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Históricos e
Filosóficos
do Direito
Profª Ivone Fernandes Morcilo Lixa
Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Profª Ivone Fernandes Morcilo Lixa
L788f
ISBN 978-65-5663-556-9
ISBN Digital 978-65-5663-555-2
CDD 340
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Vivemos um tempo alucinado e alucinante! Distâncias são cada vez menores. A co-
municação nos une em escala planetária em tempo real, mas paradoxalmente nunca esti-
vemos tão sem esperanças e com medo. O cotidiano é de uma pandemia global que causou
a morte e coloca em risco a sobrevivência de milhares de seres humanos em todo planeta.
E assim, nosso cotidiano vai sendo dominado por um crescente medo desenraizado
que se alimenta pelo anúncio do fim das grandes utopias. Nesta segunda década do
século XXI não há definição dos rumos dessa etapa da história vista, por alguns, como
uma autêntica “encruzilhada” que nos obriga a pensar acerca de qual caminho seguir:
civilização ou barbárie. Tempos difíceis e inéditos em que saberes são redefinidos, formas
de poder são reinventadas e maneiras pouco éticas de controle e de geração de riqueza
vão ampliando e aprofundando novas formas de exclusão e perversidades.
Talvez você esteja se perguntando: restaria ainda algo a ser repensado? Para quê?
Por quê? Aceitando o desafio de responder algumas dessas perguntas e Inquietações de nos-
so tempo é que apresentamos este livro de Fundamentos Históricos e Filosóficos de Direito.
Bons estudos!
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para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................159
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................231
UNIDADE 1 -
HISTÓRIA, FILOSOFIA E
DIREITO NO PENSAMENTO
JURÍDICO OCIDENTAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
Acesse o
QR Code abaixo:
2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO ORIENTE
PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA, HEBREUS E EGITO)
1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história, nas distintas etapas e diversas sociedades encontramos
formas de controle e proteção de valores que possibilitam a vida comum. Esses valores,
ou bens jurídicos, são amparados e garantidos por um conjunto de normas jurídicas
definidas conforme a ordem social, política e/ou econômica que se encontra em
contínua mudança, e por esta razão as normas jurídicas vão reconhecendo as alterações
de acordo com a época e as relações definidas no substrato social.
NOTA
A vida social é regida por diversas normas, preceitos, que definem condutas
(morais, religiosas, culturais etc.), dentre as quais as normas jurídicas.
Normas jurídicas são distintas das demais por dois fatores principais:
emanam de uma autoridade política competente e possuem poder
coercitivo. Em outras palavras, em primeiro lugar, as normas jurídicas
são estabelecidas por órgãos ou instituições legítimas politicamente,
portanto, distintas de normas morais. Como segundo fator, as normas
jurídicas são impostas, com uso da força se necessário for, de forma a
persuadir as pessoas a agirem de modo a atender às finalidades ou
objetivos estabelecidos pelos órgãos políticos definidos. Assim, as normas
jurídicas devem ser acatadas e colocadas à disposição dos indivíduos e
da coletividade para fazer valer interesses e necessidades, bem como
proteger seus bens de distintas naturezas e características.
3
Dessa maneira, vai sendo definida a cultura jurídica de um determinado grupo
em um determinado tempo. Segundo Wolkmer (2007, p. 5), cultura jurídica pode
ser definida como “representações padronizadas da (i)legalidade na produção das
ideias, no comportamento prático e nas instituições de decisão judicial, transmitidas
e internalizadas no âmbito de determinada formação social”. Portanto, o conjunto
de normas e procedimentos, considerados justificáveis e apoiados ou não pela força
instituída, vão padronizando condutas e construindo a concepção de direito. Pode-se
compreender direito como fenômeno sociocultural produzido e reproduzido desde um
contexto histórico.
NOTA
Há autores que diferenciam dogmática de zetética jurídica. Dogmática jurí-
dica pode ser definida como campo de estudo acerca dos conceitos ope-
racionais do direito (“verdades” preestabelecidas) usados para solucionar
na prática controvérsias jurídicas, portanto, é um estudo limitado, a grosso
modo, à norma positivada. A zetética jurídica problematiza os dogmas e
verdades jurídicas, questionando as premissas que definem a dogmática.
Nessa perspectiva, a história do direito estaria no campo da zetética, uma
vez que não apenas problematiza a dogmática jurídica contemporânea,
como busca reconstruir as ideias e práticas jurídicas em determinado con-
texto histórico.
4
Considerando História não como narrativa de acontecimentos, mas expressão
de experiências humanas que definem mudanças estruturais coletivas que não
tratam simplesmente de investigação sobre personagens individuais, como os “heróis”
ou “personagens”, mas de como a trama da vida move os indivíduos comuns desde
desejos, necessidades, valores e interesses a criarem aspirações coletivas e romperem
com estruturas e modelos dominantes. Trata-se, assim, de romper com o conceito de
que História é uma mera narrativa de atos individuais, mas estudar História desde a
possibilidade de mudanças do presente. É um ato de recusa de verdades absolutas
e destinos imutáveis preestabelecidos, uma forma de adquirirmos a consciência das
forças que nos levam coletivamente a agir desde as experiências vivenciadas.
Mas por que e para quê filosofar sobre o direito e sua história?
Você deve estar se perguntando por que e para que estudar Filosofia, se seu
interesse é Direito? Filosofia não é perda de tempo ou coisa de gente que “viaja” e vive
nas nuvens?
É natural que você pense assim, aliás, muitos perguntam para que serve a
Filosofia. Estamos habituados a nos preocuparmos com o que nos traga recompensas
materiais ou financeiras, afinal, temos apelos todos os dias pela mídia, por exemplo,
a sermos utilitaristas e colocarmos nossa felicidade, bem como o sentido de nossa
existência, na quantidade de coisas e bens que podemos comprar e acumular. Através
da Filosofia aprendemos a conquistar uma felicidade muito particular: descobrir o sentido
das coisas e de nossa própria existência para sermos donos de nosso próprio destino.
Iniciamos um estudo particular que nos vai ajudar a compreender que não existe
nada “natural” no mundo jurídico. Vamos aprender que, embora sendo difícil, devemos
conhecer a origem e a finalidade dos valores que regem o mundo do Direito desde sua
historicidade, para nos tornar menos ingênuos e com mais certezas.
5
presente desvelando os valores e as práticas jurídicas consolidadas ao longo do
tempo, ampliando, assim, nossa cultura jurídica, sendo o estudo histórico do direito
um importante elemento para o saber formativo e distinto do conjunto de disciplinas
dogmáticas que constituem o ensino jurídico.
Estudar História do Direito desde uma perspectiva não linear – a que não
concebe a história como acumulação progressiva de saber, mas como rupturas, avanços
e retrocessos –, além da importância para a formação acadêmica, permite identificar
forças e valores que vão conferindo legitimidade ao direito, e para tal tarefa é necessário
estabelecer estratégias e caminhos metodológicos adequados.
NOTA
A concepção linear da história do direito compreende o presente como uma
espécie de “celebração” do passado. O presente como única possibilidade
inevitável do passado, de uma espécie de “padrão” universal de evolução.
A “naturalização” e “sacralização” do presente é uma deformação histórica,
pois o presente não é uma imposição do passado, mas o resultado de
dinâmicas escolhas humanas.
A “neutralização” da história constrói para os juristas uma lógica de direito
abstrata e erudita sem preocupação com a finalidade maior do direito: a
concretização de necessidades e proteção de bens humanos concretos.
6
Em que pese a longa tradição da historiografia formalista nas faculdades de
Direito em fins da década de 60 e ao longo dos anos 70, foi sendo definido um novo
marco metodológico desde a criticidade e revisão dos modelos teóricos consolidados.
Trata-se da emergência de uma corrente mais questionadora dos historiadores,
problematizando a ingenuidade intelectual e a forma através da qual compreendem a
realidade desde modelos deformados meramente teóricos.
DICAS
“Escola de Frankfurt” é uma corrente de pensamento que emerge no
contexto político e histórico muito problemático. Em meio à ascensão do
nazismo na Alemanha e ao stalinismo na Rússia, um grupo de intelectuais
vinculados ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt,
alinhados ao que foi se denominando Teoria Crítica, passa a produzir
obras, pesquisas e análises sociais entre os anos 1920 a 1970 desde um
marxismo heterodoxo. Para conhecer melhor sobre a Escola de Frankfurt
e A Teoria Crítica, você pode consultar http://brasilescola.uol.com.br/
filosofia/a-escola-frankfurt-introducao-historica.htm.
7
NOTA
O nome Escola dos Annales se refere a um grupo de historiadores
liderados por Lucien Febvre e Marc Bloch, que se organizaram
em torno do periódico francês Annales d'histoire économique
et sociale (Anais de história econômica e social), no qual eram
publicados seus principais trabalhos. O principal objetivo desses
historiadores era a problematização do positivismo histórico
dominante e o desenvolvimento de um tipo de História que levasse
em consideração novas fontes para a pesquisa histórica, como a
sociologia, a economia, a semiologia etc., considerando a história
como a ciência do presente e não do passado, investigando as
transformações e rupturas sociais ao longo do tempo.
ESTUDOS FUTUROS
Como adiante será melhor estudado, “Modernidade” é definida como
um modelo civilizatório construído desde a Europa entre os séculos
XIV a XIX, que veio a substituir o modo de vida medieval. Tem, como
características, o predomínio de concepções políticas e jurídicas liberais
individualistas.
8
Considerando a história do direito como campo de estudo que tem como
objetivo a compreensão do presente a partir da revisão crítica do passado, evidencia-se a
finalidade maior de nossos estudos: rever historicamente as experiências do direito com
vistas a adquirir uma consciência do Direito Moderno mais humanizadora e libertária.
Frases como “isso é uma verdade” já não são ditas com tanta facilidade. As
verdades parecem provisórias. É um tempo em que tudo parece se transformar com
rapidez alucinante. Mal temos tempo de compreender conceitos, valores, ideias ou
comportamentos que repentinamente já são ultrapassados. Como nós, que pensamos
o Direito, podemos lidar com esse aparente “pós tudo” sem cairmos na cilada do senso
comum, dos dogmas ou das verdades midiáticas criadas todos os dias?
NOTA
Dogma é uma “verdade a priori” aceita sem questionamentos. O
dogmatismo ao longo da história resultou em intolerância e opressão.
Em sentido contrário, o pensar crítico é uma postura que visa rever os
dogmas e os contextos teóricos, fáticos, ideológicos e culturais que os
sustentam e os legitimam.
9
Há uma realidade na qual estamos inseridos que exige uma explicação!
Diariamente fazemos escolhas e julgamentos de valores, pois somos movidos por
crenças, valores, preconceitos, enfim, um conjunto de idealizações e representações
tanto individuais como coletivas que nos permite viver em sociedade.
É desde aí, desta “atitude reflexiva”, que falamos em “Filosofia”. Desde uma
atitude que permite discutir o que parece óbvio e natural. Claro que refletir sobre as
verdades e a realidade que nos cerca é uma dura escolha. Pode ser que sejamos mais
felizes ou mais otimistas com o superficial, afinal, ser inquieto é não se deixar levar
tão facilmente. É não aceitar passivamente o que nos é oferecido como “alternativa
possível”. Desde a atitude reflexiva descobrimos que não podemos ser felizes a vida
toda e todo o tempo. E essa é talvez a tarefa mais urgente de nosso tempo. Enfrentar o
medo das incertezas é o grande desafio que se coloca diante de nós quando decidimos
assumir uma atitude reflexiva. Devemos ter a coragem de sair do nosso “agradável e
confortável” senso comum. “Acontece que tendemos a descobrir algo agradavelmente
reconfortante quando ouvimos melodias que sabemos de cor” (BAUMAN, 2008, p. 29).
10
Para o jusfilósofo brasileiro Miguel Reale (2002, p. 5-6):
NOTA
• Atitude reflexiva: é o ato de pensar as crenças, verdades e sentimentos
de nosso cotidiano de forma profunda e com desejo de conhecer a
essência das coisas.
• Atitude filosófica: é a reflexão própria dos que não se cansam de admirar
as coisas, e são capazes de se distanciar do cotidiano e de si mesmos.
• Por que e para que a reflexão filosófica? Para um agir pessoal e social
intencional e consciente, sabendo o porquê, para que e como são as
coisas, crenças e sentimentos em sua essência.
• A finalidade da reflexão filosófica é permitir um pensar e crer de
forma crítica e livre de preconceitos.
• O filósofo é inimigo de fanatismos e dogmatismos.
11
• Epistemologia: termo de origem grega, “episteme”, relacionado com a natureza
e limites do conhecimento humano. Normalmente definida como “Teoria do
Conhecimento” ou “gnosiologia”, que no sentido mais restrito refere-se às condições
– metodológicas e técnicas – sob as quais se produz o conhecimento. Como campo
filosófico relaciona-se às possibilidades de alcançar a verdade no conhecimento.
• Metafísica: do grego “metà” – além de – e “physis” – natureza, física – é um
campo filosófico que discute questões para além do agir e conhecer, envolvendo
discussão acerca da natureza do que se conhece, sobre o que permite indagar
acerca da coisa em si. Metafísica indica o permanente esforço para atingir uma
causa válida e racional para o sentido da existencialidade humana, que tem como
ramo principal a ontologia – que investiga sobre as categorias ou essências do ser.
12
FIGURA 1 – CRESCENTE FÉRTIL - BERÇO DA CIVILIZAÇÃO
NOTA
Os estados que, atualmente, possuem terras localizadas no Crescente
Fértil, são: Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Israel e Palestina, além da
parte sul da Turquia e da área mais ocidental do território do Irã.
13
A fim de conter ou mesmo neutralizar as forças desagregadoras que colocam em risco
o modo de organização e dominação social, são definidas forças neutralizadoras,
dentre as quais consta o direito. Entretanto, as formas de controle impostas não se
originam somente pela violência física, mas pela aceitação da dominação por conta
da supremacia cultural, pelo estágio organizativo e tecnológico materialmente mais
avançado dos grupos dominantes. Assim, vão se institucionalizando os modos de poder,
dando origem às distintas formas de ordem política e jurídica das antigas sociedades. O
poder político e jurídico nas primeiras civilizações vai assumindo as seguintes funções:
A religião, que exercia tão grande império sobre a vida interior da ci-
dade, intervinha com igual autoridade em todas as relações que as
cidades tinham entre si. É o que se pode ver observando como os
homens daqueles tempos declaravam guerra, faziam as pazes e ce-
lebravam alianças. Duas cidades eram duas associações religiosas
que não tinham os mesmos deuses. Quando estavam em guerra, não
eram apenas os homens que combatiam; os deuses também toma-
vam parte na luta. E não se julgue que isso seja mera ficção poética.
Houve entre os antigos uma crença muito arraigada e viva, em vir-
tude da qual cada exército carregava consigo seus deuses. Estavam
convencidos de que eles combatiam com os soldados, que os de-
fendiam, e eram por eles protegidos (COULANGES, 2004, p. 181-182).
NOTA
Cosmogonia é especulação, idealização, sobre a origem do mundo
constituída por narrativas mitológicas que se aproximam de religião. Os
mitos, em geral, atribuem a divindades virtudes e poderes indiscutíveis.
Mitos – da palavra grega mytus – são narrativas de múltiplas versões
opostas ao real, mas mantidos vivos e perpetuados pelo grupo social.
14
DICA
Confia a obra A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, em http://
bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Fustel%20
de%20Coulanges-1.pdf.
Gilissen (2001) indica que as principais características do direito dos povos sem
escrita podem ser:
• A marca do direito dos povos antigos é a diversidade, uma vez que cada comunidade
possuía seus costumes próprios e o isolamento.
• A transmissão das regras de convivência pela tradição oral.
• A forte relação de justiça com religiosidade.
• Por não ser escrito, o direito antigo é bastante limitado quanto à abstração e
generalidade, sendo, em geral, reproduções de casos concretos.
• Identificação de direito com moral e religião.
• As fontes do direito relacionadas a costumes, práticas ancestrais, preceitos verbais etc.
15
A seguir consta um dos documentos jurídicos mais antigos escritos da
humanidade. Trata-se do Código de Ur-Nammu, criado por um rei sumério de mesmo
nome, escrito em torno de 2050 a.C., “ano em que Ur-Nammu fez justiça na terra”, que
incluía regras sobre impostos, procedimentos de tribunais e leis cerimoniais. Leis que
se aplicavam somente a mulheres escravas e castigos cruéis, como ter o insolente a
boca lavada com sal, aplicação de multas pecuniárias, embora limitadas e atualmente
absurdas, foram importantes avanços para o estabelecimento de limites ao poder real.
16
NOTA
Escrita cuneiforme é o nome dado a certos tipos de escritas feitas com auxílio de cunhas.
Inicialmente, eram marcas bastante simples, posteriormente se tornando mais abstratas e
mais sofisticadas, graças ao trabalho dos antigos escribas. Ajustando a posição relativa da
tabuleta ao estilete, o escriba poderia usar uma única ferramenta para fazer uma grande
variedade de signos.
ESCRITA CUNEIFORME
FONTE: <http://universodahistoria.blogspot.com.br/2010/07/escrita-cuneiforme.
html>. Acesso em: 11 abr. 2017.
17
A civilização egípcia foi uma das mais influentes na antiguidade. Ao longo
do Vale do Rio Nilo, considerado por Heródoto (484 a.C.- 425 a.C.), o “pai da história”,
como “dádiva dos deuses”, o Egito se edificou como extraordinário reino organizado
em pequenas províncias – nomos – e governado pelo faraó, um deus vivo. Além de
desenvolverem técnicas agrícolas eficazes, eram excelentes matemáticos, experientes
na área da medicina, na astronomia e, sobretudo, legaram para a posteridade preciosas
obras arquitetônicas e de engenharia.
FONTE: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/maat-deusa-metis-dos-egipcios-por-artur.
html>. Acesso em: 11 abr. 2017.
18
A figura anterior é uma representação da deusa Maat. Observe que está com as
asas abertas, pronta para voar, como a alma dos mortos e acompanhar a barca solar de
seu irmão Rá. Esposa de Tot, possui na cabeça a pena da verdade, que pesava sobre
todos no momento do julgamento do morto quando ela colocava sua pluma sobre um
dos pratos da balança e no outro oposto o coração do falecido. Se os pratos ficassem
em equilíbrio, a alma seguia sua viagem. Se o coração fosse mais pesado, era devolvido
para Ammut (deusa do inferno, criatura parte hipopótamo, parte leão e parte crocodilo)
para ser devorado.
NOTA
Maat: termo de origem copta, que é um sistema de escrita originado no
século IV a.C. no Egito, que expressa uma espécie de idealização filosófica
de justiça relacionada com verdade e ordem, que deveria orientar as
decisões dos governantes.
FONTE: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/maat-deusa-metis-dos-egipcios-por-artur.
htm>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Há uma bela estória preservada por antigos papiros que serve como fonte
de compreensão para a prática da justiça egípcia. Trata-se do “Conto do Camponês
Eloquente”, datada de 2070 a.C., que mostra como as palavras sábias e justas convencem
e encantam e que a indignação com a injustiça e com a maldade humana é própria da
condição do homem ao longo da história.
19
NOTA
“Conto do Camponês Eloquente” se trata de um antigo conto que pode ser
sintetizado da seguinte maneira:
20
FIGURA 5 – GRAVURA NA PAREDE DO TEMPLO - OFERENDA À MAAT
Nas paredes dos templos se poderia ver o faraó fazendo suas oferendas a Maat
e aceitando suas dádivas.
21
FIGURA 6 – MOISÉS COM AS LEIS - QUADRO DE REMBRANT (MUSEU DE BERLIM)
“Se emprestares alguma coisa a teu próximo, não invadirás a casa para te
garantires com algum penhor. Ficarás do lado de fora, e o homem a quem emprestaste,
te trará fora o penhor” (Dt. 24:10-11). Na Torah, estão os principais institutos jurídicos do
povo hebreu, como:
22
• Penal: o conceito de crime e castigo era de natureza religiosa,
tendo como pena comum a morte por apedrejamento. São
considerados crimes graves os delitos contra a divindade –
como idolatria e blasfêmia –, contra seu semelhante – lesões
corporais, homicídio etc. –, delitos contra a propriedade – roubo,
falsificações, furto; os contra a honestidade – adultério, sedução
etc. –, e contra a honra – falso testemunho e calúnia.
• Penas: desde penas corporais, como pena de morte e flagelação,
até a excomunhão, além do uso da famosa pena de talião:
• Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queima-
dura, ferimento por ferimento, golpe por golpe (Êx. 21.23-25).
23
Outros códigos foram encontrados na região, tais como as Leis de Eshnunna,
datado de cerca de 1939 a.C., encontrado no sítio arqueológico de Tell Harmal. Bem
como o Código de Lipit-Ishtar em língua suméria, com traços de escrita acádia, escrito
por volta do ano 1860 a.C. Contudo, estudiosos chamam a atenção para o fato de que
esses códigos, chamados de pré-hamurábicos, não formam propriamente um código
no sentido moderno do termo, uma vez que as leis das cidades não eram tratadas em
tais documentos. Além de que, a preocupação em sistematizar e organizar as leis em
códigos é um fenômeno próprio da modernidade, como adiante veremos.
Quando o alto Anu, Rei de Anunaki e Bel, Senhor da Terra e dos céus,
determinador dos destinos do mundo, entregou o governo de toda
a humanidade a Marduc; quando foi pronunciado o alto nome da
Babilônia; quando ele a fez famosa no mundo e nela estabeleceu
um duradouro reino cujos alicerces tinham a firmeza do céu e da
terra, por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a mim Hamurabi, o
excelso príncipe, o adorador dos deuses, para implantar justiça na
terra, para destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco
pelo forte, para iluminar o mundo e propiciar o bem-estar do povo.
