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da Teologia
Indaial – 2020
1a Edição
Elaboração:
Prof. Célio dos Santos Ribeiro
R484h
ISBN 978-65-5663-226-1
ISBN Digital 978-65-5663-223-0
CDD 230
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
História na concepção hegeliana não é nada linear, mas sempre carregada de
movimentos dialéticos que geram algo novo e melhor. Por Teologia, seria ingenuidade
acolhê-la como mero estudo de Deus e não seria suficiente defini-la enquanto estudo
da revelação de Deus. Deus, o Theos é o infinito, é o Mistério a ser experimentado na
existência, por isso pode ser buscado e encontrado na história, na cultura, nas religiões e
nas relações sociais.
Para tal tarefa, você perceberá a sintonia do texto com o pensamento dos autores
citados e outros expressados nas referências bibliográficas. Ainda, esta exposição da
Histórica da Teologia não tem a intenção de esgotar o assunto, mas possibilitar ao
estudante uma noção geral sobre o objeto com possíveis lacunas a serem preenchidas
via pesquisa.
QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
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ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................193
ANOTAÇÕES........................................................................................................................201
UNIDADE 1 -
A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO,
CRISTIANISMO E ISLAMISMO:
CONCEITOS, HISTÓRIA E A
IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS
COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
Acesse o
QR Code abaixo:
2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
TEOLOGIA, O QUE É ISSO?
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados três conceitos tradicionais de teologia. A
teologia enquanto “estudo de Deus”, a teologia enquanto “revelação de Deus” e a teologia
enquanto “busca por Deus”. Os dois primeiros partem da ideia cristã, impossibilitando
qualquer outra afirmação sobre Deus. O terceiro amplia o estudo e o debate teológico.
Deus não está totalmente definido, não há como esgotar o mistério.
São diversas as culturas que recepcionam a ideia de Absoluto, aquele que está
só, que é causa e/ou essência da existência ou “motor imóvel”. Há pensadores — a
exemplo de Jean Paul Sartre — que se calam diante desta ideia, preferem o silêncio. Há
autores — a exemplo de Ludwig Feuerbach, Karl Marx e Sigmund Freud — que negam
qualquer possibilidade de existir um Criador. Mas as religiões expressam até mesmo
nomes, a partir do próprio contexto, ao Absoluto, aclamando-o enquanto Theós, Deus.
3
Deus. Povos que viviam em florestas criaram até mesmo um culto à mãe natureza.
Ainda, povos que viviam em guerras, envolveram Deus em seus conflitos. Vencer a
guerra é ação de Deus e perder a batalha é castigo de Deus. Logo, é a experiência de
transcendência a partir da imanência ou na existência o ser humano define a essência.
Assim, fica nítido que a teologia e/ou a busca por Deus não está limitada ao
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, o planeta já era bem mais extenso em relação à
visão de mundo dos primeiros teólogos judeus, cristãos e islâmicos. China, Índia e a
própria África já haviam iniciado a experiência de buscar por Deus, resultando diferentes
teologias, que culminaram com as profissões de fé afro, hindu, xintoísta, taoísta, budista
e outras.
GIO
É comum a divulgação de cursos de Teologia nos quais a grade curricular é
totalmente voltada para a teologia cristã, teologia judaica ou islâmica. Seria
mais ético que as instituições delimitassem o objeto de estudo na divulgação
do curso de graduação.
4
3 MÉTODO TRANSCENDENTAL DE BERNARD LONERGAN
Na filosofia não há pensador moderno que não tenha tratado sobre a importância
do método. Isto é fato em Descartes, Spinoza, Leibniz, Bacon e Kant, porém, a teologia
ignorou a questão do método por muito tempo.
Um dos autores que trabalhou o tema com profundidade foi Bernard Lonergan
(1975). Ele desenvolveu o método teológico transcendental, visando estabelecer as
condições gerais que são pressupostas para o estudo aprofundado da teologia, isto é, a
formulação e interpretação da busca por Deus e/ou processo de produção da teologia.
Na busca e/ou estudo de Deus, Lonergan divide seu ensaio em duas partes: a
primeira trata da elaboração do método transcendental e a segunda expõe a aplicação
do mesmo à Teologia.
5
Assim, o ser humano pode chegar a uma melhor compreensão de si, indo além
do senso comum, da teoria da interioridade e do âmbito em que Deus é conhecido e
amado. Dessa forma, Lonergan estabelece o movimento de autoconsciência e deste
deduz quatro regras para o método transcendental: “sê atento, sê inteligente, sê
razoável, sê responsável” (LONERGAN, 1975, p. 43).
Para Clodovis, para se fazer teologia, o pesquisador deve dividir o seu trabalho
em quatro partes: técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar de lado a ótica
da libertação. Além desse direcionamento, aponta outros como: consciência ecológica,
étnica, feminista e inter-religiosa.
Por não estar limitada à pura facticidade, a teologia indaga o fático pelo seu
ser verdadeiro. Em outras palavras, o pensamento teológico não se contenta como
as coisas estão ou são definidas, sempre está no processo de busca, expressado pela
linguagem humana e com categorias humanas.
7
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• O pesquisador tem como tarefa recolher dados sobre a relação humana com o divino
e interpretar o significado do objeto em questão.
8
AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, quanto para o
Cristianismo e Islamismo as concepções tradicionais de teologia estão relacionadas
com a ideia de um Deus que se revela, podendo o teólogo partir da revelação ou não
para elaborar a pesquisa. Assim, na elaboração da pesquisa teológica, o teólogo pode
seguir dois caminhos e/ou métodos especificados a seguir?
2 De acordo com os estudos realizados até agora, são visíveis as diferenças entre
os métodos teológicos dos autores Bernard Lonergan e Clodovis Boff, assim, é
verdadeiro afirmar:
9
10
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS
NO JUDAÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, o objeto é a história da busca por Deus no judaísmo. Para isso,
será enfatizado o processo de construção da identidade judaica a partir dos conflitos
vivenciados pela história dos hebreus, fortemente marcada pela vontade e luta por um
território. Disso brotou o vínculo da religião dos hebreus com a política administrativa
do território conquistado constantemente ameaçado por povos mais preparados
militarmente.
11
conhecimento biológico. São relatos numa linguagem simples e figurada, adaptada às
inteligências de um povo em desenvolvimento, são verdades fundamentais necessárias
ao conhecimento possível sobre Deus, bem como a descrição popular das origens do
gênero humano.
Ninguém ignora que as tradições populares, em geral, são imprecisas. Sua função
primeira é embelezar os heróis e ofuscar os inimigos. Esse processo literário pode ser
identificado nos mais antigos textos do Judaísmo, que posteriormente foram utilizados pelo
Cristianismo e Islamismo para a elaboração da teologia própria destas tradições.
Este longo processo de redação tem sido estudado por diferentes linhas
teológicas, com resultados satisfatórios, reconhecendo quase unanimemente, por
exemplo, no texto da Torah e/ou Pentatêuco, a presença de quatro fontes ou documentos
principais: a fonte Javista (J), a Eloista (E), a Deuteronomista (D) e a Sacerdotal (P).
12
Um momento histórico de suma importância para o processo de edição da
Teologia Judaica foi a destruição de Jerusalém e do seu Templo, em 586 a.C., pelos
babilônios (Segundo Livro dos Reis, 25, disponível na bíblia judaica e na bíblia cristã), um
século e meio após a destruição da Samaria e do reino do norte (aniquilado em 722‑720
a.C. pelos assírios). Foi um marco histórico fundamental para a compilação da Torah e/
ou livro da Lei, fonte fundamental para o discurso teológico do Judaísmo.
13
2.1 A LEI DO SÁBADO
No ambiente babilônico, uma cultura diferente — interpretada como pagã —
os judeus sentiram a necessidade, também por motivos nacionalistas, de reforçar a
observância religiosa do sábado, cuja origem cultual se situa na antiga Mesopotâmia.
Assim, a reunião litúrgica no 7º dia, durante a qual professavam a fé no Deus dos
patriarcas e da Aliança realizada com Moisés no Sinai. Dessa forma, enfatiza uma teologia
da esperança do retorno à terra dada por Deus (Livro do Gênesis, 2,2‑3, disponível na
Bíblia judaica e bíblia cristã). Assim começou a sinagoga, substituindo o templo.
3 NEOJUDAISMO
Atualmente não há dúvidas, devido à sucessão de catástrofes históricas do povo
hebreu, que foi gestado um novo judaísmo e/ou recuperação parcial da experiência
religiosa durante e após exílio na Babilônia, incluso uma nova teologia judaica.
14
ATENÇÃO
O que é sabido da teologia pré-deuteronomista é um parecer da própria
fonte deuteronomista, que confirma a existência histórica de uma tradição
judaica com uma teologia própria, com forte apologia ao monoteísmo.
15
3.3 A TEOLOGIA NOS ESCRISTOS PROFÉTICOS
No pré-exílio, a teologia dos profetas estava relacionada com a ameaça, durante
o exílio será de consolação. Assim, o profeta‑sacerdote Ezequiel, deportado já após a
primeira tomada de Jerusalém (597 a.C.), após uma primeira fase de ameaças (Livro de
Ezequiel 7, disponível na bíblia hebraica e cristã), procurou sustentar a esperança dos
exilados com as promessas admiráveis de um novo tempo, com uma nova realidade
política, econômica e religiosa.
Pouco antes do fim do exílio (538 a.C.), a teologia de Ezequiel expressa a voz
inflamada de um personagem teológico intitulado de Deutero‑Isaías (Livro de Isaías,
40‑55 disponível na bíblia hebraica e bíblia cristã), que percebeu nas vitórias de Ciro, rei
da Pérsia, os sinais da próxima libertação e/ou redenção do povo hebreu.
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Nos textos atribuídos a Neemias, há um procedimento normativo oposto aos
casamentos mistos (Livro de Esdras, 10, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã),
observância do sábado e a exigência de taxas para o culto (Livro de Esdras, 13, disponível
na bíblia judaica e bíblia cristã).
GIO
O javismo ou javista, ao lado da eloísta, deuteronomista e sacerdotal, é
uma das fontes da Teologia Judaica que deu origem ao Texto Sagrado
denominado de Torah e/ou Livro da Lei. Do ponto de vista teológico,
“esta fonte constitui um documento único, no qual se descreve a
condição humana inspirando-se no estilo de vida do povo hebreu por
volta do século X a.C.” (GARCIA LOPES: 2006, p. 276).
17
Quanto a Eclesiastes (300 a.C.), nota-se que o seu pessimismo e a sua insistência
na vaidade das coisas humanas, no absurdo de tantas situações da vida, na insatisfação
mesmo das situações chamadas felizes, preserva-se a fé do povo hebreu em Deus – um
Deus, aliás, poucas vezes mencionado, a quem a teologia judaica se refere em termos
mais de conformista que de confiança. Em Eclesiastes ainda não contempla, como
no Livro de Daniel, Segundo livro dos Macabeus e o livro da Sabedoria, a teologia da
retribuição em outra vida.
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No primeiro, devido à necessidade de assegurar um correto entendimento dos
textos sagrados, exigia-se completar os mandamentos com toda precisão e proteção.
Assim, quando não se dispunha de um texto que havia sido perdido em determinado
momento da história, se recorria à analogia e/ou à interpretação de mestres reconhecidos
pelo judaísmo, via costumes ou precedente admitido.
Assim, se a teologia judaica levou cerca de mil anos para ser escrita e fixada
(Do século X a.C. até a promulgação do Cânon de Jâmnia, entre 90 e 105 d.C.), quase
outro tanto foi o tempo da formação e crescimento das tradições orais que ligam
Abraão ao aparecimento dos primeiros escritos‑fontes da Torah e outros escritos, para
posteriormente serem definidos os dogmas do Judaísmo.
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5.1 ESCOLA DE HILLEL
Hillel, um sábio que viveu no período herodiano na primeira metade do século I.
De origem babilônica, não foi seduzido pela teologia de caráter messiânico. Possibilitou
as condições para o controle racional da Torah.
20
IMPORTANTE
Uma testemunha da divisão tríplice do cânon hebraico é Flavio Josefo,
fariseu e historiador judaico que testemunhou a queda de Jerusalém em
70 d.C. “Eram apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados
nas três divisões do cânon massorético” (MANZANARES, 1995, p. 93).
21
NOTA
O termo Torah pode ser usado para se referir à Bíblia Hebraica ou,
simplesmente “Escrituras”, que é composta por três partes: a Torah
(O Pentatêuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio),
os Nebiim (Os Profetas: Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias,
Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias) e os Ketubim (Os escritos: Salmos,
Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes,
Ester, Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas).
• Mesmo com a insegurança das fontes, o que fica fora de dúvidas é que a Teologia
Judaica foi marcada pela forte relação entre poder e religião, ficando difícil definir o
que é religioso e o que é profano. Inicialmente, Deus foi definido a partir do discurso
do patriarcado de Abraão e Moisés, a seguir pelos denominados Juízes e depois pelos
Monarcas e Rabinos.
• Mesmo com os entraves históricos, o judaísmo revela Deus, Aquele que é, conforme
as escrituras, totalmente mistério, algo que o torna difícil para qualquer tentativa de
aproximação mediante uso da razão.
23
AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, onde Deus pode ser
encontrado?
2 De acordo com os estudos realizados até agora, o Judaísmo elaborou uma Teologia
da Esperança a partir do conceito de “Messias”. Assinale a afirmação verdadeira:
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UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS
NO CRISTIANISMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a evolução histórica da teologia cristã, ressaltando
o processo de desprendimento do Cristianismo em relação ao judaísmo até a definição
da Teologia da Trindade.
25
Dessa perseguição resultou a origem de comunidades mistas, contendo
seguidores do judaísmo ortodoxo e de judeus que aderiram ao seguimento de Jesus de
Nazaré, aclamado como o Cristo, o Messias anunciado pelas escrituras. Era a terceira
profissão de fé no Messias.
Esse grande interesse pelo tema da revelação tem diversas causas. As primeiras
gerações cristãs estão ainda sob o impacto da grande manifestação de Deus na pessoa
de Jesus, o Cristo. As consideradas testemunhas e/ou apóstolos, vivem e proclamam o
anúncio da salvação: “O Reino de Deus está próximo”.
26
por Jesus de Nazaré. No contexto, um dos maiores problemas na teologia cristã é
evidenciado, isto é, o da relação entre Teologia Judaica e Teologia Cristã e/ou os textos
denominados de Antigo e Novo Testamento.
IMPORTANTE
Herege é aquele que defende uma doutrina contrária. Já no início do cristianismo o debate
teológico e filosófico foi intenso. Geralmente, se o teólogo estava mais próximo do bispo de
Roma, sucessor do apóstolo Pedro, o considerado Papa pelo catolicismo, era considerado
apologeta da verdade e outros eram definidos enquanto hereges. Sinal que na
história o poder político-religioso tem força para definir até mesmo quem é Deus.
Partindo deste ponto de vista, o apóstolo Paulo foi considerado um herege pelos
judeus, assim como O Giordano Bruno, Galileu Galilei, Leonardo Boff e Hans
Küng, perseguidos e punidos pelo poder político-religioso.
27
3 O DEBATE TEOLÓGICO NO CRISTIANISMO
Um dos primeiros debates ou controvérsias na teologia cristã envolvendo a
questão de Deus-Trindade foi em torno da doutrina de Arius, bispo de Alexandria no
Egito, entre 250 – 336. Para ele não há uma igualdade essencial entre a pessoa de
Jesus e Deus que os torne iguais, definindo Jesus apenas um homem. O Concílio de
Niceia, em 325 condenou Árius por heresia.
Segundo esta teologia, Deus atuou como Pai ao criar o mundo, o mesmo atuou
como Jesus que morreu na cruz e atua na história como Espírito. O principal oponente
de Sabélio foi Tertuliano, que chamou a doutrina de Sabélio de patripassionismo, isto
é, Deus Pai, na afirmação de Sabélio, havia sofrido na cruz. Assim, este foi acusado
de herege.
28
Santo procede do Pai e do Filho, enquanto o catolicismo ortodoxo no oriente ficou com
a forma: o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho. A questão foi resolvida, selando o
cisma entre cristianismo ocidental e oriental em 1054.
ATENÇÃO
Subordinacionismo é a heresia de Ário, século III, segundo a qual o Filho e
o Espírito Santo estariam subordinados, em relação desigual, ao Pai, não
possuindo de forma idêntica a mesma natureza; ou então seriam criaturas
excelsas, mas apenas adotadas (adocionismo) pelo Pai em sua divindade.
O Concílio de Niceia, em 325, condenou o arianismo (FRANGIOTTI, 1995).
29
A teologia clássica grega em torno da questão da Trindade, teve três principais
representantes:
Assim, o Filho procede do Pai como o raio se irradia do Sol. Foi ele quem
abriu caminho para a expressão dogmática cristológica da união hipostática das
duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina. Os milagres de Jesus revelam sua
divindade, os sentimentos e a paixão sua humanidade.
30
4.2 TEOLOGIA CLÁSSICA LATINA
A teologia trinitária latina parte da natureza (substância única, é a graça e união
em Deus) divina, igual nas três pessoas. Esta natureza divina é espiritual; por isso possui
um dinamismo interno. O espírito absoluto é o Pai, a inteligência é o Filho e a vontade o
Espírito Santo.
Assim, Deus não seria Trindade em si, seria um e único. Segundo Fragiotti
(1995), Sabélio foi condenado por heresia. A teologia latina sobre a Trindade teve
grandes representante. A exemplo de Agostinho de Hipona, Tomas de Aquino e João
Dunus Scoto.
Até o livro VII expõe o dogma trinitário. Agostinho investiga a Trindade, que é
Deus, nas realidades eternas, incorpóreas e imutáveis, cuja perfeita contemplação será
a vida bem-aventurada que não pode ser senão eterna.
Para ele, a existência de Deus não é proclamada somente pela autoridade dos
textos sagrados, mas por toda a natureza, inclusive a comunidade criada à imagem e
semelhança do Criador. Essa questão pode ser encontrada mais precisamente no Livro
VI, onde Agostinho ressalta que sua sabedoria é uma substância incorpórea e uma luz
que permite que se veja o que os nossos olhos carnais não conseguem ver.
31
No capítulo IX, o autor delimita o ato de procurar e encontrar Deus como
procedimentos a serem adotados neste desafio humano, completando fé e razão que
culminam com a afirmação na qual Deus é “Aquele a quem o bem nada falta” ou como já
havia afirmado nas Confissões, capítulo XIII: “Tu que és o bem não te falta nenhum bem”.
Após refletir acerca de passagens bíblicas sobre o apóstolo Paulo sobre a palavra
espelho (Primeira Carta aos Coríntios 13, disponível na Bíblia Cristã), afirma:
32
a) A primeira prova e/ou primeiro motor, tudo aquilo que se move é
movido por outro ser. Este para ser movido necessita também ser
movido. Se não houvesse um primeiro ser movente, cairíamos em
um processo indefinido. Logo, é necessário admitir a existência
de um Ser que não seja movido, o próprio Deus;
b) A segunda prova e/ou causa eficiente, todas as coisas existentes
no mundo não possuem em si a causa eficiente de suas
existências. Devem ser consideradas efeitos de uma causa.
