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Infância e
Adolescência
Prof. Lucas Tosi Dias de Souza
Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof. Lucas Tosi Dias de Souza
S729p
ISBN 978-65-5663-986-4
ISBN Digital 978-65-5663-982-6
CDD 150
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Bem-vindo ao Livro Didático Psicopatologia: Infância e
Adolescência, o ramo da ciência que se ocupa das causas, estruturas e funcionamentos
das doenças e dos transtornos mentais, além de suas formas de manifestação. Ou seja,
a Psicopatologia pode ser entendida como o conjunto de conhecimentos referentes ao
adoecimento mental do ser humano.
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dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
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do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 51
REFERÊNCIAS......................................................................................................103
REFERÊNCIAS......................................................................................................150
UNIDADE 1 —
INTRODUÇÃO AO ESTUDO
DA PSICOPATOLOGIA NA
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA:
AS FUNÇÕES PSÍQUICAS E
SUAS ALTERAÇÕES
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos os fundamentos da Psicopatologia, um
ramo da ciência que estuda as causas, estruturas e manifestações das doenças e dos
transtornos mentais. Começaremos o subtópico 2 com um pouco da história da Psiquiatria
e da Psicopatologia contemporânea; seguiremos apresentando alguns conceitos
introdutórios, mas fundamentais para a compreensão deste tópico.
3
FIGURA 1 – O ESTUDO DA PSICOPATOLOGIA
4
Dessa forma, a Psicopatologia dedica-se ao estudo dos transtornos mentais e
dos comportamentos que se diferem do que é esperado pelos padrões de normalidade
(conceito que estudaremos nos próximos subtópicos). O ponto de partida do estudo
da Psicopatologia, ou seja, a base na qual são construídas teorias e conceitos, não
está vinculada a uma teoria psicológica específica, como a Psicanálise, a Psicologia
Humanista ou a outras áreas do conhecimento como a Neurologia e a Genética. É por
isso que, segundo Ferreira (2015), essa ciência pode ser entendida a partir de diferentes
perspectivas:
ATENÇÃO
A Psicopatologia é a ciência que estuda as manifestações e mecanismos
psíquicos da mente enferma, ou seja, conceitos e princípios que dizem
respeito ao doente mental. Já a Psiquiatria é uma especialização da
Medicina, uma prática médica que se dedica à mente humana e que
utiliza a Psicopatologia como um de seus principais instrumentos.
5
A mudança de paradigma ocorre a partir do século XVIII, com a expansão
do Iluminismo, movimento intelectual e filosófico que dominou o mundo das ideias
na Europa e que ficou conhecido como O Século da Filosofia. É nesse período que
psiquiatras como William Cullen (1712-1790) classificaram as doenças psíquicas a partir
de bases científicas. Além disso, os conceitos introduzidos por Philippe Pinel (1745-1826)
contribuíram imensamente para a criação das duas mais famosas escolas psiquiátricas dos
séculos XIX e XX: a Escola Francesa de Psiquiatria e a Escola Alemã de Psiquiatria. A Figura
3 apresenta o rosto de Pinel, homenageado em um selo na França.
Agora que vocês já conhecem Philippe Pinel, vale ressaltar que a escola
francesa se destacou pelo estudo das neuroses, principalmente através das pesquisas
conduzidas pelo neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1893), um dos precursores
dos estudos da histeria e da hipnose. Outro importante psiquiatra dessa escola foi Pierre
Janet (1859-1947) que, através de experimentos com hipnose, descobriu que seus
pacientes poderiam relembrar de eventos traumáticos que auxiliavam no processo de
cura. Esse conceito de ab-reação, algo similar a uma descarga emocional, foi descoberto
e descrito quase simultaneamente pelo pai da Psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939),
em Viena (FERREIRA, 2015).
Com o avanço das ciências naturais, a partir das pesquisas de Charles Darwin
e Louis Pasteur, a Psiquiatria se inclina às causas orgânicas das doenças psíquicas,
iniciando estudos no córtex e no cérebro. Segundo Ferreira (2015), é a partir do estudo
anatomopatológico das demências que a Psiquiatria se consolidou. Em paralelo,
surgiram duas novas teorias que divergiam da escola alemã, representadas por dois
grandes nomes da Psiquiatria: Emil Kraepelin e Sigmund Freud, representado pela Figura 4.
6
FIGURA 4 – FOTO DE SIGMUND FREUD
• Tradição médica: fruto das pesquisas clínicas dos então chamados alienistas (nome
dado aos especialistas em saúde mental).
• Conhecimentos de outras ciências humanas: a Filosofia, a Literatura, a Psicologia,
a Psicanálise etc.
O termo Psicopatologia foi criado por Jeremy Benthan, em 1817. Psyché significa
alma e Páthos, sofrimento ou doença, e Lógos, estudo ou ciência. No entanto, os
trabalhos publicados por Esquirol e Griesinger em 1837 e 1845, respectivamente, lhes
garantiram o título de criadores da Psicopatologia.
7
A consolidação da Psicopatologia como uma ciência independente ocorreu,
em grande parte, a partir da publicação da obra do psiquiatra alemão Karl Jaspers,
Psicopatologia Geral, em 1913, sendo determinante para os estudos da área e tornando-
se referência obrigatória para pesquisadores e psiquiatras clínicos. Jaspers descreveu a
Psicopatologia como “uma ciência básica, que serve de auxílio à psiquiatria e à psicologia
clínica, a qual é, por sua vez, um conhecimento aplicado a uma prática profissional e
social concreta” (DALGALARRONDO, 2019, n. p).
DICA
Assista ao vídeo: A HISTÓRIA DA PSICOPATOLOGIA POR BENILTON
BEZERRA, disponível em: https://bit.ly/39qiJyZ.
8
3 CAMPOS E TIPOS DE PSICOPATOLOGIA
Ao longo dos últimos 200 anos, o estudo das psicopatologias se caracterizou
pela multiplicidade de abordagens e referenciais teóricos. Essa variedade é duramente
criticada por alguns cientistas, que afirmam tratar-se de uma ciência imatura, afinal,
quando realmente se conhece algo é possível explicá-lo por apenas uma teoria. Autores
como Dalgalarrondo (2019) discordam dessa visão, justificando que exigir uma única
explicação para uma área tão complexa como a psicopatologia seria tentar reduzir os
fenômenos psicopatológicos a soluções simplistas e artificiais.
9
QUADRO 1 – RESUMO DOS PRINCIPAIS TIPOS DE PSICOPATOLOGIA
Perspectiva da
Principais características
Psicopatologia
Objetiva a descrição das formas de alterações psíquicas e as
Descritiva
estruturas dos sintomas.
O foco são os conteúdos das vivências, afetos, desejos e
Dinâmica
experiências particulares dos indivíduos.
Perspectiva centrada no corpo, adoecimento como um mau
Médica
funcionamento do cérebro e uma disfunção biológica.
O transtorno mental não seria tanto uma disfunção
Existencial biológica, mas um modo de existência, uma forma de ser e
de estar no mundo.
Os sintomas seriam comportamentos e representações
Comportamental cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas pela
experiência familiar e social.
Os sintomas e transtornos mentais seriam uma forma de
Psicanalítica expressão dos conflitos inconscientes, de desejos que não
podem ser realizados.
Define os transtornos mentais a partir de “categorias únicas”,
Categorial considerando que haveria diferenças bem definidas entre as
patologias.
Considera os transtornos mentais a partir de dimensões ou
Dimensional
espectros.
Compreende o transtorno mental a partir de alterações de
Biológica mecanismos neurais e de circuitos cerebrais. O foco são os
aspectos neuroquímicos e neurofisiológicos das doenças.
Considera o papel dos fatores culturais no desenvolvimento
de transtornos mentais. Os sintomas só teriam significado
Sociocultural
a partir de um contexto de valores e normas culturalmente
construídas.
Os transtornos são definidos a partir de sua utilidade
Operacional- pragmática, considerando o tratamento clínico ou a
pragmática pesquisa. É a base dos manuais de classificação de
transtornos mentais como o DSM-5 e o CID-11.
Pesquisa as psicopatologias a partir de fundamentos
Fundamental históricos e conceituais, incluindo, também, as tradições
literárias, artísticas e de outras áreas das humanidades.
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2019)
10
4 OS CRITÉRIOS DE NORMALIDADE E DE PATOLOGIA
O conceito de saúde e de normalidade na Medicina é uma questão que continua
gerando debates até os dias de hoje. A descrição do que é a doença nos remete à Grécia
antiga, onde é possível localizar nos escritos hipocráticos a definição de que a natureza
(physis), tanto no homem como fora dele, é a harmonia e o equilíbrio. A perturbação
desse equilíbrio, dessa harmonia, é a doença, ou seja, ela não estaria em uma parte do
homem, mas o acometeria como um todo. Para os gregos, a doença não é somente
desequilíbrio ou desarmonia; ela é, também, “o esforço que a natureza exerce no homem
para obter um novo equilíbrio. A doença é uma reação generalizada com intenção de
cura. O organismo desenvolve uma doença para se curar” (CANGUILHEM, 2009, p. 11).
Nesse sentido, a Figura 7 apresenta o que consideraríamos uma mente normal e outra
mente com um possível transtorno.
11
Por essa razão, compreende-se o motivo do debate sobre normalidade e
anormalidade estar vivo e em constante atualização, visto que há sempre um juízo
de valor e conotações políticas e filosóficas ao se categorizar algo como patológico,
impactando o modo como milhares de pessoas serão situadas em suas vidas na
sociedade (DALGALARRONDO, 2019).
ATENÇÃO
“Aquilo que é normal, apesar de ser normativo em determinadas condições,
pode se tornar patológico em outra situação, se permanecer inalterado. O
indivíduo é que avalia essa transformação porque é ele que sofre suas
consequências, no próprio momento em que se sente incapaz de realizar
as tarefas que a nova situação lhe impõe” (CANGUILHEM, 2009, p. 59).
12
4.1.2 Normalidade estatística
Trata-se da normalidade aplicada às situações quantitativas, conforme
apresentado na Figura 9, em que o normal passa a ser aquilo que se observa com mais
frequência. Se quem está dentro da curva de distribuição normal são justamente os
indivíduos “normais”, quem está fora da curva automaticamente se torna anormal ou doente.
13
4.1.5 Normalidade subjetiva
Ainda que se trate de uma proposta interessante, pois nessa visão a percepção
subjetiva do indivíduo com relação ao seu estado de saúde é o mais importante, pode
ser um critério falho, pois há pessoas que estão “se sentindo muito bem, felizes” em
fases maníacas de um transtorno bipolar, por exemplo.
14
Para alcançarmos as boas práticas propostas anteriormente, é preciso
compreender que a saúde pública precisa ser estruturada considerando os conceitos
de medicina social, introduzida na Alemanha em 1948, por Virchow, que propunha a
reforma da medicina com base em quatro princípios:
15
A partir do que aprendemos no Quadro 2, podemos avançar para o primeiro
subtópico da atenção psicossocial, a atenção básica.
Portanto, para que seja possível implementar programas ligados à Atenção Bá-
sica, é preciso primeiramente dispor das edificações e de equipamentos adequados,
conforme ilustrado pela Figura 11. Além disso, é fundamental considerar os conheci-
mentos e habilidades dos profissionais, “a capacidade de trabalho em equipe, os meios
constituídos pela interação dos profissionais entre si e destes com os usuários e a co-
munidade no processo de trabalho, buscando um modelo produtor do cuidado, centra-
do no usuário e suas necessidades” (CAMPOS, 2018, p. 142).
