do século XVIII até
o XXI são inúmeros os teólogos cristãos, assim como são muitos os pensadores que
investigaram as teologias orientais.

Com o avanço da Reforma Protestante nos séculos XVI e XVII, a Igreja Católica
respondeu o momento de crise teológica e institucional com o Concílio de Trento (1545-
1563), propiciando um resgate da teologia nos aspectos bíblico, sistemático e moral.

Além de resgatar a teologia patrística, também desenvolveu uma apologética


da Teologia enquanto estudo da Revelação de Deus, instaurando um sistema
teocrático no qual a vontade de Deus passou a ser sinônimo da vontade do Papa e
vice-versa, fomentando ainda mais a intolerância religiosa. Enquanto consequências da
arbitrariedade do Concílio ocorreram diversos fatos que resultaram em mortes.

Por exemplo, a Noite de São Bartolomeu, um dos resultados práticos do Concílio


de Trento. Na noite de 23 para 24 de agosto de 1572, em Paris, católicos entraram em
confronto com os protestantes, resultando em mais de 3000 protestantes mortos.

Outro resultado prático foi o Tratado de Augsburgo de 1555, o qual estabelecia


a lógica da intolerância, com o princípio “Um reino, uma fé”, ou seja, se o rei era católico
todos do reino deveriam professar o catolicismo, se o rei era protestante deveria
professar o protestantismo.

Do tratado surgiram dois movimentos armados em 1608, autênticos exércitos


para a defesa da fé. De um lado a Liga Católica e de outro a União Evangélica. Foram
diversos os confrontos entre estes, resultando na denominada “Guerra dos Trinta Anos”.

Um exemplo de confronto foi a “Defenestração de Praga”, de 1618, quando na


Bohemia (Atual República Tcheca) reinava o Kaiser Ferdinand II, que era católico, mas
a população era protestante. Com fundamento no Tratado de Augsburgo, o imperador
tentou impor a lei, porém, a União Evangélica, liderada por Frederico II, invadiu o palácio
real, lançou pelas janelas todos os ministros do imperador/kaiser e os protestantes
assumiram o poder na Bohemia.

169
Outra consequência nada positiva do Concílio de Trento foram os Manuais de
Teologia, que substituíram as dissertações e teses. Cada Manual deveria ter o “Nihil
Obstat”, isto é, o “Nada Consta” e/ou a aprovação das autoridades católicas para publicar
qualquer trabalho de cunho teológico, silenciando muitos teólogos.

No entanto, com as publicações teológicas liberais obrigaram tanto os teólogos


católicos quanto os protestantes a buscarem fundamentos filosóficos e teológicos
mais seguros. Entre as publicações liberais mais críticas destacam a tese da “Igreja
Invisível” de Immanuel Kant, a defesa de Ludwig Feuerbach em torno da “humanização
de Deus e a divinização do Humano”, a crítica à “religião ópio”, de Karl Marx e o “ateísmo
psicanalítico”, de Sigmund Freud.

Com estas teses, o conflito a ser enfrentado não era mais entre católicos
e protestantes, mas entre teístas e ateístas. Assim, na média em que o Concílio de
Trento foi ficando no passado, com o fim do “casamento” entre Igreja e Estado, com a
afirmação do ser humano na política, na arte, na ciência e na filosofia, as igrejas católicas
e protestantes, através de seus institutos e universidades, fomentaram a produção
teológica, quando os manuais perderam espaços para novas teses.

Ainda, novas críticas à religião foram inevitáveis, tendo a teologia uma nova
missão, isto é, provar sua razão de ser, isto é, expressar sua contribuição para a
modernidade e propiciar respostas ao humano, parte do Universo infinito. Foi neste
contexto que surgiram teólogos com maestria que enfrentaram os mais diferentes
temas científicos, filosóficos e teológicos. Neste tópico serão contemplados três
representantes da teologia liberal, três teólogos católicos e três protestantes.

Dos liberais será apresentada uma síntese sobre a eclesiologia de Immanuel


Kant, a humanização de Deus e divinização do humano, de Ludwig Feuerbach e a relação
teologia e neurose de Sigmund Freud. Dos católicos, será apresentada uma síntese
teológica de Teilhard de Chardin e sua “visão cósmica”, Karl Rahner, com sua teologia
pensada a partir da imanência ou “Antropologia transcendental” e Yves Gongar, com sua
“teologia ecumênica”. Dos protestantes, será enfatizado o pensamento de Karl Barth,
com sua teologia da Palavra de Deus, Rudolf Bultmann com sua teologia existencialista
e Jürgen Moltmann com sua teologia da esperança.

2 TEÓLOGOS LIBERAIS
Em todos os tópicos fizemos uso das expressões “Transcendência” e
“Transcendente”, ligando o mistério onde Deus pode ser encontrado, definido ou
conceituado apenas. Assim, o transcendente é o objeto a ser alcançado, podendo ser
“uma Teologia em nós”. Ainda, o teólogo pode fazer um a “Teologia em si”, partindo da

170
revelação, pensando o objeto e sua relação com a imanência. Pode ainda, fazer um
“estudo sobre Deus” a partir de uma ou várias “Tradições religiosas”. E mais, o teólogo
pode “buscar por Deus, partindo da existência, experimentando o que Deus é e o que
Deus não é, sem vínculo com qualquer dogma, poder ou determinismo.

Foi este último caminho que pensadores como Kant, Hegel, Feuerbach, Freud,
Marx e Nietzsche decidiram seguir, instaurando o conceito de Teologia Liberal.

2.1 IMMANUEL KANT E A TEOLOGIA DA IGREJA INVISÍVEL


Transcendental para Kant (1724-1804) é o que o humano descobre. Assim, pensar
transcendentalmente é perguntar pela possibilidade do conhecimento de determinado
objeto existente no próprio sujeito. Ainda, investigar transcendentalmente é demonstrar
como “o que está fora do humano”, via atividades dos sentidos, é transformado em
conhecimento. Ainda, isto que o humano atingiu não é a reprodução do real, mas o
resultado da produção da criatividade humana. Assim, o porto seguro de partida para
a navegação intelectual ou reflexão de Kant é a razão, o que ele divide em razão pura
(quando trata do conhecimento científico, dos fenômenos) e razão prática (quando trata
do conhecimento moral).

Para Kant (1986) Deus não pode ser conhecido pela razão pura porque está fora
de alcance da experiência possível, mas não é impossível falar de Deus. Se pela razão
pura há impossibilidade, resta o caminho da razão prática. Pela razão pura conhecemos
o que é, pela razão prática conhecemos o que “deve ser”. Logo, moralmente é possível
aceitar que Deus existe, podendo ser o fundamento do “dever ser” humano, portador da
consciência moral e/ou razão prática.

Na razão prática há o imperativo categórico e/ou lei moral universal, isto é,


a obediência a uma determinada norma devido ao “dever ser” e/ou por consciência.
Segundo Kant (1986), a consciência moral tem dois postulados: a liberdade e a
imortalidade.

Sem ser livre, a vontade não poderá ser autônoma, nem boa ou má, portanto,
a consciência moral é fato indiscutível e disto podemos afirmar a liberdade como ato
de valoração. Assim, o humano não é apenas sujeito cognoscente, mas consciência
moral valoradora.