Logo, é necessário admitir a existência de uma causa eficiente,
fonte da sucessão de efeitos, o próprio Deus;
c) A terceira prova e/ou ser necessário e ser contingente, é um
argumento variante da segunda prova. Todo ser contingente do
mesmo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas
que existem podem deixar de ser, então, em algum momento,
nada existiu. Mas se assim fosse, também no atual momento,
nada existiria, pois aquilo que não existe somente começa a
existir em função de algo que já existia. Logo, é necessário admitir
a existência de um ser que sempre existiu, um ser absolutamente
necessário, que não tenha fora de si a causa de sua existência,
que seja a causa da necessidade de todos os seres contingentes,
o próprio Deus;
d) A quarta prova e/ou graus de perfeição, está em relação à
qualidade de todas as coisas existentes. Há graus diversos
de perfeição. Estabelecemos que tal coisa é melhor ou mais
bela, mais poderosa ou mais verdadeira que a outra. Se uma
coisa possui mais ou menos determinada qualidade positiva,
isso supõe que existe um ser com o máximo dessa qualidade.
Logo, devemos admitir que existe um ser com máximo de
bondade, beleza, poder e verdade, sendo um máximo e pleno, o
próprio Deus.
e) A quinta prova e/ou finalidade do ser, está relacionada a finalidade
das coisas. Todas as coisas brutas que não possuem inteligência,
estão cumprindo uma finalidade. Logo, devemos admitir a
existência de um ser dirige todas as coisas naturais para que
cumpram cada uma de suas finalidades, o próprio Deus.
33
Ainda, segundo Immarrone (2003), não satisfeito, Scoto rebate a ideia de
essência necessária para afirmar a existência porque o infinito é uma ideia derivada da
própria ideia de finito, isto é, o infinito é transcendental, abismo e liberdade, impossível
de ser compreendido pela razão, podendo portanto, o humano expressar o desejo de
amar não um bem qualquer e passageiro, mas o Bem Infinito, o próprio Deus.
DICA
Para um melhor aprofundamento sobre João Duns Scoto leia: IMMARRONE.
L. Giovanni Duns Scoto, metafisico e teologo le tematiche fondamentali
della sua filosofia e teologia. Roma: Miscellanea Francescana, 2003.
GIO
O termo grego perikoresiV (pericoresis ou girar ao redor) é utilizado
para designar a comunhão ou a recíproca efusão de amor entre os três
eternos amantes. No latim foi traduzido por circuminsesseio (de circum,
equivalente à “em redor” e ou “estar sobre ou dentro” e ou coabitação) ou
circumincessio (incidire e ou avançar). A palavra quer designar a verdade
da Trindade, fazendo a ligação entre a unidade e a Trindade, isto é, a
comunhão existente no Pai-Filho-Espírito Santo.
34
4.3.1 Teologia da reprodução do modelo de vida comunitária
judaica no cristianismo à luz da trindade
A partir da Galileia – enquanto ambiente teológico – os primeiros cristãos
instituíram com seus discípulos uma forma de vida comunitária que não era novidade
aos hebreus do primeiro século. Esta mesma estrutura foi acolhida no decorrer dos
séculos e também assumida por seguidores diversos, buscando atingir a perfeição
e/ou aguardar a parusia, o final dos tempos, porque “O reino dos céus está próximo
[...] Arrependei-vos porque é chegado o Reino de Deus” (Evangelho de Mateus, 3 e 4,
disponível na bíblia cristã).
GIO
Qumrã, local habitado por judeus essênios, nas proximidades do Mar
Morto, atualmente entre Jordânia e Israel, provavelmente surgiu após a
queda de Jerusalém no ano 70 d.C. Foi uma comunidade, muito preocupada
em preservar o judaísmo sem a profissão de fé nos Messias Jesus de
Nazaré e Bar Kochba, mas preservavam a fé na vinda de aCuriosamente,
“foi um pastor de nome Muhammed que em 1947 encontrou talhas de
barros contendo manuscritos do Antigo e Novo Testamento” (HORSLEY;
HANSON, 1995, p. 40).
Em Qumrã havia um conselho formado por doze homens e três sacerdotes que
formavam um organismo mais elevado no âmbito da assembleia. Os paralelos entre a
Assembleia de Qumrã e a Multidão dos Cristãos de Jerusalém são evidentes.
35
4.3.2 Busca por deus no deserto
O que há no deserto a não ser o nada e a necessidade de buscar o que está
distante, o infinito? Foi o que fizeram os denominados “monges do deserto”. Eram
cristãos influenciados por experiências iguais aquela encontrada em Qumrã.
Na primeira metade do século IV, com a falsa liberdade concedida aos cristãos
por Constantino (313 d.C.), a instauração de comunidades cristãs, a exemplo daquela de
Qumrã, foi em demasia.
Segundo Gomez (1992) foi Eusébio de Cagliari, bispo de Vercelli, falecido em 371,
o primeiro a introduzir o estilo de vida cenobita no ocidente. Quando no ano 345 foi eleito
bispo de Vercelli, realizou com seus clérigos, aquele ideal de vida comunitária que não era
somente coabitação, mas também comunhão de culto, de fé, de caridade e de bens.
[...] muitos de vós conheceis, por ter lido a Sagrada Escritura, como
queremos viver e como vivemos graças à misericórdia de Deus.
Contudo, para que recordeis, ser-vos-á lido o texto mesmo do livro
dos Atos dos Apóstolos, a fim de que possais ver onde está descrita
a forma de vida que queremos cumprir. Quero ver-vos atentos
enquanto dura a leitura, para falar-vos depois dela e com a ajuda do
Senhor, sobre o que eu vos tinha prometido (AGOSTINHO apud BOFF,
1988, p. 185).
Essa maneira de viver não era obrigatória para todos os clérigos, porém, aos
que voluntariamente a aceitavam, Agostinho impunha a observância dos preceitos de
Cristo como obediência ao bispo, ou seja, a castidade e a atitude evangélica de não
possuir nada de próprio, vivendo cada um do que a comunidade podia oferecer e que se
distribuía conforme as diversas necessidades:
36
Quem quiser ter alguma coisa privada e viver dela, agindo contra
nossas normas, é pouco dizer que não continuará comigo; não
continuará nem como clérigo. É verdade: havia dito, e estou consciente
disso, que se não quisessem assumir comigo a vida comunitária, não
lhes tiraria o clericato, o qual poderiam manter, vivendo sozinhos e
servindo a Deus como quisessem. Contudo, coloquei-lhes diante
dos olhos o grande mal que significa decair do propósito. Preferi Ter
coxos a chorar mortos. Com efeito, quem é hipócrita, está morto. A
quem encontrar vivendo na hipocrisia, a quem achar possuindo algo
privado, não lhes permitirei fazer testamento, mas o riscarei da lista
dos clérigos (AGOSTINHO apud BOFF, 1988, p. 194).
Tal gênero de vida assumido por Agostinho e por seus discípulos subsiste, ainda
hoje, embora que no decorrer dos tempos tenha ficado influenciado por superestruturas
nos moldes de micros, médias e grandes empresas multinacionais (Atualmente, no
Brasil, as principais empresas que exploram o mercado — editorial, clínico e educacional
— estão concentradas nas mãos e no poder de Congregações ou Ordens Religiosas que
se consagraram com a força da filantropia e muito capital).
Segundo Boff (1984), há uma circulação total da vida e uma coigualdade perfeita
entre as Pessoas da Trindade, Deus dos cristãos, sem qualquer superioridade de uma
à outra.
37
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO CRISTIANISMO?
É fato que após a queda de Jerusalém, no ano 70 d.C., os judeus foram
submetidos a um novo exílio, mas preservaram sua identidade enquanto povo, o
monoteísmo e seus textos sagrados em hebraico.
5.1 O QUERIGMA
Não foi um texto escrito, mas constituiu no Anúncio dos acontecimentos históricos
ou deutero-históricos relacionados a pessoa de Jesus e o significado soteriológico que
lhe foi atribuído com referência aos escritos proféticos da Bíblia Hebraica.
38
INTERESSANTE
O cristianismo não surgiu enquanto religião do livro. O ponto de partida
da fé cristã foi a partir da profissão de fé na pessoa de Jesus. Os fatores
decisivos foram as pregações dos seguidores que encontram na pessoa
de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Messias anunciado, prometido na Bíblia
Hebraica, que confirmava o messianismo.
5.2 OS EVANGELHOS
No denominado Novo Testamento da Bíblia Cristã, foram acolhidos enquanto
sagrados, os Evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João. O primeiro apelara para a
tradição oral como tantos outros autores antigos. Já Lucas se revela enquanto teólogo e
historiador e serviu de fonte para o Evangelho de Mateus, provavelmente ao Evangelho
de Tiago e, ao Evangelho de Tomé e ao Evangelho aos Hebreus.
O que há de comum nestes textos? Todos foram utilizados como textos sagrados
no início do cristianismo entre os séculos II, III e IV, porém, a quem foi dada a missão de
afirmar estes que são considerados sagrados e aqueles que são apócrifos?
39
Na Carta, Jesus é aclamado enquanto Messias, o Cristo, em apenas cinco
momentos (Carta a Barnabé, 1,1; 2,6; 12, 1; 12,10-11). Ainda, poucas vezes é chamado
de Senhor.
Na mesma carta fica nítido o amor de Jesus pelos cristãos; que com sua morte,
Jesus exclui da história todos os rituais relacionados aos sacrifícios judaicos. Define a
cruz enquanto cumprimento das profecias da Bíblia judaica.
ATENÇÃO
Surgiram as expressões “Código e Cânon”. O termo deriva do grego Kanôn,
que designa uma vara de junco, um caniço empregado para medições; daí
o significado de medida, ou, figuradamente, de norma ou regra. Os termos
foram demasiadamente utilizados pelo cristianismo primitivo e medieval
para delimitar as diversas listas de livros sagrados. Isso comprova que
a Bíblia Cristã não foi confeccionada como ela é publicada atualmente.
A história revela grandes divergências quanto ao assunto se um livro é
sagrado ou apócrifo.
Sobre o Código de Muratori, Bruce (2011) afirma que recebeu este título devido
ao bibliotecário, um sacerdote italiano chamado Ludovico Antonio Muratori, que o
encontrou na Biblioteca Ambrosiana de Milão, no século XVIII. Muratori publicou seu
achado em 1740.
40
Segundo Trevijano (1996), o livro O Pastor de Hermas também foi classificado
pelo Código Claremontano do século VI, o qual ressalta o livro Atos dos Apóstolos e a
Carta aos Hebreus.
6 O CÂNON BÍBLICO
Em teologia, você já sabe que canôn é a lista dos livros pertencentes à Bíblia.
A partir do século IV d.C. os escritores cristãos começam a empregar as palavras
“kanonizómena” ou “kanoniká” para aqueles livros que “regulamentavam” a fé e os
costumes cristãos, sendo por esse motivo arrolados no catálogo das Escrituras Sagradas.
Assim, o cânon é o elenco, estabelecido pelas lideranças cristãs, dos livros que devem
normatizar a fé e a vida dos cristãos.
41
6.1 CÂNON DA ÁFRICA
O primeiro catálogo oficial dum sínodo que enumera todos os livros do cânon
atual é o sínodo de Hipona, na África, do ano 393. O Papa Inocêncio I, em 405, enviou
um catálogo igual ao bispo do sul da França, Eusébio.
42
Esdras está depois dos três livros de Macabeus e o Terceiro Esdras vem após Neemias.
A maioria das igrejas protestantes, que surgiram após século XV, concordaram com
Lutero na rejeição dos livros deuterocanônicos. Quanto ao Novo Testamento, não há
divergências entre católicos, gregos, russos e protestantes.
Primeiro são elites religiosas que o seduzem a usar seu poder de messias para
livrar-se da cruz. Em seguida, os soldados aludem ao seu poder político, instrumento
capaz de libertá-lo da morte. Por último, um dos ladrões se aproxima para que o também
crucificado lhe garanta a mera sobrevivência. Mas, completam-se o “Ser Filho” em Jesus
e o “Ser Pai” em Deus, quando, numa situação dramática de abandono, Jesus morre...
com as palavras: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”, ou seja, entrega aquele
que foi recebido no batismo.
44
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
45
AUTOATIVIDADE
1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Cristianismo, Deus é
Trindade, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Os Três estão na mesma natureza, são
consubstanciais e por isso há um só Deus. O Concílio Ecumênico Lateranense IV em
1215 expressou a teologia dogmática latina. Considerando os estudos realizados, é
verdadeiro afirmar:
46
3 No cristianismo há diversos textos sagrados, porém na denominado igreja primitiva,
existiu, segundo a tradição um “texto” sagrado denominado de QUERIGMA. Sobre
este é verdadeiro afirmar:
47
48
UNIDADE 1 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS
NO ISLAMISMO
1 INTRODUÇÃO
Chegamos até aqui construindo o conhecimento em torno da História da Teologia
judaica e cristã. Agora, você entrará em contato com outra riquíssima experiência
teológica, na qual Deus também é buscado e encontrado. É a concepção teológica do
Islamismo e/ou islã.
Neste tópico, além da origem e contexto em que o Islã foi gestado, também
serão enfatizados os pontos comuns existentes no islamismo, cristianismo e judaísmo e
as expressões teológicas coincidentes entre elas, por exemplo, o monoteísmo, o mesmo
procedimento de busca, a importância do texto sagrado escrito e a forte ligação entre
comunidade política e comunidade religiosa.
Situada na região do Hegaz está uma das cidades mais importantes da Arábia,
Makka ou Meca, a Honrada. Fecunda para o comércio, foi uma das principais rotas dos
produtos do oriente para o ocidente. Meca, por muito tempo esteve sob domínio do
Império Otomano.
Maomé foi pastor de ovelhas, identidade igual a de Davi, o grande rei do povo
hebreu (Primeiro Livro de Samuel, 16, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã) e um
dos profetas que antecederam a Maomé, segundo o Alcorão Sagrado. Foi criado pelo tio
Abu Talif, mercador.
Devido às viagens com seu tio, entrou em contato com outras culturas, incluso
o judaísmo e o cristianismo. Seu avô era muito influente, comerciante de destaque e
líder religioso na Caaba.
49
Aos 20 anos Maomé prestava serviço à Khadija, viúva e herdeira de um grande
patrimônio. Aos 25 anos, Maomé casou-se com Khadija, passou a administrar os bens
da esposa, permaneceu frequentando a Caaba e realizou viagens pela Síria, vindo a
fortalecer os laços com o monoteísmo existente no Judaísmo e Cristianismo (WALKER,
1998). Maomé e Khadija tiveram quatro filhos, dos quais três faleceram ainda criança,
ficando apenas Fátima.
IMPORTANTE
Os grandes personagens dos textos sagrados no judaísmo e cristianismo pas-
saram pela experiência de exílio. Assim foi com Moisés no Egito, Jesus, já na
infância foi até o Egito, muitos dos profetas viveram no exílio da Babilônia etc.
Com Maomé não foi diferente.
Todavia, em 630, com forte exército, o profeta entra em Meca, toma a cidade e
faz dela um grande centro religioso, cujo culto é dirigido a Deus e/ou Allah. Aos poucos,
Maomé tornou-se líder religioso e político, unificou as tribos da Península Arábica, criando
um Estado, cujo povo passou a professar que Allah é Deus e Maomé o seu profeta.
50
Para Dermenghem (1978), Maomé, melhor que ninguém, conheceu também
as virtudes e os defeitos nas tribos árabes. Inspirado, que nem um dia sequer pensou
vencer sem sob a proteção de Allah, sabia, entretanto, prever o futuro e medir as forças
e as fraquezas do adversário. Apesar de quanto se tenha dito a seu respeito, foi homem
bom e generoso. Sua clemência na tomada de Meca foi mais do que um ato político.
ATENÇÃO
Há muita confusão com a expressão Ummah. É comum a tradução do árabe
por Nação, com limites geográficos. O melhor sinônimo seria Comunidade dos
seguidores de Allah, independentemente do local onde esteja um muçulmano,
ele é membro da Ummah.
A primeira possibilidade para suceder a Maomé era Ali ibn Abi Talib, primo e
genro do profeta, mas o escolhido foi Abu Bakr (632-634), um dos sogros do profeta e
um dos primeiros a se converter ao Islã.
Para a sucessão, Abu Barkr indicou Umar ibn al-Kattab, como segundo califa,
que governou entre 634 e 644. Este foi responsável pela expansão árabe-muçulmana,
conquistando a Síria, a Palestina, o Egito e parte da Pérsia. Com sua morte, foi sucedido
por Uthman ibn Affan (644-656) e foi neste califado que o texto oficial do Alcorão foi
confeccionado e as conquistas árabes ampliadas pelo norte da África e pela Ásia Menor,
além da conquista total da Pérsia.
51
No interior da Caaba está a “Pedra Escura”, tem em torno de 50 centímetros e é a
relíquia mais sagrada para o povo muçulmano. Segundo a tradição islâmica, ficou escura
por causa dos pecados da humanidade, mas quando Abraão a recebeu do Arcanjo
Gabriel, no período de construção da Caaba, era totalmente branca. A Caaba é cercada
por muros e ao lado está a grande Mesquita de Meca, porém, antes do Islamismo, a
Caaba, possivelmente era um centro de observação de astronomia e/ou astrologia e
possível ambiente de culto e/ou observatório científico árabe.
Segundo o Alcorão sagrado, "Abraão jamais foi judeu ou cristão; foi, outrossim,
monoteísta, submisso, e nunca se contou entre os idólatras" (ALCORÃO SAGRADO,
SURATA 3ª, 67). E diz a respeito de Abraão e de Ismael:
E quando Abraão implorou: Senhor meu, faze com que esta cidade
seja de paz, e agracia com seus frutos os seus habitantes que creem
em Deus e no Dia do Juízo Final e Deus respondeu: Também aos
incrédulos agraciarei um pouco; mas depois serão condenados ao
tormento infernal. Que funesto Destino! E quando Abraão e Ismael
levantaram os alicerces da Casa, exclamaram: Ó Senhor nosso,
aceita-a de nós pois Tu és Exorável, Sapientíssimo. Ó Senhor nosso,
permite que nos submetamos a Ti e que surja de nossa descendência
uma nação submissa à Tua vontade (ALCORÃO, 2ª SURATA, 126-128).
52
O Islã é a submissão e a obediência a Deus. Assim, todo aquele que obedecer
a Deus e agir de acordo com a sua vontade, são seus seguidores, são muçulmanos. Os
profetas e os mensageiros, por obedecerem e se submeterem a Deus, são muçulmanos.
Por isso, os profetas, também personagens da Torah judaica e da Bíblia cristã, são definidos
pela teologia islâmica enquanto seguidores de Allah.
Aqui você pode perceber que a expressão de fé no Islamismo é edificada sobre três
fundamentos: a) A fé em Uno e Único, b) A fé na profecia e c) A fé no mundo da eternidade.
É notável que a fé na profecia e na eternidade está ligada diretamente à fé em
Allah, o Clemente. E aquele que professa a fé em Allah, é envolvido pela fé na profecia e
na eternidade e em tudo o que está em Allah, incluso punições e recompensas.
GIO
Nestas citações do Alcorão Sagrado é possível identificar pontos comuns
entre judaísmo, cristianismo e islamismo pela forte ligação existente entre os
personagens e o Absoluto e/ou Deus.
53
Com a expansão do império islâmico, entre os séculos VII e VIII, não tardou que a
filosofia grega, por intermédio da Síria, chegasse ao mundo árabe. Enquanto o judaísmo
se fechava nas sinagogas e o cristianismo se enclausurava nos mosteiros, o islamismo
surgia para o mundo, tomando para si a herança filosófica dos principais centros de
cultura da época.
De libera (1998), destaca Hunayn ibn Ishaq (808-873) como um dos maiores
sábios e grande tradutor da época. Assim, os principais centros culturais, Alexandria
e Bizâncio, sob domínio muçulmano, tiveram toda cultura migrada para Bagdá,
influenciando a produção teológica islâmica, com demasiado auxílio de melquitas,
nestorianos e jacobitas.