16
Portanto, é preciso pensar a saúde pública a partir da perspectiva da prevenção
das desordens, e não apenas seu tratamento, considerando as associações existentes
entre o contexto social e as doenças mentais. Isso porque a qualidade do ambiente social
“está fortemente relacionada ao risco que ela tem de sofrer de uma doença mental, ao
desencadeador de um episódio da doença e à probabilidade dessa doença tornar-se
crônica” (THORNICROFT; TANSELLA, 2010, p. 13). Ainda segundo as autoras, a pobreza
parece ser um fator crucial em muitas dessas complexas relações, visto que o impacto
cumulativo da pobreza pode produzir efeitos continuados sobre o funcionamento físico,
cognitivo, psicológico e social.
17
A Rede de Atenção Psicossocial é constituída por diversos componentes como a
Unidade Básica de Saúde, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, o programa Consultório
na Rua, os Centros de Convivência e Cultura, além dos Centros de Atenção Psicossocial.
18
Segundo as definições do governo, a ESF visa à reorganização da atenção
básica no país, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde,
IMPORTANTE
A partir dos dispositivos apresentados, é possível afirmar que estamos
caminhando no sentido de construir um “novo modo de lidar com o
sofrimento mental, acolhendo e cuidando efetivamente dos sujeitos, e
a construção, consequente, de um novo lugar social para a diversidade,
a diferença e o sofrimento mental” (AMARANTE, 2013, s.p.).
19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
20
AUTOATIVIDADE
1 A Psicopatologia é uma ciência que pode ser compreendida a partir de diferentes
perspectivas. Com relação à definição da Psicopatologia Psicodinâmica, assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) Normalidade estatística.
b) ( ) Normalidade como bem-estar.
c) ( ) Normalidade subjetiva.
d) ( ) Normalidade operacional.
21
( ) Não é preciso ampliar as capacidades comunicativas e gerenciais dos profissionais,
visto que não são características necessárias para a atuação em comunidade e
para a organização da assistência.
22
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
PSICOPATOLOGIA E PSICOSSOMÁTICA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, estudaremos os conceitos da Psicossomática, linha
teórica que surge no início do século XX inspirada na “arte de curar” da Medicina e
que pode ser definida como o estudo das relações entre as emoções e os males do
corpo. O subtópico 2 será dedicado a apresentação dos conceitos e das manifestações
psicossomáticas, tanto na infância quanto na adolescência.
23
A partir da Escola de Chicago, a psicossomática evoluiu em três fases:
24
Nesse sentido, o sintoma psicossomático faz parte da própria vida do indivíduo,
como parte de sua personalidade e não como um aspecto isolado. Portanto, toda
investigação deve considerar o contexto complexo de onde emerge o sintoma, e não
simplesmente examinar o órgão e suas manifestações.
Winnicott entende que é necessário um meio ambiente perfeito para que ocorra
o desenvolvimento saudável do psicossoma, esse ambiente seria representado pelo útero,
enquanto o nascimento seria uma perturbação a essa homeostase, uma espécie de trauma
(BELMONT, 2010). Nesse sentido, para a teoria winnicottiana, o ser humano seria capaz de
recordar tudo o que lhe acontece, tanto em nível físico quanto emocional. Por isso que o autor
se dedicou tanto aos atendimentos com crianças, destacando a importância das psicoterapias
nessa faixa etária. A Figura 14 representa o que seria um atendimento com crianças.
25
Na tentativa de minimizar esses traumas e descontinuidades, algumas teorias
defendem o corte tardio do cordão umbilical e o reencontro da mãe com o bebê
logo após o parto. Ao manter o cordão umbilical por alguns minutos mantinha-se a
homeostasia anterior, o bebê continuaria a receber oxigênio e nutrientes pelo cordão
garantindo um suave ingresso em um mundo tão diferente do anterior. Além disso, com
a elaboração de conceitos como holding e handling, Winnicott provou que os cuidados
pós-natais são essenciais na integração psicossomática e nas fundações de tempo e
espaço (BELMONT, 2010).
26
• Atitude social reivindicatória, com tendência a assumir atitudes antissociais,
diretamente relacionada com o modo como é recebido pelo mundo adulto.
• Instabilidade de conduta, variando do hostil ao amoroso.
• Necessidade de separar-se progressivamente dos pais ou de seus substitutos.
• Variações constantes do humor (irritabilidade, depressão, euforia).
IMPORTANTE
“A origem de todo conflito psicossomático está na presença do ritmo dentro
do ventre materno. A criança, nesse período, vivencia os movimentos da
mãe, sua cadência, o som do coração e a sensibilidade plena desse corpo,
e essas vibrações são transmitidas para o inconsciente desse feto, que
elabora suas primeiras impressões da vida” (FERREIRA, 2015, p. 43).
3 OS TRANSTORNOS MENTAIS
Atribui-se o nome de transtorno a qualquer anormalidade, sofrimento ou
comprometimento de determinação psicológica e/ou mental, como as alterações de
pensamento, emoções e comportamento. É preciso considerar que pequenas alterações
nesses aspectos são comuns, mas quando passam a gerar angústia ou interferir em
nossa vida cotidiana, podem ser considerados transtornos de saúde mental, cujo efeitos
podem ser duradouros ou temporários.
27
Atualmente, a investigação dos transtornos mentais se dá de forma
interdisciplinar, considerando áreas como a Psicologia, a Psiquiatria, a Filosofia, entre
outras. A Psicologia e a Psiquiatria optam por utilizar as terminologias transtornos,
perturbações ou distúrbios psíquicos, evitando-se o uso da palavra doença pois apenas
poucos quadros clínicos mentais apresentam todas as características de uma doença
no sentido tradicional do termo.
Quatro das dez principais causas de incapacidade nas pessoas com cinco
anos de idade ou mais se devem a transtornos de saúde mental, sendo a depressão a
principal delas. Apesar dessa prevalência elevada, apenas cerca de 20% das pessoas
que têm transtornos mentais procuram assistência médica (FIRST, 2020). Isso porque
ainda há um estigma muito grande com relação à saúde mental, a própria pessoa pode
ser culpada pela sua condição ou considerada preguiçosa ou irresponsável. Além disso,
é comum que o transtorno mental seja interpretado como menos real ou legítimo do
que a doença física.
28
4 AS SÍNDROMES E OS SINTOMAS
O termo síndrome origina-se da palavra grega “syndromé”, que significa
“reunião”. Quando utilizada na área da saúde, a síndrome é definida como uma reunião
de sintomas e sinais que estão associados a mais de uma causa e que podem definir
determinada patologia ou condição. Diferentemente do que acontece nas doenças, a
sintomatologia das síndromes é inespecífica, podendo ter diversas origens. É por isso
que alguns pacientes diagnosticados com síndromes podem nunca chegar a uma
conclusão definitiva sobre a causa de seus sinais e sintomas. Um dos exemplos é a
Síndrome de Down, pois, ainda que se saiba a sua origem cromossômica, não se sabe
exatamente o que causa a alteração.
29
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• A psicossomática na infância pode ser entendida como o estudo das interações entre
o bebê, que possui estrutura genética, capacidades e incapacidades específicas,
e o meio ambiente. É a partir desse encontro que poderá resultar integração
psicossomática ou não. Mesmo potenciais genéticos particulares podem ser ativados
ou não, dependendo do maior ou menor nível de estresse que ocorra durante a
gestação.
• As síndromes podem ser definidas como uma reunião de sintomas e sinais que
estão associados a mais de uma causa e que podem definir determinada patologia
ou condição. Diferentemente do que acontece nas doenças, a sintomatologia das
síndromes é inespecífica, podendo ter diversas origens. Quanto aos sintomas, podem
ser definidos como alterações no corpo percebidas e relatadas pelo próprio sujeito,
como dor de cabeça, angústia, náusea etc. Os sintomas são aspectos subjetivos e,
diferentemente dos sinais, não é possível observá-los diretamente.
30
AUTOATIVIDADE
1 Podemos definir psicossomático como o estudo das relações entre as emoções e os
males do corpo, sendo que somatização é a “manifestação de transtornos psicológicos
– conflitos e angústias – por meio de sintomas corporais. Essas tendências podem
se manifestar através de respostas a estresse psicossocial” (FERREIRA, 2015, p. 40).
Com relação à forma como a doença é encarada pela Psicossomática, assinale a
alternativa CORRETA:
31
3 O termo síndrome origina-se da palavra grega “syndromé”, que significa “reunião”.
Quando utilizada na área da saúde, é atribuída a um conjunto de sinais e sintomas
físicos e/ou psicológicos que geram a manifestação de uma ou várias doenças e
condições clínicas que independem da etiologia. Com relação às síndromes e aos
sintomas, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.
5 Apesar dessa prevalência elevada, apenas cerca de 20% das pessoas que têm
transtornos mentais procuram assistência médica. Disserte sobre os possíveis
motivos para essa baixa procura por ajuda especializada.
32
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
AS FUNÇÕES PSÍQUICAS E SUAS
ALTERAÇÕES
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos as funções psíquicas e suas alterações,
dedicando o Subtópico 2 para a apresentação das funções psíquicas elementares. Vale
ressaltar que a separação da atividade mental em áreas distintas é um procedimento
puramente didático. É preciso considerar que as pessoas adoecem na sua totalidade, não
existindo doenças que acometem exclusivamente uma função.
Por fim, mas não menos importante, no Subtópico 3 conheceremos um pouco das
funções psíquicas compostas que, diferentemente das funções psíquicas elementares,
resultam de agrupamentos de funções, ou seja, a somatória de atividades e capacidades
mentais e comportamentais. Nesse subtópico, abordaremos as três principais funções
psíquicas compostas: o Eu (Self), a personalidade e a inteligência.
33
FIGURA 16 – AS FUNÇÕES PSÍQUICAS ELEMENTARES
A atenção, por sua vez, pode ser definida como o estado de concentração
da atividade mental sobre determinado objeto, ou ainda como o processo pelo qual a
consciência é direcionada para determinado estímulo (imagem, afeto ou pensamento).
34
Nesse sentido, a atenção refere-se ao conjunto de “processos psicológicos que torna
o ser humano capaz de selecionar, filtrar e organizar as informações em unidades
controláveis e significativas” (DALGALARRONDO, 2019, s.p).
35
se quanto ao espaço e, por fim, quanto a si mesmo. Podemos citar alguns quadros como:
desorientação por déficit intelectual, desorientação por dissociação, desorientação por
redução do nível de consciência, desorientação apática, desorientação delirante etc.
(DALGALARRONDO, 2019).
Ainda que a distinção entre sensações e percepções seja artificial, visto que
chegam a nossa consciência de forma total e estruturada, didaticamente seria possível
considerar as formas e cores em uma fotografia, como a sensação e as carteiras, crianças
e quadro negro de uma sala de aula, como a percepção. Segundo Dalgalarrondo (2019), o
processo de sensopercepção se dá através da imagem perceptiva real ou imagem, que
possui qualidades como nitidez, estabilidade, corporeidade, extrojeção, ininfluenciabilidade
voluntária e completude.
38
As alterações quantitativas da psicomotricidade são divididas em: apraxia
(dificuldade ou impossibilidade de realizar atos motores voluntários), hipocinesia
(diminuição acentuada e generalizada dos movimentos voluntários) e hipercinesia
(aumento patológico da atividade motora voluntária).
39
O pensar está relacionado à antecipação de acontecimentos e à construção
de modelos da realidade, sendo suas principais funções: a elaboração de conceitos,
a formação de juízos e o raciocínio. Didaticamente, o pensamento pode ser dividido
em algumas modalidades: pensamento lógico (regido pela lógica formal, realidade
e racionalidade), pensamento indutivo (a partir da observação de fatos elementares,
chega-se a conclusões mais amplas), pensamento dedutivo (parte de esquemas e
definições constituídos para deduzir a correção do pensamento), pensamento intuitivo
(apreensão de uma realidade de forma direta e imediata) e o pensamento crítico (estar
atento às possíveis falhas em seu próprio raciocínio).