Quanto à imortalidade, Kant conclui que se há um mundo fenomênico deve


haver um ente no qual nossa inspiração se realize. Tal ente é Deus, o bem supremo.
Assim, Deus não é um ser fora do humano, mas a própria razão prática, que exige a boa
conduta ao humano.

171
Em 1793, Kant publicou A Religião dentro dos Limites da Mera Razão, na qual
defendeu uma eclesiologia ou estudo sobre a Igreja. Na mesma obra Kant propõe
uma “Igreja Invisível” sem cultos, pastores ou sacerdotes. A fé numa Igreja de cultos
concretiza a relação senhor-escravo porque o culto é imposto, sobressaindo o medo de
ser punido, o que está muito presente nas Igrejas e religiões reveladas.

Para Kant a verdadeira religião está na consciência moral. A religião revelada


é servil e mera imposição. Fora da moral, tentar fazer algo para louvar ou agradar a
Deus nada mais é do que ilusão. Na “Igreja Invisível” não há culto, impera a liberdade e
consciência moral, mas na “igreja visível” restam superstições e idolatria.

2.2 LUDWIG FEUERBACH: TEOLOGIA ENQUANTO


ANTROPOLOGIA
No texto A essência do Cristianismo, Feuerbach (1804-1872) reduz a teologia
cristã à antropologia. Para ele todos os conceitos e definições que a teologia cristã
atribui a Deus devem ser atribuídos ao ser humano porque o humano é o seu Deus.

O elemento fundamental de Feuerbach é a consciência humana constituída


pela racionalidade. A consciência que o humano tem de Deus é a consciência de si
mesmo. Segundo ele, a teologia cristã propõe uma vida celestial enquanto verdade. Se
a vida celestial é verdadeira então a vida terrena é falsa porque quando o imaginário é
tudo, a realidade é nada.

Assim, a teologia cristã anula a vontade do humano se libertar. Com isso


o cristianismo não passa de projeção, onde o humano idealiza a si mesmo no
transcendente, resultando em alienação, ou seja, toma como Deus aquilo que é mera
expressão humana. Dessa forma, Feuerbach chega à conclusão de que filosofia e
teologia são inconciliáveis.

Ainda, Feuerbach recepciona a integração entre finito e infinito e este infinito é


o próprio humano que ainda não está pronto, está evoluindo, vai sendo constituído na
história, rompendo com a ideia de absoluto. Logo, o ateísmo é o caminho necessário
para o ser humano redescobrir sua dignidade, reconquistando sua essência. Ainda, a
experiência cristã é o relacionamento do humano com o próprio humano, devendo,
portanto, ser extinto. Com isso, a Bíblia Cristã deve ser corrigida porque não foi Deus
que criou o humano, mas o humano criou Deus à sua imagem e semelhança.

Quanto ao Deus cristão, há uma grandeza. A grandeza de Deus é a grandeza do


humano e o sofrimento de Deus na cruz é o sofrimento humano. E quanto ao Mistério
da Santíssima Trindade, é o mistério da vida social porque somente um humano pobre e
fraco projeta um Deus rico e forte. Assim, a fé em Deus é a fé no próprio humano infinito,
Logo, não devemos amar a Deus, mas amar o próprio humano.

172
2.3 SIGMUND FREUD: TEOLOGIA DA NEUROSE
Para Freud (1856-1939) o humano é um ser insatisfeito, tem consciência do finito,
mas deseja o infinito, porém, entre o desejo e a realidade há um abismo delimitando o
infinito em ilusão. Mas por que surgiu a ideia de Deus?

Para David (2003) na perspectiva de Freud a criança teme o Pai, mas sabe
que poderá contar com Ele nos momentos de perigo. Transportando para a natureza, o
humano a repciona a ideia de um Pai perfeito, o qual o chama de Deus. Assim, religião e
a teologia perpetuam o humano enquanto criança. Na solidão e na existência o humano
faz a busca por um Pai forte e bondoso. Na infância, muitos conflitos de ordem psíquica
não são resolvidos, propiciando a neurose na vida adulta, que nada mais é do que a fuga
do adulto ao mundo infantil. Freud acolhe a religião enquanto fuga do adulto ao mundo
ideal e feliz da criança.

Ainda, para Freud a história do ser humano tem três estágios. O começo é a
fase da magia com seus mitos, o segundo é o estágio religioso instituído e a plenitude
da história é o tempo da ciência, o terceiro estágio. Assim, quanto mais conhecimentos
científicos o ser humano portar, mais preparado ele estará aceitando seus limites, junto
com o que ele é de fato, a ponto de abandonar a religião.

Portanto, segundo David (2003), Freud admite que a neurose é a igreja ou


religião para onde se retiram os iludidos e fracassados. Na igreja ou na religião, o ser
humano realiza a fuga do mundo para um suposto mundo sem contradições, feliz e
ideal como é o mundo das crianças. Logo, podemos afirmar na perspectiva freudiana,
que quanto mais iludidos e fracassados existirem em uma sociedade, maior será o
número de igrejas e religiões.

3 TEÓLOGOS CATÓLICOS
As igrejas protestantes já tinham consciência da grandeza teológica existente
em seus institutos e universidades muito antes do Concílio Vaticano II (1961-1965). A
Igreja Católica, porém, só durante o Concílio é que percebeu excepcionais teólogos,
que muito já haviam produzido, sendo alguns ignorados e até mesmo perseguidos,
silenciados e condenados pela própria Igreja.

Devido à lamentável teologia dos manuais propiciada pelo Concílio de Trento


(1545-1563) e recepcionada pelo Concílio Vaticano I (1869-1870) havia suspeitas de
que a teologia católica estaria dominada por obscuridades porque não havia liberdade
para pesquisar. No entanto, havia uma lista de pensadores com vasta produção. Entre
eles destacam-se Karl Rahner, Yves Congar, Urs Von Balthasar, Teilhard Chardin,
Romano Guardini, Garrigou Lagrange, Marie Dominique Chenu, Henri De Lubac, Edward
Schillebeeckx, Bruno Forte e Gustavo Gutierrez. Aqui foram selecionados os três
primeiros, dos quais será apresentada uma síntese e breves comentários.

173
3.1 TEILHARD DE CHANDIN: TEOLOGIA A PARTIR DA VISÃO
CÓSMICA
O jesuíta Pierre-Marie-Joseph Teilhard de Chardin nasceu em 1º de maio de
1881, no Castelo de Sarcenat, na França. Em 1914 interrompeu seus estudos devido à
convocação militar para a 1ª Guerra Mundial. Com o fim da Guerra retomou seus estudos
na Sorbone. Em 1923 foi à China para atividades de arqueologia. Em 1926, já na Europa,
entrou em atrito com seus superiores, devido a sua doutrina em torno da evolução
humana. Durante a 2ª Guerra Mundial ficou na China, onde escreveu sua grande obra,
O fenômeno da humanidade. Em 1946 retornou à França e foi proibido de publicar
suas teorias. Em 1951 migrou para os Estados Unidos onde ficou até o final de sua vida
em 1955.

Teilhard de Chardin foi um profundo conhecedor de teologia, filosofia e


ciência. Por isso, a finalidade de sua teologia foi a defesa da fé cristã. Com sua “visão
cósmica” procurou integrar teologia, filosofia e ciência, expressando sempre seu afeto e
amorosidade pelo absoluto.

