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Gestão dos Serviços

Penais
Prof. Ivone Fernandes Morcilo Lixa
Prof. Ray Arecio Reis

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Ivone Fernandes Morcilo Lixa
Prof. Ray Arecio Reis

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

L788g

Lixa, Ivone Fernandes Morcilo

Gestão dos serviços penais. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa; Ray


Arecio Reis. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

236 p.; il.

ISBN 978-65-5663-731-0
ISBN Digital 978-65-5663-732-7

1. Serviços penais. - Brasil. I. Reis, Ray Arecio. II. Centro Universitário


Leonardo da Vinci.

CDD 340

Impresso por:
Apresentação
A disciplina Gestão dos Serviços Penais objetiva instrumentalizar os
profissionais da área de segurança pública que atuam no sistema prisional
a dominar um conhecimento específico, que possibilite o exercício das
atividades rotineiras, de maneira adequada e alinhada aos fundamentos e
aos princípios legais da ordem jurídica brasileira.

Sem dúvida, conviver diariamente nas unidades prisionais – e com


detentos – é desafiador. Basta um breve olhar no noticiário para percebermos
que, no Brasil, as prisões são espaços que revelam as maiores mazelas da
nossa sociedade em todas as dimensões, e, por essa razão, é necessário que o
profissional atuante esteja preparado.

Pensando em oferecer um material atualizado e contribuir com


a sua formação profissional, apresentamos o presente livro didático.
Metodologicamente, ele está dividido em três unidades.

Na Unidade 1, o tema central é Sistema Punitivo, Segurança Pública


e Gestão Penal no Estado Brasileiro Contemporâneo. O objetivo da unidade é
discutir a gestão dos serviços penais a partir da identificação e da análise dos
conceitos essenciais para compreender o sofisticado sistema punitivo brasileiro.

A Unidade 2 tem, como temática, Gestão do Sistema Penitenciário


Brasileiro, identificadas as diretrizes jurídicas estabelecidas, pela ordem
constitucional, que demonstram a definição e o controle das ações
governamentais na gestão das unidades prisionais.

Encerramos o estudo na Unidade 3, com o estudo das Unidades


Prisionais, quando, então, analisaremos as distintas unidades prisionais e as
particularidades delas.

Você terá, ao fim de cada tópico, autoatividades, que permitirão


avaliar e aprofundar melhor os estudos realizados. Não se esqueça de ler
também atentamente os textos selecionados ao fim de cada unidade, e de
visitar os sites especializados indicados.

Bons estudos! Estaremos juntos nesta desafiadora jornada.

Prof. Ivone Fernandes Morcilo Lixa


Prof. Ray Arecio Reis
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO
ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO................................................................1

TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM


CONSTITUCIONAL...................................................................................................... 3
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 O COMPLEXO SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO................................................................... 3
3 SEGURANÇA PÚBLICA..................................................................................................................... 7
4 GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO......................... 12
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 17
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 18

TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA.............................................. 19


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 19
2 CONCEITO JURÍDICO PENAL DE CRIME................................................................................. 19
3 “CONDUTA” COMO ELEMENTO DO CRIME.......................................................................... 23
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 36
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 37

TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E


APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL........................................ 39
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 39
2 CRIME E CASTIGO NAS SOCIEDADES ANTIGAS E MEDIEVAIS OCIDENTAIS ........ 39
3 O LIBERALISMO E A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA ......................................... 46
4 A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL........................................................................................... 49
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 53
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 59
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 60
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 62

UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO............................. 65

TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS............... 67


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 67
2 OS LIMITES E AS INOVAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS NA GESTÃO DO
SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO........................................................................................... 67
3 A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA.......................... 73
4 PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: PRÓS E CONTRAS ........................................................ 81
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 85
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 86
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA
DE CONTROLE............................................................................................................ 89
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 89
2 O PROFISSIONAL DO SISTEMA PRISIONAL.......................................................................... 89
3 AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A ATIVIDADE DO AGENTE PRISIONAL..................... 94
4 O PERFIL DO AGENTE PENITENCIÁRIO................................................................................ 101
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 104
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 105

TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS................................................. 107


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 107
2 O SISTEMA DE CONTROLE DOS DETENTOS....................................................................... 107
3 O EMPREGO DOS ARMAMENTOS LETAL E NÃO LETAL NO CONTROLE
PRISIONAL....................................................................................................................................... 112
4 ROTINA E PROCEDIMENTOS NAS UNIDADES PRISIONAIS......................................... 120
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 127
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 128
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 129
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 130

UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS.............................................................................. 135

TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS.................................................................................. 137


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 137
2 ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL ..................................................................... 137
3 DIREITOS E GARANTIAS DA MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE........................ 139
4 PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA NO BRASIL................................... 145
5 PARTICULARIDADES DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS FEMININOS........... 149
6 OS DESAFIOS FUTUROS DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS FEMININOS........ 153
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 157
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 158

TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM


CONFLITO COM A LEI............................................................................................ 161
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 161
2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA APLICADA AOS JOVENS
EM CONFLITOS COM A LEI........................................................................................................ 161
3 SISTEMA SOCIOEDUCATIVO PÁTRIO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE....................................................... 167
4 PERFIL DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
NO BRASIL........................................................................................................................................ 176
5 DA SINGULARIDADE DOS ESTABELECIMENTOS SOCIOEDUCATIVOS
NO BRASIL........................................................................................................................................ 182
6 DESAFIOS DOS CENTROS DE REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVOS......................... 187
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 193
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 195

TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL........................................................... 197


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 197
2 SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL...................................................................................... 197
3 PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS À LUZ DO REGULAMENTO E DAS
NORMAS ADMINISTRATIVAS.................................................................................................. 202
4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
FEDERAL............................................................................................................................................ 207
5 CONTROLE EM SITUAÇÕES EMERGENCIAIS..................................................................... 212
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 217
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 227
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 229
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 231
UNIDADE 1 —

SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA


PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender que, no Brasil, a adoção do aprisionamento se define como


estratégia de segurança pública privilegiada, o que vem provocando o
encarceramento com consequências dramáticas;
• conceituar a gestão dos serviços penais, identificar e discutir o sofisticado
sistema que tem, como finalidade, garantir a segurança pública com
vistas ao convívio social harmônico e pacífico;
• definir a “segurança pública” como a maneira através da qual o Estado
estabelece estratégias e ações orientadas, de forma a garantir o direito
fundamental dos cidadãos de viverem sem medo em sociedade, de forma
pacífica, através de agentes, dentre os quais se destacam os agentes
prisionais, e os órgãos institucionais, que mantêm a segurança pública,
mesmo que, em situações-limite, restringem determinados direitos, a fim
de garantir o bem comum;
• tipificar o crime, juridicamente, como conduta típica (prevista na lei);
antijurídica (contrária ao justo); e culpável (intenção consciente voltada
para o fim desejado de lesar um bem protegido);
• diferenciar as penas definidas pelo legislador e normatizadas na
parte especial do  Código Penal, que são de três espécies: privativa de
liberdade, restritiva de direito e multa. Ainda, os tipos de pena são
de reclusão, detenção e prisão simples, de acordo com o definido pela
sentença condenatória;
• abarcar os tipos de regimes de penas privativas de liberdade, quais
sejam: fechado, semiaberto e aberto, e compreender os casos especiais
nos quais se utiliza a prisão domiciliar;
• problematizar a construção dos conceitos de crime e de pena, desde
as relações de poder e avanço técnico científico da sociedade humana,
passando, historicamente, por algumas concepções, até chegar à
modernidade, quando se define o crime desde uma lógica racional e
técnica, de maneira dominante pelo Direito Penal, que tem, no Estado, o
centro privilegiado de produção e de aplicação da norma penal.

1
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade será dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA


ORDEM CONSTITUCIONAL

TÓPICO 2 – CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

TÓPICO 3 – CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E


APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA


ORDEM CONSTITUCIONAL

1 INTRODUÇÃO
Ao iniciar o estudo da gestão dos serviços penais, o desafio que se coloca é
o de compreender os conceitos que devem fundamentá-lo e norteá-lo. Essa tarefa
primeira é a de desvelar o sistema penal e punitivo brasileiro, e isso é um grande
desafio. Crime, pena, violência, segurança pública e prisões são fenômenos
sociais complexos e precisam ser compreendidos como questões estruturais a
serem analisadas e discutidas adequadamente, sobretudo, por profissionais que
atuam no sistema penal.

A problemática se agrava quando consideramos o fato de que, no Brasil,


vive-se o fenômeno do encarceramento em massa, o que o coloca como um dos
países que mais aprisiona no mundo, sem que, contudo, essa estratégia represente
uma resposta efetiva aos problemas da violência e do controle do crime.

A fim de compreender o sistema penal e punitivo brasileiro, neste Tópico


1, serão discutidos três temas centrais: o complexo sistema punitivo brasileiro,
a segurança pública e a gestão da segurança pública no Brasil contemporâneo.
Trata-se de conceitos básicos e iniciais a partir dos quais poderemos compreender a
sistemática e a harmônica ação do Estado, dos órgãos e dos agentes, que garantem
a segurança como direito fundamental.

2 O COMPLEXO SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO


No Brasil, a adoção do aprisionamento é a estratégia de segurança pública
mais visibilizada. A violência, nos últimos anos, foi se transformando em um
grande tema “vendável” no nosso país. Basta abrir um jornal, assistir a um
noticiário na TV ou acompanhar as notícias nas redes sociais para ser, literalmente,
“bombardeado” com cenas de assaltos, crimes e depoimento de vítimas. O tema
“vende” e ocupa horários nobres. Espalhando os discursos da violência e do ódio,
é compreensível que se discutam “soluções”, como: pena de morte, aumento das
penas de prisão, armamento da sociedade civil, intervenção das forças armadas
para reprimir o crime etc., e, assim, vai se difundindo o aprisionamento, como
“solução” de enfrentamento da violência.

3
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Crime e criminalização são fenômenos complexos que não podem ser


compreendidos fora dos cenários sociocultural e ideológico que os produzem
e reproduzem. A ausência da problematização leva a sérias distorções pelo
chamando populismo punitivo, que são as “opiniões” alimentadas por redes
sociais que utilizam fontes de informação duvidosas, e alimentam a vingança
social, o ódio e a intolerância.

A política de encarceramento em massa de milhares de jovens pobres por


crimes de baixo potencial ofensivo, em geral, relacionados ao pequeno tráfico
ou lesão de pequena monta ao patrimônio, traz, como consequência, a formação
nas prisões sob a tutela do Estado, de um exército pronto para atuar para o crime
organizado. Não resta dúvida de que a política de encarceramento é um grave
problema estrutural de consequências dramáticas.

FIGURA 1 – O ENCARCERAMENTO EM MASSA

FONTE: < https://blogs.correiobraziliense.com.br/aricunha/wp-content/uploads/


sites/13/2018/07/chargesite.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Nos últimos 15 anos, a população carcerária no Brasil cresceu acima de


150%, número este que continua se elevando. Longe de alarmismos, o certo é
que é urgente a tarefa de compreender o sistema punitivo e a busca de solução
a curto prazo.

No Brasil, em 2020, eram 338 encarcerados para cada 100 mil habitantes
(G1, 2020), o que colocava o país no ranking do quarto do mundo por habitante
que mais encarcerava, somente atrás dos Estados Unidos – 665 para cada 100 mil
habitantes, El Salvador – 590 para cada 100 mil habitantes, e Turcomenistão – 552
para cada 100 mil habitantes Ainda, além do grave problema do encarceramento
em massa, soma-se, nos dias de hoje, o alto número de presos provisórios nas
unidades prisionais, que são os detidos sem uma sentença condenatória de
primeiro grau.

4
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

FIGURA 2 – PRESOS PROVISÓRIOS NO BRASIL

FONTE: Adaptada de <https://img.brasildefato.com.br/media/


cf33fdae1e7e1e1ebf6df4960458115b.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O sistema, sem dúvida, está saturado. Ao que parece, a privação de


liberdade e a violência vêm se tornando, no Brasil, as formas privilegiadas de
solucionar conflitos, e, hoje, são problemas estruturais da vida social. Construiu-
se a cultura do encarceramento.

DICAS

Há alternativa para a cultura do encarceramento? No Brasil, passou a ser,


nos anos mais recentes, o instrumento utilizado para diminuir a criminalidade. Com
o objetivo de discutir a aplicação das penas alternativas, já existentes no ordenamento
jurídico brasileiro, como medida eficaz e menos danosa, sugere-se a leitura do texto A
Cultura do Encarceramento no Brasil e Aplicação das Penas Alternativas, disponível em
https://periodicosonline.uems.br/index.php/RJDSJ/article/view/2305#:~:text=No%20
Brasil%2C%20o%20encarceramento%20%C3%A9,penitenci%C3%A1rias%20%C3%A9%20
um%20problema%20eminente.

Desde tal perspectiva, não é difícil compreender a razão do equívoco


em considerar a administração penitenciária e a gestão de serviços penais como
atividades exclusivas da segurança pública e agentes prisionais, como policiais.
Por essa razão, é necessário, inicialmente, serem estabelecidas as diferenças
dos conceitos fundamentais que nortearão esse estudo, além de compreender a
relação entre os distintos campos de atuação do Estado.

Essa falsa percepção e os equívocos conceituais contribuem para a distorção


da realidade, reduzem a segurança pública com o aprisionamento e alimentam
a dramática concepção de que a privação de liberdade é a única solução para
o controle da violência e da criminalidade, o que amplia e aprofunda o grave
problema estrutural das prisões brasileiras.

5
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A “questão criminal” e os desdobramentos, como ensina Zaffaroni (2013),


são fenômenos sociopolíticos e culturais complexos, que não podem ser analisados
sem considerar o sistema punitivo construído e reproduzido pela ordem social
dominante em um determinado momento histórico.

O sistema punitivo é construído por um conjunto de normas articuladas


institucionalmente, como o direito penal, o direito processual penal e a execução
penal, e por distintas instituições (desde a Polícia Judiciária, com função
investigativa, até o estabelecimento prisional), cada qual obedecendo a limites e
a funções previamente definidos (legislações específicas) e compondo o sistema
penal. Este é o que se define como o controle punitivo de institucionalidade.

[...] O Sistema Penal, constituído por três aparelhos – policial, judicial


e prisional – operando nos limites das matrizes legais, pretende se
afirmar e se manter como sistema garantidor de uma ordem social
justa, mas o cotidiano do desempenho real contradiz esse discurso,
aparentemente, justificador (CIRINO DOS SANTOS, 1981, p. 26).

No entender de Zaffaroni (1991, p. 26), “o sistema penal é um verdadeiro


embuste: pretende dispor de um poder que não possui, ocultando o verdadeiro
poder que exerce. Além do mais, se o sistema penal tivesse o poder criminalizante
programado, provocaria uma catástrofe social”.

O sistema, afirma Zaffaroni (1991), é violentador em diversos níveis em


que opera. Basta se lembrar do violento exercício do poder à margem de qualquer
legalidade: violação de direitos fundamentais e humanos, sequestros, torturas,
corrupção cometida pelas agências executivas do sistema penal ou pelos agentes.

Conclui Zaffaroni (1991, p. 29):

• a legalidade não proporciona a legitimidade, por ficar pendente de


um vazio que só a ficção pode preencher;
• o principal e mais importante exercício de poder do sistema penal
se realiza dentro de um modelo de arbitrariedade concedido pela
própria lei;
• o exercício de poder menos importante do sistema penal serve
de pretexto para o exercício de poder principal, não respeitando,
também, e nem podendo respeitar a legalidade;
• além de o exercício de poder do sistema penal não respeitar, nem
poder respeitar a legalidade, na operacionalidade social dos nossos
sistemas penais, a legalidade é violada de forma aberta e extrema,
pelo altíssimo número de fatos violentos e de corrupção praticados
pelos próprios órgãos do sistema penal.

Não se pode deixar de considerar a lição de Baratta (2002), segundo o qual


o sistema penal possui a função natural mais de reproduzir a realidade social
existente do que de transformá-la.

6
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

A função natural do sistema penal é conservar, reproduzir a realidade


social existente. Uma política de transformação dessa realidade, uma
estratégia alternativa baseada na afirmação de valores e de garantias
constitucionais, um projeto político alternativo e autônomo dos
setores populares não pode, todavia, considerar o direito penal como
uma frente avançada, como um instrumento propulsor. Pelo contrário,
o direito penal fica, em um tríplice sentido, reduzido a uma atitude
de defesa. [...] De todas as formas, a ideia reguladora de uma política
criminal alternativa gera a superação do sistema penal (BARATTA,
2002, p. 221-222).

Em síntese, refletir a gestão dos serviços penais engloba identificar e discutir


o sofisticado sistema articulado que pretende garantir a segurança pública com
vistas ao convívio social harmônico e pacífico. Não se trata, portanto, de maneira
simplista, de reduzir a análise ao sistema prisional e aos agentes, mas inseri-la
nas estratégias estruturais do sistema punitivo, que compõe a chamada Justiça
Criminal, que tem, como objetivo, dar efetividade às garantias constitucionais de
forma, de um lado, a estabelecer limites ao poder punitivo do Estado, e, de outro,
proteger todo cidadão contra o arbítrio e a ilegalidade.

Atualmente, exige-se a profissionalização dos serviços penais, à luz


dos fundamentos e dos princípios constitucionais e pactos internacionais,
particularmente, Regras de Mandela, que, mais adiante, serão tratadas,
assegurando a prestação de serviços penais adequada e eficiente.

Observe que os serviços penais são essenciais para dar funcionalidade


ao sistema punitivo, aqui, entendendo-se serviços penais como o complexo
acompanhamento da execução penal, que abrange assistência material, jurídica,
de saúde e educação, trabalho, rotina e toda atividade que envolve dar eficácia
e efetividade da execução penal nos estabelecimentos prisionais que são as
instituições de controle do apenado.

Reafirma-se: serviços penais são atividades específicas que se inserem no


campo da execução penal, porém, dinamicamente, relacionados com o conjunto de
elementos que compõe o sistema punitivo, dentre os quais, a segurança pública.

3 SEGURANÇA PÚBLICA
“Segurança” é um termo polissêmico que comporta inúmeros
significados. No campo jurídico, “segurança jurídica”, tradicionalmente, é uma
expressão relacionada à ideia de existência de um conjunto de normas objetivas,
tecnicamente adequadas e legitimamente construídas, capazes de promover o
sentimento de previsibilidade nas relações humanas.

Segurança jurídica, para o jusfilósofo (1994, p. 102), é a existência de “algo


subjetivo, um sentimento, a atitude psicológica dos sujeitos perante o complexo
de regras estabelecidas como expressão genérica e objetiva da segurança mesma”.
Para esse clássico pensador do Direito, o problema da “segurança” não é somente

7
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

uma questão de “sentimento” ou de “sensação”, mas, também, a certeza da


existência de um conjunto de instrumentos eficazes e complexos de garantias, a
fim de proteger os indivíduos envolvidos nas “tramas” da convivência humana.
“Segurança” sem “certeza” seria uma falácia.

A segurança jurídica é um princípio basilar da ordem constitucional


brasileira, já declarada no Art. 5.°, XXXVI, CF, cujo dispositivo, categoricamente,
estabelece que a "[...] lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada" (BRASIL, 1988).

Já na esfera social, a expressão “segurança pública” pode ser definida como


a maneira, através da qual, o Estado estabelece estratégias e ações orientadas, de
forma a garantir o direito fundamental dos cidadãos de viverem sem medo em
sociedade, de forma pacífica. Para atingir tal finalidade, o Estado presta serviços
e elabora políticas públicas que se concretizam nas ações dos agentes. Segundo o
Art. 144, da Constituição Federal, “a segurança pública, dever do Estado, direito
e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988).

FIGURA 3 – CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA

FONTE: <https://s.dicio.com.br/seguranca-publica.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Observe que são intrínsecas, ao conceito de segurança pública, a


complexidade e a inter-relação sistêmica de instituições relacionadas com a
incolumidade das pessoas e do patrimônio e com as de natureza preventiva,
como educação, saúde, trabalho, cultura etc.; as legislativas (direito penal que
define crimes e penas); as de fiscalização e repressão (órgãos policiais e Ministério
Público); as de responsabilização (Poder Judiciário responsável pela julgamento);
as punitivas (cumprimento da pena) e as de ressocialização do apenado
(reintegração do egresso).

8
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

Segurança pública é um direito difuso e transindividual, por serem os


titulares sujeitos indeterminados. É um tipo de direito que não pertence a um
único indivíduo, mas atende a um grupo de pessoas ou à coletividade, afetada por
determinada situação, como por uma catástrofe natural ou anormalidade social.

Segundo Cichella (2021), a CF (Constituição Federal) de 1988, de maneira


inédita, trouxe um capítulo exclusivo dedicado à segurança pública, no capítulo
terceiro, dentro do título Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas,
definindo, no Art. 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I- polícia federal;
II- polícia rodoviária federal;
III- polícia ferroviária federal;
IV- polícias civis;
V- polícias militares e corpos de bombeiros militares;
VI- polícias penais federal, estadual e distrital (Redação dada pela
Emenda Constitucional n° 104, de 2019) (BRASIL, 1988).

Portanto, pelo disposto na ordem constitucional, segundo Cichella (2021),


há instâncias formais e informais de segurança pública. As informais são as
subentendidas na expressão “responsabilidade de todos”, não instituídas pelo
Estado, com a finalidade de garantir o bem-estar da coletividade, a convivência
e a manutenção da ordem pública, como é o caso das associações comunitárias
colaborativas, como a rede de vizinhos de segurança.

Já as formais são as que compõem a segurança pública, das quais o


Estado é parte, como a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF),
a Polícia Ferroviária Federal (PFF), as Polícias Civis (PC), as Polícias Militares
(PM) e os Corpos de Bombeiros Militares (CBM), instituídas, com a Emenda
Constitucional (EC) n° 104, de 4 de dezembro de 2019, as polícias penais federal,
estadual e distrital.

9
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 4 – ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

FONTE: <https://www.politize.com.br/wp-content/uploads/2018/06/u00f3rg_u00e3os-de-
seguran_u00e7a-p_u00fablica_Prancheta-1.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

10
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

Pelo disposto na ordem constitucional, cabe, ao Estado, o dever de


manter a segurança pública através dos órgãos formais de controle e de todos os
cidadãos, através de associações ou grupos de interesses, para fiscalizar, controlar
e participar da política pública de segurança.

A política pública de segurança consiste, em síntese, nas decisões públicas


que têm, como objetivo, estabelecer a paz social por meio da definição de objetivos,
de estratégias de atuação e de alocação dos recursos públicos.

A política pública de segurança faz acontecer a implementação de


ações não apenas de policiamento ou de aprisionamento, mas de melhoria das
condições de vida, de maneira integral. Embora, no Brasil, a segurança pública
seja um dos grandes desafios do Estado, precisa ser superada a lógica simplista e
reducionista, uma vez que a segurança pública é um conceito dinâmico. Atente-se
à complexidade da problemática segurança pública brasileira.

FIGURA 5 – OS DESAFIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA

FONTE: < https://amazonasatual.com.br/wp-content/uploads/2019/04/seguranca-publica-


numeros.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

11
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A figura anterior coloca inúmeros questionamentos, cujas respostas fazem


rever as políticas públicas e as estratégias de intervenção repressivas e preventivas
no controle da violência e da criminalidade. Trata-se de uma questão complexa e
multifacetada, que comporta inúmeras respostas para as quais o profissional, na
gestão de serviços penais, deve estar atento.

FIGURA 6 – SÍNTESE – SEGURANÇA PÚBLICA

FONTE: Adaptada de <https://br.pinterest.com/pin/862861609831625133/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

4 GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO


BRASIL CONTEMPORÂNEO
A Constituição Federal de 1988 inovou, no sentido de ser instituída na
esteira da redemocratização do Brasil, conferindo, à segurança pública, de
maneira inédita, um papel destacado, trazendo-a como direito fundamental.
Como já considerado, o Estado Constitucional e Democrático de Direito passou
a ser definido como o modelo de Estado que possui, como dever, efetivar a
segurança pública, desde uma perspectiva cidadã e participativa.

Em síntese, no Brasil contemporâneo, a segurança pública possui um


papel fundamental para a consolidação do Estado Democrático de Direito, e,
por essa razão, não deve ser compreendida, equivocadamente, como a restrição
de direitos de liberdade e de garantias, mas como um meio de garantia, para
o exercício dos direitos fundamentais, como autodeterminação, livre expressão,
direitos de ir e de vir, direitos à saúde, educação, liberdade religiosa etc., o que
permite o convívio social harmônico e democrático.

12
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

FIGURA 7 – LEMBRE-SE: O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO?

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/c8/fe/92/c8fe92fa0bff35f2741cbe1a381c77c0.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Observando a figura anterior, compreende-se que é a ordem constitucional


que estabelece o direito e os direitos dos cidadãos, além de organizar o funcionamento
do Estado, que age através dos agentes. Assim, a segurança pública, exercida
através desses indivíduos, dentre os quais, os agentes prisionais, para a efetivação
em muitas situações, restringe determinados direitos, a fim de garantir o bem
comum e a própria liberdade. Contudo, essa restrição necessita ser temporária,
momentânea e indispensável, obedecendo aos limites da proporcionalidade e da
legalidade, valendo-se, se necessário for, o uso legítimo da força.

13
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

NOTA

O que é uso legítimo da força?

O uso legítimo da força resulta da ação legal, necessária e proporcional, amparada


nos princípios que norteiam a abordagem policial, sempre tendo, como foco, o interesse
público e o respeito à dignidade da pessoa humana.

FONTE: <https://jus.com.br/artigos/44869/a-abordagem-policial-e-o-comportamento-do-
abordado>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A constituinte de 1988, embora ordenando as instituições responsáveis


pela segurança pública de maneira objetiva, elencando as instituições policiais da
União e dos Estados, sem enumerar os demais órgãos governamentais, dentre os
quais os serviços penais, na prática, há uma dinâmica inter-relação entre as várias
instituições e as ações que envolvem a segurança pública, como:

• Ações preventivas que envolvem educação, saúde, saneamento básico,


urbanização, policiamento preventivo etc.
• O direito penal, que define os crimes e as respectivas penas.
• A persecução penal, que se faz presente através dos órgãos policiais de
investigação e do Ministério Público.
• O processo e a execução penal, que ficam a encargo do Poder Judiciário.
• A ressocialização do egresso, sendo feita através de políticas específicas que
objetivam inclusão na família, na sociedade, no mundo do trabalho, a fim de
superar a vulnerabilidade depois do aprisionamento.

A segurança pública envolve a garantia de direitos e a consolidação dos


valores e das garantias do Estado Democrático, que são de responsabilidade de
órgãos e de instituições, como:

• Secretaria Estadual de Segurança Pública – SSP: em geral, responsável pela


administração das polícias nos Estados e no Distrito Federal, e pela efetivação
das políticas públicas de segurança. Normalmente, as secretarias estaduais
são chefiadas por um secretário nomeado pelo governador, sendo, o secretário
de segurança pública, a autoridade policial, hierarquicamente, superior, que
subordina as policiais civil, militar, técnica-científica ou pericial e o Detran.
• Secretaria Nacional de Segurança Pública: órgão público diretamente
vinculado ao Ministério da Justiça e à segurança pública. Compete:

I- assessorar o Ministro de Estado na definição, implementação


e acompanhamento da Política Nacional de Segurança Pública
e dos Programas Federais de Prevenção Social e Controle da
Violência e Criminalidade;

14
TÓPICO 1 — SISTEMA PUNITIVO E SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DA ORDEM CONSTITUCIONAL

II- planejar, acompanhar e avaliar a implementação de programas


do Governo Federal para a área de segurança pública;
III- elaborar propostas de legislação e regulamentação em assuntos de
segurança pública, referentes ao setor público e ao setor privado;
IV- promover a integração dos órgãos de segurança pública;
V- estimular a modernização e o reaparelhamento dos órgãos de
segurança pública;
VI- promover a interface de ações com organismos governamentais
e não governamentais, de âmbito nacional e internacional;
VII- realizar e fomentar estudos e pesquisas voltados para a redução
da criminalidade e da violência;
VIII- estimular e propor, aos órgãos estaduais e municipais, a elaboração
de planos e de programas integrados de segurança pública,
objetivando controlar ações de organizações criminosas ou fatores
específicos geradores de criminalidade e violência, e estimular
ações sociais de prevenção da violência e da criminalidade;
IX- exercer, por seu titular, as funções de Ouvidor-Geral das
polícias federais;
X- implementar, manter e modernizar o Sistema Nacional de
Informações de Justiça e Segurança Pública – INFOSEG;
XI- promover e coordenar as reuniões do Conselho Nacional de
Segurança Pública;
XII- incentivar e acompanhar a atuação dos Conselhos Regionais de
Segurança Pública; e
XIII- coordenar as atividades da Força Nacional de Segurança Pública.
BRASIL (2006, s.p.).

• Sistema Único de Segurança Pública: o Sistema Único de Segurança Pública


(SUSP), com a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, foi
criado em 11 de junho deste ano, através da Lei n° 13.675/2018, e estabelece
diretrizes para a atuação conjunta de órgãos de segurança federais, estaduais
e municipais, como Polícia Federal, as polícias civil e militar, o Corpo de
Bombeiros, os órgãos do sistema penitenciário e as guardas municipais. Além
disso, determina a criação do Conselho Municipal de Segurança Pública
e Defesa Social, e que Estados e municípios implantem planos estaduais e
municipais para a área da segurança. São integrantes estratégicos do SUSP:
União, Estados, Distrito Federal, municípios e Conselhos de Segurança Pública
e Defesa Social dos entes da Federação. São integrantes operacionais do SUSP:
Polícia Federal, polícia rodoviária federal, polícias civis, policiais militares,
corpo de bombeiros militar, guarda municipal, órgãos do sistema penitenciário,
institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação, Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP), secretarias estaduais de segurança
pública, Secretaria Nacional de Proteção Civil, Secretaria Nacional de Política
sobre Drogas, agentes de trânsito e guarda portuária.

A fim de melhor compreender o Sistema Único de Segurança Pública,


observe o exposto a seguir:

15
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 8 – INTEGRANTES DO SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA

FONTE: <https://www.submit.10envolve.com.br/uploads/62cfed5c20bcbad3d12e2c4778
d76b894f24075e/6c0a08b59709395e829d8fb6e8e8a92c.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

• Conselhos Comunitários de Segurança – CONSEG: os CONSEGs são


grupos comunitários – moradores de um bairro ou de um município – que se
organizam a fim de discutir e de elaborar ações estratégicas para solucionar os
problemas de segurança da comunidade. São muitas as ações desenvolvidas
pelos CONSEGs, que se reúnem, periodicamente, com os agentes de segurança
pública, como as polícias civil e militar. Os CONSEGs vão ao encontro do
disposto no Art. 144, da CF de 1988, já transcrita, e representam uma maneira
de aproximar a comunidade e as polícias em espírito de cooperação.

Em síntese, a segurança pública, exercida de maneira harmônica entre os


distintos órgãos, com vistas à consolidação do Estado Constitucional Democrático
de Direito, deve ser assegurada pelo Estado, através das instituições, de forma a
garantir segurança com respeito à dignidade humana.

16
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• No Brasil, a adoção do aprisionamento se definiu como estratégia de segurança


pública privilegiada, o que vem provocando o encarceramento, em massa, de
milhares de jovens pobres, por crimes de baixo potencial ofensivo, em geral,
relacionados ao pequeno tráfico ou à lesão de pequena monta ao patrimônio, o
que traz consequência dramáticas.

• Por conta de uma lógica equivocada da segurança pública, não é difícil


compreender a razão pela qual se consideram a administração penitenciária
e a gestão de serviços penais atividades exclusivas da segurança pública, e, os
agentes prisionais, policiais.

• A gestão dos serviços penais faz identificar e discutir o sofisticado sistema que
tem, como finalidade, garantir a segurança pública, com vistas ao convívio
social harmônico e pacífico.

• A expressão “segurança pública” pode ser definida como a maneira, através


da qual, o Estado estabelece estratégias e ações orientadas, de forma a garantir
o direito fundamental dos cidadãos de viverem sem medo em sociedade, de
forma pacífica.

• A segurança pública é exercida pelos agentes, dentre os quais estão os prisionais,


e pelos órgãos institucionais, mesmo que, em situações-limite, restringem
determinados direitos para surgir o bem comum.

17
AUTOATIVIDADE

1 Nos últimos 15 anos, a população carcerária, no Brasil, cresceu acima de 150%,


e o número continua crescendo. Coloca o país no ranking dos países que mais
encarceram no mundo, o que torna o sistema prisional um grave problema
estrutural de segurança pública. A esse fenômeno, dá-se o nome de:

a) ( ) Encarceramento em massa.
b) ( ) Abolição social.
c) ( ) Segregação urbana.
d) ( ) Remissão penal.

2 O sistema penal é um conjunto de órgãos e de práticas punitivas articuladas


que definem o controle punitivo institucionalizado. Cada um dos elementos
que compõe o sistema possui características e funções limitadas. São partes
do sistema penal:

a) ( ) Direito Penal e Polícia Judiciária.


b) ( ) Associação de moradores e organizações criminosas.
c) ( ) Associações criminosas e milícias.
d) ( ) Sociedade civil e sociedades não estatais.

3 A expressão “segurança pública” pode ser definida como a maneira através


da qual o Estado estabelece estratégias e ações orientadas, de forma a garantir
o direito fundamental dos cidadãos de viverem sem medo em sociedade, de
forma pacífica. O ente político responsável pela segurança pública é:

a) ( ) O governador do Estado.
b) ( ) O Presidente da República.
c) ( ) O Estado.
d) ( ) O comandante geral da polícia militar de cada ente da Federação.

4 Na esfera social, a expressão “segurança pública” pode ser definida como


a maneira através da qual o Estado estabelece estratégias e ações orientadas,
de forma a garantir o direito fundamental dos cidadãos de viverem sem medo
em sociedade, de forma pacífica. Para atingir tal finalidade, presta serviços
e elabora políticas públicas que se concretizam nas ações dos agentes.
Diferencie segurança pública de política pública de segurança.

5 A segurança pública, exercida através dos agentes, dentre os quais estão


os prisionais, para se efetivar em muitas situações, restringe determinados
direitos, a fim de garantir o bem comum e a liberdade. Pergunta-se:
segundo a Constituição Federal de 1988, quais são os órgãos responsáveis
pela segurança pública?

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TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

1 INTRODUÇÃO
Como, brevemente, analisado, inicialmente, a questão criminal é
complexa, uma vez que são múltiplos os fatores subjacentes aos processos de
criminalização e de condenação de um criminoso. Portanto, não é possível um
conceito absoluto e imutável de crime. São inúmeras as determinantes do crime e
da criminalização, podendo, portanto, o fenômeno ser analisado desde distintos
campos do conhecimento.

No Tópico 2, a seguir, concentraremos os nossos estudos nos conceitos


jurídicos de crime e de pena. A razão de conhecermos, ainda que, brevemente, o
conceito de crime, desde o Direito Penal, é que as políticas públicas de segurança,
e as ações voltadas para o controle e o enfrentamento da criminalidade, possuem,
como ponto de partida, o conceito jurídico penal de crime, a penalização e as
particularidades, uma vez que, através do conjunto de normas penais, é definido
se uma conduta é delituosa ou não, e se, por via de consequência, cabe a aplicação
de uma pena ou não.

Sem dúvida, para o gestor de serviços penais, compreender, de maneira


breve e sistematizada, os tipos penais e as respectivas penas, é extremamente
importante, uma vez que esse conhecimento é uma das ferramentas-chave para o
desempenho das funções.

2 CONCEITO JURÍDICO PENAL DE CRIME


Para o pensamento moderno, com a consolidação do Estado, o conceito de
crime é estabelecido pelo Direito Penal, e este passa a ser a concepção dominante
para a definição.

“Crime”, como já visto, é um fenômeno que pode ser conceituado


desde distintas concepções e categorias, uma vez que crime, criminalidade
e criminalização são questões complexas. Entretanto, no âmbito do estudo do
Direito Penal, é um conceito jurídico e definido por categorias conceituais:

• Conceito Material: é a categoria ou o conceito que se ocupa da essência do


fenômeno, compreendendo os elementos necessários e relevantes da conduta,
a fim de identificar e de caracterizar, ou não, a relevância sociojurídica do

19
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

comportamento, para classificá-lo como criminoso. Desde tal conceito, define-


se crime como toda ação ou omissão consciente e voluntária que, estando
previamente definida em lei, cria um risco, juridicamente, proibido e relevante
a bens jurídicos, considerados fundamentais para a paz e o convívio social.

Em outras palavras, trata-se de uma conduta antijurídica, contrária ao


justo, que lesa um bem, juridicamente, protegido.

• Conceito Formal: busca definir o crime desde as consequências jurídicas


cominadas. É o indicador técnico operacional que permite identificar o ilícito
penal dentro do ordenamento jurídico. Exemplificando: compare os seguintes
dispositivos legais:

Art. 389 do Código Civil: não cumprida a obrigação, responde, o


devedor, por perdas e danos, mais juros e atualização monetária,
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.
Art. 129 do Código Penal: ofender a integridade corporal ou a saúde
de outrem:
Pena: detenção, de três meses a um ano (BRASIL, 2002).

Observe que, no Art. 389, do Código Civil (BRASIL, 2002) – inadimplemento


contratual –, não há a previsão de sanção, de pena. Portanto, esse inadimplemento
não pode ser considerado crime, porque não é uma conduta definida, em lei,
como tal, embora seja relevante, juridicamente, nos campos civil e não criminal.

Já o Art. 129, do CP – lesão corporal –, prevê uma sanção para a conduta,


portanto, é definida, em lei, como crime, porque, também, lesa um bem jurídico
relevante – integridade física.

Desde o conceito de crime, estabelecido pelo Direito Penal, vamos o


compreendendo como fato típico.

QUADRO 1 – CONCEITO PENAL DE FATO TÍPICO

Fato Típico é a conduta humana que se “molda”, perfeitamente, aos


elementos previstos na lei penal. Portanto, a característica de um crime é ser
um fato típico. Ação ou omissão descrita na lei penal.
A tipicidade é o trabalho do jurista, que analisa a conduta nas múltiplas
faces, de modo a verificar, com absoluta certeza, a relação fiel, perfeita e
absoluta entre a conduta e o tipo penal existente. Esse raciocínio é o que se
chama de “relação de tipicidade”.
FONTE: A autora

20
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

• Conceito Analítico: preocupa-se em identificar, ordenar e sistematizar os


elementos e a estrutura do crime, de forma a permitir a aplicação técnica e racional
do Direito Penal. Portanto, o conceito analítico qualifica uma conduta humana
como crime, considerando se a ação ou a omissão é típica, antijurídica e culpável.

Partindo do conceito analítico, chega-se a uma das máximas do Direito


Penal: crime é uma ação ou omissão humana, típica, antijurídica e culpável.
Observe que os conceitos se complementam.

O crime considerado, somente, como ação ou omissão (conduta) proibida


por lei, sob a qual incide uma sanção (conceito formal), é insuficiente, uma vez
que restaria em aberto o elemento valorativo. O conceito material que define
crime como ação ou omissão, que contraria valores ou interesses do grupo
social, e exige a proibição com a ameaça de punição, vem a complementar o
conceito formal. Entretanto, desde o conceito sistemático de delito, daquele que
divide a conduta em elementos, buscando identificar se possuem, em conjunto,
características essenciais do crime, possibilita-se, ao jurista, concluir, de forma
inequívoca, a tipicidade da conduta.

21
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 9 – CONCEITOS DE CRIME

FONTE: Adaptada de <https://br.pinterest.com/pin/417779302938546797/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Desde os conceitos formal, material e analítico, pode-se identificar os


elementos essenciais de uma conduta criminosa, respondendo às seguintes
indagações diante do fato:

• A conduta é humana?
• A conduta se identifica de maneira inequívoca com algum tipo penal?
• A conduta é antijurídica ou possui alguma justificação admitida pelo Direito
Penal (como legítima defesa ou qualquer outra excludente de culpabilidade)?
• O autor, pessoa que cometeu o crime, possui plena capacidade de entender o
que fez ou está fazendo? Consegue se autodeterminar? (é imputável?)

Caso todas as respostas sejam afirmativas, ou seja, se o fato é típico, a


conduta é antijurídica, e o autor culpável está diante de um crime.

22
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

QUADRO 2 – SÍNTESE DO CONCEITO DE CRIME

Crime é um fato típico – comportamento humano que se molda


perfeitamente e, sem dúvida, aos elementos do modelo previsto na lei penal.
Portanto, a primeira característica do crime é ser um fato típico, des­crito,
como tal, em uma lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde,
exatamente, a um modelo, de fato, contido em uma norma penal
incriminadora, ou seja, se há nexo de causalidade.
Antijurídico: conduta que fere o valor social protegido juridicamente. A
antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado
e o ordenamento jurídico. Nem todo fato típico é antijurídico. Ex.: “matar
alguém” (Art. 121, CP) é fato típico. Entretanto, não é antijurídico se o agente
pratica a conduta em estado de necessidade, em legítima defesa etc. Portanto,
não há, nessas hipóteses, crime.
A legítima defesa ocorre quando o autor pratica um fato típico, previsto, em
lei, como crime, para repelir a injusta agressão de outrem a um bem jurídico
seu ou de terceiros. Tal agressão deve ser proveniente de ato humano, caso
contrário, pode se caracterizar como estado de necessidade, e, assim como no
estado de necessidade, a legítima defesa, também, pressupõe uma agressão
atual ou iminente (prestes a ocorrer).
Culpável: a culpabilidade é a relação entre a vontade do agente e a vontade
da norma. Não é característica, aspecto ou elemento do crime, mas condição
para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta.
Conclusão: para que se possa afirmar que determinado acontecimento da
vida é um crime, é preciso se debruçar sobre o fato e as circunstâncias,
analisando-o, decompô-lo nas faces mais simples, para verificar, com certeza
absoluta, se, entre o fato e o tipo, existe relação de adequação exata, fiel,
perfeita, completa, total e absoluta. Se é justificável ou não, sob o ponto de
vista jurídico. Finalmente, se é culpável.
FONTE: A autora

3 “CONDUTA” COMO ELEMENTO DO CRIME


A conduta – ação ou omissão – é um elemento essencial sob o aspecto
objetivo do delito. São excluídos, do âmbito da conduta, os movimentos chamados
de “reflexos”, uma vez que estão fora do domínio da vontade do sujeito. São
movimentos que independem do impulso psíquico – do “querer”, da “vontade”
–, a exemplo de quem, por sofrer uma convulsão, danifica coisa alheia, o qual não
pratica crime. Portanto, a conduta, criminalmente, relevante, possui o elemento
volitivo. Também, devem ser excluídas as condutas ou os movimentos executados
sob coação exterior, irresistível e absoluta. A ação ou a omissão, praticada sob
coação irresistível e absoluta, não é uma conduta, penalmente, relevante.

23
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 10 – CONDUTA – CONCEITO PENAL

O agente FAZ porque


HUMANA QUER e SABE o que
está fazendo
voluntária consciente
AÇÃO ou
OMISSÃO
DOLOSA ou CULPOSA
FINALIDADE
DETERMINADA

FONTE: Adaptada de <https://i.pinimg.com/originals/8b/0d/


f7/8b0df7c4da6adc91c99240af8de311f5.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

QUADRO 3 – COAÇÃO

Quem pratica uma ação ou uma omissão através da coação, diante da qual não
consegue resistir, não pratica conduta típica. O ato não é seu, mas do coator.

Ao contrário, a coação moral não ilide a conduta, porque, embora com a


vontade viciada, há a conduta.

FONTE: <https://www.duvidasdedireito.com.br/2019/01/coacao-fisica-e-coacao-moral.html>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

FONTE: A autora

Segundo as concepções penais contemporâneas, os elementos que devem


compor a conduta são:

• Exteriorização do Pensamento: através de um movimento corpóreo ou da


abstenção indevida de um movimento. Isso significa que o direito penal não
pune o pensamento ou uma mera cogitação por mais imoral, reprovável que seja.
Cogitationis poenam nemo patitur: ninguém pode sofrer pena pelo pensamento.

24
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

• Consciência: apenas entram, na esfera da ilicitude penal, os atos conscientes.


Se a conduta é praticada sem a consciência do que se faz, o ato não é ilícito.
• Voluntariedade: a conduta deve refletir um ato voluntário, isto é, um produto
de uma vontade consciente. Como já visto, os atos “reflexos”, ou a coação
moral irresistível, são, penalmente, irrelevantes.

NOTA

Teoria finalista da ação é uma teoria do direito penal que considera o crime


como atividade humana. O principal nome, considerado criador, é o alemão Hans Welzel,
que a elaborou na década de 1930.

Deve-se entender, como “conduta”, o comportamento consubstanciado


no verbo-núcleo do tipo penal. Exemplo: “matar” (Art. 121, CP), “sequestrar”
(Art. 148, CP) etc. Conforme o núcleo do tipo penal, a conduta pode ser composta
por um só ato ou por vários (são os chamados atos plurissibsistentes). “Matar” é
uma conduta que pode ser exercida por uma única conduta – um disparo de arma
de fogo – ou por várias, como inúmeros golpes com instrumento contundente na
cabeça da vítima, até produzir um traumatismo fatal.

Há crimes que só podem ser praticados por meio de um único


ato, por exemplo, a injúria verbal (Art. 140, CP). São unissubsistentes ou
monossubsistentes, os que não admitem a forma tentada. As formas de condutas
são duas: ação e omissão.

Ação é a conduta positiva e se manifesta através de um movimento


corpóreo (facere). A maioria dos tipos penais descreve condutas positivas. São as
chamadas condutas comissivas, por serem proibitivas. Por exemplo, homicídio
(CP, Art. 121), furto (CP, Art. 155), roubo (CP, Art. 157), apropriação indébita
(CP, Art. 168), estelionato (CP, Art. 171), estupro (CP, Art. 213), ato obsceno (CP,
Art. 233) etc.

Omissão é a conduta negativa, a que consiste na abstenção de um


movimento (non facere). Nos crimes omissivos, há na norma penal mandamento
imperativo, como o Art. 135, do CP (crime de omissão de socorro):

Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco


pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou
ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir,
nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa (BRASIL, 1940).

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UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 11 – CRIME DE OMISSÃO

FONTE: <https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/artigos/
images/omissao-direito-pena-concursos-png.png>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Observe a “charge”. Faz alusão à prática de crime de omissão. No caso,


há a caracterização de uma conduta típica, que é a omissão de socorro, crime
previsto no Art. 135, do CP:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem


risco pessoal,  à  criança abandonada ou extraviada, ou  à  pessoa
inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo  único. A pena  é  aumentada de metade, se da omissão
resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte
(BRASIL, 1940).

Você entendeu a diferença entre ação e missão? Vamos rever?!

• Ação: é um fazer proativo. É atuar, agir, conforme previsto na lei, constituindo


um fato típico. Ex.: Matar, furtar, roubar, ludibriar etc.
• Omissão: é o oposto, uma não atuação. É deixar de fazer o que o agente
poderia ou deveria deixar de agir. Para o direito penal, omissão é deixar de
fazer o que a lei determina. Ex.: Omissão de socorro.

E
IMPORTANT

Há normas de condutas comissivas e omissivas: as condutas comissivas são


as que não atendem a preceitos proibitivos (a norma manda não fazer e o agente faz). As
omissivas não atendem mandamentos imperativos (a norma manda agir e o agente se omite).

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TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

• Da Conduta Omissiva – Omissão penalmente relevante

Como já se deve ter concluído, a conduta humana não se limita apenas


ao exercício de uma atividade final positiva (o fazer), mas, também, à omissão.
A omissão é uma forma independente de conduta humana, regida pela vontade
dirigida a um fim. A norma jurídica sempre protege determinado bem jurídico, e,
quando impõe a realização de uma conduta positiva, a omissão dessa imposição
legal produz uma lesão à norma e ao bem jurídico protegido, configurando-se,
assim, uma conduta omissiva.

As formas de condutas omissivas são:

• Crimes omissivos próprios: quando inexiste o dever jurídico de agir. Nesses


casos, há a ausência de um segundo elemento de omissão, que é a norma,
impondo o que deveria ser feito. Havendo a inexistência do quod debeatur
(quem deve), aquele que tem a obrigação, a omissão, perde relevância causal,
e o omitente (quem pratica a omissão) apenas pratica o crime se houver
tipo incriminador descrevendo a omissão como infração formal ou de mera
conduta. Exemplo: o Art. 269, do CP: “Deixar, o médico, de denunciar, à
autoridade pública, doença, cuja notificação é compulsória. Pena: detenção, de
seis meses a dois anos, e multa”. Em resumo: os crimes omissivos próprios
são os que exigem uma atividade do agente, no sentido de salvaguardar um
bem jurídico. Desconsiderados por omissão, produzem o ajuste da conduta
omissiva à situação tipificada. São, também, chamados de crimes de mera
conduta, porque o tipo penal sequer faz referência ao resultado naturalístico.
Basta que o sujeito se omita indevidamente, independentemente de qualquer
modificação da realidade exterior.
• Crimes omissivos impróprios: são, também, denominados de comissivos por
omissão. São os que o agente tem o dever jurídico de agir, ou seja, não faz
o que precisa ser feito. Nesse caso, há uma norma penal que prevê o que o
omitente necessita fazer, e, por essa razão, a omissão tem relevância causal.
Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples
conduta, mas pelo resultado produzido, exceto se, a ele, não lhe puder ser
imputado dolo ou culpa. Exemplo: Art. 135, do CP:

Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco


pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou
ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir,
nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa (BRASIL, 1940).