Hamurabi, governador escolhido por Bel, sou eu; eu o que trouxe a
abundância à terra; o que fez obra completa para Nippur e Dirilu; o
que deu vida à cidade de Uruk; supriu água com abundância aos
seus habitantes; o que tornou bela a nossa cidade de Brasíppa; o
que encelerou grãos para a poderosa Urash; o que ajudou o povo em
tempo de necessidade; o que estabeleceu a segurança na Babilônia;
o governador do povo, o servo cujos feitos são agradáveis a Anuit.
A breve leitura nos permite compreender quem foi Hamurabi e suas virtudes
como “executor da justiça”, “escolhido pelos deuses”, de “sabedoria incomparável” e
tantos outros atributos que tornavam seu Código uma autêntica obra-prima para toda
posteridade.
24
FIGURA 8 – CÓDIGO DE HAMURABI
DICAS
Sugerimos, a você, conhecer melhor todos artigos do Código de Hamurabi,
no site http://www.ebanataw.com.br/roberto/pericias/codigohamurabi.
htm. Você se surpreenderá com a riqueza jurídica desse documento.
25
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Nos primórdios da civilização, não há separação entre direito, religião e moral, uma
vez que há uma mesma fonte de produção das normas de regulação social: o
sobrenatural.
26
AUTOATIVIDADE
1 Os documentos escritos mais antigos começam a aparecer em torno de 3000 a.C. no
Oriente Próximo, na Mesopotâmia e no Egito. Portanto, pouco a pouco a transmissão
oral, que acabou por preservar a memória cultural e a identidade dos povos antigos,
adquire forma através da escrita. Assinale a alternativa CORRETA, que apresenta
alguns acontecimentos que, estão relacionados com a passagem das formas arcaicas
de sociedade das primeiras grandes civilizações:
2 Segundo o historiador do direito John Gilissen (2001), os povos sem escrita da anti-
guidade possuem algumas características comuns, como regras jurídicas abstratas,
poucas e limitadas, direito e religião umbilicalmente entrelaçados, dentre outras. So-
bre os povos antigos sem escrita, qual foi a região ocupada pelos que se destacaram?
27
a) ( ) A mudança da tradição oral para a escrita.
b) ( ) A introdução da pena de prisão em substituição da pena de morte.
c) ( ) O fim da crença na origem divina das leis.
d) ( ) A criação do direito a partir do poder político.
28
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
O MUNDO GRECO ROMANO E SEU LEGADO
1 INTRODUÇÃO
No mundo grego antigo, encontramos a semente das primeiras reflexões
e indagações de natureza filosófica, política e jurídica a partir da qual floresceu o
pensamento ocidental. Por exemplo, no campo da política, a cidade de Atenas legou
ao mundo a ideia de democracia. Grandes pensadores tornaram-se permanente fonte
intelectual a todas as gerações que os seguiram. O modo de vida, a cultura helênica
corporificada nas majestosas obras literárias e os princípios e valores éticos fazem do
antigo mundo grego seguramente um dos berços da humanidade. O mundo grego antigo,
universo helênico, não era uma unidade, mas sim um conjunto de pólis independentes.
29
A concepção de vida cosmopolita grega, a vida na pólis, desenvolveu-se
lentamente a partir de um processo de sedentarização com a desagregação dos
primitivos clãs. A origem no Período Micênico (1500-1100 a.C.) confunde-se com lendas
e mitos que coincidem com a Idade do Bronze. Ao que se sabe, os antigos habitantes da
região foram os aqueus, cários, jônios e dórios, provavelmente originários da Anatólia,
com vínculos de parentesco que se espalharam após guerras locais. A geografia da
região, caracterizada por montanhas e terras de pouca fertilidade e proximidade com o
mar, fez com que esse povo se expandisse.
NOTA
A península da Anatólia, “terra do hitita”, também conhecida como Ásia
Menor, é banhada pelo mar Negro ao norte, o Mediterrâneo a oeste, o
mar de Mármara a noroeste.
30
Nas distintas pólis, mesmo nas grandes Atenas e Esparta, havia especificidades
quanto aos modelos políticos que vigoraram em inúmeras ocasiões, são eles:
FONTE: <http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-que-mostram-o-quao-dificil-era.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
DICAS
No site a seguir, você encontrará interessantes informações do modo de
vida espartano e quão difícil era viver naquela cidade e naquela época:
http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-que-mostram-o-
quao-dificil-era.html.
31
Em particular, os atenienses consideravam a vida pública, a vida na pólis, a
forma mais perfeita de convivência humana que deveria ser aprimorada pelos homens.
No período áureo da democracia (entre os anos 580 a 338 a.C.), os cidadãos, homens
livres e iguais, deliberavam sobre seus destinos políticos. A concepção de cidadania
grega é muito distinta da atual. Apenas eram cidadãos os nascidos em Atenas, homens
e maiores de 20 anos, ficando excluídos os estrangeiros (metecos), as mulheres e a
grande massa de escravos.
Para os atenienses, o homem que não era político ou não se interessava pela
política era um inútil.
32
Em Atenas, pelas constantes guerras e condições de saúde da época o índice
de mortalidade era muito alto e, consequentemente, a longevidade era baixa. A cada 100
adultos com 20 anos, 70 viviam até 30, 25 até os 60 e somente 7 vivam até os 80 anos.
A mortalidade era maior entre as mulheres porque a gestação e parto eram de alto risco.
Nas relações familiares se conhecia o divórcio recíproco, com iguais direitos para
homens e mulheres. Praticavam de maneira legal o abandono de crianças. Diferenciavam-
se na maneira de se vestir, tornando visível a diferença entre pobres e ricos, uma vez que
as roupas tendiam a ser semelhantes para as mesmas classes sociais. Talvez por essa
razão se considerava crime o furto de roupas no ginásio de esporte.
Toda religiosidade grega era inerente ao politeísmo, que foi aumentando pelo
acréscimo ao longo dos séculos de seres sobrenaturais – deuses, semideuses, espíritos,
demônios, heróis etc. – com “personalidades” peculiares. Não era possível conhecer a to-
dos e muito menos descrevê-los. Somente na Teogonia de Hesíodo constam 350 nomes.
33
NOTA
“Teogonia” é um termo que vem do grego “teo” (deus) e “gonia” (nascimento). Poema
épico escrito provavelmente no séc. XIII a.C., possui 1.022 versos, estabelece uma ordem
cronológica e hierárquica entre os deuses e demais entes mitológicos que faziam parte
do imaginário grego da época. Trata-se de uma obra grandiosa, comparada às grandes
narrativas de Homero.
TEOGONIA
34
NOTA
“Arconte” eram os antigos magistrados, cargo reservado somente aos
cidadãos e filhos da pólis.
Porém, foi a política – vida na pólis – que permitiu florescer a civilização grega a
partir do séc. VIII a.C. Após o longo período chamado de homérico, porque nos é permitido
conhecer através das narrativas épicas de Ilíada e Odisseia, a realeza entra em crise,
cedendo espaço à aristocracia, que se apropria progressivamente das prerrogativas
de poder. Nesta fase, o poder é repartido entre as elites, que o desmembram em três
funções: militar – exercida pelo Polemarco; administrativa – exercida pelo Arconte e
religiosa – exercida pelo Arconte Baliseus.
Esse regime teve como base as reformas políticas promovidas por Clístenes
(509-508 a.C.), que democratizou os mecanismos de participação, csegundo os quais
cada cidadão, em algum momento de sua vida, seria governante. Dessa maneira,
rompiam-se as barreiras entre governantes e governados e os cidadãos tornam-se
“senhores de seu destino”.
35
É a partir dessas bases que vamos compreender o direito grego, porque é o
direito que estará nas bases de sustentação desse regime.
Talvez não seja por acaso que os estoicos no final do século IV a.C.
e nos séculos seguintes completem mais um salto qualitativo na
direção da universalidade. Se acima das solidariedades familiares é
possível construir uma solidariedade cívica, então é possível que haja
uma solidariedade ainda mais universal, cosmopolita. Num mundo
construído pelo império helenístico e depois pelo império romano,
num Mediterrâneo totalmente helenizado, os estoicos vão pregar
uma cidadania universal, um pertencimento ao gênero humano. E
os juristas romanos serão, a seu tempo e a seu modo, influenciados
pelas reflexões estoicas, para falarem de ius gentium.
Lima Lopes (2012) ainda nos esclarece muito bem como os debates filosóficos
acerca da pólis vão edificando uma civilização que será vista pelos estrangeiros e por si
mesmos como um modelo.
36
Compreender o direito e a justiça grega é compreender o próprio modo de vida
na cidade como resultado da superação dos antigos vínculos familiares, portanto, deve-
se estudar o direito grego desde a consolidação da política e da filosofia, uma vez que as
leis e seus fundamentos brotam das relações entre os cidadãos unidos pelo sentimento
de justiça.
Porém, estudar direito grego exige do pesquisador um grande esforço, uma vez
que há precariedade de suas fontes, mas quais são as fontes do direito grego? Para o
historiador Gilissen (1995, p. 11), são cinco as fontes do direito:
DICAS
Pesquise a respeito da famosa Biblioteca de Alexandria, que reuniu as
maiores obras da antiga Grécia. Diziam que reunia os “livros de todos os
povos da Terra”, chegando a reunir milhares de antigos pergaminhos e
rolos de manuscritos. Diversas narrativas contam acerca da destruição.
Há um interessante filme que, certamente, você gostará, “Alexandria”, em
https://www.youtube.com/watch?v=6UURHhHiIc4.
37
FIGURA 12 – ANTÍGONA ENTERRA SEU IRMÃO
FONTE: <http://portfoliocursoevc.blogspot.com.br/2013/04/video-aula-1-contexto-historico-dos.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
Antígona, perturbada pela morte dos irmãos, mas não aceitando que um fosse
sepultado com honras enquanto o outro servisse de comida para os abutres, decide
contrariar o rei. Ela se sente motivada pelo dever normativo que transcende sua posição
de súdita e, entre a obrigação imposta pelo rei e as leis divinas de sepultar seu irmão,
dá ao corpo de Polinice um fim honroso. Quando descoberta, é levada diante do rei
Creonte, que oferece a oportunidade de negar que tivesse conhecimento de sua lei, sua
determinação, a fim de salvá-la do triste fim. De forma corajosa, Antígona nega a oferta
do rei. Leia o belo diálogo:
Creonte: ô Antígona. Que parte da minha ordem “não pode enterrá-lo” você não
entendeu? Vai dizer que não sabia?
Antígona: Estaria mentindo se dissesse que não conhecia a ordem. Como poderia
ignorá-la? Ela era muito clara.
Creonte: Portanto, tu ousaste infringir a minha lei? Tá maluca?
Antígona: Descumpri mesmo. Quer saber por quê? Porque não foi Zeus que a proclamou!
Não foi a Justiça, sentada junto aos deuses inferiores; não, essas não são as leis que
os deuses tenham algum dia prescrito aos homens, e eu não imaginava que as tuas
proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir as outras
leis, não escritas, inabaláveis, as leis divinas! Estas não datam nem de hoje nem de
ontem, e ninguém sabe o dia em que foram promulgadas. Poderia eu, por temor de
alguém, qualquer que ele fosse, expor-me à vingança de tais leis?
Esta magnífica obra nos traz muitas tensões, dentre as quais as “legais”, quais
sejam:
38
• A exigência do Direito Natural frente ao Direito Positivo.
• A imperatividade da norma jurídica.
• O primitivo e incipiente exemplo de desobediência civil.
• O dever do indivíduo para com sua família versus seu dever para com o Estado.
• A subjetividade individual frente às regras objetivas do corpo social.
A obra nos serve de início ao estudo do direito grego. Nos ensina que quando
as instituições não oferecem possibilidade de debate e questionamentos, emergem
ambiguidades e abusos de poder.
As leis mais antigas que se conhece são as leis de Drácon, de 621 a.C. Colocam
fim à solidariedade familiar e tornam obrigatório o recurso aos tribunais para os conflitos
entre os clãs. Como já dito, o fim da solidariedade familiar cria as bases para uma
solidariedade cívica, para além do círculo familiar.
FONTE: <http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/draco-o-primeiro-dos-draconianos/#>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
Conhecido pela severidade, lei draconiana passou a ser sinônimo de lei dura, o
primeiro código de Atenas introduziu importantes conceitos do direito penal, tais como:
a diferença entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa.
39
Posteriormente, já entre os anos de 594 e 593 a.C., Sólon cria um novo código
de leis, promovendo ampla reforma institucional, social e econômica. Na economia,
além de incentivar a cultura de oliveiras e vinhas, bem como a exportação de azeite,
atraindo muitos estrangeiros com a promessa de cidadania, obrigou os pais a ensinarem
um ofício a seus filhos, sob pena de ficarem desobrigados a ampará-los na velhice. Criou
o Tribunal da Heliaia, no qual qualquer pessoa poderia recorrer garantindo o princípio
de que a lei está acima de qualquer magistrado. Esse Tribunal julgava tanto causas
públicas como privadas, exceto os crimes de sangue. Seus membros eram os chamados
heliastas e eram escolhidos por sorteios anuais entre os cidadãos. Juridicamente, Sólon
instituiu a igualdade civil e suprimiu a propriedade coletiva dos clãs, além de acabar com
servidão por dívida, estabeleceu institutos importantes como a adoção, testamento etc.
Nesse modelo, a retórica era parte essencial para o convencimento daquilo que
cada cidadão defendia e acreditava. O objetivo era persuadir pela força dos argumentos.
40
FIGURA 14 – ANTIGA ATENAS
FONTE: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/atenas.htm>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
41
Para os crimes públicos:
Nos tribunais apenas se provava o direito, segundo a lei ou o costume, além dos
fatos. Também não havia uma execução judicial: o queixoso recebia o julgamento e se
encarregava de executá-lo. Não havia polícia judiciária como entendemos nos dias de hoje.
FONTE: <https://salmopresente.wordpress.com/2014/05/07/a-teologia-dos-filosofos-gregos-e-a-teolo-
gia-crista/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
42
Afinal, como funcionavam os tribunais?
Como já dissemos, era indigno e imoral receber dinheiro pela defesa de alguém e, por
essa razão, quando isso ocorria, era às escondidas! A ideia era a de que qualquer cidadão po-
deria se apresentar no tribunal perante juízes para receber uma resposta simples: sim ou não.
• A mediação e arbitragem.
• A retórica e eloquência jurídica.
• A transferência de propriedade somente por contrato.
• O julgamento de um cidadão por seus pares, por cidadãos comuns. Prática essencial
da democracia e inventada pelos atenienses.
• Publicidade dos atos processuais como procedimento democrático.
• Diferenciação entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa.
Por evidente que o modo de vida grego não era perfeito! Todavia, não eram mais
selvagens ignorantes e escravos da força das circunstâncias.
43
4 O HELENISMO
“Helenismo” é o nome dado ao período compreendido entre a morte de Alexandre,
o Grande, em 323 a.C., e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C. Nesta
etapa da história, há uma grande difusão da civilização grega numa vasta área: do
Mediterrâneo oriental à Ásia Central. Representou a concretização do ideal de Alexandre:
o de levar e difundir a cultura grega nos territórios que conquistava. Foi um período áureo
para as ciências. Tempo que marcou a transição para o domínio e apogeu de Roma.
FONTE: <http://www.jornalissimo.com/curiosidades/423-10-curiosidades-sobre-o-colosso-de-rodes>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
44
NOTA
Colosso de Rodes – uma das sete maravilhas do mundo antigo.
• Enorme estátua revestida a bronze representava Hélios, o deus grego do Sol. Hélio era
adorado pela população da ilha situada no Mar Egeu, que o via como seu protetor.
• O colosso foi erguido para celebrar a vitória dos gregos contra os macedônios (o povo
que habitava a antiga Macedônia, no norte da Grécia, cujo rei mais célebre foi Alexandre,
o Grande), que tentaram invadir a ilha de Rodes em 305 a.C., liderados pelo rei Demétrio I.
• A construção do monumento seria iniciada menos de dez anos depois, em 294 a.C.
Durante muitos anos, pensou-se que cada pé da estátua ficava de um lado da entrada
do porto da ilha e que os barcos passavam por baixo, mas esta versão foi afastada mais
tarde por estudos arqueológicos, que garantiram que a estátua se situava no cimo de
uma colina.
• O custo do Colosso teria sido suportado pela venda do material de guerra abandonado
pelos macedônios.
• A medida da estátua seria equivalente à de um prédio de dez andares - perto de trinta
metros de altura. O seu peso é estimado em 70 toneladas.
• Calcula-se que tenham sido precisos doze anos para erguer o Colosso.
Permaneceu em pé pouco mais do que 50 anos. Em 225 a.C. um violento
tremor de terra fê-lo ruir. Mesmo em pedaços, o monumento continuou a
atrair pessoas.
• O que restava do gigante ficou em Rodes até 654 d.C. Nesse ano, os árabes
invadiram a ilha e venderam as ruínas em bronze.
• Até hoje, o Colosso de Rodes continua envolto em um enorme mistério.
Há quem pense que se trata apenas de uma lenda contada pelo povo da
ilha, que foi passando de geração em geração.
FONTE: http://www.jornalissimo.com/curiosidades/423-10-curiosidades-sobre-o-co-
losso-de-rodes. Acesso em: 11 abr. 2017.
45
Qualquer pessoa minimamente culta deveria adotar atitudes fundadas no culto à
amizade, amabilidade social, prudência, virtude e um modo inabalável e positivo de
seguir a vida.
Epicuro de Salmos e Zenão ensinavam que é necessário nos afastarmos das paixões
e buscar um ponto de equilíbrio para superar o desatino das emoções e o autocontrole
excessivo: o justo está no meio! A serenidade do espírito, diziam, conduz a uma vida feliz.
46
5 O LEGADO ROMANO
O legado grego e o helenismo se expandiram e se perpetuaram graças ao
Império Romano a partir do século II a.C., quando Roma leva a cultura e civilização do
Mediterrâneo oriental para o Norte e Oeste europeu.
Roma foi uma das grandes, se não a maior, potência política da história.
A expansão imperial para inúmeros poderosos reinos e cidades, como Cartago e
Macedônia, além de prósperas cidades gregas derrotadas em guerra e que tiveram seus
territórios anexados, fez de Roma, em 150 a.C., “senhora do Mediterrâneo”.
O grande filósofo e orador Marcus Tullius Cicero (106 a.C. - 43 a.C.) afirmava que
Roma ia à guerra por seus mercadores, que muitas vezes eram os próprios membros do
Senado, ou seja, decidiam sobre a guerra porque lucravam com ela.
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FIGURA 18 – IMPÉRIO ROMANO
FONTE: <http://gabinetedehistoria.blogspot.com.br/2015/05/o-mundo-romano-parte-iii.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
José Cretela Júnior (1998, p. 9), grande estudioso do direito romano, chama
atenção para os diferentes significados da expressão “direito romano”:
48
Seu grande mérito foi o de ter conservado, através do trabalho de compiladores,
as obras dos jurisconsultos romanos. Mesmo após o fim de Roma, Justiniano, em 438,
publica sua grande obra: Corpus Juris Civilis. O trabalho era composto por quatro partes
distintas:
FIGURA 20 – JUSTINIANO
49
Embora a expressão Corpus Juris Civilis não tenha sido criada por Justiniano,
mas possivelmente pelo romanista francês Denis Godefroid por volta do ano 1583, em
geral, traduz todo o trabalho composto pelas Institutas, Pandectas, Digesta e Codex.
Graças a esse enorme esforço é que o direito romano foi legado para a posteridade.
Além da lei das XII Tábuas, a Lex Licinia, de 357 a.C., foi feita para permitir o
casamento entre patrícios e plebeus. Para as hostes ou peregrinos (os “estrangeiros”)
eram concedidos alguns direitos – Ius gentium – que regulavam a convivência com
os patrícios. Os não romanos constituíam uma gama imensa de indivíduos, desde as
pessoas livres até os rendidos em guerras.
DICAS
Espártaco: a respeito do tema, existem filmes clássicos e alguns sites
interessantes, como http://bit.ly/3Oywak4. Acesse e confira.
50
2. Formalista: desde sua origem os romanos exerciam rituais para dar efetividade e/
ou legitimidade aos atos judiciais.
3. Parcialmente não estatal: havia regulações, normas válidas, que nasciam dos
costumes e tradições dos povos submetidos ao poder imperial romano. Além disso,
era permitido que fossem criados acordos ou pactos entre particulares. Portanto,
o direito não nascia exatamente de uma autoridade, mas entre pactos e práticas
existentes que foram se justificando.
4. Tecnicista: ao longo do tempo, os pretores – magistrados que tratavam de questões
jurídicas, divididos entre urbanos (questões jurídicas da cidade) e peregrinos
(questões jurídicas em áreas rurais), exerciam o cargo por cinco anos – publicavam
Éditos que expressavam princípios, regras e fórmulas processuais que utilizavam
em suas decisões. Aos poucos os Éditos se transformaram em técnicas que se
institucionalizavam através das práticas dos tribunais.
• Família: De forma muito distinta da atual, a família romana era o grupo submetido
ao poder do pater familias.
o O casamento tinha uma natureza social e jurídica. Era uma relação entre
homem e mulher sustentado pelo affectio maritalis e tinha a finalidade de gerar
descendentes.
51
o A mulher exercia papel social, mas estava vinculada ao marido por um poder
chamado manus, espécie de poder doméstico que conhecemos como poder
marital. O manus permitia ao homem castigar a mulher e repudiá-la. Com a Lei
das XII Tábuas criou-se uma exceção: o casamento sine manus. Porém, quase
que até recentemente na história, o casamento cum manus foi regra.
o Os romanos conheciam também o divórcio como instituto jurídico. O divórcio
colocava fim ao casamento. Nos tempos mais antigos, o divórcio apenas existia
na forma de repúdio, até que já na república poderia ocorrer por inciativa de
qualquer um dos cônjuges.