A “visão cósmica” é a maneira como Teilhard Chardin (1995) define o universo.


Afirma que o universo veio se constituindo debaixo para cima, de sua gênese até hoje e
continuará se configurando, envolvendo fatos naturais, humanos, psíquicos e espirituais.

Segundo este teólogo-filósofo-cientista, de uma massa primitiva vieram os


átomos, que possibilitaram as moléculas e a vida, organizando uma nova esfera e/ou
biosfera, que se expandiu e se organizou até a origem dos primatas, que num processo
de cefalização crescente e envolvimento encefálico do sistema nervoso, possibilitou a
reflexão, a consciência e/ou espírito, isto é, o ser humano.

No entanto, este processo evolutivo continua devido à “lei da complexidade-


consciência”, isto é, uma estrutura e curvatura psiquicamente convergentes do mundo.
Assim, temos que admitir que o universo é consequência de um processo evolutivo que
ainda não está pronto, mas que um dia atingirá o “Ponto Ômega”, a conclusão ou auge
da evolução, gerando um novo organismo, a noosfera.

Para Teilhard de Chardin (1995) a evolução é a maior descoberta de todos os


tempos, na medida em que nos coloca enquanto seres capazes de entender o humano
e o universo. Ainda, a evolução não está em conflito com o cristianismo, ao contrário,
é um argumento a seu favor porque a evolução necessariamente deve passar pelo
cristianismo. Fomos criados e ser criado significa estar numa relação transcendental
perante o Absoluto e/ou Deus.

174
E mais, para Teilhard de Chardin (1995), na história há uma conjunção ciência-
religião, incluso à filosofia. Nos últimos 300 anos nem ciência e nem religião e nem
filosofia conseguiram se diminuir mutuamente. Uma sem a outra não conseguem se
desenvolver. Uma anima a outra. Assim, ciência e religião e também a filosofia são faces
ou fases conjugadas de um único ato completo do conhecimento, que pode abarcar
para completar e contemplar o passado e o futuro da evolução.

3.2 KARL RAHNER: UMA TEOLOGIA ANTROPOLÓGICA


TRANSCENDENTAL
O alemão e jesuíta Karl Rahner, nascido em Friburgo, em 5 de março de
1904, merece destaque pela sua capacidade em abordar temas teológicos voltados à
espiritualidade. Foi um grande admirador de Immanuel Kant. Rahner foi o primeiro a
aplicar o método transcendental kantiano em teologia, garantindo base filosófica para
ela. Rahner concebeu a atividade teológica como interpretação da Revelação de Deus
ao humano mediante categorias filosóficas.

Enquanto profundo conhecedor de Kant, Hegel, Heidegger, Schopenhauer,


Kierkegaard e Nietzsche, não exitou em afirmar que a filosofia mais adequada para
fundamentar a teologia enquanto revelação contínua sendo Tomás de Aquino. Segundo
Rahner (1969), com Tomás de Aquino é possível dar um fundamento racional para a
Teologia. Ainda, para o teólogo não produzir uma fé cega, a razão deve ser configurada
para perceber Deus.

Na teologia antropocêntrica, Rahner (1969) busca fundamentação em Heidegger.


Ao interrogar o ser parte do humano enquanto ente, buscando entendimento do ente
procura entender o ser. Com efeito, se o humano pergunta sobre o ser, percebe-se que
ele tem um conhecimento do ser em geral e que o ser originariamente se lhe apresente
como essencialmente cognoscível.

Ainda, ao interrogar-se sobre o ser em geral revela no próprio humano uma


transcendência ao ser em geral. Tal aproximação do ser do próprio humano e/ou o ente,
é a prova da dimensão espiritual do humano, isto é, o humano enquanto espírito.

Ainda, partindo da dimensão espiritual do humano, Rahner (1969) coloca a


existência de Deus como algo absoluto. Assim, o humano é o ente que na liberdade,
em sua busca, encontra Deus, o ente Absoluto. E ao afirmar a finitude real do ente
Absoluto postula a afirmação possível do ser Absoluto que se manifesta livremente
na criação enquanto automanifestação do Mistério/Deus que possibilita a revelação
através da palavra humana, que expressa sua ideia e/ou o objeto que atingiu. Assim,
para Rahner (1969), a antropologia é o ponto de partida para o acontecer da teologia
ou antropologia transcendental.

E mais, para ele o humano e o mundo são realidades com uma finalidade
sobrenatural. Logo, os três mistérios (Trindade, Graça e Encarnação) são compreensíveis
a partir do próprio humano, sem perder seu caráter de mistério.

175
Em 1960, Karl Rahner foi nomeado para a comissão Sobre os Sacramentos do
Concílio Vaticano II e em seguida, o Papa João XXIII o escolheu para ser perito oficial do
mesmo Concílio, sendo um dos protagonistas da nova teologia católica.

3.3 YVES CONGAR: UMA TEOLOGIA ECUMÊNICA


O celta Yves Congar nasceu em 13 de abril de 1904, em Sedan, nas Ardenas.
Ainda na adolescência ingressou no Seminário da Diocese de Paris. Em 1925, deixou a
Diocese para ingressar na Ordem de São Domingos. Lecionou até 1939, quando foi preso
pelo exército alemão devido ao seu antinazismo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, conseguiu a liberdade,


retomando as atividades pastorais e acadêmicas, porém, sua teologia não foi bem vista
na França, sendo alvo de perseguição, censura na própria Igreja Católica. Foi proibido de
lecionar, publicar e palestrar. Viveu uma experiência de exílio em Jerusalém, quando por
determinação de seus superiores na Ordem de São Domingos foi mandado para a Terra
Santa, afastando-o de suas atividades.

Seu exílio terminou em 1956 quando o bispo de Strasbourg, Jean Julien Weber,
lhe confiou uma intensa atividade pastoral com diversas conferências teológicas.
Durante o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII o convocou para ser perito oficial de
uma Comissão Teológica.

Congar é um teólogo com vasta produção. Destacamos deste a sua Teologia


Ecumênica com a qual renovou a própria Teologia. Segundo ele, por dezenove séculos o
cristianismo se preocupou em conhecer a Deus, deixando de conhecer o mundo, a realidade
humana, os fatos concretos da história, a experiência política, cultural e científica.

Congar dedicou sua vida ao processo de atualização da teologia, seja na sua


esfera moral, bíblica, pastoral, eclesial e ecumênica. Quanto ao método teológico, rejeitou
o método conceitual-dedutivo, assumiu o método indutivo, partindo da experiência
humana na história para se aproximar do Mistério existente em Deus Trindade.

Quanto a sua teologia ecumênica, Congar (1965) rejeitou a Igreja enquanto fonte
de salvação e expressa que a missão da Igreja é assimilar, desenvolver todos os valores
presentes nas demais igrejas e religiões não cristãs.

Depois de hostilizar os movimentos ecumênicos gestados nas igrejas


protestantes, a Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II, sob influência de Congar,
passou a fazer parte dos movimentos ecumênicos, porém, em 1937, Gongar já havia
escrito uma “Iniciação ao Ecumenismo”, traduzido para o espanhol em 1965, no qual
aponta as repercussões negativas que os diversos cismas entre cristãos afetaram
diretamente o próprio cristianismo. A seguir estabelece o objetivo do ecumenismo: fazer
coincidir a unidade visível com a unidade invisível, isto é, resgatar a alma do cristianismo.