• Delírio: ideias que o indivíduo trata como verdadeiras com toda convicção, entretanto,
estão distantes da realidade.
• Ideia deliróide: são delírios secundários às circunstâncias de vida da pessoa; são
compreensíveis pois estão baseados em evidências delirantes.
40
• Afasias: perda da linguagem falada e ouvida, por incapacidade de compreender e
utilizar os símbolos verbais, decorrente de lesão neuronal.
• Agrafia: incapacidade da expressão através da linguagem escrita, sem que haja
qualquer déficit motor ou perda cognitiva global.
• Alexia: é a perda da capacidade previamente adquirida para a leitura, decorrente de
disfunção ou lesão neuronal.
• Afonia: perda da voz sem danos neurológicos e musculares. Geralmente ocorre após
um evento de vida estressante.
• Ecolalia: repetição, como um eco, da última ou últimas palavras proferidas por
alguma pessoa no ambiente.
• Parafasia: deformação ou troca de palavras, podendo ser literais ou verbais.
41
Nesse campo da Psicopatologia, Segundo Dalgalarrondo (2019), isso pode causar
confusão em quem está estudando o tema, principalmente porque as distinções entre
os termos são sutis e difíceis de serem demarcadas. Considerando essas pontuações,
os próximos três subtópicos apresentarão as principais funções psíquicas compostas.
3.1 O EU E O SELF
Os conceitos de “Eu” e de “Self” são amplos e variam de acordo com o período
e a linha teórica. Uma das visões mais aceitas pela psicologia do desenvolvimento aponta
que o Eu se desenvolve ao longo do primeiro ano de vida da criança, tornando-se mais
nítido e consistente após esse período. Após o primeiro ano, a criança desenvolve a
capacidade de perceber e representar objetos autônomos e estáveis em sua mente,
além de elaborar uma visão de si mesma como um ser independente dos demais
(DALGALARRONDO, 2019).
FIGURA 18 – O EU E O SELF
42
Para a Psicologia Humanista, o conceito de self, também chamado de
autoconceito e de noção de Eu, é a percepção de si e da realidade pela própria pessoa.
Trata-se de uma estrutura, um conjunto organizado e mutável de percepções relativas
ao próprio indivíduo, podendo ser divididas em: características, atributos, qualidades e
defeitos etc.
3.2 A PERSONALIDADE
O estudo da personalidade humana é um tema complexo e plural, que envolve
diversas áreas do conhecimento. A tentativa de conhecer e delimitar a personalidade
humana na sua totalidade é impossível, pois sempre haverá dimensões e elementos
que não poderão ser alcançados. A Figura 19 apresenta de forma gráfica uma das
definições para o conceito de personalidade, ou seja, o modo característico como
uma pessoa sente, pensa, reage, se comporta e relaciona-se com as outras pessoas
(DALGALARRONDO, 2019).
FIGURA 19 – A PERSONALIDADE
43
fatores genéticos ou constitucionais precoces, formando a base genético-neuronal
da personalidade. Nessa perspectiva, os indivíduos nasceriam com certas tendências
(mais ativo ou mais passivo, mais reativo ou menos reativo etc.). Por fim, o caráter se
constituiria a partir dos elementos da personalidade de base psicossocial e sociocultural.
O caráter, portanto, “resultaria do temperamento moldado, modificado e inserido no
meio familiar e sociocultural. O termo ‘caráter’, portanto, diz respeito aos aspectos mais
especificamente psicológicos da personalidade” (DALGALARRONDO, 2019, n. p).
3.3 A INTELIGÊNCIA
É possível que a inteligência não seja propriamente uma função psíquica
específica, e sim uma medida de rendimento do pensamento, particularmente do
raciocínio. Ainda que seja um conceito fundamental da psicologia moderna, não há uma
definição de inteligência que seja categórica ou amplamente convincente. A Figura 20
representa as múltiplas definições e formas de entendimento do conceito de inteligência.
FIGURA 20 – A INTELIGÊNCIA
44
Em oposição à noção de inteligência geral (a inteligência como um traço unifatorial),
diversos autores vêm distinguindo diferentes tipos de inteligência, que correspondem
às várias habilidades ou áreas da cognição, como: inteligência verbal, visuoespacial,
visuoconstrutiva, aritmética, capacidade lógica, capacidade de planejamento e execução,
capacidade de resolução de problemas novos, inteligência para a abstração e para a
compreensão, inteligência criativa, entre outras.
DICA
Acadêmico, assista ao vídeo: COMO NASCE A INTELIGÊNCIA, de Luís Mauro Sá
Martino, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fLO2Z5BwHVE.
45
LEITURA
COMPLEMENTAR
MEDICALIZAR PROBLEMAS COTIDIANOS FAZ MAIS MAL A SAÚDE
DO QUE A DEPRESSÃO
Paulo Amarante
A vida não é uma norma, há diferentes padrões, cada vida é muito pessoal.
Podemos inventar a doença, ampliar o conceito de doença e patologizar todo o sofrimento,
ou podemos inventar e ampliar o conceito de saúde. O normal não é o estado de bem-estar
eterno, permanente, ideal. O normal é a capacidade de reação às adversidades – pois elas
46
existem – criando-se normas. A normatividade é a capacidade do ser vivo de criar normas;
elas não existem de antemão. A saúde está em lidar com a situação de doença. O câncer é
normal na vida; se há um corte no braço, o organismo encontra um caminho para o sangue
passar, ou cria a cicatriz para organizar a pele, assim como cria a febre para reagir à infecção.
Essa capacidade de criação de normas é muito pessoal. Há princípios gerais, mas nunca são
universais e idênticos.
Somos criados na relação com o outro; nossa identidade está nessa relação. A
necessidade de reflexão, introspecção, escuta é imanente, constituinte do sujeito. Essa,
no entanto, não é uma questão exclusivamente médico-sanitária, somente do âmbito da
saúde. As comunidades ditas primitivas são muito mais sábias nisso, com seus métodos
de relações de vizinhança, de cooperação, para fazer frente a essa necessidade. Nós
temos essas redes, mas não valorizamos! Na comunidade aqui do lado vemos uma mãe
que perdeu um filho contar com uma rede de apoio, de solidariedade das vizinhas que
vão dormir com ela, que levam um bolinho... Mas isso não é valorizado. A primeira coisa
que se faz quando se perde alguém é tomar um antidepressivo para suportar a crise. O
que é preciso, no entanto, é viver aquela crise, e as redes são importantes para isso. Mas
como não se dá valor a elas, e o Estado não sabe como propiciar esse acolhimento por
meio de uma política pública, e, ainda, como há uma quebra de relações de comunidade
promovida pela televisão, pelo medo e pela insegurança, a Igreja acaba ocupando esse
espaço. No meu bairro as pessoas sequer se cumprimentam dentro do elevador. Elas
não se abrem em sua comunidade, vão para a Igreja fazer uma catarse espiritual ou vão
procurar um médico. A questão da depressão é paradigmática, aponta para a ausência
do outro, da rede de solidariedade nas grandes cidades. Com as perdas de vínculo, as
pessoas ficam sós. O importante seria podermos restabelecer vínculos.
47
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
48
AUTOATIVIDADE
1 O tempo e o espaço são, ambos, condicionantes fundamentais do universo humano
e estruturantes básicos da nossa experiência. Quanto às alterações nas vivências do
tempo, assinale a alternativa CORRETA:
3 A vontade, ou volição, pode ser definida como uma elaboração cognitiva realizada a partir
dos impulsos, influenciada por fatores intelectivos e socioculturais. A vontade constitui
um processo psíquico de escolha de uma entre várias possibilidades de ação, uma
atividade consciente de direcionamento da ação. Considerando as definições e
alterações da volição, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
49
( ) O ato volitivo dá-se, de forma geral, como um processo composto por quatro
etapas: intenção, deliberação, decisão e execução.
( ) A hiperbulia caracteriza-se pelo aumento da vontade e da iniciativa.
( ) Dentre as alterações qualitativas da volição, podemos citar os atos compulsivos,
os atos impulsivos e a hipobulia.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) V – V – F.
4 Os afetos podem ser considerados uma consequência das nossas ações que
buscam satisfazer certas necessidades, resultando em experiências agradáveis ou
desagradáveis. Segundo Dalgalarrondo (2019), os afetos são divididos em cinco tipos.
Disserte sobre três tipos dos afetos apresentados.
5 Os conceitos de “Eu” e de “Self” são amplos e variam de acordo com o período e a linha
teórica. A partir de uma das linhas teóricas apresentadas (Psicanálise, Behaviorismo ou
Humanismo), disserte sobre o conceito de Eu/Self.
50
REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. 4. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2013.
FIRST, M. Considerações gerais sobre a doença mental. Manual MSD, 2020. Disponível
em: https://msdmnls.co/3bYiJJ8. Acesso em: 16 jul. 2021.
51
JASPERS, K. Psicopatologia geral. Vol. I. Rio de Janeiro: Atheneu, 1987.
52
UNIDADE 2 —
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
EM PSICOPATOLOGIA:
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 3 – A TERAPÊUTICA
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
53
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
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54
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, aprenderemos sobre a avaliação das funções psíquicas,
ou seja, a medição sistemática dos fatores psicológicos, biológicos e sociais que um
indivíduo pode ou não apresentar um transtorno psicológico. Iniciaremos nossos
estudos no Subtópico 2 com a apresentação de um dos principais tipos de avaliação,
a avaliação clínica. O processo de avaliação clínica e o diagnóstico são essenciais para
o estudo da Psicopatologia e são entendidos como medição sistemática dos fatores
psicológicos, biológicos e sociais em um indivíduo que pode apresentar um transtorno
psicológico.
55
2 A AVALIAÇÃO CLÍNICA
O processo de avaliação clínica e o diagnóstico são essenciais para o estudo
da Psicopatologia. Podemos entender a avaliação clínica como a medição sistemática
dos fatores psicológicos, biológicos e sociais em um indivíduo que pode apresentar
um transtorno psicológico. Esse processo, ilustrado pela Figura 1, pode ser comparado
a um funil, pois são coletadas grandes quantidades de informações sobre diversos
aspectos da vida do paciente, permitindo a posterior identificação das possíveis fontes
do problema (BARLOW; DURAND, 2016).
56
ATENÇÃO
A avaliação clínica não é apenas o mero relato das atividades ou do
simples diálogo com o paciente. Ela pressupõe um objetivo claramente
definido da parte do examinador, que tenta captar o “ser-no-mundo”
do paciente em questão (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 2009).
57
• Esses pacientes têm dificuldades em acessar os serviços gerais de saúde.
• Os pacientes podem ter dificuldades em comunicar objetivamente suas queixas
somáticas.
• Esses indivíduos podem não ser adequadamente ouvidos pelos médicos em geral,
pois o estigma de “louco” pode invalidar suas queixas somáticas.
• Em muitos serviços de saúde, há um certo preconceito contra pessoas com
transtornos mentais, dificultando os cuidados na saúde física.
58
Os objetivos da avaliação neuropsicológica são, basicamente, auxiliar no
diagnóstico diferencial, estabelecer a presença ou não de disfunção cognitiva e aferir o
nível de funcionamento em relação ao nível ocupacional.
DICA
Acadêmico, para expandir seus conhecimentos, assista ao vídeo Entre Nós - Avaliação
Psicológica, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=asBtAZJxA3g.
3 A ENTREVISTA CLÍNICA
60
FIGURA 6 – A ENTREVISTA CLÍNICA
61
• Reações emocionais intensas de pena ou compaixão.
