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Fundamentos de

Psicologia Geral e
Psicofarmacologia
Autoria: Fábio Roberto Tavares,
Iandra Holzmann,
Jacqueline Leire Roepke,
Kevin Daniel dos Santos Leyser e
Marcus Vinicius Pereira dos Santos Nascimento

Organização: Karoline Gregol Pereira

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof.° Fábio Roberto Tavares,
Prof.ª Iandra Holzmann,
Prof.ª Jacqueline Leire Roepke,
Prof.° Kevin Daniel dos Santos Leyser e
Prof.° Marcus Vinicius Pereira dos Santos Nascimento

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

T231f
Tavares, Fábio Roberto
Fundamentos de psicologia geral e psicofarmacologia. / Fábio
Roberto Tavares et.al. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.
256 p.; il.
ISBN 978-65-5663-951-2
ISBN Digital 978-65-5663-952-9
1. Psicologia. – Brasil. I. Tavares, Fábio Roberto. II. Holzmann,
Iandra. III. Roepke, Jacqueline Leire. IV. Leyser, Kevin Daniel dos Santos.
V. Nascimento, Marcus Vinicius Pereira dos Santos. VI. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.
CDD 150

Impresso por:
Apresentação
O presente Livro Didático tem como objetivo sistematizar os elemen-
tos básicos da disciplina de Fundamentos de Psicologia Geral e Psicofarma-
cologia, o qual proporcionará um contato com os principais tópicos, autores,
obras, normas e regulamentações da área, além dos instrumentos necessá-
rios não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para os
estudos autônomos posteriores.

Na Unidade 1, iniciamos introduzindo o que é a Ciência da Psico-


logia, qual é o seu objeto de estudo, quais são os métodos por ela utiliza-
dos, quais os campos de investigação e as características comuns de seus
problemas de pesquisa e suas respostas. Posteriormente, o enfoque está nas
maneiras em que a psicologia se relaciona com as diversas áreas do conheci-
mento, como a filosofia, as ciências da religião e a arte. Você terá a chance de
realizar um mergulho na história e conhecerá seus principais representan-
tes. Encontrará, também, subsídios para compreender o desenvolvimento
da psicologia como ciência, ou seja, para refletir sobre cientificidade, psica-
nálise, psiquiatria, acerca da relevância da psicologia na história. Além disso,
conseguirá identificar os objetos de estudo desta ciência.

Na Unidade 2, trataremos das informações basilares sobre a psico-


logia enquanto profissão. Assim, será possível conhecer as áreas em que os
psicólogos costumam atuar e discernir sobre as formas de prática do exercí-
cio profissional. Em seguida, os estudos ampliarão sua compreensão sobre
o fazer do psicólogo, descobrindo especificidades das áreas emergentes de
atuação do psicólogo em nosso país e o compromisso social desta ciência
com a população brasileira.

O tema da Unidade 3, a última unidade, o tema será a psicofarmacologia.


Nesta unidade temos como objetivo dar um foco para a ação de fármacos especí-
ficos no organismo. Por esse motivo, no Tópico 1 desta unidade serão discutidos
conceitos de mecanismo de ação. Além disso, nos Tópicos 2 e 3, o tema central
serão os fármacos que atuam sobre o sistema nervoso autônomo e periférico.

Desejamos uma boa jornada a todos, rumo à edificação da educa-


ção, formação profissional e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e
pessoais proporcionados pelo estudo de Fundamentos de Psicologia Geral e
Psicofarmacologia.

Prof.° Fábio Roberto Tavares,


Prof.ª Iandra Holzmann,
Prof.ª Jacqueline Leire Roepke,
Prof.° Kevin Daniel dos Santos Leyser
Prof.° Marcus Vinicius Pereira dos Santos Nascimento
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER....................................... 1

TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?.......................................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 PONTOS GERAIS SOBRE PSICOLOGIA ..................................................................................... 4
2.1 “DEPENDE” .................................................................................................................................... 4
2.2 O PROGRESSO DA PESQUISA DEPENDE DE UMA BOA MEDIÇÃO................................ 5
2.3 CORRELAÇÃO NÃO INDICA CAUSAÇÃO............................................................................. 6
2.4 AS VARIAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS REFLETEM TANTO HEREDITARIEDADE
E AMBIENTE.................................................................................................................................... 6
2.5 O MELHOR PREDITOR DE UM COMPORTAMENTO FUTURO É O
COMPORTAMENTO PASSADO EM SITUAÇÕES SEMELHANTES.................................... 6
2.6 ALGUMAS DECLARAÇÕES DA PSICOLOGIA REFLETEM EVIDÊNCIAS MAIS
FORTES DO QUE OUTRAS........................................................................................................... 7
3 QUESTÕES FILOSÓFICAS CENTRAIS NA PSICOLOGIA....................................................... 7
3.1 O LIVRE-ARBÍTRIO VERSUS O DETERMINISMO................................................................... 7
3.2 O PROBLEMA MENTE-CÉREBRO.............................................................................................. 9
3.3 A QUESTÃO DA NATUREZA-CRIAÇÃO................................................................................ 10
4 O QUE OS PSICÓLOGOS FAZEM................................................................................................. 10
4.1 PSICÓLOGOS EM ENSINO E PESQUISA................................................................................. 12
4.1.1 A psicologia do desenvolvimento...................................................................................... 12
4.1.2 Aprendizagem e motivação................................................................................................ 13
4.1.3 Psicologia cognitiva.............................................................................................................. 13
4.1.4 Psicologia biológica.............................................................................................................. 14
4.1.5 Psicologia evolucionária...................................................................................................... 15
4.1.6 Psicologia social e psicologia transcultural....................................................................... 15
4.2 FORNECEDORES DE SERVIÇOS PARA INDIVÍDUOS......................................................... 16
4.2.1 Psicologia clínica................................................................................................................... 16
4.2.2 Psiquiatria.............................................................................................................................. 17
4.2.3 Outros profissionais de saúde mental............................................................................... 18
4.3 FORNECEDORES DE SERVIÇOS PARA ORGANIZAÇÕES................................................. 19
4.3.1 Psicologia industrial/organizacional.................................................................................. 19
4.3.2 Ergonomia.............................................................................................................................. 20
4.3.3 Psicologia escolar.................................................................................................................. 21
5 TIPOS DE PSICÓLOGOS................................................................................................................. 21
6 PSICOLOGIA ENTÃO E AGORA.................................................................................................. 23
6.1 A ERA ANTIGA............................................................................................................................. 24
6.1.1 Wilhelm Wundt e o primeiro laboratório de psicologia................................................. 24
6.2 EDWARD TITCHENER E O ESTRUTURALISMO................................................................... 25
6.3 WILLIAM JAMES E O FUNCIONALISMO.............................................................................. 26
6.4 O ESTUDO DA SENSAÇÃO........................................................................................................ 26
6.5 DARWIN E O ESTUDO DA INTELIGÊNCIA ANIMAL........................................................ 27
6.6. MENSURANDO A INTELIGÊNCIA HUMANA.................................................................... 28
6.7 A ASCENSÃO DO BEHAVIORISMO......................................................................................... 29
6.7.1 John B. Watson...................................................................................................................... 29
6.7.2 Estudos de aprendizagem................................................................................................... 29
6.8 DE FREUD À PSICOLOGIA CLÍNICA MODERNA............................................................... 30
6.9 TENDÊNCIAS RECENTES NA PSICOLOGIA......................................................................... 31
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 33
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 36

TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE............................................... 39


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 39
2 PSICOLOGIA E FILOSOFIA: HISTÓRIA E CONCEITOS....................................................... 39
3 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: DIÁLOGOS.................................................................................... 46
4 PSICOLOGIA E ARTE: UM CAMINHO POSSÍVEL.................................................................. 52
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 58
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 60

TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS:


ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO.................................................................. 63
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 63
2 O PROJETO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA..................................................................... 63
3 HIPNOTISMO E A DESCOBERTA DA PSICANÁLISE............................................................ 67
4 A PSIQUIATRIA E A CIÊNCIA....................................................................................................... 72
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 76
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 78

TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO


NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI................................................................ 81
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 81
2 OS OBJETOS DE ESTUDO DAS ÁREAS DO CONHECIMENTO PSI.................................. 81
3 EM BUSCA DE UM DENOMINADOR COMUM?..................................................................... 89
4 SUBJETIVIDADE............................................................................................................................... 90
5 MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI......................... 93
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 95
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 100
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 101

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 102

UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL.......... 109

TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS............... 111
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 111
2 A PSICOLOGIA NO BRASIL........................................................................................................ 111
3 PSICOLOGIA CLÍNICA................................................................................................................. 117
4 PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL............................................................................ 121
5 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO........................................................ 125
6 PSICOLOGIA E SUAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS............................................................. 128
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 130
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 131
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL:
HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS............... 135
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 135
2 PSICOLOGIA DA SAÚDE............................................................................................................. 135
3 PSICOLOGIA JURÍDICA............................................................................................................... 139
4 PSICOLOGIA DO ESPORTE......................................................................................................... 142
5 PSICÓLOGO DO TRÂNSITO....................................................................................................... 145
6 PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA............................................................................... 147
7 PSICOLOGIA EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA E DESASTRES................................... 150
8 OUTRAS ÁREAS DE ESPECIALIDADES EM PSICOLOGIA................................................ 154
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 160

TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS.......................................................... 165
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 165
2 A HISTÓRIA DO COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL................. 165
3 PSICOLOGIA E PROFISSÃO: DO ELITISMO AO ALCANCE SOCIAL............................. 168
4 PSICOLOGIA E OS DESAFIOS DO COMPROMISSO SOCIAL NO BRASIL.................. 171
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 175
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 183
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 185

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 187

UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA..................................................................................... 191

TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO........................... 193


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 193
2 NEURÔNIOS DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO......................................................... 194
3 SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO............................................................................................. 195
4 SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO............................................................................... 196
5 SISTEMA NERVOSO SOMÁTICO.............................................................................................. 199
6 COMUNICAÇÃO NEURONAL.................................................................................................... 199
6.1 NEUROTRANSMISSÃO COLINÉRGICA............................................................................... 201
6.1.1 Agonistas colinérgicos de ação direta.............................................................................. 202
6.1.2 Agonistas colinérgicos de ação indireta: anticolinesterásicos (reversíveis)............... 202
6.1.3 Agonistas colinérgicos de ação indireta: anticolinesterásicos (irreversíveis)............ 203
6.1.4 Antagonistas colinérgicos.................................................................................................. 205
6.2 NEUROTRANSMISSÃO ADRENÉRGICA............................................................................. 208
6.2.1 Receptores adrenérgicos (adrenoceptores)..................................................................... 209
6.2.2 Antagonistas ou bloqueadores α-adrenérgicos.............................................................. 212
6.2.3 Bloqueadores β-adrenérgicos............................................................................................ 213
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 216
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 217

TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I............................. 219


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 219
2 ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS................................................................................................. 220
2.1 BENZODIAZEPÍNICOS (BDZ)................................................................................................. 221
2.1.2 Mecanismo de ação dos BDZs.......................................................................................... 221
3 ANTIEPILÉPTICOS......................................................................................................................... 223
3.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIEPILÉPTICOS............................................................. 224
4 ANTIDEPRESSIVOS....................................................................................................................... 227
4.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS............................................................ 227
4.2 TRATAMENTO DA MANIA E DO DISTÚRBIO BIPOLAR................................................. 231
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 232
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 233

TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II........................... 235


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 235
2 ANTIPSICÓTICOS.......................................................................................................................... 235
2.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS............................................................... 237
3 DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS...................................................................................... 239
3.1 DOENÇA DE PARKINSON....................................................................................................... 240
3.2 DOENÇA DE ALZHEIMER....................................................................................................... 242
4 FÁRMACOS OPIOIDES................................................................................................................. 243
4.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS AGONISTAS OPIOIDES..................................................... 244
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 247
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 252
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 253

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 255
UNIDADE 1 —

PSICOLOGIA GERAL E OS
DOMÍNIOS DO SABER
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• introduzir noções básicas da Psicologia como disciplina científica;


• apresentar os principais fenômenos psicológicos;
• compreender como a psicologia se relaciona com as diversas áreas do
conhecimento, como a filosofia, as ciências da religião e a arte;
• conhecer a história da psicologia por meio da filosofia e seus principais
representantes;
• refletir sobre o papel e a importância da psicologia na história;
• compreender o desenvolvimento da psicologia como ciência;
• refletir sobre a cientificidade da psicanálise e da psiquiatria;
• compreender os objetos de estudo da psicologia.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O QUE É A PSICOLOGIA?

TÓPICO 2 – PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

TÓPICO 3 – PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O


ORGÂNICO E O PSÍQUICO

TÓPICO 4 – OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE


INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

O QUE É A PSICOLOGIA?

1 INTRODUÇÃO

O termo psicologia deriva das raízes gregas psique, que significa “alma”
ou “mente”, e logos, que significa “pensamento, razão ou palavra”. A psicologia
é, literalmente, o estudo da mente ou alma. No final de 1800 e início de 1900, a
psicologia foi definida como o estudo científico da mente. Por volta de 1920, os
psicólogos se desencantaram com a ideia de estudar a mente. Primeiro, a ciên-
cia lida com o que podemos observar e ninguém pode observar uma mente. Em
segundo lugar, falar sobre “a mente” parecia implicar que a mente era uma coi-
sa com uma existência independente. A maioria dos pesquisadores considera a
mente um processo, mais como um incêndio do que como o pedaço de madeira
que está sofrendo o fogo. De qualquer forma, até meados dos anos 1900, os psi-
cólogos definiram seu campo simplesmente como o estudo do comportamento.

No entanto, as pessoas se preocupam com o que veem, ouvem e pensam,


não apenas sobre o que fazem. Quando você olha para esta ilusão de ótica (Figura
1) e diz que a parte horizontal da linha de cima parece mais longa do que a linha
de baixo (embora na verdade elas sejam do mesmo comprimento), queremos sa-
ber por que ela se parece mais longa para você e não apenas por que você disse
que ela se parece mais longa. Então, para iniciarmos, vamos definir psicologia
como o estudo sistemático do comportamento e da experiência. A palavra expe-
riência nos permite discutir suas percepções sem implicar que uma mente existe
independentemente de seu corpo.

FIGURA 1 – ILUSÃO DE MULLER LYER

FONTE: <https://bit.ly/3AZG8n7>. Acesso em: 31 ago. 2021.

3
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

O tipo de psicólogo mais familiar para a maioria das pessoas é o psicólogo


clinico – aquele que tenta ajudar as pessoas preocupadas, deprimidas ou perturba-
das de outra forma. Esse campo é apenas uma parte da psicologia. Psicologia tam-
bém inclui pesquisas sobre sensação e percepção, aprendizagem e memória, fome
e sede, sono, atenção, desenvolvimento da criança e muito mais. Você poderia estar
com a expectativa de que o estudo (e uma formação) em psicologia ensinaria você a
"analisar" as pessoas, a decifrar os aspectos ocultos da sua personalidade, talvez até
mesmo usar a psicologia para controlar as pessoas. Entretanto, isso não ocorrerá.
Ao estudar a psicologia, você aprenderá a entender certos aspectos do comporta-
mento, mas não ganhará qualquer poder deslumbrante. Idealmente, você vai se
tornar mais cético em relação àqueles que pretendem analisar a personalidade das
pessoas a partir de pequenas amostras de seu comportamento.

Neste primeiro tópico vamos explorar alguns pontos gerais sobre a psi-
cologia, introduzir questões filosóficas centrais e descrever o que os psicólogos
fazem. Após esta primeira parte deste tópico, vamos apresentar uma visão pano-
râmica da história da psicologia e seu status atual.

Você está pronto para iniciar esta aventura de descobertas? Vamos lá!

2 PONTOS GERAIS SOBRE PSICOLOGIA


Vamos começar com seis temas gerais que surgem repetidamente em psicolo-
gia. Estes podem não ser as coisas mais importantes que você aprenda sobre a psicolo-
gia. Dependendo de seus próprios interesses, algo que atinge outras pessoas como um
pequeno detalhe pode ser extremamente importante para você. No entanto, os seguin-
tes pontos aplicam-se tão amplamente que vamos encontrá-los com frequência.

2.1 “DEPENDE”
O termo “depende” significa aqui que poucas declarações se aplicam ao
comportamento de todas as pessoas em todos os momentos. Por exemplo, quase
qualquer declaração depende da idade. Recém-nascidos diferem drasticamente
de crianças mais velhas e crianças diferem de adultos. Quase qualquer compor-
tamento varia entre os indivíduos, dependendo de sua genética, saúde, experiên-
cias passadas e se eles estão atualmente acordados ou dormindo. Alguns aspec-
tos do comportamento diferem entre homens e mulheres ou entre uma cultura e
outra. Alguns aspectos dependem da hora do dia, da temperatura da sala, ou de
quão recentemente alimentou-se. A maneira como as pessoas respondem a uma
pergunta depende exatamente de como a pergunta é formulada, de quais outras
perguntas já́ respondeu e de quem está fazendo a pergunta.

Quando descrevemos "depende" como uma verdade geral da psicologia,


você pode pensar que estamos sendo jocosos com a psicologia, sugerindo que a psi-
cologia não tem respostas reais. Pelo contrário, acreditamos que "depende" é uma

4
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

questão séria. O segredo é saber em que as coisas dependem. Quanto mais você
aprofundar seus estudos em psicologia, mais você vai entrar em sintonia com a
riqueza de influências sobre o nosso comportamento, algumas das quais são tão su-
tis que podem ser facilmente ignoradas. Para dar um exemplo, décadas atrás, dois
laboratórios de psicologia em diferentes partes dos Estados Unidos estavam reali-
zando estudos semelhantes sobre a aprendizagem humana, mas consistentemente
relatando resultados contraditórios. Ambos os pesquisadores tinham experiência
e eram altamente respeitados, eles pensavam que estavam seguindo os mesmos
procedimentos e não compreendiam por que os seus resultados eram diferentes.
Eventualmente, um deles viajou para a universidade do outro para ver o outro em
ação. Quase imediatamente, ele notou uma diferença fundamental no processo: as
cadeiras em que os participantes se sentaram! Seu colega na outra universidade
tinha obtido algumas cadeiras de um dentista que havia se aposentado. Assim,
os participantes da pesquisa estavam sentados em cadeiras de dentista, o que os
faziam lembrar de visitas ao dentista. Eles estavam sentados em um estado de an-
siedade elevada, o que alterou seu comportamento (KIMBLE, 1967).

Outra maneira de dizer "depende" é que nenhuma única razão explica o


seu comportamento totalmente. Para ilustrar, você pode tentar listar as razões pelas
quais está lendo este caderno de estudos agora, como (a) Eu gosto de manter-me
atualizado nas solicitações de leitura da faculdade, (b) Eu estava curioso para saber
o que é a psicologia, (c) Meu amigo que também está fazendo este curso leu esta
unidade e disse que era interessante, (d) Eu tenho cerca de uma hora antes do jan-
tar e não tenho nada mais interessante para fazer, (e) Está chovendo lá́ fora, então
eu não quero ir para qualquer outro lugar, (f) Eu quero procrastinar em fazer uma
atividade menos agradável para algum outro curso e assim por diante. Em suma,
as pessoas raramente fazem qualquer coisa por apenas uma razão.

2.2 O PROGRESSO DA PESQUISA DEPENDE DE UMA BOA


MEDIÇÃO
O biólogo vencedor do Prêmio Nobel Sidney Brenner foi citado como di-
zendo que "o progresso da ciência depende de novas técnicas, novas descobertas
e novas ideias, provavelmente nessa ordem" (BRENNER, 2001 apud MCELHENY,
2004, p. 71). Por exemplo, as varreduras do cérebro e outras técnicas novas permi-
tem que pesquisadores mensurem a atividade cerebral em detalhe e com maior
precisão do que no passado, resultando em rápidos aumentos em nosso conhe-
cimento. Da mesma forma, a compreensão dos psicólogos tem avançado mais
rápido sobre temas como processos sensoriais, aprendizagem e memória, porque
os pesquisadores podem medir esses aspectos do comportamento com bastante
precisão. Sobre temas como a emoção e a personalidade, o progresso da inves-
tigação tem sido mais lento por causa da dificuldade de mensuração. Por isso é
bom ter em mente que áreas de psicologia com mensurações menos precisas têm
conclusões preliminares e progresso lento.

5
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

2.3 CORRELAÇÃO NÃO INDICA CAUSAÇÃO


Vamos considerar essa ideia brevemente: a correlação indica que duas coi-
sas tendem a estar juntas. Por exemplo, as pessoas mais altas tendem a ser mais
pesadas do que as pessoas mais baixas, em média. Pessoas com maior escolari-
dade tendem a ter empregos mais bem remunerados do que as pessoas menos
instruídas e assim por diante. Às vezes, somos tentados a tirar conclusões de
causa-e-efeito depois de observar uma correlação. Por exemplo, as pessoas com
esquizofrenia são mais prováveis do que outras pessoas a abusarem do álcool,
tabaco e maconha. Embora possamos ser tentados a supor que essas substâncias
aumentam o risco de esquizofrenia, não podemos tirar essa conclusão. É igual-
mente plausível que ter esquizofrenia aumenta a probabilidade de uso de álcool,
tabaco e maconha (DEGENHARDT; HALL; LYNSKEY, 2003). Isto é, uma correla-
ção entre dois itens não nos diz qual deles causou o outro ou, de fato, se qualquer
um deles causou o outro. Caso você continue a estudar psicologia ou áreas afins,
seus instrutores e textos continuarão a enfatizar este ponto.

2.4 AS VARIAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS REFLETEM TANTO


HEREDITARIEDADE E AMBIENTE
Dentro de qualquer grupo as pessoas diferem em seus interesses, preferên-
cias, habilidades e personalidades. O que explica estas diferenças? Alguns relacio-
nam isso com as diferenças de experiência. Por exemplo, suponha que você gosta
de usar computadores. Você não poderia ter nutrido esse interesse se tivesse vivido
em alguma parte do mundo sem eletricidade. No entanto, experiências e oportuni-
dades não são responsáveis por todas as diferenças entre as pessoas. Com relação
a quase tudo o que os psicólogos mensuram, os gêmeos idênticos se assemelham
mais do que os gêmeos fraternos. A maior similaridade entre gêmeos idênticos é
tida como evidência de uma influência genética no comportamento. O meio am-
biente e a hereditariedade também podem combinar suas influências de muitas
maneiras (MOFFITT; CASPI; RUTTER, 2006). Por exemplo, um gene que aumenta
o medo produz um efeito maior depois de alguém ter experiências assustadoras.

2.5 O MELHOR PREDITOR DE UM COMPORTAMENTO


FUTURO É O COMPORTAMENTO PASSADO EM
SITUAÇÕES SEMELHANTES
As pessoas são bastante consistentes em como elas agem. Se no passado
você normalmente começou a trabalhar em cada tarefa escolar logo que ela lhe
foi atribuída, você provavelmente vai fazer o mesmo neste semestre. Se você qua-
se sempre procrastinou em suas atribuições até o último minuto possível, você
provavelmente vai fazer o mesmo neste semestre, apesar de suas boas intenções
em fazer o contrário (Se esse for você, ficaremos muito satisfeitos de provar que
estamos errados).

6
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

Da mesma forma, se você considerar se casar com alguém e quiser saber


como essa pessoa irá tratá-lo após o casamento, pergunte a si mesmo como essa
pessoa trata você agora. Se quisermos prever o quão perigoso algum prisioneiro
será após a libertação, devemos nos perguntar quão perigosa essa pessoa foi no
passado. Se você quer saber se pode confiar em alguém para cumprir uma pro-
messa, pergunte quão bem essa pessoa tem mantido promessas no passado.

2.6 ALGUMAS DECLARAÇÕES DA PSICOLOGIA REFLETEM


EVIDÊNCIAS MAIS FORTES DO QUE OUTRAS
Autores revisam os livros de psicologia por causa das novas pesquisas e
psicólogos realizam novas pesquisas por causa das muitas coisas que ainda não
sabemos. Infelizmente, as pessoas, às vezes, expressam opiniões fortes, mesmo
quando a evidência é fraca. É certo que, às vezes, temos de formar opiniões sem
evidência completa. Por exemplo, os pais têm que decidir como criar seus filhos
sem esperar pela pesquisa conclusiva sobre o que funciona melhor. Ainda assim,
é importante saber qual evidência suporta uma opinião. Por exemplo, evidência
sólida indica que uma mulher que bebe muito álcool durante a gravidez corre o
risco de danos ao cérebro de seu bebê. Por isso, tomamos todas as medidas ao
nosso alcance para desencorajar as mulheres grávidas a beber. Por outro lado,
quais são as consequências de deixar as crianças assistirem televisão o dia todo?
Aqui, as opiniões são muitas e fortes, mas a evidência é fraca. Qualquer um que
exprime uma opinião deve indicar a sua evidência (ou a falta dela) para que ou-
tros possam ignorar esse parecer à luz de uma evidência mais recente e melhor.

3 QUESTÕES FILOSÓFICAS CENTRAIS NA PSICOLOGIA


Muitas preocupações psicológicas são encontradas nos escritos dos filóso-
fos da Grécia antiga. Embora a psicologia tenha se afastado da filosofia em seus
métodos, ela continua a ser motivada por algumas das mesmas perguntas. Três
das questões mais profundas são o livre-arbítrio versus o determinismo, o proble-
ma mente-cérebro e a questão da natureza versus a criação.

3.1 O LIVRE-ARBÍTRIO VERSUS O DETERMINISMO


A abordagem científica procura as causas imediatas de um evento (o que
levou a que) em vez das causas finais ou últimas (o propósito do evento em um pla-
no global). Isto é, os cientistas atuam na base do determinismo, a suposição de que
tudo o que acontece tem uma causa, ou um determinante, no mundo observável.

Será que isso vale para o comportamento humano? Somos, afinal, parte
do mundo físico, e nossos cérebros são feitos de substâncias químicas. De acordo
com a suposição determinista, tudo o que fazemos tem causas. Este ponto de
vista parece entrar em conflito com a impressão que todos nós temos de que "Eu

7
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

tomo as decisões sobre minhas ações. Às vezes, quando estou tomando uma de-
cisão, como o que vou comer no almoço ou qual camisa vou comprar, eu fico em
dúvida até o último segundo. A decisão poderia ter ocorrido de uma ou de outra
maneira. Eu não fui controlado por nada e ninguém poderia ter previsto o que
eu faria". Esta crença de que o comportamento é causado pelas decisões indepen-
dentes de uma pessoa é conhecida como livre-arbítrio.

Alguns psicólogos sustentam que o livre-arbítrio é uma ilusão (WEGNER,


2002). O que você chamaria de uma intenção consciente está mais para uma pre-
dição do que uma causa do seu comportamento. Quando você tem a experiência
consciente de "decidir" mover um dedo, o comportamento já está começando a
acontecer. Outros psicólogos e filósofos respondem que você toma sim decisões,
no sentido de que algo dentro de você inicia a ação. Não obstante, o seu comporta-
mento ainda segue as leis de causa e efeito. Quando você pede sopa e salada para o
almoço, a decisão foi um produto de forças dentro de você, assim como da situação
externa. O tipo de pessoa que você é também determina que carreira vai escolher,
o quão árduo você vai trabalhar nisso, quão gentil você vai ser com os outros e as-
sim por diante. No entanto, o "você" que toma todas essas decisões é por si só um
produto de sua hereditariedade e dos acontecimentos de sua vida. (Você não criou
a si mesmo). Nesse sentido, sim, você tem um arbítrio e você pode até chamá-lo de
"livre-arbítrio”, dependendo do que você quer dizer com "livre" (DENNETT, 2005).
Se você quer dizer não causado, então a sua vontade, seu arbítrio, não é livre.

O teste do determinismo é fundamentalmente empírico: se tudo o que


fazemos tem uma causa, o nosso comportamento deve ser previsível. Em alguns
casos, o é definitivamente. Por exemplo, depois de um ruído alto súbito e ines-
perado, posso predizer que, a menos que você seja surdo, esteja em coma ou pa-
ralisado, você vai tencionar os músculos. Posso até ser mais preciso e prever que
você vai tencionar os músculos do pescoço em menos de um quarto de segundo.

Em outros casos, as previsões dos psicólogos são mais parecidas com


aquelas de um meteorologista. Um meteorologista que quer prever o tempo de
amanhã para alguma cidade vai querer saber a localização e o terreno daquela
cidade, o clima atual e assim por diante. Mesmo com toda essa informação, o
meteorologista irá prever algo como "Alta temperatura em torno de 30, a baixa
temperatura em torno de 20, com 10% de precipitação". A imprecisão e erros oca-
sionais não querem dizer que o clima é "livre”, mas apenas que ele está sujeito a
tantas influências que ninguém pode prever exatamente.

Da mesma forma, um psicólogo tentando prever o seu comportamento


para os próximos dias vai querer saber o máximo possível sobre o seu compor-
tamento passado, o de seus amigos e família, sua saúde atual, sua genética, onde
você mora e muitas coisas mais. Mesmo com toda essa informação, o psicólogo
não poderá prever perfeitamente.

Os deterministas não ficam constrangidos por sua incapacidade de prever


o comportamento com precisão; afinal, o comportamento humano está sujeito
a muitas influências. Ainda assim, quanto mais conhecimento adquirimos, me-
8
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

lhores previsões poderemos fazer. Qualquer pessoa que rejeite o determinismo


deverá insistir que as previsões de comportamento nunca poderão se tornar pre-
cisas, mesmo com informações completas sobre a pessoa e a situação. Para essa
ideia um determinista responde que a única maneira de descobrir é tentar.

Vamos observar um ponto importante aqui: a suposição de que os com-


portamentos seguem causa e efeito parece funcionar e qualquer um que planeje
realizar uma pesquisa sobre o comportamento está quase que obrigado a começar
com essa suposição. Ainda assim, para ser honesto, é uma suposição, não uma
certeza. Nós podemos testar a hipótese apenas por uma extensa pesquisa e, em
certo sentido todas as pesquisas em psicologia testam tal hipótese.

3.2 O PROBLEMA MENTE-CÉREBRO


Tudo o que experimentamos ou fazemos depende da física e da química
do sistema nervoso. Então, o que é (se for alguma coisa) a mente? A questão filo-
sófica de como a experiência se relaciona com o cérebro é o problema mente-cére-
bro (ou problema mente-corpo). Em um universo composto de matéria e energia,
por que há tal coisa como uma mente consciente? Um ponto de vista, chamado
dualismo, sustenta que a mente está separada do cérebro, mas de algum modo
controla o cérebro e, por conseguinte, o resto do corpo. No entanto, o dualismo
contradiz a lei da conservação da matéria e da energia, uma das pedras angula-
res da física. De acordo com este princípio, a única maneira de influenciar qual-
quer matéria ou energia, incluindo a matéria e energia que compõem seu corpo,
é agindo sobre ela com outra matéria ou energia. Ou seja, se a mente não é com-
posta de matéria ou energia, ela não pode fazer nada. Por essa razão, quase todos
os pesquisadores e filósofos do cérebro favorecem o monismo, a visão de que a
experiência consciente é indissociável do cérebro físico. Ou seja, ou a mente é algo
que o cérebro produz, ou a mente e a atividade cerebral são apenas dois termos
para a mesma coisa. Como você pode imaginar, o problema mente-cérebro é uma
questão filosófica espinhosa, mas não se presta à pesquisa.

É possível ver a atividade do cérebro quando uma pessoa está envolvida


em diferentes tarefas, mensurada por uma técnica chamada de Tomografia por
Emissão de Pósitrons (PET). Ao ver imagens assim, o vermelho indicaria o maior
grau de atividade cerebral, seguido do amarelo, verde e azul. Assim, é eviden-
te que as várias tarefas aumentam a atividade em diferentes áreas do cérebro,
embora todas as áreas mostrem alguma atividade em todo o tempo (PHELPS;
MAZZIOTTA, 1985). Dados como estes mostram uma estreita relação entre a ati-
vidade cerebral e os eventos psicológicos. Você poderia perguntar: será que foi
a atividade cerebral que causou os pensamentos ou foram os pensamentos que
causaram a atividade cerebral? A maioria dos pesquisadores do cérebro responde
que nem a atividade do cérebro causa a atividade mental, tampouco a atividade
mental causa a atividade cerebral; em vez disso, a atividade cerebral e a atividade
mental são a mesma coisa (DENNETT, 1995).

9
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Mesmo se aceitarmos essa posição, ainda estamos longe de compreender


a relação mente-cérebro. Será que a atividade mental está associada com toda
a atividade cerebral ou apenas com determinados tipos? Por que a experiência
consciente existe? Poderia um cérebro se dar bem sem ela? Os estudos de pesqui-
sas não estão prestes a resolver essas questões e assim colocar os filósofos fora do
negócio, mas os resultados das pesquisas restringem as respostas filosóficas que
podemos considerar seriamente.

3.3 A QUESTÃO DA NATUREZA-CRIAÇÃO


Por que a maioria dos meninos gasta mais tempo do que as meninas com
armas e caminhões de brinquedo e menos tempo com bonecas? São essas diferen-
ças comportamentais principalmente o resultado de diferenças biológicas entre
meninos e meninas, ou são principalmente o resultado de diferenças na forma
como a sociedade trata os meninos e as meninas?

O abuso de álcool é um grande problema em algumas culturas, todavia é


raro em outras. São essas diferenças inteiramente uma questão de costume social
ou será que os genes influenciam o uso de álcool também?

Certos transtornos psicológicos são mais comuns em grandes cidades do que


nas pequenas cidades e no espaço rural. Será que a vida em cidades superpopulosas
de alguma forma causa distúrbios psicológicos? Ou será que as pessoas desenvolvem
tais distúrbios por causa de uma predisposição genética e depois se mudam para as
grandes cidades em busca de emprego, habitação e serviços de bem-estar?

Cada uma dessas questões está relacionada com a questão natureza-cria-


ção (ou a questão da hereditariedade-ambiente). Como as diferenças de com-
portamento se relacionam com as diferenças em hereditariedade e ambiente? A
questão natureza-criação aparece de vez em quando em praticamente todos os
campos da psicologia e, raramente, temos uma resposta simples.

4 O QUE OS PSICÓLOGOS FAZEM


Nós consideramos algumas das principais questões filosóficas relaciona-
das com todo o campo da psicologia, no entanto, os psicólogos normalmente li-
dam com questões menores, mais respondíveis.

A psicologia é uma disciplina acadêmica com especialidades que vão des-


de as profissões de ajuda até a pesquisa sobre as funções cerebrais. Os requisitos
educacionais para se tornar um psicólogo variam de um país para outro. Nos Es-
tados Unidos e no Canadá, um psicólogo começa com um grau de bacharel (que
geralmente necessita de quatro anos de faculdade) e, em seguida, provavelmente
um grau de doutor (pelo menos mais quatro ou cinco anos, muitas vezes mais).
Um número crescente de psicólogos clínicos (aqueles que lidam diretamente com

10
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

os clientes) tem um PsyD (doutor em Psicologia), grau que geralmente exige me-
nos experiência de pesquisa do que um PhD, todavia um período semelhante
de treinamento. Alguns trabalham com mestrado (intermediário entre um grau
de bacharel e doutorado), mas as oportunidades são mais limitadas. No Brasil, a
graduação em Psicologia é mais generalista. A duração do curso é de cinco anos.
Após a graduação, o profissional poderá escolher uma formação mais específica
fazendo uma especialização, mestrado ou doutorado.

Os psicólogos trabalham diversas áreas, muitos se dedicam exclusiva-


mente a uma única área, outros combinam diferentes áreas de atuação. Podemos
ver essa distribuição, como é mostrado no quadro a seguir, em uma pesquisa so-
bre a atuação profissional dos psicólogos no Brasil (BASTOS; GOMIDE, 2010). As
áreas mais comuns são a clínica, a escolar, a organizacional e a docência.

QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DE PSICÓLOGOS POR ÁREA DE ATUAÇÃO NO TRABALHO ATUAL

Uma só área (73%) Duas Áreas (22%) Três Áreas (5%)


Clínica 39,3 Cli + Doc 5,7 Cli + Esq + Doc 1,0
Escolar 7,1 Cli + Esc 4,6 Cli + Org + Doc 0,7
Organizacional 17,6 Cli + Org 2,8 Cli + Doc + Org 0,6
Docência 4,3 Cli + Outra 1,7 Cli + Doc + Com 0,5
Pesquisa 0,4 Cli + Com 1,6 Cli + Doc + Pesq 0,5
Comunitária 1,9 Org + Doc 1,3 Cli + Esq + Com 0,5
Outra 2,3 Esc + Doc 0,8 Cli + Esq + Org 0,3
Doc + Pesq 0,7 Div. Combinações 0,9
Esc + Org 0,6
Cli + Pesq 0,5
Div. Combin 1,8
FONTE: Bastos e Gomide (2010, p. 237)

Além disso, os locais de atuação do profissional psicólogo no Brasil também


variam. As configurações mais comuns são em consultório particular, empresas, es-
colas, instituições de ensino e pesquisa, hospitais e clínicas de saúde mental, entre
outras (SASS, 1988). As atividades desenvolvidas nestes locais, relacionadas às áre-
as de atuação, também são diversificadas, como podemos ver no gráfico a seguir.

11
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

GRÁFICO 1 – ATIVIDADES DOS PSICÓLOGOS NO BRASIL

FONTE: Bastos e Gomide (2010, p. 242)

4.1 PSICÓLOGOS EM ENSINO E PESQUISA


Muitos psicólogos, especialmente aqueles que não são psicólogos clínicos,
têm posições em faculdades e universidades nas quais ensinam e realizam pesquisa
que irá idealmente levar a uma maior compreensão do comportamento e da experi-
ência. Aqui, vamos visualizar algumas categorias principais de investigação psicoló-
gica. Em certa medida, diferentes tipos de psicólogos estudam temas diferentes. Por
exemplo, um psicólogo do desenvolvimento pode observar tentativas das crianças
para controlar suas emoções, enquanto os psicólogos biológicos podem examinar as
consequências de algum tipo de dano cerebral. No entanto, diferentes tipos de psi-
cólogos, por vezes, estudam as mesmas questões, todavia abordando-as de manei-
ras diferentes. Para ilustrar, vamos considerar o exemplo de como escolhemos o que
comer. Como você sabe o que é comestível e o que não é? Nós não vamos encontrar
apenas uma resposta; como de costume, o seu comportamento tem muitas explica-
ções. Diferentes tipos de psicólogos procuram diferentes tipos de explicações.

4.1.1 A psicologia do desenvolvimento


Os psicólogos do desenvolvimento estudam como o comportamento
muda com a idade, "desde o ventre ao túmulo". Por exemplo, eles podem exa-
minar o desenvolvimento da linguagem na idade de dois a quatro anos, ou a
memória na idade de 60 a 80 anos. Depois de descrever as mudanças ao longo da
idade, eles tentam explicar essas alterações, muitas vezes lidando com a questão
natureza versus criação.

12
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

No que diz respeito à seleção de comida, algumas preferências de sabor estão


presentes desde o nascimento. Os recém-nascidos preferem sabores doces e evitam
substâncias amargas e ácidas. No entanto, eles parecem indiferentes aos sabores sal-
gados, como se eles ainda não pudessem provar sais (BEAUCHAMP et al., 1994).

Crianças em torno da idade de um ano e meio vão tentar comer quase


tudo o que pode caber em suas bocas, a menos que tenha gosto azedo ou amargo.
Por essa razão, os pais precisam manter substâncias perigosas fora do alcance das
crianças. Mais tarde, elas se tornam cada vez mais seletivas, até mesmo "exigen-
tes" sobre quais alimentos vão aceitar. No entanto, mesmo até sete ou oito anos,
praticamente a única razão que as crianças dão para se recusarem a comer algu-
ma coisa é que elas acham que teria um gosto ruim (ROZIN; FALLON; AUGUS-
TONI-ZISKIND, 1986). À medida que crescem, elas citam razões mais complexas
para rejeitar alimentos, tais como problemas de saúde.

4.1.2 Aprendizagem e motivação


O campo de pesquisa sobre a aprendizagem e motivação estuda como o
comportamento depende dos resultados de comportamentos passados e motiva-
ções atuais. Quantas vezes nos engajamos em qualquer comportamento particu-
lar depende dos resultados desse comportamento no passado.

Aprendemos nossas escolhas alimentares, em grande parte, aprendendo o


que não comer. Por exemplo, se você comer algo e depois se sentir mal, formará uma
aversão ao gosto daquela comida, especialmente se não era familiar. Não importa se
você conscientemente pensar que foi a comida que lhe fez mal. Se você comer algo
em um parque de diversões e, em seguida, ir a um passeio vertiginoso e assim passar
mal, você poderá nunca mais gostar daquela comida. Mesmo que você saiba que a
culpa foi do passeio, o seu cérebro ainda associará o alimento com o mal-estar.

4.1.3 Psicologia cognitiva


A cognição refere-se ao pensamento e ao conhecimento. Um psicólogo cog-
nitivo estuda esses processos. Considere o papel da cognição na seleção de alimen-
tos. A maioria dos animais comerá qualquer coisa que eles puderem achar que
tenha um gosto bom e que não lhes faça mal. Os seres humanos, no entanto, muitas
vezes recusam um alimento comestível apenas por causa da própria ideia que te-
nham sobre o alimento específico (ROZIN; FALLON, 1987; ROZIN; MILLMAN;
NEMEROFF, 1986). No Brasil, a maioria das pessoas se recusa a comer carne de
cães, gatos ou cavalos. Os vegetarianos rejeitam todas as carnes e alguns ficam até
mesmo angustiados ao ver outras pessoas comerem este tipo de alimento.

Quanto mais tempo as pessoas se mantêm vegetarianas, mais firmemente


elas tendem a considerar o consumo de carne não só como indesejável, mas tam-
bém imoral (ROZIN; MARKWITH; STOESS, 1997).

13
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

A maioria das pessoas acha a ideia de comer insetos repulsiva, mesmo


que os insetos tenham sido esterilizados para matar todos os germes (ROZIN;
FALLON, 1987). Você estaria disposto a beber um copo de suco de maçã depois
de uma barata morta ter sido mergulhada nele? E se a barata foi cuidadosamente
esterilizada? Algumas pessoas não só se recusam a beber um copo de suco de
maçã, mas dizem que perderam seu gosto por suco de maçã em geral (ROZIN;
MILLMAN; NEMEROFF, 1986). Será que você beberia água pura de um vaso sa-
nitário novo, que nunca tenha sido usado? Você comeria um pedaço de chocolate
em forma de fezes de cachorro? Se a resposta for negativa, então você está sendo
guiado pela ideia da comida e não pelo seu sabor ou segurança.

4.1.4 Psicologia biológica


O biopsicólogo (ou neurocientista comportamental) tenta explicar o com-
portamento em termos de fatores biológicos, tais como atividades químicas e elé-
tricas no sistema nervoso, os efeitos das drogas e hormônios, a genética e as pres-
sões evolutivas. Como é que um psicólogo biológico aborda a questão de como as
pessoas (ou animais) selecionam os alimentos?

Um dos principais contribuintes para seleção de comida é o gosto e temos


algumas preferências de gosto embutidas. Desde o nascimento, as pessoas (e qua-
se todos os outros mamíferos) avidamente consomem doces, mas cospem fora
qualquer coisa azeda ou amarga.

Uma pequena parte da diferença entre as pessoas em suas preferências de


gosto refere-se ao fato de que algumas pessoas têm até três vezes mais papilas gus-
tativas do que outras pessoas, principalmente por razões genéticas. Os genes variam
dentro de cada população, embora as frequências relativas de provadores fortes e
provadores fracos são bastante semelhantes para a Ásia, Europa e África (WOO-
DING et al., 2004). Pessoas com mais papilas gustativas geralmente têm menos to-
lerância para sabores fortes, incluindo café preto, pão preto, pimentas, uvas, rabane-
tes e couve de Bruxelas (BARTOSHUK et al.,1998; DREWNOWSKI et al., 1998). Elas
também tendem a ficar satisfeitas com pequenas porções de sobremesas, como não
precisam de muito açúcar para satisfazer o seu desejo por sabores doces.

Os hormônios também afetam as preferências de sabor de várias manei-


ras. Por exemplo, há muitos anos, uma criança mostrou um forte desejo por sal.
Quando criança, ela lambia o sal dos biscoitos e do bacon sem comer a comida em
si. Ela colocava uma espessa camada de sal em tudo o que ela comia, e, às vezes,
engolia sal diretamente do saleiro. Quando privada do sal, ela parou de comer e
começou a definhar. Na idade de três anos e meio, ela foi levada para o hospital e
foi alimentada com a comida hospitalar habitual. Ela logo morreu de deficiência
de sal (WILKINS; RICHTER, 1940).

O motivo foi que ela tinha glândulas suprarrenais defeituosas, que se-
cretam hormônios que permitem que o corpo retenha o sal (VERREY; BERON,
1996). Ela ansiava por sal porque tinha que consumi-lo rápido o suficiente para
14
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

repor o que ela perdeu em sua urina. Muitas vezes somos alertados para limitar
nossa ingestão de sal por razões de saúde, mas muito pouco de sal também pode
ser perigoso. Mais tarde, a investigação confirmou que os animais com defici-
ência de sal mostram imediatamente uma alta preferência por sabores salgados
(ROZIN; KALAT, 1971). Aparentemente, tornar-se deficiente em sal faz com que
os alimentos salgados tenham um gosto especialmente bom (JACOBS; MARK;
SCOTT, 1988). As pessoas frequentemente relatam ânsias por sal depois de per-
der sal por hemorragias ou transpiração.

4.1.5 Psicologia evolucionária


Um psicólogo evolucionário tenta explicar o comportamento em termos da
história evolutiva das espécies, incluindo as razões pelas quais a evolução possa
ter favorecido uma tendência a agir de maneiras particulares. Por exemplo, por
que as pessoas e outros animais anseiam por sabores doces e evitam os amargos?
Aqui, a resposta é fácil: a maioria dos doces é nutritiva e quase todas as substâncias
amargas são venenosas (SCOTT; VERHAGEN, 2000). Animais antigos que comiam
frutas e outros doces sobreviveram para se tornarem nossos antepassados. Qual-
quer animal que preferia substâncias amargas, ou que escolhera alimentos sem se
dar conta do gosto, era propenso a morrer antes de ter a chance de se reproduzir.

No entanto, embora algumas explicações evolutivas do comportamento


sejam persuasivas, outras são incertas ou rebatíveis (DE WAAL, 2002). Sim, o
cérebro é o produto da evolução, assim como qualquer outro órgão o é, mas a
questão é se a evolução tem microgerenciado o nosso comportamento. O desafio
da investigação é separar as influências evolutivas sobre o nosso comportamento
daquilo que temos aprendido durante toda a vida.

4.1.6 Psicologia social e psicologia transcultural


Os psicólogos sociais estudam como um indivíduo influencia outras pes-
soas e como o grupo influencia um indivíduo. Por exemplo, as pessoas geralmen-
te comem juntas e, na média, comemos cerca de duas vezes mais quando estamos
em um grande grupo do que quando comemos sozinhos (DE CASTRO, 2000). Se
você convidar pessoas para irem a sua casa, oferecerá algo para elas comerem ou
beberem como uma forma importante de fortalecer uma relação social.

A psicologia transcultural compara o comportamento de pessoas de di-


ferentes culturas. Muitas vezes se assemelha à psicologia social, exceto que ela
compara uma cultura com outra. Tudo o que envolve o cozinhar é um dos traços
mais estáveis e definidores de qualquer cultura. Em um estudo, os pesquisadores
entrevistaram estudantes japoneses do Ensino Médio e universitários que tinham
passado um ano em outro país como parte de um programa de intercâmbio. A
satisfação com o ano no exterior relatada pelos alunos teve pouca relação com o
sistema educacional, religião, vida familiar, recreação, ou outros costumes do país

15
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

de acolhimento. O principal determinante da sua satisfação foi a comida: os alunos


que às vezes podiam comer comida japonesa tiveram uma boa estadia. Aqueles
que não puderam, ficaram com muitas saudades de casa (FURUKAWA, 1997).

A semelhança entre a palavra cultura e a palavra agricultura não é coinci-


dência, pois o cultivo foi um grande passo em direção à civilização. Aprendemos
com nossa cultura o que comer e como prepará-lo (ROZIN, 1996). Considere, por
exemplo, a mandioca brava, um tubérculo que é venenoso a menos que passe por
um processo de fervura adequado, uma preparação que pode durar dias. Você
pode imaginar como descobriram esse fato? Alguém teve que dizer: “até agora,
todos os que comeram esta planta morreram, mas eu aposto que se eu ferver e
moer durante três dias, então tudo vai ficar bem”. Nossa cultura também nos en-
sina boas maneiras de combinar os alimentos. O milho tem um déficit de certos
nutrientes e o feijão é deficiente em outros, mas o milho e feijão juntos fazem uma
boa combinação, como os nativos americanos descobriram há muito tempo tal
como o prato típico brasileiro do arroz e feijão.

4.2 FORNECEDORES DE SERVIÇOS PARA INDIVÍDUOS


Quando as pessoas ouvem o termo psicólogo, elas pensam primeiramente
em psicólogos clínicos, que constituem um tipo de profissionais de saúde mental.
Psicólogos clínicos lidam com problemas que vão desde a depressão, ansiedade
e abuso de substâncias, aos conflitos matrimoniais, dificuldades de tomada de
decisões, entre outros. Alguns psicólogos clínicos são professores universitários
e pesquisadores, mas a maioria se dedica ao serviço clínico em tempo integral.

É importante distinguir os vários tipos de profissionais de saúde mental.


O próprio termo terapeuta não tem significado preciso e, em muitos lugares, pes-
soas ainda não formadas, sem licença, podem aparecer e autodenominarem-se
terapeutas. Alguns dos principais tipos de prestadores de serviços para pessoas
com problemas psicológicos são psicólogos clínicos, psicólogos de aconselha-
mento, psiquiatras, enfermeiros especializados, entre outros.

4.2.1 Psicologia clínica


Os psicólogos clínicos têm um grau avançado em psicologia, com espe-
cialização em compreender e ajudar as pessoas com problemas psicológicos. A
maioria, internacionalmente, tem um PhD, que exige treinamento em pesquisa
e a conclusão de uma dissertação de pesquisa substancial. Como parte de seu
treinamento, os psicólogos clínicos são submetidos a pelo menos um ano de tra-
balho clínico supervisionado. Uma alternativa para o PhD é um PsyD (doutor em
Psicologia), o que requer estágio de experiência prática, mas pouca ou nenhuma
experiência de pesquisa (NORCROSS; KOHOUT; WICHERSKI, 2005). No Brasil,
após a formação generalista em psicologia, os profissionais que atuam na área
clínica optam por fazer cursos de especialização e formação clínica, que, no caso
desta última, requer também estágio supervisionado de experiência prática.
16
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

Psicólogos clínicos podem basear o seu trabalho em qualquer um dos vá-


rios pontos de vista teóricos, ou eles podem usar uma abordagem mais integrati-
va ou pragmática. Veja no gráfico a seguir a distribuição das orientações teórico-
-metodológicas dos psicólogos no Brasil (BASTOS; GOMIDE, 2010). Eles tentam,
de uma forma ou de outra, entender por que uma pessoa está tendo problemas e,
em seguida, ajudam essa pessoa a superar as suas dificuldades.

GRÁFICO 2 – ORIENTAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS (PSICÓLOGOS NO BRASIL)

FONTE: Bastos e Gomide (2010, p. 244)

4.2.2 Psiquiatria
A psiquiatria é um ramo da medicina que lida com distúrbios emocionais.
Para se tornar um psiquiatra, alguém primeiro deve obter uma formação em me-
dicina e, em seguida, leva uns quatro anos adicionais de treinamento de residên-
cia em psiquiatria. Psiquiatras e psicólogos clínicos fornecem serviços similares
para a maioria dos clientes: eles escutam, fazem perguntas e tentam ajudar usan-
do diversas técnicas. Os psiquiatras, no entanto, são médicos clínicos e, portanto,
podem prescrever medicamentos, tais como tranquilizantes e antidepressivos,
enquanto que, na maioria dos lugares, os psicólogos não podem. Em alguns esta-
dos dos Estados Unidos, permitem agora que psicólogos com formação especia-
lizada adicional prescrevam medicação. Mais psiquiatras do que psicólogos clí-
nicos trabalham em hospitais psiquiátricos e os psiquiatras com mais frequência
tratam clientes com doenças graves.

Será que a habilidade dos psiquiatras para prescrever medicamentos lhes


oferece uma vantagem sobre os psicólogos em lugares em que os psicólogos não
podem prescrevê-los? Por vezes, mas nem sempre. Alguns psiquiatras habitual-
mente tratam a ansiedade e a depressão com drogas, enquanto que os psicólogos
tratam os problemas alterando a maneira da pessoa de viver. As drogas podem
ser úteis, mas contar com elas de maneira extensiva pode ser um perigo.

17
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

4.2.3 Outros profissionais de saúde mental


Vários outros tipos de profissionais também fornecem ajuda e conselhos. Os
psicanalistas são prestadores de terapia que dependem fortemente das teorias e dos
métodos desenvolvidos inicialmente pelo médico vienense do século XX, Sigmund
Freud, e, mais tarde, modificados por outros. Freud e seus seguidores tentaram infe-
rir o significado oculto e simbólico do inconsciente por trás das palavras e das ações
das pessoas e, de várias maneiras, os psicanalistas continuam hoje esse esforço.

Há algumas questões sobre quem pode justamente chamar-se psicana-


lista. Algumas pessoas aplicam o termo a qualquer um que tenta descobrir pen-
samentos e sentimentos inconscientes. Outros aplicam o termo apenas para os
graduados de um programa de 5 a 10 anos em um instituto da psicanálise. Esses
institutos admitem apenas as pessoas que já são ou psiquiatras ou psicólogos clí-
nicos (com algumas exceções, profissionais graduados em outras áreas podem ser
aceitos no programa de alguns institutos). A Federação Brasileira de Psicanálise
segue o plano de formação internacional, no qual o candidato deve realizar análi-
se pessoal de alta frequência, supervisão, seminários teóricos, clínicos e eletivos.

Em alguns países, um assistente social clínico tem função semelhante a


um psicólogo clínico, mas com formação diferente. Na maioria dos casos, nes-
ses países, um assistente social clínico tem um mestrado em Serviço Social com
especialização em problemas psicológicos. No Brasil, entretanto, as práticas te-
rapêuticas não são tidas como competências e atribuições dos assistentes sociais.
Por outro lado, há os enfermeiros psiquiátricos (enfermeiros com formação com-
plementar em psiquiatria) que fornecem serviços semelhantes, os quais possuem
legalidade em sua atuação em território nacional.

Além dos psicólogos clínicos, temos os psicólogos de aconselhamento,


que ajudam as pessoas com questões educacionais, profissionais, matrimoniais,
relacionadas com a saúde, entre outras. Um psicólogo de aconselhamento tem for-
mação como qualquer outro psicólogo, com experiência supervisionada em acon-
selhamento. As atividades de um psicólogo de aconselhamento se sobrepõem às
de um psicólogo clínico, mas a ênfase na maioria das vezes é diferente. Conside-
rando que um psicólogo clínico lida principalmente com ansiedade, depressão,
angústia e outros distúrbios emocionais, um psicólogo de aconselhamento lida
principalmente com decisões importantes da vida e reajustes da família ou da
carreira, que, reconhecidamente, podem causar ansiedade ou depressão. Os psi-
cólogos de aconselhamento trabalham em instituições educacionais, centros de
saúde mental, agências de reabilitação, empresas e na prática privada.

Você também pode ter ouvido falar acerca de psicólogos forenses, aque-
les que prestam aconselhamento e consulta para policiais, advogados, tribunais ou
outras partes do sistema de justiça criminal. Os psicólogos forenses são, em quase
todos os casos, treinados como psicólogos clínicos ou de aconselhamento, com for-
mação adicional em questões jurídicas. Eles ajudam com decisões tais como se um
réu é mentalmente competente para ser julgado ou se alguém elegível para liberda-

18
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

de condicional é perigoso (OTTO; HEILBRUN, 2002). Vários filmes populares têm


representado psicólogos forenses ajudando investigadores policiais a desenvolve-
rem um "perfil psicológico" de um serial killer. Isso pode soar como uma profissão
glamorosa e emocionante, mas poucos psicólogos exercem tais atividades.

4.3 FORNECEDORES DE SERVIÇOS PARA ORGANIZAÇÕES


Os psicólogos também trabalham no mundo dos negócios, nas indústrias
e nos sistemas escolares, em algumas capacidades que podem não ser familiares
para você, fazendo coisas que você pode pensar como não pertencentes à
psicologia. As perspectivas de emprego nestas áreas têm sido boas e certamente
estes campos oferecem interessantes possibilidades de intervenções.

4.3.1 Psicologia industrial/organizacional


O estudo psicológico das pessoas no trabalho é conhecido como psicolo-
gia industrial/organizacional (I/O). Trata de questões que você pode pensar que
não pertencem à psicologia, tais como corresponder à pessoa certa com o trabalho
certo, treinar pessoas para o emprego, desenvolver equipes de trabalho, determi-
nar salários e bônus, fornecer feedback aos trabalhadores sobre seu desempenho,
planejar uma estrutura organizacional e organizar o local de trabalho para que os
trabalhadores sejam tanto produtivos quanto satisfeitos. Os psicólogos desta área
estudam o comportamento de ambos os indivíduos e a organização, incluindo o
impacto das condições econômicas e regulamentações governamentais.

Aqui está um exemplo de uma preocupação ponderada pelos psicólogos


industriais/organizacionais (CAMPION; THAYER, 1989): uma empresa que fa-
brica equipamentos eletrônicos complexos precisava publicar manuais de refe-
rência e de reparação para os seus produtos. Os engenheiros que projetaram os
dispositivos não queriam gastar seu tempo escrevendo os manuais e nenhum de-
les era escritor qualificado de qualquer maneira. Assim, a empresa contratou um
escritor técnico para preparar os manuais. Depois de um ano, ele recebeu uma
classificação de desempenho insatisfatório porque os manuais escritos continham
muitos erros técnicos. Ele respondeu que, quando solicitava aos vários engenhei-
ros na empresa para verificarem seus manuais ou explicar detalhes técnicos, eles
estavam sempre muito ocupados. O escritor percebia seu trabalho como compli-
cado e frustrante, seu escritório estava mal iluminado, barulhento, com tempera-
tura alta e sua cadeira era desconfortável. Sempre que ele mencionava qualquer
um desses problemas, no entanto, foi-lhe dito que ele "reclamava demais”.

Em uma situação como essa, um psicólogo industrial/organizacional po-


deria ajudar a empresa ao avaliar o problema e desenvolver possíveis soluções.
Talvez a empresa tenha contratado a pessoa errada para esse trabalho. Se assim
for, eles devem demiti-la e contratar algum especialista em engenharia elétrica
que também seja um escritor notável e goste de um ambiente mal iluminado,

19
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

barulhento, superaquecido e de uma cadeira desconfortável. No entanto, se a


empresa não pode encontrar ou pagar tal pessoa, então ela precisa melhorar as
condições de trabalho e fornecer ao atual funcionário uma formação melhor ou
de mais ajuda com os aspectos técnicos do trabalho.

Quando uma empresa critica seus trabalhadores, o psicólogo desta área


tenta descobrir se o problema está com o desempenho dos trabalhadores ou com
a dificuldade do trabalho. Dependendo da resposta, em seguida tenta-se melho-
rar as decisões de contratação ou melhorar as condições de trabalho.

4.3.2 Ergonomia
Aprender a operar o nosso maquinário cada vez mais complexo é uma das
lutas perenes da vida moderna. Às vezes, as consequências podem ser graves. Ima-
gine um piloto de avião que tem a intenção de baixar o trem de pouso e, em vez dis-
so, levanta os flaps das asas. Ou um trabalhador em uma usina de energia nuclear
que não consegue perceber um sinal de alerta. Em um campo da psicologia, um er-
gonomista, ou especialista em fatores humanos, tenta facilitar o funcionamento das
máquinas para que as pessoas comuns possam usá-las de forma eficiente e segura.

O termo ergonomia é derivado de raízes gregas que significam "leis do


trabalho". A ergonomia foi usada pela primeira vez em ambientes militares, nos
quais as tecnologias complexas, por vezes, requisitavam dos soldados detectar al-
vos quase invisíveis, entender discursos durante ruídos ensurdecedores, detectar
objetos em três dimensões enquanto estivesse no uso das duas mãos e tomar de-
cisões de vida ou morte em uma fração de segundo. Os militares se voltaram aos
psicólogos para determinar quais eram as habilidades que o seu pessoal poderia
dominar e para redesenhar as tarefas para atender essas habilidades.

Os ergonomistas logo aplicaram suas experiências, não só para o comér-


cio e a indústria, mas também para os aparelhos que usamos no cotidiano. Como
Norman Donald (2006) apontou, muitas pessoas inteligentes e educadas encon-
tram-se incapazes de usar todos os recursos em uma câmera ou num forno de
micro-ondas; alguns até têm dificuldade de definir a hora em um relógio digital.

Em várias universidades, o programa de ergonomia é parte do departa-


mento de psicologia, de engenharia, ou de ambos. Independentemente de quem
administra o programa, a ergonomia necessariamente combina características da
psicologia, da engenharia e da ciência da computação. É um campo crescente,
com muitos empregos disponíveis.

20
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

4.3.3 Psicologia escolar


Muitos, se não a maioria das crianças, têm problemas acadêmicos em um
momento ou outro. Algumas crianças têm problemas de ficarem sentadas sem fica-
rem agitadas ou de prestar atenção. Outras entram em apuros por mau comporta-
mento. Algumas têm problemas especializados, com leitura, escrita, aritmética, ou
outras habilidades acadêmicas. Outras crianças dominam seus trabalhos escolares
rapidamente e tornam-se entediadas. Elas também precisam de atenção especial.

Os psicólogos escolares são especialistas na condição psicológica de alu-


nos, geralmente da Educação Infantil até a conclusão do Ensino Médio. Em ter-
mos gerais, os psicólogos escolares identificam as necessidades educativas das
crianças, elaboram um plano para atender a essas necessidades e, depois, imple-
mentam eles mesmos o plano ou aconselham os professores como implementá-lo.

A psicologia escolar pode ser ensinada em um departamento de psicologia,


uma filial de um departamento de educação ou de um departamento de psicologia
educacional. Em alguns países é possível praticar psicologia escolar com apenas um
diploma de bacharel. Nos Estados Unidos, o mínimo é geralmente um grau de mes-
tre, mas a oportunidade de emprego é muito maior para as pessoas com um grau de
doutorado e um doutorado pode se tornar necessário no futuro. As oportunidades
de emprego em psicologia escolar têm sido fortes e continuam a crescer. A maioria
dos psicólogos escolares trabalha nas próprias instituições escolares; outros traba-
lham para clínicas de saúde mental, centros de orientação e outras instituições.

5 TIPOS DE PSICÓLOGOS
No quadro a seguir, apresentamos um resumos de algumas das principais
áreas da psicologia, incluindo várias que não foram discutidas.

QUADRO 2 – ALGUMAS DAS PRINCIPAIS ÁREAS DA PSICOLOGIA

Exemplo de interesse ou
Especialização Interesse Geral
tópico de pesquisa

Relação entre cérebro e Quais sinais corporais indi-


Biopsicólogo
comportamento cam a fome e a sede?
Como as pessoas podem ser
Psicólogo Clínico Dificuldades emocionais. ajudadas a superar ansiedade
severa?
Psicólogo Será que as pessoas possuem
Memória, pensamento.
Cognitivo diferentes tipos de memória?

21
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Será que a melhora nas opor-


Psicólogo Organização e estruturas
tunidades de emprego dimi-
Comunitário sociais.
nuiria a aflição psicológica?
Psicólogo de Ajudar as pessoas a toma- Deveria esta pessoa conside-
Aconselhamento rem decisões importantes. rar mudar de carreira?
Em qual idade pode uma crian-
Psicólogo do Mudanças no comporta-
ça primeiramente distinguir en-
Desenvolvimento mento ao longo da vida.
tre aparência e realidade?
Qual é a melhor maneira de
Psicólogo Aprimoramento na aprendi-
testar o conhecimento de um
Educacional zagem na escola.
estudante?
Como o ruído, o calor, aglo- Qual o design de um edifício que
Psicólogo
merado de pessoas etc. afe- poderia maximizar a produtivi-
Ambiental
tam o comportamento. dade das pessoas que o usam?
Como pode uma cabine de
Comunicação entre pessoas
Ergonomista piloto ser reprojetada para au-
e máquinas.
mentar a segurança?
Por que os homens normal-
Psicólogo A história evolucionária do
mente mostram mais ciúme
Evolucionista comportamento.
sexual do que as mulheres?
Deveriam os trabalhos serem
Psicólogo
preparados de modo mais sim-
Organizacional/ Pessoas no trabalho.
ples e infalíveis ou interessantes
Industrial
e desafiadores?
Psicólogo da
Aprendizagem nos huma- Quais são os efeitos do reforço
Aprendizagem e
nos e nas outras espécies. e da punição?
Motivação
Psicólogo da Por que certas pessoas são tími-
Diferenças da personalidade.
Personalidade das e outras mais gregárias?
Quão precisos são os testes de
Mensurar a inteligência, a
Psicometrista QI atuais? Podemos elaborar
personalidade, interesses.
testes melhores?
Como deveria a escola lidar
Problemas que afetam as
Psicólogo Escolar com uma criança que regular-
crianças em idade escolar.
mente perturba a sala de aula?
FONTE: O autor

Um pesquisador em psicologia experimental, um psicólogo clínico, um


ergonomista e um psicólogo organizacional/industrial são todos psicólogos, em-
bora suas atividades diárias tenham pouco em comum. O que de fato une os
psicólogos é uma dedicação para o progresso através da investigação científica.

22
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

Apresentamos uma discussão bem simplificada sobre as várias aborda-


gens psicológicas de diversos modos. Em particular, a psicologia biológica, a psi-
cologia cognitiva, a psicologia social e os outros campos se sobrepõem significa-
tivamente. Quase todos os psicólogos combinam conhecimentos e informações
adquiridas a partir de uma variedade de abordagens. Para entender por que uma
pessoa difere de outra, psicólogos combinam informações sobre a biologia, as
experiências de aprendizagem, as influências sociais e muito mais.

6 PSICOLOGIA ENTÃO E AGORA


Imagine-se como um jovem estudioso em 1880. Entusiasmado com a nova
abordagem científica em psicologia, você decide se tornar um psicólogo. Como
outros psicólogos dessa época, você tem um background em biologia ou em fi-
losofia. Você está determinado a aplicar os métodos científicos da biologia aos
problemas da filosofia.