176
Para Congar (1976) cada igreja é uma comunidade situada em um contexto vital
com sua história, o que ele chama de igreja visível, mas há a igreja invisível que engloba
todas as igrejas e reconhece a veracidade em todas as experiências religiosas. Ainda,
para Congar, os cristãos devem voltar às “Fontes”, recuperar o cristianismo primitivo
porque a verdade da religião não está nas instituições, mas no Cristo, Deus Amor.

4 TEÓLOGOS PROTESTANTES
A história do pensamento teológico protestante começa com os protagonistas
da Reforma Protestante. Martinho Lutero (1483-1546), na Alemanha; João Calvino (1509-
1564), na França e Ulrico Zwinglio (1484-1531), na Suíça. Estes são definidos enquanto
fontes para a teologia protestante.

A teologia protestante tem três princípios fundamentais. Primeiro: a salvação


da humana deriva de Deus. Segundo: não há intermediários entre Deus e o humano.
Terceiro: na Bíblia está a Palavra de Deus.

Após a morte de Lutero, o alemão Phillip Melanchthon (1497-1560), foi um


dos primeiros teólogos da Reforma Luterana. Ele aplicou conceitos aristotélicos nesta
teologia, contrariando Lutero e propiciando fundamentação filosófica a ela. Disso
resultaram novas aventuras no procedimento teológico protestante e uma delas foi a
origem da denominada teologia protestante liberal.

Aplicando o método filológico e histórico, Johann Salomo Semler (1725-1791)


revelou que a Bíblia não é toda divina, como ensinaram os fundadores, mas constitui
um livro carregado de contribuições humanas. Na mesma linha racional, Hermann
Samuel Reimarus (1694-1768) afirmou que os elementos miraculosos dos evangelhos
não passam de invenções dos primeiros cristãos. Para ele, Jesus não ressuscitou, mas
morreu frustrado diante do fracasso de sua pregação.

No século XIX, Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834) elaborou uma


nova teologia de cunho protestante, transferindo a religião da esfera da razão para o
sentimento, reduzindo a dogmática teológica a simples expressões dos sentimentos
do humano em relação a Deus, isto é, são sentimentos que nascem quando o humano
toma consciência de si mesmo e do universo que o circunda. A seguir, o humano se
dá conta de que depende do Absoluto/Deus, que é alcançado por meio da intuição e
dos sentimentos.

Ainda no contexto, Georg Hegel (1770-1831) reduz a religião ao domínio da


razão. Segundo Hegel (1936), a religião é um dos momentos conclusivos da dinâmica
dialética do Absoluto.

Todavia, não demorou para surgirem teologias que reagissem ao liberalismo


protestante. Entre os teólogos protestantes destacam-se Karl Barth, Emil Brunner, Paul
Tillich, Rudolf Bultmann, Oscar Culmann e Jürgen Moltmann. Aqui vamos apresentar
uma síntese dos três principais teólogos protestantes.

177
4.1 KARL BARTH: UMA TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS
O suíço Karl Barth nasceu na Basileia em 10 de maio de 1886. Iniciou seus estudos
em Berna e os concluiu na Alemanha. Em 1911 foi pastor na Igreja Reformada em Safenwill.
Em 1921 foi nomeado professor de teologia na Universidade de Goettingen. Em 1926 foi a
Muenster onde publicou A Dogmática Cristã (1927) e A Dogmática Eclesiástica (1931). Em
1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder, Barth era professor em Bonn. No contexto foi
instituída a “Igreja Evangélica da Nação Alemã”, que aclamou Hitler como enviado divino.
Nesta surgiu um movimento religioso fundamentalista chamado de “Cristãos Alemães”.
Barth não exitou em apresentar severa crítica ao nazismo e à “Igreja Evangélica da Nação
Alemã”. Disso resultaram conflitos entre Barth e as autoridades nazistas, gerando a expulsão
de Barth da Alemanha, passando a residir em sua terra natal, passando a dedicar-se a uma
vasta produção teológica, incluso a resistência ao nazismo.

Quanto à Teologia de Barth, é de profunda inspiração bíblica e integra os grandes


problemas da humanidade no contexto das duas grandes guerras mundiais. Barth, com
uma mentalidade democrática, se opôs aos regimes totalitários.

Em sua obra, Barth (2005), fazendo uso do método dialético, procura superar o
racionalismo, humanismo e liberalismo teológico que estavam impregnados na Teologia
protestante. Resgata o paradoxo da “fé bíblica” e sob inspiração do existencialismo de
Soren Kierkegaard reivindica a infinita diferença qualitativa entre filosofia e teologia.

Para Barth (2005), o objeto da Teologia é a “Palavra de Deus”, isto é, o conjunto


da automanifestação de Deus, incluso a dimensão ontológica da Revelação. A
automanifestação assume três formas: a Revelação, a Bíblia e o Anúncio da Bíblia. Pela
Revelação Deus visitou o seu povo através do Cristo encarnado na miséria humana. Pela
Bíblia o ser humano recorda a revelação ocorrida e se prepara para a Revelação futura.
Pelo anúncio a revelação é divulgada pela Igreja.

Como Deus, a sua palavra preserva a inefabilidade que o teólogo jamais poderá
alterar porque é espiritualidade e transcendência. Pela Palavra de Deus Barth (2005) afirma
ser possível compreender e explicar todos os mistérios da fé cristã porque Deus e sua
palavra constituem a mesma realidade. Por isso, Karl Barth é o teólogo da “Palavra de Deus”.

4.2 RUDOLF BULTMANN: UMA TEOLOGIA EXISTENCIALISTA


O alemão, luterano e biblista, Rudolf Karl Bultmann nasceu em Wiefelstede, em 20
de agosto de 1884. Em 1903 iniciou seus estudos teológicos na Universidade de Tübingen.
Em 1910 começou a lecionar na Universidade de Marburg. Em 1921 publicou sua grande
obra História da Tradição Sinótica, na qual introduziu o método histórico-morfológico.

178
Bultmann teve diversos contatos pessoais com o filósofo Martin Heidegger, que
também lecionava em Marburg. Devido aos contatos e pesquisas filosóficas e teológicas,
sua teologia sofreu forte influência do existencialismo de Heidegger. Viu no mesmo um
instrumento apto para o anúncio do cristianismo de forma inovadora na modernidade.
Em 1941 publicou Novo Testamento e Mitologia, com o qual obteve reconhecimento
mundial, influenciando de forma positiva a História da Teologia.

Para Bultmann (2003) a Teologia é o intelectus fidei, ou seja, pensa a fé e


conserva a inteligibilidade da Revelação de Deus. Assim, para o processo de teologar faz-
se necessário filosofar. Logo, a filosofia é imprescindível para a teologia, principalmente
o existencialismo, que pode oferecer representações apropriadas para a interpretação
da Bíblia, visto que está relacionada com a existência.