• Responder com hostilidade ou agressivamente.
• Entrevistas excessivamente prolixas.
• Fazer muitas anotações durante a entrevista, pois pode dar a impressão de que as
anotações são mais importantes que a própria entrevista.
Marcelli e Cohen ainda afirmam que as entrevistas com crianças objetivam não
só avaliar o normal ou o patológico, mas também orientar as possibilidades terapêuticas
imediatas ou posteriores. Nesse sentido, as entrevistas têm como principal objetivo
estabelecer uma comunicação baseada em trocas afetivas positivas, oferecendo à
criança um ambiente adequado para que essa comunicação se estabeleça. A Figura 7 é
uma representação de uma entrevista com crianças. São necessárias, em geral, de três a
quatro entrevistas de investigação.
62
De acordo com Marcelli e Cohen (2010), as principais formas de se estabelecer
comunicação com as crianças são:
63
Ao longo das entrevistas de avaliação, Marcelli e Braconnier (2007) consideram
importante que o terapeuta comunique ao adolescente o interesse em se encontrar
com os pais, mesmo que o adolescente resista à ideia. No entanto, o mais comum é o
adolescente aceitar e se mostrar satisfeito com essa proposta. O objetivo dessas duas
ou três entrevistas de avaliação é chegar a uma proposição terapêutica.
4 A ANAMNESE
A palavra anamnese se origina do grego e significa rememoração (ana = novo;
mnesis = memória). A anamnese é um tipo de entrevista clínica direcionada a investigar
fatos e, por isso, o profissional tem uma posição mais ativa nos questionamentos (Figura
8). Trata-se de uma coleta de informações em que o entrevistador se interessa tanto
pelos sintomas objetivos como pela vivência subjetiva do paciente em relação aos
sintomas, pela cronologia dos fenômenos e pelos dados pessoais e familiares (SILVA;
BANDEIRA, 2016).
64
confortável e demonstrar interesse pelo que lhe é dito, garantindo que a entrevista flua
naturalmente, tendo o cuidado para não usar expressões ou entonações que possam
parecer julgamentos.
ATENÇÃO
A realização de uma boa anamnese exige do profissional os conhecimentos
teóricos adequados sobre o que se pretende avaliar, além do uso adequado
de estratégias que otimizem a qualidade das informações coletadas.
5 O DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO
A palavra diagnóstico tem origem grega e significa conhecer, distinguir ou
reconhecer (Figura 9). O diagnóstico é um o processo a partir do qual se determina se
um problema em particular, que esteja afetando o indivíduo, pode ser classificado ou
não como um transtorno psicológico, seguindo as definições do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) ou da Classificação Estatística Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).
FIGURA 9 – O DIAGNÓSTICO
65
Não há um consenso acerca da formulação de diagnósticos, pois, se
considerarmos que as doenças são apenas conceitos e estão em constante modificação,
algumas pessoas poderiam estar “doentes” hoje e não estarem mais amanhã, caso
os critérios sejam alterados ou excluídos dos manuais de referência. Além disso,
cada pessoa é uma realidade única e inclassificável, dando ao diagnóstico um caráter
“estigmatizante, e que ele apenas serviria para rotular as pessoas diferentes, permitindo
e legitimando o poder médico, o controle social sobre o indivíduo desadaptado ou
questionador” (CHENIAUX, 2015, s.p.).
Nesse sentido, Cheniaux (2015) argumenta que há uma grande diferença entre
diagnosticar uma pessoa, uma necessidade prática na medicina e na ciência, e reduzi-
la a esse diagnóstico. Quando utilizado de forma positiva, o diagnóstico permite a
comunicação e a previsão, ou seja, o prognóstico depende do diagnóstico, contribuindo
para as medidas terapêuticas e preventivas.
66
Já os testes de inteligência foram criados visando identificar “aprendizes
lentos”, que poderiam se beneficiar de ajudas extras. Os criadores desse tipo de
teste desenvolveram uma série de tarefas que “mediam” habilidades consideradas
fundamentais para o ambiente escolar, como a atenção, percepção, memória, raciocínio
e a compreensão verbal. A aplicação do teste resulta em uma pontuação denominada
quociente de inteligência, ou Q.I. Atualmente, a pontuação de Q.I. é compreendida como
o quanto o desempenho de uma criança na escola se desviará do desempenho médio de
outras da mesma idade (BARLOW; DURAND, 2015). As críticas realizadas aos testes de
Q.I. recaem sobre a sua simplificação, afinal, capturar o intelecto humano com precisão
requer um conjunto de testes mais detalhados e que experimentem uma ampla gama
de possibilidades, considerando os vários tipos de inteligência existentes.
67
IMPORTANTE
Comportamentos não verbais, como: mímica da face; olhar; movimentos
da boca; postura gestual; qualidade e tom da voz; e modo de andar
informam muito sobre a personalidade e o estado mental das pessoas.
A comunicação não verbal pode, inclusive, ser mais verdadeira, sintética e
expressiva do que a comunicação verbal (DALGALARRONDO, 2019).
68
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
69
AUTOATIVIDADE
1 O processo de avaliação clínica e o diagnóstico são essenciais para o estudo da
Psicopatologia. Podemos entender a avaliação clínica como a medição sistemática
dos fatores psicológicos, biológicos e sociais em um indivíduo que pode, ou não,
apresentar um transtorno psicológico. Com relação aos três conceitos básicos
necessários para uma avaliação, assinale a alternativa CORRETA:
2 As entrevistas com crianças têm como principal objetivo estabelecer uma comunicação
baseada em trocas afetivas positivas, oferecendo um ambiente adequado para que
a comunicação se estabeleça. Com relação às principais formas de se estabelecer
comunicação com as crianças, assinale a alternativa CORRETA:
70
a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
4 O exame físico do paciente com transtorno mental é muito importante, não diferindo
dos exames realizados em indivíduos sem patologias mentais. Ainda assim as doenças
físicas são subdiagnosticadas em pacientes com transtornos mentais graves por
diversos motivos. Discorra sobre pelo menos três desses motivos.
71
72
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
OS PRINCIPAIS QUADROS PATOLÓGICOS DA
INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, conheceremos os principais quadros patológicos da
infância e da adolescência. O Subtópico 2 será dedicado ao estudo do surgimento
e da constituição dos transtornos mentais, considerando fatores como: genética;
experiências emocionais na infância e adolescência; condições pregressas e atuais da
vida. Aprenderemos, também, que os sintomas e as síndromes têm origem definida a
partir de dois fatores: os fatores predisponentes e os fatores precipitantes.
73
2 O SURGIMENTO E A CONSTITUIÇÃO DOS
TRANSTORNOS MENTAIS
Tanto os sintomas quanto as síndromes têm origem definida a partir de dois
fatores: (1) fatores predisponentes, como a genética, experiências emocionais na
infância e adolescência e as condições pregressas de vida, e os (2) fatores precipitantes,
que são mais atuais ou recentes como perdas e estresses. Nesse sentido, “é preciso
notar como se articula, ao longo da vida, o conjunto de fatos biológicos, psicológicos
e sociais para a ocorrência ou não de sintomas, síndromes ou transtornos mentais”
(DALGALARRONDO, 2019, s.p.).
74
• Fator patogenético: é a manifestação dos sintomas diretamente produzidos pelo
transtorno mental como, por exemplo, o desânimo e o humor triste na depressão ou
as alucinações na esquizofrenia.
• Fator patoplástico: trata-se de manifestações relacionadas à personalidade do
paciente, à história de vida específica do indivíduo e de seus padrões culturais,
familiares e religiosos.
• Fator psicoplástico: relaciona-se aos eventos e às reações posteriores ao adoecer,
tanto do indivíduo quanto do meio psicossocial. Os conflitos familiares e as perdas
sociais e ocupacionais decorrentes do transtorno contribuem na determinação do
quadro clínico (DALGALARRONDO, 2019).
• Crises: a crise (ataque) é marcada pelo surgimento e pelo término abrupto do quadro
(crise epiléptica, ataques de pânico).
• Reações vivenciais: são consideradas reações vivenciais anormais quando há
intensidade exagerada ou duração prolongada dos sintomas.
• Fase: períodos de depressão e de mania dos transtornos afetivos. Passada a fase, o
indivíduo retorna ao que era antes dela, sem alterações duradouras na personalidade.
• Surto: ocorrência aguda, que se instala de forma mais ou menos repentina, fazendo
eclodir uma doença de base endógena. Produz sequelas irreversíveis e danos à
personalidade, cognição e afetos do indivíduo (DALGALARRONDO, 2019).
75
IMPORTANTE
“É incorreto falar em surto maníaco, fase esquizofrênica, crise maníaca;
tal uso revela o desconhecimento da terminologia e dos conceitos
psicopatológicos básicos. Na dúvida, quando não se conhece ainda o
tipo de fenômeno e o curso temporal do ocorrido, sugere-se utilizar o
termo neutro episódio” (DALGALARRONDO, 2019, s.p.).
76
FIGURA 12 – CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE O AUTISMO
Ainda que seja evidente que crianças com TEA apresentem um leque de
comportamentos sociais inadequados, a natureza desse problema ainda é complexa.
Por muito tempo, reproduziu-se a ideia de que crianças com TEA eram incapazes de
estabelecer vínculos afetivos com seus próximos ou mesmo de diferenciar entre as
pessoas que conheciam e as que lhe eram estranhas. No entanto, “vários estudos sobre
o apego confirmam que as crianças com autismo diferenciam claramente entre seus
pais e pessoas que não conhecem, preferindo, por exemplo, a companhia de sua mãe à
de um estranho” (DUMAS, 2018, p. 104).
3.1 ETIOLOGIA
Por se tratar de uma condição complexa que envolve uma série de contribuições
biológicas atreladas a influências psicossociais, não é possível definir uma causa única para o
TEA. Nesse sentido, os primeiros estudos e diagnósticos do TEA se deram de forma obscura,
pois o TEA era visto como resultado de uma parentalidade falha, fruto de pais perfeccionistas,
frios e distantes. Essa visão inspirou teorias que responsabilizavam os pais pelo comportamento
de seus filhos. Segundo Barlow e Durand (2015), esse modo de ver o transtorno foi arrasador
para uma geração de pais, que se sentiram culpados e responsáveis pelas condições de seus
filhos. Atualmente, porém, pesquisas recentes sugerem que os pais de indivíduos com TEA
não são substancialmente diferentes de pais de crianças sem o transtorno.
77
Algumas pesquisas apontam para o fato de que crianças pequenas com TEA
possuem a amígdala, uma estrutura cerebral, maior do que as crianças sem o transtorno,
causando ansiedade e medos excessivos. De acordo com Barlow e Durand (2015), a
liberação excessiva do cortisol derivada do estresse continuado danificaria a amígdala,
diminuindo, assim, o número de neurônios da estrutura na idade adulta. A amígdala
danificada poderia ser uma das explicações de como as pessoas com TEA respondem
a situações sociais.
Por muito tempo, acreditou-se que o mercúrio contido em vacinas infantis poderia
ser um dos responsáveis pelo aumento dos casos de TEA, entretanto, diversos estudos
apontam que não há nenhuma relação entre o transtorno e as vacinas. A crença errônea
leva alguns pais a não vacinarem seus filhos, contribuindo para um aumento significativo de
doenças que poderiam ser controladas, como o sarampo e a caxumba.
A síndrome de Asperger é mais rara que o autismo, mas os dois casos tendem a
aparecer nas mesmas famílias. As diferenças entre os transtornos são de ordem quan-
titativa, visto que muitas crianças diagnosticadas com Asperger preenchem os critérios
dos diagnósticos do autismo. Assim, mesmo não apresentando os mesmos problemas
de linguagem, essas crianças possuem as mesmas dificuldades no relacionamento so-
cial e nos comportamentos inadequados.