• Direitos Reais: O termo “reais” deriva da palavra “res”, que significa “coisa”. Coisa é
tudo aquilo que existe na natureza e pode ser incorporado ao patrimônio. Para os
romanos havia coisas corporais, individuais e autônomas.
Você notará ao estudar Direito Civil como esses conceitos são importantes!
Para os romanos havia três tipos de coisas: res divini iuris (propriedade dos
deuses); res communes omnium (coisas comuns como água e ar) e res publicae (coisas
de propriedade do Estado).
Ainda havia res mancipi (as que necessitam de ato solene para sua transmissão)
e res nec mancipi, móveis, imóveis, divisíveis e indivisíveis etc.
DICAS
Busque a diferenciação desses conceitos no direito civil. Há bons
dicionários jurídicos pela internet. Sugere-se https://dicionariojuridico.
online/.
52
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Embora com distinções entre as pólis gregas, a relação entre direito, política e
cidadania é a essência do conceito de justiça naquela sociedade.
53
AUTOATIVIDADE
1 Uma das importantes fontes de estudo do antigo direito grego são as obras literárias,
dentre as quais a clássica obra de Sófocles "Antígona". Escrita no século V a.C., a
obra narra a trágica estória de Antígona que enfrenta um dilema legal após a morte
de seus dois irmãos, tendo que escolher entre o Direito Natural e o Direito Positivo.
Descreva a diferença para os antigos gregos entre Direito Natural e Direito Positivo.
a) ( ) Esparta.
b) ( ) Éfeso.
c) ( ) Macedônia.
d) ( ) Atenas.
4 Na Idade Média, o Direito Romano era mantido pelos estudiosos, sobretudo nas pri-
meiras universidades, como é o caso da Universidade de Bolonha, na Itália e Sala-
manca, na Espanha. Sobre o direito na Idade Média, assinale a alternativa CORRETA:
54
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
O DIREITO NO MUNDO MEDIEVAL
1 INTRODUÇÃO
A verdadeira desintegração do Império Romano, longo processo que se inicia
em torno do século V, marcado pela divisão do império em Oriente e Ocidente em 476,
a expansão dos reinos bárbaros e a ascensão do cristianismo são fatores que marcam
a entrada do mundo ocidental em um novo estágio civilizatório. A Idade Média será um
longo período histórico marcado pela hegemonia do poder da Igreja, herdeira do legado
filosófico da antiguidade, e relações socioeconômicas feudais. Será uma etapa em que
os valores culturais, ideológicos, políticos e filosóficos se assentarão nos valores cristãos
e pela centralização do poder eclesiástico.
55
Marcada por relações sociais estamentais – ordens/grupos sociais divididos e
sem mobilidade –, a sociedade medieval era um universo profundamente hierarquizado,
no qual a nobreza e o clero detinham o poder, restando aos servos a submissão aos
senhores em troca de proteção e uso da terra para a sobrevivência.
A doutrina cristã vai se definir como o eixo central da moral, ética, leis e
fundamento das instituições políticas e jurídicas desta etapa. É das lições do cristianismo
e dos fundamentos bíblicos aliados à releitura da tradição grega e romana que serão
elaborados os preceitos de direito e justiça.
Aliar fé (pístis) e razão (logos) será o grande esforço desta etapa, que pode ser
sintetizada pelos seguintes elementos caracterizadores:
56
de inclinação mais prática, como São Ambrósio, São Jerônimo e Santo Agostinho.
Entretanto, é em Santo Agostinho que a Patrística encontra o ponto de convergência e
maior complexidade.
57
ilimitado, tudo sabe e tudo vê. Assim, a justiça divina deve comandar e inspirar a justiça
humana, que tem sua origem na própria criação de Deus, mas que por imperfeições e
erros humanos acabou sendo desvirtuada.
Para Truyol Serra (1982, p. 215), Agostinho é pessimista em relação aos homens
– a crença no pecado original que corrompeu sua natureza divina –, o que faz com
que seja necessária a submissão da lei humana à divina, tendo a mesma lógica em
relação ao poder político. Portanto, a verdadeira justiça só será efetiva se alicerçada no
cristianismo e na prática da fé.
• A razão deve ser aliada à fé a fim de que seja possível a iluminação interior.
• Redefine o platonismo – é forte em sua obra o dualismo platônico como corpo/
alma; terreno/divino; imperfeito/perfeito; mutável/imutável etc. – encontrando na
transcendência divina cristã a essência da verdade.
• Desenvolve os grandes dogmas da Igreja, tais como o da Santíssima Trindade, além
da tese do criacionismo.
• Conceito de “mal” como mero resultado degradante do afastamento de Deus pelo
próprio homem.
• Existência concomitante de dois poderes: o Divino – que governa a Cidade Celeste
cujos cidadãos participam e comungam do amor de Deus – e o Humano – onde
vivem os que se afastaram do verdadeiro amor e serão julgados no Juízo Final.
58
ESTUDOS FUTUROS
Na próxima unidade você poderá perceber que são muitos os elementos
do pensamento moderno em que se encontram elementos do
pensamento agostiniano, tais como o conceito de Estado e legitimidade
de poder político.
DICAS
Em http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm, você poderá
encontrar a biografia de Santo Agostinho.
Verá como o pensamento deste importante filósofo reflete suas
inquietações pessoais e trajetória de vida que o levaram à conversão e a
assumir a tarefa de edificar o fundamento do cristianismo.
Ainda, em https://www.wdl.org/pt/item/11301/, é possível consultar as
obras de Santo Agostinho.
59
Este inédito episódio, que trouxe uma complexa cosmologia científica e a
sofisticação aristotélica desconhecida, atrai os pensadores da Igreja, em especial os
escolásticos.
DICAS
O clássico filme O Nome da Rosa, baseado no romance homônimo de
Umberto Eco e dirigido por Jean-Jacques Annaud, é uma ficção que
trata exatamente de uma trama diabólica e violenta que se abate sobre
um mosteiro no século XIV, quando valores e dogmas tradicionais do
cristianismo são questionados.
Na biblioteca do mosteiro, são mantidas, às escondidas, obras da filosofia
grega antiga consideradas heréticas, portanto perigosas para a fé cristã.
Aos curiosos, que liam às escondidas, é reservado o pior dos castigos: a
morte por envenenamento.
Caso não tenha assistido, sugerimos que o faça.
60
FIGURA 24 – SÃO TOMÁS DE AQUINO
61
• O homem tem o dever moral de proteger sua vida e sua saúde,
razão pela qual o suicídio e a negligência constituem um erro.
• A necessidade natural de propagar a espécie resulta na
necessidade fundamental de união de um homem e uma mulher.
• Tendo em vista que o homem busca a verdade, seu melhor
meio de consegui-lo consiste em viver em harmonia social com
seus concidadãos, que também estão engajados em tal busca.
Para assegurar uma sociedade ordenada e harmoniosa, as leis
humanas são moldadas de modo que sirvam de diretrizes para
o comportamento da comunidade (MORRISON, 2006, p. 78-79).
A lei nada mais é que um ordenamento da razão tendo em vista o bem comum
promulgado por aquele que tem o encargo de cuidar da comunidade (pergunta 90, r. 4)
(AQUINO, 2001).
Aquino (2001 apud MORRISON, 2006) define a lei na lógica tomista como:
• Lei Eterna: a lei é um ditame da razão prática que emana do governo que rege uma
comunidade perfeita. Portanto, a ideia mesma do governo das coisas em Deus, o
senhor do Universo, tem a natureza de uma lei. E, como a concepção das coisas da
razão divina não está sujeita ao tempo, mas é eterna, conclui-se que essa espécie
de lei deve ser chamada de eterna (pergunta 91, r. 1).
• Lei Natural: a lei natural é a parte da lei eterna que diz respeito especificamente ao
ser humano. Se o homem não pode conhecer a totalidade de Deus, a racionalidade
humana garante sua participação na razão eterna, através da qual ele identifica
uma tendência natural (normativa) à prática de atos e a fins adequados. A lei natural
nada mais é que a participação da criatura racional na lei eterna (pergunta 91, r. 2).
• Lei Humana: as leis escritas – leis humanas – devem derivar de preceitos gerais da lei
natural. Sendo, portanto, o direito um “ditame da razão prática”. A forma de se extrair
as conclusões da lei é semelhante ao que ocorre com a “razão especulativa”. Da
mesma forma que chegamos a conclusões distintas nas ciências, do mesmo modo,
a partir dos preceitos da lei natural, a razão humana deve atingir determinações
mais particulares de certas questões. O que confere à lei sua legitimidade é sua
dimensão moral originada do Direito Natural.
• Lei Divina: sua função é dirigir o homem a seu devido fim, que é revelado nas
Escrituras Sagradas como forma de graça divina para que o homem possa atingir
seus fins espirituais e naturais. A lei divina provém diretamente de Deus e é
conhecida pela fé, esperança e amor.
62
Em síntese, pode-se compreender a teoria em Tomás de Aquino como parte do
pressuposto de o homem, enquanto ser racional e livre, escolhe sua conduta e, por não
conhecer plenamente os desígnios de Deus, desvia-se do verdadeiro caminho pecando.
Portanto, a autodeterminação que é uma bênção também é motivo da perdição e causa
do mal (ausência do bem).
Diante disso, a Idade Média sentiu a cultura antiga como uma forma modelar e
intemporal da sua própria vida. Os textos da antiguidade eram, por isso, intocáveis no seu
valor, se bem que a sua utilização (aplicação) na vida medieval continuava a constituir
um problema que exigia um enorme e continuado esforço da razão cognitiva. Neste
contexto, a expressão máxima de valor textual era a Sagrada Escritura e os demais de
cunho teológico a ela relacionados. De forma correlata, na esfera jurídica, o texto que
gozava do mesmo status era o Corpus Iuris, que exercia sobre o pensamento jurídico
medieval a força de uma revelação do direito.
63
Este trabalho acabou por influenciar a cultura jurídica da época, em função da
autoridade intelectual destes juristas, que gozavam de um prestígio próximo ao sagrado,
além da exegese textual, um verdadeiro racionalismo contemplativo e puramente
intelectual, que serviu de legitimação do direito positivo moderno, quando é travestido
em “vontade política geral” da nação com finalidade prática sob o comando do Estado.
Na Idade Média, quanto mais prática necessitava ser a interpretação dos textos
jurídicos, mais ia se aproximando de técnicas suficientemente capazes de harmonizar,
construir regras e princípios do que foi sendo definido como dogmática jurídica.
Entretanto, a esta dogmática jurídica faltava o revestimento da “verdade” enquanto
categoria lógica e autônoma.
O avanço urbano e mercantil europeu dos séculos XIII e XIV exigia maior
valorização do direito local em relação ao direito comum cultivado pelos letrados. Estes
pós-glosadores, “arquitetos da modernidade” ao lado de Dante, Giotto e Petrarca, foram
os responsáveis em estabelecer a relação entre o jus commune com o jus speciale local.
Este processo acabou por conduzir a uma unidade racional e lógica das distintas
concepções, mas com uma finalidade prática, o que vai ultrapassando os glosadores por
constituir-se numa interpretação menos comprometida com a “sacralidade” dos textos
de Justiniano, além de também fundada numa atitude mais racionalista no sentido de
guiar o pensamento por critérios lógicos tal como haviam sido herdados por Aristóteles.
64
A interpretação lógica partia da concepção de que o texto era a expressão
de uma ideia geral (ratio) tal qual o autor expressou em cada parte, sendo assim, o
texto compreendido a partir da inter-relação do conjunto dos contextos, ou seja, cada
preceito jurídico isolado é compreendido a partir do texto normativo que o constitui – do
instituto jurídico – extraído das ideias formadoras iniciais – a dogmática. A ratio legis
era obtida através de um procedimento lógico dialético, segundo as regras aristotélicas,
que acabava se tornando um processo inovador e, portanto, criativo.
É o ambiente filosófico do século XVII que vai fornecer elementos para uma
concepção de direito estável e previsível, como a própria razão cartesiana dominante.
Um projeto perseguido pelos juristas modernos que se distinguia do idealizado pelos
romanistas clássicos, para os quais o direito era uma arte orientada por regras prováveis
de estabelecer o justo que admitiam conflito de opiniões. Com a secularização do
conhecimento e a quebra de hegemonia religiosa provocada pela Reforma Luterana,
a validade do direito deveria ser buscada independente da crença religiosa. Com
esta laicização, o fundamento do direito se desloca para valores referenciais laicos,
comuns a todos e válidos pela evidência exclusivamente racional. É assim que se vai
firmando o jusnaturalismo moderno, que se aproxima metodologicamente das ciências
matemáticas, uma tendência de submeter o mundo humano ao mundo da natureza.
Todos os seres regidos pelas mesmas leis e movimentos, enfim, a ordem e certeza do
otimismo cartesiano.
65
LEITURA
COMPLEMENTAR
NOTAS PRELIMINARES DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA: POR UMA TEORIA
DA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL
66
causas, os motivos, os fundamentos da positivação de determinada lei e os efeitos que
essa lei surtiu. Especialmente no Brasil, que vive um constante descompasso entre a
aplicação do Direito e sua positivação, assim como das “ideias jurídicas” e da realidade
social, impõe-se o questionamento desses modelos.
67
Nesse patamar, em um país de contradição, desigualdade e descompasso
das leis e constituições com a realidade, é fundamental a soma de todas essas
metodologias para uma compreensão mais satisfatória da História e do Direito no Brasil,
é uma necessária metodologia consciente, interdisciplinar, crítica, que possa melhor
compreender a cultura jurídica brasileira. Uma cultura extremamente complexa, com
diversas narrativas e tradições que sempre precisam ser “escovadas a contrapelo”,
revisitadas. A percepção dos problemas patrimoniais, individualistas e patriarcalistas,
que só serão conhecidos com uma visão plural, social da cultura jurídica.
FONTE: http://150.162.138.7/documents/download/625;jsessionid=D241B462905014C6D8CD5CE-
D097A2B6F. Acesso em: 24 abr. 2017.
68
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
69
AUTOATIVIDADE
1 A Idade Média é um longo período histórico que se estendeu entre os séculos V a XV.
Foi uma etapa na qual foram sendo construídos os elementos políticos e jurídicos
que irão predominar na Modernidade. Naquele momento, a ideologia cristã tornou-se
o centro nuclear do poder e da cultura. Entre os fatores relevantes que justificam a
predominância do cristianismo, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) O cristianismo acabou por tornar-se uma forte ideologia pela defesa da crença
pagã.
b) ( ) Com a decadência política e religiosa romana a partir dos anos 30 d.C. assiste-se
um afastamento dos grandes valores e ideais de virtude e fé das práticas religiosas,
representando o cristianismo uma forma de restauração da espiritualidade.
c) ( ) A crença cristã floresce porque possui os mesmos cultos de adoração a divindades
romanas.
d) ( ) O cristianismo torna-se uma crença dominante por pregar a concentração de
poder e de riquezas pelas elites religiosas.
2 Na Idade Média, o Direito Romano era mantido pelos estudiosos, sobretudo nas pri-
meiras universidades, como é o caso da Universidade de Bolonha, na Itália e Sala-
manca, na Espanha. Sobre o direito na Idade Média, assinale a alternativa CORRETA:
4 O trabalho dos glosadores foi uma das grandes contribuições dos pensadores jurídicos
medievais para o direito moderno, sobretudo a metodologia de estudo e análise dos
textos jurídicos, que acabou por se transformar no "ponto de partida" da moderna
ciência jurídica. Acerca do exposto, escreva uma redação com o tema O LEGADO DOS
GLOSADORES MEDIEVAIS PARA O DIREITO MODERNO.
70
REFERÊNCIAS
ADEODATO, J. M. Ética e retórica. São Paulo: Saraiva, 2002.
BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2001.
COELHO, L. F. Teoria Crítica do Direito. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1991.
71
DUSSEL, E. Ética da libertação – Na idade da globalização e da exclusão. 4. ed.
São Paulo: Vozes, 2012.
72
HESPANHA, A. M. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. Portugal:
Fórum da História, 1997.
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
HORKHEIMER, M. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
73
MORRISON, W. Filosofia do Direito – Dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
NOVAIS, F. A. O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial. In: MOTA, C. G. Brasil em
perspectiva. 9. ed. São Paulo: DIFEL, 1976.
PERELMAN, C. Lógica jurídica e nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
PRADO JÚNIOR, C. Evolução política do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2012.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. 19. ed. São Paulo: Record, 2011.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed. Record, 2001.
74
SCHWARTZ, S. A. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva,
1979.
SOUSA SANTOS, B. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez,
2007.
VENANCIO FILHO, Al. Das arcadas ao bacharelismo – 150 anos de ensino jurídico
no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982.
VIOTTI DA COSTA, E. Liberalismo brasileiro, uma ideologia de tantas caras. Folha de São
Paulo de 24.02.1985. In: WOLKMER, A. C. História do Direito no Brasil. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2007.
75
ZEA, L. Discurso desde a marginalização e a barbárie. São Paulo: Garamond, 2005.
76
UNIDADE 2 —
O DIREITO MODERNO
E SEUS FUNDAMENTOS
HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
77
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
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78
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
O MEDIEVAL E O LEGADO PARA A
MODERNIDADE
1 INTRODUÇÃO
“Direito Canônico” é uma expressão que designa um conjunto de normas jurídicas
cujo objetivo é o de reger o modo de vida dos cristãos. Em 313, quando Constantino
concedeu liberdade para que as autoridades cristãs – papa e bispos – pudessem julgar
seus adeptos, segundo seus preceitos religiosos, iniciou-se um processo de autonomia
que, no século V, ganha absoluta autonomia.
DICAS
Há um excelente artigo, que você pode ler acerca do tema, em http://
nemed.he.com.br/projetopandora/2016/10/15/o-nascimento-das-
universidades-medievais/, com o título O Nascimento das Universidades
Medievais: Aspectos sobre a Cultura de Saber na Baixa Idade Média Ocidental.
Leia, você verá como é interessante o funcionamento das universidades
na época e a maneira como influenciaram o pensamento moderno!
A Igreja foi assumindo inúmeras funções até então reservadas ao antigo Império
Romano. Além ter adquirido grande força espiritual, ainda era o poder mais organizado,
através da imensa rede de adeptos.
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FIGURA 1 – ENSINO MEDIEVAL
FONTE: <http://nemed.he.com.br/projetopandora/2016/10/15/o-nascimento-das-universidades-medie-
vais/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
80
Dentre os fatores que colocam em relevo o direito canônico, pode-se destacar:
Todo direito canônico assenta-se no trabalho dos canonistas que vão aproximar
o direito da teologia cristã construída a partir do texto bíblico e, por esta razão, elaboram
técnicas interpretativas que fundam a moderna hermenêutica jurídica.
NOTA
O termo “canônico” se origina da palavra “canon”, que significa “regra” ou
“régua”, medida. Portanto, direito canônico é composto por um conjunto
de regras de vida cristã.
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FIGURA 2 – CORPUS IURIS CANONICI
FONTE: <http://legalissistemasjuridicos.blogspot.com.br/2012/09/cuestionario.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
Com Gregório VII, cujo nome de origem era Hildebrando, há uma separação entre
sacramentos – preceitos religiosos – e leis, pois não se diferenciavam leis canônicas de
rituais ou liturgias. Além disso, havia uma certa subordinação do papado ao poder civil com a
forte ingerência dos nobres e reis, sobretudo das decisões acerca dos cargos eclesiásticos.
82
• Somente o papa pode legislar de acordo com a necessidade do momento.
• Somente os pés do papa podem ser beijados pelos príncipes.
• Somente seu nome pode ser recitado nas igrejas.
• O papa pode depor imperadores.
• Não podem ser convocados concílios ou sínodos sem sua ordem.
• Nenhum capítulo ou livro pode ser chamado de canônico sem sua ordem.
• Nenhum de seus julgamentos pode ser revisto, mas ele pode rever julgamento de
todos.
• A ele, compete dissolver os laços de vassalagem.
Perceba que o documento ataca diretamente o poder dos nobres, que vão
reagir, iniciando uma longa fase de enfrentamento que será conhecida como Guerra
das Investiduras, cujo marco foi a carta redigida por Henrique IV, rei da Inglaterra, que
irá culminar com o rompimento do rei com o papa.
DICAS
Você pode pesquisar a respeito do tema e aprofundar o seu estudo.
Sugere-se: http://adventmedidas.blogspot.com.br/2016/05/a-questao-
das-investiduras.html.
83
tar/espiritual e não geográfica. Vigorava ainda muitas vezes o princí-
pio da personalidade (ou pessoalidade) das leis e, sobretudo, a força
dos costumes locais (LIMA LOPES, 2012, p. 73-74).
FONTE: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/19399/hoje+na+historia+1077+-+impera-
dor+henri+iv+ajoelha-se+aos+pes+do+papa+gregorio+vii.shtml>. Acesso em: 11 abr. 2017.
84
tais como: 1. A condução do processo por profissionais do direito; 2. A uniformização
dos procedimentos; 3. A perspectiva investigativa – inquisitorial; 4. A predominância da
escrita sobre a oralidade com a criação dos “autos” processuais.
85
DICAS
Assista ao filme Em Nome de Deus em https://www.youtube.com/
watch?v=c20mqZUy2VA. Você se encantará com a história – verídica – de
Abelardo e Heloísa. Ele, um professor e intelectual da época medieval,
particularmente da Baixa Idade Média (séculos XI a XV); e ela uma mulher
extraordinária. Não perca!!!!
4 O PROCESSO INQUISITORIAL
Ao se consolidar uma classe de profissionais do direito, também se disseminou
uma forma de solucionar conflitos, uma prática processual cuja marca era a racionalidade
e a técnica. Além de ter introduzido o processo escrito – autos –, que passou a exigir
um corpo notarial, a escrita processual exige termos e fórmulas específicas e, assim, a
lógica de técnica vai assumindo relevância.
• Libellus: queixa apresentada pelo autor a uma autoridade oficial que lê na presença
do réu a acusação ou pedido.