Ainda, o existencialismo fornece ao teólogo um esquema geral da autêntica


existência, sem predeterminar sua atuação concreta em cada instante particular. O
mesmo presta-se à interpretação da Palavra de Deus, não só pela sua pré-compreensão
da existência, mas acima de tudo pela concepção de ser humano em sua especificidade.
Segundo o existencialismo, o ser humano é diferente das demais criaturas, ele tem
consciência do real, é um projeto infinito e carregado de possibilidades, podendo ter
múltiplas opções e decisões.

E mais, a existência é uma luta entre vida inautêntica e vida autêntica. Para
Bultmann (2003) o anúncio do Evangelho enquadra-se com o existencialismo porque
conclama o ser humano a romper com o “velho humano” para um renascimento em
Cristo, gerando um humano mais completo, mais humano.

4.3 JÜRGEN MOLTMANN: UMA TEOLOGIA DA ESPERANÇA


O alemão e luterano Jürgen Montmann nasceu em 18 de abril de 1926. Em sua
juventude, no ano de 1943, em plena 2ª Guerra Mundial foi convocado pelo exército
alemão e não demorou muito para ser capturado como prisioneiro. Foi conduzido para a
prisão de Northon-Camp, na Inglaterra, onde encontrou teólogos que também estavam
encarcerados. Ali encontrou seus primeiros mestres em teologia.

Após a guerra foi para Bremen, onde prosseguiu com seus estudos teológicos e
filosóficos. Ensinou teologia em Wuppertal, Bonn, Tübingen e nos Estados Unidos.

Segundo Moltmann (2005), o centro da Teologia é Cristo, resultando a Cristologia,


isto é, o estudo da Revelação de Deus em Jesus de Nazaré, o Cristo Ressuscitado.
Assim, propõe uma releitura geral do cristianismo a partir da crucificação e ressurreição.
Em vez de partir da encarnação de Jesus, faz o caminho inverso, porque na cruz de
Cristo está o sofrimento humano, nossas limitações, frustrações e também a esperança
da ressurreição. Segundo ele, pelo mistério da crucificação do ressuscitado é possível
encontrar Deus, a Trindade.

179
A Cristologia de Moltmann se projeta para o futuro escatológico. Tudo o que se
falou de Cristo implica o que Ele será e o que se deve esperar Dele. Assim, Moltmann
(2005) afirma que no Cristo está a esperança do humano, pois a ressurreição não esvazia
a cruz, mas a preenche de escatologia e significado.

180
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A Reforma Protestante inovou a História da Teologia com novos procedimentos


hermenêuticos.

• O Concílio de Trento foi uma reação da Igreja Católica em se autoafirmar enquanto


instituição, porém, gerou o drama da intolerância religiosa.

• O Concílio de Trento e o Vaticano Segundo limitaram a Teologia Católica com a


publicação dos manuais de teologia, anulando a criatividade teológica.

• Com a liberdade religiosa Kant, Feuerbach e outros propiciaram a Teologia Liberal.

• Enquanto reação a Teologia Liberal, teólogos protestantes e católicos apresentaram


uma vasta produção teológica com destaque para Teilhard Chardin, Karl Rahner, Yves
Congar, Karl Barth, Rudolf Bultmann e Jürgen Moltmann.

181
AUTOATIVIDADE
1 Segundo Immanuel Kant, no processo de construção do conhecimento, o que o
humano pode atingir quando o objeto a ser estudado não é a reprodução do real, mas
o resultado da produção da sua criatividade. Assim, o porto seguro de partida para a
navegação intelectual ou reflexão de Kant é a razão. Conforme os estudos realizados,
o conhecimento de Deus na perspectiva kantiana é possível.

a) ( ) Razão prática.
b) ( ) Razão institucional.
c) ( ) Razão bíblica.
d) ( ) Razão pura.

2 O Ecumenismo é um movimento que faz apologia da comunhão entre todas as igrejas


cristãs. Quanto à origem do movimento ecumênico, assinale verdadeiro (V) ou falso (F).

( ) O Concílio Vaticano I foi fundamental para o avanço ecumênico.


( ) O movimento ecumênico surgiu entre as igrejas protestantes.
( ) No início, a igreja católica hostilizou os movimentos ecumênicos.
( ) O Concilio Vaticano II, sob inspiração de Yves Congar, propiciou aos católicos a
participação no movimento ecumênico.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.


a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) F – V – F – F.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) V – F – F – V.

3 A filosofia existencialista fornece ao teólogo um esquema geral da autêntica existência,


sem predeterminar sua atuação concreta em cada instante particular. O mesmo
presta-se à interpretação da Palavra de Deus, não só pela sua pré-compreensão da
existência, mas acima de tudo pela concepção de ser humano em sua especificidade.
Quanto ao teólogo defensor deste procedimento hermenêutico, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Martin Heidegger.
b) ( ) Karl Rahner.
c) ( ) Karl Barh.
d) ( ) Rudolf Bultmann.

182
UNIDADE 3 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA
E COEXISTENCIAL
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados a origem e o desenvolvimento dos movimentos
de ordem ecumênica, isto é, o esforço para propiciar a unidade entre as igrejas
cristãs, cuja finalidade estava centrada na ameaça do secularismo originado a partir
das inovações científicas e tecnológicas. Ainda, serão contemplados os movimentos
que propiciaram o diálogo inter-religioso, cuja finalidade está no esforço para conter
a intolerância religiosa e o perigo do fundamentalismo. E a seguir será apresentado o
conceito e fundamentação da Teologia Coexistencial, a qual propõe a possibilidade de
atitudes éticas entre nas relações humanas, independentemente da posição religiosa,
filosófica ou política que cada ser humano assume em seu contexto histórico.

2 TEOLOGIA ECUMÊNICA: POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO


A palavra “ecumenismo” tem origem na expressão grega OIKOUMENE, cujo
significado pode ser “casa comum” e/ou “viver em casa de forma pacífica”. Porém, casa
aqui é a Terra, única casa possível para todos independentemente de religião, política
e cultura.

Há quem acredite que o movimento ecumênico surgiu enquanto movimento


e teologia na Igreja Católica Romana. Ao contrário, quando o movimento ecumênico
eclodiu no globo, a Igreja Católica Romana estava bastante atarefada em divulgar e
praticar o que havia sido definido no Concílio “Ecumênico” Vaticano I (1869-1870).

Importante ressaltar que a expressão “ecumênico” do dito concílio não se refere


à participação ativa de demais profissões de fé, mas como apenas ouvintes do próprio
concílio. Ainda, as duas principais decisões do Concílio Vaticano I não foram ecumênicas.

A primeira foi a “Constituição Dogmática Dei Filius”, que decretou o cristocentrismo


católico como único caminho para salvação humana. Já na introdução do documento, a
Igreja Católica expressa: “Congregados no Espírito Santo neste concílio ecumênico, sob
a nossa autoridade...” (DENZINGER, 2001, p. 1045), isto é, na autoridade do papa.

A segunda foi a “Constituição Dogmática Pastor Aeternus” (DENZINGER, 2001, p.


1069), na qual a Igreja Católica decretou ser o poder do Papa o caminho e a verdade em
questões de fé e norma moral para a salvação humana, isto é, o dogma da infalibilidade
papal. Com isso, comprova a não preocupação da Igreja Católica com uma possível
unidade entre igrejas cristãs, mas em efetivar o seu próprio poder.