4 ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia é a principal forma de psicose ou síndrome psicótica, seja pela
sua frequência ou pela importância clínica. O termo esquizofrenia foi proposto em 1911
pelo psiquiatra Eugen Bleuler, que notou dois aspectos característicos do transtorno:
a desarmonia interna do funcionamento mental; e a quebra radical do contato com a
realidade. O Quadro 1 a seguir apresenta algumas definições de esquizofrenia tanto para
autores importantes da psicopatologia como pelos sistemas diagnósticos atuais.
78
QUADRO 1 – DEFINIÇÕES E VISÕES DE ESQUIZOFRENIA
79
Alucinações (sendo a auditiva a mais frequente). Ideias
Sintomas delirantes (delírio): frequentemente de conteúdo persecutório,
positivos autorreferentes ou de influência. Outras formas de distorção da
realidade.
Pensamento progressivamente desorganizado. Discurso e
Sintomas de
comportamentos desorganizados e incompreensíveis. Afeto
desorganização
inadequado, marcadamente ambivalente e incongruente.
Sintomas Lentificação e empobrecimento psicomotor. Estereotipias de
psicomotores movimentos, maneirismos e posturas bizarras. Catatonia.
Sintomas/ Alterações cognitivas na atenção, memória episódica, memória
prejuízos de trabalho, velocidade de processamento e funções executivas.
cognitivos Dificuldade na percepção e no gerenciamento de emoções.
Redução da experiência e da expressão emocional. Aumento da
Sintomas de
reatividade emocional. Maior probabilidade de sintomas ansiosos
humor
e depressivos, bem como depressão clínica.
FONTE: Adaptado de Dalgalarrondo (2019)
FIGURA 13 – ESQUIZOFRENIA
80
A etiologia da esquizofrenia ainda é um mistério. Estudos de neuroimagem
identificaram consistente redução do volume cerebral total e do volume de substância
cinzenta, alargamento dos ventrículos e redução de estruturas como áreas mediais dos
lobos temporais, do córtex pré-frontal e do tálamo (DALGALARRONDO, 2019, s.p.). O
surgimento dos sintomas psicóticos ocorre, de modo geral, na adolescência e no início da
idade adulta. Trata-se de uma doença crônica, com surtos recorrentes de difícil remissão
completa. O curso da doença é, de modo geral, dividido em três fases: fase pré-mórbida, fase
de sintomas psicóticos e fase crônica, em que há graus diversos de perdas e deteriorações.
Assim, a pior evolução dos quadros da doença está associada ao sexo masculino.
Nesse sentido, embora seja mais propício que pessoas com problemas de abuso
de substâncias e com transtornos de personalidade cometam atos violentos, é comum ver
notícias e histórias populares associando a esquizofrenia a episódios violentos. Ainda, na
teledramaturgia, mais de 70% dos personagens com esquizofrenia são retratados como
violentos, sendo 20% deles representados como assassinos (BARLOW; DURAND, 2015).
Estima-se que a esquizofrenia acometa 0,7% da população mundial, média parecida com a
do Brasil, que está em torno de 0,8%.
81
Ainda que não se saiba a causa exata para a esquizofrenia, certos fatores
parecem aumentar o risco de desenvolver ou desencadear a doença, como:
5 DEPRESSÃO
Diversos tipos de transtornos depressivos são descritos pelo DSM-5, sendo
diferenciados pela frequência, severidade ou curso dos sintomas. A síndrome, de forma geral,
é caracterizada por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos,
ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à vontade e à psicomotricidade. As
características centrais são: a tristeza (exacerbação afetiva); a hipobulia ou abulia (alteração
da conação); e a inibição do curso do pensamento. Do ponto de vista psicopatológico, a
Figura 14 representa uma das principais características: o humor triste e, na esfera volitiva,
o desânimo. (DALGALARRONDO, 2019).
FIGURA 14 – DEPRESSÃO
82
O transtorno do humor mais facilmente reconhecido é o transtorno depressivo
maior. O risco de desenvolver esse tipo de depressão é baixo até o início da adolescência,
e começa a aumentar de forma regular até a idade adulta. Estima-se que a idade média
de início do transtorno depressivo maior seja de 30 anos, entretanto, alguns estudos
apontam que 25% das pessoas entre 18 e 29 anos já tiveram algum quadro de depressão
maior. Em crianças de cinco a 12 anos, 5% tinham experimentado o transtorno e, em
adolescentes, entre 13 e 17 anos, a taxa era de 19% (BARLOW; DURAND, 2015).
83
FIGURA 15 – DEPRESSÃO NA ADOLESCÊNCIA
84
infância não necessariamente aumenta o risco de depressão no adulto. Uma pesquisa
revelou que apenas 20% de crianças que tiveram depressão apresentaram episódios
depressivos na idade adulta, enquanto 60% de jovens com episódios depressivos continuaram
tendo episódios na idade adulta (MARCELLI; COHEN, 2010).
DICA
Assista ao vídeo Andrew Solomon: Depressão, o segredo que
compartilhamos, disponível em: https://youtu.be/-eBUcBfkVCo.
85
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Tanto os sintomas quanto as síndromes têm origem definida a partir de dois fatores:
(1) fatores predisponentes, como a genética, experiências emocionais na infância e
adolescência e as condições pregressas de vida; e os (2) fatores precipitantes, que
são mais atuais ou recentes, como perdas e estresses.
• Os estudos sobre o TEA ainda são recentes e carecem de teorias integrativas. Dados
mostram que fatores genéticos desempenham um papel fundamental na etiologia
do autismo, entretanto, os mecanismos envolvidos ainda não foram identificados.
O que se sabe, atualmente, é que os fatores psicológicos e sociais aliados a certas
características biológicas produzem déficits na sociabilização e na comunicação.
• A depressão geralmente está associada a alguma perda, e isso não é diferente nas
crianças e nos adolescentes: a perda repentina de um dos pais, por exemplo, torna-
as vulneráveis à depressão grave.
86
AUTOATIVIDADE
1 Tanto os sintomas quanto as síndromes têm origem definida a partir de dois fatores:
predisponentes e precipitantes. Um dos conjuntos de fatores está associado à
genética e experiências emocionais na infância e adolescência, já o outro está ligado
a perdas ou estresses. Sobre a definição de cada conjunto de fatores, assinale a
alternativa CORRETA:
87
( ) O TEA era visto como resultado de uma parentalidade falha, fruto de pais
perfeccionistas, frios e distantes.
( ) Crianças pequenas com TEA possuem a amígdala (estrutura cerebral) maior do
que as crianças sem o transtorno, entretanto, isso não causa nenhum prejuízo a
essas crianças.
( ) Por muito tempo, acreditou-se que o mercúrio contido em vacinas infantis poderia
ser um dos responsáveis pelo aumento dos casos de TEA.
5 A depressão geralmente está associada a alguma perda, e isso não é diferente nas
crianças e nos adolescentes: a perda repentina de um dos pais, por exemplo, torna-as
vulneráveis à depressão grave. Com relação ao ambiente familiar e aos antecedentes
que favorecem quadros depressivos, disserte sobre pontos em comum que são
observados por alguns pesquisadores.
88
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
A TERAPÊUTICA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, conheceremos um pouco sobre a terapêutica, dedicando
o Subtópico 2 para as principais características e formas de prevenção. Entende-se por
prevenção o conjunto de medidas ou de ações voltadas ao indivíduo ou ao seu ambiente,
suscetíveis de impedir o aparecimento de um estado patológico posterior ou de reduzir sua
intensidade e suas consequências. Aprenderemos que as formas de prevenção podem ser
distinguidas em primárias, secundárias e terciárias.
2 PREVENÇÃO
Os cuidados mentais de crianças e adolescentes preocupam-se mais com o
futuro do que com o presente propriamente dito. Ainda que a avaliação ocorra no estado
presente de uma criança ou adolescente, o objetivo é a avaliação da capacidade potencial
de manter um desenvolvimento satisfatório ou não (MARCELLI; COHEN, 2010).
89
Nos adolescentes, por exemplo, diversas pesquisas epidemiológicas
evidenciam a frequência de manifestações sintomáticas, sejam elas somáticas (dores
de cabeça, fadiga), afetivas (tristeza, crises de choro), comportamentais (retraimento,
impulsividade) ou de vertente social (delinquência, ruptura escolar). Essa constatação
pode desencadear duas situações: uma de abrandamento, considerando apenas como
a crise da adolescência ou, em outro extremo, levar a intervenções precoces, que
também podem gerar riscos (MARCELLI; BRACONNIER, 2007).
90
Ainda na tentativa de agir preventivamente, alguns fatores devem ser
observados no comportamento dos jovens, pois podem ser consideradas “condutas de
risco”, sendo eles:
3 ESCUTA E ACOLHIMENTO
A identificação dos riscos só é eficaz se for seguida de alguma resposta, portanto,
Marcelli e Braconnier (2007) identificaram três grupos e as possíveis prevenções para
cada um deles, sendo:
Nesse sentido, adultos que tenham contato com adolescentes como professores,
funcionários administrativos de escolas, treinadores, podem ser formados para propiciar
escuta para esses jovens, em particular para os adolescentes do grupo “intermediário”.
Muitos adultos ficam ansiosos ou até mesmo indiferentes frente às dificuldades dos
adolescentes, o que acaba atrapalhando ao reforçar a ideia dos adolescentes de que
não se pode esperar nada dos adultos. A Figura 17 ilustra que a informação dos adultos e a
“formação daqueles que se sentem motivados e interessados proporcionam as bases
necessárias para uma escuta mais serena e confiante” (MARCELLI; BRACONNIER, 2007,
p. 393).
91
FIGURA 17 – ACOLHIMENTO
Segundo Marcelli e Cohen (2010), o sofrimento dos pais pode derivar de três
situações: (1) das dificuldades dos filhos que despertam a empatia dos pais, tentando ajudá-
los da melhor forma possível, ou seja, são pais identificados com seus filhos, (2) da própria
dor devido à imagem desvalorizada que a criança passa, especialmente na comparação
com outras crianças da mesma idade e (3) da rejeição, visto que alguns parecem mais
preocupados em “se livrar” de condutas dos filhos que lhes aborrece ou importuna. Em
geral, as condutas sintomáticas da criança são traduções de desejos de relação com seus
pais ou de uma renúncia a essa relação.
92
4 ESCOLHAS TERAPÊUTICAS
A decisão pelo tratamento não é simples. Conforme observamos na Figura 18,
é preciso levar em conta a conduta sintomática, conforme apontamos no subtópico
anterior, como também a estrutura psicopatológica da criança e suas relações com a
problemática familiar. Em outras palavras, “o esforço terapêutico deverá incidir sobre
a própria conduta patológica, sobre a estrutura psicopatologia subjacente, sobre
a constelação familiar e ambiental ou sobre vários desses eixos ao mesmo tempo?”
(MARCELLI; COHEN, 2010, p. 528).
93
Mesmo considerando os aspectos mencionados, as escolhas terapêuticas na
infância e na adolescência podem ser complexas. É preciso considerar a multiplicidade de
técnicas disponíveis, de quadros institucionais existentes e de teorias etiopatogênicas.
Portanto, antes de tomar qualquer decisão terapêutica é preciso pensar no caso
específico daquela criança, considerando seu ambiente familiar e contexto social para
encontrar: (1) o que seria ideal, (2) o ponto em que qualquer ação terapêutica seria
inefetiva e (3) o que é possível ser feito.