• Crime omissivo por comissão: embora parte da doutrina não reconheça


esse tipo de crime, deve-se mencioná-lo. Aqui, há uma ação provocadora da
omissão. Exemplo: o professor, em sala de aula, impede que um aluno, que
está passando mal, seja socorrido. Se ele morrer, o professor responderá pela
morte, por crime omissivo por comissão.

27
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

• Participação por omissão: quando o omitente, tendo o dever jurídico de evitar


o resultado, concorre para ele, ao se quedar inerte. Nesse caso, responde como
partícipe. Quando não existe o dever de agir, não se fala da participação por
omissão, mas da conivência (crime silenti), ou participação negativa, hipótese
em que o omitente não responde pelo resultado, mas pela mera omissão (CP,
Art. 135).

Síntese: a maior parte dos doutrinadores considera, como requisito da


omissão, analisar se o omitente tem poder, nas circunstâncias, para executar a
ação exigida, analisando o seguinte:

• Conhecimento da situação típica.


• Consciência, por parte do omitente, do poder de ação para a execução da
ação omitida.
• Possibilidade real, física, de levar, a efeito, a ação exigida.

Importante: se o obrigado não está em condições de, na situação, levar,


a efeito, essa tarefa, pode se servir de um terceiro, também obrigado, ou não, a
cumpri-la. Na presença de tais circunstâncias, verifica-se, então, que o omitente
tem a real possibilidade de agir, ou seja, poder para executar a ação exigida, e não
o faz, caracterizando-se, assim, a conduta omissiva.

• Crimes de conduta mista

São crimes de conduta mista aqueles nos quais o tipo penal descreve
uma conduta, inicialmente, positiva, mas a consumação se dá com uma omissão
posterior. Por exemplo (Art. 169, CP):

Art. 169 – Apropriar-se, alguém, de coisa alheia, vinda ao seu poder


por erro, caso fortuito ou força da natureza:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa (BRASIL, 1940).

Observe que, inicialmente, a conduta é positiva, a coisa vem a seu poder


por erro, porém, o agente se apropria como sua. Portanto, a consumação se dá
pela omissão de não entregar a coisa a quem de direito pertence.

28
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

FIGURA 12 – SÍNTESE

FONTE: <https://www.significados.com.br/foto/mind-map.png>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Observe o que foi declarado. Veja que são destacados os tipos de crime
(omissivos, comissivos e omissivos impróprios), os elementos (culpabilidade,
tipicidade e ilicitude) e a tipicidade (o que deve conter, obrigatoriamente, em um
fato típico: conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade).

• Das penas

Uma vez compreendidos os elementos e os conceitos básicos de crime,


passaremos a estudar, brevemente, a pena. No direito penal, as penas são
punições definidas pelo legislador e normatizadas na parte especial do Código
Penal. Como já vimos, a norma penal tem, como finalidade, corrigir um
comportamento social, considerado criminoso. Não é difícil compreender que,
sem a punição/pena, a lei é ineficaz. Por essa razão, a lei penal estabelece uma
forma de punição para cada ato ilícito.

Pode-se afirmar que as penas possuem finalidade preventiva ao inibir


comportamentos ilícitos. São específicas para cada tipo penal, não podendo
ser aplicada uma pena prevista para um tipo, e ser aplicada para outro. Isso
significa que quem pratica homicídio não pode ser apenado pelo crime de lesão
corporal. No direito penal brasileiro, são de três espécies:

29
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

• Privativa de liberdade, que se divide em a) reclusão e b) detenção.


• Restritiva de direito, que somente pode ser aplicada em substituição às penas
privativas de liberdade nos casos autorizados em lei.
• Multa, também é conhecida como pena pecuniária.

FIGURA 13 – ESPÉCIES DE PENA

FONTE: <https://files.passeidireto.com/23626d25-bcd4-4007-941c-c1c1d37df208/23626d25-
bcd4-4007-941c-c1c1d37df208.jpeg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Uma vez conhecidas, sinteticamente, as espécies de penas, declaram-se,


brevemente, os tipos. O ordenamento jurídico brasileiro prevê três tipos de pena,
as privativas de liberdade, as restritivas de direito e a pena pecuniária, as quais
devem ser aplicadas pelo magistrado, nos termos do Art. 59 do Código Penal:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias
e às consequências do crime, além do comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime... (BRASIL, 1940, s.p.).

30
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

Entretanto, há situações excepcionais, nas quais o magistrado pode


aplicar o perdão judicial, ou seja, quando se dispensa a aplicação da pena para
casos nos quais os efeitos do crime praticado atingem, tão gravemente, o agente,
o que se mostra totalmente desnecessário à aplicação de uma sanção penal.

FIGURA 14 – PERDÃO JUDICIAL

FONTE: <https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/
images/8350877ffa476856ae4a406c4180742c>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Seguem os tipos de pena:

• Reclusão: tipo de pena cujo cumprimento é feito em regime fechado, semiaberto


ou aberto (Ex.: Art. 121, CP).
• Detenção:  tipo de pena cumprido em regime semiaberto ou aberto, exceto
quando há necessidade de transferência a regime fechado (Ex.: art. 37, do CP).
• Prisão simples:  a pena é cumprida em regime semiaberto ou aberto, apenas
para os casos de contravenção penal.

31
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

As penas privativas de liberdade são impostas, segundo as regras do Art.


33, §2°, do CP, que determina o regime inicial, conforme o mérito do condenado,
observando-se, também, a quantidade de pena imposta e a reincidência:

• Fechado: (Art. 33, §1°, "a" – CP): consiste no cumprimento da pena em


estabelecimento de segurança máxima ou média, como penitenciárias ou presídios
de segurança máxima, nas quais ficam os condenados por crimes gravíssimos.
• Semiaberto: (Art. 33, §1°, "b" – CP): consiste no cumprimento da pena em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Nesses estabelecimentos
penais, os condenados trabalham durante o dia e se recolhem à noite, feriados
e fins de semana. Embora exista segurança, o Estado deposita confiança nos
apenados. Caso ocorra fuga ou falta disciplinar grave, o detento é transferido
para o regime fechado, ocorrendo a regressão prisional.
• Aberto: (Art. 33, §1°, "c" – CP): consiste no cumprimento da pena em Casa do
Albergado ou estabelecimento adequado. Nesse caso, o apenado vai para a
Casa do Albergado, na qual deve permanecer nos feriados, nos fins de semana,
durante a noite, saindo para trabalhar, normalmente, durante o dia, das 6h
às 18h. Também, pode ocorrer regressão em caso de cometimento de falta
disciplinar grave.

A Lei de Execução Penal prevê a modalidade de prisão domiciliar para


casos nos quais o apenado, em cumprimento de pena em regime aberto, pode se
recolher na sua própria residência, em vez da Casa do Albergado.

A prisão domiciliar ocorre nos seguintes casos:

• condenado com mais de 70 anos;


• condenado acometido de doença grave;
• condenada gestante;
• condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental.

NOTA

O regime especial (Art. 37,  do CP) consiste no cumprimento da pena por


mulheres em estabelecimento próprio e adequado às necessidades, conforme distinção
de estabelecimento, nesse caso, quanto ao sexo, exigido na Constituição Federal, no Art.
5°, XLVIII.

32
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

A legislação penal prevê a possibilidade de progressão de regime, uma


vez que o objetivo é que o apenado retorne ao convívio social de maneira
paulatina e segura, segundo o disposto no Art. 33, §2°, do CP, a partir do qual as
penas privativas de liberdade devem ser executadas progressivamente, ou seja,
o condenado passa de um regime mais severo para um mais brando, de forma
gradativa, conforme o preenchimento dos requisitos legais.

A progressão de regime é concedida desde que preenchidos os requisitos


objetivos e subjetivos.

• Objetivos: cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior.


• Subjetivos: mérito do executado. Requisitos de ordem pessoal, como
autodisciplina, senso de responsabilidade do sentenciado e conduta carcerária.

A lei proíbe a chamada “progressão por salto”, que é a passagem de um


regime mais severo para o mais brando sem a submissão ao regime intermediário.
Tal regra é clara na exposição de motivos da Lei de Execução Penal.

33
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 15 – PROGRESSÃO DA PENA

semiaberto

m2

FONTE: Adaptada de <https://br.pinterest.com/pin/284430532696388585/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

34
TÓPICO 2 — CONCEITOS JURÍDICOS DE CRIME E DE PENA

A regressão é a previsão legal oposta à progressão. É a regra prevista no


Art. 118, da LEP (BRASIL, 1984):

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à


forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais
rigorosos, quando o condenado:
I- praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II- sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao
restante da pena em execução, torne incabível o regime (Art. 111).
§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das
hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução
ou não pagar, podendo, a multa, ser, cumulativamente, imposta.
§ 2° Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser
ouvido, previamente, o condenado (BRASIL, 1984).

Para finalizar este breve estudo acerca da legislação penal e da execução da


pena, vejamos, por meio do exposto a seguir, os direitos e os deveres dos detentos.

FIGURA 16 – DIREITOS E DEVERES DOS PRESOS

FONTE: <https://www.slideshare.net/mariaecampillay/crise-no-sistema-prisional>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

35
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O crime é, para o Direito, uma conduta típica (prevista na lei), antijurídica


(contrária ao justo) e culpável (intenção consciente voltada para o fim desejado
de lesar um bem protegido juridicamente).

• A conduta do agente, que pode ser de ação (fazer) ou de omissão (deixar de


fazer), é um elemento relevante para a caracterização de um crime, constituindo
o elemento objetivo do delito.

• Apenas se considera conduta delituosa a que é consciente e intencionalmente


voltada para a realização ou a contribuição para que ocorra um fato típico.
Assim, as ações praticadas sob coação exterior irresistível e absoluta, ou seja, que
impedem qualquer resistência do agente, não são consideradas condutas típicas.

• No direito penal, as penas são punições definidas pelo legislador e


normatizadas na parte especial do Código Penal de três espécies: privativa de
liberdade, restritiva de direito e multa.

• Os tipos de pena são de reclusão, detenção e prisão simples, de acordo com o


definido pela sentença condenatória.

• As penas privativas de liberdade podem ser feitas nos seguintes regimes:


fechado, semiaberto e aberto. Em casos especiais, utiliza-se a prisão domiciliar.

• A legislação penal prevê a possibilidade de progressão do regime, uma vez


que o objetivo é que o apenado retorne ao convívio social de maneira paulatina
e segura, segundo o disposto no Art. 33, §2°, do CP, a partir do qual as penas
privativas de liberdade devem ser executadas progressivamente, ou seja, o
condenado passa de um regime mais severo para um mais brando, de forma
gradativa, conforme o preenchimento dos requisitos legais.

36
AUTOATIVIDADE

1 Para o Direito Penal, o crime é, materialmente, uma ação ou uma omissão


consciente e voluntária, prevista, em lei, como proibida, que fere ou viola
os bens jurídicos relevantes. É uma conduta definida, por lei, como crime,
sendo, portanto, tipificada. Acerca do conceito de fato típico, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Fato típico é um fato ou um evento da vida humana que produz efeitos


no coletivo social.
b) ( ) Fato típico é uma conduta humana descrita, em lei, como um crime.
c) ( ) Fato típico é a pena imposta aos crimes contra a vida.
d) ( ) Fato típico ocorre quando um juiz condena um criminoso por violar a lei.

2 Uma conduta é considerada delituosa quando reúne os seguintes elementos


nucleares: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Diz-se que a
conduta é antijurídica quando fere ou viola um valor ou um bem protegido
juridicamente. Acerca da antijuridicidade, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Nem todo fato típico é antijurídico.


b) ( ) Necessariamente, todo fato típico deve ser antijurídico.
c) ( ) Os conceitos jurídicos de fato típico e de antijuridicidade são sinônimos.
d) ( ) A antijuridicidade não depende da conduta criminosa, mas da intenção
do agente.

3 A conduta do agente é um elemento relevante para a tipificação de um crime.


Obrigatoriamente, a conduta com importância penal possui o elemento
volitivo, ou seja, a vontade do agente de ferir um bem jurídico. A respeito
da conduta como elemento do crime, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As ações ou os movimentos praticados pelo agente, que independem


da vontade, não são considerados condutas típicas.
b) ( ) A ação praticada, mesmo sob coação moral ou física irresistível, que
viola um bem jurídico, é considerada um crime.
c) ( ) As omissões não são consideradas condutas típicas porque é um “não
fazer”, e, por não fazer, ninguém pode ser condenado.
d) ( ) As omissões apenas são consideradas condutas típicas, na esfera
penal, quando o sujeito, por força do dever, está obrigado a praticá-
las, e não as faz.

37
4 A legislação penal prevê a possibilidade de progressão de regime, uma
vez que o objetivo é que o apenado retorne ao convívio social de maneira
paulatina e segura, segundo o disposto no Art. 33, §2°, do CP, a partir do qual
as penas privativas de liberdade devem ser executadas progressivamente, ou
seja, o condenado passa de um regime mais severo para um mais brando, de
forma gradativa, conforme o preenchimento dos requisitos legais. Pergunta-
se: quais são os requisitos legais exigidos para a progressão de regime?

5 A regressão é a previsão legal oposta à progressão. É a regra prevista no


Art. 118, da LEP, e tem, como objetivo, retirar, do apenado, um direito, por
conta de uma infração disciplinar no cumprimento da pena. Pergunta-se:
quando ocorre a regressão de regime?

38
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E


APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

1 INTRODUÇÃO
Com o fim da Unidade 1, do estudo da gestão dos serviços penais, o
objetivo principal é compreender os conceitos essenciais e básicos para o exercício
da atividade profissional na área, assim, é necessário analisar a construção
histórica da lógica punitiva moderna.

Vamos ampliando, um pouco, o nosso horizonte compreensivo, a fim de


não cairmos na armadilha de definir o crime e o aprisionamento como fenômenos
simples, mas como resultado de um acúmulo histórico de experiências, ideias e
práticas políticas e jurídicas.

Historicamente, o crime e a punição são um dilema que atravessa


a trajetória humana ao longo do tempo, e revela as grandes contradições e os
antagonismos sociais: ordem/desordem, justiça/injustiça, bem/mal etc. Várias são
as compreensões acerca do que é o crime: legal (comportamento punido pelo
código penal), moral (comportamento ofensivo aos valores sociais); político
(poder instituído, através de apropriação, com violação dos direitos) etc.

Veremos, neste Tópico 3, que, ao longo da história ocidental, em diferentes


momentos e de diferentes formas, encontramos formas de punir, buscando
construir discursos legitimadores acerca da função e dos resultados da pena e da
punição. Afinal, a questão acerca da finalidade da pena e da punição acompanha
a própria história da humanidade, e, em cada momento, foram sendo elaboradas
teorias, fundamentando e justificando a função e a finalidade de intervenção do
poder político no corpo e nos bens dos seres humanos.

2 CRIME E CASTIGO NAS SOCIEDADES ANTIGAS


E MEDIEVAIS OCIDENTAIS
Reconstruindo a tradição ocidental, um marco nas definições de crime e
de punição é o Código de Hamurabi. O conjunto de leis da antiga Mesopotâmia,
datado aproximadamente no século XVIII a.C. – atualmente presente no Museu
do Louvre – previa dispositivos para punir delitos praticados desde o homem
comum até os altos funcionários públicos, embora seja claro que a punição variava
de acordo com a condição social do autor e da vítima.
39
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 17 – CÓDIGO DE HAMURABI – MUSEU DO LOUVRE

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/wp-content/uploads/2018/06/c%C3%B3digo-de-
hamurabi.png>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Contendo cerca de 282 (duzentos e oitenta e dois) dispositivos legais, os


quais privilegiavam o conhecido “princípio da Lei de Talião” (do latim, lex talionis,
que significa “tal qual”), é considerado um importante documento histórico e uma
das primeiras legislações escritas, ao lado de outros documentos, como o Código
de Ur-Namu, datado de 2050 a.C., com escrita em língua sumérica e conhecido
como Código de Lipit- Istar de Isin.

Com um olhar atento ao Código de Hamurabi, não é difícil perceber que,


apesar de buscar estabelecer um limite para as vinganças privadas, as penas são
muito severas e de natureza retributiva: pagava-se o mal com o mal e com “a
mesma moeda”.

Dentre os antigos gregos, Platão (428/427 a 348/347 a.C.), na obra A


República, afirma que “o ouro do homem sempre foi motivo de seus males”,
demonstrando, assim, a convicção de que os fatores socioeconômicos são causas
de crimes, porque “onde há gente pobre, haverá patifes e vilões”.

Já Aristóteles (384-322 a.C.), buscando a causa dos delitos, na obra A


Política, advertia que a miséria engendra rebelião e delito, e que os delitos graves
são cometidos para se possuir o supérfluo. Também se preocupou com o caráter
dos delinquentes, analisando, além da reincidência, fatores atenuantes, que
deveriam ser levados em conta em um julgamento.

Nos romanos no ano de 452 a.C. foi promulgada a Lex Duodecimum


Tabularum (Lei das XII Tábuas), a qual tinha como objetivo retirar a incerteza do
direito por meio de códigos devido à arbitrariedade dos magistrados patrícios
contra a plebe. Foi a primeira de forma de codificação do direito romano cuja

40
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

elaboração teve como base os costumes existentes. A Lei das XII Tábuas, embora
abarcando distintas áreas do direito, privilegia o que atualmente chamamos de
área penal contendo penas cruéis. A Tábua de número VIII é direcionada ao delito.
Aplicava-se pena de morte: à difamação, contra o cidadão púbere que prejudica
á noite as colheitas, incendiário lúcido e deliberado, para ladrão noturno, para
ladrão diurno que se defendesse com arma, escravo apanhado em flagrante de
roubo, contra falso testemunho, homicídio, contra feitiçaria ou envenenamento e
para levantadores de motins noturnos.

Ainda aplicava a Lei de Talião em casos de lesão corporal e pena


pecuniária para reparação por injúria, reparação pelo prejuízo causado injusta,
mas acidentalmente e prejuízo causado por animal.

A pena de crucificação praticada pelos romanos era aplicada para os não


romanos, acredita-se ter sua origem na Pérsia e levada ao mundo ocidental por
Alexandre (330 a.C.). É considerada a pena romana cruel por excelência e aplicada
como forma de demonstração do poder imperial de Roma. O quadro anterior
reproduziu a maior crucificação da história. Em meio a uma Roma destroçada
por crise política e social, no ano de 71 a.C. forma crucificadas em um só dia 6 mil
pessoas que haviam se rebelado em uma das maiores guerras civis da história
conhecida como a Terceira Guerra Servil.

Narram os documentos da época que o cheiro de corpos em decomposição


era tal que a estrada principal que levava a Roma tornou-se intransitável! Esta
é considerada a maior crucificação da história. Como você, acadêmico, já deve
ter percebido, a criminalização e penalização estão intimamente relacionadas
à manutenção e ao exercício do poder, sendo os rebeldes e “indesejáveis”
comumente exterminados em nome da justiça.

São interessantes as considerações Zaffaroni (2013) acerca da relação entre


o fim do império romano e o aumento das contradições sociais que se manifestou
com a impressionante e violenta verticalização do poder:

Quando Roma passou da república ao império seu poder punitivo


se fez muito mais forte e cruel. No entanto, Roma caiu praticamente
sem que ninguém a empurrasse; seus imperadores eram generais
que brincavam de golpe de Estado, passavam o tempo intrigando ou
neutralizando as intrigas, e em seus momentos de ócio se divertiam
com amantes e escravos núbios. Os costumes se relaxaram, dizem os
moralistas. Roma não caiu por causa das amantes ou dos escravos,
mas sim porque a estrutura vertical que proporciona o poder
colonizador, imperial, logo se solidificou até imobilizar a sociedade, as
classes tornaram-se castas, o sistema perde flexibilidade para adaptar-
se às novas circunstâncias, torna-se vulnerável aos novos inimigos.
Chegaram os bárbaros com suas sociedades horizontais que ocuparam
os territórios quase caminhando, e o poder punitivo desapareceu
quase por completo (ZAFFARONI, 2013, p. 21).

41
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

No entanto, o exercício do poder vertical romano através da violência


parecia ter desaparecido com a formação dos reinos bárbaros, até os séculos XII e
XIII quando os novos donos do poder decidem retomar as práticas de confisco de
bens e vai-se delineando o sistema inquisitorial medieval que lançará as bases do
pensamento punitivo moderno.

O surgimento da Inquisição na Idade Média é uma espécie de retomada


de práticas judiciárias romanas imperiais quando a verdade processual passa a
ser obtida pela interrogação, inquisitivo, superando o antigo modelo dos ordálios.

NOTA

“Ordálios” eram as chamadas “provas de Deus” praticada pelos povos bárbaros.


Era um tipo de “prova judiciária” para determinar a culpa ou inocência de um culpado
através da submissão a situações como caminhar sobre brasas, enfiar a mão em óleo
fervente etc., cujo resultado era interpretado como resposta ou juízo divino. Paulatinamente,
como avanço do poder da Igreja o uso dos ordálios foi caindo em desuso, até que o
Papa Inocêncio III, no IV Concílio de Latrão, em 1215, proibiu que o clero cooperasse em
julgamentos por “fogo ou água”, substituindo-os pela confissão ou compurgação (misto de
juramento e testemunho).

As necessidades políticas de estabelecer um controle simultâneo sobre


a criminalidade comum e a heresia (misto de grave crime político e religioso)
encontra no mecanismo inquisitorial um excelente sistema para reprimir qualquer
resistência e oposição ao “saber oficial”.

O conhecimento construído pelos canonistas, especialistas em Direito


Canônico, resultante da revitalização do Corpus Iuris Civilis (Código de Justiniano)
no século XII pela Universidade de Bolonha permite ao clero formular mudanças
no procedimento processual fundada em uma teocracia radical que centrava no
Poder Papal todo poder político.

Assim, consolida-se uma nova classe de profissionais do direito e, ao


mesmo tempo, também se disseminou uma forma de solucionar conflitos,
uma prática processual, cuja marca era a racionalidade e a técnica. Além de ter
introduzido o processo escrito – autos –, que passou a exigir um corpo notarial, a
escrita processual exige termos e fórmulas específicas e, assim, a lógica de técnica
vai assumindo relevância.

Identificando-se delito com pecado, a recuperação do Direito Romano


imperial, a consolidação de uma rede de burocratas na rede e sistema de repressão,
o “combate à heresia” (crime de lesa-majestade divina) e ao principal instrumento
do demônio: o herege. Santo Agostinho mil anos antes da Inquisição, escreve

42
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

“A Cidade de Deus” (De Civitate Dei) no século V, afirmando que havia “dois
mundos” em permanente combate: o de Deus e o de Satã, dedicando-se Satã e
seus agentes (anjos caídos), a tentar a Deus e não havia alternativa, ou se estava
ao lado de Deus ou ao do Demônio. Desde tal concepção, a Igreja, aliada a Reis
interessados em consolidar seu poder, dedica-se ao combate contra o mal.

Foi inventada a Teoria do Pacto Satânico:

Satã não podia atuar sozinho, necessitava da cumplicidade de


humanos (não me perguntem o porquê, porque não sei). Para isso
havia humanos que celebravam um pacto com o inimigo, com Satã.
Era um contrato de compra e venda proibido, mas que por sua
natureza só podia ser celebrado por humanos inferiores, que eram
as mulheres. Por quê? Por razões genéticas, biológicas: tinham um
defeito de fábrica por provir de uma costela curva do peito do homem,
o que contrastava com a retidão deste (não sei tampouco onde o
homem é reto, mas prossigamos). Por isso, elas têm menos inteligência
e, por conseguinte, menos fé. Foi assim que a Inquisição se dedicou
a controlar as mulheres desobedientes e levou à combustão milhares
delas, como bruxas, por toda a Europa (ZAFFARONI, 2013, p. 28-29).

FIGURA 18 – AS TORTURAS MEDIEVAIS COMO MEIO DE PROVAS

FONTE: <http://3.bp.blogspot.com/_98Lp2dvqd9U/TBZwSyGHIPI/AAAAAAAABFI/Y-jRdWiuGlg/
s640/0036+-+SANTA+INQUISI%C3%87%C3%83O.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

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UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

NOTA

Tortura medieval da água

Consistia em deitar a vítima em uma maca, totalmente amarrado, seu carrasco lhe
obrigava a abrir a sua boca, e colocando um funil até a garganta, iam enchendo de água
provocando a sensação de afogamento, a quantidade de água variava de um até quatro
litros. Essa pena era aplicada mais para as mulheres.

Os canonistas criam maneiras de aceitabilidade das provas: probabilidade,


relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas (que já estavam
provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam), obscuras (que não
poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou antinaturais (absurdas e
impossíveis de serem aceitas). Portanto, o sistema de provas vai assentar-se sobre
o que passou a se chamar prova legal uma vez que sua apreciação dependia de
regras previamente estabelecidas, como o famoso “código processual”, o Manual
dos Inquisitores criado por Nicolau Eymerich. Este Directorium Inquisitorum de
1376 é uma espécie de modelo fundacional do direito processual penal moderno,
que visava perseguir e punir a todo aquele que representasse uma ameaça ou
poder papal, o herege.

Para auxiliar os demonólogos em sua “divina missão” em 1484 é publicado


o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas de autoria de dois inquisidores
peculiares: Heinrich Krämer e Jakob Sprenger. O primeiro um sujeito considerado
problemático que o próprio bispo, segundo Zaffaroni (2013) o suspendeu de suas
funções porque além de estar exterminado quase todas as mulheres, se dizia que
ganhava muito dinheiro com venda de indulgências, falsificando a recomendação
do funesto Manual pela Universidade de Colônia, com a finalidade de conferir-
lhe “validade acadêmica”. O segundo era um conhecido e exagerado beato. Com
certeza, ambos formaram uma “dupla perfeita” para colocar em forma de livro
um autêntico delírio insano.

Como delírios, ao longo da história, são pretextos para encobrir crimes.

Na época se um padre aparecesse nu dentro de um celeiro, contará que


Satã o levou a um banquete e, como não quis jurar-lhe fidelidade, o
lançou ali; se um homem santo é encontrado debaixo da cama de uma
mulher, será porque Satã se apoderou de seu corpo para se esconder.
[...] Os inimigos são inferiores. Como não podiam eliminar todas
as mulheres, contentam-se em queimar somente as desobedientes
(ZAFFARONI, 2013, p. 37).

44
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

Os inquisidores, claro, são superiores e infalíveis. Não admitem erros. Ao


longo de toda história medieval nunca houve erros. Ainda poderiam mentir ou
deixar de cumprir acordos com os hereges porque são imunes. De certa forma, os
inquisidores passaram a acreditar em sua missão salvadora e de que o método era
“abençoado” e, portanto, infalível, até porque a “confissão brotava” dos lábios
dos supliciados.

FIGURA 19 – O MARTELO DAS FEITICEIRAS

FONTE: <http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/feiticeira/malleus2.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Em síntese, a Inquisição foi e, até certo ponto, é uma mentalidade que


permanece viva, consistiu em um movimento político-religioso que em nome
do combate ao demônio promoveu a perseguição indiscriminada e intolerante
à diversidade, seja de crença ou opiniões. Sem dúvida, uma estrutura de poder
mantida pelo terror que não desapareceu. Pode-se afirmar que a Idade Média não
acabou! Os transgressores permanecerão na história e serão perseguidos.

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UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

3 O LIBERALISMO E A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA


Por volta dos séculos XVII e XVIII as fogueiras da Inquisição foram
parando de arder e os princípios humanistas e racionalistas do moderno
liberalismo ganha relevância. Para os juspenalistas e filósofos que iam emergindo,
o Estado Liberal que ia se delineando representava uma contraposição ao
Estado Absolutista e começa a ser considerado como único ente legítimo a deter
o monopólio do direito de punir.

Em tal perspectiva o livre arbítrio é considerado um verdadeiro dogma e o


criminoso, indivíduo dotado de vontade livre e consciente (dotado pela capacidade
de optar), escolhe delinquir. Em assim sendo, a ação criminosa é imoral, já que o
indivíduo podendo escolher elege infringir a lei do Estado, e, nesta esteira deste
pensamento, o crime é entendido como ato de vontade e a pena um mal justo que se
contrapõe a um mal injusto de caráter essencialmente retributivo.

Como comportamento, o delito surgia da livre vontade do indivíduo,


não de causa patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade
e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente
não era diferente, segundo a Escola clássica, do indivíduo moral.
Em consequência, o direito penal e a pena eram considerados pela
Escola clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito
delinquente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal
para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário,
um dissuasivo, ou seja, uma contra motivação em face do crime. Os
limites da cominação e da aplicação da sanção penal, assim como
as modalidades de exercício de poder punitivo do Estado, eram
assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio da
legalidade (BARATTA, 2002, p. 31).

O principal expoente da luta contra o absolutismo é Cesare Bonesana, o


Marquês de Beccaria (1738-1794), que em 1764 ao publicar Dei Delitti e Delle Pene
(Dos Delitos e Das Penas) redefine o sistema punitivo dominante.

46
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

FIGURA 20 – CESARE BECCARIA

FONTE: <https://c8.alamy.com/compes/kc8rp8/retrato-de-cesare-bonesana-marchese-di-
beccaria-jean-baptiste-francois-bosio-n-d-kc8rp8.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O impacto do manifesto de Beccaria se deve pela capacidade de expressar


as convicções do pensamento iluminista, constituindo um marco do pensamento
liberal que encontra no contrato social o novo fundamento e legitimidade para o
direito de punir.

As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se


uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra
e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação.
Parte desta liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o
restante com segurança e tranquilidade. A soma dessas porções de
liberdade sacrificada à bem comum forma a soberania de uma nação
e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não
bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações
privadas de cada homem particular, o qual sempre tenta não apenas
retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-
se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis
suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de
novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses
motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores da lei
(BECCARIA, 2005, p. 41).

Incomodado por um ambiente de generalização de castigos


constrangedores, torturas e violência indiscriminada Beccaria é um porta-voz da
defesa da condição humana clamando por leis claras, justas e precisas.

47
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Invocando a razão e o sentimento de humanidade denuncia a arbitrariedade


dos julgamentos secretos, das penas infamantes e da atrocidade dos suplícios.
Defende o direito de punir a partir de sua utilidade social declarando inútil a
pena de morte, sobretudo, postulando o princípio de proporcionalidade das
penas em relação aos delitos.

Do conjunto de ideias da obra de Beccaria (2005), pode-se destacar:

• Apenas as leis (elaboradas pelo legislador) podem fixar as penas aplicadas aos
delitos.
• A lei deve ser abstrata e genérica e que a um terceiro órgão, cabe a análise da
subsunção do fato a norma.
• Absoluta impossibilidade de que a lei seja interpretada.
• Há o combate da pena de morte por três razões: ilegitimidade, inutilidade e
desnecessidade.
• A pena pode, unicamente, atingir direitos renunciáveis, dos quais não faz parte
a vida.

Hipóteses excepcionais em que a pena de morte é aceitável:

• Quando o condenado mesmo punido, privado de sua liberdade, permanece


com relações, ameaçando o poder constituído, tornem necessária a execução.
• Quando se predomina a anarquia, em detrimento das leis e a morte seja o único
freio a inibir a prática dos delitos.

Proporção entre os crimes e as penas:

• Preconiza a necessidade de que a pena não passe da pessoa do condenado.


• Também desaprova a pena de confisco, por atingir  inocentes quais sejam os
familiares do condenado, levando-os à prática de novos delitos.
• Nenhuma lei que não tenha força suficiente para vigorar, tornando-se
insubsistente, deverá ser promulgada, devendo-se evitar as leis inúteis.
• O freio inibitório da criminalidade não é a crueldade da pena, mas a certeza de
sua aplicação.
• Com relação à tortura, sustenta que o sofrimento imposto não é o caminho
para a busca da verdade, mas apenas se comprova a resistência física do
atormentado.
• A tortura é o meio seguro para absolver os delinquentes de constituição
resistente e condenar aos inocentes fracos e debilitados.
• O alto valor atribuído à confissão deve-se à confusão abusiva com preceito
religioso, consistente na confissão dos pecados.

Entretanto, não apenas Beccaria adota as ideias iluministas.

Na Itália, Gian Domenico Romagnosi, ao publicar Genesi del diritto penale


(1791) e Filosofia del diritto (1825), concebe o direito penal (leis sociais) como
conjunto de leis naturais conhecidas pelo homem através da razão e anterior às

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TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

convenções humanas. O princípio essencial do direito natural, para Romagnosi,


é a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade do qual
derivam três relações ético jurídicas fundamentais: o direito e dever de cada um de
conservar a própria existência, o dever recíproco dos homens de não atentar contra
sua própria existência e o direito de cada um de não ser ofendido por outro.

De forma semelhante à de Beccaria (2005), entende que o fim da pena é a


defesa social já que funcionaria como um contraestimulo em relação ao impulso
do criminoso para impedir os crimes.

Na Inglaterra, Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava


por sua utilidade: impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-
lo, protegendo, assim a coletividade. Já na Alemanha, Anselmo Von Feuerbach
opinava que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis
jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e
evitar o crime.

O pensamento punitivo liberal resulta em absoluta separação entre a esfera


jurídica e a esfera moral, compreendendo-se, a partir desta perspectiva, a função
da pena como de defesa social, ou seja, punir é o meio de eliminar o perigo social
que poderia advir da impunidade, sendo a ressocialização ou ressocialização um
resultado desejável, porém acessório.

4 A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL


Em que pese as distinções as diferentes teorias sobre crime compreendem
que as causas do delito são relacionadas ao criminoso, e para delegando a tarefa
de definir o crime para o direito, tendo como pressuposto de que cabe ao Estado
através do direito a função de defender a sociedade do “outro”, do “deformado”,
daquele que escolhe delinquir. Desde tal ótica, acaba por ser criar a lógica de que
é o Estado, através do Direito Penal com seu conjunto de normas que definem pena
e determinam penas, detém o poder político legítimo de reprimir o criminoso
que é um risco para a vida em sociedade. É esta, em síntese, a ideologia da defesa
social, e constitui um dos fundamentos legitimadores da ação punitiva do Estado
através do direito penal para o qual é conferido um papel técnico dogmático
justificador e racionalizador do controle social.

49
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

NOTA

Ideologia é um conceito modificado historicamente em distintos períodos.


Entretanto, o maior enfoque é dado ao seu significado que se relaciona com o processo pelo
qual as ideias da classe dominante se tornam universais, legitimando, assim, a dominação
e a exploração dos detentores do poder econômico e político. Em síntese, é clara a
percepção de que as ideologias são “fabricadas”  no intuito de difundir os ideais dominantes
e torná-los gerais. Ideologia pode ser definida como um conjunto de representações e de
normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir
e sentir. Com o objetivo de impor os interesses particulares dos grupos dominantes, esse
conjunto de ideias produz uma universalidade imaginária. A eficácia da ideologia depende,
justamente, da sua capacidade de produzir um imaginário coletivo em cujo interior os
indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo autorreconhecimento assim obtido,
legitimar involuntariamente a divisão social.

FONTE: CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2008.

A ideologia da defesa social – ou de justificativa final do sistema punitivo


–, nasceu contemporaneamente à revolução burguesa no século XIX que teve na
criação dos modernos códigos penais seu elemento condensador, razão pela qual
as leis penais passam a ser a base referencial da definição e controle do crime.

Sinteticamente, Baratta (2002) destaca o conteúdo da ideologia da defesa


social pode ser resumido nos seguintes princípios:

• Princípio de Legitimidade: o Estado como expressão social, é legítimo para


reprimir a criminalidade através de instituições oficiais de controle (legislação
penal, polícia, magistratura, instituição penitenciária) como enfrentamento aos
sujeitos responsáveis pelo crime (o criminoso).
• Princípio do bem e do mal: o delito é um dano social e o criminoso é um
elemento negativo para a correta funcionalidade do sistema social. Portanto, o
crime é um desvio (um mal) da sociedade (um bem).
• Princípio de Culpabilidade: o delito é a expressão de uma atitude interior
reprovável, porque é contrária aos valores e às normas sociais recepcionadas e
sancionadas pelo legislador.
• Princípio da Finalidade ou da Prevenção: a pena possui como finalidade
prevenir o crime e não somente caráter retributivo. Sua função é servir como
contramotivação ao comportamento delitivo que também ressocializa.
• Princípio da Igualdade: o crime é uma violação à lei e, como tal, é um
comportamento adotado por uma minoria desviada. A pena é igual para todos e a
reação penal se aplica de modo igual a todos autores dos delitos.
• Princípio do Interesse Social e do Delito Natural: o núcleo central dos
delitos definidos nos códigos penais representa uma ofensa aos interesses
fundamentais, às condições essenciais para a vida em sociedade. Os interesses
protegidos pelo direito penal são interesses gerais e comuns a todos os cidadãos.

50
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

A ideologia de defesa social encontra na ciência e dogmática penal


moderna a expressão de seus princípios ideais. Como chama a atenção de Baratta
(2002), mais que um elemento técnico legislativo ou dogmático, o conceito de
defesa social possui uma função justificante daqueles. É um conceito que foi
produzido historicamente e absorvido pelo discurso jurídico moderno.

O discurso da defesa social fascinou os penalistas e a sociedade moderna.


Eram encantadoras as ideias sobre o crime em fins do século XIX e deveriam ser
absorvidas pela ciência penal. Tal empreendimento intelectual foi levado a cabo
pelo penalista alemão Franz Von Liszt (1851-1919) que compreendia a ciência do
direito penal como composta por três partes: a dogmática – estritamente jurídica
teria a função de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado (uma autêntica
“Magna Carta” do delinquente); a científica ou criminológica – caberia o estudo
das causas do delito e efeitos da pena sob os fundamentos das ciências naturais;
e a político-cultural – estabeleceria as linhas de ação do sistema punitivo. Liszt
desenvolve um programa – conhecido como “Programa de Marburgo” – em 1882,
que define as bases do que viria a ser o Direito Penal Moderno.

Embora havendo resistência por parte dos penalistas positivistas da


época que defendiam o fortalecimento da lei escrita, identificando-se assim o
justo com o lícito, as ideias de Liszt tiveram grande repercussão no direito penal
ocidental em geral.

Portanto, os fundamentos do direito de punir restritos ao Estado e


dirigidos contra o que científica e legalmente é definido como “perigoso”
(modelos de periculosidade individual e social) são elaborados sob a matriz do
positivismo criminológico e jurídico permitindo compreender o funcionamento
e a legitimidade do sistema punitivo moderno. O direito de punir é restrito
política e tecnicamente ao Estado que também assume a tarefa de garantir
condições formais e materiais através de ações públicas para que os cidadãos
não cometam crimes.

NOTA

“Positivismo jurídico” é uma expressão que designa, segundo, Norberto Bobbio,


é a doutrina ou concepção política e jurídica segundo a qual não existe outro direito senão
o direito positivo que é o direito posto pelo Estado através das normas jurídicas.

FONTE: BOBBIO, N. O positivismo jurídico – Lições de Filosofia de Direito. São Paulo: Ed.
Ícone, 1999.

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UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Nesse sentido, portanto, o discurso dominante é o de que a sanção estatal


(através do sistema punitivo que inclui direito penal, dogmática penal, sistema
penitenciário e política criminal) é justificável e legítima porque é “bondosa”
ao promover não apenas a coação aos não desviados, mas os meios para que o
criminoso (desviado social) não volte a delinquir e seja integrado no meio social.

FIGURA 21 – APENAS O ESTADO E OS AGENTES PODEM PUNIR

FONTE: <https://s2.glbimg.com/CK4WnnIgDllIIl6imPhYN81FbGY=/0x0:800x534/984x0/smart/
filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_
photos/bs/2019/O/j/BObiLuSJGzYkDhj5n48Q/tranferencias.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Vai-se, assim, sendo desenvolvida e sustentada nas instituições e seus


operadores uma absolutização dos interesses e valores dos órgãos punitivos
através da certeza de que eles são detentores do direito aos quais os cidadãos
devem se submeter, predominando os valores e interesses do Príncipe (interesse
público ou de Estado) sobre os dos súditos (cidadãos).

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TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

LEITURA COMPLEMENTAR

A PANDEMIA DA COVID-19 NOS SISTEMAS PRISIONAL E


SOCIOEDUCATIVO BRASILEIROS: ENTRE NARRATIVAS,
RECOMENDAÇÕES E REALIDADES

A pandemia da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus,


trouxe para o debate criminológico, em todo o mundo, diversas inquietações
acerca dos impactos da propagação do vírus nos espaços de reclusão, sobretudo
diante das condições de superlotação e precariedade comuns aos cárceres e às
unidades de internação de adolescentes, o que faz das comunidades carcerária e
socioeducativa verdadeiros grupos de risco.

Quando são consideradas as desigualdades sociais oriundas das opressões


de gênero, raça e classe que definem a população carcerária brasileira, como bem
problematiza  Juliana Borges  (2019), percebe-se que a vulnerabilidade desses
grupos subalternizados à pandemia da COVID-19, nos espaços de segregação
punitiva, reproduz as vitimizações estruturais – racismo, sexismo e desigualdade
social – que caracterizam tão fortemente a seletividade penal no Brasil.

O Brasil, com a terceira maior população carcerária do mundo – que


ultrapassa a cifra das 800 mil pessoas privadas de liberdade –, possui um
sistema prisional marcado por práticas de violações aos direitos humanos já
muito conhecidas e sistematicamente toleradas por órgãos responsáveis pela
fiscalização dos espaços prisionais. No mesmo sentido, é o que se passa com as
unidades de cumprimento de medidas socioeducativas. Essa realidade impacta
na forma como o sistema de Justiça e a Administração Pública, em geral, têm
atuado diante dos riscos da pandemia em espaços de confinamento que são as
prisões e as unidades de internação de adolescentes, típicas instituições totais
(GOFFMAN, 2003).

A tendência mundial ao encarceramento em massa (GARLAND, 2010) é


uma realidade brasileira nas últimas décadas, como bem evidenciam os dados
periodicamente publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)
e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Excedente carcerário, condições
insalubres, tortura e negligências na prestação de alimentação adequada, da
saúde e da educação são alguns dos aspectos que levaram o Supremo Tribunal
Federal a reconhecer, por meio da ADPF 347, que o desrespeito à dignidade
humana no sistema carcerário brasileiro configura verdadeiro “estado de coisas
inconstitucional”, termo oriundo da jurisprudência colombiana, que representa
bem as sucessivas inconstitucionalidades admitidas pelo Poder Público e pela
comunidade em geral.

Ainda assim, são recorrentes, no Brasil, os discursos de legitimação


do sistema punitivo (ZAFFARONI, 1991) – aqui considerado no sentido
criminológico mais amplo, que envolve não apenas o sistema penal, mas também o
socioeducativo –, sobretudo com a insistência de se defender a reintegração social
53
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

como função das penas privativas de liberdade e das medidas socioeducativas,


notadamente a internação. Isso evidencia uma verdadeira disputa de narrativas
em torno das práticas punitivas no Brasil e explica a inegável contradição entre as
previsões legais e a atuação do Estado no exercício do poder punitivo.

As restrições necessárias para evitar a propagação do novo coronavírus


levaram a mudanças de hábitos em todo o mundo, o que envolve medidas
sanitárias, isolamento social e até  lockdown, objetivando evitar aglomerações.
Diante de unidades prisionais e unidades de internação superlotadas, como as
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), tão divulgadas pelos
meios de comunicação de massa e pelas redes sociais, têm sido consideradas pelo
Poder Público nos espaços carcerários brasileiros?

Em meados do mês de março de 2020, o DEPEN e o CNJ adotaram medidas


administrativas voltadas ao enfrentamento da pandemia da COVID-19 nos sistemas
carcerário e socioeducativo. A primeira e mais substancial iniciativa no sentido
de estabelecer diretrizes para o Poder Judiciário foi a Recomendação 62, do CNJ,
publicada em 17 de março de 2020, com vigência pelo prazo de 90 dias, prorrogada
em 16 de junho por mais 90 dias e posteriormente para um período de 180 dias
(Recomendação n° 68/2020). O documento recomenda aos Tribunais e magistrados a
adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no
âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo (CNJ, 2020a).

O esforço do CNJ em apresentar recomendações voltadas à prevenção da


COVID-19 nos sistemas prisional e socioeducativos evidencia o reconhecimento
do protagonismo da atividade jurisidicional na esfera da política criminal,
especialmente porque cabe ao Poder Judiciário, entre outras competências, a
decretação de prisões e a determinação de solturas, a ordem de internação e a
desinternação de adolescentes que respondem por atos infracionais, bem como
a fiscalização dos espaços de reclusão, com vistas a prevenir e responsabilizar
situações de violação aos direitos humanos de pessoas privadas de liberdade.

O documento do CNJ considera, além de outros aspectos, que  “a


manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde
coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e
socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de
toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos”  (CNJ, 2020,
Considerando 5). Nesse sentido, o CNJ ressalta a força da pandemia, que conecta
a saúde da comunidade segregada em prisões e unidades de internação à saúde
da comunidade em geral. A evidência dessa aproximação é relevante porque,
embora existam estudos criminológicos que demonstrem a importância de se
reconhecer a estreita relação entre o cárcere e a rua, tal como faz Manuela Ivone da
Cunha (2004), há uma tendência de se pensar os espaços de segregação punitiva
como ambientes distintos da sociedade como um todo. A percepção dessa relação
simbiótica entre os ambientes de confinamento punitivo e a sociedade em geral

54
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

em razão da pandemia foi o que levou o Departamento Penitenciário Nacional a


determinar, antes mesmo das recomendações do CNJ, a suspensão da visitação
no sistema carcerário brasileiro como uma das primeiras medidas administrativas
para a prevenção da propagação da COVID-19 nas prisões.

Embora a medida tenha sido necessária naquele momento, para minimizar


o avanço da doença nos espaços de segregação punitiva, a suspensão das
visitações causou diversos tensionamentos, sobretudo diante das dificuldades de
comunicação entre pessoas privadas de liberdade e seus familiares, que ficaram
sem notícias de seus entes queridos por meses. Algumas iniciativas surgiram
isoladamente, principalmente por meio da atuação de profissionais do Serviço
Social, a exemplo de cartas ou e-mails, além de chamadas de vídeo devidamente
autorizadas. Ainda assim, com a imensa população carcerária e o reduzido
número de profissionais de assistência social, não há como abranger todas as
pessoas em privação de liberdade nas prisões e nas unidades de internação.

Além da visita em si, na maior parte das unidades prisionais do Brasil,


familiares são autorizados a levar alimentos para homens e mulheres presos e
adolescentes internos, considerando a insuficiência da alimentação fornecida
pelo Estado. Como medida sanitária, a entrega de alimentos pelas famílias
também foi suspensa, o que certamente agravou o quadro de subnutrição da
população carcerária, aumentando a vulnerabilidade à infecção pelo coronavírus.
Com a redução paulatina dos números de mortos e infectados no Brasil, todavia,
algumas unidades da Federação começaram a planejar o retorno da visitação e da
entrega de alimentos, mas ainda como medidas isoladas, que podem ser revistas
com a oscilação dos números de infectados e mortos.

Na Recomendação n° 62/2020, o CNJ buscou abranger a comunidade


carcerária como um todo, no sentido atribuído por  Donald Clemmer  (1958),
para “reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de
agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações
de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde”  (CNJ,
2020a, Considerando 6). Assim, o documento pondera sobre o alto índice de
transmissibilidade do vírus e fatores como “a aglomeração de pessoas, a insalubridade
dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos
de higiene e o isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de
saúde” (CNJ, 2020, Considerando 7). Além desses fatores, é importante ressaltar
a subnutrição, comorbidades e a baixa imunidade, que situam as populações
reclusas e internas em condição de extrema vulnerabilidade ao contágio.

Assim, como medida administrativa, o CNJ recomendou aos magistrados,


no Art. 9° da Recomendação 62/2020 que,  “no exercício de suas atribuições de
fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela
elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo” (CNJ,
2020a). O plano deve prever a realização de campanhas informativas acerca da
COVID-19, ações de educação em saúde e medidas de prevenção e tratamento
para agentes públicos, pessoas privadas de liberdade, visitantes e todos os

55
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

que necessitam adentrar nos estabelecimentos. Além disso, o documento deve


apresentar “o procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas entradas
de unidades prisionais e socioeducativas, com vistas à identificação prévia de
pessoas suspeitas de diagnóstico de COVID-19 e prevenção do contato com a
população presa ou internada” e a “(...) adoção de medidas preventivas de higiene, tais
como aumento da frequência de limpeza de todos os espaços de circulação e permanência
das pessoas custodiadas e privadas de liberdade, com atenção especial para higienização
de estruturas metálicas e algemas, instalação de dispensadores de álcool gel nas áreas de
circulação” (CNJ, 2020a).

No entanto, para além dessas medidas de caráter administrativo, o


CNJ, compreendendo os riscos da aglomeração em espaços de confinamento
punitivo, apresentou uma série de recomendações ao Poder Judiciário (Arts. 2°
ao 6°), tendentes a reduzir a população carcerária e, assim, minimizar os riscos
de propagação da COVID-19.   Para o sistema socioeducativo, recomendou aos
magistrados competentes para a fase de conhecimento na apuração de atos
infracionais nas Varas da Infância e da Juventude, a aplicação preferencial
de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que
determinaram a internação provisória. Aos magistrados com competência para
a execução de medidas socioeducativas, recomendou a reavaliação de medidas
socioeducativas de internação e semiliberdade para fins de eventual substituição
por medida em meio aberto, suspensão ou remissão e a reavaliação das decisões
que determinaram a aplicação de internação-sanção, prevista no art. 122, III do
Estatuto da Criança e do Adolescente (CNJ, 2020).