Logo, da mesma forma que o “Motor Imóvel” de Aristóteles servirá de base para
a teologia de Tomás de Aquino durante o século XIII, já no califado de Al-Ma’mun, a
filosofia grega, principalmente Platão e Aristóteles, constituía o paradigma para definir
quem é Deus. Dessa forma, o politeísmo perdia espaço e Deus que já era chamado de
IHWH pelos judeus e TRINDADE pelos cristãos, passa a ser chamado também de Allah
pelos muçulmanos.
4.1 A FALSAFA
A expressão árabe Falsafa é traduzida por filosofia, mas constituiu uma escola
de procedimento filosófico, teológico e hermenêutico ligada ao islamismo. Surgiu em
meio ao processo de expansão do império islâmico, entre os séculos VIII e IX, recebendo
forte influência da cultura religiosa e filosófica estrangeira.
54
Para Giordani (1992), a tratar da Falsafa, ressalta: o deserto foi marcante para
o povo árabe. O deserto é instável, da noite para o dia podem desaparecer estradas.
Por isso, o árabe não pode confiar como os gregos, na uniformidade da natureza. A
instabilidade do deserto obriga a profissão de fé no destino misterioso que constitui a
essência das coisas. Por isso, na concepção islâmica, o mundo e o humano nasceram
com um destino irrevogável diante do qual só cabe dizer “Deus quer”.
Logo, a razão passa a ser um meio para o ser humano conquistar a verdade
independentemente da revelação. Mas não demorou para a Falsafa ser interpretada
como perigo às leis previstas no islamismo, ultrapassando os limites da tolerância
religiosa, chegando ao fim após a morte do filósofo Averróis em 1198.
4.2 A KALAM
O termo usado no islamismo para teologia é a expressão Kalam. Foi uma escola
que surgiu durante o século VIII, devido ao debate teológico com os cristãos e/ou
monges nestorianos e jacobitas.
Assim foi sendo estabelecida uma vasta produção teológica de caráter moral e
dogmática, fortalecendo as verdades de fé para o islamismo e fortalecendo os dados da
revelação e tradição.
4.3 A MUTAZILA
A expressão pode ser traduzida por “isolados”. Foi uma escola teológica que
surgiu em Basra, século VIII, no interior do mundo muçulmano. É a escola oficial dos
islâmicos de cunho sunita.
55
NOTA
Os sunitas são seguidores dos califas abássidas, descendentes do tio do profeta Maomé,
chamado por Al-Abas. Sustentam que o califado pertenceria aos que foram considerados
dignos pelo consenso da Ummah. Segundo Elias (2003), aproximadamente, 85% dos
muçulmanos são sunitas. Seguem a Suna, também livro sagrado que apresenta a
trajetória do Profeta Maomé. Além desse grupo, há a oposição, os xiitas, a minoria,
que não reconhece a Suna, fazem a leitura literal do Alcorão Sagrado e defendem
que o autêntico sucessor de Maomé seria Ali ibn Abi Talib, primo e genro do Profeta.
Com a finalidade de desenvolver uma leitura do Alcorão Sagrado tendo por base
a razão, argumentavam que por meio desta, seria possível separar a revelação autêntica
da fantasia.
56
As divergências entre os Mutazila e os Ashariya derivavam do
diferente entendimento que tinham do poder da razão humana.
Os Ashariya reconhecem que os seres humanos possuem alguma
vontade própria e poder de raciocínio, mas consideram que estas
capacidades humanas são extremamente limitadas quando
comparadas com a onisciência e onipotência de Deus. Os Mutazila,
por outro lado, tinham uma grande fé nos poderes do intelecto
humano e recusavam-se a aceitar que algumas coisas estivessem
para lá do entendimento humano. Ambas as posições se baseiam
na tradição filosófica islâmica, à qual a teologia islâmica foi buscar
muitas das suas ideias (ELIAS, 2003. p. 47).
4.4 O SUFISMO
Sufismo é a tradução da expressão árabe Tasawwuf, derivada de Suf, cujo significado
é “lã”, devido à veste simples utilizada pelos mestres sufis. Seja no judaísmo, quanto no
cristianismo, há movimentos mistagógicos, totalmente voltados para a espiritualidade. No
islamismo, identificamos a experiência do sufismo.
Para Roger Garaudy (1988), o sufismo é a dimensão mística do Islã, que procura
concretizar os ensinamentos do Alcorão Sagrado, a Suna e os clássicos pilares do islamismo.
Segundo o mesmo autor, é verdadeiro afirmar que a espiritualidade dos monges do deserto
do cristianismo, os mestres espirituais do judaísmo, a ascese budista e o gnosticismo de
Alexandria também influenciaram o sufismo.
Sobre o caminho, também são diversos. Pode ser o jejum, a caridade, a recitação
do Alcorão Sagrado, a meditação, o cultivo do diálogo, o silêncio e/ou a busca coletiva
do discernimento espiritual. Assim, o sufi transcorre para a liberdade, encontra paz,
e encontra Deus. Logo, no sufismo parte da existência do ser humano para atingir a
transcendência, o próprio Deus.
57
GIO
Percebeu a relação entre as primeiras comunidades sufis e a comunidade
judaica de Qumrã ou a comunidade narrada no Livro Atos dos Apóstolos,
2 (Disponível na Bíblia Cristã). Ainda, a relação do sufismo com as Ordem
de São Francisco de Assis?
6.2 A SUNA
Não tem a mesma importância que o alcorão sagrado, mas é um documento que
retrata as orientações do Profeta Maomé, preceitos além do alcorão sagrado e virtudes
a serem seguidas pelo muçulmano. É uma fonte posterior, foi o meio encontrado por
Maomé para ensinar os seus seguidores.
59
7.2 SALAT: REZAR CINCO ORAÇÕES DIÁRIAS VOLTADOS
PARA MECA
Todo muçulmano é chamado pela torre da Mesquita. É uma veneração a Deus,
é a submissão ou prostração. É possível fazer em qualquer lugar, mas de preferência
de forma coletiva na Mesquita. Geralmente, na sexta-feira, a comunidade se reúne na
Mesquita para a oração comunitária.
Segundo Geiger (1970), o islamismo deve ser analisado como uma continuidade
para os árabes do monoteísmo herdado do judaísmo e do próprio cristianismo. Há uma
possível influência de uma ramificação posterior da comunidade corânica e de cristãos
ou de árabes monoteístas influenciados pelo judaísmo.
60
8 BUSCA DE PONTOS COMUNS
Então, nesta unidade os objetivos a serem alcançados eram, primeiramente,
conceituar o que é Teologia e expor seus aspectos metodológicos, para que fosse
possível perceber que não há construção científica sem método.
Sobre os pontos comuns, é muito oportuna a posição do Papa João Paulo II, quando
discursou aos jovens, em Casablanca, Marrocos, em 19 de agosto de 1985. Disse o Papa:
Cremos no mesmo Deus, o Deus único, o Deus vivo, o Deus que cria
os mundos e leva os mundos à sua perfeição”. Embora se possa
afirmar que cristãos, muçulmanos e judeus creem em um mesmo
Deus, a forma de conceber sua unicidade é diferente. No Judaísmo o
monoteísmo é soteriológico e surge no âmbito da Aliança entre Deus
e o povo escolhido. No Cristianismo, este monoteísmo é mediado por
Jesus Cristo e assumido no seio de uma diferenciação intratrinitária.
No Islã, por sua vez, o monoteísmo é ontológico e dogmático, sem
ligação direta com uma aliança histórica. A unicidade de Deus
está inscrita na natureza original da criação e do ser humano, pois,
segundo o Alcorão Sagrado, Surata 7, 172-173, na pré-eternidade já
se realizou uma profissão de fé nesta unicidade. Por isto, segundo um
Hadi de Maomé, “Todo recém-nascido é muçulmano; seus pais é que
o fazem judeu, cristão, muçulmano” (GEFFRÉ, 2001, p. 92).
61
GIO
Sugestão para aprofundar o assunto estudado:
• BOFF, Leonardo. Definição de Deus. Disponível em: https://bit.ly/3lkWW06.
• TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: a
arte do possível. São Paulo: Santuário, p. 119-221, 2008.
62
LEITURA
COMPLEMENTAR
DO PLURALISMO RELIGIOSO À DIVERSIDADE CULTURAL: A FRANÇA ENFRENTA O
MEDO DA FRAGMENTAÇÃO SOCIAL
Martine Cohen
63
cada um e o declínio da prática religiosa, mas também na possível transformação de
alguns símbolos e celebrações religiosas em festivais seculares ou sinais patrimoniais.
Esses processos de secularização hoje em dia são questionados pela globalização
e pelo crescimento de um Islã radical. Com a globalização, as sociedades ocidentais
desenvolveram relações íntimas com sociedades não-secularizadas a partir de onde
imigrantes podem ou fazer parte do processo de secularização de suas estruturas
nacionais (esse parece ser o caso da maioria deles), ou não. Destarte, símbolos
secularizados como a árvore de Natal, por exemplo, podem agora ser considerados “não
neutros” e relacionados ao seu contexto cristão, como é o caso em vários países do
Ocidente (França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, etc.).
FONTE: Revista de Estudos da Religião setembro, 2010, p. 48-69. Disponível em: https://bit.ly/3jhH5hl.
Acesso em: 3 fev. 2020.
64
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:
• No final, há a busca dos pontos comuns existentes nas três grandes tradições
religiosas aqui analisadas.
65
AUTOATIVIDADE
1 No decorrer dos estudos foram expressos diversos discursos teológicos que ressaltam
a presença de teólogos que investigaram sobre Deus. Ainda, “[...] todas as religiões
devem ser mais sensíveis às exigências do humano. Este patrimônio humano de todos
os seres humanos é um critério ético geral, válido para todas elas em seu conjunto.
Mas as religiões também devem lembrar-se continuamente de sua essência primitiva,
que resplandece em suas origens, em seus escritos canônicos e em suas instituições
básicas. Ao mesmo tempo, deverão estar muito atentas a seus críticos e reformadores,
profetas e sábios, que lhes lembram constantemente as infidelidades [...]” (KÜNG, 1999,
p. 280). Há atitudes nas tradições religiosas estudadas que confirmam a afirmação?
66
UNIDADE 2 —
A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO,
BUDISMO, XINTOÍSMO
E TAOÍSMO: CONCEITOS,
HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO
DOS PONTOS COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
67
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
Acesse o
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68
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR
DEUS NO HINDUÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Percebemos que as experiências religiosas e teológicas e/ou a busca por Deus
no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo percorreram um caminho de dentro para fora,
de forma horizontal e vertical. Foram buscas e definições que resultaram convergências
e divergências. Nestas, Deus é Um e Único, tem um nome, é distante e ao mesmo
tempo próximo.
Ainda, a partir das interpretações teológicas pode ser feita uma releitura de
Textos Sagrados para justificar guerras, fogueiras, inquisições, xenofobias, homofobias e
outros males que nada tem em Deus. Mas as interpretações podem resultar também em
amorosidade, altruísmo, sustentabilidade, comunhão, irmandade, fraternidade, direitos
humanos, coexistência e justiça social.
69
Ao conceituar a Teologia, não ficamos delimitados às orientações de uma
determinada tradição religiosa, ampliamos a ideia de Teologia enquanto estudo de Deus
ou da Revelação de Deus, para afirmar que Teologia é busca pelo absoluto na própria
existência e/ou busca por Deus. Sartre (1978, p. 5) já havia orientado: “A existência
precede a essência”.
NOTA
Em sua famosa conferência de 1946, em Paris, o filósofo Jean Paul Sartre (1905-
1980) apresentou o conceito de “Existencialismo”. Segundo o autor, a essência é
definida pelas suas escolhas, pela interpretação que o ser humano faz do mundo
a sua volta, de suas experiências. Ao ser lançado no mundo o ser humano tem
tudo indefinido, mas tem a liberdade para fazer suas escolhas (SARTRE, 1978).
Ainda, faremos, neste tópico, um resgate histórico da teologia e/ou busca por
Deus no Hinduísmo, que ao lado da religião do Zoroastro, é a mais antiga experiência
religiosa da história. Veremos que a expressão Hinduísmo está relacionada ao rio Sindhu
ou Hindu, situado entre a antiga Pérsia e a antiga Índia.
2 AS VERDADES ETERNAS
Na Índia antiga, aproximadamente, há cinco mil anos, viviam os arianos ou indo-
arianos e tinham como experiência religiosa a Ária Dharma, ou religião dos Arianos.
Também era definida por Manava Dharma ou Religião do Homem. Ainda, há a expressão
Sanatana Dharma ou a Religião Eterna. Os persas chamavam os arianos de povos do
Hindú e a religião deste de Religião dos Hindus. Daí resultou a expressão Hinduísmo.
Por muito tempo estas “Verdades Eternas” foram preservadas pela tradição oral
e ensinadas pelos sábios, pessoas que falavam mais pelo exemplo do que por palavras.
70
ensinamentos recebidos de sábios que o antecederam. Desse trabalho resultou o livro
mais sagrado no Hinduísmo, o Livro dos Vedas, dividido em quatro partes: Rig-Veda,
Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda.
Como gesto de gratidão pelo trabalho realizado por Krishna, ele passou a ser
chamado de Veda Vyasa. Anualmente, os hindus celebram o aniversário deste sábio, é
o dia do guru ou Professor Vyasa.
NOTA
É possível encontrar textos que aclamam Krishna como um Deus. No
Hinduísmo, ele está entre os heróis do passado. É um sábio muito próximo
da expressão “santidade” do cristianismo. Porém, há uma criatura sagrada
denominada de Krishna, ela é a manifestação de Brahma, a suprema
divindade no Hinduísmo.
Todavia, a origem do povo hindu é bem mais antiga que o Hinduísmo, é marcada
por dois períodos históricos da Índia antiga: o período harappeano e o védico. No período
harappeano (aproximadamente entre 3300 e 1700 a.C.), chegaram a desenvolver a
metalurgia e a arte em cerâmica. Nas cidades havia uma organização social, política,
econômica e religiosa. No período védico, (aproximadamente entre 1750 e 500 a.C.) foi
gestado o Hinduísmo.
2.1 A KAMA
O humano é por excelência um ser do prazer, o que para o catolicismo foi
definido por “pecado”, caminho para eventuais impurezas. No Hinduísmo, Kamadeva é
uma ação sagrada que estimula o humano a vivenciar o prazer. Kama está relacionada à
dimensão do amor enquanto Eros e/ou sexual. Kama é o sentimento profundo da erótica,
71
a vontade de dar e receber carinho ao mesmo tempo. Kamadeva é divino, definindo
a erótica enquanto sagrada, bela e parte do humano. Sem o Eros, o humano torna-
se fonte de traumas, incompleto, triste, podendo passar a vida em conflitos diversos e
sendo causa de conflitos. Ainda, na solidão o humano pode substituir o vazio pelo poder,
ganância e outras vaidades.
2.2 A ARTHA
Como viver sem o necessário para a própria subsistência? A Artha não pode
ser entendida enquanto meio de estímulo ao capitalismo, mas enquanto dimensão
sagrada, parte da vida, que propicia o bem-estar. As principais causas do sofrimento
humano estão relacionadas à falta do imprescindível para a vida. Assim, as atividades
profissionais e/ou laborais estão ligadas à religião, recebendo estímulos e valorização.
2.3 A DHARMA
No percurso histórico de cada humano, seja nas relações sociais e vida familiar,
cada um tem suas próprias obrigações. Quando criança, deveres de criança, quando
adolescente deveres de adolescente, quando adulto, deveres de adulto e quando idoso,
deveres de idoso. Cada um tem um sentido próprio. A vida não é um vazio inútil. Cada
humano tem o seu valor, independente da faixa etária ou gênero. Cada humano é único,
com suas habilidades e competências.
A palavra Dharma pode ser definida por “missão do eu” e/ou “a identidade de
cada humano no Cosmo”. O Dharma é o nascimento dentro do espaço e tempo. Ainda,
pelo Dharma explica-se e justifica-se a classe social na qual o humano está.
Assim, aquele que nasceu nas instâncias do poder tem o dever de saber
governar e legislar partindo do princípio que Brahma é perfeito e justo. O agricultor tem
a função pré-estabelecida de cultivar a terra e o sacerdote de aprender e viver os rituais,
sem desejar o poder.
72
2.4 A MOKSHA
Da mesma forma que no Budismo, o hindu confia na possibilidade de um dia
atingir um nível espiritual superior a ponto de dispensar a realidade material, sendo, a
partir desta experiência, desnecessária a reencarnação. No Budismo é a experiência
do Nirvana enquanto no Hinduísmo é a Moksha, porém, não há outro caminho para a
liberdade a não ser a própria existência. Logo, Kama, Artha e Dharma são instrumentos
ou caminho para a Moksha.
O âmago da teologia hindu é o “dever ser”, uma vida de acordo com a moral e a
lei para o processo de libertação no ciclo de reencarnações. A vida tem uma organização
lógica, quase matemática, logo, a experiência religiosa hindu fortalece a tese da
predestinação ou Dharma, no qual tudo está determinado, incluso a possibilidade de
o humano evoluir até um determinado limite, isto é, a iluminação ou santidade, na
perspectiva cristã ou perfeição segundo o Islamismo.
3.1 O KARMA
O Karma é o agir ou fazer. É a ação do humano a partir do seu próprio Dharma.
Incluindo outras experiências vitais do ser humano, o sistema cósmico reage, definindo
o que cada um passa a ser. Na teologia hindu podemos identificar três conceitos
de Karma.
73
3.2 SAMSARA
Pelo conceito de Dharma e Karma, o humano é parte de um sistema que envolve
nascimento, vida, morte e renascimento. É o Samsara, é o ciclo da vida. Enquanto estiver
apegado ao prazer e à matéria, o humano acumula karmas, permanece na imaturidade.
Para atingir a libertação e/ou a maturidade, para migrar do Samsara para a iluminação,
faz-se necessária a intervenção de Shiva, o Senhor dos Crematórios, é o sopro da vida,
“é aquele que vem em auxílio de nossa fraqueza” (Carta aos Romanos 8, disponível na
Bíblia Cristã), é a mesma imagem do Espírito Santo do Cristianismo. É Shiva que desce
no mais profundo da existência humana, é Ele que liberta o humano das trevas para
Brahma, a luz.
• Brahmanes: os iluminados, que era uma minoria, classe social formada por intelectuais,
sábios e sacerdotes.
• Kshatriya: os braços de Brahma, que eram os políticos e militares, que deveriam
seguir as orientações dos brahmanes.
• Vaishyas: as coxas de Brahma, cuja função era cultivar a agricultura e desenvolver
o comércio.
• Sudras: a classe predominante, constituída de artesãos, pequenos camponeses
e operários.
Além das castas, há ainda, os Dalits, os intocáveis. São os que violaram o sistema
de castas em vidas passadas. São aqueles que exercem atividades como limpeza de
esgoto, lixo e manejo dos mortos.
74
Com o final da Primeira Guerra Mundial, em 1917, fortaleceu o movimento
nacionalista através da participação ativa no Partido do Congresso Nacional Indiano,
cujo objetivo era a Independência da Índia, a democracia, a igualdade política entre os
Estados, a tolerância religiosa entre Hinduísmo e Islamismo, as reformas econômicas
necessárias na Índia e o fim do sistema de castas. Gandhi foi o Vaishya que se fez
Dalit, visto que era comum encontrá-lo lavando latrinas, dando o exemplo aos
seus seguidores.
75
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO HINDUÍSMO?