94
4.2 PSICOTERAPIAS INDIVIDUAIS
As psicoterapias individuais com crianças e adolescentes são de grande
valia e podem ser um aliado fundamental de outros tratamentos, como o psiquiátrico
representado na Figura 20. Existem inúmeras abordagens e possibilidades dentro do
universo das psicoterapias, a psicanálise, por exemplo, objetiva “trazer à consciência
a origem dos conflitos e das condutas sintomáticas à medida que elas aparecem e se
reproduzem durante as sessões, e depois proporcionar à criança os meios para melhor
elaborar, superar e/ou tolerar seus conflitos” (MARCELLI; COHEN, 2010, p. 551).
A terapia cognitiva, por sua vez, trabalha com os esquemas cognitivos não
conscientes (implícitos) que influenciam negativamente os julgamentos que as
pessoas fazem sobre si. Portanto, “trata-se de fazer com que o paciente reflita sobre as
motivações detalhadas do comportamento visado, de desmontar os circuitos mnésicos
inconscientes e de por em prática meios simbólicos que permitam compreender e
dominar a evolução” (MARCELLI; COHEN, 2010, p. 558).
95
FIGURA 21 – PSICOTERAPIA FAMILIAR
96
FIGURA 22 – PSICOTERAPIA DE GRUPO
97
LEITURA
COMPLEMENTAR
ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS PRECISA SER MELHORADA
Duarte – O que verificamos – e isso ainda não está claro, porque não há estudo
que tenha usado uma mesma metodologia para fazer essa comparação e os dados sobre
número de pessoas com transtornos mentais em países como o Brasil são recentes – é
que os países em desenvolvimento tendem a ter uma taxa maior de distúrbios mentais
do que as nações desenvolvidas. Uma das hipóteses para explicar isso, que ainda não foi
testada, é que os países em desenvolvimento apresentam maior prevalência de fatores
de risco para o surgimento de transtornos mentais, como a violência.
98
Duarte – Há estratégias farmacológicas eficientes, particularmente para o
tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Mas
também há estratégias de psicoterapia relativamente breves que podem ajudar muito
crianças com outros tipos de transtornos mentais, principalmente se combinadas com
intervenções com os pais e se iniciadas cedo. Embora ainda exista muito espaço para
melhorar essas intervenções psicossociais e psicoterápicas e torná-las mais eficientes
e possíveis de serem incluídas nos sistemas de saúde, elas têm se revelado muito
promissoras.
Agência FAPESP – Nesse sentido, qual seria o papel dos profissionais de saúde
mental para auxiliar esses agentes de saúde a identificar crianças com problemas de
saúde mental?
99
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
100
AUTOATIVIDADE
1 As ações de prevenção são mais afetivas à medida que o risco seja claramente
identificado e a patologia apresente traços característicos, diferenciando-a dos
padrões de normalidade. Na tentativa de agir preventivamente, alguns fatores
devem ser observados no comportamento dos jovens, pois podem ser consideradas
“condutas de risco”. Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA:
101
( ) O sofrimento dos pais pode derivar das dificuldades dos filhos que despertam a
empatia dos pais, tentando ajudá-los da melhor forma possível.
( ) O sofrimento dos pais pode derivar da própria dor devido a imagem desvalorizada
que a criança passa, especialmente na comparação com outras crianças da mesma
idade.
( ) O sofrimento dos pais não relaciona-se com a rejeição, visto que os pais estão
sempre identificados com seus filhos.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) V – V – F.
102
REFERÊNCIAS
ASSUMPÇÃO JUNIOR, F. B. Fundamentos de Psicologia - Psicopatologia
Aspectos Clínicos. São Paulo: Grupo GEN, 2009.
SILVA, M.; BANDEIRA, D. A entrevista de anamnese. In: SIMON, H. C.; RUSCHEL, B. D.;
MARCELI, T. C.; SILVA, K.J. Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Grupo A, 2016.
103
104
UNIDADE 3 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
105
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
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106
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
OS SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DOS
DISTÚRBIOS MENTAIS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, aprenderemos sobre os principais sistemas de
classificação dos distúrbios mentais, tema fundamental para a compreensão de diversas
áreas como a psicopatologia, a psicologia e a psicanálise.
2 BREVE HISTÓRICO
Inciaremos nossos estudos com um breve histórico da psicopatologia, conforme
ilustra a Figura 1. A psicopatologia constitui-se como tal a partir de sistemas semiológicos e
diagnósticos entre a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise. Segundo Dunker e Kyrillos
Neto (2011), as descrições psicopatológicas são frutos da medicina, da antropologia, da
fenomenologia e das práticas terapêuticas, ou seja, possuem natureza híbrida entre o
saber, a experiência e a disciplina.
107
FIGURA 1 – BREVE HISTÓRICO
FIGURA 2 – CATEGORIZAÇÕES
108
A partir da metade do século XIX, diversos comportamentos passaram a
ser considerados como desviantes, surgindo estratégias de intervenção baseadas
em categorias pré-estabelecidas. A ideia principal era “substituir uma classificação
sintomática por uma classificação etiológica das doenças mentais, pois somente com
a determinação das causas poderiam ser elaborados um sistema classificatório de
patologias e uma terapêutica apropriada” (CAPONI, 2012, p. 22). Nesse sentido, emergiu
um novo campo que transformou questões como a tristeza, a sexualidade infantil e os
desvios de comportamento em diagnósticos e práticas médicas.
Nesse contexto, foi no final do século XIV que Emil Kraepelin sistematizou a
psicopatologia descritiva, consolidando a propensão nosológica. Durante 30 anos, foram
publicadas oito edições do Manual de Psiquiatria de Emil Kraepelin, objetivando discernir
as diversas formas do adoecimento mental e atribuindo a estas o mesmo estatuto das
doenças físicas tratadas pela medicina. Segundo Caponi (2012), todas as edições ampliavam
as classificações de patologias psiquiátricas e serviam de referência para a formação dos
novos profissionais, sendo atualizadas a partir de descobertas científicas no campo na
neurologia e da estatística médica (Figura 3).
109
Concomitantemente, nos Estados Unidos, o principal objetivo era desenvolver
uma classificação das doenças mentais a partir de dados estatísticos. A primeira tentativa
de desenvolvimento da classificação ocorreu em 1840, através de um censo que media
a frequência de duas categorias: “idiotice” e “insanidade”. Um outro censo realizado em
1880, por sua vez, media a frequência considerando sete categorias: mania; melancolia;
monomania; paresia; demência; alcoolismo; e epilepsia.
110
A partir da distinção entre transtornos de primeira ordem e transtornos de
personalidade que os sintomas passam a ser encarados como “não relacionais” enquanto
as afecções de personalidade são vistas como transtornos “relacionais”, marcando a
divisão entre a psicanálise e a psiquiatria. Para Dunker (2014b, p. 83), “há uma clara
separação entre o normal, a personalidade como estrutura equilibrada, e o patológico, o
sintoma como expressão do desequilíbrio da estrutura”.
111
ATENÇÃO
“Para a psicanálise o campo do patológico é formado tanto pela hipótese
de um objeto intrusivo, como a sexualidade ou o trauma, ao qual a
personalidade reage gerando sintomas, quanto pela hipótese de uma
desregulação interna ao aparelho psíquico, na qual certas disposições,
fixações ou organizações pulsionais, que constituem o sujeito, diante
de conflitos concorrem para a produção de respostas defensivas,
causando sintomas positivos e negativos” (DUNKER, 2014b, p. 83).
3 AS PRIMEIRAS CLASSIFICAÇÕES
Classificação é um termo que pode se referir à criação de princípios e regras
em torno dos quais itens, referências, características e futuros agrupamentos serão
constituídos, ou, então, ao ato de agrupar em si, de organizar e distribuir. Nesse sentido,
classificar é identificar a categoria ou grupo ao qual um indivíduo ou objeto pertence
com base nas suas características observadas.
FIGURA 6 – CLASSIFICAÇÕES
112
Um dos objetivos da nosografia é a compreensão das causas e da natureza
das doenças, permitindo certo planejamento e avaliação a partir de uma comunicação
padronizada entre diversos profissionais. A nosografia ou a nomenclatura de doenças
pode ser entendida, portanto, como a “maneira pela qual um determinado agravo à
saúde que tenha determinados sintomas, sinais, bem como alterações patológicas
específicas, recebe o mesmo rótulo, que pode também ser chamado diagnóstico, em
qualquer lugar do mundo” (LAURENTI, 1991, p. 407).
113
1) doenças epidêmicas, endêmicas e contagiosas, 2) doenças constitucionais, 3)
doenças localizadas, 4) doenças do desenvolvimento e 5) doenças ou mortes violentas
(LAURENTI, 1991).
114
FIGURA 8 – DIFERENTES DIAGNÓSTICOS
Nas últimas décadas, tanto a CID quanto o DSM se tornaram os manuais padrão
de classificação internacional de transtornos mentais. Desta forma, dedicaremos o
Tópico 2 e o Tópico 3 para a apresentação destes manuais, conhecendo um pouco da
história e das formas de classificação neles presentes.
DICA
Assista o vídeo Transtornos Mentais: Diagnósticos Em Questão,
disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=hqyXTu3NZSw
115
potencialidades e características, bem como das influências
ambientais a que se encontra submetido. Em função dessas
características desenvolvimentistas, sua psicopatologia não pode
constituir-se em mera cópia da psicopatologia do adulto, conforme
frequentemente é observado (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 2009, p. 109).
116
O quadro começa a se alterar a partir do ponto que a psiquiatria passa a tratar
crianças com psicotrópicos, alegando que as novas descobertas apontavam que as
crianças sofrem regularmente de doenças mentais, de natureza biológica. Primeiro, “a
psiquiatria materializou o TDAH como uma doença identificável; depois, determinou que
a depressão aguda e o transtorno bipolar atingem regularmente crianças e adolescentes”
(WHITAKER, 2017, p. 226).
117
Estamos acostumados a lidar com a doença como algo objetivo, algo que a
pessoa tem ou não tem. Essa lógica não pode ser aplicada à psicopatologia infantil, já
que, na maioria dos quadros, não há algo que possa ser identificado objetivamente, de
modo separado da criança, além dos quadros que podem ser transitórios ou limítrofes,
conforme estudamos anteriormente. Nesse sentido, é preciso compreender a saúde
como um valor e não como uma média.
DICA
Assista o vídeo Patologização da Vida de Crianças e Adolescentes,
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2EaYfgeubrw.
118
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Desde a metade do século XIX, iniciou-se uma nova forma de compreender e lidar com
os transtornos mentais. Ao invés de tentar compreender os sintomas como delírios,
alucinações e os atos violentos, os alienistas e psiquiatras da época passaram a
analisar o comportamento e as condutas dos indivíduos, com o objetivo de classificá-
los em diferentes categorias.
• Após a Segunda Guerra Mundial o modelo psicopatológico proposto por Oto Fenichel
se tornou a visão dominante, compreendendo que o funcionamento normal da
mente é governado por um aparelho de controle que organiza, conduz e inibe forças
arcaicas mais profundas e mais instintivas.
119
AUTOATIVIDADE
1 O distanciamento da psiquiatria e da psicanálise só aumentou na medida que os
manuais classificatórios (DSM e CID) foram sendo publicados e revisados, isso porque
a abordagem organicista, biológica e estatística se tornou cada vez mais dominante.