• Exceções: na fase seguinte apresenta-se o que hoje chamamos de preliminares –
qualquer defesa que não seja o mérito propriamente dito – que seriam dilatatórias
ou peremptórias, que poderiam impedir o andamento do processo ou atingir o
próprio direito.
• Litis contestatio: contestação.
• Decisão: feita pelo magistrado resolvendo o mérito.
86
não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou antinaturais (absurdas
e impossíveis de serem aceitas). Portanto, o sistema de provas assenta-se sobre o que
passou a se chamar prova legal, uma vez que sua apreciação dependia de regras pre-
viamente estabelecidas, como o famoso “código processual”, o Manual dos Inquisidores
criado por Nicolau Eymerich. Este Directorium Inquisitorum, de 1376, é uma espécie de
modelo fundacional do direito processual penal moderno que visava perseguir e punir a
todo aquele que representasse uma ameaça ou poder papal, o herege.
87
Os autores se perguntam sobre que tipo de execução que se deve
aplicar aos relapsos. Devem morrer pela espada ou pela fogueira?
A opinião geral, confirmada pela prática generalizada em todo mundo
cristão, é que devem morrer na fogueira, de acordo com a lei: “Que
os patarinos e todos os hereges, quaisquer que sejam os seus no-
mes, sejam condenados à morte. Serão queimados vivos em praça
pública, entregues em praça pública ao julgamento das chamas”.
(Determinação do imperador Federico e dos Papas Inocêncio IV, Ale-
xandre IV e Clemente IV. Na verdade, a prática veio antes da própria
codificação) É de fundamental importância prender a língua deles ou
amordaçá-los antes de acender o fogo, porque, se têm possibilidade
de falar, podem ferir, com suas blasfêmias, a devoção de quem as-
siste à execução. […]
Os inquisidores devem ser capazes de reconhecer as particularidades
rituais, de vestuário etc., dos diferentes grupos de hereges. […]
É herege quem disser coisas que se oponham às verdades essenciais
da fé.
Também é herege:
a) Quem pratica ações que justifiquem uma forte suspeita
(circuncidar-se, passar para o islamismo…);
b) Quem for citado pelo inquisidor para comparecer, e não
comparecer, recebendo a excomunhão por um ano inteiro;
c) Quem não cumprir a pena canônica, se foi condenado pelo inquisidor;
d) Quem recair numa determinada heresia da qual abjurou ou
em qualquer outra, desde que tenha abjurado;
e) Quem, doente mental ou saudável – pouco importa –, tiver
solicitado o “consolamento”.
Deve-se acrescentar a esses casos de ordem geral: quem sacrificar
aos ídolos, adorar ou venerar demônios, venerar o trovão, se relacio-
nar com hereges, judeus, sarracenos etc.; quem evitar o contato com
fiéis, for menos à missa do que o normal, não receber a eucaristia nem
se confessar nos períodos estabelecidos pela Igreja; quem, podendo
fazê-lo, não faz jejum nem observa a abstinência nos dias e períodos
determinados etc. […] Zombar dos religiosos e das instituições eclesi-
ásticas, em geral, é um indício de heresia. […] Existe indício exterior de
heresia toda vez que houver atitude ou palavra em desacordo com os
hábitos comuns dos católicos (EYMERICH, 1993, p. 39-52).
Portanto, o herege é aquele que se opõe às “verdades” da fé, cuja pena imposta
varia de acordo com o grau de heresia, que vai desde o cumprimento de penitências,
durante certo tempo, até a prisão perpétua ou a reincidência, aplicando-se neste caso
a execução pelo braço dos seculares.
88
a) suspeita leve: encontram-se leves indícios de heresia. O abjurante pronuncia
determinada fórmula, em língua vulgar, na casa episcopal ou no convento.
b) suspeita grave: não se provou nada, mas há fortes indícios que levam a uma grave
suspeita. Normalmente cumprem alguma penitência ou são levados à prisão, nunca
perpétua.
c) suspeita violenta: também não há provas, nem documentais, nem pela análise dos fatos,
mas há indícios gravíssimos que levam a uma violenta suspeita (algo como heresia
presumida). Cumprem alguma penitência e podem ser levados à prisão perpétua.
DICAS
Acerca dos diferentes movimentos de resistência e da centralização
papal, sugere-se, como leitura, o conteúdo do seguinte link: http://cleofas.
com.br/primeiros-movimentos-hereticos-e-os-cataros/.
89
O combate aos cátaros, que foi bastante “eficaz”, permitiu que a Inquisição
assumisse uma natureza legal e jurídica, sendo a primeira forma concreta a partir de sua
codificação no decreto papal Ad abolendam, emanado pelo Papa Lúcio III no ano 1184,
no qual se estabeleceu o primeiro delineamento do procedimento inquisitorial.
NOTA
A palavra heresia se origina do grego (αιρετικός), que significa escolha.
Com a autêntica manipulação imposta pela Inquisição, tornou-se um
termo genérico e depreciativo que inclui aleatoriamente qualquer
conduta considerada contrária, nova ou simplesmente diferente do
estabelecido pelo poder. O objetivo primor dial não era a imposição
da sanção ao suposto infrator, mas era um instrumento que impunha,
através do medo generalizado, uma forma única de visão de mundo, de
estruturação dos poderes oficiais e de estratificação social, sustentada
pelos argumentos religiosos, criados pelos doutores da Igreja.
NOTA
Os sabás – sabbats – eram festas populares em que se comemoravam
as mudanças das estações do ano. Consistiam em antigos rituais de
celebração à natureza que eram vistos, aos olhos da Igreja, como práticas
demoníacas.
90
A visão de uma sociedade cristã unificada e ordenada era um ideal
para os líderes da Igreja. A cristandade era concebida como um todo
integrado e hierárquico. Qualquer pessoa ou grupo que levasse uma
vida religiosa fora da estrutura eclesiástica estabelecida era por
definição um herege e sujeito à disciplina punitiva das autoridades
seculares à qual a Igreja recorria. Falhas morais ou indiscrições
pessoais não eram consideradas como problemas religiosos de
vulto dentro dessa estrutura. A Igreja tinha um oportuno sistema
de absolvição, que era capaz de cuidar desses assuntos por parte
do clero e do laicato igualmente. O que era repreensível era a vida
religiosa praticada fora das ordens e da disciplina da Igreja (IRVIN;
SUNQUIST, 2004, p. 506).
Após esse início, e ao que parece com medo de perder o apoio bélico da
Espanha, o Papa Sisto IV, já arrependido pelo poder que foi dado aos reis católicos,
tenta retroceder, mas já não era possível. Para a Igreja, a solução foi a nomeação do
frei dominicano Tomás de Torquemada como inquisidor-geral dos reinos de Castilha e
Aragão, em outubro de 1483. Toquemada foi o mais implacável e terrível dos inquisidores
e sua nomeação marca o início de uma nova fase da Inquisição.
91
FIGURA 5 – TOMÁS DE TORQUEMADA
92
Como consequência da certeza da existência da verdade real e ao sistema de
provas legais, a tortura ocupa um papel central no processo, pois a tortura era o meio
privilegiado de obtenção da verdade através da confissão, a rainha das provas.
93
Não havia limites para os tormentos! Ao contrário! O inquisidor não poderia ser
negligente na aferição da verdade!
FONTE: <https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/auto-de-fe-en-la-plaza-mayor-de-madrid/
8d92af03-3183-473a-9997-d9cbf2557462>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Em síntese, a Inquisição foi e até certo ponto é uma mentalidade que permanece
viva, consistiu em um movimento político-religioso que em nome do combate ao
demônio promoveu a perseguição indiscriminada e intolerante à diversidade, seja de
crença ou opiniões. Sem dúvida, uma estrutura de poder mantida pelo terror.
94
NOTA
A “Santa” Inquisição é expressão de um componente neurótico-obsessivo
do corpo clerical e cristaliza a dimensão de pecado que existe nas relações
internas da Igreja. Pois, a própria Igreja-comunidade de fiéis se confessa
santa e pecadora. Se assim é, então aqui é o pecado institucional que
ganha a cena e a ocupa durante séculos. Seu espírito vaga assustador
até os dias de hoje. E devemos nos precaver contra ele. Antes,
ajudar a própria instituição eclesial a ser fiel à sua utopia originária e a
ser um lugar de exercício de liberdade e de experimentação
da graça humanitária de Deus. E isso se fará na medida em
que os professantes da fé romano-católica se reapropriarem daquilo de
que foram historicamente despojados: sua capacidade de experimentar
o sonho de Jesus, de dizê-lo de forma criativa e responsável no interior
da comunidade, de confrontá-lo solidariamente com outras experiências
do evangelho de Deus na história e articulá-lo com o curso do mundo,
onde se revela também e principalmente o desígnio de benquerença e
de amor de Deus.
A comunidade cristã viveu séculos sem a Inquisição. Isso significa que
não precisou dela para viver e sobreviver. Portanto, ela é supérflua.
Sua existência mantém o mesmo escândalo, denota uma patologia e
concretiza um pecado. Nunca teve direito a existir. Não deve mais existir.
Por amor a Deus, por fidelidade a Jesus Cristo e por respeito às opiniões
religiosas diferentes nas sociedades humanas.
FONTE: http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/inquisidor/prefa-
cio.htm. Acesso em: 11 abr. 2017 (grifos nosso).
Esse breve texto nos leva a pensar se nos dias de hoje não estamos também a
vivenciar uma perigosa escalada da intolerância, cujas consequências poderão ser um
retrocesso, não é?
95
O incipiente capitalismo mercantil nos séculos XIV e XV produziu a necessidade
de regulação dos interesses dos particulares e as leis vão ganhando reconhecimento
como direito em si e a definição de direito comum vai sendo referenciada como jus
proprium. No século XII, a realidade da cultura europeia se modifica completamente e,
nesse contexto, surge o interesse pelos clássicos, sobretudo pela forma de vida urbana
que começa a surgir e o contato com o mundo árabe, porque mais do que mercadorias,
o mundo oriental havia conservado e traduzido as obras de Aristóteles através dos
filósofos árabes Averróis e Avicena, produzindo-se, assim, uma espécie de sincretismo.
A glosa (do grego palavra, voz) é uma observação, consideração simples sobre
o texto fiel a ele. O objetivo é comprovar que o texto jurídico é um instrumento da razão
e autoridade, sem que tivesse qualquer finalidade na vida prática. O elemento literal é
o ponto central do trabalho. Inicialmente, as glosas eram utilizadas para explicar uma
palavra do texto. Os glosadores estenderam sua função para explicar toda a frase. O
trabalho, de toda forma, como uma espécie de tradução literal. As glosas menores eram
feitas nas entrelinhas do texto e as maiores eram ao lado, à margem. A grande pretensão
era tornar evidente a verdade irrefutável da autoridade do texto através da razão.
96
FIGURA 8 – GLOSA MEDIEVAL
97
DICAS
A respeito do tema, para aprofundar os seus estudos, leia o interessante texto
Humanismo, Renascimento e Revolução Científica em http://educacao.globo.
com/historia/assunto/modernidade-na-europa/humanismo-renascimento-
e-revolucao-cientifica.htm. Você compreenderá o nascimento da ciência
moderna.
98
FIGURA 9 – UNIVERSIDADE MEDIEVAL
FONTE: <http://medievalimago.org/2014/08/23/a-universidade-medieval-um-enorme-e-significativo-lega-
do/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
99
conta disso, o domínio de técnicas interpretativas, como único meio de estabelecer o
“espírito” encerrado no texto normativo, possibilitava a rejeição de qualquer interesse
normativo oposto, a exemplo da interpretação restritiva utilizada em certos momentos
para as regras que não poderiam ser aceitas, por “excederem à vontade racional do
legislador”, e em outros, aceitas ampliativamente, de acordo com o interesse e utilidade.
100
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
101
AUTOATIVIDADE
1 O Direito Canônico é um conjunto de normas jurídicas que regulam o modo de vida
cristã, elaborado por um grupo de intelectuais - os canonistas - cujo papel é o de auxiliar
o poder papal a elaborar um sólido conjunto de legislações. Com Gregório VII, firma-se o
poder político da Igreja, levando a uma ampliação das antigas normas. Paulatinamente
é elaborado um importante Código que servirá de fundamento jurídico da Igreja até os
dias de hoje. Sobre esse código, assinale a alternativa CORRETA:
2 Direito Canônico é uma expressão que designa um conjunto de normas jurídicas cujo
objetivo é o de reger o modo de vida dos cristãos. Sobre os fatores que colocaram em
relevo o direito canônico, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
a) ( ) V - F - V - F.
b) ( ) V - V - V - F.
c) ( ) V - V - F - V.
d) ( ) F - V - V - V.
4 O direito medieval tem como característica principal ser pluralista. Em outras palavras,
durante a Idade Média convivam distintos e complexos sistemas normativos, dentre
os quais destacaram-se o Direito Canônico e o Direito Bárbaro. O Direito Canônico,
como resultado da convergência de inúmeros fatores, acabou tornando-se um direito
hegemônico em relação aos demais. Escreva uma redação com o tema O DIREITO
CANÔNICO MEDIEVAL COMO EXPRESSÃO DO PODER POLÍTICO DA IGREJA.
102
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
A MODERNIDADE: UM CENÁRIO DE
TRANSFORMAÇÕES
1 INTRODUÇÃO
Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o direito moderno, vamos começar
identificando o cenário, o contexto, a partir do qual se edifica toda lógica jurídica
predominante até os dias de hoje.
2 EXPLANAÇÃO
Como vimos, em momentos históricos anteriores os impérios ou sistemas
culturais coexistiam entre si, e apenas com a expansão europeia, que atinge a América
no século XV e o Oriente no XVI, é que o planeta se torna o “lugar” de uma “única”
história mundial (DUSSEL, 2000, p. 46). Na face interna, desde a Europa, modernidade
é uma forma de emancipação de racionalização civilizada da humanidade. Um discurso
que oculta a irracionalidade de dominação que justifica seu próprio mito.
103
FIGURA 10 – TRATADO DE TORDESILHAS
104
Em síntese, “modernidade” é um paradigma múltiplo, ambíguo e complexo que
enfeixa em si relações de dominação desenvolvidas mundialmente desde o século XV,
cujo impulso foi a autoelaboração europeia, a construção da concepção de Europa, de
um imaginário de “progresso” linear e universal.
Sem dúvida, a tirania de poder, com sua “missão civilizadora”, ocultada pelo
discurso justificador da modernidade, constituiu-se numa prática “racionalizadora” de
um mito alimentado interna e externamente pelo mundo europeu ao mesmo tempo
em que era definitivamente superado o passado medieval. Assim, “mundo moderno”
é produto da aproximação entre a burguesia secularizada europeia e as necessidades
do capitalismo que acabou por oferecer os contornos do padrão mundial de poder que
construiu o modelo civilizatório hegemônico.
IMPORTANTE
É importante que haja a consciência de que o processo de construção
da modernidade é difuso, sendo caracterizado pelo seu caráter lento e
irregular de gestação que começa a ocorrer precursoramente nos séculos
XI e XII, caracterizado por um lento e irregular desenvolvimento do mercado
de trocas comerciais e a aceleração do processo de racionalização que
até então era muito lento (FONSECA, 2002).
105
Conjugam-se, respectivamente, a tendência à inovação, à aventura e à
descoberta. Nessa nova condição histórica, ainda não capitalista do Renascimento,
a característica acentuada é a mercantilização. Nesta lógica de mercantilização, sem
limites ou obstáculos que não sejam profanáveis pela acumulação, o sagrado se reifica,
se coisifica, se aliena e todo universo humano adquire valor de troca.
106
Se, de um lado, a coragem para divergir dos preconceitos dominantes ia
emancipando o espírito humano, de outro, o cotidiano parecia avassalador. Professores
eram perseguidos quando não professavam a mesma fé do monarca e o debate
teológico, com a Reforma, assume destaque no meio universitário. Institucionalmente,
perdem o papel de liderança intelectual para as academias, que passaram a ser o centro
de produção cultural a partir do século XVII. Nesse ambiente ainda as fogueiras da
Inquisição ardiam sem parar!
NOTA
As academias eram grupos de indivíduos já com conhecimento que se
reuniam para discutir sobre suas experiências, hipóteses e conhecimentos,
aproximando-se de um “clube de amadores” de um certo tema, arte ou
ciência. Esses indivíduos não pertenciam à academia para obter um
título, mas para livremente investigar e discutir, o que não era possível no
ambiente universitário.
Como parte desse ambiente, praticava-se como nunca magia negra e flagelação
grupal. A Igreja, pedra angular do modelo social, para muitos era mais um centro de
corrupção e decadência do que um exemplo de integridade moral. O cenário era visto
mais como apocalíptico do que inovador.
Esse é o ambiente de um novo ator social com mais confiança em sua própria
capacidade de discernimento do que nas autoridades. Orgulhoso de sua própria razão
e ciente de que seria capaz de compreender e controlar o mundo circundante sem
depender de nenhuma divindade onipotente.
107
FIGURA 11 – OS PRECURSORES DO ILUMINISMO - RENÉ DESCARTES, FRANCIS BACON, JONH LOCKE E
ISAAC NEWTONFO
Isaac Newton, no século XVII, dá um passo definitivo para a criação de uma teoria
geral da dinâmica. Em meados do mesmo século, Huygens elaborou a teoria ondulatória
da luz. Em 1628, são publicadas as descobertas de Harvey sobre a circulação do sangue.
Robert Boyle, em 1661, supera definitivamente os alquimistas no campo da química e
retoma a teoria dos átomos de Demócrito. Giordano Bruno, em 1660, é queimado na
fogueira por divulgar a teoria heliocêntrica e por suas convicções teológicas serem
consideradas heréticas. Acreditava que a Sagrada Escritura deveria ser obedecida como
ensinamento moral e não como astronômico. A revolução da ciência abria possibilidade
para a certeza epistemológica e consenso objetivo e, ao mesmo tempo, a lógica da
previsão experimental e metodológica científica ia assumindo como redentora social.
108
o nome sugere, vem a substituir o antigo Organon aristotélico. Apesar dos equívocos
teóricos, defende o postulado de que um método adequado, o empírico, permitiria
a compreensão dos princípios e mecanismos que regem os fenômenos naturais, e
finalmente, a natureza poderia ser dominada.
IMPORTANTE
Defendendo a supremacia da racionalidade humana sobre a natureza,
assim escreve Bacon: Já é tempo de expor a arte de interpretar a natureza...
De fato, somos da opinião de que se os homens tivessem à mão uma
adequada história da natureza e da experiência, e a ela se dedicassem
cuidadosamente, e se, além disso, se impusessem duas precauções:
uma, a de renunciar às opiniões e noções recebidas; outra, a de coibir,
até o momento exato, o ímpeto próprio da mente para os princípios mais
gerais e para aqueles que se acham próximos; e se assim procedessem,
acabariam, pela própria e genuína força de suas mentes, sem nenhum
artifício, por chegar à nossa forma de interpretação. A interpretação é,
com efeito, a obra verdadeira e natural da mente, depois de liberta de
todos os obstáculos. Mas com os nossos preceitos tudo será mais rápido.
109
Na modernidade, Descartes estabeleceu a ideia de método unitário, funcionan-
do como paradigma de validade para todo conhecimento, de certificação universal em
razão das condições formais de procedimento. Criou o início de intrincadas e indisso-
lúveis questões que viriam a ser discutidas pelas gerações de teóricos que o seguiram,
produzindo, assim, uma pluralidade de problemas que transcenderam a individualidade
de qualquer pensador e acabaram por entrelaçarem-se naquilo que se chamou de pen-
samento científico moderno: a combinação entre conhecimento técnico-científico e a
forma de racionalizar o kosmos circundante.
Assim, foi sendo definida uma nova cosmologia profana dentro da qual
simultaneamente o ser humano descobria o movimento planetário e mudava seu
eixo existencial: de um universo aristotélico-cristão hierárquico, finito e estático
para um cosmo de significados múltiplos e absolutamente novos (TARNAS, 2000). O
mundo tornara-se secular e mutante. Com a teoria darwiniana demonstrava-se que a
transformação era o estado permanente da natureza em luta para o desenvolvimento e
supremacia dos mais fortes e não fruto benevolente de um plano transcendental.
Nesses novos tempos, o passado não tinha mais sentido em ser revivido, apenas
compreendido como forma de perspectiva para o futuro. A autoridade da tradição é
abolida. O conceito de moderno inclui a independência e a inovação. Talvez, por esta
razão, o conceito de modernidade é de abertura; de contínua ideia de inovação.
110
epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. Essa é a característica essencial
e diferenciadora do modelo paradigmático de conhecimento que vem a substituir
hegemonicamente todos os que o antecederam.
111
Toda reflexão epistemológica moderna assentou-se neste paradigma, que
demonstrava ser capaz de formular princípios organizativos da ordem natural e social.
Esse modelo de racionalidade deve ser compreendido como parte essencial do grande
projeto civilizatório da modernidade, que segundo Souza Santos (2006), é assentado
sobre dois pilares – o da regulação e da emancipação – cada um dos quais constituído
por três princípios ou lógicas.
112
NOTA
O importante autor contemporâneo Boaventura de Sousa Santos escreve acerca dos
“sintomas” da crise do pensamento científico moderno. Perceba como o autor coloca a
impotência da ciência para os tempos que se vão anunciando.
Vivemos num tempo atônito que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus
pés são um cruzamento de sombras, sombras que vêm do passado que ora pensamos já
não sermos, ora pensamos não termos ainda deixado de ser, sombras que vêm do
futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos nunca virmos a ser. Quando,
ao procurarmos analisar a situação presente das ciências no seu conjunto,
olhamos para o passado, a primeira imagem é talvez a de que os progressos
científicos dos últimos trinta anos são de tal ordem dramáticos que os séculos
que nos precederam desde o século XVI, onde todos nós, cientistas modernos,
nascemos, até ao próprio século XIX, não são mais que uma pré-história
longínqua. Mas se fecharmos os olhos e os voltarmos a abrir, verificamos
com surpresa que os grandes cientistas que estabeleceram e
mapearam o campo teórico em que ainda hoje nos movemos
viveram ou trabalharam entre o século XVIII e os primeiros vinte anos
do século XX, de Adam Smith e Ricardo a Lavoisier e Darwin, de Marx e
Durkheim a Max Weber e Pareto, de Humboldt e Planck a Poincaré e Einstein.