No Hinduísmo contata-se a existência de um forte vínculo entre arte, ciência e a
teologia. O humano deve adaptar-se à ordem natural do cosmo, aceitar a vida e a morte,
admitindo a ideia de absoluto, infinito e finitude.
Até o final do período védico, 500 a.C., era permitido sacrificar animais e comer a
carne, mas com o Budismo e Jainismo foi introduzido no Hinduísmo o princípio da não
violência, evitando efeitos para o kharma. Logo, a ideia de coisa ou experiência sagrada
no Hinduísmo difere de tudo o que encontramos na Unidade 1, incluso o conceito de Livro
Sagrado. São sagrados porque estão relacionados com o humano e própria natureza.
5.1 OS VEDAS
O Livro dos Vedas é o Livro da Sabedoria, um dos mais antigos da literatura
teológica, tendo aproximadamente 4000 anos de existência. É totalmente vinculado ao
transcendente. Disso resulta a dogmática dos Vedas, sua ortodoxia e sistema normativo,
isto é, não recebeu qualquer intervenção humana.
76
A expressão “Veda” significa céu, luz ou sabedoria. Cada Veda, cada ensinamento
é separado em dois momentos: o mantra (samhita) e a interpretação (brahmana). A
literatura védica é composta por quatros livros que compõem uma teologia védica
que está dividida em Rig-Veda, Sama-Veda (A Sabedoria dos Cânticos), Yajur-Veda
(Sabedoria dos Sacrifícios) e Atharva-Veda (Sabedoria dos Sacerdotes).
Os hinos ou mantras formam uma grande coletânea extraída dos grandes sábios
do Hinduísmo, os heróis, personagens iluminados da história e da tradição oral. Muitos
eram sacerdotes, mas nem todos.
O mantra deve ser repetido por várias vezes até a conexão com a energia divina.
É a ligação direta com Deus. Há mantra para a limpeza da mente, prosperidade, amor,
compaixão etc. Por exemplo:
Segundo Keneth Zysk (1985), o Livro Sagrado Rig-Veda faz importante menção
às profissões existentes na antiguidade. Entre elas destacam-se o médico, o marceneiro
e o sacerdote (RIG-VEDA, 1957). Keneth Zysk (1985). Ainda destaca que a medicina hindu
era inseparável da religião.
77
Quanto à medicina, destacam-se a plantas medicinais e o uso da água enquanto
remédio principal ao humano. “A água elimina doenças de qualquer ser vivo... que a água
seja seu remédio para o acontecer da sua felicidade” (RIG-VEDA, 1957, p. 118).
Uma frase muito comum no Livro é “No princípio era Água...” o Germe nascido
na Água é fonte para Brahma, que sai do “Ovo de Ouro” para ser o Criador do Céu, Terra,
Humano... o Germe é um Ovo de Ouro, é brilho, é Luz, irradia vida.
Para Shattuck (2001), esta teologia passou a ser dominante a partir do século
IV, considerando a nova cosmovisão que apresenta a ideia de unificação de tudo e de
todos, muito próxima da ideia de comunhão e consubstancialidade entre imanência e
transcendência no Cristianismo, algo também semelhante na física quântica. Para a
autora o Hinduísmo vem evoluindo. Por exemplo, a questão do dote foi sendo extinta
enquanto ritual, devido às mudanças sociais. Como no universo, no Hinduísmo nada é
estático, tudo é reinterpretado a partir das Escrituras védicas.
78
Seja qual for o texto sagrado, pode ser feita uma leitura para a paz, cuja finalidade
é o crescimento espiritual, podendo fazer um ser humano melhor, mais voltado para o
bem-estar humano, porém, podem ocorrer leituras e interpretações tendo por objetivo
a preservação ou busca do poder, legitimando barbáries, o que foi demasiadamente
utilizado no processo de conquistas de territórios onde estavam culturas milenares.
NOTA
Castas é a classe social, econômica, política e religiosa a qual pertence cada
hindu. No Tópico 4 será mais detalhada esta questão.
Ainda, segundo Garcia-Gallo (1972), o texto sagrado e/ou Smrits tem uma
estrutura lógica, composta por doze livros, que via pesquisa, merecem melhor
aprofundamento, sempre via paralelo com o Livro do Gênesis, texto estruturado durante
o exílio da Babilônia no ano 587 a.C., isto é, posterior ao período védico.
79
Se os hebreus, com a mitologia, procuraram fundamentar a origem do Planeta
Terra e da vida, os hindus fundamentam a origem do Universo, os dois lados da
existência. Fazem uso da expressão “Cosmo”, muito além da ideia de origem de Mundo
ou Terra, expressão clássicas do Gênesis.
Brahma, que não tinha forma (espírito e/ou mistério) fez surgir as
águas cósmicas e nela depositou uma semente... com o tempo a
semente gerou o “Ovo Dourado” e Brahma (que não tinha forma, foi
gerado e não criado) se revela com pele vermelha, quatro braços,
quatro cabeças e oito olhos voltados para os quatro cantos do
universo... ficou um ano cósmico no “Ovo Dourado...” quando o Ovo
se quebrou a casca se tornou a esfera celeste e o interior a terrestre.
Brahma deu forma à esfera celeste... Brahma integrou a Trimurti,
uma espécie de união hipostática, pericorética e/ou comunhão entre
Brahma, Shiva e Vhisnu... Brahma criou uma filha do próprio corpo,
dando origem a Manu, o primeiro homem.
80
5.3.5 Livro V dos Smrits
É dedicado às mulheres e normatiza a submissão do feminino ao masculino,
devendo a esposa obedecer em tudo ao esposo. Ainda, ressalta a importância do
trabalho e rituais de purificação da mente e corpo no ambiente doméstico.
81
5.3.10 Livro X dos Smrits
É uma continuação do Livro IX, sinal que outras normas foram sendo instituídas
no decorrer do tempo e outras sendo contextualizadas, demonstrando o dinamismo do
Direito Hindu. Ainda, tanto no Livro IX quanto no Livro X, a lei penal não é a mesma para
as diferentes “castas”. Há uma interpretação da lei para cada casta e seus descentes.
6 BHAGAVAD GITA
É datado do século IV a.C. Relata a sabedoria de Krishna. É um texto muito
usado para fins de meditação ou práticas yóguicas. Transmite o conhecimento do ser e
orientações para o agir humano.
82
7 QUEM É DEUS NO HINDUÍSMO?
Há diversas interpretações sobre a real identidade de Deus. No Hinduísmo
primitivo constata-se um monismo religioso. Deus é Brahma, o Criador, mas sempre está
em relação e/ou em comunhão com Vishnu (A preservação) e Shiva (a transformação).
Para Hans Küng (2005), no Hinduísmo, Deus é Trindade. É um corpo com três
cabeças, revelando a unidade na Trindade. Brahma, Vishnu e Shiva são os três eternos
que vivem em pericorese. Mas quem é Ganesha? Ganesha é aquele que tem corpo
humano e cabeça de elefante, outra definição de Deus no Hinduísmo.
83
Ainda, cada hindu, além de experimentar Deus Trindade, carrega algo próximo
ao devocionismo popular do cristianismo católico. Todavia, em vez de prestar culto ao
anjo ou santo, o teísta hindu presta culto às variadas manifestações de Deus Brahma,
Vishnu e Shiva, que recebem outras denominações. Entre elas destacam-se Ganesha
(O transformador), Krishna (O iluminado), Murugan (A bondade), Dhanvantari (A saúde
ou cura), Darshan (A visão), Sarasvati (A sabedoria) e Lakshmi (A beleza). Dessa forma, o
Hinduísmo revela que Deus está em todos, é infinito, onipresente e onisciente.
8 O HINDUÍSMO CONTEMPORÂNEO
No Hinduísmo não há um cisma entre vida religiosa e vida civil. Não há o uso da
religião como instrumento de poder social, político e econômico. Há uma moral definida,
porém, contextualizada, a exemplo do sistema de castas. É fruto de uma época, de um
determinado contexto.
84
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• A importância dos Textos Sagrados para os hindus, como a literatura védica, os Smrits
e seus procedimentos hermenêuticos propiciam a evolução teológica.
85
AUTOATIVIDADE
1 No Hinduísmo, Deus é revelado enquanto Trindade, Brahma, Shiva e Vhisnu.
Considerando os estudos realizados, é verdadeiro afirmar:
( ) Segundo os Vedas, Deus fez chover nos campos... Deus modelou o homem com
argila... e da costela do homem, Deus fez a mulher.
( ) O princípio básico do Livro é a realidade intrínseca existente entre humano e o
mundo. A Sabedoria proporciona a paz e a felicidade, objetivos possíveis, mediante
prática da meditação.
( ) As narrativas se dividem em profissões de fé no espírito particular e o espírito
universal. São elencados diversos seres, como semideuses, próximos do humano,
mas que vivem em sintonia direta com Brahman, o Absoluto, que não é feminino e
nem masculino.
( ) Segundo o Hinduísmo, para dar origem ao primeiro ser humano, Deus, criou a partir
de si mesmo.
3 No Hinduísmo há uma forte relação de fé com água e tudo o que está na natureza.
Quanto às águas do Rio Ganges, o hindu considera:
86
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR
DEUS NO BUDISMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós seguiremos o processo de busca por um melhor entendimento
da Teologia. Agora, vamos analisar os momentos mais importantes da Teologia Budista,
tendo consciência que nas publicações sobre Budismo, há um número insignificante de
publicações que fazem uso da expressão “Teologia Budista”.
É sabido que o budismo é uma das mais antigas experiências religiosas. Sua
origem está na região norte da Índia, na aldeia de Kapilavastu, aos pés do Himalaia,
situada no reino de Kosala, atualmente Nepal.
Família, filhos e o poder não era o conceito de felicidade para Sidarta. Ainda na
juventude, o príncipe Sidarta, consciente de seu despertar e/ou libertar-se de tudo que
se passou desde o infinito, transmite aos seus discípulos a história das vidas anteriores
do próprio Buda e/ou a Cosmogonia búdica, que segundo a profissão de fé budista
constitui um dogma.
88
A segundo HUAI-CHIN, o Sutra ressalta que quando jovem, o príncipe Sidarta
foi para um passeio além do palácio e fez quatro experiências. Na primeira encontrou
um idoso e entendeu que o humano definha no tempo. Na segunda viu um enfermo e
se despertou para o limite humano perante a enfermidade. Na terceira se deparou com
um cadáver e conheceu a fraqueza humana perante a morte. No caminho de retorno ao
palácio, conheceu um Sadhu indiano, sábio, despojado, pobre, humilde e em paz.
NOTA
Sadhu significa “o bom homem” ou “homens sagrados. Não constituem
família, renunciam a vida em sociedade. Fazem opção pela vida mística, asceta,
itinerante, são praticantes exemplares da yoga e dependem da caridade
alheia. Também são chamados de Baba ou Pai espiritual.
Ainda, segundo a literatura Sutra, após o despertar do Buda, o rei de Kosala, pai
de Sidarta, ordenou que aumentasse a guarda e que as mulheres mais belas e sedutoras
do reino fizessem tudo o que seria possível para distrair o príncipe, mas Sidarta ou Buda
e/ou Sakiamuni, revelou seu projeto de deixar o reino e seguir sua missão.
89
Impotente perante o pedido do filho, o rei nada respondeu e permitiu que Sidarta
partisse a fim de percorrer o caminho de busca da verdade. Foram seis anos de buscas.
Leu e ouviu os grandes mestres do brahmanismo, leu e ouviu os grandes mestres da
yoga e experimentou a ascese hindu (práticas de mortificação como o jejum, prender
a respiração até perder o fôlego), mas nada novo aconteceu, mas aprendeu que toda
atitude extrema é prejudicial ao humano.
Antes de sua morte, aos 80 anos, realizou inúmeras viagens pela Índia
transmitindo sua sabedoria para diversos discípulos. Mas o budismo não foi aceito na
Índia, bem provável devido ao sistema de castas que vigorava. Assim, da mesma forma
como no Cristianismo, o Budismo fez a experiência da diáspora ou êxodo, espalhando-
se por diversas regiões da Terra, mas principalmente na Ásia.
Na origem da Sangha, as regras eram amenas, porém, com o tempo foi sendo
redigido um sistema normativo, que adotou até mesmo práticas penais como castigo e
expulsão aos monges delinquentes.
90
Ainda, a terceira é a Vajrayana (também é conhecido por Mantrayana ou Tantrayana).
Esta enfatiza as recitações de mantras, é mais esotérica e ressalta a importância dos
Mandalas. Também surgiu enquanto dissidente da Theravada, contestando o rigor desta
na questão do puro e impuro. Radicalizou a expressão “Vacuidade” e faz apologia à
transgressão como instrumento para a iluminação, isto é, o uso de carne, peixe, vinho,
grãos torrados e o sexo passaram a ser algo comum em seus rituais.
91
E a quarta é o Caminho Óctuplo, isto é, as práticas a serem seguidas para a
libertação: reconhecer as quatro verdades, estar focado na libertação, evitar palavras que
causem sofrimento ao outro, conduta correta, promover a vida, libertar de estados mentais
destrutivos, preservar pensamentos corretos e concentração correta.
Entre 1956 e 1957, com auxílio dos Estados Unidos, grupos armados tibetanos
resistiram contra o exército chinês. Em 1959, na “Revolta de Lhasa”, o governo chinês ameaçou
prender o Dalai Lama. Devido ao fato, sob proteção dos Estados Unidos, o Dalai Lama foi
obrigado a buscar refúgio na Índia, fundando um “governo do Tibete” em pleno exílio na cidade
de Dharamsala, tendo mais de 100 mil tibetanos refugiados.
92
No Tibete, entre 1956 e 1957, mais de 87 mil tibetanos foram mortos, monges
foram encarcerados e mais de 6000 monastérios budistas foram destruídos. Por isso,
em 1967, o Dalai Lama saiu pelo mundo anunciando sua fé e clamando pela paz no
Tibete e no mundo. Tendo o reconhecimento da comunidade internacional, em 1989, o
Dalai Lama, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
No Brasil, o Dalai Lama esteve em 1992, 1999, 2006 e 2019. Na segunda passagem,
palestrou em diversos lugares, mas em São Paulo deixou esta mensagem:
93
4 BUDISMO ZEN
Da mesma forma que no Cristianismo e nas demais tradições religiosas, não
é possível falar do Budismo no singular. Na história foram instituídos cristianismos,
hinduísmos, islamismos e outros. No Budismo, o pluralismo também é fato. O Budismo
Zen é um entre tantos, mas com uma identidade própria.
94
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO BUDISMO?
Buda nada escreveu. Tudo o que sabemos é fruto da tradição oral. Após a morte
de Buda, seus seguidores preservaram a sabedoria do mestre. De maneira geral, o
Budismo tem o Tripitaka (pode ser transcrito como Tipitaka) e/ou Três Cestos enquanto
texto sagrado.
95
O primeiro passo para a experiência com o silêncio é o próprio “eu”, é uma
atitude humana que visa atingir o próprio humano. É a busca “ad intra” que proporciona
o esvaziamento do “eu” e o despojamento do apego a si e coisas existentes. Nessa
experiência, com o “silêncio” algo acolhe, envolve o humano. Isso é comunhão, isso é
amor, compaixão, mansidão, é transcendência. É algo muito acima do que a razão pode
atingir. Isso é Deus.
7 BUDISMO CONTEMPORÂNEO
Na atualidade podemos afirmar que o Budismo tem por princípios a valorização da
vida e o agir ético. Para isso, preserva Deus enquanto “silêncio”, não dando motivos para
eventuais conflitos religiosos e faz uso da meditação no e com o “silêncio”.
Para o budismo, cada ser humano tem seu karma, mas não como estímulo para o
conformismo e sim como ponto de partida para que cada ser assuma sua real identidade
para uma autoconstrução e/ou busca de um ser cada vez mais humano.
[...] nada adianta você fazer um retiro tradicional de três anos, três
meses e três dias. Pode ser até que a sua mente, ao longo desse
tempo, em vez de melhorar, piore... a única coisa certa que se pode
dizer é que depois desse tempo todo seu cabelo vai crescer... “Mas há
um pequeno problema. No mundo de hoje, há vários “businessmen”
que, visando obter dinheiro, dão ensinamentos religiosos. Isso
acontece cada vez mais frequentemente; ocorre muito na China, que
importa “mestres” tibetanos, mas também no resto do mundo. Esses
não são mestres genuínos. Apresentam-se como grandes mestres,
mas não são. Seu propósito é unicamente o de obter dinheiro (MONJA
COHEN, s.d., s.p.).
Ser budista é sentir-se parte do mistério que engloba o universo e ao mesmo tempo
voltar-se para si para perceber que a arrogância e o egoísmo maculam a real identidade
do ser humano, assumindo de forma imprescindível a humildade a compaixão, enquanto
sinônimos da sabedoria. E com a sabedoria podemos encontrar alívio no sofrimento e
continuar trilhando o caminho até o nirvana, a iluminação.
Porém, o grande drama do budismo pode ser o excesso de técnicas e/ou ritos
e consequentemente a carência de práticas, atitudes de compaixão e/ou a ética do
cuidado que em outras tradições religiosas podem ser definidas por caridade, kama,
sustentabilidade, respeito e/ou simplesmente de amor.
96
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
97
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:
2 Tripitaka ou Tipitaka é o Livro mais sagrado do Budismo e está dividido em três partes.
Considerando os estudos realizados, assinale a alternativa verdadeira.
98
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR
DEUS NO XINTOÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será analisado o momento histórico em que o Xintoísmo desperta
enquanto religião no Japão e o processo de construção de uma teologia enquanto busca
por Deus. É uma experiência religiosa diferente em relação ao Hinduísmo e Budismo,
porém há pontos comuns com estas e as tradições do ocidente.
Seria possível uma religião sem mandamentos, sem um Deus, senhor absoluto
que interage com a humanidade? Seria possível uma religião sem templo ou regras
morais? Seria possível uma religião sem ao menos um livro sagrado? No Xintô ou
Xintoísmo podemos encontrar respostas para estas questões.
Da mesma forma que enfatizamos para o Hinduísmo e Budismo, vale frisar que
no Oriente, há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo busca e expressa aquilo que
alcançou mediante experiência com o Mistério e seus procedimentos hermenêuticos.
Por isso, mais oportuno será o auditus fidei para o intelectus fidei, ou seja, vamos ouvir
antes do que pensar o percurso de busca por Deus no Oriente.
Até o século VI, quando o Budismo foi colocado como religião do Estado
nipônico, não havia qualquer menção ao Xintoísmo, porém havia uma prática religiosa
no arquipélago onde está o atual Japão.
99
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA COMPREENSÃO
DA TEOLOGIA XINTOÍSTA
No estudo da Teologia Xintoísta, temos que deixar de lado a ideia de revelação. A
Teologia deve ser entendida por busca por Deus, pois no Xintoísmo não há uma teologia
sistemática como podemos encontrar no ocidente, porém, há uma experiência religiosa
diferenciada. Logo, podemos resgatar o histórico da maneira de buscar Deus, deuses ou
o Mistério na história do Japão.
ATENÇÃO
É comum a menção em torno da “Rainha Himiko” e do suposto Reino
Yamatai na história do Japão, mas a afirmação não é unanimidade. Segun-
do Iamamura (1996), Himiko está mais próxima de uma lenda ou mais um
mito da cultura nipônica.
De 660 a 585 a.C., Kamuyamato deu início ao “Reino Yamato”, na ilha central
de Honshu, tendo Yamato como o grande rei. A seguir recebeu o título de imperador,
assumindo o nome de JIMMU, dando início à dinastia dos imperadores japoneses. Foi
com JIMMU que o Japão tomou forma de Estado.