Por enquanto, tudo bem. Mas quais serão as perguntas que você deverá
investigar? Uma boa pergunta de pesquisa é tanto interessante quanto respondí-
vel. Se ela não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo, ela deve pelo menos uma
ou outra. Em 1880, como é que você escolheria um tema de pesquisa? Você não
poderia obter ideias de investigação a partir de um periódico psicológico porque
a primeira edição não seria publicada até o próximo ano. Além disso, seria escrito
em alemão. Você não poderia seguir a tradição de pesquisadores anteriores por-
que não houve pesquisador anterior. Você estaria por conta própria.

Além disso, no final de 1800, os psicólogos não tinham certeza de quais


perguntas eram respondíveis. Às vezes, os psicólogos ainda hoje não têm certe-
za: devemos estudar questões interessantes sobre a consciência ou devemos nos
concentrar no comportamento observável? Muitas das mudanças que ocorreram
durante a história da psicologia têm refletido sobre as decisões dos investigado-
res a respeito de quais questões são respondíveis.

A seguir, vamos explorar algumas dessas mudanças na pesquisa psicoló-


gica, incluindo projetos que dominaram a psicologia por um tempo e, em segui-
da, desapareceram do interesse.

DICAS

Para obter informações adicionais sobre a história da psicologia, leia o livro intitu-
lado História da Psicologia, organizado por Regina Freitas (2008), disponível on-line no seguinte
endereço: <https://bit.ly/2ZPKcZl>. Outra boa obra é a de Duane e Sydney Schultz (2009). Para
explorar a história da psicologia no Brasil, leia o livro de Antunes (1999) e o artigo de Soares (2010).

23
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

6.1 A ERA ANTIGA


Pelo menos desde Aristóteles (384-322 AEC), os filósofos e escritores têm
debatido sobre o motivo de as pessoas agirem da maneira que agem, por que
elas têm as experiências que têm e por que uma pessoa é diferente da outra. Sem
descurar a importância desses grandes pensadores, vários estudiosos do século
XIX se perguntaram se uma abordagem científica seria proveitosa. Impressionados
com os grandes avanços feitos pela física, química e biologia, eles esperavam
progressos semelhantes na psicologia pela realização de pesquisas.

6.1.1 Wilhelm Wundt e o primeiro laboratório de psicologia


A origem da psicologia, como a entendemos atualmente, é geralmente da-
tada de 1879, quando o médico e pesquisador sensorial Wilhelm Wundt criou o
primeiro laboratório de psicologia em Leipzig, Alemanha. A pesquisa psicológica
não era nova, mas esse foi o primeiro laboratório que se destinou exclusivamente
à investigação psicológica.

Os interesses amplos de Wundt variaram entre a fisiologia dos órgãos dos


sentidos às diferenças culturais dos comportamentos, com ênfase na motivação,
no controle voluntário e nos processos cognitivos. Uma das questões fundamen-
tais de Wundt foi: quais são os componentes da experiência ou da mente? Ele pro-
pôs que a experiência é composta de elementos e compostos, como os da química.
Os elementos da psicologia eram, ele sustentava, as sensações e os sentimentos
(WUNDT, 1897). Então, a qualquer momento particular, você pode experienciar
o sabor de uma refeição requintada, ao som de boa música e um certo grau de
prazer. Estas iriam fundir-se em uma única experiência (um composto) com base
nos elementos separados. Além disso, Wundt alegava que a sua experiência está
em parte sob seu controle voluntário, você pode mudar a sua atenção de um ele-
mento para outro e obter uma experiência diferente.

Wundt tentou testar sua ideia sobre os componentes da experiência atra-


vés da coleta de dados. Ele apresentou vários tipos de luzes, texturas e sons e
pediu para os sujeitos da pesquisa relatarem a intensidade e a qualidade de suas
sensações. Isto é, ele lhes pedia para realizar uma introspecção (olhar para dentro
deles mesmos) e registrava as mudanças dos relatos das pessoas na medida em
que ele alterava os estímulos.

Wundt demonstrou a possibilidade da pesquisa psicológica significativa.


Por exemplo, em um de seus primeiros estudos, ele montou um pêndulo que
atingia bolas de metal e fazia um som em dois pontos no seu balanço (pontos b e
d na Figura 3). As pessoas iriam ver o pêndulo e indicariam onde ele parecia estar
quando ouvissem o som. Muitas vezes, o pêndulo parecia estar ligeiramente à
frente ou atrás da bola quando as pessoas ouviam o som. A posição aparente do
pêndulo no momento do som diferia da sua posição real por uma média de 1/8 de
um segundo (WUNDT, 1961). Aparentemente, o tempo que pensamos ver ou ou-

24
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

vir algo que não é o mesmo de quando o evento de fato ocorreu. A interpretação
de Wundt era que uma pessoa precisa de cerca de 1/8 de segundo para deslocar a
atenção de um estímulo para outro.

Wundt e seus alunos foram prolíficos investigadores e o tratamento breve que


fazemos neste caderno de estudos não pode fazer-lhe justiça. Ele escreveu mais de 50
mil páginas sobre sua pesquisa, mas o seu impacto mais duradouro foi o de estabelecer
o precedente de estudar questões psicológicas através da coleta de dados científicos.

FIGURA 2 – PÊNDULO DE WILHELM WUNDT

FONTE: Hergenhahn (2001, p. 249)

6.2 EDWARD TITCHENER E O ESTRUTURALISMO


No início, a maioria dos psicólogos do mundo recebeu sua educação do
próprio Wilhelm Wundt. Um dos alunos de Wundt, Edward Titchener, veio para
os Estados Unidos em 1892 como professor de Psicologia na Universidade de
Cornell. Como Wundt, Titchener acreditava que a principal questão de psicologia
era a natureza das experiências mentais.

Titchener (1910) tipicamente apresentava um estímulo e solicitava aos


seus sujeitos de pesquisa para analisá-lo em suas características separadas – por
exemplo, olhar para um limão e descrever sua amarelidade, seu brilho, forma e
outras características. Ele chamou sua abordagem de Estruturalismo, uma tentati-
va de descrever as estruturas que compõem a mente, especialmente as sensações,
os sentimentos e as imagens. Por exemplo, imagine que você é o psicólogo: eu
olho para um limão e digo que a minha experiência de seu brilho é separada da
minha experiência de sua amarelidade.

É possível desde já perceber o problema com essa abordagem. Como você


sabe se eu estiver mentindo, dizendo o que eu penso que você quer que eu diga,
ou até mesmo enganando a mim mesmo? Depois da morte de Titchener em 1927,

25
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

os psicólogos praticamente abandonaram tanto as suas questões quanto seus mé-


todos. Por quê? Lembre-se de que uma boa pergunta científica é tanto interessante
e quanto respondível. Independentemente de saber se as perguntas de Titchener
sobre os elementos da mente eram interessantes, elas pareciam irrespondíveis.

6.3 WILLIAM JAMES E O FUNCIONALISMO


Na mesma época que Wundt e Titchener, na Universidade de Harvard,
William James articulou algumas das principais questões da psicologia e ganhou
reconhecimento como o fundador da psicologia americana. O livro Princípios de
Psicologia, de James (1890), definiu muitas das questões que dominaram a psico-
logia muito tempo depois e que ainda o fazem hoje.

James tinha pouca paciência com a procura dos elementos da mente. Ele se
concentrou no que a mente faz e não no que ela é. Ou seja, em vez de tentar isolar os
elementos da consciência, ele preferiu aprender como as pessoas produzem com-
portamentos úteis. Por essa razão, chamamos sua abordagem de Funcionalismo.
Ele sugeriu os seguintes exemplos de boas perguntas psicológicas (JAMES, 1890):

• Como as pessoas podem reforçar os bons hábitos?


• Alguém pode atender a mais de um item de cada vez?
• Como é que as pessoas reconhecem que elas viram algo antes?
• Como é que uma intenção leva à ação?

James propôs respostas possíveis, mas fez pouca pesquisa de sua própria
autoria. Sua principal contribuição foi inspirar pesquisadores posteriores para
resolver as questões que ele postulou.

6.4 O ESTUDO DA SENSAÇÃO


Um dos principais temas de investigação dos primeiros psicólogos era a
relação entre os estímulos físicos e as sensações psicológicas. Em grande medida,
o estudo da sensação era a psicologia. O primeiro livro didático de língua inglesa
da "nova" psicologia de base científica dedicou quase metade de suas páginas
para os sentidos e assuntos relacionados (SCRIPTURE, 1907). Na década de 1930,
livros de psicologia padrão dedicaram menos de 20% de suas páginas a estes
temas (WOODWORTH, 1948), e, hoje, a proporção caiu para cerca de 5% a 10%.
Por que os primeiros psicólogos estiveram tão interessados na sensação?

Um dos motivos foi filosófico: eles queriam entender a experiência men-


tal e a experiência consiste em sensações. Outra razão foi estratégica: a psicologia
científica teve de começar com perguntas respondíveis e perguntas sobre sensação
são mais facilmente respondíveis do que aquelas sobre, digamos, a personalidade.

26
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

Os primeiros psicólogos descobriram que o que vemos, ouvimos ou expe-


rienciamos não é o mesmo que o estímulo físico. Por exemplo, uma luz que seja duas
vezes mais intensa quanto a outra não parece duas vezes mais brilhante, demons-
trando assim a relação entre a intensidade da luz e o seu brilho percebido. A des-
crição matemática da relação entre as propriedades físicas de um estímulo e as suas
propriedades percebidas é chamada a função psicofísica, porque se relaciona a psi-
cologia à física. Essa pesquisa demonstrou que, pelo menos no estudo da sensação,
os métodos científicos podem fornecer respostas não óbvias às questões psicológicas.

6.5 DARWIN E O ESTUDO DA INTELIGÊNCIA ANIMAL


A teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin (DARWIN,
2003, 1974) teve um enorme impacto sobre a psicologia e sobre a biologia. Darwin
argumentou que os seres humanos e outras espécies compartilham um ances-
tral remoto comum. Essa ideia implicava que cada espécie tem especializações
adaptadas ao seu próprio modo de vida, mas também que todas as espécies de
vertebrados têm muitas características básicas em comum. Ele ainda deu a enten-
der que os animais não humanos devem exibir graus variáveis de características
humanas, incluindo a inteligência.

Com base nesta última implicação, os primeiros psicólogos comparativos,


especialistas que comparam diferentes espécies animais, fizeram algo que parecia
mais razoável então do que agora: eles partiram para medir a inteligência animal.
Eles aparentemente imaginavam que poderiam classificar em ordem do animal
mais inteligente ao menos inteligente. Com esse objetivo eles estabeleceram várias
espécies para tarefas, tais como o problema de resposta retardada e o problema do
desvio. No problema de resposta retardada, era dado a um animal um sinal indi-
cando onde poderia encontrar comida. Em seguida, o sinal era removido e o animal
era contido por um tempo para ver quanto tempo ele poderia lembrar o sinal. No
problema do desvio, um animal era separado dos alimentos por uma barreira para
ver se ele iria fazer um desvio para longe da comida, a fim de alcançá-la.

No entanto, medir a inteligência animal acabou por ser mais difícil do que
parecia. Muitas vezes, uma espécie parecia obtusa em uma tarefa, mas brilhante
em outra. Por exemplo, em uma pesquisa realizada por H. D. Giebel, as zebras
são geralmente lentas para aprender a se aproximar de um padrão em vez de
um outro para o alimento, a menos que os padrões forem listras estreitas versus
listras largas e, nesse caso, elas se destacam (HANGGI, 1999). Os ratos parecem
incapazes de encontrar comida escondida sob um objeto que parece diferente dos
outros, mas eles facilmente aprendem a escolher o objeto que cheira diferente dos
outros (LANGWORTHY; JENNINGS, 1972).

Eventualmente, os psicólogos perceberam que a inteligência relativa de


animais não humanos foi, provavelmente, uma pergunta sem sentido. O estudo
da aprendizagem animal pode iluminar princípios gerais de aprendizagem e lan-

27
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

çar luz sobre questões evolutivas (PAPINI, 2002), mas nenhuma medida se aplica
a todos. Um golfinho é nem mais nem menos inteligente do que um chimpanzé,
é simplesmente inteligente de maneiras diferentes.

Os psicólogos hoje estudam a aprendizagem e a inteligência animal, mas


a ênfase mudou. A questão não é mais quais animais são os mais inteligentes, mas
"O que podemos aprender a partir de estudos realizados em animais sobre os me-
canismos do comportamento inteligente?" E "Como é que cada espécie evoluiu as
tendências de comportamento que mostra?"

6.6. MENSURANDO A INTELIGÊNCIA HUMANA


Enquanto alguns psicólogos estudaram a inteligência animal, outros se
ativeram na inteligência humana. Francis Galton, primo de Charles Darwin, foi
um dos primeiros a tentar mensurar a inteligência e perguntar se as variações
intelectuais eram baseadas na hereditariedade. Galton ficou fascinado com a ten-
tativa de medir quase tudo (HERGENHAHN, 2001). Por exemplo, ele inventou o
primeiro mapa climático, mensurou os graus de tédio durante as aulas, sugeriu o
uso de impressões digitais para identificar os indivíduos e – em nome da ciência
– tentou medir a beleza das mulheres em diferentes países.

Em um esforço para determinar o papel da hereditariedade nas conquistas


humanas, Galton (1892) examinou se os filhos dos homens famosos e realizados ten-
dem a se tornar eminentes neles mesmos. Vale a pena ressaltar que as mulheres na
Inglaterra do século XIX tinham pouca oportunidade para a fama. Galton descobriu
que os filhos de juízes, escritores, políticos e outros homens notáveis tinham uma
alta probabilidade de conquistas semelhante por eles mesmos. Ele atribuiu essa van-
tagem à hereditariedade. Deixaremos esta questão para você ponderar: será que ele
tinha evidências suficientes para sua conclusão? Se os filhos de homens famosos se
tornaram famosos neles mesmos, seria a hereditariedade a única explicação?

Galton também tentou mensurar a inteligência usando tarefas sensoriais e


motoras simples, mas suas medidas foram insatisfatórias. Em 1905, um pesquisa-
dor francês, Alfred Binet, criou o primeiro teste de inteligência útil. É importante
ressaltar que a ideia de testes de inteligência tornou-se popular nos Estados Uni-
dos e em outros países ocidentais. Os psicólogos, inspirados pela popularidade
dos testes de inteligência, mais tarde desenvolveram testes de personalidade, de
interesses e de outras características psicológicas. Observe que mensurar a inte-
ligência humana enfrenta alguns dos mesmos problemas que a inteligência ani-
mal: as pessoas têm muitas habilidades inteligentes e é possível ser mais hábeis
em uma do que em outra. No entanto, uma grande quantidade de investigações
tem sido realizada para tentar tornar os testes de inteligência justos e precisos.

28
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIA?

6.7 A ASCENSÃO DO BEHAVIORISMO


Anteriormente neste tópico, casualmente definimos a psicologia como "o
estudo sistemático do comportamento e da experiência". Por um período subs-
tancial da história da psicologia, psicólogos mais experimentais teriam se oposto
às palavras "e da experiência". Alguns psicólogos ainda objetam hoje, embora me-
nos tenazmente. De 1920 a 1960 ou até 1970, a maioria dos pesquisadores descre-
veu a psicologia como o estudo do comportamento, ponto. Esses pesquisadores
tinham pouco a dizer sobre mentes, experiências ou qualquer coisa do tipo. O que
estes psicólogos tinham contra a "mente"?

Lembre-se da falha do esforço de Titchener para analisar a experiência


em seus componentes. A maioria dos psicólogos concluiu que perguntas sobre
a mente eram irrespondíveis. Em vez disso, eles dirigiram perguntas sobre com-
portamentos observáveis: o que as pessoas e outros animais fazem e em que cir-
cunstâncias? Como as mudanças no ambiente alteram o que eles fazem? O que é
a aprendizagem e como ela ocorre? Essas questões eram claramente significativas
e potencialmente respondíveis.

6.7.1 John B. Watson


Muitos consideram John B. Watson como o fundador do behaviorismo, um
campo da psicologia que se concentra nos comportamentos observáveis e mensu-
ráveis e não sobre os processos mentais. Watson não foi o primeiro behaviorista,
mas ele sistematizou a abordagem, popularizou-a e indicou as suas metas e pres-
supostos (WATSON, 2008, 1925). Aqui estão duas citações de Watson (2008, p. 289):
A psicologia como o behaviorista a vê é um ramo experimental pura-
mente objetivo das ciências naturais. Seu objetivo teórico é a previsão
e o controle do comportamento.
O objetivo do estudo psicológico é a averiguação desses dados e leis
que, dado o estímulo, a Psicologia pode predizer qual será a resposta.
Ou, por outro lado, dada a resposta, pode especificar a natureza do
estímulo afetivo. (WATSON, 2008 apud WOLMANN, 1980, p. 89).

6.7.2 Estudos de aprendizagem


Inspirados por Watson, muitos pesquisadores decidiram estudar o com-
portamento animal, especialmente a aprendizagem animal. Uma vantagem de se
estudar os animais não humanos é que o investigador pode controlar a dieta dos
animais, agenda de sono-vigília e assim por diante, muito mais completo do que
com os seres humanos. A outra suposta vantagem era que a aprendizagem não
humana poderia ser mais simples de se entender. Muitos psicólogos esperavam
com otimismo descobrir leis simples e básicas do comportamento, mais ou me-
nos as mesmas de uma espécie para outra e de uma situação para outra. Assim
como os físicos podiam estudar a gravidade deixando cair qualquer objeto em
qualquer local, muitos psicólogos, em meados dos anos 1900, pensavam que po-
29
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

diam aprender tudo sobre o comportamento estudando ratos em labirintos. Um


psicólogo altamente influente, Clark Hull (1932, p. 25, tradução nossa), escreveu:
"Um dos problemas mais persistentemente desconcertantes que confronta os psi-
cólogos modernos é a conclusão de uma explicação adequada aos fenômenos da
aprendizagem do labirinto". Outro escreveu:
Eu acredito que tudo que é importante em psicologia (exceto, talvez...
assuntos tais que envolvem a sociedade e as palavras) pode ser investi-
gado em essência através da análise experimental e teórica continuada
dos determinantes do comportamento de ratos em um ponto-escolha
em um labirinto (TOLMAN, 1938, p. 34, tradução nossa).

Na medida em que a pesquisa avançou, no entanto, os psicólogos descobri-


ram que mesmo o comportamento de um rato em um labirinto era mais complica-
do do que eles esperavam e tal pesquisa caiu em sua popularidade. Assim como
os psicólogos dos anos 1920 abandonaram a abordagem estruturalista da mente, os
psicólogos posteriores abandonaram a esperança de que o estudo de ratos em labi-
rintos iria conduzir a descobertas dos princípios universais do comportamento. Os
psicólogos continuaram a estudar aprendizagem animal, mas os métodos mudaram.

A abordagem behaviorista ainda está viva e bem atualmente, mas já não


domina a psicologia experimental da forma como o fez uma vez. A ascensão da ci-
ência da computação demonstrou que era possível falar em memória, em conheci-
mento e em processamento de informações em máquinas e, se as máquinas podem
ter tais processos, presumivelmente os seres humanos também o podem. Os psi-
cólogos demonstraram a possibilidade de pesquisa significativa sobre a cognição
(pensamento e conhecimento) e outros temas que os behavioristas tinham evitado.

6.8 DE FREUD À PSICOLOGIA CLÍNICA MODERNA


No início de 1900, a psicologia clínica era um pequeno campo dedicado em
grande parte aos distúrbios visuais, auditivos, de movimentos e da memória (ROU-
TH, 2000). O tratamento de distúrbios psicológicos (ou doença mental) era um cam-
po da psiquiatria, um ramo da medicina. O psiquiatra austríaco Sigmund Freud re-
volucionou e popularizou a psicoterapia com seus métodos de análise de sonhos e
memórias dos seus pacientes. Ele tentou rastrear o comportamento atual desde as
primeiras experiências da infância, incluindo fantasias sexuais infantis. A influên-
cia de Freud decresceu acentuadamente ao longo dos anos. Freud era um orador e
escritor persuasivo, mas a evidência que ele propôs para suas teorias era fraca. No
entanto, a influência de Freud foi enorme e, em meados dos anos 1900, a maioria dos
psiquiatras nos Estados Unidos e na Europa estava seguindo seus métodos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, mais pessoas precisaram de ajuda, es-


pecialmente soldados traumatizados por experiências de guerra. Devido a este fato,
os psiquiatras não podiam dar conta de tanta necessidade e os psicólogos começaram
a fornecer terapia. A psicologia clínica tornou-se um campo mais popular e mais pa-
recido com a psiquiatria. A investigação começou a comparar a eficácia dos diversos
métodos e novos métodos tomaram o lugar dos procedimentos de Freud.
30
TÓPICO 1 — O QUE É A PSICOLOGIAL

6.9 TENDÊNCIAS RECENTES NA PSICOLOGIA


A psicologia hoje varia entre o estudo dos processos sensoriais simples a
intervenções destinadas a mudar comunidades inteiras. Lembre-se de que alguns
dos primeiros pesquisadores psicológicos queriam estudar a mente consciente,
mas tornaram-se desanimados com os métodos introspectivos de Titchener. Des-
de meados dos anos 1960, a psicologia cognitiva (o estudo do pensamento e do
conhecimento) ganhou proeminência (ROBINS; GOSLING; CRAIK, 1999). Em
vez de perguntar às pessoas sobre seus pensamentos, os psicólogos cognitivos de
hoje mensuram cuidadosamente a precisão e a velocidade de respostas nas mais
diversas circunstâncias para fazer inferências sobre os processos subjacentes. Eles
também usam varreduras do cérebro para determinar o que acontece no cérebro
enquanto as pessoas executam várias tarefas.

Outro campo de rápido crescimento é a neurociência. A pesquisa sobre o siste-


ma nervoso tem avançado rapidamente nas últimas décadas e os psicólogos em quase
todo o campo de especialização precisam estar cientes dos desenvolvimentos em neu-
rociência e suas implicações teóricas (NORCROSS; KOHOUT; WICHERSKI, 2005).

Novos campos de aplicação também surgiram. Por exemplo, os psicólo-


gos da saúde estudam como a saúde das pessoas é influenciada por seus compor-
tamentos, como fumar, beber, atividades sexuais, exercício, dieta e as reações ao
estresse. Eles também tentam ajudar as pessoas a mudar seus comportamentos
para promover uma saúde melhor. Psicólogos do esporte aplicam princípios psi-
cológicos para ajudar os atletas a definir metas, treinar, concentrar os seus esfor-
ços durante uma competição e assim por diante.

Os psicólogos hoje também ampliaram seu escopo para incluir mais da di-
versidade humana. Em seus primeiros anos, por volta de 1900, a psicologia era mais
aberta a mulheres do que a maioria das outras disciplinas acadêmicas, mas, mesmo
assim, as oportunidades para as mulheres eram limitadas (MILAR, 2000). Mary
Calkins, uma das primeiras pesquisadoras da memória, foi considerada como a
melhor aluna de pós-graduação do departamento de psicologia de Harvard, mas
foi-lhe negado um PhD porque Harvard insistia em sua tradição de concessão de
graus só para homens (SCARBOROUGH; FUROMOTO, 1987). Ela, no entanto, ser-
viu como presidente da Associação Americana de Psicologia, assim como Margaret
Washburn, outra mulher importante nos primeiros anos da psicologia.

Hoje, as mulheres recebem cerca de dois terços dos PhDs em psicologia


na América do Norte e a maioria das pessoas na Europa (NEWSTEAD; MAKI-
NEN, 1997). As mulheres em peso dominam algumas áreas, como a psicologia
do desenvolvimento e realizam muitas funções de liderança nas principais or-
ganizações psicológicas. O número de estudantes das consideradas minorias e
afrodescendentes que estudam psicologia também aumentou e, hoje, estudantes
das minorias recebem graus de bacharel e mestrado quase em proporção ao seu

31
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

número na população total. No entanto, as porcentagens continuam sendo baixas


para estudantes das minorias que recebem graus de doutoramento ou que pres-
tam serviços em faculdades universitárias (MATON et al., 2006).

O que vai ser da psicologia no futuro? Nós não sabemos, é claro, mas
presumimos que irá refletir as necessidades das mudanças na humanidade. Al-
gumas tendências prováveis são previsíveis. Os avanços na medicina permitiram
que as pessoas vivam mais tempo e os avanços na tecnologia lhes permitiram
construir onde costumava haver florestas e zonas úmidas, permitiram-lhes aque-
cer e esfriar suas casas, viajar de carro ou avião para locais distantes e comprar
e descartar um número enorme de produtos. Em suma, estamos rapidamente
destruindo o nosso meio ambiente, utilizando recursos naturais e poluindo o ar
e a água. Mais cedo ou mais tarde, irá ser tornar necessário, diminuir a popula-
ção ou diminuir o uso dos recursos por uma pessoa comum (HOWARD, 2000).
Convencer as pessoas a mudarem seus comportamentos é uma tarefa tanto para
a política quanto para a psicologia.

Ao longo dos primeiros anos da psicologia, muitos psicólogos entraram


em becos sem saída, dedicando grandes esforços para projetos que produziram
resultados decepcionantes. Nem todos os esforços dos primeiros psicólogos fo-
ram infrutíferos. Ao estudar mais profundamente a psicologia, você encontrará
muitos estudos clássicos que resistiram ao teste do tempo. Ainda assim, se os
psicólogos do passado passaram grande parte de seu tempo em projetos que hoje
consideramos equivocados, como podemos ter certeza de que muitos dos psicó-
logos de hoje não estão no caminho errado?

Não podemos, é claro. Nos próximos tópicos desta unidade, assim como
das outras duas unidades deste material, você vai ler sobre a pesquisa psicológica,
especificamente sobre o fenômeno religioso. Essas pesquisas mostrarão como a
investigação cuidadosa, cautelosa, que se acumulou em muitos casos, pode ofere-
cer uma evidência forte, todavia, você sempre está convidado a entreter dúvidas.
Talvez algumas perguntas dos psicólogos não são tão simples como parecem,
talvez algumas de suas respostas não são tão sólidas. Talvez você possa pensar
em uma maneira melhor de abordar certos temas. Os psicólogos têm melhores
evidências e conclusões mais sólidas do que costumavam, mas, ainda assim, eles
não têm todas as respostas.

No entanto, isso não é motivo para desespero. Muito parecido com um


rato em um labirinto, os investigadores avançam por tentativa e erro. Eles colo-
cam uma questão, tentam um método de investigação particular e observam o
que acontece. Às vezes, os resultados sustentam conclusões fascinantes e impor-
tantes, outras vezes, eles levam a rejeições de conclusões antigas e em uma busca
de substitutos. Em qualquer caso, a experiência conduz, finalmente, para melho-
res perguntas e respostas melhores.

32
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A psicologia é o estudo sistemático do comportamento e da experiência. Os


psicólogos lidam tanto com questões teóricas quanto práticas.

• Quase qualquer declaração em psicologia depende de muitos fatores e algu-


mas declarações se aplicam a todos em todo tempo. O progresso da pesquisa
depende de uma boa mensuração. A correlação não significa causalidade. As
pessoas são diferentes umas das outras por causa da hereditariedade e do
meio ambiente. O melhor preditor do comportamento futuro é o compor-
tamento passado. Algumas conclusões em psicologia são baseadas em fatos
mais fortes do que os outros.

• O determinismo é a visão de que tudo o que ocorre, inclusive o comporta-


mento humano, tem uma causa física. Essa visão é difícil de conciliar com a
convicção de que os seres humanos têm livre-arbítrio, isso significando que
poderia deliberadamente e conscientemente decidir o que fazer.

• O problema mente-cérebro é a questão de como a experiência consciente está


relacionada com a atividade do cérebro.

• O comportamento depende tanto da natureza (hereditariedade) quanto da


educação/criação (ambiente). Os psicólogos tentam determinar a influência
desses dois fatores sobre as diferenças no comportamento. As contribuições
relativas da natureza e da criação variam de um comportamento para outro.

• A psicologia como campo acadêmico tem muitos subcampos, incluindo a psi-


cologia biológica, da aprendizagem e da motivação, a psicologia cognitiva, a
psicologia do desenvolvimento e a psicologia social.

• Os psicólogos clínicos normalmente são aqueles que têm um PhD, um PsyD,


um mestrado ou uma formação específica em psicologia clínica; os psiquia-
tras são médicos com esta especialidade. Ambos os psicólogos clínicos e os
psiquiatras tratam as pessoas com problemas emocionais, mas os psiquiatras
podem prescrever medicamentos e outros tratamentos médicos, enquanto
que, na maioria dos lugares, os psicólogos não podem. Os psicólogos de acon-
selhamento ajudam as pessoas a lidar com decisões difíceis; eles, às vezes,
mas com menos frequência, também lidam com distúrbios psicológicos.

33
• Campos não clínicos de aplicação incluem a psicologia industrial/organiza-
cional, a ergonomia e a psicologia escolar.

• Durante a história da psicologia, os pesquisadores têm, várias vezes, alterado


as suas opiniões sobre o que constitui uma pergunta de pesquisa interessante,
importante e responsável.

• Em 1879, Wilhelm Wundt criou o primeiro laboratório dedicado à pesquisa


psicológica. Ele demonstrou a possibilidade de experimentação psicológica.

• Um dos alunos de Wundt, Edward Titchener, tentou analisar os elementos da


experiência mental, contando com próprias observações das pessoas. Outros
psicólogos ficaram desanimados com esta abordagem.

• William James, geralmente considerado o fundador da psicologia americana,


concentrou a atenção em como a mente orienta o comportamento útil, em vez
de o conteúdo da mente. Ao fazê-lo, James abriu o caminho para a ascensão
do behaviorismo.

• No final de 1800 e início de 1900, muitos pesquisadores se concentraram nos


estudos dos sentidos, em parte porque eles eram mais propensos a encontrar
respostas definitivas sobre este tema do que em outros tópicos.

• A teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin influenciou a


psicologia de muitas maneiras. Ela levou alguns dos primeiros psicólogos
proeminentes a comparar a inteligência de diferentes espécies. Esta questão
acabou por ser mais complicada do que qualquer um esperava.

• A medição da inteligência humana foi uma preocupação dos primeiros psicó-


logos que tem persistido ao longo dos anos.

• Como os psicólogos ficaram desanimados com suas tentativas de analisar a


mente, eles se voltaram para o behaviorismo. Por muitos anos os pesquisado-
res psicológicos estudaram o comportamento, especialmente a aprendizagem
animal, com a exclusão virtual de experiência mental.

• Clark Hull exerceu uma grande influência sobre a psicologia por vários anos.
Eventualmente, sua abordagem tornou-se menos popular porque os ratos em
labirintos não pareciam gerar respostas simples ou gerais para as questões
principais.

• As teorias de Sigmund Freud, que eram historicamente muito influentes, de-


ram lugar a outras abordagens para a terapia, com base no uso mais cuidado-
so de evidências.

34
• Antes, eram os psiquiatras que forneciam quase todos os cuidados para as
pessoas com distúrbios psicológicos. Após a Segunda Guerra Mundial, a psi-
cologia clínica começou a assumir grande parte deste papel.

• Hoje, os psicólogos estudam uma ampla variedade de tópicos. A psicologia


cognitiva substituiu as abordagens comportamentalistas da aprendizagem
como o campo dominante da psicologia experimental. No entanto, não po-
demos ter a certeza de que não estamos atualmente a entrar em alguns becos
sem saída, assim como muitos psicólogos o fizeram no passado.

35
AUTOATIVIDADE

1 Um dos princípios da psicologia que atua sobre as bases da abordagem


científica é aquele que alega que tudo o que acontece teria uma causa no
mundo observável, isto é uma afirmação de causa e efeito. Sobre o conceito
que corresponde a esse pensamento, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Livre-arbítrio.
b) ( ) Determinismo.
c) ( ) Empirismo.
d) ( ) Relativismo.

2 A psicologia, entre 1920 e 1970, foi descrita como o estudo do comporta-


mento. Esta definição do objeto de estudo da psicologia está associada com
a ascensão do Behaviorismo. Muitos psicólogos fizeram parte deste mo-
vimento e ofereceram diversas contribuições com suas pesquisas. Sobre o
Behaviorismo e a psicologia, analise as sentenças a seguir:

I- No período em que o Behaviorismo dominou o cenário de investigações, a psi-


cologia era definida como o estudo do comportamento e não da experiência.
II- John Watson dedicou seus estudos ao comportamento, vendo-o como pos-
sível de ser observado, previsto e controlado.
III- Os estudos realizados pelos behavioristas conduziram as pesquisas sobre
a aprendizagem, observando o comportamento animal não humano.
IV- A aprendizagem não humana foi vista pelos behavioristas como mais com-
plexa e mais difícil de se entender comparada àquela dos animais humanos.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.

3 Algumas questões filosóficas formuladas na Grécia Antiga ainda perduram


no pensamento ocidental. A psicologia se afastou da filosofia ao adotar o
método científico, entretanto, podemos ainda identificar estas indagações
filosóficas centrais perpassando entre suas mais variadas investigações. So-
bre algumas destas questões filosóficas profundas que perduram na psico-
logia, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Na psicologia científica, o determinismo é um princípio mais coerente com


a perspectiva empírica, o que permite explicações do comportamento. Em
contraste com o livre-arbítrio, pode ser considerado como mera ilusão.

36
( ) O dualismo como explicação do problema mente-cérebro é atualmente a
melhor proposta para entendermos a relação entre estas duas dimensões da
constituição humana, pois, é coerente com a lei da conservação da matéria.
( ) O problema da natureza-criação refere-se à dificuldade de estabelecer com
precisão as causas de determinados comportamentos, características da perso-
nalidade e transtornos psicológicos como sendo da genética ou do ambiente.
( ) Podemos verificar, por meio de técnicas de imageamento, a atividade
cerebral com grande precisão, o que mostra uma relação estreita entre
eventos psicológicos e tais atividades, permitindo maior compreensão do
problema mente-cérebro.

Assinale a seguir a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – F – V.
b) ( ) F – F – F – V.
c) ( ) V – F – V – V.
d) ( ) V – V – F – F.

4 A origem da psicologia, como a entendemos atualmente, é geralmente da-


tada de 1879, quando o médico e pesquisador sensorial Wilhelm Wundt
criou o primeiro laboratório de psicologia em Leipzig, Alemanha. Os in-
teresses amplos de Wundt variaram entre muitos fenômenos psicológicos.
Disserte sobre os interesses e contribuições de Wilhem Wundt para a nova
ciência da psicologia.

5 Muitos, se não a maioria das crianças, têm problemas acadêmicos em um mo-


mento ou outro. Os psicólogos escolares são especialistas na condição psicoló-
gica de alunos, geralmente da Educação Infantil até a conclusão do Ensino Mé-
dio. Disserte sobre o que fazem os psicólogos que atuam na psicologia escolar.

37
38
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

1 INTRODUÇÃO

A psicologia está presente em muitos aspectos de nossas vidas. Talvez


você já tenha se deparado com as seguintes questões: por que esquecemos even-
tos traumáticos? Como nossos pais influenciam em nossa educação enquanto
adultos? Um homem pode desempenhar as mesmas funções que uma mulher no
mercado de trabalho? Por que nos sentimos deprimidos? Como as influências am-
bientais interferem no bem-estar humano? Por que a religião é importante para os
homens? Por que temos medo da morte? Por que guardamos tantas lembranças?
Por que nos sentimos tão motivados para algumas situações e desmotivados para
outras? Como brotam as vontades?

Essas e outras questões referentes aos nossos sentimentos, emoções, atitu-


des, comportamentos, motivações e cognição fazem parte da dimensão subjetiva e
estão presentes, cotidianamente, em nossas vidas. Tudo isso interessa à psicologia.

Neste tópico, apresentaremos os principais domínios do saber que dia-


logam com as psicologias. A filosofia, as ciências da religião e a arte constituem
saberes essenciais e desafiadores para a psicologia. Vamos conhecer melhor esses
domínios do saber e como se relacionam com a psicologia.

Preparado para desbravar e refletir? Então, vamos aos estudos!

2 PSICOLOGIA E FILOSOFIA: HISTÓRIA E CONCEITOS


A psicologia — assim como todas as ciências — nasce da filosofia. Esta é
considerada a “mãe de todas as ciências”. Sua ligação com a psicologia é próxima,
pois possui na raiz de sua origem as ideias de muitos filósofos gregos. A origem
do termo psicologia é grega: psyché (alma) e logos (razão, estudo), significando,
portanto, o estudo da alma. O símbolo da psicologia corresponde à vigésima
terceira letra do alfabeto grego, psi (Ψ).

39
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

FIGURA 3 – SÍMBOLO DA PSICOLOGIA

FONTE: <https://bit.ly/3miSH6z>. Acesso em: 31 ago. 2021.

A etimologia da palavra psicologia pode revelar o desejo que a filosofia e


a própria psicologia possuem em comum: conhecer “o que é homem”. A psico-
logia busca estudar a pessoa, particularmente sua dimensão interior — e assim
também é com o pensamento filosófico. Segundo Vaz (2010, p. 171), “no campo
filosófico, a interrogação sobre o homem torna-se o tema dominante na época da
sofística antiga (século V a.C.) e, a partir de então, acompanha todo o desenvolvi-
mento histórico da Filosofia Ocidental”.

A filosofia emerge com os filósofos pré-socráticos (século VI a. C), os quais espe-


culavam sobre a constituição do cosmos (universo). Os filósofos antes de Sócrates tinham
a tarefa de reduzir o universo a elementos mais simples, pois acreditavam na complexi-
dade como aparência e na simplicidade como essência. Afirmavam que os princípios que
regulam a organização do mundo também atuam sobre a existência humana.

Tales de Mileto (640-548 a.C.) foi um dos primeiros filósofos gregos a susten-
tar que tudo era constituído por uma substância básica: a água. Heráclito (535- 475
a.C.), por outro lado, sustentava que todas as coisas que existem no cosmos se cons-
tituem pelo fogo e a realidade é um eterno devir. Para ele, tudo no mundo é instável
sobre transformações, processos como o psicológico. Demócrito (460-370 a.C.) sus-
tentou que o cosmos é constituído por átomos de alma e átomos de corpo (ambos
materiais), que permanecem em movimento. Os pensamentos e atos humanos, todos
os acontecimentos naturais, são determinados de forma rígida e se movem de acordo
com uma lei (materialismo, determinismo). Anaxágoras (499-428 a.C.) afirmava que
nada é permanente e fixo; tudo está sobre uma mudança relacional. Há, portanto, um
princípio ordenador no universo, semelhante à inteligência humana.

Nesse sentido, os pensadores pré-socráticos buscavam fundamentar suas


teorias na observação do universo e por isso eram considerados cosmólogos ou
naturalistas. Com Sócrates (436-338 a.C.), a filosofia se consolida e passa a ter
um método mais sofisticado. Sócrates é considerado o fundador da antropologia
filosófica e da filosofia moral. A visão de homem, segundo o pensamento de Só-
crates, apenas tem sentido ou explicação se olharmos para o seu interior, ou seja,
a sua dimensão de interioridade presente em cada homem, pois é nessa dimensão
que é encontrada a psyché (alma). Para o filósofo ateniense, a alma é uma espécie
de lugar, de morada para a areté (excelência, virtude) e que possibilita medir o ho-
mem segundo a dimensão interior em que reside a verdadeira grandeza humana.
40
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

Nesse sentido, é na alma que se encontra a opção profunda que orienta a


vida humana, que faz do homem justo ou injusto, bom ou mau, honesto ou deso-
nesto, virtuoso ou corrompido pelos vícios. É na alma que se “constitui a verda-
deira essência do homem, sede de sua verdadeira areté” (VAZ, 1991, p. 34). Para
o filósofo grego, o homem é a sua alma e a alma do homem é a sua razão. Assim,
com Sócrates o conhecimento verdadeiro está no próprio eu. Para ele, este é o
conhecimento útil para os homens: é conhecer a si para ser um cidadão virtuoso.
O processo de conhecer a si é um trabalho difícil e árduo e exige o máximo de si.
É um processo que não se completa, sendo a via legítima para uma vida virtuosa.

Nesse sentido, Sócrates não desprezou o corpo para valorizar a alma. Pelo
contrário, para o filósofo, a alma só podia ser melhor compreendida se olhada
juntamente ao corpo. A principal preocupação de Sócrates era levar as pessoas,
por meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem.

O filósofo grego Platão (427-348 a.C.), discípulo de Sócrates, estabeleceu,


em sua teoria da reminiscência, a distinção entre alma (mente) e corpo. O pensa-
mento de Platão deriva de sua teoria do mundo das ideias, no qual concebe uma
separação radical entre corpo e alma. Segundo a perspectiva metafísica de Platão,
essa oposição entre alma e corpo existe porque o corpo é entendido como uma
“tumba” da alma, uma espécie de cárcere, em que o homem está condenado a
pagar suas penas. Essa visão negativa do corpo é derivada do elemento religioso
presente do orfismo, com grande influência no pensamento de Platão.

FIGURA 4 – O FILÓSOFO GREGO PLATÃO

FONTE: <bit.ly/3ehtWmP>. Acesso em: 10 abr. 2020.

41
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

NTE
INTERESSA

Segundo Abbagnano (2007), o orfismo consistiu em uma seita filosófico-reli-


giosa bastante difundida na Grécia, a partir do século VI a.C. e que se julgava fundada por
Orfeu. Segundo a crença fundamental da seita, a vida terrena era uma simples preparação
para uma vida mais elevada, a qual podia ser merecida por meio de cerimônias e de ritos
purificadores, que constituíam o arcabouço secreto da seita.

Essa crença passou para várias escolas filosóficas da Grécia Antiga (Pitágoras, Empédocles, Pla-
tão), todavia, a importância que alguns filólogos e filósofos dos primeiros decênios do século XX
atribuíram ao O. na determinação das características da filosofia grega não é mais reconhecida.

FONTE: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad. I. C. Benedetti. São Paulo: Martins


Fontes, 2007. p. 732.

Platão realizou a primeira síntese metafísica do pensamento filosófico gre-


go. Ele harmonizou o mundo sensível da physis (natureza) trabalhado pelos filó-
sofos pré-socráticos com o mundo inteligível das ideias e fez do homem, ou, mais
precisamente, da psyché humana, a mediadora da síntese. Para Platão, a reflexão,
a meditação, o exame de si e a introspecção racional são meios mais eficazes para
discernir e conhecer a verdade. Para ele, a verdade é da ordem do mundo das
ideias, enquanto o mundo terreno é repleto de ilusões e aparências. Platão valo-
rizava as ideias e estas possuem caráter permanente, ou seja, não são passageiras
e efêmeras. Já o corpo (objeto) é imperfeito por ser mutável e corruptível. Por
exemplo, a ideia de beleza é permanente e perfeita, mas as coisas consideradas
belas só são belas em relação às outras.

Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, opôs-se ao seu mestre na


medida em que não considerava uma distinção definida entre alma e corpo, pois
um não existe sem o outro. Aristóteles é considerado um dos fundadores da an-
tropologia como ciência, sendo o primeiro a realizar uma síntese científico-filosó-
fica em sua concepção de homem. Segundo Vaz (1999), em termos gerais, pode-se
dizer que a concepção de homem em Aristóteles caminhou desde um platonismo
da psyché até um monismo hilemórfico (alma como forma do corpo). A noção
antropológica de Aristóteles considera que o homem tem o seu lugar definido na
hierarquia da natureza (physis), ao contrário da concepção finalista de seu mes-
tre Platão, que situara o homem no plano do inteligível (mundo ideal). Para Vaz
(1991), Aristóteles define sua antropologia filosófica a partir de quatro aspectos
fundamentais: a estrutura biopsíquica do homem ou teoria da psyché; homem
como zôon logikón (animal lógico); homem como ser ético-político; e, por fim, ho-
mem como ser de paixão e de desejo.

42
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

NTE
INTERESSA

Você sabia que o filósofo Aristóteles foi contratado para cuidar da educação
de Alexandre, o Grande?

Recentemente, a escritora Annabel Lyon (2010) lançou um livro que recria a relação entre
o filósofo e o imperador, colocando o foco na vida de Aristóteles, reconhecido como um
dos fundadores da filosofia ocidental. A narrativa tem início quando Aristóteles se vê força-
do a adiar o sonho de suceder Platão como o líder da Academia em Atenas para atender
ao pedido de Filipe, da Macedônia, tornando-se tutor de seu filho, Alexandre.

No início, o filósofo fica horrorizado com a perspectiva de ficar preso naquele lugar distante
e atrasado de sua infância, mas logo se sente atraído pelo potencial intelectual do menino e
por sua capacidade de surpreender. O que não se sabe é se suas ideias foram suficientes para
a cultura guerreira incutida em Alexandre desde menino. A obra O filósofo e o imperador in-
vestiga como o gênio de Aristóteles afetou o garoto que iria conquistar o mundo conhecido.

A concepção de homem no período cristão medieval se situa entre os séculos


VI e XV, desdobrando-se em duas principais vertentes: a tradição bíblica e a tradi-
ção filosófica grega. Nesse período, a noção de homem esteve estritamente vincula-
da ao pensamento teológico cristão. O pensamento teológico cristão é aprofundado
por dois principais filósofos e teólogos da Igreja, Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino. Assim, a noção de homem no mundo medieval esteve associada à revelação
divina. A cultura na Idade Média era, por excelência, teocêntrica, ou seja, Deus era a
centralidade de todas as ações, o valor supremo e o motor da história.

Nesse período, o homem era visto como criatura de Deus, como um ser
definido na relação com o transcendente. O homem é pensando sob a perspec-
tiva teológica cristã, e, portanto, toda a cultura se estrutura no entorno de uma
racionalidade bíblica, na qual a atividade filosófica deveria estar submetida aos
desígnios da fé. A antropologia patrística se desenvolveu nos dois primeiros sé-
culos da civilização ocidental, em oposição a algumas correntes filosóficas que
tinham como base o gnosticismo. O gnosticismo representava um desafio para a
antropologia patrística, pois pregava um dualismo que implicava na condenação
da matéria como um princípio do mal.

O que destaca Agostinho (354-430) de todos os outros pensadores antigos é


que, para ele, a busca da verdade nasce no íntimo de uma experiência pessoal, a qual
aparece atrelada com a própria expressão teórica da verdade. Logo, é o primeiro pen-
sador a afirmar que o pensamento do ser é inseparável da descoberta do eu.

43
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

NTE
INTERESSA

Você já ouviu falar em maniqueísmo?

O maniqueísmo é uma doutrina do sacerdote persa Mani, que viveu no século III e se pro-
clamou o paracleto — aquele que devia conduzir a doutrina cristã à perfeição. É uma mistura
imaginosa de elementos gnósticos, cristãos e orientais, sobre as bases do dualismo da reli-
gião de Zoroastro. Admite dois princípios: um do bem, ou princípio da luz, e outro do mal,
ou princípio das trevas. No homem, os dois princípios são representados por duas almas: a
corpórea, que é a do mal, e a luminosa, que é a do bem. Pode-se chegar ao predomínio da
alma luminosa por meio de uma ascese particular, a qual consiste em três selos: abstenção
de se alimentar de carne e de manter conversas impuras; a abstenção da propriedade e do
trabalho; e abster-se do casamento e do concubinato. Seu grande adversário foi Santo Agos-
tinho, que dedicou grande número de obras a sua refutação (ABBAGNANO, 2007).

FONTE: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São


Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 641.

Agostinho de Hipona afirma que o ser humano tem pela razão (inteli-
gência) uma abertura para a verdade e pela vontade uma abertura para o bem.
Nesse sentido, a dimensão interior do ser humano busca a verdade e o bem, pois
todos os homens estão abertos a esse encontro. O ser humano, por sua vez, busca
constantemente a verdade e que o bem possa dar sentido a sua existência, para
se manter em constante descoberta e desvendamento dos mundos interior e exte-
rior. Para Agostinho, quanto maior o afastamento do homem de si próprio, me-
nor será sua possibilidade de encontrar a verdade e o bem. O ser humano deve,
então, partir em busca da verdade no mais íntimo de si, pois poderá encontrar
nesta relação seu sentido.

A psicologia, grosso modo, é o estudo do ser humano, com atenção para


a interioridade humana. Assim sendo, Agostinho de Hipona fornece uma con-
tribuição para o autoconhecimento pessoal, visto que é necessário o homem se
conhecer para encontrar a verdade e o bem, consequentemente o sentido da exis-
tência humana. A psicologia poderá propiciar um maior contato com a dimensão
interior humana e a uma aproximação do eu que habita no “coração humano”.

A relação do pensamento filosófico com a psicologia se fortalece na Época


Moderna. No início da Época Moderna, no século XVII, surge o racionalismo.
O racionalismo é uma perspectiva cultural cuja preocupação fundamental é: o
que garante a certeza e a objetividade do conhecimento humano? Para os racio-
nalistas, a experiência só tem sentido à luz de um mundo ideal. Eles acreditam
na existência de um mundo de essências e de verdades puras, as quais, intuídas
pela inteligência do homem, são o suporte de todo conhecimento válido. Logo, o
homem só pode chegar à verdade por meio da razão.

44
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

O filósofo René Descartes (1596-1650) é considerado o “pai do racionalismo


moderno”. Para Descartes, a fé e a tradição, ou conhecimento sensível (aquele que os
sentidos nos fornecem), não são dignos de crédito absoluto. Logo, só a razão é capaz
de fornecer a verdade. A razão será o guia para o homem na sua empreitada pela
busca da verdade. Descartes considera que boa parte do saber tradicional provenien-
te da experiência sensível se revela enganador e incerto. Portanto, para Descartes, não
há qualquer tipo de saber que se mantenha, quando submetido à força da dúvida.
Para ele, a dúvida metódica é o método mais eficaz para buscar a verdade.

A psicologia inicial era considerada como o estudo da alma (no senti-


do cristão do termo). A forma filosófica moderna da psicologia foi fortemente
influenciada pelas obras de Descartes e pelas discussões geradas. As mais rele-
vantes foram as objeções as suas Meditações sobre a Primeira Filosofia (1641).
Também importantes para o desenvolvimento posterior da psicologia foram suas
obras Paixões da Alma (1649) e Tratado sobre o Homem (1632).

René Descartes afirma a existência da alma como uma entidade separada e


independente do corpo. Segundo Descartes, o nosso corpo é como um motor de au-
tomóvel que continua o seu trabalho sem a supervisão da alma e, assim, o corpo e a
alma são separados. Para o filósofo francês, só podemos aceitar como verdadeiras,
ideias claras e distintas. Essas ideias formam o fundamento da ciência. O homem só
pode conhecê-las voltando-se para si, por meio da reflexão. A única maneira clara e
distinta do eu pensar a alma é como princípio de pensamento (res cogitans) e a única
maneira de se pensar o corpo é concebê-lo como extensão (res extensa). Ele afirmou
que o processo de duvidar é a prova de existência da alma. Dito de outro modo, a
alma deve existir em mim, pois posso pensar e pensar é a principal função da alma.

O filósofo moderno Immanuel Kant, no século XVIII, elaborou uma crítica


ao racionalismo e ao empirismo. Para Kant, as questões últimas da filosofia são as
seguintes: “que posso saber?”, voltada à metafísica; “que devo fazer?”, à moral;
“que devo esperar?”, à religião; e “que é o homem?”, à antropologia. Segundo
Kant, as três primeiras perguntas referem-se à última. A filosofia, para o filósofo,
converte-se em antropologia. O último fim da filosofia é que o homem se conheça.
O objeto supremo da metafísica é a pessoa humana. A partir do pensamento kan-
tiano, a questão sobre o ser humano se torna central em toda reflexão filosófica,
isto é, o ápice de todo discurso filosófico se dará na antropologia.
Nasce, também com Kant, a figura do sujeito cognoscente: aquele que
conhece, desvenda e enuncia verdades; "duplo" da filosofia e da ci-
ência modernas: ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento,
núcleo da epistemologia clássica, que permanece ainda no centro das
epistemologias contemporâneas, de forma revisitada. Apesar da tradi-
ção crítica que liga Nietzsche e Foucault levantar esta questão ao longo
do século XX, ainda não foi superado esse lugar central do sujeito nos
jogos de produção do conhecimento, onde toda a verdade ainda re-
mete e retorna a ele. Sujeito cognoscente, transcendental e universal,
porque não é nenhum sujeito concreto em especial e sim, uma abstra-
ção genérica que se refere a uma posição e não de um indivíduo, um
"descobridor genial" (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

45
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Assim, os estudos da filosofia moderna insistem em elaborar o melhor


discurso sobre o ser humano, buscando levar em consideração suas categorias de
estrutura, relação e unidade. No que se refere à categoria de estrutura ou níveis
ontológicos constitutivos, o ser humano é composto de corpo próprio, psiquismo e
espírito (dimensão espiritual, chamada por alguns autores também de mente). No
que diz respeito à categoria de estrutura, percebe-se a importância e a influência da
dimensão psíquica, pois é graças a ela que poderá acontecer a ligação entre as ou-
tras duas dimensões. Segundo Vaz (1991), desde o começo de nossa reflexão sobre
o psiquismo ele aparece como situado numa posição mediadora entre o corporal e
o espiritual. Além disso, o psiquismo é responsável por interiorizar as experiências
vividas pela dimensão corporal e exteriorizar o mundo interior do sujeito humano.
A passagem do estar-no-mundo para o ser-no-mundo, ou da presença
natural para a presença intencional, dá-se aqui no sentido de uma in-
teriorização do mundo ou da constituição de um mundo interior. Pelo
“corpo próprio” o homem se exterioriza ou constitui sua expressão ou
figura interior, e o Eu corporal é como que absorvido nessa exteriori-
zação. Pelo psiquismo o homem plasma sua exteriorização ou figura
interior, de modo que se possa falar com propriedade do eu psíquico
ou psicológico (VAZ, 1991, p. 169).

Portanto, o estudo da dimensão psíquica é fundamental para uma lapida-


ção dos estudos antropológicos filosóficos. O psiquismo faz acontecer o encontro
da unidade entre os polos da dimensão humana e ainda aprofundar as expres-
sões interiores do homem.

Podemos dizer que filosofia e psicologia possuem estreita relação e neces-


sitam ser constantemente estudadas para um melhor aproveitamento da antropo-
logia. Ademais, ambos os estudos podem propiciar ao homem maior autoconhe-
cimento de si e melhorar as relações intersubjetivas.

3 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: DIÁLOGOS


É comum encontrarmos, no senso comum, pessoas afirmando que psicó-
logos são envolvidos com coisas ocultas, que podem acessar vidas passadas, pos-
suem a capacidade de prever o futuro, que ignoram a religião, ou que se opõem
a ela. Na verdade, a psicologia não é avessa à religião, muito pelo contrário: o
fenômeno religioso é estudado pela psicologia. Você sabia que existe uma área do
conhecimento dedicado a este assunto? Trata-se da psicologia da religião.

Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) é considerado o fundador da psi-


cologia científica. O ano de 1879 marca o surgimento da psicologia, com a inaugu-
ração do Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Leipzig, na
Alemanha. Além de um laboratório, o empreendimento concretizado por Wundt
se tornou o primeiro centro internacional de formação de psicólogos (ARAUJO,
2009). Ele se propôs a criar uma psicologia científica e contou com a coopera-
ção de outros pesquisadores para definir o objeto de estudo, campo de atuação,

46
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

métodos e teorias para a psicologia. “A definição de psicologia apresentada por


Wundt pode ser assim resumida: a psicologia é uma ciência empírica cujo objeto
de estudo é a experiência interna ou imediata” (ARAUJO, 2009, p. 211).

FIGURA 5 – WILHELM MAXIMILIAN WUNDT

FONTE: <https://bit.ly/3F9Vs2P>. Acesso em: 31 ago. 2021.

NOTA

Quem foi Wilhelm Maximilian Wundt?

Filho de um pastor luterano, foi médico e se dedicou a desmembrar a psicologia da filoso-


fia. Graduado em medicina, especializou-se em fisiologia e estudou filosofia. Sua carreira
perdurou 65 anos, nos quais escreveu diversos livros e artigos. Wundt teceu considerações
a respeito da religião, como de que a psicologia poderia contribuir para desvendar mis-
térios psicológicos da religião. Para ele, a origem da religião estava relacionada com os
processos emocionais (ÁVILA, 2007).

Religião e ciência são áreas marcadas por conflitos ao longo da história do


pensamento ocidental. Entretanto, Paiva (2002) afirma que uma análise histórica
sobre as relações entre ciência e religião revela que nem sempre se atritaram, seja
na área acadêmica ou na religiosa. Houve muitos momentos de diálogo entre elas.
Ciências da religião pressupõem um campo complexo e importante que vai além
de uma simples disciplina. Configura uma área plural e multidisciplinar, a qual
demanda que os cientistas possuam saberes múltiplos, construam o conhecimento
e a integração de várias linguagens e sejam abertos para a compreensão da
diversidade (PINTO, 2008).

47
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

O estudo da religião e das religiões, que propõe uma reflexão sobre


o fenômeno religioso em geral e as características de cada religião no
marco do tempo e do espaço (levando em conta tanto as transforma-
ções constantes como as mútuas interações) apresenta um grau de
complexidade e sofisticação somente abarcável desde a diversidade:
de perspectivas, de aproximações, de métodos. Mas, a par disso, tal
diversidade, para não se diluir e se desvirtuar em uma infinidade de
enfoques excludentes de camarilhas impermeáveis de especialistas,
parece requerer a constituição de uma disciplina de síntese que se
sustente em bases metodológicas próprias e estritas (VELASCO; BAL-
ZAN, 2002 apud PINTO, 2008, p. 72).

Para realizar uma reflexão satisfatória sobre religião, o cientista da área deve
possuir cultura ampla e geral, um conhecimento básico a respeito dos diálogos das
várias ciências com a religião, isto é, uma visão abrangente. Concomitantemente,
é necessário se aprofundar na sua área. Embora pareça contraditório, o campo das
ciências da religião apresenta uma peculiaridade: não basta que o cientista domine
sua área e a relação desta com a religião. É imprescindível que todos os integrantes
das ciências da religião construam conhecimentos suficientes de filosofia, teologia,
sociologia da religião, antropologia da religião, história da religião, dentre outros
saberes relacionados à religião, como a psicologia (PINTO, 2008).

FIGURA 6 – PSICOLOGIA E RELIGIÃO

FONTE: <https://bit.ly/3A2FKCV>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Afinal, o que é a religião? Para Berger (1990), o sagrado é estabelecido a partir


de uma qualidade de poder misterioso e temeroso, distinto do homem, mas rela-
cionado a ele, que se acredita residir em certos objetos da experiência. Dessa forma,
os objetos têm as mais variadas configurações simbólicas, podendo ser um animal,
um ser humano ou mesmo objetos naturais ou artificiais, como pedras, alimentos.
O fenômeno religioso é algo que “salta para fora das rotinas normais do dia a dia”
(BERGER, 1990, p. 39), em que o cosmos sagrado transcende e abarca o homem, do-
tando-o de significados. Por outro lado, o profano pode ser todos os fenômenos cuja
presença se estabelece pela ausência do caráter sagrado, sendo o antônimo daquele.

Na análise de Bowker (2000), as religiões se firmam por meio das narrati-


vas, nas quais a informação é colocada em palavras, liturgias, festivais e peregri-
nações. As religiões foram compreendidas, ao longo da história, como grandes

48
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

contos em que as pessoas aprendem e traduzem a biografia de suas próprias vi-


das. Como em outras histórias que se firmaram por meio da tradição oral e escri-
ta, a do universo religioso traz, em si, representações que traduzem a ideia de um
grupo, a construção de uma história, a memória de uma sociedade.

Vianna (2014) ensina que a religião se apresenta como uma rede de símbolos,
permeando e construindo a cultura. Com o passar dos séculos, os símbolos, de tan-
to serem compartilhados, repetidos, usados com sucesso nos mais diversos grupos
humanos, nós os reificamos, passamos a tratá-los como se fossem coisas. Passaram
a constituir a realidade e não foram mais encarados como hipóteses da imaginação,
perpetuando, assim, de geração em geração, ideias de crença e de conduta.

Para Vianna (2014), questionar o que é religião ou o que significa ser religio-
so marcou trajetórias desde o princípio, perante tais estudos. A palavra latina reli-
gio significa algo realizado com atenção minuciosa ou escrupulosa para o detalhe e
desse uso passou a designar o que entendemos por religião, devido ao modo como
foram feitos os sacrifícios nos tempos antigos. O filósofo e poeta Lactâncio (240-320)
afirmava que o termo religião vem de religare, ou seja, “religar” os seres humanos a
Deus. Mais tarde, Agostinho de Hipona, em sua célebre obra A Cidade de Deus (426)
diz que religio deriva de religere, ou seja, "reeleger". Para Agostinho, por meio da
religião, a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Bowker
(2000) assinala para o fato de que as religiões unem as pessoas em práticas e crenças
comuns, aproximando-as por meio de um objetivo de vida.

Bowker (2000) afirma que a palavra latina cultus (que significa adoração
aos deuses ou a um ser supremo) está na origem dos termos culto e cultura. Para
o autor, culto e crença constituem o fundamento da cultura. Dessa maneira, a cul-
tura é a fonte de proteção nas religiões. Com seus diferentes modelos de crenças
e práticas, as religiões seriam os mais primitivos sistemas culturais que se tem co-
nhecimento acerca da proteção e criação dos filhos, como da continuidade genéti-
ca. As religiões se constituíram de memórias cheias de significados que marcaram
a evolução humana, passando, de geração em geração, símbolos, rituais, temores
etc. Temos estabelecida uma carga histórica devido aos cultos, às divindades pra-
ticadas desde os primórdios da história humana.

Como é possível estudar as religiões diante de sua complexidade e am-


plitude? As ciências da religião se constituem em um campo multidisciplinar,
plural. Qual é o objeto de estudos das ciências da religião? Para Pinto (2008), é
a própria religião. Parece tautológico, mas o autor justifica seu posicionamento:
Não é a religiosidade ou as religiões. É a religião, assim mesmo, no
singular, genérico, suficientemente vago para caberem nesse termo a
religiosidade, a espiritualidade, os mitos, os rituais, a linguagem, as
religiões, as pessoas de vida religiosa, a moral e a ética religiosas, o
simbolismo religioso, enfim, tudo o que se refira ou que contenha reli-
gião (PINTO, 2008, p. 72).

49
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Por esse motivo, os cientistas desta área do saber precisam ter boas noções
de tantas disciplinas. Estudar religião é muito complexo e para que o olhar sobre
o objeto não seja reducionista, é necessário dialogar com vários campos. Acres-
centar o olhar da psicologia ao binômio “ciência e religião” favorece a compreen-
são da extensão da ciência natural e biológica para a ciência humana, e da dimen-
são psicológica que liga o cientista à religião e o religioso à ciência (PAIVA, 2002).

A psicologia é uma das diversas ciências que compõem as ciências da reli-


gião. São inúmeras as contribuições que a psicologia pode oferecer às ciências da
religião, embora sua participação nesse campo ainda seja tímida. O caminho para
a participação mais efetiva e contributiva é a psicologia da religião. Para muitos, é
uma área desconhecida — para outros, o conhecimento sobre ela se limita às no-
ções superficiais dos teóricos Carl Jung e Sigmund Freud. Entretanto, a psicologia
da religião está em expansão e já conta com muitos outros teóricos que trabalham
para seu avanço (PINTO, 2008).

Pode-se dizer que a psicologia da religião é uma disciplina não apologéti-


ca e não confessional que estuda as experiências religiosas individuais e coletivas
e seu reflexo no amadurecimento humano e religioso das pessoas e das comu-
nidades. Nesse sentido, o objeto de estudo da psicologia da religião, conforme
Massih (2007), é a experiência religiosa, de modo que se pretende entender o
fenômeno religioso desde as motivações, experiências, atitudes e dinâmicas afeti-
vas e cognitivas presentes nos comportamentos religiosos.

Para Aletti, Fagani e Rossi (2006), a psicologia da religião é orientada para


o funcionamento da psique diante da religião. Por esse motivo, para o pesquisa-
dor, a psicologia da religião deve estudar as estruturas e os processos (as regu-
laridades e as especificidades) da atitude da pessoa religiosa, assumidas como
substancialmente estáveis, em nível intrapsíquico, do indivíduo, e comuns e com-
paráveis em nível interpsíquico, com os indivíduos e com os grupos.

Valle (1998) destaca que a psicologia da religião é o estudo do motivo e de


como alguns fenômenos religiosos acontecem e são vivenciados psicologicamen-
te por um sujeito. Ele indaga sobre a estrutura psicológica que está por trás das
formas de vivência e de experiência religiosa. Desse modo, para o autor, o objeti-
vo da psicologia da religião é descrever e explicar psicologicamente a estrutura e
a dinâmica do agir religioso do ser humano.

Por outro lado, Belzen (2006) admite que o propósito da psicologia da reli-
gião é utilizar os instrumentos psicológicos (teorias, conceitos, insights, métodos
e técnicas) para analisar e compreender a religião. Nesse sentido, a psicologia da
religião deve ser neutra diante de seu objeto. Para ele, a psicologia da religião não
pretende promover nem combater a religião, apenas analisá-la e entendê-la. Não
é uma psicologia religiosa, da mesma maneira que também a chamada psicologia
pastoral não pode ser qualificada como uma psicologia da religião.

50
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

Podemos observar que não há consenso entre pesquisadores, visto que a


psicologia não é uma ciência una. Encontramos na psicologia da religião diversos
pontos de vista e diferenças quanto ao seu objeto de estudo. Valle (1998) reconhece
na psicologia da religião duas tendências ou posturas básicas: a primeira tendência
segue linha explicativa, empírica, experimental, objetiva, voltada para o consciente
e o sociológico; já a segunda tendência segue na direção de uma leitura introspecti-
va, descritiva, qualitativa, atenta à subjetividade e ao profundo (inconsciente).

Segundo o posicionamento do pesquisador Pinto (2008), fazem parte do


campo da psicologia da religião, além da espiritualidade e da religião enquanto
cultura, compreensões acerca da própria religião, com seus mitos, ritos e símbo-
los, compreensões quanto às instituições religiosas e de seus componentes, sem
esquecer que a psicologia da religião possui o que acrescentar quando se trata de
compreender e discutir a moral religiosa.

Para Paiva (2018), a psicologia da religião não é uma filosofia da religião e


nem pode ser uma teologia. Ela faz parte das ciências da religião, ou seja, refere-
-se a um conjunto de perspectivas teóricas, com base empírica, orientadas para o
estudo do comportamento religioso, individual e social, no presente e no passa-
do. Com suas teorias e métodos específicos, a psicologia da religião interage com
a antropologia, com a filosofia, a sociologia, a história e outras disciplinas, dentre
as quais, recentemente, a biologia, para entender e ajuizar o que há de psíquico no
comportamento denominado religioso. Isso ela faz estudando o comportamento
religioso da pessoa como indivíduo ou inserido em pequeno grupo, sob o enfo-
que da personalidade, do desenvolvimento, da sociabilidade, da patologia, no
nível do consciente e no do não consciente.