E de tal modo é assim que é possível dizer que em termos científicos vivemos
ainda no século XIX e que o século XX ainda não começou, nem talvez comece
antes de terminar. E se, em vez de no passado, centrarmos o nosso olhar
no futuro, do mesmo modo duas imagens contraditórias nos ocorrem
alternadamente. Por um lado, as potencialidades da tradução tecnológica dos
conhecimentos acumulados fazem-nos crer no limiar de uma sociedade de
comunicação e interativa libertada das carências e inseguranças que ainda
hoje compõem os dias de muitos de nós: o século XXI a começar antes de
começar. Por outro lado, uma reflexão cada vez mais aprofundada sobre
os limites do rigor científico combinada com os perigos cada vez mais
verossímeis da catástrofe ecológica ou da guerra nuclear fazem-nos temer
que o século XXI termine antes de começar.
Lendo o trecho anterior, que você tem disponível na íntegra pela internet, somos
levados a pensar se, realmente, a ciência, enquanto conhecimento em si, é capaz de
solucionar os males do nosso tempo.
113
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Com o rompimento com o poder político papal e a emergência dos Estados Modernos,
há a secularização do conhecimento e a concepção de ciência substituindo a
ideologia cristã.
114
AUTOATIVIDADE
1 O advento da Modernidade modificou profundamente o modo de vida e os valores
da sociedade europeia a partir do século XIV. Sobre as transformações no campo
jurídico, assinale a alternativa CORRETA:
115
4 Considere a cena a seguir, do filme Tempos Modernos, de 1936, de Charles Chaplin:
FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1832/fotos/detalhe/?cmediafile=20067818>.
Acesso em: 3 abr. 2018.
116
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
O DIREITO MODERNO E O POSITIVISMO
JURÍDICO
1 INTRODUÇÃO
Para compreendermos o direito moderno como resultado de todo um processo
histórico e filosófico acumulado, há que se partir da compreensão da racionalização
jurídica moderna, o que pressupõe inseri-la no amplo processo ético-filosófico e técnico-
produtivo da ordem capitalista liberal que emergiu da sociedade ocidental europeia
no século XVIII, culminando na consolidação de uma nova ordem social, econômica e
política, fundada nos valores e interesses da classe burguesa.
2 EXPLANAÇÃO
Se inicialmente o liberalismo constituiu um instrumento revolucionário capaz
de enfrentar o Antigo Regime Absolutista, com o apoio das camadas populares que
acreditavam na possibilidade de construção de uma sociedade livre, justa e fraterna,
com a apropriação do poder político e econômico pela elite burguesa, os ideais
revolucionários são mantidos unicamente no plano formal, excluindo-se da prática
qualquer ação comprometida com a distribuição da riqueza e a democratização política.
Afirma Wolkmer (1994) que, das expressões valorativas, a que mais se encontra
integrada ao liberalismo é o individualismo. No modelo liberal, o individualismo assume
caráter diferenciado de outras experiências históricas, como o cristão, naturalista,
racionalista e anarquista, por estabelecê-lo não como um “valor em si”, mas como “valor
absoluto”, que concebe e prioriza o homem em sua absoluta autonomia não apenas
frente ao poder estatal, mas a qualquer forma de organização institucional.
Sob tal ótica, foi produzido um modelo político monopolizado capaz de assegurar
e reproduzir os interesses liberais individualistas do capitalismo burguês, aliado a um
tipo específico de instrumental jurídico capaz de garantir sua legitimidade e efetividade.
117
Entende Heller (s.d., p. 158) que “[...] é patente o fato de que durante meio
milênio, na Idade Média, não existiu o Estado no sentido de uma unidade de dominação,
independentemente no exterior e interior que atuara de modo contínuo com meios de
poder próprios, e claramente delimitada pessoal e territorialmente”.
Como já vimos, além de que, na fase medieval, era desconhecida a ideia de uma
pluralidade de Estados soberanos coexistindo com uma igual consideração jurídica, não
conhecendo o Estado feudal uma relação de súdito de caráter unitário, como atualmente
o compreendemos.
118
No plano político, o Estado Moderno, de forma oposta ao do poder medieval,
constitui-se de dois processos paralelos que paulatinamente o vão consolidando: O pro-
cesso de centralização, quando se passou do poder disperso e local para um po-
der situado em um foco central nas mãos do monarca; e a formação de uma nova
concepção política de que o poder deve ter legitimidade e representatividade.
DICAS
Para melhor compreender esta fase da história, procure ler a respeito
das Revoluções Burguesas. Há muito material disponível na internet.
FONTE: <https://cafedahistoria.wordpress.com/2012/04/12/revolucoes-burguesas-a-revolucao-inglesa/>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
119
O adjetivo liberal, tomado em sua concepção política, que vem a caracterizar
o modelo que sucede ao absolutista, deve ser compreendido a partir dos movimentos
político-sociais pré-napoleônicos do século XIX; apesar de antes ter a Inglaterra exemplos
de correntes e instituições tipicamente liberais, associado a um credo jusnaturalista,
diferencia-se substancialmente do antigo. Para o jusnaturalismo predominou uma
concepção objetiva – existência de leis eternas, correlatas de uma racionalidade
inerente às coisas e oriundas do domínio do nous e de sua obra, o cosmos.
120
inconfessas”. Tal ideologia jurídica, tendo por finalidade promover a coesão do grupo
social, organizando a consciência individual em função de padrões de universalidade,
justiça, equidade e previsibilidade, torna legítima a organização jurídica posta, criando
um “consenso” que permite um agir social.
121
O positivismo em sua vertente legalista, que acaba sendo dominante na prática
jurídica, reduz o direito à lei e admite como única fonte de direito o criado por um
legislador estatal. Já a segunda “[...] deduzia as normas jurídicas e sua aplicação a partir
do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica, sem conceder
a valores ou objetivos extrajurídicos (por exemplo, religiosos, sociais ou científicos) a
possibilidade de confirmar ou infirmar as soluções jurídicas” (WIEACKER, s.d., p. 492).
122
O princípio básico desse novo paradigma jurídico, coerente com a concepção
de que o estudo do Direito deve ser restringido à experiência constatada, consiste em
identificar e reconhecer apenas como Direito o produzido pelo Estado, o único com
existência objetiva – jus positum – que, com segurança, pode ser instrumento de
planificação e manutenção da sociedade.
Esse novo conceito de Direito Natural, que passa a dominar o pensamento dos
juristas, traz como consequência a construção de sistemas jurídicos que têm como
ponto de partida os direitos inatos do indivíduo. A concepção individualista de homem,
apesar de remontar ao nominalismo, teve no cartesianismo e no empirismo um novo
impulso, onde os direitos individuais, imutáveis e necessários são definidos pela própria
natureza humana.
123
NOTA
A filosofia nominalista, ao contrário da tradição filosófica clássica que
conferia existência real ao homem como inserido em estruturas sociais,
considerava o homem enquanto um ser isolado, sem outros direitos e
deveres senão aqueles reclamados pela sua natureza individual ou pela
sua vontade.
124
Com o jus racionalismo é aberta uma nova fase no pensamento jurídico. De
um lado, a nova convicção de “natureza humana” eterna e imutável confere valor
universal do Direito, o que explica a “exportação” dos códigos, notadamente o Código
Civil napoleônico como subsidiário ou principal, para regiões culturalmente distintas,
representando um verdadeiro movimento revolucionário. E de outro, o divórcio definitivo
entre Direito Natural e Direito Positivo, vindo este último a ser considerado como o
único Direito, sendo que, no dizer de Bobbio (1993, p. 23), “[...] a partir deste momento,
o acréscimo de adjetivo «positivo» ao termo «direito» torna-se um pleonasmo, mesmo
porque, se quisermos usar uma fórmula sintética, o positivismo jurídico é aquela doutrina
segundo a qual não existe outro direito se não o positivo”.
125
Apesar de já ter a Assembleia Nacional Constituinte de 1790 concebido um
projeto de código que sintetizasse um novo direito revolucionário, apenas em 1804,
com o Consulado e sob a influência de Napoleão I, é que o Código Civil teve uma versão
definitiva, seguindo-se o Código de Processo Civil (1806), Código Comercial (1807),
Código Penal (1810), dentre outros. Essa fase de promulgação dos códigos inaugura
a instauração da Escola da Exegese, que, segundo Perelman (1998), vem seguida de
duas outras fases distintas: uma fase de apogeu até cerca de 1880, e uma de declínio,
que termina em 1890 com a obra de Gény, anunciando o fim do pensamento exegético.
Os códigos napoleônicos consumaram definitivamente a doutrina jus racionalista ao
“positivar a própria razão” e a concretização legislativa da volonté générale.
Tal saber jurídico que dominou a Europa na primeira metade do século XIX,
segundo Bobbio (1993, p. 84-89), possui como características fundamentais:
Até fins do século XVIII, predominava uma concepção dualista em que o Direito
era definido individualmente em duas esferas distintas: o Direito Natural e o Direito
Positivo, diferenciados quanto à gradação de superioridade ao longo da formação
histórica do pensamento jurídico.
126
Já na Idade Média, o Direito Natural é visto como “a lei escrita por Deus presente
no coração dos homens”, como afirma São Paulo, na Sagrada Escritura, o que gera a
inversão da relação entre as duas espécies de Direito, tendência que impregnou o
pensamento jus naturalista de que considerou o Direito Natural superior ao Positivo.
Contudo, apesar de tais distinções, ambos eram considerados como legítimos.
127
É exatamente com a Escola da Exegese que ocorre a mais íntima simbiose entre
o Direito e o Estado, não apenas no sentido de reconhecer como única fonte de Direito
o Estado, mas sobretudo, por admitir como o único verdadeiro o Direito Estatal.
Dura lex, sed lex, um bom magistrado humilha sua razão diante da razão da lei
(Mourlon). Esta máxima do pensamento exegético deixa evidente que a interpretação e
aplicação da lei devem ser submetidas à razão expressa na lei, a razão de um Estado Legislador.
128
Nesse sentido, interpretar significa, sob tal ótica, estabelecer o sentido imanente
da norma na totalidade do sistema tal qual foi previsto pelo legislador, distinguindo-se a
vontade real e vontade presumida.
Era isto que uma cultura de raízes nacionais, ancorada nas especifi-
cidades culturais dos povos, não podia aceitar. Uma organização po-
lítica e jurídica indiferenciada, exportável, universalizante, aparecia,
quando confrontada com os particularismos das tradições nacionais,
como um artificialismo a rejeitar (HESPANHA, 1997, p. 181).
129
É contra essa visão artificial e intemporal de Estado e Direito que pensadores,
como Gustav Hugo (1764-1844), Friedrich Carl V. Savigny (1779-1861) e G.F. Puchta (1798-
1846), buscam fontes não estaduais e não legislativas do direito, compreendendo a
sociedade como um organismo sujeito à evolução histórica, onde a tradição do passado
condiciona naturalmente o presente. Esta natural e peculiar evolução, sob tal ótica,
possuiria como elemento permanente e atuante o “espírito do povo” (Volksgeist), que
daria sentido e unidade a todas formas de manifestação cultural das diferentes nações.
FONTE: <http://www.duhaime.org/LawMuseum/LawArticle-1164/1814-The-Thibaut-Savigny-Controver-
sy-German-Codification-v-Common-Law.aspx>. Acesso em: 11 abr. 2017.
NOTA
O historicismo, como tendência de pensamento que se opõe ao
raciocínio puro e abstrato, dividiu-se em diversos ramos, designando
várias reações contra as doutrinas racionalistas. Pode-se distinguir três
correntes: o historicismo filosófico de Schelling e Hegel, o historicismo
político dos teóricos da restauração e o historicismo jurídico. Apesar
de considerar as importantes relações e interdependência entre as
diferentes correntes, há que se destacar o historicismo jurídico. A
respeito do historicismo alemão nas suas diferentes vertentes, leia
DEL VECCHIO, G. Lições de Filosofia. Coimbra: Arménio Amado
– Editor, 1979 e LARENZ, K. Metodologia da Ciência do Direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d.
130
Como decorrência das condições específicas do processo histórico e da
concepção predominante no pensamento jurídico alemão em rejeitar o Estado como
única fonte do direito e sua forma legislativa, é na filosofia da cultura organicista e
evolucionista somada ao ambiente cultural do romantismo alemão, que a Escola
Histórica vai buscar como pressuposto da ordem jurídica a ideia de que a sociedade,
assim como um ser vivo, é um todo orgânico submetido a um processo de evolução
histórica que é individualizado em cada povo.
Esse processo evolutivo histórico, neste entendimento, é movido por uma força,
ou um “espírito contínuo e atuante”: o espírito do povo (Vosksgeist), que confere unidade
e sentido a todas manifestações culturais de uma nação, sendo o direito uma dessas
formas de manifestação, e, portanto, é o resultado da ação deste agente nuclear.
131
[...] nos institutos fundamentais do direito se encontra uma disciplina
universal [...], e assim subverte a clássica argumentação da escola
histórica. Enquanto para esta a codificação [...] é algo artificial e
arbitrário, para Thibaut, ao contrário, as diversidades locais do direito
não têm nada de natural, sendo unicamente devidas ao arbítrio dos
vários príncipes de tais universidades.
132
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
133
AUTOATIVIDADE
1 "Positivismo jurídico" é uma expressão que designa a moderna concepção de direito
segundo a qual o único direito legítimo é o direito positivo. Entende-se por Direito
Positivo o direito posto pelo poder político, que, na modernidade, é aquele produzido
pelo Estado. Acerca do positivismo jurídico, assinale a alternativa CORRETA:
3 A cultura jurídica nacional possui uma forte tradição monista. O monismo jurídico é
uma das faces visíveis do positivismo jurídico, elaborado a partir dos séculos XVIII e
XIX, sobretudo com a formação e consolidação dos Estados Nacionais. Acerca do
monismo jurídico, assinale a alternativa CORRETA:
134
FONTE: <http://www.acarlosoliveira.com/2017/04/12/dura-lex-sedlex-a-lei-e-dura-mas-e-a-lei/>.
Acesso em: 11 abr. 2021.
A frase “a lei é dura, mas é a lei” constitui uma das máximas do positivismo jurídico. Pergunta-
se: qual a relação entre os fundamentos do positivismo jurídico e a referida frase?
135
136
UNIDADE 2 TÓPICO 4 -
OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO
PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO MODERNO
1 INTRODUÇÃO
Por meio dos estudos já realizados compreendemos conceitos fundamentais de
história e filosofia do Direito; bem como a trajetória histórica do pensamento filosófico
pré-moderno. Este é o momento de nos aproximarmos da atualidade e refletirmos acerca
dos elementos, características e fundamentos da Filosofia Moderna do Direito com vistas
a compreendermos a legitimidade do Direito contemporâneo, discutindo os desafios
que se colocam ao jurista e visualizarmos formas de superação de problemáticas que
dificultam a efetividade da justiça.
A lógica liberal, em suas múltiplas faces e versões, que vão desde o liberalismo
filosófico até o político e econômico, tornou-se o principal ideário do mundo moderno.
Uma análise histórica e política mais atenta permite compreender o liberalismo, defendido
pelas revoluções burguesas que destituíram a nobreza do poder e romperam com o
poder político papal desde os séculos XVII e XVIII, como defesa de valores individuais
burgueses bastante convenientes para os interesses da burguesia que emergia e se
137
consolidava naquele momento histórico. Sem dúvida, eram necessários meios de
legitimação das novas formas de aquisição e concentração de riquezas que iam sendo
elaboradas e uma justificação racional deste novo modelo de vida e de mundo que
estava nascendo.
138
NOTA
O positivismo jurídico acabou por eliminar todas as especulações
idealizadas e metafísicas acerca do direito, reduzindo Direito às
categorias de legalidade vigentes. Nesta ótica, a formalização do
positivismo jurídico encontra legitimidade na explicação da objetividade
coercitiva, na previsibilidade e segurança jurídica.
Conclui-se que:
139
Observe que a base e justificativa dessa ideia é que o direito posto (direito
positivo) tem a capacidade de resolver todos os casos concretos e a atividade jurídica
é um ato neutro (independente de valores morais e éticos) e imparcial. Resume-se na
famosa frase: “Dê-me o fato que te darei o direito”!
Afirma, Jesus Antonio de La Torre Rangel, que “[...] um dos maiores problemas
da ciência do Direito é a sua arbitrariedade, por ser constituída de leis arbitrárias que
se modificam com o tempo, pois uma mera palavra do legislador converte bibliotecas
inteiras em lixo” (2006, p. 32).
FONTE: <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/42/paginas-da-historia-hans-
-kelsen-158859-1.asp>. Acesso em: 11 abr. 2016.
140
Em meio à profunda crise teórica em fins do século XIX e início do XX, Kelsen é
um marco divisório para o positivismo jurídico, inaugurando o chamado normativismo
positivista e superando a esgotada concepção exegética.
IMPORTANTE
Controle da constitucionalidade é um dos conceitos centrais para o direito contemporâneo.
Trata-se de técnica de verificação de adequação vertical que obrigatoriamente deve existir
entre as normas infraconstitucionais e a Constituição. É uma análise crítica comparativa
entre o ato legislativo/normativo e a Constituição, tendo como pressuposto que no Estado
de Direito nenhum desses atos pode ferir ou contrariar a Lei Fundamental.
A base política e jurídica do controle de constitucionalidade é o pressuposto de
supremacia da Constituição escrita, por tratar-se de norma fundamental que
se sobrepõe a todas as demais e ter seu procedimento de criação – o poder
constituinte originário é um ato político e não jurídico – distinto dos demais.
Em síntese, ao que está em desacordo com a Constituição, ponto máximo
do vértice do sistema normativo, deve ser declarada a não possuir validade
política e jurídica.
Os pressupostos para o controle da constitucionalidade são, basicamente: a
existência de uma Constituição rígida, escrita e que não pode ser modificada
por procedimentos infraconstitucionais; e a existência de um órgão/tribunal
que garanta a supremacia constitucional.
A Teoria Pura do Direito é a obra pioneira que distingue duas esferas distintas: o
fenômeno jurídico – manifestação social e valorativa do Direito – e a ciência do Direito –
entendimento técnico procedimental científico desta manifestação. E é nesta distinção
que vamos encontrar a base da teoria kelseniana, qual seja: direito e moral.
Segundo tal perspectiva, o órgão julgador (Estado) não está legitimado a julgar
de acordo com convicções políticas/morais, mas sim de acordo com o sentido do fato
dado pelas normas estatais. É nesta dimensão que deve ser compreendida a famosa
dicotomia “ser”, mundo dos fatos/da vida social; e “dever ser”, direito positivado/o fato
como deve ser; ou seja, a preocupação de Kelsen é diferenciar o direito como é (vigente)
da valoração moral do conteúdo ou sentido normativo.
141
ATENÇÃO
O “dever ser” é sempre produto de uma vontade política legítima e o “ser” é
produto da vontade politicamente sem legitimidade.
Alguém pode exigir que outro faça ou deixe de fazer algo por entender
moralmente justo (prescrever uma ação ou omissão), mas não pode obrigar ao sujeito
fazer ou deixar de fazer o que quer. Por quê? Exatamente porque não possui legitimidade
política para tal exigência. E a ciência do Direito permite a abstração do direito do mundo
dos fatos sociais.
142
Fica evidente em Kelsen que a atividade do jurista é, a partir de um sistema
normativo previamente definido, chegar à norma do caso concreto, não cabendo
nesta análise os valores que antecedem a elaboração da norma. Exatamente por esta
concepção é que Direito e Estado seriam “duas faces” de uma mesma “moeda”.
ATENÇÃO
Validade não significa que a norma é certa ou errada, justa ou injusta; mas
elaborada de acordo com os pressupostos estabelecidos de maneira formal
pelo sistema normativo.
143
Claro que esse conceito é um dos grandes problemas da teoria de Kelsen! Qual
o pressuposto de validade, norma hipotética fundamental, justo? Qualquer sistema que
a define é justo? Para Kelsen essa não é uma questão jurídica e sim política.
Desde esse conceito de validade não é difícil compreender que Kelsen nos leva
a compreender que Direito é um sistema de normas hierarquicamente definidas desde
a ordem política e jurídica estabelecida segundo um pressuposto de validade, norma
hipotética fundamental, e que permite o controle de constitucionalidade das normas.
Para Fábio Ulhoa Coelho (2001, p. 43-44), a validade da norma, portanto, está
condicionada a três pressupostos:
Como se conclui, o método kelseniano tem que ser compreendido como a busca
de uma tentativa de autonomia da ciência do Direito, não como o estudo ou a teoria de
uma ordem jurídica particular, mas compreender as estruturas sobre as quais se constrói
o Direito Positivo e a universalização destas estruturas. Exclui-se qualquer preocupação
sociológica ou juízo acerca do justo, uma vez que o que importa para a Teoria Pura é
compreender os pressupostos de validade, vigência e eficácia da norma jurídica.
Isso significa que o objeto do Direito nessa concepção pode e deve ser estudado
como algo diverso/separado dos fenômenos sociais e estudar a ciência jurídica é
independente da realidade social. Esta é uma das grandes problemáticas do positivismo
144
jurídico, devendo o jurista limitar-se ao Direito posto, estabelecido pelas relações de
poder, não observando as questões valorativas, éticas ou sociais que o conduziriam à
realidade social.