183
Constata-se historicamente que a origem dos movimentos ecumênicos está
nas igrejas protestantes. Em 1844 surgiu a Associação de Moços e Moças na Inglaterra,
sendo efetivada nos Estados Unidos da América em 1854. Em 1895 apareceu a
Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Disso resultaram diversos eventos de cunho
ecumênico. Com destaque para a Conferência de Edimburgo de 1910, a Conferência do
Panamá de 1916, a Encíclica do Patriarca de Constantinopla da Igreja Ortodoxa de 1920,
a União Latinoamericana da Juventude Evangélica de 1941, a instituição do Conselho
Mundial das Igrejas (CMI) de 1948, a Conferência Evangélica da América Latina de 1949,
1961 e 1969 e a criação do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil, em 1982.

Destes, destacamos a atuação ecumênica do CMI, fundado em Amsterdam, no


contexto caótico e violento da 2ª Guerra Mundial com a participação de mais de 100
igrejas, sem a participação da Igreja Católica Romana, que chegou a proibir teólogos
católicos de compor o evento.

O CMI tem sua sede em Genebra, na Suíça e atualmente é composto por


representantes de 345 igrejas, incluindo protestantes históricas, ortodoxas e uma boa
parcela das igrejas pentecostais.

O CMI é o grande símbolo do movimento e da teologia ecumênica, cujo objetivo


é buscar a unidade dos cristãos e propiciar a cooperação entre as igrejas cristãs na
construção de um Planeta pacífico e justo.

Quanto à Igreja Católica Romana, ainda não faz parte do CMI, mas há uma
modesta aproximação, a ponto do Concílio “Ecumênico” Vaticano II (1962-1965) publicar
um decreto sobre o ecumenismo, com o título “Unitatis Redintegratio” (DENZINGER,
2001, p. 1571) e/ou orientações práticas para o ecumenismo na perspectiva católica.

Atualmente, as atividades ecumênicas do CMI têm foco em três seguimentos:


relações ecumênicas, diaconia e/ou testemunho público da fé cristã e formação ecumênica.

Quanto ao ecumenismo, segundo Wolff (2002), as igrejas devem ter a coragem


de rever sua própria história, não sob o prisma de sua profissão de fé, mas do cristianismo
conforme o evangelho, pois, cada igreja é uma expressão particular do próprio evangelho.

E são em torno das questões cruciais para o planeta e a vida em sociedade que
o CMI, a exemplo de Jesus, o Cristo, toma partido. É na defesa da vida ameaçada pela
fome, guerras, arbitrariedades, genocídios, etnocídios e ecocídios que o CMI concretiza sua
diaconia, revelando que o cristianismo tem algo a contribuir para um mundo mais justo e
fraterno. Assim, o CMI comprova que o cristianismo é mais ortopraxia do que ortodoxia.

184
3 TEOLOGIA INTER-RELIGIOSA: POSSIBILIDADE DE
RESPEITO
Como vimos, o ecumenismo é algo ainda a ser concretizado. Em uma só tradição
religiosa, o Cristianismo, com uma só definição de Deus (Deus Trindade), podem ser
encontradas as multiplicações de procedimentos hermenêuticos e jogos de interesses,
incluso a preservação do poder institucional. Ainda, cada uma, em vez de experimentar
Deus sem esgotar o mistério, o define a partir das próprias estruturas institucionais.

E quando o desafio é o possível encontro fraterno e respeitoso entre as mais


diferentes tradições religiosas espalhadas pelo planeta? É a partir desta questão que
brotou na história a Teologia do Diálogo Inter-religioso.

Vivemos tempos sombrios carregados de fanatismos e fundamentalismos seja


de ordem religiosa, quanto na política. É um mundo em crise e a partir desta a teologia,
enquanto busca por Deus, analisa a existência e propõe caminhos para a transcendência.

A Teologia do Diálogo Inter-religioso criou a expressão “Diálogo Intercredal” a


partir dos escritos do teólogo Claude Geffré. Segundo Geffré (2013), há uma Teologia
possível entre as três grandes tradições religiosas, cuja fé encontra fundamentos na
pessoa de Abraão, personagem da Bíblia Judaica, Bíblia Cristã e do Alcorão Sagrado.
Para esta teologia, Geffré usa a expressão “Diálogo e/ou triálogo intercredal”. Quanto à
aproximação respeitosa entre tradições religiosas orientais, ocidentais e outras, Geffré
usa a expressão “Diálogo e/ou pluralismo Inter-religioso”.

O princípio do pluralismo é a existência de bondade em todas as tradições


religiosas, que todas as religiões estão situadas num determinado contexto cultural
onde Deus pode ser encontrado e conceituado e que cada religião tem algo a contribuir
à vida no planeta. Este princípio tem sido o ponto de partida para diversas produções
teológicas. Entre estas destacamos as produções teológicas de Raimon Pannikkar e a
de Claude Geffré.

Segundo Pannikkar (1981), o mediador entre Deus e o mundo é Cristo, que pode
ser identificado nos cristianismos e nas demais tradições religiosas com diferentes
conceitos e/ou nomes.

Segundo Geffré (2013), o Mistério em Deus transcende a instituição religiosa.


Ao admitir isto o mesmo faz uso da expressão Teologia das Religiões cujo paradigma
é o pluralismo religioso. Partindo da Nostra Aetate, decreto do Concílio “Ecumênico”
Vaticano II, que trata do diálogo inter-religioso na perspectiva da Igreja Católica Romana,
afirma que devemos aceitar o que há de bom e santo nas demais tradições religiosas.
Ainda, defende que a Teologia das Religiões deve explicar a razão do pluralismo religioso
na história e apresentar fundamentos para a aproximação, diálogo e respeito entre as
diferentes religiões.

185
4 TEOLOGIA COEXISTENCIAL: POSSIBILIDADE ÉTICA
Para Mircea Eliade (1980) a maior descoberta da humanidade é a existência do
universo cultural. No entanto, o cenário atual mostra a internacionalização, a comunicação
em escala e a complexidade social, política, cultural e religiosa cada vez mais intensa
e tensa. Atualmente, nem tudo é evolução e desenvolvimento, experimentamos uma
aporia e uma crise humanitária e moral, fortemente marcada pela multiculturabilidade
que tem como estímulo o fenômeno da globalização.

A crise obriga o humano a voltar a navegar e/ou migrar, podendo ser afogado
em águas estrangeiras porque o país estranho, mesmo sendo cristão, na maioria, não
acolhe, muito menos quer saber que um tal de Jesus de Nazaré havia orientado seus
seguidores que o único caminho que leva o humano a Deus é a “lei do amor ao próximo”.
Daí a necessidade da ética se sobressair em relação à religião. Uma ética que garanta
a preservação ambiental, direitos individuais, sociais e os diferentes mundos culturais,
nos quais o humano é uma espécie em extinção.

É sabido que a religião e o fenômeno da modernidade, incluso a técnica, fizeram


estragos no processo de evolução do humano. Em nome de Deus muitos exércitos foram
criados para dominar e matar a religião estrangeira. Em nome da técnica, o humano vem
sendo substituído no setor agrícola, industrial, bancário e outros.