Com relação à perspectiva sindrômica dos quadros mentais, assinale a alternativa
CORRETA:
120
3 A psicopatologia da criança e do adolescente vem sendo encarada como uma
cópia da psicopatologia do adulto. Com isso, o campo da saúde mental da infância
e da adolescência tem vivido uma franca expansão. Sobre as características
desenvolvimentistas marcantes da infância e da adolescência, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
4 Estamos acostumados a lidar com a doença como algo objetivo, algo que a pessoa
tem ou não tem. Essa lógica não pode ser aplicada à psicopatologia infantil, já que, na
maioria dos quadros, não há algo que possa ser identificado objetivamente, de modo
separado da criança. Nesse sentido, aprendemos que há duas maneiras distintas
de compreender os transtornos psiquiátricos na infância e na adolescência: a visão
categorial e a visão dimensional. Discorra sobre cada uma dessas visões apresentando
suas principais características.
5 O campo da saúde mental da infância e da adolescência tem vivido uma franca expansão,
não necessariamente devido a avanços do conhecimento. Discorra sobre a popularização
da psiquiatria na infância e na adolescência, apontando os principais fatores e riscos
apresentados.
121
122
UNIDADE 3 TÓPICO 2
O MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO
DE TRANSTORNOS MENTAIS (DSM)
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, conheceremos o Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM). O Subtópico 2 será dedicado ao estudo da trajetória
percorrida pelo manual até sua terceira edição, considerada como a versão que traçou
uma linha divisória clara entre os problemas da vida e a verdadeira doença mental.
Veremos que a necessidade de organizar sistemas diagnósticos surgiu a partir da
segunda metade do século XX.
123
FIGURA 11 – O TRAJETO
124
FIGURA 12 – PADRONIZAÇÃO GLOBAL
Segundo Caponi (2012), a revolução do DSM-III se deu com relação aos outros
manuais existentes. O DSM-III recuperava um pensamento clássico da psiquiatria
biológica que parecia ter sido abandonado. A recuperação das teses biológicas
de Kraepelin correlaciona-se, entre outras questões, aos novos medicamentos
psicotrópicos, como a descoberta da clorpromazina em 1952. Além disso, classificar as
doenças de forma objetiva e descritiva (FIGURA 13) facilitava a aceitação de diversos
profissionais, excluindo concepções consideradas pouco científicas como a sociologia
ou a psicanálise.
125
FIGURA 13 – CONCEPÇÃO BIOLOGICISTA
• Descrição clínica.
• Estudos de laboratório.
• Critérios de exclusão de outras doenças.
• Estudo do curso da doença.
• Estudos referentes à família dos doentes.
126
Em 1987, uma revisão do DSM-III foi publicada e denominada DSM-III-R. Essa
nova versão renomeou, reorganizou e mudou alguns critérios diagnósticos, passando
de 265 para 292 categorias. Segundo Ferreira (2015), alguns diagnósticos como disforia
pré-menstrual e personalidade masoquista foram descartados por serem um tanto
controversos. Ainda assim essa versão não foi poupada de críticas, por ser considerada
uma versão que utilizou uma metodologia empobrecida para chegar aos critérios
operacionais.
IMPORTANTE
“O DSM não inclui informações a respeito de tratamento ou explanação
sobre assuntos psiquiátricos e/ou psicológicos, e isso não exclui o que
podemos considerar como doença” (FERREIRA, 2015, p. 70)
3 O DSM-IV
A publicação do DSM-IV ocorreu apenas em 1994, 14 anos após o DSM-III. Essa
versão do manual é fruto do trabalho de mais de 1.000 pessoas de diversas organizações
ligadas à saúde mental. Assim como o DSM-III, o DSM-IV foi desenvolvido em conjunto
com a CID-10, que havia sido publicada em 1992. O objetivo dessa versão era, através da
revisão da literatura, estabelecer bases empíricas que sustentassem atualizações. Nesse
sentido, diversas alterações foram realizadas nas classificações, nos critérios diagnósticos e
nas descrições das doenças.
127
FIGURA 14 – CATEGORIZAÇÃO POR EIXOS
128
Em 2000, o DSM-IV recebe uma versão atualizada, denominada DSM-IV-TR,
apresentando mais 21 categorias além das 297 já existentes. Ainda que não tenha
apresentado modificações substanciais, essa versão valoriza as comorbidades e os
cruzamentos entre os eixos diagnósticos. Cada seção trazia informações extras e os
diagnósticos e seus respectivos códigos foram atualizados, mantendo a consistência
com a CID (FERREIRA, 2015).
4 O DSM-V
Desde o início dos anos 2000, grupos foram criados para definir métodos e
critérios para a elaboração do DSM-V. Esses grupos produziram centenas de artigos
e monografias, sintetizando o que se sabia de mais importante sobre o diagnóstico
psiquiátrico. Em 2007, a APA deu início a uma força tarefa que revisaria todo o conteúdo
produzido, culminando com a publicação do DSM-V em 2013, com mais de 300
categorias e 947 páginas.
129
clínicos das primeiras fases do desenvolvimento, a parte central dedica-se aos
transtornos da adolescência e da idade adulta e, na última parte, são apresentados os
transtornos relacionados à velhice.
Outra crítica apresentada por Dunker (2014) é que, nessa versão, o diagnóstico é
sobrevalorizado, especialmente a partir da análise dos efeitos de medicamentos em que
o mecanismo de ação ainda é desconhecido. Nesse sentido, o autor aponta que 52% dos
pesquisadores envolvidos na elaboração do DSM-V declararam que tinham ligações formais
com a indústria farmacêutica, ilustrada pela Figura 17.
130
FIGURA 17 – INDÚSTRIA FARMACÉUTICA
5 EXEMPLOS DE CLASSIFICAÇÃO
A classificação dos transtornos mentais no DSM-V é realizada a partir da
definição de uma série de fatores, como:
• Critérios diagnósticos.
• Características diagnósticas.
• Prevalência.
• Desenvolvimento e curso.
• Fatores de risco e prognóstico.
• Diagnóstico diferencial.
• Comorbidade.
• Entre outros.
131
QUADRO 1 – DEFINIÇÕES DO DSM-V PARA O TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR
Item Definição
132
A prevalência de 12 meses do transtorno depressivo maior nos
Estados Unidos é de aproximadamente 7%, com acentuadas
diferenças por faixa etária, sendo que a prevalência em
Prevalência indivíduos de 18 a 29 anos é três vezes maior do que a prevalência
em indivíduos acima dos 60 anos. Pessoas do sexo feminino
experimentam indices 1,5 a 3 vezes mais altos do que as do
masculino, começando no início da adolescência.
O transtorno depressivo maior pode aparecer pela primeira
vez em qualquer idade, mas a probabilidade de início aumenta
sensivelmente com a puberdade. Nos Estados Unidos, a
incidência parece atingir seu pico na década dos 20 anos; no
entanto, o primeiro episódio na idade avançada não é incomum.
Desenvolvimento
O curso do transtorno depressivo maior é bastante variável, de
e curso
modo que alguns indivíduos raramente experimentam remissão
(um período de dois meses ou mais sem sintomas ou apenas
1 ou 2 sintomas não mais do que em um grau leve), enquanto
outros experimentam muitos anos com poucos ou nenhum
sintoma entre episódios discretos.
Temperamentais: Afetividade negativa (neuroticismo).
Ambientais: Experiências adversas na infância, particularmente
quando existem múltiplas experiências de tipos diversos,
constituem um conjunto de fatores de risco potenciais para
transtorno depressivo maior. Genéticos e fisiológicos: Os
Fatores de risco
familiares de primeiro grau de indivíduos com transtorno
e prognóstico
depressivo maior têm risco 2 a 4 vezes mais elevado de
desenvolver a doença que a população em geral. Modificadores
do curso: Essencialmente, todos os transtornos maiores não
relacionados ao humor aumentam o risco de um indivíduo
desenvolver depressão.
Episódios maníacos com humor irritável ou episódios mistos.
Transtorno do humor devido a outra condição médica. Transtorno
Diagnóstico
depressivo ou bipolar induzido por substância/medicamento.
diferencial
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Transtorno de
adaptação com humor deprimido. Tristeza.
FONTE: Adaptado de APA (2016).
DICA
Assista ao vídeo Questões entre a Psicanálise e o DSM, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=WP4pdaC1PYk.
133
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Em 1952, a APA publicou uma variação da CID-6 intitulado Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders, dando início ao primeiro Manual de Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-I.
134
AUTOATIVIDADE
1 Em 1952, a APA publicou o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,
dando início ao primeiro Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
o DSM-I. Considerando o que aprendemos sobre a primeira versão do DSM, assinale
a alternativa CORRETA:
a) ( ) A primeira versão do manual contava com 106 categorias e a abordagem era
predominantemente comportamental.
b) ( ) A necessidade de organizar sistemas diagnósticos surgiu desde o fim do século XIX.
c) ( ) A primeira versão do manual era uma variação da CID-6.
d) ( ) Padronizar as categorias de doença se fazia necessário para suprir apenas
necessidades teóricas.
( ) O DSM-IV foi desenvolvido em conjunto com a CID-10, que havia sido publicada
135
em 1992.
( ) O DSM-IV seguiu o modelo de classificação da versão anterior, incluindo o
diagnóstico diferencial.
( ) O objetivo dessa versão era, através da revisão da literatura, estabelecer bases
empíricas que sustentassem atualizações.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
5 Em 2007, a APA deu início a uma força tarefa que revisaria todo o conteúdo produzido,
culminando com a publicação do DSM-V em 2013, com mais de 300 categorias e 947
páginas. Assim com as outras versões do manual, o DSM-V buscou harmonizar as
classificações com as apresentadas pela CID-11. Disserte sobre os problemas decorrentes
de classificações diferentes apresentadas pelo DSM e pela CID.
136
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
A CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA
INTERNACIONAL DE DOENÇAS E DE
PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID)
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, apresentaremos sobre a Classificação Estatística
Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, mais conhecida como
CID. Dedicaremos o subtópico 2 para conhecer o trajeto percorrido pelo CID até a décima
versão, a CID-10.
137
William Farr (1807-1883) foi um dos primeiros médicos estatísticos a utilizar
classificações de doenças disponíveis em sua época, por volta de 1837. Ainda que
imperfeitas, o médico trabalhou com o objetivo de melhorar as classificações e
padronizá-las para uso internacional. A primeira lista produzida por Farr e apresentada
no Congresso Internacional de Estatística, em 1853, foi dividida em cinco grupos:
doenças epidêmicas; doenças constitucionais; doenças locais organizadas de acordo
com a localização anatômica; distúrbios do desenvolvimento; e doenças resultantes de
violência (Figura 18).
138
internacional decidiu que a classificação passaria por revisões a cada 10 anos. A quinta
conferência, realizada em 1938, reconheceu a necessidade de classificar as doenças
para melhorar as estatísticas de mortalidade apresentadas pela classificação atual.
Nesse sentido, a sexta revisão não só passou a ser conhecida como Manual da
Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Morte, e incluía,
pela primeira vez, uma seção de transtornos psiquiátricos. A sexta versão, portanto,
139
A oitava versão sofreu mudanças mais radicais do que a versão anterior, ainda
assim a estrutura básica e a forma de encarar a classificação das doenças permaneceu
inalterada. Diversos países pressionaram a OMS para que a classificação da oitava edição
fosse mais voltada para questões da morbidade, e não apenas da mortalidade. Entretanto,
isso ocorreu apenas na nona versão, que foi bastante expandida não somente “no número
total de categorias mas, particularmente, nas chamadas subcategorias, muitas das quais
foram criadas para possibilitar várias especificações ou manifestações de uma mesma
doença (categoria)” (LAURENTI, 1991, p. 413). Nesse sentido, a partir da nona versão
publicada em 1977, a classificação passou a focar aspectos da morbidade, e não mais
apenas da mortalidade.