A maior dificuldade em estudar o comportamento religioso está na ten-


dência do pesquisador em buscar um denominador comum no que se chama de
religião. Essa tendência repousa no caráter nomotético da ciência. No caso da re-
ligião, a abstração conseguida pelo mínimo denominador comum, apesar de útil,
é insuficiente para alcançar o comportamento estudado, pois o “religioso” é es-
sencialmente diverso e assume diversas formas. Assim, Paiva (2018) sugere que o
pesquisador em psicologia da religião conheça com profundidade a religião que
estuda a manifestação, apoiando-se também em sua teologia. O pesquisador ainda
fornece um exemplo, que pode ser encontrado no número especial do Archive for
the Psychology of Religion, dedicado à psicologia da religião na Turquia muçulmana.
Para ele, o homo religiosus não é suficiente como objeto da psicologia da religião.

NTE
INTERESSA

Você sabia que nomotético literalmente significa proposição da lei?


No entanto, a expressão é utilizada na filosofia, na psicologia e no direito com significados distintos.

51
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Sobre a psicologia da religião, Paiva (2018) afirma que o Brasil é um cam-


po imenso para o estudo do comportamento religioso pela psicologia e por outras
ciências. Para ele, há uma extraordinária variedade de religiões substantivamente
definidas, desde as ameríndias até as de origem oriental, passando pelas de raízes
africanas, destacando as oriundas do cristianismo e incorporando expressões do
islamismo e do judaísmo, que parecem exigir a especialização do pesquisador.
Não é viável, todavia, conhecer a totalidade da variedade de religiões sem recor-
rer a um mínimo denominador comum.

Ainda, segundo esse autor, atualmente, a psicologia da religião está em alta


no cenário nacional e no internacional. Para o pesquisador, as associações, os even-
tos científicos, os periódicos, as publicações, o crescente intercâmbio entre pesqui-
sadores são provas disso. A discussão do papel público da religião, a importância
do enfrentamento religioso nas muitas exigências estressantes da vida, a associa-
ção, legítima ou ilegítima, da religião com vários movimentos sociais, inclusive de
caráter negativo, permitem prever crescente empenho desse ramo da psicologia.

Outro ponto a ser destacado é a questão da laicidade do Estado no Brasil.


A inserção da religião na política tem ensaiado pesquisas e diálogos da psicolo-
gia da religião com as instâncias profissionais, políticas e hospitalares. Segundo
Paiva (2018), esses diálogos certamente possuem maior iniciativa dos psicólogos
da religião a de outros agentes.

Para o pesquisador, não há dúvida de que, se a iniciativa da discussão


partisse dos agentes da política e da saúde, haveria maior densidade e criativida-
de da parte dos psicólogos da religião. É o que se evidenciou recentemente, com
a discussão da laicidade no exercício profissional da psicologia. Nesse sentido, o
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, desenvolveu, ao longo de 2016,
um amplo programa de reflexão sobre psicologia, laicidade e relações com a reli-
gião e a espiritualidade, que aproximou, por semelhança e contraste, a psicologia
acadêmica da religião da atuação profissional do psicólogo (CRP/SP, 2016).

Paiva (2018) considera que, mantendo o entendimento de que a psicologia


da religião busca o psíquico nas múltiplas formas do religioso, isso estará em con-
dição de pronunciar seus juízos de verdade, não sobre a religião, mas o psiquis-
mo que antecede, acompanha e segue o comportamento relacional do homem
com o sobrenatural, seja para acolhê-lo ou para rejeitá-lo.

4 PSICOLOGIA E ARTE: UM CAMINHO POSSÍVEL


Para Frayze-Pereira (1994), a aproximação entre a arte e a psicologia não
é um movimento recente, mas anterior ao próprio advento desta como disciplina
científica. Para o pesquisador, foi a própria estética que se abriu à psicologia por
vir. A estética foi formulada como disciplina no século XVIII, por Baumgarten,
fundamentando-se na ideia de que a beleza e seu reflexo nas artes representavam
um tipo de conhecimento sensível, confuso e inferior ao racional. Mais tarde, na

52
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

filosofia de Kant, a questão do belo se converteu na questão da experiência estéti-


ca, sendo diferentemente interpretada pelas diversas tendências teóricas do sécu-
lo XIX. Gradativamente, a estética filosófica abandonou o caráter metafísico para
se aproximar ao domínio experimental e psicológico. Na visão de Frayze-Pereira
(1994), no decorrer do século XIX, afirmava-se que toda experiência é estética e,
consequentemente, toda a arte se articulava segundo dois polos:

• Subjetivo: o sujeito, o artista ou o espectador que sente e julga.


• Objetivo: o objeto, aquelas manifestações que condicionam ou provocam o
que sentimos e julgamos.

Em sua fase inicial, a psicologia passou a se ocupar, quase exclusivamen-


te, do aspecto subjetivo, valorizando os elementos heterogêneos, como o prazer
sensível, os impulsos, os sentimentos e as emoções. Frayze-Pereira (1994) apon-
ta que o primeiro laboratório de psicologia fundado por Wundt, em Leipzig, é
considerado um marco importante na história da estética. Para o pesquisador, o
campo da psicoestética experimental nasce com Wundt, embora muitos pesqui-
sadores predecessores contribuíram para a estética indutiva.

Nesse sentido, segundo Frayze-Pereira (1994), o advento da psicologia como


disciplina está diretamente relacionado com a pesquisa de problemas cuja natureza
é de ordem estética, como os do limiar estético do crescimento, da unidade na va-
riedade, da ausência de contradição, de clareza, de associação, de contraste.

A psicologia da arte, em suas diversas vertentes (da experimental à psica-


nalítica), aprofunda-se e institucionaliza-se no início dos anos 1950. A maior con-
tribuição que desse movimento resulta é que não basta considerar os dois polos
da experiência estética: o subjetivo e o objetivo. Para Frayze-Pereira (1994), não é
possível esquecer que o sentido inerente a ela não reside apenas nos estados psí-
quicos do sujeito, nem deriva dos objetos como direta consequência de suas qua-
lidades físicas, pois a experiência estética tem um profundo caráter valorativo.

As teorias de Vygotsky (1896-1934) sobre a aprendizagem e de pessoas com


ou sem deficiência ganha notoriedade entre os pesquisadores da área da educa-
ção e de psicólogos. Sua produção no entorno da constituição social do psiquismo
evidenciou uma nova dimensão para a formação e atuação dos profissionais. En-
tretanto, há uma produção muito importante do psicólogo bielorrusso no campo
da arte, e que merece ser destacada. Em sua obra Psicologia da arte, Vygotsky (1999)
defende que a arte está em permanente relação com a realidade objetiva. Nessa
perspectiva, a arte está intrinsecamente ligada à vida, às relações sociais de deter-
minadas épocas, de modo que se pode compreender que o material para o conte-
údo e estilo artísticos são apreendidos da realidade e trabalhados por meio dela.

53
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

FIGURA 7 – LEV VYGOTSKY

FONTE: <neurociencia.udp.cl/vygotsky21>. Acesso em: 31 ago. 2021.

NOTA

Lev Vygotsky foi um psicólogo bielorrusso que realizou diversas pesquisas na área
do desenvolvimento da aprendizagem e do papel preponderante das relações sociais nesse
processo, o que originou uma corrente de pensamento denominada socioconstrutivista.

Após sua morte, suas ideias foram repudiadas pelo governo soviético e suas obras proibidas en-
tre 1936 e 1958, durante a censura do regime stalinista. Em consequência, seu livro Pensamento
e linguagem foi lançado no Brasil somente em 1962 e A formação social da mente em 1984.

Para saber mais, acesse: <ebiografia.com/lev_vygotsky>.

A obra de arte não se constitui uma cópia da realidade objetiva, mas é


algo novo, obtido pela ação criativa que se transforma em produto cultural. Nas
palavras do psicólogo, “a arte está para a vida como o vinho para a uva — disse
um pensador, e estava coberto de razão, ao indicar assim que a arte recolhe da
vida o seu material, mas produz acima desse material algo que ainda não está nas
propriedades desse material” (VYGOTSKY, 1999, p. 308).

54
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

FIGURA 8 – ARTE E PSICOLOGIA

FONTE: <eusemfronteiras.com.br/a-psicologia-e-a-arte>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Vygotsky (1999) recusa a concepção de arte enquanto contágio. Essa noção é


encontrada e defendida por Tolstói (1828-1910), o qual considera que a função má-
xima da arte é atingir as pessoas por meio do contágio daquilo que expressa, como a
alegria, a tristeza, o medo, a dor. Nesse sentido, Vygotsky considera que a função da
arte vai muito além do simples contágio. Para ele, a arte não altera apenas o humor
imediato das pessoas, mas objetiva sentimentos e outras potencialidades humanas.

A arte, portanto, é capaz de provocar alterações no psiquismo dos sujei-


tos, propiciando-lhes uma nova organização psíquica. Na visão de Vygotsky, isso
possibilita a elevação de cada indivíduo, da sua condição particular, entendido
como organismo simples, a um gênero humano universal. Nesse caso, pode ser
entendida a arte como síntese entre o biológico e o cultural, contendo em si um
conjunto de características humanas mais complexas e construído ao longo da
história, por meio do trabalho e da atividade (BARROCO; SUPERTI, 2014).

Na perspectiva de Vygotsky (1999), a arte pode ser compreendida como


produto cultural, mediador entre o sujeito e o gênero humano. Logo, quem pro-
duz arte, automaticamente nela se cristaliza complexas atividades mentais, as
quais podem ser apropriadas pelos demais seres humanos. Essa apropriação não
é mecânica e muito menos passiva.

Segundo Barroco e Superti (2014), é preciso que se dê a mediação das rela-


ções sociais junto ao fruidor, de modo que nele sejam projetados os movimentos
que a arte evoca. Essas relações sociais podem ser planejadas e executadas por
diferentes mediadores, como o professor, o qual ensinaria o complexo sistema
teórico e histórico dos signos estéticos; o psicólogo, podendo utilizar a arte como
ferramenta para promover desenvolvimento de diferentes funções psicológicas e
da própria personalidade; ou pelo crítico de arte, cuja explicação teórica do que
foi produzido pode conduzir à melhor apropriação da obra.

55
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Diante do exposto, Vygotsky (1999) destaca a necessidade de uma íntima re-


lação entre psicologia e arte, pois considera que esta manifesta a sociedade que lhe
dá origem e objetiva na obra, objeto cultural, características psicológicas complexas,
possibilitando a apropriação de tais características humanas pelos sujeitos. Pode-se
dizer que a natureza social da arte traz em si a relação com a psicologia, haja vista
que a sociedade e toda realidade humana é forjada pelos homens nas relações sociais,
por meio do trabalho e, nesse mesmo movimento, as funções psicológicas superiores
são elaboradas e objetivadas, em outras palavras, deixam de ser funções meramente
biológicas. Para Barroco e Superti (2014), ao se produzir arte e ao dela se apropriar,
funções psicológicas dos sujeitos também são formadas e desenvolvidas.

Sendo assim, a psicologia estabelece contato direto com a estética e exige


explicações daquela ciência para fundamentação desta filosofia, não no sentido
de que a ciência psicológica encerre a estética, mas de que faça contribuições.

Na visão de Vygotsky (1999), a ideia central da arte é o reconhecimento


da superação do material da forma artística ou, o que dá no mesmo, o reconhe-
cimento da arte como técnica social do sentimento. Ele explica que “o método de
estudo desse problema é o método analítico objetivo, que parte da análise da arte
para chegar à síntese psicológica: o método de análise dos sistemas artísticos dos
estímulos” (VYGOTSKY, 1999, p. 3).

Em sua concepção, a arte é vista como ação humana intencional, a qual


recria a realidade material e transforma o próprio sujeito, sob a noção da natureza
essencialmente social e histórica do psiquismo. Dessa maneira, a arte não pode
ser entendida como fruto de um homem só, o artista, mas como um objeto cultu-
ral, elaborado sob dada técnica construída socialmente, com dada temática para
objetivar os sentimentos e as demais capacidades mentais tipicamente humanas.
A arte é o social em nós e, se o seu efeito se processa em um indiví-
duo isolado, isto não significa, de maneira nenhuma, que suas raízes e
essência sejam individuais. [...] O social existe até onde há apenas um
homem e as suas emoções. [...] A refundição das emoções fora de nós
realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado
para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte,
que se tornaram instrumento da sociedade (VYGOTSKY, 1999, p. 315).

Vygotsky (1999) afirma que a arte sempre implica transformação e enfa-


tiza o seu sentido social, dizendo que a arte é o social em nós, pois cada um de
nós vivencia uma obra de arte, convertendo-se em pessoal, sem deixar-se de ser
social. Nesse sentido, o contato de cada sujeito com a música, uma pintura, um
poema, desperta apreciação que envolve aspectos cognitivos, efetivos e sociais
por meio de seus referenciais histórico-culturais.

Segundo Bronowski (1983), a obra de arte só existe quando a recriamos


para nós, ou seja, pressupõe a participação ativa e efetiva do sujeito no processo
de fruição. A partir dessa perspectiva, a arte pode oferecer oportunidades precio-
sas para trabalhos em psicologia e para a formação do psicólogo.

56
TÓPICO 2 — PSICOLOGIAS: FILOSOFIA, RELIGIÃO E ARTE

Frayze-Pereira (1994) afirma que a obra de arte não se reduz ao reflexo de


um real recortado previamente a toda intervenção humana, como também não
constitui um sinal de realidade localizável por outras vias e exprimível por outras
técnicas. A obra de arte não diz respeito a um universo de formas imutáveis. Ela
dá início a um processo de representação dialética entre o percebido, o real e o
imaginário. Sendo assim, não remete a um absoluto, mas aos devires humanos.

A perspectiva aberta pela psicologia da arte é a de evidenciar os princí-


pios de uma conduta própria ao homem, reguladores de uma estrutura ao mes-
mo tempo material e imaginária, no quadro e limites de seus poderes e de seus
conhecimentos em certo momento de sua história e em determinado círculo de
civilização (FRAYZE-PEREIRA, 1994).

Para esse autor, a psicologia social está se esforçando em todos os domí-


nios, das comunidades às organizações, das classes populares às elites, das várias
instituições às representações ideológica, descobrindo e interpretando, segundo
as modalidades mais adequadas, os fenômenos particulares que caracterizam e
diferenciam a vida dos indivíduos em sociedade, portanto, sem motivo para ex-
cluir as artes de suas preocupações. Contudo, demonstra, com base em inúmeras
publicações que fundamentam os estudos em psicologia da arte no contexto das
ciências sociais, que a abertura do psicólogo para a arte depende de sua disposi-
ção, como espectador da arte, para se introduzir no campo, correndo o risco da
vertigem e da perda de pontos fixos.

57
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A psicologia nasce da filosofia e esta é considerada a “mãe de todas as ciências”.

• A origem do termo psicologia é grega e significa o estudo da alma.

• A etimologia da palavra psicologia pode revelar o desejo que a filosofia e a


psicologia possuem em comum — conhecer “o que é homem”.

• A psicologia busca estudar a pessoa humana, particularmente sua dimensão


interior.

• Sócrates é considerado o fundador da antropologia filosófica e da filosofia


moral.

• Para Sócrates, a alma é uma espécie de lugar, de morada para a areté, o que
possibilita medir o homem segundo a dimensão interior em que reside a ver-
dadeira grandeza humana.

• Na perspectiva metafísica de Platão, a oposição entre alma e corpo existe por-


que o corpo é entendido como uma “tumba” da alma, uma espécie de cárcere,
em que o homem está condenado a pagar as suas penas.

• A noção antropológica de Aristóteles considera que o homem tem o seu lugar


definido na hierarquia da natureza, ao contrário da concepção finalista de seu
mestre, Platão.

• Para Agostinho, a busca da verdade nasce no íntimo de uma experiência pes-


soal que aparece atrelada com a própria expressão teórica da verdade, ou seja,
é o primeiro pensador a afirmar que o pensamento do ser é inseparável da
descoberta do eu.

• A relação do pensamento filosófico com a psicologia se fortalece na Época


Moderna.

• A forma filosófica moderna da psicologia foi fortemente influenciada pelas


obras de Descartes.

• A psicologia não é avessa à religião, muito pelo contrário — o fenômeno reli-


gioso é estudado pela psicologia.

• Wundt é considerado o fundador da psicologia científica.

58
• O ano de 1879 marcou o surgimento da psicologia, com a inauguração do
Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Leipzig, na Ale-
manha.

• As religiões se firmam por meio das narrativas, nas quais a informação é co-
locada em palavras, liturgias, festivais e peregrinações.

• A religião se apresenta como uma rede de símbolos, permeando e construin-


do a cultura.

• As ciências da religião se constituem em um campo multidisciplinar, plural.

• A psicologia é uma das diversas ciências que compõem as ciências da religião.

• A psicologia da religião é uma disciplina não apologética e não confessional


que estuda as experiências religiosas individuais e coletivas e o seu reflexo no
amadurecimento humano e religioso das pessoas e das comunidades.

• Na sua fase inicial, a psicologia passou a se ocupar, quase exclusivamente,


do aspecto subjetivo, valorizando os elementos heterogêneos, como o prazer
sensível, os impulsos, os sentimentos e as emoções.

• O advento da psicologia como disciplina está diretamente relacionado com a


pesquisa de problemas, cuja natureza é de ordem estética.

• A psicologia da arte, em suas diversas vertentes (da experimental à psicanalí-


tica), aprofunda-se e institucionaliza-se no início dos anos 1950.

• Vygotsky defende que a arte está em permanente relação com a realidade


objetiva.

• Segundo Vygotsky, a obra de arte não se constitui uma cópia da realidade


objetiva, mas é algo novo, obtido pela ação criativa que se transforma em
produto cultural.

• A arte é capaz de provocar alterações no psiquismo dos sujeitos, propiciando-


-lhes uma nova organização psíquica.

• Na perspectiva de Vygotsky, a arte pode ser compreendida como produto


cultural, mediador entre o sujeito e o gênero humano, e, em sua visão, a ideia
central de arte é o reconhecimento da superação do material da forma artísti-
ca ou o reconhecimento da arte como técnica social do sentimento.

• Na concepção de Vygotsky, a arte é vista como ação humana intencional que


recria a realidade material e transforma o próprio sujeito, sob a noção da na-
tureza essencialmente social e histórica do psiquismo.

59
AUTOATIVIDADE

1 O pensamento filosófico e a psicologia buscam estudar a pessoa humana,


particularmente sua dimensão interior. Segundo Sócrates, a visão de ho-
mem só possui sentido ou explicação se olharmos para o seu interior, ou
seja, a dimensão de interioridade presente em cada homem, pois é nessa
dimensão que encontramos a alma (psyché). Sobre o pensamento socrático,
analise as afirmativas a seguir:

I- Segundo o pensamento socrático, o homem é a sua alma (psyché) e a alma


do homem é a sua razão.
II- Sócrates é considerado o fundador da antropologia filosófica e da filoso-
fia moral.
III- Para o pensamento socrático, a alma (psyché) é uma espécie de lugar, de mo-
rada para a areté (excelência, virtude), o que possibilita medir o homem se-
gundo a dimensão interior em que reside a verdadeira grandeza humana.
IV- Para o pensamento socrático, o homem tem o seu lugar definido na hie-
rarquia da natureza (physis).

Assinale a seguir a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

2 O principal representante do racionalismo é o filósofo francês René Descar-


tes. Para ele, a fé e a tradição, ou conhecimento sensível (aquele que os sen-
tidos nos fornecem), não são dignos de crédito absoluto. Sobre a influência
de Descartes na psicologia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) René Descartes é considerado o fundador da psicologia enquanto ciência.


b) ( ) Na Modernidade, o pensamento filosófico se distancia da psicologia,
especialmente nas obras de René Descartes.
c) ( ) A forma filosófica moderna da psicologia foi fortemente influenciada
pelas obras de Descartes, em particular as Meditações sobre a Primeira
Filosofia, Paixões da Alma e o Tratado sobre o Homem.
d) ( ) A forma filosófica moderna da psicologia foi influenciada apenas pela
obra Tratado sobre o Homem, de René Descartes.

3 As ciências da religião pressupõem um campo complexo e importante que


vai além de uma simples disciplina. Configura uma área plural e multidis-
ciplinar, a qual demanda que os cientistas possuam saberes múltiplos, cons-
truam o conhecimento e a integração de várias linguagens e sejam abertos
para a compreensão da diversidade. Sobre a psicologia da religião, assinale
a alternativa CORRETA:
60
a) ( ) A psicologia da religião não faz parte das ciências da religião, pois é
uma ciência autônoma e busca compreender o fenômeno religioso por
meio de métodos próprios.
b) ( ) A psicologia da religião faz parte das ciências da religião, ou seja, refe-
re-se a um conjunto de perspectivas teóricas, com base empírica, orien-
tadas para o estudo do comportamento religioso, individual e social, no
presente e no passado.
c) ( ) O pesquisador em psicologia da religião deve se abster de qualquer
contato com a religião que estuda, pois o contato com a teologia atrapa-
lha a credibilidade de pesquisa.
d) ( ) A psicologia da religião deve sempre atuar na promoção da religião,
utilizando instrumentos psicológicos (teorias, conceitos, insights, méto-
dos e técnicas) para analisar e compreender a religião.

4 Na obra Psicologia da arte, Vygotsky defende que a arte está em permanente


relação com a realidade objetiva. Para o psicólogo, a arte está intrinsecamente
ligada à vida e às relações sociais de determinadas épocas. Nesse ponto de
vista, a obra de arte não se constitui uma cópia da realidade objetiva, mas é
algo novo, obtido pela ação criativa que se transforma em produto cultural.
Disserte sobre a relação entre arte e psicologia na perspectiva de Vygotsky.

5 A relação do pensamento filosófico com a psicologia se fortalece na Época


Moderna. No início da Época Moderna, no século XVII, surge o racionalis-
mo. Disserte sobre o que é o racionalismo e porque podemos perceber nesta
época uma aproximação do racionalismo com a psicologia.

61
62
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS:


ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

1 INTRODUÇÃO

No tópico anterior, você aprendeu que a religião está entre os objetos de


estudo da psicologia e que o psicólogo não pode desconsiderá-la. Por exemplo,
no contexto clínico, é possível que o paciente/cliente faça menção à religião, conte
sobre suas práticas com esta. Não cabe ao psicólogo convencer o paciente/cliente
a deixar tais práticas ou a adotar outras. Além disso, o psicólogo não pode mis-
turar religião ou misticismo em sua atuação com psicologia. Aqueles que ousam
misturar as coisas em termos profissionais são passíveis de expulsão do Conselho
Regional de Psicologia — CRP.

Nesse sentido, podemos afirmar que a psicologia é, antes de tudo, uma


ciência. No entanto, de que tipo? Quando foi sancionada como um saber científi-
co? Você sabia que a história da psicologia como ciência se desenvolveu por meio
da noção de ciência que Wundt e James utilizaram para diferenciar a psicologia
como ciência da psicologia como metafísica? A psicanálise pode ser considerada
uma ciência? De que trata a psicanálise? E a psiquiatria? Essas e outras questões
veremos com maior profundidade neste tópico.

Não deixe de aprofundar seus conhecimentos e refletir sobre o papel e a


importância da psicologia na história. Boa leitura!

2 O PROJETO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA


A psicologia foi proposta como ciência no final do século XIX por Wilhelm
Wundt e William James (1842-1910), com os quais o projeto da psicologia como
ciência se sistematizou e foi iniciada a construção da psicologia moderna. A
história da psicologia como ciência se desenvolve por meio da noção de ciência
que Wundt e James utilizaram para diferenciar a psicologia como ciência da
psicologia como metafísica. O que isso quer dizer?

63
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

NTE
INTERESSA

Você sabe o que significa metafísica?

Metafísica ou filosofia primeira constitui a parte mais importante de toda doutrina filosó-
fica, já que investiga os princípios e causas últimas da realidade, a essência do ser ou "o
ser como ser". Seu estudo deve partir de uma análise formal e abstrata da realidade e se
denomina ontologia ou metafísica geral.

No pensamento moderno, tende a dar o nome de metafísica a toda filosofia especulativa


que se ocupe de princípios não perceptíveis diretamente de modo empírico, como alma,
essência ou absoluto, ou que elabore concepções do mundo não suscetíveis de demons-
tração científica. Assim, na oposição clássica entre idealismo e materialismo, as escolas con-
temporâneas de tradição empirista — positivismo, filosofia analítica — tenderam a negar a
validade da metafísica como ciência, enquanto correntes como o irracionalismo, o existen-
cialismo e o intuicionismo, embora discordem dos critérios dogmáticos da metafísica tradi-
cional, admitem o caráter, de certo modo, metafísico de todo empreendimento filosófico.

Para saber mais, acesse: <filosofia.com.br/vi_dic.php?pg=1&palvr=M>.

Segundo Abib (2009), a pré-história da psicologia é a história da psicologia


metafísica. Portanto, a história da psicologia científica é a história sancionada,
validada, enquanto a pré-história da psicologia científica é considerada superada.
Logo no ponto de partida, o projeto científico da psicologia se bifurca,
pois Wundt e James apresentam concepções diferentes de ciência psi-
cológica, e, na sequência, o que o século XX testemunhou foi uma mul-
tiplicação de acepções de psicologia científica. Diante da proliferação
da psicologia moderna, a reflexão epistemológica sobre a psicologia
pertence ao gênero epistemologia pluralizada, ou teoria pluralizada
do conhecimento, o que significa dizer que a psicologia é conhecimen-
to plural. Decorre dessa reflexão que a história da psicologia é história
do conhecimento psicológico, um tipo de investigação que pertence ao
gênero história da cultura (ABIB, 2009, p. 196).

Wundt defende a tese de que a psicologia científica não deve se envol-


ver com a metafísica. O psicólogo procura afastar a psicologia moderna do dua-
lismo mente e corpo cartesiano (fazendo referência ao filósofo René Descartes),
como também das metafísicas materialistas e espiritualistas. Para ele, as metafí-
sicas materialistas e espiritualistas não interpretam a experiência psíquica à luz
da própria existência do sujeito, mas decorrem de pressuposições de processos
hipotéticos que ocorrem em um plano metafísico.

O psicólogo e filósofo Willian James, também conhecido como o “pai da


psicologia americana”, foi um crítico severo acerca do envolvimento da psico-
logia com a metafísica. Embora Wundt e James tenham concepções distintas de
ciência psicológica, ambos concordam neste ponto: de que a psicologia como ci-
ência deve se afastar de doutrinas e temas metafísicos. James sustenta que é ne-
64
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

cessário abandonar questões relativas à alma, ao ego transcendental, à fusão de


ideias. Para o psicólogo, tudo isso deve ser evitado, em prol do homem prático.
O homem prático é o educador, o médico, o diretor de presídio, o clérigo, aquele
que não está interessado nos temas metafísicos, os quais competem aos filósofos.
Logo, os homens práticos devem contribuir para melhorar as ideias, as disposi-
ções e a conduta de indivíduos sob suas responsabilidades.

FIGURA 9 – WILLIAM JAMES

FONTE: <revistacienciaemdebate.org/2019/02/17/30>. Acesso em: 31 ago. 2021.

NOTA

William James foi um filósofo e psicólogo americano e o primeiro intelectual a


oferecer um curso de psicologia nos Estados Unidos. James foi um dos principais pensadores
do final do século XIX e é considerado por muitos como um dos filósofos mais influentes da
história dos Estados Unidos, enquanto outros o rotularam como “pai da psicologia americana”.

Juntamente a Charles Sanders Peirce e John Dewey, é considerado uma das principais
figuras associadas à escola filosófica conhecida como pragmatismo; também é citado
como um dos fundadores da psicologia funcional.

Quer saber mais? Acesse: <revistacienciaemdebate.org/2019/02/17/30>.

Na visão de James, a psicologia como ciência é ciência natural, isto é, a


psicologia é a esperança de uma ciência. Para o psicólogo norte-americano, a psi-
cologia não é verdadeiramente uma ciência, mas está em processo de ser. Por esse
motivo, ele critica a expressão “nova psicologia”, justamente porque a psicologia
como ciência natural estuda os fatos mentais, descrevendo-os e examinando-os
em relação com o ambiente físico e com as atividades dos hemisférios cerebrais,
bem como as atividades corporais que deles decorrem (JAMES, 1962).

65
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Na visão de James (1962, p. 18), em sua relação com o ambiente físico,


a "vida mental é primordialmente teleológica, o que significa dizer que nossos
diversos modos de sentir e pensar chegaram a ser o que são por causa de sua
utilidade em modelar nossas reações no mundo externo".

Enquanto o objetivo da psicologia de James consiste na previsão e contro-


le práticos, ou seja, deve ajudar o homem prático a solucionar seus problemas,
fornecendo-lhe regras para a ação, ensinando-lhe como agir. No entendimento
do psicólogo alemão Wundt, a psicologia empírica é psicologia fisiológica, apro-
ximando-se das ciências da natureza.

Para Wundt, a psicologia empírica se fundamenta no princípio dos resul-


tantes criativos. Este princípio, por sua vez, aproxima-se das ciências da cultura.
O princípio dos resultantes criativos está relacionado com a causalidade psíquica,
sendo incompatível com a causalidade física. A causalidade psíquica é o tipo de
explicação das ciências da cultura e não conduz à previsão e à causalidade física.

Em razão da causalidade psíquica e do princípio dos resultantes criati-


vos, a psicologia de Wundt não é considerada ciência natural, mas uma ciência
intermediária, situando-se entre as ciências da natureza e as ciências da cultura.
Desse modo, as concepções de ciência de Wundt e de James divergem. Enquanto
na visão de James a psicologia deve se tornar uma ciência natural, visando à pre-
dição e controle práticos, na perspectiva de Wundt, a psicologia deve se tornar
uma ciência empírica intermediária, uma psicologia fisiológica, uma psicologia
experimental, uma ciência entre as ciências da natureza e as ciências da cultura,
com vistas a deduções retrogressivas (ABIB, 2009).

Segundo Abib (2009), desde que a psicologia se constituiu como projeto


científico, buscou trilhar o caminho da ciência. Na visão do pesquisador, as psi-
cologias científicas do século XX se distanciaram radicalmente das psicologias
racionalistas e psicologias empíricas de cunho filosófico. Todavia, o desenvolvi-
mento de psicologias científicas no século XX não foi suficiente para conferir uni-
dade à psicologia — pelo contrário, o que se atestou foi que no século XX houve
notável proliferação de psicologias científicas.

Sob o ponto de vista da epistemologia unitária, este pesquisador defende


a ideia de que, por não atingir unidade, a psicologia não se constituiu como ciên-
cia. Consequentemente, não se pode dizer em epistemologia da ciência psicológi-
ca, ou história da ciência psicológica. Nessa perspectiva, a história da psicologia
não pertence ao gênero da história da ciência. O pesquisador levanta as seguintes
questões: se não existe história sancionada da psicologia, a história da psicologia
começa quando? Com os filósofos pré-socráticos? Com a revolução científica mo-
derna? Com Descartes? No século XVIII? Com Wundt?

Sendo assim, do ponto de vista da epistemologia unitária, a psicologia


não se constitui como ciência, pois não é possível fazer epistemologia e história
da ciência psicológica. Para Abib (2009), a história da psicologia é na verdade
uma pré-história da psicologia. Nessa perspectiva, a pré-história da psicologia
66
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

pode começar em qualquer época e lugar, seja com os pré-socráticos ou com a


psicologia chinesa, e qualquer epistemologia da psicologia consiste em epistemo-
logia da pré-história da disciplina.

Entretanto, do ponto de vista do projeto científico da psicologia, constitui-


-se como ciência, pois não só é possível fazer epistemologia e história da ciência
psicológica (iniciada com Wundt, James e seus precursores), mas pré-história da
psicologia científica, que abrange a psicologia metafísica espiritualista e materia-
lista, como as psicologias empíricas de cunho filosófico.

Para Abib (2009, p. 205), sob essa ótica, pode-se afirmar que “a elucidação
do projeto científico da psicologia se faz à luz de sua constituição histórica. O
projeto científico da psicologia é constituído por tensões no âmbito da epistemo-
logia da ciência, da metafísica, da visão de mundo, da ideologia, dos interesses
intelectuais, dos contextos acadêmicos”.

3 HIPNOTISMO E A DESCOBERTA DA PSICANÁLISE


Nascido no seio de uma família judaica em Freiberg (Morávia, à época
pertencente ao império austríaco), Sigmund Freud (1856-1939) se formou em me-
dicina em Viena, no ano de 1881, ainda que nunca houvesse um sentido parti-
cular para o exercício de médico. Estudou também anatomia cerebral e doenças
nervosas. Em 1889, com o objetivo de aperfeiçoar a técnica hipnótica, Freud foi
para Nancy, local em que testemunhou as experiências de Bernheim com os do-
entes do hospital. De volta a Viena, Freud escreveu, em 1894, em conjunto com
Josef Breuer, um relato sobre um caso de histeria curado por Breuer alguns anos
antes (REALE; ANTISERI, 1991).

Em 1895, com base em outras experiências, Freud e Breuer publicaram os


Estudos sobre a histeria, sustentando que o sujeito histérico, em estado hipnótico,
retorna à origem do trauma, iluminando pontos obscuros que geraram a doença
durante a sua vida e que estão ocultos em suas profundezas. Desse modo, o su-
jeito percebe a causa do mal e, em uma espécie de catarse, liberta-se do distúrbio.
Inicia-se a teoria psicanalítica, que depois Freud desenvolveu em escritos como
Totem e tabu (1913), Para além do princípio do prazer (1920), O ego e o id (1923), Casos
clínicos (1924), Psicologia das massas e análise do ego (1921) e Futuro de uma ilusão
(1927). Freud foi obrigado a emigrar da Áustria nazista para a Inglaterra, morren-
do de câncer no queixo em 1939 (REALE; ANTISERI, 1991).

67
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

FIGURA 10 – SIGMUND FREUD

FONTE: <https://bit.ly/3kX03NR>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Nos estudos sobre a histeria, Freud não levou em consideração que por
detrás das neuroses não atuam excitações efetivas de natureza genérica, mas
somente de caráter sexual, tratando-se de conflitos sexuais atuais ou passados.
Assim, o hipnotismo revelava a Freud a existência de certas forças até então des-
conhecidas, conseguindo ele observar um mundo diferente, de modo a ampliar
suas pesquisas.

Freud se perguntava: por qual motivo os pacientes esqueciam tantos fatos


de sua vida interior e exterior, mas podiam recordá-los com a técnica da hipnose?
A observação dos doentes revelou a Freud que, por algum motivo, todas as coisas
esquecidas tinham caráter penoso para o sujeito, enquanto haviam sido conside-
radas temíveis, dolorosas e vergonhosas para as aspirações de sua personalidade.
Para tornar novamente consciente o que havia sido esquecido, era preciso vencer
a resistência do paciente, por meio do contínuo trabalho de exortação e encoraja-
mento (REALE; ANTISERI, 1991).

Depois de um tempo, Freud percebe que a resistência deve ser vencida


de maneiras diferentes, por meio da técnica de livre associação. Com isso, surge
a teoria da remoção, ou seja, em todo ser humano se operam forças, tendências
ou impulsos que, frequentemente, entram em conflito. Aparece, então, a neurose
quando o ego consciente bloqueia o impulso, negando-lhe acesso à consciência
e à descarga direta: uma resistência reprime o impulso para a parte inconsciente
da psique. Contudo, as tendências reprimidas, tornadas inconscientes, poderiam
obter descarga e satisfação substitutiva por vias indiretas, tornando inútil o ob-
jetivo da repressão. No histerismo de conversão, tal caminho indireto levava à
esfera da inervação somativa e o impulso reprimido ressurgia em qualquer parte
do copo, criando sintomas que eram o resultado de um compromisso. Com efeito,
eles constituíam uma satisfação substitutiva, ainda que deformada e desviada de
seus fins pela resistência do ego.

Assim foi a descoberta da repressão, levando Freud a modificar o pro-


cedimento terapêutico adotado com a prática hipnótica. Na prática hipnótica,

68
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

buscava-se fazer com que fossem descarregados os impulsos levados a um fal-


so caminho. Com suas novas descobertas, Freud compreendeu como necessá-
rio descobrir as repressões e eliminá-las por meio de avaliação que aceitasse ou
condenasse definitivamente o que o processo de repressão havia excluído. Ele
substituiu a prática terapêutica e mudou o seu nome: começou a utilizar o nome
de psicanálise, no lugar de catarse, para o novo método de pesquisa e cura. Cons-
tatou que, tomando a repressão como ponto de partida, era possível relacionar
com ela todas as partes da teoria psicanalítica (REALE; ANTISERI, 1991).

Com efeito, a descoberta das repressões e de outros fenômenos, a teoria


psicanalítica se viu obrigada a levar a sério o conceito de inconsciente. Nesse
sentido, é o inconsciente que fala e se manifesta na neurose, mas não é apenas
isso, pois para Freud o inconsciente é o próprio psíquico e a sua realidade essen-
cial. Dessa maneira, Freud subvertia a concepção que identificava consciente e
psíquico. Para ele, é o inconsciente que está por detrás de nossas fantasias livres:
gera os nossos esquecimentos e elimina de nossa consciência nomes, pessoas,
acontecimentos.

Nas obras Psicopatologia da vida cotidiana (1901) e A mudança de espírito e


suas relações com o inconsciente (1904), Freud evidencia suas brilhantes análises de
uma série de fenômenos (lapsos, distrações, associações imediatas de ideias, er-
ros de impressão, amnésia) nunca antes levados a sério pela ciência exata. Freud
apresenta a ação incessante de conteúdos que a repressão rejeitou da consciência
e ocultou no inconsciente, sem conseguir torná-los inativos. O autor já eviden-
ciava, alguns anos antes, a ação de conteúdos reprimidos para o inconsciente na
obra Interpretação dos sonhos (1899). A Antiguidade via os sonhos como profecias,
ao passo que a ciência, à época, havia abandonado esta área ao campo das su-
perstições.

Todavia, Freud resolveu levá-los para dentro da ciência. Nesse sentido,


Freud afirma que no sonho há um conteúdo manifesto (aquele do qual recor-
damos e contamos quando acordamos) e um latente (o sentido do sonho que o
indivíduo não sabe reconhecer). Ele afirma que é precisamente o conteúdo la-
tente que contém o verdadeiro significado dos sonhos, ao passo que o conteúdo
manifesto não passa de máscara, fachada. Para tanto, o psicanalista também é
um intérprete de sonhos, isto é, deve atuar refazendo o caminho em direção ao
conteúdo latente dos sonhos, o qual é cheio de significados, a partir do conteúdo
manifesto que se apresenta muitas vezes insensato.

Por meio das livres associações à técnica analítica de Freud, foi possível
identificar o que estava oculto nos sonhos. Logo, foi possível descobrir nas raí-
zes ocultas dos sonhos impulsos reprimidos que, devido à reduzida vigilância
exercida pelo ego consciente durante o sono, o sonho procura satisfazer: o sonho
constitui a realização de um desejo, de desejo que a consciência reputa criticá-
vel ou talvez vergonhoso e que tende a repudiar com indignação. Contudo, a
ação repressora do ego não cessa inteiramente durante o sono. Uma parte dela
permanece ativa, como censura onírica (censura do sonho), proibindo ao desejo

69
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

inconsciente se manifestar na sua forma que lhe é própria. Em virtude do rigor


da censura, os conteúdos do sonho latente devem se submeter a modificações e
atenuações que tornam irreconhecível o significado proibido dos sonhos. Assim,
são explicadas aquelas formações oníricas às quais os sonhos devem as suas típi-
cas características de confusão.

Em suma, o sonho é a realização (mascarada) de um desejo (reprimido). Na


visão de Freud, a interpretação dos sonhos é o caminho real para o conhecimento
do inconsciente, a base mais segura das suas pesquisas. Freud dizia: “quando me
perguntavam como alguém poderia tornar-se psicanalista, eu respondia: através
do estudo dos próprios sonhos” (REALE; ANTISERI, 1991, p. 922).

É muito comum, atualmente, encontrarmos pesquisadores e especialistas


que consideram a psicanálise uma folk psychology, ou seja, uma psicologia popu-
lar, alheia a qualquer preocupação científica. Essa crítica apresenta duas vertentes
principais: a mais comum se refere à suposta ineficácia do tratamento analítico
quando comparado a outras terapias (geralmente, mas não só, à cognitiva) e/ou à
ação de ansiolíticos, antidepressivos e demais medicamentos psiquiátricos; a se-
gunda vertente questiona o rigor da teoria psicanalítica, acusando-a de se basear
em uma série de pressupostos não comprováveis, de formular hipóteses impossí-
veis de verificar e que, portanto, dão sempre razão a quem as enuncia, permitin-
do a mais completa arbitrariedade nas interpretações em sessão (MEZAN, 2007).

Então, a psicanálise é ou não uma ciência? Para sabermos a resposta, ine-


vitavelmente teremos que recorrer ao conceito de ciência. A rigor, o conceito de
ciência é voltado ao modo de produção de conhecimento que, seguindo os parâ-
metros metodológicos estabelecidos por Galileu Galilei e interpretados pela ar-
quitetura discursiva de René Descartes, caracteriza-se por:

• Despojamento das qualidades sensíveis ou anímicas do objeto que se trata de


conhecer.
• Uso da linguagem despojada de significações compreensíveis e compartilha-
das pelo saber comum na formulação do discurso teórico.
• Obediência estrita ao princípio da contingência e da universalidade, segundo
o qual todo e qualquer elemento a ser estudado poderia ser infinitamente
diverso do que é, nada o obrigando, previamente, a ser como é, e cabendo à
ciência esclarecer os modos pelos quais ele chegou a ser como é.

Esses elementos caracterizam o método hipotético e dedutivo criado por


Galileu, no qual a verificação é a última etapa. Esta é a perspectiva científica que
Freud diretamente compactua. Portanto, a psicanálise está atrelada ao método
inaugural da ciência moderna e, se não permanece no campo da ciência, é por ope-
rar neste método uma subversão radical, pela qual introduz na cena (por isso dita
outra cena, a do inconsciente), precisamente, aquilo que o discurso da ciência, por
ser assemântico, universal e contingente, introduziu, mas, no mesmo golpe, expe-
liu de seu campo operacional o sujeito (e não o homem). Dessa forma, a psicanálise
opera com o sujeito, o mesmo da ciência, que, porém, sobre ele nada opera.

70
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

Por outra perspectiva, aquela a que aderem os atuais militantes da ciên-


cia do comportamento e que consideram a psicanálise uma ciência popular (folk
psychology), a ciência é vista como o procedimento que parte da observação da re-
alidade, recortada em dados da ordem do particular, estabelece correlações cada
vez mais precisas até chegar a estabelecer determinações causais de caráter geral.
Esse procedimento é conhecido, na história da epistemologia, como método em-
pírico-indutivo e suas raízes estão na filosofia empirista inglesa, sobretudo de
John Locke e retomado pelo positivismo de Auguste Comte.

Segundo o filósofo e pesquisador Gaston Bachelard (1884-1962), essas


duas tendências metodológicas estão em oposição. O método empírico-indutivo
não parte de postulados lógicos, mas de premissas que, por não se desprenderem
da realidade que pretende “observar tal como ela é”, acabam por tornar-se ou
fenomenológicos, ou ontológicos, e não se aspira a formulações universais. Tam-
pouco o método empírico-indutivo opera segundo o princípio da contingência.
Assim, em toda discussão que se pretenda metodológica e epistemológica séria
sobre as relações da psicanálise e da psicologia com a ciência, é preciso saber
que concepção de ciência norteia os diferentes argumentos (LEANDRO; COUTO;
LANNA, 2013).

Com Freud, a grande preocupação era que se pudesse verificar o víncu-


lo da psicanálise com a ciência e tal preocupação era a verdadeira razão de sua
evidente insistência na importância da ciência para a psicanálise. Em sua visão, o
trabalho científico é o único caminho que pode levar ao conhecimento da realida-
de exterior a nós. Sendo assim, tinha total consciência da falibilidade da percep-
ção, pois sabia que a realidade tem a forma e o conteúdo que lhe atribuímos. Para
o “pai da psicanálise”, toda realidade é psíquica e a ciência é a única maneira de
tratar a realidade psíquica. No entanto, o que é a realidade psíquica para Freud?

Segundo o pesquisador, a realidade psíquica é uma realidade interna ao


sujeito, mediada por uma realidade externa, o que proporciona uma assimilação
entre as representações dos mundos exterior e interior. O conceito de realidade
psíquica é fundamental na psicanálise. Pode-se afirmar que tal conceito se cons-
titui como uma das grandes revoluções epistemológicas do século XX. Assim,
buscou apoio nas noções de fantasia e de desejo para caracterizar a realidade
psíquica. Agora, a questão é: como se constitui a fantasia?

Para Freud, a fantasia é uma manifestação do desejo no que este teria de


mais radical — seu caráter de mediação na relação possível entre sujeito e objeto.
Para ele, a fantasia se refere a um modo de teorizar a realidade por um viés psi-
canalítico, no sentido de que a fantasia fornece os elementos para se conjugar as
realidades interna e externa (LEANDRO; COUTO; LANNA, 2013).

A fantasia é o que dá enquadramento da relação do sujeito com a realida-


de; é como se fosse a janela do sujeito para o mundo. É a partir da fantasia que o
sujeito tira a segurança do que fazer frente às situações que a vida lhe apresenta
(QUINET, 2002).

71
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Sendo assim, Freud concebe o ser humano como biopsicossocial. Seus estu-
dos e pesquisas fizeram surgir uma nova compreensão do ser humano, como um
animal dotado de razão imperfeita e influenciado por seus desejos e sentimentos.
Em sua concepção, a contradição entre os impulsos e a vida em sociedade gera no
ser humano um tormento psíquico. Suas teorias e seus tratamentos foram contro-
versos à época e continuam sendo exaustivamente debatidos. A teoria desse pes-
quisador é de enorme importância para a atual psicologia e segue se desenvolven-
do por meio de estudos e práticas clínicas, com psicanalistas que o sucederam.

4 A PSIQUIATRIA E A CIÊNCIA
A etiologia orgânica e a utilização de drogas químicas constituem o campo
de atuação e o discurso da psiquiatria atual. Há diferentes abordagens, como a psi-
canalítica e os estudos psicopatológicos, que apontam outros caminhos e explicações
para os distúrbios psíquicos. Os meios de comunicação e de divulgação insistem em
publicar as descobertas médicas que prometem alívio para qualquer tipo de sofri-
mento psíquico. As notícias afirmam como verdade que tais sofrimentos psíquicos
são doenças orgânicas e suas causas foram recentemente descobertas, assim como os
medicamentos que as curam. Para tanto, a psicopatologia é vista como uma área de
conhecimento que pertence naturalmente ao campo epistêmico da medicina.
Mais do que no terreno da teorização, no entanto, é no cotidiano
da prática médica que a abordagem do fenômeno psicopatologia
como doença tem sido grandemente reforçada pelas recentes e bem
sucedidas descobertas de drogas que atuam de forma eficiente na
eliminação ou abrandamento de muitos dos sintomas das chamadas
doenças mentais. Esse inegável ganho prático obscurece e até mesmo
exclui da discussão especializada o objetivo inaugural da investigação
psicopatológica, cuja ambição é a de alcançar o esclarecimento sobre
a origem, natureza e diferenciações entre as muitas expressões dessas
doenças. O tratamento a ser dado ao sofrimento psíquico fica então
reduzido aos limites da busca de alívio imediato; ou, pior ainda,
condenado à conclusão de que "isso não é nada": nada que possa ser
explicado por uma causa orgânica (SCHWARTZMAN, 1997, p. 33).

Assim, define-se o marco de separação entre os projetos da psiquiatria e


da psicanálise, já apontado por Freud, em 1915, quando afirmou que caberia à
psiquiatria a busca de causas orgânicas, enquanto a psicanálise postulava a his-
toricidade do corpo.

Psiquiatria deriva do grego e quer dizer “arte de curar a alma”. É basica-


mente um ramo da medicina, uma de suas especialidades, que pretende ser uma
ciência empírica. A psiquiatria, seja atuando no campo da psique ou da neurobiolo-
gia, pretende, por meio do reducionismo analítico, estabelecer elementos gerais de
realidade. Portanto, a psiquiatria valoriza o status de ciência de um modo passio-
nal (ou irracional, concretizando um paradoxo ético em relação ao próprio método
científico, que prima pela impessoalidade, pela dicotomia entre sujeito e objeto).

72
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

FIGURA 11 – PSIQUIATRIA

FONTE: <https://bit.ly/3D2KJoX>. Acesso em: 31 ago. 2021.

A psiquiatria consiste em um campo do conhecimento que estuda os fe-


nômenos mentais (fenômeno enquanto sinais ou sintomas, manifestações do su-
jeito). Todavia, de que trata a psiquiatria além do sofrimento da mente? Para
Abramov e Júnior (2016), a mente consiste no complexo individual indissociável
que reúne um sujeito em relação com todo o universo. Nesse sentido, o sofrimen-
to mental é o desvio funcional do complexo que produz anormalidade. Para es-
tabelecimento objetivo da anormalidade, seja de modo absoluto (impossível) ou
estatístico, conforme manda a medicina enquanto ciência, é necessária a análise
empírica da mente, por meio do método científico.

Há algo de mensurável e objetivo entre os fenômenos que a mente ma-


nifesta para se constituir variável de análise? Segundo Abramov e Júnior (2016),
existem fenômenos qualitativamente anormais que são objetivos, como a desor-
ganização das ideias, cuja presença se constitui uma anormalidade em si. Do pon-
to de vista empírico, a investigação clínica da mente termina nos fenômenos qua-
litativamente anormais de expressão objetiva, os quais constituem sinais clínicos.
Mesmo assim, encontramos o viés do observador, que classifica tal fenomenolo-
gia conforme sua própria subjetividade, a não ser que exista parâmetro para tal.

Contudo, há fenômenos qualitativamente anormais que são completa-


mente subjetivos, como as alucinações, as quais se restringem à dimensão do
sintoma, acessível apenas por meio do relato, e, portanto, inacessível à constata-
ção empírica. Como provar sua existência? Como qualificar de fato a experiên-
cia subjetiva da alucinação como tal? Eles não possuem validade como achados
científicos, uma vez que não produzem sinais evidentes. Há, ainda, os fenômenos
dimensionais, que são variações quantitativas de fenômenos normais ou típicos
da mente normal. Por exemplo, a paranoia, a tristeza, a ansiedade, a atividade
psicomotora e a atenção. Dessa forma, segundo Abramov e Júnior (2016), há pro-
blemas cruciais na avaliação da psiquiatria científica.
O primeiro problema é métrico: como os medir objetivamente,
em duração, intensidade etc. (vale a pena lembrar que todas as
escalas psicométricas são avaliações intersubjetivas, baseadas em
autorrelatos, entrevistas ou conclusões clínicas). O segundo problema
é paramétrico: como estabelecer os pontos de corte entre o normal e o

73
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

anormal? O terceiro problema é o pior deles: da validade. Mais uma


vez, a psiquiatria científica deverá contar com a boa fé do seu objeto de
observação (o paciente) no sentido de este relatar com veracidade seus
sintomas (ABRAMOV; JÚNIOR, 2016, p. 554).

Esses autores destacam que tanto a psiquiatria como a psicologia são le-
gítimas e necessárias como práticas humanas para atender ao sofrimento mental
do homem. Todavia, a questão são os pressupostos teóricos e metodológicos que
sustentam suas práticas. Afirmam, ainda, que é preciso uma mudança de para-
digma para uma experiência “puramente empírica em uma abordagem pragmá-
tica e teleológica, que observa o homem por meio de um olhar sensível e criativo,
em que a experiência se constrói conforme o referencial fenomenológico: o senti-
do da realidade é perceptual, é o lugar para onde nossas consciências se dirigem”
(ABRAMOV; JÚNIOR, 2016, p. 555).

Dessa maneira, cada homem manifesta sua própria perspectiva de mundo,


intrínseca a sua identidade, que há de se confundir com a do terapeuta para uma per-
cepção comum e o desenho de um caminho para fora da esfera de sofrimento mental.

Você pode se perguntar: qual a diferença entre um psicólogo e um psiquia-


tra? O objeto de estudos de ambos não são a mente humana? Os psicólogos são pro-
fissionais com formação em psicologia e tratam os transtornos mentais por meio
de terapias. Já os psiquiatras possuem formação em medicina e tratam transtornos
psiquiátricos por meio de medicamentos, ou seja, a psiquiatria é uma área mais
voltada para a morbidade, processos patológicos, doenças, aparelho mental, cére-
bro, medicamentos, fármacos; a psiquiatria é um ramo da medicina e, às vezes, há
embates, divergências de pensamentos entre a psicologia e a psiquiatria.

QUADRO 3 – DIFERENÇAS ENTRE PSICÓLOGO E PSIQUIATRA

QUESITO PSICÓLOGO PSIQUIATRA


O psiquiatra é o profissional
O psicólogo é o profissional que com formação em medici-
possui formação na área de psi- na, com especialização em
O que é? cologia, e utiliza a terapia para psiquiatria. O profissional é
lidar com problemas de ordem habilitado para lidar com va-
comportamental e psicológica. riados transtornos mentais,
como depressão ou psicoses.
Apesar de também tratar
transtornos psicológicos, sua
O que trata? Transtornos psicológicos.
especialidade é em transtor-
nos psiquiátricos.

74
TÓPICO 3 — PSICOLOGIAS, PSICANÁLISES, PSIQUIATRIAS: ENTRE O ORGÂNICO E O PSÍQUICO

A ajuda do profissional é in-


dicada em casos de crises em
O tratamento com um psi-
ciclos da vida, como perda
quiatra é indicado em casos de
de emprego, dificuldade em
dependência química, esqui-
Quando procurar? relacionamentos, problemas
zofrenia, transtorno obsessivo
no trabalho, luto, depressão
compulsivo (TOC), depressão,
ou ansiedade. Os psicólogos
bipolaridade e ansiedade.
também são aptos para apli-
car testes vocacionais.
O psiquiatra deve ser forma-
O psicólogo é o profissional que do em medicina, e posterior-
Formação.
tem formação em psicologia. mente realizar residência em
psiquiatria.
Laudo. Confere laudo. Confere laudo.
A forma de intervenção mais
Modo de A principal ferramenta de
utilizada por psiquiatras é a
tratamento. trabalho é a conversa.
prescrição de medicamentos.
Pode prescrever
Não. Sim.
medicamento?
Geralmente trabalham em clíni-
cas particulares, ambulatórios, Trabalham em consultórios
hospitais, em empresas, em particulares, hospitais, am-
Onde trabalha?
instituições da Rede de Atenção bulatórios e na Rede de Aten-
Psicossocial e no Sistema Único ção Psicossocial.
de Assistência Social (SUAS).
Longa duração, pois não bus-
Tempo de ca a redução imediata dos Tem menor duração, pois visa
tratamento. sintomas, mas o entendimen- à redução dos sintomas.
to das causas.
FONTE: Adaptado de <diferenca.com/psicologo-e-psiquiatra>. Acesso em: 31 ago. 2021.

NOTA

O que é psiquiatria forense?

A psiquiatria forense é o ramo da psiquiatria que lida com esta área em relação à lei. O profissional
atua em tribunais, nos casos em que há dúvida sobre a integridade mental dos indivíduos. Seu
trabalho é o de avaliar a capacidade do suspeito para atos da vida civil e se podem ser responsabi-
lizados criminalmente, de acordo com o seu estado mental. Para isso, o profissional necessita de
um treinamento específico, o qual deve ser reconhecido pela Associação Brasileira de Psiquiatria.

Saiba mais sobre a área, acessando: <diferenca.com/psicologo-e-psiquiatra>.

75
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A psicologia foi proposta como ciência, no final do século XIX, por Wilhelm
Wundt e William James.

• Wundt defende a tese de que a psicologia científica não deve se envolver com
a metafísica.

• Embora Wundt e James tenham concepções distintas de ciência psicológica,


concordam que a psicologia como ciência deve se afastar de doutrinas e temas
metafísicos.

• James sustenta ser necessário abandonar questões relativas à alma, ao ego


transcendental, à fusão de ideias, em prol do homem prático.

• Na visão de James, a psicologia como ciência é ciência natural, ou seja, a psi-


cologia é a esperança de uma ciência.

• A psicologia de Wundt não é considerada ciência natural, mas uma ciência


intermediária, entre as ciências da natureza e as ciências da cultura.

• A psicologia surge e se desenvolve com acepções diferentes de ciência até a


atualidade.

• O projeto científico da psicologia é constituído por tensões no âmbito da epis-


temologia da ciência, da metafísica, da visão de mundo, da ideologia, dos
interesses intelectuais, dos contextos acadêmicos.

• Em 1895, Freud e Breuer publicaram os Estudos sobre o histerismo, susten-


tando que o sujeito histérico, em estado hipnótico, retorna à origem do trau-
ma, iluminando pontos obscuros que geraram a doença durante sua vida e
que estão ocultos nas profundezas.

• Foi a descoberta da repressão que levou Freud a modificar o procedimento


terapêutico adotado com a prática hipnótica.

• Freud substituiu a prática terapêutica e alterou sua nomenclatura — começou


a utilizar o nome de psicanálise, no lugar de catarse, para o novo método de
pesquisa e cura.

• Para Freud, o inconsciente é o próprio psíquico e a sua realidade essencial, e


o sonho é a realização (mascarada) de um desejo (reprimido).

76
• O psicanalista é, também, um intérprete de sonhos, ou seja, deve atuar refazen-
do o caminho em direção ao conteúdo latente dos sonhos, cheio de significados,
a partir do conteúdo manifesto que se apresenta muitas vezes insensato.

• O conceito de realidade psíquica, fundamental na psicanálise, é uma das


grandes revoluções epistemológicas do século XX.

• Para Freud, a fantasia se refere a um modo de teorizar a realidade por um


viés psicanalítico, no sentido de que a fantasia fornece os elementos para se
conjugar as realidades interna e externa.

• Freud concebe o ser humano como biopsicossocial e afirma que a psiquiatria bus-
ca causas orgânicas, enquanto a psicanálise postula a historicidade do corpo.

• Psiquiatria deriva do grego e significa "arte de curar a alma".

• A psiquiatria é um ramo da medicina e atua no campo da psique e da neuro-


biologia.

• A psiquiatria e a psicologia são legítimas e necessárias como práticas huma-


nas para atender ao sofrimento mental do homem.

77
AUTOATIVIDADE

1 O psicólogo e filósofo Willian James, também conhecido como o “pai da


psicologia americana”, é um crítico severo acerca do envolvimento da psi-
cologia com a metafísica. Para ele, a psicologia como ciência deve se afastar
de doutrinas e temas metafísicos. Logo, deve-se abandonar questões relati-
vas à alma, ao ego transcendental, à fusão de ideias. Sobre a concepção de
homem prático de James, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Na concepção de James, o homem prático é aquele que age de maneira


prática, como os trabalhadores comuns, os quais visam a uma ação con-
creta e efetiva.
b) ( ) Para James, o homem prático é aquele que elabora suposições metafí-
sicas e questiona valores fundamentais. Os filósofos são exemplos de
homens práticos.
c) ( ) Para James, o homem prático é o educador, o médico, o diretor de pre-
sídio, o clérigo, aquele não interessado em temas metafísicos, os quais
competem aos filósofos. Os homens práticos devem contribuir para
melhorar as ideias, as disposições e a conduta de indivíduos sob suas
responsabilidades.
d) ( ) O homem prático é o verdadeiro cientista. Ele é capaz de produzir ciência
em concordância com as formulações metafísicas materialistas dos filósofos.

2 O psicanalista e estudioso Sigmund Freud evidenciou em suas obras Psicopa-


tologia da vida cotidiana e A mudança de espírito e suas relações com o inconsciente
uma série de fenômenos (lapsos, distrações, associações imediatas de ideias,
erros de impressão, amnésia) nunca antes levados a sério pela ciência exata.
Ele apresentou a ação incessante de conteúdos que a repressão rejeitou da
consciência e ocultou no inconsciente, sem conseguir torná-los inativos. So-
bre as análises de Freud para os sonhos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Segundo as análises de Freud, os sonhos se constituem de fantasias e


ilusões que não revelam a verdade do indivíduo, apenas sua insensatez.
b) ( ) Na visão de Freud, o sonho é a realização (mascarada) de um desejo
(reprimido) e a interpretação dos sonhos é o caminho real para o conhe-
cimento do inconsciente.
c) ( ) Na perspectiva de Freud, os sonhos representam o real sentido da exis-
tência e são indícios concretos da reencarnação.
d) ( ) Segundo Freud, é o conteúdo manifesto que contém o verdadeiro significado
dos sonhos, ao passo que o conteúdo latente não passa de máscara, fachada.

3 A psiquiatria consiste em um campo do conhecimento que estuda os fe-


nômenos mentais. Portanto, a psiquiatria é uma área mais voltada para a
morbidade, processos patológicos, doenças, aparelho mental, cérebro, me-
dicamentos, fármacos. Sobre as diferenças entre o psicólogo e o psiquiatra,
assinale a alternativa CORRETA:
78
a) ( ) O psicólogo é um profissional habilitado para lidar com variados trans-
tornos mentais, como depressão ou psicoses, enquanto o psiquiatra uti-
liza a terapia para lidar com problemas de ordem comportamental e
psicológica.
b) ( ) O psicólogo é o profissional formado em medicina, enquanto o psiquia-
tra é formado em medicina, mas com especialização em psiquiatria.
c) ( ) O psicólogo é o profissional que trata de transtornos psiquiátricos e psi-
cológicos, já o psiquiatra somente trata de transtornos psiquiátricos.
d) ( ) Os psicólogos são profissionais com formação em psicologia e tratam
os transtornos mentais por meio de terapias. Já os psiquiatras possuem
formação em medicina e tratam transtornos psiquiátricos por meio de
medicamentos.

4 Com Freud, a grande preocupação era que se pudesse verificar o vínculo da


psicanálise com a ciência e tal preocupação era a verdadeira razão de sua
evidente insistência na importância da ciência para a psicanálise. Em sua vi-
são, o trabalho científico é o único caminho que pode levar ao conhecimento
da realidade exterior a nós. Para o “pai da psicanálise”, toda realidade é psí-
quica e a ciência é a única maneira de tratar a realidade psíquica. Disserte
sobre o que é a realidade psíquica para Freud.

5 A psiquiatria como a psicologia são legítimas e necessárias como práticas


humanas para atender ao sofrimento mental do homem. Contudo, há pres-
supostos teóricos e metodológicos que sustentam cada prática. Qual a dife-
rença entre um psicólogo e um psiquiatra?

79
80
TÓPICO 4 —
UNIDADE 1

OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE


INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

1 INTRODUÇÃO

A psicologia partiu da filosofia e, posteriormente, procurou se ancorar na


ciência. De modo geral, é frequente ouvirmos que a psicologia pressupõe o estudo
científico do comportamento e/ou dos processos mentais. Ela se relacionou com ciências
da saúde, áreas de conhecimento da educação e da área empresarial e organizacional.

Um tema de grande interesse para a psicologia é o dualismo mente e


corpo, o qual vimos no tópico anterior. Existem outras palavras que, com certa
frequência, são empregadas, associadas à psicologia, como comportamento,
desenvolvimento, personalidade, aprendizagem e motivação.

Possivelmente, a esta altura de sua leitura, você esteja com algumas


questões. Afinal, o que a psicologia estuda? Qual é a sua área de interesse? Em
outras palavras, qual é seu objeto de estudo? O propósito deste tópico é justamente
esclarecer isso. Vamos lá?!

2 OS OBJETOS DE ESTUDO DAS ÁREAS DO CONHECIMENTO PSI


Você recorda qual é o significado de psicologia? Já vimos que significa
"estudo da alma". Como você se imagina trabalhando após sua formação em psi-
cologia? Você sabe explicar o que é alma? Quais são as metodologias para obser-
vá-la, acessá-la, estudá-la? Quem disse que psicólogo estuda a alma?

É válido lembrarmos que as origens da psicologia estão na filosofia. Ser-


bena e Raffaelli (2003) esclarecem que duas ciências que emergiram da filosofia
são a física — por meio do estudo da physis, realizado pelos filósofos pré-socráti-
cos —, e a psicologia, cujo objeto de estudo é a psyche, a alma.

Contudo, a psyche não possui uma lógica concreta — não é um corpo orgânico,
nem é vista objetivamente. Por conta disso, na medida em que o século XX se aproxi-
mou, a psicologia foi severamente criticada por ser área do conhecimento com falta de
objetividade. É importante salientarmos que, naquela época, os laboratórios estavam
em alta e o possível de ser constatado em laboratório era considerado verdadeiro.

81
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

De acordo com a concepção aristotélica, a alma é a vida presente no corpo


vivo, ou, ainda, a alma é a plenitude do corpo. Sendo assim, a alma é individual e
se manifesta por meio das ações da pessoa, de seus comportamentos (SERBENA;
RAFFAELLI, 2003).

Na segunda metade do século XIX, a psicologia se forma como ciência do


homem (PRADO FILHO; MARTINS, 2007). Todavia, ao delimitar seu objeto de
estudo, no que a psicologia se distinguiria de outras ciências humanas, as quais
também haviam assumido o homem como objeto de estudo?

Em determinado momento, houve a definição de que a conduta humana


seria o objeto de estudo da psicologia, no entanto, recordaram que a antropologia
possuía este objeto de estudo. Então, qual o diferencial da psicologia em relação
à antropologia? (SERBENA; RAFFAELLI, 2003). A psicologia se destacaria, pois
buscaria entender as questões humanas, ou o lado "psicológico" (PRADO FILHO;
MARTINS, 2007).

Como já vimos, na concepção do Wundt, a psicologia deveria ser compos-


ta por dois troncos: um experimental e outro que ele intitulou de psicologia dos
povos, muito semelhante à psicologia social e à psicologia cultural. Vale lembrar
que ele é considerado o criador da psicologia (BELZEN, 2009). Ele fez menção ao
fragmento psíquico, relacionado com as capacidades e a cognição e defendia que
era possível compreender o todo, ao examinar as partes.

Logo, o pesquisador procurou fazer um mapeamento da consciência, ao


observar a composição dos processos psíquicos e das capacidades cognitivas. Seu
ponto de vista era oposto ao animismo cristão (PRADO FILHO; MARTINS, 2007).