O Direito normativo/dogmático, e somente este, é seu objeto de
estudo. Diante disso, o jurista não precisa ficar indiferente no que
diz respeito a valores éticos, morais e sociais; ele pode criticar o
Direito positivo e esforçar-se para modificá-lo, alcançando assim
sua reforma e a estruturação de algumas normas quando julgar
necessário (LIXA; SPAREMBERGER, 2016, p. 36).
145
uma racionalidade cognitiva-instrumental específica do direito moderno que pretende
solucionar o problema básico da atividade jurídica como a correta e segura determinação
do sentido prático da ordem normativa.
Entretanto, como pondera Harvey (1993, p. 23), “há uma suspeita de que o
projeto iluminista estava condenado a voltar-se contra si mesmo e transformar a busca
de emancipação num sistema universal de opressão em nome da liberdade humana, e
esta espécie de tragédia anunciada tornou-se realidade no início do século XX”.
146
se insuportável. Nos anos 50 a Europa, e com ela boa parte da humanidade, deixou de
acreditar no futuro e, como consequência, a ciência perde grande parte da autoridade
que até então possuía. Essa desilusão não pode ser dissociada das guerras mundiais.
NOTA
Nuremberg é um momento histórico em que o positivismo jurídico é
colocado em questão. Os acusados alegavam, em sua defesa, que estavam
agindo sob a égide do Direito e proteção de um Estado Constitucional.
147
muito tempo e que o próprio regime nazista ignorou: esse princípio,
usualmente enunciado com a expressão latina ‘nullun crimen, nulla
poena sine lege pravia’, proíbe impor uma pena por um ato que não
era proibido pelo direito vigente no momento de seu cometimento
(SANTIAGO NINO, 2010, p. 20-21, grifos nosso).
DICAS
Acerca da discussão a respeito dos atos de extermínio cometidos pelo
regime nazista serem ou não legítimos, há dois filmes excelentes que
recomendamos:
O Leitor, filme teuto-americano de 2008, dirigido por Stephen Daldry e
baseado no romance Der Vorleser, de 1995, do escritor alemão Bernhard
Schlink.
Hannah Arendt, filme de drama teuto-francês de 2012, uma obra biográfica
sobre a filósofa política alemã de origem judaica, Hannah Arendt, envolvida
em um dos grandes julgamentos de nazistas da história e sobre o qual
ela posicionou-se de maneira inesperada, mas própria de um filósofo e
cientista político.
148
O positivismo jurídico, diante do desencanto com o projeto civilizatório da
Modernidade, perda de perspectiva, era previsível desde o início da modernidade,
implícito nas suas incompatíveis promessas anunciadas de controle, previsibilidade, paz
social, “ordem e progresso” sem fim etc.
A razão herdada do século XIX que havia possibilitado uma ciência positiva
assentada numa lógica instrumental e a edificação do Estado como aparato legítimo
de racionalização da economia e da sociedade pode ser apontada como a causa do
surgimento de um movimento crítico na Alemanha da primeira metade do século XX,
que demonstrou os elos entre a ingenuidade do saber científico com as formas de
dominação construídas pela sociedade moderna. A empreitada da Escola de Frankfurt
de deslocar a crítica para a esfera do poder permitiu compreender a falsa ideia que o
saber possui de si mesmo e como a aproximação desmedida entre ambos – saber e
poder – produziu consequências desastrosas e irremediáveis.
149
FIGURA 16 – THEODOR ADORNO E MAX HORKHEIMER
A Teoria Crítica, que acabou por nominar o movimento dos intelectuais vinculados
à Escola de Frankfurt, tem sua origem em 1937, quando Max Horkheimer a utiliza num
escrito (Teoria Tradicional e Teoria Crítica) para indicar um ideário contraposto ao paradigma
cartesiano. Ao todo são cerca de 12 ensaios publicados entre os anos de 1933 e 1940, na
maioria, escritos durante seu exílio em Nova York.
150
A essa tradição, Horkheimer dá o nome de “Teoria Tradicional” ou hipotético-
dedutiva. A “Teoria Crítica” é crítica da “Teoria Tradicional” sob um ponto de vista
ético. Admitindo a impossibilidade de abandono absoluto com as realizações teóricas
passadas, diferencia ambas propostas quanto à atitude do sujeito, ou seja, na relação
do cientista para com a sociedade.
ATENÇÃO
A Teoria Crítica é uma concepção teórica que não perde de vista seu
contexto social de origem e sua possibilidade de aplicação prática,
pretendendo cumprir a tarefa de transformação radical da ordem social
existente.
Tal proposta exigia uma permanente reflexão no sentido de esclarecer seu papel
no processo histórico, o que até então não era metodologicamente possível pela rígida
divisão entre filosofia e ciência.
151
O projeto da Teoria Crítica não desejava ser messiânico no sentido de propor um
novo modelo político, mas o de desalienação como possibilidade de emancipação. E é
exatamente aí que o conhecimento encontra seu lugar: o de admitir como pressuposto
de racionalidade a permanente dinâmica social, articulando, assim, a reflexão teórica com
o processo histórico-social. Em outras palavras, o objeto privilegiado da Teoria Crítica
é a investigação acerca da articulação dialética entre os processos de conhecimento e
transformação social. A pretensa isenção defendida pela Teoria Tradicional se mostrava
insustentável e deveria ser repudiada pelas consequências contra os humilhados da
história. Havia servido de perverso instrumento de legitimação de formas alienantes e
alienadas de formas de vida humana, legitimando racionalmente o enigma da “servidão
voluntária”.
152
Esse é o ponto de partida para uma oposição às profundas contradições sociais
e as formas de pensamento que as legitimam, que foi assumido por Theodor Adorno e
Max Horkheimer, que defenderam a Teoria Crítica como alternativa e espécie de libelo
fundamental de oposição ao capitalismo através do qual assume-se o compromisso
com a construção de uma sociedade justa e livre.
153
LEITURA
COMPLEMENTAR
O JUIZ E A JURISPRUDÊNCIA – UM DESABAFO CRÍTICO
Marcado pelo meu local de fala (daí porque suspeito), entendo que o papel do juiz
é muito forte como agente criador da jurisprudência, evidente que sem descaracterizar
a importância do provocador, detonador, balizador, de todo o processo de onde emerge
o ato decisório: o advogado e o promotor de justiça. Daí porque pretendo demonstrar
como vislumbro este pequeno burguês com sede de poder que em determinado
momento de sua vida ingressa na “casta da magistratura”.
Fique claro: as eventuais críticas à magistratura representam, antes de mais
nada e acima de tudo, profunda declaração de amor a ela: acredito que o juiz pode e deve
ser agente do processo de democratização da sociedade e com potencialidade muito
maior do que os próprios pensadores percebem. É amor e não ódio (ou “amoródio”, como
diria um psicanalista). É respeito e não desdém, é confiança na dignidade da função.
Tenho que para que o Juiz possa se completar tanto no plano individual, quanto
como agente social, há requisitos que me parecem indispensáveis e que têm sido
omitidos tanto por aqueles que olham a magistratura de fora, quanto por aqueles que
pretendem ver a magistratura a partir de seu próprio local de fala.
Os que miram desde fora – como regra – dão menor importância ao juiz. É tido
como mero aplicador da lei, ou instrumento do poder dos doutrinadores que necessitam,
para provar suas “verdades”, que os magistrados as cumpram, ou, finalmente (e agora
dentro do Poder Judiciário), como cumpridores de ordens do Tribunal, via jurisprudência.
Enfim, instrumento de ponta do dono da lei ou do dono do saber ou da hierarquia do
Poder. Por outro lado, os próprios críticos não têm dado real importância à atividade
específica do julgador: o juiz é conservador, não crítico, alienado.
Outrossim, e n’outra ponta, quando o julgador fala de si mesmo emerge discurso
efetivamente alienado dando a si próprio ares de divindade. O exemplo palmar desta
ótica (aqui manifestada com todo o respeito) é a “Prece de um Juiz”, do magistrado
aposentado João Alfredo Medeiros Vieira, vertido para quinze línguas. E assim começa
a prece: “Senhor! Eu sou o único ser na terra a quem tu deste uma parcela da tua
154
onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim
as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu
mandado se entregam… Ao meu aceno as portas das prisões se fecham… Quão pesado
e terrível é o fardo que puseste em meus ombros!… E quando um dia, finalmente, eu
sucumbir e já então como réu comparecer à Tua Augusta Presença para o último juízo,
olha compassivo para mim. Dita, senhor, a tua sentença. Julga‑me como um Deus. Eu
julguei como homem”.
O texto se explica por si só. E o que é pior: nós (juízes e povo) acreditamos na
ideia do mito juiz‑divindade. Não nos ocorre sequer a possibilidade de não existir Deus
(como ficaria o sentido da prece?), ou de que o poder de condenar ou absolver passa
muito mais pelo que quer a autoridade policial; que as pessoas inclinam‑se perante o
juiz por receio e não por respeito (aliás, nós sabemos que nem o advogado gosta de juiz:
lisonjeia‑o apenas para aguçar sua onipotência); que as portas da prisão dependem mais
da correlação de forças que ocorre no presídio ou da boa ou má vontade do carcereiro;
que o fardo é pesado (?) mas nem tanto como o daquele que passa fome!
FONTE: https://ensaiosjuridicos.wordpress.com/2013/04/11/o-juiz-e-a-jurisprudencia-um-desabafo-criti-
co-amilton-bueno-de-carvalho/. Acesso em: 24 abr. 2016.
155
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:
156
AUTOATIVIDADE
1 "Positivismo jurídico" é uma expressão que designa a concepção hegemônica de
Direito Moderno, elaborada desde o contexto europeu do século XIX e define o que é
Direito. Sobre o positivismo jurídico, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) 'Direito Positivo' é uma expressão que na atualidade significa 'Direito Posto' pelo
poder político, ou seja, pelo Estado.
b) ( ) A expressão 'positivismo jurídico' deriva da expressão de 'positivismo' em sentido
filosófico.
c) ( ) Trata-se de uma corrente doutrinária que deu origem ao que vai se denominar de
positivismo jurídico e sua principal característica é o distanciamento do legalismo.
d) ( ) Para uma melhor concepção acerca dos conceitos de positivismo jurídico, há que
se afastar dos referenciais teóricos de legalidade e moralidade.
3 A "Teoria Crítica" acabou por nominar o movimento dos intelectuais, que embora
distanciados em muitos aspectos, possuem como ponto de convergência o marxismo.
Entretanto, há um grupo de pensadores que na década de 11930 se reúne em torno
do Instituto de Pesquisa Social, cujos trabalhos são relacionados ao Direito com a
razão instrumental moderna injusta e repressora. Os trabalhos produzidos acabam
por identificar uma corrente de pensamento que acabou sendo conhecida como:
157
a) ( ) Escola de Frankfurt.
b) ( ) Escola Clássica.
c) ( ) Escola de Roma.
d) ( ) Escola de Firenze.
158
REFERÊNCIAS
ADEODATO, J. M. Ética e retórica. São Paulo: Saraiva, 2002.
BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas,
2001.
COELHO, L. F. Teoria Crítica do Direito. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1991.
DEL VECCHIO, G. Lições de Filosofia do Direito. 5. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1979.
159
DUSSEL, E. Ética da libertação – Na idade da globalização e da exclusão. 4. ed.
São Paulo: Vozes, 2012.
160
HESPANHA, A. M. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. Portugal:
Fórum da História, 1997.
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
HORKHEIMER, M. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
161
MORRISON, W. Filosofia do Direito – Dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
NOVAIS, F. A. O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial. In: MOTA, C. G. Brasil em
perspectiva. 9. ed. São Paulo: DIFEL, 1976.
PERELMAN, C. Lógica jurídica e nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
PRADO JÚNIOR, C. Evolução política do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2012.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. 19. ed. São Paulo: Record, 2011.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed. Record, 2001.
162
SCHWARTZ, S. A. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva,
1979.
SOUSA SANTOS, B. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez,
2007.
VENANCIO FILHO, Al. Das arcadas ao bacharelismo – 150 anos de ensino jurídico
no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982.
VIOTTI DA COSTA, E. Liberalismo brasileiro, uma ideologia de tantas caras. Folha de São
Paulo de 24.02.1985. In: WOLKMER, A. C. História do Direito no Brasil. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2007.
163
WOLKMER, A. C. Síntese de uma história das ideias jurídicas – Da antiguidade
clássica à modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.
164
UNIDADE 3 —
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
DO DIREITO BRASILEIRO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
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166
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
AS RAÍZES DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA
1 INTRODUÇÃO
Iniciaremos nosso estudo acerca do direito brasileiro buscando refletir acerca
da experiência histórica nacional, vivenciada a partir do século XVI, discutindo a
possiblidade de vislumbrar novas trajetórias, pactos e compromissos exatamente
em um momento em que se coloca a necessidade de repensar a cultura jurídica
brasileira. Nossa análise, desde um olhar decolonial, compreendendo a reflexão sobre
a experiência histórica do Brasil.
NOTA
Como veremos mais adiante nesta unidade, a palavra “decolonial” se
refere a uma corrente de pensamento crítico que nasceu em fins do
século XX e tem como característica central a busca de novos paradigmas
políticos e jurídicos construídos desde a realidade de interesses locais,
objetivando a construção de uma autonomia política e intelectual. O
termo “decolonial” é utilizado para designar estudos acerca das raízes
históricas e políticas das profundas desigualdades sociais dos povos e
nações periféricas que foram áreas de dominação e exploração histórica
desde os séculos XIV e XV.
2 EXPLANAÇÃO
A origem do que atualmente entendemos por direito é produto de um processo
histórico inicial de colonização que acabou por construir um modelo, um “padrão” de
poder político e jurídico que marcou profundamente a cultura e as relações de poderes
nacionais.
167
IMPORTANTE
Neste momento de estudo nossa pretensão é analisar a especificidade
da cultura jurídica no contexto histórico-político, delineado a partir da
invenção do Brasil no século XVI.
Para iniciar nosso estudo, vamos voltar ao ano de 2000, quando haviam sido
passados 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Na época, a filósofa Marilena Chauí
(2001, p. 57) descontrói o “mito do descobrimento Brasil” afirmando que, assim como a
América não estava à espera de Colombo, o Brasil não estava, aqui, à espera de Cabral.
NOTA
O termo “semióforo” é utilizado por Marilena Chauí para designar uma
imagem que vincula o visível ao invisível – ao imaginado – que permanece
e é reproduzido pelas elites intelectuais para dar sentido e vínculo entre
o real e o imaginário. A invenção de uma nação, em geral, passa por um
processo de construção de semióforos, tais como “a vontade de Deus”,
“missão salvadora”, “obra de heróis” etc., e dessa forma a gênese histórica
é negada e esvaziada, tornando o irreal em real, nascendo o mito.
No caso do Brasil, o mito, o invisível, sempre foi o da “missão civilizadora
dos europeus”.
Portanto, não foi a “vontade de Deus” que conduziu os súditos de Dom Manuel
até as terras brasileiras, mas sim os interesses econômicos da classe de comerciantes
europeus da época.
168
de uma concepção política de ordem econômica, política e social civilizadora:
A Europa. Portanto, o projeto civilizador da modernidade trouxe consigo relações de
dominação desenvolvidas mundialmente desde o século XV, alimentadas por um falso
discurso legitimador de “progresso” linear e universal, que para os povos colonizados
significou dominação e extermínio.
FONTE: <https://acasadevidro.com/2012/09/25/a-america-nao-foi-descoberta-a-invasao-europeia-do-no-
vo-mundo-segundo-todorov>. Acesso em: 21 abr. 2017.
DICAS
Segue um site que trará um breve resumo da obra A Conquista da América
– A Questão do Outro, de Tzvetan Todorov, publicada pela Editora Martins
Fontes. Leia! Você terá uma visão do “descobrimento” sob o ponto de
vista da população dominada: https://acasadevidro.com/2012/09/25/
a-america-nao-foi-descoberta-a-invasao-europeia-do-novo-mundo-
segundo-todorov.
169
Os diversos fatores políticos que culminaram com a ascensão ao trono português
da Casa de Aviz no século XIV favoreceram o fortalecimento da burguesia comercial
lusitana, que logo tratou de iniciar um movimento de expansão externa, iniciada com a
tomada de Ceuta em 1415, e desde então, não mais parou.
Em tal processo era necessário cultivar não apenas a terra, mas “cultivar” seres
humanos, práticas, símbolos, valores capazes de garantir um estado de coexistência
social, enfim, uma cultura.
170
• A expansão da economia europeia mercantil.
• O esforço dos Estados Modernos metropolitanos em transformar as colônias em
instrumentos de expansão desse poder.
[...] Desde sua origem, tem sido tanto uma ideia como um lugar.
Significou coisas diferentes para pessoas diferentes e o próprio
termo tem sido redefinido e reinterpretado para refletir as diferentes
discrepâncias entre pessoas de variadas extrações e posições sociais.
O Brasil, enquanto ideia, foi frequentemente mais um projeto do que
uma realidade, às vezes geográfica, às vezes nacionais ou até social.
Por essa razão, pode-se afirmar que o colonialismo português foi diferenciando
e se caracteriza por ter sido manipulado segundo os desejos e necessidades de outras
metrópoles, sobretudo a inglesa.
171
1. A predominância de uma camada de latifundiários com interesses atrelados a
grupos mercantis europeus, o que permitia dependência estrutural, impedindo a
dinamização de um capitalismo mais avançado internamente, reproduzindo-se um
modelo capitalista colonial específico, limitado a uma esfera mercantil dependente.
2. Como parte da lógica latifundiária vinculada aos interesses dos traficantes negreiros
africanos, a força de trabalho foi constituída essencialmente por escravos cuja única
alternativa não era a passagem para o trabalho assalariado, mas a fuga e resistência
nos quilombos, ou ainda, como parte de uma lógica perversa, a alforria, alternativa
para a resistência, representava o ingresso numa vida marginal ou de condição de
submissão como agregado. A condição foi sempre da dependência e exploração.
3. A estrutura política-jurídica vai sempre representar os interesses dos proprietários
locais, os homens bons, mas com poder limitado aos interesses reais. A competência
de nomear o governador geral com mandato de quatro anos era da coroa portuguesa,
sendo incluído no poder do governador a competência militar e administrativa
segundo critérios determinados pelos regimentos, cartas e ordens régias. O
corpo burocrático de funcionários reais – provedores, ouvidores, procuradores,
intendentes... – tem a ação controlada diretamente por Lisboa (a partir de 1642 pelo
Conselho Ultramarino). Com o avanço da estrutura colonial, vão sendo transferidos
magistrados metropolitanos, juízes de fora, que se sobrepunham aos eleitos nas
vilas. A permanente tensão entre os interesses locais e metropolitanos será o fator
de crise instalada a partir do século XVIII, que com a independência como tentativa
de sua superação, servirá de fortalecimento do mandonismo local legitimado pelos
bacharéis que servirão de representantes dos donos do poder.
4. O exercício de cidadania é limitado tanto pelo Estado Absolutista Metropolitano como
pelo poder interno, inexistindo qualquer representação ou mecanismo de garantia
para o conjunto da população, situação que pouco se altera com a independência,
pois o que se instala é um modelo político censitário e indireto.
5. A cultura eclesiástica, sobretudo a jesuíta empenhada numa prática missionária
supranacional, ganha espaço no início do processo de colonização, quando a
moeda corrente era a ideia do papel evangelizador da expansão metropolitana.
Posteriormente, de uma atividade marginal irá sucumbir sob a pressão do avanço
bandeirante e do exército metropolitano, restando, assim, a função educacional
junto aos filhos das elites locais.
6. A formação de uma cultura letrada estamental que não permitia a mobilidade
vertical, com raros casos de apadrinhamento, predominando, assim, uma massa
analfabeta caracterizando uma rígida linha divisória entre uma cultura oficial e uma
cultura popular.
172
A ilimitada exploração interna como regra necessária para a submissão externa.
Portanto, a gestão da colônia deveria ser feita através da metrópole cujo “norte” foi a
efetivação dos princípios mercantilistas e o núcleo a formação e manutenção de um
sistema monopolista.
Como lembra Wolkmer (2007, p. 38), era a forma encontrada pela metrópole de
impedir que outras nações europeias “pusessem em risco, com a concorrência, aqueles
privilégios advindos da restrição comercial, tão lucrativas aos comerciantes portugueses
que não encontravam, no seu espaço, satisfação para sua ambição”.
173
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
174
AUTOATIVIDADE
1 Leia com atenção o texto a seguir e responda à questão proposta.
175
176
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
A ORDEM JURÍDICA COLONIAL BRASILEIRA
1 INTRODUÇÃO
Como vimos, Portugal, no século XV, juntamente a demais países europeus,
como Espanha e Inglaterra, reuníram condições técnicas, bem como interesses
econômicos e políticos que permitiram o processo de expansão do domínio europeu.
177
Portanto, a “descoberta” do Brasil não foi “mero acaso”, mas parte de um projeto
de conquista. Porém, para os portugueses, ávidos por ouro, prata e mercadorias que
pudessem alimentar o comércio europeu, encontraram uma população dispersa que
vivia de caça e coleta.
NOTA
Na clássica obra O Povo Brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro descreve o contato entre
os indígenas brasileiros e os portugueses:
Os
índios
perceberam
a
chegada
do
europeu
como
um acontecimento
espanto-
so, só
assimilável
em
sua
visão
mítica
do
mundo.
Seriam
gente
de
seu deus
sol, o
cria-
dor – Maíra
–,
que
vinha
milagrosamente
sobre
as
ondas do mar grosso. Não havia como
interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores
ou da-
dores.
Provavelmente, seriam
pessoas
generosas,
achavam
os
índios. Mesmo
porque
no seu mundo, mais belo era dar que
receber.
Ali,
ninguém
jamais
espoliara
ninguém
e
a
pessoa
alguma
se
negava
louvor
por
sua
bravura
e
criatividade. Visivelmente,
os
recém-
-chegados,
saídos
do
mar,
eram feios,
fétidos
e
infectos.