No mesmo sentido, recomendou aos magistrados com competência para a


fase de conhecimento criminal, a reavaliação das prisões provisórias, nos termos
do art. 316 do Código de Processo Penal e aos magistrados com competência
sobre a execução penal, a concessão de saída antecipada dos regimes fechado
e semiaberto nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante 56 do
Supremo Tribunal Federal. Aos magistrados com competência cível, recomendou
que considerassem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por
dívida alimentícia.

O posicionamento do CNJ, na Recomendação 62/2020, evidencia tanto


a preocupação com as aglomerações inerentes aos espaços de confinamento
punitivo e socioeducativo, como também revela o reconhecimento de que a
atuação do Poder Judiciário é central para a realidade do encarceramento em
massa, o que pode ser minimizado, neste momento de pandemia, por medidas
de desencarceramento respaldadas na legislação vigente. No entanto, a cultura
punitivista que marca o Poder Judiciário brasileiro prevaleceu. Como o
documento do CNJ tem natureza de recomendação, sem o condão de vincular
decisões judiciais, em quaisquer instâncias, o esforço em apresentar medidas
que poderiam reduzir a propagação da COVID-19 no sistema carcerário e em
unidades de internação de adolescentes não alcançou os fins almejados.

56
TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LÓGICA PUNITIVA E APRISIONAMENTO NA SOCIEDADE OCIDENTAL

Apesar de algumas decisões isoladas se alinharem às recomendações do


CNJ, por todo o Brasil houve imensa resistência em adotar o desencarceramento
como medida preventiva à pandemia. Também com base na Recomendação
62/2020 do CNJ, muitos foram os habeas corpus impetrados com fundamento na
suscetibilidade de pessoas integrantes de grupos de risco à infecção pelo novo
coronavírus. As muitas decisões denegatórias demonstram que, entre o exercício
do poder punitivo do Estado e o direito fundamental à saúde de pessoas privadas
de liberdade, tende a prevalecer a força das práticas punitivas no Brasil.

Em que pese uma forte indicação de medidas de desencarceramento na


Recomendação 62/2020 do CNJ, o art. 8° do documento caminhou no sentido
contrário ao admitir,  “em caráter excepcional e exclusivamente durante o período de
restrição sanitária, como forma de reduzir os riscos epidemiológicos e em observância
ao contexto local de disseminação do vírus, considerar a pandemia de COVID-19 como
motivação idônea, na forma prevista pelo art. 310, parágrafos 3° e 4°, do Código de
Processo Penal, para a não realização de audiências de custódia” (CNJ, 2020a).  

Esse dispositivo abriu o perigoso precedente, no sentido da relativização


da audiência de custódia como procedimento relevante para a defesa dos direitos
humanos – diante de ilegalidades e tortura, principalmente – de pessoas presas em
flagrante durante a pandemia, momento em que o isolamento social desfavorece
os mecanismos de controle informal dos órgãos de segurança pública.

Em 17 de junho de 2020, o CNJ publica a Recomendação 68 (CNJ, 2020b),


que complementa a Recomendação 62, para indicar procedimentos a serem
adotados na hipótese de o Tribunal optar pela suspensão excepcional e temporária
das audiências de custódia. Com o fito de evitar a medida extrema de suspensão
das audiências de custódia durante a pandemia da COVID-19, a alternativa
encontrada por alguns Tribunais de Justiça foi a inserção desse procedimento
judicial no rol das demais audiências realizadas por videoconferência. Foi nesse
sentido que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo emitiu o Provimento
CSM 2564/2020, de 06 de julho de 2020, generalizando a possibilidade de realização
das audiências com réus presos e adolescentes em situação de internação, o
que envolvia a audiência de custódia. O Conselho Nacional de Justiça, porém,
aprovou, em 10 de julho de 2020, Resolução que regulamenta e estabelece
critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por meio de
videoconferência durante o estado de calamidade da pandemia, excluindo as
audiências de custódia do rol desses procedimentos, diante da relevância da
audiência presencial em juízo.

Com as medidas administrativas e judiciais adotadas, visando prevenir


a propagação da COVID-19 nos sistemas prisional e socioeducativo brasileiros,
qual é, então, o panorama da infecção pelo coronavírus nas prisões e nas unidades
de internação de adolescentes passados pouco mais de seis meses da chegada da
pandemia no Brasil?

57
UNIDADE 1 — SISTEMA PUNITIVO, SEGURANÇA PÚBLICA E GESTÃO PENAL NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Segundo dados do DEPEN (2020), até 7 de setembro de 2020, foram testadas


68.518 pessoas integrantes da comunidade carcerária (homens e mulheres presos,
policiais penais e demais agentes públicos), havendo a confirmação de 19.924
casos de COVID-19, sendo 18.929 recuperados e 105 óbitos. Entre os óbitos, 79 são
de servidores do sistema, conforme relatório do CNJ (2020c). Havia ainda 4.257
casos suspeitos. Se considerarmos, porém, que a população carcerária brasileira
ultrapassa a cifra das 800 mil pessoas presas, percebemos que o número de testes
realizados não alcança sequer 10% das pessoas privadas de liberdade. Assim,
o Brasil não conhece o panorama real das infecções pelo novo coronavírus no
sistema prisional, de modo que os números certamente são bem mais expressivos
do que os dados oficialmente apresentados.

No sistema socioeducativo, de acordo com dados do CNJ (2020c), foram


confirmados, até 2 de setembro de 2020, 3.593 casos de COVID-19, sendo 2.745
entre servidores e 848 entre internos. Foram registrados 19 óbitos de servidores e
nenhum óbito de adolescente interno.

É importante ressaltar, todavia, que uma das características da pandemia


da COVID-19 no Brasil, sobretudo nos três primeiros meses de enfrentamento,
consiste na dificuldade de se definir o diagnóstico durante o ciclo da doença
e mesmo depois do óbito. Isso significa que muitas pessoas foram infectadas,
mas sem o devido diagnóstico preciso, e não figuram nas estatísticas. Estima-se,
portanto, uma grande subnotificação nos números oficiais de infecção e morte por
COVID-19 em todo o País. Se isso é verificado para a população em geral, também
é uma realidade dentro dos espaços de segregação punitiva e socioeducativa,
sobretudo com a testagem pouco abrangente.

Assim, é preciso acompanhar e problematizar os dados da pandemia


nos sistemas punitivo e socioeducativo brasileiros, bem como as medidas
administrativas e judiciais que impactarão nos desdobramentos da infecção por
coronavírus nesses espaços. Somente quando findada a pandemia será possível
delinear um panorama que mais se aproxime à realidade da propagação da
COVID-19 entre homens, mulheres e adolescentes privados de liberdade, bem
como entre agentes públicos que atuam nos espaços de segregação punitiva.

FONTE: <https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/1016>. Acesso em: 24 abr. 2021.

58
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Crime, pena e aprisionamento são conceitos e fenômenos complexos que não


podem ser compreendidos a partir de uma única definição, mas desde as
formas de organização político, jurídico e social elaboradas ao longo da história
do pensamento ocidental.

• Ao longo da história, da antiguidade aos dias de hoje, crime e pena foram


associados a distintas causas de acordo com as relações de poder e avanço
técnico científico da sociedade humana, passando de violação à vontade dos
deuses à pecado, até a Idade Média, chega-se à modernidade, quando se
define crime desde uma lógica racional e técnica, crime passa a ser definido, de
maneira dominante pelo direito penal que tem no Estado o centro privilegiado
de produção e aplicação da norma penal.

• A ideologia da defesa social é um dos fundamentos legitimadores da ação


punitiva do Estado através do direito penal para o qual é conferido um papel
técnico dogmático justificador e racionalizador do controle social.

• Contemporaneamente, o direito de punir é restrito, política e tecnicamente, ao


Estado, que, também, assume a tarefa de garantir condições formais e materiais
através de ações públicas para que os cidadãos não cometam crimes.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

59
AUTOATIVIDADE

1 Embora o crime seja um fenômeno que comporta análise e conceituação


desde os distintos campos do conhecimento, o certo é que ao longo da história
ocidental foram elaboradas diversas formas de punir comportamentos
entendidos como violadores das leis morais, religiosas ou políticas. Um
marco histórico é o Código de Hamurabi, datado do século XVIII a.C.,
aproximadamente. Acerca da importância jurídica do referido Código,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Sua importância é porque foi a primeira lei escrita da humanidade que


se tem notícia.
b) ( ) Apesar do rigor das penas, buscou estabelecer um limite para a
vingança privada.
c) ( ) Faz parte da Bíblia Sagrada e é parte do decálogo de Moisés.
d) ( ) Foi o primeiro conjunto de leis romanas escritas.

2 Os romanos antigos acabaram por edificar um imenso império que se


alastrava por todo o mundo antigo conhecido. Na busca de garantir o
mínimo de certeza nas relações humanas no século V a.C., começam a
ser elaboradas as primeiras leis escritas. Embora o direito romano tenha
sido mais sofisticado no campo das relações privadas, no que atualmente
chamamos de Direito Civil, havia penas impostas às condutas consideradas
criminosas. Acerca do tipo de pena de morte mais cruel e usada pelos
romanos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Era aplicada a pena de crucificação para os criminosos não romanos.


b) ( ) A pena de morte para os romanos de origem era a crucificação e para
os não romanos o enforcamento.
c) ( ) A pena de morte não era usada pelos romanos e sim pelos estrangeiros
que viviam sob o domínio de Roma.
d) ( ) Para os romanos havia preocupação com a aplicação de penas para
crimes cometidos por cidadãos de Roma e não por estrangeiros.

3 Na Idade Média, com a consolidação do poder da Igreja, forma-se uma


categoria de intelectuais e estudiosos do Direito chamados de canonistas.
Essa categoria de juristas reformulou o procedimento processual, ganhando
relevância as novas formas de investigar, processar e julgar crimes,
principalmente os de heresia, considerados extremamente graves. A essa
forma processual, difundida na fase medieval pelos Tribunais Canônicos,
foi dado o nome de:

a) ( ) Notarial.
b) ( ) Judicial.
c) ( ) Inquisitorial.
d) ( ) Sacrificial.
60
4 Os canonistas criam maneiras de aceitabilidade das provas: probabilidade,
relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas (que já
estavam provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam),
obscuras (que não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou
antinaturais (absurdas e impossíveis de serem aceitas) que foram conceitos
jurídicos bastante utilizados nos tribunais pelos inquisitores. Pergunta-se:
o que foi a Inquisição?

5 Na sociedade moderna predomina a concepção segundo a qual o Estado,


através do direito penal com seu conjunto de normas que definem pena
e determinam penas, é o que detém o poder político legítimo de reprimir
o criminoso que é um risco para a vida em sociedade. Esse conceito é
assentado na ideologia da defesa social. Pergunta-se: o que é a ideologia da
defesa social?

61
REFERÊNCIAS
BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal – Introdução à
sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. 2005. Disponível em: http://www.


dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Emenda Constitucional n° 104, de 4 de dezembro de 2019. Altera o


inciso XIV, do caput, do Art. 21, § 4°, do Art. 32, e o Art. 144, da Constituição
Federal, para criar as polícias penais federal, estadual e distrital. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc104.htm.
Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 13.675, de 11 de junho de 2018. Disciplina a organização e o


funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7°,
do Art. 144, da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp);
altera a Lei Complementar n° 79, de 7 de janeiro de 1994, a Lei n° 10.201, de 14 de
fevereiro de 2001, e a Lei n° 11.530, de 24 de outubro de 2007; e revoga dispositivos
da Lei n° 12.681, de 4 de julho de 2012. Disponível em: https://www.in.gov.br/
materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/25212052/do1-2018-06-12-lei-
n-13-675-de-11-de-junho-de-2018-25211917. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Senasp. 2006. Disponível


em: https://www.novo.justica.gov.br/sua-seguranca-2/seguranca-publica/
senasp-1/a-senasp. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.
htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 7210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em:
24 abr. 2021.

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei 2848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível


em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/codigo-penal-
decreto-lei-2848-40. Acesso em: 24 abr. 2021.

62
CICHELLA, A. C. Participação cidadã em segurança pública no marco do
constitucionalismo democrático: uma análise do programa rede de vizinhos da
Polícia Militar de Santa Catarina. Santa Catarina: Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC), 2021.

CIRINO DOS SANTOS, J. A criminologia radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

G1. Brasil tem 338 encarcerados a cada 100 mil habitantes: taxa coloca país na
26° posição do mundo. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-
violencia/noticia/2020/02/19/brasil-tem-338-encarcerados-a-cada-100-mil-habitantes-
taxa-coloca-pais-na-26a-posicao-do-mundo.ghtml. Acesso em: 24 abr. 2021.

REALE, M. Teoria tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

ZAFFARONI, R. E. A questão criminal. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2013.

ZAFFARONI, R. E. Em busca das penas perdidas – A perda de legitimidade do


sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

63
64
UNIDADE 2 —

GESTÃO DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar as diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal de 1988,


para o novo modelo de gestão, baseado na descentralização político-
administrativa, na responsabilidade do Estado e na participação da
sociedade civil na formulação e no controle das ações governamentais em
todos os níveis, inclusive, a gestão das unidades prisionais;
• compreender as estratégias de superação dos permanentes desafios de gestão
do sistema prisional a partir da década de 1980, no Brasil, com a adoção da
privatização como alternativa, através da parceria público-privada;
• visualizar que as legislações que regem a atividade do profissional do
sistema prisional passaram por inúmeras alterações desde o advento da
Lei de Execução Penal (LEP), de 1984;
• analisar as transformações produzidas pela Emenda Constitucional n°
104/2019, para os profissionais do sistema prisional, uma vez que confere,
a eles, direitos inerentes à carreira policial, além de incluir, em uma das
atribuições, as atividades de guarda e escolta de presos, antes, conferidas
aos policiais civis e militares;
• elencar e caracterizar as atribuições básicas do agente prisional: efetuar
a segurança da unidade prisional em que atua, mantendo a disciplina;
além de vigiar, fiscalizar, inspecionar, revistar e acompanhar os presos ou
internados, zelando pela ordem e pela segurança deles;
• estudar as prisões modernas, como instituições organizadas, para
proteger a comunidade contra perigos intencionais, pois o bem-estar das
pessoas, assim isoladas, não constitui o problema imediato a partir do
qual são definidas como instituição total;
• buscar o papel da chamada “polícia de choque”, nome genérico dado ao
corpo policial altamente especializado em controle de distúrbios graves,
como motins em presídios.

65
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade será dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS


SERVIÇOS PENAIS

TÓPICO 2 – OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O


SISTEMA DE CONTROLE

TÓPICO 3 – A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

66
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS


SERVIÇOS PENAIS

1 INTRODUÇÃO
Com o avanço dos direitos e das garantias promovidos pelo advento da
Constituição Federal de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito,
houve uma reorientação do papel político do Estado no sentido de atribuir, a
ele, a função de promover políticas públicas, a fim de tornar efetivos os direitos
fundamentais amparados pela nova ordem constitucional. Entretanto, com o
encarceramento, em massa, nas últimas décadas, o Brasil passou a assumir o
posto de terceiro país do mundo que mais prende, o que torna a superlotação um
grave problema estrutural.

Somando-se, ao crescimento acelerado no número de pessoas encarceradas,


a crise econômica, que vem assolando os países desde as últimas décadas do século
XX, isso aprofunda e visibiliza as fragilidades do Estado-providência. Desde
então, os limites e as impossibilidades de o Estado investir recursos necessários
para garantir o cumprimento de pena com dignidade fizeram transformar a
gestão prisional em um grave problema político e social.

A partir desse cenário, discutiremos a possibilidade de concessão


administrativa, por meio da parceria público-privada firmada entre o Estado e
as empresas particulares, para a gestão do sistema prisional mediante serviços
necessários para contemplar, com eficiência, todo o sistema prisional. Sem
dúvida, o tema é polêmico, mas enfrentá-lo é necessário.

2 OS LIMITES E AS INOVAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS


NA GESTÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Como já estudado na Unidade 1, o sistema penitenciário brasileiro é
regido pela Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84 – LEP) e pela Constituição
Federal de 1988. Ambas as previsões legais estabelecem os direitos e os deveres
dos detentos na esfera da execução penal, de forma a garantir condições para a
anunciada reintegração social do condenado. Desde tais fundamentos normativos
e perspectiva de ressocialização, o Estado brasileiro implementa programas e
ações no sistema prisional.

67
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Em que pese o avanço da legislação, destacadamente, após a CF


(Constituição Federal) de 1988, com a instituição do Estado Democrático de
Direito e a tentativa de implementação de políticas públicas afinadas com a
ordem democrática, é inegável que detentos permaneçam submetidos a condições
desumanas e degradantes, sendo um grande desafio tornar realidade o discurso
da ressocialização e reintegração social.

Inúmeros são os estabelecimentos prisionais que apresentam condições


precárias , mantendo a população encarcerada em condições cruéis.

FIGURA 1 – O SISTEMA PRISIONAL EM NÚMEROS

FONTE: <encurtador.com.br/wNZ29>. Acesso em: 24 abr. 2021.

As precárias condições do sistema prisional brasileiro se tornaram


ainda mais presentes com o recente avanço da pandemia da COVID-19, que
iniciou em 2020. No momento da chegada da pandemia, a população carcerária
ultrapassava o número de 800 mil, com cerca de 10% com mais de 60 anos e
outros milhares com comorbidades, o que levou o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ, 2021) a discutir a possibilidade de adoção, pelos tribunais, de medidas
para prevenir a propagação nas penitenciárias. Trata-se da Recomendação
n° 91, de 15 de março de 2021, cuja ementa “recomenda, aos tribunais e aos
magistrados,  a adoção de medidas preventivas adicionais à propagação da
infecção pelo novo Coronavírus e pelas variantes – COVID-19, no âmbito dos
sistemas de justiça penal e socioeducativo” (CNJ, 2021).
68
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

No Art. 2°, a referida recomendação cita:

Art. 2°  Recomendar, aos tribunais e aos magistrados,  no exercício


da jurisdição penal, que, em observância ao contexto local de
disseminação do vírus, avaliem:
I- assegurar o controle judicial das prisões por meio de audiências
de custódia, nos termos da decisão liminar proferida pelo
Supremo Tribunal Federal nos autos da  Reclamação n° 29.303/
RJ, em conformidade com as disposições das Resoluções CNJ n°
213/2015 e n° 357/2020;
II- a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais
e responsáveis, por crianças e pessoas com deficiência, por prisão
domiciliar, sempre que possível, nos termos das ordens de habeas
corpus concedidas pelo STF, nos HCs n°s. 143.641/SP e 165.704, e
na forma da Resolução CNJ n° 369/2021;
III- a substituição da privação de liberdade de pessoas indígenas por
regime domiciliar ou de semiliberdade, nos termos do  Art. 56,
da Lei n°  6.001/1973 (Estatuto do Índio),  e da  Resolução CNJ n°
287/2019;
IV- a realização de audiências e de outros atos processuais por
videoconferência, a partir dos critérios estabelecidos na Resolução
CNJ n° 329/2020.
Parágrafo único. Recomenda-se, aos tribunais, que confiram prioridade
às audiências de custódia no planejamento da retomada de atividades
presenciais.

Observe que a Recomendação n° 91, de 15 de março de 2021, ao orientar os


magistrados e os tribunais, explicitamente, reconhece que as prisões são ambientes
propícios para a contaminação. Além das mortes dos presos, os servidores
penitenciários também são expostos ao risco de contaminação próprio e dos
familiares, e o afastamento desses trabalhadores impacta, diretamente, na rotina
de segurança dos presídios. Nas atuais condições de superlotação, não há como
manter distanciamento social e o uso permanente de máscaras pelos detentos.

A dura e inegável realidade nas unidades prisionais nos coloca as seguintes


indagações: a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal de 1988, na prática,
vêm garantindo as necessárias condições para o cumprimento da pena com
dignidade? O Estado, como gestor do sistema prisional, tem conseguido cumprir
o papel adequadamente? Em busca de responder a tal pergunta, passaremos a
analisar os fundamentos normativos do sistema prisional brasileiro.

Como já estudado, em se tratando da competência legal sobre o direito


penitenciário, a Constituição Federal estabelece, no Art. 24: “Compete, à União,
aos Estados e ao Distrito Federal, legislarem, concorrentemente, sobre: I – direito
tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico” (BRASIL, 1988).
Portanto, para o regulamento normativo do sistema prisional, a competência é
do Estado, lembrando que a administração financeira, relacionada à segurança
pública, é direta aos entes federativos, e esse é um dos pontos que dificulta o
estabelecimento de políticas públicas para a devida eficácia do Art. 1°, da LEP,
que determina: “A execução penal tem, por objetivos, efetivar as disposições

69
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica


integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984), uma vez que a
eficiência da gestão penitenciária, como política pública, também é relacionada à
questão orçamentária.

A Constituição Federal de 1988 representa o desejo de uma sociedade por


direitos sociais, aos quais uma grande maioria não tem acesso. Por essa razão, o
Estado brasileiro tem, como defesa, direitos sociais, definidos como “a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988,
Art. 6°.). Desde tal perspectiva, de um lado, a população carcerária necessita ter
os direitos assegurados como todo cidadão, e, de outro, o Estado busca formas
de atender a tais necessidades, em que pese o limite orçamentário. Na busca de
uma solução para tal paradoxo, foram criadas diretrizes constitucionais para um
novo modelo de gestão, baseado na descentralização político-administrativa, na
responsabilidade do Estado e na participação da sociedade civil na formulação e
no controle de ações governamentais em todos os níveis, inclusive, com a gestão
das unidades prisionais.

Como estratégia para a superação dos permanentes desafios da gestão


do sistema prisional, a partir da década de 1980, o Brasil adotou a privatização
(transferência de instituições estatais para a iniciativa privada), a publicização
(transformação de uma organização estatal em uma organização de direito
privada, pública, não estatal) e a terceirização (transferência, para o setor privado,
dos serviços auxiliares ou de apoio) (BRESSER PEREIRA, 2016).

Para melhor compreendermos essa ressignificação do modelo de gestão


pública e a inserção da iniciativa privada nas ações governamentais, é necessário
que se esclareça o que é privatização.

70
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

FIGURA 2 – O QUE É PRIVATIZAÇÃO?

FONTE: <https://s.dicio.com.br/privatizacao.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Genericamente, pode-se afirmar que a privatização é um processo de venda


ou de transferência de uma empresa ou instituição pública e a responsabilidade
de prestação de serviço ao usuário para o setor privado. O termo “privatização”
tem o sentido relacionado à transferência de bens e/ou de direitos para outra
pessoa. O Estado deixa de ser o responsável exclusivo pela administração do bem
público e/ou das ações.

Tomada no sentido amplo, abrange todas as medidas tomadas com os


fins de reduzir a presença do Estado e de prestigiar a iniciativa privada,
compreendendo a desmonopolização de atividades econômicas: a
concessão e a permissão de serviços públicos à empresa privada,
e não mais à empresa estatal; a terceirização; a desestatização ou
desnacionalização, com a venda de ações de empresas estatais para o
setor privado; e a introdução do gerenciamento, dentro da Administração
Pública: a desregulação, com a diminuição da intervenção do Estado no
domínio econômico (DI PIETRO, 2015, p. 5-6).

Portanto, trata-se da constatação de que o modelo de gestão,


exclusivamente, nas mãos do Estado, vai, paulatinamente, orientando-se para
novas práticas que geram a busca de formas inéditas de estabelecer políticas
públicas, o que traz impactos diretos na gestão do sistema penitenciário, uma vez
que o modelo dominante não tem conseguido cumprir os objetivos estabelecidos
na Lei de Execução Penal e na Constituição.

71
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Desde tal perspectiva, vão surgindo experiências em alguns Estados da


Federação, no sentido de terceirizar a gestão prisional. Entretanto, não é tarefa
fácil discutir a ingerência de interesses privados em um setor tão problemático,
cruel e desumanizador.

FIGURA 3 – A DURA REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

FONTE: <https://static.aosfatos.org/media/images/entries/Sistema_Prisional.jpg.1860x550_q85_
box-75,117,1554,555_crop_upscale.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A figura anterior sintetiza alguns dos desafios do sistema:

• Superlotação: Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público,


e tendo, como referência, o ano de 2019, no Brasil, a ocupação nos presídios
brasileiros era de 722.097 presos para uma capacidade de 447.331 vagas, o que
faz com que a taxa de ocupação seja de 161,42% (CNMP, 2021).
• Presos sem julgamento: sem dúvida, a demora para o trânsito em julgado de
uma sentença, no Brasil, é um grande problema, principalmente, quando o
acusado se encontra preso de forma preventiva. Segundo a Agência Brasil (2020),
o percentual de presos provisórios é de 33% do total da população carcerária.
• Falta de oportunidades: como será melhor demonstrado e discutido mais à
frente, os detentos, na sua maioria, possuem baixo nível de escolaridade,
sendo que 51% deles sequer completaram o ensino fundamental. Dentro
dos presídios, são oferecidas poucas oportunidades para a participação em
atividades educacionais.

72
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

• Mortes em presídios: além do atual risco representado pela pandemia da


COVID-19, já em 2019, era noticiado que, em 2017, a chance de alguém ser
morto dentro da prisão era 42% maior do que fora dela.
• Desrespeito aos direitos da mulher: mais adiante, será analisada, especificamente,
a mulher em privação de liberdade, porém, apenas para adiantar, ainda, é um
desafio que as mães tenham garantido o direito de permanecer com os filhos em
um ambiente saudável, seguro e adequado durante o período de amamentação.
Crianças de mães aprisionadas são expostas aos riscos de convivência com a
comunidade carcerária.

Assim, a incapacidade e os limites do Estado vão justificando a alternativa


de delegar, para a iniciativa privada, a gestão penitenciária.

3 A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS:


UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA
Antes de tratarmos do tema da transferência de serviços públicos à
iniciativa privada, devemos compreender que cabe ao Estado o dever de prestar,
de forma direta, ou mediante delegação, atividades destinadas a oferecer
comodidades e utilidades aos cidadãos, a fim de contemplar interesses coletivos.
É o que determina a Constituição Federal, no Art. 175: “Incumbe, ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (BRASIL, 1988).
Serviços de saúde, educação, segurança pública, por exemplo, são atividades ou
serviços prestados, diretamente, pelo Estado.

O serviço público  é “[...] toda atividade material que a Lei atribui ao


Estado para que a exerça diretamente ou por meio dos delegados, com o objetivo
de satisfazer, concretamente, às necessidades coletivas, sob regime jurídico total
ou parcial, de direito público” (DI PIETRO, 2015, p. 80).

O “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou


pelos delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades
essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”
(MEIRELLES, 2010, p. 289).

Pode-se definir o serviço público como a atividade administrativa ou a


prestação direta e indireta de serviços à população, exercida por um órgão, por
uma entidade da administração pública ou pela iniciativa privada, através de
concessão, permissão ou autorização da Administração Pública.

73
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

DICAS

Uma atividade, para ser caracterizada como serviço público, precisa possuir
três características: 1) contemplar um interesse ou uma necessidade que beneficie a
coletividade, de maneira contínua e sem interrupção, a fim de fornecer conforto ou bem-
estar a quem o utiliza; 2) obedecer às regras do direito público; e 3) ser prestada, direta ou
indiretamente, pelo poder público.

Para aprofundar o tema, sugere-se a leitura do texto O Que São Serviços Públicos?
Confira em https://www.politize.com.br/servicos-publicos/.

74
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

FIGURA 4 – O QUE É SERVIÇO PÚBLICO?

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/96/15/02/961502f3965c0c2fb85fcae2a30d87dc.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

75
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Observe que, embora a Constituição, ou as leis, atribuam, ao Estado,


determinados serviços, não significa que deva prestá-los. Na grande maioria dos
casos, o Estado está obrigado apenas a regulamentá-los e a promover a prestação.
Isso quer dizer que pode prestá-los por si mesmo e conferir, a entidades estranhas
ao aparelho administrativo (particulares e outras pessoas de direito público), o
desempenho. Assim, segundo Mello (2015), o serviço é executado por terceiros,
segundo os termos e as condições fixados pela administração, enquanto o interesse
público indica a solução.

Em outras palavras, há serviços que são exclusivos ou privativos do


poder público, e, só por ele, podem ser prestados, enquanto outros não o são.
É o motivo que permite que os últimos sejam prestados pelo Estado, direta ou
indiretamente (delegação), e, igualmente, pela iniciativa privada, por meio da
autorização, do controle e da fiscalização do poder público, mas sem isso se
configurar como delegação.

Em síntese, existem serviços que devem ser prestados apenas pelo Estado
(direta ou indiretamente) e, outros, que admitem que o Estado e os particulares
os executem (MEIRELLES, 2010).

Especificamente, em se tratando da delegação dos serviços públicos para


a iniciativa privada, a privatização dos presídios se caracteriza como a utilização
de meios privados para contemplar uma finalidade pública através da delegação.
Delegação da gestão da prestação de serviço público para a iniciativa privada é
a hipótese em que há a exploração da atividade pública com o intuito de lucro.

DICAS

A fim de melhor conhecer o que é a utilização de meios privados para


contemplar uma finalidade pública, que é a hipótese a partir da qual particulares podem
usufruir de um bem público, sugere-se a leitura do texto Formas de Prestação de Serviços
Públicos, da Enciclopédia Jurídica da PUCSP, disponível em: https://enciclopediajuridica.
pucsp.br/verbete/85/edicao-1/formas-de-prestacao-de-servicos-publicos.

No Brasil, resumidamente, as modalidades de transferência, pelo Estado,


à iniciativa privada, da oferta de serviços sociais, são: terceirização, concessão ou
permissão e as parcerias público-privadas.

• Terceirização: em linhas gerais, é a contratação de determinada empresa para


a realização de um trabalho por terceiros, desde que se trate de uma atividade-
meio. Segundo Di Pietro (2015, p. 344), “cada vez que a Administração

76
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

Pública recorre a terceiros para a execução de tarefas que ela mesma pode
executar, está terceirizando”. Em se tratando de presídios, a terceirização é a
alternativa para o auxílio do gerenciamento do sistema penitenciário, por ser
uma atividade-meio.
• Concessão ou permissão: ocorre quando a Administração Pública transfere,
para particulares, a prestação de serviços públicos, através das parcerias público-
privadas (PPPs), que são formas de colaboração mútua entre entes estatais e
privados para a obtenção de benefícios comuns. Para o poder público, o benefício é
a prestação de um serviço social, e, para a iniciativa privada, é o lucro. A concessão
ou permissão pode acontecer através de duas modalidades: concessão comum,
prevista na Lei n° 8.987/95, que confirma a delegação de serviços públicos para
quando o equipamento está pronto e para quando a prestação deve ser precedida
por uma execução de obra pública; e concessão especial, que é a Parceria Público-
Privada propriamente dita, prevista na Lei n° 11.079/04.
• Parcerias público-privadas: são contratos administrativos de concessão que
podem ser feitos na modalidade administrativa ou patrocinada. Di Pietro (2015,
p. 311) cita: “a parceria público-privada não pode ter, como objeto, somente a
construção [...], mas deve abranger a prestação de serviço, cuja administração
pública seja usuária direta ou indireta”.

Ao se tratar da privatização dos presídios, menciona-se a terceirização


de serviço através da parceria público-privada, possível com apoio nas leis n°
8.666/93 (Lei de licitação) e n° 11.079/04 (Lei n° que institui a parceria público-
privada no âmbito da administração pública, que é pactuada através de um
contrato administrativo que delega, a outrem, a execução de um serviço público,
precedido ou não de obra pública, mediante tarifa paga pelo usuário e acrescida de
contraprestação pecuniária a ser paga pelo parceiro público ao parceiro privado).

Veja os tipos de participação da iniciativa privada na gestão de presídios:

77
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA 5 – PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS

FONTE: <https://www.justificando.com/wp-content/uploads/2019/01/privatizacao-presidios-
1024x768.png>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Como já salientado, para a gestão penitenciária, no Brasil, como alternativa


ao enfrentamento da superlotação e da criminalidade no interior dos presídios,
a privatização dos presídios é uma discussão que, embora, ainda, discutível,
como veremos mais adiante, foi, na esteira das experiências internacionais de
privatização, ocorrida nos EUA, França, Inglaterra e Austrália, que o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão, então, subordinado
ao Ministério da Justiça, formalmente, inseriu a proposta de privatização das
prisões em 1992.

Na proposta feita, o objetivo foi o de reduzir os encargos e os gastos públicos


na gestão dos presídios, de forma a atender aos princípios constitucionais que
determinam o respeito às dignidades física e moral do detento, ao mesmo tempo
em que se poderia, através dessa medida, enfrentar os problemas da superlotação
e da violência nas unidades prisionais. A proposta previa a criação do sistema
penitenciário federal, ao qual caberia a responsabilidade de cumprimento da pena
privativa de liberdade em regime fechado, ficando, a cargo dos Estados, a decisão
em caso de cumprimento de pena privativa de liberdade para o regime médio,
aberto ou semiaberto. A contratação de empresas seria feita através de processo
licitatório, e o setor privado passaria a prestar serviços, como alimentação, saúde e
educação, além de prever as possibilidades de construir e de administrar presídios.

78
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

A experiência pioneira foi empreendida pelo Estado do Paraná, ao


implantar a primeira Penitenciária Industrial, inaugurada em 12 de novembro
de 1999, no município de Guarapuava, batizada com o nome de Penitenciária
Industrial de Guarapuava (PIG), construída com recursos dos governos federal e
estadual (OSÓRIO; VIZZOTO, 2005).

FIGURA 6 – PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE GUARAPUAVA, EM 2003

FONTE: <https://media.gazetadopovo.com.br/2019/06/13184712/penitenciaria-guarapuava-
1024x720.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Considerado, na época, um projeto exitoso, o Estado do Paraná expandiu o


modelo com a criação de mais cinco estabelecimentos prisionais: Casa de Custódia
de Curitiba, Casa de Custódia de Londrina, Penitenciária Estadual de Piraguara,
Penitenciária Estadual de Foz de Iguaçu e Penitenciária Industrial de Cascavel.

Atualmente, a gestão privada dos presídios ainda é tímida, embora sempre


considerada uma alternativa. São 21 cidades, no Brasil, com prisões gerenciadas
pela iniciativa privada, com 32 unidades prisionais distribuídas em oito Estados
brasileiros. Atente-se ao exposto a seguir:

79
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA 7 – AS PRISÕES PRIVADAS NO BRASIL

FONTE: <https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/info/2019/201906/presidios/
graficos/1.info-penitenciarias-pr-onde-ficam.png?3>. Acesso em: 24 abr. 2021.

É preciso destacar que a Magna Carta não veda a participação privada,


ou, até mesmo, investimentos em unidades prisionais, sendo assegurado, pelo
Art. 174, da CF de 1988, o livre exercício de atividade econômica, ao dispor:
“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscalizar, incentivar e planejar, sendo determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado”. A LEP silencia a delegação
da execução da pena à iniciativa privada.

Com relação à legislação pertinente quanto à delegação, à iniciativa


privada, da gestão dos presídios, com vistas a um serviço mais adequado, devem
ser consideradas as seguintes previsões legais:

• Lei n° 9.074/1995: estabelece normas para a outorga e prorrogações das


concessões e permissões e de serviços públicos.

80
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

• Lei n° 8.987/1995: dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação


de serviços públicos previstos no Art. 175, da CF de 1988.
• Lei n° 8.666/1993: regulamenta o Art. 37, XXI, da CF de 1988, institui normas
para licitações e contratos da Administração Pública.

Ainda, a fim de administrar os processos de constituição de parcerias


público-privadas, foi criado, pelo Decreto n° 5.385, de 4 de março de 2005, o Comitê
Gestor de Parcerias Público-Privadas Federal (CGP), que deveria ser integrado por
um representante, titular e suplente do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão (coordenação), Ministério da Fazenda e da Casa Civil. O referido decreto
prevê que cabe, ao CPG, a autorização de abertura de processo licitatório, além de
elaborar e enviar, ao Congresso Nacional, e ao Tribunal de Contas da União, um
relatório anual do desempenho das parcerias público-privadas, aprovar o plano
de PPPs, avaliar e acompanhar a execução, dentre outras atribuições.

Em síntese, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se a legislação


adequada, que garante as parcerias público-privadas para a gestão dos presídios,
lembrando que, pela natureza dos contratos administrativos, em geral, ao Estado,
cabe a função de viabilizar as PPPs, além de fiscalizar a execução da pena e a
qualidade de gestão da iniciativa privada.

4 PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: PRÓS E CONTRAS


A privatização dos presídios não é uma opção política isenta de discussão,
e merece profunda reflexão por parte do Estado e da sociedade civil. Um dos
pontos problemáticos é a lógica que leva os entes privados à exploração do ramo:
o lucro obtido pela exploração do trabalho do detento. Essa exploração, em nome
da ressocialização, é discutível.

O trabalho não é nem uma adição nem um corretivo ao regime de


detenção: quer se tratem de trabalhos forçados, da reclusão, do
encarceramento, são concebidos, pelo próprio legislador, como tendo
que acompanhar necessariamente. Uma necessidade que, justamente,
não é aquela da qual falavam os reformadores no século XVIII, quando
queriam fazer, da prisão, ou um exemplo para o público, ou uma
reparação útil para a sociedade. No regime carcerário, a ligação do
trabalho e da punição é de outro tipo (FOUCAULT, 2021, p. 202).

É preciso se lembrar de que o trabalho prisional é regulado pela Lei


de Execução Penal, no Art. 28, que esclarece que possui finalidade educativa
e produtiva, e, sobretudo, permite a remissão da pena. Cada dia trabalhado,
cumprindo a jornada de oito horas, o preso ganha um dia de remissão, conforme
o Art. 126, da LEP.

A remuneração do trabalho do preso, tratada pelo Art. 29, da LEP,


estabelece que não pode ser inferior a ¾ do salário-mínimo vigente, previsão que
torna a remuneração dos apenados extremamente vantajosa. Tal previsão legal

81
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

é conflitante com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que possui regras
mais custosas para o empregador. As regras da LEP, relacionadas ao trabalho
dos detentos, além da remuneração menor que a prevista na CLT, não preveem
décimo terceiro, férias e FGTS.

Com os altos índices de encarceramento no Brasil, sob o ponto de vista da


iniciativa privada, o trabalho no cárcere pode representar um bom negócio. Veja, a
seguir, o número dos países que mais encarceram: o Brasil ocupa o 3° lugar.

FIGURA 8 – PAÍSES QUE MAIS ENCARCERAM

FONTE: <https://www.conjur.com.br/img/b/populacao-prisional-mundial3.png>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Contudo, há pontos favoráveis. Os que defendem a privatização dos


presídios entendem ser uma medida necessária e urgente para melhorar o
sistema, uma vez que o Estado vem demonstrando, ao longo dos anos, limites
em administrar as unidades prisionais. As empresas garantem o pagamento de
salários, diminuindo o ócio e criando oportunidades para a inserção futura no
mercado de trabalho.

Ainda, as empresas ficam sob a fiscalização do Estado, o que impede a


má-fé dos gestores das empresas, que apenas possuem o direito de empreender
quando saem vitoriosos de um processo licitatório, que é, por foça de lei, um

82
TÓPICO 1 — O ESTADO E OS LIMITES NA GESTÃO DOS SERVIÇOS PENAIS

procedimento rigorosamente controlado pela Administração Pública. Em outras


palavras, o Estado estabelece as regras para propor um edital público, adequadas
ao interesse público, com critérios que garantem a seleção de empresas,
tecnicamente, capacitadas para celebrar o contrato.

Visualize uma comparação das vantagens e das desvantagens da


privatização dos presídios.

QUADRO 1 – AS VANTAGENS DA PRIVATIZAÇÃO

Vantagens
1- Aumento do número de vagas no sistema prisional, diminuindo os problemas de superlotação
dos presídios.
2- Tratamento mais digno ao apenado, inclusive com oportunidades de educação formal e
profissionalizante.
3- Economia de recursos públicos com a manutenção do preso.
4- Possibilidade de realizar-se um trabalho mais eficaz de ressocialização do preso.
5- Condições reais de trabalho remunerado na prisão e consequente remissão da pena.
6- Eliminação de motins e rebeliões dos presos.
7- Aumento do policiamento ostensivo nas ruas, efetuado pelos policiais militares que hoje
atuam nos presídios.
8- Diminuição da corrupção no serviço público do sistema carcerário.
9- Melhora da imagem do preso junto à sua comunidade.
10- Possibilidade legal de remanejar ou excluir do quadro de funcionários aqueles que não
desenvolvam a contento suas atribuições ou hajam cometido infrações.
11- A Privatização é uma alternativa viável à falta de recursos do Estado.
12- Com a gestão prisional feita através das PPPs, diminui o índice de reincidência criminal.

FONTE: Veneral (2020, p. 62-63)

QUADRO 2 – AS DESVANTAGENS DA PRIVATIZAÇÃO

Desvantagens/Obices
1- O preso passa a ser entendido como mercadoria, uma vez que serve a um processo comercial,
a um negócio que visa ao lucro, estabelecendo uma relação de caráter mercantil, onde se retira
lucro da criminalidade.
2- Uma vez entendido como produto, o individuo preso perde sua dignidade e o princípio da
individualização da pena fica comprometido.
3- Corre-se o risco de se tomar a Lei de Execução Penal como forma de alcançar resultados
quantitativos apenas, com vistas a gerar lucros para as empresas.
4- Poderá ocorrer o monopólio de algumas empresas.
5- O Estado não está preparado para supervisionar e fiscalizar a atuação das empresas parceiras.
6- O trabalho penitenciário exercido pelo apenado pode servir mais às empresas do que a eles
próprios, configurando mão de obra de baixo custo.

83
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

7- O custo financeiro de um preso instalado em um presídio privatizado seria muito alto e até mais
elevado do que o custo despendido nos complexos prisionais administrados exclusivamente
pelo Estado.
8- A execução da pena tem caráter indelegável, cabendo exclusivamente ao Estado sua condução.
9- Aprivatização dos presídios não garante a ressocialização do preso.

FONTE: Veneral (2020, p. 63)

Pelo que foi, brevemente, analisado neste tópico, pode-se compreender


que o debate a respeito da gestão das unidades prisionais não é simples, porém,
necessário.

84
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Pela Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84 – LEP) e pela Constituição Federal
de 1988, que estabelecem os direitos e os deveres dos detentos na esfera da
execução penal, é dever do Estado implementar programas e ações no sistema
prisional com vistas à ressocialização do detento.

• O Estado vem, desde os fins do século XX, enfrentando sérios problemas na


gestão do sistema prisional, como decorrência da superlotação dos presídios e
limites orçamentários, para garantir uma administração eficiente e que atenda
aos ditames da ordem constitucional.

• A própria CF de 1988 estabeleceu diretrizes para um novo modelo de gestão,


baseado na descentralização político-administrativa, na responsabilidade do
Estado e na participação da sociedade civil na formulação e no controle das ações
governamentais em todos os níveis, inclusive, a gestão das unidades prisionais.

• Como estratégia para superação dos permanentes desafios de gestão do


sistema prisional, a partir da década de 1980, o Brasil adotou a privatização
como alternativa, através da parceria público-privada.

• Ainda, é tímida a experiência de gestão privada dos presídios, porém, se há


êxitos que devem ser considerados, por outro lado, há pontos problemáticos que
merecem amplos debates do poder público e da sociedade brasileira, em geral.

85
AUTOATIVIDADE

1 O sistema penitenciário brasileiro é regido pela Lei de Execuções Penais (Lei


n° 7.210/84 – LEP) e pela Constituição Federal de 1988. Ambas as previsões
legais estabelecem os direitos e os deveres dos detentos na esfera da execução
penal, de forma a garantir condições para a anunciada reintegração social
do condenado. Sobre o que os diplomas legais determinam, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Cabe, exclusivamente, à iniciativa privada, implementar programas e


ações no sistema prisional.
b) ( ) Cabe, ao Estado, o dever de implementar programas e ações no sistema
prisional.
c) ( ) A competência para a gestão dos presídios não é prevista pela
Constituição Federal de 1988.
d) ( ) A competência para gerenciar os presídios brasileiros não cabe ao
Estado.

2 A privatização é um processo de venda ou de transferência de uma


empresa ou de uma instituição pública e a responsabilidade de prestação
de serviço ao usuário para o setor privado. Acerca da privatização, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) A privatização é feita, exclusivamente, através da venda de


estabelecimentos públicos para a iniciativa privada.
b) ( ) A privatização são medidas tomadas a fim de reduzir a presença do
Estado e de prestigiar a iniciativa privada.
c) ( ) A privatização, por promover a desregulação do Estado, não é admitida
no Brasil.
d) ( ) A privatização não é admitida na gestão de presídios.

3 Especificamente, em se tratando da delegação dos serviços públicos para


a iniciativa privada, a privatização dos presídios se caracteriza como a
utilização de meios privados para contemplar uma finalidade pública
através da delegação. Acerca da delegação da gestão da prestação de
serviços, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Delegação é a hipótese em que há a exploração da atividade pública


com o intuito de lucro.
b) ( ) Em caso de delegação de serviço público para a iniciativa privada, não
é admitida a obtenção de lucros.
c) ( ) Caso o Estado delegue serviços públicos para a iniciativa privada, não
podem, os interesses privados, usufruir de um bem público.
d) ( ) Delegação é um instituto não admitido pela Constituição Federal de 1988.

86
4 No Brasil, resumidamente, as modalidades de transferência, pelo Estado,
à iniciativa privada, da oferta de serviços sociais, são: terceirização,
concessão ou permissão e as parcerias público-privadas. Disserte a respeito
do instituto da concessão.

5 Um dos pontos problemáticos é a lógica que leva os entes privados à


exploração desse ramo: o lucro obtido pela exploração do trabalho do
detento. Essa exploração, em nome da ressocialização, é discutível.
Pergunta-se: como é regulado, no Brasil, o trabalho dos apenados no
interior dos presídios?

87
88
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O


SISTEMA DE CONTROLE

1 INTRODUÇÃO
O agente penitenciário é o trabalhador diretamente responsável pela
vigilância, escolta e guarda dos detentos. Tem, como tarefa, a manutenção de um
ambiente organizado e controlado, prezando pela integridade física dos presos. É a
profissão que tem contato direto com os detentos de altos graus de periculosidade.

É subordinado às Secretarias do Estado de Administração Penitenciária,


ingressa na carreira através de concurso público estadual ou federal, com
atividades que envolvem custódia dos detentos, manutenção e controle das
unidades prisionais: monitoramento de atitudes suspeitas; apreensão de material
ilícito, de acordo com as normas da instituição prisional; revista pessoal de
detentos dos visitantes e dos veículos que circulam nos presídios; controle de
rebeliões e manifestação indevidas; cuidado para que não ocorra depredação do
patrimônio; e acompanhamento de toda a movimentação e deslocamento interno
para refeições, lazer, canteiro de trabalho, enfermaria e momentos de assistências
social e jurídica.

O tema central de nossos estudos, agora, será o profissional do sistema


prisional, o qual, como as demais categorias, é parte integrante do Sistema de
Segurança Pública, sendo extremamente relevante, na medida em que prestam
serviços públicos essenciais de custódia e de vigilância de presos. Vive em um
sistema que produz marcas e estigmas que o marcam profundamente.

2 O PROFISSIONAL DO SISTEMA PRISIONAL


O profissional do sistema prisional, assim como as demais categorias que
compõem o Sistema de Segurança Pública, é extremamente relevante, na medida
em que presta serviços públicos essenciais de custódia e de vigilância de presos.

Viver no sistema prisional produz profundas marcas e estigmas nos


detentos e nos agentes penitenciários. O sistema penitenciário é hostil e violento.
Os que, nele, ingressam, estão sujeitos a serem estigmatizados, socialmente, por
conviverem com os “indesejáveis”, e carregarem essa “marca” por toda a vida.

89
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

NOTA

O que é estigma?

Estigma é um termo criado no antigo mundo grego, utilizado para designar
marcas ou sinais corporais que evidenciavam ser o sujeito portador de algo muito bom
ou muito mal. Com o cristianismo, a palavra passou a significar os sinais corporais divinos
como distúrbios físicos. No estudo da sociologia, o conceito de estigma social está
relacionado com as características particulares de um grupo ou de um indivíduo que segue
o oposto das normais culturais tradicionais de uma sociedade, ou seja, tudo o que não é
considerado um padrão cultural social. Por exemplo, durante alguns anos, doentes mentais,
negros, homossexuais e membros de algumas doutrinas religiosas, como os judeus, eram
considerados estigmas para determinadas sociedades. Para muitos estudiosos, isso ajuda a
provocar a criminalização de alguns grupos excluídos socialmente.

FONTE: <https://www.significados.com.br/estigma/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A desvalorização do trabalho e o drama enfrentado pelos agentes


penitenciários foram traduzidos na obra de Dráuzio Varella, Carcereiros, publicada
em 2012, que, como médico carcerário voluntário por mais de 23 anos, relata a
rotina dos agentes penitenciários que, em não raras vezes, colocam as próprias
vidas em risco, aprendendo a ter “jogo de cintura” e “bom humor” para exercer
a função. A obra retrata um mundo desconhecido por quem está do “lado de
fora” dos muros, inclusive, pelos próprios familiares dos agentes. Moraes (2005)
nos lembra de que, na percepção da sociedade, a única diferença entre o agente
penitenciário e o preso é o colete usado pelos carcereiros.