Também estudamos que, na concepção do americano James, o objeto de


estudo da psicologia é a consciência. Já para o psicólogo britânico Edward Brad-
ford Titchener (1867-1927), o objeto da psicologia é a experiência humana.

Ainda que a Primeira Guerra Mundial tenha deixado um legado de


sofrimento, destruição e mortes, também foi seguida por um período de de-
senvolvimento de teorias e de inovações em diversas áreas. A ciência estava
em destaque e os pensadores da área psi tentaram transformar esta área em
uma corrente científica. Assim, as noções metafísicas de alma não estavam em
consonância com as premissas da ciência. A psicologia também precisava de
técnicas eficazes e instrumentais.

82
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

ATENCAO

Quais eram as condições para que um discurso teórico pudesse se tornar


científico? De acordo com Serbena e Raffaelli (2003), era necessário:

• Possuir coerência lógica interna.


• Possibilitar certa compreensão da realidade e avanço nesta compreensão.
• Submeter-se à determinada apreciação crítica por seus pares e a determinado teste
de realidade.

Como os psicólogos criariam técnicas científicas, ou seja, precisas, rigorosas,


certeiras, exatas, a partir de um objeto de estudo vago e sem objetividade como a
alma? Foi assim que pensadores psi passaram a se esforçar para a definição de um
objeto de estudo mais concreto e que pudesse ser visto, acessado em laboratório.

DICAS

Para saber mais sobre esse assunto, que tal ler O novo espírito científico, de
Gaston Bachelard (1978)? Está disponível em: <bit.ly/3a4GnyR>.

O psicólogo estadunidense John Broadus Watson (1878-1958) foi um de-


les. Sugeriu que o comportamento deveria ser o objeto de estudo da psicologia.
Posteriormente, Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) fortificou esta ideia, acres-
centando o conceito de condicionamento operante. Watson e Skinner rejeitavam
os conceitos de consciência e subjetividade; e voltavam suas atenções à exteriori-
dade, ao objetivismo, ao mecanicismo — que já estavam em voga no meio cientí-
fico (PRADO FILHO; MARTINS, 2007).

83
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

FIGURA 12 – SKINNER E EXPERIMENTOS COM ANIMAIS EM LABORATÓRIO

FONTE: <https://bit.ly/3D38LQW>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Ao afirmarem que a psicologia era a ciência que examinava o comporta-


mento, Watson e Skinner estavam se alinhando ao método científico, sob o argu-
mento de que o comportamento pode ser visto e observado em ambiente de labo-
ratório. Provaram isso utilizando ratos, pombos e outros animais para analisar as
relações entre estímulo e resposta (PRADO FILHO; MARTINS, 2007).

É válido esclarecer que esses pioneiros da abordagem comportamental reco-


nheciam que não era fácil observar o comportamento, em virtude da complexidade
inerente ao comportamento. Por isso, precisavam pensar sobre as variáveis que ne-
cessitavam controlar no ambiente de laboratório (SERBENA; RAFFAELLI, 2003).

Para Serbena e Raffaelli (2003), apesar da constante associação entre os


termos psicologia e comportamento, é preciso que seja realizada uma revisão dos
conceitos e pressupostos da psicologia. Afinal, dizer que a psicologia é a ciência
que estuda o comportamento significa que se dá maior ênfase às teorias de ordem
neopositivista e materialista, pois as outras correntes psi não se identificam como
abordagens que estudam o comportamento.

Em outras palavras, quem afirma que o comportamento é o objeto de estu-


do da psicologia está fazendo menção direta ou indireta à abordagem comporta-
mental/behaviorista. Essa abordagem diverge do sentido etimológico da palavra
psicologia — estudo da alma. “Esse é, talvez, um dos poucos casos em que uma
ciência não é definida de acordo com a sua etimologia, afinal a biologia estuda a
vida, a geologia a Terra, e assim por diante” (SERBENA; RAFFAELLI, 2003, p. 31).

Voltando àquela época, os representantes da psicologia passaram a dar


primazia ao saber construído conforme o modelo da ciência positiva, objetiva
e empírica. Então, a subjetividade foi deixada de lado, já que a psicologia se
rendeu ao cientificismo e à ideologia cientificista (SERBENA; RAFFAELLI, 2003).
Talvez tenha se considerado livre ao romper com a religião e a metafísica, porém,
não estaria igualmente submissa, agora, à ciência?

84
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

A visão de homem que a abordagem comportamental construiu está liga-


da à fisiologia e à física. Os pensadores da área psi também se viam esbarrando
em outras áreas do conhecimento ou da ciência, enquanto se propunham a esco-
lher um novo objeto de estudo (SERBENA; RAFFAELLI, 2003).

No século XX, para alguns, o objeto da psicologia era a mente, porque a


palavra alma parecia estar mais vinculada à religião. Já a palavra mente estava
associada à ideia de ânimo do corpo e pensamentos.
O "objeto primordial", quase mítico, senão místico, é a "mente"; esta
abstração idealista, subjetivista, com fortes influências da concepção
cristã de alma como sinônimo de existência imaterial e do pensamento
dicotômico cartesiano, que bebe da mesma fonte. Ao longo da primei-
ra metade do século XX este termo ainda era admitido como objeto
científico, mas passa a ser questionado posteriormente por suas im-
precisões e impregnações metafísicas, perdendo confiabilidade na se-
gunda metade do período (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 15).

Já Freud estava mais interessado em ter como objeto de estudo o incons-


ciente, ou seja, na perspectiva freudiana, o ser humano não seria composto ape-
nas de elementos do campo da consciência, no que se refere a sua interioridade.
Existiria, também, uma instância inconsciente, que influenciaria nas experiências
vivenciadas pelo sujeito.

Nesta concepção, a subjetividade seria algo natural dos humanos e inerente


a eles. O inconsciente não é objetivo, nem observável, tampouco palpável. As pessoas
estariam sujeitas ao inconsciente e ao desejo (PRADO FILHO; MARTINS, 2007).

É pertinente lembrar que Freud recorreu à mitologia para apresentar al-


guns dos conceitos que criou, como o complexo de Édipo (SERBENA; RAFFA-
ELLI, 2003). Em uma fase em que religiões, lendas e mitos são destronados para
darem lugar ao conhecimento científico, o médico recorre aos mitos para apresen-
tar seus pressupostos. O mito parece se distinguir da ciência, na medida em que
é da esfera imaginária, fantasiosa, metafórica e simbólica.

Talvez você associe a psicologia com os atendimentos prestados pelo pro-


fissional em um ambiente em que o paciente se senta ou se deita no divã e se põe
a falar. Novelas e filmes propagam essa situação com certa frequência. Freud
geralmente está associado a essa forma de atendimento psi. Consequentemente, é
possível que você esteja fazendo a seguinte suposição: se o profissional fica anali-
sando a fala, o discurso do paciente, o objeto de estudo das áreas psi é o discurso.

85
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

FIGURA 13 – FREUD E O DIVÃ

FONTE: <https://bit.ly/2Yh472W>. Acesso em: 31 ago. 2021.

De fato, são diversas psicologias que se debruçam a prestar atenção aos


discursos dos pacientes/clientes. No entanto, as abordagens usam diferentes ma-
neiras para analisar os conteúdos das falas, de interpretá-los e até de observá-los.
Muitos profissionais das áreas psi procuram identificar os sentidos/significados
que os sujeitos atribuem as suas próprias vivências. Ademais, os profissionais
ficam atentos aos sentidos psicológicos que permeiam as falas dos sujeitos (PRA-
DO FILHO; MARTINS, 2007).

Apesar de Freud ser o mais famoso psicanalista, vários outros desenvolve-


ram estudos com ele, ou a partir de seus estudos. Uma parcela se tornou dissidente
da psicanálise de Freud e fundou escolas próprias, de certa forma, ligadas à psi-
cologia (SERBENA; RAFFAELLI, 2003), como demonstramos no quadro a seguir.

QUADRO 4 – DISSIDENTES DE FREUD

PROFISSÃO E TEMPO EM
NOME LEGADO CARACTERÍSTICAS
ORIGEM QUE VIVEU
Relacionada com os
Um fundador daconceitos de
Alfred Psicólogo psicologia do subjetividade, alma e
De 1870 a 1937
Adler austríaco desenvolvimento
introspecção.
individual. Apresenta prática
clínica.
Relacionada com os
conceitos de
Carl Psiquiatra e
Fundou a psicolo- subjetividade, alma e
Gustav psicoterapeuta De 1875 a 1961
gia analítica. introspecção.
Jung suíço
Apresenta prática
clínica.

86
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

Elaborou estudos
sobre fenômenos Relacionada com os
Médico,
psicossomáticos. conceitos de
psicanalista e
Wilhelm Prestava atenção subjetividade, alma e
cientista De 1897 a 1957
Reich aos processos introspecção.
natural
orgânicos e Apresenta prática
austriaco
energéticos do clínica.
corpo humano.
Contribuiu para a
Relacionada com os
Psicanalista, elaboração de uma
conceitos de
escritor, psicoterapia foca-
subjetividade, alma e
Otto Rank professor e De 1884 a 1939 da no "aqui e ago-
introspecção.
terapeuta ra", que dá ênfase
Apresenta prática
austriaco à mente conscien-
clínica.
te e à vontade.
Relacionada com os
Desenvolveu a
conceitos de
Friederich Psicoterapeuta abordagem
subjetividade, alma e
Salomon e psiquiatra De 1893 a 1970 chamada de
introspecção.
Perls alemão psicoterapia
Apresenta prática
Gestalt-terapia.
clínica.
Relacionada com os
conceitos de
Jacques Criou novos
Psicanalista subjetividade, alma e
-Marie De 1901 a 1981 conceitos, técnicas
francês introspecção.
Emile Lacan e metodologias.
Apresenta prática
clínica.
FONTE: Adaptado de Serbena e Raffaelli (2003)

Acadêmico, você notou que a última coluna ficou idêntica em todos eles?
Por mais que estes pensadores do campo psi divergissem das proposições de
Freud, as abordagens elaboradas mantiveram características similares. Alguns
deles eram judeus, portanto, supostamente exista relação entre a concepção que
possuíam da subjetividade/alma aos conteúdos que os textos considerados sagra-
dos do judaísmo apresentam.

No que se refere às premissas expostas por Reich, é possível que tenham


sido divulgadas com a intenção de superar o mentalismo. Com Reich, o corpo
desponta como objeto de estudo da psicologia. Este médico se esforçou para dis-
sipar a dicotomia de corpo e mente dos discursos atrelados à psicologia (PRADO
FILHO; MARTINS, 2007).

É necessário elucidar que os pressupostos presentes na Gestalt-terapia ti-


nham por intuito ultrapassar o esfacelamento da composição do ser humano. Ela
contestava as abordagens que defendiam a redução do humano a fragmento. Essa
teoria também discordava das abordagens que apregoavam o ser humano como
um conjunto de peças de uma máquina. A visão de homem da Gestalt-terapia,
dessa forma, era a de um sujeito integrado (PRADO FILHO; MARTINS, 2007).
87
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

De acordo com Macedo e Silveira (2012), o objeto de estudo da ciência psi-


cológica é o self. O conceito de self possui origem na filosofia grega. Atualmente, é
difícil respondermos em poucas palavras seu significado, pois várias abordagens
da psicologia fazem uso da expressão e de distintas maneiras. Outra palavra uti-
lizada para definir o objeto de estudo da psicologia é relação.
As relações também emergem como objeto para algumas psicologias,
num esforço de superar o individualismo, o mentalismo e as natura-
lizações ancoradas na neurofisiologia e atualizadas pela neurociência
dos anos 1990, buscando fundar tanto o conhecimento quanto o sujeito
psicológico em concepções materialistas, sociais e históricas (PRADO
FILHO; MARTINS, 2007, p. 15, grifo nosso).

A abordagem sistêmica ressalta as relações que a pessoa estabelece com as


demais, sobretudo, no meio familiar (LOMANDO; NARDI, 2013).

Durante a leitura desse material, você percebeu o vai e vem dos objetos de
estudo? Até aqui, parece que numerosas psicologias foram elaboradas, tornando-
se adversárias ou concorrentes. Não podemos dizer que a psicologia possui uma
unidade; parece uma área sinuosa, hesitante, discrepante e diversa. Será que esta
área busca uma unificação?

Unificar a psicologia é uma tarefa hercúlea, pois há muitas divergências


entre as abordagens. Vejamos o quadro a seguir.

QUADRO 5 – DIVERSIDADE DE PERSPECTIVAS NO DISCURSO PSICOLÓGICOa

Fragmentarismo e mecanicismo X perspectivas amplas e integradas


Subjetivismo X objetivismo
Mentalismo X materialismo
Individualismo X coletivismo
Matéria X alma/espírito
Individualidade X universalidade
Determinismo X liberdade
Naturalismo biologicista X perspectivas sociais e históricas
FONTE: Adaptado de Prado Filho e Martins (2007)

Você pode questionar: se os pesquisadores, psicólogos conversassem


abertamente, não resolveriam esses impasses?
Nesta dança de objetos observável ao longo de todo o século XX po-
de-se notar ainda um movimento de deslocamento do biológico para
o cultural, do natural para o histórico, do individual para o coletivo;
o olhar torna-se sempre mais social, histórico e político, desenhando
objetos sociais, centrando foco nas relações, mas também no material,
buscando superar as concepções idealistas, subjetivistas e individuali-
zantes (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 15).
88
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

Para Serbena e Raffaelli (2003), a indisposição para o diálogo já era perce-


bida por Freud. Talvez, por isso tantas pessoas que trabalharam com ele no de-
senvolvimento da psicanálise, posteriormente se tornaram dissidentes. Eventual-
mente, Freud pode ter parecido um tanto narcisista ao expressar que o essencial
do conhecimento psicanalítico estava em sua posse.
Algumas instâncias mais "integradas" ganham visibilidade a partir de
1940: a consciência, o comportamento; mas também a personalidade
(como decorrência da emergência das teorias do desenvolvimento), a
individualidade, a identidade — objeto por excelência da psicologia
social dos anos 1980 — bem como a subjetividade e a singularidade,
problematizadas de uma perspectiva social, histórica e política a partir
desta mesma década de 1980 (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Serbena e Raffaelli (2003) acrescentam que Freud não parecia muito aber-
to a modificações em seu modo de pensar. Doravante tudo indica que este não
era o único pensador da área psi apresentando resistências. Muitas teorias foram
constituídas como um discurso fechado em si, não admitindo a apreciação crítica.
Se Freud fosse o único inflexível entre os pensadores psi, teríamos a psicanálise e
a psicologia, no entanto, temos psicanálises e psicologias.

3 EM BUSCA DE UM DENOMINADOR COMUM?


Você percebeu que as psicologias divergem entre si quanto ao objeto de
estudo? Talvez você imagine que, ao final deste tópico, esteja elucidado como a
psicologia resolveu tais conflitos. Você pode estar curioso para descobrir qual foi
o objeto de estudo vencedor nesta acirrada competição, afinal, a psicologia con-
seguiu desenvolver uma definição compatível com todas as teorias psi. Será que
isso de fato ocorreu? Vamos descobrir!

Na verdade, a psicologia ainda não possui única teoria, sequer definiu


objeto de estudo comum a todas as suas abordagens e por isso muitos a chamam
de psicologias — no plural —, em razão da diversidade de teorias, métodos e
intervenções que a compõe. Algumas abordagens são próximas à filosofia, outras
à sociologia, à medicina, à fisiologia e à física. Entretanto, todas possuem algo em
comum: a busca pelo entendimento do ser humano.

Até faz sentido que as psicologias sejam plurais, pois o ser humano é com-
plexo e apresenta diversidade! A existência humana é composta por inúmeras
contradições, tensões e conflitos.

Se você estava interessado em descobrir qual é a abordagem vencedora,


ou qual é a verdadeira, chegou o momento de lidar com a frustração: não há uma
abordagem mais válida do que outra; todas continuam em pesquisa, em desen-
volvimento, em uso. Inclusive, é aconselhável que o profissional da psicologia,
após concluir sua graduação, especialize-se em uma das abordagens da psicolo-
gia: pode ser a logoterapia, a comportamental (behaviorismo), a existencialista, a
psicanálise, o psicodrama, a cognitiva, a humanista e a sistêmica.

89
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Como você conseguiu notar, a psicologia está engatinhando, pois é uma área
recente e em expansão. Além disso, ainda há muitas pessoas que consideram psico-
logia coisa para “doidos”, ou que psicólogo é médico de “loucos”. Muitos se recusam
a ir ao psicólogo por acreditarem que ir ao consultório é admitir ser uma pessoa de-
siquilibrada, ou com sérios problemas. Na realidade, a psicologia é para todos, pois
possui por intuito promover a saúde e/ou propiciar o desenvolvimento psicossocial.

Como se não bastasse esse dilema entre ser ciência ou não, a psicologia se
debateu entre os modos de prática científica ou acadêmica e a clínica (SERBENA;
RAFFAELLI, 2003).

Ainda atualmente, os psicólogos trabalham para "[...] sua afirmação como pro-
fissão, a construção do conhecimento científico e técnico nas diversas áreas de atuação
e a busca por espaço no mercado de trabalho" (MAZER; MELO- SILVA, 2010, p. 293).

A psicologia é composta, ainda, por diferentes áreas de estudo e aplicação.


Como área de estudo, citamos a psicologia do desenvolvimento, a psicologia da apren-
dizagem, a psicologia da educação, a psicologia ambiental e a psicologia da religião.

Dentre as áreas de aplicação, encontram-se psicologia escolar, organiza-


cional (no trabalho), clínica (no consultório), hospitalar, jurídica, da saúde, do
esporte, do trânsito, das organizações comunitárias e dos movimentos sociais — e
um dos campos mais recentes: a psicologia das emergências e dos desastres.

4 SUBJETIVIDADE
A noção de subjetividade chega à psicologia por intermédio da psicanáli-
se. Inicialmente, a subjetividade era caracterizada como algo interior, particular e
subjetivo de uma pessoa. No entanto, ultrapassa a noção de identidade, pois esta
está atrelada a ser idêntico, ao passo que a subjetividade se distingue por sua co-
notação de diversidade, de ser diferente. Com o passar do tempo, foi considerada
uma instância, influenciada por aspectos históricos, sociais e políticos (PRADO
FILHO; MARTINS, 2007).

Aos poucos, passa-se a usar a expressão "produção de subjetividade",


para reforçar que é uma produção histórica. Por conseguinte, no decurso do sé-
culo XX, a subjetividade é eleita como objeto de estudo para diversas psicologias,
após realizar o percurso ilustrado na figura a seguir.

90
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

FIGURA 14 – SUBJETIVIDADE EM MOVIMENTO

FONTE: A autora

O conceito de subjetividade desencadeia uma reflexão sobre os processos


de singularização, em estudo por psicologias contemporâneas. A subjetividade
está associada à construção do conhecimento e ao conjunto de vivências do sujei-
to. Sendo assim, passa-se a questionar se ela estaria localizada dentro do organis-
mo humano, se ela possui uma substância palpável e se é regular e permanente
(PRADO FILHO; MARTINS, 2007).

Assim, o conceito de subjetividade se choca com as ideias sobre o centro da


consciência humana, a localização do inconsciente, a permanência da personalidade,
a conservação da identidade. A partir dessas implicações, passou-se a refletir sobre a
necessidade de existir uma parte do corpo no qual a subjetividade estaria presente.
Será que ela está dentro do cérebro humano, ou do sangue, ou do coração?

Não pode ser algo que não possui um núcleo, um centro? Será que a sub-
jetividade paira em torno da pessoa ou é simplesmente uma condição histórica e,
portanto, inconclusa e inconstante? A subjetividade precisa mesmo ter uma forma
material, natural, biológica e genética, ou a subjetividade pode ser um movimento,
algo que não é concreto? Ela poderia ser algo virtual, similar a um efeito holográfico?

Talvez, nesta altura dos estudos você esteja intrigado com a seguinte
questão: qual é a origem da subjetividade? Afinal, de modo aparente, não é trans-
mitida hereditariamente. De acordo com Prado Filho e Martins (2007), a subjetivi-
dade se produz no movimento, nas interações que o sujeito vai vivenciando com
as pessoas, com os objetos, com as circunstâncias.

Para Serbena e Raffaelli (2003), quando as áreas psi rejeitaram a ideia de


alma, em troca da filiação à ciência, tornaram-se impessoais e escravas do cienti-
ficismo. No entanto, a vida humana não se reduz ao corpo ou aos seus processos
fisiológicos. Se a psicologia persistisse exclusivamente no campo da ciência se
tornaria incompleta e até contraditória.

91
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Há séculos, filósofos, pensadores disseminaram a ideia de que o ser hu-


mano tem corpo e alma. Como uma psicologia seria completa se deliberadamente
precisasse escolher apenas uma das instâncias? Por acaso, a alma é rival do cor-
po? Há uma complementação entre eles? Ou o corpo é considerado mais forte do
que alma e, por isso, merece destaque?

Segundo Serbena e Raffaelli (2003), as ideias iluministas divulgaram a


ideia de que o discurso científico é o único discurso verdadeiro. Sendo assim,
todo discurso sobre o objeto da psicologia, que tinha por objetivo ser científico,
precisava ignorar ou desconsiderar a existência da alma.
Deve-se então recuperar o sentido da psicologia como estudo da alma ou
da subjetividade, havendo necessidade de um discurso simbólico e sub-
jetivo complementando o racional e objetivo. O termo “alma” pode ser
visto como uma metáfora da psique e os diversos discursos ou disciplinas
psicológicas seriam explorações desta metáfora permitindo ampliar sua
expressão e compreensão (SERBENA; RAFFAELLI, 2003, p. 31).

Como podemos depreender, a subjetividade é um conceito complexo,


abrangente, que diz respeito às construções que resultam na formação de cada
pessoa. Os aspectos sociais, históricos, culturais, ideológicos, religiosos e políticos
incidem diretamente sobre a produção de subjetividades.

TUROS
ESTUDOS FU

Ao final desta unidade, você encontrará um artigo que aborda o conceito de sub-
jetividade. Recomendamos a leitura, pois ele cita a abordagem fenomenológica e resgata outras
teorias que vimos ao longo dos estudos, como a psicanálise e a comportamental (behaviorismo).
Além disso, o artigo retoma aspectos de articulação entre psicologias e filosofia. Boa leitura!

Consequentemente, é fundamental repensar o objeto da psicologia e


sua linguagem, considerando a sua origem como uma ciência também
da alma. Neste sentido as diversas abordagens teóricas são diferentes
discursos sobre a alma. O termo “alma” pode ser considerado como
uma metáfora da psique, pois os diversos discursos psicológicos
seriam explorações desta metáfora, permitindo ampliar sua expressão
e compreensão. A necessidade da verdade modifica-se para a
necessidade de compreensão da experiência humana; continuam a
conviver as diferentes linguagens da psique, pois a alma (ou psique)
se manifesta de diversas maneiras. Os critérios de validade do
conhecimento se modificam, permitindo-se a construção de campos
de sentido ou compreensão do sujeito (REYS, 1997 apud SERBENA;
RAFFAELLI, 2003, p. 36).

92
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

DICAS

Para incrementar seus estudos, recomendamos a leitura do artigo intitulado


Os desafios atuais do estudo da subjetividade na Psicologia, de José Leon Crochík (1998).
O material está disponível em: <bit.ly/2xo4UBG>.

5 MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE


CONHECIMENTO PSI
Partindo do princípio de que há diferentes abordagens psi e que o objeto
de estudos é distinto entre elas, é possível deduzir que os métodos de intervenção
também serão diferentes. Por exemplo, um dos métodos mais famosos da psi-
canálise é a associação livre. Em linhas gerais, a associação livre consiste na fala
que o paciente apresenta, de modo espontâneo, durante a sessão de análise. Ele
se deita sobre o divã e fala sobre “o que lhe der na telha". Esse método se justifica
em psicanálise porque permite que o analista acesse elementos do inconsciente
do paciente. A escolha pelos temas, os lapsos de memória e as trocas de palavras
são indicativos do conteúdo inconsciente.

A psicologia comportamental está mais voltada ao comportamento e não


possui o inconsciente por objeto de estudo. Logo, não se pode esperar que um
psicólogo dessa abordagem utilize o método de associação livre com a intenção
de desvelar os conteúdos inconscientes do paciente. A psicologia comportamen-
tal, por sua vez, possui metodologias próprias de intervenção — condizentes com
a visão de mundo, com a visão de homem que apregoam em sua teoria.

Algumas abordagens apresentam métodos individuais, em outras, cole-


tivos. No decurso de um curso superior de psicologia, pouco a pouco, é possível
aprendermos quais são as abordagens, quais são os objetos de estudos e quais
são os métodos de intervenção. Por enquanto, é necessário compreender que os
métodos são condizentes com os aportes teóricos de cada abordagem.

Em todos os casos, é ideal que o psicólogo construa conhecimentos ao


longo de sua formação acadêmica e profissional. Esses conhecimentos dizem
respeito aos seguintes aspectos: forças sociais; forças individuais; comunidades;
especificidades; ética; cultura; movimentos sociais; compromisso social; teoria;
prática; pesquisa; intervenção; multidisciplinaridade; produção do conhecimen-
to; socialização do conhecimento.

Cabe salientar que o desenvolvimento da carreira do psicólogo pode ser


influenciado por seus fatores pessoais, por fatores profissionais, políticos, sociais
e culturais.

93
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

Mazer e Melo-Silva (2010) propõem que a área psi passe por reflexões
para além de seu objeto de estudo. A sociedade demanda alterações por parte
da psicologia enquanto profissão. A quantidade de pessoas que procuram pelos
profissionais da área psi requer intervenções que sejam mais dirigidas ao coleti-
vo, em conformidade com a realidade brasileira. Assim, é necessário refletirmos
sobre a perpetuação de paradigmas tradicionais, voltados ao indivíduo. Há a ne-
cessidade das perspectivas sociais se sobrelevarem.

Independentemente da abordagem em psicologia e do campo de atuação


de cada psicólogo, todos precisam zelar pela ética e estar em consonância com o
compromisso social das psicologias.

94
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

LEITURA COMPLEMENTAR

A CRISE DA SUBJETIVIDADE E O DESPONTAR DAS PSICOLOGIAS


FENOMENOLÓGICAS

Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo

RESUMO
Pretende-se aqui discutir como os fundamentos da metafísica da subjeti-
vidade (como a concepção do eu nuclear e a dicotomização entre interioridade e
totalidade) foram hegemônicos na constituição de boa parte das teorias e práticas
psicológicas. Apontando para as contradições e para o consequente esvaziamen-
to que a premissa da subjetividade e a dicotomização da totalidade impuseram
à Psicologia, lançaremos as bases de uma psicologia fenomenológico-existencial
voltada para o social que, embasando-se na Fenomenologia e na Filosofia da Exis-
tência, possa romper com a posição substancialista e dicotômica assumida pelos
diferentes modelos em Psicologia. Para tanto, tomar-se-á a proposta fenomeno-
lógica inaugurada por Husserl e levada adiante por Heidegger, para pensar o eu
como um fluxo de vivências intencionais fundadas na imanência de uma cons-
ciência já sempre projetada para além de si ou como um campo existencial de
sentido e significados compartilhados assentado na temporalidade do ser.

Palavras-chave: Subjetividade. Fenomenologia. Filosofia da existência.

Iniciaremos por discutir até que ponto as filosofias da subjetividade, com


a concepção que lhes é comum do sujeito que pensa a si mesmo como contraposto
ao objeto, embasam boa parte das concepções teóricas e práticas em Psicologia,
assim como tendem, subsequentemente, a promover a desconsideração do hori-
zonte social mais amplo, a partir do qual são originariamente possíveis todas as
determinações do homem. A Psicologia, de modo geral, parte da referência a um
eu que, além de posicionar os objetos no mundo, constitui-se como substância lo-
calizável no tempo e no espaço, portanto, dotada de determinações e sentidos da-
dos. Esta concepção de sujeito nuclear tornou-se a tendência praticamente hege-
mônica na fundamentação das teorias e das práticas em Psicologia. Dessa forma,
as psicologias passaram muitas vezes a elaborar verdadeiras cartografias acerca
do eu, fundamentadas por teorias nem sempre consistentemente construídas.

A abrangência que as filosofias da subjetividade tomaram na Psicologia


acabou por levar a um total abandono do horizonte de constituição do social, do
político e da cultura. Presas à noção de sujeito, essas filosofias desconsideraram na
fonte a articulação primeira entre o homem e o mundo. Essa desconsideração não
aconteceu de maneira genérica e indeterminada, mas seguiu inicialmente duas vias
específicas, sem comentar mais detidamente os problemas relativos ao acesso a essa
subjetividade pura e universal, problemas tão densamente tratados por Friedrich
Nietzsche. As teorias construídas no âmbito da subjetividade jamais conseguem se
livrar da suspeita de um falseamento dos fenômenos. Por mais bem-fundamentada
95
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

que pareçam as teorias ligadas à subjetividade, sempre padecem de uma suspeita


quanto a sua consistência última. Teorias, na medida em que sempre se constroem
com base em pressupostos, contam incessantemente com certa dose de crença. É
isso que sentimos, por exemplo, diante das teorias dedutivas em geral. Por outro
lado, há a possibilidade de corrigir esse caráter inconsistente das teorias do eu por
meio de um apoio mais efetivo nas ciências empíricas. Temos, com isso, o surgi-
mento de teorias que vão se estruturar a partir de uma perspectiva positivista. Nes-
te caso, passa a ser considerado como a verdade sobre o psiquismo aquilo que se
apresenta como passível de comprovação empírica, agora denominado comporta-
mento ou rede de comportamentos. O problema dessa concepção, não obstante, é o
pressuposto, também questionável, da estrutura biológica, orgânica, do psiquismo
humano, o qual retém a noção de subjetividade em sintonia com a estrutura com-
portamental. O que nos permite falar em uma desconsideração da relação primeira
entre homem e mundo? Qual a base de tal relação? A necessidade de responder a
essas perguntas é o que orienta primariamente nossa discussão; todavia, antes de
explicitarmos um pouco mais como uma resposta pode ser alcançada, é preciso ter
em vista um último ponto crítico.

A própria filosofia vem anunciando, desde o final do século XIX, uma cri-
se com relação às filosofias da subjetividade, que se mostraram a partir de certo
momento como insuficientes diante da complexidade da existência humana. Tal
crítica foi absorvida pela psicologia existencial-humanista. Como a crítica filosófi-
ca à subjetividade, as psicologias existencial-humanistas também se opunham ao
pressuposto do sujeito, seja como aparato psíquico, seja como unidade compor-
tamental, passando a denominá-lo de pessoa, a fim de, desta forma, devolver-lhe
a dignidade. Constata-se, por outro lado, que estas correntes, mesmo apontando
para uma tentativa de se articular de modo diferenciado das demais, acabaram
por recair na mesma noção de sujeito que criticavam e por manter os mesmos
referenciais idealizados pelas psicologias primeiras (Behaviorismo e Psicanálise),
as quais, com suas respectivas técnicas, visavam a produzir um maior conheci-
mento de si e estabeleciam um ideal psíquico a ser atingido. Ao mesmo tempo,
a perspectiva existencial-humanista ainda mantém a Psicologia como disciplina
cujo interesse se encontra no âmbito meramente privado.

Dito de maneira mais explícita: ela também desconsidera o horizonte mun-


dano-relacional de todas as possibilidades existenciais humanas. Nossa questão se
recoloca, então, uma vez mais: o que pode nos servir de base para uma superação
desse que nos parece ser um efeito fatídico da filosofia moderna sobre a Psicolo-
gia? Uma vez esclarecida a crise das referências que articulam as psicologias mo-
dernas, buscaremos na Fenomenologia de Husserl e na ontologia fenomenológico-
-existencial de Heidegger fundamentos para repensar uma proposta em Psicologia
(fenomenológico-existencial) que, respectivamente, trabalhe com as noções de in-
tencionalidade e de poder-ser, de modo a apresentar uma nova compreensão dos
fenômenos psíquicos em geral. Essa busca repercute diretamente sobre a Psicologia
Social, uma vez que a fenomenologia, tanto em Husserl quanto em Heidegger, pen-
sa o homem como marcado por uma estrutura que inviabiliza na raiz todo e qual-
quer solipsismo e que o projeta diretamente para uma relação com os outros e com

96
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

o mundo. Nossa hipótese é que a fenomenologia traz consigo uma possibilidade


de transformação da psicologia, uma vez que vê os fenômenos psicossociais como
estruturados a partir da relação originária homem-mundo.

Boss (1976) esclarece que a articulação da fenomenologia de Husserl e Hei-


degger, sobretudo da de Heidegger, com a Psicologia e com a Psiquiatria foi inau-
gurada na década de quarenta do século passado, quando o psiquiatra suíço Lu-
dwig Binswanger utilizou o termo Daseinsanalyse pela primeira vez para designar
uma abordagem que, baseada no filósofo alemão, diferenciava-se de duas referên-
cias essenciais nas ciências naturais: o determinismo causal aplicado à existência
humana e a suposição de que forças e complexos psíquicos agem de modo oculto
nas expressões aparentes do homem. Por outro lado, ao reconhecer que sua pers-
pectiva ainda se mantinha na ideia de uma subjetividade fechada em si e dotada
da possibilidade de se relacionar eticamente com os outros a partir da empatia,
Binswanger acaba por constituir uma psicologia com base no amor; logo também
mantendo a sua perspectiva em uma discussão no âmbito do particular, Heidegger
acusa Binswanger de permanecer em uma psicologia que se aproximava mais da
posição com ênfase na filosofia da subjetividade. O psiquiatra passa, então, a de-
nominar a sua abordagem de Fenomenologia Antropológica e a retomar uma pro-
ximidade maior com Husserl. A Daseinsanalyse, porém, voltou a ser discutida nos
encontros regulares de Medard Boss com Heidegger e outros médicos e psicotera-
peutas, publicados com o título de Seminários de Zollikon (Heidegger, 1987/2001).
Nesses seminários, que aconteceram de 1959 a 1969, abriram-se outras possibilida-
des de discussão e de reflexão sobre a verdade, o tempo, o espaço e a causalidade.
Embora Heidegger tenha abalizado a proposta da Daseinsanalyse de Boss, esta não
foi incluída no contexto da Psicologia de forma ampla, mantendo-se apenas em
grupos muito restritos. Assim, um dos principais objetivos do presente artigo é jus-
tamente corrigir esse fato, explorando possibilidades intrínsecas a uma psicologia
com ênfase no social, pois, como afirma Charles Taylor (1997) em sua contribuição
sobre Heidegger, esse filósofo é efetivamente um filósofo social.

Neste trabalho pretendemos ampliar e divulgar os fundamentos de uma


psicologia que, a partir do pensamento de Husserl, coloque-se em sintonia com
elementos insinuados na ontologia de Heidegger, mas não desenvolvidos no
âmbito da Psicologia. Ao se alterar a concepção de eu e, consequentemente, a
atitude diante do fenômeno, passa-se a estabelecer uma nova articulação para a
Psicologia, partindo-se do pressuposto de que toda e qualquer teoria não fenome-
nológica acerca da existência humana deve ser suspensa para que possamos nos
aproximar do fenômeno que se pretenda investigar.

GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA MODERNA FILOSOFIA DA


SUBJETIVIDADE

Apresentaremos de maneira sintética as elaborações acerca da subjetivi-


dade no âmbito da Filosofia moderna (Descartes) para então podermos mostrar
como as psicologias modernas vão estabelecer uma teoria e prática a partir da
concepção de subjetividade. Primeiramente, iremos reconstruir a concepção car-
tesiana da subjetividade moderna: sua gênese e seu desenvolvimento. Para tanto,
97
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA GERAL E OS DOMÍNIOS DO SABER

é preciso ter em vista algumas informações prévias. Descartes (1637/1978), pen-


sador e articulador do pensamento moderno, vai destacar a valorização da razão
e do indivíduo e a supremacia da vontade. Nas Meditações metafísicas (1641/1991),
inicia por assumir uma postura metodológica de questionamento, que tem por
base utilizar a dúvida como instrumento de alijamento de opiniões incertas e de
fundamentação de um conhecimento seguro e indubitável. Na primeira medita-
ção descreve as razões pelas quais devemos duvidar de uma série de proposições
veiculadas pela tradição. Começa pela dúvida do sensível (o caráter enganoso
dos juízos sensíveis), pela radicalização dessa dúvida na dúvida do sonho (indis-
tinção entre as representações dos sonhos e as representações da vigília) e chega
até a hipótese do gênio maligno e a sua extensão na dúvida metafísica do deus
enganador (suspensão do critério de verdade como clareza e distinção). Descar-
tes (1641/1991) vai paulatinamente encurtando o campo daquilo que se tomava
até então como verdadeiro. Esta dúvida deve permanecer até que surjam novos
fundamentos que permitam não mais duvidar. A vantagem da dúvida é que nos
liberta dos preconceitos provocados pela ilusão dos sentidos. Formula, então, a
Dúvida Metódica e a existência de uma única certeza: a existência do pensamen-
to, e acaba por concluir pelo argumento do cogito (pensamento), que pressupõe
que o fato de pensar torna evidente o fato de existir.

Na Segunda Meditação, a partir da certeza do cogito e da plena liberdade


da alma, concebe e estabelece a distinção entre aquilo que pertence à natureza
intelectual e o que pertence ao corpo. Descartes (1641/1991) justifica que alma e
corpo consistem em substâncias diferentes, já que podem ser concebidas pelas
suas naturezas diversas e contrárias. O corpo constitui-se claramente por uma
substância que permite o estabelecimento de variações de forma e de conteúdo
sem ao mesmo tempo sofrer, ela mesma, tais variações. A partir da imagem de
um pedaço de cera que altera todas as suas propriedades ao ser aproximada do
fogo, Descartes (1641/1991) conclui que essa substância corpórea não é outra se-
não a extensão, uma vez que a extensão é a única propriedade da coisa que se
mantém inalterada no momento da alteração de suas propriedades. A alma, por
outro lado, é constituída pela única atividade que funda a certeza do cogito, ativi-
dade de pensamento. Como eu só sou enquanto penso, o que eu sou se confunde
com a própria dinâmica de pensar: a alma é, então, uma coisa pensante, uma
substância marcada pela ação de pensar.

Na Terceira Meditação, o que está em questão é a suspensão da dúvida meta-


física e o restabelecimento do critério de verdade como clareza e distinção. Para tan-
to, Descartes (1641/1991) precisa provar a existência de uma causa soberanamente
perfeita, bela, boa e justa. Com isso, ele conquista uma possibilidade de restituir as
bases do conhecimento em geral, agora de maneira efetivamente consistente.

Ele apresenta, então, na Quarta Meditação, a certeza da existência da ver-


dade, que apenas é alcançável quando concebida de forma clara e distinta e quan-
do nasce de um cerceamento interno da vontade humana infinita pela luz natural
racionalmente determinada. Para ele, o equívoco acontece quando a vontade nos
leva a afirmar ou negar algo independentemente do discernimento entre o ver-
dadeiro e o falso. Assim, prepara-se o caminho para que o espírito se liberte dos
98
TÓPICO 4 — OS OBJETOS DE ESTUDO E OS MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO PSI

sentidos ao encontro da verdade e supere ao mesmo tempo de uma vez por todas
o movimento inicial da dúvida. Chega a afirmar que o homem pode conhecer o
real de modo verdadeiro e definitivo: basta que se desenvolvam as diretrizes de
um método seguro para se chegar à verdade. Busca uma certeza como base de
toda a construção do conhecimento. Passa a considerar a supremacia do sujeito
com relação à verdade e ao seu papel de fundamentação da certeza. Este sujeito,
como uma consciência encapsulada em si mesma que se relaciona com o mundo
exterior, é a gênese da moderna dicotomia entre sujeito e objeto.

Na Quinta Meditação há uma explicação da natureza corpórea e uma ex-


posição das razões que provam a existência de Deus. Por fim, na Sexta Meditação,
Descartes (1641/1991) descreve a ação do entendimento e a ação da imaginação
para assim provar que são substâncias distintas, tal como o são o corpo e a alma;
no entanto, por um erro dos sentidos, pensa-se comumente que são a mesma coisa.

Descartes, em uma posição otimista em relação ao progresso do conhecimen-


to, ainda guarda a semente do sonho antigo da ciência de explicar a totalidade. Ele
busca um corpo de verdades teóricas, universais e necessárias, de certezas definiti-
vas, que não admitem erro, correção ou refutação. Descartes (1637/1978) pressupõe
que o avançar da ciência possibilitaria "Livrar-nos de uma infinitude de moléstias,
quer do espírito, quer do corpo, e talvez mesmo do enfraquecimento da velhice, se
tivéssemos bastante conhecimentos de suas causas e de todos os remédios que a na-
tureza nos dotou." (Descartes, 1637/1978, p. 64). Tem-se aí o sujeito absoluto, podero-
so e construtor de todas as coisas consoante a sua vontade e contraposto ao mundo.

[...] As teorias em Psicologia têm como objetivo estabelecer as condições in-


ternas do eu, tomado como ponto de articulação do interior com o exterior, condi-
ções que lhe dão acesso tanto ao interno quanto ao externo. As teorias psicológicas
consistem em uma descrição da estrutura e do processo deste ponto de articulação
que abre a possibilidade de se refletir de maneira científica sobre o interior, sem
qualquer conceito místico ou metafísico como o conceito de alma, já que a própria
reflexão quebra a tendência à saída imediata e à aniquilação de si, e, assim, pode
trazer à luz essa interioridade, na qual se encontra toda a verdade sobre este eu.
FONTE: FEIJOO, A. M. L. C. de. A crise da subjetividade e o despontar das psicologias fenomenológi-
cas. Psicol. Estud. v. 16, n. 3, set. 2011. Disponível em: https://bit.ly/39YT9RM. Acesso em: 31 ago. 2021.

99
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Inicialmente, a psicologia era considerada como um ramo da filosofia, estu-


dando especificamente a alma.

• A psicologia foi criticada por ter um objeto de estudo pouco preciso e subjetivo.

• A psicologia foi separada da filosofia ao adotar um método científico inicial.

• Para se tornar científica, a psicologia passou a perguntar a si sobre seu objeto


de estudo e seu método para estudá-lo.

• Posteriormente, a ciência psicológica passou a ter diferentes objetos de estudo.

• A psicologia pode ser definida de diversas maneiras, dependendo das ten-


dências dos pesquisadores no momento em que a definição foi formulada.

• Existe heterogeneidade na psicologia e na psicanálise, por isso são adotadas


as expressões psicanálises, psicologias e áreas psi.

• Comportamento, fenômenos psicológicos, experiência humana, consciência,


inconsciente, conduta humana e subjetividade são alguns dos termos comu-
mente utilizados como objetos de estudo da psicologia.

CHAMADA

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100
AUTOATIVIDADE

1 No segundo século da Era Cristã, o célebre médico romano Cláudio Galeno


retoma e aprimora a teoria platônica [da formação da psyché], apresentando
uma concepção bem mais embasada da loucura. Entretanto, como Hipó-
crates, considera o desarranjo humoral como a causa da doença mental.
No que se refere ao sentido etimológico da palavra psicologia, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Estudo da alma.
b) ( ) Estudo do comportamento.
c) ( ) Estudo da mente.
d) ( ) Estudo da subjetividade.

2 Quando você escuta alguém argumentando que a psicologia é a ciência que


estuda o comportamento humano, sabe que foi influenciada pelo discurso
da abordagem:

a) ( ) Behaviorista.
b) ( ) Fenomenológica.
c) ( ) Gestalt.
d) ( ) Psicanálise.

3 No século XX, para alguns, o objeto da psicologia era a mente, porque a pa-
lavra alma parecia estar mais vinculada à religião. Já a palavra mente estava
associada à ideia de ânimo do corpo e pensamentos. Já Freud estava mais
interessado em ter como objeto de estudo o:

a) ( ) Percepção.
b) ( ) Comportamento.
c) ( ) Consciente.
d) ( ) Inconsciente.

4 Por volta do século XX, os psicólogos recebiam muitas críticas sobre a psi-
cologia, sobretudo em virtude das características do objeto de estudo. A
partir de então, o que os psicólogos fizeram para transformar a psicologia
em uma ciência?

5 Uma palavra utilizada para definir o objeto de estudo da psicologia é re-


lação. A abordagem sistêmica enfatiza o estudo deste objeto na psicologia.
Disserte sobre a relação como objeto de estudo da psicologia.

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108
UNIDADE 2 —

AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO
PROFISSIONAL NO BRASIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a psicologia como profissão;

• conhecer áreas de atuação do psicólogo;

• distinguir as diferenciadas formas do exercício profissional do psicólo-


go quanto às áreas tradicionais de atuação;

• caracterizar áreas emergentes de atuação do psicólogo no Brasil;

• entender o compromisso social da psicologia no contexto brasileiro.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS
CONTEMPORÂNEAS

TÓPICO 2 – CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS
CONTEMPORÂNEAS

TÓPICO 3 – O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

109
110
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL:


HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

1 INTRODUÇÃO

Na unidade anterior, tivemos algumas pistas sobre momentos históricos da


trajetória científica traçada pela psicologia. Como visto, a psicologia é uma ciência,
portanto, uma área que produz conhecimentos específicos. Vimos alguns objetos de
estudo da área e tivemos contatos principiantes com a ciência psi, mas é pertinente
localizarmos a psicologia no cenário científico e profissional do mercado de trabalho.

Além de ciência, a psicologia é uma profissão. Ela se propõe a produzir


trabalho e são inúmeras as possibilidades em que o psicólogo pode trabalhar,
embora as mais conhecidas sejam a clínica (consultório), escolas, empresas.

Antes de aprendermos sobre o trabalho do psicólogo nesses ambientes,


vamos checar como ele foi construído historicamente? Boa leitura!

2 A PSICOLOGIA NO BRASIL
Ainda que a psicologia clínica seja uma das mais famosas no Brasil — e
muitos dos acadêmicos da área tenham por objetivo abrir um consultório —, não
foi ela a área pioneira no país. Podemos dizer, resumidamente, que a evolução
da psicologia enquanto profissão, no Brasil, iniciou na década de 1920, por meio
da pedagogia escolar, na medida em que conhecimentos desta ciência passaram
a ser direcionados para as demandas das escolas.

Na década de 1930, a industrialização estava em franco desenvolvimento e im-


plantação. No entanto, as indústrias foram se deparando com casos de "doença mental"
apresentados pelos trabalhadores. Assim, as indústrias começaram a solicitar o auxílio
dos psicólogos no contexto profissional, marcando o início da clínica industrial.

A década de 1950 teve muitos marcos para a psicologia, pois a carreira foi
institucionalizada com o início do ensino de psicologia propriamente dito. O pri-
meiro curso de psicologia foi no Rio de Janeiro e estava vinculado à área médica.

No que se refere à década de 1960, ocorreu a regulamentação da profissão


e o ensino de psicologia foi sendo expandido. Os cursos eram voltados para o
ensino de psicologia nas três áreas: educacional, industrial e clínica.

111
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

A década de 1970 ficou marcada pela criação do conselho. Temos o Conse-


lho Federal de Psicologia — CFP e seus conselhos regionais. Ademais, os cursos
de psicologia passaram a oferecer a opção de licenciatura, bacharelado e a forma-
ção de psicólogo.

O psicólogo que possui licenciatura em psicologia pode ensinar psicolo-


gia nas escolas. Vale salientar que durante alguns anos, em nosso país, esta ciên-
cia foi uma disciplina do segundo grau (equivalente ao Ensino Médio). Os jovens
tinham aula de psicologia, assim como filosofia, sociologia.

Já o bacharelado é direcionado ao desenvolvimento de pesquisadores em


psicologia. Ele diz respeito à psicologia enquanto ciência — ligada às instituições
de Ensino Superior, pesquisadores, publicações em periódicos científicos.

Por fim, a formação de psicólogo concerne a exercer a profissão de psicó-


logo. É este profissional que trabalhará no consultório, nas escolas, nas empresas,
nas organizações, na área jurídica, com a psicologia social, com o esporte, com o
trânsito, com neuropsicologia, entre outros. Entre as décadas de 1970 e 1990, a
diversidade permeou as teorias e práticas psicológicas.

DICAS

Se você possui curiosidade em saber mais sobre a psicologia nas décadas passadas,
sugerimos a leitura da obra Psicologias do Século XX, de Edna Heidbreder (1975). Boa leitura!

Em 1994, ocorreu o Processo Constituinte Repensando a Psicologia. Tra-


ta-se do Congresso Nacional Constituinte da Psicologia. O evento foi coordenado
pelos Conselhos de Psicologia — federal e regionais, os quais formam o Sistema
Conselhos. A partir de então, o Brasil apresenta uma psicologia organizada, com
número expressivo de profissionais.

A Classificação Brasileira de Ocupações — CBO, vinculada inicialmente


ao Ministério do Trabalho, pode ser utilizada para conhecer as profissões existen-
tes no Brasil, assim como a descrição delas. Além disso, é possível encontrarmos
o histórico das ocupações, as características de trabalho, as áreas de atividade, as
competências pessoais, os recursos de trabalho, a tabela de atividades, entre outras
informações. A CBO será utilizada para aprendermos sobre o trabalho de psicólo-
go. Vejamos como esta classificação descreve a psicologia enquanto profissão:
Estudam, pesquisam e avaliam o desenvolvimento emocional e os
processos mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a
finalidade de análise, tratamento, orientação e educação; diagnosticam
e avaliam distúrbios emocionais e mentais e de adaptação social, elu-

112
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

cidando conflitos e questões e acompanhando o(s) paciente(s) durante


o processo de tratamento ou cura; investigam os fatores inconscientes
do comportamento individual e grupal, tornando-os conscientes; de-
senvolvem pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenam
equipes e atividades de área e afins (BRASIL, 2002, s.p.).

Para ser um profissional em psicologia, é fundamental conhecer a área


enquanto profissão. Isso significa que você precisa acessar às informações sobre a
legislação. Cabe ponderar que o Sistema Conselhos está ligado à CBO, à bioética
e até ao Código do Consumidor.

Na sequência, apresentaremos as condições gerais de exercício da profissão


de psicologia, de acordo com a CBO. Essas considerações são interessantes para dis-
siparmos as ideias de que psicólogos apenas trabalham sozinhos, em locais fechados,
sentados no consultório. Além dos locais de trabalho, preste atenção no regime de
trabalho, horários de trabalho e riscos à saúde que a profissão pode oferecer:
Os profissionais dessa família ocupacional atuam, principalmente, em
atividades ligadas à saúde, a serviços sociais e pessoais e à educação.
Podem trabalhar como autônomos e/ou com carteira assinada, indivi-
dualmente ou em equipes. É comum os psicólogos clínicos, hospitala-
res, sociais e neuropsicólogos trabalharem com supervisão. Têm como
local de trabalho ambientes fechados ou, no caso dos neuropsicólogos
e psicólogos jurídicos, pode ser a céu aberto. Os psicólogos clínicos, so-
ciais e os psicanalistas, eventualmente, trabalham em horários irregula-
res. Alguns deles trabalham sob pressão, em posições desconfortáveis
durante longos períodos, confinados (psicólogos clínicos e sociais) e ex-
postos à radiação (neuropsicólogo) e ruídos intensos. A ocupação psica-
nalista não é uma especialização, é uma formação, que segue princípios,
processos e procedimentos definidos pelas instituições reconhecidas
internacionalmente, podendo o psicanalista ter diferentes formações
como: psicólogo, psiquiatra, médico, filósofo etc. (BRASIL, 2002, s.p.).

Ademais, recomenda-se que, para o exercício da profissão de psicólogo


seja feita a psicoterapia ou análise como paciente/cliente, levando em consideração
que o curso de graduação não é suficiente para uma correta atuação. Além disso,
é essencial que o profissional dê continuidade aos estudos, em formações em
psicologia/psicanálise e/ou especializações.
Para os trabalhadores dessa família, é exigido o nível superior com-
pleto e experiência profissional que varia segundo a formação. Para
os psicólogos, de um modo geral, pede-se de um a quatro anos, como
é o caso do psicólogo clínico. Para o psicanalista, é necessário, no mí-
nimo, cinco anos de experiência. Os cursos de qualificação também
variam de cursos básicos de duzentas a quatrocentas horas-aula, como
no caso do psicólogo hospitalar, mais de quatrocentas horas-aula para
os psicólogos jurídicos, psicanalistas e neuropsicólogos, até cursos de
especialização para os psicólogos clínicos e sociais. A formação desses
profissionais é um conjunto de atividades desenvolvidas por eles, mas
os procedimentos são diferentes quanto a aspectos formais relaciona-
dos às instituições que os formam (BRASIL, 2002, s.p.).

113
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Portanto, as carreiras em psicologia requerem inúmeras leituras comple-


mentares a partir da graduação. Além da CBO, você pode aprender mais sobre a
psicologia lendo a Revista Psicologia: Ciência e Profissão, disponível na internet. Ela
agrega conhecimento histórico da profissão, inclusive sobre a regulação, e está in-
terligada com institutos de pesquisas, instituições de educação em nível superior,
Organização Mundial da Saúde — OMS e publicações científicas.

DICAS

Vale a pena conferir e se tornar leitor assíduo do periódico Psicologia: Ciência


e Profissão! Seu conteúdo está disponível em: <bit.ly/2XJtPdP>.

Antes de passarmos para o estudo das áreas tradicionais da psicologia,


vamos conferir quais são as atividades que os psicólogos e os psicanalistas podem
fazer, em conformidade com a CBO.

QUADRO 1 – RELATÓRIO TABELA DE ATIVIDADES FAMÍLIA OCUPACIONAL 2515: PSICÓLOGOS


E PSICANALISTAS

Triar casos.
Entrevistar pessoas.
Levantar dados pertinentes.
Observar pessoas e situações.
Avaliar Elaborar diagnósticos.
comportamentos Dar devolutiva.
psiquicos Investigar pessoas, situações e problemas.
Escolher o instrumento de avaliação.
Aplicar instrumentos e métodos de avaliação.
Mensurar resultados de instrumentos de avaliação.
Analisar resultados de instrumentos de avaliação.
Propiciar espaço para acolhimento de vivências emocionais
(setting terapêutico).
Prover suporte emocional.
Tornar consciente o inconsciente.
Analisar - tratar
Propiciar criação de vínculo paciente-terapeuta.
indivíduos, grupos
Interpretar conflitos e questões.
e instituições
Elucidar conflitos e questões.
Promover integração psíquica.
Promover desenvolvimento das relações interpessoais.
Promover desenvolvimento da percepção interna (insight).

114
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

Mediar conflitos.
Reabilitar aspectos corporais.
Facilitar grupos.
Elaborar processo de alta.
Propor intervenções.
Informar sobre desenvolvimento do psiquismo humano.
Orientar Orientar mudança de comportamento.
individuos, Aconselhar pessoas, grupos e famílias.
grupos e Realizar orientação vocacional.
instituições Orientar sobre programas de saúde pública.
Auxiliar na formulação de políticas públicas.
Realizar encaminhamento.
Acompanhar impactos de intervenções.
Acompanhar a evolução da intervenção.
Acompanhar a evolução do caso.
Acompanhar o desenvolvimento de profissionais em for-
Acompanhar mação e especialização.
individuos, grupos Acompanhar resultados de projetos.
e instituições
Visitar instituições e equipamentos sociais.
Visitar domicílios.
Participar de plantão técnico.
Realizar acompanhamento terapêutico.
Estudar casos.
Apresentar estudos de caso.
Ministrar aulas, cursos e palestras.
Supervisionar profissionais da área e áreas afins.
Supervisionar estagiários da área e áreas afins.
Educar individuos, Coordenar grupos de estudo.
grupos e Formar especialistas da área.
instituições Capacitar profissionais.
Desenvolver cursos para grupos específicos.
Elaborar manuais.
Propiciar recursos para o desenvolvimento de aspectos
cognitivos.
Avaliar resultados.
Investigar o psiquismo humano.
Investigar o comportamento individual, grupal e institucional.
Investigar comportamento animal.
Desenvolver
Definir problema e objetivos.
pesquisas
experimentais, Pesquisar bibliografia.
teóricas e clínicas Definir metodologias de ação.
Estabelecer parâmetros de pesquisa.
Construir instrumentos de pesquisa.
Padronizar testes.

115
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

Coletar dados.
Organizar dados.
Analisar dados.
Planejar as atividades da equipe.
Programar atividades.
Distribuir tarefas à equipe.
Trabalhar a dinâmica da equipe.
Coordenar equipes Coordenar reuniões.
e atividades Organizar eventos.
Identificar recursos da comunidade.
Avaliar propostas e projetos.
Avaliar a execução das ações.
Prestar consultoria/assessoria.
Participar de palestras, debates e entrevistas.
Participar de reuniões científicas (congressos, seminários
e simpósios).
Participar de
Participar de comissões técnicas.
atividades para
Participar de conselhos municipais, estaduais e federais.
divulgação
Participar de entidades de classe.
profissional
Fornecer subsídios a estratégias e políticas organizacionais.
Fornecer subsídios à elaboração de legislação.
Publicar artigos, ensaios, livros científicos e notas técnicas.
Elaborar pareceres, laudos e pericias.
Agendar atendimentos.
Convocar pessoas.
Organizar prontuários.
Realizar tarefas Preencher formulários e cadastro.
administrativas Elaborar projetos.
Elaborar instrumentos de avaliação administrativa.
Fazer levantamentos estatísticos.
Providenciar aquisição de material técnico.
Sistematizar informações.
Manter sigilo profissional.
Trabalhar em equipe.
Demonstrar capacidade de manter imparcialidade.
Respeitar os limites de atuação.
Demonstrar Demonstrar interesse pela pessoa/ser humano.
competências Ouvir ativamente (saber ouvir).
pessoais Demonstrar capacidade de contornar situações adversas.
Respeitar valores e crenças dos clientes.
Demonstrar capacidade de observação.
Demonstrar habilidade de questionar.
Demonstrar capacidade de raciocínio abstrato.
FONTE: Adaptado de Brasil (2002)

116
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

Cabe elucidar que o conteúdo do quadro anterior está direcionado para


as psicologias clínica, educacional e do trabalho. Logo, é importante realizar sua
leitura com muita atenção.

Agora que você possui noção de como a psicologia se constituiu no Brasil, va-
mos aprender sobre as áreas tradicionais da psicologia. Começaremos com a psicologia
clínica; na sequência, veremos a psicologia escolar/educacional; por fim, a organizacio-
nal — também conhecida como empresarial, ou psicologia do trabalho. Vamos lá?

3 PSICOLOGIA CLÍNICA
De acordo com Bastos e Gomide (1989), mais de 40% dos psicólogos brasi-
leiros trabalhavam na área de atuação clínica no final dos anos 1980. Portanto, era
a área que mais empregava profissionais da psicologia. Naquela época, também
era relativamente frequente o trabalho do psicólogo em duas áreas, sendo a clí-
nica uma delas. 60% dos psicólogos brasileiros tinham, no mínimo, um emprego
em clínica. "Esta área, certamente, deve continuar definindo a profissão para o
público externo e se constituir em forte polo de atração para os que buscam a
profissão (algo compatível com o conjunto de valores expressos nos motivos de
escolha da Psicologia) [...]” (BASTOS; GOMIDE, 1989, p. 9).

Além disso, a maior parte dos psicólogos trabalhava com psicoterapia indi-
vidual. Clínicas e consultórios consistiam em locais nos quais a maioria dos psicó-
logos brasileiros trabalhava. De mais a mais, na época, a psicologia era vista como
uma profissão liberal, mas, inclusive na área clínica, somente metade dos psicólo-
gos, nos anos 1980, trabalhavam como autônomo (BASTOS; GOMIDE, 1989).

FIGURA 1 – PSICOLOGIA CLÍNICA INDIVIDUAL

FONTE: <bit.ly/2XzmGwu>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Agora, vamos conhecer o que o Conselho Federal de Psicologia aborda


sobre o trabalho dos psicólogos clínicos. Vejamos o quadro a seguir.

117
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

QUADRO 2 – PSICÓLOGO CLÍNICO

Função Psicólogo clínico


• Atua na área especifica da saúde, colaborando para a compre-
ensão dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque
preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multipro-
fissional em instituições formais e informais.
• Realiza pesquisa, diagnostico, acompanhamento psicológico e
intervenção psicoterapica individual ou em grupo, por meio de
diferentes abordagens teóricas.
• Realiza avaliação e diagnóstico psicológicos de entrevistas, ob-
servação, testes e dinâmica de grupo, com vistas à prevenção e
tratamento de problemas psíquicos
• Realiza atendimento psicoterapêutico individual ou em grupo,
adequado às diversas faixas etárias, em instituições de presta-
ção de serviços de saúde, em consultórios particulares e em ins-
tituições formais e informais.
• Realiza atendimento familiar e/ou de casal para orientação ou
acompanhamento psicoterapêutico.
• Realiza atendimento a crianças com problemas emocionais, psi-
comotores e psicopedagógicos.
• Acompanha psicologicamente gestantes durante a gravidez,
parto e puerpério, procurando integrar suas vivências emocio-
nais e corporais, bem como incluir o parceiro como apoio neces-
sário em todo este processo.
Atribuições • Prepara o paciente para entrada, permanência e alta hospitalar,
inclusive em hospitais psiquiátricos.
• Trabalha em situações de agravamento físico e emocional, in-
clusive no período terminal, participando das decisões com re-
lação à conduta a ser adotada pela equipe, como: internações,
intervenções cirúrgicas, exames e altas hospitalares.
• Participa da elaboração de programas de pesquisa sobre a saúde
mental da população, bem como sobre a adequação das estratégias
diagnósticas e terapêuticas à realidade psicossocial da clientela.
• Cria, coordena e acompanha, individualmente ou em equipe
multiprofissional, tecnologias próprias ao treinamento em saú-
de, particularmente em saúde mental, com o objetivo de qualifi-
car o desempenho de várias equipes.
• Participa e acompanha a elaboração de programas educativos
e de treinamento em saúde mental, a nível de atenção primá-
ria, em instituições formais e informais, como creches, asilos,
sindicatos, associações, instituições de menores, penitenciárias,
entidades religiosas.
• Colabora, em equipe multiprofissional, no planejamento das
políticas de saúde, em nível de macro e microssistemas.
• Coordena e supervisiona as atividades de psicologia em insti-
tuições e estabelecimentos de ensino e/ou de estágio, que inclu-
am o tratamento psicológico em suas atividades.

118
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

• Realiza pesquisas visando à construção e à ampliação do conhe-


cimento teórico e aplicado no campo da saúde mental.
• Atua junto a equipe multiprofissional no sentido de levá-la a
identificar e compreender os fatores emocionais que intervêm
na saúde geral do indivíduo, em unidades básicas, ambulató-
rios de especialidades, hospitais gerais, prontos-socorros e de-
mais instituições.
• Atua como facilitador no processo de integração e adaptação do
indivíduo à instituição. Orientação e acompanhamento à clien-
tela, aos familiares, aos técnicos e demais agentes que partici-
pam, diretamente ou indiretamente dos atendimentos.
• Participa dos planejamentos e realiza atividades culturais, te-
rapêuticas e de lazer com o objetivo de propiciar a reinserção
social da clientela egressa de instituições.
• Participa de programas de atenção primária em centros e uni-
dades de saúde ou na comunidade; organizando grupos espe-
cíficos, visando à prevenção de doenças ou do agravamento de
fatores emocionais que comprometam o espaço psicológico.
• Realiza triagem e encaminhamentos para recursos da comuni-
dade sempre que necessário.
• Participa da elaboração, execução e análise da instituição, reali-
zando programas, projetos e planos de atendimentos, em equi-
pes multiprofissionais, com o objetivo de detectar necessidades,
perceber limitações, desenvolver potencialidades do pessoal
envolvido no trabalho da instituição, tanto nas atividades-fim
quanto nas atividades-meio.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

Perceba que o detalhamento de atribuições não fica restrito ao contexto de


consultório, tampouco dirigido apenas ao atendimento individual. O psicólogo
clínico pode continuar prestando atendimentos individuais e pode ir além disso,
prestando atendimentos compartilhados e grupais.

A realidade brasileira urge para que a atuação clínica se torne uma das
propostas interventivas realizadas pelos psicólogos. Contudo, as circunstâncias
atuais não são mais compatíveis para que a maioria massiva de demandas seja
atendida pelos profissionais que atendem nos consultórios, no modelo clássico,
com viés individual. Muitos pacientes que viviam internados em hospitais psi-
quiátricos nas décadas anteriores, não recebem, atualmente, tratamentos com in-
ternação tão longa. Eles precisam ocasionalmente se deslocar aos estabelecimen-
tos de saúde e/ou aos consultórios dos profissionais que os atendem.
A desconstrução institucional do sistema hospitalocêntrico implica a
descentralização dos serviços de saúde mental e a inclusão do "social"
na pauta do cotidiano profissional, indicando modificações significa-
tivas no papel do psicólogo clínico. Questiona-se o modelo unidimen-
sional da psicoterapia individual de consultório e propõe-se um outro

119
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

modelo ligado à saúde coletiva, que supõe flexibilizações e diversifica-


ções nas intervenções clínicas (plantão, psicoterapia, visita domiciliar,
rede social etc.) para poder atender à complexidade da demanda de
cuidados à saúde do cliente. O psicólogo é então solicitado a trabalhar
numa prática complexa, interdisciplinar, com recursos terapêuticos
diversos, na qual as ações intra e interorganizacionais aparecem inter-
ligadas umas com as outras formando um circuito de rede institucio-
nal (VIEIRA FILHO, 2005, p. 302).

Já passou do momento de a psicologia brasileira se mobilizar para


problematizar a histórica ênfase na atuação da clínica tradicional. As conjecturas
recentes precisam de profissionais que sejam guiados, sobretudo, às circunstâncias
e vivências socioculturais.

DICAS

O filme intitulado Um limite entre nós é uma produção que pode ajudar em
sua reflexão sobre o sistema hospitalocêntrico. Procure assisti-lo prestando atenção em
Gabe e nas opiniões que os demais personagens emitem a respeito do que a sociedade
deve fazer com ele. Gabe, em combate na guerra, teve sua mente prejudicada e voltou
com comportamentos geradores de muita polêmica.

FIGURA – CAPA DO FILME UM LIMITE ENTRE NÓS

FONTE: <https://bit.ly/3FcivKz>. Acesso em: 28 set. 2021.