Com o fim do período Yayoi, veio o período Assuka (604-1192). Foi neste período que
ocorreu o processo de unificação do arquipélago, formando o atual Japão.
De 593 a 622, Shotoku Taishi governou o que conhecemos por Japão, sendo
até cultuado como “protetor do Japão”. Neste período, o Japão intensificou as relações
comerciais com a China, passando a ser influenciado pelo Budismo. E com o auxílio de
monges coreanos, o próprio imperador começou a difundir o Budismo. Monastérios e
templos budistas foram edificados. Do tempo deste imperador ainda há o templo de
Horyuti, localizado na cidade de Nara.
100
Com o Budismo em evidência, houve a necessidade de atribuir um nome às
experiências religiosas já existentes anteriores ao Budismo. Surgiu então a expressão
“Xintô ou Kannagara no Michi” e/ou “Caminho dos Deuses”.
3 O TSUMI
É comum afirmações sobre a não existência de uma moral no Xintoísmo. Pela
expressão “Tsumi” é possível afirmar que há uma moral estabelecida, logo, um sistema de
regras não positivadas. Tsumi equivale à impureza, sendo possível quando há o contato
com cadáveres, sangue e morte, ou seja, um ato violento é um contato com sangue,
um ato criminoso é um contato com a morte ou um ato com um cadáver pode haver
contaminação. Assim, há o permitido e o proibido, logo, há um ordenamento moral.
Kami Izanagi banhou-se no rio após a saída do “Mundo dos Mortos”. Banhar-se no
Xintonismo é recomeçar a vida, dar sequência ao sentido da vida, sem as impurezas.
• Kojiki: é um livro datado do ano 712, o qual apresenta a narrativa mítica da tradição
oral do Xintoísmo, da origem da experiência religiosa até o ano 628.
• Nihongi: datado do ano 720, continua a narrativa da tradição oral.
• Kogoshui: datado do ano 807, o livro narra os rituais do xintoísmo.
101
• Sendai Kuy Hongi: datado do final do século IX, narra de forma mítica a história do
Japão até o século VII.
• Engi-Shiki: datado do ano 967, cujo conteúdo é uma coletânea de rituais oferecidos
aos Kami.
102
Triste e revoltado, Izanagi vai buscar seu amor no “Mundo dos Mortos”, mas
sem sucesso. No retorno ao “Mundo dos Vivos” lava seu rosto em um rio para tirar as
impurezas que trouxera do Mundo dos Mortos... da impureza do olho esquerdo nasceu
Amaterasu Omikami, a “Kami Sol”. Das impurezas do olho direito nasceu Tsikiyomi, a
“Kami Lua”. E das impurezas do nariz nasceu Suzanoo, “Kami das Tempestades”. Ainda,
de Amaterasu nasceu Jummo Tenno, O primeiro imperador do Japão.
5.1 KAMI
Há publicações que traduzem Kami por deuses ou entidades divinas, mas o
próprio Kojiki expressa que há uma hierarquia que parte de uma realidade absoluta, a
suposta Trindade Xinto.
Muito oportuna a palavra Kami separada de Kaze, isto é, Kami não tem forma,
é algo que sai de uma realidade ainda maior. É fonte divina que gera vida, podendo
ser perfeita, pura, forte, positiva ou impura e negativa. Ainda, pode gerar criaturas ou
aberrações, seres perfeitos e outros imperfeitos. Numa linguagem cristã, é um “Espírito
que sopra onde quer” ou energia que revigora o ser humano.
103
• Maakyury: é o Kami da Sabedoria.
• Kami Inari: usa corpo de raposa para levar fertilidade, prosperidade e amor aos
agricultores e na vida de cada pessoa.
• Kami Rijin: é o Kami dos trovões, tempestades.
• Kami Fujin: é o Kami dos ventos.
• Kami Hachiman: é o Kami dos guerreiros, é o protetor.
• Sakuya Hime: é a Kami do Monte Fuji que expressa poder e eternidade.
• Kami Jizo: vive nas margens do Rio Sanzu. O outro lado do Rio Sanzu é o lugar onde as
pessoas que fizeram o bem partem após a morte. Mas as crianças não conseguiram
evoluir o suficiente para realizar a travessia. É o Kami Jizo que coloca as crianças
debaixo de seu manto e ajuda a cada uma delas a cruzar o rio. Kami Jizo também vem
em auxílio das crianças na hora do parto.
104
este diálogo absolutamente não existiriam três criaturas e tudo nele seria rígida unidade.
Os personagens do Takama no Hara devem todo o seu ser ao relacionamento recíproco
de um com o outro e nada diferente nas teologias cristã e hindu.
A causa superior não se limita a dar o toque inicial a um outro ser a fim de que ele
produza o seu efeito, mas opera junto com a causa inferior, de maneira que o resultado da
ação seja inteiramente efeito da causa principal e inteiramente efeito da causa instrumental,
agindo assim cada uma na sua ordem própria e formando uma unidade.
105
criação é algo de sempre atual, permanente. Daqui a doutrina do Kami. Através de Kami se
conserva, governa, orienta a existência para sua finalidade. Crer na criação Xinto é, portanto,
professar um otimismo diante dum mundo que não é absurdo, porque pensado e conduzido
por um amor inefável na e com a natureza.
8 XINTOÍSMO CONTEMPORÂNEO
No Xintoísmo a comunhão profunda do humano com a natureza se funde com
um sentimento carregado de respeito e amorosidade. É parte da identidade xintoísta
preservar e cuidar de parques e jardins. O mesmo gesto silencioso é prática perante os
animais, flores, frutos e a água de um rio ou de uma pequena cascata artificial em um
apartamento na cidade, porque na beleza natural venera-se a energia de Kami.
106
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• A experiência com Deus é possível através dos Kami, criaturas sobrenaturais, podendo
ser força, fraqueza, sabedoria, ignorância e tudo o que é contemplado pela Natureza.
• No texto há a tese que afirmar a Trindade Xintoísta, a qual não tem a pretensão de
esgotar o Mistério existente na realidade transcendental.
• Enquanto experiência religiosa com forte vínculo com a natureza, o Xintoísmo pode
propiciar práticas religiosas de caráter ecológico, um mundo mais sustentável.
107
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:
2 Segundo o Kojiki, livro sagrado para o Xintoísmo, a vida na terra foi possível pela ação
de dois Kami. Considerando os estudos realizados, assinale a alternativa que aponta
para a narrativa sobre origem da vida na terra.
a) ( ) Kami Sakuya Hime, Kami do Monte Fuji, que expressa poder e eternidade
b) ( ) Kami Jizo, o Kami Criador.
c) ( ) Kami Hime e Jizo, autores da realidade terrena.
d) ( ) Izanami e Izanagi gestaram a vida na Terra.
108
UNIDADE 2 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR
DEUS NO TAOÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados os elementos fundamentais da produção
teológica do Taoísmo, destacando sua origem e desenvolvimento via busca pelo Tao,
a força cósmica que gestou o universo e tudo o que podemos perceber na existência.
Neste tópico optamos pela expressão Tao, porém a tradução do chinês para a
língua portuguesa, de forma literal, segundo Robinet (1997), sugere a expressão DAO.
Assim, esta tradição religiosa pode ser denominada de Taoísmo ou Daoísmo, ou seja, é
a fonte que jamais se esgota, para a qual todos devem expressar admiração e permitir
ser envolvido pelo mistério.
Da mesma forma como Espírito, Kami, Anjo, Trindade e outros termos teológicos,
perante o TAO, a linguagem apresenta limitações para definir ou conceituar. Explicar e
definir via razão ou empiria, é a grande tentação humana.
É bom frisar, que qualquer relato de “visão” de Anjo, Santo, Nossa Senhora,
Kami ou Demônio, nada mais é do que enfermidade ou tentativa de alienar ou fomentar
um doentio proselitismo, ou ainda, meio de edificar impérios. Logo, em teologia, o
racionalismo e o empirismo podem mais atrapalhar do que servir. Ainda, a expressão
“visão” não pode ser confundida com “experiência mística”, por exemplo: “Moisés no
Monte Tabor”, o “Profeta Elias perante a brisa suave”, “Os grandes sábios desconhecidos
do Hinduísmo perante a Trindade Hindu”, o “Profeta Maomé perante o Anjo Gabriel, “Buda
debaixo da árvore bodhi”, “Maria perante o Anjo Gabriel”, Lao Tse perante o Tao” etc.
109
Logo, falaremos da busca por Deus, dos diversos conceitos do Tao, suas
práticas e fontes, que devido à historicidade, importância e paradigma para o Taoísmo,
apresentaremos o Texto Sagrado o Tao Te Ching. E partir deste faremos a narrativa em
torno da ideia de Deus Trindade e a importância das demais criaturas divinas cultuadas
nesta tradição.
Pode ser que Lao Tse seja apenas um personagem mítico do Taoísmo, mas a
tradição aponta que ele foi discípulo de Kung Fu Tse (O Filósofo Confúcio), que viveu
entre 551 e 479 a.C., um dos principais sábios da China.
111
PARTE I: AS TRÊS CAVERNAS
I. Sublime mistério, formado pelo texto Tao Te Ching de Lao Tse e todos os tratados
abaixo dele. É usado para complementar a Caverna da Verdade.
II. Sublime paz, formado pelo Tratado da sublime paz: usado para complementar a
Caverna do Mistério.
III. Sublime transparência, formado por todos os tratados do elixir de ouro, usado para
complementar a Caverna Sagrada.
IV. Ortodoxa unitária é uma coletânea de textos que contextualizam as três cavernas e
os três primeiros complementos.
3.3.2 Tapijing
É o livro que pode ser definido por Livro da Grande Paz. É um clássico da
espiritualidade taoísta.
112
3.3.3 Baopuzi
Robinet (1997) define por Livro do Sábio, conceituando a sabedoria taoísta
enquanto simplicidade e despojamento da materialidade. Trata ainda das receitas
para uma boa alquimia, muito próximas do conceito atual de fitoterapia, cuja finalidade
é a eternidade.
3.3.4 Huainanzi
Robinet (1997) confirma que trata de uma coletânea de textos muito próximos
de um Manual de Filosofia, no qual os autores fizeram um entrelaçamento do Taoísmo
primitivo com o Confucionismo e o Direito do império da dinastia Ming, incluindo a teoria
do Yang e Yin.
3.3.5 Zhuangzi
É um livro que tem por título o nome de seu autor. Robinet (1997) diz que ele teria
vivido durante o século IV a.C. Podemos defini-lo como o “Francisco de Assis” do Taoísmo.
No livro, ele expressa que o caminho da iluminação é o desapego material. Zhuangzi sempre
evitou riquezas, fama e cargo político junto ao governo, mesmo sendo convidado para
ocupar o cargo de primeiro ministro no império.
No Capítulo 25 do Tao Te Ching, o autor do livro, Tao Tse, nomeia o Tao: “Uma coisa
existe formando o caos [...] antes de nascerem o céu e a terra... eu não sei o seu nome, dou-
lhe a grafia DAO (Tao)... forçado a nomeá-lo digo: Supremo Um”.
113
Ainda, no Taoísmo há uma criatura divina para cada dia do ano, para cada
espaço celestial e terrestre e para cada criatura há protetores e guerreiros. Ainda, todas
as criaturas divinas são lideradas pelo Imperador Jade. É Deus com Deus e em Deus
porque está interligado com a Trindade Taoísta.
Assim, via auditus fidei contemplamos o Panteão Taoísta ou “Reino dos Céus”
ou “Reino de Deus”, considerando que há o “Imperador Jade” que governa todas as
criaturas divinas, que na maioria são heróis do passado (algo muito próximo do conceito
de mártires e santos do Catolicismo ou profetas do Islamismo), ou criaturas sagradas
emprestadas do Budismo. Segundo Robinet (1997), as criaturas divinas constituem a
emanação do Tao.
O que é fato no Panteão Taoísta ou Reino dos Céus é a comunhão entre o céu e a
Terra ou o Transcendente com o Imanente ou, segundo Robinet (1997), é o microcosmo no
macrocosmo ou a unidade da interioridade com a exterioridade humana.
Ainda, segundo o Tao Te Ching, dos Três Puros e/ou Trindade saiu o “sopro
primordial”, que se repartiu em Yang e Yin. O primeiro por ser puro e leve moveu-se
para o alto, gerando o céu. O segundo, por ser denso e pesado, moveu-se para baixo,
gerando a Terra, mas preservam a conexão original. Assim, em cada ser Yang e Yin
estão presentes.
5 YANG E YIN
Seja na vida social ou religiosa, o Yang e o Yin estão presentes. São duas forças
antagônicas, mas juntas constituem a unidade. O Yang é o transcendente, o sagrado, o
masculino, a luz, a racionalidade, o bem, o externo etc. O Yin é a imanência, o profano, o
feminino, a escuridão, a interioridade, o afeto, a intuição, o mal, a passividade etc. Isso
nada tem de maniqueísmo. Cada ser, homem ou mulher comporta o Yang e o Yin. Um
complementa o outro para o acontecer da existência.
Segundo Granet (1997), o documento mais antigo que trata do Yang e o Yin é
um Tratado anexo ao Livro “I Ching”, de autoria de Confúcio, porém, antes da instituição
do Taoísmo, havia uma Escola filosófica chinesa, aproximadamente do ano 300 a.C., que
fazia menção ao “Yang e Yin”.
114
Segundo Capra (1982), todos os seres humanos passam pelas fases do Yang
e Yin porque a personalidade de cada um não é estática, há um dinamismo resultante
do encontro entre masculino e feminino. Assim, quando Yang atinge seu ápice se volta
para o Yin e este quando atinge seu ápice se volta para o Yang.
Destarte, é neste movimento cíclico do Yang e Yin que deve ocorrer o equilíbrio
dinâmico que propicia o positivo, isto é, a bondade, compaixão, ética, práticas
sustentáveis, fraternidade e paz; porém, com o desequilíbrio, as catástrofes pessoais,
sociais e globais, são inevitáveis. Disso resulta um Taoísmo sempre atual, podendo ser
uma grande contribuição para a vida e o resgate dela na história.
115
Isso se deu também com Ihwh no Judaísmo, com a Trindade no Cristianismo
e Alla no Islamismo. Porém, ao mesmo tempo, aconteceu também algo diferente em
relação ao Taoísmo, seja com Ihwh, a Trindade e com Alla, não ocorreu a desagregação
em diversos deuses, subsistindo em harmonia ao lado de outros, isso foi entendido
enquanto artifício político e religioso. A multiplicação de deuses no contexto histórico
destas tradições religiosas facilitaria o apogeu político e econômico de nações inimigas
ou os procedimentos hermenêuticos foram limitados. Por isso, houve um grande esforço
teológico para definir Deus enquanto ser Único.
116
Um adepto de qualquer tradição religiosa, individualmente, é incapaz de fazer
valer tais promessas. Por isso e para isso temos a coletividade humana e as instituições
religiosas, que podem possibilitar uma eficiente consciência crítica. A religião não surge
a par ou acima da realidade, mas dentro dela enquanto instituição da liberdade crítico-
social-política-ecológica da fé.
É puro atraso transferir a fé de seu objeto próprio, que é Deus à ordem temporal e
moral imposta por uma instituição. Assim, Deus perderia o posto de Absoluto e Mistério,
isto é, a um conjunto de costumes e afirmações dogmáticas com seus badulaques. Isso
só é admissível quando a religião é apenas ópio.
117
LEITURA
COMPLEMENTAR
O BUDISMO E O “SILÊNCIO SOBRE DEUS”
Entrevista com o Teólogo Dr. Faustino Teixeira sobre “Deus nas Religiões
Orientais”, sendo indagado pela Monja Budista Coen Roshi.
Monja Coen Roshi: Quais são as narrativas de Deus nas religiões não
monoteístas?
Faustino Teixeira: Alguns autores tendem a indicar essas tradições não monoteístas
como religiões místicas, distinguindo-as das religiões monoteístas, identificadas como
proféticas. Esta distinção, porém, não nos autoriza a concluir em favor de uma separação
rígida, que excluiria qualquer significado profético nas religiões orientais ou dimensão mística
nas religiões proféticas. O caminho para se atingir a “Realidade” nas religiões orientais é
encontrado na interioridade. Trata-se de uma busca do Mistério desconhecido na “gruta
do coração”. A ênfase recai no caminho do “êntase” e não do “êxtase”, ou seja, o caminho
da descoberta do Mistério maior acontece no “íntimo do Si substancial”. A tradição oriental
enfatiza mais o apofatismo teológico, excluindo assim a possibilidade de se alcançar o Mistério
mediante conceitos. A mediação para esse encontro se dá pela experiência. Uma conhecida
sentença zen afirma: “melhor ver a face do que ouvir o nome”. Encontramos uma expressão
desse apofatismo na experiência budista do sunyata (vazio). Esse conceito vem empregado
como expressão da inefabilidade e indizibilidade da realidade do Mistério. Não indica niilismo
ou relatividade, mas a radical diversidade que separa esse Mistério de todo e qualquer atributo
possível de ser concretizado ou simbolizado. Na mística advaita hindu, a dinâmica religiosa
vem concebida como uma experiência kenótica, de radical esvaziamento do sujeito humano
e seu potenciamento para perceber a transparência do Mistério transcendente/imanente
no mundo dos fenômenos. O sujeito esvaziado de sua densidade ontológica reencontra sua
identidade com o Brahman, que pode ser reconhecido como “a unidade última da realidade. É
o centro profundo da nossa existência, isto é, a consciência (cit), e também a alegria e a bem-
aventurança (ananda)”.
Monja Coen Rohi: O que é a Escola de Kyoto e como a sua visão de mundo
provoca uma quebra da hegemonia da racionalidade grega e ocidental?
Faustino Teixeira: A Escola de Kyoto, ou Kyoto-ha, envolve um grupo de
pensadores japoneses que contribuíram de forma singular, e em perspectiva oriental,
para a articulação criativa da filosofia ocidental. Entre esses pensadores podem ser
elencados: Nishida Kitaro (1870-1945), Tanabe Hajime (1885-1962), Nishitani Keiji (1900-
1990) e Ueda Shizutero (1926). Segundo James Heisig, a investigação filosófica levada
a cabo por esses pensadores “nunca se separou do cultivo da consciência humana
como participação no real. Inspirando-se na filosofia antiga e moderna ocidental, bem
como em sua própria herança budista, e aliando as exigências do pensamento crítico
à busca da sabedoria religiosa, eles enriqueceram a história intelectual do mundo com
uma perspectiva japonesa renovada e reacenderam a questão da dimensão espiritual
da filosofia”. Uma contundente crítica ao conceito egocêntrico do ego, firmado na
racionalidade filosófica ocidental, vem tecida por Keiji Nishitani, em sua obra A religião
e o nada (1960). A centralidade do ego cogito, a partir de Descartes, resultou numa
tal dinâmica ego-centrada que confinou o sujeito numa limitada perspectiva de
autoimanência. Como consequência inevitável, firmou-se um modo narcísico de ser.
Com base no aporte da tradição budista e da mística eckhartiana, Nishitani propõe um
conceito peculiar de subjetividade, que se contrapõe à subjetividade do ego: trata-se de
uma subjetividade que se afirma em razão da morte absoluta do ego. É curioso constatar
a sintonia dessa reflexão de Nishitani com os questionamentos feitos por Henrique
Cláudio de Lima Vaz à modernidade moderna. Em sua obra sobre a experiência mística e
filosófica na tradição ocidental, Vaz sinaliza que a revolução antropocêntrica da filosofia
moderna acabou resultando na “dissolução da inteligência espiritual”. Na inflexão noética
da modernidade moderna, marcada pela primazia gnosiológica e ontológica do sujeito, a
dimensão transcendente do ser vem absorvida na imanência do sujeito.