DICAS

Sugerimos que você assista ao filme Carcereiros, disponível em https://www.


youtube.com/watch?v=COC85tuSSp8.

Além de estigmatizados e estereotipados pela mídia e pelo imaginário


social, assim como os policiais militares e civis, os agentes prisionais adquirem
enfermidades decorrentes do trabalho, como insônia, depressão, paranoia,
dependência química, dentre outras.

Em um segundo momento, os agentes penitenciários se tornam


passíveis de outro tipo de estigma decorrente de psicopatologias
do trabalho, como: insônia, nervosismo, depressão, estresse,

90
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

paranoia, dependências químicas. Passam a ser estigmatizados pelos


próprios colegas de profissão, pelos quais passam a ser chamados,
pejorativamente, de “xaropes”, “beberrões” ou “gardenal”. Não
obstante, reconhece-se que “a classe dos agentes necessita de
acompanhamento, todos [os agentes penitenciários] necessitam.
Procuro ajuda, conversar, desabafar, o que, para o agente, é algo
necessário” (agente penitenciário) (SILVEIRA, 2009, p. 8).

Agentes penitenciários são servidores públicos que têm as


responsabilidades de manutenção, fiscalização, segurança e disciplina nos
estabelecimentos prisionais. São encarregados de movimentar a cotidiana
dinâmica da população encarcerada.

FIGURA 9 – O APRISIONAMENTO DO AGENTE

FONTE: <https://static.ndmais.com.br/2019/08/Penitenci%C3%A1ria-de-Florian%C3%B3polis_
Anderson-Coelho_-5-12-1300x867.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A atividade do agente prisional

se trata de uma função intrínseca do universo carcerário, capaz, por si


só, de caracterizar esse ambiente. A função é a de assegurar que nada
ocorra em violação às regras da prisão, sejam as disciplinares ou as
de segurança. O trabalho é, essencialmente, preventivo: ele deve se
manter atento e ser capaz de detectar e de interpretar, corretamente,
indícios de perturbação da ordem ou de ameaças à segurança. Isso
requer o domínio de um saber que é, essencialmente, prático na sua
origem: não está codificado, é intransmissível por métodos formais e
de difícil reprodução em curto prazo (COELHO, 2005, p. 97).

91
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Historicamente, a função de agente prisional acompanha a própria


trajetória da humanidade, e é associada a maus tratos, torturas e execuções. Vigiar,
punir e, em alguns momentos, executar, são atividades consideradas necessárias.
Carrasco, carcereiro, guarda de prisão são as nominações dadas à atual função do
agente penitenciário.

Na clássica obra de Michel Foucault, Vigiar e Punir (1993), é discutido


como foi sendo elaborada a figura do carrasco, associada ao ritual do suplício,
que a aproximava da selvageria.

Como as funções da cerimônia penal deixavam, pouco a pouco, de ser


compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito, que dava um “fecho”
ao crime, mantinha, com ele, afinidades espúrias: igualando-o, ou, até
mesmo, ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores
a uma ferocidade, a partir da qual todos queriam vê-los afastados,
mostrando-lhes a frequência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer
com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo-se, no último
momento, os papéis, fazendo, do supliciado, um objeto de piedade e
de admiração (FOUCAULT, 2021, p. 13).

Desde a leitura de Foucault (2021) que se compreende como, ao longo


dos tempos, com a mudança dos suplícios do corpo, na etapa medieval, ao
encarceramento do criminoso, na modernidade, vai se definindo a função de
agente penitenciário, passando de carrasco e executor à vigilante da punição e
responsável pelo retorno do apenado ao convívio social.

É escassa a literatura a respeito da construção histórica da função e da


identidade dos agentes prisionais. Lopes (1998) afirma ser o Decreto n° 3.706, de
29 de abril de 1924, o primeiro documento que normatiza a função e os requisitos
necessários para a atividade de guarda de presídio: idade mínima de 21 anos
e máxima de 45, bons antecedentes, brasileiro e gozar de boa saúde, sendo, a
seleção, feita pelo diretor do estabelecimento prisional. Relata, ainda, a referida
autora, que os que se sujeitavam à função eram alguém da família, já do sistema,
ou estava desempregado.

Considerados, historicamente, como meros auxiliares, os agentes


penitenciários são invisibilizados no cotidiano. Acabam sendo os que convivem no
interior das prisões com os “indesejáveis” e os segregados, e, institucionalmente,
responsáveis pela tutela, pela mudança de atitudes e por acautelar os encarcerados.

Um dos graves problemas ao qual são submetidos os agentes prisionais


é o fenômeno da prisionalização. O termo se refere ao estudo realizado por
Donald Clemmer, em 1970, e é a principal consequência da ação do sistema
prisional na vida das pessoas que convivem na comunidade carcerária (CHIES,
2008). O linguajar, os hábitos e os comportamentos acabam por ser absorvidos
por todos que são parte do sistema prisional: detentos e agentes. “Por meio da
prisionalização, o indivíduo incorpora, assimila, aprende, integra-se e adota, em
menor ou em maior grau, e de forma mais ou menos consciente, os valores, os
padrões e as práticas vigentes no sistema social da prisão” (CHIES, 2008, p. 72).

92
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

Termos, como “arregaçar”, o mesmo que “botar pra quebrar”, espancar,


se dar bem, como vamos arregaçar a fita, vamos arregaçar o Giba; “barca”,
viatura policial maior que realiza escoltas ; “berro”, revólver; “bicuda”, faca,
“dar atividade”, função de olheiro; “farinha”, cocaína; “ficar na fé”, expressão
de despedida, como um adeus; “bater cadeado”, fechar as selas, e tantas
outras gírias são expressões que, variando de unidade para unidade prisional,
vão construindo um código utilizado, também, pelos agentes prisionais, que
caracterizam o fenômeno da prisionalização. É um processo considerado uma
“quebra” ou “fragmentação” da subjetividade do servidor, permanentemente,
submetido a uma sociabilização distinta daquela que há na “vida extramuros”.

O agente de segurança relata que a vivência cotidiana nas prisões,


o fato de estar, também, atrás das grades, gera, após certo período
de trabalho na impressão, de que ele, também, está cumprindo.
Consequentemente, o comportamento sofre uma alteração. [...]
Manifesta-se uma série de comportamentos similares aos dos
sentenciados – linguagem e gestos –, os quais o agente passa a
expressar (LOPES, 1998, p. 134).

A pandemia da COVID-19 impactou, diretamente, na saúde mental


dos agentes prisionais, fazendo com que sete, entre dez agentes penitenciários,
apresentassem transtornos mentais.

NOTA

Leia a pesquisa em forma de reportagem transcrita a seguir.

A SAÚDE MENTAL DOS AGENTES PRISIONAIS DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

Pesquisa feita entre policiais penais e agentes prisionais de todo o país revelou
que a maioria deles, 73,7%, relatou ter a saúde mental afetada por causa da pandemia da
COVID-19, e que o apoio institucional para lidar com essas emoções chegou a 5,1% deles.
 
De acordo com a segunda fase da pesquisa Pandemia da COVID-19 e os Agentes
Prisionais e Policiais Penais no Brasil, na percepção de 82,2% dos agentes prisionais, as
tensões entre presos aumentaram após o início da pandemia.

A pesquisa foi feita pelo Núcleo de Estudos da Burocracia, da Fundação Getúlio


Vargas (NEB/FGV), por meio de entrevista online a 613 profissionais da polícia penal de todas
as regiões do Brasil, entre os dias 15 de junho a 1° de julho. Foram coletadas informações a
respeito da percepção dos profissionais acerca dos impactos da pandemia da COVID-19 no
trabalho, no bem-estar e nas relações com os presos.

"É um tipo de trabalho para o qual não existe home office, eles não podem ficam em casa,
precisam continuar fazendo o trabalho presencial e isso os coloca em um risco muito
grande de serem contaminados e, ao mesmo tempo, de serem um vetor de transmissão,
porque, no sistema penitenciário, a doença não existe, a não ser que entre, a não ser que
alguém leve. Agora, as visitas estão suspensas. Esses profissionais são o único vetor de

93
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

transmissão possível, caso não haja ninguém contaminado lá dentro", afirmou uma das
coordenadoras da pesquisa, Gabriela Lotta. Segundo a pesquisa, dentre os motivos para o
aumento da tensão entre os detidos, os profissionais apontam a falta de contato com os
familiares, de informações do cenário real da pandemia, o medo de se contaminarem, a má
alimentação e o isolamento. “Se pensarmos na perspectiva desse trabalhador, a situação é
muito crítica. Ele trabalha em um lugar sabidamente insalubre, com superlotação e já sob
tensão na normalidade. Durante a pandemia, essas condições se agravam, gerando alto
sofrimento, ansiedade e estresse”, analisa Gabriela. O medo de contrair o novo coronavírus
é o sentimento predominante nas duas fases da pesquisa, sendo que, neste momento,
80% dos respondentes relatam temer a contaminação. "Nós tivemos um crescimento do
número de presos contaminados, de presos que já morreram e de policiais penais nessas
duas situações". A maioria (87%) dos agentes penitenciários afirmou conhecer um colega
de trabalho que foi diagnosticado com COVID-19, e 67,8% deles conhecem algum preso que
contraiu a doença. "Isso mostra que, provavelmente, temos uma enorme subnotificação,
também, dos dados de contágio no sistema prisional".

Quando questionados a respeito de se sentirem preparados para lidar com


a pandemia da COVID-19, 69% dos entrevistados disseram não se sentir aptos ou em
condições emocionais. Dentre as razões para esse sentimento, está o fato de que 48,8%
dos entrevistados receberam Equipamento de Proteção Individual (EPI). "Isso mostra uma
realidade muito ruim, na qual mais de 50% dos profissionais compram a própria máscara
ou não utilizam dentro do sistema prisional. Esse dado também mostra que os Estados
não estão consolidados com a ideia de que o sistema precisa ter equipamento, ou não
está fornecendo, o que onera esse funcionário, ao ter que comprar, e nós não sabemos
a qualidade do que ele mesmo compra". A pesquisa revelou, ainda, que só 12,1% dos
entrevistados receberam treinamento para enfrentar o novo coronavírus, o que, segundo
Gabriela, é importante, porque a pandemia muda, radicalmente, o tipo de trabalho de quem
está dentro do presídio. "Ele precisa se afastar, precisa trabalhar com novas metodologias
para fazer escolta, revista ou qualquer tipo de interação com o preso. Se ele não tem
treinamento, isso significa que está sendo exposto a experimentações, a procedimentos
que não são baseados em evidências e que podem aumentar a contaminação”. Gabriela
destacou que a testagem, que seria essencial nesse tipo de atividade, só foi feita por 23%
desses trabalhadores. "Isso varia nos Estados, mas, ainda assim, o Estado que testou mais foi
40%. Esse profissional não pode entrar no presídio se estiver contaminado. O teste é uma
forma de tirar, da linha de frente, um agente que esteja doente assintomático, por exemplo,
e que pode levar a doença para dentro”. "Os agentes prisionais relatam, na pesquisa, que
houve, da sua parte, mudança nas interações com os presos (85,3%) e nas dinâmicas de
trabalho (80,4%), com aumento de protocolos pessoais de higiene, distanciamento dos
colegas de trabalho e elevada demanda de serviço por causa da redução dos servidores na
ativa. O distanciamento ou a frieza e o medo, em relação aos presos, são os sentimentos
mais comuns, respectivamente, para 49% e 47% dos respondentes”.

FONTE: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-08/agentes-prisionais-tiveram-
saude-mental-abalada-na-pandemia>. Acesso em: 24 abr. 2021.

3 AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A ATIVIDADE DO


AGENTE PRISIONAL
As legislações que regem a atividade do profissional do sistema prisional
passaram por inúmeras alterações desde o advento da Lei de Execução Penal
(LEP), de 1984.

94
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

Inicialmente, os Arts. 75 e 77, da Lei de Execução Penal, organizaram o


quadro de pessoal penitenciário em quatro categorias distintas, quais sejam:

• Pessoal administrativo (diretor e outros servidores que exercem funções


de chefia); e pessoal especializado (médicos, dentistas, assistentes sociais,
psicólogos etc.).
• Pessoal de instrução técnica (professores, especialistas em ofícios determinados,
educadores etc.).
• Pessoal de vigilância (guardas).

Na LEP, no Art. 75, é possível encontrar os requisitos necessários para o


cargo de diretor de unidade prisional:

Art. 75: O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá


contemplar os seguintes requisitos:
I- ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia,
ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviços Sociais;
II- possuir experiência administrativa na área;
III- ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho
da função.
Parágrafo único. O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas
proximidades, e dedicará tempo integral à função (BRASIL, 1984).

Com relação ao quadro do pessoal penitenciário, em geral, no Art. 76, da


LEP, há a previsão normativa em relação às diferentes categorias funcionais.

Art. 76. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em


diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço,
com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e
assessoramento do estabelecimento e às demais funções (BRASIL, 1984).

Finalmente, no Art. 77, da LEP, são expostos os critérios de escolha do


pessoal administrativo:

Art. 77. A escolha do pessoal administrativo, especializado, de


instrução técnica e de vigilância atenderá vocação, preparação
profissional e antecedentes pessoais do candidato (BRASIL, 1984).

Contudo, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, o


profissional do sistema prisional não foi elencado dentre os órgãos que iriam
compor o Sistema de Segurança Pública, conforme se extrai do Art. 144, da Carta
Magna brasileira.

Observe, no referido artigo transcrito a seguir, a previsão constitucional


da organização da segurança pública no Brasil.

Art.  144.  A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:

95
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

I- polícia federal;
II- polícia rodoviária federal;
III- polícia ferroviária federal;
IV- polícias civis;
V- polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI- polícias penais federal, estadual e distrital.
§  1°  A polícia federal, instituída, por lei, como órgão permanente,
estruturado em carreira, destina-se a:
I- apurar infrações penais contra as ordens política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou das entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações,
cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e
exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II- prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e
de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III- exercer as funções das polícias marítima, aérea e de fronteiras;
IV- exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União.
§ 2° A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em
carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das
rodovias federais.
§ 3° A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em
carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das
ferrovias federais.
§ 4° Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5° Às polícias militares, cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6° As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, as forças
auxiliares e a reserva do Exército se subordinam, com as polícias civis,
aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios.
§  7° A Lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência
das atividades.
§ 8° Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas
à proteção de bens, serviços e instalações, conforme dispuser a Lei
(BRASIL, 1988).

Cabe lembrar que cada Estado federado, com a autonomia política-


administrativa, é responsável pela criação, regulamentação e provimento dos
profissionais do sistema prisional, contudo, com uma realidade salarial e de
condições de trabalho muito além do desejado, razão pela qual, em cada ente da
federação, encontramos determinações específicas, criadas por legislação própria,
especialmente, através das Secretarias de Estado da Administração Prisional.

96
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

DICAS

Consulte, pela internet, o site das Secretarias de Estado da Administração


Prisional do seu Estado e conheça os manuais de procedimento, o processo seletivo, os
programas etc. Exemplos:

• Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo: http://www.sap.sp.gov.br/.


• Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais: http://www.
seguranca.mg.gov.br/.
• Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa de Santa Catarina:
https://www.sap.sc.gov.br/.

A realidade começou a ser transformada com a implementação do Sistema


Penitenciário Federal, por meio das construções das penitenciárias federais nos
moldes das supermax norte-americanas, e com a criação da carreira de agente
penitenciário federal no quadro de pessoal do Ministério da Justiça.

Inicialmente, a legislação estabelecia que as atribuições do cargo


de agente penitenciário federal eram para o exercício das atividades de
atendimento, vigilância, custódia, guarda, assistência e orientação de pessoas
recolhidas aos estabelecimentos penais federais e às dependências do
Departamento de Polícia Federal.

A Lei Federal n° 13.327/2016, em consonância com o que estabelecia a


Lei de Execução Penal, as atividades de naturezas técnica, administrativa e de
apoio relacionadas foram incluídas nas atribuições do agente. Portanto, o Serviço
Penitenciário Federal (DEPEN), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança
Pública, é específico, inclusive, rotina diferenciada, como veremos adiante.

DICAS

Conheça um pouco do Sistema Penitenciário Federal, lendo o artigo Sistema


Penitenciário Federal: O Regime Prisional de Líderes de Organizações Criminosas, de
Walter Nunes, disponível em http://rbepdepen.depen.gov.br/index.php/RBEP/article/view/
dossie4/dossie4.

O artigo analisa a origem do sistema penitenciário federal, criado em 2006, com


finalidade específica. Ainda, apresenta e discute a legislação, que trata dos presídios federais,
que serão objeto de estudo na Unidade 3.

97
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

A fim de se estabelecer uma atuação conjunta, coordenada, sistêmica e


integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos municípios, foi promulgada a Lei Federal n° 13.675/2018,
que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política
Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS).

A Lei Federal n° 13.675/2018 elencou, no Art. 9°, § 2°, inciso VIII, os órgãos,
do sistema penitenciário, como integrantes operacionais do Sistema Único de
Segurança Pública (Susp), evidenciando, assim, a importância dos profissionais
do sistema prisional.

O Sistema Único de Segurança Pública (Susp) inovou, ainda, ao estabelecer,


como suas diretrizes, previstas no Art. 5°, da Lei Federal n° 13.675/2018, a
sistematização e o compartilhamento das informações de segurança pública,
prisionais e sobre drogas, em âmbito nacional e fomento de políticas públicas
voltadas à reinserção social dos egressos do sistema prisional.

Elencou, ainda, como os seus objetivos, no Art. 6°, da Lei Federal n°


13.675/2018, a racionalização e a humanização do sistema penitenciário e de
outros ambientes de encarceramento.

Com a promulgação da Emenda Constitucional n° 104/2019, surgiu a


criação das polícias penitenciárias como órgãos de segurança pública nos âmbitos
federal, estadual e distrital, conferindo, aos agentes penitenciários, os direitos
inerentes à carreira policial, e liberando os policiais civis e militares das atividades
de guarda e de escolta de presos.

FIGURA 10 – POLÍCIA PENAL – UMA VALORIZAÇÃO DOS SERVIDORES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

FONTE: < https://conexaoto.com.br/image/76831_350x210_width.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

98
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

Nota-se que a Emenda Constitucional n° 104/2019 trouxe um grande


avanço para os profissionais do sistema prisional, uma vez que confere, a eles,
direitos inerentes à carreira policial, além de incluir, em uma das atribuições, as
atividades de guarda e de escolta de presos, antes, conferidas aos policiais civis
e militares.

Leia o breve artigo a seguir, a respeito das alterações decorrentes da


Emenda Constitucional n° 104, publicada em 4 de dezembro de 2019, que criou as
polícias penais federais, estaduais e distritais e alterou o Art. 144, da Constituição
Federal, incluindo o parágrafo VI:

Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
[....]
VI- polícias penais federal, estadual e distrital.
(BRASIL, 1988).

NOTA

[...] Em decorrência da presente alteração, diversos candidatos de concursos


públicos de AGEPEN (Agentes Penitenciários) e ASP (Agente de Segurança Prisional), de
diversos Estados do Brasil, além dos VPT (Vigilantes Penitenciários Temporários), que
prestam processos seletivos simplificados para integrarem a administração penitenciária,
ficaram com dúvidas a respeito de quais são as implicações e as consequências práticas do
que vem a significar se tornarem POLÍCIA PENAL.

1- Somente poderá ser servidor público da Polícia Penal através de Concurso Público.

Com a nova atualização legislativa no âmbito constitucional, agora, quem


deseja se tornar servidor público e ser um policial penal, somente pode ser por meio de
concursos públicos, portanto, a alteração provocada pela Emenda Constitucional 104
deixou bem claro e evidente que somente consegue ingressar no quadro de servidores
da administração penitenciária por meio de concursos públicos, por conseguinte, vedou/
proibiu a contratação temporária para exercer a função de policiais penais, conforme se
pode verificar pela literalidade do Art. 4°, da Emenda 104, de 2019:

Art. 4° O preenchimento do quadro de servidores das polícias


penais será feito,  exclusivamente, por meio de concurso
público  e por meio da transformação dos cargos isolados,
dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos
cargos públicos equivalentes.

2- Proibição de contratações temporárias para serem Agentes Penitenciários.

Quando a atualização legislativa, por meio da Emenda Constitucional 104, evidencia


que o preenchimento do quadro das polícias penais se dá por meio de concurso, isso deixa
claro que existe uma vedação para as contratações de temporários. Portanto, a partir da

99
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

entrada em vigor dessa respectiva legislação, os Estados da Federação devem suspender


as realizações de processos seletivos para vigilantes penitenciários temporários e começar
a preencher todos os cargos necessários à administração pública penitenciária, através
de servidor público efetivo. Inclusive, o Art. 4°, supracitado, é bem claro, ao mencionar
que, até mesmo, os cargos isolados, os de carreiras dos atuais agentes penitenciários
e os públicos equivalentes deverão ser transformados em polícias penais. Logo, aos
poucos, de forma gradual, e à medida que forem aprovadas novas regulamentações e
leis para o procedimento, os Estados deverão substituir os VPTs (Vigilantes Penitenciários
Temporários) por policiais penais.

3- O Vigilante Penitenciário Temporário pode se tornar servidor público efetivo?

Após a publicação da PEC das polícias penais, a maior dúvida é a respeito da


possibilidade da efetivação dos temporários com essa nova emenda constitucional. Isso é
recorrente, devido ao fato de diversos Estados realizarem processos seletivos simplificados
para contratar temporários em detrimento dos candidatos de concursos públicos que,
antes, visavam ingressar nos quadros de agentes penitenciários de forma efetiva. Os
Estados acabavam gerando a chamada preterição, deixando de lado os candidatos para
cargo efetivo, e realizando apenas a contratação temporária, para preencher o déficit de
pessoal da administração penitenciária. Contudo, por diversas vezes, os tribunais estaduais,
além dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça),
reconheciam, como ilegal e inconstitucional, o preenchimento de vagas somente por meio
de temporários, enquanto existiam candidatos aprovados, legitimamente, em concursos
públicos, para AGEPEN, aguardando nomeação.

Muitos vigilantes penitenciários tinham os contratos renovados por períodos


ilimitados e acabavam ficando muito tempo prestando serviços para o Estado, mas não
tinham os direitos de  servidores públicos efetivos. Alguns ficavam com essa dúvida, se
conseguiriam a efetivação. Nesse caso, é importante ressaltar que a própria Constituição
Federal estabelece, no Art. 37, que a única forma de ingresso no cargo público é por meio
de concurso público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta, de qualquer


dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos municípios, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte: II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou do emprego, na forma prevista
em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão,
declarado, em lei, de livres nomeação e exoneração.

Logo, existe a regra, no sistema constitucional brasileiro, que a investidura em


cargos públicos depende, exclusivamente, de aprovação prévia em concurso público. No
entanto, com a aprovação da Emenda Constitucional 104, no Art. 4°, estabelece-se que
os cargos equivalentes são transformados em polícias penais, porém, o legislador não
deixa claro o que isso significa, portanto, abre margem para insegurança jurídica e diversas
interpretações (BASTOS, 2020).

FONTE: <https://www.migalhas.com.br/depeso/318597/agentes-penitenciarios-virou-policia-
penal--e-agora--quais-as-consequencias>. Acesso em: 24 abr. 2021.

100
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

Acerca dos profissionais do sistema prisional, Lipsky (2019), na obra


Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services, apresenta
um estudo acerca de um elo, envolvendo o Estado e os cidadãos, por meio dos
profissionais denominados de “burocratas de nível de rua”.

Conforme Lipsky (2019), os “burocratas de nível de rua” são os funcionários


estatais que realizam o atendimento aos cidadãos na etapa do ciclo de políticas
públicas em que a política pública (solução selecionada para determinado
problema) é, efetivamente, posta em prática: a implementação. Lipsky (2019),
na referida obra, dá, como exemplos, os policiais, os professores, e os agentes
prisionais, como “burocratas de nível de rua”.

O profissional do sistema prisional, sendo um “burocrata de nível de rua”,


no cotidiano, atua como intermediador de todas as atividades ligadas aos presos,
ao acesso (ou não) a bens e serviços, às saídas ao mundo exterior, ao contato com
as famílias, dentre outros aspectos, como demonstrado em diversas pesquisas
(ANDRADE et al., 2015).

Em que pese a existência das legislações e dos regulamentos, estabelecendo


as regras de condutas, de punições e de recompensas para os presos, no interior
dos estabelecimentos prisionais, é inegável os profissionais do sistema prisional
possuírem um campo vasto de discricionariedade para tomadas de decisões
referentes às sanções ou ao benefício a ser concedido.

Os custodiadores não somente têm o direito de emitir as ordens e os


regulamentos que devem guiar a vida do prisioneiro, mas, também,
têm os direitos de deter, julgar e punir qualquer indivíduo acusado
de desobediência – uma mescla de funções legislativas, executivas e
judiciais, o que tem sido considerado, há muito tempo, a marca da
dominação completa (LIPSKY, 2019, p. 13).

Assim, a atividade do profissional do sistema prisional é singular, uma


vez que cada estabelecimento prisional possui uma particularidade que, ainda
que exista um regramento para um tema específico, as rotinas diárias possibilitam
o exercício de discricionariedade para que se faça implementar essa normativa.

4 O PERFIL DO AGENTE PENITENCIÁRIO


O agente penitenciário, no passado, carrasco, que passou para carcereiro
e para guarda prisional, como vimos, é um trabalhador que teve as funções e
o perfil profissional transformados e adaptados às distintas faces históricas do
sistema punitivo.

É a voz da consciência e da civilização dentro do pavilhão (SÁ, 2009), sendo


os “olhos” do Estado e da sociedade na garantia da execução penal. Circulando
entre galerias, fiscalizando e vigiando os aprisionados, coibindo fugas e motins,

101
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

abrindo e fechando celas etc., é a “mola mestra” do sistema penitenciário, uma


vez que é o agente do Estado, diretamente relacionado à operacionalização da
execução da pena.

No ambiente complexo do sistema punitivo brasileiro, insere-se o agente


prisional no que se exige um perfil profissional específico.

Conheça, através do Manual do Estado do Paraná (DEPEN/PARANÁ,


s.d., s.p.), o perfil, em geral, necessário para o agente prisional:

01- APTIDÃO: que tenha disposição inata, um dom natural de lidar


com pessoas.
02- HONESTIDADE: que seja íntegro. Precisa ser parte exemplar da
instituição a que pertença e com conduta inatacável.
03- CONHECER FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES: distinguir, com
clareza, uma ação própria, de direitos e prerrogativas.
04- RESPONSABILIDADE: que tenha capacidade de entendimento
ético e uma determinação moral.
05- INICIATIVA: que seja capaz de propor ou empreender ações
iniciais e principiar conhecimentos.
06- DISCIPLINA: que a observância dos preceitos ou das normas seja
uma ação natural.
07- LEALDADE: que não seja apenas sincero e franco, mas,
principalmente, fiel aos compromissos e honesto com os pares.
08- EQUILÍBRIO EMOCIONAL: que a estabilidade mental seja
definida por ações comedidas e prudentes.
09- AUTORIDADE: que não tenha apenas direito ao poder, mas que
tenha o encargo de respeitar as leis com competência indiscutível.
10- LIDERANÇA: que o comando tenha tom condutor, um
representante de um grupo.
11- FLEXIBILIDADE: que a destreza, o bom senso e a transigência
estejam sempre a serviço do bem comum.
12- CRIATIVIDADE: que as capacidades de criação e de inovação
possam superar as adversidades.
13- EMPATIA: que saiba sempre se colocar no lugar do outro antes de
uma decisão importante.
14- COMUNICABILIDADE: que se comunique de forma expansiva
e franca.
15- PERSEVERANÇA: que seja firme e constante nas ações e nos ideais.

São atribuições básicas do agente prisional: efetuar a segurança da


unidade prisional em que atua, mantendo a disciplina, além de vigiar, fiscalizar,
inspecionar, revistar e acompanhar os presos ou internados, zelando pela ordem
e segurança deles.

Vejamos algumas das atribuições do agente prisional:

1- Participar das propostas para definir a individualização da pena e o


tratamento, objetivando a adaptação do preso e a reinserção social.
2- Atuar como agente garantidor dos direitos individuais do preso
nas ações.
3- Receber e orientar presos quanto às normas disciplinares,
divulgando os direitos, os deveres e as obrigações, conforme as
normativas legais.

102
TÓPICO 2 — OS TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PENAIS E O SISTEMA DE CONTROLE

4- Revistar presos e instalações.


5- Prestar assistência aos presos e internados, encaminhando-os para
atendimento nos diversos setores, sempre que isso se fizer necessário.
6- Verificar as condições de segurança comportamental e estrutural,
comunicando as alterações à chefia imediata.
7- Acompanhar e fiscalizar a movimentação de presos ou internados
no interior da unidade.
8- Acompanhar presos em deslocamentos diversos, de acordo com
as determinações legais.
9- Efetuar a conferência periódica dos presos ou internados, de
acordo com as normas de cada unidade.
10- Observar o comportamento dos presos ou internados nas
atividades individuais e coletivas.
11- Não permitir o contato de presos ou internos com pessoas não
autorizadas.
12- Revistar toda pessoa previamente autorizada que pretenda
adentrar no estabelecimento penal.
13- Verificar e conferir os materiais e as instalações do posto, zelando
por eles.
14- Controlar a entrada e a saída de pessoas, veículos e volumes,
conforme as normas específicas da unidade.
15- Conferir documentos, quando da entrada e da saída de presos da
unidade.
16- Operar o sistema de alarme, monitoramento audiovisual e demais
sistemas de comunicação interno e externo.
17- Executar outras atividades correlatas (DEPEN/PARANÁ, s.d., s.p.).

Em síntese, o agente prisional é o profissional que, diretamente, sofre a


hostilidade e a fragilidade do sistema penitenciário. É o personagem que vivencia a
violência no cotidiano, adquirindo enfermidades e estigmas que o acompanham
pelo resto da vida.

103
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O profissional do sistema prisional, assim como as demais categorias que


compõem o Sistema de Segurança Pública, é extremamente relevante, na
medida em que presta serviços públicos essenciais de custódia e de vigilância
de presos.

• Além de estigmatizados e estereotipados pela mídia e pelo imaginário social,


assim como os policiais militares e civis, os agentes prisionais adquirem
enfermidades decorrentes do trabalho, como insônia, depressão, paranoia,
dependência química, dentre outras.

• As legislações que regem a atividade do profissional do sistema prisional


passaram por inúmeras alterações, desde o advento da Lei de Execução Penal
(LEP), de 1984.

• A Emenda Constitucional n° 104/2019 trouxe um grande avanço para os


profissionais do sistema prisional, uma vez que confere, a eles, direitos inerentes
à carreira policial, além de incluir, em uma das atribuições, as atividades de
guarda e de escolta de presos, antes, conferidas aos policiais civis e militares.

• São atribuições básicas do agente prisional: efetuar a segurança da unidade


prisional em que atua, mantendo a disciplina, além de vigiar, fiscalizar,
inspecionar, revistar e acompanhar os presos ou internados, zelando pela
ordem e pela segurança deles.

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104
AUTOATIVIDADE

1 Agentes penitenciários são servidores públicos que têm as responsabilidades


de manutenção, fiscalização, segurança e disciplina nos estabelecimentos
prisionais. São encarregados de movimentar a cotidiana dinâmica da
população encarcerada. Acerca das funções do agente penitenciário,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) São atividades que envolvem a custódia dos detentos, a manutenção e


o controle das unidades prisionais.
b) ( ) São atividades que envolvem, exclusivamente, a custódia dos detentos.
c) ( ) Não atuam na fiscalização e na inspeção dos presos ou internados.
d) ( ) Possuem as mesmas atividades dos policiais militares.

2 As legislações que regem a atividade do profissional do sistema prisional


passaram por inúmeras alterações, desde o advento da Lei de Execução
Penal (LEP), de 1984. Acerca dos requisitos necessários para o cargo de
diretor de unidade prisional, estão previstos:

a) ( ) No Art. 75, da Lei de Execução Penal.


b) ( ) No Código Civil.
c) ( ) Na Consolidação das Leis do Trabalho.
d) ( ) O diretor de unidade prisional não necessita de experiência
administrativa, mas conhecer o cotidiano dos presídios.

3 Com a promulgação da Emenda Constitucional n° 104/2019, houve a criação


das polícias penitenciárias, como órgãos de segurança pública nos âmbitos
federal, estadual e distrital, conferindo, aos agentes penitenciários, os
direitos inerentes à carreira policial, e liberando os policiais civis e militares
das atividades de guarda e de escolta de presos. Acerca da Emenda
Constitucional n° 104/2019, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Criou as polícias federais e distritais, alterando o Art. 144, da


Constituição Federal.
b) ( ) Criou o cargo de agente penitenciário estadual.
c) ( ) Não alterou a Constituição Federal, porque segurança pública é
cláusula pétrea.
d) ( ) Extinguiu os cargos de policiais penais, substituindo-os por policiais
penitenciários.

4 A Emenda Constitucional n° 104/2019 trouxe um grande avanço para os


profissionais do sistema prisional, uma vez que confere, a eles, direitos
inerentes à carreira policial, além de incluir, em uma das atribuições, as
atividades de guarda e de escolta de presos, antes, conferidas aos policiais
civis e militares. Analise a alteração constitucional promovida pela referida
Emenda quanto aos órgãos responsáveis pela segurança pública.
105
5 Cada Estado federado, com autonomia política-administrativa, é
responsável pela criação, pela regulamentação e pelo provimento dos
profissionais do sistema prisional. Pergunta-se: com a criação do Sistema
Penitenciário Federal, ocorreram alterações em relação ao agente prisional?

106
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes debates no campo da segurança pública brasileira é
a questão do controle dos presídios. O encarceramento em massa, somado às
precárias condições a que os detentos são submetidos, é uma “bomba-relógio”,
que pode “explodir”, como tem “explodido”, a qualquer momento. O resultado
é um saldo de centenas de mortos. A falta de controle da Administração Pública,
nos presídios, fica evidente e inegável quando se observa o controle das facções
no interior do sistema.

Com esse contexto, discutiremos, agora, o tema gestão e controle dos


detentos. Historicamente, o sistema de controle da punição foi se reinventando até
chegar, nos dias de hoje, marcado por tentativas de buscar como o condenado,
após o cumprimento da reprimenda, pudesse retornar ao convívio em sociedade.
Entretanto, as prisões, como instituição total, nos termos da lei, exigem que o
apenado esteja em constante vigilância, e, havendo o desrespeito aos deveres, deve-
se aplicar penalidades. Nessa lógica, as faltas graves ocorridas são reprimidas.

Discutiremos os procedimentos repressivos de controle com a finalidade


de manter a disciplina, segundo a definição legal. Para tanto, brevemente,
diferenciaremos o emprego dos armamentos letal e não letal no controle prisional,
a rotina e os procedimentos nas unidades prisionais.

2 O SISTEMA DE CONTROLE DOS DETENTOS


Como já estudado anteriormente, as prisões, no decorrer dos séculos,
passaram por inúmeras mudanças, sendo que, inicialmente, mais precisamente,
até o século XVII, eram utilizadas, apenas, para manter, sob guarda, os prisioneiros
até o julgamento. A partir desse marco, o sistema privativo de cumprimento de
pena foi surgindo, sobretudo, nas colônias americanas.

O modelo inicial das prisões tinha, como escopo, a visão punitiva e


redistributiva da pena, com a aplicação da regra do silêncio absoluto.

107
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Já no século XIX, começou-se a adotar o sistema progressivo de pena na


Europa, como embrião do que, hoje, conhecemos. Na colônia penal de Norfolk,
ilha situada entre a Nova Zelândia e a Nova Caledônia, por exemplo, em 1840,
o capitão inglês Maconochie, conforme o comportamento e/ou o trabalho do
apenado, distribuiu vales que, positivamente à condição, diminuíam a pena.

O fim do século XX, e o início do século XXI, foram marcados por


tentativas de buscar, com o condenado, após o cumprimento da reprimenda,
formas para que pudesse retornar ao convívio em sociedade. A implementação
da política de ressocialização dos apenados, em muitos países, dentre eles, o
Brasil, buscou a capacitação do egresso, permitindo-lhe, ao sair do sistema, ter
alguma ocupação lícita.

Para o melhor estudo e a compreensão adequada das instituições penais,


trazemos à baila dos ensinamentos os professores Erving Goffman (2019) e Michel
Foucault (2021).

[...] Uma instituição total pode ser definida como um local de


residência e trabalho onde um grande número de indivíduos
com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla
por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e,
formalmente, administrada.
[...]
Essas instituições totais não permitem qualquer contato entre o
internado e o mundo exterior, até porque o objetivo é excluí-lo,
completamente, do mundo originário, a fim de que o internado
absorva, totalmente, as regras internas, evitando-se comparações,
prejudiciais ao processo de "aprendizagem" (GOFFMAN, 2019, p. 11).

Essas instituições totais podem ser divididas em cinco grupos: o primeiro é


criado para cuidar das pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e inofensivas,
como em orfanatos e asilos; o segundo é destinado a cuidar de indivíduos
considerados incapazes de cuidar de si mesmos e que, também, constituem uma
ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional; neste tipo, pode-
se classificar os hospitais para doentes mentais. O terceiro tipo de instituições
é organizado para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-
estar das pessoas, assim isoladas, não constitui o problema imediato; classificam-
se as cadeias, as penitenciárias. Em quarto lugar, encontram-se as organizações
estabelecidas com a intenção de realizar, de modo mais adequado, alguma
tarefa de trabalho, e que se justificam, apenas, através de tais fundamentos
instrumentais, como quartéis, os navios. Por último, existem os estabelecimentos
destinados a servir de refúgio do mundo, embora, muitas vezes, são utilizados,
também, como locais de instrução para os religiosos, como os conventos e os
mosteiros (GOFFMAN, 2019).

108
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

FIGURA 11 – CONCEITO DE INSTITUÇÕES TOTAIS (GOFFMANN)

FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/manicmiospriseseconventos-131009195801-
phpapp02/95/manicmios-prises-e-conventos-erving-goffman-7-638.jpg?cb=1381348814>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

DICAS

Conheça mais a respeito do importante estudo de Erving Goffmann e da


relação com o Direito através da linguagem da literatura, assistindo ao vídeo Direito e
Literatura – Instituições Totais, apresentado pelo Jurista Lenio Streck, disponível em https://
www.youtube.com/watch?v=y0SOD7rtgR0.

Especificamente, no que tange às instituições totais, denominadas de


presídio ou penitenciárias, extrai-se, das lições de Focault (2021), que estas
possuem um caráter transformador do indivíduo que, ao ser encarcerado, visam
admoestar o preso para possibilitar o retorno dele ao convívio social.

Os presos reclusos nas instituições penais possuem um restrito contato


com o mundo exterior, além de uma série de deveres que precisa ser observada,
que se encontra prevista na legislação. Esse sentido da legislação penal se
pode extrair do Art. 38, do Código Penal, que estabelece que “o preso conserva
todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se, a todas as
autoridades, o respeito às integridades física e moral”.

109
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

No mesmo sentido, é o disposto no Código Penal, a Lei de Execução


Penal, no Art. 38, que determina: “cumpre, ao condenado, além das obrigações
legais inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena”
(BRASIL, 1984).

A respeito do tema, Nucci (2021) leciona que

é certo que qualquer sentenciado sofre a natural diminuição da


liberdade, em geral, pois o Estado, detentor do poder punitivo, faz
valer a sanção aplicada pelo juiz. Logo, em especial, no tocante ao preso,
não há como evitar as obrigações legais inerentes ao seu estado, como
aceitar a privação da liberdade de ir, vir e ficar; a estreiteza do direito
à intimidade, em particular, pelo permanente acompanhamento e
pela constante vigilância; a diminuição do direito de se associar, de se
comunicar com terceiros, de ter um domicílio como asilo inviolável (a
cela, embora seja o lugar de permanência, não pode ser considerada a
casa); a imposição de horários para se alimentar e para dormir, dentre
outros fatores (NUCCI, 2021, p. 64).

Observa-se que, ao ser imposta a penalidade da prisão, o indivíduo é cerceado


de inúmeros direitos, não apenas o de locomoção, como, também, especialmente, o
da intimidade, na medida em que permanece em constante vigilância.

FIGURA 12 – UNIDADE PRISIONAL EM RIO BRANCO – ACRE, 2020

FONTE: <https://ponte.org/wp-content/uploads/2018/12/Luiz-SilveiraAg%C3%AAncia-CNJ_
RioBranco-1.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Por sua vez, a Lei de Execução, no Art. 39, impôs uma série de deveres,
os quais os apenados devem observar, quais sejam: comportamento disciplinado
e cumprimento fiel da sentença; obediência ao servidor e respeito a qualquer
pessoa com quem deva se relacionar; urbanidade e respeito no trato com os
demais condenados; conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de
fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; execução do trabalho, das tarefas

110
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar imposta; indenização à


vítima ou aos sucessores; indenização ao Estado, quando possível, das despesas
realizadas com a manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração
do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; e conservação dos
objetos de uso pessoal.

A Lei de Execução Penal, expressamente, estabelece que são deveres,


do apenado, colaborar com a ordem, obedecer às determinações emanadas das
autoridades e dos agentes, e desempenhar algum trabalho.

Segundo Nucci (2021, p. 75), “o cumprimento às regras gerais de um


estabelecimento penal, ou de qualquer lugar onde se efetue a execução da pena, é
fundamental para o condenado e para quem administra o local”.

Por se tratarem de deveres, a inobservância deles, pelos apenados,


caracteriza faltas, que, segundo a Lei de Execuções Penais, subdividem-se em
faltas leves, médias ou graves.

Nos termos do Art. 49, da Lei de Execução Penal, cabe, à legislação local,
especificar as faltas leves ou médias.

A Lei de Execução Penal, no Art. 50, estabelece o rol taxativo das infrações
que constituem falta grave, sendo elas: incitar ou participar de movimento para
subverter a ordem ou a disciplina; fugir; possuir, indevidamente, instrumento
capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar acidente de trabalho;
descumprir, no regime aberto, as condições impostas; não observar os deveres
previstos nos incisos II e V, do Art. 39, desta Lei; tiver, em sua posse, utilizar ou
fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com
outros presos ou com o ambiente externo; e recusar a se submeter ao procedimento
de identificação do perfil genético.

Infere-se que, dentre o rol das infrações que constituem falta grave, está a
inobservância dos deveres previstos no Art. 39, incisos II (obediência ao servidor
e respeito a qualquer pessoa com quem deva se relacionar) e V (execução do
trabalho, das tarefas e das ordens recebidas).

Havendo indisciplina do apenado, podem ser ensejadas severas


penalidades, como a aplicação da falta grave, o que gera a perda de parte dos
dias remidos oriundos do trabalho prisional (Art. 127, da LEP), além da própria
regressão de regime prisional (Art. 118, inciso I, da LEP).

Observa-se, claramente, que, durante o cumprimento da sentença penal


condenatória, o apenado, nos termos da lei, está em constante vigilância, e,
havendo desrespeito aos deveres, há a aplicação de penalidades.

111
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA 13 – COMPETÊNCIA DA EXECUÇÃO PENAL E EXECUÇÃO DA PENA

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/01/10/0f/01100fd52f30ab0f91c073ea45eba02a.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

3 O EMPREGO DOS ARMAMENTOS LETAL E NÃO LETAL


NO CONTROLE PRISIONAL
Jonh B. Alexander (2003, p. 19) conceitua armas e munições não letais
como aquelas, “especificamente, projetadas e empregadas para incapacitar
pessoal ou material”, que visam degradar pessoas, materiais e/ou equipamentos,
ou seja, não têm, como objetivo, matar, nem causar incapacitações permanentes,
mas degradações momentâneas ou passageiras, assegurando a integridade física
e a vida das pessoas atingidas.

112
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

FIGURA 14 – ARMAS NÃO LETAIS OU DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

FONTE: <https://tecnodefesa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/Imagem-2-
LAADSecurity2016.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Atualmente, o termo armamento não letal é substituído por instrumento de


menor potencial ofensivo, que, segundo a conceituação estabelecida pelo Art. 4°,
da Lei n° 13.060/2014, é “aquele projetado, especificamente, para, com a baixa
probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou
incapacitar, temporariamente, pessoas” (BRASIL, 2014).

O uso de instrumentos de menor potencial ofensivo, pelos agentes de


segurança, obedece ao disposto no Art. 2°, da referida lei:

Art. 2° Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização


dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o uso não
coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e
deverão obedecer aos seguintes princípios:
I- legalidade;
II- necessidade;
III- razoabilidade e proporcionalidade (BRASIL, 2014).

Esclarece-se o seguinte:

Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de fogo:


I- contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente
risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança
pública ou a terceiros; e
II- contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública,
exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes
de segurança pública ou a terceiros (BRASIL, 2014).

113
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

NOTA


PRINCIPAIS ARMAS NÃO LETAIS

Dentre as armas não letais mais conhecidas, podemos citar o gás lacrimogêneo.
Recomendado para dispersar multidões e auxiliar em operações de resgate, a função é
causar uma irritação nos olhos das pessoas, impossibilitando a visão por tempo determinado.

Existem três tipos de gases: explosivos, luminares e os que soltam fumaça.

Bala de borracha

Outro equipamento comum são as armas bala de borracha, comumente


empregadas em tumultos violentos. A diferença dessa munição para a bala (utilizada em
armas de fogo) é, exatamente, o fato de ser feita de borracha, e não ser letal.

Spray de pimenta

Spray de pimenta é outro acessório comum usado por policiais e por alguns
cidadãos. É indicado para defesa pessoal e dispersão de tumultos. O uso desse material
causa irritação nos olhos e nas vias respiratórias por um tempo determinado.

Taser e Bastão de choque

Dois equipamentos que têm função parecida e servem para imobilizar infratores
são o taser e o bastão de choque. O que os difere é a distância sob a qual cada um opera
(curta ou longa). Contudo, independentemente disso, o efeito é o mesmo (com diferentes
intensidades), ou seja, ambos liberam uma carga elétrica que impossibilita a movimentação
dos músculos corporais até que o efeito cesse.

Apesar de receberem o nome de armas não letais, esses equipamentos podem


ferir seriamente, porém, de forma menos agressiva. Por isso, deixar que apenas quem
possui capacitação para manejar o equipamento é uma forma de evitar situações graves.

FONTE: <https://grupoalbatroz.com.br/blog/voce-sabe-o-que-sao-armas-nao-letais-e-
quando-utiliza-las>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Por sua vez, Barbosa e Angelo (2001, p. 117) conceituam armas letais como
“uso de armas com grande probabilidade de produzirem danos graves ou mortes,
quando usadas contra um ser humano”.

114
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

FIGURA 15 – ARMAS LETAIS UTILIZADAS POR AUTORIDADES

FONTE: < https://files.nsctotal.com.br/s3fs-public/styles/teaser_image_style/public/graphql-


upload-files/111.jpg?P605Y77Cvt4FwatyAuQaK0BoPHf6qI55&itok=tLlRYQeN&width=750>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

A utilização de armas de fogo, pelas autoridades legais, encontra-


se fundamentada por meio do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei (DHNET, 2021), estabelecido pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, no dia 17 de dezembro de 1979, e pelos Princípios
Básicos Sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
pela Aplicação da Lei, adotados, desta vez, pelo Oitavo Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado
em Havana, Cuba, em 1990.

O Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação


da Lei n° estabelece, dentre outras diretrizes, no Art. 3°, o emprego da força quando
estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do dever.

Os Princípios Básicos Sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos


Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, corroborando com o que dispõe
o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,
impõem diversos princípios básicos, os quais os agentes da Lei devem observar
para utilizar o uso da força e das armas de fogo.

Dentre as disposições gerais, extrai-se o item quatro, que dispõe:

No cumprimento das suas funções, os responsáveis pela aplicação da


Lei devem, na medida do possível, aplicar meios não violentos antes
de recorrer ao uso da força e das armas de fogo. O recurso a elas só é
aceitável quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes
de produzir o resultado pretendido (DHNET, 2021, s.p.).

115
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

O mesmo documento assevera, ainda, no item nove, das disposições


específicas, a excepcionalidade na utilização do armamento de fogo, autorizando,
apenas, em casos de legítima defesa própria ou de outrem, contra ameaça iminente
de morte ou ferimento grave, dentre outras hipóteses, nos seguintes termos:

9. Os responsáveis pela aplicação da Lei n° não usarão armas de fogo


contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de
outrem, contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave, para
impedir a perpetração de crime, particularmente, grave, que envolva
séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal
risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo,
e isso, apenas, nos casos em que outros meios menos extremados se
revelem insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso,
o uso letal intencional de armas de fogo só pode ser feito quando,
estritamente, inevitável à proteção da vida (DHNET, 2021, s.p.).

Nota-se que as diretrizes estabelecidas pela Organização das Nações


Unidas demonstram que o emprego de armas de fogo é considerado uma medida
extrema, devendo-se restringir a utilização de forma excepcionalíssima. De forma
geral, o emprego de armas de fogo deve ser utilizado, como visto, apenas quando
um suspeito oferece resistência armada ou, de algum outro modo, põe em risco
vidas alheias, e medidas menos drásticas são insuficientes para dominá-lo.

A Organização das Nações Unidas, a fim de disciplinar as regras mínimas


de tratamento de reclusos, editou as denominadas Regras de Nelson Mandela, ou
Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos (UNODC, 2021).