Ao conferir a lista de atribuições, foi possível imaginar como é o dia a


dia do psicólogo clínico. Sanzovo e Coelho (2007) alertam para que o psicólogo
clínico fique atento à qualidade de seu próprio trabalho, afinal, lida na maioria
das vezes com o sofrimento humano e está em constante contato com situações
estressoras. Entretanto, isso não pode ser justificativa para que os clientes em tra-
tamento sejam atendidos de modo indevido.
120
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

Ainda, segundo as autoras, trabalhar com a psicologia clínica envolve, pos-


sivelmente, sensação de impotência e fracasso diante de alguns casos. O profissio-
nal também pode enveredar com uma preocupação intensa com os clientes. Há
psicólogos clínicos que enfrentam a tentativa de suicídio por parte de seus clientes
ou, ainda, o falecimento de alguns deles. Além de tais situações, as dificuldades
econômicas também são relatadas por agentes da área clínica, sendo recomendável
sempre lembrar, portanto, da necessidade de controlar o seu próprio estresse.

É comum que, durante as aulas do curso de psicologia, acadêmicos das


fases iniciais perguntem aos professores se é possível que um psicólogo acabe
enlouquecendo, pois trabalha com loucos. Como visto na unidade anterior, o psi-
cólogo pode trabalhar com diversas pessoas — tenham elas algum comprometi-
mento em sua saúde mental ou não. É válido esclarecer que alterações no âmbito
da saúde mental não são contagiosas. Por outro lado, segundo Sanzovo e Coelho
(2007), é fato que o psicólogo está suscetível ao estresse, por conta das caracte-
rísticas da profissão. Ele precisa fazer psicoterapia ou análise e pode procurar
supervisão de um psicólogo para discutir os casos que está atendendo.

Essa apresentação sobre psicologia clínica buscou elucidar a possível ro-


tina profissional do psicólogo. Não se deixe esmorecer pelo que foi descortinado.
Caso você queira ser um psicólogo clínico, continue estudando e se preparando
para isso, munido das informações necessárias.

DICAS

Por enquanto, não se preocupe em compreender de modo aprofundado o


que o psicólogo faz em cada um dos campos de trabalho apresentados nesta unidade.
Ao longo do curso de psicologia, você vivenciará outros momentos para incrementar seus
conhecimentos sobre cada área. O que precisa ter como objetivo nesta disciplina é um
panorama geral sobre o fazer do psicólogo, em termos de profissão e sobre a produção
do conhecimento em psicologia.

4 PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL


Existe um consenso entre boa parte dos psicólogos de que a psicologia
educacional diz respeito às pesquisas feitas sobre temas relacionados à educação.
Alguns exemplos são atenção, percepção, concentração, aprendizagem, interação
entre os estudantes, vínculos professor-aluno, avaliação, metodologias de ensino,
indisciplina. A psicologia educacional consiste em uma subárea da psicologia.
Enquanto área do conhecimento, possui um corpus sistemático e organizado de
conhecimentos que são construídos aos poucos, com pesquisas que seguem crité-
rios e procedimentos (BARBOSA; SOUZA, 2012).

121
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Já a psicologia escolar é a área de atuação profissional do psicólogo, ou


seja, é um dos campos em que pode trabalhar. Diz respeito aos psicólogos que
trabalham em escolas, em instituições de educação infantil, ou até em univer-
sidades. Os psicólogos fazem uso das pesquisas apresentadas pela psicologia
educacional e de outras áreas da psicologia, e aplicam os conhecimentos em seu
cotidiano (BARBOSA; SOUZA, 2012).

Vamos, agora, conhecer o que fazem os psicólogos voltados à educação.

QUADRO 3 – PSICÓLOGO EDUCACIONAL

Função Psicólogo educacional


• Atua no âmbito da educação, nas instituições formais ou informais.
• Colabora para a compreensão e para a mudança do compor-
tamento de educadores e educandos, no processo de ensino-
-aprendizagem, nas relações interpessoais e nos processos
intrapessoais, referindo-se sempre as dimensões política, eco-
nômica, social e cultural.
• Realiza pesquisa, diagnóstico e intervenção psicopedagógica
individual ou em grupo.
• Participa da elaboração de planos e políticas referentes ao siste-
ma educacional, visando promover a qualidade, a valorização
e a democratização do ensino.
• Colabora com a adequação, por parte dos educadores, de co-
nhecimentos da psicologia que lhes sejam úteis na consecução
crítica e reflexiva de seus papéis.
• Desenvolve trabalhos com educadores e alunos, visando à explicita-
ção e à superação de entraves institucionais ao funcionamento pro-
dutivo das equipes e ao crescimento individual de seus integrantes.
Atribuições • Desenvolve, com os participantes do trabalho escolar (pais, alunos,
diretores, professores, técnicos, pessoal administrativo), atividades
visando prevenir, identificar e resolver problemas psicossociais que
possam bloquear, na escola, o desenvolvimento de potencialidades,
a autorrealização e o exercício da cidadania consciente.
• Elabora e executa procedimentos destinados ao conhecimento
da relação professor-aluno, em situações escolares específicas,
visando, por meio de uma ação coletiva e interdisciplinar, à
implementação de uma metodologia de ensino que favoreça a
aprendizagem e o desenvolvimento.
• Planeja, executa e/ou participa de pesquisas relacionadas à com-
preensão do processo ensino-aprendizagem e conhecimento das
características psicossociais da clientela, visando à atualização e
reconstrução do projeto pedagógico da escola, relevante para o
ensino, bem como suas condições de desenvolvimento e apren-
dizagem, com a finalidade de fundamentar a atuação crítica do
psicólogo, dos professores e usuários e de criar programas edu-
cacionais completos, alternativos ou complementares.

122
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

• Participa do trabalho das equipes de planejamento pedagógico,


currículo e políticas educacionais, concentrando sua ação nos
aspectos que digam respeito aos processos de desenvolvimento
humano, de aprendizagem e das relações interpessoais, bem
como participa da constante avaliação e do redirecionamento
dos planos e práticas educacionais implementados.
• Desenvolve programas de orientação profissional, visando um
melhor aproveitamento e desenvolvimento do potencial hu-
mano, fundamentados no conhecimento psicológico e em uma
visão crítica do trabalho e das relações do mercado de trabalho.
• Diagnostica as dificuldades dos alunos dentro do sistema edu-
cacional e encaminha, aos serviços de atendimento da comuni-
dade, os que requeiram diagnóstico e tratamento de problemas
psicológicos específicos, cuja natureza transcenda a possibili-
dade de solução na escola, buscando a atuação integrada entre
a escola e a comunidade.
• Supervisiona, orienta e executa trabalhos na área de psicologia
educacional.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

É pertinente esclarecer que, inicialmente, a psicologia escolar apresen-


tou atuações voltadas a crianças que apresentavam dificuldade para aprender
ou comportamentos considerados inadequados para a esfera escolar. Assim, du-
rante décadas, os psicólogos escolares passavam parte considerável do tempo
trabalhando individualmente com as crianças consideradas "problemas" pelos
profissionais da escola.

Com o passar do tempo, a demanda por psicólogos nas escolas aumen-


tou e os pesquisadores da psicologia educacional começaram a se perguntar se
o atendimento individual a crianças era a melhor alternativa, em termos de tra-
tamento e de intervenção. Afinal, se tantas crianças geravam queixas nos profes-
sores, seria coincidência ter quantia tão grande de "problemas" em uma sala? Os
comportamentos rotulados de "indisciplina" ou de "não aprendizagem" não se-
riam gerados por circunstâncias da própria escola ou da sociedade? Sendo assim,
a proposta de atendimento seria mais abrangente?

DICAS

A seguir, apresentaremos duas sugestões de filmes para que você possa refle-
tir a respeito da atuação do psicólogo no contexto escolar e educacional. Perceba que a
figura do psicólogo escolar não aparece nas tramas, mas há a figura de educadores dedi-
cados e interessados nas questões psi.

123
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Taare Zameen Par mostra o caso de um menino que, aparentemente, não consegue
aprender na escola. Note o que acontece com ele quando o novo professor começa a
trabalhar na sala de aula.

FIGURA – CAPA DO FILME TAARE ZAMEEN PAR

FONTE: <https://bit.ly/2Y3YlBg>. Acesso em: 28 set. 2021.

Já o filme Meu nome é Rádio mostra como era a vida de um rapaz com suposta defi-
ciência intelectual antes de conhecer o professor que mudaria sua vida. É um filme que
trata do racismo, do preconceito, da persistência de um professor, da resistência de uma
turma de alunos frente ao diferente e da educação inclusiva.

FIGURA – CAPA DO FILME MEU NOME É RÁDIO

FONTE: <https://bit.ly/2WwazCe>. Acesso em: 28 set. 2021.

Também é necessário que fique claro: o psicólogo escolar não trabalha


apenas com crianças em fase de alfabetização, ou que estejam matriculadas em
escolas do Ensino Fundamental. Muitos psicólogos trabalham com jovens, no
Ensino Médio, ou nas instituições de Ensino Superior, inclusive com orientação
profissional — outrora chamada de orientação vocacional.

124
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

DICAS

Para saber mais sobre psicologia e educação, aconselhamos a leitura do texto


Psicologia escolar e educacional: compromissos com a educação brasileira, de Albertina
Mitjáns Martinez (2009). Está disponível em: <bit.ly/3cwGmFE>.

Além disso, recomendamos a leitura do texto intitulado Psicologia e educação: repercus-


sões no trabalho educativo, de Karla Paulino Tonus (2013). Esse material pode ser encon-
trado em: <bit.ly/2VDVtGk>.

5 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO


Assim como o papel do psicólogo escolar não é fazer atendimentos clíni-
cos individuais aos estudantes considerados problemáticos pela escola, o papel
do psicólogo do trabalho não é prestar atendimento individual aos trabalhadores
considerados disfuncionais ou improdutivos pela empresa.

Na verdade, o atual fazer do psicólogo no âmbito empresarial não é o que


ocorria no século XIX. À época, esta área de atuação era denominada psicologia
industrial e tinha por intenção se dedicar aos processos de seleção de pessoas e à
avalição psicológica utilizada para a contratação de trabalhadores. Com o passar do
tempo, foi acontecendo o crescimento industrial e as indústrias começaram a deman-
dar que os psicólogos auxiliassem nos processos produtivos, a fim de aumentar a
produtividade e, consequentemente, gerar mais lucro para a empresa. Essa fase foi
denominada de psicologia organizacional e recebeu esse nome porque estava focada
nas estruturas organizacionais, nos modelos de gestão (CAMPOS et al., 2011).

Mais recentemente, a área da psicologia aplicada às organizações foi mo-


dificada, tendo um olhar para as relações estabelecidas entre trabalhador, traba-
lho e organização. Os significados do trabalho para o trabalhador recebem maior
atenção dos psicólogos. Assim, uma série de mudanças na sociedade desenca-
deou diferentes práticas profissionais por parte dos psicólogos, que passaram a
promover a saúde do trabalhador. A nova fase da psicologia se tornou conhecida
como psicologia do trabalho e, no Brasil, disseminou-se como psicologia organi-
zacional e do trabalho — POT.

Por conta desse histórico, ainda hoje a psicologia organizacional é critica-


da. Há quem considere uma área tecnicista, que visa exclusivamente aos interes-
ses do capital, o controle social, pois se destina ao ajustamento do homem ao seu
ambiente de trabalho.

São essas críticas cabíveis? Antes de formar sua opinião sobre o assunto,
veja quais são alguns dos temas que interessam aos psicólogos do trabalho: ques-
tões subjetivas que emergem nas empresas; o trabalho — composto por sistemas
125
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

humanos e complexos; a realização pessoal por intermédio do trabalho; qualida-


de no trabalho; motivação; conflitos no ambiente de trabalho; opressão no tra-
balho; reflexão sobre as metas; rotatividade; absenteísmo; acidentes de trabalho;
questões éticas; manifestações de mal-estar por parte dos trabalhadores; bullying;
burnout; mediação; revisão dos objetivos da organização; expressão das solicita-
ções dos trabalhadores; socialização organizacional. Além disso, temos questões
que podem envolver integração social; inclusão organizacional; avaliação de per-
fil; crescimento pessoal; criatividade; diagnóstico organizacional e influências do
ambiente externo; desenvolvimento de lideranças; trabalho com grupos; projeto
de vida; autoaceitação; autonomia; aspectos econômicos, políticos e culturais vin-
culados ao trabalho; promoção da saúde mental individual e coletiva.

DICAS

Para inspirar suas reflexões sobre o papel da psicologia nas organizações, nas
empresas, recomendamos que você assista ao filme Beleza oculta. Preste atenção no com-
portamento do personagem interpretado por Will Smith e na mobilização que integrantes
da organização fizeram para ajudá-lo.

FIGURA – CAPA DO FILME BELEZA OCULTA

FONTE: <adorocinema.com/filmes/filme-238310>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Apresentaremos, a seguir, as diretrizes expostas pelo Conselho Federal de


Psicologia sobre a atuação no contexto do trabalho.

126
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

QUADRO 4 – PSICÓLOGO DO TRABALHO

Função Psicólogo do Trabalho

• Atua individualmente ou em equipe multiprofissional, nas re-


lações de trabalho, nas organizações sociais formais ou infor-
mais, visando à aplicação do conhecimento da psicologia para a
compreensão, intervenção e desenvolvimento das relações e dos
processos intra e interpessoais, intra e intergrupais e suas arti-
culações com as dimensões política, econômica, social e cultural.
• Planeja, elabora e avalia análises de trabalho (profissiográfico,
ocupacional, de posto de trabalho etc.), para descrição e siste-
matização dos comportamentos requeridos no desempenho de
cargos e funções, com o objetivo de subsidiar ou assessorar as
diversas ações da administração.
• Participa do recrutamento e seleção pessoal, utilizando métodos e
técnicas de avaliação (entrevistas, testes, provas situacionais, dinâ-
mica de grupo), com o objetivo de assessorar as chefias na identifi-
cação dos candidatos mais adequados ao desempenho das funções.
• Elabora, executa e avalia, em equipe multiprofissional, programas
de treinamento e formação de mão de obra, visando à otimização
de recursos humanos.
• Participa, assessora, acompanha e elabora instrumentos para o
processo de avaliação pessoal, objetivando subsidiar as decisões,
como promoções, movimentação de pessoal, planos de carreira,
Atribuições
remuneração, programas de treinamento e desenvolvimento.
• Planeja, coordena, executa e avalia, individualmente ou em
equipe multiprofissional, programas de treinamento, de capaci-
tação e desenvolvimento de recursos humanos.
• Participa do processo de movimentação pessoal, analisando o
contexto atual, os antecedentes e as perspectivas em seus aspec-
tos psicológicos e motivacionais, assessorando na indicação da
locução e integração funcional.
• Participa de programas e/ou atividades na área de segurança do
trabalho, subsidiando os quanto a aspectos psicossociais.
• Participa e assessora estudos, programas e projetos relativos
à organização do trabalho e definição de papéis ocupacionais:
produtividade, remuneração, incentivo, rotatividade, absenteis-
mo e evasão com relação à integração psicossocial dos indivídu-
os e grupos de trabalho.
• Promove estudos para identificação das necessidades humanas
em face da construção de projetos e equipamentos de trabalho
(ergonomia).
• Participa de programas educacionais, culturais, recreativos e de
higiene mental, com vistas a assegurar a preservação da saúde e
da qualidade de vida do trabalhador.

127
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

• Encaminha e orienta os empregados e as organizações quanto


ao atendimento adequado, no âmbito da saúde mental, nos ní-
veis de prevenção, tratamento e reabilitação.
• Elabora diagnósticos psicossociais das organizações.
• Emite pareceres e realiza projetos de desenvolvimento da orga-
nização no âmbito de sua competência.
• Realiza pesquisas visando à construção e à ampliação do conhe-
cimento teórico e aplicado ao trabalho.
• Coordena e supervisiona as atividades de psicologia do trabalho
ou setores em que elas se inserem, em instituições ou organiza-
ções em que essas atividades ocorrem.
• Desenvolve ações destinadas às relações de trabalho no sentido
de maior produtividade e da realização pessoal dos individuos
e grupos, intervindao na elaboração de conflitos e estimulando a
criatividade na busca de melhor qualidade de vida no trabalho.
• Acompanha a formulação e implantação de projetos de mudanças nas
organizações, com o objetivo de facilitar ao pessoal a sua absorção.
• Assessora na formação e na implantação da política de recursos
humanos das organizações.
• Participa do processo de desligamento de funcionários no que
se refere à demissão e ao preparo para aposentadoria, visando à
elaboração de novos projetos de vida.
• Participa como consultor no desenvolvimento das organizações
sociais, atuando como facilitador de processos de grupo e de
intervenção psicossocial nos diferentes níveis hierárquicos das
estruturas formais.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

Podemos perceber, dessa maneira, que o psicólogo organizacional e do


trabalho pode realizar intervenções abrangentes e colaborar para a transformação.
Frequentemente, trabalha em equipes interdisciplinares, ou seja, pode integrar
equipes com administradores e engenheiros. Embora muitas pessoas considerem
que apenas grandes organizações contratam psicólogos do trabalho, também são
objetos de contrato por empresas de médio e de pequeno porte.

6 PSICOLOGIA E SUAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS


Em qualquer área de atuação do psicólogo, é imprescindível que o profis-
sional desenvolva competências pessoais. Conforme apresenta a CBO (BRASIL,
2002), são também funções do psicólogo: manter sigilo profissional; trabalhar em
equipe; respeitar os limites de atuação; demonstrar interesse pela pessoa/ser hu-
mano; ouvir ativamente (saber ouvir); respeitar valores e crenças dos clientes;
demonstrar habilidade de questionar; demonstrar capacidade de observação;

128
TÓPICO 1 — CAMPOS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

manter imparcialidade; contornar situações adversas; demonstrar sensibilidade


tátil; demonstrar capacidade de raciocínio abstrato, além de visão sistêmica, de
empatia e de visão holística.

Essas competências são apresentadas nesta parte deste material para que,
desde o princípio de seus estudos sobre psicologia, você possa identificá-las e de-
senvolver sua reflexão. Sinta-se incentivado a lê-las novamente e destaque quais
devem ser fortalecidas. Pense sobre elas e no que pode fazer para desenvolvê-las
antes de passar para o próximo tópico.

Lembre-se de que o psicólogo não se forma apenas com leituras. Ele pre-
cisa pensar, refletir, buscar leituras complementares, assistir a filmes e articular
todo o conteúdo aos conhecimentos desempenhados.

129
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Inicialmente, a área de atuação que mais empregava psicólogos em nosso país


era a clínica.

• A psicologia clínica pressupõe a área que se destina ao atendimento clínico


de pacientes para a melhora de sintomas e mudanças comportamentais, emo-
cionais e cognitivas.

• Via de regra, o psicólogo clínico é procurado por pessoas que estão em sofri-
mento psíquico ou confusas, angustiadas.

• Na psicologia escolar, o profissional atua nas escolas ou em outros espaços


de cunho educacional, como faculdades, instituições de educação infantil e
possui como objetivo contribuir nas relações de ensino e aprendizagem e no
ambiente de convívio entre os professores, por exemplo.

• O psicólogo do trabalho ajuda organizações em diversos aspectos, como em


repensar os modos de gestão, e a atuação dele traz contribuições de teor ético
e social para as empresas e seus trabalhadores.

• Na área escolar e industrial, inicialmente, os psicólogos estavam voltados à


avaliação psicológica.

• Há disposições da Classificação Brasileira de Ocupações para o exercício da


psicologia no Brasil e disposições legais sobre a formação em psicologia.

• O psicólogo deve desenvolver suas competências pessoais para o exercício da


profissão.

130
AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, PSICOLOGIA, 2018) Um dos pilares da psicologia escolar é a valori-


zação de experiências de interlocução entre os profissionais que atuam no con-
texto educacional. Psicólogo e professor precisam sempre primar pelo trabalho
articulado, buscando o melhor para a escola por meio de ações em equipe.
FONTE: AQUINO, F. S. B. et al. Concepções e práticas de psicólogos escolares junto a do-
centes de escolas públicas. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional, v. 19, n. 1, p. 71-78, jan./abr. 2015 (adaptado).

FONTE: <https://bit.ly/3iy1Xmi>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Considerando a prática de psicólogos escolares no contexto educacional, ava-


lie as afirmações a seguir.

I- À psicologia escolar compete oferecer consultoria à direção da instituição


de ensino sobre a atuação e o desempenho dos docentes.
II- A psicologia escolar deve oferecer serviços de atendimento clínico aos
profissionais que atuam na instituição de ensino.
III- A atuação da psicologia escolar na gestão dos processos educativos se dá
por meio de participação nos projetos institucionais.
IV- A psicologia escolar atua com diagnóstico, planejamento e execução de
projetos de capacitação junto a docentes, à direção e à equipe educacional.
V- A elaboração de propostas pedagógicas com o objetivo de pensar novas
metodologias para o processo ensino-aprendizagem deve contar com a
participação da psicologia escolar.

É CORRETO apenas o que se afirma em:

a) ( ) I, II e IV.
b) ( ) I, II e V.
c) ( ) I, III e V.
d) ( ) III, IV e V.

2 (ENADE, PSICOLOGIA, 2018) De acordo com alguns estudos, a manifes-


tação do preconceito é individual, mas sua constituição se dá por meio das
relações que cada um estabelece, as quais são permeadas por uma determi-
nada história cultural e social.
FONTE: CORDEIRO, A. F. M.; BUENDGENS, J. F. Preconceitos na escola: sentidos e significa-
dos atribuídos pelos adolescentes no Ensino Médio. Revista Semestral da Associação Brasi-
leira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 16, n. 1, 2012 (adaptado).

131
Considere uma situação em que uma psicóloga é chamada pela direção de uma
escola de Ensino Médio para tratar de questões relacionadas ao preconceito e
a situações de violência a ele atreladas.
FONTE: <https://bit.ly/2YfIVKN>. Acesso em: 14 abr. 2020.

Com base nessa situação, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

I- A atuação da psicóloga deverá ocorrer de forma grupal, intervindo junto a


todos os atores da escola — estudantes, profissionais que atuam na instituição,
familiares dos estudantes e comunidade — com o objetivo de conhecer o con-
texto escolar e todos os aspectos envolvidos na construção do preconceito.

PORQUE

II- O fenômeno do preconceito ultrapassa as relações interpessoais dos estu-


dantes, envolvendo a forma como a sociedade, como um todo, lida com a
questão e transmite historicamente os comportamentos estigmatizantes e
discriminatórios que potencializam o preconceito.

A respeito dessas asserções, assinale a seguir a alternativa CORRETA:

a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa


correta da I.
b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma jus-
tificativa correta da I.
c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira.

3 "A Revolução de 1930 foi um importante marco na história das instituições


ligadas à saúde em geral, ao ensino e à pesquisa. O país sofreu profundas
mudanças políticas, econômicas e sociais durante o período que se sucedeu,
com Getúlio Vargas à frente do poder, até a queda do Estado Novo (1937-
1945). O Estado expandiu sua intervenção nos campos econômico e social.
Ainda em 1930 foi instituído um governo provisório, responsável pela cria-
ção do Ministério da Educação e Saúde Pública, revelando a importância
dessas duas áreas sociais, fundamentais para a construção do novo Estado,
reunidas sob um mesmo ministério" (BULCÃO; EL-KAREH; SAYD, 2007,
p. 471). Sendo assim, associe os itens a seguir:
FONTE: Bulcão, Lúcia Grando, El-Kareh, Almir Chaiban e Sayd, Jane DutraCiência e ensino médico
no Brasil (1930-1950). História, Ciências, Saúde-Manguinhos [online]. v. 14, n. 2, p. 469-487. 2007.

I- Década de 1930.
II- Década de 1950.
III- Década de 1960.

132
( ) A industrialização estava em franco desenvolvimento e implantação. No
entanto, as indústrias foram se deparando com casos de "doença mental"
apresentados pelos trabalhadores. Assim, as indústrias começaram a soli-
citar o auxílio dos psicólogos no contexto profissional, marcando o início
da clínica industrial.
( ) Teve muitos marcos para a psicologia, pois a carreira foi institucionalizada
com o início do ensino de psicologia propriamente dito. O primeiro curso
de psicologia foi no Rio de Janeiro e estava vinculado à área médica.
( ) Ocorreu a regulamentação da profissão. O ensino de psicologia foi sendo
expandido. Os cursos eram voltados para o ensino de psicologia nas três
áreas: educacional, industrial e clínica.

Agora, assinale a seguir a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) I – II – III.
b) ( ) III – I – II.
c) ( ) II – III – I.
d) ( ) I – III – II.

133
134
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO


BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS
CONTEMPORÂNEAS

1 INTRODUÇÃO

Após conhecermos questões relacionadas às áreas de atuação tradicionais


da psicologia no Brasil (clínica, educacional e organizacional), vamos estudar as
áreas emergentes de atuação do psicólogo.

Áreas emergentes são as que estão em desenvolvimento, em ascensão. Em nosso


país, as áreas da psicologia que estão em evolução são a psicologia da saúde, também
conhecida como hospitalar, a jurídica, do esporte, do trânsito e a social ou comunitária.

Por fim, cabe citar a atuação do psicólogo em situações de desastre,


sobretudo em situações de desastres naturais. Esta área é objeto de pesquisas no
Brasil recentemente. Agora, vamos aprender sobre cada uma delas.

2 PSICOLOGIA DA SAÚDE
A atuação do psicólogo em ambientes de saúde é voltada aos pacientes e
se estende aos familiares. O profissional acompanha as pessoas antes que sejam
submetidas a cirurgias, também após os procedimentos, preparando o paciente
para a alta. Ele atua muitas vezes em equipe interdisciplinar, disponibilizando
cuidados aos pacientes e familiares (SILVA et al., 2019).

DICAS

Talvez você esteja curioso para descobrir o que mais o psicólogo faz nos hos-
pitais ou em outros estabelecimentos de saúde. Para que sua curiosidade comece a ser
sanada, recomendamos que assista aos filmes apresentados a seguir.

Tempo de despertar representa a história de um médico que passa a trabalhar em um hospi-


tal com diversos pacientes imóveis na maior parte do tempo — com o olhar aparentemente
vago, congelado. Assim, o médico com pouca experiência profissional começa a questionar
os tratamentos oferecidos aos pacientes e, com o tempo, demonstra se importar com eles.

135
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

FIGURA – CAPA DO FILME TEMPO DE DESPERTAR

FONTE: <https://bit.ly/3a5G5u8>. Acesso em: 28 set. 2021.

O segundo filme também é com Robin Williams e intitulado Patch Adams. Nele é demons-
trada uma nova proposta de intervenção com pessoas hospitalizadas. Trata-se da atuação
irreverente de um médico norte-americano que procurou oferecer acalento às pessoas
internadas, com doses de humor e ternura.

FIGURA – CAPA DO FILME PATCH ADAMS

FONTE: <https://bit.ly/3oKz1f5>. Acesso em: 28 set. 2021.

Ainda que esses filmes não apresentem a figura do psicólogo hospitalar em si, apresentam um
pouco da realidade hospitalar e demonstram que não há somente um modo de tratar os pacientes.

O trabalho do psicólogo no âmbito da saúde tem por objetivo desenvolver


a autonomia do paciente, atenuar o sofrimento relacionado à cirurgia. Inclusive, o
psicólogo auxilia na assistência continuada ao paciente, procurando desenvolver as
competências de autocuidado por parte dos pacientes e familiares (SILVA et al., 2019).

Passaremos a analisar as atribuições, de maneira ampla, do psicólogo


hospitalar no quadro a seguir.

136
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

QUADRO 5 – PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA HOSPITALAR

Função Psicólogo especialista em psicologia hospitalar


• Atua em instituições de saúde, participando da prestação de ser-
viços de nível secundário ou terciário da atenção à saúde.
• Atua também em instituições de Ensino Superior e/ou centros de
estudo e de pesquisa, visando ao aperfeiçoamento ou à especiali-
zação de profissionais em sua área de competência, ou à comple-
mentação da formação de outros profissionais de saúde de nivel
médio ou superior, incluindo pós-graduação lato e stricto sensu.
• Atende a pacientes, familiares e/ou responsáveis pelo paciente;
membros da comunidade dentro de sua área de atuação; membros
da equipe multiprofissional e eventualmente administrativa, visan-
do ao bem-estar fisico e emocional do paciente; e, alunos e pesqui-
sadores, quando estes estejam atuando em pesquisa e assistência.
• Oferece e desenvolve atividades em diferentes níveis de trata-
mento, tendo como sua principal tarefa a avaliação e o acompa-
nhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão
ou serão submetidos a procedimentos médicos, visando basica-
mente à promoção e/ou à recuperação da saúde física e mental.
• Promove intervenções direcionadas à relação médico/paciente,
Atribuições paciente/ família e paciente/paciente e do paciente com relação
ao processo do adoecer, hospitalização e repercussões emocio-
nais que emergem neste processo.
• O acompanhamento pode ser dirigido a pacientes em atendimento
clinico ou cirúrgico, nas diferentes especialidades médicas. Podem
ser desenvolvidas diferentes modalidades de intervenção, depen-
dendo da demanda e da formação do profissional específico, den-
tre elas atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos,
grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unida-
de de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral;
psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica;
psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.
• No trabalho com a equipe multidisciplinar, preferencialmente
interdisciplinar, participa de decisões com relação à conduta a
ser adotada pela equipe, objetivando promover apoio e seguran-
ça ao paciente e à família, aportando informações pertinentes a
sua área de atuação, bem como na forma de grupo de reflexão,
no qual o suporte e o manejo estão voltados para possíveis difi-
culdades operacionais e/ou subjetivas dos membros da equipe.
FONTE: Adaptado de CFP (2007)

Segundo Silva et al. (2019), o psicólogo precisa fazer o levantamento do


histórico do paciente no que tange à saúde. Precisa também checar quais são as
necessidades psicológicas do paciente, participar de reuniões com a equipe in-
terdisciplinar, traçar planos de cuidados que o paciente precisará eventualmente

137
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

adotar, munir os familiares com informações e orientações sobre o caso. Ademais,


o psicólogo deve ouvir atentamente o paciente e os familiares, agindo com acolhi-
mento frente a angústias apresentadas por eles.

Assim, retomamos mais uma das competências pessoais do psicólogo — ouvir


ativamente, saber ouvir. A escuta que um psicólogo realiza não visa somente aos as-
pectos informativos da comunicação. É uma escuta atenta, na qual o paciente se sente
à vontade para dizer o que pensa, expressar seus sentimentos, sensações e emoções.

Possivelmente, a equipe de saúde solicitará avaliação psicológica pelo pro-


fissional da psicologia, a fim de definir se o paciente está apto para a realização de
determinados procedimentos cirúrgicos e, seguidamente, preparado para a alta.
Vamos imaginar uma situação em que um paciente precisará aprender a conviver
com a amputação de um de seus membros, a alteração de um de seus sentidos,
como visão, audição, olfato, paladar, tato. Silva et al. (2019) explicam que o paciente
é auxiliado pelo psicólogo a lidar com os novos desafios que a vida descortinará.

Quanto à psicologia em saúde, vejamos o que o Conselho Regional de


Psicologia da 9ª Região divulgou sobre a nova especialidade em nota de 2016:

UNI

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) informa que foi aprovada em reunião


plenária a Resolução CFP nº 003/2016, que altera a Resolução CFP nº 013/2007 e que,
com isso, é contemplada uma nova área de especialidade — Psicologia em Saúde.

De acordo com a publicação realizada no Diário Oficial da União, o profissional especia-


lista em Psicologia em Saúde atua em equipes multiprofissionais e interdisciplinares no
campo da saúde, utilizando os princípios, técnicas e conhecimentos relacionados à pro-
dução de subjetividade para a análise, planejamento e intervenção nos processos saúde e
doença, em diferentes estabelecimentos e contextos da rede de atenção à saúde.

Considerando os contextos sociais e culturais nos quais se insere, estabelece estratégias de in-
tervenção com populações e grupos específicos, contribuindo para a melhoria das condições
de vida dos indivíduos, famílias e coletividades. Desenvolve ações de promoção da saúde, pre-
venção de doenças e vigilância em saúde junto a usuários, profissionais de saúde e ambiente
institucional, colaborando em processos de negociação e fomento à participação social e de
articulação de redes de atenção à saúde. Pode ainda desenvolver ações de gestão dos vários
serviços de saúde e de formação de trabalhadores, dominando conhecimento sobre a reforma
sanitária brasileira e as políticas de saúde no Brasil, a legislação e o funcionamento do SUS, ges-
tão do trabalho e Educação Permanente em Saúde, financiamento, avaliação e monitoramento
de serviços de saúde, podendo exercer funções em instâncias municipais, estaduais ou nacional.

FONTE: <https://bit.ly/3a6Tz8K>. Acesso em: 14 ago. 2021.

138
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

Carvalho (2013) destaca que não há uma única psicologia da saúde. Até 1990,
a verdade da psicologia da saúde em destaque era pautada no modelo biopsicosso-
cial. A partir dos anos 1990 emergiu a psicologia da saúde crítica. Para ela, o psicólogo
é um agente social cuja pesquisa (ciência) e intervenção (profissão) é direcionada aos
aspectos éticos e políticos. Portanto, é uma perspectiva que prioriza a ética, o respeito,
a solidariedade e está atenta com as estruturas de poder da sociedade, as quais ecoam
nos estabelecimentos de saúde. Logo, além das competências pessoais apresentadas,
o psicólogo deve refletir sobre práticas em psicologia de maneira crítica.

Para Santos e Jaco-Vilela (2009), uma das características da psicologia é a


ausência de coesão de ideias e práticas e isso reflete na psicologia da saúde. Ainda
que esta psicologia possa ser enfraquecida pela falta de unicidade de saberes e
intervenções, é enriquecida pelas possibilidades de diversificação de práticas e
estilos. Por vezes, encontram-se psicólogos da saúde que atuam balizados pelos
pressupostos da psicanálise, outros pela psicossomática, outros pela psicologia
social. Por isso é dito que a psicologia é uma área híbrida.

DICAS

Para saber como a psicologia da saúde/hospitalar foi se desenvolvendo no


Brasil, leia o artigo intitulado Psicologia da saúde no Brasil, de Ricardo Gorayeb (2010). O
texto está disponível em: <bit.ly/2XUi6cj>.

3 PSICOLOGIA JURÍDICA
A psicologia jurídica está relacionada ao campo do direito. Quando a área de atu-
ação do psicólogo está voltada ao fórum ou ao tribunal, é denominada psicologia forense.
É um tanto evidente que o psicólogo jurídico trabalha articulado com a legislação.

Por vezes, ele é solicitado para que os magistrados obtenham informações de


cunho psicológico em casos que estão acompanhando, para tomarem decisões. Como
exemplo, um caso de disputa de guarda de criança, em que o juiz pode solicitar infor-
mações ao psicólogo sobre as condições psicológicas que pai e mãe — divorciados e
partes conflitantes no processo — apresentam. As informações darão subsídio para
que o magistrado, com base em outras informações, defina com quem a criança ficará.

O psicólogo jurídico também pode auxiliar para que ocorra uma melhoria
dos conflitos no âmbito legal. Também há situações em que o psicólogo é nomea-
do para apresentar avaliação psicológica de uma pessoa que tenha cometido um
crime. Ele pode ser questionado sobre diversos aspectos, como se a pessoa estava
dentro de suas faculdades mentais quando cometeu o delito, se há chance de co-
meter novos crimes, se é indicada a prisão ou o hospital de custódia.

139
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

DICAS

Apresentamos uma sugestão de filme sobre situações jurídicas. É o filme O


leitor, o qual apresenta a história de uma mulher interpretada por Kate Winslet. A perso-
nagem vive na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. O enredo leva a situações de
julgamento por crimes cometidos ao longo da guerra por parte de supostos nazistas.

FIGURA – CAPA DO FILME O LEITOR

FONTE: <bit.ly/3biVaY4>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Nessa esfera, a atuação do psicólogo é predominantemente ligada à ava-


liação psicológica (elaboração de psicodiagnósticos), contudo, também desenvol-
ve acompanhamentos, orientações familiares, participações em políticas de cida-
dania, combate à violência, participação em audiências.

De acordo com França (2004, p. 73):


A psicologia jurídica é uma emergente área de especialidade da ci-
ência psicológica, se comparada às áreas tradicionais de formação e
atuação da Psicologia como a Escolar, a Organizacional e a Clínica. É
próprio desta especialidade sua interface com o direito, com o mundo
jurídico, resultando encontros e desencontros epistemológicos e con-
ceituais que permeiam a atuação do psicólogo jurídico. Os setores da
psicologia jurídica são diversos. Há os mais tradicionais, como a atu-
ação em fóruns e prisões, e há também atuações inovadoras, como a
mediação e a autópsia psíquica, uma avaliação retrospectiva mediante
informações de terceiros.

Vamos analisar o que o Conselho Federal de Psicologia conceitua como


funções para o profissional da psicologia jurídica quadro s seguir.

140
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

QUADRO 6 – PSICÓLOGO JURÍDICO

Função Psicólogo jurídico


• Atua no âmbito da Justiça, nas instituições governamentais e
não governamentais, colaborando no planejamento e execução
de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da vio-
lência. Para tanto, sua atuação é centrada na orientação do dado
psicológico repassado não só para os juristas como aos sujeitos
que carecem de tal intervenção.
• Contribui para a formulação, revisões e interpretação das leis.
• Assessora na formulação, revisão e execução de leis.
• Colabora na formulação e implantação das políticas de cidada-
nia e direitos humanos.
• Realiza pesquisa visando à construção e ampliação do conheci-
mento psicológico aplicado ao campo do direito.
• Avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças, ado-
lescentes e adultos em conexão a processos jurídicos, seja por
deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, acei-
tação em lares adotivos, posse e guarda de crianças ou determi-
nação da responsabilidade legal por atos criminosos.
• Atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do
trabalho, da familia, da criança e do adolescente, elaborando
laudos, pareceres e perícias a serem anexados aos processos.
• Elabora petições que serão juntadas ao processo sempre que so-
Atribuições licitar alguma providência ou haja necessidade de se comunicar
com o juiz durante a execução da perícia.
• Eventualmente, participa de audiência para esclarecer aspectos
técnicos em psicologia que possam necessitar de maiores infor-
mações a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico (juí-
zes, curadores e advogados).
• Elabora laudos, relatórios e pareceres, colaborando com a or-
dem jurídica
• e com o indivíduo envolvido com a Justiça, por meio da ava-
liação de personalidade e fornecendo subsídios ao processo
judicial, quando solicitado por uma autoridade competente,
podendo utilizar de consulta aos processos e coletar dados que
considerar necessários à elaboração do estudo psicológico.
• Realiza atendimento psicológico por meio de trabalho acessível e com-
prometido, com a busca de decisões próprias na organização familiar
dos que recorrem a varas de família para a resolução de questões.
• Realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que
chegam as instituições de direito, visando à preservação de sua
saúde mental, bem como presta atendimento e orientação a de-
tentos e seus familiares.
• Participa da elaboração e execução de programas socioeduca-
tivos destinados a crianças de rua, abandonadas ou infratoras.

141
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

• Orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciá-


rio, sob o ponto de vista psicológico, quanto às tarefas educati-
vas e profissionais que os internos possam exercer nos estabele-
cimentos penais.
• Assessora autoridades judiciais no encaminhamento a terapias
psicológicas, quando necessário.
• Participa da elaboração e do processo de execução penal e as-
sessora a administração dos estabelecimentos penais quanto à
formulação da política penal e no treinamento de pessoal.
• Atua em pesquisas e programas de prevenção à violência e de-
senvolve estudos e pesquisas sobre a pesquisa criminal, cons-
truindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

Para França (2004), a maior parte dos psicólogos jurídicos se concentra nos
campos tradicionais da área, como psicologia penitenciária, questões da infância e ju-
ventude e nas questões da família. Todavia, para a autora, são dos campos mais emer-
gentes da psicologia jurídica: a psicologia do testemunho, a psicologia policial/militar,
a psicologia jurídica e o direito cível, a proteção de testemunhas, a psicologia jurídica e
os magistrados, a psicologia jurídica e os direitos humanos e a autópsia psíquica.

Essas áreas requerem maior desenvolvimento em nosso país, ou seja, é


preciso que mais profissionais da psicologia atuem com elas; desenvolvam traba-
lhos com qualidade e dedicação às pesquisas atreladas à psicologia jurídica; e se
engajem na publicação do conhecimento construído (FRANÇA, 2004).

DICAS

Para incrementar seus conhecimentos sobre psicologia jurídica, sugerimos


a leitura do Manual de psicologia jurídica, elaborado por Fausto Eduardo Menon Pinto. O
conteúdo pode ser acessado em: <bit.ly/2Kgbltk>.

Outro material interessante na formação de seu conhecimento é O ensino de psicologia na gra-


duação em direito: uma proposta de interlocução, desenvolvido pelas professoras Laura Cristina
Eiras Coelho Soares e Fernanda Simplício Cardoso. Está disponível em: <bit.ly/2VKHKNY>.

4 PSICOLOGIA DO ESPORTE
O psicólogo do esporte visa compreender como os fatores psicológicos
interferem no desempenho físico e como a participação nestas atividades afeta o
desenvolvimento emocional, a saúde e o bem-estar de uma pessoa.

142
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

Conforme Vieira et al. (2010), a atuação do psicólogo esportivo pode se dar


em termos de:

• Ensino: como um professor, conduzindo as pessoas no processo de constru-


ção do conhecimento sobre a especialidade.
• Pesquisa: como um pesquisador, investigando distintos campos de atuação,
promovendo o desenvolvimento de teorias e a evolução do setor.
• Intervenção: como um consultor, trabalhando com psicodiagnósticos e con-
duzindo o tratamento.

DICAS

Para instigar sua reflexão sobre a repercussão de intervenções em uma equipe


esportiva, assista ao filme Desafiando os gigantes.

FIGURA – CAPA DO FILME DESAFIANDO OS GIGANTES

FONTE: <https://bit.ly/3a2Yrf9>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Em linhas gerais, a psicologia do esporte iniciou com ênfase em duas


questões: estudos de laboratório sobre aprendizagem motora e estudos descri-
tivos acerca da personalidade do atleta. Em seguida, a área realizou aplicações
práticas na intenção de preparar os atletas em nível psicológico, para que apre-
sentassem melhor rendimento em competições (VIEIRA et al., 2010).

Sendo assim, a motivação é um dos processos psicológicos mais trabalha-


dos pelo psicólogo deste campo. A seguir, temos as principais atividades realiza-
das pelo psicólogo do esporte. Vejamos.

143
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

QUADRO 7 – PSICÓLOGO DO ESPORTE

Função Psicólogo do esporte


• Procede o exame das características psicológicas dos esportistas,
visando ao diagnóstico individual ou do grupo.
• Desenvolve ações com técnicas psicológicas, contribuindo em
nível individual para a realização pessoal e melhoria do desem-
penho do esportista e em nível grupal, favorecendo a otimização
das relações entre esportistas, pessoal técnico e dirigentes.
• Realiza atendimento individual ou em grupo de esportistas, visando
à preparação psicológica no desempenho da atividade física em geral.
• Acompanha, assessora e observa o comportamento dos esportistas, vi-
sando ao estudo das variáveis psicológicas que interferem no desem-
penho de suas atividades específicas - treinos, torneios e competições.
• Orienta pais ou responsáveis visando facilitar o acompanha-
mento e o desenvolvimento dos esportistas.
• Realiza atendimento individual ou em grupo com esportista
para a preparação psicológica no desempenho da atividade fí-
sica em geral.
• Realiza estudos e pesquisas individualmente ou em equipe mul-
Atribuições
tidisciplinar, buscando o conhecimento teórico-prático do com-
portamento dos esportistas, dirigentes e público no contexto da
atividade esportiva.
• Elabora e participa de programas e estudos educacionais, recreati-
vos e de reabilitação física, orientando a efetivação de um trabalho
de caráter profilático ou corretivo para o bem-estar dos indivíduos.
• Colabora para a compreensão e mudança, se necessário, do com-
portamento de educadores no processo de ensino e aprendizagem
e nas relações intrapessoais que ocorrem no ambiente esportivo.
• Elabora e emite pareceres sobre aspectos psicológicos envolvi-
dos na situação esportiva, quando solicitado.
• Encaminha o esportista ao atendimento clínico, quando houver
necessidade de uma intervenção psicológica que transcenda as
atividades esportivas.
• Ministra aulas de psicologia no esporte em cursos de psicologia
e educação física, oportunizando a formação necessária, a práti-
ca das atividades esportivas e seus aspectos psicológicos.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

De modo geral, observa-se certo abandono no atendimento individualista


e mais trabalho em equipe — com necessidade de mudança, abrangência de atu-
ação, reformulação da graduação, atuação em/com grupo.

A psicologia do esporte ainda é uma área incipiente no Brasil, levando


em consideração a pequena quantidade de profissionais qualificados para essa
área. Em termos de pesquisadores, o país também conta com poucos psicólogos

144
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

que se dedicam ao esporte, o que resulta em reduzida quantidade de produção


científica. Dada a carência de profissionais qualificados em psicologia do esporte,
podemos observar que psicólogos clínicos realizam intervenções em atletas e a
psicologia escolar está aliada a outras áreas, como a educação física, a fim de tra-
balhar com ensino e pesquisa (VIEIRA et al., 2010).

DICAS

Quer saber mais sobre a história e a atualidade da psicologia do esporte? Leia


o artigo Psicologia do esporte: uma área emergente da psicologia, de Lenamar Fiorese
Vieira, João Ricardo Nickenig Vissoci, Leonardo Pestillo de Oliveira e José Luiz Lopes Viei-
ra. Está disponível em: <bit.ly/2RVOyY9>.

5 PSICÓLOGO DO TRÂNSITO
O psicólogo atua no contexto do trânsito a partir de uma investigação dos
processos externos e internos que ocorrem em seu contexto. Ele realiza perícias e
laudos, formações sobre condutas e verificação de habilidades cognitivas, emo-
cionais e comportamentais.

De acordo com Silva (2012), o fazer do psicólogo do trânsito foi se mo-


dificando com o transcorrer do tempo e a regulamentação da profissão foi um
dos marcos. Atualmente, o psicólogo do trânsito pode fazer cursos de perito e
especializações na área. Denota-se que a psicologia participa da elaboração de po-
líticas de trânsito, além de estar ativamente em debates, seminários e publicações
sobre o trânsito e colaborar na elaboração de referências técnicas.

QUADRO 8 – PSICÓLOGO DO TRÂNSITO

Função Psicólogo do trânsito


• Desenvolve pesquisa científica no campo dos processos psicológi-
cos, psicossociais e psicofísicos relacionados ao problema do trânsito.
• Realiza exames psicológicos de aptidão profissional em candidatos
em habilitação para dirigir veículos automotores (psicotécnicos).
• Assessora no processo de elaboração e implantação de sistemas
Atribuições de sinalização de trânsito, sobretudo no que concerne a questões
de transmissão, recepção e retenção de informações.
• Participa de equipes multiprofissionais voltadas à prevenção de
acidentes de trânsito.
• Desenvolve, na esfera de sua competência, estudos e projetos de
educação de trânsito.

145
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

• Contribui nos estudos e pesquisas relacionados ao comporta-


mento individual e coletivo na situação de trânsito, especial-
mente nos complexos urbanos.
• Estuda as implicações psicológicas do alcoolismo e de outros
distúrbios nas situações de trânsito.
• Avalia a relação de causa e efeito na ocorrência de acidentes de
trânsito, levantando atitudes padronizadas nos envolvidos nas
ocorrências e sugerindo formas de atenuar as suas incidências.
• Aplica e avalia novas técnicas de mensuração da capacidade psi-
cológica dos motoristas.
• Colabora com a justiça e apresenta, quando solicitado, laudos,
pareceres, depoimentos, servindo como instrumentos compro-
batórios para melhor aplicação da lei.
• Atua como perito em exames para motorista, objetivando a sua
readaptação ou reabilitação profissional.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

No Brasil, as pesquisas sobre psicologia de trânsito abordam temas diversos,


dentre os quais podemos exemplificar velocidade, riscos no trânsito, mobilidade ur-
bana, sustentabilidade, normas de trânsito, estilos de direção, avaliação psicológica,
violência no trânsito, infrações de trânsito, mortalidade, laudos psicológicos de con-
dutores, comportamento de ciclistas, motociclistas, motoristas de carros e de ônibus.

Por fim, cabe expor que há iniciativas da área que devem ser aprimoradas.
Analisemos quais Silva (2012) aponta: políticas públicas de mobilidade urbana, com
maior discussão e aprofundamento durante a graduação e a pós-graduação; par-
ticipação ativa de psicólogos (individual e coletiva) nos movimentos sociais sobre
o tema; e reflexões sobre formas de atuação profissional do psicólogo do trânsito.

DICAS

Os filmes mais conhecidos para a área do trânsito são a sequência de Velozes e


Furiosos. Eles abordam diversos temas pesquisados pelos psicólogos do trânsito em nosso país.

146
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA – CAPA DO FILME VELOZES E FURIOSOS

FONTE: <bit.ly/2VCnfmJ>. Acesso em: 14 ago. 2021.

DICAS

Deixamos mais uma sugestão de leitura sobre a história da psicologia do trân-


sito no Brasil: o artigo A psicologia do trânsito e os 50 anos de profissão no Brasil, elabora-
do por Fábio Henrique Vieira de Cristo e Silva. O texto está disponível em: <bit.ly/2XQfFaI>.

6 PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA


A psicologia social abrange a atuação dos psicólogos para a comunidade.
Trata-se de uma área envolvida com as realidades locais (GONÇALVES; PORTU-
GAL, 2012). O psicólogo deste campo procura ficar familiarizado com as dinâ-
micas do dia a dia da maior parte da população, pois é uma área que apresenta
aproximações com a política de assistência social e com a proteção social básica.
Sendo assim, o psicólogo está imerso em um contexto de desigualdades sociais e
procura contribuir para a transformação social, auxiliando pessoas na emancipa-
ção social (XIMENES; PAULA; BARROS, 2009).

No quadro a seguir, apresentaremos as principais atividades de um psicó-


logo voltado à área social e comunitária.

147
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

QUADRO 9 – PSICÓLOGO SOCIAL

Função Psicólogo social


• Promove estudos sobre características psicossociais de grupos
étnicos, religiosos, classes e segmentos sociais nacionais, cultu-
rais, intra e interculturais.
• Atua junto a organizações comunitárias, em equipe multipro-
fissional no diagnóstico, planejamento, execução e avaliação de
programas comunitários, no âmbito da saúde, lazer, educação,
trabalho e segurança.
Atribuições • Assessora órgãos públicos e particulares, organizações de obje-
tivos políticos ou comunitários, na elaboração e implementação
de programas de mudança de caráter social e técnico, em situa-
ções planejadas ou não.
• Atua junto aos meios de comunicação, assessorando quanto aos
aspectos psicológicos nas técnicas de comunicação e propaganda.
• Pesquisa, analisa e estuda variáveis psicológicas que influenciam
o comportamento do consumidor.
FONTE: Adaptado de CFP (1992)

Como foi possível notar, o profissional da psicologia social lida com questões
subjetivas e simbólicas, mas também, com questões objetivas e concretas. Certamen-
te, o deslocamento de psicólogos para as comunidades gerou inovações para a profis-
são, como impulso para construir novas práticas (GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).

Uma dessas inovações consiste em sair do consultório, do gabinete escolar


ou da sala de seleção das empresas. A psicologia social é, então, uma área dife-
rente das tradicionais.
Talvez possamos afirmar que os psicólogos no Rio de Janeiro tenham
se aproximado dos trabalhos em comunidade pela busca de uma al-
ternativa à clínica, porém, é possível também sustentarmos que alguns
deles voltavam suas preocupações para o âmbito social. É importante
considerar ainda que, nesse mesmo período em que muitos psicólogos
atuavam em favelas locais, havia a preocupação dos governos com a
incorporação dessas áreas à cidade, através de intervenções no campo
da saúde, da educação e do urbanismo (LIMA, 2012, p. 164).

DICAS

O filme que mostra um personagem implicado com uma comunidade é Re-


denção. O protagonista está longe de apresentar comportamentos que devam ser ado-
tados por profissionais que atuam na psicologia social, todavia, verifique a atenção que o
protagonista dá à comunidade.

148
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA – CAPA DO FILME REDENÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3uCxp7M>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Salientamos que há mais de um filme com esse título. Nossa sugestão é o estrelado por
Gerard Butler, Michael Shannon e Michelle Monaghan. Trata-se da luta pela abertura de
um abrigo para crianças em um lugar tomado por milícias.

FONTE: <imagemfilmes.com.br/filmes/103259/redencao>. Acesso em: 14 ago. 2021.

Segundo Gonçalves e Portugal (2016), os psicólogos que atuam na área


de psicologia social/comunitária interagem diretamente com comunidades, como
favelas e periferias. A psicologia social foi criticada ao longo da história. Dizia-se
que os psicólogos entravam nas comunidades sem saber ao certo o que deveriam
fazer por lá, ou que faziam a transposição de teorias e métodos da psicologia so-
cial de outros países para cá, e não obtinham os mesmos resultados.

Antes da regulamentação da psicologia enquanto profissão, possivelmen-


te, os psicólogos da área comunitária não tinham clareza de seu papel, pois levou
anos para que os referenciais da psicologia social brasileira fossem sendo constru-
ídos e disseminados. Os psicólogos que se balizavam em teorias e metodologias
do exterior não tinham alternativas naquele tempo. No entanto, a psicologia social
brasileira atual dispõe de um conjunto teórico que dá suporte para práticas e inter-
venções. A palavra conjunto foi utilizada porque assim como a psicologia não tem
uma única linha teórica e metodológica (GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).

149
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

DICAS

Se você deseja saber mais sobre a evolução da psicologia social no Brasil, leia
o artigo intitulado Alguns apontamentos sobre a trajetória da Psicologia social comunitária
no Brasil, de Mariana Alves Gonçalves e Francisco Teixeira Portugal.
O texto está disponível em: <bit.ly/3eEzaZN>.

7 PSICOLOGIA EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA E DESASTRES


De acordo com Vasconcelos e Cury (2017), a área de atuação da psicologia
voltada às situações de emergências e desastres pode envolver catástrofes naturais,
acidentes de grande proporção, como acidentes aéreos, naufrágios, conflitos arma-
dos. Ademais, Paranhos e Werlang (2015) ensinam que as situações de desastres e
emergências tendem a gerar estresse às pessoas, pois se sentem expostas ao perigo.

No entanto, um psicólogo que decida intermediar ou auxiliar a população


em uma situação assim deve estar ciente de que ele também pode correr riscos.
Como apontam Vasconcelos e Cury (2017), esse tipo de prática profissional impõe
ao psicólogo a necessidade de aprender a conviver com os riscos.

Além do mais, não pode chegar ao local sem ter objetivos do que deve fa-
zer. O trabalho do psicólogo, nessa situação, não pode ser apenas intuitivo; preci-
sa ter conhecimentos específicos para realizar intervenções adequadas. Paranhos
e Werlang (2015) recomendam que o psicólogo busque construir conhecimentos
na teoria da crise e na intervenção em crise, articulando as premissas às ideias da
psicologia positiva. Para tanto, as autoras recomendam que o psicólogo procure
pertencer a uma organização humanitária.

DICAS

Para visualizar situações potenciais para a intervenção de um psicólogo, suge-


rimos que você assista aos filmes a seguir:

• A Onda que mostra uma equipe de profissionais que monitoravam a situação de mon-
tanhas diante de indícios de possíveis deslizamentos que gerariam um desastre natu-
ral, dependendo da proporção.

150
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA – CAPA DO FILME A ONDA

FONTE: <https://bit.ly/3uEwIuD>. Acesso em: 29 set. 2021.

• Titanic que retrata um dos naufrágios mais famosos da história. Você pode imaginar
de que maneira contribuiria com as pessoas, caso fosse um psicólogo voluntário.

FIGURA – CAPA DO FILME TITANIC

FONTE: <https://bit.ly/3mrKiy5>. Acesso em: 29 set. 2021.

• 1898: Los últimos de Filipinas que ilustra um conflito armado que durou meses e
dizimou muitas pessoas, incluindo habitantes da localidade. Assista à produção imagi-
nando suas atribuições como psicólogo nessas circunstâncias.

151
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

FIGURA – CAPA DO FILME 1898: LOS ÚLTIMOS DE FILIPINAS

FONTE: <https://bit.ly/3iwjStI>. Acesso em: 29 set. 2021.

Você lembra das competências pessoais que um psicólogo precisa desen-


volver? Estudamos sobre elas no primeiro tópico desta unidade. Uma delas é
demonstrar capacidade de contornar situações adversas. Esta competência é im-
prescindível para o psicólogo que trabalha em situações de emergência e desas-
tre. Precisa ter autocontrole de suas emoções e sentimentos, para não sucumbir
suas funções quando se deparar com pessoas gravemente feridas ou mortas.

Também não pode se deixar abater momentaneamente pelas circunstâncias,


as quais podem envolver a destruição de uma parte do país em que vive, seja por
artefatos bélicos ou catástrofes naturais. Sendo assim, Paranhos e Werlang (2015) re-
comendam que os profissionais de saúde mental se apropriem de seu papel em situ-
ações críticas e ensinam que o psicólogo precisa estar atento aos seus pensamentos e
perspectivas, pois não é aconselhável chegar ao local focando nas questões traumá-
ticas ou patológicas acarretadas pelo evento trágico. Ele precisa prestar atenção nos
aspectos positivos, nas demonstrações de criatividade nessas circunstâncias.

Ademais, o profissional da área precisa oferecer condições para que os so-


breviventes percebam habilidades para superar de modo positivo as conjecturas.
Ele trabalhará para a prevenção da deterioração psicológica e contribuirá para
que os sobreviventes desenvolvam a resiliência, ou seja, o psicólogo oferecerá
auxílios emocionais, atenção e assistência, com o intuito de fortificar habilidades
de enfrentamento em situações críticas (PARANHOS; WERLANG, 2015).

Não são raras as notícias de repercussão nacional divulgadas na internet


sobre secas, enchentes, deslizamentos e queimadas no Brasil. Por conta disso, o
Conselho Federal de Psicologia divulgou, em 2013, sua Nota técnica sobre atuação
de psicólogas(os) em situações de emergências e desastres, relacionadas com a política de
defesa civil. Como introdução, o documento apresenta o seguinte:

152
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

As situações de emergências e desastres que vêm atingindo inúmeras


áreas no Brasil nos últimos anos e, especialmente, as consequências que
esses acontecimentos geram/trazem para a população atingida e para a
sociedade motivaram o Sistema Conselhos de psicologia a elaborar uma
Nota Técnica para nortear o trabalho que as(os) psicólogas(os) desem-
penham, especificamente, em tais situações, seja como profissional con-
tratado ou como voluntário. Nos dois casos, ela(e) estará agindo como
psicóloga(o) e; consequentemente; está submetida(o) às determinações
e exigências do Código de Ética e outras regulamentações normativas
que regem a profissão, inclusive terem o registro ativo no CRP da sua
área de jurisdição. Espera-se, com isso, esclarecer algumas questões que
surgiram com mais frequência neste cenário [...] (CFP, 2013, s.p.).

DICAS

Ficou curioso para conhecer a íntegra dessa Nota Técnica? O documento está
disponível em: <bit.ly/2RTmggE>.

Portanto, a área de emergências e desastres pressupõe oportunidades


para que os psicólogos se mostrem interessados pelas pessoas. Esta é outra com-
petência pessoal valiosa para o profissional. O psicólogo revela que está disposto
a ajudar pessoas que foram atingidas por eventos traumáticos e que, por conta
disso, apresentam necessidades psicológicas específicas. Assim, poderá estimular
as pessoas a superarem os obstáculos, ainda que em momentos que parecem de-
vastadores (PARANHOS; WERLANG, 2015).

A atuação do psicólogo precisa estar alinhada às condições da situação e


apresentar atitudes de empatia e aceitação para com as pessoas atingidas. Trata-
-se, também, de uma oportunidade para que tanto o psicólogo quanto os sobrevi-
ventes possam aprender inúmeras coisas (VASCONCELOS; CURY, 2017).

Para Tavanti e Spink (2014), o psicólogo pode estar presente nas ações
preventivas, com pessoas que vivem em áreas de risco socioambiental, ou seja, o
psicólogo não precisa se apresentar apenas após o desastre. Vasconcelos e Cury
(2017) enfatizam os sentimentos de gratificação, autorrealização, que os psicólo-
gos expressam após a participação em situações de emergências e desastres. Boa
parte relata que almeja continuar trabalhando em ocorrências similares.

Por fim, vale lembrar que muitos psicólogos escolhem a profissão no in-
tento de ajudar pessoas — a área de atuação deixa isso evidente. O cuidado com
outrem se torna mais perceptível ao psicólogo e, possivelmente, alguns sintam
certo heroísmo ao participar ativamente dos acontecimentos.

153
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

8 OUTRAS ÁREAS DE ESPECIALIDADES EM PSICOLOGIA


Os avanços da ciência psicológica, os quais propiciam a emergência de
áreas de conhecimento específico para a atuação do profissional de psicologia
foram um dos fatores para a edição da Resolução CFP 13, de 2007, a qual regula-
menta 11 áreas de especialidades em psicologia, para fins de registros de psicó-
logos especialistas no Sistema de Conselhos. Analisemos quais são elas, além de
duas outras relevantes áreas:

• Psicologia clínica.
• Psicologia escolar/educacional.
• Psicologia organizacional e do trabalho.
• Psicologia hospitalar.
• Psicologia em saúde.
• Psicologia jurídica.
• Psicologia do esporte.
• Psicologia de trânsito.
• Psicologia social.
• Avaliação psicológica.
• Psicopedagogia.
• Psicomotricidade.
• Neuropsicologia.

E
IMPORTANT

A Resolução CFP 13/2007, em seu artigo 3°, não menciona a psicologia em saúde
e a avaliação psicológica. No entanto, consideramos melhor apresentá-las nesta parte dos
seus estudos, de forma a ampliar seu conhecimento sobre a diversidade de especialidades.

É provável que, ao ler essa lista de especialidades, você tenha se dado con-
ta de que quatro delas ainda não foram apresentadas neste livro. Agora, veremos
o que o Conselho Regional de Psicologia da 9ª Região apresenta sobre três delas.

O psicólogo voltado à psicopedagogia, atuando na investigação e inter-


venção nos processos de aprendizagem de habilidades e conteúdos acadêmicos,
possui, durante sua atuação, as tarefas apresentadas no quadro a seguir.

154
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

QUADRO 10 – PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM PSICOPEDAGOGIA

Função Psicólogo especialista em psicopedagogia


• Busca a compreensão dos processos cognitivos, emocionais e mo-
tivacionais, integrados e contextualizados na dimensão social e
cultural em que ocorrem.
• Trabalha para articular o significado dos conteúdos veiculados no
processo de ensino, com o sujeito que aprende na sua singularida-
de e na sua inserção no mundo cultural e social concreto.
• Na relação com o aluno, o profissional estabelece uma investiga-
ção que permite levantar uma série de hipóteses indicadoras das
estratégias e criar a intervenção que facilite uma vinculação satis-
fatória ou mais adequada para a aprendizagem.
• Ao lado desse aspecto, o profissional também trabalha a postura,
a disponibilidade e a relação com a aprendizagem, a fim de que o
aluno se torne o agente de seu processo, aproprie-se do seu saber,
alcançando autonomia e independência para construir seu conhe-
Atribuições
cimento e exercitar-se na tarefa de uma correta autovalorização.
• Na escola, o profissional trabalha contribuindo com uma visão
mais integrada da aprendizagem, possibilitando a recondução
e integração do aluno na dinâmica escolar facilitadora de seu
desenvolvimento.
• Contribui na detecção de problemas de aprendizagem do aluno,
atendendo-o em suas necessidades e permitindo sua permanên-
cia no ensino regular. Nesse sentido, sua intervenção possibilita
a redução significativa dos índices de fracasso escolar.
• Atua utilizando instrumental especializado, sistema específico
de avaliação e estratégias capazes de atender o aluno e sua in-
dividualidade, auxiliando em sua produção escolar e para além
dela, colocando-os em contato com suas reações, diante da tare-
fa e dos vínculos com o objeto do conhecimento.
FONTE: Adaptado de CFP (2007)

Passemos a observar as atribuições veiculadas ao profissional da psicolo-


gia especializado em psicomotricidade, o qual atua nas áreas de educação, reedu-
cação e terapia psicomotora, utilizando-se de recursos para o desenvolvimento,
prevenção e reabilitação do ser humano.

155
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

QUADRO 11 – PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM PSICOMOTRICIDADE

Função Psicólogo especialista em psicomotricidade


• Participa de planejamento, elaboração, programação, implemen-
tação, direção, coordenação, análise, organização, supervisão, ava-
liação de atividades clínicas e parecer psicomotor em clínicas de
reabilitação, nos serviços de assistência escolar, escolas especiais,
hospitais, associações e cooperativas, presta auditoria, consultoria,
assessoria; dá assistência e tratamento especializado visando à pre-
paração para atividades esportivas, escolares e clínicas.
• Atua em projetos pedagógicos das escolas, concentrando sua ação
na orientação dos profissionais da instituição, mostrando a im-
portância dos aspectos do desenvolvimento psicomotor na evolu-
ção do desenvolvimento infantil.
• Atua no campo profilático (educativo e preventivo) nas creches,
escolas, escolas especiais e possibilita ao sujeito desenvolvimen-
to integrado às interfaces dos aspectos afetivo, cognitivo e social,
pela via da ação e da atividade lúdica, que constituem os alicerces
do acesso ao pensamento.
Atribuições • Atua junto a crianças em fase de desenvolvimento - bebês de
alto risco, crianças com dificuldades/atrasos no desenvolvimen-
to global, crianças portadoras de necessidades especiais (defi-
ciências sensoriais, preceptivas, motoras, mentais e relacionais)
em consequência de lesões.
• Atua junto a adultos portadores de deficiências sensoriais, per-
ceptivas, motoras, mentais e relacionais.
• Atua com a família na orientação de atividades para estimular o de-
senvolvimento neuropsicomotor do paciente e na verificação das
dificuldades que possam estar surgindo durante o processo tera-
pêutico, utilizando-se de técnicas específicas da psicomotricidade.
• Atua no atendimento à terceira idade.
• Atua em escolas e empresas, no diagnóstico das situações vi-
venciadas na organização, objetivando a conscientização da im-
portância do relacionamento humano por meio de técnicas psi-
comotoras que buscam o respeito do limite, da autonomia e do
ritmo de cada indivíduo.
FONTE: Adaptado de CFP (2007)

Agora, o psicólogo especialista em neuropsicologia é aquele que atua no


diagnóstico, acompanhamento, tratamento e pesquisa da cognição, das emoções,
da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre esses as-
pectos e o funcionamento cerebral. Ele utiliza conhecimentos teóricos da neuro-
ciência e da prática clínica, com metodologia estabelecida experimental ou clini-
camente. Vejamos, no quadro a seguir, o que mais podemos compreender como
atribuições desse profissional.