Monja Coen Roshi: Em que aspectos existe uma afinidade entre a Escola
de Kyoto, o pensamento existencialista e a mística cristã do Mestre Eckhart?
Faustino Teixeira: Os pensadores da Escola de Kyoto dedicaram-se intensamente
ao estudo da filosofia ocidental. Nishitani chegou a seguir, em 1938, os seminários de
Heidegger sobre Nietzsche em Friburg. Também Ueda Shizuteru teve uma formação
alemã, passando três anos na Universidade de Marburg, sob a orientação de Friederich
Heiler e Ernst Benz. Ali concluiu sua tese doutoral sobre a antropologia mística de
Meister Eckhart em confronto com o zen budismo (tese publicada em 1965). Fixo-me
aqui em dois aspectos de sintonia entre a Escola de Kyoto e a mística de Meister Eckhart.
Com base no pensamento de Nishitani, há que sublinhar a centralidade da ideia de
Abgeschiedenheit (desprendimento), tomada do pensamento de Eckhart. Esse conceito
é empregado por Nishitani para falar da subjetividade elemental, ou seja, da subjetividade
que emerge da morte absoluta do ego, e que faculta a experiência da unidade com
119
Deus. Assim como na tradição zen budista, também no pensamento de Eckhart a noção
de vazio ganha centralidade. Pode-se afirmar que a presença do Mistério se firma mais
claramente no ser humano à medida que se amplia o seu vazio: nada querer, nada saber
e nada ter. Trata-se de um desprendimento que é bem distinto da ataraxia. Na verdade,
o ser desprendido é alguém que se abre de forma distinta para a realidade, pois para ele
“toda realidade reencontra sua densidade verdadeira”. O outro traço de sintonia pode ser
encontrado na noção transpessoal de Deus. Nishitani sublinha como um dos aspectos
de originalidade do pensamento de Eckhart, a noção de Deidade: situar a essência de
Deus numa região para além do Deus pessoal, ou o Deus das criaturas. Também nessa
linha da transpersonalidade de Deus vai a reflexão da Escola de Kyoto. Enfatiza-se a ideia
de um Deus transcendente e imanente: de Deus como realidade onipresente em todas
as coisas do mundo e, simultaneamente, um mistério que escapa a qualquer tentativa
de determinação.
120
último, o supremo, a que toda religião aponta”. Ao se calar sobre Deus, essa tradição está
questionando as tentativas ilusórias e problemáticas que acompanham as tradicionais
perguntas sobre Deus: muitas vezes são perguntas incorretas, indevidas e lesivas da
“transcendência da realidade à qual se referem”.
121
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:
• É possível afirmar uma teologia trinitária no Taoísmo, fundamentada nos Tao Te Ching,
o livro sagrado para esta tradição.
122
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a assertiva
CORRETA:
2 No Taoísmo todas as ações do Tao são refletidas pelo dinamismo de ambos os polos.
Nada é Yang e nada é Yin a todo momento. Conforme os estudos realizados, assinale
a concepção Yang e Yin de Fritjof Capra.
a) ( ) Para Capra, o documento mais antigo que trata do Yang e o Yin é um Tratado
anexo ao Livro “I Ching” de autoria de Confúcio.
b) ( ) Capra afirma que antes da instituição do Taoísmo, havia uma Escola filosófica
chinesa, aproximadamente do ano 300 a.C., que fazia menção ao “Yang e Yin”.
c) ( ) Capra afirma que todos os seres humanos passam pelas fases do Yang e Yin
porque a personalidade de cada um não é estática, há um dinamismo resultante
do encontro entre masculino e feminino.
d) ( ) Para Capra, quando Yang atinge seu ápice se volta para o Yin, mas não o contrário.
123
3 De acordo com os estudos realizados, o “Canon Taoísta” está estruturado em duas
partes. Assinale V para as afirmações verdadeiras e F para as falsas.
124
UNIDADE 3 —
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
125
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
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126
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS
NAS TRADIÇÕES AFRICANAS
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será realizada uma breve apresentação da história da África e a
sua defesa enquanto gênese da humanidade. Se Deus fez tudo, logo, Ele escolheu a
África enquanto “berço” para a humanidade. Serão apresentadas as principais fontes
para a afirmação.
É sabido que a África é o “berço” do ser humano. Ali está sem qualquer dúvida o
“sopro da vida”. Se Deus fez o humano de barro, os elementos água e terra eram de solo
africano. Se Deus fez o humano a partir da água, terra, fogo e/ou ar, foram na Mãe África
as primeiras experiências, relações sociais, políticas e religiosas.
127
Segundo Hugot (2010), já na pré-história da África (10.000-4000 a.C.) havia
técnicas avançadas no polimento da pedra, no processo de domestificação de animais
selvagens, na agricultura, urbanização, na arte e na religião.
Sutton (2010) defende a tese que afirma ter existido na África (8000-5000 a.C.)
uma “Civilização das Águas”, de economia sedentária. Tal civilização teria se estendido
de oeste a leste ao longo de rios e lagos até o norte pelo Rio Nilo e até o sul pelos
Grandes Lagos africanos. Segundo o mesmo autor, esta civilização sobreviveu através
da pesca e caça de hipopótamos e crocodilos.
Outro ponto que os autores são de pleno acordo é referente à rota comercial no
Mediterrâneo, ligando a África com o mundo árabe, que consolidou o desenvolvimento
de sociedades complexas na África há mais de 5000 a.C.
Entre os séculos VII e XV, como consequência das intensas rotas comerciais e
entre estas o Islamismo, a África sofreu forte influência dos seguidores de Allá. Segundo
Hrbek (2010), a conversão de soberanos da África Sudanesa teria sido estimulada pelo
engodo do Islamismo ser uma religião universal, isto é, o Islã chegou à África como
uma espécie de solução ideológica, cuja finalidade era preservar o poder dos soberanos.
Isso comprova que os muçulmanos foram eloquentes junto aos líderes de clãs e
reinos da África. Converteram governantes para depois converterem os governados,
fazendo da África uma extensão da Ummah (comunidade dos fiéis do Islã), porém, não
ocorreu o mesmo entre os séculos XVI e XIX. Com a presença europeia, principalmente
da Inglaterra, pioneira no processo de conquista do território africano, enquanto os
governantes africanos ofereciam ouro, esmeralda, diamante e mão de obra escrava, os
europeus ofereciam quinquilharias e bugigangas.
128
Com a instalação do tráfico de seres humanos pelo Atlântico, a África conheceu
o subdesenvolvimento e a miséria, sendo tudo isso mediante aprovação de reis e outros
governantes africanos, vassalos de cortes europeias, principalmente da coroa inglesa.
E quando a Inglaterra proibiu o tráfico de seres humanos para alimentar o sistema
escravocrata, consolidou ainda mais a miséria na África, monopolizando a produção
agrícola e pastoril do continente durante o século XIX, ampliando a dependência
econômica da África com a Inglaterra.
DICA
História Geral da África, escrita por intelectuais africanos sob coordenação
de Joseph Ki-Zerbo, está dividida em oito volumes já publicados em língua
portuguesa e disponibilizados no Brasil.
129
No sétimo volume, mesmo sendo alvo de severa crítica, apresenta uma boa
síntese da arte e da religião afro. São seis capítulos que enfatizam a “voz dos vencidos”
e/ou práticas de resistências perante o processo de conquista do continente africano
em diferentes regiões, omitindo as alianças ocorridas entre conquistadores e lideranças
dos próprios conquistados durante o século XIX.
OLORUM confiou a OXALÁ a substância escura para criar AIYE, o mundo material,
mas OXALÁ (Masculino) recusou a fazer os rituais necessários para dar origem a AIYE.
EXU não gostou da atitude racional de OXALÁ (Atitude própria do masculino) ... antes
que OXALÁ saísse do ORUN, EXU fez com que OXALÁ sentisse sede, obrigando OXALÁ
furar uma palmeira... dela saiu um líquido saboroso, era vinho de palma. OXALÁ bebeu,
saciou a sede e dormiu... ODUDUWA vendo que OXALÁ dormia, pegou a substância
escura e levou até OLORUM. Este permitiu que ODUDUWA partisse... ao chegar de
ORUN, ODUDUWA (Feminino) em comunhão e amor com OBATALÁ (Masculino), lançou
130
a substância escura sobre as águas, formando um pequeno monte... sobre o monte
sentou uma ave que ciscou com seus cinco dedos (Visão dos cinco continentes?),
espalhando a substância, dando origem a AIYE, a Terra, a Mãe Natureza.
Entre ORUN e AIYE há uma união hipostática ou comunhão. Assim, terra e vida são
os princípios básicos do Candomblé, razão de ser do terreiro. Com os pés ao chão, terra e
vida celebram a unidade, a comunhão e o amor. Daí a necessidade de resgate da teologia
de matriz africana, sempre vinculada com o meio ambiente, podendo ser de grande valia
para a formatação da consciência humana para gestar um espírito sustentável.
E como acontece essa comunhão entre ORUN e AIYE? Qual é o elo de ligação
entre ambas as realidades? O que liga as duas realidades são os ORIXÁS, criaturas
sagradas que estão no ORUN, mas atuam em AIYE, a realidade material ou natural. Em
ORUM há mais de 400 ORIXÁS, tendo cada um alguma espécie de missão em e com a
AIYE. Vejamos sete exemplos de ORIXÁS, os mais populares no Candomblé de origem
Yorubá, muito presentes no Brasil.
4.1 EXU
A comunicação entre imanência e transcendência só é possível via aprovação
de EXU. Sem EXU, AIYE, o terreiro e tudo o que está em AIYE, ficam desprotegidos. Deixar
EXU de lado é caminhar sozinho na estrada da vida. Sem EXU nada evolui, nada cura,
nada melhora, podendo até mesmo retroceder. Em vez de bênçãos, ocorre perdição
ou maldição.
4.2 OGUM
É filho de ODUDUWA. Após a criação de AIYE, OGUM, diante de tanta beleza e
amorosidade da própria Mãe, OGUM ficou apaixonado por ela (Seria o complexo de Édipo
africano?). Por isso, OGUM passou a ser desprezado pelas mulheres e foi expulso para
AIYE, a Terra, passando a viver nas matas e tendo que fazer suas próprias ferramentas
para o trabalho e defesa pessoal. OGUM é venerado apenas pelos homens. OGUM é o
Senhor da guerra e da agricultura. Suas cores são o azul e branco. Sua energia é mais
forte ainda na terça-feira. Seus filhos são valentes e vencedores.
131
4.3 OBÁ
Com sua doçura e beleza é a senhora que controla as águas doces, evitando
tormentas e enchentes. Tem em si a força natural do feminino. É a protetora das
mulheres e sua beleza vai além do físico. É ainda a Orixá que faz justiça. Na quarta-
feira sua energia é mais radiante. Suas cores são o vermelho e branco com detalhes
amarelos. Com OBÁ, as mulheres são mais fortes do que já são.
4.4 OXÓSSÍ
É filho de OXALÁ e YEMANJÁ. Vive nas matas, é a força que domina a Natureza. Com
OXÓSSI presente a morte não chega. Com OXÓSSI não há fome. É protetor dos caçadores,
mas também das florestas, permitindo apenas a retirada da vida para saciar a fome. Suas
cores são o verde e o azul. Na quinta-feira sua energia é mais forte que a morte.
4.5 OXALÁ
É o orixá mais velho. Manifesta-se como idoso vestido de branco ou jovem vestindo
roupa prateada. Rejeita a violência e conflitos. É o Orixá da esperança e da paz. Sua cor é o
branco. Na sexta-feira sua energia erradia com mais força. Seus filhos são pacifistas.
4.6 YEMANJÁ
É a Orixá, Mãe de todos os demais Orixás. É a rainha dos mares, protetora dos
pescadores e marinheiros. É ela que restaura as emoções e propicia a fecundidade.
YEMANJÁ está sempre com seios volumosos, pronta para alimentar os seus filhos. É a
Mãe por excelência. Suas cores são o azul e branco. Aos sábados sua energia contagia
a todos com mais evidência.
4.7 YORI
São dois Orixás, os protetores das crianças. Estão sempre em comunhão com
tudo o que nasce. São as criaturas mais puras do ORUN. YORI têm a cura para qualquer
enfermidade das crianças. O domingo é dedicado a YORI, a força e energia das crianças.
YO é a vitalidade que sai da energia e RI é a potência que se manifesta, gerando vida.
132
5 ORIXÁS DO CANDOMBLÉ OU SANTOS CATÓLICOS?
Os ORIXÁS, os mais populares no Candomblé de origem Yorubá, muito
presentes no Brasil, foram e continuam sendo invocados nos terreiros e até nas missas e
celebrações católicas no Brasil. Do século XVI até os dias atuais, através das imagens de
santos e anjos católicos foi brotando o fenômeno denominado de sincretismo religioso,
motivo de grandes conflitos na história do Brasil.
134
necessitavam de mão de obra abundante para o comércio que se expandia. Após a
primeira tentativa fracassada de escravizar a população indígena, que resistiu, a solução
encontrada foi buscar no continente africano uma população que já experimentava o
trabalho agrícola, a exemplo de bantos e nagôs.
Ainda, a prática do aborto, para não dar à luz um filho escravo, a do suicídio, a greve
de fome e o banzo não devem ser lidas como desespero, mas como último recurso de
resistência que prejudicava os senhores do regime escravagista brasileiro.
136
O espaço do candomblé é a natureza. É uma religião ligada à terra. É necessário
que haja plantas, água corrente e animais para as obrigações e os sacrifícios aos orixás.
Por isso é necessária a luta por terra e liberdade onde o povo negro possa celebrar
os orixás.
O terreiro deve estar sempre aberto a todos. Se alguém deseja fazer a iniciação, faz-
se necessária a ligação do candidato ao seu Orixá e incorporá-lo. Cada pessoa nasce com seu
orixá. Todo orixá tem sua planta específica, que geralmente é medicinal.
Para aniquilar a identidade afro bantos e nagôs foram privados da terra, família
e liberdade. Foi negada a história e controladas as manifestações étnicas e culturais,
via “demonização” da vivência religiosa. Assim, o sistema escravocrata tentou eliminar a
história e a identidade cultural africana na América.
137
No espaço do terreiro é que se reconstruíam os laços familiares de forma ampla,
ao redor dos orixás. Participar de um terreiro era pertencer a uma família; significava
recuperar e reconstruir uma dignidade pessoal e comunitária. No terreiro, bantos e
nagôs encontraram apoio numa organização com normas, hierarquia reconhecida,
costumes, conhecimento transmitido, relações afetivas, celebrações, festas etc. – tudo
o que era integrante da identidade de um povo. Foi no espaço religioso do terreiro que
o povo negro começou a recuperar a sua identidade como povo que tem uma história a
ser contada e resgatada.
Ainda, não há como manipular o Espírito que sopra e paira onde quer. Deus
é espírito e verdade. Os próprios cristãos estão cansados de ler isso na própria Bíblia,
mas parece que não entenderam ainda o básico de uma catequese pneumatológica.
No contexto histórico e/ou no processo de conquista da América, principalmente, o
catolicismo da cabeça dos bispos tentaram “engaiolar” o Espírito, que também pairou
em cada terreiro revelando que Deus é mais Mãe do que o Pai da Trindade.
Por outro lado, também é fato que a maioria dos negros se fizeram católicos
após o forçado batismo. Entretanto, coloca-se o problema teológico-pastoral. Seriam
católicos ou do candomblé ou da umbanda? Ou então, as duas coisas juntas, ainda
que alternadas? É exatamente esse entrelaçamento complexo e contraditório da
religião e cultura católica e afro-latina que caracteriza um fenômeno chamado de
sincretismo cultural.
139
IMPORTANTE
Para Eliade (1980), o grande acontecimento do século XX, mais importante
do que as grandes guerras e as grandes revoluções foram o descobrimento
da diversidade das culturas. Até o século XX houve casos de justaposição ou
mesmo de compenetração inconsciente de culturas múltiplas. Cada povo
enxergava as culturas de outros povos como barbárie ou falta de cultura.
140
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Se Deus fez o humano de barro, foi com terra e água da África que Ele gestou a vida.
• A experiência religiosa afro tem uma teologia a partir do Panteão Afro, com seus orixás.
• A presença afro na América, além da opressão sofrida pelos bantos e nagôs, deu origem
a movimentos de resistência e propagação do candomblé e seus orixás.
141
AUTOATIVIDADE
1 Segundo Johnson (2011), a cosmogonia afro contempla OLORUM, a energia primordial,
o Criador que criou o ORUN, o mundo espiritual. No ORUN estão os orixás, os filhos de
OLORUM. Entre eles, OXALÁ, o mais velho e os demais como ODUDUWA, OBATALÁ,
EXE, IEMANJÁ e tantos outros. Conforme os estudos realizados, quanto à origem da
Terra, é verdadeiro afirmar.
a) ( ) Iemanjá.
b) ( ) Oxalá.
c) ( ) Exu.
d) ( ) Oduduwa.
a) ( ) Cuchitas e Aiye.
b) ( ) Bantos e Nagôs.
c) ( ) Garamantes e Orubás.
d) ( ) Etíopes e sudaneses.
142
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA
POR DEUS NA AMÉRICA LATINA
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a Teologia na América Latina e/ou a busca por
Deus numa releitura do processo de conquista do território por ação dos conquistadores
europeus. Será feita a análise dos modelos eclesiais que fincaram raízes na história
do povo latino. Será detalhada a teoria da ”opção pelos pobres” enquanto chave
hermenêutica teológica que delimita o conceito de teologia latino-americana, suas
consequências políticas e a reação dos bastidores da Igreja Católica a partir dos bispos
romanizados, que ainda acreditam que são príncipes de um império que não mais existe.
A seguir, a Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino, Juan Luiz Segundo,
Leonardo Boff e outros, partindo da “denúncia dos vencidos”, incluso ameríndios, povos
afros, sofredores e profetas da América Latina para afirmar que Deus ouviu o grito dos
pobres e quer libertá-los, definindo o conceito de Deus da Vida e a Cristologia que
enfatiza a imagem do Cristo Libertador.
Hoje, esse processo continua pelos dois terços que passam fome, pela
favelização das cidades, agressão ecológica e subemprego, robotização industrial,
agronegócio, êxodo rural e a política de um Estado mínimo, cuja finalidade é preservar
o subdesenvolvimento. Nesse processo, os empobrecidos são os mais ameaçados
de extermínio.
143
Segundo Gutierrez (1989), na América Latina o deus-mercado se instalou,
ele é um deus assassino. Muito se derrama no afã do lucro. Na ânsia da riqueza e do
poder, nada o detém, atropela o direito dos empobrecidos, pisoteia o projeto do Deus
professado pelos cristãos.
Ainda, a partir da morte dos pobres e lucro exacerbado de muitos religiosos das
paradas de “sucesso”, os teólogos latino-americanos afirmam a fé em um Deus, que se
revelou nas pequenas comunidades e movimentos revolucionários, pois, esse Deus é
princípio de tudo, vivifica porque é vida, transborda de amor porque é pai e mãe, se faz
presente na história do continente dos empobrecidos e, como afirma Gustavo Gutierrez
(1989, p. 72), “Ele liberta porque é libertador”.
ATENÇÃO
Conforme Ruggiero Romano (1973), os mecanismos básicos da conquista
colonial americana (principalmente no caso da América espanhola) podem ser
sintetizados em três elementos fundamentais: a espada, a cruz e a fome.