Com o crescimento das forças produtivas modificaram-se as atribuições do


Estado, que passou a intervir na economia, assumindo no sistema capitalista a função
de preservar as relações de produção, submetendo às delimitações do capital global,
ocupando-se cada vez com questões de ordem técnica, afastando-se do direito e
da política. Priorizando ciência e técnica em tudo, a identidade dos seres humanos
enquanto sujeitos da história foi ofuscada.

Para Habermas (2012), é urgente uma mudança de paradigma, da razão


instrumental para a razão comunicativa. Pela razão comunicativa, o ser humano dá
sentido às próprias ações. Graças à linguagem é capaz de comunicar percepções,
desejos, intenções, expectativas e pensamentos. Pela razão comunicativa, o humano
pode resgatar a identidade de sujeito da história, ampliando a ideia de razão.

Para Habermas (2012), a razão iluminista e/ou instrumental gerou no ser


humano formas de sentir, pensar e agir, fundadas no individualismo, no isolamento,
na competição e no rendimento, causas dos intensos problemas sociais e conflitos
internacionais, no que tange à degradação do meio ambiente, controle dos recursos
naturais, os movimentos migratórios e as ameaças militares. Para Habermas, ciência
e técnica ampliam as possibilidades humanas, mas elas não podem penetrar em
esferas de decisão onde deve imperar a razão comunicativa. Assim, além de “práticas
ecumênicas” entre cristãos, muito bem pensadas e praticadas pelo Conselho Mundial

186
das Igrejas, além do “triálogo intercredal” entre judeus, cristãos e muçulmanos, além das
“práticas de oposição à intolerância religiosa”, há ainda o caminho da coexistencialidade
e/ou saber viver e conviver com o diferente na cultura e na fé, porém, jamais na alma
que nos faz membros da mesma espécie.

Com as inevitáveis mudanças no globo, do dia para a noite o vizinho ou


companheiro de trabalho poderá ser alguém diferente, isto é, poderá não ser protestante,
católico, muçulmano, hindu, judeu, xintoísta, taoista, budista ou ateu. Mesmo sendo
diferente, a comunicação irá acontecer. Daí a necessidade da linguagem nas relações
humanas. Seja através do olhar, do aperto de mão, da saudação, da oferta de uma flor
ou no gesto de estender a mão ao diferente que sofre, sem questionar se o outro é
crente ou não. O agir comunicativo na perspectiva habermasiana transcorre porque o
outro é parte da mesma espécie e não porque é adepto de uma religião.

Para compreender a Teologia Coexistencial e/ou buscar Deus, sem a


obrigatoriedade ou urgência de encontrá-lo faz-se necessário o desprendimento de
tudo aquilo que vem desumanizando o próprio humano e uma nova consciência que
seja menos religiosa e mais ética.

A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o humano e o


planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes a partir dos modelos de
políticas econômicas que foram efetivadas no globo. “Aproximar-se” do outro, fazer
“reuniões” onde cada líder religioso cria seu próprio altar e trono, “tolerar” alguém da
mesma espécie e ou apenas “respeitar” o semelhante são atitudes insatisfatórias e/
ou mera demagogia perante a grande crise que vive o humano. Ou salvamos a todos
ou pereceremos. É só salvando a existência que talvez um dia possamos entender e
experimentar a essência, o próprio Deus, que na história tem recebido uma infinidade
de nomes e/ou meros conceitos.

187
LEITURA
COMPLEMENTAR
A TEOLOGIA ESCATOLÓGICA

Roger Olson

Uma das teologias novas mais influentes provenientes da Europa na era pós-
segunda Guerra Mundial é a teologia escatológica intimamente associada com os
escritos de dois professores alemães: Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg. Os dois
nasceram no fim da década de 1920, viveram os horrores da Segunda Guerra Mundial
e se aposentaram de suas carreiras brilhantes nas cátedras de universidades da
Alemanha no início da década de 1990. Desde o fim da década de 1960 até o começo de
1980, eram com um ente identificados com o os mais influentes teólogos protestantes
contemporâneos de âmbito mundial. Embora suas teologias difiram de várias m aneiras,
juntas despertaram um novo interesse e apreço pelo realismo escatológico da teologia
cristã clássica. Em boa parte dos séculos XIX e XX, a crença no reino de Deus na Terra
foi relegada à mitologia por teólogos liberais e alguns neo-ortodoxos. Embora Ritschl e
os teólogos do evangelho social falassem muito a respeito do reino de Deus, referiam
-se mais à ordem social humana do que à vinda de Jesus Cristo e ao governo e reino de
Deus no futuro. Os teólogos fundamentalistas pesquisavam todo tipo de especulação
sobre a escatologia e, em geral, insistiam no pré-milenarismo dispensacionalista – uma
opinião muito específica a respeito do final dos tempos que muitas vezes significava dar
mais atenção à chamada grande tribulação e ao anticristo do que à majestade de Jesus
Cristo na terra. Essa obsessão fundamentalista pelo fim dos tempos fez com que muitos
cristãos moderados, liberais e neo-ortodoxos deixasse de prestar atenção à segunda
vinda de Cristo ou aos eventos do futuro.

Moltmann e Pannenberg procuraram resgatar abordagem realista da escatologia


bíblica, completamente livre do fundamentalismo. Esses professores alemães não
tinham nenhum a formação no protestantismo conservador. Ambos foram criados em
lares sem influência religiosa e se converteram ao cristianismo quando se tornaram
adultos na época subsequente à destruição da Alemanha em 1945. Moltmann tornou-se
cristão em um campo de prisioneiros de guerra na Grã-Bretanha. Pannenberg teve uma
conversão acadêmica ao cristianismo quando era estudante universitário em Berlim.
Durante algum tempo, lecionaram juntos em um seminário da igreja estatal e, depois,
seguiram caminhos separados. Moltmann filiou-se à Igreja Reformada e lecionou por
muitos anos na prestigiosa Universidade de Tübing en. Pannenbrg tornou-se luterano
e seguiu carreira na Universidade de Munique, onde se aposentou. Ambos lecionaram
em universidades e seminários norte-americanos quando estavam de licença de
suas cátedras e se tornaram fluentes no inglês. A maior parte de seus escritos foi

188
traduzida para o inglês e eles conquistaram boa reputação na América do Norte com
os principais teólogos protestantes moderados – um meio-termo entre o liberalismo
e o conservadorismo. Consideram suas abordagens básicas da teologia “criticamente
ortodoxas” por respeitarem a grande tradição da doutrina cristã da igreja primitiva e da
Reforma, mas rejeitam o confessionalismo “mecânico” e o conservadorismo máximo.