156
TÓPICO 2 — CAMPOS EMERGENTES DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS DA ATUAÇÃO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

QUADRO 12 – PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM NEUROPSICOLOGIA

Função Psicólogo especialista em neuropsicologia


• Utiliza instrumentos padronizados para avaliação das funções neu-
ropsicológicas, envolvendo principalmente habilidades de atenção,
percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendiza-
gem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, vi-
suoconstrução, afeto, funções motoras e executivas.
• Estabelece parâmetros para emissão de laudos com fins clínicos,
jurídicos ou de perícia, complementa o diagnóstico na área do
desenvolvimento e aprendizagem.
• O objetivo teórico da neuropsicologia e da reabilitação neurop-
sicológica é ampliar os modelos já conhecidos e criar hipóteses
sobre as interações cérebro-comportamentais. Trabalha com in-
divíduos portadores ou não de transtornos e sequelas que en-
volvem o cérebro e a cognição, utilizando modelos de pesquisa
clínica e experimental, tanto no âmbito do funcionamento nor-
mal ou patológico da cognição como estudando-a em interação
com outras áreas das neurociências, da medicina e da saúde.
Atribuições
• No plano prático, fornece dados objetivos e formula hipóteses so-
bre o funcionamento cognitivo, atuando como auxiliar na tomada
de decisões de profissionais de outras áreas, fornecendo dados
que contribuam para as escolhas de tratamento medicamentoso
e cirúrgico, excetuando-se as psicocirurgias, assim como em pro-
cessos jurídicos nos quais estejam em questão o desempenho inte-
lectual de indivíduos, a capacidade de julgamento e de memória.
• Na interface entre o trabalho teórico e prático, seja no diagnósti-
co ou na reabilitação, também desenvolve e cria materiais e ins-
trumentos, como testes, jogos, livros e programas de computa-
dor que auxiliem na avaliação e reabilitação dos pacientes.
• Desenvolve atividades em diferentes espaços, como instituições
acadêmicas, realizando pesquisa, ensino e supervisão, e insti-
tuições hospitalares, forenses, clínicas, consultórios privados e
atendimentos domiciliares, realizando diagnóstico, reabilitação,
orientação à família e trabalho em equipe multidisciplinar.
FONTE: Adaptado de CFP (2007)

Por fim, vamos observar o que o Conselho Federal de Psicologia nos apresenta
acerca da avaliação psicológica diante da edição da Resolução CFP 18, de 2019:

157
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

UNI

O Conselho Federal de Psicologia publicou nesta segunda-feira (16), no Diário Ofi-


cial da União, a Resolução CFP 18/2019, que reconhece a Avaliação Psicológica como especia-
lidade da Psicologia. O reconhecimento da especialidade era uma demanda antiga da categoria.

A especialidade foi aprovada durante a Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças
(Apaf), que aconteceu em dezembro de 2018, em Brasília, e reúne representantes do CFP e de
todos os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs). A especialidade em Avaliação Psicológica
será contemplada na próxima Prova de Títulos do CFP, que terá edital publicado em breve.

Segundo a conselheira do CFP, Daniela Zanini, a Avaliação Psicológica apresenta um con-


junto de métodos, técnicas e procedimentos suficientes que a sustentam como uma es-
pecialidade. “O Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos, o SATEPSI, tem 15 anos e nes-
se tempo a avaliação psicológica cresceu muito e hoje no Brasil tem um reconhecimento
significativamente maior”, afirma.

A Avaliação Psicológica é um processo complexo e exige de profissionais da Psicologia ha-


bilidades e conhecimentos para: identificar o construto a ser avaliado; selecionar a melhor
forma de medi-lo, determinando quais os instrumentos mais adequados ao contexto espe-
cífico que pretende avaliar; reunir as informações obtidas; e integrá-las de forma a contribuir
para a compreensão do funcionamento do indivíduo e sua relação com a sociedade.

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3FgqYMJ>. Acesso em: 28 ago. 2021.

Com os estudos desempenhados até agora, você conseguiu compreender


os objetos de estudo da psicologia. Note como essa ciência se consolidou, dife-
renciando-se de outras áreas, embora recebendo críticas sobre suas limitações,
métodos de pesquisa e de intervenção. Perceba que, qualquer que for o local em
que trabalhar ou a área de atuação que escolher, o psicólogo estará debruçado so-
bre a subjetividade humana e experiências vividas pelas pessoas (SOARES, 2010).
De fato, não se faz psicologia sem fisiologia e sem filosofia, vez que
os fatos psíquicos estão vinculados, inseparavelmente, com os bioló-
gicos, sem, entretanto, com eles se confundirem. São, ainda, os fatos
psíquicos o pressuposto e o resultado de um pensamento que, por ser
peculiaridade humana, é portador do caráter humano irredutível, por
isso mesmo, ao especificamente biológico (SOARES, 2010, p. 11).

Como também já estudamos, a psicologia brasileira é organizada, estrutu-


rada, sistematizada e conduzida por meio de seus conselhos, no âmbito federal e
regionais. Você sabia, no entanto, que nem todos os países contam com essa orga-
nização em torno da área psi? Chegamos ao instante ideal de você retomar o fôlego
e se preparar para conhecer o compromisso social da psicologia de maneira ampla.

158
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As áreas de atuação tradicionais em psicologia são a psicologia clínica, a esco-


lar ou educacional e a organizacional e do trabalho.

• As áreas emergentes em psicologia são as incipientes, ou seja, que estão se de-


senvolvendo, e necessitam de mais psicólogos para que ocorra sua expansão.

• Embora existam pessoas que considerem a psicologia hospitalar como idênti-


ca à psicologia em saúde, há diferenças.

• Pode-se dizer que há psicologias hospitalares e psicologias em saúde.

• A psicologia jurídica possui relações com o campo do direito e o psicólogo


desta área tende a interagir com magistrados, advogados e promotores.

• A psicologia do esporte é voltada às práticas de exercício físico e à intervenção,


no que tange à estabilidade emocional e ao melhor desempenho esportivo.

• A psicologia de trânsito se tornou conhecida por conta dos psicotécnicos —


para que o interessado se torne habilitado a dirigir —, mas o psicólogo do
trânsito pode fazer diversas outras atividades.

• A psicologia social ou comunitária se destina à maioria da população e o pro-


fissional da área costuma adentrar em periferias, favelas e fazer intervenções.

• A área de emergências e desastres é uma das mais novas em nosso país, exis-
tindo diretrizes para a atividade voluntária em psicologia.

• Outras áreas emergentes da psicologia são psicopedagogia, psicomotricidade


e neuropsicologia.

159
AUTOATIVIDADE

1 "Ora, a emergência de uma nova área de atuação do psicólogo (e, vale di-
zer, de qualquer outro profissional) depende em grande parte do trabalho
de pioneiros. Ou seja, é na medida em que psicólogos, solicitados a de-
senvolver determinada atividade, mostram competência nesta atividade e
mesmo a sua viabilidade, é que se abrem possibilidades a novos colegas.
Estas possibilidades ampliam-se no movimento de vaivém entre oferta e
demanda, típico do mercado de trabalho" (CARVALHO; SAMPAIO, 1997,
p. 14). Tendo em vista as áreas emergentes da psicologia, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Psicologia clínica, psicologia escolar ou educacional e psicologia organi-


zacional e do trabalho são exemplos das áreas emergentes em psicologia.
( ) As áreas emergentes em psicologia são as incipientes, ou seja, que estão se de-
senvolvendo, e necessitam de mais psicólogos para que ocorra sua expansão.
( ) Podem ser consideradas áreas emergentes em psicologia a psicologia
hospitalar, a psicologia em saúde, a psicologia jurídica, a psicologia do
esporte, a psicologia do trânsito.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – V.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – F – F.
d) ( ) F – V – F.

2 (ENADE, PSICOLOGIA, 2018) Com a promulgação do Estatuto da Criança


e do Adolescente (ECA), em 1990, a criança e o adolescente passaram a ser
considerados sujeitos de direitos, em peculiar condição de desenvolvimen-
to. Assim, os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser priorita-
riamente garantidos pela família, pelo Estado e pela sociedade civil. Em
relação aos adolescentes aos quais é atribuído o cometimento de atos infra-
cionais, rompe-se com a perspectiva anterior, que se pautava na situação
irregular, no assistencialismo e no punitivismo.
FONTE: <https://bit.ly/2YfIVKN>. Acesso em: 14 abr. 2020.

Com base nesse contexto, avalie as afirmações a seguir.

I- A cisão com o paradigma da pobreza como norteadora das políticas so-


ciais destinadas a crianças e adolescentes foi uma das mudanças instituí-
das pelo ECA.
II- A universalização dos direitos da criança e do adolescente, a partir da
promulgação do ECA, está fundada no princípio de que toda criança e
adolescente está sob a mesma condição jurídica.

160
III- De acordo com o disposto no ECA, a aplicação de medidas socioeduca-
tivas pelo juiz deve levar em consideração a gravidade do ato, o nível de
compreensão do adolescente e a sua condição socioeconômica.
IV- Uma mudança instituída pelo ECA foi a imposição da medida socioedu-
cativa de internação a adolescentes em situação de vulnerabilidade social
como forma de proporcionar-lhes uma nova possibilidade de socialização
e acesso aos direitos fundamentais.

É CORRETO apenas o que se afirma em:

a) ( ) I e II.
b) ( ) I e IV.
c) ( ) III e IV.
d) ( ) I, II e III.

3 (ENADE, PSICOLOGIA, 2018) No dia 27 de janeiro, fomos todos, cedo ou


tarde, despertados pela notícia do incêndio na boate Kiss. Imediatamente
fomos a Santa Maria e lá nos deparamos com ginásios de esportes que abri-
gavam vítimas fatais, familiares, amigos, profissionais da saúde, de segu-
rança, da gestão estadual, municipal e federal, da mídia, voluntários, entre
outros que deambulavam por ali sem rumo certo. Havia uma espécie de
caos organizado: espaço de inscrição de voluntários; outro para familiares
e amigos aguardarem o chamado feito por microfone para reconhecerem as
vítimas já identificadas pela perícia; uma área destinada à regularização do
óbito e outra para a preparação dos corpos e atos relativos ao funeral.
FONTE: CABRAL, K. V.; SIMONI, A. C. Fazendo a gestão no olho do furacão. Entre Linhas. Rio
Grande do Sul, Ano XIII, n. 62, p. 6-7, abr./mai./jun. 2013 (adaptado).

FONTE: <https://bit.ly/2YfIVKN>. Acesso em: 14 abr. 2020.

Considerando esse contexto e a atuação de psicólogos em situações de


emergência e desastres, avalie as sentenças a seguir:

I- Em situações de emergência, cabe ao psicólogo promover o acolhimento das


pessoas envolvidas para que reconheçam a necessidade do acompanhamen-
to psicológico e para que melhor compreendam a fase crítica vivida.
II- Quando há vítimas fatais, o psicólogo deve mapear os possíveis grupos
com processo de luto não reconhecido, principalmente entre familiares,
amigos, professores das vítimas e moradores próximos do local onde
ocorreu o desastre.
III- Como prevenção ao Transtorno de Estresse Pós-traumático, o psicólogo
deve promover ações individuais e coletivas que favoreçam a capacidade
dos sujeitos de enfrentarem o evento traumático.
IV- Quando atua como voluntário em situações traumáticas, o psicólogo está
dispensado de cumprir as exigências formais e legais do seu exercício pro-
fissional para atender às necessidades imediatas da sociedade.

161
É CORRETO apenas o que se afirma em:

a) ( ) I e II.
b) ( ) II e IV.
c) ( ) III e IV.
d) ( ) I, II e III.

4 A formação e atuação dos psicólogos no Brasil têm sido objeto frequente de


estudos e discussões na última década, intensificando-se ainda mais com a
comemoração dos cinquenta anos da regulamentação da profissão no Brasil
em 2012. As discussões sobre a profissionalização dos psicólogos incidem so-
bre a identidade profissional, a função social da Psicologia e a interface junto
às demais áreas do conhecimento, a necessidade de diversificação teórica e de
flexibilização do currículo" (BOBATO; STOCK; PINOTTI, 2016, p. 19). Tendo
em vista três áreas da psicologia, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Psicologia Social.
II- Psicologia Jurídica.
III- Psicologia do Esporte.

( ) Participa da elaboração e execução de programas socioeducativos desti-


nados a crianças de rua, abandonadas ou infratoras.
( ) Promove estudos sobre características psicossociais de grupos étnicos,
religiosos, classes e segmentos sociais nacionais, culturais, intra e inter-
culturais.
( ) Elabora e emite pareceres sobre aspectos psicológicos envolvidos na situ-
ação esportiva, quando solicitado.

FONTE: BOBATO, Sueli Terezinha; STOCK, Claudia Meriane; PINOTTI, Luciane Kaiser. Forma-
ção, Inserção e Atuação Profissional na Perspectiva dos Egressos de um Curso de Psicologia.
Psicol. Ensino & Form., São Paulo, v. 7, n. 2, p. 18-33, 2016.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) II – I – III.
b) ( ) III – II – I.
c) ( ) I – II – III.
d) ( ) III – I – II.

5 "Os currículos plenos dos cursos de Psicologia foram, de um modo geral,


elaborados visando à formação do psicólogo "generalista", seguindo aí o
espírito da lei que regulamentou a profissão. Isto é, os cursos privilegiam
o conhecimento genérico em temas psicológicos, proporcionando uma for-
mação científico-metodológica e o desenvolvimento de habilidades técni-
cas que serão úteis nas intervenções do psicólogo em geral, sem a delimita-
ção de áreas de atuação específicas" (CARVALHO; SAMPAIO, 1997, p. 14).
Quais são as áreas de atuação emergentes em psicologia?

162
FONTE: CARVALHO, Maria Teresa de Melo; SAMPAIO, Jáder dos Reis. A formação do psicólo-
go e as áreas emergentes. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 17, n. 1, p. 14-19, 1997.

a) ( ) Psicopedagogia, psicomotricidade e neuropsicologia.


b) ( ) Psicologia clínica, do trânsito e infantil.
c) ( ) Psicologia escolar, vocacional e do consumidor.
d) ( ) Psicologia do trabalho, do esporte e da comunicação.

163
164
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO


BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

1 INTRODUÇÃO

Ao longo de sua história, a psicologia foi marcada pelo compromisso com


a sociedade. Em diferentes tempos, esteve a serviço de um grupo social, de inte-
resses particulares no seu desenvolvimento. Todavia, com o passar dos anos, essa
ciência passou a ganhar adeptos em camadas populares, sobretudo por meio dos
debates em universidades. Seu vínculo se tornou ainda mais forte com a socieda-
de com a regulamentação da psicologia como profissão, por meio da Lei federal
nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Vale salientar que o Brasil foi o primeiro país a
regulamentar a psicologia como profissão e formação.

Além disso, o surgimento da psicologia comunitária e a inserção e o de-


senvolvimento da prática dos psicólogos na saúde pública contribuíram para o
forte laço com a sociedade e seu projeto de compromisso social. Nesse sentido, a
psicologia do século XXI se volta para políticas públicas, para um compromisso
com a maioria da população e suas urgências, para a ética e seus desafios na so-
ciedade moderna, para os direitos humanos.

Vamos conhecer, a seguir, mais sobre a história do compromisso social da


psicologia no Brasil, como se relacionou historicamente com a sociedade e quais
foram as conquistas e os desafios por ela encontrados. Por isso, você está convida-
do a aprofundar seus estudos e ampliar sua bagagem sobre a área. Bons estudos!

2 A HISTÓRIA DO COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA


NO BRASIL
Na história do Brasil, a psicologia teve sua aparição na época do Brasil Co-
lonial. Nesse cenário, apareceu por meio de estudos sobre fenômenos psicológi-
cos, sobretudo nas obras de outras áreas do saber, como a teologia, a pedagogia, a
política, a moral e a arquitetura, escritas por autores com formação jesuítica, ten-
do como objetivo o controle dos povos indígenas. Portanto, os estudos eram de
caráter emotivo, de autoconhecimento, adaptação ao ambiente, diferenças raciais
e outros temas diretamente ligados ao controle político da população colonial.

165
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Com a vinda da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, entre 1807 e 1808, ocor-
reram importantes mudanças sociais em uma cidade que se organizava sem con-
dições básicas de sobrevivência. Havia muitas doenças infecciosas, as quais se pro-
liferavam, e campanhas de higienização da sociedade começaram a ganhar força.

O desenvolvimento do saber médico aliado às ideias de higienização e sa-


neamento da sociedade passaram a constituir o discurso da época. Assim, os con-
teúdos psicológicos passaram a constituir as produções médicas para caracterizar
as doenças da moral, presentes em prostitutas, loucos e pobres da sociedade.

O início do século XIX foi o período de instalações de hospícios no país.


Questões como eliminar problemas existentes na sociedade e como manter mão
de obra barata, sem os efeitos indesejáveis, eram levantadas. Segundo Bock (1999),
as produções científicas se direcionavam para tais questões e as respostas eram
permeadas de racismo científico, como a teoria da degenerescência.

No período da Primeira República, na última década do século XIX, a psi-


cologia passou a se separar como área do saber. Na primeira metade do século XX,
ocorreu uma efervescência de lutas políticas pela modernização da sociedade brasi-
leira. Havia um forte movimento de saída da produção agrária para o ingresso na
modernidade, por meio da industrialização. Para Bock (1999), a defesa da educação,
da difusão do ensino, das ideias escolanovistas embasou as produções da época.

NOTA

A Escola Nova foi um movimento de renovação do ensino e de grande influência


na Europa e na América durante a primeira metade do século XX. O escolanovismo se desen-
volveu no Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais.

O rápido processo de urbanização e a ampliação da cultura cafeeira trouxeram o progresso


industrial e econômico para o país, porém, com eles surgiram graves desordens nos aspectos
políticos e sociais, ocasionando mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro.

O escolanovismo acredita que a educação é o exclusivo elemento eficaz para a cons-


trução de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades, res-
peitando a individualidade do sujeito, para a reflexão sobre a sociedade. De acordo com
educadores, a educação escolarizada deveria ser sustentada no indivíduo integrado à de-
mocracia, o cidadão atuante e democrático.

FONTE: <https://bit.ly/3FcG99P>. Acesso em: 14 abr. 2020.

166
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

Nesse ambiente, a psicologia passa a fornecer fundamentos para o desen-


volvimento das novas ideias educacionais. A questão para a psicologia se modi-
fica, ou seja, quais conhecimentos científicos são necessários para desenvolver
crianças na direção da sociedade moderna que queremos? Conforme Bock (1999),
noções de diferenciação das pessoas por meio da ideia de capacidades inerentes
aos indivíduos cresceram no seio da psicologia, que produzirá instrumentos ca-
pazes de fazer diferenciações. Há forte influência das ideias de pensadores ame-
ricanos na psicologia brasileira.
Do controle do Período Colonial, para a higienização do início do sé-
culo XIX, para a diferenciação no século XX. O início do século XX será
marcado por uma credibilidade muito grande na educação. A edu-
cação foi vista como a grande responsável pelo desenvolvimento da
sociedade. A relação pedagogia-estudos psicológicos será, então, al-
tamente reforçada. A psicologia permitia que a educação fosse pensa-
da a partir de bases científicas. Posteriormente, na década de 1930, os
ideais escolanovistas vão acentuar esta relação (BOCK, 1999, p. 319).

Dessa maneira, as ideias da Escola Nova, a qual se constituiu como um


movimento progressista na pedagogia moderna, trouxeram nova proposta edu-
cacional por meio de uma concepção de infância que abandonava a visão tradi-
cional, que concebia a criança como possuidora de uma natureza corrompida,
necessitando ser “cultivada” para que o mal presente em seu ser fosse desen-
raizado. Segundo o movimento da Escola Nova, a criança passa a ser entendida
como possuidora de uma natureza pura e boa e precisava ser conhecida em sua
profundidade para que o trabalho educacional pudesse contribuir para mantê-la
pura, espontânea e livre. Assim, tornou-se imprescindível conhecer o desenvolvi-
mento da criança e corrigir o seu percurso (BOCK, 1999).

O poder de diferenciação da psicologia contribuiu, também, para o seu desen-


volvimento na área da psicologia organizacional ou do trabalho. Ela atuava no sentido
de selecionar o homem certo para o lugar certo. Logo, surgem os institutos de seleção e
orientação, como o ISOP. Nesse sentido, a institucionalização da psicologia era evidente.

NOTA

O Instituto de Seleção e Orientação Profissional — ISOP foi criado em 1947


com o objetivo de contribuir para o ajustamento entre o trabalhador e o trabalho, median-
te estudo científico das aptidões e vocações do primeiro e dos requisitos psicofisiológicos
do segundo. Este instituto desenvolveu, em seus dez primeiros anos de funcionamento,
um trabalho voltado para a implantação de técnicas de seleção e orientação profissional,
dando atendimento à classe média alta, em uma tentativa de orientação da futura elite
dirigente, conforme explica Abade (2005).

Segundo a autora, o órgão também foi responsável pela formação dos primeiros especialistas
na área da psicologia. Em 1981, sua denominação foi alterada para Instituto Superior de Estu-
dos e Pesquisas Psicossociais, mantendo-se, contudo, a sigla ISOP, sendo extinto em 1990.

167
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Abade (2005) explica que a instalação do ISOP no Rio de Janeiro desempe-


nhou papel importante na criação do Serviço de Orientação e Seleção Profissional
— SOSP, em Minas Gerais, criado em 1949 com o objetivo de orientar vocações no
meio escolar e estabelecer critérios para a seleção de pessoal destinado à adminis-
tração pública e organizações particulares.

Assim, o SOSP foi o primeiro instituto no Brasil sob responsabilidade go-


vernamental. Este instituto foi dirigido pelo professor Bessa, que, por sua vez,
foi orientado pelo diretor da ISOP, Mira y Lopez. Para Abade (2005), os projetos
desenvolvidos tanto pelo SOSP e pelo ISOP se enquadravam na perspectiva da
administração científica do trabalho. O psicotécnico era o profissional que adqui-
ria o domínio do conhecimento sobre a natureza humana e buscava adaptá-la ao
novo contexto da sociedade urbano-industrial.
[...] a finalidade da Orientação Profissional incorporava-se ao ideal de or-
ganização e racionalização do trabalho da época, com vistas a uma maior
produtividade — orientada segundo o pensamento do homem certo no
lugar certo. Os testes vocacionais tinham a finalidade de orientar pro-
fissionalmente os jovens para uma escolha coerente com suas aptidões,
mas principalmente com vistas à maior eficiência do processo produtivo.
Direcionando os indivíduos para diferentes profissões pelas suas capaci-
dades, sem considerar as diferentes condições de classe ou a história de
vida do sujeito, a Orientação Profissional transformava as determinações
sociais em características inerentes ao indivíduo (ABADE, 2005, p. 17).

Podemos afirmar que as origens da orientação profissional no Brasil foram


constituídas no início do século XX, apresentando-se como uma modalidade psi-
cométrica. Segundo Abade (2005), os empresários foram os principais defensores
e os engenheiros foram os pioneiros nesse campo de atuação. Até então a forma-
ção dos psicólogos se fazia nos cursos de filosofia, pedagogia e ciências sociais,
cujos recém-formados realizavam estágios em instituições especializadas, habili-
tando-se ao exercício profissional. Adiante, veremos com mais detalhes como foi
institucionalizada a psicologia como campo profissional e seu alcance social.

3 PSICOLOGIA E PROFISSÃO: DO ELITISMO AO ALCANCE


SOCIAL
Uma profissão não é um fazer pronto. Ela está atrelada aos acontecimentos
históricos e, portanto, é construída em determinada época que permita seu surgi-
mento. No Brasil, em particular, este processo esteve atrelado ao processo de moder-
nização da sociedade. Nesse sentido, a psicologia se apresentou como um saber téc-
nico e serviu de instrumento para que a produção de riqueza no país fosse pensada
e instalada de forma moderna. O projeto de modernização da sociedade brasileira
exigiu saberes técnicos para todas as práticas sociais. Segundo Bock (2008, p. 1):
O pensamento moderno se associa intimamente à tecnologia; à absor-
ção de tecnologia para a gestão da vida e da sociedade. Assim, nos
idos dos anos 1950/1960, o Brasil, ao sonhar ser uma sociedade mo-
derna, precisou de práticas e saberes que lhe dessem este status, e a

168
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

psicologia esteve entre estes conhecimentos. Importamos psicologia


da Europa e dos Estados Unidos para aplicá-la nas escolas visando ob-
ter maior rendimento e nas indústrias para maior produtividade. Os
testes psicológicos permitiam uma apresentação da psicologia a partir
da visão moderna de tecnologia objetiva.

A psicologia, no Brasil, desenvolveu-se como profissão por meio de proje-


to da elite para a modernização da sociedade brasileira. No início de sua história
em nosso país, a psicologia se aquedou ao projeto de modernização, atendendo às
necessidades das camadas dominantes, da elite da sociedade, as quais possuíam
a possibilidade de reconhecer e introduzir a profissão. Nesse sentido, gradativa-
mente, a psicologia passou a se conservar como pertencente à elite, e conquistou
lugar social de profissão, sendo regulamentada por lei. Como já elucidamos, o
Brasil foi o primeiro país no mundo a regulamentar a profissão, sendo sua “certi-
dão de nascimento” a Lei federal nº 4.119, de 1962 (BRASIL, 1962).

E
IMPORTANT

A Lei nº 4.119, de 1962, é a responsável pela descrição básica dos cursos de


formação em psicologia e regulamenta a profissão do psicólogo. Foi editada no governo de
João Goulart, um dos maiores incentivadores da adoção de políticas na área da educação
do país, tendo ao seu lado, no Ministério da Educação, o grande Darcy Ribeiro.

Nesse sentido, a implantação da psicologia interessava de modo particu-


lar a elite brasileira, pois ela prometia com sua tecnologia — os testes psicológicos
— contribuir de maneira significativa para a previsão e o controle dos compor-
tamentos, tarefas necessárias naquele momento de instalação de um novo pro-
jeto de sociedade. Deste modo, para Bock (2008), a psicologia naquele momento
possibilitou colocar o homem certo no lugar certo. Além disso, prometia facilitar
a aprendizagem, adaptar as pessoas, facilitar a percepção de cada um sobre si e,
também, diferenciar os sujeitos (alunos ou trabalhadores). Esse conjunto de fato-
res colocou a psicologia em lugar de destaque na sociedade no início da segunda
metade do século XX.

Entretanto, as condições efetivas da psicologia como profissão ainda não es-


tavam estabelecidas. Não havia, por exemplo, a corporação para dar forma à profis-
são, como também não havia o discurso ideológico que caracteriza uma profissão.
Não existiam modelos ao redor do mundo da psicologia como profissão.

No contexto do surgimento e de desenvolvimento da psicologia no Brasil,


havia tarefas importantes para serem realizadas por esta ciência. Para que hou-
vesse a consolidação da psicologia como profissão, era necessário construir um
projeto e uma corporação. Era preciso chamar a atenção da sociedade para essa

169
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

nova profissão, desconhecida até então, ou seja, uma organização de psicólogos


que reivindicassem o status de profissão, no entanto, não aconteceu. Os psicó-
logos dos anos 1970, 1980 e 1990 seguiam se perguntando sobre a natureza do
psicólogo e o que se esperava de sua atuação. Houve a falta de um projeto para a
profissão e a necessidade de construí-lo.

Com o passar dos anos, a profissão foi construída e forjada pelos profissio-
nais da área. Após a década de 1990, em diversos espaços, foram sendo inauguradas
práticas e novos campos, tornando a psicologia uma profissão de interesse social.

Pode-se dizer que a psicologia, desde a sua introdução como conheci-


mento no Brasil, e depois como profissão, manteve uma relação de compromisso
com a sociedade brasileira. Inicialmente, foi utilizada como conhecimento e como
prática para responder aos interesses de controle, de categorização, seleção, que
eram aspirações da elite dominante da época. Na visão de Bock (2008, p. 2):
Talvez as condições sociais sob as quais surgiu a Psicologia (a Lei foi
aprovada em 1962, tendo logo depois ocorrido o golpe militar e teve
início um longo período de ditadura militar), em que a falta de demo-
cracia social, as lutas ocultas nos partidos, nas várias formas de arte,
nas academias estavam postas como condição, ao lado das duras me-
didas autoritárias, tenham formado um bom terreno para escaparmos
de um projeto corporativista, mesquinho, que nos mantivesse aliados
às elites, sem contradições.

Além disso, o contexto do desenvolvimento da psicologia como profissão


teve forte influência nas universidades do país, tendo em vista que as universi-
dades recebiam professores perseguidos pelas duras leis de exceção. Assim, sob
a perseguição da ditadura militar, uma parte dos partidos de esquerda se esta-
beleceu em universidades com o objetivo de construir e ensinar um campo de
discussão e debate progressista, ou seja, as universidades se tornaram espaços de
questões éticas e políticas, o que impactou diretamente a psicologia.

Gradativamente, as universidades abriam novos cursos, o que proporcio-


nou seu acesso por camadas médias da população. Surgiu, portanto, uma nova
composição de categoria profissional, para além dos filhos das elites. Essa situ-
ação proporcionou o desenvolvimento de um projeto de compromisso social e,
com isso, a área da psicologia, a qual até então estava distante da realidade social,
voltou-se para a sociedade, para os aspectos econômicos, culturais e, fundamen-
talmente, sociais (BOCK, 2008).

Segundo a autora, o surgimento da psicologia comunitária, a inserção e


o desenvolvimento da prática dos psicólogos na saúde pública podem ser consi-
derados aspectos importantes do projeto de compromisso social. Nesse ensejo, a
psicologia do século XXI está voltada, como dito, para as políticas públicas, para
um compromisso com a maioria da população e suas urgências, para a ética e
seus desafios na sociedade moderna e para os direitos humanos.

170
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

4 PSICOLOGIA E OS DESAFIOS DO COMPROMISSO


SOCIAL NO BRASIL
Não é possível compreendermos a realidade social de uma sociedade sem
conhecer o desenvolvimento de seu contexto sócio-histórico. Um dos elementos
fundamentais para analisar os desafios da psicologia da intervenção social na atu-
alidade é o fato de vivermos em uma sociedade em constante transformação. Essa
transformação acelerada nos diferencia de qualquer época ou contexto histórico.

Todos somos afetados diretamente pela rápida transformação, em todas


as esferas de nossa vida, seja social, cultural ou política. Essas mudanças pene-
tram em nossos lares e exercem influências no cotidiano, nas formas de nos rela-
cionarmos e em nossa maneira de pensar e de agir.

Segundo Casas (2005), a complexidade das dinâmicas sociais dificulta


tentativas de previsão, como a tecnologia. A maioria das previsões que fazemos
sobre como será nossa vida em 20 anos são incertas, pois estamos conectados às
transformações tecnológicas.
Há 35 anos erramos as previsões que fizemos sobre as mudanças que a
televisão operaria nas nossas vidas. Há 10 anos não éramos capazes de
imaginar como a internet poderia mudar nossas relações interpesso-
ais. Há apenas três anos eram impensáveis as novas formas de comu-
nicação que têm surgido com a rapidíssima implantação dos celulares
[...] (CASAS, 2005, p. 42-43).

Para Bock (2008), a sociedade não é um papel na perspectiva psicológica e,


por esse motivo, não é necessário discutir qual o papel da psicologia na sociedade.
A realidade social é vista como algo externo ao sujeito, que nada tem relação com
o seu desenvolvimento. O homem se desenvolve pela sua natureza e a sociedade
contribui ou atrapalha, mas nunca é vista como algo do humano, construção do
próprio homem. Nesse sentido, a sociedade é vista muitas vezes como algo que
impede, algo que deve ser controlado, para que não impeça o desenvolvimento
das potencialidades já inerentes ao homem.

Deste modo, Bock (2008) afirma que os psicólogos se puseram de costas


para a realidade social, pois acreditavam poder entender o fenômeno psicológico
a partir dele mesmo.
As crianças não aprendem na escola porque não se esforçam ou por-
que têm pais que bebem e mães ausentes; as mães pobres não tratam
adequadamente seus filhos porque não conhecem os saberes da psico-
logia; as pessoas não melhoram de vida porque não querem; os traba-
lhadores perdem suas mãos nas máquinas devido a pulsões de morte
ou coisa que o valha. Os jovens matam crianças com tiros porque têm
natureza violenta [...]. Assim, vamos explicando todas as questões so-
ciais a partir de mecanismos naturais do mundo psicológico. Não é
este o projeto que defendemos. Temos nos oposto a ele e procurado a
psicologia do compromisso social (BOCK, 2008, p. 3).

171
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Nesse sentido, é necessário buscar uma psicologia que responda às reais


necessidades da população e da nossa realidade. Qual, então, é a realidade do
Brasil? Para Bock (2008), vivemos em um país de terceiro mundo cujo sistema
capitalista vigente produz relações sociais. Essas relações sociais são marcadas
pela desigualdade social, decorrente da estrutura do modo de produção capitalis-
ta. O capitalismo, por sua natureza, gera a desigualdade. Dessa maneira, nossas
relações sociais de convivência são marcadas pelo sentimento de hostilidade, de
desconfiança, de irritação e de medo, e isso caracteriza o modo de ser do brasi-
leiro, pois as camadas dominantes utilizam ferramentas de controle, por meio de
aparatos repressivos e de segurança para conter os sentimentos.

Nesse sentido, o espaço público fica vazio e a segregação se torna cada vez
maior. Alguns espaços públicos passam a ser ocupados apenas por determinados
grupos sociais. A maioria das pessoas é excluída da condição de cidadão e, como
consequência, são retiradas dos processos de construção e das decisões políticas
do país. Em outras palavras, as pessoas “não construirão as condições de vida
a que estarão submetidas; não construirão soluções para as suas necessidades;
serão usuários dos serviços, das decisões, dos restos [...]” (BOCK, 2008, p. 3-4).

Além disso, os direitos e os espaços não são igualmente divididos e o po-


der político se concentra na mão de grupos dominantes da elite. As formas sociais
produzem correspondentes subjetivos que refletem sofrimento e distanciamento
social. Na visão de Bock (2008), deve-se construir uma psicologia que seja capaz de
contribuir para que essa realidade desigual se evidencie e que os psicólogos pos-
sam contribuir para sua superação. Para que isso ocorra, é necessário abandonar
concepções naturalizantes e universalizantes de fenômeno psicológico, ou seja, é
preciso adotar perspectivas históricas que permitam compreender que o humano
não está pronto e que nem tem um destino próprio a perseguir, mas que se consti-
tui coletivamente, dando conta de produzir nossa sobrevivência e nossa vida social.
O ser humano precisa ser pensado a partir de outra perspectiva, que
tenha a historicidade como uma de suas principais características. É
preciso pensar o sujeito como em construção permanente; como al-
guém que ao atuar no mundo o modifica e modifica a si próprio. Nos-
sos conceitos precisam dar conta disto. Não podemos trabalhar com
conceitos que paralisam o mundo; que tomam o sujeito como um a
priori, como alguém que nasce dotado de capacidades. Precisamos de
perspectivas que pensem a construção do psiquismo como algo que se
dá ao mesmo tempo em que se constrói o mundo (BOCK, 2008, p. 4).

172
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

NOTA

A psicologia sócio-histórica, como ensina Valente (2010), é uma vertente teóri-


ca da psicologia, e suas proposições estão ligadas ao conhecimento do homem e sua subje-
tividade guiada pela concepção materialista dialética. Surgiu no início do século XX, na União
Soviética, momento em que procurou reconstruir as teorias científicas a partir do referencial
marxista. Os autores que definem os fundamentos teóricos são Alexander Romanovich Luria
(1902-1977), Aléxis Nicolaevich Leontiev (1903-1979) e Lev Seminovichi Vygotski (1896-1934).

Vygotski se propôs a construir uma psicologia guiada pelos princípios e métodos do materialis-
mo dialético, destinando sua produção à descrição e explicação da construção e desenvolvi-
mento do psiquismo e comportamento humano, a partir das funções psicológicas superiores
(pensamento, linguagem e consciência). A produção de Vygotski teve continuidade, na União
Soviética, com trabalhos de Luria e Leontiev e, posteriormente, passou a ser estudada em
outros países. No Brasil, sua obra ganhou espaço e se incorporou à área de psicologia social.
Atualmente, estes conhecimentos expressam diferentes leituras da obra de Vygotsky dentre
os diversos grupos que se ocupam da elaboração e construção da proposta (VALENTE, 2010).

Nesse cenário, a psicologia ainda enfrenta o desafio de conviver com con-


ceitos que fundamentam perspectivas universalizantes e naturalizantes da subje-
tividade. Nesse sentido, para Bock (2008), é preciso rever nossos conhecimentos
e práticas a partir de noções que compreendam o homem como um ser que se
constitui ao longo de sua própria vida, ao longo de sua ação sobre o mundo,
na interação com os outros homens, inseridos em uma cultura produzida e de-
senvolvida por uma geração de outros homens. Essas perspectivas fortalecem o
compromisso social da psicologia.

Neste âmbito, é urgente que a psicologia olhe para as questões sociais,


contribuindo para a transformação da realidade desigual do Brasil. O preconcei-
to, a segregação e a desigualdade social permanecem ocultadas na nossa psicolo-
gia. Bock (2008, p. 5) reforça que a psicologia sócio-histórica:
[...] é uma perspectiva que quer produzir uma psicologia que fale
dessa realidade; que ao falar do mundo psicológico seja capaz de dar
conta de toda essa realidade desigual que nos cerca e que, portanto,
ao falar do mundo psicológico o tome como realidade e seja capaz de
falar do mundo desigual, denunciando-o e incentivando os psicólogos
a trabalharem na construção de um mundo melhor.

Cabe destacar que, para que ocorram mudanças efetivas na profissão do


psicólogo com vista a um maior compromisso social, é necessário haver, também,
políticas públicas de oferta de serviços psicológicos públicos e/ou privados, mas
qualificados; assim, indubitavelmente, haverá mudança na carreira para atender
às necessidades da maioria da população, pois existirão espaços de trabalho em
diferentes cenários e contextos para os psicólogos atuarem. É nessa direção que
o Fórum de Entidades Nacionais da Área da Psicologia trabalha. No entanto, os

173
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIB

resultados dessas ações dependem da efetiva participação do coletivo e de cada


um dos psicólogos junto às instituições e aos que decidem as políticas públicas
(MAZER; MELO-SILVA, 2010).

Ainda segundo Casas (2005), diante da globalização em que vivemos, po-


líticas sociais não estão na moda. Além disso, não está na moda falar de proble-
mas sociais na televisão. Nessa realidade, em sua visão:
Nós, os profissionais da intervenção social, temos nos ressentido pelo
tratamento das informações sobre as situações que sofrem nossos usu-
ários por parte dos meios de comunicação social. Enxergamos e nos re-
lacionamos com seus profissionais com desconfiança e, às vezes, aliás,
como uma espécie de inimigo a evitar (CASAS, 2005, p. 47).

Na sociedade em que estamos inseridos, de transformação acelerada,


pouco notamos as mudanças nas atitudes gerais dos cidadãos, ou sem suas re-
presentações sociais em questões que afetam os programas de intervenção social,
sem contar com a colaboração positiva dos meios de comunicação. Assim, para
Casas (2005), é necessário repensar nossas colaborações e alianças com os profis-
sionais da informação, como também é preciso repensar nossas redes para dina-
mizar mudanças sociais positivas.

174
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

LEITURA COMPLEMENTAR

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO: 30 ANOS REGISTRANDO O


AVANÇO DA PSICOLOGIA BRASILEIRA

Maria Imaculada Cardoso Sampaio


André Serradas
Acácia Aparecida Angeli dos Santos

Publicada desde 1979 pelo Conselho Federal de Psicologia, a revista Psi-


cologia: Ciência e Profissão (PCP) vem registrando a evolução da área e suas princi-
pais transformações. Ao comemorar 30 anos, a publicação atingiu maturidade e
reconhecimento entre os psicólogos, estando inserida definitivamente no fazer da
psicologia como ciência e profissão no Brasil.

O objetivo deste trabalho é relatar alguns aspectos que merecem destaque. A


partir de 2005, quando PCP se consolida como uma revista científica, ganha a versão
digital e se insere definitivamente no movimento do acesso aberto. É feita também
uma breve análise dos indicadores de citações da revista no período. Essa nota vai
ao encontro, em alguns aspectos, ao artigo de Campos e Bernardes (2005), que fize-
ram um registro, com muita propriedade, da história da revista, desde seu primeiro
fascículo, no ano de 1979, até o ano 2004, quando completou 25 anos de publicação.

O volume 25 de PCP apresenta mudanças no projeto gráfico. A revista dei-


xou de publicar imagens no meio do texto, abrindo espaço para que os autores ilus-
trassem seus artigos com tabelas e gráficos, características do texto científico. Embora
distanciando-se do modelo jornalístico, PCP manteve um laço com a suavidade dos
fascículos anteriores, publicando imagens ilustrativas na página inicial dos artigos.
Mantendo uniformidade na composição do conselho editorial, a publicação mantém
a preocupação com a representatividade regional, que faz com que a comissão edito-
rial inclua psicólogos das cinco regiões do país. Nesse volume, a nominata dos pare-
ceristas ad hoc passa a ser publicada uma vez por ano, em contraposição aos volumes
anteriores, que traziam a lista de consultores em todos os fascículos.

O editorial do número 1 do volume 25 comemora a entrada da revista no


Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC). A fonte de informação, re-
cém-lançada na Biblioteca Virtual em Saúde — Psicologia (BVS-Psi ULAPSI Bra-
sil), surgia como uma excelente alternativa para popularizar o acesso às revistas
de psicologia. Nas palavras da editora, “é a total democratização da informação,
e a psicologia sai à frente, mais uma vez”.

No segundo fascículo de 2005, o editorial destaca o I Congresso Latino-America-


no de Psicologia, promovido pela União Latino-americana de Entidades de Psicologia
(ULAPSI), que iniciava uma ação em prol da integração da psicologia latino-ame-
ricana, “seja por meio de pesquisas que ampliem o conhecimento sobre os nossos
problemas, seja pela convergência de atuação de profissionais que compartilhem das
175
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

mesmas preocupações”. Nesse contexto, a organização e a disseminação do conhe-


cimento por meio da Biblioteca Virtual em Saúde — Psicologia da ULAPSI (BVS-Psi
ULAPSI) eram apontadas como um importante caminho a ser percorrido.

Os textos agraciados com o prêmio Pedro Parafita Bessa — Subjetividade,


Encarceramento e Sistema Prisional: Desafios para a Psicologia, instituído pelo
Conselho Federal de Psicologia, compõem o número 4 do volume 26. De acordo
com o editorial daquele fascículo, o tema do prêmio, raramente debatido nos cursos
de Psicologia, recebeu manifestação de interesse pela comunidade, “revelando que
o desafio do debate sobre o sistema prisional se mostrou atrativo e instigador, po-
dendo-se afirmar que ele já configura um dos campos de trabalho da Psicologia”.

O aumento do número de profissionais registrados no Sistema Conselhos e


a ampliação do número de artigos publicados por PCP impossibilitaram o envio da
revista impressa ao conjunto de psicólogos do país. Assim, no ano 2007, o editorial
do volume 27, fascículo 1, explica a restrição da distribuição a cinco mil exempla-
res que seriam encaminhados às bibliotecas de todos os cursos de Psicologia e às
instituições referência na área. A revista explica que “essa medida, em um primeiro
momento, provocou certa retração no número de artigos submetidos à publicação,
visto que muitos autores entenderam que a revista não teria mais o potencial de
divulgação que possuía até então”. Estratégias como a ampliação do número de
exemplares comemorativos aos 25 anos para 25 mil, a ampla divulgação da revista
em congressos de Psicologia, além da recuperação dos artigos completos no PeP-
SIC fizeram com que PCP recuperasse seu fôlego e “o envio de artigos saltou de
64 trabalhos, em 2004, para 84, em 2005, e para 110, em 2006; no ano 2007, foram
submetidos 126 trabalhos; em 2008, 167 textos foram recebidos”.

No primeiro fascículo de 2008, PCP comemora a nova aparência da capa


e do miolo da revista, que agora utiliza papel reciclado, refletindo a afinidade da
publicação “com a busca pelo desenvolvimento sustentável que inclui principal-
mente a preservação da natureza”, explica o editorial do fascículo 1, volume 28.
Nesse ano, a revista também passa a utilizar as normas da American Psychological
Association (APA) e inclui colegas latino-americanos no conselho consultivo, em
um esforço para estreitar os laços de compromisso com a psicologia de países
que têm realidades sociais muito semelhantes. O balanço da gestão editorial do
ano 2008, publicado no editorial do fascículo 4, volume 28, dá conta que, dos 167
textos submetidos no ano, 24% são de assuntos ligados à psicologia social. Outros
21% referem-se a temas de saúde mental. Em terceiro lugar, com 18%, estão os
trabalhos relacionados à psicologia clínica e hospitalar. Um percentual grande
de textos, que soma 15%, foi dedicado à psicologia organizacional e do trabalho.
Outras áreas aparecem, havendo textos relacionados à psicologia escolar e educa-
cional (7%), à psicanálise (5%), à avaliação psicológica (2%) e à psicologia jurídica
(1%). Os dados demonstram que PCP é vista como um órgão de disseminação
da multidisciplinaridade da área. É no volume 28 que a revista passa a publicar
artigos advindos da América Latina, facilitando a interlocução ente os autores e
os pesquisadores da região, que têm poucos órgãos publicadores de seus países

176
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

indexados em bases de dados internacionais. A iniciativa busca também alterar


o panorama da carência de citações cruzadas entre os autores da região, que po-
derá ser observado logo à frente na análise das citações de PCP nos indicadores
bibliométricos do PePSIC.

A adoção do Sistema PePSIC de publicação é registrada no editorial do


número 1, volume 29. “A Psicologia: Ciência e Profissão está entre as primeiras re-
vistas da área da psicologia a adotar essa metodologia, com o objetivo de tornar
o procedimento de editoração, além de mais rápido, também mais transparente,
pois o autor poderá acompanhar o seu trabalho, identificando em que fase do
processo editorial se encontra”. No ano 2009, os resumos passam a ser publicados
em espanhol, além do português e do inglês, ampliando o acesso aos artigos de
psicólogos e pesquisadores dos demais países da América Latina. No ano 2009,
PCP teve toda a coleção digitalizada, marcada e publicada no PePSIC, ampliando
o acesso a todos os artigos publicados desde 1979.

Indicadores bibliométricos de PCP, de acordo com o PePSIC, no período 2005-2009

Dentre os indicadores bibliométricos mais utilizados e que causam muita


polêmica entre a comunidade científica, estão os índices de impacto e citação. Até
poucos anos atrás, as fontes de informação utilizadas para essas análises eram as
bases de dados Science Citation Index (SCI) e o Social Science Citation Index (SCCI),
desenvolvidas pelo Institute for Scientific Information (ISI) e atualmente mantidas
pela Thomson Reuters (BARRETO, 2006). Eugene Garfield, diretor emérito do ISI,
criou o fator de impacto no ano 1955 e deu origem aos indicadores que até hoje
sustentam grande parte dos requisitos que avaliam a produtividade dos cientistas.
Dois fatores são referenciados na literatura sobre o tema: impacto dos trabalhos, in-
dicador que mede o número de citações aos artigos publicados em revistas indexa-
das nas bases de dados da Web of Science (WOS), e impacto das revistas, que avalia
o número de citações às revistas indexadas nas mesmas bases de dados. De acordo
com Silva e Bianchi (2001, p. 8), “o fator de impacto de uma revista num dado ano
é o quociente entre o número de citações recebidas nesse ano pelos artigos publica-
dos nos dois anos anteriores e o número de artigos publicados na revista naqueles
dois anos”. A base de dados que analisa o fator de impacto é o Journal Citacion
Reports (JCR), que faz parte do conjunto de fontes de informação da WOS. Para
que uma revista tenha presença no ranking do JCR, é necessário que seus artigos
tenham recebido citações por outros autores nas revistas indexadas na WOS, o que
não é fácil para as revistas dos países em desenvolvimento.

Até pouco tempo atrás, para que uma revista científica fosse valorizada,
bastava estar indexada em uma boa base de dados. Atualmente, além de estar
indexada, a revista precisa ser citada por outras revistas. As revistas de uma área
formam uma rede de comunicação e ter seus artigos referendados pela comu-
nidade representa o reconhecimento do valor dos trabalhos ali publicados. No
texto científico, a literatura é a base do argumento (premissas). A literatura é ci-
tada para que o leitor possa ter acesso aos textos originais que fundamentaram
a discussão. Ao citar, o autor reconhece a obra do citado como contribuição que

177
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

embasa o novo saber explicitado e oferece o registro das obras originais, guiando
o leitor ao conhecimento anterior. Ao publicar um texto, desejamos que muitas
pessoas consultem nossa obra e aprendam com ela para que a ciência avance. A
citação é a prova que nosso texto cumpriu seu objetivo. “O fator de impacto refle-
te o uso que a comunidade científica está fazendo de certa revista” (VOLPATO,
2003, p. 58). Mesmo que seja para criticar (o que não é comum), a citação prova
que o trabalho foi importante naquela discussão.

Nos últimos anos, surgiram outras fontes de informação capazes de anali-


sar o número de citações de uma rede de revistas. É o caso da Scientific Electronic
Library Online (SciELO), desenvolvida pela Fundação de Amparo à Pesquisa de
São Paulo –– FAPESP, em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe
de Informação em Ciências da Saúde — Bireme, que abrange uma coleção sele-
cionada de periódicos científicos brasileiros. O SciELO utilizou a mesma meto-
dologia do ISI para criar o módulo de bibliometria, que gera relatórios de uso e
citações, ampliando as possibilidades de avaliação do impacto das revistas brasi-
leiras que não faziam parte da WOS.

Em 2004, a psicologia, preocupada com a visibilidade das revistas brasilei-


ras da área, adota o modelo SciELO de publicação e, em parceria com a Bireme e
o Fórum Nacional das Entidades da Psicologia Brasileira (FENPB), sob a coorde-
nação da Biblioteca Virtual em Saúde — Psicologia (BVS-Psi ULAPSI Brasil), cria
o Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSic). No ano 2006, já inserido no
contexto da produção científica do Brasil, o PePSIC é expandido para os demais
países da América Latina e passa a publicar as revistas de diversos países da região.
Com o fortalecimento do portal, a área ganha um novo elemento capaz de promo-
ver a análise das citações cruzadas entre as revistas de psicologia. O PePSIC utiliza
a mesma metodologia do SciELO para medir as citações de sua rede de revistas.

A PCP foi uma das primeiras revistas a fazer parte dessa rede de publica-
ções. Como um exercício sobre o impacto da revista na comunidade, apresenta-
mos, a seguir, uma breve discussão dos seus indicadores de citações de PCP, de
acordo com o módulo de bibliometria do PePSIC.

178
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

A periodicidade de PCP se manteve constante, com quatro fascículos nos


anos de 2005 a 2009. O número de artigos aumentou consideravelmente, passando de
44 artigos publicados em 2005 para 60 no ano 2009. Em consequência, o número de
citações concedidas e recebidas aumentou significativamente. Os dados comprovam
o fortalecimento e a consolidação da publicação como fonte de informação da área.

O ranking a seguir registra os 50 títulos mais citados e o número de ci-


tações concedidas nas referências dos artigos publicados na revista PCP, no pe-
ríodo de 2005 a 2009. Foram reunidas, pelo número de citações, os títulos que
receberam até seis referências no período analisado.

179
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Nos seis primeiros lugares do ranking das revistas mais citadas por PCP
estão revistas brasileiras reconhecidas pela comunidade. Na sétima posição, apa-
rece um título altamente especializado. Ao analisar tais citações, observamos que
apenas dois artigos, publicados no fascículo 1 do volume 29, concentram as 30
citações à revista Journal of Autism and Developmental Disorders. A observação nos
leva a alertar que estudos de citações devem ser vistos com muita cautela, pois
determinados artigos podem influenciar o número de citações e dar uma visão
distorcida do impacto da publicação. Destacamos as 17 citações no jornal Folha de
São Paulo e as 9 no Estado de São Paulo. Não temos revista de Psicologia publicada
em outro país da América Latina nas 20 posições do ranking.

Tanto no SciELO quanto no PePSIC, é notório o aumento das citações rece-


bidas por PCP. Notamos um avanço importante entre 2006 e 2008, que diminuiu em
2009. No PePSIC, as revistas são especializadas em psicologia, enquanto no SciELO
estão revistas de diversas áreas do conhecimento. Vale lembrar que esses dados
são mutáveis, pois, a cada revista incluída no SciELO, ou PePSIC, que trouxer uma
citação à PCP, os dados sofrerão alteração e esse gráfico não será mais verdadeiro.

180
TÓPICO 3 — O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIAS, DESAFIOS E CONQUISTAS

A Figura 3 apresenta um panorama das revistas que citaram PCP no pe-


ríodo. A autocitação aparece na revista nos anos estudados. A rede de revistas
que mais citam PCP está publicada no PePSIC, demonstrando que publicações
eletrônicas ganham maior visibilidade na comunidade científica. Com a entrada
de PCP no SciELO, no ano 2010, o panorama deverá ser alterado.

Considerações finais

O rápido exercício de análise da PCP nos últimos cinco anos permite afir-
mar que a revista vem alcançando critérios que a qualificam como revista científi-
ca de forte relevância para a área. Ao completar 30 anos, a proposta da revista é o
comprometimento com a psicologia voltada para o alívio do sofrimento humano,
mas também dedicada ao avanço da ciência psicológica.

O conhecimento documentado em revistas científicas e o impacto que tais


publicações representam para o saber universal devem ser abordados, discutidos
e entendidos. Análises descritivas de publicações científicas, ou do conteúdo ne-
las publicado, quantitativas ou qualitativas, são meios complementares de com-
preensão que podem auxiliar no entendimento do desenvolvimento da ciência
em nossos países e devem ser incentivadas como área de estudo (GUTIERRÉZ;
PÉREZ-ACOSTA; PLATA-CAVIEDES, 2009).

Voltamos ao artigo comemorativo dos 25 anos de PCP para, tal como


Campos e Bernardes (2005, p. 524), reiterar os:

181
UNIDADE 2 — AS PSICOLOGIAS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO BRASIL

Parabéns a todos os que participaram desse processo e, em especial, aos


psicólogos que, nessas últimas décadas, produziram uma psicologia com-
prometida com o social, politicamente participante, que escuta todas as ca-
madas sociais e constrói práticas para os diversos campos da vida humana,
apoiada no acolhimento das diferenças individuais e socioculturais.

FONTE: SAMPAIO, M. I. C.; SERRADAS, A.; SANTOS, A. A. A. dos. Psicologia: Ciência e Profissão: 30
anos registrando o avanço da Psicologia Brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 30,
dez. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3iykNK5. Acesso em: 14 set. 2021.

182
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Na história do Brasil, a psicologia surgiu na época do Brasil Colonial, vincu-


lada aos estudos sobre fenômenos psicológicos, em obras de outras áreas do
saber.

• Com a vinda da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, ocorreram importantes


mudanças sociais em uma cidade que se organizava sem condições básicas de
sobrevivência.

• O início do século XIX foi o período de instalações de hospícios no Brasil.

• No período da Primeira República, na última década do século XIX, a psico-


logia passou a se definir como área do saber.

• No início do século XX, a psicologia forneceu fundamentos para o desenvol-


vimento das novas ideias educacionais.

• As ideias da Escola Nova, que se constituiu como um movimento progressis-


ta na pedagogia moderna, trouxeram uma nova proposta educacional, por
meio de uma concepção de infância que abandonava a visão tradicional.

• O poder de diferenciação da psicologia contribui para o seu desenvolvimento


na área da psicologia organizacional ou do trabalho.

• As origens da orientação profissional no Brasil se constituem no início do sé-


culo XX, apresentando-se como uma modalidade psicométrica.

• A psicologia no Brasil se desenvolveu como profissão por meio de projeto da


elite na modernização da sociedade brasileira.

• O Brasil foi o primeiro país no mundo a regulamentar, por meio de lei, esta-
belecendo a psicologia como profissão e formação, por meio da Lei federal nº
4.119, de 1962.

• A implantação da psicologia interessou, de modo particular, a elite brasileira,


pois prometia contribuir de maneira significativa com a previsão e o controle
dos comportamentos.

• A psicologia, desde a sua introdução como conhecimento no Brasil e como


profissão, manteve relação de compromisso com a sociedade brasileira.

183
• O surgimento da psicologia comunitária e a inserção e desenvolvimento da
prática dos psicólogos na saúde pública podem ser considerados aspectos im-
portantes do projeto de compromisso social.

• É urgente que a psicologia foque em questões sociais, contribuindo para a


transformação da realidade desigual do Brasil.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

184
AUTOATIVIDADE

1 Nas primeiras décadas do século XX, havia no Brasil uma efervescência de lu-
tas políticas em prol da modernização da sociedade brasileira. Nesse cenário,
existia também um forte movimento de saída da produção agrária para o in-
gresso na modernidade, por meio da industrialização. A defesa da educação,
a difusão do ensino e das ideias da Escola Nova embasam as produções da
época e a psicologia passa a fornecer fundamentos para o desenvolvimento
das novas ideias educacionais. Sobre a relação da psicologia com a educação
na primeira metade do século XX, analise as seguintes afirmativas:

I- Há uma forte influência das ideias de pensadores americanos, a qual se


torna dominante na psicologia brasileira.
II- A questão para a psicologia se modifica — questiona-se quais conheci-
mentos científicos são necessários para desenvolver as crianças na direção
da sociedade moderna que queremos.
III- Noções de diferenciação das pessoas por meio da ideia de capacidades
inerentes aos indivíduos crescem no seio da psicologia, que produz mui-
tos instrumentos capazes de fazer as diferenciações.
IV- As ideias da Escola Nova, a qual se constituiu como um movimento pro-
gressista na pedagogia moderna, trouxeram uma nova proposta educa-
cional, por meio de uma concepção de infância que defende a visão tradi-
cional da criança possuidora de uma natureza pura.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

2 No início de sua história no Brasil, a psicologia se adéqua ao projeto de


modernização e, como consequência, atende aos interesses das camadas
dominantes, da elite da sociedade. Nesse sentido, a psicologia passou a se
conservar como pertencente à elite, conquistando lugar social de profissão
e regulamentada por lei. Sobre a regulamentação da psicologia como pro-
fissão e formação no Brasil, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A psicologia ganha sua “certidão de nascimento” por meio da Lei fe-


deral nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, sendo responsáveis por sua
implantação às camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.
b) ( ) O Brasil foi o primeiro país a regulamentar a psicologia como profissão
e formação, por meio da Lei federal nº 4.119, de 27 de agosto de 1962.
Editada no governo de João Goulart, um dos maiores incentivadores da
adoção de políticas na área da educação do país.

185
c) ( ) A Lei federal nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, é a responsável pela
descrição básica dos cursos de formação em psicologia, não habilitando
para o exercício profissional.
d) ( ) O Brasil é o segundo país a regulamentar a psicologia como profissão e
formação, por meio da Lei federal nº 4.119, de 27 de agosto de 1962.

3 A psicologia ainda enfrenta o desafio de conviver com conceitos que fun-


damentam perspectivas universalizantes e naturalizantes da subjetividade.
Para superar tal desafio, é necessário rever os conhecimentos do exercício
da psicologia, por meio de noções que compreendam o homem como um
ser que se constitui ao longo de sua própria vida, ao longo de sua ação
sobre o mundo, na interação com os outros homens, inseridos em uma cul-
tura produzida e desenvolvida por uma geração de outros homens. Sobre a
perspectiva da psicologia sócio-histórica, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A perspectiva da psicologia sócio-histórica deve ser evitada, pois contribui


para a manutenção da desigualdade social e fortalece as camadas dominantes.
b) ( ) A perspectiva da psicologia sócio-histórica tem sua raiz exclusivamente
na obra de Vygotski que se propôs a construir uma psicologia guiada
pelos princípios e métodos do materialismo dialético.
c) ( ) Para produzir subjetividades humanizadas, é necessário combater a
perspectiva da psicologia sócio-histórica, pois ela critica fortemente as
concepções individualizantes da subjetividade.
d) ( ) Para produzir subjetividades humanizadas, é preciso aderir à perspec-
tiva da psicologia sócio-histórica, ou seja, uma perspectiva dentro da
psicologia com críticas às concepções universais e naturalizantes da
subjetividade. Essas ideias pensam o homem e seu mundo psíquico de
forma a compreendê-lo como um ser natural, dotado de capacidades
naturais, que inserido em um meio adequado poderá se desenvolver.

4 Enquanto as escolas de Psicologia oferecem timidamente cursos de pós-gra-


duação "lato sensu" (atualização, aperfeiçoamento e especialização) nas áreas
emergentes, multiplicam-se as ofertas de cursos de curta duração por inicia-
tiva de grupos de profissionais, sem qualquer vínculo com instituições de
ensino" (CARVALHO; SAMPAIO, 1997, p. 17). Levando em consideração a
história do Brasil, em qual época a psicologia despontou em nosso país?
FONTE: CARVALHO, Maria Teresa de Melo; SAMPAIO, Jáder dos Reis. A formação do psicólo-
go e as áreas emergentes. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 17, n. 1, p. 14-19, 1997.

a) ( ) No Brasil Colonial, vinculada aos estudos sobre fenômenos psicológi-


cos, em obras de outras áreas do saber.
b) ( ) Na época denominada Império, disseminada pelos psicólogos portu-
gueses que se estabeleceram no Brasil nessa fase.
c) ( ) Antes de 1500, com os pesquisadores da antropologia e da psicologia que
vinham para cá estudar os indígenas, aos quais chamavam de nativos.
d) ( ) Por ser uma ciência recente, evidentemente isso ocorreu na fase de Repúbli-
ca, que começou em 1889, com os psicólogos europeus e norte-americanos.

186
REFERÊNCIAS
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190
UNIDADE 3 —

PSICOFARMACOLOGIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os princípios básicos que regem a comunicação neuronal en-


tre neurônios e nervos periféricos;

• conhecer os principais fármacos que atuam no sistema nervoso central;

• compreender os mecanismos de ação, aplicações clínicas, efeitos adver-


sos e as interações medicamentosas mais relevantes dos principais psi-
cofármacos;

• entender como atuam os fármacos no sistema nervoso periférico, suas utili-


dades clínicas, efeitos colaterais e as principais interações medicamentosas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

TÓPICO 2 – FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

TÓPICO 3 – FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

191
192
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO


PERIFÉRICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, no Tópico 1 desta unidade, abordaremos os principais fárma-


cos utilizados no Sistema Nervoso Periférico (SNP), mas, antes disso, precisamos
relembrar e aprofundar os conhecimentos essenciais sobre o funcionamento fi-
siológico deste sistema. Você sabia que o sistema nervoso é dividido em siste-
ma nervoso central (SNC; cérebro e medula espinal) e sistema nervoso periférico
(SNP; tecidos neuronais fora do SNC)? Por sua vez, o sistema nervoso periférico
é subdividido em porções de neurônios eferentes e aferentes.

Os neurônios eferentes levam os sinais do SNC (cérebro e medula espi-


nal) para a periferia. Mas, o que é periferia? Periferia, nada mais é que os tecidos
periféricos (sistema digestivo, respiratório, locomotor, endócrino, entre outros).
Diante desta informação, você é capaz de imaginar o que fazem os neurônios afe-
rentes, então? Acertou se pensou no transporte contrário, isso mesmo, os neurô-
nios aferentes levam as informações dos tecidos periféricos para o SNC.

Se não bastassem tantas divisões, a porção motora eferente é subdividida


em autônoma e somática. O sistema nervoso autônomo (SNA) é independen-
te, pois suas atividades não podem ser controladas pela nossa consciência. Ele
controla, por exemplo, a digestão, o débito cardíaco e o fluxo sanguíneo. O siste-
ma nervoso somático (SNS) é responsável pelas funções que desenvolvemos de
forma consciente e controlada, como os movimentos musculares e a respiração
(KATZUNG; TREVOR, 2017).

Quando você sente fome, é o SNA avisando para ir comer, mas a atitude de
se levantar do sofá para buscar comida é obra do seu SNS (voluntário). Na figura a se-
guir, você conseguirá decifrar melhor como ocorrem as divisões do sistema nervoso.

193
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

FIGURA 1 – ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO

FONTE: A autora

2 NEURÔNIOS DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO


Caro acadêmico, respire fundo agora, vamos abordar alguns termos que
no início podem parecer bastante complexos, mantenha a calma! No decorrer da
leitura tudo ficará mais claro, tenha paciência com seu processo de aprendizado,
releia o texto, busque materiais complementares, estude o assunto nos livros in-
dicados nas referências até que compreenda o assunto. Vamos lá!

O que são os neurônios eferentes? O SNA faz a transmissão dos impulsos


nervosos do SNC para os órgãos efetores através dos neurônios eferentes pré-gan-
glionares (localizados no interior do SNC) e pós-ganglionares (localizados no SNP,
que se originam em gânglios). Geralmente, os neurônios eferentes não têm bainha
de mielina e terminam nos órgãos efetores, como o músculo cardíaco, os músculos
lisos das vísceras e glândulas exócrinas (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016).

Podemos dizer que os neurônios eferentes são uma espécie de “correio”


entre o SNC e o tecido periférico. Quer um exemplo? No momento que você
decidiu levantar do sofá para abrir a geladeira, seu cérebro deu um comando ao
seu sistema locomotor dizendo: “levante do sofá”, esse comando foi transportado
pelos neurônios eferentes.

O que são os neurônios aferentes? Atuam na sinalização reflexa ao SNC


para solicitar a resposta dos nervos eferentes. Como acima citado, eles fazem o
transporte contrário de informações, do tecido periférico para o SNC (WHALEN;
FINKEL; PANAVELLI, 2016).

194
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

Vamos citar um exemplo para você nunca mais esquecer. Digamos que
você abriu a geladeira e não havia nada para comer, você resolve então fazer
um empadão de frango (hum, deu água na boca só de imaginar, né?), pois bem,
o empadão fica pronto e no momento em que você vai abrir o forno, esquece de
colocar a luva de proteção e retira a forma com suas próprias mãos em uma tem-
peratura de 180 graus. Você dá um grito e imediatamente retira a mão que fica
levemente queimada. Agradeça aos seus neurônios aferentes, que a partir do es-
tímulo quente na pele transportaram a mensagem de queimadura até o seu SNC
que, por sua vez, deu o comando aos neurônios eferentes para você retirar a mão
imediatamente, isso tudo em uma fração de segundos.