116
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

FIGURA 16 – REGRAS DE MANDELA: PARÂMETRO PARA TRATAMENTO DOS PRESOS – OS


DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO

FONTE: <encurtador.com.br/hwTZ8>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O item 82, das Regras de Nelson Mandela, estabeleceu a vedação do uso


da força pelos funcionários prisionais, exceto em legítima defesa ou em casos de
tentativa de fuga ou de resistência física ativa ou passiva a uma ordem baseada
na Lei ou nos regulamentos:

Os funcionários dos estabelecimentos prisionais não devem, nas suas


relações com os reclusos, usar a força, exceto em legítima defesa ou
em casos de tentativa de fuga ou de resistência física ativa ou passiva
a uma ordem baseada na Lei ou nos regulamentos. Os funcionários
que precisam recorrer à força não devem usar senão a estritamente
necessária, e precisam comunicar, imediatamente, o incidente ao
diretor do estabelecimento prisional (UNODC, 2021).

No Brasil, as diretrizes do Uso da Força pelos Agentes de Segurança


Pública foram estabelecidas pela Portaria Interministerial n° 4.226, de 31 de
dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), editadas pelo Ministro de Estado da Justiça,
senhor Luiz Paulo Barreto, e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, senhor Paulo De Tarso Vannuchi.

117
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

A Portaria editada, com base nos documentos elaborados pela Organização


das Nações Unidas, estabeleceu a observância obrigatória pelo Departamento
de Polícia Federal, pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal, pelo
Departamento Penitenciário Nacional e pela Força Nacional de Segurança Pública.

A Portaria Interministerial n° 4.226/2010, no Anexo I, item 2, determinou


que o uso da força por agentes de segurança pública deve obedecer aos princípios
da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

Para uma melhor compreensão das imposições trazidas, a Portaria


Interministerial n° 4.226/2010, no Anexo II, trouxe um glossário com todos os
termos utilizados, dentre eles, os princípios elencados no item 2, do Anexo I,
mencionado anteriormente:

Princípio da Conveniência: a força não poderá ser empregada quando,


em função do contexto, possa ocasionar danos de maior relevância do
que os objetivos legais pretendidos.
Princípio da Legalidade: os agentes de segurança pública só poderão
utilizar a força para a consecução de um objetivo legal e nos estritos
limites da lei.
Princípio da Moderação: o emprego da força, pelos agentes de
segurança pública, deve, sempre que possível, além de proporcional,
ser moderado, visando reduzi-lo.
Princípio da Necessidade: determinado nível de força só pode ser
empregado quando níveis de menor intensidade não forem suficientes
para atingir os objetivos legais pretendidos.
Princípio da Proporcionalidade: o nível da força utilizado deve,
sempre, ser compatível com a gravidade da ameaça representada
pela ação do opositor e com os objetivos pretendidos pelo agente de
segurança pública.

A Portaria Interministerial declarou, também, no Anexo I, item 2, a


vedação expressa do disparo de armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de
legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão
grave. Da mesma forma, impôs a ilegitimidade do “uso de armas de fogo contra
pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de
arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de
segurança pública ou a terceiros” (BRASIL, 2010).

Os dispositivos constantes, na Portaria Interministerial n° 4.226/2010, foram,


posteriormente, ratificados com o advento da Lei n° 13.060/2014, já mencionada
no início deste tópico, que disciplinou o uso dos instrumentos de menor potencial
ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional.

O Art. 2°, da Lei n° 13.060/2014 (BRASIL, 2014), referendou a priorização


da utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o uso não
coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, condicionando a
utilização, ainda, na estrita observância dos princípios da legalidade, necessidade,
razoabilidade e proporcionalidade.

118
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

O parágrafo único do Art. 2°, da Lei n° 13.060/2014 (BRASIL, 2014),


expressamente, afastou a legitimidade da utilização de arma de fogo “contra
pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de
morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros” e “contra
veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o
ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a
terceiros”, assim como já estabelecido pela Portaria Interministerial n° 4.226/2010.

Não se pode olvidar que o uso da força, pelos agentes de segurança, dentre
os limites estabelecidos pela lei, constitui uma excludente de ilicitude, conforme
dispõe o Art. 23, do Código Penal:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:


I- em estado de necessidade;
II- em legítima defesa;
III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito (BRASIL, 1940).

A observância dos princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade


e proporcionalidade, pelos agentes de segurança, é fundamental, posto que o
próprio parágrafo único, do Art. 23, do Código Penal, estabelece a possibilidade
de responsabilização criminal por eventuais excessos dolosos ou culposos.

No âmbito do sistema penitenciário nacional, utilizam-se as legislações


aplicáveis aos demais agentes de segurança.

A Lei de Execução Penal, no Art. 40, prevê, como um dos direitos dos
apenados, o respeito às integridades física e moral. Contudo, diante das frequentes
notícias de atos de abuso de autoridade e de tortura, envolvendo a utilização de
armamentos menos letais no âmbito do sistema prisional brasileiro, o Conselho
Nacional Dos Direitos Humanos – CNDH editou a Recomendação n° 12, de 16
de outubro de 2020, solicitando, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aos
vinte e seis Estados da Federação Brasileira e ao Distrito Federal, a elaboração
de regulamento a respeito do uso de armamentos menos letais pelas forças de
segurança pública no âmbito do sistema prisional.

Cabe ressaltar que, conforme aponta o documento, a utilização de


armamento não letal, com a inobservância dos princípios da legalidade,
necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, pode configurar a prática de
tortura, expressamente vedada pelo Art. 5°, inciso III, da Constituição Federal.

119
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA 17 – APARATO DE REPRESSÃO EM PRESÍDIOS

FONTE: <https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2020/07/sistema-penitenciario.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

4 ROTINA E PROCEDIMENTOS NAS UNIDADES PRISIONAIS


Como já discutido, a normatização, acerca dos procedimentos nas
unidades prisionais, fica a cargo das Secretarias de Estado de Administração
Prisional, cada qual estabelecendo manuais e regramentos específicos. Apenas
para exemplificar, no Estado de Santa Catarina, à medida que assegura a ordem
e a disciplina em unidades prisionais é a Instrução Normativa n° 001/2010/DEAP/
GAB/SSP (TJSC, 2010). Visa orientar os profissionais da segurança pública quanto
às funções nas unidades prisionais.

No cotidiano, com a rotina de alimentação, higiene e trabalho, além dos


problemas disciplinares, é necessária disciplina permanente, tendo, cada unidade
prisional, características próprias, de acordo com o rigor do regime – detentos de
regimes mais rigorosos são mais difíceis pela condição – e o grau de investimento
público na unidade, variando os níveis de ocorrências.

Conheça alguns tipos de ocorrência e a intervenção necessária.

120
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

QUADRO 3 – EXEMPLO DE OCORRÊNCIA POR NÍVEIS

CLASSIFICAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS POR NÍVEIS:

NÍVEL I

Tipo de ocorrência Intervenção necessária Observação

• Discussão entre presos; • Isolar a área;


• Ingerência/ • Solicitar pessoal de apoio;
• Garantir a segurança
desobediência; • Comunicar a chefia
pessoal.
• Outros incidentes imediata;
correlatos. • Permanecer em observação.

NÍVEL II

Tipo de ocorrência Intervenção necessária Observação

• Isolar a área;
• Solicitar pessoal de apoio;
• Briga entre presos;
• Comunicar a chefia
• Posse de substâncias ou
imediata; • Garantir a segurança
objetos ilìcitos;
• Permanecer em observação; pessoal.
• Outros incidentes
• Em caso de substância ou
correlatos.
objeto, fazer a apreensão, se
possível.

NÍVEL III

Tipo de ocorrência Intervenção necessária Observação


• Ocorrência com • Identificar o problema,
morte entre presos e procurar controlar, conter e
internados; isolar a área;
• Fugas; • Solicitar pessoal de apoio;
• Arrebatamento externo; • Comunicar a chefia
• Garantir a segurança
• Movimentos imediata;
pessoal;
subversivos; • Observar os envolvidos;
• Não comprometer-se com
• Motins; • Sempre que possível
negociações.
• Rebeliões; aguardar orientações da
• Sequestros; chefia imediata;
• Incêndio; • Acionar o alarme sem expor
• Outros incidentes a si e a terceiros, conforme a
correlatos. necessidade exigir.

FONTE: Adaptada de <www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/manual_agente_pen.pdf>.


Acesso em: 24 abr. 2021.

Ainda, como parte da rotina, na gestão prisional, pelos agentes, há os


trabalhos de recepção, movimentação de presos, procedimentos de revistas etc.
Transcreveremos o modelo proposto pelo Estado do Paraná, que sintetiza o que,
normalmente, ocorre em todas as unidades.
121
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

QUADRO 4 – MODELO PROPOSTO, PARANÁ

FONTE: Adaptada de <www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/manual_agente_pen.pdf>.


Acesso em: 24 abr. 2021.

122
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

Para ocorrências graves, nas unidades prisionais, aciona-se a chamada


“polícia de choque”, expressão genérica dada ao corpo policial altamente
especializado no controle de distúrbios graves, como motins em presídios.

FIGURA 18 – POLÍCIA DE CHOQUE EM PRESÍDIO

FONTE: <https://p2.trrsf.com/image/fget/cf/940/0/images.terra.
com/2014/03/20/02spchoqueinvadecpdgreveagentespenitenciariosfut.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Os equipamentos e o preparo técnico dos soldados, que compõem as tropas


especiais, são específicos para que possa haver vantagem no enfrentamento, além
de proteção ao agente, contando, ainda, com armamento especial e protegido
para evitar o roubo da arma do policial, como o uso de coldres especiais com
dispositivo de travamento.

De acordo com o confronto a ser feito, são definidos a tática e o tipo de


armamento, que varia entre letal e não letal. O armamento, mais frequentemente
utilizado, é o gás lacrimogêneo, além das balas de borracha, do gás de pimenta,
das bombas de efeito moral, dos tasers e dos porretes de metal ou de borracha.
Essas armas, como já estudado, produzem pequenos ferimentos, agindo mais nos
efeitos psicológicos.

123
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA 19 – POLICIAL DE CHOQUE: SOLDADO ROBOCOP

FONTE: <https://fabiopontes.files.wordpress.com/2012/04/robocop.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Ainda, o uso de cães especializados é outro recurso importante nas tropas


especiais, principalmente, em casos de rebeliões e motins em presídios. Sãos
importantes reforços no trabalho penitenciário, sendo animais que trabalham
no interior dos presídios e nos pátios externos, além de serem utilizados para
localizar um material ilícito.

124
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

Os cães, no sistema prisional, apresentam vantagens, desde o impacto


psicológico, pois, em situação de intervenção, o animal é destemido, e o ataque é
certo, o que reduz a utilização de armamento que possa produzir lesões graves.

FIGURA 20 – CÃES POLICIAIS: UMA TROPA DE FARO

FONTE: <https://esplanadagora.com.br/wp-content/uploads/2019/12/caes.jpeg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

NOTA

Conheça a história de Dick – O herói.

DICK, O ETERNO HERÓI

Em 1956, a presença dos cães, nas operações policiais de São Paulo, chegou a ser
ameaçada pelo então governador Jânio Quadros, que pretendia fazer cortes nas despesas
públicas. Enviou, ao Comandante da Polícia Militar, um dos seus polêmicos bilhetinhos
(como eram chamados os memorandos, na época), com um recado nada amistoso:
“Faça os cães trabalharem ou dissolva a matilha”. Na mesma época, um caso ganhava
repercussão na mídia: o sequestro do menino Eduardo Jaime Benevides, o Eduardinho, de
apenas quatro anos, que desapareceu na porta de casa, em 17 de abril daquele ano. A busca
pela criança mobilizou um grande número de policiais e contou com o apoio dos cães da
Polícia Militar. A estrela do pastor alemão Dick brilhou mais forte e, após farejar o travesseiro
usado pelo garoto, levou o soldado Muniz de Souza até Eduardinho, que foi encontrado
com vida. Após a operação, o Canil Central, que corria risco de fechar, recebeu o merecido
reconhecimento e, tanto o soldado Muniz, quanto o cão Dick, foram promovidos a cabo.
Dick, ainda, foi condecorado com um busto e uma placa de bronze no Canil. Atualmente,
o Canil abriga um efetivo de 114 policiais e cerca de 40 cães com faro de justiça, das raças
pastor alemão, pastor-belga-malinois, pastor holandês, labrador e bloodhound.

125
UNIDADE 2 — GESTÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

FIGURA – BUSTO DE DICK, LOCALIZADO NO CANIL DA POLÍCIA MILITAR, EM


TREMEMBÉ (SP)

FONTE: <https://esplanadagora.com.br/wp-content/uploads/2019/12/caes-
herois-27112019112219945.jpeg>. Acesso em: 24 jun. 2021.

FONTE: <https://esplanadagora.com.br/noticias/destaque/caes-herois-uma-tropa-que-
tem-faro-de-justica>. Acesso em: 24 abr. 2021.

126
TÓPICO 3 — A GESTÃO E O CONTROLE DOS DETENTOS

LEITURA COMPLEMENTAR

PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS

Odilon Pereira de Souza

O Brasil gosta de copiar iniciativas, por vezes, superadas de outros


países. Assim, em um primeiro momento, mostra-se fracassada a privatização
de presídios em outros países, e se volta a discutir isso no Brasil, conferindo a
eficiência desejada de fonte de lucro para a iniciativa privada.

É de ver que, mesmo sendo estatal, o sistema prisional, ainda, é alvo de


corrupção e tráfego de influência. Comum observar, nos jornais, a venda de vagas
ou o recebimento de propina para a transferência de presos [...].

O assunto é tão grave e tão sério que, na Pensilvânia, conforme


publicação estampada no New York Times, em 29/1 do corrente ano, dois juízes
foram processados porque, dolosamente, mandavam presos para presídios
de determinada empresa, recebendo propina para ajudar no faturamento de
determinada organização prisional.

FONTE: <https://www.migalhas.com.br/depeso/84150/privatizacao-dos-presidios>.
Acesso em: 25 jun. 2021.

127
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• As prisões do século XXI são o produto da histórica busca de experiências que


o condenado, após o cumprimento da reprimenda, almeja para retornar ao
convívio em sociedade. A implementação da política de ressocialização dos
apenados fez com que fosse implementada, em muitos países, dentre eles, o
Brasil, buscando a capacitação do egresso, permitindo-lhe, ao sair do sistema,
ter alguma ocupação lícita.

• As prisões modernas se caracterizam como instituições organizadas para


proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das pessoas
isoladas não constitui um problema imediato, definido como instituição total.

• Os presos reclusos, nas instituições penais, possuem um restrito contato com o


mundo exterior, além de uma série de deveres que devem ser observados, que
se encontram previstos na legislação.

• Em casos de ocorrências graves nas unidades prisionais, aciona-se a chamada


“polícia de choque”, expressão genérica dada ao corpo policial altamente
especializado no controle de distúrbios graves, como motins em presídios.

CHAMADA

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128
AUTOATIVIDADE

1 No século XIX, começou-se a adotar o sistema progressivo de pena na


Europa, como embrião do que, hoje, conhecemos. No Brasil, no fim século
XX, e no início do século XXI, a marca do sistema prisional era fazer com
que o condenado, após o cumprimento da reprimenda, pudesse retornar
ao convívio em sociedade. Acerca do objetivo da penalização do preso,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O cumprimento da pena tem, como objetivo, a ressocialização do apenado,


permitindo-lhe, ao sair do sistema, buscar alguma ocupação lícita.
b) ( ) O cumprimento da pena tem, como objetivo, a vingança social.
c) ( ) O cumprimento da pena tem, como objetivo, castigar o condenado pelo
crime cometido.
d) ( ) O cumprimento da pena não tem objetivo prático, somente a vingança
pelo mal cometido.

2 As prisões contemporâneas, segundo a teoria de Erving Goffmann, são


instituições organizadas para proteger a comunidade contra perigos
intencionais, e o bem-estar das pessoas isoladas não constitui um problema
imediato. Tais instituições são denominadas de:

a) ( ) Instituições prisionais.
b) ( ) Instituições totais.
c) ( ) Instituições legais.
d) ( ) Instituições de recuperação penal.

3 A Lei de Execução Penal, expressamente, estabelece um rol taxativo de


infrações que constituem falta grave. Disserte a respeito dessas faltas
graves, previstas no Art. 50, da Lei de Execução Penal.

4 Armas e munições não letais são consideradas as que visam incapacitar


ou degradar pessoas, materiais e/ou equipamentos, ou seja, não têm, como
objetivo, matar, nem causar incapacitações permanentes, mas degradações
momentâneas ou passageiras, assegurando a integridade física e a vida
das pessoas atingidas. Pergunta-se: atualmente, como são denominadas as
armas não letais e como são definidas legalmente?

129
REFERÊNCIAS
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Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/
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ANDRADE, C. C. de et al. Desafios da reintegração social do preso: uma


pesquisa nos estabelecimentos prisionais. IPEA: Rio de Janeiro, 2015. Disponível
em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4375/1/td_2095.pdf. Acesso
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inciso XIV, do caput, do Art. 21, § 4°, do Art. 32, e o Art. 144, da Constituição
Federal, para criar as polícias penais federal, estadual e distrital. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc104.htm.
Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 13.675, de 11 de junho de 2018. Disciplina a organização e o


funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7°,
do Art. 144, da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp);
altera a Lei Complementar n° 79, de 7 de janeiro de 1994, a Lei n° 10.201, de 14 de
fevereiro de 2001, e a Lei n° 11.530, de 24 de outubro de 2007; e revoga dispositivos
da Lei n° 12.681, de 4 de julho de 2012. Disponível em: https://www.in.gov.br/
materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/25212052/do1-2018-06-12-lei-
n-13-675-de-11-de-junho-de-2018-25211917. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 13.327, de 29 de julho de 2016. Altera a remuneração de servidores


públicos; estabelece opção por novas regras de incorporação de gratificação de
desempenho a aposentadorias e pensões; altera os requisitos de acesso a cargos
públicos; reestrutura cargos e carreiras; dispõe sobre honorários advocatícios de
sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações;
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2015-2018/2016/lei/l13327.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 13.060, de 22 de dezembro de 2014. Disciplina o uso dos


instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública,
em todo o território nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13060.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

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Parceria Público-Privada Federal - CGP e dá outras providências. Disponível
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BRASIL. Lei n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para


licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
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BRASIL. Decreto n° 3.706, de 27 de dezembro de 2000. Prorroga o prazo


estabelecido no Art. 1°, do Decreto n° 3.365, de 16 de fevereiro de 2000.
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em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga


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providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9074cons.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de


concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no Art. 175,
da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o Art. 37, inciso


XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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abr. 2021.

SILVEIRA, J. T. Se tirar o colete não dá pra saber quem é agente: trabalho,


identidade e prisionização. Curitiba: UFPR, 2009.

TJSC. Instrução Normativa n° 001/2010/DEAP/GAB/SSP. Dispõe sobre normas


e procedimentos operacionais de segurança a serem adotados pelas Unidades
Prisionais do Estado de Santa Catarina. 2010. Disponível em: https://www.tjsc.
jus.br/documents/10181/369487/Instru%C3%A7%C3%A3o+Normativa+n.001-
2010+-+DEAP/9e66f457-b791-4c15-8570-2cfa49952af2#:~:text=Disp%C3%B5e%20
sobre%20normas%20e%20procedimentos,do%20Estado%20de%20Santa%20
Catarina. Acesso em: 24 abr. 2021.

UNODC. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes. Regras Mínimas
das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – Regras de Nelson
Mandela. 2021. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/justice-and-
prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021.

VARELLA, D. Carcereiros. São Paulo: Cia das Letras, 2012.

VENERAL, D. C. Gestão Penitenciária. São Paulo: Editora Contentus, 2020.

133
134
UNIDADE 3 —

AS UNIDADES PRISIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• particularizar a população feminina encarcerada, discutindo os direitos


e as garantias elencados na Constituição da República Federativa do
Brasil, de 1988, que determina que os presos cumpram as penas em
estabelecimentos prisionais distintos, de acordo com a natureza do delito,
a idade e o sexo do apenado, com o que dispõe o Art. 5°, inciso XLVIII, da
Constituição Federal;
• identificar os direitos e as garantias previstos, pela ordem constitucional,
que determinam que as mulheres presas necessitam estar em
estabelecimentos prisionais com espaços adequados para gestantes e
parturientes e de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e
menores de sete anos;
• discutir as causas do crescimento da população carcerária e a acentuada
discrepância entre o número de presas jovens e não jovens no Brasil, além
de analisar o fato de que 62% da população prisional feminina é composta
por mulheres negras;
• compreender o processo histórico de construção da legislação, que
pretende punir os jovens em conflito com a lei, cuja máxima expressão é
o ECA – Estatuto da Criança e Adolescente –, instituído em consonância
com o disposto na Constituição Federal de 1988, que adota a Doutrina da
Proteção Integral. Ainda, estudar como o ECA rompe os paradigmas, até
então vigentes, acerca da “situação irregular”, do “assistencialismo”, da
“estatalidade” e da “centralização” das ações e das “funções anômalas”
do Poder Judiciário;
• discutir as origens e as finalidades das penitenciárias federais, construídas
inspiradas no modelo arquitetônico, gerencial e estratégico das supermax
do sistema americano, prisões estas de segurança máxima;
• visualizar os sistemas penitenciários federais como aqueles destinados
ao cumprimento da pena e, assim, apenas com a finalidade de assegurar o
interesse da segurança pública ou do próprio preso, provisório ou condenado;
• caracterizar o Regime Disciplinar Diferenciado desde os fundamentos
legais, discutindo a finalidade, as particularidades e as formas de aplicação.

135
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade será dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – OS PRESÍDIOS FEMININOS

TÓPICO 2 – A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM


CONFLITO COM A LEI

TÓPICO 3 – O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

136
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

OS PRESÍDIOS FEMININOS

1 INTRODUÇÃO
As prisões brasileiras são ocupadas pela quarta maior população
carcerária feminina do mundo. Segundo dados de 2018, fornecidos pelo
INFOPEN (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), que é o
sistema de informações estatístico do sistema carcerário brasileiro, em 2018,
eram 42 mil mulheres presas, fato que, por si só, torna relevante a discussão
acerca dos presídios femininos brasileiros. Uma soma de fatores impulsiona o
aumento do encarceramento feminino no Brasil nas últimas décadas, tornando
um enorme desafio garantir os direitos fundamentais das mulheres presas
quando consideradas as condições atuais dos presídios brasileiros, o que
justifica problematizar essa particularidade do sistema de segurança pública
(BRASIL, 2018).

Neste Tópico 1, desde a perspectiva da ordem constitucional em vigor


no Brasil, será analisada a condição da mulher em situação de cárcere, o
perfil diferenciado dessa parcela social em situação de aprisionamento e os
estabelecimentos prisionais femininos. No interior das prisões femininas, estão
mães, gestantes, parturientes e crianças que necessitam de assistência e de
convivência com as mães para o aleitamento. Desde as bases legais, o estudo tece
minucias a respeito dos direitos e das garantias mínimas a serem observados no
interior dos estabelecimentos prisionais femininos.

Encerra-se o tópico com a discussão dos desafios a serem enfrentados pelas


políticas públicas de segurança quando da construção e da gestão do sistema
penitenciário brasileiro, considerando as necessidades e as particularidades da
mulher em situação de encarceramento.

2 ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL


Especificamente, com relação ao encarceramento feminino no Brasil, é
necessário destacar que, até os dias atuais, as prisões são espaços, prioritariamente,
masculinos, que devem ser compreendidas a partir dos números totais de
detentos, os quais mostram que o número de mulheres recolhidas à prisão é
muito inferior em comparação ao dos homens, conforme se pode concluir a partir
do exposto a seguir.

137
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 1 – PERFIL DOS PRESOS BRASILEIROS

FONTE: <https://img.r7.com/images/arte-perfil-dos-presos-07082018205547453>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

A primeira penitenciária feminina do Brasil foi criada pelo Decreto n°


3.971, de 24 de dezembro de 1941, sendo construída no Rio de Janeiro. Nesse
período, foram criados estabelecimentos prisionais adaptados para as mulheres
em Porto Alegre e em São Paulo.

No caso de São Paulo, o primeiro estabelecimento prisional feminino


foi criado com uma seção junto à Penitenciária do Estado, daí,
considerar-se a prisão do Rio de Janeiro como a primeira experiência de
encarceramento feminina. No início da década de 70, foram construídas
as instalações da Penitenciária Feminina da Capital, que foi, durante
muito tempo, a maior penitenciária feminina do Estado de São Paulo,
agora superada, em termos de população carcerária, pela Penitenciária
de Sant’Ana, que ocupa o antigo prédio da Penitenciária do Estado
(ESPEZIM DOS SANTOS; VERONESE, 2019, p. 4).

138
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Como já estudado na Unidade 1, a Lei n° 7.210/1984, que institui a Lei


de Execuções Penais, constituiu marco inovador do direito penal nacional e
foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A Lei de Execução Penal
estabeleceu, dentre outras inovações, que as mulheres devem ser recolhidas em
estabelecimentos prisionais adequados às condições pessoais, constituindo um
grande avanço para a implementação de políticas a serem aplicadas para esse
segmento, dispositivo, posteriormente, consagrado pela Constituição de 1988.

Atualmente, segundos dados divulgados pelo Departamento Nacional


Penitenciário, até 2019, o Brasil possuía uma população carcerária de cerca de 35
mil detentas, distribuídas em 1.418 unidades prisionais, entre estabelecimentos
penais masculinos, femininos e mistos, do sistema penitenciário estadual.

3 DIREITOS E GARANTIAS DA MULHER EM


SITUAÇÃO DE CÁRCERE
Em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana
(Art. 1°, inciso III, da Constituição Federal), o Poder Constituinte originário,
que promulgou a Carta Política brasileira, em 1988, estabeleceu que os presos
precisam cumprir as penas em estabelecimentos prisionais distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, a partir do que dispõe o
Art. 5°, inciso XLVIII, da Constituição Federal.

Por sua vez, a Lei de Execução Penal, promulgada em 1984, que foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988, em harmonia e já estabelecendo
a separação dos presos em razão do sexo, mencionou, no Art. 82, § 1°, a imposição
da separação da presa mulher com o preso em estabelecimento próprio e adequado
à condição pessoal. Buscou-se, dessa forma, afastar violências de ordem sexual,
além da própria promiscuidade (AVENA, 2019).

Nesse sentido, também, prevê, o Código Penal brasileiro, no Art. 37,


que as mulheres cumpram pena em estabelecimento próprio, observando-se os
deveres e os direitos inerentes à condição pessoal.

139
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 2 – MULHERES ENCARCERADAS

FONTE: <https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/
images/916735b51278a1b43e0f0b0b99b828fb>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Como forma de assegurar a segurança das presas mulheres, a Lei de


Execução Penal impôs que, nos estabelecimentos prisionais femininos, somente
funcionárias do mesmo sexo podem trabalhar nas dependências internas,
executando-se, apenas, quando se tratar de pessoal técnico especializado (Art. 77,
§ 2° e 83, § 3°, da Lei de Execução Penal).

Outro direito, consagrado pela Constituição Federal, encontra-se previsto


no Art. 5°, inciso L, o qual assegura “condições para que possam permanecer com
os filhos durante o período de amamentação” (BRASIL, 1988).

A fim de efetivar o direito das mães presas de permanecerem com os


filhos, a Lei n° 11.942/2009 alterou alguns dispositivos da Lei de Execução Penal,
transformando em norma cogente, o que, anteriormente, era apenas facultativa a
instalação de seção no interior dos estabelecimentos prisionais para gestantes e
parturientes e de creche, para o abrigo de crianças maiores de seis meses e menores
de sete anos, possibilitando, assim, a permanência delas sob os cuidados maternos,
em uma fase tão importante no desenvolvimento do infante (NUCCI, 2019).

As presas mulheres, além de possuírem a instalação de seção no interior


dos estabelecimentos prisionais, para gestantes e parturientes e de creche, são
assegurados os mesmos direitos dos presos homens, como o de cumprir a pena
em uma cela individual de, no mínimo, 6 m² (seis metros quadrados), com um
ambiente salubre, possuindo dormitório, aparelho sanitário e lavatório (Art. 88)
(BRASIL, 1984).

É assegurada, também, às mulheres grávidas, a não utilização de algemas


durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e
durante o nascimento, e àquelas durante o período de puerpério imediato (Art.
282) (BRASIL, 1941).

140
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Cabe destacar o advento da Lei n° 13.257/2016, que “dispõe sobre as


políticas públicas para a primeira infância”. O referido marco legal estabeleceu
um grande avanço na garantia de direitos das crianças de até seis anos de
idade. Dentre as mudanças trazidas pela nova legislação, pode-se destacar a
possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres,
presas provisórias, que forem gestantes, e que tenham filhos de até doze anos de
idade incompletos (BRASIL, 2016).

A prisão cautelar deve ser uma medida excepcional, devendo ser aplicada
apenas quando houver efetiva necessidade da segregação cautelar (PACELLI, 2019).

Não se pode esquecer o Habeas Corpus n° 143.641, julgado em 20/02/2018,


pelo Supremo Tribunal Federal. Diante da comprovação da situação degradante,
privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, igualmente,
berçários e creches para os filhos nos quais as mulheres grávidas e as mães de
crianças se encontravam, desrespeitando, de forma sistemática, a Constituição
Federal e a Lei de Execução Penal, foi determinada a substituição da prisão
preventiva, pela domiciliar, de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou
mães de crianças e de deficientes, nos termos do que dispõe o Art. 318, do Código
de Processo Penal, alterado pela n° 13.257/2016.

DICAS

O Habeas Corpus n° 143.641, julgado em 20/02/2018, pelo Supremo Tribunal


Federal, encontra-se disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/
anexo/HC143641final3pdfVoto.pdf. Leia na íntegra!

Outro direito assegurado às mulheres em situação de cárcere, comum


com os presos homens, refere-se a assegurar, a eles, o respeito às integridades
física e moral (Art. 5.°, inciso XLIX, da Constituição Federal) (BRASIL, 1988). Tal
direito fundamental está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa
humana, já mencionado, anteriormente, neste tópico (JUNIOR, 2019).

Desde a promulgação da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal,


diversas alterações na legislação foram sendo promovidas, a fim de assegurar
o tratamento, minimamente, digno às pessoas recolhidas à prisão no Brasil,
incluídas as mulheres encarceradas.

Algumas das alterações promovidas advieram da Resolução n° 2010/16,


de 22 de julho de 2010, editada pela Organização da Nações Unidas, na qual
se estabeleceram as Regras das Nações Unidas Para o Tratamento de Mulheres
Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade Para Mulheres Infratoras.

141
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Mais conhecidas como Regras de Bangkok, possuem, como princípio


básico, a necessidade de observar as necessidades básicas peculiares das
mulheres presas. Foram estabelecidas diversas regras, dentre as quais é
pertinente destacar as referentes ao ingresso, alocação, higiene pessoal, cuidados
à saúde, atendimento médico específico, prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, revistas, instrumentos de contenções, capacitação adequada de
funcionários, priorização do contato com o mundo exterior, individualização da
pena, flexibilização do regime prisional, foco nas relações sociais e assistência
posterior ao encarceramento, cuidados especiais com gestantes e lactantes,
estrangeiras, minorias e povos indígenas e deficientes (OLIVEIRA, 2017)

FIGURA 3 – O QUE SÃO AS REGRAS DE BANGKOK?

FONTE: <http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2016/03/regras-de-bangkok-723x347_c.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Contudo, em que pese o engajamento, além da notória contribuição


do governo brasileiro para a elaboração das Regras de Bangkok e a aprovação
na Assembleia Geral das Nações Unidas até o presente momento, a aplicação,
internamente, das referidas regras, ainda é tímida, destacando-se apenas os
adventos da Lei n° 13.257/2016, que versa acerca da possibilidade de substituição
da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres, presas provisórias, que forem
gestantes, e que tenham filhos de até doze anos de idade incompletos, e da Lei
n° 13.434/2017, que veda o emprego de algemas às mulheres grávidas durante
os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o
nascimento da criança.

É certo afirmar, porém, que algumas normativas estabelecidas pelas


Regras de Bangkok já eram adotadas pela legislação pátria, dentre as quais se
cita a instalação de seção adequada no interior dos estabelecimentos prisionais,
possuindo atendimento por pessoal qualificado, para gestantes e parturientes, e
creche, para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, com a
geração da permanência sob os cuidados maternos, já abordados, anteriormente,
neste tópico.

142
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

FIGURA 4 – REGRAS DE BANGKOK E RECEPÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

FONTE: <http://mulheresemprisao.org.br/wp-content/uploads/2015/09/tabela-site-
mulheresemprisao.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

143
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A título de exemplificação, apresentaremos, a seguir, a Regra 48, da


Resolução 2010/16, da Organização das Nações Unidas (ONU, 2016):

Regra 48
1. Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação de dieta
e saúde dentro de um programa a ser elaborado e supervisionado
por um profissional da saúde qualificado. Deverão ser oferecidos,
gratuitamente, alimentação adequada e pontual, ambiente saudável e
oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes, lactantes,
bebês e crianças (ONU, 2016, p. 34).

Por fim, é importante salientar que todos os direitos elencados no Art. 41,
da Lei de Execução Penal, também são aplicáveis às presas mulheres, quais sejam:
I – alimentação suficiente e vestuário; II – atribuição de trabalho e remuneração;
III – Previdência Social; IV – constituição de pecúlio; V – proporcionalidade na
distribuição do tempo para o trabalho, descanso e recreação; VI – exercício das
atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde
que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material à saúde,
jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado; X – visita
do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI –
chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências
da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do
estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa
de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência
escrita, de leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral
e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob
pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Mesmo com todos esses direitos e garantias mínimas às pessoas em situação


de cárcere, infelizmente, a realidade, no interior dos estabelecimentos prisionais
brasileiros, encontra-se em uma situação extremamente ruim, levando, inclusive,
o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de justiça do país, a reconhecer, na
decisão proferida na Medida Cautelar na Ação de Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental n° 347, em setembro de 2015, o “estado de coisas
inconstitucional”, assim denominado pela Corte Constitucional da Colômbia,
quando há violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente
de falhas estruturais e falência de políticas públicas, e cuja modificação depende
de medidas abrangentes de naturezas normativa, administrativa e orçamentária.

A deliberação realizada pelos eminentes ministros do Supremo Tribunal


Federal na decisão liminar, além do reconhecimento do “estado de coisas
inconstitucional”, fixou, também, o prazo de noventa dias para a realização
de audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso, perante a
autoridade judiciária, no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da
prisão. Desde então, isso vem ocorrendo em todo o país. Ainda, determinou-
se que a União liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional
para a utilização, com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar
novos contingenciamentos. A Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n° 347 se encontra pendente de julgamento da decisão definitiva.
144
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

4 PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA NO BRASIL


Conforme já afirmado, os estabelecimentos prisionais, no Brasil, são
espaços, prioritariamente, masculinos, tendo em vista a proporção do número de
detentos do sexo masculino ser muito superior ao do sexo feminino.

As primeiras penitenciárias brasileiras femininas foram construídas na


década de 1940, com destaque para a Penitenciária do Rio de Janeiro, criada por
meio do Decreto n° 3.971, de 24 de dezembro de 1941.

Para traçarmos o perfil atual da população carcerária feminina no


Brasil, atualmente, utilizaremos, como base, os dados colhidos pelo INFOPEN
– Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, criado em 2004, que
compila informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, por meio
de um formulário de coleta estruturado e preenchido pelos gestores de todos os
estabelecimentos prisionais do país.

Diferentemente da realidade prisional brasileira até o século passado, a


partir de 2006, até o ano de 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou
455% no Brasil, correspondendo a uma taxa de 40,6 mulheres presas no Brasil
para cada grupo de 100 mil delas.

No período compreendido entre 2006-2016, dos cinco países com a maior


população prisional feminina do mundo, somente a China possuiu um aumento
significativo da taxa de aprisionamento de mulheres, alcançando o patamar de
105%, conforme demonstrará o exposto a seguir:

GRÁFICO 1 – VARIAÇÃO DA TAXA DE APRISIONAMENTO ENTRE 2000 E 2016 ENTRE CINCO


PAÍSES COM MAIOR POPULAÇÃO PRISIONAL FEMININA DO MUNDO

FONTE: Adaptada de <encurtador.com.br/boGW6>. Acesso em: 24 abr. 2021.

145
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Em números absolutos, o Brasil, em 2016, data do último levantamento


publicado pelo INFOPEN, com dados comparados com as outras nações,
encontrava-se na quarta posição mundial, possuindo uma população carcerária
feminina inferior, apenas, ao Estados Unidos, China e Rússia.

Com relação à taxa de aprisionamento, que indica o número de mulheres


presas para cada grupo de 100 mil, o Brasil figurou na terceira posição entre os
países que mais encarceram, estando atrás, apenas, dos Estados Unidos e da
Tailândia, como poderemos observar a seguir:

QUADRO 1 – PAÍSES COM MAIOR POPULAÇÃO PRISIONAL FEMININA DO MUNDO

FONTE: <https://conselhodacomunidadecwb.files.wordpress.com/2018/05/infopen.png>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Em comparação com a população carcerária masculina, com relação ao


total registrado no início dos anos 2000 até 2016, a população carcerária feminina
cresceu 656%, já a masculina, naquele mesmo período, apresentou um índice de
crescimento de 293%.

No período, de 2000 a 2016, o quantitativo de mulheres em situação de


cárcere, em cada Estado da Federação, variava de forma significativa. O Estado
de São Paulo concentrava 36% de toda a população prisional feminina do país,
seguido dos Estados de Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. O Estado com o
menor número de mulheres presas era o Amapá, com 0,25% do total.

146
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Se utilizarmos, na comparação entre os Estados da Federação, a taxa


de aprisionamento de mulheres, a qual, como visto anteriormente, leva em
consideração o número de pessoas privadas de liberdade para cada grupo de 100
mil habitantes, observou-se que o Estado do Mato Grosso do Sul, que possuía,
em 2016, a 9ª maior população prisional feminina do país, em números absolutos,
por sua vez, apresentava 113 mulheres presas para cada grupo de 100 mil. Já o
estado de São Paulo, que concentrava, em números absolutos, a maior população
prisional feminina do Brasil, possuía uma taxa de aprisionamento de 66,5 para
cada 100 mil mulheres, ficando em 6° lugar da lista.

GRÁFICO 2 – APRISIONAMENTO DE MULHERES POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO NO BRASIL

FONTE: Adaptada de <http://www.primeiranoticia.ufms.br/upload/ckeditor/files/dados%20ge-


rais%20infopen%281%29.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Com relação à faixa etária, os dados compilados pelo Infopen, de 2016,


indicaram que a maior parcela da população carcerária feminina, no Brasil,
possuía idade entre 18 a 29 anos, sendo, respectivamente, 27% do total, com idade
entre 18 a 24, e, 23% com idade entre 25 a 29.

Em alguns Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro, como Acre, Rio
Grande do Norte, Sergipe, Pará e Tocantins, a população carcerária feminina,
entre 18 e 29 anos, superou o patamar de 70% da população total aprisionada.

147
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A taxa de aprisionamento evidenciou a discrepância entre o número de


presas jovens e não jovens no país. A população carcerária feminina, com idade
entre 18 a 29 anos, possuía uma taxa de aprisionamento de 101,9 presas para cada
100.000 mulheres brasileiras com mais de 18 anos. Já a taxa com 30 anos ou mais
(não jovens) presas foi equivalente a 36,4.

Chama atenção, ainda, na análise dos dados compilados de 2016, a


diferença do número de mulheres brancas e negras. Os dados indicavam que 62%
da população prisional feminina era composta por mulheres negras. Mulheres
brancas representam 37% e, amarela, apenas 1%.

A diferença entre o quantitativo, entre as populações prisionais femininas


branca e negra, foi observada, igualmente, na taxa de aprisionamento por 100 mil
mulheres maiores de 18 anos. Em 2016, existiam 62,5 mulheres negras para cada
grupo de 100 mil mulheres negras, enquanto, para mulheres brancas, existia uma
taxa de 40,1 para 100 mil mulheres brancas.

O mesmo levantamento mostrou que 2/3 da população carcerária feminina


possuía, no máximo, o ensino fundamental completo. Apenas 15% concluiu o
ensino médio, e, os outros 2% delas, o ensino superior.

Dados mais recentes, publicados em junho de 2020, pelo Infopen,


mostraram uma redução do número total de presas femininas no Brasil.
Atualmente, encontram-se recolhidas, no país, 31.424, representando uma
redução de cerca de 25% desde o levantamento realizado em 2016.

A grande parte da população carcerária feminina, em situação de cárcere,


no Brasil, encontra-se recolhida pelo crime de drogas, representando 62%. A
segunda maior incidência relacionada aos crimes contra o patrimônio e contra a
pessoa é baixa, conforme demonstra o que segue:

148
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

GRÁFICO 3 – CRIMES TENTADOS/CONSUMADOS ENTRE OS REGISTROS DE MULHERES


PRIVADAS DE LIBERDADE, POR TIPO PENAL

FONTE: <https://docplayer.com.br/docs-images/83/87708197/images/54-0.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Os dados de junho de 2020 demonstraram que 1.850 crianças, filhas de


mulheres em situação de cárcere, encontravam-se no interior de estabelecimentos
prisionais. Crianças acima de três anos de idade representavam 63,78%. O
segundo maior grupo se referiu às entre dois e três anos, com 15,08% do total.

Por fim, os dados disponibilizados indicaram que existiam, no sistema


prisional brasileiro, 106 presas lactantes e mais 176 detentas gestantes e parturientes.

Os dados governamentais indicaram a maior parte da população feminina


em situação de cárcere, no Brasil, constituída por mulheres negras, jovens, com
baixa escolaridade e que possuíam envolvimento com o tráfico de drogas, o
que evidenciou o caráter punitivo do direito penal para um grupo específico da
população brasileira.

5 PARTICULARIDADES DOS ESTABELECIMENTOS


PRISIONAIS FEMININOS
Em razão das condições biológicas, impõe-se, ao Estado, a necessidade de
criação de instalações próprias para possibilitarem o encarceramento de mulheres.

Como visto, a realidade do encarceramento da população feminina em


massa é uma realidade, relativamente, nova no nosso país, e, por conseguinte,
torna obrigatória a edição de novas legislações atinentes ao tema, além das
respectivas alterações estruturais.

149
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A Lei de Execução Penal, de 1984, recepcionada pela Constituição Federal


de 1988, no Art. 1°, estabelece os objetivos: “efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado” (BRASIL, 1984).

O legislador determinou, como propósito, o cumprimento da pena


corpórea ao condenado, conforme determinado na sentença condenatória,
contudo, instituiu, também, a ressocialização do condenado.

Em consonância com o que dispõe o texto constitucional, e a fim de


garantir o cumprimento dos objetivos da Lei de Execução Penal, além de inúmeros
deveres, foram assegurados, aos apenados, os direitos básicos, que se encontram
elencados no Art. 41, da Lei de Execução Penal, já dispostos anteriormente.

Com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana, evitando-se as


violências de ordem sexual e a promiscuidade entre homens e mulheres, a Constituição
Federal estabeleceu que os presos cumprirão as penas em estabelecimentos prisionais
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo dos apenados, conforme
dispõe o Art. 5.°, inciso XLVIII, da Constituição Federal.

O Art. 82, § 1°, da Lei de Execução Penal, determina que a mulher será
recolhida em estabelecimento prisional próprio e adequado à condição pessoal.

Cabe ressaltar que a Lei de Execução Penal não veda a possibilidade


de abrir, em um mesmo conjunto arquitetônico, estabelecimentos diversos,
abrigando homens e mulheres, por exemplo, desde que estejam devidamente
isolados (Art. 82, § 2.°).

Os estabelecimentos prisionais masculinos e os destinados às mulheres


precisam conter dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência,
educação, trabalho, recreação e prática esportiva, além de haver uma instalação
para o estágio de estudantes universitários (Art. 83, da LEP).

Como já estudado, a Constituição Federal de 1988, no inciso L, do Art.


5.°, assegurou, às presas mulheres, “condições para que possam permanecer
com os filhos durante o período de amamentação”. Com a finalidade de efetivar
esses direitos da população carcerária feminina, a Lei de Execução Penal foi,
inicialmente, alterada pela Lei n° 9.046/1995, que aplicou a adoção de berçários
no interior dos estabelecimentos prisionais, possibilitando, às condenadas, a
amamentação dos filhos.

Em 2009, por meio do advento da Lei n° 11.942/2009, a antiga Lei n°


9.046/1995, que foi revogada, e, dentre outros novos dispositivos, além de manter
a vinda de berçários, assegurou o direito de as presas cuidarem das crianças,
inclusive, de amamentá-las, no mínimo, até os seis meses de idade.

150
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Determina-se que a Lei n° 11.942/2009 mencionou outras importantes


modificações, observe:

A modificação introduzida pela Lei n° 11.942/2009 transformou em


norma cogente o que, anteriormente, era apenas facultativo. Portanto,
os presídios femininos devem ter seção específica para abrigar a
gestante ou a parturiente, conforme os padrões de cuidados médicos
necessários, previstos no Art. 14, § 3°, da LEP. Outra imposição legal
diz respeito à mantença de creche, no âmbito do estabelecimento penal,
para acolher as crianças entre seis meses e seis anos, possibilitando-
lhes permanecerem sob os cuidados maternos, em fase tão delicada e
importante da vida (NUCCI, 2019, p. 244).

Como muito bem observado por Nucci (2019), a fim de assegurar o direito
à saúde para as apenadas, notadamente, no período de gravidez e no puerpério,
foi assegurado o acompanhamento médico à mulher presa e ao recém-nascido.

O legislador, com a nítida preocupação com a condição das mulheres


grávidas e dos respectivos filhos, nascidos no interior dos estabelecimentos
prisionais, determinou os requisitos básicos para a seção das grávidas, parturientes
e creches.

É preciso estar disponível atendimento por pessoal qualificado, de acordo


com as diretrizes adotadas pela legislação educacional, em unidades autônomas
e em horário de funcionamento que garantam a melhor assistência à criança e à
responsável (Art. 89, parágrafo único da LEP).

Em observância ao princípio da intranscendência da pena, buscando,


sobretudo, a ressocialização e uma execução justa, foi incluída, na Lei de
Execução Penal, a Lei n° 11.942/2009, que assegurou o estabelecimento de uma
seção específica para gestantes e parturientes, além de creches, para abrigarem
crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, a fim de contemplar a
criança desamparada, cuja responsável se mantém presa.

Tais regras, também de cunho programático, têm consonância com as


disposições contidas nos Arts. 5o, I, XLVIII e L, e 208, IV, da Constituição
Federal; Arts. 83, § 2o, e 117, III e IV, da Lei de Execução Penal; e Art. 37,
do Código Penal, e possibilitam, inclusive, a efetivação de aleitamento
materno à criança, cuja mãe se encontre presa (MARCÃO, 2018, p. 130).

Não se olvide, ainda, outra preocupação do legislador, no que tange aos


profissionais responsáveis pela custódia das sentenciadas mulheres.

Os Arts. 77, § 2.°, e 88, § 2.°, da Lei de Execução Penal, expressamente,


admitem o trabalho de agentes penitenciárias do sexo feminino nos
estabelecimentos prisionais destinados às mulheres segregadas de liberdade,
excetuando-se, apenas, quando se tratar de pessoal técnico especializado,
podendo ser exercido por homens.

151
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A Lei de Execução Penal organiza o quadro de pessoal penitenciário em


quatro categorias distintas: pessoal administrativo (diretor e outros servidores que
exercem funções de chefia); pessoal especializado (médicos, dentistas, assistentes
sociais, psicólogos etc.); pessoal de instrução técnica (professores, especialistas em
ofícios determinados, educadores etc.) e pessoal de vigilância (guardas).

Assim, nos estabelecimentos prisionais femininos, o quadro funcional


deve ser composto com funcionárias do sexo feminino para os quadros de pessoal
administrativo, de instrução técnica e de vigilância.

Tendo em vista se tratar de um cargo com previsão específica na lei, e,


apenas, havendo expressa de vedação do exercício, por parte de homens, das
funções previstas no Art. 77, da Lei de Execução Penal, nos estabelecimentos
prisionais destinados às mulheres, não há, portanto, vedação de pessoas do sexo
masculino para o exercício do cargo de diretor (AVENA, 2019).

Necessário frisar que, como é o caso das penitenciárias masculinas, os


estabelecimentos prisionais femininos, além das peculiaridades mencionadas
anteriormente, precisam oferecer condições mínimas às apenadas.

O Art. 88, da Lei Execução Penal, dispõe que o condenado deve ser alojado
em cela individual, com dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

A unidade celular precisa constituir um ambiente salubre com a


concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico
adequados à existência humana, e possuir, no mínimo, 6,00 m² (seis metros
quadrados) (Art. 88, parágrafo único da LEP).

Essas condições mínimas são os requisitos para as celas das penitenciárias


e das cadeias públicas, destinadas, respectivamente, para os presos que cumprem
pena em regime fechado e para os provisórios (Arts. 87 e 102).

Para os apenados que se encontram cumprindo pena em regime


semiaberto, a legislação estabelece o cumprimento da pena em colônias agrícolas,
industriais ou similares.

Nos estabelecimentos prisionais destinados aos presos em cumprimento de


pena em regime semiaberto, o apenado consegue ser alocado em compartimento
coletivo (Art. 91, da LEP).