Não
havia
como
negá-lo.
É
cer-
to
que,
depois
do
banho
e
da comida, melhoraram
de
aspecto e
de
modos.
Maiores te-
rão
sido,
provavelmente,
as
esperanças
do
que
os
temores
daqueles
primeiros
índios.
Tanto
assim
é
que
muitos
deles
embarcaram
confiantes
nas primeiras
naus, crendo
que
seriam
levados
a
Terras
sem
Males,
morada
de
Maíra.
Pouco
mais
tarde,
essa
visão
idílica
se
dissipa.
Nos anos seguintes, se anula e
reverte-se no
seu
contrário:
os
índios
começam
a
ver
a
hecatombe
que
caíra sobre eles. Maíra, seu deus, estaria
morto?
Como
explicar
que
seu
povo
predileto
sofresse tamanhas
provações?
Tão
espantosas
e
terríveis
eram
elas,
que
para
muitos
índios
melhor
fora
morrer
do
que
viver.
Mais
tarde,
com
a
destruição
das
bases
da
vida
social
indígena,
a
nega-
ção
de
todos os
seus
valores,
o
despojo,
o
cativeiro,
muitíssimos
índios
deitavam
em
suas
redes
e
se
deixavam morrer, como
só
eles
têm
o
po-
der
de fazer. Morriam
de tristeza,
certos
de que
todo
o
futuro
possível
seria
a
negação
mais
horrível
do
passado,
uma
vida
indigna de
ser
vivi-
da
por
gente verdadeira.
Nas palavras do referido autor, não é difícil perceber a razão da aparente fácil
dominação do invasor: os indígenas eram gentis, não viviam movidos pela cobiça e foram
facilmente atraídos pelos facões, espelhos e bugigangas com que eram enganados.
O resultado foi fatal! Nessa história, houve perdedores e não foram os invasores
portugueses.
178
A enorme distância da metrópole, a falta de acesso e a absoluta falta de
estrutura administrativa eram fatores que iam fortalecendo o poder dos donos do poder
local. Seguramente é por esta razão que desde nossa origem não há uma clara distinção
entre o poder público e poder privado por parte das elites.
179
2. Ordenações Manuelinas: concluídas em 1521, trataram de incorporar as modifica-
ções advindas do processo de expansão colonial e as novas leis que continuaram a
ser editadas. Também eram compostas por cinco Livros, tratando mais diretamente
de direito marítimo, contratos e mercadores, sem mudanças no direito e sistema pe-
nal, que permanecia um sistema de torturas e horrores medievais, com aplicação de
tortura e penas corporais como a pena de morte.
IMPORTANTE
Mudança significativa apenas ocorre na fase colonial em 1769, com as
reformas feitas por Marquês de Pombal – reformas pombalinas –, cujo
objetivo era o de estabelecer regras gerais para uniformizar a interpretação
e aplicação das leis em casos de omissão, lacunas ou imprecisão nas leis
reais. Chamada também de Lei da Boa Razão, a finalidade era manter as
diferenças entre Portugal e suas colônias.
ATENÇÃO
Há de se lembrar que, por orientação das Cartas de Doação, o cargo
de ouvidor, primeira autoridade da justiça colonial, era designado
pelos donatários das capitanias por um prazo renovável de três anos,
constituindo-se a administração da justiça como representação dos
donatários nas questões cíveis e criminais.
180
A justiça colonial encontrada pelo ouvidor-geral Pero Borges é descrita por
Schwartz (1979, p. 24) da seguinte maneira:
Schwartz (1979) ainda chama a atenção para o fato de que a lei portuguesa
vigente no Brasil dizia respeito somente aos europeus, praticamente inexistindo
proteção jurídica para as relações entre os europeus e os indígenas. Tal situação é
descrita pelo autor ao se referir ao que o missionário jesuíta Manoel da Nóbrega descreve
como punição imposta a um índio que havia assassinado um português: foi colocado na
boca de um canhão e literalmente feito em pedaços. Assim era feita a justiça na colônia.
181
FIGURA 3 – PELOURINHO - SÍMBOLO DA “JUSTIÇA” COLONIAL
FONTE: <http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/curta-essa-dica/escravos.jpg/image_view_fullscre-
en>. Acesso em: 11 abr. 2017.
DICA
Sugere-se a “visita” ao site do Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, no
qual você poderá encontrar a história do Judiciário no Brasil: http://www.
arquivonacional.gov.br/br.
182
A estrutura jurídica inicia no Brasil nas mãos dos capitães-donatários, que
recebiam amplos poderes para administrar a economia e organizar a vida civil na terra.
Com o fracasso do sistema de capitanias hereditárias é criado o sistema de governo-
geral, que incluía a figura do ouvidor-geral, que era o cargo mais elevado na hierarquia
judiciária da colônia, buscando-se, assim, diminuir o poder dos capitães-donatários, até
que, em 14 de abril de 1628, revoga-se, expressamente, o privilégio dos capitães de
fazerem justiça em suas terras. O ouvidor recebia recursos vindos de ouvidores das
comarcas, mais conhecida por ação nova, como jurisdição originária, conflitos que
se dessem a uma distância de dez léguas de sua sede ou estrada. De suas decisões
era possível recorrer à Casa de Suplicação em Lisboa. Embora tenha sido criado
pelo Regimento de 1587, apenas em março de 1609, instalou-se, propriamente, um
tribunal régio no Brasil: o Tribunal de Relação da Bahia, que era constituído por dez
desembargadores, todos letrados – um chanceler, três desembargadores de agravos,
um ouvidor-geral do cível e do crime, um juiz dos feitos da coroa, fazenda e fisco, um
provedor de defuntos e resíduos, dois desembargadores extravagantes e o governador-
geral, que teria assento como Governador da Relação. Esses tribunais deram origem aos
atuais Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros.
183
DICA
A Casa de Suplicação era o tribunal diretamente ligado ao poder real
que inicialmente incluía as atividades do Desembargo do Paço. Com a
reforma das Ordenações aprovadas em 1595, mas em vigor em 1603,
atualmente, conhecida como Ordenações Filipinas, a administração
metropolitana era regida pelo monarca que poderia ser substituído
por uma junta de governadores e contava com uma série de órgãos de
apoio, a começar pelo Conselho de Estado, que se reunia ocasionalmente
pela convocação do rei para assessorá-lo em questões complexas. O
mais constante era o Desembargo do Paço, que se reunia diariamente e
às sextas despachavam com o rei. Além de exercer funções consultivas,
julgava as questões que, por causa de foros especiais, superavam a
alçada da Casa de Suplicação, os recursos às decisões da mesma e os
conflitos de jurisdição entre ela e a Casa de Cível. Eram de competência
exclusiva do Desembargo do Paço os pedidos de legitimação, restituição
de fama, findas, graças e perdões, emancipação de menores etc. Junto
à Casa de Suplicação e ao Desembargo do Paço existia um tribunal
especial, com competência privativa em causas que envolvessem a
Igreja ou os membros das ordens militares-religiosas. Era a Mesa da
Consciência e Ordens, que também assessorava o Rei.
Entretanto, conforme narra Wolkmer (2007), apesar do Tribunal de Relação ter sido
oficializado em 7 de março de 1609, com a invasão holandesa foi abolido em 1626, e res-
taurado posteriormente em 1652. A partir do século seguinte expandem-se os Tribunais
de Relação no Brasil – Rio de Janeiro em 1751, Maranhão em 1812, Pernambuco em 1821.
Nas palavras de Schwartz (1979, p. 58), “os burocratas que iriam constituir a
magistratura brasileira eram um grupo muito bem particularizado que representava a
espinha dorsal do governo real”.
184
Os magistrados coloniais, graças à política da coroa portuguesa, formavam
no século XVII um grupo de burocratas elitizado – fiéis servidores reais – movidos por
generosas promoções e interesses pessoais.
Ao chegar na colônia, além de sua família, o juiz poderia agregar parentes, afi-
lhados, empregados, escravos; enfim, um grupo de pessoas que serviam como inter-
mediários entre o magistrado e as demais pessoas da sociedade, o que permitia uma
“facilitação de caminho” até o juiz. Por outro lado, ao estender sua proteção a um grupo
próximo, o magistrado também cumpria parte de seu papel profissional: protetor, padri-
nho, marido e pai. E, é claro, sem deixar de lado sua obrigação religiosa, o que lhe dava
vantagens sociais. Por essa razão, os magistrados tornavam-se benfeitores de igrejas,
conventos e ordens religiosas, e não raras vezes, na condição de ilustres funcionários
reais, assumiam papéis de liderança. Os pesados encargos financeiros de uma vida de
ostentação não podiam ser arcados com os já altos salários e gratificações recebidas.
185
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça Bastarda, vendida, injusta.
Seu interesse particular pela administração da justiça no Brasil é por ter sido
letrado em Coimbra e magistrado real em Portugal. Seus versos não mostram os juízes
como seres sem rosto, mas como pessoas em seu cotidiano, envolvidos essencialmente
em duas esferas: poder e corrupção. Seus versos renderam-lhe a deportação para Angola,
pois não poupava cáusticas palavras para descrever o sentido do “abrasileiramento da
magistratura real”.
Apesar dos versos do “Boca do Inferno”, como era chamado Gregório por seus
inimigos, não representarem perigo para a autoridade e o cargo exercido pelos juízes,
deixavam evidente o nível incontrolável de corrupção que havia atingido o exercício
da justiça no Brasil em fins do século XVII. Descrevia os burocratas judiciais – juízes,
escrivães, tabeliães etc. – como pedaços cortados de um mesmo tecido.
Por essa razão, dizia que um magistrado recebia suborno tanto do acusado
como do acusador e por isso era mais fácil chegar o “juízo final do que a sentença”.
NOTA
Gregório de Mattos e Guerra, conhecido como “Boca do Inferno”, nasceu na Bahia em
23/12/1636 em uma família de proprietários rurais, empreiteiros de obras e funcionários
administrativos de ascendência portuguesa. Estudou no Colégio dos Jesuítas da Bahia
até 1642, quando vai para a Universidade de Coimbra, onde se forma em Cânones em
1661. Após atestar ser “puro de sangue” é nomeado juiz de fora em Alcácer do Sal, em
1663. Teve brilhante carreira como magistrado em Lisboa, reconhecido com sentenças
publicadas pelo jurisconsulto Emmanuel Alvarez Pegas. Retorna para o Brasil em 1683,
depois de 30 anos, para assumir o cargo de Desembargador da Relação Eclesiástica e,
mais tarde, tesoureiro-mor da Sé, um ano após ter tomado ordens menores. Entretanto, é
destituído do cargo por se recusar a usar batina e acatar ordens superiores. Começa então
a satirizar os costumes e as classes sociais baianas, as quais chamará de “canalha infernal”.
Escreve com letras corrosivas e eróticas. Por sua vida livre de “homem solto sem modos
cristãos” é denunciado à Inquisição em Lisboa em 1685 por falar mal de Jesus Cristo e não
tirar o barrete da cabeça quando passa uma procissão em sua frente, mas o feito não tem
prosseguimento. Por seus poemas e sátiras contra o governador Antonio Luiz Gonçalves
da Câmara Coutinho, a quem chamava de “fanchono beato”, é ameaçado de morte. Até que
um complô o prende e envia-o a Angola sem direito de voltar à Bahia. Em Luanda, no ano
de 1694, auxilia o governo local a combater uma conspiração militar e em troca recebe a
permissão para voltar ao Brasil, mas para Recife, devendo ficar longe da Bahia e de seus
desafetos. Morre em 1695 vítima de uma febre contraída em Angola.
186
FONTE: <http://www.academia.org.br/academicos/gregorio-de-matos/biografia>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
187
Ainda cabe lembrar o papel desempenhado pela Igreja Católica na administração
da justiça com seu Tribunal do Santo Ofício. Nas palavras de Novinsky (1983, p. 90),
serviu, mais do que instrumento religioso:
Apesar de não ter havido um Tribunal Inquisitorial no Brasil, ele existia como
presença possível, pois sempre que necessário, os acusados brasileiros eram julgados
pelo Tribunal Inquisitorial em Lisboa.
DICAS
Há, em http://bit.ly/3Xyk8LB, informações acerca da primeira visitação do
Santo Ofício no Brasil. É muito interessante e você poderá enriquecer a sua
cultura jurídica.
188
Em síntese, é oportuno destacar o pensamento de Wolkmer (2007, p. 71), quando
afirma que “a especificidade da estrutura jurídica da colônia brasileira não permitiu o
exercício da cidadania e as práticas políticas descentralizadas”.
Nesse sentido, assinala Alberto Venancio Filho (1982) que, por força da Companhia
de Jesus na Universidade de Coimbra, a cultura predominante até meados do século
XVIII se mantinha refratária às transformações reivindicadas pelo Renascimento, o que
é claramente evidenciado num edital do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
de 1746, que determinava:
189
A intenção de Portugal era construir uma elite burocrática defensora dos
interesses reais que defendesse as leis metropolitanas. Desde aí foi sendo criado um
sistema de compadrio que aliava as elites metropolitanas às elites canavieiras. E assim,
a elite letrada e pseudoburocrática usufruía dos “benefícios” do poder em troca do
desrespeito à lei e à justiça.
190
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
191
AUTOATIVIDADE
1 Observe a gravura de Debret a seguir:
FONTE: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/jean-baptiste-debret-um-jantar.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
A figura é uma das mais reproduzidas nos livros de história do Brasil, por caracterizar
a sociedade colonial brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais. Após
detalhada observação na gravura e associando com o estudo realizado, faça uma breve
dissertação discutindo a relação entre as bases políticas e econômicas do Brasil Colônia
e a ordem jurídica.
192
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA E A
CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL
1 INTRODUÇÃO
Mudanças sensíveis ocorrem na cultura jurídica brasileira no século XIX, que se
inicia sob o signo da modernidade. As revoluções burguesas e o absolutismo ilustrado,
que na Europa abriam as portas para compreender o humano como valor fundamental
da sociedade, encontravam um forte contraste com o sistema colonial brasileiro, cuja
marca era a violência imposta aos trabalhadores escravizados e a dinâmica contraditória
da relação metrópole-colônia, que acabou por definir um espaço subjugado.
É evidente que uma sequência de fatos – Abertura dos Portos (1808), criação
do Reino Unido do Brasil (1815) e, finalmente, a Revolução do Porto (1820) – acelerou o
processo que mobilizou as elites locais para a independência.
A face “cabocla” do liberalismo brasileiro é muito bem conhecida. Por isso, com
razão comenta Wolkmer (2007, p. 76):
193
Eram profundamente contraditórias as aspirações de liberdade entre
diferentes setores da sociedade brasileira. Para a população mestiça,
negra, marginalizada e despossuída, o liberalismo, simbolizado na
Independência do país, significava a abolição dos preconceitos de cor,
bem como a efetivação da igualdade econômica e a transformação
da ordem social. Já para os estratos sociais que participaram
diretamente ao movimento de 1822, o liberalismo representava
instrumento de luta visando à eliminação dos vínculos coloniais. Tais
grupos, objetivando manter intactos seus interesses e as relações
de dominação interna, não chegaram a reformar a estrutura de
produção nem a estrutura da sociedade.
O liberalismo brasileiro serviu tão bem aos interesses das oligarquias locais que
pôde conviver com a institucionalização da escravidão, tornando-se uma aparente
ambiguidade, porém a marca da política brasileira: uma retórica liberal e uma prática
oligárquica, um conteúdo conservador e reacionário sob a aparência da democracia.
194
O processo de transição social produzido pela independência trará a
marca desta lógica liberal.
195
Para muitos historiadores, essa é uma das razões da defesa limitada, tosca e
egoísta, porém eficaz, dos ideais liberais por parte das elites nacionais, pois apenas era
defendido aquilo que, num jogo de probabilidades concretas, poderiam efetivamente
desfrutar, como o poder de igualdade e fraternidade dos interesses inerentes ao seu
papel definido da estrutura de poder dominante.
NOTA
O projeto liberal no Brasil, que norteou o processo de independência,
não significou uma única aspiração, mas sim o resultado de distintos
segmentos, radicais e moderados conservadores, que concordavam num
aspecto: o processo de independência e construção nacional se operaria
com a ausência de participação popular.
O resultado dos conflitos entre os diferentes segmentos liberais foi a vitória dos
conservadores, pensamento claramente explícito nas palavras de Evaristo da Veiga, líder
da independência, citado por Lopes (2012, p. 279): “Não temo que o Brasil se despolitize,
temo que se anarquize, temo mais hoje os cortesãos da gentalha que aqueles que
cheiram as capas do monarca”.
196
de língua portuguesa, a Universidade de Coimbra, de um lado, e o desaparecimento
dos centros jesuíticos de ensino. Sem dúvida, o ponto de partida para a construção da
ordem político-jurídico nacional era a instauração dos cursos na medida em que este
era o curso fornecedor de importantes quadros para o Estado imperial, já que a grande
maioria de bacharéis era absorvida pelo serviço público, por serem mais raros os cargos
para magistrados e advogados.
197
Apesar de tais escolas tratarem de formar burocratas do poder dentro da lógica
do conservadorismo, é necessário que se assinale algumas tendências inovadoras.
A Faculdade de Direito de Pernambuco, apesar de comungar a tendência comum
do ensino jurídico brasileiro, vai ser o cenário da emergência de um movimento que
representará a possibilidade de novos horizontes mais afinados com as modernas
correntes de pensamento emergentes, o que poderia representar uma alternativa
para o mimetismo português e francês. Este movimento de forte influência germânica,
autodenominado Escola de Recife, será considerado o mais avançado de sua época, e
terá como expoente a figura de origem social humilde e mestiça: Tobias Barreto. Sobre
a importância deste movimento, destaca Filho (1982, p. 96):
A Escola de Recife entendia que para dotar o Brasil de um aparato jurídico era
necessário compreender a sociedade brasileira, sua natureza e construção. Defendia
que o jurista deveria ser algo mais que um rábula. A intenção era a de compreender
o fenômeno jurídico a partir de uma pluralidade de conhecimentos que resultavam
essencialmente do evolucionismo e do monismo. Sem dúvida, esses pensadores
jurídicos, mais distantes do centro do poder, viam-se como vanguarda.
Recife exaltava seu papel como núcleo intelectual e formador de ideias. São
Paulo, apesar da fragilidade intelectual, colocava-se como vanguarda política nacional
de onde partia o direcionamento político-jurídico brasileiro. Entretanto, seja como for,
198
em meio a um ensino de baixa qualidade, os juristas tornam-se quase autodidatas
que continuavam a reproduzir ideias tradicionalistas e formalistas de direito, mantendo
como espaço de discussão política não o espaço público, mas o privado: o interior do
Salão do Imperador e os espaços domésticos, fato característico de uma sociedade
aristocrática que foi capaz de construir um corpo normativo legal de fachada liberal que
pudesse conviver com o escravismo e religião de Estado.
Por essa razão, afirma Caio Prado (2012, p. 197) que o direito brasileiro era um
direito artificial e inaplicável que deixa de lado as particularidades nacionais, sendo um
exemplo significativo a questão da terra: “[...] num país agrícola e na maior parte ainda
deserto, e que apesar disto nunca foi devidamente tratado nas leis brasileiras. O que
sempre tivemos na matéria foi copiado de legislações europeias, onde naturalmente a
situação é inteiramente outra”.
Em síntese, a cultura jurídica do século XIX, que vai engendrar o direito do século
XX, vigente atualmente no Brasil, foi marcada por um forte individualismo e formalismo
legalista, projetando uma lógica singular, própria de uma nação que emergiu buscando
aliar os princípios individualistas liberais burgueses importados do modelo europeu,
com o legado colonial que instituiu práticas burocráticas-administrativas orientadas e
ajustadas para a garantia e a proteção dos bens patrimoniais, ignorando, na prática, os
interesses e necessidades da grande maioria que compõe o povo brasileiro. São oportunas
as palavras de Wolkmer (2007, p. 125) quando afirma que “[...] os limites, o artificialismo e
a pouca funcionalidade desse sistema de legalidade formalista e conservador propiciam
as condições favoráveis para a sequência de confrontos intermináveis e os horizontes
de ruptura com os procedimentos de justiça oficial e estatal”.
199
É exatamente sob a ótica desta cultura jurídica que vai ser construída toda
legislação nacional. Um saber técnico-normativo que vai, dentro de padrões rigorosos
de objetividade, pretender seguir um seguro caminho para a manutenção e reprodução
do modelo de direito legado por este passado marcado pela exclusão e dominação,
alheio a qualquer interesse e compromisso de emancipação.
DICAS
A fim de melhor compreender a evolução histórica da legislação nacional,
sugere-se a leitura do texto Brevíssimas Notas sobre a História do Direito e da
Justiça no Brasil, de Jefferson Carús Guedes: http://www.confluencias.uff.br/
index.php/confluencias/article/viewFile/303/228.
200
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• A cultura jurídica brasileira deve ser compreendida a partir das grandes contradições
e paradoxos da sociedade nacional, que buscou conciliar os interesses das elites
locais e as necessidades sociais.
201
AUTOATIVIDADE
1 Considere o seguinte texto: Com a Independência do país, o liberalismo acabou cons-
tituindo-se na proposta de progresso e modernização superadora do colonialismo,
ainda que, contraditoriamente, admitisse a propriedade escrava e convivesse com a
estrutura patrimonialista de poder. Ao conferir as bases ideológicas para a transpo-
sição do status colonial, o liberalismo não só se tornou componente indispensável
na vida cultural brasileira durante o Império, como também na projeção das bases
essenciais de organização do Estado e de integração da sociedade nacional.
A partir do estudo realizado, por que o liberalismo brasileiro foi contraditório? Quais são as
contradições?
202
UNIDADE 3 TÓPICO 4 -
OS DESAFIOS DO DIREITO NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
1 INTRODUÇÃO
A entrada no século XXI, embora não triunfal, nas terras brasileiras foi feita sob a
égide da democracia aliada à esperança – nunca perdida – de reafirmação de cidadania.