Onde se originam os neurônios simpáticos e parassimpáticos? Os neurô-


nios simpáticos se originam do SNC e emergem de duas regiões diferentes da
medula espinal (torácica e lombar). Os neurônios parassimpáticos emergem dos
nervos craniais e da região sacral da medula espinal e fazem conexão com os gân-
glios próximos dos órgãos efetores (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Com tantos termos técnicos e informações novas, acreditamos que um


mnemônico (auxiliar de memória) possa ajudar você a memorizar (e consequen-
temente aprender) o principal conceito da anatomia do SNA. Memorize o se-
guinte: as fibras simpáticas emergem da região toracolombar, as fibras parassim-
páticas emergem da região craniossacral. Percebeu que os dois “ss” ocorrem em
“parassimpáticas” e “craniossacral”? Ótimo, fixando este conceito em sua memó-
ria, ficará mais fácil aprender os demais termos técnicos.

O que são os neurônios entéricos? O sistema nervoso entérico (SNE) in-


clui as fibras nervosas que inervam o trato gastrintestinal (TGI), o pâncreas e a
vesícula biliar. Esse sistema funciona de forma independente do SNC e controla
a motilidade, as secreções e a microcirculação do TGI. Tanto o sistema nervoso
autônomo simpático (SNAS) quanto o sistema nervoso autônomo parassimpático
(SNAP) modulam o SNE (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016).

Calma, acadêmico! Muitos termos técnicos são indispensáveis e difíceis de


compreender no primeiro contato, mas ao longo do texto você vai entender melhor a
diferença e função de cada tipo de neurônio. Fique tranquilo, respire e vamos em frente!

3 SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO


Pensou em sistema simpático, pensou em adrenalina. A principal função
do SNAS é modular a resposta a situações de estresse, como o frio, o medo, o
trauma, hipoglicemia, exercícios etc. Quando esse sistema é estimulado, ocorre
aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, mobilização de reservas
energéticas, aumento do fluxo sanguíneo para os músculos e coração, dilatação
das pupilas e dos brônquios, ele também altera a motilidade do TGI e a função da
bexiga e dos órgãos sexuais (RANG et al., 2016).

195
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

NTE
INTERESSA

Você já ouviu falar da reação de luta ou fuga? O sistema simpático prepara o


organismo para lidar com estímulos inesperados. Imagine que você está acampando em
uma floresta com seus amigos e, de repente, vê um leão se aproximando. Não é preci-
so compreender farmacologia para saber que o seu coração irá disparar imediatamente.
Quando o organismo se depara com situações de emergência como esta, ele experimen-
ta alterações denominadas reações de luta ou de fuga. Tais reações são impulsionadas
por ativação do sistema simpático dos órgãos efetores e pela estimulação da liberação de
epinefrina pela medula suprarrenal.

FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO SOBRE O MECANISMO DE LUTA OU FUGA

FONTE: <https://www.dragonherbs.com/tao-in-a-bottle>. Acesso em: 30 ago. 2021.

4 SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO


Podemos dizer que o SNAP é o “oposto” do simpático. Ele está relacionado
com a manutenção do equilíbrio do organismo, ou seja, regula o sistema homeostá-
tico. Ao contrário do SNAS, o SNAP é essencial para a vida, pois mantém funções
corporais fundamentais como a digestão. Na maioria das vezes, também exerce pre-
dominância sobre o SNAS. As fibras neuronais parassimpáticas inervam e afetam os
órgãos como intestinos, coração e olhos de forma individual. Para Jänig e Mclachlan
(1992), o SNA atua de forma contínua, exercendo controle do ajuste do organismo
às alterações de postura, ao exercício físico ou a variações de temperatura ambiente.

Você já ouviu falar de resposta reflexa?

É como a história da queimadura na mão, mas vamos citar outro exemplo.


Imagine que você tem uma queda abrupta da sua pressão arterial, isso avisa os
barorreceptores (neurônios sensíveis à pressão) para reduzir o envio de impulsos
aos centros cardiovasculares no cérebro. Eis então a resposta reflexa, pois ocorre
aumento da resposta simpática ao coração e aos vasos e redução da resposta pa-
rassimpática para o coração, resultando em aumento compensatório da pressão
arterial e taquicardia. A maioria dos órgãos é inervada tanto pelo SNAS quanto
pelo SNAP. A inervação parassimpática vagal reduz frequência cardíaca e a iner-

196
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

vação simpática a aumenta. Apesar da inervação dupla, geralmente um sistema


é predominante no controle de um certo órgão. Como exemplo podemos citar o
coração: o nervo vago controlado pelo SNAP é o fator que prevalece no controle
da frequência. Esse controle dinâmico é uma espécie de antagonismo e tem um
ajuste fino, controlado e contínuo para a manutenção da homeostase. Por isso
normalmente seu coração não está disparado, pois o SNAP é o que predomina, se
fosse o contrário, você viveria ofegante e com taquicardia.

FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO SOBRE O EQUILÍBRIO DOS SISTEMAS SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO

FONTE: https://bit.ly/3B9B7bG. Acesso em: 30 set. 2021.

No quadro a seguir, há um resumo para você compreender melhor a atua-


ção de cada sistema (simpático ou parassimpático) em cada órgão efetor, vamos lá!

QUADRO 1 – AÇÃO DOS SISTEMAS NERVOSOS PARASSIMPÁTICO E SIMPÁTICO NOS ÓRGÃOS


EFETORES

O que faz o sistema O que faz o sistema


Órgãos efetores
simpático? parassimpático?
Constrição da pupila
devido à contração do
Dilatação da pupila músculo esfincter.
Olhos devido à contração do Acomodação do crista-
músculo radial da íris. lino para visão próxima
devido à contração do
músculo ciliar.
Constrição, aumento das
Traqueia e bronquíolos Dilatação.
secreções.
Secreção de epinefrina e
Medula suprarrenal -
norepinefrina.
Secreção da renina
Rins (hormônio relacionado -
com a pressão arterial).

197
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Relaxamento da bexiga e Contração da bexiga e


Ureter e bexiga contração do esfincter relaxamento do esfincter
(segura o "xixi"). (faz "xixi").
Genitália (masculina) Estimula a ejaculação. Estimula a ereção.
Boca seca (xerostomia),
Secreção abundante e
Glândulas salivares secreção espessa e
aquosa.
viscosa da saliva.
Aumenta a frequência e a Diminui a frequência e a
Coração
contratilidade. contratilidade.
Diminui a motilidade e o
tônus muscular. Aumenta a motilidade e o
Gastrintestinal
Contração dos tônus muscular.
esfincteres.
Genitália (feminina) Relaxamento do útero.
Vasos sanguíneos
Dilatação.
(Músculo esquelético)
Vasos sanguíneos (pele e
Constrição.
membranas mucosas)
FONTE: A autora

FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO NO


ORGANISMO

FONTE: https://bit.ly/3a3981g. Acesso em: 30 ago. 2021.

198
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

5 SISTEMA NERVOSO SOMÁTICO


Ao contrário do SNA, o SNAS eferente tem um único neurônio motor
mielinizado, proveniente do SNC, que vai diretamente ao músculo esquelético,
sem conexão com gânglios, atuando de forma voluntária. A ausência de gânglios
e a mielinização dos nervos motores permitem uma resposta rápida pelo sistema
nervoso somático. Quer um exemplo? O ato de levantar um peso na musculação
é você ordenando o seu sistema nervoso somático a trabalhar.

FIGURA 5 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR DO SISTEMA


NERVOSO AUTÔNOMO

FONTE: Adaptado de: <http://bit.ly/35AHhnt>. Acesso em: 6 set. 2021.

6 COMUNICAÇÃO NEURONAL
Acadêmico, a partir de agora vamos estudar como ocorre a sinalização quí-
mica, ou seja, a comunicação dos neurônios e tecido periféricos no SNA, vamos lá?

A comunicação neuronal ocorre principalmente através da liberação de


hormônios, neurotransmissores e mediadores locais:

1. Os hormônios são secretados na corrente sanguínea por células endócrinas


especializadas, atuam em células alvos.
2. Os mediadores locais atuam localmente, isto é, nas células ao seu redor, e são
metabolizados rapidamente.
3. Os neurotransmissores são liberados por neurônios do SNC e difundem-se ra-
pidamente pela fenda sináptica ativando receptores específicos pós-sinápticos.

Com relação aos neurotransmissores, grande parte dos hormônios e


mediadores locais são hidrofílicos e não conseguem ultrapassar a bicamada
lipídica das membranas plasmáticas. Desta forma, a sinalização celular ocorre
através da ligação destes aos seus respectivos receptores na superfície das células
dos órgãos-alvo (RANG et al., 2016).

199
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

• Quais são os principais neurotransmissores?

Mais de 50 moléculas foram identificadas na sinalização do sistema ner-


voso, mas as principais responsáveis pelas ações dos fármacos são a epinefrina,
norepinefrina, acetilcolina, serotonina, dopamina, histamina e ácido γ-aminobu-
tírico (GABA). Cada mediador se liga a um grupo específico de receptores.

No SNA, a acetilcolina e a norepinefrina são os principais sinalizadores quí-


micos envolvidos. A fibra nervosa autônoma é dividida em fibra colinérgica (que
libera acetilcolina) e fibra adrenérgica (que libera epinefrina e norepinefrina). No sis-
tema simpático, quem modula a transmissão dos impulsos nervosos pós-gangliona-
res autônomos para o órgão efetor é a norepinefrina. A acetilcolina modula a neuro-
transmissão através de gânglios autônomos nos sistemas simpático, parassimpático
e na medula da suprarrenal. A liberação de acetilcolina também está presente na
transmissão dos impulsos nervosos para órgãos efetores no sistema parassimpático e
para alguns órgãos do sistema simpático. No sistema nervoso somático, a acetilcolina
modula a transmissão entre a fibra nervosa e o músculo esquelético voluntário (jun-
ção neuromuscular) (RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

Uma dica para você se familiarizar com os termos é usar alguns esquemas
de memorização, os tais “mnemônicos”: quando você ler sobre acetilcolina na
placa motora, junção neuromuscular, sistema somático, lembre-se da musculação
da academia, ok? Pois estes termos envolvem a contração muscular voluntária e
você não vai à academia de forma involuntária, vai?

Agora vamos estudar os principais receptores do sistema nervoso perifé-


rico, são eles:

• Receptores metabotrópicos: conforme você estudou nas unidades anteriores, os


receptores metabotrópicos são acoplados a uma proteína G, que quando ativada,
promove a liberação de segundos mensageiros. Temos os receptores muscaríni-
cos (ativado pela acetilcolina) e adrenérgicos (ativado pela norepinefrina) como
exemplos de receptores metabotrópicos. Os receptores metabotrópicos sinalizam
ligações de neurotransmissores, hormônios e peptídeos dando início a uma cas-
cata de eventos intracelulares, que resultam em uma resposta intracelular espe-
cífica. Segundos mensageiros são assim denominados porque sinalizam a men-
sagem inicial (neurotransmissor ou hormônio) e traduzem em um efeito final
na célula com a participação de uma proteína G. Adenosina monofosfato cíclico
(AMPc), trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG) são os segundos men-
sageiros mais amplamente envolvidos nos processos de sinalizações intracelular
dos fármacos (RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Receptores ionotrópicos: são receptores de membrana que afetam a permea-
bilidade iônica. Como exemplo, temos os receptores nicotínicos pós-sinápti-
cos presentes nas células musculares esqueléticas, eles estão ligados a canais
iônicos de membrana e, por isso, a ligação do neurotransmissor ocorre rapi-
damente (em milissegundos), alterando diretamente a permeabilidade iônica
(RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

200
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

6.1 NEUROTRANSMISSÃO COLINÉRGICA


Acadêmico, seguindo nossos estudos, agora vamos entrar nas etapas
envolvidas na neurotransmissão colinérgica. Vamos por etapas, são elas:

1) Síntese da acetilcolina (ACh): a enzima colina acetiltransferase catalisa a sín-


tese de ACh a partir da colina e acetil-CoA.
2) Armazenamento em vesículas sinápticas: a ACh fica protegida da degrada-
ção enzimática dentro das vesículas.
3) Liberação da ACh: ocorre pelo aumento de cálcio intracelular a partir de um
potencial de ação.
4) Ligação ao receptor: uma vez liberada na fenda sináptica, a ACh liga-se a um
receptor pós-sináptico (nicotínico ou muscarínico) e ativa-o.
5) Degradação da ACh: a ACh é hidrolisada na fenda sináptica pela enzima ace-
tilcolinesterase (AChE).
6) Reciclagem da Colina: a colina é recaptada pelo neurônio para ser reutilizada
na síntese de ACh (NICHOLLS et al., 2012; RANG et al., 2016; KATZUNG;
TREVOR, 2017).

E
IMPORTANT

Quando um potencial de ação chega a um neurônio pré-sináptico, canais de


cálcio voltagem-dependentes se abrem promovendo um aumento nos níveis intracelulares
de cálcio. Concentrações altas de cálcio dentro da célula levam à fusão das vesículas sináp-
ticas com a membrana celular e a liberação de ACh na fenda sináptica. A toxina botulínica é
capaz de bloquear a liberação de ACh temporariamente e consequentemente inibir a con-
tração muscular que causa as “rugas”. Ao contrário do “botox”, a toxina da aranha viúva-ne-
gra causa a liberação de toda a ACh guardada nas vesículas, jogando-a na fenda sináptica.

Os receptores que participam da neurotransmissão colinérgica são descri-


tos a seguir:

• Receptores colinérgicos muscarínicos: pertencem à família de receptores me-


tabotrópicos (acoplados à proteína G). Além da ACh, esses receptores também
reconhecem a muscarina, um alcaloide encontrado em alguns cogumelos vene-
nosos. De forma simplificada, quando os receptores muscarínicos são ativados,
eles sofrem uma mudança conformacional e interagem com diferentes proteí-
nas G, que podem ativar vias de sinalização como a fosfolipase C e a adenilato-
ciclase. A pilocarpina é um exemplo de agonista muscarínico não seletivo usa-
da para o glaucoma e a xerostomia (boca seca) (KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Receptores colinérgicos nicotínicos: pertencem à família de receptores iono-
trópicos (ligados a canais iônicos disparados por ligantes). Além de se ligarem
a ACh, também reconhecem a nicotina. A ACh promove uma alteração confor-
201
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

macional do receptor permitindo a entrada de íons sódio, que despolarizam a


célula efetora. Os receptores nicotínicos estão presentes no SNC, na glândula
suprarrenal, nos gânglios autônomos e na junção neuromuscular (JNM) dos
músculos esqueléticos (KALAMIDA et al., 2007; KATZUNG; TREVOR, 2017).

6.1.1 Agonistas colinérgicos de ação direta


Finalmente, daremos início aos estudos dos fármacos que atuam no sis-
tema periférico. Os agonistas colinérgicos são fármacos que se ligam aos recep-
tores muscarínicos ou nicotínicos e mimetizam as ações da ACh. Os fármacos
colinérgicos de ação direta têm efeitos mais prolongados do que a própria ACh.
Entretanto, os agonistas de ação direta apresentam baixa especificidade (se ligam
em outros receptores), o que limita seu uso clínico (WHALEN; FINKEL; PANA-
VELLI, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

NOTA

A ACh é um composto amônio quaternário que não penetra as membranas.


Apesar de ser o neurotransmissor de nervos parassimpáticos, somáticos e dos gânglios au-
tônomos, tem baixa importância terapêutica quando administrada de forma exógena, isso
em razão das suas múltiplas e difusas ações e a sua rápida inativação pelas colinesterases.

6.1.2 Agonistas colinérgicos de ação indireta:


anticolinesterásicos (reversíveis)
Conforme vimos anteriormente, a AChE é uma enzima que hidrolisa de
forma específica a ACh na fenda sináptica. Os fármacos inibidores da AChE (an-
ticolinesterásicos ou inibidores da colinesterase) causam efeitos colinérgicos de
forma indireta, impedindo que a ACh seja degradada. É importante salientar que
os inibidores da AChE podem promover efeitos em todos os colinoceptores do
organismo, incluindo os muscarínicos e nicotínicos do SNA; no SNC; e nas JNMs
(RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

202
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

6.1.3 Agonistas colinérgicos de ação indireta:


anticolinesterásicos (irreversíveis)
Compostos organofosforados sintéticos ligam-se de forma covalente à
AChE, resultando em um aumento prolongado dos níveis de ACh em todo o
organismo. Essas substâncias são altamente tóxicas, gases organofosforados,
como o sarin, foram utilizados com fins militares em armas químicas de guerra.
Há também organofosforados utilizados como inseticidas (paration e malation)
e frequentemente são usados para fins suicidas e homicidas (RANG et al., 2016;
KATZUNG; TREVOR, 2017).

QUADRO 2 – PRINCIPAIS CLASSES DOS AGONISTAS COLINÉRGICOS

Classe dos fármacos Mecanismo de ação Exemplos


Acetilcolina
Agonista colinérgico de Betanecol
Mimetizam a ação da ACh
ação direta Carbacol
Pilocarpina
Edrofônio
Fisostigmina
Agonistas colinérgicos Neostigmina
Inibem a AChE (enzima
de ação indireta: Piridostigmina
que degrada acetilcolina) de
Anticolinesterásicos Tacrina
forma reversível
(reversíveis) Donepezila,
Rivastigmina
Galantamina
Agonistas colinérgicos
Inibem a AChE (enzima que
de ação indireta:
degrada acetilcolina) Ecotiofato
Anticolinesterásicos
de forma irreversível
(irreversíveis)
FONTE: A autora

QUADRO 3 – RESUMO DOS EFEITOS DOS PRINCIPAIS AGONISTAS COLINÉRGICOS

Edrofônio:

Acetilcolina: Usado no diagnóstico de


Ecotiofato:
miastenia gravis.
Usada para produzir Usado como antagonista
Usado no tratamento do
miose em cirurgias de bloqueadores
glaucoma.
oftálmicas neuromusculares
competitivos.
Tem ação curta (10-20 min).

203
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Pralidoxima:
Betanecol:
Antídoto dos
Usado no tratamento da
organofosforados, pois
retenção urinária.
Fisostigmina: é capaz de reativar a
Liga-se
acetilcolinesterase (AchE)
preferencialmente aos
Aumenta a motilidade inibida.
receptores muscarinicos;
intestinal e da bexiga. Incapaz de ultrapassar a
Inibe os efeitos dos barreira hematoencefácila,
Carbacol:
antidepressivos tricíclicos não é útil no tratamento
no coração e no SNC. dos efeitos dos
Usado para produzir
Inibe os efeitos da organofosforados no SNC.
miose durante a cirurgias
atropina no SNC. Se for administrada
oculares.
É uma amina terciária antes da estabilização
Usado topicamente
não ionizada capaz de da enzima AChE
para diminuir a
entrar no SNC. alquilada, ela é capaz
pressão intraocular no
de reverter os efeitos
glaucoma em pacientes.
periféricos muscarinicos
que desenvolveram
e nicotinicos, mas não os
tolerância à pilocarpina.
efeitos no SNC.
Neostigmina:
Pilocarpina:
Rivastigmina, Previne a distenção
Reduz a pressão
galantamina, abdominal pós-cirúrgica
intraocular no glaucoma.
Donepezila: e a retenção urinária.
Liga-se
Usada no tratamento da
preferencialmente nos
Usadas como tratamento miastenia gravis.
receptores muscarinicos.
paliativo na doença de Usada como antagonista
É uma amina terciária
Alzheimer. dos bloqueadores
não ionizada capaz de
neuromusculares
entrar no SNC.
competitivos.
FONTE: A autora

E
IMPORTANT

Você já ouviu falar da miastenia gravis? É uma doença autoimune, na qual


são produzidos anticorpos contra os receptores nicotínicos, inativando-os. Essa condição
causa fraqueza muscular e pode acometer diferentes partes do corpo, como braços, pernas
e rosto, inclusive a região dos olhos. O paciente costuma ter dificuldade de visão e até em
movimentar a pálpebra (VROLIX et al., 2010).

204
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

6.1.4 Antagonistas colinérgicos


São fármacos que bloqueiam os receptores muscarínicos ou nicotínicos e
impedem as ações da ACh e de agonistas colinérgicos. Os mais usados na clínica
são os bloqueadores seletivos dos receptores muscarínicos, sendo denominados
também como fármacos antimuscarínicos ou parassimpaticolíticos. A inervação
parassimpática é interrompida e os efeitos do sistema simpático atuam livremen-
te. Os bloqueadores ganglionares são outro grupo de fármacos que apresentam
maior seletividade pelos receptores nicotínicos dos gânglios, mas são os fármacos
menos utilizados entre os anticolinérgicos. Por fim, temos os antagonistas nico-
tínicos ou bloqueadores neuromusculares (BNMs) que impedem a transmissão
dos impulsos eferentes aos músculos esqueléticos. Atuam como adjuvantes na
anestesia e outros procedimentos para relaxar a musculatura esquelética.

• Antimuscarínicos

Os antimuscarínicos são antagonistas de receptores muscarínicos, inibem


os efeitos muscarínicos no organismo. Também bloqueiam neurônios simpáticos
colinérgicos que inervam as glândulas salivares e sudoríparas. É importante sa-
lientar que os antimuscarínicos não bloqueiam os receptores nicotínicos, por isso
têm pouca ou nenhuma ação nas junções neuromusculares (JNMs) e nos gânglios
autônomos. Um exemplo clássico de antimuscarínico é a atropina. É um alcaloide
amina terciária extraída da planta beladona que apresenta alta afinidade pelos
receptores muscarínicos, impedindo a ligação da ACh aos seus receptores. Atua
em nível de SNC e periférico.

• Bloqueadores ganglionares

Os bloqueadores ganglionares antagonizam especificamente os receptores


nicotínicos dos gânglios parassimpático e simpático, mas não apresentam seleti-
vidade nestes, por isso não são úteis como bloqueadores neuromusculares. O blo-
queio ganglionar praticamente não é usado clinicamente, mas com frequência é
útil como ferramenta farmacológica experimental, como exemplo temos a nicotina.

• Bloqueadores neuromusculares

Os BNMs interrompem a transmissão da ACh entre o terminal nervoso mo-


tor e o receptor nicotínico no músculo esquelético. Podem ser classificados como
antagonistas (tipo não despolarizante) ou agonistas (tipo despolarizante) nos re-
ceptores nicotínicos da placa motora da JNM. Os BNMs são usados em cirurgias
para facilitar a intubação endotraqueal e induzir relaxamento muscular completo
com baixas doses de anestésicos, permitindo recuperação mais rápida da aneste-
sia e diminuindo a depressão respiratória pós-cirúrgica (BRUNTON; CHABNER;
KNOLLMANN, 2012; RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

205
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

QUADRO 4 – RESUMO DOS PRINCIPAIS ANTAGONISTAS COLINÉRGICOS

Classe dos fármacos Mecanismo de ação Exemplos


Atropina, escopolamina,
ipratropio, tiotrópio,
Antimuscarinicos
Bloqueiam os receptores ciclopentolato,
ou antagonistas
muscarinicos. triexifenidila,
muscarinicos.
oxibutinina, solifenacina,
tolterodina.
Bloqueiam
completamente os
Bloqueadores receptores nicotinicosdos
Nicotina.
ganglionares. gânglios autônomos
parassimpático e
simpático.
Bloqueiam
competitivamente a
ACh nos receptores
nicotinicos.
Eles competem com a
Bloqueadores
ACh pelo receptor sem Cisatracúrio, pancurônio,
neuromusculares não
estimulá-lo. rocurônio e vecurônio.
despolarizantes.
Assim, impedem a
despolarização da
membrana da célula
muscular e inibem a
contração muscular.
Os BNM despolarizantes
ligam-se ao receptor
nicotinico e atuam como
a ACh, despolarizando a
junção neuromuscular.
Mas ao contrário da
ACh, que é degradada
Bloqueadores
pela ACHE, o fármaco
neuromusculares Succinilcolina.
despolarizante persiste
despolarizantes.
em alta concentração
na fenda sináptica,
permanecendo ligado ao
receptor por um tempo
maior e causando uma
estimulação constante do
receptor.
FONTE: A autora

206
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

NTE
INTERESSA

Você sabe ou já ouviu falar do curare?


Foi a primeira substância descoberta capaz de bloquear a JNM, ela era usada pelos caça-
dores nativos da América do Sul na região da Amazônia para paralisar a presa. A partir do
curare foi desenvolvida a tubocurarina, que em seguida foi substituída por outros fármacos
com menos efeitos colaterais.

QUADRO 5 – RESUMO DOS PRINCIPAIS ANTAGONISTAS COLINÉRGICOS

Atropina

No olho, exerce efeito


midriático e cicloplégico,
permitindo a mensura- Escopolamina
Ipratrópio e tiotrópio
ção de erros de refração.
Usada na prevenção da
Atuam como broncodila-
Tem efeitos antiespasmó- cinetose (enjoo de anda-
tadores para o tratamento
dico para relaxar o TGI. mento) e de náuseas e
de manutenção do bron-
emeses pós-cirúrgicas.
coespasmo na doença
É usada para tratar
pulmonar obstrutiva
bradicardias de várias Tem o efeito incomum de
crônica (DPOC).
etiologias. bloquear a memória de
curta duração.
O ipratropio também
Bloqueia as secreções do
é usado para tratar o
trato respiratório, útil para Produz sedação, e em
broncoespasmo agudo na
usar previamente às cirur- doses mais altas pode
asma.
gias. Usada como antídoto produzir excitação.
na intoxicação por organo-
Ambos são administrados
fosforados, de doses altas Pode causar euforia e
por inalação.
de anticolinesterásicos está sujeita à abuso.
usados na clínica (como a
Fisostigmina), e de alguns
tipos de envenenamentos
por cogumelos.
Benzotropina e
Ciclopentolato e triexifenidila
Darifenacina,
Tropicamida
Fesoterodina Oxibutinina,
São usadas em associação
Solifenacina Tolterodina
Na oftalmologia, são com outros antiparkinso-
usados para produzir nianos no tratamento do
Usados no tratamento da
midriase e cicloplegia mal de Parkinson e em
bexiga urinária hiperativa.
antes da refração. sintomas extrapiramidais
causados por antipsicóticos.

207
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Cisatracúrio, pancurônio, Succinilcolina


rocurônio e vecurônio
Por sua ação de inicio
Aumentam a segurança rápido, é usada quando
da anestesia, pois possi- é necessária a intubação
bilitam que se use doses endotraqueal rápida
menores de anestésicos durante a indução da
para alcançar relaxa- anestesia (a ação rápida é
mento da musculatura, fundamental para evitar
permitindo recupera- que ocorra a aspiração do
ção mais rápida após a conteúdo gástrico duran-
cirurgia. te a intubação).
FONTE: A autora

6.2 NEUROTRANSMISSÃO ADRENÉRGICA


Você já sabe que os neurônios adrenérgicos são encontrados no SNC e
no sistema simpático e liberam norepinefrina como neurotransmissor principal.
Os agonistas de receptores adrenérgicos/adrenoceptores ativam receptores que
são estimulados pela epinefrina (adrenalina) ou norepinefrina (noradrenalina).
Os agonistas adrenérgicos também são denominados simpaticomiméticos. Há os
simpaticomiméticos que ativam diretamente os receptores adrenérgicos (agonis-
tas de ação direta) e os simpatomiméticos que atuam de forma indireta, aumen-
tando a liberação ou inibindo a recaptação de norepinefrina (agonistas de ação
indireta). Os fármacos adrenérgicos atuam em receptores localizados nos neurô-
nios pré-sinápticos ou no órgão efetor pós-sináptico (COOPER; BLOOM; ROTH,
2002; WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016).

Acadêmico, a partir de agora vamos estudar as etapas que constituem a


neurotransmissão adrenérgica.

1. Síntese de norepinefrina: a tirosina é hidroxilada em di-hidroxifenilalanina


(Dopa) pela tirosina hidroxilase. Esta etapa é limitante na velocidade na for-
mação de norepinefrina. Por sua vez, a Dopa é descarboxilada, formando do-
pamina no neurônio pré-sináptico.
2. Captação nas vesículas de armazenamento: a dopamina é transportada para
dentro de vesículas sinápticas e é hidroxilada pela dopamina hidroxilase, for-
mando norepinefrina.
3. Liberação de norepinefrina: o aumento de cálcio intracelular após um poten-
cial de ação provoca a fusão das vesículas sinápticas com a membrana celular
resultando em exocitose do conteúdo das vesículas para a fenda sináptica.
4. Ligação aos receptores: na fenda sináptica, a norepinefrina se liga aos recepto-
res pós-sinápticos no órgão efetor ou aos receptores pré-sinápticos no terminal
nervoso resultando em uma cascata de eventos intracelulares. Os receptores
adrenérgicos ativam o monofosfato cíclico de adenosina (AMPc) e o fosfatidi-
linositol como segundos mensageiros para transduzir a comunicação do neu-
208
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

rotransmissor até a resposta final da célula efetora. Importante salientar que a


norepinefrina também modula a sua própria liberação no terminal nervoso ao
se ligar a receptores pré-sinápticos (principalmente do subtipo α2).
5. Remoção da norepinefrina: a norepinefrina pode entrar na circulação sistêmica
ao se difundir para fora do espaço sináptico, ser inativada pela catecol-O-metil-
transferase (COMT) no espaço sináptico ou sofrer recaptação para o neurônio.
6. Metabolização da norepinefrina captada: quando a norepinefrina é captada
de volta para o neurônio, ela pode ser captada para o interior das vesículas
sinápticas e ser reutilizada posteriormente, ou pode permanecer no citoplas-
ma e ser oxidada pela monoaminoxidase (MAO) (BRUNTON; CHABNER;
KNOLLMANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).

6.2.1 Receptores adrenérgicos (adrenoceptores)


Diferentes classes de adrenoceptores podem ser diferenciadas farmacolo-
gicamente no sistema nervoso simpático. As principais famílias de receptores são
denominadas de α e β. São classificados conforme seus graus de afinidade pelos
agonistas adrenérgicos epinefrina, norepinefrina e isoproterenol. Cada um dos
receptores α e β tem uma quantidade específica de subtipos de receptores identi-
ficados. O que determina a afinidade dos receptores para diferentes fármacos são
as alterações nas suas estruturas primárias (BRUNTON; CHABNER; KNOLL-
MANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).

QUADRO 6 – RESUMO DOS EFEITOS MODULADOS PELOS DIFERENTES SUBTIPOS DE RECEP-


TORES ADRENÉRGICOS

α1 α2 β1 β2
Diminuição da
Inibição da liberação Aumento da
Vasoconstrição. resistência vascular
de insulina. lipólise.
periférica.

Aumento da Inibição da liberação


Taquicardia. Vasodilatação.
pressão arterial. de acetilcolina.
Aumento da
Aumento da Aumento da glicogenólise
Inibição da liberação
resistência contratilidade hepática e muscular
de norepinefrina.
periférica. do coração. e da liberação de
glucagon.
Aumento da
Dilatação dos
Midríase. liberação de
brônquios.
renina.
Fechamento do
Relaxamento do
esfincter interno
útero.
da bexiga.
FONTE: A autora

209
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Agora vamos aprofundar um pouco mais, tudo bem? Recomendamos


mais de uma leitura quando há muitos termos técnicos e complexos como a partir
de agora. Vamos lá!

• Receptores α1: estão localizados na membrana pós-sináptica dos órgãos efe-


tores e modulam vários dos efeitos envolvendo contração de músculo liso.
A ativação dos receptores α1 ativa a fosfolipase C (ativada pela proteína G),
formando o inositol-1,4,5-trifosfato (IP3) e de diacilglicerol (DAG) como se-
gundos mensageiros. O IP3 inicia a liberação de Ca2+ do retículo endoplas-
mático para o citosol e o DAG ativa outras proteínas no interior da célula
(BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Receptores α2: estão presentes nas membranas dos neurônios pré-sinápticos
e controlam a liberação de norepinefrina. A ativação de receptores α2 promo-
ve retroalimentação inibitória, inibindo a liberação adicional de norepinefrina
dos neurotransmissores quando o sistema está superativado. Nesta situação,
os receptores atuam como autorreceptores inibitórios. Ao contrário dos re-
ceptores α1, com a ativação de receptores α2 ocorre inibição da adenililci-
clase e redução nos níveis intracelulares de AMPc (BRUNTON; CHABNER;
KNOLLMANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Receptores β: são subdivididos em três subtipos principais, β1, β2, e β3, com
base nas suas afinidades por agonistas e antagonistas adrenérgicos. A ativa-
ção de um neurotransmissor a qualquer dos três receptores β causa ativação
de adenililciclase e aumenta a concentração de AMPc no interior da célula
(BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Catecolaminas: são aminas simpaticomiméticas que contêm o grupo 3,4-di-
-hidroxibenzeno, podem ser produzidas pelo próprio organismo e também
por meio sintético (epinefrina, norepinefrina e dopamina). Apresentam alta
potência, rápida inativação, pois são metabolizadas pela COMT na fenda pós-
-sináptica e pela MAO no citoplasma do neurônio. São polares e, por isso, não
ultrapassam facilmente as barreiras do SNC. Importante ressaltar que a ex-
posição prolongada às catecolaminas diminui a sensibilidade dos receptores
adrenérgicos, esse fenômeno é conhecido como dessensibilização (down-regu-
lation) de receptores (COOPER; BLOOM; ROTH, 2002; BRUNTON; CHAB-
NER; KNOLLMANN, 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).
• Aminas não catecólicas: são aminas que não têm os grupos hidroxicatecóli-
cos, possuem tempo de ação superior às catecolaminas, pois não são inativa-
das pela COMT e são maus substratos para a MAO. A ausência dos grupos
hidroxila confere maior lipossolubilidade, facilitando o acesso destas ao SNC.
Os principais exemplos incluem a fenilefrina, efedrina e anfetamina (COO-
PER; BLOOM; ROTH, 2002; BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012;
KATZUNG; TREVOR, 2017).

210
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

QUADRO 7 – RESUMO DOS PRINCIPAIS AGONISTAS ADRENÉRGICOS

Classe dos fármacos Mecanismo de ação Exemplos


Ativam diretamente os
receptores α ou β,
Epinefrina e norepinefrina
produzindo efeitos
Agonistas de ação (também produzidas
semelhantes à estimulação
direta. endogenamente),
simpática ou à liberação de
isoproterenole fenilefrina.
epinefrina da medula
suprarrenal.
Podem bloquear a captação
de norepinefrina ou
Agonistas de ação
estimular sua liberação das Anfetaminas e cocaína.
indireta.
vesículas dos neurônios
adrenérgicos.
Ativam os adrenoceptores
Agonistas de ação de forma direta e liberam Efedrina e
mista. norepinefrina do neurônio pseudoefedrina.
adrenérgico.
FONTE: A autora

QUADRO 8 – RESUMOS DOS PRINCIPAIS AGONISTAS ADRENÉRGICOS

Agonista Receptores ativados Ações farmacológicas


Usada para broncodilatação;
Epinefrina α1, α2, β1, β2 tratamento de choque anafilático; para
aumentar a duração da anestesia local.
Tratamento do choque
Norepinefrina α1, α2, β1
anafilático.
Aumenta contratilidade
Isoproterenol β1, β2
cardíaca.
Tratamento do choque.
α1, β1, receptor Tratamento da insuficiência cardíaca
Dopamina
dopaminérgico congestiva.
Aumenta a pressão arterial.
Tratamento da insuficiência cardíaca
Dobutamina β1
congestiva.
Oximetazolina α1 Descongestionante nasal.
Descongestionante nasal. Aumento da
pressão arterial.
Fenilefrina α1
Tratamento da taquicardia
supraventricular paroxística.

211
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Clonidina α2 Tratamento da hipertensão.


Salbutamol
β2 Broncodilatador (ação curta).
Terbutalina
Salmeterol
β2 Broncodilatador (ação longa).
Formoterol
Estimulante do SNC usado para
Anfetamina α, β hiperatividade, narcolepsia e redução de
apetite.
Efedrina Descongestionante nasal.
α, β
Pseudoefedrina Elevação da pressão arterial.
FONTE: A autora

6.2.2 Antagonistas ou bloqueadores α-adrenérgicos


A partir de agora vamos estudar as substâncias que “reduzem” os efeitos
do sistema adrenérgico no organismo. Os antagonistas dos receptores α, também
denominados α-bloqueadores ou bloqueadores α-adrenérgicos, exercem um
papel fundamental no controle da pressão arterial. Não esqueça que o controle
simpático basal ocorre principalmente pelos efeitos dos agonistas endógenos dos
receptores α-adrenérgicos, o bloqueio desses receptores impede este mecanismo
e diminui o tônus simpático dos vasos sanguíneos, promovendo uma menor
resistência vascular periférica. Por sua vez, esse processo pode induzir taquicardia
reflexa devido à redução da pressão arterial (ALEXANDER et al., 2013; BRUNTON;
CHABNER; KNOLLMANN, 2012; WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016);

QUADRO 9 – RESUMO DOS PRINCIPAIS ANTAGONISTAS ADRENÉRGICOS

Receptores
α -bloqueador Usos terapêuticos Efeitos adversos
bloqueados
Usada no tratamento do
feocromocitoma (tumor
da suprarrenal que pro- Pode causar hipo-
duz altas concentrações tensão postural,
de catecolaminas). congestão nasal,
Bloqueador
Fenoxibenza- Geralmente é administrada náuseas e êmese.
não seletivo
mina antes da remoção cirúrgica Também pode
α1 e α2
do tumor para prevenir causar taquicardia
crise hipertensiva. reflexa e inibir a
Também é útil no trata- ejaculação.
mento crônico de tumo-
res não operáveis.

212
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

Util no tratamento da
crise hipertensiva aguda
Pode causar
pós-retirada abrupta de
Bloqueador arritmias, dor
clonidina e na ingestão de
Fentolamina competitivo anginosa e
alimentos contendo
α1 e α2 hipotensão
tiramina em pacientes sob
postural.
uso de inibidores da
monoaminoxidase.
Prazosina São usados principal- Tontura, falta de
Terazosina Bloqueador mente como alternativa energia, congestão
Doxazosina competitivo para a cirurgia em pa- nasal, cefaleia, sono-
Tansulosina seletivo α1 cientes com hiperplasia lência e hipotensão
Alfuzosina prostática benigna. ortostática.
FONTE: A autora

6.2.3 Bloqueadores β-adrenérgicos


Os β-bloqueadores usados terapeuticamente são todos antagonistas
competitivos. Os β-bloqueadores não seletivos atuam em receptores β1 e β2, e os
β-bloqueadores cardiosseletivos bloqueiam receptores β1. Não há bloqueadores β2
utilizados na clínica. Importante destacar que os β-bloqueadores têm a vantagem
de não causar hipotensão ortostática apesar de reduzirem a pressão arterial,
isso porque não afetam os receptores α-adrenérgicos. São muito utilizados para
reduzir pressão arterial, na profilaxia de enxaquecas, no tratamento de arritmias,
anginas, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, glaucoma e hipertireoidismo
(KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

DICAS

Os β-bloqueadores terminam em “olol”.

213
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

QUADRO 10 – RESUMO DOS β-ANTAGONISTAS ADRENÉRGICOS

Receptores
β-bloqueadores Usos terapêuticos Efeitos adversos
bloqueados
Broncoconstrição que
contraindica o uso na
asma e doenças obstru-
Hipertensão
tivas das vias aéreas.
Enxaqueca
Hipoglicemia acentu-
Propranolol β1, β2 Hipertireoidismo
ada em pacientes que
Angina
usam insulina.
Infarto do miocárdio.
Atenuação da resposta
fisiológica normal à
hipoglicemia.
Irritação ocular,
contraindicado em
pacientes com asma,
Usado principalmente
Timolol β1, β2 doenças obstrutivas das
no glaucoma.
vias aéreas, bradicardía
e insuficiência cardiaca
congestiva.
Os β-bloqueadores
cardiosseletivos são
úteis em hipertensos
com função respiratória
Atenolol comprometida
Bisoprolol β1 Também são primeira
Metoprolol escolha contra a angina
crônica estável e muito
usados no manejo da
insuficiência cardíaca
crônica.
Hipertensão
Em adição a sua
ação β-bloqueadora
cardiosseletiva, o
Nebivolol β1
nebivolol libera óxido
nítrico das células
endoteliais e causa
vasodilatação.

214
TÓPICO 1 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

Hipertensão
Insuficiência cardíaca
Hipotensão ortostática
crônica estável. Além
e tonturas que estão,
da ação β-bloqueadora,
Carvedilol relacionadas
α1, β1, β2 também são
Labetalol com o bloqueio
albloqueadores
dos receptores
que promovem
α-adrenérgicos.
vasodilatação
periférica.
FONTE: A autora

• O carvedilol reduz a peroxidação lipídica e o engrossamento da parede vascular.


• O labetalol é uma alternativa à metildopa no tratamento da hipertensão em
gestantes. Por via endovenosa é usado no tratamento de emergências hiper-
tensivas, devido à rápida redução da pressão arterial.

NTE
INTERESSA

Você já ouviu falar da reserpina? É uma substância extraída de um alcaloide


vegetal que bloqueia o transporte de aminas biogênicas (norepinefrina, dopamina e se-
rotonina) do citoplasma para as vesículas de armazenamento, deixando-as expostas no
citoplasma à degradação enzimática. Foi usada no tratamento da hipertensão, mas atual-
mente tornou-se totalmente obsoleta na prática clínica devido aos intensos efeitos cola-
terais como depressão grave.

215
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central e sistema nervoso


periférico. Por sua vez, o sistema nervoso periférico está subdividido em au-
tônomo e somático. Os fármacos autonômicos (colinérgicos e adrenérgicos)
atuam estimulando porções do sistema autônomo ou bloqueando as ações
dos nervos autônomos.

• Os agonistas colinérgicos ativam receptores colinérgicos, compostos impor-


tantes incluem a própria acetilcolina (produzida pelo organismo), o carba-
col e a pilocarpina. Os principais efeitos provocados são: bradicardia e vaso-
dilatação com queda da pressão arterial; contração da musculatura lisa das
vísceras (intestino, bexiga, brônquios etc.); aumento das secreções exócrinas,
constrição da pupila e contração do músculo ciliar, que reduzem a pressão
intraocular. O principal uso terapêutico é para o glaucoma (pilocarpina).

• Os antagonistas colinérgicos bloqueiam receptores colinérgicos e impedem


os efeitos da acetilcolina ou outros agonistas. Os compostos mais importantes
são a atropina, a escopolamina e o ipratrópio. Os principais efeitos incluem
inibição das secreções; taquicardia, dilatação da pupila, relaxamento da mus-
culatura lisa (intestino, brônquios, trato biliar e bexiga), efeitos antiemético e
antiparkinsonianos.

• Agonistas adrenérgicos ativam receptores adrenérgicos que são estimulados


pela norepinefrina ou pela epinefrina. Agonistas α-adrenérgicos causam que-
da da pressão arterial pela inibição da liberação de norepinefrina. Agonistas
β1- adrenérgicos (dobutamina) promovem aumento da contratilidade cardía-
ca, mas podem causar arritmias. Agonistas β2 seletivos (salbutamol, salmete-
rol) são como broncodilatadores no tratamento da asma.

• Antagonistas adrenérgicos bloqueiam a ativação dos receptores adrenérgi-


cos impedindo os efeitos da epinefrina ou norepinefrina no organismo. An-
tagonistas seletivos α1 (prazosina, doxazosina, terazosina) são usados no
tratamento da hipertensão e da hipertrofia benigna da próstata. Antagonis-
tas β-adrenérgicos não seletivos (propranolol) e seletivos para β1 (atenolol,
nebivolol) são usados no tratamento de anginas, infarto agudo do miocárdio,
prevenção de arritmias recorrentes, insuficiência cardíaca (em pacientes bem
compensados), hipertensão, glaucoma (p. ex., timolol em colírio), profilaxia
da enxaqueca. Os efeitos adversos mais importantes incluem broncoconstri-
ção (para β-bloqueadores não seletivos) e bradicardia.

216
AUTOATIVIDADE

1 O Sistema Nervoso Periférico (SNP) é constituído por nervos e gânglios nervo-


sos, sua principal função é conectar o Sistema Nervoso Central (SNC) aos ór-
gãos do corpo para realizar o transporte de informações. Com base no que você
aprendeu sobre o sistema nervoso periférico, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O sistema parassimpático exerce controle sobre a atividade da glândula


suprarrenal.
b) ( ) Os gânglios simpáticos liberam norepinefrina como neurotransmissor.
c) ( ) A acetilcolina é liberada pelos neurônios simpáticos nos órgãos efetores.
d) ( ) Os neurônios aferentes transportam sinais dos órgãos efetores para o SNC.

2 Os neurotransmissores do SNA promovem eventos intracelulares após se


ligarem a receptores de membrana nas células dos órgãos efetores. Com
base nos conhecimentos adquiridos ao longo da unidade, assinale a alter-
nativa CORRETA:

a) ( ) Receptores nicotínicos colinérgicos são exemplos de receptores ionotrópicos.


b) ( ) Receptores muscarínicos colinérgicos são exemplos de receptores meta-
botrópicos que ativam os canais iônicos.
c) ( ) O sistema parassimpático é ativado pelo SNC quando há redução brus-
ca da pressão arterial.
d) ( ) Os gânglios dos neurônios motores somáticos inervam os músculos li-
sos de forma mais lenta que o sistema autônomo.

3 Uma mulher idosa tentou se suicidar com a ingestão de vários comprimidos


de um agonista colinérgico desconhecido, um dos efeitos observados foi a
redução da frequência cardíaca. Com o que foi estudado até aqui, quais são
os principais efeitos colaterais dos agonistas colinérgicos?

4 Os agonistas colinérgicos são caracterizados por produzirem efeitos seme-


lhantes aos da acetilcolina, são também denominados de parassimpatico-
miméticos ou colinomiméticos. Com base no que você estudou sobre os
agonistas colinérgicos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A ativação de receptores muscarínicos por um agonista promove bra-


dicardia, miose, constipação e diminuição da frequência urinária. Nas
células endoteliais dos vasos sanguíneos, a ativação muscarínica causa
aumento da pressão arterial.
b) ( ) A toxina botulínica bloqueia a liberação de ACh dos terminais nervosos
colinérgicos.

217
c) ( ) Fármacos que aumentam as concentrações de ACh na JNM como os
anticolinesterásicos agravam os sintomas da miastenia grave.
d) ( ) Um homem tentou se suicidar com a ingestão de um líquido misterioso
encontrado no seu banheiro. Ele chegou ao hospital com diarreia, con-
vulsões, dificuldade respiratória, midríase e salivação excessiva. Após
exames toxicológicos, os médicos concluíram que a intoxicação foi cau-
sada por um organofosforado.

5 Um oftalmologista que precisa dilatar a pupila do seu paciente para realizar


exame de fundo de olho deverá utilizar um antagonista muscarínico que
praticamente não terá efeitos sistêmicos, apenas no local de aplicação (pu-
pila). Caso o paciente ingerisse por engano esse antagonista muscarínico,
quais seriam os efeitos colaterais?

218
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO


CENTRAL I

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, vamos dar início ao estudo mais empolgante da graduação


(na nossa humilde opinião, claro). O sistema nervoso central (SNC) é formado
pelo encéfalo e pela medula espinal e é responsável por infinitos mecanismos
para a sobrevivência da espécie humana.

Nós, seres humanos, temos cerca de 100 bilhões de neurônios interconecta-


dos que formam um imenso circuito regulatório de transmissão de informações. Esta
rede complexa, pode ser denominada de “neurotransmissão” e, de forma muito sim-
plificada, devemos ter em mente que a comunicação entre os neurônios se dá pela
liberação de um neurotransmissor pelo neurônio pré-sináptico que se difunde na fen-
da sináptica até se ligar a um receptor de membrana em um neurônio pós-sináptico.

A comunicação dos neurônios no SNC ocorre por meio de múltiplos neu-


rotransmissores, que atuam em uma rede poderosa de neurônios envolvidos na
modulação da transmissão neuronal (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN,
2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).

FIGURA 6 – NEURÔNIO PRÉ-SINÁPTICO EM UM POTENCIAL DE AÇÃO LIBERANDO NEURO-


TRANSMISSORES

FONTE: <http://bit.ly/3qhIkQT>. Acesso em: 30 ago. 2021.

219
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Você lembra que os neurotransmissores exercem seus efeitos através da


ligação a duas classes distintas de receptores? Recapitulando tais conceitos bre-
vemente, são eles:

1) Canais regulados por ligantes ou receptores ionotrópicos: os receptores da


maioria das sinapses no SNC são acoplados a canais iônicos. A ligação do neu-
rotransmissor ao receptor pós-sináptico causa a abertura rápida e transitória de
canais iônicos, em que os íons entram ou saem da célula conforme o gradiente
de concentração. Tal flutuação de íons através da membrana do neurônio altera
o potencial de ação pós-sináptico, promovendo despolarização ou hiperpolari-
zação das células neuronais (CATTERALL, 2000; KATZUNG; TREVOR, 2017).

2) Receptores metabotrópicos: são os receptores acoplados a proteína G, com sete


domínios transmembrana. A ligação do neurotransmissor a um receptor metabo-
trópico envolve a formação de segundos mensageiros que modulam diferentes
cascatas de sinalização intracelulares. Os fármacos que afetam o sistema nervoso
central (SNC) atuam em sua maioria modulando alguma etapa do processo de
neurotransmissão, seja na etapa pré-sináptica, em que alteram a produção, o ar-
mazenamento e a liberação dos neurotransmissores, seja na ativação ou bloqueio
dos receptores pós-sinápticos (KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

2 ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS
Em algum momento de sua vida, você já deve ter sentido medo ou an-
siedade. No mínimo, você deve conhecer alguém ansioso. Segundo a American
Psychology Association (APA, 2014), o medo é uma emoção desencadeada pela de-
tecção de uma ameaça iminente, que promove uma reação imediata de alarme,
ocorrem alterações fisiológicas como taquicardia, redirecionamento do fluxo san-
guíneo para o intestino, tensão muscular, sudorese e mobilização do organismo
para lutar ou fugir.

Atualmente estamos vivendo uma situação inédita de uma pandemia com


dimensões nunca vistas pela nossa geração, o sentimento de medo e insegurança
é uma emoção experimentada por todos (ou quase) todos nós. Entretanto, não
podemos deixar que este sentimento se intensifique a ponto de prejudicar nossa
rotina, o que poderia caracterizar um quadro de ansiedade.

Os transtornos de ansiedade são distúrbios mentais bastante comuns atu-


almente. A ansiedade é um estado de medo exacerbado e desagradável, senti-
mento de tensão, apreensão e inquietação, sua origem pode ser de fontes conhe-
cidas ou não. Na ansiedade grave, os sintomas físicos são contínuos e envolvem
ativação simpática com taquicardia, sudorese, palpitações, tremores e, muitas
vezes, dificuldades para dormir. Somente casos de ansiedade intensa, crônica e
debilitante podem justificar o uso de fármacos ansiolíticos (SILVA, 2005).

220
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

2.1 BENZODIAZEPÍNICOS (BDZ)


São os ansiolíticos mais usados clinicamente e são relativamente seguros,
uma vez que a dose letal é mais de mil vezes superior do que a dose terapêutica.
Apesar disso, não são necessariamente a primeira escolha no tratamento contra
ansiedade ou insônia. Alguns antidepressivos apresentam atividade ansiolítica e
são escolhas mais seguras em vários casos, os hipnóticos não benzodiazepínicos e
os anti-histamínicos também podem ser utilizados no tratamento contra a insônia
(HOFFMAN; MATHEW, 2008; BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012).

2.1.2 Mecanismo de ação dos BDZs


Caro acadêmico! É fundamental você ter em mente que o ácido γ-aminobu-
tírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório no SNC. Para alcançarem
seus efeitos, os BDZs atuam justamente nos receptores do GABA (gabaérgicos).
Para compreender o mecanismo dos BDZs, é preciso entender que quando o neuro-
transmissor GABA se liga ao seu receptor, ele promove a abertura do canal iônico,
permitindo a entrada de íons cloreto. O influxo do íon cloreto promove hiperpola-
rização da célula neuronal e consequente redução da neurotransmissão, inibindo a
formação de novos potenciais de ação. Os BDZs se ligam a um local específico de
alta afinidade no receptor que é diferente do local de ligação do GABA, uma vez
ligados, eles aumentam a frequência de abertura dos canais produzida pelo GABA,
ou seja, a ligação do BDZ ao receptor aumentará a afinidade do GABA e conse-
quentemente aumentará o influxo de cloro para dentro do neurônio (HOFFMAN;
MATHEW, 2008; BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012).

• Então, quais são os principais efeitos dos BDZs?

O Redução da ansiedade: em doses baixas, os BDZs são ansiolíticos devido à


potencialização da neurotransmissão gabaérgica.
O Efeito hipnótico/sedativo: todos os BDZs têm efeitos sedativos e calmantes,
em doses mais altas, produzem hipnose (induzem o sono de forma “artificial”).
O Amnésia anterógrada: a perda temporária da memória recente é um efeito
adverso dos BDZs, por isso eles podem ser utilizados indevidamente como
drogas de estupro.
O Efeito anticonvulsivante: grande parte dos BDZ apresentam atividade anti-
convulsivante.
O Relaxamento da musculatura: em altas doses, os BDZs reduzem os espas-
mos do músculo esquelético, provavelmente pelo aumento da inibição pré-
-sináptica na medula espinal.
O Dependência: pacientes que usam BDZs podem desenvolver dependência
física e psicológica com doses elevadas por longos períodos, por isso, todos
os BDZs são fármacos controlados. A interrupção abrupta pode levar ao de-
senvolvimento de síndrome de abstinência, incluindo ansiedade, agitação
confusão mental, insônia, raramente convulsões. É importante destacar que
os BDZs com tempo de ação mais curto (geralmente usados como hipnóti-

221
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

cos), induzem reações de abstinência mais graves do que as observadas com


fármacos de eliminação mais lenta (KATZUNG; TREVOR, 2017; WHALEN;
FINKEL; PANAVELLI, 2016).

E
IMPORTANT

Você sabe o que é tolerância farmacológica? É a redução da resposta farma-


cológica após tratamento prolongado. É quando um medicamento “para de fazer efeito”,
na verdade o efeito pode ser reduzido quando o uso se estende por algumas semanas.
A tolerância está associada a uma redução na densidade de receptores GABA. Os efeitos
ansiolíticos dos BDZs são menos propensos à tolerância do que os efeitos sedativos e hip-
nóticos. Ou seja, pacientes que usam os BDZs em doses para ansiedade continuam tendo
os efeitos desejados por muito mais tempo do que os pacientes que usam os BDZs para
dormir (JACOB et al., 2012; KATZUNG; TREVOR, 2017).

Além dos BDZs, fármacos de outras classes são usados para o tratamento
de ansiedade e insônia, que estão resumidos no quadro a seguir.

QUADRO 11 – RESUMO DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS


Mecanismo Efeitos
Fármaco Usos clínicos Efeitos adversos
de ação esperados
BDZS:
Nas sinapses
Alprazolam; Apresentam ten-
neuronais do SNC, Ansiedade aguda,
Clordiazepóxido; dência à depen-
ligam-se a subu- ataques de pânico,
Clonazepam; Causam efeitos dência e a tole-
nidades especí- transtorno de
Clorazepato; depressores rância, depressão
ficas do receptor ansiedade gene-
Diazepam; no SNC dos aditiva do SNC
GABA, facilitando ralizada, insônia,
Estazolam; dependentes, com o etanol; Am-
a frequência de relaxamento da
Flurazepam; incluindo seda- nésia anterógrada
abertura dos canais musculatura, atu-
Lorazepam; ção, redução da (perda da memória
iônicos de cloreto am como adjuvan-
Midazolam; ansiedade, hip- recente) e pertur-
mediados pelo tes na anestesia
Oxazepam; nose, amnésia bação da função
GABA, causando e em distúrbios
Quazepam; intelectual e da
hiperpolarização da convulsivos.
Temazepam; destreza manual.
membrana.
Triazolam.

Bloqueia os
Agitação, confu-
Antagonista de Atuam bloqueando efeitos dos BDZs
Tratamento de são, possíveis sin-
BDZs: os sitios de ligação e do zolpidem,
intoxicações por tomas de abstinên-
dos BDZs no recep- mas não de
BDZS. cia na dependência
Flumazenil. tor GABA. outros sedativos
de BDZs.
hipnóticos.

222
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

Graves efeitos de-


Atualmente não pressores sobre o
Ligam-se a subu-
são usados no SNC dependendo
nidades específicas Efeitos depres-
Barbitúricos: tratamento da da dose.
do receptor GABA sores sobre o
ansiedade, Alta tendência à
no SNC aumentan- SNC incluindo
Amobarbital; Tiopental: dependência
do a duração de sedação e alivio
Butabarbital; Usado na Grave síndrome de
abertura dos canais da ansiedade,
Mefobarbital; anestesia; abstinência.
iônicos de cloreto amnésia, hip-
Pentobarbital; Secobarbital: Depressão aditiva
mediados pelo nose, anestesia,
Fenobarbital; Usado para do SNC com etanol.
GABA com aumen- coma e depres-
Secobarbital. insônia; Indução enzimáti-
to da hiperpolariza- são respiratória.
Fenobarbital: ca severa causando
ção da membrana.
Anticonvulsivante. várias interações
medicamentosas.
Rápido inicio
Ligam-se sele- da hipnose com Extensão dos
Hipnóticos de tivamente a um menos efeitos Distúrbios do efeitos depressores
última geração: subgrupo de amnésicos, me- sono, particular- sobre o SNC.
receptores GABA, nor depressão mente aqueles Tendência à
Eszopiclona; atuando como os psicomotora e caracterizados por dependência.
Zaleplona; BDZ, com aumento menor sono- dificuldade em Depressão aditiva
Zolpidem. da hiperpolarização lência no dia adormecer. do SNC com o
da membrana. seguinte do que etanol.
os BDZS.
Mecanismo incerto: Início lento dos
Agonistas Taquicardia.
Agonista parcial dos efeitos ansioliti-
serotonérgicos Estados de ansie- Parestesias.
receptores de 5-HT, cos. Menor com-
dade generalizada Desconforto gas-
com afinidade pelos prometimento
Buspirona. trintestinal.
receptores D2. psicomotor.

FONTE: A autora

3 ANTIEPILÉPTICOS
Agora que você já tem uma base sobre o tratamento para os distúrbios de
insônia e ansiedade, vamos começar a estudar o tratamento da epilepsia. Atual-
mente, a epilepsia é o terceiro distúrbio neurológico mais prevalente no mundo,
atrás apenas da doença cerebrovascular e da doença de Alzheimer. Os distúrbios
epilépticos são caracterizados por convulsões provenientes de vários mecanismos
que têm em comum uma atividade elétrica anormal com descargas excessivas e
sincronizadas dos neurônios cerebrais. A descarga neuronal resulta do disparo de
um grupo de neurônios em determinada área do cérebro denominada foco primá-
rio. As consequências desses prejuízos nos neurônios podem incluir perda de cons-
ciência, fortes contrações musculares, movimentos anormais, percepção distorcida
do tempo, alucinações visuais, auditivas e olfatórias (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Dependendo do local em que os disparos neuronais se originam, os sin-


tomas apresentados são diferentes. Como exemplo podemos citar uma descar-
ga elétrica nos neurônios do córtex motor, em que o paciente é acometido por
movimentos involuntários e convulsão generalizada. Felizmente, as convulsões
podem ser controladas com tratamento medicamentoso em aproximadamente
75% dos pacientes. Geralmente, o tratamento engloba uma associação de medi-
223
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

camentos para otimizar os resultados. Você deve se perguntar, mas o que causa
a epilepsia, afinal? Na maioria dos casos, a causa da epilepsia é desconhecida,
sabe-se que alguns casos são provenientes de alterações genéticas, estruturais ou
metabólicas (BROWNE; HOLMES, 2008; FISHER et al., 2014; KATZUNG; TRE-
VOR, 2017). As crises epilépticas são classificadas em dois grupos:

• Crises focais: envolvem somente uma parte do cérebro, geralmente a porção


de um dos lobos. Os sintomas dependem do local da origem e da extensão da
descarga neuronal. As crises focais podem evoluir para crises tônico-clônicas
generalizadas.
• Crises generalizadas: podem iniciar em um local específico e avançar para os
dois hemisférios cerebrais. Normalmente, o paciente tem perda imediata da
consciência. Observe o quadro a seguir.

QUADRO 12 – TIPOS DE CRISES EPILÉPTICAS

Ausências: Mioclônicas:
Envolvem Episódios cur-
Tônicoclônicas: uma perda tos de contra-
Ocorre perda breve e auto- ção muscular Atônicas:
Clônicas:
da consciên- limitada da que podem Ocorre perda
Se diferenciam Tônicas:
cia, seguida consciência. durar vários súbita de tô-
das crises mio- Envolvem
das fases Normalmente minutos. nus muscular.
clônicas pelo aumento do
tônica (contra- acometem Geralmente, Também são
maior compro- tônus
ção continua) crianças, as ocorrem após denominadas
metimento da muscular.
e clônica quais perma- o despertar de ataques de
consciência.
(contração e necem com com breves queda.
relaxamento). o olhar fixo contrações
com piscadas espasmódicas
rápidas. dos membros.

FONTE: A autora

3.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIEPILÉPTICOS


Os fármacos antiepilépticos (ou anticonvulsivantes) suprimem as crises,
mas não curam a epilepsia. Os principais mecanismos envolvem:

1) Potencialização da neurotransmissão inibitória GABAérgica.


2) Bloqueio dos canais de sódio ou cálcio dependentes de voltagem.
3) Redução da neurotransmissão excitatória mediada pelo glutamato (principal
neurotransmissor excitatório do SNC).

224
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

QUADRO 13 – RESUMO DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS ANTIEPILÉPTICOS

Mecanismo de Efeitos Efeitos


Fármaco Usos clínicos
ação esperados adversos
Hiponatremia,
É eficaz nas crises fadiga, tonturas,
focais, nas convul- sonolência e visão
Inibem os
sões tônico-clôni- turva. Neutropenia,
potenciais de
cas generalizadas, leucopenia, trom-
Bloqueio dos ação repetitivos
Carbamazepina na neuralgia do bocitopenia, panci-
canais de sódio. no foco epilético
trigêmeo e nos topenia e anemias.
e evitam seu
transtornos bipo- Raramente pode
alastramento.
lares (uso estar associada
off label). com síndrome de
Steven-Johnson.
Múltiplos me-
canismos que Aumento de peso,
incluem bloqueio náuseas, tremores,
Inibem os po-
dos canais de queda de cabelos,
tenciais de ação Eficaz no
sódio, bloqueio da distúrbios gas-
e aumentam a tratamento das
Ácido gabatransaminase troinstestinais, lesão
neurotransmis- epilepsias focais
valproico e ações nos canais hepática e sedação.
são mediada pelo e primárias
de cálcio tipo T. Podem causar insu-
GABA. generalizadas.
Produz um amplo ficiência hepática,
espectro de ações pancreatite e efeitos
contra as crises teratogênicos.
epilépticas.
Tendência à
dependência e à
São usados prin-
tolerância, depres-
Conforme já estu- cipalmente em
O aumento da são aditiva do SNC
dado no capítulo emergências ou em
neurotransmis- com o etanol e
anterior, os BDZ crises agudas, devi-
são inibitoria outras substâncias.
se ligam aos recep- do a sua tolerância.
Benzodiazepí- mediada pelo Podem causar perda
tores do GABA, Entretanto, clona-
nicos GABA reduz a da memória recente,
que são inibitórios, zepame cloba-
taxa de disparos perturbação da fun-
aumentando a hi- zam podem ser
neuronais. ção intelectual e da
perpolarização da prescritos como
destreza manual;
célula neuronal. adjuvantes no
A interrupção
tratamento.
abrupta pode cau-
sar convulsões.
Graves efeitos
Também já
depressores sobre o
foram estudados
Apresentam SNC dependendo
no capítulo
efeitos em todos da dose.
anterior, os
os tipos de Alta tendência à
barbitúricos como Aumentam a
epilepsia, exceto dependência.
o fenobarbital hiperpolarizaçāo
crises de ausência. Grave síndrome de
Barbitúricos se ligam a da membrana
Atualmente têm abstinência.
subunidades dos neuronal.
sido largamente Depressão aditiva
receptores GABA,
substituídos por com o etanol;
aumentando
antiepilépticos Induçãoenzimática
a duração de
mais modernos. severa causando
abertura dos
várias interações
canais de cloreto.
medicamentosas.

225
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Sonolência, hipera-
tividade, náuseas,
Reduz a distúrbios gastroin-
propagação da É usada no testinais, aumento
Bloqueio dos
Etossuximida atividade elétrica tratamento de de peso, letargia,
canais de cálcio.
anormal no crises de ausência. erupções cutâne-
cérebro. as. A interrupção
abrupta pode cau-
sar convulsões.
Apresenta múlti-
plosmecanismos:
bloqueio de canais O amplo espectro Usado apenas
Insônia, tonturas,
de sódio e de cál- de ação é devido em epilepsias
cefaléia, ataxia,
cio, competem com aos diferentes refratárias
aumento de peso
o local de ligação efeitos inibitórios (particularmente a
Felbamato e irritabilidade.
daglicina no recep- mediados síndrome Lennox-
Anemia aplástica
tor de glutamato pelos múltiplos Gastaut) devido
e insuficiência
N-metil-D-aspar- mecanismos de aos graves efeitos
hepática.
tato (NMDA), ação. adversos.
potencializam a
ação do GABA.
Hiperplasia gen-
É eficaz no gival, hirsutismo,
tratamento confusão mental,
Inibem os das crises visão dupla, ataxia,
Bloqueio dos
Fenitoína potenciais de focais e crises sedação, tonturas.
canais de sódio.
ação repetitivos. tônico-clônicas Raramente pode
generalizadas e no ocorrer síndrome de
estado epilético. Stevens Johnson, po-
tencialmente fatal.
É um análogo Sonolência branda,
do GABA, Atua como tonturas, ataxia,
mas não atua auxiliar nas aumento de
O mecanismo
nos receptores crises focais e peso e diarreia.
Gabapentina de ação exato é
gabaérgicos. Os no tratamento Tem a vantagem
desconhecido.
efeitos causados da neuralgiapós de apresentar
não foram herpética. poucas interações
elucidados. medicamentosas.
É eficaz em vários
tipos de crises, Sonolência,
incluindo focais, tonturas, náusea,
Bloqueio dos Amplo espectro generalizadas, cefaleia e diplopia.
Lamotrigina canais de sódio e de efeitos anti- de ausência e de Síndrome de
de cálcio. convulsivantes. Lennox Gestaut. Stevens-Johnson,
Também eficaz potencialmente
no transtorno fatal.
bipolar.
Previne o Hiponatremia,
É usada em
alastramento náuseas, urticária,
Bloqueio dos adultos e crianças
Oxcarbazepina das descargas cefaleia, diplopia,
canais de sódio. com crises de
elétricas sedação, tonturas,
ataque focal
anormais. vertigens, ataxia.