3 A CID-11
A 11ª edição da CID foi apresentada na Assembleia Mundial da Saúde, em 2019,
e será implementada de forma integral a partir de janeiro de 2022. A OMS definiu a
última versão da classificação como o “padrão internacional para o registro sistemático,
relatório, análise, interpretação e comparação de dados de mortalidade e morbidade”
(OMS, 2019, s.p.). Nesse sentido, a 11ª revisão da CID é resultado do trabalho conjunto de
médicos, estatísticos, epidemiologistas e especialistas em tecnologia da informação de
diversas partes do mundo (Figura 20).
140
Segundo a OMS (2019), a CID-11 recebeu atualizações significativas em relação
às versões anteriores, permitindo que os países contabilizem e identifiquem seus
problemas de saúde usando um sistema de classificação atual e clinicamente relevante.
O manual aponta que, a partir dos dados fornecidos, cada governo pode “projetar
políticas de saúde pública eficazes e medir seu impacto, alocar recursos, melhorar o
tratamento, melhorar a prevenção ou ser usados para registro clínico” (OMS, 2019, s.p.).
Pela primeira vez na história, a 11ª edição da CID é totalmente eletrônica, fornecendo
acesso a 17.000 categorias diagnósticas, com mais de 100.000 termos de índice de
diagnósticos médicos.
Atualmente, 117 países relatam causas de morte à OMS, sendo que 70% dos
recursos mundiais em saúde são alocados baseados em dados coletados pela CID. Os
países de baixa e média renda populacional têm seus sistemas de saúde frequentemente
sobrecarregados, com recursos limitados para tratamentos, prevenção e coleta de
informações. Nesse sentido, a CID-11 permite uma ampla coleta de dados e informações
facilitando a distribuição de recursos. Para a OMS, a CID-11 significa:
• Uso mais fácil e melhor qualidade de codificação, com custo mais baixo.
• Estrutura e conteúdo atualizados refletindo o estado da ciência.
• Utilidade aprimorada.
• Incorporação simples em qualquer software.
Além disso, a OMS considera que a 11ª versão da CID fornece atualizações do
conhecimento científico. Desde a primeira edição em 1900, a classificação passou de 179
para 12.000 categorias, demonstrando quanto o conhecimento médico evoluiu. A CID-11
contêm mais de 55.000 classificações únicas e mais de 120.000 derivadas das últimas
descobertas cientificas. Além disso, segundo a OMS, a nova versão da classificação
apresenta outras melhorias, a saber:
141
Ainda que esteja em constante melhoria, a CID não escapa a críticas,
especialmente quanto ao fato de que segue um formato “biologicista”, não apresentando
propostas que favoreceram a análise mais aprofundada do processo saúde-doença.
A importância clínica e em áreas administrativas da saúde da CID é inquestionável,
entretanto, as críticas são feitas a partir da adoção deste instrumento como padrão
para o estudo do processo saúde-doença. Alguns autores consideram a classe social
como uma das categorias básicas para estabelecer uma classificação epidemiológica,
enquanto que a CID se restringe à verificação de alterações biológicas ou psíquicas em
uma série de indivíduos (LAURENTI, 1991).
4 EXEMPLOS DE CLASSIFICAÇÃO
Apresentaremos, se seguir, as definições de esquizofrenia apresentadas pela
CID-10. Escolhemos a esquizofrenia por se tratar de um dos transtornos estudados na
Unidade 2.
• F20 Esquizofrenia
142
Como vimos anteriormente, a evolução dos transtornos esquizofrênicos pode
ser contínua ou episódica, com vários episódios seguidos de uma remissão completa ou
incompleta. Um diagnóstico de esquizofrenia não pode ser realizado quando existe uma
doença cerebral manifesta, intoxicação por droga ou abstinência de droga (CID-10, 1993).
DICA
Assista ao vídeo Mudanças na CID-11, disponível em: https://bit.
ly/3CPMAxB. Acesso em: 26 jul. 2021.
143
LEITURA
COMPLEMENTAR
ACORDEI DOENTE MENTAL
Eliane Brum
Descobri que sou doente mental ao conhecer apenas algumas das novas
modalidades, que tem sido apresentadas pela imprensa internacional. Tenho quase
todas. “Distúrbio de Hoarding”. Tenho. Caracteriza-se pela dificuldade persistente de se
desfazer de objetos ou de “lixo”, independentemente de seu valor real. Sou assolada por
uma enorme dificuldade de botar coisas fora, de bloquinhos de entrevistas dos anos 90 a
sapatos imprestáveis para o uso, o que resulta em acúmulos de caixas pelo apartamento.
Remédio pra mim. “Transtorno Disfórico Pré-Menstrual”, que consiste numa TPM mais
severa. Culpada. Qualquer um que convive comigo está agora autorizado a me chamar
de louca nas duas semanas anteriores à menstruação. Remédio pra mim. “Transtorno de
Compulsão Alimentar Periódica”. A pessoa devora quantidades “excessivas” de comida
num período delimitado de até duas horas, pelo menos uma vez por semana, durante
três meses ou mais. Certeza que tenho. Bastaria me ver comendo feijão, quando chego a
cinco ou seis pratos fundo fácil. Mas, para não ter dúvida, devoro de uma a duas latas de
leite condensado por semana, em menos de duas horas, há décadas, enquanto leio um
livro igualmente delicioso, num ritual que eu chamava de “momento de felicidade absoluta”,
mas que, de fato, agora eu sei, é uma doença mental. Em vez de leite condensado, remédio
pra mim. Identifiquei outras anomalias, mas fiquemos neste parágrafo gigante, para que os
transtornos psiquiátricos que me afetam não ocupem o texto inteiro.
Não conheço os labirintos da APA para alcançar a resposta, mas acredito que
vale a pena ficarmos atentos aos próximos capítulos. Por um motivo acima de qualquer
suspeita: o DSM influencia não só a saúde mental nos Estados Unidos, mas é o manual
utilizado pelos médicos em praticamente todos os países, pelo menos os ocidentais,
incluindo o Brasil. É também usado como referência no sistema de classificação de doenças
da Organização Mundial da Saúde (OMS). É, portanto, o que define o que é ser “anormal” em
nossa época – e este é um enorme poder. Vale a pena sublinhar com tinta bem forte que,
para cada nova patologia, abre-se um novo mercado para a indústria farmacêutica. Esta,
sim, nunca foi tão feliz – e saudável.
O crítico mais barulhento do DSM-5 parece ser o psiquiatra Allen Frances, que,
vejam só, foi o coordenador da quarta edição do manual, lançada em 1994. Professor
emérito da Universidade de Duke, ele tem um blog no Huffington Post que praticamente
usa apenas para detonar a nova Bíblia da Psiquiatria. Quando a versão final do manual
foi aprovada, enumerou o que considera as dez piores mudanças da quinta edição, num
texto iniciado com a seguinte frase: “Esse é o momento mais triste nos meus 45 anos
de carreira de estudo, prática e ensino da psiquiatria”. Em carta ao The New York Times,
afirmou: “As fronteiras da psiquiatria continuam a se expandir, a esfera do normal está
encolhendo”.
Entre suas críticas mais contundentes está o fato de o DSM-5 ter transformado
o que chamou de “birra infantil” em doença mental. A nova patologia é chamada de
“Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor” e atingiria crianças e adolescentes que
apresentassem episódios frequentes de irritabilidade e descontrole emocional. No que se
refere à patologização da infância, o comentário mais incisivo de Allen Frances talvez seja
este: “Nós não temos ideia de como esses novos diagnósticos não testados irão influenciar no
dia a dia da prática médica, mas meu medo é que isso irá exacerbar e não amenizar o já
excessivo e inapropriado uso de medicação em crianças.
145
A epidemia de doenças como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade) tem mobilizado gestores de saúde pública, assustados com o excesso de
diagnósticos e a suspeita de uso abusivo de drogas como Ritalina, inclusive no Brasil. E
motivado algumas retratações por parte de psiquiatras que fizeram seu nome difundindo
a doença. Uma reportagem do The New York Times sobre o tema conta que o psiquiatra
Ned Hallowell, autor de best-sellers sobre TDAH, hoje arrepende-se de dizer aos pais que
medicamentos como Adderall e outros eram “mais seguros que Aspirina”. Hallowell, agora
mais comedido, afirma: “Arrependo-me da analogia e não direi isso novamente”.
Pensar sobre a controvérsia gerada pelo nova “Bíblia da Psiquiatria” é pensar sobre
algumas construções constitutivas do período histórico que vivemos. Construções culturais
que dizem quem somos nós, os homens e mulheres dessa época. A começar pelo fato
de darmos a um grupo de psiquiatras o poder – incomensurável – de definir o que é ser
“normal”. E assim interferir direta e indiretamente na vida de todos, assim como nas políticas
governamentais de saúde pública, com consequências e implicações que ainda precisam
ser muito melhor analisadas e compreendidas. Sem esquecer, em nenhum momento sequer,
que a definição das doenças mentais está intrinseicamente ligada a uma das indústrias
mais lucrativas do mundo atual.
A vida tornou-se uma patologia. E tudo o que é da vida parece ter virado sintoma
de uma doença mental. Talvez o exemplo mais emblemático da quinta edição do manual
seja a forma de olhar para o luto. Agora, quem perder alguém que ama pode receber um
diagnóstico de depressão. Se a tristeza e outros sentimentos persistirem por mais de
duas semanas, há chances de que um médico passe a tratá-los como sintomas e faça
do luto um transtorno mental. Em vez de elaborar a perda – com espaço para vivê-la e
para, no tempo de cada um, dar um lugar para essa falta que permita seguir vivendo –, a
pessoa terá sua dor silenciada com drogas. É preciso se espantar – e se espantar muito.
Vale a pena olhar pelo avesso: quem são essas pessoas que acham que o “normal” é
superar a perda de uma mãe, de um pai, de um filho, de um companheiro rapidamente? Que
tipo de ser humano consegue essa proeza? Quem seríamos nós se precisássemos de apenas
duas semanas para elaborar a dor por algo dessa magnitude? Talvez o DSM-5 diga mais dos
psiquiatras que o organizaram do que dos pacientes.
E não, eu não acordei doente mental. Só teria acordado se permitisse a uma Bíblia – e
a pastores de jaleco – determinar os sentidos que construo para a minha vida.
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• A 11ª edição da CID foi apresentada na Assembleia Mundial da Saúde, em 2019, e será
implementada de forma integral a partir de janeiro de 2022. A OMS definiu a última
versão da classificação como o “padrão internacional para o registro sistemático,
relatório, análise, interpretação e comparação de dados de mortalidade e morbidade”
(OMS, 2019, s.p.).
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AUTOATIVIDADE
1 A classificação de Bertillon teve sua primeira revisão em 1900, a partir de uma
conferência internacional realizada em Paris, na qual 26 países se reuniram e adotaram
uma nova versão que identificava as causas de morte em 179 grupos. Em 1948, a
OMS assumiu a responsabilidade pela organização desse sistema de classificação,
que passou a ser desenvolvido de forma mais previsível. Com relação às primeiras
edições da CID, assinale a alternativa CORRETA:
148
3 A 11ª edição da CID foi apresentada na Assembleia Mundial da Saúde, em 2019, e
será implementada de forma integral a partir de janeiro de 2022. A OMS definiu a última
versão da classificação como o “padrão internacional para o registro sistemático,
relatório, análise, interpretação e comparação de dados de mortalidade e morbidade”
(OMS, 2019, s.p.). Sobre a 11ª versão da CID, classifique V para as sentenças verdadeiras
e F para as falsas:
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R. et al. Saúde mental da criança e do adolescente. São Paulo: Manole, 2019.
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MARTINHAGO, F.; CAPONI, S. Breve história das classificações em psiquiatria.
INTERthesis, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 74-91, 2019.
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