As dependências coletivas, assim como as unidades celulares dos apenados


em cumprimento de pena em regime fechado, precisam ser ambientes salubres e
possuir uma seleção adequada dos detentos, com limite de capacidade máxima.

152
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico são as instalações


destinadas aos condenados que, na sentença condenatória, foram considerados
inimputáveis e semi-imputáveis. Essas unidades celulares devem possuir os
mesmos requisitos mínimos estabelecidos pela Lei para as Penitenciárias e
Cadeias Públicas.

Para um melhor entendimento, segundo o que dispõe o Art. 26, do


Código Penal, o apenado inimputável é aquele que possui doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato. Já o semi-
inimputável é aquele que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz
de entender o que fez.

Por fim, a Casa do Albergado é destinada ao cumprimento da pena


privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de
semana. O referido estabelecimento deve ser situado no centro do município e
não pode possuir muros, devendo conter, além dos aposentos para acomodar os
presos, um local adequado para os cursos e as palestras.

6 OS DESAFIOS FUTUROS DOS ESTABELECIMENTOS


PRISIONAIS FEMININOS
O atual cenário de grave crise, no sistema prisional brasileiro, desafia as
autoridades constituídas a encontrarem uma saída de forma urgente.

Como visto, na década de 1920, com a construção da penitenciária de São


Paulo, no bairro do Carandiru, foi um marco na evolução das prisionais no Brasil.
Construída para contemplar 1.200 reclusos, oferecia, na época, o que havia de
mais moderno nas prisões, como oficinas para o trabalho prisional, enfermarias,
escola, corpo técnico, acomodações adequadas e segurança.

Com relação às alterações promovidas na legislação penal brasileira,


no ano de 1977, e, posteriormente, em 1984, alterou-se o modelo extremamente
punitivo da aplicação das sanções penais, reservando, a partir de então, as penas
de prisão apenas aos delitos considerados mais graves pela lei.

Ocorre que, nas últimas duas décadas, os índices de criminalidade


aumentaram, substancialmente, no Brasil, que, apesar de criar um cenário de
insegurança na população, em geral, tem levado a um aumento significativo do
número de pessoas encarceradas no país.

O enorme crescimento da população carcerária, no Brasil, piorou o cenário,


já ruim, dos estabelecimentos prisionais, o que gerou uma situação degradante
com o descumprimento, de forma reiterada, da Constituição Federal e da Lei de
Execução Penal, cerceando os direitos mínimos das pessoas recolhidas à prisão.
153
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Para termos uma noção, os dados fornecidos pelo Departamento Nacional


Penitenciário, do mês de junho de 2020, demonstraram que existiam cerca de 670
(seiscentos e setenta mil) pessoas presas em estabelecimentos prisionais no país.
Por sua vez, a quantidade de vagas disponibilizadas alcançava um total em torno
de 446 (quatrocentas e quarenta e seis) mil.

Assim, com uma pequena diminuição do número total do déficit de vagas


em comparação ao ano de 2019, os dados do Departamento Nacional Penitenciário
demonstraram que, em 2020, havia, no Brasil, um déficit de pouco mais de 230
(duzentas e trinta) mil vagas.

Para uma melhor visualização, apresentaremos os comparativos anuais,


demonstrando o número de presos, o total de vagas disponibilizado e o
respectivo déficit:

GRÁFICO 4 – VAGAS NAS UNIDADES PRISIONAIS

FONTE: <encurtador.com.br/cgtAC>. Acesso em: 24 abr. 2021.

As consequências da crise do sistema penitenciário são, extremamente,


graves, como as rebeliões e os motins, cada vez mais frequentes; o aumento
significativo de fugas; a massificação; e o fortalecimento das organizações
criminosas, gerando muitas mortes violentas no interior dos estabelecimentos
prisionais.

154
TÓPICO 1 — OS PRESÍDIOS FEMININOS

Esse cenário de crise, com o descumprimento reiterado da Constituição


Federal e da Lei de Execução Penal, levou o Supremo Tribunal Federal, por meio da
decisão proferida na Medida Cautelar na Ação de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n° 347, em setembro de 2015, ao reconhecimento do “estado de
coisas inconstitucional”, assim denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia,
quando há violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente
de falhas estruturais e falência de políticas públicas, cuja modificação depende de
medidas abrangentes de naturezas normativa, administrativa e orçamentária.

Extrai-se, da ementa do julgamento da Medida Cautelar na Ação de


Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 347:

CUSTODIADO – INTEGRIDADES FÍSICA E MORAL – SISTEMA


PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição
de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação
degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO
NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES
DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de
violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente
de falhas estruturais e falência de políticas públicas, cuja modificação
depende de medidas abrangentes de naturezas normativa, administrativa
e orçamentária. Deve, o sistema penitenciário nacional, ser caraterizado
como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO
NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação
precária das penitenciárias, o interesse público direciona a liberação das
verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
– OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais,
observados os artigos 9.3, do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, e 7.5, da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até
noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento
do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas,
contado do momento da prisão (ADPF 347 MC, Relator(a): MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016).

Esse julgamento liminar constitui um marco histórico jurisprudencial.


Com a deliberação inicial para a realização das audiências de custódias no prazo
de 24 (vinte e quatro) horas e do descontingenciamento das verbas do Fundo
Penitenciário Nacional, houve um reconhecimento judicial da situação degradante
do sistema penitenciário nacional em decorrência da completa falência das
políticas públicas direcionadas ao sistema prisional.

Outra decisão judicial de grande relevância, já mencionada, anteriormente,


neste tópico, refere-se ao Habeas Corpus n° 143641, também, julgado pelo
Supremo Tribunal Federal. Restou comprovada, nos autos, a existência de situação
estrutural na qual mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo,
aqui, no sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos
termos do Art. 2°, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estavam, de
fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados

155
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim, berçários e creches para os


filhos. Por conseguinte, foi concedida a ordem de habeas corpus, determinando
a substituição da prisão preventiva, pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação
concomitante das medidas alternativas previstas no Art. 319, do CPP, de todas as
mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de deficientes.

Cabe ressaltar que uma das iniciativas que servem, como exemplo, para
uma solução futura do sistema penitenciário do Brasil, foi a construção das
penitenciárias federais, já previstas na Lei de Execução Penal de 1984, concebidas
apenas a partir de 2006, com a construção da penitenciária federal, situada no
município de Catanduvas – PR.

Atualmente, o Sistema Penitenciário Federal (SPF) é composto pelas


unidades prisionais em Campo Grande (MS), Catanduvas (PR), Mossoró (RN),
Brasília (DF) e Porto Velho (RO), todas construídas com base no modelo americano
de penitenciárias de segurança máxima.

O perfil dos presos que são encaminhados para o Sistema Penitenciário


Federal se encontra estabelecido na Lei n° 11.671/2008 e no Decreto n° 6.877/2009.
Os reclusos que ingressam são aqueles que podem comprometer a ordem nos
Estados de origem, líderes de organizações criminosas e réus colaboradores.

A eficiência do Sistema Penitenciário Federal é algo que impressiona,


posto que, durante todo esse período, nunca houve o registro de fugas de presos,
de rebeliões ou de superlotação. Além disso, nenhum aparelho celular entrou nas
unidades federais do país.

O futuro dos estabelecimentos prisionais brasileiros, de maneira geral,


deve tomar, como exemplo, o Sistema Penitenciário Federal, passando por um
aumento significativo da oferta de vagas, estruturação das unidades prisionais,
fortalecimento dos sistemas de segurança interno, investimentos no setor de
inteligência prisional e oferecimento de assistência social, saúde, educacional e
de trabalho aos reclusos, viabilizando a punição e a ressocialização.

156
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Embora o Brasil possua a quarta maior população feminina encarcerada do


mundo, as prisões são espaços, prioritariamente, masculinos, sendo, um
desafio, garantir os direitos das mulheres em situação de encarceramento.

• Os direitos e as garantias das mulheres encarceradas se encontram na


Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Com os amparos
jurídico e político, os presos cumprirão as penas em estabelecimentos prisionais
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, a
partir do que dispõe o Art. 5°, inciso XLVIII, da Constituição Federal.

• Dos direitos e garantias previstos pela ordem constitucional, destaca-se que,


além de os estabelecimentos prisionais necessitarem de espaços adequados
para gestantes e parturientes e de creche para abrigar crianças maiores de seis
meses e menores de sete anos, é assegurada, também, às mulheres grávidas, a
não utilização de algemas, e durante os atos médico-hospitalares preparatórios,
para a realização do parto, e o nascimento da criança. Ainda, incluem-se as que
enfrentam o período de puerpério imediato.

• A prisão cautelar deve ser uma medida excepcional, devendo ser aplicada
apenas quando houver efetiva necessidade de segregação cautelar.

• As chamadas Regras de Bangkok, editadas pela Organização das Nações


Unidas, em 2010, que possuem, como princípio básico, a necessidade de
observar as necessidades básicas peculiares das mulheres presas, em parte, já
amparadas pela legislação brasileira, foram recepcionadas, no Brasil, pela lei e
pela jurisprudência.

• A partir do século XXI, o crescimento da população carcerária feminina vem


aumentando de forma acentuada, apresentando discrepância entre o número
de presas jovens e não jovens no Brasil, chamando a atenção para o fato de que
62% da população prisional feminina é composta por mulheres negras.

• A grande parte da população carcerária feminina, em situação de cárcere,


no Brasil, encontra-se recolhida pelo crime de drogas, representando 62%.
A segunda maior incidência é relacionada aos crimes contra o patrimônio e
contra a pessoa.

• O atual cenário de grave crise, no sistema prisional brasileiro, desafia as


autoridades constituídas a encontrarem uma saída de forma urgente, uma vez
que o grande crescimento da população carcerária piora o cenário, já ruim,
dos estabelecimentos prisionais, o que gera uma situação degradante com
o descumprimento, de forma reiterada, da Constituição Federal e da Lei de
Execução Penal, cerceando os direitos mínimos das pessoas recolhidas à prisão.

157
AUTOATIVIDADE

1 A Lei n° 7.210/1984, que institui a Lei de Execução Penal, constituiu um marco


inovador do direito penal nacional e foi recepcionada pela Constituição
Federal de 1988. A Lei de Execução Penal estabeleceu, dentre outras
inovações, que as mulheres devem ser recolhidas em estabelecimentos
prisionais adequados às condições pessoais. Quando da promulgação da
Constituição de 1988, foram definidos direitos e garantias da mulher em
situação de cárcere, dentre os quais se destaca o seguinte:

a) ( ) Os presos cumprem as penas em estabelecimentos prisionais distintos,


de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
b) ( ) Como homens e mulheres são considerados sujeitos iguais em
direitos e obrigações, as penas são cumpridas por todos no mesmo
estabelecimento prisional.
c) ( ) É inconstitucional a imposição da separação da mulher presa do
homem preso.
d) ( ) Em nome da igualdade de gênero, as mulheres não necessitam cumprir
pena em estabelecimento próprio.

2 De acordo com o Art. 282, parágrafo único do Código de Processo Penal


brasileiro, é assegurada, às mulheres grávidas, a não utilização de algemas, e
durante os atos médico-hospitalares preparatórios, para a realização do parto,
e o nascimento da criança. Ainda, incluem-se as que enfrentam o período de
puerpério imediato. À luz da Constituição de 1988, é CORRETO afirmar:

a) ( ) O não uso de algemas pelas mulheres presas fere o direito fundamental


de segurança dos agentes prisionais e dos profissionais da saúde que
as atendem.
b) ( ) O não uso de algemas é admitido apenas durante o trabalho de parto.
c) ( ) O não uso de algemas se justifica pela particularidade da condição e da
situação da mulher grávida.
d) ( ) O uso de algemas, em mulheres presas, é obrigatório durante os atos
médico-hospitalares preparatórios, para a realização do parto, a fim de
garantir a segurança dos profissionais da saúde.

3 As Regras de Bangkok possuem, como princípio básico, a necessidade


de observar as necessidades básicas peculiares das mulheres privadas de
liberdade. Dentre as diversas regras estabelecidas pelas Nações Unidas e
recepcionadas pela legislação nacional, é importante citar:

a) ( ) A possibilidade de substituição da prisão preventiva, pela domiciliar,


em situações específicas.
b) ( ) As Regras de Bangkok vieram a substituir o Código de Processo Penal
brasileiro.

158
c) ( ) Até o momento, as Regras de Bangkok não foram recepcionadas pela
legislação brasileira.
d) ( ) As Regras de Bangkok não foram recepcionadas pelo Código Penal
brasileiro.

4 Considere o breve texto que segue: “Analisando o perfil das detentas no país,
é possível observarmos que os mecanismos de opressão e os marcadores
sociais de seletividade do sistema penal se repetem em relação a mulheres
presas. Segundo dados do Infopen Mulheres, no que tange à faixa etária
das presidiárias, 25,22% delas possuem entre 18 a 24 anos, e, 22,11%, entre
25 a 29 anos, ou seja, 47,33% da população carcerária feminina é jovem.
Contudo, o recorte racial é ainda mais revelador: 63,55% delas se declaram
negras (somatório entre pardas e pretas), enquanto, apenas 35,59%,
brancas (dados de 2017). Comparando esses números ao da população
negra no Brasil, no mesmo ano, estimada em 55,4%, é possível perceber a
sobrerrepresentação da população negra no sistema prisional brasileiro”.

FONTE: <http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=975>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Pergunta-se: é possível afirmar que o sistema prisional expresso desigualdades


sociais? Justifique a sua resposta.

5 Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico são as instalações


destinadas aos condenados considerados inimputáveis e semi-imputáveis.
As unidades celulares dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico
devem possuir cos mesmos requisitos mínimos estabelecidos, pela lei,
para as penitenciárias e as cadeias públicas. Pergunta-se: o que são presos
considerados inimputáveis e semi-imutáveis?

159
160
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM


CONFLITO COM A LEI

1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história do Brasil, buscaram-se novas e eficazes medidas,
instrumentos legais e expressões que melhor pudessem responder ao desafio
social do jovem em conflito com a lei. “Reintegração social”, “ajustamento social”
e “reintegração socioeducativa” são alguns dos termos utilizados para rotular o
cumprimento de medidas aplicadas aos jovens em privação de liberdade.

Neste Tópico 2, será analisada a construção da lógica punitiva, que,


historicamente, foi norteando o agir do Estado e as políticas adotadas no
enfrentamento da questão do jovem que se encontrava em situação de segregação
social. A redefinição do sistema, com a transição da lógica menorista do Código de
Menores de 1979, para o modelo socioeducativo e protetivo, trazido pelo Estatuto
da Criança e Adolescente, abarcou a necessidade de serem implantadas medidas,
além de procedimentos que se diferenciassem do sistema prisional.

Veremos que, desde a estrutura física, passando pela formação dos


recursos humanos, até a consolidação de uma nova cultura, são permanentes
desafios para o estabelecimento de políticas públicas adequadas destinadas à
parcela particular da sociedade.

Desde o horizonte da ordem constitucional democrática, neste tópico,


estudaremos e refletiremos a respeito do tema da reabilitação socioeducativa dos
jovens em conflito com a lei.

2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA


APLICADA AOS JOVENS EM CONFLITOS COM A LEI
Conforme já abordado anteriormente, os colonizadores portugueses,
quando chegaram no território brasileiro, depararam-se com uma população
indígena e que não possuía um ordenamento jurídico organizado nos moldes
europeus, e, em decorrência disso, as penas aplicadas aos infratores eram
aleatórias, inspiradas na vingança privada, e, muitas delas eram demasiadamente
cruéis, de morte ou banimento (NUCCI, 2019).

161
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 5 – ORDENAÇÕES FILIPINAS

FONTE: <http://www.hgadvocacia.com/wp-content/uploads/2020/02/WhatsApp-Image-
-2020-02-21-at-18.39.03.jpeg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

As Ordenações Filipinas permaneceram vigentes até o advento do


Código Penal Imperial, sancionado em 16 de dezembro de 1830, que previu
a inimputabilidade penal aos menores de 14 anos (Art. 10), entretanto, caso
houvesse a comprovação do discernimento, eram recolhidas as Casas de Correção
pelo período a ser determinado pelo juiz, sem exercer a idade de 17 anos.

Aos réus que possuíam idade compreendida entre 14 a 17 anos, o juiz


estava apto a aplicar as “penas da complicidade” (Art. 18, item 10). De 17 a 21 anos
de idade, o Código Penal Imperial reservava a aplicação de uma atenuante.

Frisa-se que, nesse período da história brasileira, não havia qualquer


distinção entres crianças, jovens e adultos, sendo, o condenado maior de 14 anos,
encaminhado para as prisões comuns.

Com a promulgação da República, foi editado o Código Penal de 1890, que


trouxe significativas alterações com relação à imputabilidade penal, notadamente,
a adoção da Teoria do Discernimento.

162
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

FIGURA 6 – A INOVAÇÃO DO CÓDIGO DA REPÚBLICA

FONTE: Adaptada de <https://docplayer.com.br/15292481-Estatuto-da-crianca-e-do-adolescente.html>.


Acesso em: 24 abr. 2021.

Segundo o Código de Penal de 1890, o Código Penal da República,


a imputabilidade penal foi reduzida para nove anos de idade (Art. 27, §1°),
entretanto, a das crianças entre nove a 14, ficava condicionada à presença da
comprovação do discernimento do ato criminoso, determinando-se o recolhimento
a estabelecimentos disciplinares industriais pelo tempo conveniente ao juiz, desde
que não ultrapassasse 17 anos (Art. 27, §2° c/c, Art. 30).

Aos jovens com idade entre 14 e 17 anos, era prevista a aplicação das penas
“da cumplicidade”, assim como eram estabelecidas pelo Código Penal Imperial,
de 1830 (Art. 65).

163
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Os condenados pelo crime de “vadiagem”, com idade superior a 14 anos,


eram recolhidos a estabelecimentos industriais até os 21 (Art. 399, § 2°).

Em razão do contexto social da época, poucos anos após a abolição da


escravatura, sem uma política de reinserção dos negros libertos, houve um
aumento crescente da população de pobres espalhada nas ruas. Diante da situação
de empobrecimento absoluto, não restavam alternativas de sobrevivência,
com a submissão a trabalhos informais, precarizados e super exploratórios, ou
sucumbiam à exploração e à criminalidade.

O quadro favoreceu uma grande incidência de crimes praticados por


crianças e adolescentes no início do século XX, que, frequentemente, eram
destaques na imprensa brasileira, como o caso do menor Apollinario Caetano da
Silva, condenado à pena de seis meses de trabalho pela prática de crime de furto.

FIGURA 7 – NOTÍCIA DE CONDENAÇÃO DE UM “MENOR”

FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/imagens/copy_of_recorteok.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Com a edição da Lei n° 4.242, de 1921, a Teoria do Discernimento, pelo


Código Penal de 1890, foi inutilizada, tornado, imputáveis, penalmente, os jovens
maiores de 14 anos autores ou cúmplices de crime ou contravenção, considerados
"menores delinquentes".

O Código de Menores de 1927 previa, ainda, que, no caso de crimes graves


cometidos por um cidadão de 16 a 18 anos, sendo comprovado que esse indivíduo
era perigoso, era aplicada a “pena da cumplicidade”, sendo encaminhado a
um estabelecimento para condenados menores de idade, ou, em falta, a uma
prisão comum, com separação dos condenados adultos até a comprovação da
regeneração, não podendo, todavia, ultrapassar o limite legal.

164
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

FIGURA 8 – TRECHOS DO CÓDIGO DE MENORES DE 1927

FONTE: <https://www.diariodepernambuco.com.br/static/app/
noticia_127983242361/2015/07/07/585086/20150707105059111420o.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Já no período do governo do presidente Getúlio Vargas, a, inicialmente,


edição do Decreto n° 22.213, de 14 de dezembro de 1932, conhecida como
Consolidação das Leis Penais, reafirmou, no Art. 27, §1°, que não são criminosos
os menores de 14 anos. O Decreto manteve a aplicação do Código de Menores de
1927 aos jovens “abandonados” e “delinquentes” menores de 18 (Art. 30).

Durante o governo de Vargas, foi editado, ainda, o Decreto-Lei n°


2.848/1940, que instituiu o Código Penal brasileiro vigente até os dias que
preservam a maioridade penal a partir dos 18 anos, reservando, aos menores, a
aplicação das normas estabelecidas na legislação especial.

Após o Golpe Militar de 1964, foram criadas a Fundação Nacional do


Bem-Estar do Menor (Funabem) e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor
(PNBEM), sucessoras do Serviço de Assistência a Menores (SAM), fundadas
no governo de Getúlio, com o objetivo de coordenar todas as ações da área. A
problemática da infância passou a ser tratada como problema de segurança
nacional e deu origem às Febems em nível estadual.

O governo militar foi responsável pela edição do novo Código de Menores


em 1979, adicionando a doutrina de proteção integral, adotada, até hoje, pelo
Estatuto da Criança e Adolescente.

165
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 9 – CÓDIGO DE MENORES

FONTE: Adaptada de <http://www.sesp.mt.gov.br/documents/4713378/12078462/pALESTRA+-


+ECA.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Contudo, o Código de Menores de 1979 estabeleceu, no Art. 2°, o conceito


do menor em “situação irregular”, sem apresentar qualquer distinção entre menor
abandonado e menor delinquente, considerando ambos em situação irregular e,
dessa forma, estando passíveis de aplicação das mesmas medidas, como a da
internação. O cumprimento, em ambos os casos, ocorria em uma mesma unidade
de atendimento.

Acerca da concepção de “situação irregular”, utilizada pelo Código de


Menores de 1979:

[...] reafirmava a concepção de anormalidade dos menores criminosos


e delinquentes, ampliando o leque de ações, ao caracterizar uma série
de situações, chamadas de “risco” (abandono, violência doméstica,
pobreza, indigência, exploração do trabalho, criminalidade, vícios,
orfandade etc.), nas quais a intervenção do Estado – via Judiciário –
seria legítima e necessária (ABREU; MARTINEZ, 1979, p. 26).

O Código de Menores de 1979 possuía uma breve vigência, na medida em


que foi revogado, posteriormente, pela promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, sendo instituído pela Lei n° 8.069/90.

166
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído em consonância


com o disposto na Constituição Federal de 1988, que estabelece, no Art. 227, como
“dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar, à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e às convivências familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão" (BRASIL, 1990).

Adotando, também, a Doutrina da Proteção Integral, o Estatuto da Criança


e do Adolescente rompe os paradigmas, até então, vigentes, acerca da “situação
irregular”, do “assistencialismo”, da “estatalidade” e da “centralização” das
ações e das “funções anômalas” do Poder Judiciário.

DICAS

Acerca da ideologia minorista, que, até os dias de hoje, está presente no cotidiano
brasileiro, sugere-se a leitura do texto O Minorismo Nosso de Cada Dia, de Humberto
Miranda, disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/o-menorismo-nosso-de-
cada-dia#:~:text=O%20menorismo%20nega%20as%20diferentes,sociodiversidade%20
e%20as%20culturas%20infantis.&text=%C3%89%20preciso%20se%20reinventar%20
enquanto,suas%20diferentes%20inf%C3%A2ncias%20e%20adolesc%C3%AAncias.

3 SISTEMA SOCIOEDUCATIVO PÁTRIO À LUZ DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE
Conforme estudado no tópico anterior, a legislação aplicável à criança
e ao adolescente em conflito com a lei passou por inúmeras alterações desde a
vigência das Ordenações Filipinas até os dias atuais.

O Código Penal Imperial estabelecia a aplicação das mesmas sanções


penais, aplicadas aos adultos, para os jovens a partir dos 14 anos de idade, contudo,
caso houvesse a comprovação do discernimento para o cometimento do crime, o
jovem seria recolhido em Casas de Correção pelo período a ser determinado pelo
juiz, sem exercer os 17 anos.

Com supedâneo na Teoria do Discernimento, o Código Penal da República


reduziu a imputabilidade penal para, apenas, nove anos de idade, contudo, para
as crianças entre nove a 14, a aplicação da sanção penal ficava condicionada à
presença da comprovação do discernimento do ato criminoso, determinando-se o
recolhimento a estabelecimentos disciplinares industriais pelo tempo conveniente
ao juiz, desde que não ultrapassasse 17 anos.
167
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A realidade começou a ser alterada por meio da edição da Lei n° 4.242,


de 1921, sendo, a Teoria do Discernimento, inutilizada, e, por consequência, a
imputabilidade penal fixada, novamente, a partir dos 14 anos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído em consonância


com o disposto na Constituição Federal de 1988, que estabelece, no Art. 227, como
“dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar, à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e às convivências familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão" (MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ, 2015)

A partir de então, a Doutrina da Proteção Integral foi adotada no


ordenamento jurídico pátrio, doutrina utilizada pela Convenção Internacional
dos Direitos das Crianças e pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, de
1979, posteriormente, Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em
1989, com ratificação, pelo Brasil, através do Decreto n° 99.710/1990 (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO PARANÁ, 2015).

FIGURA 10 – MUDANÇAS DE PARADIGMA

FONTE: <https://cadernodatata.com.br/wp-content/uploads/2020/03/23-1536x579.png>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu a diferenciação entre as


crianças e os adolescentes em situação de risco com os jovens em conflito com a lei.

Prevê, no Art. 103, que o “ato infracional é a conduta descrita como


crime ou contravenção penal”. Dessa forma, segue a estrutura do delito, para a
definição do ato.

168
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Crime “é a conduta ilícita que a sociedade considera mais grave,


merecendo, pois, a aplicação da pena, devidamente prevista em lei, constituindo
um fato típico, antijurídico e culpável” (NUCCI, 2019, p. 57).

Para a exata compreensão, Tavares (1998) apresenta o seguinte conceito


de ato infracional: “ação típica configuradora do crime ou da contravenção
no universo dos imputáveis” (TAVARES, 1998, p. 101). Assim, caso haja o
cometimento de ato infracional por criança ou adolescente, o Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas protetivas e/ou
socioeducativas. Contudo, é necessário observar que, para os atos infracionais
praticados por crianças, que, conforme estabelece o Art. 2.°, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, são as pessoas com até 12 anos de idade incompletos,
há a aplicação, em regra, pelos Conselhos Tutelares, a não ser que a medida
seja de competência exclusiva da autoridade judiciária, compreendendo as
seguintes medidas protetivas: I – encaminhamento aos pais ou ao responsável,
mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento
temporários; III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em serviços e programas oficiais
ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do
adolescente;  V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico,
em regime hospitalar ou ambulatorial; e VI – inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

169
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 11 – MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/102668066494891214/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Em que pese o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecer a aplicação


de todas as medidas elencadas no Art. 101, com a vigência da Lei n° 12.010/2009,
as medidas protetivas dos acolhimentos institucional e familiar somente podem
ser determinadas pela autoridade judiciária, e não mais pelo Conselho Tutelar
(Art. 101, § 3°, do Estatuto) (ROSSATO, 2019).

Atente-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente reserva a aplicação


das medidas socioeducativas apenas aos adolescentes, que são as pessoas que
possuem entre 12 e 18 anos de idade.

O Art. 112, do Estatuto, elenca as medidas socioeducativas destinadas aos


adolescentes que cometem atos infracionais, quais sejam: advertência; obrigação
de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida;
inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional;
qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI. Podem ser conceituadas “como
uma medida jurídica aplicada em procedimento adequado ao adolescente autor
de ato infracional” (ROSSATO, 2019, p. 390).
170
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Essas medidas jurídicas possuem, ao mesmo tempo, um conteúdo


pedagógico e sancionador, e a aplicação precisa observar três elementos:
capacidade do adolescente para cumprir a medida, circunstâncias e gravidade da
infração, conforme dispõe, também, o Art. 112, § 1°.

Antes de analisarmos cada uma, previstas na legislação, é importante frisar


que, como ocorre com as pessoas adultas que cometem crimes ou contravenções,
em consonância com o Art. 5.°, LXI, da Constituição Federal, nenhum adolescente é
privado da liberdade, senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente (Art. 106, do ECA).

A primeira medida socioeducativa prevista na legislação é a advertência,


sendo a mais branda de todas e reservada “para os atos infracionais considerados
leves, envolvendo a lesão a bens jurídicos de menor relevância, além de ser
destinada aos adolescentes de primeira vez” (NUCCI, 2019, p. 451).

A advertência possui grande importância e tem, como principais objetivos,


demonstrar ao adolescente o ato por ele praticado, embora não mereça resposta
mais acentuada; evidenciar os motivos para aplicar a sanção; e advertir que, caso
haja reiteração da conduta, pode ser gerada aplicação futura de medida mais
severa, como a internação.

Diferentemente das demais medidas socioeducativas, conforme o que


dispõe o Art. 114, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
advertência pode ser aplicada sempre que há prova de materialidade e indícios
suficientes da autoria.

A segunda medida socioeducativa elencada pelo Estatuto da Criança


e do Adolescente é denominada de obrigação de reparar o dano. “Tem, como
finalidade, promover a compensação da vítima, por meio da restituição do bem,
do ressarcimento ou de outras formas” (ROSSATO, 2019, p. 395).

Para a aplicação, assim como para todas as demais, com exceção, como
visto, anteriormente, a partir da medida socioeducativa da advertência, é
necessária a comprovação de provas seguras da autoria e da materialidade da
infração pelo adolescente infrator, e não apenas indícios.

Destinada aos atos infracionais com reflexos patrimoniais, caso haja a


reparação do dano pelo adolescente infrator, está extinta a medida, e não existindo
condições financeiras de repará-lo, pelo adolescente, o juízo deve aplicar outra
medida, de forma que o jovem suporte a responsabilidade.

Conforme dispõe o Art. 117, do Estatuto da Criança e do Adolescente,


“a prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas
de interesse geral, por período não excedente a seis meses, com entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, e programas
comunitários ou governamentais” (BRASIL, 1990).

171
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Utilizada, também, para os adultos, na aplicação das penas restritivas de


direitos, a medida socioeducativa de prestação de serviços comunitários tem,
como objetivo, a reeducação dos adolescentes por meio de trabalhos comunitários,
fazendo com que eles, por meio de serviços comunitários, vivenciem pouco da
condição de miserabilidade ou dor alheia.

[...] Medida de liberdade assistida é a medida socioeducativa por


excelência. Por meio dela, o adolescente permanece com a família e
convivendo com a comunidade, ao mesmo tempo em que está sujeito
a acompanhamento, auxílio e orientação (ROSSATO, 2019, p. 397).

Com duração mínima de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada


ou substituída por outra medida, a qualquer tempo, o cumprimento é realizado
de forma aberta, sem qualquer restrição direta à liberdade do adolescente infrator.

Para o cumprimento, é designado um orientador, responsável por


promover, socialmente, o adolescente e a família, fornecendo-lhes orientação
e os inserindo, se necessário, em um programa oficial ou comunitário de
auxílio e assistência social; supervisionar a frequência e o aproveitamento
escolar do adolescente, fazendo, inclusive, a matrícula; diligenciar, no sentido
da profissionalização do adolescente e da inserção, no mercado de trabalho; e
apresentar o respectivo relatório do caso à autoridade judiciária (Art. 119, do
ECA (BRASIL 1990).

As duas medidas socioeducativas que restringem a liberdade do


adolescente infrator são a socioeducativa de semiliberdade e a de internação.

A primeira delas obriga o jovem a “se recolher no período noturno, em


unidade de atendimento específica, enquanto estuda e/ou trabalha durante o dia”
(NUCCI, 2018, p. 461).

Como se pode observar, o adolescente permanece afastado do convívio


familiar e da comunidade, na medida em que a liberdade é, parcialmente,
restringida, entretanto, não há a privação integral dos direitos de ir e vir.

Essa medida pode ser aplicada, inicialmente, na sentença, e na forma de


transição para o meio aberto, nos termos do Art. 120, do Estatuto da Criança e
do Adolescente.

Assim como na medida socioeducativa de internação, as medidas não


comportam prazo determinado, devendo, a manutenção, ser reavaliada, mediante
decisão fundamentada, no máximo, a cada seis meses, contudo, em nenhuma
hipótese, exceder três anos (Art. 121, § 3°, do ECA), e podendo ser aplicada, ao
infrator, até que este possua, no máximo, 21 anos (Súmula 605, do STJ).

A última medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do


Adolescente é a internação, que consiste na mais severa de todas, sem restrição
de liberdade do adolescente.

172
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece três modalidades de


internação, quais sejam: (I) internação provisória, prevista no Art. 108, decretada,
pelo juízo, durante o processo de conhecimento, com duração-limite de 45 dias;
(II) internação com prazo indeterminado, também decretada, pelo juízo, na
sentença proferida no processo de conhecimento, tendo prazo-limite de três anos,
aplicada quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou
violência à pessoa ou por reiteração no cometimento de outras infrações graves
(Art. 122, incisos I e II) e; (III) internação com prazo determinado, decretada, pelo
juízo, na fase de execução da medida de internação, com máximo de três meses,
aplicada em razão do descumprimento de medida, anteriormente, imposta, a
partir do que dispõe o Art. 122, inciso III.

Além do prazo máximo de três anos para a aplicação da medida de


internação, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que, caso o jovem
complete 21 anos durante a medida, precisa ser liberado compulsoriamente,
diante do que dispõe o Art. 121, § 5°.

Em comparação aos adultos recolhidos à prisão, ao adolescente que,


também, esteja privados de liberdade, são assegurados diversos direitos
elencados no Art. 105, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo eles:
entrevistar-se, pessoalmente, com o representante do Ministério Público;
peticionar, diretamente, a qualquer autoridade; avistar-se, reservadamente, com
o defensor; ser informado da situação processual, sempre que solicitada; ser
tratado com respeito e dignidade; permanecer internado na mesma localidade ou
naquela mais próxima ao domicílio dos pais ou responsável; receber visitas, ao
menos, semanalmente; corresponder-se com os familiares e o amigos; ter acesso
aos objetos necessários à higiene e ao asseio pessoal; habitar em um alojamento
em condições adequadas de higiene e de salubridade; receber escolarização e
profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; ter acesso
aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa, segundo a crença,
e desde que, assim, deseje; manter a posse dos objetos pessoais e dispor de um
local seguro para guardá-los, recebendo um comprovante daqueles, porventura,
depositados em poder da entidade e; receber, quando da desinternação, os
documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

Sem prejuízo dos direitos supramencionados, o Estatuto da Criança


e do Adolescente, ainda, estabelece que não há, em nenhuma hipótese, a
incomunicabilidade do adolescente, nem cabendo, apenas, à autoridade judiciária,
a suspensão temporária das visitas ao adolescente infrator, caso existam motivos
sérios e fundados da prejudicialidade aos interesses do jovem, além de ser
imposto, ao Estado, o dever de zelo às integridades física e mental dos internos.

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente dita a possibilidade da


concessão da remissão em favor do adolescente infrator, antes de iniciado o
procedimento judicial, também denominado de pré-processual ou ministerial,
importando na exclusão do processo de conhecimento. Já a remissão processual
ou judicial é concedida pela autoridade judiciária e importa na suspensão ou na
extinção do processo.

173
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Em ambos os casos, segundo Rossato (2019), não é gerado, necessariamente,


o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade, nem prevalece para
efeito de antecedentes, podendo ser própria – sem a cumulação com qualquer
medida socioeducativa – ou imprópria – com a aplicação de qualquer das medidas
previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

A remissão, para ser concedida, nos termos do Art. 126, do Estatuto da


Criança e do Adolescente, observa as circunstâncias e as consequências do fato
ao contexto social, além da personalidade do adolescente e da maior ou menor
participação no ato.

O texto do Estatuto da Criança e do Adolescente reproduz grande parte da


Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e da Declaração Universal dos
Direitos da Criança, de 1979, posteriormente, Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas, de 1989, com ratificação, pelo Brasil, através do Decreto n°
99.710/1990.

Cabe destacar que, desde a edição do Código de Menores, em 1927, a


maioridade penal, no Brasil, permanece estabelecida a partir dos 18 anos, e,
atualmente, encontra-se prevista no Art. 228, da Constituição Federal. Entretanto,
dentre as diversas propostas legislativas apresentadas, destaca-se a Proposta
de Emenda à Constituição n° 171/1993, aprovada no dia 2 de julho de 2015,
em primeiro turno de votação, na Câmara dos Deputados: houve a redução da
maioridade penal de 18, para 16 anos, para crimes hediondos, homicídio doloso
e lesão corporal seguida de morte, e, atualmente, encontra-se pendente para
votação em segundo turno.

174
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

FIGURA 12 – SÍNTESE – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/456622849696708845/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

175
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

4 PERFIL DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES EM


CONFLITO COM A LEI NO BRASIL
Para conhecermos e identificarmos o perfil das crianças e dos adolescentes
em conflito com a lei, utilizaremos o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE, instituído pela Lei Federal n° 12.594/2012, que compila
informações estatísticas do sistema socioeducativo brasileiro.

O último detalhamento mais aprofundado, realizado pelo Sistema


Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, é datado de 2017,
publicado, em 2019, no Levantamento Anual Sinase 2017 (BRASIL, 2017), o que
será demonstrado a seguir.

Conforme estudado anteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente


prevê a aplicação de uma série de medidas socioeducativas aos adolescentes em
conflito com a lei, quais sejam: advertência; obrigação de reparação do dano;
prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; qualquer uma das
medidas protetivas previstas no Art. 101, I a VI.

FIGURA 13 – CONCEITO DE ATO INFRACIONAL

FONTE: Adaptada de <https://www.slideshare.net/fjonathas/ato-infracional-e-medidas>.


Acesso em: 24 abr. 2021.

Segundo dados colhidos pelo SINASE, referente ao ano de 2017, no Brasil,


existiam 484 unidades socioeducativas destinadas a adolescentes e/ou a crianças
de 12 a 21 anos de idade em conflito com a lei, sendo 44,8% delas localizadas
na região Sudeste, seguida pela na região Nordeste, com 21% das unidades
socioeducativas. A região Sul, por sua vez, contava com 15,3%, já as regiões Norte
e Centro-Oeste, respectivamente, 10,4% e 8,5%.

176
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

O total da população de jovens e de adolescentes incluídos no sistema


socioeducativo correspondia a 24.803 (vinte e quatro mil, oitocentos e três); os
adolescentes entre 12 e 21 anos, atendidos em estabelecimento educacional e
semiliberdade, totalizavam 17.811 em medida de internação (71,8%), 2.160 em
regime de semiliberdade (8,7%) e 4.832 em internação provisória (19,5%); além de
1.295 (hum mil, duzentos e noventa e cinco) adolescentes em outras modalidades
de atendimento (atendimento inicial – 937, internação sanção – 306, medida
protetiva – 63), com um total geral de 26.109 (vinte e seis mil, cento e nove).

Observe o exposto a seguir, elaborado no Levantamento Anual Sinase


2017, que revela que os adolescentes do sexo masculino correspondiam a 96%
dos incluídos no sistema socioeducativo. Por sua vez, do sexo feminino, apenas,
a 4%. Os dados indicaram, ainda, que o Estado de São Paulo e a região Sudeste
possuíam o maior número de adolescentes incluídos no sistema socioeducativo,
representando 34,5% e 52,6% do número total, respectivamente.

FIGURA 14 – ADOLESCENTES INCLUÍDOS NO SISTEMA EDUCATIVO – 2017

FONTE: Adaptada de <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-


adolescente/LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

177
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

O estudo revelou que, do total de adolescentes abarcado no sistema


socioeducativo, 68,2% deles se encontravam em medida de internação; 8,32%, em
regime de semiliberdade; 18,5%, em internação provisória; 3,6%, em atendimento
inicial; 1,2% em internação-sanção; e 0,2% em medida protetiva.

Os adolescentes do gênero masculino, novamente, representavam


a esmagadora daqueles em internação, correspondendo a 65,8%, e, do sexo
feminino, a 2,5%.

FIGURA 15 – QUANTIDADE DE ADOLESCENTE POR MEDIDA SOCIOEDUCATIVA – 2017

FONTE: Adaptada de <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-


adolescente/LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

É interessante notar que, em comparação com a população residente no


Brasil, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
2017, o gênero feminino representava a maioria, correspondente a 51,5%, já os
homens a 48,5%. Assim, observa-se, facilmente, que, diferentemente dos dados da
população brasileira, sendo, o número de mulheres, maior do que o de homens,
no sistema socioeducativo, o número delas é, significativamente, menor.

Com relação à faixa etária, os dados consolidados indicaram que a


maior população de adolescentes incluídas no sistema socioeducativo estava
concentrada na faixa etária dos 16 aos 21 anos, correspondendo a 85,5%. As de 14
a 15 anos, perfaziam o total de 12,8% e, as entre 12 e 13, 1,6% do total, havendo,
ainda, 12,8% sem especificação.

O Levantamento Anual do Sinase 2017 identificou, igualmente, os dados


atinentes à raça/cor, referente aos adolescentes incluídos no sistema socioeducativo.
Diferentemente do que ocorre com o gênero, com uma significativa diferença
entre população feminina residente no Brasil e o número de adolescentes do
gênero feminino incluídos no sistema socioeducativo, os considerados pardos/
negros, incluídos nesse sistema, correspondiam a 59%, proporção semelhante ao
total da população brasileira consideradas parda/negra, identificada pelo IBGE, o
que englobava 50 a 60% da população.

178
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Os adolescentes considerados brancos eram 22% do total; os de cor amarela,


menos de 1%; e os indígenas e 22% dos adolescentes e jovens não tiveram registro.

Outro dado relevante, demonstrado pelo Levantamento Anual do Sinase


2017, demonstrou a quantidade de adolescentes grávidas que foram sentenciadas
a cumprir medida de internação, que necessitavam de espaço adequado para
cuidar dos bebês nos primeiros meses de vida.

Conforme demonstra o que se segue, em 2017, um total de 18 adolescentes


sentenciadas com medida de internação se encontravam grávidas, sendo, a
grande maioria, localizada na região Centro-Oeste:

GRÁFICO 5 – QUANTIDADE DE ADOLESCENTES GRÁVIDAS SENTENCIADAS EM 2017

FONTE: Adaptada de <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-


adolescente/LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Com relação aos atos infracionais praticados por jovens e adolescentes,


o estudo demonstrou que a maior incidência dos que geraram uma medida
de internação se referiu a crimes contra o patrimônio, seguidos de tráfico de
drogas e de crimes contra a vida. Contudo, é necessário salientar que, conforme
se extrai da jurisprudência dominante dos tribunais superiores, o crime de
tráfico de drogas não é suficiente, por si só, com fundamento na gravidade
abstrata, para determinar a imposição de medida socioeducativa de internação
(HC 185474 – STJ).

Para melhor entendimento, vejamos:

179
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

GRÁFICO 6 – ATOS INFRACIONAIS DE MAIOR INCIDÊNCIA

FONTE: Adaptada de <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-


adolescente/LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Para a medida socioeducativa de semiliberdade, em 2017, 41% do exposto


correspondia aos atos infracionais de roubo e de roubo qualificado, já os de tráfico
de drogas e associação com o tráfico a 23% do total.

Aos jovens submetidos à aplicação da medida socioeducativa de


atendimento inicial, os dados indicaram que a incidência dos atos infracionais
era muito semelhante com o que se observava em comparação com as tomadas de
internação e de semiliberdade, posto que o mais evidenciado se referia ao crime
de roubo, com 58% das ocorrências.

Atente-se aos três atos infracionais de maior incidência, cometidos pelos


adolescentes, nas cinco medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança
e do Adolescente:

180
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

GRÁFICO 7 – ATOS INFRACIONAIS MAIS RELEVANTES – 2017

FONTE: Adaptada de <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-


adolescente/LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Outro dado relevante, revelado pelo estudo, foi identificação da média


da renda salarial da família do adolescente submetido à aplicação da medida
socioeducativa: 81% das famílias estava entre “sem renda” e “menos de um
salário-mínimo”.

Verifica-se, portanto, de forma clara, que os crimes patrimoniais possuem


grande incidência, revelando a cultura do consumismo, com a valorização do
“ter” ao invés do “ser” da sociedade capitalista, conforme analisou a Comissão
da Criança e do Adolescente (CONDEPE, 2017).

Como estudado nos tópicos anteriores, as questões que envolvem


crianças/adolescentes pobres, as famílias e o correspondente processo das
exclusões socioeconômica, política e cultural são uma realidade brasileira que está
consolidada há, pelo menos, um século e meio, desde a abolição da escravatura,
retratando o perfil dos adolescentes em conflito com a lei até hoje.

Por fim, cabe ressaltar que a motivação para o cometimento dos atos
infracionais é um tema extremamente complexo, com diversos estudos apontando
as principais causas, que, além do processo histórico mencionado, anteriormente,
podem ser incluídos, também, a evasão escolar, o valor econômico para gerar
renda, o vício etc.

181
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

5 DA SINGULARIDADE DOS ESTABELECIMENTOS


SOCIOEDUCATIVOS NO BRASIL
Conforme já abordado no tópico anterior, o Estatuto da Criança e
do Adolescente estabelece, além do conceito do ato infracional, as medidas
socioeducativas aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei. Ocorre que
não havia, no Estatuto, a devida regulamentação das medidas, e, por que
motivo, foi promulgada a Lei n° 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional
Socioeducativo – SINASE.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, além


de estabelecer a regulamentação das medidas socioeducativas aplicáveis aos
adolescentes infratores em conflito com a lei, assim dispõe a Lei de Execução Penal
para as pessoas condenadas, prevendo a compilação das informações estatísticas
do sistema socioeducativo brasileiro que, igualmente, já foram apresentadas,
anteriormente, neste trabalho.

Inicialmente, é necessário elencar os princípios que norteiam a execução


das medidas socioeducativas, elencados no Art. 35, da Lei n° 12.594/2012, a saber:
I – legalidade, não podendo, o adolescente, receber tratamento mais gravoso
do que o conferido ao adulto; II – excepcionalidade da intervenção judicial e da
imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III – prioridade a práticas ou a medidas que sejam restaurativas e, sempre que
possível, atendam às necessidades das vítimas; IV – proporcionalidade em relação
à ofensa cometida; V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em
especial, o respeito ao que dispõe o Art. 122, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente); VI – individualização, considerando-se a
idade, as capacidades e as circunstâncias pessoais do adolescente; VII – mínima
intervenção, restrita, ao necessário, para a realização dos objetivos da medida;
VIII – não discriminação do adolescente, notadamente, em razão de etnia, gênero,
nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação
ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX – fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários no processo socioeducativo.

O primeiro princípio tem, como finalidade, “afirmar a inviabilidade de


uma sanção socioeducativa para alcançar um patamar punitivo superior àquele
que seria cabível a uma pena” (NUCCI, 2018, p. 949).

O princípio da excepcionalidade prevê que o cumprimento de uma


medida socioeducativa, por meio de uma decisão judicial, é tido, apenas, quando
não é admitida a autocomposição dos conflitos.

Visando fomentar a justiça redistributiva, estabelece, a Lei n° 12.594/2012,


o princípio da restaurabilidade, que consiste na prioridade de buscar, sempre
que possível, a solução dos atos infracionais por meio de práticas ou de medidas
restaurativas, como a previsão de reparação do dano, prevista no Art. 116, do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

182
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Assim como no Direito Penal, o princípio da proporcionalidade objetiva


estabelecer o equilíbrio entre a gravidade do ato infracional praticado, ou seja, a
gravidade da ofensa ao bem jurídico tutelado, e, por conseguinte, a sanção penal
a ser aplicada ao menor infrator. Não se pode olvidar que a desproporcionalidade
entre o ato infracional praticado e a correspondente sanção ofende alguns dos
princípios basilares do Estado Democrático de Direito (NUCCI, 2018).

O princípio da brevidade assegura que as medidas socioeducativas


precisam ser trabalhadas, pelo período, para reequilibrar o menor, dando-lhe
apoio educacional indispensável. O referido princípio se encontra expresso
também no Art. 121, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que menciona, por
exemplo, o prazo máximo de internação de três anos, e a periocidade semestral
na manutenção da medida socioeducativa fixada.

Por sua vez, o princípio da individualização impõe, ao julgador, a análise


da idade, das capacidades e das circunstâncias pessoais do adolescente para a
fixação não só da medida socioeducativa mais adequada, mas, também, do
cumprimento pelo adolescente em conflito com a lei (RAMIDOFF, 2017).

Um importante princípio do Direito Penal, a intervenção mínima deixa


claro que o Estado intervenha, o mínimo possível, na vida individual e nos
conflitos sociais, e nos atos infracionais, com aplicação quando isso é, estritamente,
indispensável para cumprir a função social.

Corolário do princípio da igualdade perante a lei, não deve ocorrer


qualquer tipo de discriminação dos adolescentes no cumprimento das medidas
socioeducativas. A legislação apresenta um rol exemplificativo, sem prejuízo
dos demais aspectos, quais sejam, etnia, gênero, nacionalidade, classe social,
orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer
minoria ou status (NUCCI, 2018).

Regra, também, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, a


Lei n° 12.594/2012 prevê, quando da execução das medidas socioeducativas, o
fortalecimento dos laços familiares em consonância com o princípio da proteção
integral.

Por sua vez, o Sistema Nacional Socioeducativo – SINASE dispõe, ainda,


no Art. 1°, § 2°, sobre os objetivos das medidas socioeducativas previstas no Art.
112, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990).

O primeiro deles consiste na responsabilização do adolescente quanto


às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível, incentivando
a reparação. A responsabilização do adolescente em conflito com a lei apresenta
a ideia de punição quando do cometimento de algum ato infracional, portanto,
precisa arcar com as consequências dos próprios atos.