Contaminado por doenças, que ignorava e não sabia combater, o indígena sofria
duplo impacto, físico e psicológico, pois supunha, muitas vezes, ser castigado pelos deuses.
E aproveitando-se dos mitos existentes entre os habitantes da terra e das profecias sobre
as catástrofes vindouras, o conquistador foi fincando a cruz católica sobre o vazio gerado
pelo medo e pela desorientação de populações estarrecidas.
145
O termo fome aqui não se refere apenas à questão alimentar dos povos latino-
americanos. A fome é símbolo de um conjunto de fatores econômicos que foram
alterados com a conquista, por exemplo, alterações no ritmo de trabalho, deslocamentos
de populações e modo de vida. No que diz respeito aos deslocamentos, devemos notar
que tiveram um caráter brutal, uma vez que transportavam tribos inteiras de povos
litorâneos para regiões de altiplano ou, então, tribos moradoras de lugares quentes para
regiões subtropicais.
146
O ídolo é incapaz de caminhar ao lado de um povo. Cai na idolatria quando se
coloca o ouro e a prata acima de quem os fez e de seu projeto. Neste caso, o dinheiro
escraviza quem o fabricou. Assim, o fetichismo do dinheiro, portanto, passa a ser a
veneração das armas ideológicas de morte. Muito sangue se derrama no afã do lucro.
Na ânsia da riqueza e do poder, nada detém o ídolo, isto é, atropela o direito dos pobres
e pisoteia o projeto de Deus que exige a defesa do oprimido.
Segundo Gutierrez (1989), a opressão do pobre tem que ser chamada por
seu verdadeiro nome, é um assassinato. Através das vítimas do fetiche, apreciamos
com maior nitidez o sentido da idolatria e a razão de sua rejeição radical por parte
da Teologia latino-americana. A idolatria acarreta a morte do pobre, o dinheiro vitima
os despossuídos.
147
Esse processo de invasão e submetimento pela violência dura ou doce não foi
apenas inicial, nos primórdios do século XVI, ele fundou a lógica das relações entre
as potências colonizadoras e os espaços ocupados durante os séculos subsequentes.
Será sempre uma relação desigual, de dependência e de reprodução daquilo que ocorria
nas metrópoles.
Lugar especial nesse processo de resgate ocupa a religião. Ela foi negada pelos
missionários ou folclorizada pela cultura dominante. Agora se faz necessário reconhecer
sua validade e legitimidade. Não apenas como um dado axial da cultura, mas em sua
significação estritamente teológica. Deus não chegou aqui com missionários católicos
ou protestantes. Na verdade, Deus já estava presente nas culturas: a revelação não se
restringiu à experiência judia-cristã-islã, recolhida canonicamente nos textos sagrados.
Segundo Boff (1992), esta teologia insiste no fato de que os indígenas não são
apenas pobres e por isso devam ser apoiados em suas lutas. Eles não gostam de ser
vistos como pequenos, porque culturalmente não o são. Eles são outros, diferentes em
sua cultura e em sua religião, ricos em grandes valores pessoais e comunitários. Essa
diferença precisa ser acolhida e valorizada como uma grandeza que revela Deus em
formas distintas da realização do mistério humano. Foram de fato empobrecidos num
processo de ganância e violência.
O Papa Alexandre VI adotara essa linha por diversas causas: absorvido por outras
preocupações delegava a outros a evangelização e as missões. Assim, os papados
julgavam que o apoio das autoridades civis e militares constituía o caminho mais seguro
e eficaz para a catolicização da América Latina, e que a descoberta e ocupação de novas
terras eram consideradas como a continuação da libertação da península ibérica do
jugo islâmico, isto é, como um empreendimento essencialmente sagrado.
148
Cada uma dessas teses tem sua parte de verdade, mas o sistema não é
totalmente compreensível se não levam em conta as condições gerais do tempo e a
mentalidade da época, em particular a estreitíssima união do Estado com a Igreja, típica
dos regimes absolutos.
Com que direito e com que justiça tendes em tão cruel e horrível
servidão estes índios? Com que autoridades tendes feito tão
detestáveis guerras a estas gentes que estavam em suas terras
mansas e pacíficas, onde tão infinitas delas, com mortes e estragos
nunca ouvidos, tendes consumido? Como os tendes tão oprimidos e
fatigados, sem lhes dar de comer nem curá-los em suas enfermidades
em que incorrem pelos excessivos trabalhos que lhes dais e morrem,
dizendo melhor, os matais, para tirar e adquirir ouro a cada dia?
(SUESS, 1992, p. 407).
149
Os religiosos das ordens de São Francisco, São Domingos e Santo
Agostinho, que residem nessa terra, têm em seus mosteiros troncos
para pôr os índios que querem, os prendem e açoitam, pelo que lhes
parece, e os tosquiam, que é um gênero de pena que se costuma dar
aos índios (SUESS, 1992, p. 753).
3 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Gutierrez (1989), partindo da experiência do Êxodo israelita estrutura os
fundamentos da Teologia Libertação. Para ele, Êxodo é o acontecimento no qual se
baseia a fé do povo judeu e também dos cristãos. As cenas do Livro Sagrado revelam
a experiência histórica da ação do Pai dos empobrecidos no processo de libertação da
opressão e da marcha rumo à terra prometida.
Este é o ato funcional da Teologia da Libertação. Trata-se da vivência de um
povo. Segundo Gutierrez (1989), o Pai dos empobrecidos se revela como libertador,
através de um gesto que acompanha e dá sentido a todo itinerário que leva seu povo ao
encontro com ele. Por isso, libertação e culto estão estreitamente ligados. No entanto, a
libertação, por sua vez, chega à plenitude no grito dirigido àquele que se identifica como
Abba, o Pai dos oprimidos.
150
3.1 SINCRETISMO TEOLÓGICO
Por sincretismo entende-se o encontro de culturas e teologias, resultando
em uma nova expressão teológica, algo muito comum na história da Teologia na
América Latina. O sincretismo surge com a ideia de “missão” ou levar Deus. É uma
ideia medieval e arcaica. É a tentativa de engaiolar o Espírito Santo ou manipular Deus
e usá-lo com pretensões políticas, algo comum na história da presença da Igreja
Católica na América Latina.
Assim, a missão fundada na justiça refaz todas as relações pela base, suprimindo
completamente toda a injustiça. Este ato de refazer define o novo do céu e o novo da
terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram. E o ambiente propício para refazer
é aqui na história, que deve ser construída por meio da resistência e denúncia.
151
A opção preferencial pelos empobrecidos da América Latina força a
redimensionar o sentido da salvação. Uma visão dualista da salvação não pode servir
dentro de um compromisso de luta pela reconquista da terra alienada.
Segundo Boff (1992), a boa notícia da salvação do humano por ação de Deus,
que extrapola a questão da terra, não responde às más notícias que inquietam os
empobrecidos. Este evangelho seria um projeto de amor sem prática, um resíduo de
religião-ópio, um calmante que não cura as causas do sofrimento.
Outro tema explorado por Gutierrez (1989) é o tema do “ano santo” do Antigo
Testamento bíblico, chamado “ano jubilar”, que era celebrado, sempre depois de sete
anos sabáticos, de 50 em 50 anos, fazendo voltar a “propriedade alienada” aos seus
donos originais.
Este modelo eclesial e original vem baseado nas primeiras comunidades cristãs,
no pão dividido pela metade, na pedagogia de baixo para cima, na rotatividade das
funções, na centralidade do empobrecido, de sua libertação e na importância de uma
Cristologia na vida daqueles que optaram de maneira preferencial pelo cristianismo.
A partir dos anos 1960, por todos os cantos da América Latina irromperam
movimentos organizados pelos pobres e oprimidos. Eles já não aceitavam pacificamente
os níveis de miséria a que estavam condenados. Começavam a se dar conta do caráter
153
perverso do capitalismo, construído à custa da miséria de muitos. As CEBs buscavam
um caminho de libertação, uma sociedade diferente, onde os oprimidos conscientizados
e organizados fossem os principais sujeitos da transformação necessária.
Concluíram que a salvação integral passa também pela salvação social e que
a salvação é sinônimo de libertação. Os círculos bíblicos e as pequenas comunidades
aprofundavam essas convicções, bem como iam dando expressões religiosas às lutas
no sindicato, no campo e no partido político.
154
segregados e em situações desumanas, podem ser considerados
como os mais pobres dentre os pobres; feições de camponeses
que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso
continente, vivendo sem-terra e sem teto, vivendo em situação de
extrema dependência interna e externa, submetidos ao sistema
de comércio que os enganam e os exploram; feições de operários,
que têm dificuldades de se organizar e defender os próprios direitos
e as feições de menores e idosos, cada dia mais numerosos,
frequentemente postos à margem da sociedade... (PUEBLA, 1979, 31).
Que futuro têm esses pobres e esse cristianismo popular? É o futuro carregado
de sonhos e vontades de sobrevivência. O cristianismo dos pobres reassume a grande
tradição latino-americana dos indígenas, dos negros, dos pobres em geral e confere a
ela uma expressão eclesial. Pela metodologia das CEBs, de confronto entre fé e vida,
partindo sempre das demandas da realidade, se torna mais fácil a inculturação do
evangelho pelos próprios empobrecidos.
155
4.1.1 Conscientização
Esta primeira fase é marcada pela atitude profética de “somente anunciar”
Deus vinculado com a vida dos empobrecidos da América Latina e demais continentes.
Apesar de uma realidade marcada por injustiças, as igrejas cristãs contemplando a dor
e a miséria de tantos filhos e filhas de Deus insistem que Deus é amor e vida. Assim,
elas se propõem a lutar pela libertação dos povos oprimidos dentro de um conflituoso
processo econômico, social e político.
Em suas diversas atividades pastorais quer ser voz daqueles que não têm voz.
Passa a agir dentro de um otimismo moderno. Partindo do princípio de que Deus ouve
o clamor de seu povo e liberta porque é libertador, os cristãos procuram sua presença
perscrutando os “sinais dos tempos”.
156
Assim, o Deus hegemônico que as elites pensantes imaginaram, falhou. A sua
“força” não foi suficiente para convencer os ricos a abandonarem suas táticas opressoras,
mas foi suficiente para passar por cima da fé e da esperança dos empobrecidos, não
lhes respeitando a sua identidade.
A meta da luta popular não era tanto a tomada de poder, mas uma vida melhor
com tudo o que isto podia significar. O povo não lutava tanto a partir de uma consciência
de classe adquirida reclamando como tal os seus direitos, mas a partir da experiência
concreta de miséria e opressão. A utopia desta gente não era o “paraíso já”, mas
condições dignas de vida.
157
4.1.3 Revisão da mística
Nota-se que a prática dos novos agentes populares tem um polo místico: a
luta dos empobrecidos é sustentada pela fé. Querem sobreviver na esperança, apesar
de todas as forças de morte que penetram em seu cotidiano. E é nesse cotidiano dos
oprimidos que se busca a sobrevivência constantemente negada.
A cultura moderna ocidental, depois de ter sido forjada pelo catolicismo, nada
ou pouco tem de cristianismo. Ela dispensa as referências cristãs porque não lhe
são mais necessárias do ponto de vista socioeconômico e menos ainda do ponto de
vista moral e religioso. É tempo de pós – catolicismo. Surge assim a necessidade de
reafirmar a identidade cristã e evangelizar outra vez a cultura moderna devido ao novo
contexto histórico. É necessário dar continuidade à “primeira evangelização”, libertando
o Evangelho das amarras da colonização.
158
Somente evangelizadores próximos ao povo poderão perceber que o desafio
de reevangelizar é grande. A igualdade em termos econômicos e políticos é condição
para ser acreditável na evangelização: quem tem suas esperanças garantidas por
posição e domínio na sociedade não é acreditável quando quer ensinar o empobrecido
a colocar suas esperanças em Deus. As virtudes misericórdia, compaixão, solidariedade,
delicadeza e humildade, formam o lado interior da reevangelização. Os evangelizadores
devem ser pessoas compadecidas, dispostas a carregar junto com os marginalizados a
realidade ferida dos mesmos.
159
Ao cristão não é dado escolher a quem amar, não é dado discernir se a pessoa
merece ou não o nosso amor e a nossa dedicação. Assim os destinatários do amor de
Deus estão nos becos e ruas, favelas e sertões; são índios, negros, brancos, morenos,
presos, operários, menores e tantos outros, privados de vida, liberdade e ternura.
160
Da gratuidade próxima de um Deus, que se revela Pai no batismo de Jesus,
resultou um projeto inovador do ser humano e da convivência humana. O homem novo
nascido de Deus, vive totalmente a partir da gratuidade do Pai e, assim, torna-se capaz
de chegar aos outros para restituir-lhes a vida.
Na ética cristã, todo agir contra a moral tem sua gênese no ato idolátrico, e todo
agir ético tem uma fonte teologal. O pecado não é constituído somente pela infração de
uma lei, mas implica uma ruptura mais profunda, que expressa o modo de se colocar
perante Deus e a comunidade.
Na Teologia da Libertação, na cruz, Jesus passa pela última vez pelas tentações
dos “filhos de Adão”: pela tentação do poder econômico, político e messiânico. A entrega
de Jesus de Nazaré à morte parecia ter sido a vitória do negativo, mas a sua morte se
distingue de outras mortes pela sua fidelidade ao projeto libertador. Esta entrega deixa
transparecer que a fidelidade de Jesus ao projeto não foi fácil, pois, lhe custou dores e
angústias: trouxe o abandono do próprio Deus, o Pai entrega o próprio Filho, que grita por
vida. Este grito parece contradizer violentamente todo o movimento anterior da história
da paixão, que de entrega em entrega chega à autoentrega incondicional do crucificado.
Esta palavra do abandono por parte de Deus soa como algo escandaloso e blasfemo, o
que mostra ao mesmo tempo a autenticidade e a dificuldade de interpretação.
Esta confiança num Deus que ressuscita pode romper o pensamento legalista
de tantos cristãos, pensamento este que no fundo se baseia no medo e na insegurança
perante um Deus que, para muitos, veste características de vingador e que para acalmar
161
a sua ira, exige boas obras. Em vista do agir de Deus que ressuscitou Jesus, o partidário
do cristianismo deve adotar outra postura de vida. Deve assumir uma atitude em que
amor é predominante. As práticas não visam, de maneira mercantilista, garantir a
salvação individual.
162
Queria também os nomes de outros padres de São Paulo, Diante
das minhas negativas aplicavam-me mais choques, davam-me
socos, pontapés e pauladas nas costas. Gritavam difamações contra
a Igreja. Encerrando a sessão daquele dia, carregado, voltei à cela,
onde fiquei (BETTO, 1982, p. 227).
Frei Tito foi libertado e banido do Brasil em troca de um embaixador suíço,
que havia sido sequestrado no Rio de Janeiro pela Vanguarda Revolucionária. Frei Tito
peregrinou pelo exílio no Chile, Itália e França, encontrando-se definitivamente com
a ressurreição. Muitos outros padres e não padres, como Schael Schreiber, Vladimir
Hersog e Virgílio Gomes da Silva, morreram em salas de torturas. Outros ficaram surdos,
estéreis ou com defeitos físicos e mentais. A esperança desses presos se colocava nas
Igrejas, instituições que parcialmente estavam fora do controle estatal-militar.
163
Nesse modelo, o batismo com o Espírito Santo é o âmago da experiência
do crente. O pentecostal é aquele que foi batizado no Espírito, transbordando graça
recebida, sendo muitas delas em dólar e ou prosperidade. Mas a chegada da teologia
pentecostal na América Latina é datada de 1910.
164
A direção internacional da RCC é o International Catholic Charismatic Renewal
Office, que funciona em Roma. Na América Latina, a sede está em Bogotá, Colômbia.
Em Dallas, Estados Unidos, funciona um centro especializado na preparação de jovens
da América Latina para utilização dos meios de comunicação no trabalho missionário. É
uma Igreja disfarçada de movimento, que atua livremente dentro de outra Igreja.
165
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• A Teologia que surgiu na América Latina parte do princípio que Deus é o Libertador
das vítimas do processo de conquista.
166
AUTOATIVIDADE
1 Nas quatro instâncias constitutivas da Igreja, enquanto grandeza teológica, as
Comunidades Eclesiais de Base trouxeram contribuições notáveis à Teologia da América
Latina: à palavra (apropriação pelos leigos do comentário bíblico e da reflexão), à
celebração (criação de novos ritos e reintegração dos ritos tradicionais), ao ministério
(surgimento de vasta gama de serviços, mistérios laicais e carismas); por fim à missão
(com a criação de outras comunidades e inserção na realidade local, social e política de
forma transformadora). Quanto à origem das CEBS é CORRETO afirmar:
a) ( ) Gustavo Gutierrez.
b) ( ) Caetano Tellese.
c) ( ) Leonardo Boff.
d) ( ) Jacques Maritan.
167
168
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS
E PROTESTANTES: DA MODERNIDADE
À CONTEMPORANEIDADE
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico será apresentada a narrativa histórica dos principais discursos
teológicos desenvolvidos da modernidade à contemporaneidade. Do século XVIII até
o XXI são inúmeros os teólogos cristãos, assim como são muitos os pensadores que
investigaram as teologias orientais.
Com o avanço da Reforma Protestante nos séculos XVI e XVII, a Igreja Católica
respondeu o momento de crise teológica e institucional com o Concílio de Trento (1545-
1563), propiciando um resgate da teologia nos aspectos bíblico, sistemático e moral.
169
Outra consequência nada positiva do Concílio de Trento foram os Manuais de
Teologia, que substituíram as dissertações e teses. Cada Manual deveria ter o “Nihil
Obstat”, isto é, o “Nada Consta” e/ou a aprovação das autoridades católicas para publicar
qualquer trabalho de cunho teológico, silenciando muitos teólogos.
Com estas teses, o conflito a ser enfrentado não era mais entre católicos
e protestantes, mas entre teístas e ateístas. Assim, na média em que o Concílio de
Trento foi ficando no passado, com o fim do “casamento” entre Igreja e Estado, com a
afirmação do ser humano na política, na arte, na ciência e na filosofia, as igrejas católicas
e protestantes, através de seus institutos e universidades, fomentaram a produção
teológica, quando os manuais perderam espaços para novas teses.
Ainda, novas críticas à religião foram inevitáveis, tendo a teologia uma nova
missão, isto é, provar sua razão de ser, isto é, expressar sua contribuição para a
modernidade e propiciar respostas ao humano, parte do Universo infinito. Foi neste
contexto que surgiram teólogos com maestria que enfrentaram os mais diferentes
temas científicos, filosóficos e teológicos. Neste tópico serão contemplados três
representantes da teologia liberal, três teólogos católicos e três protestantes.
2 TEÓLOGOS LIBERAIS
Em todos os tópicos fizemos uso das expressões “Transcendência” e
“Transcendente”, ligando o mistério onde Deus pode ser encontrado, definido ou
conceituado apenas. Assim, o transcendente é o objeto a ser alcançado, podendo ser
“uma Teologia em nós”. Ainda, o teólogo pode fazer um a “Teologia em si”, partindo da
170
revelação, pensando o objeto e sua relação com a imanência. Pode ainda, fazer um
“estudo sobre Deus” a partir de uma ou várias “Tradições religiosas”. E mais, o teólogo
pode “buscar por Deus, partindo da existência, experimentando o que Deus é e o que
Deus não é, sem vínculo com qualquer dogma, poder ou determinismo.
Foi este último caminho que pensadores como Kant, Hegel, Feuerbach, Freud,
Marx e Nietzsche decidiram seguir, instaurando o conceito de Teologia Liberal.