226
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

Apresenta eficácia
em crises de início
Se liga a uma focal, neuropatia Aumento de
Inibe a neuro-
subunidade periférica peso, sonolência,
Pregabalina transmissão
específica nos diabética, tonturas, cefaleia,
excitatória.
canais de cálcio. neuralgia pós- diplopia e ataxia.
-herpética e
fibromialgia.
Bloqueio dos
canaisde sódio,
Eficaz em Sonolência,
redução das
Múltiplos me- epilepsias parciais perda de peso,
correntes de
canismos que e primárias parestesias,
cálcio, inibe
Topiramato reduzem a neuro- generalizadas. cálculos renais,
a anidrase
transmissão Também usada glaucoma,
carbônica e pode
excitatória. no tratamento da sudorese reduzida,
atuar em locais
enxaqueca. hipertermia.
do glutamato
(NMDA).
Inibe de forma Causa perda leve
Aumenta a
irreversível a GA- ou moderada do
neurotransmis- Praticamente não
Vigabatrina BAtransaminase campo visual em
são inibitória é usada.
(enzima que meta- cerca de 30% dos
gabaérgica.
boliza o GABA) pacientes.
FONTE: A autora

4 ANTIDEPRESSIVOS
Em depressão, você já deve ter ouvido falar. Quem nunca sentiu uma tris-
teza profunda que atire a primeira pedra. Mas, cuidado, tristeza passageira não é
depressão, mas tristeza profunda contínua pode ser. A depressão é uma doença
que inclui sintomas de desesperança, incapacidade de sentir prazer em situações
que normalmente eram prazerosas, alterações de sono e apetite, fadiga, ideias
suicidas e a tal da tristeza intensa e contínua. Por outro lado, a mania é caracte-
rizada por um comportamento de entusiasmo, raiva, pensamentos acelerados e
autoconfiança exacerbada (APA, 2014; RANG et al., 2016).

A partir de agora estudaremos a depressão e os episódios de mania (trans-


torno bipolar), os mecanismos neurobiológicos subjacentes, as classes de fármacos
disponíveis e os mecanismos pelos quais eles exercem seus efeitos farmacológicos.

4.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS


Os antidepressivos úteis clinicamente potencializam, de forma direta ou
indireta, as ações dos neurotransmissores norepinefrina e/ou da serotonina (5-
HT) no SNC. Tal achado, em conjunto com outras evidências, deu origem à teoria
das aminas biogênicas, que explica a depressão como uma patologia proveniente
do déficit de monoaminas, (norepinefrina, dopamina, serotonina) nas sinapses
neuronais. Em contrapartida, episódios de mania parecem ser frutos da produ-
ção excessiva e descontrolada desses neurotransmissores. Todavia, apenas essa
227
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

teoria não explica por que os efeitos farmacológicos dos fármacos na neurotrans-
missão ocorrem imediatamente, ao passo que a resposta terapêutica observada
no paciente só é vista após semanas. Vários estudos sugerem que a inibição da
captação dos neurotransmissores é apenas o primeiro passo para a obtenção dos
efeitos antidepressivos. Em geral, os efeitos na melhora do humor só são observa-
dos após duas semanas do início do uso e o benefício máximo pode demorar até
12 semanas ou mais (KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

FIGURA 7 – NEUROTRANSMISSÃO NORMAL COM LIBERAÇÃO ADEQUADA DE


NEUROTRANSMISSORES

FONTE: Adaptado de: <http://bit.ly/3qiXmpG>. Acesso em: 10 set. 2021.

FIGURA 8 – NEUROTRANSMISSÃO COM DÉFICIT DE NEUROTRANSMISSORES NA FENDA


SINÁPTICA

FONTE: Adaptado de: <http://bit.ly/3qiXmpG>. Acesso em: 10 set. 2021.


228
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

QUADRO 14 – RESUMO DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS ANTIDEPRESSIVOS

Mecanismo Efeitos
Fármaco Usos clínicos Efeitos adversos
de ação esperados
São eficazes na de-
Visão turva, xeros-
pressão moderada
Bloqueiam a tomia, retenção uri-
Antidepressivos a grave. Podem ser
captação de nária, taquicardia
triciclicos usados em alguns
norepinefrina sinusal, constipa-
(ADTs): pacientes com
e serotonina no Aumentam as ção, agravamento
transtorno de pâni-
neurônio pré-si- concentrações do glaucoma,
Imipramina; co. A imipramina
náptico, tam- serotonérgicas e arritmias; hipoten-
Amitriptilina; parece controlar a
bém bloqueiam noradrenérgicas são ortostática, ton-
Clomipramina; enurese em crian-
receptores nas sinapses turas e taquicardia
Doxepina; ças. A amitriptilina
serotoninérgicos, neuronais. reflexa. A sedação
Trimipramina; tem sido utilizada
α-adrenérgicos, pode ser signifi-
Desipramina; como prevenção
histamínicos e cativa, também
Nortriptilina. de crises de enxa-
muscarínicos. apresentam estreita
queca e dorneuro-
janela terapêutica.
pática.
O acúmulo de
tiramina causado
pelos IMAOS,
São indicados para além do aumento
pacientes que não de catecolaminas
A MAO é a enzi-
respondem a anti- circulantes, pode
ma que degrada Aumento dos
Inibidores depressivos mais causar grave "crise
os excessos de estoques de nore-
da Mono- seguros. hipertensiva".
neurotransmis- pinefrina, seroto-
aminoxidade Os IMAOs são os Outros potenciais
sores no SNC nina e dopamina
(IMAOS): fármacos de última efeitos adversos
e substâncias no interior dos
escolha devido incluem sonolên-
tóxicas como neurônios com
Fenelzina; aos graves efeitos cia, hipotensão
a tiramina no subsequente di-
Tranilcipromina; adversos e ao ortostática, visão
intestino. fusão do excesso
Isocarboxazida; risco de interações turva, xerostomia e
Os IMAOs ina- destes para a
Selegilina. medicamentosas e constipação.
tivam a enzima fenda sináptica.
alimentares (com Devido ao risco
MAO.
alimentos que con- de síndrome de
têm tiramina). serotonina, o uso de
IMAO com outros
antidepressivos é
contraindicado.
Geralmente, os
A primeira indi-
ISCSs apresentam
Inibem de forma cação dos ISCSs é
efeitos adversos
seletiva a capta- para a depressão.
Inibidores de menor gravi-
ção de serotonina Outros transtornos
seletivos da dade que outros
pelo bloqueio psiquiátricos que
captação de se- antidepressivos
do seu transpor- respondem bem
rotonina (ISCS): (ADTs e IMAOs),
tador, apre- Aumentam a aos ISCSs, incluem
mas não são isentos
sentam uma concentração de o transtorno
Fluoxetina; de efeitos adver-
seletividade até 3 serotonina na obsessivo com-
Citalopram; sos, pode ocorrer
mil vezes fenda sináptica. pulsivo, pânico,
Escitalopram; cefaléia, sudorese,
maior para o ansiedade gene-
Fluvoxamina; ansiedade, agitação,
transportador ralizada, estresse
Paroxetina; náuseas, êmese,
de serotonina do pós-traumático,
Sertralina. diarreia, disfunções
que para o de transtorno disfóri-
sexuais, alterações
norepinefrina. co pré menstrual e
de peso e distúrbios
bulimia.
do sono.

229
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Inibem a
captação tanto de Podem ser eficazes
serotonina como na depressão em
Inibidores da
de norepinefrina pacientes que não
captação de Os efeitos adversos
pelo bloqueio dos responderam aos
serotonina e Aumentam a são parecidos aos
transportadores. ISCS. Algumas
norepinefrina concentração ISCSs. Incluem
Ao contrário vezes podem
(ICSN): tanto de cefaleia, mal
dos ADTS, não aliviar a dor
serotonina como estar, sintomas de
bloqueiam neuropática
Venlafaxina; de norepinefrina gripe, agitação,
receptores diabética
Desvenlafaxina; na fenda irritabilidade,
serotoninérgicos, periférica, a
Duloxetina. sináptica. nervosismo,
α-adrenérgicos, neuralgia pós-
alterações no sono.
histamínicos e herpética, a
muscarínicos fibromialgia e a
(causando menos dor lombar.
efeitos adversos).
FONTE: A autora

Antidepressivos atípicos: são um grupo misto de fármacos com diferentes


mecanismos de ação mostrados no quadro a seguir.

QUADRO 15 – MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS ATÍPICOS


Nefazodona e
trazodona:
Bupropiona:
São inibidores
Inibe a captação
Mirtazapina: fracos da cap-
de dopamina e
Mecanismo tação de seroto-
norepinefina,
incerto é an- nina.
aliviando os
tagonista nos Seus efeitos
sintomas de
receptores pré- parecem devido Vortioxetina:
depressão.
-sinápticos α2 ao bloqueio Vilazodona: Inibe a capta-
Também é útil
e 5-HT2, parece dos receptores Inibe a captação ção de seroto-
em atenuar os
aumentar a neu- 5-HT2A pós-si- de serotonina nina, é agonista
sintomas de
rotransmissão nápticos. e é agonista 5-HT1A e anta-
abstinência
serotonérgica e São sedativos parcial 5-HT1A gonista 5-HT3
da nicotina.
noradrenérgica. devido à ativi- (o que a e 5-HT7 (o que
Seu uso deve
Tem acentuada dade bloquea- diferencia dos a diferencia
ser evitado
ação sedativa dora histami- ISCSs). dos ISCSs e da
em pacientes
devido a sua po- nérgica. vilazodona).
com risco de
tente atividade Ambos são
convulsões ou
anti-histamínica. antagonistas
que sofrem de
Pode aumentar o nos receptores
transtornos
apetite e o peso. αl, que pode
alimentares,
causar hipoten-
como bulimia.
são ortostática e
tonturas.
FONTE: A autora

230
TÓPICO 2 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL I

4.2 TRATAMENTO DA MANIA E DO DISTÚRBIO BIPOLAR


Você já disse ou ouviu alguém falar: “Fulano só pode ser bipolar”? Con-
sidero essa expressão um tanto pejorativa e não deveria ser usada desta forma.
Pessoas com transtorno bipolar podem necessitar de tratamento farmacológico e
merecem todo o respeito da sociedade. O tratamento do transtorno bipolar teve
significativo aumento nos últimos anos, em parte devido ao maior entendimento
do transtorno, mas também pelo aumento de medicamentos disponíveis no mer-
cado. O lítio é usado nas crises agudas e como profilaxia em pacientes bipolares.
Embora vários processos celulares sejam modulados, seu mecanismo de ação não
é totalmente elucidado. O índice terapêutico (grau de segurança) do lítio é extre-
mamente baixo. Os efeitos adversos são diversos e incluem cefaleia, polifagia,
xerostomia, poliúria, distúrbios do trato gastrintestinal, tremores, tonturas, can-
saço, dermatites e sedação. Em doses elevadas causam toxicidade com ocorrência
de ataxia, confusão mental e convulsões. A eliminação do lítio é pela via renal,
por isso seu uso em pacientes com insuficiência renal não é indicado. Outros es-
tabilizadores de humor usados no transtorno bipolar incluem os antiepilépticos
como a carbamazepina, ácido valproico e lamotrigina. Há também os antipsicó-
ticos que podem amenizar os sintomas de mania, entre ele estão a clorpromazi-
na, haloperidol, risperidona, olanzapina, ziprasidona, aripiprazol e quetiapina
(PHIEL; KLEIN, 2001; APA, 2014; KATZUNG; TREVOR, 2017).

231
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O sistema nervoso central (SNC) é formado pelo encéfalo e pela medula es-
pinal, que comanda infinitas funções dentro de um imenso circuito regulató-
rio de transmissão de informações. A comunicação entre os neurônios ocorre
pela liberação de um neurotransmissor no neurônio pré-sináptico que se di-
funde na fenda sináptica até se ligar a um receptor no neurônio pós-sináptico.

• A ansiedade é um distúrbio do SNC onde a neurotransmissão GABAérgica


(inibitória) parece estar comprometida, além de inúmeros outros mecanis-
mos ainda não completamente elucidados. Os benzodiazepínicos são fárma-
cos utilizados para os sintomas de ansiedade e insônia, além disso podem ser
eficazes no tratamento da epilepsia e também são usados como adjuvantes
nas anestesias. O mecanismo de ação dos benzodiazepínicos consistem na
sua ligação a um local específico no receptor GABA, causando aumento do
influxo de íons cloro para dentro do neurônio e consequente hiperpolarização
das células neuronais.

• A epilepsia é caracteriza por convulsões provenientes de várias alterações na


atividade elétrica neuronal, ocorrem descargas excessivas e sincronizadas nos
neurônios cerebrais. Os fármacos antiepilépticos (ou anticonvulsivantes) não
são capazes de curar a epilepsia, mas são eficientes em suprimir as crises. Os
principais mecanismos de ação destes fármacos envolvem a potencialização da
neurotransmissão inibitória mediada pelo GABA, o bloqueio dos canais de só-
dio ou cálcio dependentes de voltagem e a redução da neurotransmissão excita-
tória mediada pelo glutamato (principal neurotransmissor excitatório do SNC).

• A depressão é caracterizada por tristeza intensa e ininterrupta, sentimento de


desesperança, alterações de sono e apetite, fadiga e ideias suicidas. O tratamen-
to disponível atualmente inclui o uso de antidepressivos que potencializam, di-
reta ou indiretamente, as ações dos neurotransmissores norepinefrina e/ou da
serotonina (5-HT) no SNC. Por mecanismos desconhecidos, também parecem
ser efetivos em alguns transtornos de ansiedade e dores neuropáticas.

232
AUTOATIVIDADE

1 Os transtornos de ansiedade incluem características de medo e ansieda-


de exacerbados junto com perturbações comportamentais. O medo ocorre
como uma resposta à ameaça iminente real, por outro lado a ansiedade é
a antecipação de ameaça futura que pode ou não se concretizar. Com base
no que você aprendeu sobre os fármacos ansiolíticos e hipnóticos, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os benzodiazepínicos aumentam a ligação do neurotransmissor GABA


ao seu receptor, que aumenta a permeabilidade ao cloreto causando
despolarização do neurônio.
b) ( ) A naloxona é antagonista dos receptores de benzodiazepínicos usada
como antídoto nas intoxicações por estes fármacos.
c) ( ) Um homem que apresenta convulsões devido à abstinência do álcool
não deve ser tratado com benzodiazepínicos devido ao risco de depres-
são respiratória.
d) ( ) O fenobarbital pode causar depressão respiratória, que é potencializada
pelo consumo de álcool.

2 A depressão inclui sintomas de tristeza profunda, anedonia, desânimo e


oscilações de humor. Geralmente é confundida com ansiedade e pode levar
a pensamentos suicidas. Com base no que você aprendeu sobre os fármacos
antidepressivos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Uma mulher de 30 anos apresenta sintomas depressivos acompanhados


de dor secundária a um acidente doméstico há quatro anos. Os exames
realizados não apresentaram alterações significativas. Para o caso apre-
sentado, o uso de fluoxetina é uma opção mais efetiva que a duloxetina.
b) ( ) A imipramina é um antidepressivo ISCS que apresenta alto risco de
ortostasia em idosos e deve ser evitada devido aos perigos de quedas.
c) ( ) A mirtazapina é um ISCS usada no tratamento do transtorno bipolar.
d) ( ) A duloxetina é um ICSN que apresenta melhor perfil terapêutico para o
manejo de depressão acompanhada de sintomas de dor.

3 Os antidepressivos são fármacos usados no tratamento da depressão e/ou


ansiedade que atuam no controle e modulação de neurotransmissores do
sistema nervoso central. Baseado no que você aprendeu sobre os antide-
pressivos, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Inibição seletiva da captação de serotonina.


II-Inibição da captação de serotonina e noraepinefrina.
III-
Inibição da monoaminoxidade.
IV-Inibição da captação de serotonina e norepinefrina com bloqueio musca-
rínico e histamínico.
V- Inibição da captação de dopamina e norepinefina.
233
( ) Bupropiona.
( ) Fluoxetina, sertralina, citalopram e paroxetina.
( ) Desvenlafaxina, duloxetina e venlafaxina.
( ) Fenelzina e seleginina.
( ) Amitriptilina e imipramina.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – I – II – III – IV.
b) ( ) I – II – III – IV – V.
c) ( ) III – V – IV – II – I.
d) ( ) V – IV – I – III – II.

4 Os fármacos antiepilépticos reduzem a excitabilidade da membrana neu-


ronal e aumentam a inibição pós-sináptica, alterando a sincronização das
redes neurais para reduzir a excitabilidade neuronal excessiva associada à
epilepsia. Com base no que você aprendeu sobre os antiepilépticos, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) O topiramatoé um antiepilético de amplo espectro indicado como pri-


meira escolha nas crises tônico-clônicas generalizadas primárias.
b) ( ) A etossuximida não deve ser usada nas crises de ausência.
c) ( ) O topiramato é reservado contra crises refratárias, devido ao alto risco
de causar anemia aplástica e insuficiência hepática.
d) ( ) A vigabatrina é indicada em crises generalizadas, mas está relacionada
com alterações no campo visual.

5 A ansiedade ocasional é uma parte esperada da vida. Você pode ficar ansioso
ao se deparar com um problema no trabalho, antes de fazer um teste ou antes
de tomar uma decisão importante. Todavia, os transtornos de ansiedade en-
volvem mais do que preocupação ou medo temporários. Para uma pessoa com
transtorno de ansiedade, a ansiedade não vai embora e pode piorar com o tem-
po. Os sintomas podem interferir nas atividades diárias, como desempenho no
trabalho, trabalho escolar e relacionamentos. Disserte sobre o mecanismo de
ação dos benzodiazepínicos e dos barbitúricos e o que os diferencia.

234
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO


CENTRAL II

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no tópico anterior você aprendeu sobre os neurotrans-
missores e sobre o vasto universo dos psicofármacos, os ansiolíticos e hipnóticos,
os antidepressivos e agora vamos adentrar em mais uma classe muito importante
da farmacologia, os antipsicóticos.

Neste tópico iremos versar sobre as principais doenças que acometem


essa classe e sobre os mecanismos de ação dos antipsicóticos. Também iremos
estudar as doenças neurodegenerativas, que são as doenças graves acometidas
pela morte progressiva de neurônios em áreas específicas do cérebro, que resul-
tam mais tarde em diversos distúrbios. Ao final, ainda iremos aprender sobre os
opioides, que são as medicações dedicadas a controlar as dores de um paciente.

Preparados para mais uma importante etapa de aprendizados sobre a far-


macologia? Então vamos lá!

2 ANTIPSICÓTICOS
Uma expressão muita usada na nossa sociedade é: “Fulano está louco;
Fulano é maluco”. Precisamos entender que a loucura não é um termo científico
e não é sinônimo de esquizofrenia. O significado da loucura depende muito de
interesses pessoais. Quando não concordamos com alguém, sobretudo, quando a
ideia nos prejudica, logo exclamamos um: “Você está louco?”

Diferente da loucura, que tem diversas faces e vieses filosóficos, a esquizofrenia


é um estado de psicose crônica incapacitante que produz alucinações, principalmen-
te, na forma de vozes e transtornos de pensamento e de comunicação. Geralmente, o
quadro envolve componente genético, inicia na adolescência ou início da vida adulta
e acomete aproximadamente 1% da população. Os medicamentos antipsicóticos, tam-
bém denominados neurolépticos ou tranquilizantes maiores, são usados no tratamento
da esquizofrenia e de outras condições psicóticas e estados de mania, não curam o
paciente, apenas aliviam a intensidade e frequência de alucinações, mas infelizmente
inclui um amplo leque de efeitos adversos (APA, 2014; KATZUNG; TREVOR, 2017).

São inúmeras as hipóteses e teorias que tentam explicar a etiologia dos


distúrbios esquizofrênicos, atualmente são três as teorias mais aceitas:

235
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

1) Hipótese dopaminérgica: defende uma atividade exacerbada e descontro-


lada de neurônios dopaminérgicos nas vias mesolímbicas por várias evi-
dências: a) Vários antipsicóticos bloqueiam os receptores D2, sobretudo, no
sistema mesolímbico e no estriado, o que inclui agonistas parciais da dopa-
mina, como o aripiprazol; b) É comprovado que fármacos que aumentam
a atividade dopaminérgica, como a levodopa e as anfetaminas, agravam a
esquizofrenia; c) A densidade de receptores dopaminérgicos post mortem
no cérebro de pacientes esquizofrênicos sem tratamento é elevada.

2) Hipótese serotonérgica: aponta para uma estimulação excessiva de re-


ceptores serotonérgicos 5-HT2A e 5-HT2C, os quais parecem constituir
a base dos efeitos alucinatórios. Estudos constataram que o bloqueio dos
receptores 5-HT2A representa a chave no mecanismo de ação dos antip-
sicóticos atípicos e, por coincidência ou não, as drogas alucinógenas in-
dólicas, como o LSD (dietilamida do ácido lisérgico) e a mescalina, são
agonistas da serotonina.

3) Hipótese glutamatérgica: é uma hipótese complexa e incerta. Sabemos


que o glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC. Subs-
tâncias que inibem os receptores glutamatérgicos NMDA como a fencicli-
dina e a cetamina, exacerbam tanto o comprometimento cognitivo como a
psicose em pacientes com esquizofrenia. Acredita-se que uma hipofunção
dos receptores NMDA também contribui para a esquizofrenia (STAHL,
2008; GROSS; GEYER, 2012; RANG et al., 2016).

FIGURA 9 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS VIAS ENVOLVIDAS NOS SINTOMAS DA ES-


QUIZOFRENIA

FONTE: A autora

236
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

Importante você não esquecer que os antipsicóticos são divididos em


duas gerações:

• Antipsicóticos de primeira geração ou típicos: também denominados antip-


sicóticos tradicionais, típicos ou convencionais, inibem de forma competitiva
os receptores D2 da dopamina. São os que mais causam os sintomas extrapi-
ramidais (transtornos de movimento).
• Antipsicóticos de segunda geração: também conhecidos como antipsicóticos atí-
picos, apresentam menor incidência de sintomas extrapiramidais e por isso são a
primeira escolha no tratamento. Por outro lado, são relacionados com maior risco
de desenvolvimento de diabetes, aumento de colesterol e de peso. Estes fármacos
exercem sua ação devido ao bloqueio dos receptores de serotonina e dopamina.

2.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS


Tanto os antipsicóticos de primeira, quanto os de segunda geração parecem
reduzir as alucinações (sintomas “positivos”), devido ao bloqueio dos receptores
D2 no sistema mesolímbico do SNC. Por outro lado, os sintomas “negativos”, (em-
botamento emocional, apatia, desatenção, isolamento social, déficit cognitivo) não
respondem de forma efetiva ao tratamento com antipsicóticos de primeira geração.
Fármacos de segunda geração, como a clozapina, podem reduzir parcialmente os
sintomas negativos. Grande parte dos antipsicóticos de segunda geração parecem
atuar por um misto de mecanismos, especialmente pela inibição dos receptores
serotonérgicos, principalmente o 5-HT2A. A clozapina, por exemplo, apresenta ele-
vada afinidade pelos receptores dopaminérgicos D1 e D4, serotonérgicos 5-HT2,
muscarínicos e α-adrenérgicos, mas também atua como fraco antagonista no recep-
tor D2. Assim como a olanzapina, a risperidona bloqueia os receptores 5-HT2A de
forma mais intensa do que o receptor D2. Por outro lado, a quetiapina bloqueia de
forma menos potente os receptores 5-HT2A do que os receptores D2 (STAHL, 2008;
BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012; RANG et al., 2016).

• Principais efeitos adversos dos antipsicóticos

Sem dúvida, os sintomas extrapiramidais são um dos mais incapacitantes,


incluem distonias (contrações musculares com posturas distorcidas), sintomas
parkinsonianos, acatisia (intranquilidade do sistema motor) e discinesia tardia
(movimentos involuntários de língua, lábios, pescoço, tronco e membros). O blo-
queio dos receptores dopaminérgicos na via nigroestriatal provavelmente é res-
ponsável por tais movimentos indesejados. Os antipsicóticos de segunda geração
mostram menor incidência de sintomas extrapiramidais e por isso são a primeira
escolha. Para muitos indivíduos, a discinesia tardia pode ser irreversível e per-
sistir mesmo após a interrupção do tratamento. Acredita-se que ela é resultado
do aumento na expressão de receptores dopaminérgicos que são sintetizados por
um mecanismo compensatório devido ao bloqueio prolongado desses receptores
(BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2012; RANG et al., 2016).

237
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Alguns antipsicóticos causam efeitos anticolinérgicos (visão turva, boca seca,


confusão mental, constipação e retenção urinária). Tais efeitos anticolinérgicos po-
dem diminuir o risco de aparecimentos dos sintomas extrapiramidais por um meca-
nismo de equilíbrio compensatório. Isto ocorre porque há um fino equilíbrio entre os
efeitos inibitórios dos neurônios dopaminérgicos e os efeitos excitatórios dos neurô-
nios colinérgicos. O bloqueio dopaminérgico altera esse equilíbrio, aumentando a
influência excitatória colinérgica, que promove os sintomas motores extrapiramidais.

Os antipsicóticos também podem bloquear os receptores α-adrenérgicos


e promover hipotensão ortostática, além de alterar os mecanismos de regulação
da temperatura corporal. Com o bloqueio dos receptores D2 na hipófise, os antip-
sicóticos aumentam a liberação de prolactina (hormônio que estimula a secreção
de leite materno). Além disso, ocorre sedação devido ao bloqueio de recepto-
res de histamina H1 e disfunção sexual (STAHL, 2008; BRUNTON; CHABNER;
KNOLLMANN, 2012; RANG et al., 2016).

NOTA

Você já ouviu falar da síndrome neuroléptica maligna? É uma reação idiossin-


crática potencialmente fatal aos antipsicóticos/neurolépticos, também conhecida como
síndrome da deficiência aguda de dopamina, ocorre forte rigidez muscular, aumento da
temperatura corporal, confusão mental, inconsciência, pressão arterial instável, disfunção
autonômica, insuficiência respiratória, podendo ainda ocorrer rabdomiólise, leucocitose e
mioglobinemia. Deve ser feita interrupção imediata do antipsicótico e medidas de apoio.
Os principais agentes implicados na síndrome são o haloperidol e a clorpromazina. O uso
de dantroleno ou bromocriptina podem ajudar na reversão do quadro.

QUADRO 16 – RESUMO DOS PRINCIPAIS ANTIPSICÓTICOS DISPONÍVEIS

Antipsicóticos
Mecanismo de
de primeira Uso clínico Efeitos adversos
ação
geração
Moderado a alto ris-
Clorpromazina co em causar sinto-
Alívio dos sintomas
mas extrapiramidais.
positivos na esquizo-
Flufenazina Bloqueio dos
frenia, fase maníaca
receptores D2. Aumento de peso, or-
do transtorno bipolar.
Tioridazina tostasia, sedação, efei-
Efeitos antieméticos.
tos antimuscarínicos,
hiperprolactinemia.

238
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

Alto risco em causar


Alívio dos sintomas sintomas extrapirami-
positivos na esquizo- dais; Baixo potencial
frenia, fase maníaca para causar efeitos
Bloqueio dos
Haloperidol do transtorno bipo- antiadrenérgicos (or-
receptores D2.
lar, coreia de Hun- tostasia) ou antimus-
tington, síndrome de carínicos; baixo po-
Tourette. tencial para aumento
de peso e sedação.
Antipsicóticos
Mecanismo de
de segunda Uso clínico Efeitos adversos
ação
geração
Baixo risco em causar
sintomas extrapira-
Melhora dos sinto-
midais;
mas tanto positivos
Agranulocitose
como negativos na
(clozapina), diabetes
Aripiprazol; Bloqueio dos re- esquizofrenia.
(clozapina, olan-
Clozapina; ceptores 5-HT2A
zapina), aumento de
Olanzapina; mais acentuado Efetivos no transtor-
colesterol (clozapina,
Quetiapina; que o bloqueio no bipolar (olanzapi-
olanzapina), hiper-
Risperidona; dos receptores na ou risperidona).
prolactinemia (ris-
Ziprasidona. D2.
peridona), prolonga-
Efetivo na depressão
mento do intervalo
maior (aripiprazol).
QT (ziprasidona),
ganho de peso (clo-
zapina, olanzapina).
FONTE: A autora

3 DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS
Você sabe qual é a principal característica das doenças neurodegenerati-
vas? São doenças graves caracterizadas pela morte progressiva de neurônios em
áreas específicas, resultando em diversos distúrbios.

A partir de agora, iremos focar na doença de Alzheimer (DA) e na doen-


ça de Parkinson (DP) que são os exemplos de doenças degenerativas mais co-
muns atualmente. Peden e Ironside (2012) defendem que os erros no dobramento
proteico com agregação de variantes erroneamente dobradas de proteínas fisio-
lógicas constituem o gatilho inicial nas doenças degenerativas. As intervenções
terapêuticas atuais são paliativas, estão voltadas para a compensação, pois não
conseguem atuar na prevenção e na reversão da morte neuronal.

239
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

3.1 DOENÇA DE PARKINSON


É um distúrbio neurológico progressivo, caracterizado por tremores, rigi-
dez muscular, lentidão ao iniciar e executar movimentos voluntários (bradicinesia)
e anormalidades de postura e de marcha. A maioria dos pacientes acometidos são
homens acima de 65 anos. A causa dessa patologia não é totalmente elucidada, mas
parece estar relacionada com a degeneração de neurônios dopaminérgicos na subs-
tância negra com consequente diminuição das atividades da dopamina na região
do estriado (porção dos gânglios basais relacionados com o controle motor).

A substância negra faz parte do sistema extrapiramidal, em que se origi-


nam os neurônios dopaminérgicos que terminam no neoestriado. Neurônios inibi-
tórios GABAérgicos também conectam a substância negra ao neoestriado. As vias
dopaminérgicas e GABAérgicas atuam mantendo um grau inibitório de ambas as
áreas. Na doença de Parkinson, a degeneração dos neurônios dopaminérgicos na
substância negra resulta na redução da influência inibitória normal da dopamina
nos neurônios colinérgicos no neoestriado, causando hiperatividade da acetilcoli-
na pelos neurônios estimulantes. Tais alterações complexas promovem perda do
controle dos movimentos. Conforme vimos anteriormente, fármacos antipsicóticos
de primeira geração que bloqueiam receptores de dopamina no cérebro podem
produzir sintomas de parkinsonismo (também denominado de pseudoparkinso-
nismo, parkinsonismo secundário ou sintomas extrapiramidais). De forma simpli-
ficada, a teoria mais aceita que explica a etiologia da doença de Parkinson aponta
para um desequilíbrio entre os neurônios colinérgicos excitatórios e o número re-
duzido de neurônios dopaminérgicos inibitórios. Por isso, o principal objetivo do
tratamento é reestabelecer os níveis de dopamina nos gânglios basais e bloquear o
efeito excitatório dos neurônios colinérgicos, retomando, assim, um certo equilíbrio
entre dopamina e acetilcolina (APA, 2014; RANG et al., 2016).

• Terapia farmacológica na Doença de Parkinson

Os fármacos disponíveis elevam os níveis de dopamina no SNC, ofere-


cendo um alívio temporário dos sintomas, mas não interrompem nem revertem o
mecanismo de neurodegeneração.

240
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

QUADRO 17 – RESUMOS DOS FÁRMACOS UTILIZADOS NA DOENÇA DE PARKINSON

Fármaco Mecanismo de ação Efeitos Efeitos adversos


A levodopa é pre-
A associação levo-
cursora da dopami-
dopa + carbidopa
na, é transportada
reduz significativa-
até o SNC e lá é
mente a gravidade
convertida em do-
dos sintomas do
pamina pela dopa Desconforto gas-
Parkinson nos pri-
descarboxilase. trintestinal arrit-
meiros anos de uso.
mias, discinesias,
Levodopa + Mas infelizmente,
A carbidopa impede fenômenos de liga-
carbidopa ocorre redução da
que a levodopa seja -desliga e de des-
resposta farmacoló-
convertida em dopa- gaste, transtornos
gica após o terceiro,
mina antes de chegar do comportamento.
quarto ou quinto
no SNC, ela reduz a
ano de tratamento.
dose necessária e a
Não impede a pro-
toxicidade da levo-
gressão da degene-
dopa; a carbidopa
ração neuronal.
não penetra no SNC
Náuseas, vômitos,
Pramipexol
Atuam como Reduzem os sinto- hipotensão postural,
agonistas de mas do Parkinsonis- discinesias, confu-
Bromocriptina
receptores mo, as flutuações na são, transtornos do
dopaminérgicos. resposta a levodopa. controle de impulso,
Apomorfina
sonolência.
Pode causar síndro-
me serotoninérgica
Inibem a enzima
Rasagilina Aumenta as reser- com os inibidores
monoaminoxidade
vas de dopamina seletivos da recap-
(MAO), enzima que
Seleginina nos neurônios. tação de serotonina
degrada dopamina.
e antidepressivos
tricíclicos.
Inibem a catecol-o- Reduzem o metabo-
Entacapona -metil transferase lismo da levodopa Náuseas,
(COMT) na periferia, nos tecidos perifé- discinesias,
Talcapona (enzima que também ricos e prolongam a confusão.
degrada a dopamina). sua atividade.
Efeitos antimus-
Benzatropina
Diminuem o tremor carínicos clássicos
Antagonizam
e a rigidez, pouco (sedação, midríase,
Biperideno receptores
efeito sobre a bradi- retenção urinária,
muscarínicos.
cinesia. constipação intesti-
Triexifenidil
nal, xerostomia.
FONTE: A autora

241
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

3.2 DOENÇA DE ALZHEIMER


A doença de Alzheimer (DA) é caracterizada por demência, perda pro-
gressiva da memória, alterações cognitivas e pode levar a um quadro vegetati-
vo, resultando em morte prematura. A prevalência aumenta com o avançar da
idade e pode acometer cerca de 20% dos idosos acima de 85 anos (APA, 2014;
KATZUNG; TREVOR, 2017).

A DA não tem uma causa bem definida, mas apresenta três características
diferenciais no cérebro dos pacientes:

1) Acúmulo de placas β-amilóides, também denominadas placas senis no córtex


cerebral.
2) Formação de emaranhados neurofibrilares compostos de proteína tau.
3) Morte de neurônios corticais e hipocampais, especialmente neurônios colinér-
gicos com adelgaçamento do córtex.

Os tratamentos disponíveis apresentam efeitos paliativos, não são capazes


de impedir a progressão da neurodegeneração e não revertem o quadro instalado,
têm como objetivo aumentar a transmissão colinérgica no SNC e impedir as ações
excitotóxicas resultantes da superestimulação dos receptores de glutamato (NMDA)
em certas áreas do cérebro. As intervenções farmacológicas oferecem um benefício
modesto e de curta duração (QUERFURTH; LAFERLA, 2010; RANG et al., 2016).

Inibidores da acetilcolinesterase: a DA é associada com a degeneração pro-


gressiva de neurônios colinérgicos e consequentemente com a redução da neurotrans-
missão colinérgica no córtex, que resulta em perda da memória e da função cogniti-
va. Acredita-se que a inibição da acetilcolinesterase (AChE) que degrada acetilcolina
no SNC potencializa a transmissão colinérgica nos neurônios ainda preservados. Os
inibidores da AChE usados na DA incluem donepezila, galantamina e rivastigmina.
A galantaminaparece aumentar também a ação da acetilcolina nos receptores nicotí-
nicos no SNC. No melhor dos cenários, esses fármacos promovem diminuição mo-
desta na velocidade de perda cognitiva nesses pacientes. A rivastigminaé o único fár-
maco disponível em formulação transdérmica e o único aprovado para a demência
associada com a doença de Parkinson. Os efeitos adversos mais comuns são diarreia,
náuseas, êmese, anorexia, tremores, bradicardia e cãibras musculares.

Antagonistas de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA): a estimulação


excessiva de receptores glutamatérgicos (principalmente NMDA), parece promover
efeitos neurotóxicos, e por isso é apontada como um importante mecanismo dos pro-
cessos neurodegenerativos. A ativação do receptor NMDA pelo glutamato promove
a abertura dos canais de cálcio, o excesso de cálcio no meio intracelular pode ativar
mecanismos apoptóticos (morte celular programada). A memantina é um antagonis-
ta do receptor NMDA usada no tratamento da DA moderada a grave. O bloqueio
do receptor NMDA pela memantina limita o influxo de cálcio nas células neuronais,

242
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

impedindo os mecanismos citotóxicos. Apresenta poucos efeitos adversos e no geral


é bem tolerada, frequentemente é associada com um inibidor da AChE (COLLIN-
GRIDGE et al., 2013; RANG et al., 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017).

DICAS

Para quem deseja assistir a um bom filme e aprender mais sobre a DA, recomen-
damos “Para Sempre Alice”. É uma história emocionante que conta a vida de Alice, uma mu-
lher jovem e ativa de 50 anos que inicia com os primeiros sintomas do Alzheimer. O filme faz
com que o espectador sinta a dificuldade que a doença causa para o paciente e para a família.

4 FÁRMACOS OPIOIDES
Qual é o desafio mais difícil para a medicina? Entre diversos exemplos que
podemos citar, alcançar o controle da dor é um dos principais. A dor pode ser agu-
da, crônica, inflamatória, neuropática, pós-operatória, entre outras, caracterizadas
por uma sensação desagradável que é consequência de alterações neuroquímicas
complexas no SNC e periférico. Por ser um sintoma subjetivo, isto é, a intensidade
varia em cada indivíduo, o tratamento deve basear-se na percepção e descrição de
intensidade de cada paciente. A dor é dividida em dois tipos principais: Nocicep-
tiva e neuropática. A dor neuropática (como a neuralgia pós-herpética, diabética
ou causada por HIV), pode ser tratada com opioides, mas muitas vezes respondem
melhor a anticonvulsivantes e antidepressivos. Para o tratamento da dor crônica
(como a dor causada pelo câncer), os opioides constituem o tratamento terapêutico
em alguns pacientes. Na dor nociceptiva, que é causada por doenças como a artrite
reumatoide, por exemplo, o uso de analgésicos não opioides, como os anti-infla-
matórios não esteroides (AINEs), em geral apresentam boas respostas (ALCOCK,
2017; KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

NTE
INTERESSA

Caro acadêmico! Você sabia que a morfina é o protótipo dos agonistas opioi-
des? Ela é conhecida há mais de 200 anos por sua capacidade promissora em aliviar a dores
intensas. A planta papoula é a fonte do ópio. Em 1803, o estudioso Serturner isolou um alca-
loide puro da papoula que recebeu o nome de morfina em homenagem ao Deus grego dos
sonhos, Morfeu. Mais de dois séculos se passaram e a morfina continua sendo o padrão ouro
a partir do qual todos os fármacos com acentuada ação analgésica são comparados.

243
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Os fármacos opioides são análogos à morfina e podem ser naturais, sin-


téticos ou semissintéticos. Todos os opioides ligam-se a receptores opioides es-
pecíficos no SNC para promover efeitos que mimetizam a ação dos peptídeos
endógenos (como as endorfinas, encefalinas ou dinorfinas). Os opioides apresen-
tam diversos efeitos, mas sua principal utilização é para amenizar a dor intensa.
Infelizmente, a grande disponibilidade de opioides acarretou ao abuso dos que
podem causar euforia (KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

• Receptores opioides

Os efeitos mediados pelos opioides envolvem três famílias de receptores: μ


(mi), κ (capa) e δ (delta). A ação analgésica dos opioides é modulada principalmente
pelos receptores μ, que participam das respostas nociceptivas térmicas, mecânicas
e químicas. Os receptores κ contribuem para a analgesia modulando a nocicepção
química e térmica. Os neurotransmissores endógenos, como as encefalinas ligam-se
a receptores δ na periferia. Não se esqueça de que os receptores opioides podem ser
metabotrópicos, (acoplados à proteína G) e inibir a adenililciclase ou estar associados
a canais iônicos, aumentando o efluxo pós-sináptico de íons potássio ou reduzindo
o influxo pré-sináptico de íons cálcio, o que inibe o potencial de ação neuronal e a
liberação do neurotransmissor (CORBETT et al., 2006; RANG et al., 2016).

4.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS AGONISTAS OPIOIDES


A morfina é o principal composto analgésico encontrado no ópio e é o
protótipo do agonista μ. A codeína é outro opioide presente no ópio, mas em con-
centrações menores e é menos potente que a morfina. A morfina e os opioides em
geral, interagem com os receptores opioides em neurônios no SNC e em células
do trato gastrintestinal (TGI) e da bexiga. A morfina também interage com recep-
tores κ do corno dorsal da medula espinal, reduzindo a liberação de substância P
(responsável pela percepção da dor na medula espinal). Nos terminais nervosos,
parece inibir a liberação de transmissores excitatórios que promovem os estímu-
los dolorosos (CORBETT et al., 2006; RANG et al., 2016).

• Principais usos terapêuticos dos agonistas opioides:

o Analgesia: os opioides assim como a morfina, promovem analgesia, ali-


viam a dor aumentando o seu limiar na medula espinal e reduzem a
percepção da dor no cérebro. É como se os pacientes continuassem com
a presença da dor, mas a sensação não é mais desagradável.
o Euforia: os opioides causam sensação de bem-estar e contentamento que
pode ser proveniente da desinibição dos neurônios dopaminérgicos.
o Respiração: no centro respiratório, causam depressão respiratória pela
dessensibilização ao dióxido de carbono. A depressão respiratória é a
causa mais comum de morte em casos de intoxicação por opioides. A
tolerância a esse efeito ocorre rapidamente, o que permite o uso seguro
no tratamento da dor nas doses corretas.

244
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

o Depressão do reflexo da tosse: morfina e codeína apresentam ações an-


titussígenas por mecanismos não bem elucidados.
o Miose: a pupila puntiforme é uma característica do uso da morfina que
resulta do estímulo dos receptores μ e κ. Praticamente não há tolerância
para este efeito.
o Êmese: a morfina ativa a zona quimiorreceptora na área postrema que
causa êmese (vômitos).
o TGI: em geral, a morfina e outros opioides causam constipação, com bai-
xo potencial à tolerância. Aliviam a diarreia pela redução da motilidade
e aumento do tônus do músculo liso intestinal e do esfíncter anal.
o Sistema cardiovascular: em altas doses podem causar hipotensão e bradi-
cardia. Estão contraindicados em pacientes com lesões graves no cérebro,
uma vez que devido à depressão respiratória e à retenção de dióxido de
carbono, os vasos cerebrais dilatam e aumentam a pressão intracraniana.
o Liberação de histamina: nos mastócitos, a morfina libera histamina cau-
sando urticária, sudorese e vasodilatação. Deve ser usada com cuidado
em pacientes asmáticos.
o Ações hormonais: aumentam a secreção de prolactina e a liberação de hor-
mônio do crescimento. Provocam retenção urinária pelo aumento do hormô-
nio antidiurético. Os opioides em geral não devem ser usados no trabalho de
parto, pois reduzem a força, a duração e a frequência das contrações uterinas
(CORBETT et al., 2006; KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).
o Efeitos adversos: a classe de opioides estão sujeitas a causar vários efei-
tos adversos, como grave depressão respiratória e a dosagem excessi-
va pode causar óbito. A morfina deve ser utilizada com cautela em pa-
cientes asmáticos, com doenças renais e hepáticas. O uso prolongado
de opioides promove tolerância aos efeitos de depressão respiratória, de
analgesia, de euforia e sedação. Por outro lado, a tolerância aos efeitos
de constrição pupilar e de constipação não são comuns. A dependên-
cia física e psicológica com os opioides é bastante comum e a retirada
abrupta promove respostas autônomas, motoras e psicológicas graves
(KATZUNG; TREVOR, 2017; RANG et al., 2016).

QUADRO 18 – RESUMO DOS PRINCIPAIS OPIOIDES E SEUS ANTAGONISTAS

Mecanismo de
Fármaco Efeitos Usos clínicos Efeitos adversos
ação
Dor intensa.
Agonistas
Adjuvante na Depressão
opioides: Agonistas for- Analgesia; alívio
anestesia (fenta- respiratória.
tes em recepto- da ansiedade
nila, morfina) Constipação
Morfina; res μ. Afinida- e sedação.
Edemapulmonar intestinal grave.
Codeína; de variável em Redução da
(morfina). Tendência
Fentanila; recep-toresk motilidade
Reabilitação de à adição.
Meperidina; e δ. intestinal.
usuários adictos Convulsões.
Metadona
(metadona).

245
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Semelhantes aos
Codeína; São agonistas Dor leve a Semelhantes aos
agonistas fortes.
mais fracos do moderada; Tosse dos agonistas
Efeitos menos
Hidrocodona. que a morfina. (codeína). fortes.
intensos.
Semelhante aos
Agonista agonistas fortes,
Agonistasan-
parcial em mas podem
tagonistas Podem precipitar
receptor μ. antagonizar os
opioides Dor moderada. síndrome de
efeitos destes.
abstinência.
Antagonista Reduz o desejo
Buprenorfina.
em receptor к. compulsivo por
álcool.
Reduz o reflexo
Antitussigenos
da tosse. Efeitos adversos
Mecanismo Dextrometor- mínimos quando
Dextrometor- Tosse debilitante
pouco fano e levopro- administrados
fano; aguda.
elucidado. poxifeno não corretamente.
Levopropoxi-
atuam como
feno.
analgésicos.
Intoxicação por
opioides.
É usada no
Antagonistas Podem precipitar
Atuam Antagoniza tratamento da
Opioides síndrome de
bloqueando os rapidamente dependência de
abstinência
receptores μ, todos os efeitos álcool e nicotina e
Naloxona; em usuários
к e δ. opioides. quando associada
Naltrexona. dependentes.
a bupropiona,
pode ser efetiva
na perda de peso.
Efeitos mistos:
Agonista fraco
em receptores
μ, inibidor
Outros Crises convulsivas.
moderado do Dor moderada.
analgésicos
transportador Adjuvante dos
centrais Analgesia. Risco de causar
de recaptação opioides nas
síndrome seroto-
de serotonina, dores crônicas.
Tramadol ninérgica.
inibidor fraco do
transportador
de recaptação de
norepinefrina.
FONTE: A autora

246
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

LEITURA COMPLEMENTAR

Psiquiatria Biológica e Psicofarmacologia: a formação de uma rede


tecnocientífica

Marcela Peralva Aguiar


Francisco Javier Guerrero Ortega

Ao longo de sua história, a psiquiatria constituiu seu arcabouço teóri-


co-metodológico a partir de diversas teorias que podemos condensar em duas
vertentes principais: moral/humanista e fisicalista/biológica. Isto não significa
que as teorias morais/humanistas e as fisicalistas/biológicas formem dois blocos
homogêneos de atuação, mas sim que esta divisão nos permite reunir vertentes
que possuem um arcabouço teórico-metodológico comum em um mesmo grupo
e que em determinados momentos da história da psiquiatria um desses grupos
obteve hegemonia no campo sem jamais eliminar o outro (BYNUM; PORTER;
SHEPHERD, 1985; VALENSTEIN, 1998; SWAIN, 1994; SCULL, 1981, 2005, 2015;
YOUNG, 1995; SHORTER, 1997; SERPA JR., 1998, 2000; BEZERRA JR., 2000; HE-
ALY, 2002, 2003; RUSSO; VENANCIO, 2006; ROSENBERG, 2006).

Dentro desta perspectiva, é possível afirmar que a psiquiatria se constitui


no século XVIII a partir de um referencial moral/humanista e que, ao final do
século XIX, este referencial perderá espaço para as teorias fisicalistas/biológicas,
que tentavam explicar a doença mental exclusivamente com base nestes fatores.
A partir do segundo pós-guerra, estas teorias de cunho fisicalista perdem prestí-
gio e novamente ganham destaque as de cunho moral-humanista, que percebiam
a doença mental como uma doença multifatorial. Em fins do século XX, as teorias
fisicalistas retomam a dominância do campo.

A chamada Psiquiatria Biológica, representante desta última retomada,


ascende como vertente hegemônica, nos Estados Unidos, em 1980, a partir da pu-
blicação do DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Este ma-
nual apresenta uma abordagem que se pretende a-teórica quanto à etiologia dos
então chamados distúrbios mentais (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIA-
TRIA, 1986; KIRK; KUTCHINS, 1992; KUTCHINS; KIRK, 2003; ROSENBERG,
2006; RUSSO; VENANCIO, 2006). Isto implica que, apesar da denominação bio-
lógica conferida a esta vertente, a sua ascensão não esteve vinculada diretamente
a nenhuma descoberta acerca da origem biológica dos distúrbios mentais como se
poderia crer, pois até aquele momento nenhum marcador biológico havia sido
encontrado para nenhum dos distúrbios mentais classificados em seu manual. E,
vale dizer, que esta situação não mudou até o presente momento.

No nível da investigação empírica, a hipótese de que a doença mental


envolve anomalias cerebrais vem alimentando a busca de marcadores biológicos
a fim de se distinguir a “normalidade” e a patologia. Dessa forma, seria a partir
da localização das áreas cerebrais que apresentassem alguma forma de patologia
247
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

que tratamentos específcos viriam a ser desenvolvidos. No entanto, até mesmo


os defensores mais ferrenhos desta abordagem neurobiológica reconhecem que
os biomarcadores permanecem “teimosamente fora de alcance” (HYMAN, 2008,
p. 890). Em 2002, em uma contribuição para a preparação da quinta edição do
DSM (lançado em 2013), um grupo de psiquiatras biológicos proeminentes obser-
vou que a psiquiatria não tinha até o momento “conseguido identificar um único
marcador neurobiológico fenotípico ou gene que fosse útil para fazer um diag-
nóstico de um transtorno psiquiátrico ou para prever a resposta ao tratamento
psicofarmacológico” (CHARNEY et al., 2002, p. 33). Mais de uma década depois,
a situação demonstra não ter mudado (SERPA JR., 1998; CHARNEY et al., 2002;
HYMAN, 2008; WALSH et al., 2011; MAYBERG, 2014; INSEL et al., 2010; INSEL,
2013; KAPUR; PHILLIPS; INSEL, 2012; KIRMAYER; CRAFA, 2014; ROSE, 2013b;
GABRIELI; GHOSH; WHITFIELD-GABRIELI, 2015; ROSE; ABI-RACHED, 2013).

Assim, um artigo de 2011 sobre os desafios envolvidos na busca de bio-


marcadores do autismo concluiu que “apesar de grandes avanços na compreensão
científica básica do autismo, comparativamente, pouco foi conseguido até a data no
que diz respeito a traduzir a evidência resultante em biomarcadores clinicamente
úteis” (WALSH et al., 2011, p. 609-610). E em 2014, a neuropsiquiatra da Universi-
dade de Emory, Helen S. Mayberg, uma figura importante no campo da neuroima-
gem da depressão, admitiu com pessimismo que “as afirmações de alguns clínicos
de que podem usar de forma confiável exames cerebrais estruturais ou funcionais”
para objetivos de diagnóstico e tratamentos “não tem base médica ou científica”.
E acrescenta que tais alegações se encontram “além do escopo da pesquisa atual e
dão falsas esperanças para os pacientes e suas famílias” (MAYBERG, 2014, p. S34).

Um grupo de pesquisadores considerou que uma das razões para essa


falha residiria, em parte, nas categorias para as quais os biomarcadores estão sen-
do pesquisados, que são aquelas fornecidas pelo DSM e CID, ou seja, os manuais
da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e a Classificação Internacional de
Doenças (CID) da OMS. Daí, a iniciativa do National Institute for Mental Health
(NIMH) norte-americano, lançada em 2011, de afastar-se das categorias do DSM e
desenvolver o Projeto Research Domain Criteria (RDOC), destinado a transformar
o diagnóstico psiquiátrico através da convergência da genética, neuroimagem e
ciências cognitivas (INSEL et al., 2010; INSEL, 2013; KAPUR; PHILLIPS; INSEL,
2012). O RDOC representa uma nova perspectiva na busca de marcadores neuro-
biológicos, mas não um novo ponto de partida radical.

Na verdade, o projeto mantém intacta a visão neurobiológica tradicional


do distúrbio/transtorno mental, com seu foco em mecanismos biológicos discre-
tos em detrimento de uma abordagem “ecossocial” mais integrada (KIRMAYER;
CRAFA, 2014). Em RDOC, os marcadores biológicos deixarão de ser acoplados
com categorias do DSM, mas as doenças mentais permanecerão definidas como
“transtornos biológicos que envolvem os circuitos cerebrais que implicam domí-
nios específicos da cognição, emoção ou comportamento” (INSEL, 2013). Para
esses pesquisadores, o problema seria que a elucidação da etiologia desses trans-
tornos demandaria “confiança no cérebro, e não no DSM” (ROSE, 2013, p. 10).

248
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

Contudo, a confiança no cérebro não tem produzido até agora pratica-


mente resultado algum de utilidade clínica ou diagnóstica. A situação atual per-
manece como Nikolas Rose e Joelle Abi-Rached (2013, p. 138) descreveram, ou
seja, “Cada um dos caminhos que a neuropsiquiatria tentou rastrear através do
cérebro parece estar correndo, não para as terras altas brilhantes da clareza, mas
para a floresta escura, úmida, enevoada e misteriosa da incerteza”.

Então, se a procura por marcadores biológicos tem se tornado infrutífera


até o presente momento, indagamo-nos sobre o que teria transformado num es-
trondoso sucesso mundial uma vertente psiquiátrica denominada de biológica,
que não consegue demonstrar a origem biológica dos diagnósticos que constrói
desde os anos de 1980.

Partindo desta questão central, consideramos que o imenso sucesso desta


Psiquiatria Biológica ao longo do mundo ocidental se deve a uma série de vari-
áveis muito complexas, entre as quais podemos destacar: (a) o surgimento dos
primeiros medicamentos psicotrópicos e posterior aumento das suas opções dis-
poníveis; (b) as disputas entre as diversas vertentes que compõem o campo psi-
quiátrico norte-americano; (c) o surgimento e crescimento das indústrias farma-
cêuticas, que, ao final do século XX, se transformarão em verdadeiros complexos
médicos-industriais; (d) o papel desempenhado pelas agências governamentais
reguladoras dos medicamentos, que passarão a exigir diagnósticos passíveis de
serem testados empiricamente para fins de validação e consequente inserção no
mercado; (e) bem como a transformação do papel do psiquiatra em meio a esta
rede de novas exigências.

Neste artigo, pretendemos analisar a ascensão desta Psiquiatria Biológi-


ca a partir das transformações ocorridas no campo psiquiátrico norte-americano
com a difusão dos primeiros medicamentos psicotrópicos, bem como pelo surgi-
mento e crescimento das indústrias farmacêuticas.

Este enfoque se justifica na medida em que esta vertente psiquiátrica foi a


primeira vertente a se apropriar do uso dos medicamentos psicotrópicos, criando
toda uma nomenclatura diagnóstica e uma metodologia de trabalho em conso-
nância com esta ferramenta terapêutica. Criados em 1952, os medicamentos psi-
cotrópicos eram empregados na prática clínica sem qualquer teorização acerca de
seu uso por parte das vertentes psiquiátricas atuantes no campo (SWAIN, 1994).
A nosso ver, a Psiquiatria Biológica não propõe apenas o uso do medicamento
psicotrópico na prática clínica, mas ela insere a psiquiatria num modelo de ci-
ência denominado por Bruno Latour (1994, 1997 [com WOOLGAR, S.], 2000) de
tecnocientífico, no qual as demais disciplinas biomédicas já estavam se inserindo
desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Dentro deste novo modelo de ciência, as indústrias, as universidades, as


agências governamentais, as agências de publicidade, os médicos, os pacientes
e uma série de outros atores passaram a estar interligados numa complexa rede
que transcende em muito o cotidiano da psiquiatria de outrora.

249
UNIDADE 3 — PSICOFARMACOLOGIA

Para realização de nossa análise, apoiaremo-nos, especialmente, nos tra-


balhos de David Healy (2002, 2003) e Edward Shorter (1997), por considerarmos
que esses autores traçam um panorama bastante rigoroso acerca da ascensão des-
ta vertente psiquiátrica no cenário norte-americano, o que nos permite realizar
nosso debate a partir de dados previamente coletados.

Para iniciar nossa discussão, analisaremos o conceito de tecnociência


trabalhado por Latour (1994, 1997 [com WOOLGAR, S.], 2000) e Steven Shapin
(2008), para, posteriormente, discutirmos as modificações ocorridas na psiquia-
tria a partir dos anos de 1980, que inserem esta disciplina dentro de um modelo
típico da tecnociência tal qual os autores descrevem. [...]

O surgimento da psicofarmacologia: um novo nicho terapêutico

O primeiro medicamento psicotrópico, a clorpromazina, foi sintetizado e


empregado pela primeira vez no ano de 1952 em pacientes psiquiátricos graves
internados no hospital Saint-Anne, que era naquele momento o maior hospital
psiquiátrico de Paris. Segundo Healy (2002, 2003), o grande diferencial desta me-
dicação é que ela fazia com que os sintomas delirantes recuassem e, consequente-
mente, os pacientes se acalmassem, sem, no entanto, ficarem sedados.

Por meio da introdução da clorpromazina no meio psiquiátrico se cons-


tituiu o campo da psicofarmacologia no mundo ocidental, que se expande si-
multaneamente no âmbito da clínica, da pesquisa e do mercado. Esta expansão
simultânea em diversos âmbitos e diferentes países ao longo do mundo pode ser
atribuída ao grande investimento feito pela indústria farmacêutica para a conso-
lidação da psicofarmacologia como um novo campo terapêutico.

Segundo Healy (2002, 2003), a clorpromazina teve dificuldades em se inse-


rir no mercado norte-americano, em que outra droga, denominada reserpina, com
efeitos semelhantes aos da clorpromazina, já era utilizada. Além disso, nos Estados
Unidos, a prática de consultório, dominada pela abordagem psicanalítica, era mais
forte que a prática hospitalar, para a qual a clorpromazina estava dirigida.

Contudo, em 1953, a clorpromazina acaba sendo licenciada pela Rhone-


-Poulenc para a Smith Kline & French (SK& F) como um anti-emético — uma
droga para tratar náuseas e vômitos, pois também atuava como um anti-emético.

Assim, a clorpromazina foi lançada como Thorazine, em 1955, nos Estados


Unidos. Segundo Healy (2002), ainda que sua prescrição fosse feita não como um
psicotrópico, mas sim como um anti-emético, ela foi usada para fins psiquiátricos
desde seu lançamento. No segundo semestre de 1955, surge um novo medicamento
no mercado norte-americano, o Miltown (meprobamato). Segundo Shorter (1997),
esta era uma droga voltada para os casos menos graves, frequentes na prática de con-
sultório, o que fez com que ela tivesse grande aceitação no mercado norte-americano.

250
TÓPICO 3 — FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL II

A Thorazine e o Miltown foram inicialmente enquadrados na categoria dos


tranquilizantes. Devido aos diferentes perfis de atuação destas drogas, a clorpro-
mazina e a reserpina foram consideradas tranquilizantes maiores, enquanto o Mil-
town e, mais tarde, o Librium, tranquilizantes menores ou leves. Enquanto isso, na
Europa, a clorpromazina viria a ser denominada de neuroléptico. Todavia, a partir
da década de 1990, os profissionais do mundo todo passariam a denominar, tanto
os tranquilizantes maiores quanto os neurolépticos, como antipsicóticos (SHOR-
TER, 1997; HEALY, 2002; HEALY, 2003; RUSSO; VENANCIO, 2006).

A imipramina, que é um tricíclico, foi lançada na Suíça em 1957, com o


nome de Tofranil, e, em 1958, esta substância se expande para diversos outros
países ao redor do mundo, entre eles os Estados Unidos. Sua principal indicação
era para casos de depressão. Na sequência, vem o Iproniazid (pertencente à clas-
se dos IMAOs − Inibidor de Monoamino-Oxidase), também considerado antide-
pressivo (HEALY, 2003; RUSSO; VENANCIO, 2006).

Em 1960, foi lançado o primeiro benzodiazepínico, comercializado como


Librium, considerado um tranquilizante e um ansiolítico; seguido por outro benzo-
diazepínico, o Diazepan, lançado em 1963 e comercializado como Valium. Ambos
eram produzidos pela empresa suíça La Roche. Em 1969, o Valium ultrapassa o Li-
brium como a droga mais vendida nos EUA. Shorter (1997) destaca a autonomia e
independência da indústria farmacêutica na descoberta e disseminação do Valium:
Como Irving Cohen, um dos psiquiatras que primeiro testou a droga
irmã do Va- lium, o Librium, mais tarde refletiu: “A história do ben-
zodiazepínico (Valium etc.) é essencialmente um modelo de como o
agente terapêutico é concebido e trazido por um empreendimento de
um fabricante farmacêutico que simplesmente busca encontrar uma
droga superior a outras que já estão no mercado.” Assim a Roche es-
tava apenas esperando que seus químicos orgânicos a mantivessem a
par do jogo (SHORTER, 1997, p. 316-317).

Em 1987, foi lançado o primeiro Inibidor de Recaptação de Serotonina


(ISRS), a fluoxetina, conhecida como Prozac, que além de ter sido um grande
sucesso de vendas, popularizou o conhecimento acerca dos psicofármacos entre
o público leigo e ampliou as possibilidades de tratamento psicofarmacológico em
psiquiatria (HEALY, 2002, p. 308; 2003, p. 168). [...]
FONTE: AGUIAR, M. P.; ORTEGA, F. J. G. Psiquiatria biológica e psicofarmacologia: a formação de
uma rede tecnocientífica. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 889-910,
2017. Disponível em: https://bit.ly/3A6Vl4o. Acesso em: 06 set. 2021.

251
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A esquizofrenia é uma doença crônica que produz alucinações, principalmente


na forma de vozes e transtornos de pensamento e de comunicação. O tratamen-
to com antipsicóticos não cura o paciente, apenas alivia a intensidade e frequ-
ência de alucinações. Os antipsicóticos de primeira geração atuam bloqueando
os receptores dopaminérgicos no sistema mesolímbico do SNC e os de segunda
geração parecem atuar pela inibição dos receptores serotonérgicos. Os princi-
pais efeitos adversos desses fármacos são os sintomas extrapiramidais.

• As doenças neurodegenerativas do SNC estudadas neste tópico incluem a


doença de Alzheimer e a doença de Parkinson. São doenças graves caracteri-
zadas pela morte progressiva de neurônios em áreas específicas do cérebro,
resultando em diversos distúrbios. Os fármacos disponíveis são paliativos,
aliviam apenas os sintomas de forma muito discreta e não são capazes de
interromper os mecanismos de morte neuronal.

• Usa-se opioides no tratamento da dor, fármacos análogos à morfina que po-


dem ser naturais, sintéticos ou semissintéticos. Todos os opioides ligam-se
a receptores opioides específicos no SNC para causar efeitos que simulam a
ação dos nossos peptídeos endógenos (endorfinas, encefalinas ou dinorfinas).

CHAMADA

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252
AUTOATIVIDADE

1 Os antipsicóticos constituem os fármacos mais usados no tratamento sinto-


mático das psicoses, sobretudo da esquizofrenia, mas também são usados
como anestésicos e em outros distúrbios psiquiátricos, como o distúrbio
bipolar. Com base no que você aprendeu sobre os antipsicóticos, assinale a
seguir a alternativa CORRETA:

a) ( ) O aripiprazol é um antagonista parcial nos receptores D2. Na teoria,


quando há baixos níveis de dopamina, ele aumenta a ação nesses recep-
tores e, quando os níveis de dopamina estão altos, ele bloqueia as ações.
b) ( ) Os sintomas “negativos” da esquizofrenia como a apatia, desatenção e dé-
ficit cognitivo respondem melhor ao tratamento com antipsicóticos típicos.
c) ( ) A clozapina é protótipo dos antipsicóticos atípicos, os quais são agonis-
tas inversos do receptor 5-HT2A, atuam bloqueando a atividade consti-
tutiva desses receptores.
d) ( ) O haloperidol é o antipsicótico atípico mais usado, apesar de seu eleva-
do nível de sintomas extrapiramidais.

2 Uma moça de 16 anos é levada a um hospital psiquiátrico por apresentar


sintomas esquizofrênicos, há semanas ela afirmava que estava sendo per-
seguida por todos os lugares. Após o diagnóstico, a olanzapina é prescrita
pelo médico. No tratamento da esquizofrenia, quais são as vantagens e des-
vantagens oferecidas pelos fármacos antipsicóticos atípicos em comparação
com os agentes tradicionais, como o haloperidol?

3 A doença de Alzheimer e a doença de Parkinson são doenças neurodegene-


rativas caracterizadas pela morte neuronal progressiva em áreas específicas
do cérebro. Infelizmente, os medicamentos disponíveis são paliativos e não
impedem os mecanismos de morte neuronal. Baseado no que você apren-
deu sobre estes fármacos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A bromocriptina é um antagonista de receptores da dopamina indicada


na doença de Parkinson.
b) ( ) Os efeitos adversos periféricos da levodopa, incluindo náuseas, hipo-
tensão e arritmias cardíacas são aumentados com a associando à carbi-
dopa na doença de Parkinson.
c) ( ) A doença de Alzheimer é caracterizada por morte progressiva de neurô-
nios dopaminérgicos na substância negra.
d) ( ) Inibidores da acetilcolinesterase como a rivastigmina e a galantamina
são associadas com antagonistas de receptores de glutamato para o tra-
tamento paliativo na doença de Alzheimer.

4 Um paciente de 34 anos chega ao pronto socorro com grave lesão cerebral


devido a um acidente automobilístico. Nesse caso, o uso de opioides é acon-
selhado? Justifique.
253
5 Esquizofrenia é uma doença psiquiátrica caracterizada por alterações no
funcionamento da mente que provoca distúrbios do pensamento e das emo-
ções, mudanças no comportamento, além de perda da noção da realidade
e do juízo crítico. São inúmeras as hipóteses e teorias que tentam explicar a
etiologia dos distúrbios esquizofrênicos, atualmente são três as teorias mais
aceitas. Com base nestas teorias, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Hipótese dopaminérgica, serotonérgica e glutamatérgica.


b) ( ) Hipótese glutamatérgica, colinérgica e dopaminérgica.
c) ( ) Hipótese dopaminérgica, colinérgica e serotonérgica.
d) ( ) Hipótese glutamatérgica, colinérgica e serotonérgica.

254
REFERÊNCIAS
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