183
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Em consonância com o princípio da individualização da pena, um dos


objetivos da execução das mediadas socioeducativas é a integração social do
adolescente, além da garantia dos direitos individuais e sociais, por meio do
cumprimento do plano individual de atendimento, devendo ser analisadas as
condições pessoais de cada adolescente em conflito com a lei.

Cabe, aqui, ressaltar a importância do Plano Individual de Atendimento


(PIA), estabelecido no Art. 52, da Lei n° 12.594/2012 (BRASIL, 2012):

[...] Trata-se da aplicação prática do princípio da individualização da


medida socioeducativa, no âmbito da execução, dando cumprimento
ao previsto pelo Art.  35, VI, desta Lei. Esse mesmo plano deveria
ser previsto, com as adaptações necessárias, ao condenado, na Lei
de Execução Penal. Nada mais justo do que individualizar, para
cada jovem, o caminho a percorrer durante o cumprimento da
sanção imposta. Será aplicado tanto para o meio aberto (prestação
de serviços à comunidade e liberdade assistida) como para o meio
fechado (semiliberdade e internação). Note os três fundamentos: a)
previsão de atividades a desenvolver com o adolescente; b) registro
dessas atividades; e c) gestão de tais atividades. Há, portanto, um
planejamento do programa; passa-se à inscrição formal do referido
plano no sistema próprio, provavelmente, informatizado; finda-se
com o gerenciamento prático das atividades programadas (NUCCI,
2018, p. 982).

O último objetivo estabelecido pela lei é a desaprovação da conduta


infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de
privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em
lei. O adolescente em conflito é responsável pelos atos e, por conseguinte, cumpre
as medidas socioeducativas determinadas na sentença judicial, que, por sua vez,
observa os limites da lei.

Para o cumprimento das medidas, o Sistema Nacional Socioeducativo –


SINASE estabelece, no Art. 1°, os conceitos de programa de atendimento, unidade
e entidade de atendimento:

O programa de atendimento é a organização e o funcionamento,


por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das
medidas socioeducativas. A “unidade é a base física necessária para
a organização e o funcionamento de programa de atendimento”
e a “entidade de atendimento é a pessoa jurídica de direito público
ou privado que instala e mantém a unidade e os recursos humanos
e materiais necessários ao desenvolvimento de programas de
atendimento (BRASIL, 2012).

Neste tópico, após a análise dos princípios das medidas socioeducativas


e dos respectivos objetivos, analisaremos os principais aspectos das unidades
socioeducativas para o cumprimento das medidas de semiliberdade e de internação.

184
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

FIGURA 16 – O QUE É SINASE?

FONTE: Adaptada de <https://slideplayer.com.br/slide/364815/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O Art. 15, inciso I, da Lei n° 12.594/2012, fixa, como requisito obrigatório,


a comprovação da existência do estabelecimento educacional com instalações
adequadas e em conformidade com as normas de referência para a inscrição dos
programas de semiliberdade e de internação.

Por instalações adequadas e em conformidade com as normas


de referência, podem ser entendidos espaços compatibilizados à
objetividade socioeducativa e ao perfil do adolescente a quem se
determinou, judicialmente, o cumprimento das medidas de internação
ou de regime de semiliberdade (RAMIDOFF, 2017, p. 66).

Para o desenvolvimento do programa de internação para os adolescentes em


conflito com a lei, o Art. 94, do Estatuto da Criança e do Adolescente, entrega o rol
explicativo das obrigações a serem observadas, a saber: I – observar os direitos e as
garantias de que são titulares os adolescentes; II – não restringir nenhum direito que
não tenha sido objeto de restrição na decisão de internação; III – oferecer atendimento
personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos; IV – preservar a identidade
e oferecer um ambiente de respeito e de dignidade ao adolescente; V – diligenciar no
sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares; VI – comunicar,
à autoridade judiciária, periodicamente, os casos nos quais se mostre inviável ou
impossível o reatamento dos vínculos familiares; VII – oferecer instalações físicas em
condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos
necessários à higiene pessoal; VIII – oferecer vestuário e alimentação suficientes
e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos; IX – oferecer cuidados
médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; X – propiciar escolarização
e profissionalização; XI – propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer; XII –

185
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com as crenças; XIII
– proceder a estudos social e pessoal de cada caso; XIV – reavaliar, periodicamente,
cada caso, com intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à
autoridade competente; XV – informar, periodicamente, ao adolescente internado,
a respeito da situação processual; XVI – comunicar, às autoridades competentes,
todos os casos de adolescentes portadores de moléstias infectocontagiosas; XVII –
fornecer um comprovante de depósito dos pertences dos adolescentes; XVIII – manter
programas destinados ao apoio e ao acompanhamento de egressos; XIX – providenciar
os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiverem;
XX – manter um arquivo de anotações, no qual constem data e circunstâncias do
atendimento, nome do adolescente, pais ou responsável, parentes, endereços, sexo,
idade, acompanhamento da formação, relação dos pertences e demais dados que
possibilitem a identificação e a individualização do atendimento.

Especificamente, no que tange aos espaços destinados ao cumprimento


das medidas socioeducativas de internação, observa-se a necessidade de as
instalações físicas oferecerem condições adequadas de habitabilidade, higiene,
salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal, além da
exigência de propiciarem escolarização, profissionalização, atividades culturais,
esportivas e de lazer, e assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com
as crenças.

Não se pode olvidar a especial atenção do legislador em vedar,


expressamente, a edificação de unidades socioeducacionais em espaços contíguos,
anexos, ou, de qualquer outra forma, integrados a estabelecimentos penais (Art.
16, § 1°, da Lei n° 12.594/2012).

A legislação autoriza, ainda, em caráter excepcional, a adoção de medidas


para assegurar a proteção do interno em casos de risco à integridade física, à
própria vida ou à de outrem, devendo, respectivamente, a comunicação imediata
ao defensor e ao Ministério Público.

Outra preocupação na elaboração do Sistema Nacional Socioeducativo


(SINASE) foi assegurar o direito a visitas dos cônjuges, companheiros, pais ou
responsáveis, parentes e amigos dos adolescentes internados, observando dias e
horários definidos pela direção do programa de atendimento.

É garantida, também, a oportunidade à visita íntima ao jovem que


mantém, comprovadamente, união estável, além da visita dos filhos, caso possua,
independentemente da idade.

Aos adolescentes em conflito com a lei que estejam inseridos no Sistema de


Atendimento Socioeducativo, é assegurada a atenção integral à saúde, com uma
série de diretrizes estabelecidas pelo Art. 60, da Lei n° 12.594/2012, impondo, a
entidades, que ofereçam programas de privação de liberdade, a disponibilização
de uma equipe mínima de profissionais de saúde, cuja composição esteja em
conformidade com as normas de referência do SUS.

186
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Por fim, o advento do Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE)


estabeleceu critérios mínimos para a escolha dos dirigentes do programa
de atendimento em regime de semiliberdade ou de internação. Devem
possuir formação de nível superior compatível com a natureza da função,
comprovada experiência no trabalho com adolescentes de, no mínimo, dois
anos, e reputação ilibada.

6 DESAFIOS DOS CENTROS DE


REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVOS
Nos tópicos anteriores, foi possível observar as transformações ocorridas
no sistema jurídico brasileiro das crianças e adolescentes em conflito com a lei.

Inicialmente, foi adotado, no Brasil, o ordenamento jurídico português,


que previa a diferenciação, em termos de pena, para menores de 17 anos. Não era
aplicada a pena de morte a eles, cabendo, a cada julgador, a aplicação de outra.

Com a independência do Brasil, a inimputabilidade penal foi reduzida


aos menores de 14. Por sua vez, a Proclamação da República trouxe significativas
alterações no que tange à imputabilidade penal, notadamente, adoção da Teoria
do Discernimento.

Segundo o Código Penal de 1890, a imputabilidade penal foi reduzida


para nove anos de idade, reservando, às crianças entre nove a 14, o recolhimento
a estabelecimentos disciplinares industriais, caso haja comprovação do
discernimento do ato criminoso.

Ocorre que a política penal da época se mostrou nefasta, levando, à prisão


comum, muitas crianças e adolescentes, negras e pobres, responsáveis por pequenos
delitos. As prisões de crianças e de adolescentes, entre o final do século XIV e o início
do século XX, foi um dos resultados da ausência de adoção de políticas públicas
após a abolição da escravatura, com um aumento crescente da população de pobres
espalhada nas ruas que se encontrava em situações de miserabilidade.

Após a intensa pressão e os debates em razão das prisões de menores, foi


editado, em 1927, o Código de Menores, o qual representou grande avanços para
a proteção das crianças, estabelecendo a maioridade penal a partir de 18 anos, e
os jovens "delinquentes", com idade entre 14 e 17 anos, eram encaminhados a um
reformatório, com o recebimento de educação e a aprendizagem de um trabalho.

A inimputabilidade penal, para os menores de 18, persiste até os dias atuais,


contudo, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto
da Criança e do Adolescente, a Doutrina da Proteção Integral, já, anteriormente,
adotada pelo Código de Menores de 1979, foi referendada, contudo, surgiu uma
ampliação dos direitos e das garantias aos jovens, além da criação de mecanismos
para salvaguardar tais direitos.
187
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

O breve histórico acerca da imputabilidade penal das crianças e dos


adolescentes é de fundamental importância, posto que, concomitantemente,
a fixação da maioridade penal foi, também, estabelecida, na legislação, às
instituições, para o cumprimento das medidas legais aos jovens infratores que,
atualmente, são denominadas de centro de reabilitação socioeducativos.

A problemática envolvendo a aplicação de penas aos jovens, como visto,


é muito antiga no nosso país, contudo, desde a abolição da escravatura, até os
dias atuais, atinge adolescentes pobres, majoritariamente, negros e moradores de
bairros periféricos (das grandes e pequenas cidades).

O perfil dos adolescentes infratores demonstra a incidência dos delitos


de tráfico de drogas, roubo, furto e posse, ou porte ilegal de armas, como os atos
infracionais mais comuns.

Em que pese a evolução legislativa promovida no último século, no Brasil


e no Mundo, salvaguardando os direitos mínimos às crianças e aos adolescentes,
notadamente, com a adoção da Doutrina da Proteção Integral, é certo que os centros
de reabilitação socioeducativos, no país, possuem graves problemas estruturais.

Tratando-se do desrespeito à legislação, aplicável aos adolescentes em


conflito com a lei, a Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM),
criada em 1976, é, certamente, o exemplo mais conhecido de todos.

A título de exemplo, a “FEBEM”, do Estado de São Paulo, foi palco


de inúmeras rebeliões e motins, além de alvo de denúncias que ganharam
notoriedade, nacional e internacionalmente, no período compreendido entre o
fim da década de 1990 e o início dos anos 2000. Durante esse período, inúmeras
denúncias de maus tratos, torturas, fugas em massas e rebeliões foram noticiadas
pela imprensa.

FIGURA 17 – DENÚNCIAS

FONTE: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/c140901.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

188
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

Tentando colocar fim a essa imagem negativa, a “FEBEM” de São Paulo


foi extinta em 22 de dezembro de 2006, pelo então governador Cláudio Lembo,
por meio da promulgação da Lei n° 12.469/06, que criou a Fundação Casa.

A criação da nova Fundação era a tentativa de uma “nova história”,


entretanto, transcorridos cerca de 15 (quinze) da criação e 32 (trinta e dois) anos
do Estatuto da Criança e do Adolescente, a realidade da grande maioria dos
centros de reabilitação socioeducativos, não apenas do Estado de São Paulo, mas,
também, de todo o Brasil, é muito ruim.

As péssimas instalações, a ausência de funcionários qualificados e o


descumprimento do Plano Individual de Atendimento (PIA) aos adolescentes em
conflito submetidos às medidas socioeducativas são fatos comuns em todo o país.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) realizou um estudo


a respeito das medidas em um meio fechado, por meio da publicação do encarte
Panorama da Execução dos Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade
nos Estados Brasileiros. Identificou alguns problemas no sistema socioeducativo
pátrio, dentre eles, os mencionados anteriormente.

O referido estudo indica, com base em materiais divulgados pelo


Ministério da Saúde, do Governo Federal, elaborado em 2005 (Panorama da
Execução dos Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade nos
Estados Brasileiros):

Em 71% das unidades, o ambiente físico não é adequado às


necessidades da proposta pedagógica, existindo, em média, 25
adolescentes por quarto; em alguns casos, 60 adolescentes coabitam no
mesmo espaço. As condições de insalubridade são frequentes. Embora
99% das unidades ofereçam ensino fundamental e, 63%, ensino médio,
a qualidade de ensino é questionada, além da ausência de certificação
(em algumas unidades) (BRASIL, 2019, p. 12).

Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça publicou A Execução das


Medidas Socioeducativas de Internação – Programa Justiça ao Jovem, em 2012, trazendo
um diagnóstico profundo delas no país.

No que se refere ao descumprimento dos direitos à dignidade e às


integridades física e moral dos adolescentes em conflito com a lei, é trazido, à
baila, o estudo mencionado:

Dos dados, destaca-se o número de estabelecimentos que


registraram situações de abuso sexual sofrido pelos internos: em
34 estabelecimentos, pelo menos, um adolescente foi abusado,
sexualmente, nos últimos 12 meses. Em 19, ocorreram registros de
mortes de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
Além disso, sete estabelecimentos informaram a ocorrência de mortes
por doenças preexistentes e dois registraram mortes por suicídio nos
últimos 12 meses.
[...]

189
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Além desses crimes, outra situação preocupante é a violência física


sofrida pelos adolescentes. Dos jovens entrevistados em conflito com
a lei, 28% deles declararam ter sofrido algum tipo de agressão física
por parte dos funcionários; 10%, por parte da Polícia Militar, dentro
da unidade de internação; e, 19%, passado por algum tipo de castigo
físico dentro do estabelecimento (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2012, p. 127-128).

É possível concluir, por meio do estudo, facilmente, a violação de


diversos direitos assegurados aos adolescentes em conflito com a lei, submetidos
a medidas socioeducativas de internação, dentre os quais, notadamente, o da
dignidade da pessoa humana e o da inviolabilidade das integridades física,
psíquica e moral dos jovens.

Outro grave problema identificado é a superlotação, realidade que


atinge, praticamente, a totalidade das unidades da Federação. Para uma melhor
visualização, seguem as unidades com dados da superlotação do período de
agosto a novembro de 2018, extraídas da publicação do Panorama da Execução dos
Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade nos Estados Brasileiros, com
elaboração pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP):

FIGURA 18 – A SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA

FONTE: Adaptada de <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/


programas-socioeducativos_nos-estados-brasileiros.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

190
TÓPICO 2 — A REABILITAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS JOVENS EM CONFLITO COM A LEI

A situação que envolve a superlotação das unidades, para o cumprimento


da medida socioeducativa, viola, dentre os vários princípios aplicáveis ao Direito
da Infância e da Adolescência, o da proteção integral. Isso é tão grave que levou
o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, a conceder a ordem de habeas
corpus coletiva nos autos do HC 143988, fixando parâmetros e critérios a serem
observados pelos magistrados das unidades de internação que operam com taxa de
ocupação dos adolescentes superior à capacidade projetada:

HABEAS CORPUS COLETIVO. CUMPRIMENTO DE MEDIDAS


SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO. IMPETRAÇÃO VOLTADA
A CORRIGIR ALEGADA SUPERLOTAÇÃO EM UNIDADES.
ADMISSIBILIDADE DA VIA EEITA PARA O EXAME DA QUESTÃO
DE FUNDO. VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
ADOLESCENTES INTERNADOS. DEFICIÊNCIAS ESTRUTURAIS
E AUSÊNCIA DE VAGAS OFERTADAS EM INSTITUIÇÕES
SIMILARES. FINALIDADES DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.
DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIOS DA
BREVIDADE, EXCEPCIONALIDADE E RESPEITO À CONDIÇÃO
DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO. DIFERENÇAS DAS
POLÍTICAS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO EM RELAÇÃO
ÀS POLÍCIAS CRIMINAIS. DEVERES ESTATAIS RECONHECIDOS
PELA CORTE INTERAMERICANA. DIREITO DOS ADOLESCENTES
PRIVADOS DE LIBERDADE A DESENVOLVEREM OS PROJETOS
DE VIDA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SEEXIMIR
DA ATUAÇÃO NA HIPÓTESE DE VIOLAÇÃO IMINENTE OU
EM CURSO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. ENVERGADURA
DO POSTULADO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ORDEM CONCEDIDA
COM A FIXAÇÃO DE PARÂMETROS E DE CRITÉRIOS A
SEREM OBSERVADOS PELOS MAGISTRADOS. EVENTUAL
DESCUMPRIMENTO, PELOS DESTINATÁRIOS, DA ORDEM,
DESAFIARÁ A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO NAS INSTÂNCIAS
APROPRIADAS [...] (HC 143988, Relator(a): EDSON FACHIN,
Segunda Turma, julgado em 24/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-221 DIVULG 03-09-2020 PUBLIC 04-09-2020).

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal abarca um


novo marco no sistema socioeducativo pátrio, na medida em que há um
reconhecimento, da mais alta corte de justiça do país, não apenas do problema
referente à superlotação, mas, também, dos infraestruturais das unidades de
internação, como insalubridade, alimentação deficitária, falta dos atendimentos
médico e psicológico, vulnerabilidade às normas convencionais, além de
lamentáveis situações de violência e de abusos entre os próprios internos, ou
entre estes e os funcionários.

Observa-se que os grandes desafios dos centros socioeducativos são,


sobretudo, o efetivo cumprimento dos direitos e as garantias previstos no Estatuto
da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional Socioeducativo – SINASE.

Os marcos legislativos pátrios são muitos avançados, contudo, a partir da


ausência do cumprimento pelos entes federativos e da inviabilidade de satisfação
dos objetivos das medidas socioeducativas, são visadas, além da responsabilização
do adolescente e da reprovação da conduta, a integração social e a garantia dos
direitos individuais e sociais.

191
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 19 – DESAFIOS DO ECA

FONTE: <https://radiomargarida.org.br/wp-content/uploads/Eca-Desafios-Infogr%C3%A1fico.jpg>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

192
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Na etapa colonial, quando vigoraram as Ordenações Filipinas, já havia


diferenciação, em termos de pena, para os menores de 17 anos, não devendo
ser aplicada a pena de morte a eles, cabendo, a cada julgador, a aplicação de
outra menor.

• Na etapa republicana, o Código Penal de 1890 (Código Penal da República)


reduziu a imputabilidade penal para nove anos de idade, entretanto, a das
crianças entre nove a 14 ficava condicionada a presença da comprovação
do discernimento do ato criminoso, determinando-se o recolhimento a
estabelecimentos disciplinares industriais, conveniente com o que o juiz
achasse certo, desde que não ultrapassasse 17 anos.

• Em razão do contexto social da época, poucos anos após a abolição da


escravatura, sem uma política de reinserção dos negros libertos, foi gerado
um aumento crescente da população de pobres espalhada pelas ruas, quadro
que favoreceu uma grande incidência de crimes praticados por crianças e
adolescentes no início do século XX, os quais, frequentemente, eram destaques
na imprensa brasileira.

• Em 1927, foi promulgado o Código de Menores, o qual representou grande


avanços para a proteção das crianças, estabelecendo a maioridade penal
a partir de 18 anos, e, aos jovens "delinquentes", com idade entre 14 e 17,
o encaminhamento a um reformatório, com recebimento de educação e
aprendizagem de um trabalho. Já os menores de 14, que não possuíam família,
eram encaminhados para uma escola de preservação, uma versão abrandada
do reformatório.

• Após o Golpe Militar de 1964, foram criadas a Fundação Nacional do Bem-Estar


do Menor (Funabem) e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM),
sucessoras do Serviço de Assistência a Menores (SAM), fundadas no governo
de Getúlio Vargas, que tinha, como objetivo, coordenar todas as ações na área.
Desde aí, a problemática da infância passou a ser tratada como problema de
segurança nacional.

• Em 1979, foi promulgado o Código de Menores, norteado pela doutrina de


proteção integral, adotada, até hoje, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

193
• O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído em consonância com o
disposto na Constituição Federal de 1988, que adota a Doutrina da Proteção
Integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente e rompe os paradigmas,
até então, vigentes, acerca da “situação irregular”, do “assistencialismo”, da
“estatalidade” e da “centralização” das ações e das “funções anômalas” do
Poder Judiciário.

• O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de uma série


de medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei, quais
sejam: advertência; obrigação de reparação do dano; prestação de serviços
à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional; qualquer uma das medidas
protetivas previstas no Art. 101, I a VI.

• Para a medida socioeducativa de semiliberdade, de 2017, 41% dela correspondia


aos atos infracionais de roubo e de roubo qualificado. Já os atos infracionais de
tráfico de drogas e de associação com o tráfico abarcaram 23% do total.

• As questões que envolvem crianças/adolescentes pobres, as famílias delas e


o correspondente processo das exclusões socioeconômica, política e cultural
são uma realidade brasileira que está consolidada há, pelo menos, um século e
meio desde a abolição da escravatura, retratando o perfil dos adolescentes em
conflito com a lei até hoje.

• Em consonância com o princípio da individualização da pena, um dos


objetivos da execução das medidas socioeducativas é a integração social do
adolescente, além da garantia dos direitos individuais e sociais, por meio
do cumprimento do plano individual de atendimento, no qual devem ser
observadas as condições pessoais de cada adolescente em conflito com a lei.

• Em que pese a evolução legislativa promovida no último século, no Brasil


e no Mundo, salvaguardando os direitos mínimos das crianças e dos
adolescentes, notadamente, com a adoção da Doutrina da Proteção Integral,
é certo que os centros de reabilitação socioeducativos, no país, possuem
graves problemas estruturais.

194
AUTOATIVIDADE

1 Com a chegada do colonizador português, no Brasil, no século XVI, foi


instituída, no território brasileiro, a legislação portuguesa, traduzida nas
Ordenações do Reino. As Ordenações Filipinas (1603), do reinado de D.
Filipe II, permaneceram vigentes por cerca de dois séculos, e, nela, já se
encontravam inseridos dispositivos referentes à aplicação de sanções penais
às crianças e aos adolescentes. Acerca da previsão de pena para jovens, as
Ordenações Filipinas estabeleciam o seguinte:

a) ( ) Diferenciação em termos de pena para menores de 17 anos, não


devendo ser aplicada a pena de morte a eles, cabendo, a cada julgador,
a aplicação de outra.
b) ( ) Como pena, para jovens infratores, a pena de morte, independentemente
da idade.
c) ( ) Para jovens infratores, era a pena de açoite, não sendo admitida a pena
de morte em qualquer hipótese, graças à influência dos padres jesuítas.
d) ( ) Os jovens não estavam submetidos à legislação portuguesa, mas ao
direito local.

2 Com a promulgação da República, foi editado o Código Penal de 1890,


que trouxe significativas alterações no que tange à imputabilidade penal,
notadamente, adoção da Teoria do Discernimento, sendo, a imputabilidade
penal, reduzida para nove anos de idade. Considerando a Teoria do
Discernimento, adotada pelo Código Penal da República, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) A comprovação do ato criminoso condicionava a aplicação de pena


para jovens com mais de 17 anos.
b) ( ) Para crianças com idade entre 9 a 14 anos, a aplicação de pena ficava
condicionada à presença da comprovação do discernimento do ato
criminoso.
c) ( ) Adolescentes com idade superior a 14 anos não eram condenados por
crime de vadiagem.
d) ( ) Não eram apenados jovens entre 14 e 16 anos, por não terem capacidade
de discernimento.

3 Após o Golpe Militar de 1964, foram criadas a Fundação Nacional do Bem-


Estar do Menor (Funabem) e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor
(PNBEM), sucessoras do Serviço de Assistência a Menores (SAM), fundadas
no governo de Getúlio Vargas, que tinha, como objetivo, coordenar todas
as ações da área. A problemática da infância passou a ser tratada como
problema de segurança nacional e deu origem às Febems em nível estadual.
Acerca do Código de Menores de 1979, assinale a alternativa CORRETA:

195
a) ( ) O Código de Menores de 1979 estabeleceu a diferença entre menor
abandonado e menor delinquente.
b) ( ) O Código de Menores de 1979 modificou o Estatuto da Criança e do
Adolescente, alinhando-o ao conceito de “menor”, da legislação penal.
c) ( ) O Código de Menores de 1979 adicionou a Doutrina de Proteção
Integral, adotada, até hoje, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
d) ( ) O Código de Menores de 1979 aboliu, definitivamente, a punição para
menores infratores.

4 Considere o texto a seguir:

“A Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança


e do Adolescente, é a lei que tutela a criança e o adolescente de forma ampla,
dispondo sobre direitos, formas de auxiliar a família, tipificação de crimes
praticados contra crianças e adolescentes, infrações administrativas, tutela
coletiva etc. Ainda, o  Estatuto da Criança e do Adolescente  é formado por
um conjunto de princípios e de regras que rege diversos aspectos da vida
infanto-juvenil, desde o nascimento da criança até a maioridade. Essa
sistemática se ampara em três princípios que orientam o Estatuto da Criança
e do Adolescente, quais sejam: (i) o princípio da prioridade absoluta, (ii) o
princípio do melhor interesse, e (iii) o princípio da municipalização”.

FONTE: <https://mlu25.jusbrasil.com.br/artigos/450052432/eca-principios-orientadores-
dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente#:~:text=%C3%89%20dever%20da%20
fam%C3%ADlia%2C%20da,de%20coloc%C3%A1%2Dlos%20a%20salvo>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Por que se pode afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto


da nova ordem política e jurídica estabelecida com a Constituição de 1988?

5 O Art. 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/Lei n° 8.069,


de 13 de julho de 1990, estabelece as medidas socioeducativas que são
aplicadas em casos de cometimento de infrações. Trata-se de sanções
judiciais que são utilizadas aos adolescentes que cometem uma conduta
descrita como crime ou contravenção penal, o chamado ato infracional.
Assim, quais são as medidas socioeducativas previstas no ECA?

196
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

1 INTRODUÇÃO
As penitenciárias federais são estabelecimentos prisionais que diferem das
prisões brasileiras em relação ao perfil dos detentos, regras e taxas de ocupação.
Destinadas aos detentos submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado
não possuem histórico de rebeliões ou fugas nas unidades existentes. Nestes
presídios não há superlotação e, por questões de segurança, não são divulgados a
ocupação de cada unidade. Destinadas a chefes de facções criminosas, membros
de quadrilhas violentas, delatores que estão sob segurança e envolvidos em
tentativas de figa de presídios comuns, as unidades, em geral abrigam presos que
não podem ficar em unidades prisionais dos estados.

Neste último tópico de seu estudo serão analisadas as características dessas


unidades prisionais que abrigam detentos de alta periculosidade. São presos
submetidos a Regime Disciplinar Diferenciado que ocupam celas individuais e
não é permitido acesso a televisão ou jornais, apenas é permitida a leitura de
livros, revistas e apostilas de cursos ou religiosos.

A imposição de medida diferenciada tem causado acalorados debates


acadêmicos por sua natureza e característica. Trata-se de um tema extremamente
relevante que merece atenção quando se tem em conta a gestão do sistema
prisional brasileiro.

2 SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL


Inicialmente, para melhor compreensão devemos destacar os motivos para
a concepção dos presídios federais. O Sistema Penitenciário Federal foi criado
em 2006, com a inauguração da Penitenciária Federal de Segurança Máxima
localizada no município de Catanduvas no Estado do Paraná.

197
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

FIGURA 20 – PENITENCIÁRIA FEDERAL DE CATANDUVAS

FONTE: <https://www.gov.br/depen/pt-br/composicao/unidades-prisionais/penitenciaria-
federal-de-catanduvas-pfcat/quadro-pfcat-800x600.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A dramática situação do sistema penitenciário nacional, de


responsabilidade dos estados membros da federação, criou um cenário caótico
com centenas de rebeliões, mortes e sobretudo da criação de facções criminosas
arquitetadas nas dependências das próprias penitenciárias, de onde funcionam e
são estabelecidas contribuíram de forma determinante para esse processo.

Segundo o Juiz Federal Walter Nunes em seu artigo intitulado “Sistema


Penitenciário Federal: o regime prisional de líderes de organizações criminosas”
publicado na Revista Brasileira de Execução Penal (2020, p.103) assevera que:

Os presídios federais foram concebidos precipuamente para solucionar


essa problemática e abrigar os presos líderes de organizações
criminosas que, mesmo recolhidos a presídios estaduais de segurança
máxima, continuam, de dentro das cadeias, no comando da prática
de crimes. A ideia e de que também sirvam de exemplo de gestão
prisional e induzam o aperfeiçoamento do sistema estadual (NUNES,
2020, p. 103)

As penitenciárias federais foram construídas inspiradas no modelo


arquitetônico, gerencial e estratégico das supermax do sistema americano, prisões
estas de segurança máxima. A ideia desse sistema adotada pelo Brasil tem como
objetivo isolar os presos violentos e controlar o comportamento transgressor
destes reclusos.

198
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

DICAS

Para melhor compreender o tema, sugere-se a leitura do trabalho de


Juliana Maria de Farias Ribeiro, Vigiar e Ressocializar: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/
UnidadePrisional_Ribeiro_2016.pdf.

O que se conclui é que os objetivos centrais da criação das penitenciárias


federais eram isolar as principais lideranças das organizações criminosas numa
tentativa de desarticulação destas facções, bem como ao mesmo tempo impedir a
criação ou fortalecimento destas organizações criminosas utilizando, para tanto, o
interior dos estabelecimentos prisionais como escritórios de trabalho para isso.

Em pese terem sido concebidas no ano de 2006, ainda no governo do


ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2009); a Lei de Execuções Penais
de 1984, em sua redação original, já previa criação pela União de unidades
prisionais federais para recolher, mediante ordem judicial, os condenados
a pena superior a 15 anos, tendo como fundamento o interesse da segurança
pública ou do próprio condenado (art. 86, § 1°).

Para viabilizar a construção das unidades prisionais federais, a Lei de


Execução Penal foi alterada por meio do advento da Lei n° 10.782/2003, suprimindo
a necessidade de que a pena aplicada fosse superior a 15 anos além de suprimir a
exigência de prévia decisão judicial para a inclusão do preso em presídio federal.

Desta forma, a Lei de Execução Penal, em seu artigo 86, § 1°, com redação
dada pela Lei n° 10.782/2003 estabeleceu as diretrizes para à criação dos presídios
federais, quais sejam: sua criação em local distante da condenação; destinados
para recolhimento de condenados; a respectiva transferência do estabelecimento
prisional estadual para o federal poderia dar-se no interesse da segurança pública
ou do próprio condenado.

Entretanto, as alterações promovidas pela Lei de Execução Penal trouxeram


à baila inúmeros questionamentos acerca de sua aplicação constituindo um
verdadeiro vácuo legislativo.

Por essa razão, tendo em vista a eminência da inauguração da primeira


unidade prisional federal do país, o Conselho Nacional de Justiça editou Resolução
n° 502, de 9 de maio de 2006 buscando estabelecer algum ato normativo para
regulamentar questões essenciais referentes ao procedimento de inclusão de
presos no sistema penitenciário federal.

199
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

A referida Resolução estabeleceu as seguintes diretrizes: (a) admissão de


presos, condenados ou provisórios, de alta periculosidade, observados os rigores
do regime fechado, quando a medida seja justificada no interesse deles próprios
ou em virtude de risco para a ordem ou incolumidade públicas; (b) competência
do juízo federal para a execução da pena do custodiado recolhido em uma unidade
federal; (c) legitimidade da autoridade administrativa, o Ministério Público e do
próprio preso para iniciar o pedido de transferência; (d) garantia de contraditório
e da ampla defesa, além da participação do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN) com a função de indicar o estabelecimento prisional federal adequado
para o cumprimento da medida; (e) excepcionalidade da medida, com prazo
máximo fixado em 360 dias, sendo renovável quando solicitado motivadamente
pelo juízo de origem, observados, sempre, os requisitos da transferência; (f)
necessidade e decisão prévia e fundamentada do juízo federal competente,
mediante provocação pelo juízo responsável pela execução penal na origem; (g)
observância na lotação máxima admita na unidade prisional e (h) possibilidade
de suscitação do conflito de competência nos casos de indeferimento do pedido
de inclusão no sistema ou no pedido de renovação.

O procedimento judicial, em suma, seria estabelecido em duas etapas, a


primeira delas no juízo de origem, compreendida entre o requerimento até a
manifestação do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), e a segunda etapa
em trâmite junto ao juízo federal responsável pela jurisdição no presídio federal.

Em que pese a edição do ato normativo pelo Conselho Nacional de Justiça,


a Resolução editada possuía prazo de vigência de apenas 1 (um) ano, até que
fosse promulgada pelo Poder Executivo, uma lei, em sentido estrito, regulamento
a inclusão de presos no sistema penitenciário federal.

Entretanto, em razão da expiração do prazo de vigência da Resolução


n° 502/2006 sem a aprovação de lei pelo Congresso Nacional regulamentando a
inclusão de presos no sistema penitenciário federal, o Conselho Nacional de Justiça
a fim de suprir esta lacuna novamente, editou a Resolução n° 557, de 8 de maio
de 2007, com prazo de validade de um ano novamente, reproduziu integralmente
a antiga Resolução prevendo apenas uma nova hipótese de inclusão no sistema
penitenciário federal, a inclusão emergencial de preso, aplicado em casos de
urgência tais como como rebelião, ou motim no estabelecimento de origem, ou
ainda quando houver risco para a eficácia da medida ou para a ordem pública.

Esta inovação estabeleceu a possiblidade de inclusão no sistema


penitenciário federal por meio de apenas um ato administrativo solicitado
diretamente ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) com a
comprovação situação de urgência e com a concordância do Juízo responsável
pela execução penal ou custódia provisória do preso, cabendo ao juízo federal a
ratificação ou não posteriormente à medida que poderia resultar na devolução
dele na origem.

200
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Com a finalidade de estabelecer um marco normativo definitivo acerca


do tema, foi promulgada a Lei n° 11.671, de 8 de maio de 2008 exatamente no
término do prazo de vigência da Resolução CNJ n° 557/2007.

A legislação promulgada vigente até os dias atuais apenas reproduziu apenas


a Resolução CNJ n° 557/2007, trazendo apenas a necessidade de autorização judicial
pelo juízo federal para a inclusão de preso no sistema penitenciário federal, mesmo
na hipótese de inclusão emergencial, contudo a medida devendo ser referenda ou não
após a devida instrução, assegurada a ampla defesa e o contraditório.

A urgência da promulgação da Lei n° 11.671/2008 revela a total


inexperiência ou o devido conhecimento relacionado acerca das peculiaridades
e das singularidades no recolhimento de presos e do respectivo cumprimento de
sua pena em estabelecimentos prisionais de segurança máxima.

Na esteira do pensamento de Walter Nunes acerca do tema traz uma


importante reflexão:

Em verdade, foram construídas as unidades prisionais e criada a


estrutura burocrática, mas não houve a construção normativa do
sistema penitenciário federal. Em outras palavras, pode-se dizer
que o arcabouço jurídico dos presídios federais só existe mercê
da interpretação feita pelos atores que operam nessa arena, não
havendo disciplina legal a respeito de várias questões importantes,
simplesmente por ausência da construção normativa do sistema
penitenciário em si (NUNES, 2020, p. 108).

Recentemente, a Lei n° 13.964/2019, intitulada de Pacote Anticrime, que


promoveu inúmeras alterações nas legislações penais brasileiras, dentre elas no
Código Penal, Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal e também
na Lei que dispõe sobre a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos
penais federais de segurança máxima.

A primeira alteração trazida pela novel legislação a qual abordaremos


refere-se ao período máximo de permanência no sistema penitenciária federal.

A Lei n° 11.671/2008 que, como visto, reproduziu as Resoluções n°


502/2006 e 557/2007 estabeleceu o período máximo de permanência em 360
dias possibilitando a sua renovação, a Lei n° 13.964/2019 estabeleceu o prazo
de permanência para até três anos, renovável por iguais períodos devendo
ser requerida motivadamente pelo juízo de origem e se ainda os motivos que
levaram a sua inclusão no sistema penitenciário federal persistirem. Ademais, as
alterações serão demonstradas a seguir.

201
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

3 PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS À LUZ DO


REGULAMENTO E DAS NORMAS ADMINISTRATIVAS
Como vimos no tópico anterior, o sistema penitenciário federal inaugurado
no ano de 2006 foi construído com inspiração no modelo das supermax do sistema
americano, prisões estas de segurança máxima.

A ideia do sistema adotado no Brasil era isolar os presos violentos e


controlar o comportamento transgressor destes reclusos com o principal
objetivo de desarticular a organização das facções criminosas estabelecidas no
interior dos estabelecimentos prisionais estaduais bem como isolar líderes de
motins e rebeliões.

A inclusão de presos no Sistema Penitenciário Federal é medida excepcional


e de prazo determinado, conforme dispõe o art. 10 da Lei n° 11.671/2018, o que
demonstra que tais estabelecimentos não destinam ao cumprimento da pena e
assim apenas com a finalidade de assegurar o interesse da segurança pública ou
do próprio preso, provisório ou condenado.

A rigidez no sistema de segurança e disciplinar é extraída das legislações


aplicáveis a todo Sistema Penitenciário Federal que tem como fundamento nas
Leis de Execuções Penais bem com o da Lei n° 11.671/2018 parcialmente alterada
por meio da Lei n° 13.964/2019 além dos Decretos Federais n° 6.049/2007 e
6.877/2009 e Portarias editadas pelo Departamento Penitenciário Federal.

Como pode-se observar, assim como estabelece a Lei de Execução Penal,


o Sistema Penitenciário Federal também assegura aos presos à assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social, psicológica e religiosa prestada
ao preso e ao egresso.

A Lei n° 11.671/2018 como já visto foi editada com a finalidade


de regulamentar a transferência e inclusão dos presos inclusão de presos
em estabelecimentos penais federais de segurança máxima, que até sua
promulgação era regulamentada por meio de Resoluções editadas pelo
Conselho Nacional de Justiça.

Inicialmente, a Lei n° 11.671/2018 em sua redação original não disciplinou


acerca das características da inclusão dos presos no Sistema Penitenciário Federal
na hipótese de tratar-se de atendimento do interesse da segurança pública.

As características das unidades prisionais federais foram estabelecidas no


art. 6.° do Decreto Federal n° 6.049/2007, que aprovou Regulamento Penitenciário
Federal, quais sejam: destinação a presos provisórios e condenados em regime
fechado; capacidade para até duzentos e oito presos; segurança externa e guaritas
de responsabilidade dos Agentes Penitenciários Federais; segurança interna que

202
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

preserve os direitos do preso, a ordem e a disciplina; acomodação do preso em


cela individual; e existência de locais de trabalho, de atividades socioeducativas
e culturais, de esporte, de prática religiosa e de visitas, dentro das possibilidades
do estabelecimento penal.

A primeira delas dispõe que no Sistema Penitenciário Federal serão


incluídos penas presos provisório ou regime fechado, ou seja, presos em
cumprimento de pena em regime menos gravoso, quais seja regime semiaberto
ou aberto não serão incluídos no sistema penitenciário federal, a segunda
estabelece a capacidade máxima admitida nas unidades prisionais federais
não admitindo-se a violação da capacidade, a terceira prevê a atribuição da
responsabilidade dos Agentes Penitenciários Federais para a segurança externa
e das guaritas de segurança.

O art. 6° do referido Decreto estabelece ainda a ordem e disciplina, além


de existência de locais de trabalho, de atividade socioeducativas, culturais,
esporte, prática religiosa e visitas são diretrizes que também já se encontram-se
estabelecidas na Lei de Execuções Penais.

A última característica das unidades prisionais federais refere-se à


acomodação dos presos incluídos no sistema em celas individuais, realidade está
bem diferente das unidades prisionais dos Estados da Federação.

Ocorre que, com a promulgação da Lei n° 13.964/2019 denominada de pacote


anticrime, além das características elencadas anteriormente, foram estabelecidas
novas peculiaridades aos presos incluídos em estabelecimento penal federal de
segurança máxima, no atendimento do interesse da segurança pública.

O art. 11 da Lei n° 13.964/2019 referendou o que já havia sido estabelecido


no art. 6.°, inciso V do Decreto Federal n° 6.049/2007 determinado o recolhimento
individual dos presos, estabeleceu novas regras de visitas de cônjuge, do companheiro,
de parentes e de amigos que ocorreram apenas por meio virtual ou no parlatório,
com o máximo de duas pessoas por vez, além de eventuais crianças, separados por
vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações.

O novo dispositivo legal representa a preocupação do legislador em


monitorar ou inibir os chamados salves, que na linguagem carcerária são as
ordens ou orientados emanadas dos líderes das organizações criminosas a prática
de crimes por seus integrantes.

É de bom alvitre que, antes mesmo da promulgação da Lei n° 13.964/2019,


o Ministério da Justiça com intenção também de monitorar ou inibir os chamados
salves, por meio da Portaria n° 718/2017, vendando a visitação íntima nas unidades
prisionais federais.

203
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Nesse mesmo sentido, a Portaria n° 157/2019 também editada pelo


Ministério da Justiça restringiu as regras de visitas sociais aos presos incluídos no
Sistema Penitenciário Federal, assegurando à visita social em pátio de visitação
apenas aos presos que no período de 360 (trezentos e sessenta) dias ininterruptos
apresentar ótimo comportamento, sendo os demais possuindo direito a visita
social em parlatório e por videoconferência.

O denominado pacote anticrime estabeleceu, ainda, o banho de sol de


até duas horas diárias e o monitoramento de todos os meios de comunicação,
inclusive, de correspondência escrita evidenciando a preocupação mencionada.

A única ressalva estabelecida pelo legislador no que se refere ao


monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns é a sua
utilização apenas para fins de preservação da ordem interna e da segurança
pública, sendo vedado o seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo
expressa autorização judicial.

O Regulamento Penitenciário Federal prevê o Regime de Disciplinar


Ordinário, nos mesmos moldes da Lei de Execução Penal, estabelece os direitos
e deveres dos presos incluídos no sistema, bem como disciplina as regalias e
recompensas além das faltas disciplinares e suas respectivas sanções.

Os direitos básicos dos presos incluídos no sistema penitenciário federal


encontram-se elencados no art. 37 do Decreto Federal n° 6.049/2007 e asseguram
aos presos condenados ou provisórios a  alimentação suficiente e vestuário;
atribuição de trabalho e sua remuneração; Previdência Social; constituição
de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da
pena; assistências material, à saúde, jurídica, educacional, social, psicológica e
religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal
e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e
amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento,
salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com
o diretor do estabelecimento penal federal; representação e petição a qualquer
autoridade, em defesa de direito; e contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não
comprometam a moral e os bons costumes.

Os deveres aos presos incluídos no sistema penitenciário federal, por sua


vez, estão estabelecidos no art. 38 do Decreto Federal n° 6.049/2007 e impõe aos
presos respeitar as autoridades constituídas, servidores públicos, funcionários e
demais presos cumprir as normas de funcionamento do estabelecimento penal
federal; manter comportamento adequado em todo o decurso da execução da
pena federal; submeter-se à sanção disciplinar imposta; manter conduta oposta
aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem
ou à disciplina; não realizar manifestações coletivas que tenham o objetivo de

204
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

reivindicação ou reclamação; indenizar ao Estado e a terceiros pelos danos


materiais a que der causa, de forma culposa ou dolosa; zelar pela higiene pessoal
e asseio da cela ou de qualquer outra parte do estabelecimento penal federal;
devolver ao setor competente, quando de sua soltura, os objetos fornecidos
pelo estabelecimento penal federal e destinados ao uso próprio; submeter-se à
requisição das autoridades judiciais, policiais e administrativas, bem como dos
profissionais de qualquer área técnica para exames ou entrevistas; trabalhar no
decorrer de sua pena; e não portar ou não utilizar aparelho de telefonia móvel
celular ou qualquer outro aparelho de comunicação com o meio exterior, bem
como seus componentes ou acessórios.

Seguindo-se a sistemática estabelecida pela Lei de Execuções Penais,


caso haja o cumprimento dos seus deveres além do bom comportamento e sua
colaboração com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho pelo preso lhe será
assegurado recompensas que constituem em elogios ou na concessão de regalias
(art. 32 do Decreto Federal n° 6.049/2007).

O elogio será formalizado em portaria do diretor do estabelecimento penal


federal e será concedido quando o preso realizar a prática de ato de excepcional
relevância humanitária ou do interesse do bem comum. (art. 33 do Decreto
Federal n° 6.049/2007)

A concessão de regalias também será concedida aos presos pelo diretor do


estabelecimento penal federal e constituem em assistir a sessões de cinema, teatro,
shows e outras atividades socioculturais, em épocas especiais, fora do horário
normal; assistir a sessões de jogos esportivos em épocas especiais, fora do horário
normal; praticar esportes em áreas específicas; receber visitas extraordinárias,
devidamente autorizada.

Contudo, os presos incluídos em unidades prisionais federais estão sujeitos


à disciplina, que consiste na obediência às normas e determinações estabelecidas por
autoridade competente e no respeito às autoridades e seus agentes no desempenho
de suas atividades funcionais e havendo a sua inobservância ou seu desrespeito
haverá uma falta disciplinar e por conseguinte uma sanção.

Assim como também estabelece a Lei de Execuções Penais, as faltas


disciplinares classificam-se em leves; médias; e graves.

O Regulamente Penitenciário Federal estabelece como falta de natureza


leve as seguintes condutas: comunicar-se com visitantes sem a devida autorização;
manusear equipamento de trabalho sem autorização ou sem conhecimento do
encarregado, mesmo a pretexto de reparos ou limpeza; utilizar-se de bens de
propriedade do Estado, de forma diversa para a qual recebeu; estar indevidamente
trajado; usar material de serviço para finalidade diversa da qual foi prevista, se o
fato não estiver previsto como falta grave; remeter correspondência, sem registro
regular pelo setor competente; provocar perturbações com ruídos e vozerios ou
vaias; e o desrespeito às demais normas de funcionamento do estabelecimento
penal federal, quando não configurar outra classe de falta. (art. 43 do Decreto
Federal n° 6.049/2007)

205
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

As faltas disciplinares de natureza média são de: atuar de maneira


inconveniente, faltando com os deveres de urbanidade frente às autoridades,
aos funcionários, a outros sentenciados ou aos particulares no âmbito do
estabelecimento penal federal; fabricar, fornecer ou ter consigo objeto ou material
cuja posse seja proibida em ato normativo do Departamento Penitenciário
Nacional; desviar ou ocultar objetos cuja guarda lhe tenha sido confiada; simular
doença para eximir-se de dever legal ou regulamentar; divulgar notícia que possa
perturbar a ordem ou a disciplina; dificultar a vigilância em qualquer dependência
do estabelecimento penal federal; perturbar a jornada de trabalho, a realização
de tarefas, o repouso noturno ou a recreação; inobservar os princípios de higiene
pessoal, da cela e das demais dependências do estabelecimento penal federal;
portar ou ter, em qualquer lugar do estabelecimento penal federal, dinheiro ou
título de crédito; praticar fato previsto como crime culposo ou contravenção, sem
prejuízo da sanção penal; comunicar-se com presos em cela disciplinar ou regime
disciplinar diferenciado ou entregar-lhes qualquer objeto, sem autorização;
opor-se à ordem de contagem da população carcerária, não respondendo ao
sinal convencional da autoridade competente; recusar-se a deixar a cela, quando
determinado, mantendo-se em atitude de rebeldia; praticar atos de comércio de
qualquer natureza; faltar com a verdade para obter qualquer vantagem; transitar
ou permanecer em locais não autorizados; não se submeter às requisições
administrativas, judiciais e policiais; descumprir as datas e horários das rotinas
estipuladas pela administração para quaisquer atividades no estabelecimento
penal federal; e ofender os incisos I, III, IV e VI a X do art. 39 da Lei no 7.210, de
1984. (art. 44 do Decreto Federal n° 6.049/2007)

Consideram-se faltas graves as seguintes condutas: incitar ou participar de


movimento para subverter a ordem ou a disciplina; fugir; possuir indevidamente
instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar acidente
de trabalho; deixar de prestar obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa
com quem deva relacionar-se; deixar de executar o trabalho, as tarefas e as ordens
recebidas; e praticar fato previsto como crime doloso (art. 45 do Decreto Federal
n° 6.049/2007).

As sanções a serem aplicadas aos presos deverão ser aplicadas


proporcionalmente as condutas praticadas e são de advertência verbal; repreensão;
suspensão ou restrição de direitos, observadas as condições previstas no art. 41,
parágrafo único, da Lei n° 7.210, de 1984; isolamento na própria cela ou em local
adequado; e inclusão no regime disciplinar diferenciado.

Segundo prevê os §§ 1 e 2.° do art. 46 do Decreto Federal n° 6.049/2007,


a advertência verbal é punição de caráter educativo, aplicável às infrações de
natureza leve, a repreensão é sanção disciplinar revestida de maior rigor no
aspecto educativo, aplicável em casos de infração de natureza média, bem como
aos reincidentes de infração de natureza leve.

206
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

As infrações graves previstas no art. 45 do Decreto Federal n° 6.049/2007


serão repreendidas com a suspensão ou restrição de direitos, ou isolamento sem
prejuízo da aplicação do procedimento judicial de regressão de regime previsto
no art. 118 da Lei de Execuções Penais.