O novo sistema mundial neoliberal, adotado pelos países europeus, nos últimos
30 anos, encontrou o absoluto desmantelamento do Estado intervencionista – quer
o modelo desenvolvimentista das periferias e semiperferias mundiais, como Estado
Providência – e o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social relativamente avançado
nos países da Europa, marcado por fortes políticas sociais que aliam altos níveis de
competitividade com altos níveis de proteção social (SOUSA SANTOS, 2007).
203
Particularmente, no Brasil, sem que tenha um modelo de Estado forte em
políticas sociais, a redemocratização constitucional colocada em marcha com a
Constituição Federal de 1988 ampliou consideravelmente o leque de direitos, não
apenas em relação aos chamados direitos fundamentais, mas também aos novos
direitos, cujos titulares são sujeitos coletivamente identificados: consumidores, negros,
homossexuais, crianças e adolescentes, mulheres, indígenas, e tantos outros quantas
possibilidades de articulação social e política. Esse fato aumenta a expectativa social
de serem garantidos direitos anunciados constitucionalmente, mesmo com débeis
mecanismos de implementação, já que a nova ordem constitucional também prevê a
ampliação de estratégias e “instituições das quais se pode lançar mão para invocar os
tribunais, por exemplo, a ampliação da legitimidade para propositura de ações diretas de
inconstitucionalidade, possibilidade de as associações interporem ações em nome de
seus associados e a consagração da autonomia do Ministério Público” (SOUSA SANTOS,
2007, p. 18).
Pode-se afirmar que aí está uma das razões centrais para compreender o
porquê de, passados quase 30 anos de Constituição Democrática, ainda o Brasil é um
país em que os princípios democráticos fazem parte de uma mera intencionalidade nem
sempre ou raramente contemplada. “Para se ter uma ideia, o princípio constitucional da
ampla defesa ficou quase 15 anos sem ser aplicado nos interrogatórios judiciais, sem
que a doutrina e a jurisprudência – com raríssimas exceções – tivessem reivindicado a
aplicação direta da Constituição” (STRECK, 2017, p. 155). Evidentemente, sem esquecer
que ainda o “peso da balança” pende para um “lado”.
204
Um sistema “que comanda outros subsistemas da vida social, formando uma
constelação que tanto orienta e dirige a produção da economia como também a pro-
dução da vida” (SANTOS, 2001, p. 48). As fragmentações resultantes da lei de mercado
rompem a solidariedade social, fazendo com que novas formas de perversidades sociais
sejam criadas.
DICAS
Para melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura do livro
Constitucionalismo, Descolonización y Pluralismo en América Latina, de Antonio
Carlos Wolkmer e Ivone Fernandes M. Lixa, em https://sociologiajuridica.
org/2015/04/19/livro-constitucionalismo-descolonizacion-y-pluralismo-
juridico-en-america-latina/.
205
No Brasil, a desigualdade e seletividade, sobretudo no circuito da violência
penal, reproduz sistematicamente processos de exclusão e vitimização aos setores
populares, desonrando e desrespeitando grupos sociais que compõem as zonas de
selvageria, expondo sofrimento e intimidade de seres humanos, que perversamente
são transformados em “descartáveis” por “terem rompido o contrato social” e, por isso,
transformados em seres desprovidos de direitos.
DICAS
Em http://www.mapadaviolencia.org.br/, você encontrará dados acerca da
violência no Brasil. Analise os dados!!! Realmente, são grandes desafios para
o direito!
Uma breve análise nos permite afirmar que é necessário reinventar a política e
repolitizar o Direito desde a participação popular na política, criando mecanismos para
resolução de conflitos de forma a estabelecer no Estado um poder popular e pluralista
cuja prática destina-se a resgatar grupos que se encontram em situação de subjugação
ou exclusão sem que consigam, por si mesmos, atender às necessidades. Dessa
maneira, simultaneamente, se enriquece a democracia com mecanismos participativos
diretos, resgatando o “constitucionalismo primeiro” que está além do convencional e
dominante.
206
Trata-se de reconhecer as novas realidades constituintes cotidianas cujos
atores, como sujeitos históricos, são os que dinamizam, desde a estrutura social, política
e econômica, e carregam em si a potencialidade transformadora que vai reconfigurando
a ordem jurídica a partir de uma lógica plural e democrática capaz de ampliar o
espaço jurídico para além do estatal, articulando saberes, práticas e ações coletivas
inovadoras até então pouco reconhecidas. Uma prática cujo espaço de investigação é
inesgotável, que busca identificar os elementos corriqueiros nas traduções das múltiplas
realidades – a jurídica e a coletivamente criada – para encontrar o comum, o ponto
inicial para a tradução, para novas práticas que possam colocar em diálogo os espaços
tradicionalmente considerados “jurídicos e não jurídicos”.
DICAS
Sugerem-se, como leitura, dois textos básicos:
207
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:
• O passado histórico acabou por criar uma brutal realidade social no Brasil
contemporâneo, que tem exigido respostas nem sempre possíveis de serem dadas
com rapidez e eficiência.
• Mesmo com a ordem jurídica democrática implantada pela Constituição de 1988, não
conseguimos ser democráticos na prática, imperando um crescente e aterrorizante
fascismo social.
208
AUTOATIVIDADE
1 Considere a figura a seguir:
FONTE: <http://www.ncst.org.br/subpage.php?id=19708_24-04-2017_reforma-da-previd-ncia-agrava-de-
sigualdades-sociais-dizem-cnbb-oab-e-cofecon>. Acesso em: 11 abr. 2017.
209
210
UNIDADE 3 TÓPICO 5 -
DIREITO CONTEMPORÂNEO – DESAFIOS E
DILEMAS
1 INTRODUÇÃO
Na entrada para o século XXI anuncia-se o esgotamento da modernidade.
A “liquificação” da modernidade, pergunta Zygmunt Bauman (2001, p. 9), “não foi
um processo que esteve desde o início presente no discurso moderno? Não foi o
“derretimento dos sólidos” seu maior passatempo e principal realização? Não foi a
modernidade “líquida” desde sua concepção?” Os “sólidos” destruídos pela modernidade,
no final do século XX, para Bauman, passaram a apresentar sinais de maior liquidez.
211
referenciais de identificação não são mais elementos de uma cidadania individualizada.
A fragmentação justifica a dominância do discurso do “mundo único”, e o global e local
tornam-se visceralmente associados sob o lema “pense global, haja local”.
Muitos pensadores, nas três últimas décadas do século XX, passaram a apontar
para o novo fenômeno multifacetado monoliticamente chamado de globalização. Ao
que parece, por força da tradição universalizante do ocidentalismo, há uma tendência
dominante de apresentar a globalização como linear e consensual, ocultando
impactos e as interações com o sistema mundial de dominação cujos efeitos agravam
dramaticamente a exclusão e as desigualdades econômicas, fragilizando o tradicional
conceito de Estado-Nação, além de promover migrações em massa, agravando e
promovendo conflitos étnicos e políticos, degradação ambiental, dentre outros.
212
2 A NOVA CONDIÇÃO NO COTIDIANO
O empobrecimento globalizado e a desconstrução das instituições tradicionais
encontram no discurso da pós-modernidade uma justificação para a condição humana
em finais do século XX, como uma teoria que abarca o que não é homogêneo, flexível
e volátil. O ceticismo é a consequência do esfacelamento da noção de totalidade e
retiram-se de cenas as tradicionais formas de engajamento revolucionário.
3 PALEOPOSITIVISMOS, JUSCONSTITUCIONALISMOS E
RENOVAÇÃO CRÍTICA NO BRASIL
Sem dúvida, uma das pautas centrais do Direito contemporâneo é a sua
constitucionalização e fundamentos legitimadores.
213
vai se autodenominando neopositivismo ou neojuspositivismo subordinando o Direito ao
sentido constitucional, que, embora redefinido pelo princípio da legalidade substancial que
vincula o sentido normativo à coerência dos princípios e fundamentos constitucionalmente
estabelecidos, mantém o velho paradigma da legalidade formal de produção.
Para autores, como Zizek (2012), a complexidade sem fim do mundo contempo-
râneo possibilita o surgimento de conceitos opostos que parecem inquestionáveis, tais
como a intolerância como tolerância, religião como senso comum racional etc. Enfim,
vive-se um tempo em que é grande a tentação de gritar: “chega de bobagem!”. Talvez
seja essa, diz Zizek, a manifestação do desejo de estabelecer uma linha demarcatória
entre a fala lúcida e sã e a bobagem, reação que tem servido para despertar a ira da
ideologia predominante.
214
É na tentativa de ir além do mero pensar, neste contexto dos “pós”/”de(s)”/“-
neo(s)” e com desejo de fazer a reinvenção, é que no Brasil se edificam e consolidam
correntes no Direito que se autodenominam críticas, como já analisado. Sinais de es-
gotamento que vão conduzindo para o interior do campo jurídico o pensamento crítico,
inaugurando, assim, uma discussão inédita e fértil (LIXA, 2015).
IMPORTANTE
Há de se destacarem as obras Direito Constitucional e a Efetividade
das Normas, de Luis Roberto Barroso, publicada no início da década de
90 e A Teoria Constitucional e o Direito Alternativo: Para uma Dogmática
Constitucional Emancipatória. In: Uma vida dedicada ao Direito: uma
homenagem a Carlos Henrique de Carvalho publicada em 1995. Essas
obras são marcos importantes para esta nova etapa do pensamento
jurídico brasileiro.
215
[...] O que viria a tirar do papel as proclamações generosas de direitos
contidas na Carta de 88, promovendo justiça, igualdade e liberdade.
Se, até então, o discurso da esquerda era de desconstrução
da dogmática jurídica, a doutrina da efetividade vai defender a
possibilidade de um uso emancipatório da dogmática, tendo como
eixo a concretização da Constituição (SARMENTO, 2010, p. 248).
Nesse contexto, lembra Daniel Sarmento (2010, p. 249): “há uma verdadeira
febre de trabalhos sobre teoria dos princípios, ponderação de interesses, teorias da
argumentação, proporcionalidade, razoabilidade etc. e se incorpora no pensamento
jurídico crítico brasileiro o neoconstitucionalismo”. Tratava-se de um momento de
conquistas e necessidades de que fossem garantidas.
216
Em síntese, com as concepções e modelos “descobertos” no Brasil em fins do
século XX, sobretudo, com a entrada em cena do neoconstitucionalismo, é decretada a
“morte do método”.
Uma das possibilidades é apontada por Ferrajoli (2012, p. 251), ao propor, como
ponto de partida para a definição do horizonte hermenêutico, os direitos fundamentais
consagrados na ordem constitucional.
Os juízes não serão nunca, porque não poderão nunca sê-lo, simples
bocas da lei, como desejavam os iluministas. Nem poderão jamais
alcançar verdades absolutas, mesmo que seja na forma da verdadeira
resposta correta. O reconhecimento desta imperfeição, ou se quiser,
aporia, repito, é um fato de saúde institucional: gera o hábito da
dúvida, a consciência do erro sempre possível, a disponibilidade
para escutar todas as razões opostas que se confrontam no juízo,
a prudência – a partir da qual advém o belo nome “juris-prudência”
– como estilo moral e intelectual da prática jurídica e, em geral, das
nossas disciplinas (2012, p. 254).
217
pelas práticas fundadas nestas correntes. É possível pensar uma alternativa às práticas
alternativas e reinventar a crítica desde as experiências democráticas participativas
(LIXA, 2015).
218
Neste novo cenário, novos e distintos campos se tocam – o estatal e o social;
o interno e o externo; o formal e o substancial – em que mundos normativos, práticas
e saberes dialogam, se desentendem e interagem tornando possível reconhecer os
pontos de contato entre a tradição moderna ocidental e os saberes leigos.
219
Quanto à natureza, a Constituição é um programa aberto e impulsionador de
valores da ordem social do tempo presente, portanto, a crítica constitucional é tarefa
de apropriação de conteúdos desde a realidade em sua dinâmica e complexidade; sua
exterioridade; e sua impureza.
NOTA
"Isso ocorre quando atuam para atender a demandas sociais que
não foram satisfeitas a tempo e a hora pelo Poder Legislativo, bem
como para integrar (completar) a ordem jurídica em situações de
omissão inconstitucional do legislador". Justificativa para a prática do
ativismo judicial segundo o Min. Luís Roberto Barroso. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2015-dez-07/judicializacao-nao-confunde-
ativismo-judicial-barroso. Acesso em: 24 abr. 2021.
220
A expansão do Direito e do Estado para a vida social que vem definindo um
ativismo ilegítimo acaba por transferir para o Judiciário um poder extremamente amplo,
cujo exercício é problemático, tanto pela impossibilidade operacional do Judiciário em
atender à imensa gama de demandas, como pelo despreparo técnico de juízes. Se,
de um lado, o Judiciário, ao assumir esferas políticas que ultrapassam seus limites,
compreende democracia como a garantia de direitos individuais e coletivos que
permitem condições materiais básicas de vida, e, portanto, de efetivo exercício de
cidadania, de outro, a democracia também demanda o respeito a um amplo espaço de
decisão política, incluindo os movimentos sociais como legítimos representantes da luta
pela concretização e efetivação de direitos fundamentais.
221
No mesmo texto, Ellacuria lembra que Kant afirmava que não se pode ensinar
filosofia, mas o máximo que se pode fazer é ensinar a filosofar. O que realmente Kant nos
diz? Que a filosofia não é somente um privilégio de seres sábios e isolados do mundo,
mas que o conhecimento filosófico nos permite adquirir uma habilidade revolucionária:
para descobrir que, mais que conhecer a realidade, precisamos transformá-la! Que esta
transformação deve ter um propósito orientado por nós e para nós.
Desde de início vimos que a atitude socrática foi revolucionária, porque passa
a conceber o conhecimento como produto ao mesmo tempo humano e político, possui
como objetivo a reta humanização e reta politização, e desde aí se pode falar em filosofia.
ATENÇÃO
No sentido da tradição socrática, o ato de filosofar tem como pressuposto
permitir a conexão entre si mesmo (saber metodologicamente
construído) e a realidade. Portanto, a reflexão não é mero ato de
conhecimento ou apreensão da realidade e das coisas, mas permite
conferir sentido para a vida humana e para a própria filosofia.
Neste sentido, filosofar é o processo libertador e desidealizador de
permanente dúvida e negação que depende da capacidade crítica, o
que é chamado por dogmáticos como heresia e revisionismo. Assim, a
filosofia adquire seu maior sentido: a compreensão de que é necessária
a libertação.
222
Para Gadamer (2004), a apropriação de sentido é algo mais que o mero conceito
ingênuo de compreensão, é sempre uma forma de apropriação sob estruturas de pré-
juízos aos quais o sujeito que compreende é colocado à frente daquilo que se quer
compreender.
Nesse sentido, para Leopoldo Zea (2005, p. 85), um ser humano é definido pela
história, e o que este humano pode ou não ser depende da tríplice dimensão histórica:
ao que dá sentido ao fato, ao que se faz e ao que se pode continuar fazendo. “Segundo a
dimensão vital adotada por este ser histórico e hermenêutico, a compreensão da história
define escolhas: a afirmação e conservação do passado, a esperança no presente ou a
mudança permanente no futuro”.
223
Possivelmente seja hora de buscarmos identificar novos paradigmas, para tanto,
é necessário adquirir o hábito de indignar-se e assumir uma atitude filosófica em relação
ao Direito e à realidade em que vivemos. A tarefa não é fácil e obrigatoriamente devemos
superar alguns obstáculos. Rubio (2014) aponta quais são os difíceis obstáculos:
• Limites epistemológicos:
o a maneira como aprendemos e nos acostumamos a compreender o que é Direito
é assentada no paradigma da simplicidade. Isto é, considera o Direito em si
mesmo, sem diálogo, vínculo e relações com demais campos do saber;
o a redução do Direito ao Direito Estatal ignorando outras formas de expressão
jurídica (pluralismo jurídico), acreditando que Direito é somente norma ou
instituição, a pesada herança do positivismo jurídico;
o a separação entre Direito e prática, somente se preocupando com as categorias
teóricas, e os conceitos dogmáticos que devem ser “decorados” e reproduzidos;
o abstração do mundo jurídico do mundo da vida, e com isso abstraindo as ideias,
conceitos e teorias da realidade que nos leva a confundir ideia com a própria
realidade.
• Limites axiológicos:
o os valores e princípios éticos que norteiam o agir jurídico apenas são os produzidos
pelo Judiciário e/ou instrumentos estatais, sendo apenas uma questão definida
por “especialistas”. Vida, liberdade, dignidade, solidariedade etc. são valoradas a
partir de abstrações estranhas ao tempo e espaço real dos seres humanos a que
estão relacionados;
o separação entre saber científico e saber moral e ético. Com a pretensão de eximir
a ciência do Direito de responsabilidade social, se reduz o campo do político
negando e/ou ocultando que toda ação humana é uma ação política e uma forma
de exercício de poder, o que acaba por retirar dos seres humanos sua capacidade
de criação de valores;
o o mundo contemporâneo com sua cultura consumista e neoliberal acaba por
mercantilizar a própria vida e os seres humanos, fragmentando e reduzindo as
relações fraternas e solidárias.
• Limites culturais:
o juntamente com esse modo de vida contemporâneo e seu Direito regulador –
liberal e individualista – é imposta a homogeneização de todas as instâncias da
vida sob um único modo de vida e como se compreende essa vida.
224
Para o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2001):
NOTA
Para encerrar, vamos lembrar uma estória contada pelo sociólogo Herbert José de Sousa,
o Betinho, que usava para explicar a tenacidade que tinha para levar adiante seu trabalho
quando ele mesmo já estava condenado, por enfermidade incurável, à morte:
Diz a lenda que havia uma imensa floresta onde viviam milhares de animais, aves e
insetos. Certo dia uma enorme coluna de fumaça foi avistada ao longe e, em pouco tempo,
embaladas pelo vento, as chamas já eram visíveis por uma das copas das árvores. Os animais,
assustados diante da terrível ameaça de morrerem queimados, fugiam o mais rápido que
podiam, exceto um pequeno beija-flor. Este passava zunindo como uma flecha indo veloz
em direção ao foco do incêndio e dava um voo quase rasante por uma das labaredas, em
seguida voltava ligeiro em direção a um pequeno lago que ficava no centro da floresta.
Incansável em sua tarefa e bastante ligeiro, ele chamou a atenção de um elefante, que com
suas orelhas imensas ouviu suas idas e vindas pelo caminho, e curioso para saber por que
o pequenino não procurava também afastar-se do perigo como todos os outros animais,
pediu-lhe gentilmente que o escutasse, ao que ele prontamente atendeu, pairando no ar a
pequena distância do gigantesco curioso.
– Meu amiguinho, notei que tem voado várias vezes ao local do incêndio, não percebe o
perigo que está correndo? Se retardar a sua fuga talvez não haja mais tempo de salvar a si
próprio! O que você está fazendo de tão importante?
– Tem razão, senhor elefante, há mesmo um grande perigo em meio àquelas chamas, mas
acredito que se eu conseguir levar um pouco de água em cada voo que fizer do lago até lá,
estarei fazendo a minha parte para evitar que nossa mãe floresta seja destruída.
Em menos de um segundo o enorme animal marchou rapidamente atrás do beija-flor e,
com sua vigorosa capacidade, acrescentou centenas de litros d’água às pequenas gotinhas
que ele lançava sobre as chamas.
Notando o esforço dos dois, em meio ao vapor que subia vitorioso dentre alguns troncos
carbonizados, outros animais lançaram-se ao lago formando um imenso exército de
combate ao fogo.
Quando a noite chegou, os animais da floresta, exaustos pela dura batalha e
um pouco chamuscados pelas brasas e chamas que lhes fustigaram, senta-
ram-se sobre a relva que duramente protegeram e contemplaram um luar
como nunca antes haviam notado.
Podemos até nos desanimarmos e ficarmos exaustos por filosofar, mas vamos
aprender a ver o mundo do Direito de uma maneira muito diferente da que estamos
acostumados. Isso vale muito a pena!
225
LEITURA
COMPLEMENTAR
O SISTEMA BRASILEIRO DE JUSTIÇA: EXPERIÊNCIA RECENTE E FUTUROS
DESAFIOS
Perante a opinião pública, o Judiciário tem sido visto como um moroso e inepto
prestador de um serviço público. No Executivo, os responsáveis pelo Orçamento Geral
da União o encaram como um aparato com baixa eficiência gerencial e insensível ao
equilíbrio das finanças públicas, pois seus gastos com obras de discutível utilidade,
suas crescentes despesas de custeio e suas sentenças comprometeriam as políticas
de ajuste fiscal, poriam em risco a estabilidade monetária e travariam as reformas
estruturais. Além disso, juntamente ao MP, o Judiciário é acusado pelo Congresso de
exorbitar em suas prerrogativas, interferir no processo legislativo e bloquear políticas
formuladas por órgãos representativos eleitos democraticamente, "destecnificando" a
aplicação da lei e, por consequência, levando à "judicialização" da vida administrativa e
econômica.
226
Muitas dessas críticas talvez sejam injustas, mas não quer dizer que não tenham
algum fundo de verdade, o que alimenta diferentes indagações sobre o futuro das duas
instituições num contexto marcado por fortes desigualdades sociais e culturais, graves
limitações fiscais e transformações radicais nos modos de funcionamento da economia.
227
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu:
228
AUTOATIVIDADE
1 Considere a figura a seguir:
FONTE: <https://blogdotarso.com/2013/04/03/charge-igualdade-no-liberalismo-versus-constituicao-so-
cial-e-democratica-de-direito/>. Acesso em: 24 abr. 2016.
Com base nos conhecimentos abordados neste tópico, como você interpreta o conceito
de igualdade e justiça representado na charge anterior?
229
230
REFERÊNCIAS
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