Para Kant (1986) Deus não pode ser conhecido pela razão pura porque está fora
de alcance da experiência possível, mas não é impossível falar de Deus. Se pela razão
pura há impossibilidade, resta o caminho da razão prática. Pela razão pura conhecemos
o que é, pela razão prática conhecemos o que “deve ser”. Logo, moralmente é possível
aceitar que Deus existe, podendo ser o fundamento do “dever ser” humano, portador da
consciência moral e/ou razão prática.
Sem ser livre, a vontade não poderá ser autônoma, nem boa ou má, portanto,
a consciência moral é fato indiscutível e disto podemos afirmar a liberdade como ato
de valoração. Assim, o humano não é apenas sujeito cognoscente, mas consciência
moral valoradora.
171
Em 1793, Kant publicou A Religião dentro dos Limites da Mera Razão, na qual
defendeu uma eclesiologia ou estudo sobre a Igreja. Na mesma obra Kant propõe
uma “Igreja Invisível” sem cultos, pastores ou sacerdotes. A fé numa Igreja de cultos
concretiza a relação senhor-escravo porque o culto é imposto, sobressaindo o medo de
ser punido, o que está muito presente nas Igrejas e religiões reveladas.
172
2.3 SIGMUND FREUD: TEOLOGIA DA NEUROSE
Para Freud (1856-1939) o humano é um ser insatisfeito, tem consciência do finito,
mas deseja o infinito, porém, entre o desejo e a realidade há um abismo delimitando o
infinito em ilusão. Mas por que surgiu a ideia de Deus?
Para David (2003) na perspectiva de Freud a criança teme o Pai, mas sabe
que poderá contar com Ele nos momentos de perigo. Transportando para a natureza, o
humano a repciona a ideia de um Pai perfeito, o qual o chama de Deus. Assim, religião e
a teologia perpetuam o humano enquanto criança. Na solidão e na existência o humano
faz a busca por um Pai forte e bondoso. Na infância, muitos conflitos de ordem psíquica
não são resolvidos, propiciando a neurose na vida adulta, que nada mais é do que a fuga
do adulto ao mundo infantil. Freud acolhe a religião enquanto fuga do adulto ao mundo
ideal e feliz da criança.
Ainda, para Freud a história do ser humano tem três estágios. O começo é a
fase da magia com seus mitos, o segundo é o estágio religioso instituído e a plenitude
da história é o tempo da ciência, o terceiro estágio. Assim, quanto mais conhecimentos
científicos o ser humano portar, mais preparado ele estará aceitando seus limites, junto
com o que ele é de fato, a ponto de abandonar a religião.
3 TEÓLOGOS CATÓLICOS
As igrejas protestantes já tinham consciência da grandeza teológica existente
em seus institutos e universidades muito antes do Concílio Vaticano II (1961-1965). A
Igreja Católica, porém, só durante o Concílio é que percebeu excepcionais teólogos,
que muito já haviam produzido, sendo alguns ignorados e até mesmo perseguidos,
silenciados e condenados pela própria Igreja.
173
3.1 TEILHARD DE CHANDIN: TEOLOGIA A PARTIR DA VISÃO
CÓSMICA
O jesuíta Pierre-Marie-Joseph Teilhard de Chardin nasceu em 1º de maio de
1881, no Castelo de Sarcenat, na França. Em 1914 interrompeu seus estudos devido à
convocação militar para a 1ª Guerra Mundial. Com o fim da Guerra retomou seus estudos
na Sorbone. Em 1923 foi à China para atividades de arqueologia. Em 1926, já na Europa,
entrou em atrito com seus superiores, devido a sua doutrina em torno da evolução
humana. Durante a 2ª Guerra Mundial ficou na China, onde escreveu sua grande obra,
O fenômeno da humanidade. Em 1946 retornou à França e foi proibido de publicar
suas teorias. Em 1951 migrou para os Estados Unidos onde ficou até o final de sua vida
em 1955.
174
E mais, para Teilhard de Chardin (1995), na história há uma conjunção ciência-
religião, incluso à filosofia. Nos últimos 300 anos nem ciência e nem religião e nem
filosofia conseguiram se diminuir mutuamente. Uma sem a outra não conseguem se
desenvolver. Uma anima a outra. Assim, ciência e religião e também a filosofia são faces
ou fases conjugadas de um único ato completo do conhecimento, que pode abarcar
para completar e contemplar o passado e o futuro da evolução.
E mais, para ele o humano e o mundo são realidades com uma finalidade
sobrenatural. Logo, os três mistérios (Trindade, Graça e Encarnação) são compreensíveis
a partir do próprio humano, sem perder seu caráter de mistério.
175
Em 1960, Karl Rahner foi nomeado para a comissão Sobre os Sacramentos do
Concílio Vaticano II e em seguida, o Papa João XXIII o escolheu para ser perito oficial do
mesmo Concílio, sendo um dos protagonistas da nova teologia católica.
Seu exílio terminou em 1956 quando o bispo de Strasbourg, Jean Julien Weber,
lhe confiou uma intensa atividade pastoral com diversas conferências teológicas.
Durante o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII o convocou para ser perito oficial de
uma Comissão Teológica.
Quanto a sua teologia ecumênica, Congar (1965) rejeitou a Igreja enquanto fonte
de salvação e expressa que a missão da Igreja é assimilar, desenvolver todos os valores
presentes nas demais igrejas e religiões não cristãs.
176
Para Congar (1976) cada igreja é uma comunidade situada em um contexto vital
com sua história, o que ele chama de igreja visível, mas há a igreja invisível que engloba
todas as igrejas e reconhece a veracidade em todas as experiências religiosas. Ainda,
para Congar, os cristãos devem voltar às “Fontes”, recuperar o cristianismo primitivo
porque a verdade da religião não está nas instituições, mas no Cristo, Deus Amor.
4 TEÓLOGOS PROTESTANTES
A história do pensamento teológico protestante começa com os protagonistas
da Reforma Protestante. Martinho Lutero (1483-1546), na Alemanha; João Calvino (1509-
1564), na França e Ulrico Zwinglio (1484-1531), na Suíça. Estes são definidos enquanto
fontes para a teologia protestante.
177
4.1 KARL BARTH: UMA TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS
O suíço Karl Barth nasceu na Basileia em 10 de maio de 1886. Iniciou seus estudos
em Berna e os concluiu na Alemanha. Em 1911 foi pastor na Igreja Reformada em Safenwill.
Em 1921 foi nomeado professor de teologia na Universidade de Goettingen. Em 1926 foi a
Muenster onde publicou A Dogmática Cristã (1927) e A Dogmática Eclesiástica (1931). Em
1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder, Barth era professor em Bonn. No contexto foi
instituída a “Igreja Evangélica da Nação Alemã”, que aclamou Hitler como enviado divino.
Nesta surgiu um movimento religioso fundamentalista chamado de “Cristãos Alemães”.
Barth não exitou em apresentar severa crítica ao nazismo e à “Igreja Evangélica da Nação
Alemã”. Disso resultaram conflitos entre Barth e as autoridades nazistas, gerando a expulsão
de Barth da Alemanha, passando a residir em sua terra natal, passando a dedicar-se a uma
vasta produção teológica, incluso a resistência ao nazismo.
Em sua obra, Barth (2005), fazendo uso do método dialético, procura superar o
racionalismo, humanismo e liberalismo teológico que estavam impregnados na Teologia
protestante. Resgata o paradoxo da “fé bíblica” e sob inspiração do existencialismo de
Soren Kierkegaard reivindica a infinita diferença qualitativa entre filosofia e teologia.
Como Deus, a sua palavra preserva a inefabilidade que o teólogo jamais poderá
alterar porque é espiritualidade e transcendência. Pela Palavra de Deus Barth (2005) afirma
ser possível compreender e explicar todos os mistérios da fé cristã porque Deus e sua
palavra constituem a mesma realidade. Por isso, Karl Barth é o teólogo da “Palavra de Deus”.
178
Bultmann teve diversos contatos pessoais com o filósofo Martin Heidegger, que
também lecionava em Marburg. Devido aos contatos e pesquisas filosóficas e teológicas,
sua teologia sofreu forte influência do existencialismo de Heidegger. Viu no mesmo um
instrumento apto para o anúncio do cristianismo de forma inovadora na modernidade.
Em 1941 publicou Novo Testamento e Mitologia, com o qual obteve reconhecimento
mundial, influenciando de forma positiva a História da Teologia.
E mais, a existência é uma luta entre vida inautêntica e vida autêntica. Para
Bultmann (2003) o anúncio do Evangelho enquadra-se com o existencialismo porque
conclama o ser humano a romper com o “velho humano” para um renascimento em
Cristo, gerando um humano mais completo, mais humano.
Após a guerra foi para Bremen, onde prosseguiu com seus estudos teológicos e
filosóficos. Ensinou teologia em Wuppertal, Bonn, Tübingen e nos Estados Unidos.
179
A Cristologia de Moltmann se projeta para o futuro escatológico. Tudo o que se
falou de Cristo implica o que Ele será e o que se deve esperar Dele. Assim, Moltmann
(2005) afirma que no Cristo está a esperança do humano, pois a ressurreição não esvazia
a cruz, mas a preenche de escatologia e significado.
180
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
181
AUTOATIVIDADE
1 Segundo Immanuel Kant, no processo de construção do conhecimento, o que o
humano pode atingir quando o objeto a ser estudado não é a reprodução do real, mas
o resultado da produção da sua criatividade. Assim, o porto seguro de partida para a
navegação intelectual ou reflexão de Kant é a razão. Conforme os estudos realizados,
o conhecimento de Deus na perspectiva kantiana é possível.
a) ( ) Razão prática.
b) ( ) Razão institucional.
c) ( ) Razão bíblica.
d) ( ) Razão pura.
a) ( ) Martin Heidegger.
b) ( ) Karl Rahner.
c) ( ) Karl Barh.
d) ( ) Rudolf Bultmann.
182
UNIDADE 3 TÓPICO 4 -
TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA
E COEXISTENCIAL
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão apresentados a origem e o desenvolvimento dos movimentos
de ordem ecumênica, isto é, o esforço para propiciar a unidade entre as igrejas
cristãs, cuja finalidade estava centrada na ameaça do secularismo originado a partir
das inovações científicas e tecnológicas. Ainda, serão contemplados os movimentos
que propiciaram o diálogo inter-religioso, cuja finalidade está no esforço para conter
a intolerância religiosa e o perigo do fundamentalismo. E a seguir será apresentado o
conceito e fundamentação da Teologia Coexistencial, a qual propõe a possibilidade de
atitudes éticas entre nas relações humanas, independentemente da posição religiosa,
filosófica ou política que cada ser humano assume em seu contexto histórico.
183
Constata-se historicamente que a origem dos movimentos ecumênicos está
nas igrejas protestantes. Em 1844 surgiu a Associação de Moços e Moças na Inglaterra,
sendo efetivada nos Estados Unidos da América em 1854. Em 1895 apareceu a
Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Disso resultaram diversos eventos de cunho
ecumênico. Com destaque para a Conferência de Edimburgo de 1910, a Conferência do
Panamá de 1916, a Encíclica do Patriarca de Constantinopla da Igreja Ortodoxa de 1920,
a União Latinoamericana da Juventude Evangélica de 1941, a instituição do Conselho
Mundial das Igrejas (CMI) de 1948, a Conferência Evangélica da América Latina de 1949,
1961 e 1969 e a criação do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil, em 1982.
Quanto à Igreja Católica Romana, ainda não faz parte do CMI, mas há uma
modesta aproximação, a ponto do Concílio “Ecumênico” Vaticano II (1962-1965) publicar
um decreto sobre o ecumenismo, com o título “Unitatis Redintegratio” (DENZINGER,
2001, p. 1571) e/ou orientações práticas para o ecumenismo na perspectiva católica.
E são em torno das questões cruciais para o planeta e a vida em sociedade que
o CMI, a exemplo de Jesus, o Cristo, toma partido. É na defesa da vida ameaçada pela
fome, guerras, arbitrariedades, genocídios, etnocídios e ecocídios que o CMI concretiza sua
diaconia, revelando que o cristianismo tem algo a contribuir para um mundo mais justo e
fraterno. Assim, o CMI comprova que o cristianismo é mais ortopraxia do que ortodoxia.
184
3 TEOLOGIA INTER-RELIGIOSA: POSSIBILIDADE DE
RESPEITO
Como vimos, o ecumenismo é algo ainda a ser concretizado. Em uma só tradição
religiosa, o Cristianismo, com uma só definição de Deus (Deus Trindade), podem ser
encontradas as multiplicações de procedimentos hermenêuticos e jogos de interesses,
incluso a preservação do poder institucional. Ainda, cada uma, em vez de experimentar
Deus sem esgotar o mistério, o define a partir das próprias estruturas institucionais.
Segundo Pannikkar (1981), o mediador entre Deus e o mundo é Cristo, que pode
ser identificado nos cristianismos e nas demais tradições religiosas com diferentes
conceitos e/ou nomes.
185
4 TEOLOGIA COEXISTENCIAL: POSSIBILIDADE ÉTICA
Para Mircea Eliade (1980) a maior descoberta da humanidade é a existência do
universo cultural. No entanto, o cenário atual mostra a internacionalização, a comunicação
em escala e a complexidade social, política, cultural e religiosa cada vez mais intensa
e tensa. Atualmente, nem tudo é evolução e desenvolvimento, experimentamos uma
aporia e uma crise humanitária e moral, fortemente marcada pela multiculturabilidade
que tem como estímulo o fenômeno da globalização.
A crise obriga o humano a voltar a navegar e/ou migrar, podendo ser afogado
em águas estrangeiras porque o país estranho, mesmo sendo cristão, na maioria, não
acolhe, muito menos quer saber que um tal de Jesus de Nazaré havia orientado seus
seguidores que o único caminho que leva o humano a Deus é a “lei do amor ao próximo”.
Daí a necessidade da ética se sobressair em relação à religião. Uma ética que garanta
a preservação ambiental, direitos individuais, sociais e os diferentes mundos culturais,
nos quais o humano é uma espécie em extinção.
186
das Igrejas, além do “triálogo intercredal” entre judeus, cristãos e muçulmanos, além das
“práticas de oposição à intolerância religiosa”, há ainda o caminho da coexistencialidade
e/ou saber viver e conviver com o diferente na cultura e na fé, porém, jamais na alma
que nos faz membros da mesma espécie.
187
LEITURA
COMPLEMENTAR
A TEOLOGIA ESCATOLÓGICA
Roger Olson
Uma das teologias novas mais influentes provenientes da Europa na era pós-
segunda Guerra Mundial é a teologia escatológica intimamente associada com os
escritos de dois professores alemães: Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg. Os dois
nasceram no fim da década de 1920, viveram os horrores da Segunda Guerra Mundial
e se aposentaram de suas carreiras brilhantes nas cátedras de universidades da
Alemanha no início da década de 1990. Desde o fim da década de 1960 até o começo de
1980, eram com um ente identificados com o os mais influentes teólogos protestantes
contemporâneos de âmbito mundial. Embora suas teologias difiram de várias m aneiras,
juntas despertaram um novo interesse e apreço pelo realismo escatológico da teologia
cristã clássica. Em boa parte dos séculos XIX e XX, a crença no reino de Deus na Terra
foi relegada à mitologia por teólogos liberais e alguns neo-ortodoxos. Embora Ritschl e
os teólogos do evangelho social falassem muito a respeito do reino de Deus, referiam
-se mais à ordem social humana do que à vinda de Jesus Cristo e ao governo e reino de
Deus no futuro. Os teólogos fundamentalistas pesquisavam todo tipo de especulação
sobre a escatologia e, em geral, insistiam no pré-milenarismo dispensacionalista – uma
opinião muito específica a respeito do final dos tempos que muitas vezes significava dar
mais atenção à chamada grande tribulação e ao anticristo do que à majestade de Jesus
Cristo na terra. Essa obsessão fundamentalista pelo fim dos tempos fez com que muitos
cristãos moderados, liberais e neo-ortodoxos deixasse de prestar atenção à segunda
vinda de Cristo ou aos eventos do futuro.
188
traduzida para o inglês e eles conquistaram boa reputação na América do Norte com
os principais teólogos protestantes moderados – um meio-termo entre o liberalismo
e o conservadorismo. Consideram suas abordagens básicas da teologia “criticamente
ortodoxas” por respeitarem a grande tradição da doutrina cristã da igreja primitiva e da
Reforma, mas rejeitam o confessionalismo “mecânico” e o conservadorismo máximo.
189
O apelo da teologia escatológica, para muitos jovens pensadores protestantes
nas décadas de 1970 e 1980 encontra-se em oferecer uma alternativa tanto ao teísmo
cristão clássico, com seu Deus estático que a tudo controla, quanto à teologia do
processo, com seu Deus impotente e em desenvolvimento. A teologia escatológica
era um novo paradigma por considerar o relacionamento de Deus com o mundo.
Esse paradigma se baseia na autolimitação divina pela qual Deus decide livremente
permitir que o mundo da natureza e da história o afete, sem perder a majestade sobre
ele. A existência de Deus não é consumida no relacionamento com o mundo. Mas
com o Deus criou o mundo e lhe deu liberdade, precisa operar nele sem dominá-lo.
E essa a solução que a teologia escatológica oferece para o problema do mal: males
com o holocausto acontecem porque o mundo ainda não é o reino de Deus. Deus
oferece à história humana sua própria liberdade e sofre com e por ela com o poder de
sua futuridade, pelo magnetismo do amor e pela prolepse poderosa. Deus, do futuro,
envia Jesus Cristo e o Espírito Santo para o mundo, para demonstrar seu amor e
libertar as forças espirituais de esperança na correnteza da história humana. No fim,
Deus virá ao mundo e anulará todo o pecado e mal e aqui habitará. Vários críticos,
sob diversas perspectivas, já levantaram objeções à teologia escatológica. Os que
assumem um a posição mais liberal (com o os teólogos do processo) consideram-na
muito sobrenaturalista e questionam por que Deus não intervém do futuro para pôr fim
a males com o holocausto uma vez que ele pode. Além disso, consideram mitológica
a aceitação, pela teologia escatológica, da ressurreição de Jesus Cristo e da realidade
de Deus com o trino e uno na eternidade. Para eles, essa ortodoxia crítica não é
suficientemente crítica. Os teólogos conservadores, sobretudo os fundamentalistas,
consideram a teologia escatológica muito crítica e pouco ortodoxa. Nem Moltmann
nem Pannenberg endossam a inerrância bíblica ou uma interpretação literalista das
origens ou do final dos tempos. Além disso, tendem fortemente ao universalismo,
embora nenhum chegue a apoiá-lo completamente.
FONTE: OLSON, R. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 624-627.
190
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:
• A Teologia Ecumênica convoca cada igreja cristã a rever sua própria história, não sob
o prisma de sua profissão de fé, mas do cristianismo conforme o evangelho.
• A expressão “Diálogo Intercredal” que consiste em uma Teologia possível entre as três
grandes Tradições Religiosas cuja fé encontra fundamentos na pessoa de Abraão,
personagem da Bíblia Judaica, Bíblia Cristã e do Alcorão Sagrado.
191
AUTOATIVIDADE
1 A Teologia Ecumênica, a cada dia que passa, vem sendo desenvolvida a partir das
igrejas cristãs. Quanto à Igreja Católica Romana, que ainda não faz parte do Conselho
Mundial das Igrejas, publicou um documento durante o Concílio “Ecumênico” Vaticano
II (1962-1965) com orientações práticas para o ecumenismo na perspectiva católica.
Sobre este documento é verdadeiro afirmar.
a) ( ) Claude Geffré.
b) ( ) Raimon Pannikkar.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Karl Rahner.
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