É necessário frisar que haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e
anterior previsão legal ou regulamentar além de ser sempre garantido ao preso o
direito de defesa, com os recursos a ele inerentes.

Por fim, a prática de falta grave que constituir fato previsto como crime
doloso que acarretar a subversão da ordem ou disciplina interna poderá sujeitar
o preso ao regime disciplinar diferenciado que será abordado no próximo tópico
desse estudo.

4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO SISTEMA


PENITENCIÁRIO FEDERAL
As normas de regência do Sistema Penitenciário Federal demonstram
de forma inequívoca a rigidez disciplinar em que foi concebido o sistema que é
destinado precipuamente a isolar os presos violentos e controlar o comportamento
transgressor destes reclusos com o principal objetivo de desarticular a organização
das facções criminosas além de abrigar os líderes de motins e rebeliões.

As hipótese de inclusão de presos no Sistema Penitenciário Federal


encontram-se elencadas no art. 3.° do Decreto Federal n° 6.877/2009, quais sejam:
ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em
organização criminosa; ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade
física no ambiente prisional de origem; estar submetido ao Regime Disciplinar
Diferenciado – RDD; ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática
reiterada de crimes com violência ou grave ameaça; ser réu colaborador ou
delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade
física no ambiente prisional de origem; ou estar envolvido em incidentes de fuga,
de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem. 

Desta forma, o preso somente será incluído no Sistema Penitenciário


Federal se possuir, ao menos, uma das seguintes características anteriormente
descritas.

Como pode-se observar, uma das hipóteses prevê a inclusão dos presos
que estiverem submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado  –  RDD (art. 3.°,
inciso III do Decreto Federal n° 6.877/2009, BRASIL, 2009).

Inicialmente, necessário frisar o conceito do Regime disciplinar


diferenciado (RDD), que segundo leciona o professor Roberto Avena:

207
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Não se trata o regime disciplinar diferenciado de uma quarta


modalidade de cumprimento da pena privativa de liberdade além
das já existentes (regime fechado, semiaberto e aberto), mas sim de
uma forma especial de cumprimento da pena no regime fechado,
caracterizada pela permanência do preso em cela individual, limitação
do direito de visita e redução do direito de saída da cela (AVENA,
2019, p. 85).

A concepção inicial do Regime de Disciplinar Diferenciado ocorreu no


Estado de São Paulo por meio da edição da Resolução n° 26/2001 da Secretaria de
Administração Penitenciária daquela unidade da federação, que para combater
o crime organizado estabelecia a possibilidade de isolamento do preso por até
360 dias, desde que aplicado a líderes de facções criminosas ou portadores de
comportamentos inadequados.

Nessa esteira a fim de dar legitimidade a esta medida foi promulgada


a Lei n° 10.792/2003 incluiu na Lei de Execução Penal o Regime Disciplinar
Diferenciado nas seguintes hipóteses: prática de fato previsto como crime
doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas (art. 52); presos
que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento
penal ou da sociedade (art. 52, § 1°, I); presos sob os quais recaiam fundadas
suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações
criminosas, associação criminosa ou milícia privada (art. 52, § 1°, II), os quais
serão analisados detalhadamente em seguida.

Da mesma forma, a Lei n° 10.792/2003 estabeleceu também as características


do Regime Disciplinar Diferenciado que consistiam na duração máxima de
trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta
grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento
em cela individual; visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com
duração de duas horas; o preso terá direito à saída da cela por duas horas diárias
para banho de sol.

A referida legislação ainda autorizou a construção pela União Federal,


os Estados, o Distrito Federal e os Territórios de Penitenciárias destinadas,
exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime
fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado.

Pode-se concluir que, ao teor do que dispõe o art. 3° da Lei n° 8.072/90,


a União tem o dever de manter estabelecimentos penais, de segurança
máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta
periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a
ordem ou incolumidade pública, já os Estados e o Distrito Federal, a legislação
também autoriza a edificação ou a construam alas especiais para o cumprimento
do Regime Disciplinar Diferenciado.

208
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Os dispositivos que disciplinam o Regime Disciplinar Diferenciado foram


totalmente modificados com a promulgação da Lei n° 13.964/2019 denominada
de pacote anticrime.

O pacote anticrime inicialmente tratou-se incluir em sua redação da


possiblidade de inclusão além de presos nacionais, também de presos estrangeiros.

A primeira hipótese de inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado


ocorre quando o preso comete uma falta grave definida consistente em fato
definido como crime doloso e que desta conduta resulte em subversão da ordem
ou disciplina interna.

Cabe salientar que é necessário a ocorrência de uma falta grave definida


consistente em fato definido como crime doloso, ou seja, não há necessidade de
qualquer condenação, entretanto esta conduta necessariamente deve resultar em
subversão da ordem ou disciplina interna. Não havendo subversão da ordem
ou disciplina interna caberá a aplicação ao preso das sanções previstas no art.
53, incisos III e IV da Lei de Execução Penal, a saber suspensão ou restrição de
direitos e isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos
que possuam alojamento coletivo além da possibilidade da regressão de regime
prisional nos moldes do art. 118, inciso I, também da LEP.

A segunda hipótese prevê a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado


do preso, nacional ou estrangeiro, que apresentem alto risco para a ordem e a
segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Nesta situação não há
necessidade do cometimento de qualquer falta grave definida consistente em fato
definido como crime sendo suficiente apenas que o preso seja de alto risco para a
ordem e a segurança do presídio ou da sociedade.

Segundo professor Roberto Avena: “Nessa hipótese, a inclusão no RDD


caracteriza-se como uma medida cautelar com finalidade preventiva e não como
uma punição pela prática de falta grave, tal como ocorre na hipótese anteriormente
examinada” (AVENA, 2019, p. 86).

A terceira e última hipótese de inclusão de preso nacional ou estrangeiro


no Regime Disciplinar Diferenciado é admitida quando hajam fundadas suspeitas
de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada. Nota-se que não a necessidade de
comprovação da participação em organização criminosa bem com também é
prescindível o cometimento de falta grave consistente em fato definido como
crime doloso.

Assim como na hipótese anterior, tem natureza cautelar tendo como


função precípua manter a segurança do estabelecimento prisional e também da
sociedade.

209
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Para fins de conceituação de organização criminosa, associação criminosa


ou milícia privada utilizaremos os dispositivos estabelecidos na legislação pátria.

O art. 1°, § 1° da Lei n° 12.850/2013 preconiza:

Considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais


pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos,
ou que sejam de caráter transnacional (BRASIL, 2013, s.p.).

Já o art. 288 do Código Penal estabelece que associação criminosa é a


associação de três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.

A milícia privada tem definição no art. 288-A do Código Penal que


estabelece o tipo como crime “constituir, organizar, integrar, manter ou custear
organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade
de praticar qualquer”.

Outra importante alteração trazida pela promulgação da Lei n° 13.964/2019


consiste na obrigatoriedade do cumprimento do Regime Disciplinar Diferenciado
em estabelecimento prisional federal quando houver indícios de que o preso exerce
liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que
tenha atuação criminosa em dois ou mais Estados da Federação.

FIGURA 21 – CELA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

FONTE: <https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/
images/1fec92cc34f944db2b5d0b0c1d491072>. Acesso em: 24 abr. 2021.

210
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Nos casos de atuação criminosa em dois ou mais Estados da Federação, ao


teor do que dispõe o art. 52, § 5.° da Lei de Execução Penal, o Regime Disciplinar
Diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, visando evitar
o contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação
criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.

As características do Regime Disciplinar Diferenciado também foram


substancialmente modificadas pela Lei n° 13.964/2019 possibilitando a duração
máxima do RDD para até dois anos, sem prejuízo de repetição da sanção por
nova falta grave de mesma espécie.

Contudo, caso o preso tem sido incluído no Regime Disciplinar


Diferenciado por alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal
ou da sociedade ou por ter indícios de que exerce liderança em organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação
criminosa em dois ou mais Estados da Federação, o RDD poderá ser prorrogado
sucessivamente, por períodos de um ano desde que continue apresentando alto
risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da
sociedade ou continue mantendo vínculos com organização criminosa, associação
criminosa ou milícia privada levando-se em consideração necessariamente
o seu perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a
operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e
os resultados do tratamento penitenciário.

Assim como estabelecido pela Lei n° 10.972/2003, o recolhimento em


cela individual permaneceu com sendo umas das características do Regime
Disciplinar Diferenciado.

Com relação as visitas, a Lei n° 13.964/2019 manteve a possiblidade de visitas


quinzenais, de duas pessoas, por familiares ou de terceiros, desde que autorizados
judicialmente, com duas horas de duração, porém as visitas sociais serão realizados
em parlatório sendo vedado o contato físico e a passagem de objetos.

Nos termos do art. 52, § 6° da Lei de Execução Penal, as visitas serão


gravadas em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, havendo autorização
judicial, serão fiscalizadas por agente penitenciário.

Cuidou o legislador de autorizar os presos incluídos no Regime Disciplinar


Diferenciado que nos primeiros seis meses não receberam visitas, a possiblidade
de ter contato telefônico com uma pessoa da família, duas vezes por mês e por
dez minutos, desde que haja prévio agendamento, sendo tal contado gravado.

O banho de sol aos presos incluídos no Regime Disciplinar Diferenciado


foi mantido em duas horas diárias, porém usufruído em grupos de até quatro
presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso.

211
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Assim como nas visitas, as entrevistas dos presos incluídos Regime


Disciplinar Diferenciado, exceto aquelas com seu defensor, deverão ser
monitoradas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem
de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário.

A legislação prevê ainda, aos presos incluídos Regime Disciplinar


Diferenciado a fiscalização do conteúdo da correspondência e a participação em
audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a
participação do defensor no mesmo ambiente do preso.

O art. 58 do Decreto n° 6.049/2007 inclui ainda mais duas características


do Regime Disciplinar Diferenciado, quais sejam o uso de algemas nas
movimentações internas e externas, dispensadas apenas nas áreas de visita,
banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver, nas áreas de trabalho e
estudo; e a sujeição do preso aos procedimentos de revista pessoal, de sua cela e
seus pertences, sempre que for necessária sua movimentação interna e externa,
sem prejuízo das inspeções periódicas.

No âmbito do Sistema Penitenciário Federal, nos termos do que dispõe


o art. 56 do Decreto Federal n° 6.877/2009 estabelece que caberá ao diretor do
estabelecimento penal federal, na solicitação de inclusão, instruir o pedido com o
termo de declarações da pessoa visada e de sua defesa técnica, se possível.

É facultado, ainda, ao diretor do estabelecimento penal federal em que se


cumpre o regime disciplinar diferenciado, a possibilidade de recomendação ao
diretor do Sistema Penitenciário Federal que requeira à autoridade judiciária a
reconsideração da decisão de inclusão do preso no RDD ou tenha por desnecessário
ou inconveniente o prosseguimento da sanção.

Por fim, é de bom alvitre que, excepcionalmente nos casos de isolamento


preventivo em decorrência de falta disciplinar, a inclusão do preso no regime
disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato,
dependerá de despacho do juiz competente, nos termos do que dispõe o art. 60
da Lei de Execução Penal.

5 CONTROLE EM SITUAÇÕES EMERGENCIAIS


As Penitenciárias Federais, assim como todas as demais unidades
prisionais, podem ser conceituadas como sendo um modelo de instituição total,
conforme definição estabelecida pelo doutrinador Erving Goffman:

[...] Uma instituição total pode ser definida como um local de residência
e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada (GOFFMANN, 1974, p. 11).

212
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Ainda segundo o professor Erving Goffmann, essas instituições podem


ser divididas em cinco grupos:

Em primeiro lugar, instituições criadas para cuidar das pessoas que,


segundo se pensa, são incapazes e inofensivas; nesse caso estão as
casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes. Em segundo lugar, há
locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de
cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à comunidade,
embora de maneira não intencional; sanatórios para tuberculosos,
hospitais para doentes mentais e leprosários. Um terceiro tipo de
instituição total é organizado para proteger a comunidade contra
perigos intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas não
constitui o problema imediato: cadeias, penitenciárias, campos de
prisioneiros de guerra, campos de concentração. Em quarto lugar,
há instituições estabelecidas com a intenção de realizar de modo
mais adequado alguma tarefa de trabalho, e que se justificam apenas
através de tais fundamentos instrumentais: quartéis, navios, escolas
internas, campos de trabalho, colônias e grandes mansões (do ponto
de vista dos que vivem nas moradias dos empregados). Finalmente,
há os estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo,
embora muitas vezes sirvam também como locais de instrução para os
religiosos; entre exemplos de tais instituições, é possível citar abadias,
mosteiros, conventos e outros claustros (GOFFMANN, 1974, p. 16-17).

O professor Erving Goffman completa o seu estudo afirmando que


o indivíduo recolhido a prisão passa pelo processo de “desprogramação do
indivíduo” onde se adapta as regras destas instituições totais (GOFFMANN, 1974).

Assim, como visto nos tópicos anteriores, as penitenciárias federais regem-


se pelas regras estabelecidas pelo Congresso Nacional além de normas infralegais
estabelecidas pelo Poder Executivo.

Entretanto, tais regras são estabelecidas a partir dos princípios e


das normais constitucionais como também em consonância com as normas
internacionais estabelecidas pelas Organizações das Nações Unidas.

O Estado criado e legitimado a partir de uma sociedade política organizada,


com o objetivo principal de promover uma convivência pacífica entre povos
determinados (SANTOS, 2016) goza monopólio da violência legítima, elemento
fundamental para o controle social.

É de bom alvitre que, o uso da força deve ser utilizado com base na
legislação vigente visando ao interesse público. Segundo Di Pietro (2003), o
denominado poder de polícia somente pode ser exercido quando não for possível
o emprego de outro meio eficaz para se alcançar o objetivo pretendido, não sendo
válido quando desproporcional ou excessivo.

A utilização do uso da força é recomendada pela Organização das Nações


Unidas pela edição do “Código de Conduta Para os Funcionários Responsáveis
pela Aplicação da Lei”, por meio da Resolução n° 34/169.

213
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

O referido Código estabelece apenas oito artigos, dentre os quais podemos


citar a imposição que:

funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir


o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo
todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o elevado
grau de responsabilidade que a sua profissão requer” (Art. 1.°), que no
“cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar
os direitos humanos de todas as pessoas” (art. 2.°), “os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando
estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento
do seu dever” (Art. 3.°) e ainda “os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem respeitar a lei e este Código. Devem, também,
na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se com rigor a
quaisquer violações da lei e deste Código (Art. 8., MPSP).

A legislação brasileira, por sua vez, seguiu os parâmetros estabelecidos


pela Organização das Nações Unidas admitindo a utilização da força necessária
nos casos de desobediência, resistência ou tentativa de fuga, entretanto inibindo
os excessos.

FIGURA 22 – RESOLUÇÃO N° 34/169

FONTE: <https://player.slideplayer.com.br/71/12178659/slides/slide_1.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2021.

214
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988 estabelece como um dos princípios da


Administração Pública a necessária observância do princípio da legalidade, nos
termos do art. 37 “caput”.

Acerca da utilização da força estabelece expressamente o art. 284 do Código


de Processo Penal que, “não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no
caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”

No âmbito da Execução Penal, a legislação estabelece regras para o


cumprimento de pena como também prevê a observância dos agentes de
segurança os limites estabelecidos pela lei para o uso da força como também o
respeito a integridade física e moral dos apenados.

Nesse sentido, dispõe o art. 40 da Lei de Execuções Penais que “Impõe-


se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos
presos provisórios”.

O legislador com o intuito de coibir os excessos ou desvio na execução da


pena admite a possiblidade da instauração do respectivo incidente que poderá
ser instaurado a pedido do  Ministério Público, do Conselho Penitenciário; do
sentenciado; ou qualquer dos demais órgãos da execução penal visando apurar
algum ato praticado que tenha ultrapassado os limites fixados na sentença, em
normas legais ou regulamentares.

Assim, o uso arbitrário da força constitui inegavelmente a violação do


direito penal bem como violação dos direitos humanos, cometidos por aqueles
que tem como função manter e preservar esses direitos.

A Constituição Federal de 1988 tratou de assegurar expressamente


como direito fundamental a não submissão de qualquer pessoa a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante (art. 5.°, inciso II) bem como classificou como
gravíssimo o crime de tortura considerando-o como inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia (art. 5.°, inciso XLIII).

A Lei Federal n° 9.455/97 definiu os crimes de tortura como sendo aquele


constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental, (a) com o fim de obter informação, declaração ou
confissão da vítima ou de terceira pessoa; (b) para provocar ação ou omissão
de natureza criminosa; (c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
ou submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

A referida legislação equiparou ao crime de tortura aquele que submete


pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por
intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida
legal. (art. 1.°, § 1.° da Lei n° 9.455/97).

215
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Claramente, infere-se que a legislação admite a possiblidade do uso


da força necessária, desde que seja observado os princípios da legalidade;
necessidade; conveniência e proporcionalidade.

Desta forma, a legislação assegura aos agentes de segurança a utilização da


força necessária para o controle de situações emergenciais casos de desobediência,
resistência ou tentativa de fuga, contudo desde que seja sempre observado a
legislação vigente.

216
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

LEITURA COMPLEMENTAR

A REALIDADE DAS MULHERES NO SISTEMA PENITENCIÁRIO


BRASILEIRO – O TRATAMENTO DO SEXO FEMININO POR TRÁS
DAS GRADES

Caroline Pestana
Maria Carolina Martinho de Oliveira
Mayara Prado Monteiro
Stella Mendes de Oliveira
Taisa Meloni Lopes

RESUMO: O presente trabalho é proposto visando à discussão da realidade das


mulheres que são encontradas nos presídios brasileiros, analisando os diferentes
perfis destas mulheres e o modo como o sistema penitenciário as trata, especialmente
em relação às peculiaridades do ser mulher, gênero caracterizado pela maternidade,
menstruação e marcado pela sua luta contra o machismo e pela igualdade de
gênero. Pretende-se discorrer sobre as condições das penitenciárias, destacando-se
o perfil das mulheres encarceradas, dentre fatores sociais, familiares e raciais, bem
como as particularidades que às levaram ao mundo do crime. Através da análise do
perfil destas mulheres, busca-se entender quais as mudanças necessárias no sistema
penitenciário brasileiro, se há uma verdadeira aplicação da legislação e respeito aos
princípios constitucionais dentro dos presídios, e como o machismo da sociedade
ainda se encontra presente até mesmo nos modelos dos presídios brasileiros. Este
estudo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, envolvendo a leitura,
fichamento e análise crítica de material bibliográfico bem como diversos dados
estatísticos disponíveis na internet.

PALAVRAS-CHAVE:  Mulheres, Presídios, Sistema Penitenciário Brasileiro,


Machismo, Penitenciária.

Introdução

No Brasil e no mundo, a maior parte da população é feminina. Entretanto,


mulheres do mundo todo continuam sendo objetificadas, comercializadas,
escravizadas e abusadas diariamente. A luta contra o machismo, em busca da
igualdade de gênero, começou a surtir resultados bem recentemente, e está apenas
no começo. Mulheres garantiram seu direito ao voto e ao trabalho, mas ainda
lutam para serem reconhecidas, para receberem o salário justo por seu trabalho,
para serem respeitadas, entre tantas outras coisas, e grande parte da luta está em
discutir e divulgar as diferenças de tratamento e as consequências desta situação.

Um grande exemplo está no sistema prisional brasileiro, que genericamente


já possui diversos problemas, mas quando o foco se fecha em torno do tratamento
dado às mulheres que se encontram nestes locais, os problemas se agravam.

217
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Mulheres e homens são biologicamente diferentes, e foi com base nestas


diferenças que mulheres foram diminuídas e tratadas como inferiores durante
tantos séculos. Em uma época onde a força física determinava o poder, ter líderes
masculinos até fazia sentido, entretanto, com as mudanças na sociedade, onde
fatores como inteligência e habilidades interpessoais formam os grandes líderes,
as mulheres estão no mesmo patamar que os homens e tem toda a capacidade de
liderar, como têm demonstrado.

Entretanto, as diferenças biológicas continuam presentes e ao fazerem


parte da vida de uma mulher, fazem com que elas tenham necessidades diferentes,
necessidades essas que não estão sendo respeitadas no sistema carcerário, fazendo
com que mulheres percam sua dignidade, sem o básico de higiene ou respeito
as suas necessidades básicas. Quando o assunto é maternidade a situação piora
ainda mais, afinal, não se trata apenas de uma situação na qual mulheres não são
respeitadas, mas também muitas vezes terceiros utilizam da maternidade para
induzir ao mundo do crime e ameaçar essas mulheres.

Por estes motivos, é extremamente necessário analisar de perto a situação


em que essas mulheres se encontram e buscar uma mudança significativa, analisar
se há uma verdadeira aplicação dos princípios constitucionais e da legislação
que garante diversos direitos às mulheres dentro e fora das prisões. É em busca
desse objetivo que este trabalho se constrói, na busca de bibliografia e dados
estatísticos, relatos de histórias reais, analisados criticamente para encontrar e
divulgar a realidade destas pessoas.

1 MACHISMO NO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO DO BRASIL

O machismo é um tema que está sendo muito debatido e é, ainda,


muito presente na nossa sociedade contemporânea. Este elemento não deixa
de aparecer no sistema carcerário feminino no Brasil; além disso, pode até ser
considerado o lugar em que o machismo mais se faz presente e é mais grave,
como veremos a seguir.

Inicialmente, a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/1984), no Art. 27, §


2°, diz que, em presídios femininos, só se permitirá trabalho de pessoal do sexo
feminino. No entanto, diversas mulheres que estão presas na prisão do Bom
Pastor, em Recife, alegaram, em uma pesquisa feita pelo Human Rights Watch,
que foram assediadas verbal ou fisicamente por um agente penitenciário do
sexo masculino.

Essa Lei define, também, que homens e mulheres devem estar separados
em estabelecimentos carcerários femininos e masculinos. Todavia, não foi sempre
assim. A primeira prisão feminina do Brasil, Madre Pelletier, foi construída em
1937, em Porto Alegre. Até este momento, as mulheres eram obrigadas a serem
encarceradas junto a outros homens. Nestas situações, muitas delas foram
estupradas e sujeitas à situação de prostituição.

218
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Segundo os dados de 2014 do Sistema Integrado de Informações


Penitenciárias (Infopen), 75% das prisões no Brasil são exclusivamente masculinas;
17% são mistas e somente 7% são direcionadas puramente a mulheres. Este é
um grande problema em dois sentidos: de acordo com o DEPAN, a quantidade
de mulheres que foram encarceradas em 10 anos (entre 2000 e 2010) aumentou
em 261%, e a quantidade de homens teve aumento de 106%; ou seja, quase o
triplo de mulheres em relação aos homens. O outro lado, portanto, é que, com
essa superlotação de mulheres no sistema carcerário, faltará espaço para estas nos
presídios femininos, e estas serão forçadas a se instalarem nos presídios mistos,
onde, como já se sabe, muito provavelmente se tornarão vítimas de abusos
sexuais, verbais e morais.

O machismo no sistema penitenciário já se faz presente no momento em


que a mulher é presa; em casos de flagrante, a mulher deve ser acompanhada à
delegacia por policiais mulheres, e não homens. Isso, muitas vezes, não acontece,
e as mulheres são dirigidas até lá acompanhadas somente por homens, o que
pode tornar a situação desconfortável e até intimidante. Segundo a pesquisadora
Bruna Angotti, muitas mulheres só terão contato com outras mulheres já na
penitenciária.

Conforme Irmã Michael Nolan, presidente do Instituto Terra Trabalho


e Cidadania (ITTC) e membro da Pastoral Carcerária, não há condições de
ser realizada uma ressocialização e reintegração nas condições em que essas
mulheres vivem nos presídios; o machismo é um dos grandes desafios do sistema
carcerário, e, para a Irmã, a lógica deste é opressora e patriarcal.

1.1 AGRESSÃO DAS MULHERES NO SISTEMA CARCERÁRIO

Segundo dados, no Rio de Janeiro, apenas 4,7% das mulheres que chegam
à prisão não tem nenhum histórico anterior de violência, agressão ou vitimização.
Além disso, 95% dessas mulheres já sofreram violência ou quando eram crianças
(por parte dos responsáveis); ou quando adultas (por parte dos companheiros)
ou, ainda, quando foram presas (por parte dos policiais).

Dentro das prisões, o cenário não se faz diferente. Ainda no estado do Rio
de Janeiro, 68% das mulheres mantidas no Presídio Nelson Hungria admitiram
ter sofrido maus-tratos por parte dos policiais; entre estes maus-tratos constam:
espancamento, choques elétricos, abusos sexuais, ameaças de morte, suborno e
até afogamento.

Além das agressões por parte dos policiais e agentes penitenciários, a partir
dos conflitos internos entre as presas, muitas já foram violentadas ou violentaram
outras mulheres dentro do sistema carcerário. Essas agressões podem ser físicas
ou por meio de ameaças. Infelizmente, apesar de ilícita, essas práticas violentas e
agressivas dos policiais ocorrem diariamente, em todos os presídios, delegacias e
ocorrências do país.

219
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

2 OS PROBLEMAS ENFRENTADOS POR MULHERES NO CÁRCERE

2.1 HIGIENE

O sistema penitenciário brasileiro, em relação às mulheres, ainda é


demasiadamente precário no que diz respeito às condições de higiene, seja
pessoal ou do local. Assim, não é cumprida a Lei n° 7.210 de Execução Penal, isto
é, a promessa de garantir um tratamento decente e humanizado para os detentos
como constado em tal instituto.

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento


de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos
presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e
objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e
curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 1° (Vetado).
§ 2° Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a
assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da
direção do estabelecimento.
§ 3° Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-
natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.

Nana Queiroz, jornalista, escreveu o livro “Presos que Menstruam” que,


entrando na exceção da mídia, trata do assunto até então comentado de maneira
insuficiente pelos jornais, livros e pesquisas, tendo em vista que a maior atenção
vai para os presídios voltados para o público masculino. Assim, ela realiza uma
análise do sistema carcerário feminino durante quatro anos, revelando a verdade
daquilo que pôde observar de perto.

Na obra, a autora diz que as prisões femininas são consideradas


verdadeiros tabus, por serem de difícil localização em pesquisas e não constarem
nos interesses para discussão da grande maioria das pessoas que possuem uma
imagem formada das mulheres em seus ideais. As presas são tratadas como
homens e, assim sendo, não levam em consideração as suas necessidades e
particularidades do sexo feminino, independente de seus direitos humanos.
Como exemplo, durante seu trabalho, Nana, ao falar com as mulheres detidas,
vislumbra a falta de cuidado com coisas básicas, como o absorvente. Na falta
dele, as detentas, em casos extremos, têm de usar restos de miolo de pão como
substituto para o produto primordial que lhes falta. E, em alguns casos, os itens
de higiene são pessoais, dependendo dos familiares para providenciar e levar ao
presídio. Contudo, ressalta-se que, ao serem presas, grande parte dos familiares
as abandonam e, consequentemente, elas acabam ficando sem esses itens básicos.
Isto ocorre de forma diversa aos homens, porque estes contam com as visitas e
não o abandono, devido uma visão machista de que mulheres não podem ser
presas. Logo, as mulheres devem guardar jornais para usar de papel higiênico,

220
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

por exemplo, pois não fornecem o necessário às duas idas ao banheiro (diferente
dos homens, o sexo feminino precisa de mais papel até mesmo por questões
biológicas). Além disso, os utensílios podem ser vistos como moeda de troca
nas penitenciárias, pois, não havendo outros meios de consegui-los, realizam-se
permutas de acordo com um “valor” imposto pelas próprias presas. Produtos
utilizados para vaidade, como tintas de cabelo e shampoo, tem maior valoração
e são trocados por serviços de faxina e de cabelereiro realizados por elas dentro
das áreas do presídio.

“O poder público simplesmente ignora o fato de estar lidando com mulher e suas
necessidades e oferece o mesmo “pacote” do masculino, sem acesso a saúde e nenhum
cuidado com higiene. Tem se discutido muitos sobre o tipo de vida que essas mulheres
estão levando, não há cuidado algum com a menstruação (muitas usam miolo de pão como
absorvente), com a maternidade, entre outras especificidades femininas.” (1)

Ainda mais grave, é realizar que o próprio Estado ignora as mulheres


nessa realidade, não oferecendo as condições básicas para seu cotidiano. Quanto
ao ambiente, os cuidados com o local não são dos mais dignos: são lugares sujos,
com problemas nas instalações e falta de alimentação de qualidade mínima para
a nutrição completa de um ser humano. Tudo isso gera o comprometimento da
saúde das pessoas que são obrigadas a viver dentro de tais localizações.

Ainda, falando do cotidiano, acabam tendo que dormir no chão,


revezando as camas para esticar as pernas devido a superlotação, problema
presente na grande maioria dos lugares destinados à reclusão de pessoas do país,
tanto masculinos como femininos. Além disso, não possuem privacidade nem
na hora de suas intimidades ou necessidades fisiológicas, pois os banheiros não
têm portas, ou não são em quantidade adequada para atender às necessidades de
todos os que lá estão, e as descargas são falhas, contaminando todo o recinto com
o cheiro, somado à falta de limpeza periódica.

No livro Prisioneiras, do médico Dráuzio Varella, é possível contemplar


o relato de sua experiência como médico voluntário na penitenciária feminina de
segurança máxima do Estado de São Paulo. O médico apresenta comparações entre
o feminino e o masculino, com o qual também voluntariou, e, em determinada
parte do livro, diz que as mulheres apresentam muito mais problemas relacionados
à saúde do que os homens. Utiliza-se, então, esse relato para mostrar como o
descaso com a higiene das mulheres presas caminha em total divergência com o
que é garantido na lei como direito e fere a fundamental dignidade humana.

“Os problemas de saúde eram muito diferentes daqueles que eu havia enfrentado
nas prisões masculinas. Em vez das feridas mal cicatrizadas, sarna, furúnculos, tuberculose,
micoses e as infecções respiratórias dos homens, elas se queixavam de cefaleia, dores na
coluna, depressão, crises de pânico, afecções ginecológicas, acne, obesidade, irregularidades
menstruais, hipertensão arterial, diabetes, suspeita de gravidez. Afastado da ginecologia
desde os tempos de estudante, eu não estava à altura daquelas necessidades.” (2)

221
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Tais diferenças entre as enfermidades enfrentadas por homens e mulheres


são explicadas pelas desigualdades claras entre o funcionamento dos corpos
de ambos, tanto no âmbito físico quanto no psicológico. Elas se evidenciam
claramente no texto de relato do Doutor Dráuzio em seu livro, que viu de perto
tais discrepâncias.

Portanto, o que é prometido pelas leis e direitos humanos, algo que parece
banal para todos, não é vista da mesma forma pelos que vivem a realidade atrás
das grades. Assim, deve ser analisada e revista por todos, inclusive o Estado, para
que permita melhores condições, e sem luxo, mas humanitária dessas pessoas.

2.2 MATERNIDADE

Quanto ao tratamento relacionado à maternidade, uma situação comum


para todas mulheres que sempre tem um hospital a seu alcance, atrás das celas não
é bem assim. Relatos e pesquisas afirmam que, nem aposentos e nem médicos estão
sempre disponíveis para atender às mães e, mais raros ainda, são os casos em que
podem ser levadas à hospitais para serem atendidas. Sendo assim, ocorrem partos
em acomodações inadequadas. E os bebês, enquanto no direito da amamentação,
dormem com as mães até mesmo no chão, em condições de precariedade.

Tanto as mães como os bebês enfrentam sérias consequências devido às


condições da gravidez na prisão. Os altos índices de estresse e os inúmeros casos
de depressão afetam a mulher de forma direta e levam para os bebês que ainda se
encontram na barriga esses fatores. As mudanças hormonais que acontecem com
qualquer gestante tomam uma dimensão ainda maior do ponto de vista negativo
entre as detentas, já que são somadas aos problemas antes mencionados e à
alimentação carente em nutrientes de suma importância para o desenvolvimento
do feto. Isso aumenta de maneira considerável as chances de desenvolvimento de
depressão pós-parto, comprovadamente mais frequentes entre mulheres presas
do que em mulheres em situação de liberdade.

“[...] O ato de gerar um filho neste período poderá́ acarretar efeitos adversos na
gravidez e, consequentemente, à criança que está sendo gerada. Deve-se considerar que
a gestação gera diversas alterações biopsicossociais na vida da mulher, aumentando a
probabilidade de haver prejuízos em virtude do aprisionamento. Parte-se do pressuposto
que a maternidade envolve a gestação, o parto e o vínculo estabelecido entre a mãe e o bebê,
e o próprio contexto em que a gestante está vivendo, dentre tantos outros fatores”. (3)

Disposto no Art. 41, inciso X, da Lei 7.210, os presos têm o direito à visita


íntima. Contudo, na realidade, nem sempre esse direito ocorre da maneira como
deveria. São poucos locais que permitem as visitas e, dependendo do presídio,
possui de forma divergente do instituto. E isso envolve o psicológico da pessoa,
porque as mulheres necessitam dessa exigência para a manutenção dos laços
afetivos, seja com o esposo ou como com filhos.

222
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

As mulheres grávidas, em sua grande parte, não adquirem essa gravidez


como produto dessas visitas íntimas. Segundo dados, no Brasil, as mulheres
recebem muito menos visitas desse tipo ou da forma convencional do que os
homens. Isso se deve ao fato de elas serem, em várias ocasiões, completamente
abandonadas pelos familiares e amigos quando entram em situação de privação
de liberdade. A maior parte delas, na realidade, já chega às penitenciárias
gestando. Isso se deve ao fato de terem consciência das condições precárias e não
desejarem ter filhos dentro da cadeia.

Durante os nove meses de gestação, as mulheres apresentam o direito


garantido por lei de receberem exames pré-natais, assim como o auxílio médico.
Contudo, na prática, muitas vezes são fornecidas às gestantes apenas um exame,
quando oferecido.

No momento do parto, as parturientes nem sempre são levadas ao


hospital. Em vários casos, devem se manter presas à cama o tempo todo por
algemas durante o procedimento. Assim, acabam por ter o filho dentro das
celas, ou nos banheiros que, somado a possibilidade de contrair doenças, não
é seguro aos dois devido às extremamente precárias condições de higiene. A
grande maioria dos presídios não obedece a lei que determina a existência de
lugares específicos para as recém tornadas mães e os seus bebês em período de
amamentação. As crianças acabam ficam junto das progenitoras alojados dentro
das celas superlotadas, no chão sujo.

A maternidade, visto como um grande fato da vida para as mulheres, não


pode ser contemplada de tal forma. Devido as circunstâncias precárias e os maus
tratos, elas devem apenas aceitar a situação, pois não há outra opção. Entretanto,
deveria ser possibilitada uma gravidez saudável (com exames regulares, e
tratamento preciso) e permitido aos filhos um crescimento adequado durante o
período que as mães possuem o direito de estar com o bebê, para amamentação e
estreitamento de laços. Ou seja, não é uma questão de luxo é um atendimento às
necessidades humanas.

3 O PERFIL DO CÁRCERE FEMININO BRASILEIRO

3.1 QUANTO AOS DELITOS COMETIDOS

Mulheres no mundo criminoso estão presentes há muito tempo, porém


em menor quantidade do cotidiano. Em 15 anos o número das mulheres
privadas de liberdade, no Brasil, cresceu assustadoramente 567%, de acordo
com os dados da Infopen Mulheres. Mesmo com o crescimento abrupto essas
mulheres representam somente 6,4% da população geral carcerária do Brasil. O
cárcere feminino dentro da nação com este aumento numeroso começa a ter mais
visibilidade, mas mesmo assim não possuindo toda a ajuda necessária.

223
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

Não pode se negar que as mulheres levadas ao cárcere são vulneráveis


pelo simples fato de serem do sexo feminino. Adiciona-se a essa questão a
vulnerabilidade dada por participarem da população carcerária, assim estão
expostas de forma intersecional à reprovação moral, em que as consequências
recaem de maneira mais pesada.

Por meio dos dados do Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias de 2014 mais de 60% da população feminina carcerária foi detida
por conta dos delitos relacionados ao tráfico. Pesquisas relacionada a esse
grande número revelam que não é a somente a situação econômica que leva às
mulheres entrarem nessa rede de tráfico, mas também por diversos fatores como
relacionamentos afetivos. Desta maneira há grandeza de poder em relação às
outras mulheres e equiparam-se aos homens, ou seja, são levadas também pelo
poder e status.

Outros delitos são em menores decorrências. O delito do roubo é quase


10%; homicídio é menor de 10%; furto igual os dois anteriores; desarmamento,
latrocínio, receptação e quadrilha são todos menores de 5%. Com esses dados a
imagem da mulher que cometia somente delitos passionais ou de maternidade
(aborto e infanticídio) é quebrada diante dos dados.

3.2 QUANTO À FAIXA ETÁRIA

Os números, influenciados pela quantidade populacional em cada


faixa, são aproximadamente equivalentes e proporcionais a esta influência. As
carcerárias se concentram entre 18 a 29 anos (50%), tendo assim mais juventude
dentro das prisões brasileiras, mesmo tendo 21% da população brasileira na faixa
etária contido dentro da juventude. A idade mais presente nos cárceres femininos
se relaciona também com o período mais economicamente ativo da vida.

Há 27% do cárcere feminino brasileiro com idade entre 18 a 24 anos.


Os 23% estão presentes nas idades entre 25 a 29 anos; 18% está entre 30 a 34
anos; 21% está dentro dos 35 a 45 (10 anos de amplitude); entre 46 a 60 está 10%
(amplitude de 14 anos); com a idade mais avançada está 1% entre 61 a 70; e sem
nenhum relato estão as idades acima de 71 anos. Os dados são registrados pelo
Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça e pelo Infopen, na
data de junho de 2014.

3.3 QUANTO À RAÇA, ETNIA E COR

Por meio dos dados encontrados pela Infopen, na mesma data do tópico
anterior a raça, etnia e cor possuem um grande destaque ao choque racial, tendo
desproporção entre raças e cores gigantesca. Pelos dados pode perceber-se uma
predominância da cor negra, com presença de 68% nos cárceres femininos. 31%
são as mulheres brancas; amarelas revelam 1% da população; indígenas chegam
a quase 1%, mas com grande queda de números.

224
TÓPICO 3 — O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Os números registrados não mentem que a cada três presidiárias duas são
negras, intercepta desta maneira a história da raiz sociocultural brasileira, que
mesmo após 120 anos do fim da escravidão a pobreza se concentra da raça negra,
e os mesmos buscam meios ilícitos para a vida econômica. A proporção de cada
raça muda de acordo com o estado da federação estudado, como por exemplo na
Bahia em que 92% do cárcere feminino é negra, e no Ceará, 92%.

3.4 QUANTO À ESCOLARIDADE

Nesta abordagem se torna um choque e uma realidade 50% do cárcere


feminino com Ensino Fundamental Incompleto, o que aproxima esse número
com o dado masculino que se identifica com 53%. Torna-se inquestionável o
baixo grau de escolaridade presente nos cárceres femininos e masculinos. Com
o Ensino Fundamental Completo já cai o número para 10%, mas com o Ensino
Médio Incompleto sobe para 14%.

11% das presas brasileiras possuem o Ensino Médio Completo; 2% com


o Ensino Superior Incompleto; 1% com o Ensino Superior Completo; e 4% são
analfabetas. Em comparação aos homens há uma pequena diferença em cada
dado, mas muito sensível.

Conclusão

A análise desses dados deixa claro que há uma falha por parte da
sociedade em relação a estas mulheres. Sendo a grande maioria mulheres jovens,
mães de família, baixa escolaridade. Ademais, estas mulheres não são apenas
provenientes de bairros pobres e situações de pobreza, mas também em sua
maioria negras, que lidam com o racismo diário de uma sociedade marcada pelo
histórico da escravidão, junto ao machismo que perpetua na sociedade brasileira.
O Estado, que deveria promover a igualdade, e outros princípios constitucionais
como a dignidade da pessoa humana, afinal tem suas ações promovidas por seres
humanos, que acabam por impetrar suas pessoalidades em seus trabalhos. Em
uma sociedade marcada pelo machismo, pelo racismo e pela desigualdade social,
o resultado é um número crescente de mulheres que se encontram em situações
degradantes e buscam uma saída no mundo do crime.

Consequentemente, o Estado, que deveria agir em prol da ressocialização


destas mulheres, acaba por encarcerá-las em condições degradantes, tratando-
as como meros números ao invés de seres humanos com vidas, famílias e
necessidades biológicas.

Fica claro que para fazer com que as normas aplicadas às mulheres que se
encontram no sistema penitenciário deixem de ser um meio de criação de um ideal
e promovam uma existência que respeite a dignidade da pessoa humana, há uma
necessidade de reforma nos presídios femininos para dar efetivo cumprimento

225
UNIDADE 3 — AS UNIDADES PRISIONAIS

aquilo que as normas prescrevem. Entretanto, a reforma não causará grandes


resultados se não for aliada a uma busca e reflexão sobre os fatores que levam as
mulheres à prisão, afinal “vale a pena investir nestas mulheres porque são seres
humanos e é assim que a sociedade democrática deve fazer”(4).

FONTE: <https://carolpestana.jusbrasil.com.br/artigos/520995218/a-realidade-das-mulheres-no-
sistema-penitenciario-brasileiro>. Acesso em: 24 abr. 2021.

226
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Como decorrência do caótico sistema penitenciário nacional, de responsabilidade


dos estados membros da federação, criou-se um cenário caótico com centenas
de rebeliões, mortes e sobretudo da criação de facções criminosas arquitetadas
nas dependências das próprias penitenciárias, obrigando a criação das
penitenciárias federais.

• As penitenciárias federais foram construídas inspiradas no modelo


arquitetônico, gerencial e estratégico das supermax do sistema americano,
prisões estas de segurança máxima. A ideia desse sistema adotada pelo Brasil
tem como objetivo isolar os presos violentos e controlar o comportamento
transgressor desses reclusos.

• Recentemente, a Lei n° 13.964/2019, intitulada de Pacote Anticrime, promoveu


inúmeras alterações nas legislações penais brasileiras, dentre elas, no Código
Penal, Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal e também na Lei
que dispõe sobre a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos
penais federais de segurança máxima.

• A inclusão de presos no Sistema Penitenciário Federal é medida excepcional e


de prazo determinado, conforme dispõe o Art. 10, da Lei n° 11.671/2018, o que
demonstra que tais estabelecimentos não destinam ao cumprimento da pena e
assim apenas com a finalidade de assegurar o interesse da segurança pública
ou do próprio preso, provisório ou condenado.

• As normas de regência do Sistema Penitenciário Federal demonstram, de


forma inequívoca, a rigidez disciplinar em que foi concebido o sistema
que é destinado precipuamente a isolar os presos violentos e controlar o
comportamento transgressor destes reclusos com o principal objetivo de
desarticular a organização das facções criminosas além de abrigar os líderes de
motins e rebeliões.

• Uma das hipóteses para inclusão dos presos nas penitenciárias federais é
estarem submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado – RD.

227
• As características do Regime Disciplinar Diferenciado também foram
substancialmente modificadas pela Lei n° 13.964/2019, possibilitando a duração
máxima do RDD para até dois anos, sem prejuízo de repetição da sanção por
nova falta grave de mesma espécie.

• O uso da força nas penitenciárias federais deve ser utilizado com base na
legislação vigente visando ao interesse público que segue os parâmetros
estabelecidos pela Organização das Nações Unidas, admitindo a utilização da
força necessária nos casos de desobediência, resistência ou tentativa de fuga,
entretanto, inibindo os excessos.

CHAMADA

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228
AUTOATIVIDADE

1 Os presídios federais foram concebidos como necessidade de solucionar


o caos do sistema penitenciário nacional de responsabilidade dos estados
membros da federação e para abrigar presos líderes de organizações
criminosas que, mesmo recolhidos a presídios estaduais de segurança
máxima, continuam, de dentro das cadeias, no comando da prática de
crimes. Acerca das penitenciárias federais assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) São prisões de segurança máxima e têm, como objetivos, isolar os


presos violentos e de alta periculosidade e controlar o comportamento
transgressor desses reclusos.
b) ( ) São prisões destinadas a presos condenados a penas perpétuas.
c) ( ) São prisões destinadas a presos condenados à pena de morte à espera
da execução da pena.
d) ( ) São unidades prisionais destinadas a presos condenados por crimes no
exterior a espera de extradição.

2 O Conselho Nacional de Justiça editou Resolução n° 502, de 9 de maio


de 2006, buscando estabelecer algum ato normativo para regulamentar
questões essenciais referentes ao procedimento de inclusão de presos no
sistema penitenciário federal. São diretrizes da Resolução n° 502:

a) ( ) Admitir apenas presos condenados à pena de regime semiaberto e


aberto em instância superior.
b) ( ) Admissão de presos, condenados ou provisórios, de alta periculosidade,
observados os rigores do regime fechado, quando a medida seja
justificada no interesse deles próprios ou em virtude de risco para a
ordem ou incolumidade públicas.
c) ( ) A competência de decisão para transferência de presos para unidades
federais é exclusivamente do Ministério Público Federal.
d) ( ) São garantidas nas unidades federais visitas permanentes e acesso a
jornais e uso de celulares.

3 A inclusão de presos no Sistema Penitenciário Federal é medida excepcional


e de prazo determinado, conforme dispõe o Art. 10, da Lei n° 11.671/2018.
Diante disso, as unidades prisionais federais se destinam:

a) ( ) Ao cumprimento da pena de condenados de alta periculosidade.


b) ( ) Não se destinam ao cumprimento da pena, apenas com a finalidade
de assegurar o interesse da segurança pública ou do próprio preso,
provisório ou condenado.
c) ( ) Não à segurança do preso, mas da coletividade.
d) ( ) A presos apenas condenados, não sendo admitidos presos provisórios.

229
4 Leia o texto a seguir:

“O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é modalidade de sanção disciplinar


e teve sua origem no Estado de São Paulo, por meio da Resolução 26/2001,
da Secretaria de Administração Penitenciária, que alegou ser necessária para
combater o crime organizado, prevendo a possibilidade de isolar o preso por
até 360 dias e se aplicava aos líderes de facções criminosas ou portadores de
comportamentos inadequados. A Resolução 26/2001, do Estado de São Paulo,
surge como resposta à megarrebelião ocorrida no início de 2001, quando 29
unidades prisionais se rebelaram simultaneamente por ordem de chefes de
facções criminosas exaradas dentro dos próprios presídios. [...] O Regime
Disciplinar Diferenciado tem duração máxima de trezentos e sessenta dias,
sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie,
até o limite de um sexto da pena aplicada (se for o caso de preso provisório,
admite-se levar em conta a pena mínima cominada como base de cálculo de
tal limite), neste período o preso é recolhido em cela individual e tem direito
a visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de
duas horas e a sair da cela por 2 horas diárias para banho de sol”.

FONTE: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8147/Regime-disciplinar-
diferenciado-aspectos-historicos-e-criticos>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O Regime Disciplinar Diferenciado possui qual fundamento legal?

5 Os dispositivos que disciplinam o Regime Disciplinar Diferenciado


foram totalmente modificados com a promulgação da Lei n° 13.964/2019,
denominada de pacote anticrime, que, inicialmente, tratou de incluir, na
redação, a possiblidade de inclusão além de presos nacionais, também de
presos estrangeiros. A primeira hipótese de inclusão no Regime Disciplinar
Diferenciado ocorre quando o preso comete uma falta grave definida
consistente em fato definido como crime doloso e que desta conduta resulte
em subversão da ordem ou disciplina interna. Pergunta-se: o Regime
Disciplinar Diferenciado destina-se a qual tipo de detento?

230
REFERÊNCIAS
ABREU, M.; MARTINEZ, A. F. Olhares sobre a criança no Brasil: perspectivas
históricas. In: RIZZINI, I. Olhares sobre a criança no Brasil: séculos XIX e XX. 5.
ed. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 1997.

AGÊNCIA SENADO. Crianças iam para a cadeia no Brasil até a década


de 1920. 2015. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/
materias/2015/07/07/criancas-iam-para-a-cadeia-no-brasil-ate-a-decada-
de-1920#:~:text=O%20c%C3%B3digo%20de%201927%20foi,resistiu%20
%C3%A0%20mudan%C3%A7a%20dos%20tempos. Acesso em: 24 abr. 2021.

ANDREUCCI, R. A. Manual de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva


Educação, 2020.

AVENA, N. Execução penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:


MÉTODO, 2019.

BRASIL. Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação


penal e processual penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Portaria n° 157, de 12 de fevereiro de 2019. Disciplina o procedimento de


visita social aos presos nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima
e dá outras providências. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_
publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/63210175. Acesso em: 24 abr. 2021.

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Panorama da execução


dos programas socioeducativos de internação e semiliberdade nos estados
brasileiros. Brasília: CNMP, 2019.

BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias – INFOPEN MULHERES. 2018. Disponível em: https://www.
conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.
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para vedar o uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres
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Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código
de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo
Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, a Lei n° 11.770, de 9 de setembro de
2008, e a Lei n° 12.662, de 5 de junho de 2012. Disponível em: http://www.planalto.
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7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei n° 9.034, de 3 de maio de
1995; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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as Leis n°s 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de
novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de
1993, os Decretos-Leis n°s 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro
de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-
Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei n° 10.406, de 10
de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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estabelecimentos penais federais de segurança máxima ou a sua transferência
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para assegurar, às mães presas e aos recém-nascidos, condições mínimas de
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