Jürgen Moltmann tornou-se famoso com a publicação de seu livro programático


Teologia da esperança em 1964. Nele, enfatizou a revelação com a promessa (em vez
de experiência ou proposição) e a salvação com o a obra histórica de Deus pertencente
ao futuro. Colocou o reino de Deus no centro de suas reflexões teológicas, mas evitou
a ideia liberal de identificar o reino de D eus com um a sociedade humana. Em vez
disso, o teólogo alemão argumentou que som ente Deus pode concretizar seu reino e
assim o fará, e que Deus deve ser entendido com o “poder do futuro” que irrompe na
história impelindo-a para um a nova era de paz e justiça que só pode ser prevista por
quem faz parte da história. Embora evitasse rigorosamente o literalismo escatológico,
Moltmann acreditava que a igreja devia resgatar a ideia da majestade escatológica de
Deus. Para ele, a história chegará ao término em Deus e a ressurreição de Jesus Cristo
é a garantia disso. Ela é a prolepse (antecipação concreta) do reino de Deus, quando
todos os mortos se levantarão e as promessas divinas do novo paraíso e nova terra
serão cumpridas. A grande novidade de Moltmann foi identificar Deus com o poder
ou o “impulso” do futuro. Em obras posteriores, com O deus crucificado (1974) e A
trindade e o reino (1981), ele não deixou nenhum a dúvida de que também considerava
Deus trino, uno e pessoal, mas continuou a identificar a pessoa de Deus mais com a
futuridade do que com a origem temporal da natureza e da história.

Wolfhart Pannenberg conquistou a fama subitamente com a publicação de sua


cristologia: Jesus: Deus e homem (1964). Nela, afirmou o caráter verificável do evento
histórico da ressurreição corpórea de Jesus Cristo, o que era considerado impossível
ou mitológico pela maioria dos teólogos alemães da era moderna. Em uníssono
com Moltmann, Pannenberg interpretou a ressurreição de Jesus com o um evento
escatológico – a prolepse do futuro reino de Deus quando Deus finalmente revelará
sua divindade e majestade e será “um em todos”. Em escritos posteriores, com o A
teologia e o reino de Deus (1969) e A ideia de Deus e da liberdade humana (1973), o
pensador luterano alemão expressou ideias bastante radicais a respeito do futuro de
Deus e inclusive alegou que “Deus ainda não existe”. Essas declarações não devem ser
entendidas erroneamente. Para Pannenberg, Deus existe plenamente na eternidade,
mas, para o mundo, Deus existe no futuro e também no presente som ente se o poder
de sua majestade futura irromper na história antes do tempo. O mesmo podia ser dito
a respeito da doutrina escatológica de Moltmann sobre Deus. Para os dois teólogos
escatológicos, Deus não precisa do mundo para ser o que é, mas decide se relacionar
com o mundo para percorrer a história junto com ele. Pannenberg fala claramente que
Deus se realiza com e pela história mundial, sem se tornar dependente dela. Porém, em
nossa experiência humana finita, Deus parece “ainda não” existir porque sua majestade
é escatológica.

189
O apelo da teologia escatológica, para muitos jovens pensadores protestantes
nas décadas de 1970 e 1980 encontra-se em oferecer uma alternativa tanto ao teísmo
cristão clássico, com seu Deus estático que a tudo controla, quanto à teologia do
processo, com seu Deus impotente e em desenvolvimento. A teologia escatológica
era um novo paradigma por considerar o relacionamento de Deus com o mundo.
Esse paradigma se baseia na autolimitação divina pela qual Deus decide livremente
permitir que o mundo da natureza e da história o afete, sem perder a majestade sobre
ele. A existência de Deus não é consumida no relacionamento com o mundo. Mas
com o Deus criou o mundo e lhe deu liberdade, precisa operar nele sem dominá-lo.
E essa a solução que a teologia escatológica oferece para o problema do mal: males
com o holocausto acontecem porque o mundo ainda não é o reino de Deus. Deus
oferece à história humana sua própria liberdade e sofre com e por ela com o poder de
sua futuridade, pelo magnetismo do amor e pela prolepse poderosa. Deus, do futuro,
envia Jesus Cristo e o Espírito Santo para o mundo, para demonstrar seu amor e
libertar as forças espirituais de esperança na correnteza da história humana. No fim,
Deus virá ao mundo e anulará todo o pecado e mal e aqui habitará. Vários críticos,
sob diversas perspectivas, já levantaram objeções à teologia escatológica. Os que
assumem um a posição mais liberal (com o os teólogos do processo) consideram-na
muito sobrenaturalista e questionam por que Deus não intervém do futuro para pôr fim
a males com o holocausto uma vez que ele pode. Além disso, consideram mitológica
a aceitação, pela teologia escatológica, da ressurreição de Jesus Cristo e da realidade
de Deus com o trino e uno na eternidade. Para eles, essa ortodoxia crítica não é
suficientemente crítica. Os teólogos conservadores, sobretudo os fundamentalistas,
consideram a teologia escatológica muito crítica e pouco ortodoxa. Nem Moltmann
nem Pannenberg endossam a inerrância bíblica ou uma interpretação literalista das
origens ou do final dos tempos. Além disso, tendem fortemente ao universalismo,
embora nenhum chegue a apoiá-lo completamente.

FONTE: OLSON, R. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 624-627.

190
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• A Teologia Ecumênica convoca cada igreja cristã a rever sua própria história, não sob
o prisma de sua profissão de fé, mas do cristianismo conforme o evangelho.

• A expressão “Diálogo Intercredal” que consiste em uma Teologia possível entre as três
grandes Tradições Religiosas cuja fé encontra fundamentos na pessoa de Abraão,
personagem da Bíblia Judaica, Bíblia Cristã e do Alcorão Sagrado.

• O caminho da coexistencialidade e/ou saber viver e conviver com o diferente na


cultura e na fé.

• A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o Humano e o Planeta,


nossa Casa comum.

191
AUTOATIVIDADE
1 A Teologia Ecumênica, a cada dia que passa, vem sendo desenvolvida a partir das
igrejas cristãs. Quanto à Igreja Católica Romana, que ainda não faz parte do Conselho
Mundial das Igrejas, publicou um documento durante o Concílio “Ecumênico” Vaticano
II (1962-1965) com orientações práticas para o ecumenismo na perspectiva católica.
Sobre este documento é verdadeiro afirmar.

a) ( ) É uma Constituição Dogmática que tem por título Unitatis Redintegratio.


b) ( ) É uma Constituição Dogmática que tem por título Pastor Aeternus.
c) ( ) É um Decreto que tem por título Unitatis Redintegratio.
d) ( ) É um Decreto que tem por título Pastor Aeternus.

2 Quanto a Teologia do Diálogo Inter-religioso, o mediador entre Deus e o Mundo é


Cristo, que pode ser identificado nos cristianismos e nas demais tradições religiosas
com diferentes conceitos e/ou nomes. Assinale a alternativa que aponta para o autor
que defende esta tese.

a) ( ) Claude Geffré.
b) ( ) Raimon Pannikkar.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Karl Rahner.

3 Conforme os estudos realizados quanto ao tema da Teologia Coexistencial, assinale


verdadeiro (V) ou falso (F).

( ) Para compreender a Teologia Coexistencial e/ou buscar Deus, sem a obrigatoriedade


ou urgência de encontrá-lo faz-se necessário o desprendimento de tudo aquilo que
vem desumanizando o próprio humano e uma nova consciência que seja menos
religiosa e mais ética.
( ) A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o próprio Deus revelado
e o planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes a partir dos modelos de
políticas econômicas que foram efetivadas no globo.
( ) A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o humano e o
planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes a partir dos modelos de
políticas econômicas que foram efetivadas no globo.
( ) A Teologia Coexistencial propõe que só salvando a existência talvez um dia
possamos entender e experimentar a essência, o próprio Deus.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.


a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) F – F – V – F.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) V – F – F – F.

192
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ANOTAÇÕES

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